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Vitruvius Entrevista Otilia

Date post: 11-Nov-2015
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entrevista Otilia Arantes no site Vitruvius
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http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4911 Page 1 of 15 Feb 20, 2014 04:04:19PM MST Otília Arantes Foto Claus Lehmann vitruvius | entrevista 056.02 vitruvius.com.br como citar RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , São Paulo, ano 14, n. Entrevista 056.02, Vitruvius, out. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4911>. A entrevista com a professora filósofa Otília Beatriz Fiori Arantes (FFLCH USP), baseada no seu recente livro sobre Berlim e Barcelona, fornece chaves de leituras e instrumentos para se discutir o papel do urbanismo e dos novos atores, a crise da forma urbana e as grandes transformações nas cidades a partir dos grandes eventos. Os temas abordados elucidam as modalidades de transformações em curso, a natureza dos processos e as novas formas do espaço físico. Apesar desta entrevista com exclusividade para o Portal Vitruvius se deter ao seu livro mais recente que trata de Berlim e Barcelona (1), sua produção tem gravitado em torno de temas que dão suporte reflexivo para pensarmos o projeto da cidade contemporânea. A estrutura da conversa foi elaborada visando se tornar subsídio didático para o curso internacional de extensão universitária denominado “A dimensão paisagística no projeto da cidade contemporânea: um itinerário de estudo nas cidades de Berlim, Barcelona e Atenas”. nota 1 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. . . São Paulo, Annablume, Berlim e Barcelona Duas imagens estratégicas 2012. Ver no guia de livros do portal Vitruvius: . www.vitruvius.com.br/pesquisa/bookshelf/book/1365 como citar RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , São Paulo, ano 14, n. Entrevista 056.02, Vitruvius, out. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.056/4911>. Adalberto da Silva Retto Jr: Em seu último livro, sobre Berlim e Barcelona, ambas as cidades emergem como duas "imagens estratégicas" para a compreensão das transformações urbanas ocorridas nas últimas décadas do século 20. Nas capitais em consideração, como em outras, experimentou-se nos anos de 1980 novas modalidades de intervenção pública, com variadas formas de colaboração entre administradores e entes privados. Um confronto, entre as mesmas, evidencia peculiaridades no “governo das transformações”: a lógica do processo e os tipos de atores da transformação. A Sra. pode precisar alguns destes pontos comuns ou diferenças, nos casos específicos
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    HotelArts(com

    esculturaem

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    Otlia Arantes Foto Claus Lehmann

    vitruvius | entrevista 056.02 vitruvius.com.br

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013 .

    A entrevista com a professora filsofa Otlia Beatriz Fiori Arantes(FFLCH USP), baseada no seu recente livro sobre Berlim eBarcelona, fornece chaves de leituras e instrumentos para se discutiro papel do urbanismo e dos novos atores, a crise da forma urbana eas grandes transformaes nas cidades a partir dos grandeseventos.

    Os temas abordados elucidam as modalidades de transformaesem curso, a natureza dos processos e as novas formas do espaofsico.

    Apesar desta entrevista com exclusividade para o Portal Vitruvius sedeter ao seu livro mais recente que trata de Berlim e Barcelona (1), sua produo tem gravitado em tornode temas que do suporte reflexivo para pensarmos o projeto da cidade contempornea.

    A estrutura da conversa foi elaborada visando se tornar subsdio didtico para o curso internacional deextenso universitria denominado A dimenso paisagstica no projeto da cidade contempornea: umitinerrio de estudo nas cidades de Berlim, Barcelona e Atenas.

    nota

    1ARANTES, Otlia Beatriz Fiori. . . So Paulo, Annablume,Berlim e Barcelona Duas imagens estratgicas2012. Ver no guia de livros do portal Vitruvius: .www.vitruvius.com.br/pesquisa/bookshelf/book/1365

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013 .

    Adalberto da Silva Retto Jr: Em seu ltimo livro, sobre Berlim e Barcelona, ambas as cidadesemergem como duas "imagens estratgicas" para a compreenso das transformaes urbanasocorridas nas ltimas dcadas do sculo 20. Nas capitais em considerao, como em outras,experimentou-se nos anos de 1980 novas modalidades de interveno pblica, com variadas formas decolaborao entre administradores e entes privados. Um confronto, entre as mesmas, evidenciapeculiaridades no governo das transformaes: a lgica do processo e os tipos de atores datransformao. A Sra. pode precisar alguns destes pontos comuns ou diferenas, nos casos especficos

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    eTorre

    MAPFREentre

    aCidade

    Olmpicaeo

    PortoOlmpico,

    1992Foto

    FranciscoMarques

    analisados no livro? Acrescento a pergunta: so as ocasies (grandes eventos, Indovina, citadoapudem vrios momentos pela Sra.), que determinam as mudanas das e nas cidades? Ou as oportunidadesde partes da cidade, que definem como e onde deve ser mudado? Como isto se deu nestas duascidades?

    Otilia Arantes: Na verdade, o que h de certo que ambas as cidades saram de dcadas deopresso, quando as transformaes que analisei ocorreram, e o objetivo destas, tanto numa como naoutra, foi, em grande parte, restaurar a autoestima de seus habitantes, que lhes seria devolvida pelasuperfcie refletora dos Grandes Projetos, mesmo que s custas de um redesenho scio-econmico deefeitos bastante contraditrios. So tais contradies que tento trazer tona no livro que vocmenciona, e que se devem sobretudo a uma lgica semelhante de empresariamento das cidades ou deadoo de uma estratgia que visava a transformao de ambas em cidades globais, em atrair grandes

