+ All Categories
Home > Documents > Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

Date post: 10-Jul-2015
Category:
Upload: thalles-yvson
View: 224 times
Download: 1 times
Share this document with a friend
Popular Tags:

of 24

Transcript
  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    1/24

    1. Som e sacrificio I ..k v i - o I N ' ) 4 ~~~ . . -;.. 1J.()j~ c ( o {!eflAr . . . .I J I ' } J . P 0 som periodico opoe-se ao ruldo, iormado de feixes de defasagens "ar-

    v r t " " " rftmicas" e instaveis. Como ja se disse, no entanto, 0grail de ruido quese ouve .num sorn varia conforrne 0contexte. Urn intervalo de terca maier(como 0 que h entre as notas do e mi) e dissonante durante seculos, nocontexte da prirneira polifo:uia medieval, e torna-se plena consondncia namusica tonal. Urn grito pode ser urn som habitual no patio de uma escolae urn escdndalo na sala de aula ou num concerto de musics classica, Umabalada "brega" pode ser embaladora num baile popular e chocante ou exo-tica numa testa burguesa (onde pode se tornar frisson chique/brega). Tocarurn piano desafinado pode ser urna experiencia interessante no caso de umragtime e inviavel em se tratando de uma sonata de Mozart. U m cluster(acorde farmado pelo aglomerado de notas juntas, que urn pianista produzbatendo 0 pulse, a mao ou todo 0 brace no tedado) pode causar espantonum recital tradicional, sem deixar de ser tedioso e rotinizado num concer-

    1

    r, fJ IAntropalogia do ruido

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    2/24

    ~.r~dor de mensagens/c6digos cristalizados, e provocador de novas lin-~ ~ guagens.~ 0 radio e uma boa mediora para que se entendam as relas;5es entreS 5~m, ro,~~o ~'sil,encio',em, s",eusmu, itos, n l:e ,l, s de, ocorr~ncia ., Como no r a . -, dio, a JilenclO e urn espaljador que permite que urn sinal entre no canal.

    ~ G ruid? e urna interfertncia sabre esse ~inal ~e esse canal}: ma~s deUm ~inal" (au mars de urn pulso) atuarn sabre a Iaixa, disputando-a (0 ruido e a rmstu-ra de faixas e de estacoes), 0 sam e urn trace entre 0 silencio e 0 ruido(nesse limiar acontecem as mt'tsicas). (Em Radio music, Cage pas em cenaessa relas;ao fazendo ouvir aleatoriarnente sil2!ncies, eseitica, rmisicas e Ialasmistur~das.) . . . . . . , ~ 1 ~ t< . - : J . . , . , ,o jogo entre SOID e .ruido constitui a musrca, 0 sam do mundo e IUI-do, 0mnndo se apresenta para nos a todo momenta atraves de frequenciasirregulares e caoticas com as quais a musica trabalha para extrair-lhes urnaordenacao (ordenacao que contern rambem margens de instabilidade, com" \ . , . V certos padroes sonoros interferindo sobre outros},

    ~ Se voc~ tern urn barulho percutido qualquer e de corneca a se repetir0 " e a mostrar uma certa periodicidade, abre-se urn horizonte de expectativa,,,{ e a virrualidade de uma ordern subjacente ao pulso sonora em suas r;egula-ridades e irregularidades, Do rnesmo modo, se voce esta falando e de repen-4 te produz e sustenta urn sam de altura definida, remete a fala para urn outroi ' UJ Ingar, 0p.aradigma das alturas ccntinuas, m o codificado pela lingua, coin

    , } toda a estranheza que isso implies (e pode-se saltar entao do patamar da" Iala para 0 do canto, ou habitat 0 espao intercalar entre ambos),

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    3/24

    \rlv~~\'P G J $)~ t rtw~tLo

    rica e Oceania, a rnusica loi vivida como uma experiencia do sagrado, justa-mente porque nelase trava, a eada vez, a luta cosmica e caotica entre 0sameo .ruido ..Essa luta, que se torna tarnbern uma troca de dons entre a vidae a morte, as deusese as homens, e vivida como rita sacrificial. Assim co-rn a 0sas! i fLcio de _1.L_miitima (0 bode expia to rio , que os gregos chamavarn

    - pharmakos) quer canalizar aVi0r~nciadestruidora,_ritiJ,alizada, para sua su-peracao simbolica, 0 som e o bode expiatorio que a musica saerifiea, COcll-vertendo o"IUfOomort-lferoem pulso ordenado e harm&nico. Assim comoa pharmakos (a vitlmasacnhclaI) tinlla para as gregos 0valor ambivalentedo v _ e n e : n _ g e doremedio (a p a l a v r a e da rnesma raiz de ."farmacia", arma-co, droga), 0 sam tern a

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    4/24

    que soem as aleluias, Marins Schneid er, q ue cita a comparacio de Santa Agos-, ; f " tinho, diz tam bern que a propria palavra "aleluia", que vern de jubilan!~. est3. associsda na sua origem a imita~ao onemaropaica do canto das aves

