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012) Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social (1999)

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Mercosul, Nafta e Alca: a Dimensão Social Yves Chaloult e Paulo Roberto de Almeida (Coordenação) São Paulo Editora LTr 1999
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Mercosul, Nafta e Alca:

a Dimensão Social

Yves Chaloult e Paulo Roberto de Almeida

(Coordenação)

São Paulo Editora LTr

1999

Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social Copyright © Yves Chaloult e Paulo Roberto de Almeida, 1999 Todos os direitos reservados. Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais é proibida a reprodução total ou parcial deste livro, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, sem permissão por escrito dos autores ou dos organizadores.

Chaloult, Yves, Almeida, Paulo Roberto (Coord.)

Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social / Yves Chaloult/ Paulo Roberto de Almeida. — São Paulo: LTr, 1999 1. Américas — integração. 2. Mercosul. 3. Nafta. 4. Alca — economia, Estados, sindicatos.

Índices para catálogo sistemático: 1. Mercosul: integração econômica 337.18091 2. 3.

Sumário Apresentação: Yves Chaloult e Paulo Roberto de Almeida 5

Parte I : Processos de Integração Regional

Cap. 1: A dimensão social nos processos de integração 15 Paulo Roberto de Almeida Cap. 2: Relações Mercosul, Alcsa, Alca e papel do Estado 35 Yves Chaloult Cap. 3: A integração no Mercosul: novos atores e desafio da participação política e social 64 Alcides Costa Vaz

Parte II: Movimentos Sociais

Cap. 4: Estratégias e alianças entre os atores sociais 93 Tullo Vigevani e Karina L. Pasquariello Mariano Cap. 5: A sociedade civil na integração: movimentos sociais e organizações sindicais 115 Ana Maria Stuart Cap. 6: Governos, agentes econômicos e atores sociais: riscos e desafios da globalização e da política de blocos 127 Gilberto Dupas

Parte III: Transnacionalização das Práticas Sindicais

Cap. 7: Globalização e práticas sindicais 143 Dorval Brunelle e Yves Chaloult Cap. 8: Práticas sindicais e acordos preferenciais de comércio: um novo caminho para o sindicalismo? 163 João Paulo Cândia Veiga Cap. 9: Negociações coletivas internacionais e Mercosul 181 Maria Sílvia Portella de Castro Cap.10: As novas práticas sindicais frente ao Nafta 205 Dorval Brunelle Cap.11: Uma visão sindical em face da Alca e de outros esquemas regionais 219 Kjeld Jakobsen Cronologia dos processos de integração nas Américas 235 Glossário de organizações de integração e de cooperação 252 Paulo Roberto de Almeida e Yves Chaloult

Apresentação

Yves Chaloult e

Paulo Roberto de Almeida

A despeito de uma já importante bibliografia acumulada no campo dos estudos sobre

os processos de integração regional, sobretudo no que se refere ao Mercado Comum do Sul

(Mercosul), o mercado editorial brasileiro carece ainda de títulos enfocando essa problemática do

ponto de vista dos atores que participam — ou que algumas vezes, e em determinadas

circunstâncias, são “objeto” — desse empreendimento. Com efeito, a produção especializada

publicada desde o lançamento, em 1991, com o Tratado de Assunção, desse processo sub-

regional — que serviu de verdadeiro impulsionador e catalizador das pesquisas sobre os

esquemas de liberalização comercial e sobre os processos de integração em geral — vem sendo

caracterizada, em sua maior parte, por um enfoque marcadamente jurídico, com muitos outros

bons trabalhos e análises diversas nos campos da economia, da sociologia e da ciência política.

Mais rarefeitos ainda no Brasil são os estudos divulgados – e a fortiori os livros publicados – que

abordam a dimensão social da integração ou que ultrapassam o cenário geográfico estrito do

Mercosul, para enfocar igualmente as demais experiências conhecidas de integração.

O presente volume pretende preencher, ainda que modestamente, essa lacuna editorial,

ao coletar trabalhos de especialistas conhecidos sobre aspectos diversos dessa dimensão social e

ao estender a análise aos demais processos e esquemas hemisféricos de liberalização comercial e

de integração. O terreno não é de todo inexplorado, pois que, ainda recentemente, um dos autores

aqui presentes coordenou um volume, em colaboração, de ensaios e de exposições em seminários

sobre as reações sindicais e os efeitos sociais dos processos de globalização e de integração. ∗

Esta obra aprofunda o debate já iniciado, ao reunir estudos de sociologia política sobre essa

dimensão, tanto no caso mais próximo do Mercosul, como na experiência algo mais distante do

Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e na iniciativa ainda em negociação da

Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Os organizadores, depois de definido um plano ideal para esta obra, formularam

convites a alguns dos estudiosos e especialistas mais conhecidos em cada uma das problemáticas

selecionadas, seja em virtude de um trabalho acadêmico já consagrado nessas áreas, seja como

∗ Ver Tullo Vigevani e Jorge Lorenzetti (Coord.). Globalização e integração regional: atitudes

sindicais e impactos sociais. São Paulo: LTr, 1998.

resultado de um ativo engajamento na construção de alguns dos processos aqui cobertos. Teoria

e prática se encontram, assim, razoavelmente bem representadas nesta coletânea de textos

inéditos, cuja preocupação analítica primordial foi com uma exposição abrangente e honesta dos

fatos e processos envolvidos em cada uma das experiências enfocadas, seguida de uma discussão

aberta sobre as implicações sociais de cada um deles. Para a maior parte dos trabalhos, as

referências básicas na abordagem da dimensão social no processo de integração são obviamente

o Brasil e o Mercosul, mas os demais esquemas hemisféricos — tanto os existentes, como o

Nafta, como os potenciais, como a Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa) e a Alca —

também mereceram a atenção dos autores participantes desta coletânea. Em todos esses

exemplos, cabe sublinhar o fato de que a construção de um bloco comercial ou o estabelecimento

de um espaço integracionista, conforme o caso, encontram-se ainda em desenvolvimento, o que

por vezes pode dificultar a apreensão intelectual de todas as suas conseqüências e impacto social.