    investimentos da iniciativa privada, em especial no sentido de transformar sua imagem numa marcacompetitiva em plano internacional, inclusive fazendo da cultura grandes eventos ou equipamentosculturais, mas tambm a prpria arquitetura a ser exibida um fator essencial para ativar suasrespectivas mquinas de crescimento, nas quais o turismo seria igualmente um dos motoresimportantes. Para tanto Barcelona adotava, j no perodo pr-olmpico, o Planejamento Estratgico (em1989 casualmente no mesmo ano da Queda do Muro); em Berlim, de seu lado, mesmo que nohouvesse um tal Plano (ao menos no sentido estrito em que vinha sendo empregado pelos urbanistas),no entanto a frmula adotada era muito semelhante: no faltava nenhum dos ingredientes doPlanejamento Estratgico, ou daquele modo de fazer cidade. claro que na escala gigantesca de umacapital com ambies bem mais do que europias: megaprojetos emblemticos; urbanismoacintosamente corporativo, nenhuma marca global ausente; gentrificaes se alastrando por todo ocanto; exibicionismo arquitetnico em grande estilo; parques museogrficos; salas de espetculosagrupadas em complexos multiservice de aparato e muita, muita animao cultural disponvel para 24horas de consumo (como j havia escrito num ensaio anterior). Evidentemente as Grandes Obras sodistintas no caso de uma Olimpada ou de uma cidade reunificada aps anos murada e semeada porvazios deixados pela Guerra, enquanto na primeira, as reas degradadas se deviam em grande parte aoprocesso de desindustrializao e, consequentemente, desativao parcial da rea porturia, lembrandoque Barcelona uma cidade martima e a urbanizao da orla no evidentemente da mesma naturezade um deteriorado pela ciso que o inviabilizava. Em contrapartida, ambas convergiam naMittenecessidade de preservar os assim chamados valores culturais e o patrimnio arquitetnico, e ao mesmotempo, faz-los conviver com o novo. Ou seja, com uma arquitetura que rompesse com padres egabaritos pr-fixados no caso de Barcelona, ao menos no incio, com menos ousadia e em grandeparte com projetos de arquitetos catales, j Berlim estreou com mais de 300 escritrios em ao,especialmente de estrangeiros, e com uma arquitetura de ponta o primeiro e mais chamativo exemplofoi justamente Potsdamer Platz, que analiso. Ambas as cidades, no entanto, proclamando uma misturaarquitetnica e social que, no entanto, cedeu lugar aos interesses rentistas e onde a especulaoimobiliria, desde o incio, foi determinante em relao ao redesenho scio-espacial, gerando igualmente,nas duas, processos de ntida gentrificao. Portanto, diferenas parte, especialmente o fato nico deuma cidade candidata capital, depois de anos de isolamento, tanto em Barcelona, quanto em Berlim, asgrandes empresas e os grandes negcios parece-me terem dominado a cena, sendo utilizadas tambm,de forma muito explcita, nas duas cidades, iscas culturais, do patrimnio preservado ou restaurado,como acabei de mencionar, aos novos equipamentos culturais.

    Passo ento ao seu segundo ponto: se as mudanas so consequncia das ocasies ou seja,

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    Edifcioinfraestrutural,

    Riode

    Janeiro,1929.

    ArquitetoLe

    CorbusierFundao

    LeCorbusier[SEGRE,Roberto.

    "Ministrioda

    Educaoe

    Sade",RomanoGuerra,2013]

    PotsdamerPlatz,

    projetourbano

    deRenzoPiano

    emconstruo,

    Berlim,anos1990FotoMaria

    deBetniaUchoa

    Cavalcanti

    produzidas pelos grandes eventos ou ao contrrio, o potencial de partes destas cidades quedeterminam as mudanas. Creio que ocorrem as duas coisas e, em muitos casos, so atinterdependentes, ou seja: buscam-se pretextos (ocasies), para se desenvolver, nas cidades-sedes,mudanas (nas suas configuraes urbanas ou sociais) em pontos estratgicos em geral reas oudegradadas fisicamente ou extremamente pobres (caractersticas no mais das vezes coincidentes), e,portanto, propcias s famigeradas requalificaes.

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013 .

    Adalberto da Silva Retto Jr: No incio do sculo 20 temos uma intensa circulao de ideias, modelose profissionais, do mesmo modo, a partir dos anos 1980, afirma-se outro fluxo de arquitetos eurbanistas que trabalharam como consultores, tomando como referncia cidades como Barcelona,entre outras. Do ponto de vista profissional, do Urbanismo Moderno ao Planejamento Estratgico, oque foi alterado?

    Otilia Arantes: Acho que no podemos generalizar o que ocorreu especificamente com Le Corbusier,a partir dos anos 1920, chamado por vrios governos para realizar projetos arquitetnicos ouurbansticos, ou mesmo assessorar arquitetos locais, como foi o caso, no Brasil, na dcada de 1930.Arquiteto de projeo internacional, com muitos textos-manifestos publicados e figura de proa dosCIAMs, teve, realmente, um papel muito importante na difuso da arquitetura moderna, tendo sido umdos autores da plataforma da cidade funcional (ou das suas verses, sendo a mais difundida a de1933). Alm disto, a poltica de tabula rasa que propunha e de modelos urbanos padronizados (comono Plan Voisin) s podiam ser cogitados por governos fortes, em geral do terceiro mundo, por assimdizer predispostas a correr os riscos de tais intervenes drsticas, ou, em pleno auge de expansocapitalista, como os Estados Unidos. Poucos deles alis executados, mas que deixaram discpulos

    pelo caminho a nossa AM certamente no teria sido o que foi se no fossem as passagens do arquitetofranco-suo por aqui. De outro lado, preciso pensar nas lies dos mestres da Bauhaus. Muitos deles,e a prpria escola, com a ascenso do nazismo, acabaram migrando para os Estados Unidos. Aliconstruram e deixaram um padro de arquitetura que logo se tornaria o chamado Estilo Internacional,mais adiante exportado por seus anfitries como se fosse expresso americana genuna, sendo oexemplo mximo Mies Van der Rohe, no por acaso com o famoso Seagrams. Foi quando a arquiteturade ao e vidro passou a dominar os grandes centros empresarias mundo afora. No que tange ourbanismo, intervenes a la Robert Moses, tambm fizeram escola , mas a, a responsabilidade noser mais to diretamente dos mestres ou das lies dos CIAMs. Dos anos 1920 aos 1950 tivemos umperodo indiscutivelmente dominado, no plano das ideias arquitetnicas e urbansticas, pelos Modernos.Creio ser desnecessrio recapitular a pauta de uma arquitetura que se pretendia maximamente racional ecujo ideal construtivo estava totalmente sintonizado com o seu tempo o de uma utopia tcnica dotrabalho, e que, uma vez destroada, foi dando lugar a um formalismo extremado que logo se exauriu,sendo substitudo por outras expectativas mais adequadas s novas formas de produo capitalista doespao, na origem de novas concepes de arquitetura e de urbanismo.