    .,J de rapina.16 Os anjos sao terriveis: nas suas vozes aleluiaticas esplende ne-1 cessariamente a historia da crueldade. (A fors;a da can~ao Carcara, de Joao

    do Vale, ese i ligada igualme me i t fusao de ju b ilo cruel que se encontra ness a. aleluia nordescina.)i A 1 J 0 mundo e barulho e e silencio. A music a extrai som do ruide num, sacriflcio cruento, para poder artieular a barulho e a silencio do mundo,Iro-.J'o.is articular signifiea tambern sacrificar, romper 0continu~tm cia nature-1):47 za, que e ao mesmo tempo sileneio ruidoso (como 0 mar que e , nas suas/o.ndulas:oes. e no seu ~mor bran.'co, ~equ~ncia difu.sa .d~ todas as Irequen-oi cias), Fundar urn sentido de ordenas:ao do 80m,. produzir urn eontexto dej pulsa~oes artieuladas, produzir a sociedade signiticaatentar contra 0 uni-yO verso, recortar 0 que e uno, rornar discreto 0que e continuo (ao mesmo" :tempo em que, nessa apera\ao, a rnusica e . o que melhor nos devolve, por

    via avessa, a experiencia da centinuidade ondulatoria e pels ante no descon-tinuo da culrura, estabelecendo a cireuiro sacrificial em que se trocam donsentre as homens e os deuses, os vivos e as monos, 0harmonioso e a informe).Ha urn m ite arecuna (tribe do norte do B rasil e d

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    5/24

    as especies vivas (cuja prof usa organizacao, ricamente anotada pelo mitocom grande acuidade etnozool6gica, j a e obra da cultural.

    "A gar~a branca pegau .seu pedaco e cantou: "3 ,: - a", grito que e seuainda hoje. 0 maguari (O conia m ag uari) fez a mesmo e lancou 0seu grirofeio: "a(o) - a(a)". 0 soco (Ardea bras ilien sis ) C010COll seu pedaco sabrea cabeca e sabre as asas (onde se encontram as plumas coloridas) e canton:"kor6 - koro - koro ", 0 martim-pescador (Alcedo sp.) pos seu pedaeosobre a cabeca e sobre 0peito onde as plumas se tornaram verrnelhas, ecantou: "se - txe - txe - txe - rxe". Depois foi a vez do tucano quecobriu seu peito e sua barriga (onde as pen as sao bran cas e vermelhas), Eledisse: "kion - he, ki6n - he - he'. Urn pedaco de pele ficou preso noseu bico, que se tornou amarelo, Entao veio 0mutum (Crax sp.); ele passeu pedaco sobre a garganta e cantou: "hrn - hm - hm - hm", e urn reta-Iho de pele que ficou fez 0seu nariz arnarelo. Em seguida veio 0cujubirn(Penelope sp.) cujo pedaco fez brancas a cabeca, 0 peito e as asas, e que can-tou: "krrr", como, a partir dai, roda manhd. Cada passaro 'acha sua lautabonita e a guarda'." 18

    E assim segue a narrativa mitica fazendo cada animal (a arara, a papa-gaio, 0 jacu, 0 rouxinol, 0 tapir, a capivara, 0 veado, a cotia, 0 caititu, a) 1 / . "fl "Q.acaco , numaonga sene, encontrar as suas cores e a sua auta .. ~n:as

    I \ ' . 0 cimento da musics, na tragedia sacrificial, e brilho e beleza se erguendo so-bre 0 silencio e a dar. Com a decomposicao do espectro das possibilldades~

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    6/24

    trace diterencial e da escritura; segundo ele a rnetafisica advern de um mal-entendido log-ofonocentrico, como aquele que estaria na base do platonis-mo. Contra Derrida, Daniel Charles afuma que, se bern entendida, a voz,010 contrario de uma present;a a S 1 do fonocentrismo, faz ressoar 0 passadodo ser - sua desapari~ao - e seu devir .incessante e sempre problematico:"a voz veicula a "quarts dimensao dotempo',aquela que engloba e regeas tres outras; eta nao deixa a tempo ressoar senao por intermitencias". Es-sa seria uma longa discussao, que naa temos como fazer aqui.) 20

    Vamos acompanhar a perc illso de Schneider pelas mais diversas rnito-logias (indianas, arabes, chinesas, alricanas, esquirnos) ever ate onde nosleva uma concepcso do mundo como investidura sacrificial do som ..Na ori-gem do universe, 0 deus se apresenta, se cria au cria outro deus au criao mundo, a partir do sam ..Urn jacare batendo na barriga com a propriacauda, como num tambor, nurn mito egipcio, 0 deus profere 0mundo atra-ves de sopro au do trovao, d!'l chuva au do vento, do sino au da flauta,au da oralidadeem rodas as suas possibilidades (sussurro, balbucio, espirro,griro,gemido, soluco, vornito), "A fame de oode ernana a mundo e sern-pre uma fonte acustica." A voz criadora surge como urn sam que vern do.nada, que aflora do vazio: "0 abismo primordial, a garganta aberta, a ca-verna cantante .(... ) a fenda na rocha dos Upanichades au 0 Tao dos am i -gas chineses, de onde a mundo emana "como urna more", s a o as irnagensdo espaco vazio au do nao-ser, donde se eleva 0 sopro apenas perceptlvel

    \ ,,\~o cr.iador. Esse sorn saido do Vazio e ~ produto de ym pensa~ento que)~ faz vibrar a Nada e, ao se propaga.r, cna 0 espa~o. E urn monologo em