O Mercosul, o Nafta e a Alca são blocos formados a partir de concepções diferentes. A

integração norte-americana, via Nafta, e a integração continental, via Alca, objetivam

essencialmente a formação de zonas de livre comércio, onde a dimensão social não é relevante

ou prioritária. Por outro lado, o Mercosul pretende avançar na direção de um mercado comum

pleno e seguir o caminho, ainda que de forma sui generis, da União Européia (UE), que vem

atuando desde largos anos no plano social. O Mercosul possui várias instâncias que possibilitam

maiores avanços na área social como, por exemplo: o Subgrupo-10 (Assuntos Trabalhistas,

Emprego e Seguridade Social) e sua Comissão Ad Hoc sobre a “Dimensão Social do Mercosul”;

o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) onde participam empresários, centrais sindicais e

entidades da sociedade civil; e a “Declaração Sóciolaboral do Mercosul”, assinada em dezembro

de 1998 pelos presidentes dos quatro países do Bloco. Essa “Declaração” é relevante, em termos

sociais, uma vez que estabelece a criação de uma “Comissão Sóciolaboral”, órgão tripartite, e

sobretudo, porque pode tornar-se um instrumento de proteção dos direitos laborais básicos,

representando, assim, um avanço no tratamento dos assuntos sociais no Mercosul.

O livro está estruturado em três partes interconectadas. Na primeira são abordadas de

maneira ampla e geral as questões mais importantes da dimensão social e política dos processos

de construção de espaços integracionistas na região. Na segunda, o enfoque é mais diretamente

dirigido ao problema crucial da participação dos atores sociais, “societais” e “orgânicos”

(Estados e entidades organizadas, como os sindicatos de patrões e de trabalhadores) no contexto

da globalização e da regionalização. Na terceira parte, são as próprias práticas sindicais e sua

transnacionalização que se encontram no centro da discussão, em face dos novos cenários

internacionais desenhados por esses processos aparentemente contraditórios — mas na verdade

basicamente complementares — da globalização e da regionalização. Uma cronologia relacional

do desenvolvimento dos processos e esquemas hemisféricos de integração e um glossário dos

principais termos e siglas utilizados no livro, relacionados à integração, completam este volume.

Ele se pretende um guia didático para a comunidade universitária, mas também uma fonte de

informação mais ampla para a sociedade em geral, sobre esses distintos processos de integração,

que nem sempre colocados em confronto, como é o caso aqui. Em que pese a densidade analítica

dos textos aqui coletados, o livro não se dirige, portanto, apenas aos especialistas acadêmicos,

aos profissionais da integração ou aos militantes das organizações sociais e sindicais, mas está

voltado para o enriquecimento do debate nacional em torno dessa problemática, aspirando a

servir à participação da opinião pública como um todo nesse processo que deve determinar o

futuro da inserção internacional do Brasil no limiar do século XXI.

O primeiro capítulo, por Paulo Roberto de Almeida, é voluntariamente generalista e

“multi-geográfico”, ao enfocar igualmente a experiência da Europa em matéria de incorporação

da dimensão social ao processo de integração, uma vez que o modelo europeu se constitui em

referência incontornável e chave de qualquer discussão sobre o assunto. Almeida demonstra

como a dinâmica da participação social estava presente no próprio fluxo de construção da atual

União Européia, o que explica o estoque razoável de conquistas sociais que caracteriza esse

modelo, em contraste com as realizações algo pálidas, para não dizer inexistentes, nos processos

americanos. De fato, a garantia de que a dimensão social seja efetivamente contemplada nesses

processos parece residir mais numa atuação em torno dos fluxos de participação, condição

essencial da ulterior incorporação de resultados esperados ao estoque de direitos sociais.

Yves Chaloult torna mais concreta essa visão macrosociológica ao passar em revista,

no segundo capítulo, os itinerários respectivos dos diferentes esquemas e projetos hemisféricos

de integração, detendo-se mais particularmente no papel do Estado e dos movimentos sociais que

lhes guiam os passos ou deles participam. Isso lhe permite concluir que para contrabalançar os

efeitos contraditórios do novo regionalismo econômico e da globalização financeira é necessário

que se intensifique a participação dos movimentos sociais, da sociedade civil e dos Legislativos,

reforçando, dessa maneira, o pluralismo e a democracia na região.

Alcides Costa Vaz destaca por sua vez, no terceiro capítulo, o acentuado protagonismo

dos governos nacionais dos Estados-membros do Mercosul, discutindo em seguida as diferentes

razões que explicam o déficit democrático desse processo. Analisa os atores no Mercosul em três

níveis de influência; a) as instâncias decisórias (governos nacionais, órgãos do Mercosul e

associações empresariais); b) as instâncias consultivas (Foro Consultivo Econômico-Social,

parlamentos, partidos políticos, centrais sindicais e organismos regionais); e c) os atores

coadjuvantes (forças armadas, universidades, associações profissionais, e pequenas e médias

empresas).