    Deixando de lado o perodo de transio, especialmente nos anos 1960/1970, pulo para o Planejamento

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    OperaoUrbana

    Estratgico, resultado de uma concepo de cidade-empresa, ou ainda, de cidade como mquina decrescimento. Em primeiro lugar, nada a ver com a circulao dos Modernos e de suas ideias a conviteou forados , com os escritrios de consultoria criados a partir do momento em que as cidadescomearam a ser concebidas como empresas a serem otimizadas. Utilizando minha comparao no textode abertura do livro citado no incio por voc sobre Berlim e Barcelona Gentrificao estratgica , senos reportarmos cidade-mquina moderna, a mudana de postura dos gestores urbanos e dos prpriosurbanistas no deixa de ser espantosa: quando um moderno propunha uma cidade segundo o modelo delinha de montagem fordista, tinha em mente antes de tudo a presumida racionalidade construtiva de talprocesso e ficaria sinceramente chocado se lhes fosse exposta a dura verdade de sua funcionalidadesistmica por assim dizer de nascena. Hoje, o que poderia ter sido motivo de escndalo a revelaoda mercadorizao integral de um valor de uso civilizatrio como a cidade tornou-se razo legitimadoraostensivamente invocada. Atualmente o urbanismo no vem mais para corrigir, mas para incrementar aproliferao urbana, para otimizar a competitividade das cidades, todo o vocabulrio alis nitidamenteempresarial. E se trata no apenas de gesto urbana , mas Na origem destalike business for business.virada, as cidades-empresas americanas dos anos 1970 (na denominao de Peter Hall, em Cidades

    , de 1988), ou seja, os processos urbansticos adotados de incio por James Rouse emdo amanhBaltimore, de cuja cidade era prefeito, e logo em outras muitas cidades americanas no esqueamosque tambm o exemplo adotado por Harvey para diagnosticar esta inflexo em Condio ps-moderna,s que pondo a nfase na espetacularizao urbana, essencial alis, neste processo de valorizao dascidades. Lembro tambm que a prefeitura de Barcelona que nos concerne mais de perto mantinhaintercmbio com Rouse desde ao menos 1982 e o chamou como assessor na fase pr-olmpica, em1989, especialmente para a transformao de seu maior projeto e vitrine poca o (oMoll de la Fustaporto antigo) , chegando a contratar a sua empresa para lev-la a efeito.

    Em sntese, nas palavras de Hall, o que vemos acontecer uma nova elite financeira tomandoefetivamente posse das cidades, liderando uma coalizo pr-crescimento que habilmente manipula oapoio pblico e combina fundos pblicos e privados com a finalidade de promover uma urbanizaocomercial em grande escala. Ou ainda, como definiram John Logan e Harvey Molotch (j em 1976 eexposto por extenso em 1987) a cidade, enquanto , resulta da coalizo da elite, centradagrowth machinena propriedade imobiliria e seus derivados, mais uma legio de profissionais caudatrios de um amploarco de negcios decorrentes das possibilidades econmicas dos lugares, com o intuito de expandir aeconomia local e aumentar a riqueza. O apoio da populao, no af de se projetar e consequentementecompetir pelos investimentos em plano internacional, um elemento importantssimo e bastantereivindicado pelos catales ao dar forma ao planejamento estratgico de exportao (apresentado noHabitat de 1996). A em torno do crescimento a qualquer preo a essnciafabricao de consensosmesmo de toda localizao torna-se a pea chave de uma situao de mobilizao competitivapermanente para a batalha de soma zero com as cidades concorrentes. Uma fbrica por excelncia deideologias, portanto: do territrio, da comunidade, do civismo, etc. No corao dessas coalizes, a classerentista de sempre, hoje novamente na vanguarda dos movimentos urbanos: incorporadores,corretores, banqueiros etc., escorados por um squito de coadjuvantes igualmente interessados epoderosos, como a mdia, os polticos, os promotores culturais, as empresas esportivas, etc. sem deixarde mencionar, claro, os prprios arquitetos e planejadores urbanos (que de guarda caa setransformavam em caadores furtivos Peter Hall ou nem to furtivos..., podemos dizer, passadosmais de 20 anos).

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    Edifcioem

    Kreutzbergpara

    oIBA

    1987ao

    ladode

    prdiosrestaurados.

    ArquitetolvaroSizaFotoOtlia

    Arantes

    EixoTamanduatehy,

    SantoAndr,2007

    Divulgao[Prefeitura

    deSantoAndr]

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013 .

    Adalberto da Silva Retto Jr: O interesse particular nas intervenes urbanas realizadas em Berlim,nas ltimas duas dcadas do sculo XX, alm dos resultados particulares obtidos, fundou-se,parece-me, na investigao terico-disciplinar, que coloca dentro da discusso o problema da formacomo uma questo de arquitetura, e da memria histrica, como instrumento para sua definio. Aquesto central do debate arquitetnico torna-se, assim, o tema da memria como ferramenta deprojeto: entre nostalgia do passado e homenagem ao moderno, entre continuidade e renovao e dapesquisa das razes histricas ambiciosa busca por uma Nova Berlim. Nesse cenrio, quais so asdiferenas das transformaes, findadas em Barcelona e Berlim, quanto a este quesito particular?

    Otilia Arantes: Comecemos pelo exemplo de Berlim, visto que nele que voc se detm. Em primeirolugar, temos que recuar um pouco no tempo. Se no ps-guerra a reconstruo de Berlim se deu atoque de caixa e sob a ao dos bulldozers, que mais destruram do que na prpria guerra, e porempreiteiros estimulados pelos incentivos estatais, sem nenhuma preocupao arquitetnica muito

    menos de preservao ou restaurao, embora tenham restado alguns nichos de construes maisantigas (como Kreuzberg, no lado ocidental, e vrios outros no lado oriental), vrias iniciativas posterioresprocuraram corrigir esta imagem de uma Berlim to feia quanto cinzenta, trazendo uma arquitetura mais