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    7/24

    Freqiientemente 0deus que profere 0mundo atraves do sam e urn deushermafrodita, que conternem si 0principia aciva e a passive, a solar e alunar, a T;pulsao instantanea e 0 repomo. 0 perfil ondular6rio do same erigido ou reconhecido como 0proprio "principio concertame das for-2(. ps da natureza".g N urn contexte ritual e m l U C O como este, a rmisica e urn espeIho de res-sonancia cosrnica, que compreende todo a universe sob a dirnerrsao ... de-masiado humana - da voz. 0 canto nurre os deuses que cam am e que dao~! " vida ao mundo (os deusesl par sua vez, sao seres monos que vivem da pro-feti~ao do canto dos homens). Mas a homem que canta profundamente,e realiza interiormente 0 sacrificial acede ao mundo divino na medidaemque se investe da energia plena do set, ganhando como horn ern-cantor aimortalidade dos deuses-cantores, Esra passagem e impressionanrect'Entiioele sente sua forca se elevar ao longo da coluna vertebral. Seu sopro son orosobe por seus canais interiores, dilata seus pulmoes e faz vibrar seus 05505.Assim transfonnado em ressoador cosmico, 0 hornem se (in)vestecomo.u-vore que fala. Essa forca sonora tamara assento na sua pele au no seuesqueleto, se 0 sacrificio tiver sido total, Entao ele nao sera mais que urninstrurnento entre as rnaos de urn deus, e seus ossos,

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    8/24

    cal, no contexte iniciatico, e imortal, irredutivel, sam que irnpregna a pe-dra e que se impregna de sua solidez.Esd. indicado ai, nesse quadro mirico, que as rnusicas modais sao musi-cas que procuram 0som pure sabendo que ele esta sernpre vivamente per-meade de ruido. Os deuses sao ruidosos, A natureza sonora do mundo, queilio perde nunea 0 e e do pulsa, se faz dessa rnescla onde mora a nucleodo saenIbo,-isto e , da)itualidade do som.

    Como se vera no capitulo dedicado ao modal, essa rnusica e voltadapara a pulsacao ritmica; nela, as alturas meJ6dicas estao quase sempre a ser-vico do ritmo, criando pulsacoes cornplexas, e uma experiencia do tempovivido como descontinuidade continua, como repeticso permanente do di-ferente. (Por isso rnesmo elas apresenram esse carater recorrente, que nosparece estarico mas e bern rnais extatico, hipnotico, experiencia de u~circular do qual e dificil sair, depois que se entra nele, porque e semtim.)A m6sica modal participa de uma especie de respiracao do universo, auendio da producao de urn tempo coletivo, social, que e urn tempo virtual,uma especie de suspensao d O tempo, retarnando sobre si mesmo. Sao basi-carnente musicas do pulso, do ritmo, da producao de urna outra ordem deduracfio, subordinada a prioridades rituais. Pais bern: essas musicas naopoderiam deixar de ter a presens:a rnuito forte das percussoes (rambores,guizos, gongos, pandeiros), que sao as testernunhos rnais proximos, entretodas as famHias de instrumentos, do muncio do ruido. E e tambern urnmundo de timbres: instrumentos que sao vozes e vozes que sao instrumentos(vozes-cambores, vozes-cltaras, vozes-Ilauras, vozes-guizos, vozes-gozo).Falsetes, jodls (aquele ataque de garganta que caracteriza a canto tiroles e

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    9/24

    tatuagem sonora) no corpo, e essa inscricao ruidosa, queneg.a a ruido, fun-da e mantern a sam. Sam e ruido estao presentees na musica modal em zi-guezague.t'

    2. Recalque e retorno do ruido

    As historias da rnusica ocidental e rnoderna costumarn tomar como suareterencia primeira, seu ponto de partida reconheclvel, a canto gregorianoU a que nao se tern senao sinais indiretos da rnusica cultivada na Grecia, j aque as proprias origens do cantochao sao mal conhecidas e que as outrasculturas permanecem como referencias exoticas), 0canto gregoriano, queinaugura uma tradifao que conhecemos bern, aquela que vai dar na musicsbarroca e classico-rcmantica dos seculos XVll, xvrn e XIX, e uma rnusica8 que primou par evitar sisternaticamente as instrumentos acornpanhantes,~ nao s~ as percussivos, como tambem a colorido vocal dos rnaltiplos tim-

    ~ bres, E uma musica para ser cantada, em princlpio, par vozes masculinas~ em unissono, a capel a, na caixa de ressonancia da igreja, sem acompanha-~ mente instrumental. A historia da ado~ao e da rejeicao da rnusica pela Igre-:~ ja, durante toda a Idade Media, e cheia de idas e volt as. Par urn lado, M

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    10/24

    anti-sensualismo clerical, com uma decorrencia da musica das esferas pita-g6rico-platonica.- Interessa assinalar duas coisas, Primeiro que, ao abolir instrumentosrftmicos-percussivos, pondo coda a sua ritrnica puramente frasiea a serviceda pronunciacfo melodizada do text a linlrgica, 0canto gregoriano acabapor desviar a illilsica modal do dominio do pulso para 0 predomfnio dasalturas (0 cantochao consrsre num clfcunstanclado passeio pelas escruas me-16dicas, percorridas em seus degraus}. Com 1S50, inaugurau de certo modoo cicIo da musics ocidental moderna, preparando 0 campo da musica to-nal, que ira explorar amplameme, ja com envergadura instrumental e comoutras complexidades discursivas, as possibilidades de desenvolvimento deuma organizacio do campo das alturas onde a melodia vern para 0prirnei- ,ro plano (e onde a instancia ritrnica nan ted. rnais a autonomiae a centra-lidade que tinha antes, servindo agora de suporte para as melodies harmo-nizadas).