A segunda parte é aberta pelo texto em colaboração de Tullo Vigevani e de Karina

Pasquariello Mariano, que também reconhece a importância fundamental do Estado enquanto

ator de primeira ordem nesses processos de construção integracionista, mas inova do ponto de

vista conceitual ao incidir o bisturi analítico mais diretamente sobre a participação dos atores

sociais (empresários, sindicatos) e suas estratégias de alianças recíprocas. Essas alianças se dão

tanto no plano nacional como no internacional, o que pode influenciar o processo decisório das

políticas externas e dos processos de integração, contribuindo eventualmente para diminuir o

déficit democrático já mencionado.

No capítulo quinto, Ana Maria Stuart também analisa, sob o enfoque do

construtivismo social, a participação dos movimentos sociais nos processos de integração

regional, mas ela o faz no contexto da crise da representação política e do próprio sistema

democrático que caracteriza a atualidade. Trata-se, portanto, de uma visão fortemente crítica

sobre a ausência da sociedade civil, em especial do movimento sindical, na construção dos

esquemas integracionistas.

Gilberto Dupas oferece, no capítulo sexto, uma ampla discussão sobre as implicações

econômicas e sociais da globalização e da regionalização, mostrando o caráter inerentemente

instável — ou aberto a novas configurações — da política de blocos. Estes poderiam significar o

último baluarte dos Estados nacionais, em face do caráter aparentemente irreversível da

globalização. Dupas examina mais de perto os casos do Brasil, da Argentina e do México, cujas

possibilidades de formulação de políticas setoriais para a preservação do volume de empregos

em suas respectivas economias estão fortemente condicionadas pela lógica do fracionamento das

cadeias produtivas que acompanha o desenvolvimento de ambos os processos.

O capítulo sétimo, abrindo a terceira parte deste livro, apresenta um quadro teórico-

analítico sobre a transnacionalização das práticas sindicais e a sua relação com o processo de

globalização em andamento. Como demonstram Yves Chaloult e Dorval Brunelle, a integração

econômica atual — regional e global — que se situa no prolongamento do quadro normativo

oriundo da segunda guerra mundial, redefine significativamente as antigas práticas dos

sindicatos, atores participantes de processos dominados pelos Estados, pelas empresas

transnacionais e, em parte, pelas organizações internacionais. O quadro institucional de atuação

dessas forças sociais é ilustrado mediante o exame de iniciativas sindicais na América do Norte e

do Sul, no contexto dos três grandes esquemas integracionistas do hemisfério: o Mercosul, o

Nafta e a projetada Alca.

João Paulo Veiga examina, no oitavo capítulo, as razões que explicam o crescente

interesse dos sindicatos pelas áreas preferenciais de comércio, fonte possível de um novo

“sindicalismo global”. O trabalho adota a perspectiva comparativa, ao discutir a participação

sindical nos processos mais conhecidos de integração: Mercosul, Nafta e União Européia. Parece

claro que os sindicatos lograram “internacionalizar” um conjunto mais ou menos uniforme de

reivindicações, mas essa pauta comum de pontos de luta não representa sua “tábua de salvação”,

uma vez que eles não são mais os únicos atores-interlocutores do setor produtivo: Organizações

Não-Governamentais (ONGs), associações de consumidores, ambientalistas e grupos de defesa

dos direitos humanos intervêm no debate e, não raro, formam coalizões mais poderosas do que o

logrado, na era clássica do capitalismo industrial, pelos “velhos” sindicatos de trabalhadores.

A continuidade desse debate é assegurada, no capítulo nove, pelo ensaio de Maria

Sílvia Portella de Castro, abordando a questão da “internacionalização” das relações trabalhistas.

A possibilidade de estabelecimento de um “sistema de relações trabalhistas supranacional”

dependerá, como diz essa autora, do formato institucional que os processos de regionalização

econômica assumam doravante, mas essa integração dos sistemas laborais não é necessariamente

uma pré-condição para a introdução de contratos coletivos supranacionais. De um ponto de vista

pragmático, não se está longe, em alguns esquemas, da regulação das relações laborais no âmbito

regional. A autora examina ainda, por um lado, a negociação e os alcances da Declaração —

concebida inicialmente pelos sindicatos sob a forma mais resolutiva de um Protocolo —

Sociolaboral do Mercosul e, por outro, as possibilidades de negociações coletivas supranacionais

nesse esquema, terreno no qual a oposição entre empresários e trabalhadores é grande. Ela

aponta que a tendência, pelo menos na Argentina e no Brasil, é, aliás, no sentido de dificultar

ainda mais as negociações coletivas nacionais.

As novas práticas sindicais no Nafta são examinadas, em sua dimensão política e nos

planos nacionais, pelo professor de sociologia econômica da Universidade do Quebec em

Montreal, Dorval Brunelle, que focaliza as estratégias de oposição ao acordo tripartite de livre

comércio. Nos Estados Unidos é bastante conhecida a oposição radical do movimento sindical ao

Nafta, por razões essencialmente pragmáticas: segundo a consigna adotada, livre comércio é

igual a perda de empregos. Essa oposição se desdobrou na Alliance for Responsible Trade, papel

que no Canadá foi desempenhado pela Common Frontiers e pelo Réseau Québecois sur

l’Intégration Continentale, ao passo que o México ensaiava uma Red de Acción frente al Libre

Comercio. A atuação dessas coalizões deslocou-se, obviamente, da oposição ao Nafta à luta

contra a Alca, mas aqui a tarefa é ainda dificultada pelo fato de não haver muito espaço para

iniciativas sindicais, enquanto os empresários já dispõem de seu próprio fórum para a integração

hemisférica.