    e digna deste nome, como a criao do bairro Hansa na Interbau de 1957, do qualup to dateparticiparam arquitetos do mundo inteiro (entre eles, o nosso Oscar Niemeyer), ou a construo de algocomo um centro de , que passaria a ser um smbolo da Berlim ocidental: a Galeria Nacional,high cultureprojetada por Mies Van der Rohe, compondo com o conjunto, formado pela Sala da Filarmnica e aBiblioteca obra de outro alemo, Hans Sharoun , algo assim como um (todas,Mix-Event-Malliniciativas dos anos 60). Novamente um surto de renovao vai ocorrer com a Interbau (IBA) de 1987,que trouxe, desde o final dos anos 1970, inmeros arquitetos de projeo internacional (j em plena vogaps-moderna: Vittorio Gregotti, Aldo Rossi, Hans Hollein, Lon Krier, Peter Eisenman, Carlo Aymonino,Paolo Portoghese, Rem Koolhaas e vrios outros) para projetar edifcios, especialmente residenciais, emvazios mais ou menos centrais da cidade. Mas, ao mesmo tempo, seguindo as novas palavras de ordempreservacionistas e contextualistas, e cedendo a presses sociais e polticas, visto que a cidade sedualizava de uma maneira muito evidente (e aqui estou me referindo obviamente Berlim ocidental,objeto das iniciativas do IBA), fez parte deste grande projeto de berlinense a restauraoaggiornamentode uma bairro cado no esquecimento, totalmente deteriorado, por parte de imigrantes,squaterizadoartistas e estudantes, Kreuzberg. Esta grande recuperao , com interiorizao dosstep by stepquarteires, disponibilizando servios para os que a habitariam, eventualmente reconstruindo partesdemolidas, seja com a participao dos moradores, muitos deles artistas, seja de arquitetos convidados,mas que se submetiam ao entorno e discutiam com usurios, que formaram um conselho local,transformou-se num modelo para muitas outras cidades, mas especialmente para a recuperao do restode Berlim aps a queda do muro. Talvez menos democrtica, semelhante apenas na forma, o que sepode ver hoje: uma postura bastante preservacionista, como no velho Mitte, por exemplo Hakesche Hfe,ou no bairro de Prenzlauerberg, e noutros mais (os efeitos gentrificadores so inegveis, apesar dapropalada mistura social da decorrente, mas no vou discuti-los aqui). Ao mesmo tempo, aps aunificao, com vistas a voltar a ser a capital da Alemanha, muitssimas novas construes foram

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    Distrito22@,

    Barcelona.O

    bairrofabril

    HackescherMarkt,

    novelhoMittede

    Berlim,restaurado

    porGtz

    Bellmanne

    WalterBhm,

    1996-98Foto

    divulgao[AnurioBauwerBerlin

    /Prefeitura

    deBerlim]

    realizadas, como j mencionei, mais de 300 grandes escritrios de arquitetura a se instalaram, s queagora, diferena do IBA, para realizar grandes projetos, como Potsdamer Platz (Renzo Piano, RichardRogers, Helmut Jahn, Hans Kollhoff, Rafael Moneo etc.), Grandes Magazines, como a Galeria Lafayette(Jean Nouvel), restaurao de prdios monumentais (por vezes com interveno tambm de arquitetosdo , como Norman Foster no Bundestag), museus antigos e novos, e assim por diante. Enfim,star systemtoda uma arquitetura vistosa que desse a Berlim a imagem e correspondente de capital e, quemstatussabe, de mais uma , possivelmente de uma capital cultural da Europa.World City

    A histria de Barcelona de outra ordem, embora uma grande empreitada de recuperao urbanatenha se iniciado quase contemporaneamente, aps o fim da ditadura, coincidindo tambm com umprocesso muito rpido de desindustrializao, com enormes reas degradadas ou esvaziadas. Eranecessrio transformar a velha Manchester europia num grande centro de servios, com especialenfoque no turismo. Iniciou-se com intervenes pretensamente modestas e dentro do esprito quecomandou a restaurao de Kreuzberg, mas, alavancada pelas Olimpadas de 1992, logo reasinteiras foram reconstrudas, de forma j no to modesta...: reurbanizao da orla, com umaprogressiva privatizao da mesma, grandes hotis, a Vila Olmpica (embora projetada por catales, dearquitetura diferenciada), museus (com destaque para o MACBA de Richard Meyer em pleno bairroantigo do Raval), teatros, e assim por diante. Se a rea urbana desenhada por Idelfonso Cerd e asamostras de arquitetura modernista (Gaud acima de tudo) ficaram quase intactas, o mesmo noocorreu com os bairros antigos e com as reas mais populares, de velhas fbricas e residncias deoperrios, como Poble Nou (onde foi construda a Vila Olmpica e, mais recentemente o distrito 22@,um que se pretende de alta tecnologia, na verdade povoado de torres no estilo mais cluster up to datedos grandes centros empresariais). Embora abrigasse o maior conjunto urbano medieval at entopreservado e muitas destas edificaes fossem mantidas e restauradas neste perodo de reconstruops-Franco, muitas foram destrudas para dar lugar a Ramblas, praas, Centros Culturais, Universidadeetc. Tais intervenes representaram por vezes interferncias de grande porte, com a alegao de

    humanizar reas extremamente adensadas. Onde no havia lugar para o convvio, criaram-serespiradores custa de eliminao de moradias, muitas vezes de quarteires inteiros e isto numcrescendo, como ocorrer alguns anos mais tarde com a abertura da Rambla no corao do Raval, comseus 18.300 m2, resultante da demolio de 62 edifcios, sem contar os outros 50, contguos Rambla,demolidos para dar origem a um que deve reunir um hotel 4 estrelas, projeto de Per Puig (jplateauconcludo), associado a um conjunto mltiplo, de habitao, comrcio, garagens subterrneas e, comono poderia deixar de ser, uma instalao cultural, a Filmoteca Nacional regio que at hoje estprovocando deslocamentos ou troca de populaes e atividades, num redesenho fsico e social daregio. verdade que o festival de arquitetura do , seguindo o modelo das mundostar system Cytiesafora, se deu especialmente a partir do final do sculo passado, mas sem a monumentalidade dosprdios que compem a capital alem. Se h diferenas na busca das razes histricas, entre Barcelonae Berlim, ou mesmo na pretenso desta ltima de ser um grande centro mundial carregado de tradies(por vezes sombrias, diga-se de passagem), no esqueamos que, guardadas as propores, aCatalunha tambm procura afirmar sua identidade diante do mundo e a salvo do domnio espanhol!

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013 .

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    Edifcio residencial em Kochstrasse/Friedrichstrasse para o IBA 1987,Berlim. Arquiteto Aldo Rossi Foto Otlia Arantes

    dePobleNouvaise

    transformandoem

    bairroempresarial

    FotoMirelaFiori

    Adalberto da Silva Retto Jr: Aldo Rossi, com olivro (1966, ed. Alem,Arquitetura da cidade1973), coloca as bases de uma teoria urbana queentende a cidade como arquitetura, uma estruturaespacial no seu conjunto, no qual a diviso dosolo, com os seus lugares ou fatos primriosem sua origem e determinando sua evoluo econfigurao, representa a imagem da longahistria da forma urbana. As posies de Rossi,as planimetrias de Colin Rowe e Fred Koetter(alm das anlises de Jane Jacobs, Kevin Lynche Robert Venturi), foram discutidas em Barcelona,assim como em Berlim. Em Berlim, por razes

    histricas e polticas, essa discusso chegou com quase vinte anos de atraso e somente no final dosanos de 1970, que os arquitetos tornaram-se sensveis ao contexto histrico da cidade, sua histria e sua conservao. Como analisar esse descompasso interno na Europa?