    Em segundo lugar, a musics queevita a pulse e 0colorido dos timbrese uma musica que evita 0 ruido, que quer filtrartodo 0 ruido, como sefosse possfvel projetar urna ordern sonora cornplezamenre livre da ameacacia violencia rnortitera que esta na origem do som u - a dissernos que ha, emSanto Agostinho, a consciencia do carater problemdtico desse designio), AIiturgia medieval se esforca por recalcar as dernonios cia musica que rno-ram, antes de rnais nada, nos ritmos dancantes e nos timbres multiplos, con-cebidos aqui como ruido, alern daquele interualo" mel6dico-harm8nico

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    11/24

    concerto criaria urn continuo entre a cena sonora eo mundo externo, queameacaria a representacao e faria periclitar 0cosmo socmlmente localizadoem que ela se pratica (0 mundo burgues), onde se encena, atraves do rnovi-menta recorrente de tensao e repOllSO, articulado pelas cadencias tonais,"f a adm zssao de conjlito com a condifao de ser harm onicam ente resolv ido .26o percurso que estou fazendo apoma, evidenternente, para urn lugar

    ~.fr' previsivel: a volta em masse.dOYUlcloTIammica do seculo xx. Como pensi-~~ Ia, e como pensar os impasses que se apresentaram a rnusica comempora-~ l\ nea no quadro dessa hisroria mais ampla? Parece-me que s o e possivel res-~~iatar a ideia de urn sentido (enquanto onen'tafao) desse processo se pensarmos< : "~em ciclos (de tempo, de culturas, de parfimerros estruturais) maiores do que_~';saqueles que nos t t~m sido oferecidos pela historia c i a masic (que geralmente: C i"'" pega 0boncle andando a certa altura da musica medieval europeia, e nao~~i\questiona os fundamentos desse corte, que e segregative e tende cada vezt 'f ~ mais rapidamente a Set ultrapassado pelos acontecirnentos simultaneos das[ ~ - . s : musicas contemporlneas). Os ultimos desdobramentos c ia musica pedem~ (\ ~ que as music as rnodais voltern a ser pensadas no quadro do contempora-I .~ $neo. Acho rambem que essa perspectiva antro 010 ca odera facilitar uma~~ ~ visao sociolotca mais adequa a situacao da musica industrializada.~ - x ~ " A partir .0micio do seculo XX opera-se uma grande reviravolta nesse-, \r campo sonora fihrado de ruidos, porgue barulhos de todo tipo passam a

    ser concebidos como integrantes efetivos da linguagem musical. A primei-ra coisa a dizer sabre isso e que os ruidos detonam urna Iiberacfo generali-zada de materials sonoros. Da-se uma explosao de ru{dos na musica de

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    12/24

    No prirneiro caso, 0 ruido atua exatamente como interferencia sobreo codigo e as mensagens tonais (que vinham se acirrando na segunda meta-de do seculo XIX, mas que decolam agora para urn efeito cascara de altera-~oes harmonicas, com "dissonancia" generalizada, alteracdes ritmicas,desmantelarnearo da rnetrica do compasso, alreracoes timbristicas e de rex-tuns, uso de agrega~oes de ruidos, barulhos concretos e conseqiiente esgar-carnento, rarefa~ao e dispersao das linhas md6dicas).Stravinski, na S ag ra ~a o da p rimav era (1913), introduziu agregados deacordes, quase-clusters que hincionam como ruido, impulsfies ruidosas, per-cussao operando numa metrica irregular que volta a questionar a linha per-dida na rradic;;aodo Ocidente: a base produtiva dopulso. (A materia sonoraliberada par Stravinski pode ser pensada hoje como proces5oprimino da-quilo que se tamara depois a base do rock, da qual e r e faz uma especie deprefigurac;;ao descontlnua e assimetrica), A Sagrariio e heavy-metal de luxo,e vern a set a prirneiro episodic exemplar de que ruido derona ruido (rom-pendo a rnargem de silentio que separa, no concerto, 0sorn atinadc, e har-monicarnente resolvido, dos ruidos crescentes do mundo). A Sagrarao,estrutura sonora provocando polemica e pancadaria na plateia, ruido ge-rando ruido, deslaca a juga! do silencio, que sai da maldura e vai para 0fundo, onde se recusa a responder a pergunta sabre a natureza do c6digomusical (depais da dispersao do c6digo tonal). A inrroducio do ruido atuaambivalenternente como acrescirno de cargajnformativa das mensagens eacelerador entr6pica dos cadi os (0 que realimema entropicarnente as men-sagens . Esta inaugura 0 0mundo moderno, com tudo aquila que ele ja

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    13/24

    Essa verdadeira rnutacao ca)tada. par Mario (embora ndo forme 0cam-po em que se desenvolveu seu pensamento) lancaria, segundo ele rnesrno,a rnusica para urn novo lirniar de cruzamento comraditoria entre 0maismoderno eo mais primitivo: "Com efeito na admir< lvel criacao de Schoen-berg a voz nao e nem fala nern canto e _ _ . ~ a 'sprechgesang'. Dessa expe-riencia resultou (... ) num po del" de experiencias de todo genera, vocals,instrumenrais, harmonicas, ritrn ic as , s in fonicas , conjuga~aa de sons e de T U i -dos, etc. etc. de que resultou a cria~ao duma por assim dizer nova ane aque, par falta de outro term a,. chamei de quase-mlisica. Arte esta que pelasua prirnitividade ainda nao e musicaJexatamente c~mo certas manifesra-r;oes de cHisalricanas, amerindios (sic) e da Oceania. E arte ao mesmo tem-po que pelo seu refinarnento, sendo uma derivacao e Ultima conseqiienciadas experiencias e evolucfo progressiva musical de pelo men os vintee cin-co seculos, desde a Grecia ate Debussy, j a nao e rnais intrinsecarnente rnusi-ca. Resumindo: essa ane nova, essa quasi-musica do preseme, si pelo sel!...prirnitivismo inda oao e mlisica, eJo seu refinamenro .a nao e ffillsicamais"