No capítulo onze, finalmente, a pluma analítica deixa os gabinetes dos acadêmicos

para ser assumida de maneira militante por um líder sindical, no caso o Secretário de Relações

Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Kjeld Jakobsen. A perspectiva é a da

solidariedade internacional dos trabalhadores, recuperando a herança do Manifesto de 1848, cuja

validade é reafirmada em face da crescente internacionalização da economia, tal como analisada

por Marx há 150 anos. A despeito da relativa dispersão geográfica e organizacional dos

sindicatos e das centras sindicais no continente americano, a “ameaça” da Alca parece oferecer

uma base comum para a luta contra esse projeto de acordo; essa luta foi até agora manifestada

pela organização de conferências paralelas às reuniões dos ministros e dos presidentes dos países

participantes. Alguns desses encontros alternativos – tanto em Belo Horizonte, em maio de 1997,

como na Cumbre de los Pueblos de America, em Santiago do Chile, em abril de

1998 - propiciaram a adoção de documentos de forte conteúdo crítico ao projeto da Alca.

Este conjunto de textos oferece, portanto, uma visão abrangente e multifacetada das

implicações sociais e dos diversos aspectos econômicos e políticos envolvidos nos diferentes

esquemas e acordos de livre comércio implantados ou em discussão no hemisfério. As ricas e

variadas referências bibliográficas compiladas em quase todos eles permitirão aos leitores

interessados aprofundar o debate mediante a consulta a outros trabalhos produzidos no Brasil ou

no exterior sobre a mesma temática ampla aqui enfocada. O rigor acadêmico não elude a

preocupação legitimamente social, propriamente cidadã, de todos os colaboradores com a

ampliação da participação dos atores e movimentos sociais no processo negociatório e no

empreendimento “societal” de construção de espaços integracionistas no continente americano,

reduzindo, assim, o chamado déficit democrático do processo de integração regional em

andamento.

Essa participação, mormente em condições de vigência praticamente universal do

regime democrático como nas Américas da atualidade, se dará de forma conseqüente e

apropriada apenas a partir de uma discussão bem informada sobre os pressupostos econômicos e

os efeitos sociais concretos desses processos atualmente em curso no hemisfério. Tal parece ser a

condição para que esse processo torne-se menos excludente do ponto de vista social e possa

apresentar-se, ao contrário, como um espaço ampliado de atuação consciente por parte de todos

os cidadãos dos países-membros dos diversos esquemas integracionistas em curso na região.

O presente livro pretende representar uma contribuição honesta, objetiva e a mais

completa possível para que essa informação seja precipuamente dirigida à reflexão crítica e à

formulação de respostas alternativas aos desafios colocados aos povos dos países americanos e

caribenhos, em primeiro lugar do Brasil e do Cone Sul, pela globalização e pela regionalização.

Yves Chaloult Paulo Roberto de Almeida

Brasília, janeiro de 1999

Parte I

Processos de Integração Regional

Capítulo 1

A dimensão social nos processos de integração

Paulo Roberto de Almeida ∗

1. A questão social como questão política: uma perspectiva comparada

A “questão social” tende a suscitar, nos processos de integração dotados de uma

certa componente comunitária, duas modalidades, não excludentes entre si, de intervenção

por parte dos poderes públicos: as políticas regionais e setoriais e as políticas sociais

propriamente ditas. Com efeito, na ausência de um encaminhamento automático da “questão

social” pelas chamadas “forças de mercado” — geralmente pouco receptivas a outros dados

da equação “societal” que não os fatores de produção e as matrizes de insumo-produto —, os

aspectos sociais da integração podem ser tratados de forma direta ou indireta pelas

autoridades públicas:

(a) pela via direta da incorporação dos agentes sociais na formulação e execução das

política macroeconômicas e setoriais que integram o edifício comunitário em

construção e dos sistemas de proteção e de promoção social dos trabalhadores, ou

seja, buscando o reequilíbrio do tecido social que os mesmos mecanismos de

mercado não cessam, recorrentemente, de perturbar;

(b) pela via indireta da promoção ativa do desenvolvimento econômico de regiões

menos avançadas, isto é, mediante procedimentos de revitalização ou reconversão

produtiva de zonas que estão conjuntural ou estruturalmente deprimidas.

Foi dada expressamente ênfase ao adjetivo “comunitário” uma vez que as modalidades

mais simples de integração econômica ou de simples liberalização comercial não costumam

comportar tal dimensão social. Com efeito, os princípios e as realidades concretas

epitomizadas nas noções de “políticas regionais” ou “políticas sociais” povoam o universo

organizacional dos processos mais avançados de integração, ausentando-se singularmente das ∗ Doutor em ciências sociais, mestre em planejamento econômico, diplomata de carreira.

Editor Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, Diretor-Geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Autor de Mercosul: fundamentos e perspectivas. São Paulo: LTr, 1998. E-mail: [email protected].