    Otilia Arantes: verdade que em quase toda a Europa as teorias do Rossi, alis, de todo o grupo ligadoa Giuseppe Samon e Escola de Veneza, tiveram muita repercusso, e que Bolonha dos anos 1960 foia Meca dos arquitetos e urbanistas em busca de alternativas para a tabula rasa dos modernos. Assim, arevalorizao da arquitetura tradicional, preservao dos monumentos, etc. (os vrios contextualismos:dos italianos citados, de Bernard Huet na Frana, de Oriol Bohigas e seu grupo na Espanha que alischegam a se constituir num grupo denominado ), a concepo de cidade como umaTendenzasuperposio arqueolgica de fases histricas (Rowe & Koetter), o urbanismo na escala humana(Jacobs) ou a valorizao da arquitetura comum (Venturi), o que d o tom ao debate daquele perodo:anos 1960-1980. Aos poucos o ps-modernismo vai trazendo a arquitetura para um primeiro plano,marcando a revanche dos arquitetos sobre os urbanistas e, banindo do seu receiturio o lema damodstia (Huet), dar espao a obras singulares, devidamente assinadas, e cada vez maisextravagantes sobrepondo-se assim a uma viso mais geral da cidade, e, especialmente, de sua histria,suas tipologias arquitetnicas, morfologias urbanas, etc. (to presentes no debate anterior) em vez decriar no criado, simplesmente criar, ou melhor, inventar o triunfo da diferena exacerbada(Koolhaas), do raro, do espetacular, das imagens fericas, que por sua vez vo servir ao marketingurbano, e assim por diante.

    Pode-se dizer que Berlim e Barcelona passaram por ambas as fases, ou combinaram as duas, como sepode deduzir do exposto nas respostas anteriores. Se o debate comeou antes em Barcelona, no possoassegurar, mas as lies s foram tiradas a partir dos anos 1980, de forma que no se pode dizer queBerlim, com sua poltica de preservao de Kreuzberg, tenha chegado com atraso. Alis, a combinaodas duas estratgias talvez se d at hoje em ambas e a bem dizer foi adotada concomitantemente.Volto a um ponto nevrlgico de um antigo argumento, a saber, a convergncia de fundo entre duastendncias que se pretendiam contrapostas: a dos contextualistas e dos empreendedores convergnciaobjetiva que se expressa na cidade-empresa-cultural, da qual Barcelona e Berlim so bons exemplos.

    como citar

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    Altes Museum, Berlim, 1928. Arquiteto Karl Friedrich Schinkel FotoLeandro Neumann Ciuffo [Wikimedia Commons]

    Sonycenter em Potsdamer Platz, Berlim, 2000. Arquiteto HelmutJahn Foto Otlia Arantes

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista comOtilia Arantes. , So Paulo, ano 14, n.Entrevista056.02, Vitruvius, out. 2013.

    Adalberto da Silva Retto Jr: Trs fenmenos degrande amplitude, intimamente ligados, marcaram aafirmao e expanso da sociedade industrial, dosculo 19 ao incio do sculo 20: a proliferao demuseus, as exposies universais e os congressosinternacionais. plausvel, portanto, fazer uma

    comparao com os acontecimentos atuaisincluindo a rea do urbanismo, apesar de umaclara diferena na escala e problemtica dasintervenes. Quais so as permanncias erupturas mais evidentes nesse paralelo?

    Otilia Arantes: Talvez possamos dizer que estavade um certo modo tudo l, desde o incio, pois taisiniciativas, no campo da cultura, do entretenimentoe do turismo, esto ligados, como voc mesmolembra, expanso da sociedade industrial eacompanham suas diferentes etapas, tanto quantoa concomitante formao de uma sociedade demercado.

    Como se pode comprovar, no que concerne o primeiro caso de proliferao citado por voc: os museus.Se a arte no uma mercadoria, ela entretanto algo que se pode expor no mercado e ser avaliada emfuno da demanda, como qualquer mercadoria. E no por acaso que o aparecimento dos primeirosmuseus pblicos no sculo 18 o British Museum (1754) e o Louvre, como Museu da Repblica (1793),deu-se simultaneamente ao das primeiras casas de leilo na Inglaterra e dos Sales de Arte na Frana. quando comea a ascenso de uma burguesia que no s passa a ter acesso cultura, como seconstitui numa classe que a reivindica como proprietria, que a v portanto como um bem de consumo,dando origem aos ditos ou , sem esquecer dos intermedirios culturais collectors amateurs avant la lettre, os crticos de arte (um exemplo clssico so os Sales de Diderot, seguido, no sculo 19, porBaudelaire e uma sucesso de ). Dito isso, no se pode desconhecer o fato de que a expansosalonniersdos museus pela Europa (e posteriormente pelos Estados Unidos) se deve tambm a um genunoimpulso poltico democratizante, oriundo da Revoluo Francesa. Ao que logo se acrescentou, noentanto, associado ao empenho de afirmao cultural local, um concomitante gesto imperial de exibircomo um triunfo cultural os despojos da acelerada expanso colonial subsequente. O conjunto embaladono mesmo pacote de celebrao da Grande Arte. Mais para o ltimo quarto de sculo (19), surgem osprimeiros grandes no custa mencionar o mais conhecido de todos, Durand Ruel,marchandsresponsvel pela valorizao dos Impressionistas, abarrotando com suas telas os museus e as coleesamericanas. Igualmente, e no menos decisivos, os curadores. Uns e outros tiveram um papelimportante na definio dos parmetros da histria moderna da arte, lembro, a ttulo de exemplo, Alois

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    Museu de Arte Contempornea, Barcelona. Arquiteto RichardMeier Foto Otlia Arantes

    Riegl, curador de tapearias no Museu de Viena que forjou o polmico conceito de , ouKunstwollenvontade das formas de um determinado perodo histrico, atribuindo portanto, a mesma importncia,por assim dizer, aos objetos considerados artsticos quanto queles da vida quotidiana, desconsideradosde um ponto vista pretensamente esttico. Mas fui me afastando do foco de sua pergunta. Na verdade voltando e reforando meu argumento a relao arte-mercado tem muito a ver com os museus, soeles os grandes avalistas, eles que fazem ou desfazem reputaes. H mais de dois sculos que anossa relao com as obras de arte indiscutivelmente filtrada pelos museus. No por acaso asvanguardas, no incio do sculo 20, como acontecer novamente com as neo-vanguardas dos anos 60,vo sistematicamente questionar a Instituio Museu, rompendo, por vezes ruidosamente, com ospadres estticos estabelecidos. Embora boa parte delas, mesmo em suas manifestaes maisirreverentes, acabem sendo recuperadas pelos museus, como mais um botim, e, portanto, igualmenteincludas no rol das mostras oficiais e das obras cotados em bolsa.