    sse texto e aquees que hoje fazem ainda rnais sentido do que quando[oram escritos: 0encurvamento do carninho da musics tonal, que se ultra-passa emdirecdo a uma rnusica pes-tonal e antironal (como sera 0dodeca-fonismo eo serialisrno), ao mesmo tempo em que evoca de maneira diferida

    .[{\. ~as musicas mod~aisprirnitiv:s e o,r_r.op,rio no, e.o. ~uc~eodas sim,ul.ta.n. i d . a-~ " g . J des contemporaneas ..A quase-mustca e essa area limiar queesta aquem elem. da musica (tooaJ)e. que oscila entre .modos opostos. de se.org.anizar,.

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    14/24

    de Eases e defasagens], Nessa passagem ou nessa in flex ao e_ aradoxal, ondeurna rmisica contra toda forma de repeticao "desemboca" numa musica re-petitiva, ternos 0 tr.allgulo das Bermudas cia musica conternporanea, 0 lu-gar onde se perde a fio de muieas rneadas e onde muitos projetos de inspiracaovanguardista acalentados na 'primeira rnetade do seculo saltarn dos trilhosau descarrilharn direrarnenre. (Muitos compositores e teoricos sentern aio fun da musica, cia cultura, ciasociedade capitalista, da vida sabre a plane-ta, au, em uma palavr:;!,0hm do munda em grada.\toes apocalfprtCas diver--sas.) E, de fato, parece acabar urn mundo: a longo CIdo oCldentalem quese percorreu toda aescala harmonica perseguindo as varias versoes da musi-

    .!')ca das esjeres. Restaainda saber quais sao as implicacoes profericas desse fato." ~ ~0 si;t:ma dod~ca~8nico de Sch,o:nber,g, como proposta de organiza-

    ~ ,., ~ e-," ~ao.melodlco-ha~momca de uma musica pes-tonal, sern centro, sern 0me-~ ~ ~ canismo de rensao-e-repouso que rnarca 0 tonalisrno, e que foge a todaS-~ -.( polarizacio, radicalizada depois no .serialisrno, e n a n s o a musica do ndo-\3 ~~ pu~so .como tambern . ? limiar da nao-altura. Ela j a e musica d~ rutdo e do: s r ~ r - s d e n C L o (dua.s catego~las. que; ~omo eS,t~u tentando m~strru::, v,a~ganhando~ ~~ cada vez malor relev'anCla teonca e pranca). 0 seu destine historico (ao con-~ ~ ~\. ~ trario do que supunha: criar diretamente 0 novo idioma musical contern-~ ~~..( pordneo) e t~l~ez brilhar inten~a~ente nas for~a: hipe;c~ncentra?a:' efugazes da rnusica de Webern, e dissipar-se no turbtlhao galactlco-eletrollJcQ

    das rmisicas sintetizadas que ele prenuncia, junto com as ionizacoes tim-brlsticase ruidisticas de Varese,

    AMm de ser 0 elemento que renon a linguagem musical (e a poe em

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    15/24

    fonomeclnicos (0 gramofone), eJetricos (a vitrola e 0radio , eletronicos ossintetiza ores. meio sonora nao e rnais simplesrnente aciistico, mas ele-troacusrico. 0desenvolvimenro tecnico do p6s-guerra fez com que se de-senvolvessem dais tipos de rnusica que tornam como ponto de partida naoa extra~ao cio sorn afinado, discrirninado ritualmente do mundo dos rui-dos, mas a producio de ruidos com base em maquinas senoras. E 0 casoda music-a concreta e da m!df_ica e { , e t r A r ; . i c o " que disputararn polemicamenreapr'i'i"1'Iaziao processo de ruiditicacao estetica do rnundo, A prirneira (cujomentor e 0compositor Pierre Schaeffer) tinha a sua estrategia na grava~aode ruidos reais (tornados como material bruro), alterados e mixados, istoe l compostos por momagern. A segunda, que conta entre seus praricantescorn os norrres de Henri Pousseur e Stockhausen (cujo Can to do s a dolesc en -te s e sem duvida uma obra definitiva, urn marco na contemporaneidade),torna como base ruidos produzidos por sintetizador, ruidos inteirarnenteartificiais (embora na obra citada Stockhausen manipulasse tarnbem 0 somde voz gravada). De H . pra c a , os sintetizadores se refinaram e se rnassifica-ram (alinhando-se praticamente entre os eletrodomesticos e marcando for-te presew;:a nas ruusicas de massa, nas quais excitam uma permaneme corridaao timbre). Suas derivacoes rnais recentes, os samplers, sao aparelhos quepodem converter qualquer sam gravado em rnatriz de multiplas transfer-ma~oes operaveis pelo teclado (seja a voz de qnalquer pessoa, a pio de urnpassaro, urna tampa de panela, urn bornbardino, ou ondas estelares capta-das em radiotelescopio e transformadas em ondas sonoras). 0 sampler re-

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    16/24

    ,\"

    verteu e reinventou 0mundo sonoro dando a mais lancinante atualidadea fora sacrificial do sam. Pulso e desagrega~ao, vida e morte - simultanei-dades conrernporaneas. (Enquanto isso, a estrategia oHtica do sorn ~de se dar pela clivagem ideologies entre a rnusica ofici ,apropriada enquantomUsica elevada e harrnoniosa, e as musicas divergentes, consideradas baixase ruidosas, a industrializas:ao tornou-se lima processadora de todd fonD ..