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simples zonas de livre comércio ou das uniões aduaneiras. É notório, por exemplo, que a

União Européia (UE) pratica, com uma certa largesse d’esprit, tanto uma como outra das

modalidades descritas de intervenção societal. A primeira está consubstanciada na vertente

regional das políticas comunitárias, combinando “planejamento indicativo” e “organização do

território”; a segunda aparece de maneira mais diluída nas diferentes políticas — várias

existentes apenas no plano puramente nacional — relativas às relações profissionais e ao

direito do trabalho, aos sistemas previdenciários e de saúde pública e aos programas de

emprego e de formação profissional. Ambas as modalidades — presentes implícita ou

explicitamente desde os compromissos do Tratado de Roma de 1957 —, visam a dar conteúdo

concreto à chamada “coesão econômica e social” da Europa comunitária, pedra de toque e

princípio fundamental do Ato Único Europeu (1986) e do Tratado de Maastricht (1992).

Não se pense, contudo, que a questão social encontra-se totalmente ausente das

experiências mais declaradamente livre-cambistas do tipo do Nafta ou das uniões aduaneiras

ainda incipientes como o Mercosul, como o provam os intensos debates sobre a “cláusula

social” ou os acordos paralelos, no primeiro exemplo, ou as demandas reiteradas por um

Protocolo Sócio-Laboral de direitos trabalhistas básicos no segundo. Ainda que a “questão

social” não seja totalmente eludida nestes casos, a baixa densidade intrínseca desse tipo de

experiência faz com que ela não disponha, no que se refere aos mecanismos de “intervenção”

estatal, da unanimidade dos parceiros engajados na construção de um espaço econômico

integrado. Não há consenso sequer sobre sua “necessidade”. Um dos muitos pontos de

divergência no projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) vem sendo,

precisamente, a questão da participação dos sindicatos de trabalhadores e de outros

representantes da chamada “sociedade civil” nas negociações tendentes à conformação das

bases de uma vasta zona de livre comércio no hemisfério americano.

Algumas indagações não podem deixar de ser colocadas neste contexto. Seria o

caso de se afirmar, por exemplo, que a “questão social” só assume contornos “integrativos”

nas experiências relativamente mais avançadas, declaradamente comunitárias, de integração e

que, em sentido contrário, ela comporta aspectos necessariamente “divisivos” nas fases

iniciais dos processos de liberalização comercial? Seria a dimensão social, segundo uma

imagem gastronômica, apenas uma espécie de cereja no pudim comunitário, sobremesa aliás

ausente dos menus livre-cambistas, ou talvez figurando numa última etapa, “digestiva”, da

refeição integracionista? Poderiam os aspectos sociais da integração apresentar-se, ao

contrário, como pretendem os líderes sindicais e os intelectuais de sensibilidade progressista,

como coetâneos ao processo de liberalização comercial e à criação de um espaço econômico

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unificado, ou pelo menos como um dos componentes do projeto integrativo por eles

impulsionado? Esses atores sociais estão, na verdade, defendendo uma maior participação da

sociedade civil no processo decisório da integração, em face do exclusivismo negociador

associado às burocracias governamentais e aos responsáveis políticos. Poderiam as duas

visões ser conciliadas?

Estas questões não são fáceis de serem respondidas de uma perspectiva puramente

teórica, como a própria história da integração, na Europa e no continente americano, já se

encarregou de demonstrar. Nas experiências dotadas de um certo itinerário acumulado de

realizações e de “frustrações” sociais, raramente, ou quase nunca, as associações patronais, os

sindicatos de trabalhadores e os burocratas governamentais partilham uma mesma concepção

sobre o que significaria atribuir uma “verdadeira” dimensão social a seus processos concretos

de integração. Os desacordos são normais, justificando, em conseqüência uma visão estrutural

de como se insere a “questão social” nos processos de integração. A expressão “estrutural”

aqui figura em contraponto a uma perspectiva “ideológica” dessa questão, que seria a de

tomar partido, ab initio, pela componente “social” da integração, independentemente das

condições históricas — sempre únicas e originais — sob as quais o processo se desenvolveu

em suas atualizações concretas na Europa ocidental e no continente americano.

As dificuldades de se incorporar a dimensão social aos processos de integração são

por demais conhecidas e todos os observadores registram, por exemplo, a facilidade com que

se movimenta o capital de um país a outro em contraposição aos imensos obstáculos

colocados à circulação de trabalhadores. Numa outra perspectiva, também se contrapõe a

relativa rapidez com que se logra harmonizar regras relativas ao livre acesso de bens e

serviços nos mercados respectivos dos parceiros da integração — e mesmo condições de

concorrência entre economias por vezes díspares em dimensão, grau de desenvolvimento ou

diversificação interna — à delongada e por vezes impossível unificação dos regimes

previdenciários e de proteção social. As razões essenciais têm sido apontadas no timing

diferenciado dos requisitos integrativos, absolutamente indispensáveis em suas componentes

comerciais e econômicas, dispensáveis ou indiferentes em relação ao conteúdo social desses

processos certamente complexos de redução negociada das soberanias.