    J os Novos Museus, ditos Ps-Modernos (dando umsalto no tempo), se transformaram numa dasmanifestaes mais visveis da lgica cultural capitalistaem regime de acumulao flexvel - cenrios de umavida pblica inexistente porm alimentando uma sortede estilo (altamente produzido alis)esttico-hedonista de consumo da vida ideolgica ematerial nestes ltimos trinta anos. Estticaps-moderna que celebra a diferena, a efemeridade, oespetculo, a moda e a mercantilizao de todas asformas culturais (David Harvey) lugar privilegiado deconvvio das diferenas, segundo pretendem autores osmais dspares. Na verdade, um processo de mo dupla,

    em que desestetizao crescente da arte corresponde uma estetizao da vida, sendo a nova culturados museus, como bem constatou Christa Brger, uma das expresses mais enfticas desse processode estetizao. Ao contrrio dos Museus Modernos, ainda projetados com intenes didticas, oumesmo, j nos 1970 (como o Beaubourg), vindo responder em parte s demandas ps maio de 1968 pordemocratizao da cultura, a partir dos anos 1980, os museus optaro claramente por represar e desviaresse didatismo em favor de uma atitude crescentemente hedonista, a seu ver, requerida pela sociedadede consumo. Estetizao alis presente, em primeiro lugar, onde mais escancaradamente visvel, naprpria arquitetura dos museus, arquitetura que cada vez mais se apresenta como um valor em simesmo, como uma obra de arte, como algo a ser apreciado como tal e no apenas como umaconstruo destinada a abrigar obras de arte.

    Em consequncia, reina atualmente uma grande animao no domnio tradicionalmente austero eintrovertido dos museus. Entramos neles como num de variedades com cenriosshow-roomespetaculares, sem falar nas demais atraes: atualmente, quem visita os museus dispe de amplosespaos para a mais desenvolta , abrigando jardins, passarelas, terraos e janelas que trazem aflneriecidade para dentro do museu ao mesmo tempo ponto de vista privilegiado sobre o mundo exterior evida pblica em circuito fechado, que conta tambm com cafeterias, restaurantes, ao lado de atelis,salas de projeo ou de concertos, livrarias etc. As longas filas que se formam entrada dessas novascasas de cultura nem sempre se devem ao antigo amor arte, concentrada no acervo do museu, mas a

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    Abertura oficial da Grande Exposio, Palcio de Cristal,Londres, 1851 Litografia de Louis Haghe [Wikipedia for Schools]

    essas mltiplas atraes. Sem contar o sucesso de marketing das Grandes Exposies itinerantes.Portanto: de abrigo das obras a cenrios de atividades mundanas at o mundo invadindo osfashionprprios museus: eventos oficiais, grandes Mostras, desfiles de moda, bailes de mscara, etc. , aprpria arquitetura que se altera, transformando-se num atrativo a mais, seno o principal. Como j sedisse exausto: no mais to bvia a diferena entre museus, antes vistos como templos da cultura(as catedrais do sculo 20, como ainda as designava Andr Malraux, h meio sculo atrs) e

    . Como declara alis, sem meias palavras James Stirling o arquiteto responsvel pelasshopping-centersampliaes da de Stuttgart e da antiga de Londres: se os museus soNeue Staatsgalerie Tate Galleryhoje em dia lugares de recreao, e as exposies apresentam uma inegvel dimenso mercantil, porque tanto escrpulo, por que economizar no projeto os elementos que podem evocar centros comerciais?

    No por acaso, os Estados nacionais do capitalismo central, mobilizaram o atual dastar systemarquitetura internacional, no intuito de criar grandes monumentos que sirvam ao mesmo tempo comosuporte e lugar de criao da cultura e reanimao da vida pblica. Enquanto vo atendendo sdemandas de bens no materiais nas sociedades afluentes tambm vo disseminando imagens maispersuasivas do que convincentes de uma identidade cultural e poltica, e poltica porque cultural, danao ou das cidades, utilizando-os por isto mesmo como imagens de marca a atrair atenes einvestimentos. Alguns governos, acossados pela crise e pela voga neoliberal, no temeram em aomesmo tempo restringir o oramento do sistema previdencirio e investir no campo do emculturelexpanso (de retorno seguro e rpido), fundindo publicidade e animao cultural. o que tem feito deles,como j dissemos aqui, peas importantes da engrenagem das mquinas de crescimento, comopassaram a ser vistas as cidades, servindo de isca para os grandes negcios imobilirios, nos processosditos de requalificao urbana. O exemplo extremo foi sem dvida o Guggenheim de Bilbao.

    Passando para as Grandes Exposies Internacionais:elas mais ou menos reproduzem o mesmo movimento,pelo menos desde a Grande Exposio de 1851, emLondres que vai se transformar no modelo porexcelncia das exposies subsequentes , tendocomo tema central a Indstria. Associada,evidentemente, s demais manifestaes culturais,dos pases centrais a representados e de seusImprios (no Palcio de Cristal havia, por exemplo,uma , que expunha dos chs s sedas daIndian Courtndia). A Frana, inicia 4 anos depois uma srie deexposies adotando o mesmo modelo, mas acrescidode um tempero local: a afirmao dos valores

    republicanos, especialmente na relao capital-trabalho (talvez tenham razo os autores que vemnestes eventos antes de tudo uma forma extremamente sofisticada de controle social). Impossvel aquidetalhar todas elas e seus contedos, nem eu teria meios de faz-lo. A verdade, no entanto, que taisexposies, que passam a se multiplicar, tem uma funo primordialmente econmica explcita (diferena dos museus), embora sem dvida tambm poltica, no s de afirmao dos valores (e dopoderio!) locais frente aos demais pases, mas internamente tambm, ao lanarem mo de todo tipo deatraes e de entretenimento (da arte aos esportes, que logo vo passar a ter os seus eventosexclusivos, especialmente, no caso destes ltimos, as Olimpadas volto a elas logo adiante) para