    , de ruido repeutivo, disseminado em faixas de -consumo diversificadas. Naose trata rnais de tocar 0 som do p riv ilg io contra 0 ruido dos exp lorados , masoperar industrialmente sabre todo 0fuida, dando-lhe urn padrao de r.epeti--tividade. E nesse campo que as rmisicas ocorrern, 0que nao quer dizer queelas se reduzam a ele, e esta ai a complicacao e 0 interesse do assunto.)32o grande deslocamento do campo sonoro foi prefigurado no inicio doseculo por Eric Satie, com sua musica perforrnatica, suas partituras cheiasde anotacoes ins61itas e certas ideias que, parecendo extravagances, estavarnna verda de anunciando COIIL grande precisao 0 processo de mudanca dascondicoes de producao musical no mundo emergente do imaginario indus-trializado como mercadoria. Conta Darius Milhaud que Satie coneebeu acerta altura uma pe~a para ser executada nao no palco de concerto, maspar musicos espalhados pelo teatro, durante 0 intervale, enquanto 0publi-co eonversasse. Mas como na pratica esse permaneeesse mudo e imovel dianteda musica inesperada e fora de lugar, Satie, enfurecido, gritava: "Ma is p aT -lez, d on e! C irc ule zl N 'e coute z pas!":!3 Essa siruafao aparentemente s6 aned6-rica indica mais uma vez a irrupcao do ruido no contexte do concerto. Satieestava pensando, segundo 0relate de Milhaud, numa music a que figurasse

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    17/24

    \1'

    ta~oes, mais ins6litas que barbaras, de Satie, chamariam a musics a curnprirurn ~~ que 0 radio, 0 disco e a fita rnagnetica passaram a desem-penhar."34Ao Iazer emergir esse dado inconsciente (0 descentramento do circuitosonoro) ria cena aberta do teatro, Sarie estava deslocando a economia dasala de concerto tonal, onde musicos no palco produzem sam aiinado, 0publico permanece ern silencio e 0 ruido fica fora da sala (s6 voltando ri-tualmenre ao final da execucao na forma do aplauso que indica, peia inten-sidade do seu retorno, 0 grau do reealcado). Aqui, h 0 sinal de que todoesse campo sofre urn deslocamento que poded. ser visto como urn pequenomas decisive terremoto: os musicos, a sam, 0 publico e 0 ruido estao erntral]sito, deixando urn vazio nos seus lugares usuais, vazio que correspondeao silencio do codigo. Silencio que torna .inuteis ou redobradamente ironi-cas as palavras do compositor: "Parlez, done!'

    John Cage i r a converter essa situacao e esse silencio, que e indice emSane, em elemento articulador de sistema, sistema constituido de silencio/rui-dos encadeados, como veremos mais adiante, Mas antes de falar de JohnCage, vale a pena percorrer urn texto altarnente sintornatico e interessante,de Eric Satie. Nas Notas de urn amnesico, ele escreve:

    "Perguntern a qualquer urn e ele tambem Ihe did. que nfio sou rnusico.E pur a verdade. Desde 0 comeco de minha carreira, eu tenho sido urn fo -~ nornetografista. (... ) E 0 espirito cientifico que predomina, Ell mer;:o0~~ ~ Com 0f.onometro ~as ,maos eu peso a~egremente t~~o de Bee~h~ven,

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    18/24

    A ,ironia do texto esta mais urna vezem que as coisas despropositadasque ele diz dao uma descricao precisa de processos que estao acontecendomaterialmente ou que estao na iminencia a e acontecer, 0 "Fonoscopio"a que Sane se refere nao existia na sua ~poca, era urn objeto puramente deli-rante que i r a ganhando uma realidade cada vez rnais flagrante a medida queprogridem as tecnicas de registro e rnanipulacao do sam. Urn osciloscopiornostrara mais tarde a forma ciaonda de urn som, permitindo analisa-Io nosvaries parametros - altura, timbre e intensidade -, que despontam aquinesta alusao par6dica jq_uantificas:ao de urna gualidade: as noventa e tresquilos (intensidade) do mi bemol (altura) de urn tenor gordo (timbre). Amusica vira outra coisa diversa do objeto cultuado e aur:h,ico, e seu "nomede fantasia" efonometografia . A "ciencia de limpar 0sam" manipula a~sorganizali(ao mordfera e impura do ruido ("ls50 e imundo, sabiam?"), nu-rna alusdo ao substrata concreto e corporal do scrn. recoberto cinicamentepela aura de objetividade assee~ica. "Para minhas frias peyas usei urn grava-dar caleidoscopico": este poderia ser ainda urn born nome para 0atual se-qiienciador, cornputador acoplado a urn sintetizador que per mite gravar,corrigir e escrever seqiiencias que teclados multiples rocariio soziahos emqualquer ordem, andamento, intensidade ou altura que se deseje ("com aajuda desse equipamento, estou apto a escrever tao bern quanta qualquermusico"), A fabrica~ao de timbres em sintetizador tambern poderia ser cha-mada, sern problemas, defi. lofonia, "estudo da cornposicfo dos sons as rnaisdiversos possiveis", (Muitas peps pianisticas de Satie, par sua vez, tern urncarater repetitive, como se fossem compostas por sequenciacio maquini-