Essa diferenciação — de fato uma decalagem histórica — entre, de um lado, uma

cronologia econômica e, de outro, uma cronologia social do processo de integração pode ser

ainda mais importante se o empreendimento resultar de uma decisão essencialmente política,

como parece ser o caso no Mercosul. Na experiência européia, a decisão em favor da

integração também foi política em sua essência, mas não se pode deixar de considerar o

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“gatilho inicial” de natureza estratégica-militar — tanto pelo lado do reforço da cooperação

européia sob a impulsão do Plano Marshall e da Organização Européia de Cooperação

Econômica (1948), quanto do “desarme” recíproco entre França e Alemanha, evidenciado no

Memorando Monet (1950) — assim como a situação de interdependência econômica em que

vivia a Europa do imediato pós-guerra (não apenas no plano regional mas também em relação

aos Estados Unidos). No que se refere ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte

(Nafta), finalmente, pode-se argumentar que o processo de conformação de uma zona de livre

comércio no continente norte-americano também foi politicamente articulado — vindo

responder a uma descrença temporária em relação às chances de uma conclusão exitosa da

rodada de negociações comerciais multilaterais sob a égide do Acordo Geral sobre Tarifas

Aduaneiras e Comércio (GATT) — mas tampouco caberia olvidar o fato de que tal

movimento nada mais fez senão sancionar uma realidade concreta, qual seja um intercâmbio

comercial já intenso entre os três parceiros e uma interdependência econômica ainda mais

forte do que em certas experiências de integração formal.

2. A questão social como questão econômica: uma tipologia da integração

A questão social, portanto, dificilmente pode colocar-se de maneira prioritária nos

movimentos “naturais” de aproximação econômica, não porque ela não seja importante, mas

porque as forças “societais” que a sustentam na prática intervêm apenas a partir de uma

determinada etapa histórica no desenvolvimento do processo de integração. Parece haver, na

História, muito poucos exemplos — se algum — de movimentos integrativos enquanto

expressão determinante de forças políticas ou sociais, independentemente das tendências

estruturais, de natureza essencialmente econômica, que impulsionam o processo de

integração. A experiência européia foi sem dúvida impulsionada politicamente desde seu

início, mas a ela preexistia um substrato de condições econômicas ⎯ o intercâmbio comercial

já por si intenso entre os países europeus, independentemente de qualquer acordo formal ⎯

que em muito facilitou o deslanchar de um processo contínuo de construção progressiva da

interdependência recíproca.

As bases reais dos processos de integração são, portanto, indubitavelmente,

econômicas e comerciais, sem o que esses processos simplesmente não se sustentariam na

prática. A própria tipologia da integração parte do pressuposto comercial, como etapa inicial

desse movimento de renúncia da soberania estatal na regulação da atividade econômica, para

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avançar progressivamente em busca de objetivos econômicos cada vez mais amplos e

ambiciosos, segundo o projeto político a que cada experiência histórica corresponde

historicamente. A seqüência clássica é bem conhecida dos teóricos da integração: área de

preferências tarifárias (como a Associação Latino-Americana de Integração-Aladi), zona de

livre comércio (a hoje diminuída Área de Livre Comércio Européia-EFTA ou o Nafta), união

aduaneira (o ex-Benelux — Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos — e o Mercosul atual),

mercado comum (a Comunidade Econômica Européia-CEE), união monetária parcial (UE)

ou união monetária total (Bélgica-Luxemburgo, Mônaco-França, San Marino/Vaticano-Itália

etc.), enfim, o percurso clássico, ainda que nem sempre linear ou completo, da maratona

integracionista.

A tabela analítica sobre os acordos regionais e os esquemas de integração (Quadro

1) fornece uma ilustração concreta das experiências conhecidas nesse campo, observando-se

um certo continuum nas medidas integracionistas, que geralmente são cumulativas, mas

podem não ser necessariamente abrangentes. Em outros termos, nada impede uma simples

zona de livre comércio ou uma união aduaneira de partilhar de uma moeda comum e mesmo

única a todos os parceiros, ou de adotar um regime previdenciário uniforme. Uma certa

“incongruência” integrativa pode também apresentar-se teoricamente na outra vertente, ou

seja, uma união monetária manter regras laborais distintas e mesmo pouco harmônicas entre

si. Da mesma forma, um mercado comum não é incompatível com restrições (ou reservas) ao

princípio do tratamento nacional, como a preservação de diversos monopólios nacionais —

petróleo, telecomunicações, transportes de massa — atestou no curso da consolidação do

mercado único europeu. A despeito desses exemplos de “desvio padrão”, a experiência

histórica registra ainda assim uma certa coerência estrutural no aprofundamento e na

intensidade de políticas comuns mobilizadas para atingir os objetivos da integração.

Por outro lado, a tipologia apresentada no Quadro 1 indica uma certa concentração

de exemplos nas etapas iniciais do movimento integrativo. Com efeito, como se observa no

quadro, à medida que se avança na escala integracionista ocorre uma “diluição” dos exemplos

concretos sobre os quais se apoiar na análise do conteúdo social e econômico desse processo.

Não por acaso, uma hipotética linha de fronteira das “políticas sociais” separa a maior parte

das muitas experiências conhecidas de soft integration das poucas modalidades concretas de

hard integration. Em outros termos, a integração não tem, em todas as partes, o mesmo

conteúdo estrutural e, sobretudo, a mesma densidade social.

No sentido mais corrente, quando se fala de um esquema de integração está-se mais

comumente fazendo-se alusão a uma zona de livre comércio ou a um mercado comum, cujos

20

exemplos mais conspícuos são evidentemente o Acordo de Livre Comércio Canadá-Estados

Unidos (CUSFTA, 1989), o próprio Nafta (1994) e a antiga Comunidade Européia, tal como

instituída pelo tratado de Roma de 1957. Em todos esses casos, o que estava em jogo, em

primeiro lugar, eram processos de liberalização comercial recíproca e a constituição de um

espaço econômico integrado para a plena ação competitiva dos agentes primários da atividade

econômica: as empresas de produção e de comércio de bens industriais e agrícolas e os

fornecedores de serviços.