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    Parque do Frum das Culturas, Barcelona, 2004 Foto Amadalvarez[Wikimedia Commons]

    reforar o sentimento de nacionalidade. Esses traos nacionalistas vo se acentuar no entre guerras,num primeiro momento, associados ao esforo de reconstruo dos pases atingidos pela PrimeiraGrande Guerra, logo a seguir, como afirmao autoritria e xenfoba dos pases totalitrios, com aascenso do nazi-fascismo, ou mesmo do stalinismo (a Exposio Internacional de Paris de 1937, empleno Trocadero, ter, ladeando o Palais de Chaillot, construdo no lugar do antigo Palais du Trocaderoexpressamente para o evento, e face a face enquadrando a Tour Eiffel resqucio, como se sabe, dagrande Exposio de 1889, centenrio da Revoluo os dois pavilhes monumentais: o pavilhonazista, projetado por Albert Speer, encimado por uma vistosa guia alem, e, em frente, o da URSS,com uma escultura, no menos monumental, de dois trabalhadores do campo, empunhando uma foice).

    Depois da Segunda Guerra Mundial tais exposies mudam a forma, sem perder evidentemente adimenso poltica, mas se voltando cada vez mais para o mercado, em geral elegendo temas ligadosaos avanos da cincia e da tecnologia de produo, ainda povoadas de pavilhes de diferentes pases,mas agora numa competio interna, seja quanto s especificidades e virtualidades locais, seja nademonstrao de maior competncia nas reas-tema da tecnologia de ponta aos usos da natureza,meio ambiente e sustentabilidade (que alis vem sendo a tnica, ao menos desde Lisboa 1998, sobre Os

    , ou Hannover 2000, ; e, maisOceanos Humanidade, natureza e tecnologia - origem de um novo mundorecentemente, Xangai 2010, ) , ao mesmo tempo que pretendem estar propiciando,Better city, better lifes cidades-sedes ocasionais (para voltarmos ao incio desta entrevista), a possibilidade de entrarem nocircuito das cidades venda. Mais um ingrediente portanto nas estratgias de desenvolvimento urbano.

    No saberia o que dizer dos Congressos, embora, em parte, associados a esses mesmos eventos a quenos referimos. Sabemos que existem todos os tipos de Congresso, e que aqueles que nos dizem respeitomais de perto, ou seja, os acadmicos, tambm sofreram a mesma inflexo mercantil, expressa alis nacontabilidade dos currculos... Mas paro por a.

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevistacom Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14,Entrevistan. 056.02, Vitruvius, out. 2013.

    Adalberto da Silva Retto Jr: Na sequncia, o quea Sra. teria a dizer sobre as Olimpadas, visto quefoi um evento importante no processo descritosobre Barcelona? E, como no Brasil, grandeseventos esto ocorrendo e outros sero realizados,como a Copa do Mundo e as Olimpadas, quaisso as consequncias possveis, positivas enegativas, que podem ocorrer nas cidadesbrasileiras, quando comparadas a exemplos jexistentes?

    Otilia Arantes: Como disse, as Olimpadas,

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    Palcio dos Esportes San Jordi, Olimpadas de 1992. Arquiteto IrataIsosaki Foto Abilio Guerra

    retomadas em Atenas, em 1896, tanto quanto aCopa do Mundo, no incio do sculo 20, estaro,durante quase 50 anos, associadas s GrandesExposies, talvez, segundo John MacAloon ,como fruto natural dos novos smbolos e rituaisinaugurados por estes festivais/espetculos deeventos internacionais, devotados ao progresso dacincia, arte e indstria, e portanto inventividade, da qual os jogos atlticos seapresentariam como expresses privilegiadas algo como o esprito esportivo da modernidade(num paralelo com a religio enquanto esprito docapitalismo, na interpretao de Weber). Com aascenso dos regimes totalitrios de entre-guerras,

    no entanto, as Olimpadas vo se transformando num espetculo poltico de massa, revivendo suaorigem ancestral: a exibio coreografada do aparato militar de dominao (como no hesita em afirmarMaurice Roche, antes de evocar o reencantamento bastardo do mundo como uma das caractersticasprimordiais destes mega-eventos performticos). O que vai culminar na Olimpada de Berlim, em 1936.Se, depois da Guerra, estes espetculos vo ganhando cada vez mais autonomia, no deixam de ser aexpresso maior do poderio e da performance dos pases ou cidades-sedes, no fundo replicando aespetacularidade, associada disciplina de origem militar destes eventos. Portanto, permanncia damatriz de 1936, mas agora combinada ao esprito dos negcios, pelo menos a partir da gesto do COIpor Samaranch (de 1980 a 2001), figura de destaque do franquismo, responsvel por transformar asOlimpadas, de evento em geral deficitrio (como ocorreu com Tquio, Montreal, Munich, Moscou e LosAngeles), num empreendimento altamente lucrativo, atravs do recurso aos patrocnios e mdiaencarregada da transmisso dos jogos. J ento o esprito esportivo, de que falvamos, passa afuncionar cada vez mais na alavancagem da reproduo do capital, e, os eventos esportivos, comoverdadeiros meganegcios, especialmente os ligados FIFA e ao COI. A marca Olimpadas vai assimser explorada tanto pelas empresas (de natureza as mais variadas, mas especialmente as da mdia),quanto pelas cidades, que, obedecendo ao standard fixado pelo Comit para uma cidade Olmpica (naverdade, sua transformo num grande Parque temtico) com seus equipamentos, arquitetura,infraestrutura viria e turstica, etc., pretendem atrair capitais e competir internacionalmente como umcentro urbano capaz de oferecer vantagens especiais aos investidores, transformando-se portanto numimportante ingrediente nas polticas de city marketing.