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    19/24

    de urn mundo em que a categoria da r({p7l!~r;_nJ;.~fiodeixa d~.r_ Q'perant~>para dar lugar a infinita repetiao. Repeticao do que? Pecas como essa naocorrespondem, evidenzemente, a categoria usual de ohm. Elas operam maiscomo uma marc a, uma dobra sintornaticae irrepetivel, frisando enigrnaci-camente a campo da escuta possivel, a campo daquele silencio que podeser ouvido por outre lada, nas "mutacoes f8nicas imprevisiveis, oceini-cas"J5 das belissirnas p er;a s p a ra p ia no preperado" (sile.ncio pleno de midas

    '''b d . d "orque e a anono ao ternpo, ao puro movunento uo tempo ,tempoque jamais se repete contendo todas as repeticoes em graw; alterados de in-tensidade). Nessas pe~as Cage fez com que 0piano, de instrumento produ-tor de alturas, se translormasse nUIDmultiplicador de tirnbrese ruidos: coma iarerferencia de pinos, parafusos, borrachas e outros rnateriais amandasabre as cordas do instrumento, ela passa a soar farmas alteradas de pandei-ros, atabaques, marimbas, caixas de musics, guizos. 0 procedimento ante-cipa tarnbem uma possibilidade dos sintetizadores atuais: "splitar" 0tecladoe fazer com que cada tecla, au cada regifio, produza urn timbre diferente ..Mas essa parafernalia visa a delicadissima apresentacao de quase-sons (quase-ruidosjem oscilacao rirmica, num tempo onde despontam pulsacoes e nao-pulsacoes, como se a musica buscasse devolve-las a urn estado de indistin-~ao entre arnbas, 0 ritrno para Cage nao esd. na regularidade d a s batidasnern na mensurabilidade das dura~oes, mas na lutua~aa "sabre a crista deuma vaga metrica" ou de uma nao-mettica enquanto tal_)6 A musica naoseorganiza em torno de urn pulse (como a musica modal), nern evita siste-maticamente 0pulso (como a musica serial). Fases e defasagens alternam-se

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    20/24

    3. Coda

    Quem se dispuser a escutar 0 scm real do mundo, hoje, e toda a seriedos [uidos em serie que h a . nels, vai ouvir uma polifonia de simultaneida-des que esta pena do inimeli hel e insu ortavel. Nao 56 pela quantidadede coisas que scam, peio Indice entropico que par~ce acornpanhar cada sorncom urna particula de tedio, como pm nao se saber maisgual e a registroda escuta, a rela -~0 rodut_iva lie a_scu.ta estabelece com a illUsica.

    No caso da musica de concerto conrernporsnea, a camp exr ta e vernacompanhada de urn trace esquismogentitico:)8 e sistema esta cortado aorneio por uma fissura que parece carninhar no senti do de rompe-lo no pon~to de descolarnento entre as alturas eo pulso, e a escuta esra exposta, geral-mente sern sabe-lo, a essa ruptura latente (a musiea de-concerto exporia naverdade de maneira rnais evidente uma questao que poderia se transportarhoje para a musics em geral). A questao nao se resume poissm s-aber sea rnusica hoje e capaz de criar novas organizacdes senoras ou JOese tornacada vez mais pura repetieao, ruido e silencio (essa e certarnente uma boapergunta de ecologia simbclica, mas urn pouco simples dernais para. .inda-gar do estado de coisas.]

    A musics de concerto vern de uma tradi~ao heroics, em que ela se cons-titui pela cri-as;aode uma l~nguageml a musica tonal. e pelaexploracao ateos seus limites extrernos dessa linguagem, no quadro de urn grandearcoevolutivo que val do seeulo xv ao fim do XIX. No seculo XX, esse area

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    21/24

    depedagogica au ambientaI (como aparece nas proposras de Koellreutter].Essas multiplas alremativas soam como sintornas agudos de impasses auda expectativa de caminhos que nao se abrirarn concretamente. 0 que con-tribui para reforcar 0lade _:.pocaliptico da siruacao: desgarrado de uma his-

    f. ~ toria do sentido, dada pela tradi~o oadental, 0 sorn se d iss elv eria para a lguns~'i num conglornerado caotico de interterencias ruidosas, urn cluster que s o~ ~ reria como horizonte a ~rbarie de extins;ao da cultura e uma inimaginavel~t e rerrivel implosao terminar. Essa hlp6tese veria a situas:ao da musica hoje~ I - a 's501u ao do campo de definixao do sam enquanto oposto ao ruido,~ e a neutralida e zerada do c6digo musical que se torna incapaz de dizerI '" nada que nao seja repericio, ruido e silencio - como sintorna profetico do'~ fun do social no mundo de massas (cuja opini:1o iusondavel, que nao se de-" fine senfio erraticamence, seria buraco ne, ro de todo sentido).39 A incapa-cidade para introduzir diferenciacso seria a s m . _orne aessa terminalidade,

    A negatividade da arte como recusa do social (como aquela recusa a canso-, la~ao que Adorno viu na musica de Schoenbe.g, expond.o a angustia COD-o tempordnea) iria, tomando assim, irreversivelmente, 0 . car,t e , r de uma natureza