Algumas células desse quadro analítico poderiam ser tentativamente preenchidas

com base nos projetos atualmente em curso — indicados em itálico —, em especial no que se

refere ao Mercosul. Espera-se, por exemplo, que em 2001 ele tenha concluído com um certo

êxito a conformação de sua união aduaneira, apta desta vez a permitir a livre circulação dos

fatores de produção (à exceção dos trabalhadores); ele se encontrará, então, na mesma

situação do Mercado Comum Europeu em sua modalidade de simples união aduaneira, em

1968 (que no entanto já previa a liberdade de circulação de mão-de-obra desde os acordos

constitutivos de 1957). Da mesma forma, espera-se que em 2006, a integração no Cone Sul se

desloque para a célula da direita, a de um mercado comum pleno (muito embora seja

duvidoso que trabalhadores não especializados da maior economia do Mercosul sejam aceitos

livremente nas economias menores). Adicionalmente, poder-se-ia contemplar uma outra

inscrição para o Mercosul na célula correspondente à liberdade de estabelecimento, a partir de

2006, coincidindo nesse caso com a unificação dos mercados na Comunidade Européia entre

1986 e 1993, mas tal projeto de aprofundamento precisa ainda ser testado na prática.

Em todos os exemplos, o que está prioritariamente em questão são os movimentos

de abertura de mercados e de uniformização das condições de concorrência. Dependendo do

grau de institucionalização do processo de integração em causa, elementos adicionais de

políticas públicas — como por exemplo nos setores industrial, tecnológico e a fortiori na área

social — podem ser introduzidos de comum acordo pelos parceiros do processo. Esses

elementos também podem aparecer ulteriormente ou mesmo simultaneamente como

conseqüência do próprio aprofundamento da “corrida para a frente” integracionista, de que é

exemplo, obviamente, a União Européia instituída pelo Tratado de Maastricht (1992). Os

elementos propriamente “sociais”, contudo, são contemporâneos, ou deveriam sê-lo, da

introdução da plena mobilidade dos fatores de produção, como indicado no Quadro 1 pela

linha de fronteira entre a integração puramente comercial e as fases mais avançadas da

unificação do espaço econômico entre os parceiros no processo.

21

Muito embora esse “limite” entre um modelo dito “livre-cambista”, ou puramente

comercialista, e outro dotado de maior densidade intrínseca integracionista seja mais bem

teórico do que efetivo, a fronteira parece mesmo situar-se num tipo específico de mobilidade

fatorial, a liberdade de circulação de trabalhadores, uma vez que nem os fluxos de capitais,

nem a oferta transfronteiriça de serviços parecem requerer a adoção de medidas sociais

explícitas para o atendimento dos compromissos de liberalização efetiva ou para o pleno

exercício do livre jogo da concorrência. Por outro lado, há uma certa fluidez nas medidas

adotadas em uma ou outra experiência, que não se conformam, evidentemente, a um tipo-

ideal, “quimicamente puro”, de esquema integracionista. Mesmo as etapas mais avançadas, de

tipo comunitário, não dispõem, ipso facto, de mandato para impulsionar políticas comuns nos

terrenos mais comuns da área social (saúde, previdência, regulação laboral).

A razão está em que nenhuma experiência concreta de unificação de mercados — e

a fortiori, nenhuma tipologia construída para abrigar os casos “ideais” desses processos —

pode desmontar, num curto período de tempo, uma estrutura de relações sociais que resulta de

décadas, se não séculos, de evolução política, social e econômica das nações engajadas no

cadinho aparentemente unificador e homogeneizador da integração. Em outros termos, os

“capitalismos realmente existentes” das diversas experiências integracionistas catalogadas —

assim como os “socialismos reais” nos tempos da antiga comunidade econômica liderada pela

ex-União Soviética, o Comecon — não podem simplesmente passar uma borracha nas

funções diferenciadas exercidas pelos Estados nacionais no campo das relações contratuais

inter-agentes e na regulação dos serviços públicos oferecidos na área social.

Uma simples consulta, nesse particular, às estatísticas de despesas sociais e de

arrecadação tributária dos países-membros da Organização de Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) — e a mais forte razão entre os membros da UE —

revelaria discrepâncias e assimetrias dignas de nota, resultantes de mandatos constitucionais e

legais bastantes diferenciadas atribuídos aos Governos centrais e administrações locais em

cada uma das economias envolvidas. Estrutura federalizada, por exemplo, visão “estatal” ou

de “mercado” dos serviços de saúde, mecanismos diretos ou indiretos de intervenção social

para os desvalidos ou para a comunidade estudantil, entre muitos outros elementos de ação

pública, são apenas alguns dos fatores de diferenciação estrutural nas modalidades de

implementação das políticas públicas dos parceiros no processo de integração.

Essas diferenças se explicam evidentemente em virtude de disposições

institucionais originais a mais de um título: elas são únicas e exclusivas a cada processo

22

histórico e estão na raiz mesmo do tratamento distinto que a questão social recebe em cada

um deles. O que diz a esse respeito a letra dos tratados?