    As Olimpadas passariam assim, aps esseremanejamento empresarial de Samaranch, a servistas tambm, e de forma privilegiada, como umaalavanca fundamental s mquinas decrescimento urbano (ainda uma vez), ou seja, setransformam em instrumento importante para ativaros grandes negcios urbanos no por acasoBarcelona adota o Planejamento estratgico, dematriz empresarial, s vsperas das Olimpadas. Oque, na verdade, no redunda obrigatoriamente em

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    Estdio Olmpico de Pequim, o "Ninho de pssaro", com tochaolmpica ao fundo. Arquitetos Jacques Herzog e Pierre De Meuron

    Foto de Mylena Fiori

    benefcios, inclusive financeiros, para acidade-sede, nem mesmo no caso tido como omais bem sucedido de todos, Barcelona 1992(como tento mostrar nesse meu ltimo livro).Independentemente das intenes dos que, naprefeitura, apostavam num urbanismo cidado eadvogavam uma gesto que contemplasse asverdadeiras necessidades de seus habitantes, oque vimos acontecer, em parte pela urgncia deobedecer s exigncias impostas pelo ComitOlmpico (afinal foi Samaranch que conseguiu avitria de Barcelona na competio por sediar osjogos) e a necessidade de fazer da cidade tantoum grande centro esportivo, quanto atraente aos

    investidores e turistas, obrigou-os a mudar na mesma escala o dilogo urbano, passando a negociardiretamente com os grandes operadores: operaes urgentes que deveriam eludir as mais lentas econflitivas, com os pequenos operadores e com as reivindicaes sociais, como observa Josep MariaMontaner. Logo, as parcerias pblico-privadas foram assumindo um papel preponderante, nos moldesque se sabe: fundos pblicos e ganhos privados; a tal ponto que, acabadas as Olimpadas, o dficitpblico da cidade era superior ao total que ela poderia arrecadar em um ano (de acordo comhistoriadores do perodo) e muitas das obras sequer tinham sido concludas, arrastando-se at quase ofinal da dcada. Um novo evento foi imaginado para novamente gerar investimentos e atrair mais turistas,o Frum das Culturas, de 2004, cujo sucesso foi ainda menos significativo do que o do anterior ostempos afinal j eram outros, nada tinham a ver com o boom econmico resultante da entrada noMercado Comum Europeu, na dcada de 80, e que ajudou a patrocinar as Olimpadas e outras tantasiniciativas similares, naquele mesmo ano de 1992, como a Feira industrial de Sevilha, Madri CapitalCultural da Europa, dentre as comemoraes do Quinto Centenrio do descobrimento das Amricas. Dequalquer modo, os investidores no deixaram de comparecer, Hines frente, cercando a praa doFrum, com shoppings, Hotis e outros empreendimentos rentveis.

    Nada diferente est acontecendo ou vai ocorrer no Brasil, apenas com consequncias mais desastrosas,dadas as condies sociais e econmicas do pas, ou a total inexistncia de infra-estruturas para por emfuncionamento uma mquina como esta, tanto que j recebemos vrios pitos e ameaas de retirar doBrasil seja a Copa, seja a Olimpada. S os gastos com os Estdios para a Copa j so um despropsitosem paralelo nem a catstrofe que foi a da frica do Sul teve a intensidade da que est ocorrendo entrens. Desnecessrio comentar, nestas alturas, fatos cuja aberrao j esteve na pauta dos protestosdurante as jornadas de junho, e que, com certeza, devem se intensificar at as Olimpadas do Rio deJaneiro. A respeito de tudo isso h grupos de estudos em toda parte, para no falar dos comitspopulares, igualmente estudiosos e combativos, especialmente no Rio de Janeiro, com dados precisos ede que no disponho. Confesso que j no tenho mais idade e nimo para uma pesquisa detalhada quepossa acrescentar algo ao que j vem sendo dito, at nas ruas...

    como citar

    RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Entrevista

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    Otilia Arantes em Seminrio sobre Arte/cidade, com os atores da Cia.So Jorge de Variedades, 2010 Foto Mariana Senne

    Arena Mineiro para a Copa do Mundo de 2014, Belo Horizonte,2012. BCMF Arquitetos / Bruno Campos, Marcelo Fontes e Silvio

    Todeschi Foto Joana Frana

    com Otilia Arantes. , So Paulo, ano 14,Entrevistan. 056.02, Vitruvius, out. 2013.

    Possui graduao em Filosofia pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (1961), mestrado emFilosofia pela Universidade de So Paulo (1968),doutorado em Filosofia - Universite de Paris I(Pantheon-Sorbonne) (1972) e Livre docncia pelaUSP (1992)

    Atualmente professora aposentada daUniversidade de So Paulo, onde ministrou cursos,especialmente na rea de Esttica, noDepartamento de Filosofia e na FAU (graduao ePs-graduao). Presidiu o Centro de Estudos deArte Contempornea (1979 a 1992). Publicouvrios ensaios, livros e captulos de livros, dentreos quais, pela Edusp: O lugar da arquitetura depois

    (1993), dos modernos Urbanismo em fim de linha(1998), (2011); em colaborao comChai-naCarlos Vainer e Ermnia Maricato, A cidade do

    (ed. Vozes, 2000). Seu ltimopensamento nicolivro publicado foi Berlim e Barcelona, duas

    (Annablume, 2012).imagens estratgicas

    Adalberto da Silva Retto Jnior

    Atua como Professor de Desenho Urbano e Histria do Urbanismo na Universidade Estadual PaulistaUnesp e como Professor Visitante no Master Erasmus Mundus TPTI (Techiniques, Patrimoine, Territoirede l Industrie: Histoire, Valorisation, Didactique) da Universit Panthon-Sorbonne Paris I, naUniversidade de vora; Possui Ps-doutorado no Doutorado de Excelncia do Istituto Universitario deArquitetura de Veneza Italia (2007); Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidadede So Paulo e pelo Departamento de Histria da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitario deArquitetura de Veneza (2003).

    Geise Brizotti Pasquotto

    Colaborou na entrevista, tanto na discusso que estabeleceu o enfoque da entrevista, como na revisofinal do texto publicado. Atua como professora nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e DesenhoIndustrial na Universidade Paulista - Unip em Campinas. Formada em Arquitetura e Urbanismo pelaUnesp Bauru (2006), mestre na rea de Arquitetura e Construo pela Unicamp (Edifcios culturais e areabilitao de reas centrais: o Complexo Cultural Teatro da Dana de So Paulo, 2011); e Doutorandaem Planejamento Urbano e Regional pela Usp So Paulo.

    Sobre a entrevista

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    Embora destinada ao portal Vitruvius, foi realizada como parte do material didtico do curso A dimensopaisagstica no projeto da cidade contempornea: um itinerrio de estudo nas cidades de Berlim,Barcelona e Atenas.


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