    1 !\t~declinante do social .I";S Essa Situa.r;ao termin~l ( . 1 igad.a a.~m~ an.t~oPologia do ruldo).t, eria seu.,.~correspondente numa p"~1CO-Soc101og1ac;l'~fensllt:Lda ecllta..(o ouvmte se fe-cha numa concha de sam onde se embala s o com Q genet=dde sua preferen-

    ~~ cia ,.s.e i..a.... jazz. ' 0sam.h .ao., 0rock, a mu.'s ica ligel,ra ou a exp.erim .ental,. nurna~l redorna refradria a qualquer diferen~a, a qualquer deslocamento de seu c o -

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    22/24

    continuaram a fazer os seus sons, que se misturararn em dernocraticas mi-xagens e assumirarn lugares singulares na modernidade. ~'se juntou com a africana no territ6rio das Americas. Esse evento e produ-tor de uma extraordinaria forca multiplicadora: ele contribuiu para criarexperiencias de tempo musical de uma grande cornplexidade e sutileza, 0u n a da musica puxa agora de novo para 0questionamento e a criacao sabreo pulso, 0 tempo, 0 ritmo. Essas musicas devem ser relidas ou escutadasem nova siruacao, Elas fazem parte do processo de codificacso das relacoesentre som, ruido e silencio como modos de admitir fases e defasagens, detrabalhar sobre 0 carater simultaneamente ritmico e arritmico do mundo.

    I ~ Ali, ~o pu~so do pul~o pode estar se formulando uma o~tra. ~ois~, para

    ~Q ~ qual e preciso produzir uma

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    23/24

    tempo, que vai do relogjo ao disco). 0 mundo da repeti~ao generalizadadecompoe e desconstr6i a onda sonora na sua producao e na sua recepcao.A dessacralizacfo total do SO, {TI significa que a onda nfio tern mais aquelepoder magico de ressoar a si mesrna pela propria for~a, uma vez detonada.o consumidor Ii a e desliga a onda no momento que quiser. No mundosacri icia a onda tinha seu tempo proprio, assim como a a g u a produz de-culos quando cai nela uma pedra (esse tempo da ressonancia soava ao mun-do pre-moderno como urn poder c6smico a sec reverenciado). Agora, quandoa generalizacfo das rel~;~ de mercad_Q_e totaliza, a onda nao tern poder,o cosmos nao tem nenbllm poder diante do -OtiVi:Oteaparelhado ou desa-tento (56 este parece ter poder sobre toda e qualquer musica),

    Suponhamos urn lama ribetano gravado em compact disc: sua voz, ca-paz de fazer ouvir os harmcnicos esta quase como urn holograma vocalna sala, cavando do fundo e da fenda do universe 0sam primordial, poden-do ser interrornpido a qualquer mornenro e contrapor-se a qualquer outroruido. A aparelhagem e digital, nao-ana16gica. Nao h o i nenhum sacrificio:a partir daqui, voce pode ligar a sam sem sacrifkar nada aos deuses do som(eles eque foram sacrificados aos deuses do mercado na forma das ultimasnovidades em aparelhos de sam). A lrturgia das ondas, da vibracao, seusciclos de apresentacao, de entrada e salda, 0 tempo necessaria ao curnpri-menta desse ciclo, a musica das esteras (0 fluxo dos sons segundo a curvadasproprias forcas e das forcas que ele descreve), tudo se cala diapt@ do

    j)~tonsumidor arua~.te (que po de recalcitrar nas formas do colecionador fu -rl1\l' gaz e permanente da ultima novidade, do critico prepotente, e toda uma, familia de pretensos apropriadores das ondas instantaneas que 0som ins-

    'J

    - -

  • 5/11/2018 Wisnik. Antropologia Do Ruido[1]

    24/24

    outras, uma especie de concentrado [xarope que as diferentes escutas au rein-terpretacoes van diluir em concentracoes variadas). Tende a se dissolver a---ivisao entre musiGa erudita e popular, mas continua a haver, de rnaneiraincIS1Va,a distills-ao entre estrutura profunda e estrutura de superHcie_{semque esse Ultimo termo seja pejorative). Como eu tinha sugerido antes, Sa-grar;ao c i a primeuera e estrutura profunda daquela rmisica de ritmos e tim-bres, de ruido pulsante que 0 rock vai mostrar como estrutura de superHcie(port ada peJa evidencia de s~ cad~nclas harmomcas e seu compasso qua-ternario). Cage e estrutura profunda da music a em seu estado absolurarnentesuperficial (flutuas:ao do som, silencio, ruido em sua inrranscendencia, evi-dencia nao-evidente do carater superficial de toda musica). 0 rninimalisrnoe a Eassagem doprofundo cageano ao superficial (a evidencia do caraterrepetitive dos fluxos em fluxos explicitarnente repetitivos). Joao Gilbertoe a superacao da oposicao entre 0pro.fundo e 0 superficiaL42

    A rnusica passou a tramar outr as trarnas. Para muitos amantes da musi-ca isso e insuportavel. Para outros, esse estado de coisas nega tudo 0 queela foi. 0 rneu assunto e manter vivo 0 campo da escuta, tomando comobase 0que se tornou evidente, que a musicapassa a pedir uma escuta pro-priamente musical, isto e , poliforuca. E possivel reouvir a sua historia den-tro de uma base sincron~ca. f: preciso produzir nov os mapas. E possivelouvir tudo de no~ e estar soando ja diferentemente. Modal, tonal, serial.T ocar a prirneira escala.


Recommended