3. A questão social como problema institucional: uma perspectiva histórica

Segundo o enunciado dos artigos 48 e 49 do Tratado de Roma (1957) instituindo a

CEE, a livre circulação dos trabalhadores no território dos países-membros deveria ficar

assegurada — como de fato o foi — desde o final do período de transição, isto é, em 1968. O

projeto institucional original da Comunidade fez bem mais do que isso, ao prever que um

título inteiro do Tratado (o III) fosse dedicado à Política Social, cujo capítulo II criava um

Fundo Social com o objetivo de promover “facilidades de emprego e mobilidade geográfica e

profissional para os trabalhadores”. Tais objetivos já figuravam desde antes, é verdade, no

Tratado de Paris criando a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951), o que

demonstra o caráter propriamente “fundador” do estatuto social no processo europeu de

integração. Essa institucionalização ab initio da questão social no modelo europeu constitui

sua marca distintiva e, até agora, uma exclusividade histórica, já que as demais experiências

ulteriores não lograram — ou não pretenderam — repetir tal dimensão em seus mandatos

constitucionais respectivos.

Com efeito, não é preciso dizer que a questão social não figura como preocupação

central na dinâmica da liberalização de comércio sob a égide do Nafta, recebendo tão somente

um tratamento acessório por meio de um acordo paralelo sobre requisitos mínimos relativos a

normas e padrões laborais. A liberdade de circulação do “trabalho” no Nafta se refere

basicamente ao direito de estada temporária para os homens de negócios. Na Europa, ao

contrário, a Comunidade se esforçou, ainda durante os anos 70, por consolidar sua dimensão

social. Em 1989, por exemplo, a adoção da Carta comunitária de direitos sociais fundamentais

— primeira iniciativa européia estruturada no sentido de definir uma política social européia

— recebeu a adesão de onze dos então doze membros da Comunidade Européia, preferindo o

Reino Unido manter-se à margem das recomendações de “ proteção social adequada” e de

“níveis suficientes de seguridade social”.

Caberia entretanto observar que as disposições européias em favor da circulação de

pessoas e da fixação de normas comuns de trabalho têm menos a ver com a promoção de uma

ativa política social e mais com o exercício da plena concorrência econômica no território

comum aos países-membros, ou seja, com a constituição de um mercado europeu da força-de-

23

trabalho. A Carta Social de 1989 constitui mais uma declaração de princípios do que um

programa de ações coordenadas. O espírito essencial e o propósito fundamental da liberdade

de circulação não estavam longe, portanto, do processo de constituição dessa entidade

essencial ao livre jogo do capital que Marx chamava de “exército industrial de reserva”:

quanto mais os trabalhadores puderem se deslocar de um setor produtivo a outro da economia,

em busca de melhores condições de remuneração, mais o capital poderá basear sua estratégia

de extração de “mais-valia” na abundância relativa da força-de-trabalho.

Também no Mercosul, a exemplo do Nafta, a perspectiva é a da “liberdade” de

circulação do trabalho, mas não necessariamente de trabalhadores. Com efeito, como diz o

artigo 1º do Tratado de Assunção, a constituição do mercado comum implica a “livre

circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países”, o que poderia teoricamente

incluir os trabalhadores entre esses “fatores produtivos”, mas o restante do enunciado explica

de maneira precisa que tal liberdade se dará “através, entre outros, da eliminação dos direitos

alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra

medida de efeito equivalente”, restringindo com isso o escopo da liberalização pretendida. Em

outros termos, estamos no universo da circulação de “coisas” — bens, serviços e capitais —

não no da livre movimentação de pessoas, ainda que sob a roupagem de trabalhadores.

Trata-se, sem dúvida alguma, de uma visão pouco funcional — e certamente pouco

“marxista” — da construção do capitalismo na região. Esses diferentes mandatos

institucionais do processo europeu e o do Cone Sul se explicam em função de perspectivas

distintas no que se refere ao objetivo mesmo da integração. O preâmbulo do Tratado de

Assunção, por exemplo, parte da “necessidade de promover o desenvolvimento científico e

tecnológico dos Estados Partes e de modernizar suas economias”, para apenas então, e em

primeiro lugar, “ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviços disponíveis”, a que se

agrega depois o objetivo de “melhorar as condições de vida de seus habitantes”. O Protocolo

anexo ao Tratado de Maastricht, negociado na mesma época, estabelece que a Comunidade e

os Estados-membros “têm como objetivos a promoção do emprego, a melhoria das condições

de vida e do trabalho, uma proteção social adequada, o diálogo social, o desenvolvimento dos

recursos humanos permitindo um nível de emprego elevado e durável e a luta contra as

exclusões”. O acordo estipula igualmente a igualdade entre homens e mulheres no que se

refere às oportunidades no mercado de trabalho.

Não se veja nesse tipo de restrição acima indicado qualquer “pecado social

original” ou defeito de origem quando se compara os processos norte-americano e do

Mercosul, de um lado, e o europeu, de outro. A restrição institucional — bastante clara no

24

caso do projeto do Mercosul — simplesmente reflete assimetrias estruturais que não poderiam

ser corrigidas pela simples letra dos tratados respectivos. Como se recordará, no momento em

que se deram os primeiros passos para a integração européia, ela mobilizou — a exceção da

Itália, envolvida graças à energia política militante de De Gasperi — países relativamente

homogêneos do ponto de vista social, ou pelo menos dispondo de níveis de desenvolvimento

industrial e agrícola relativamente similares. O objetivo essencial do esquema comunitário

inicial, aliás, não era exatamente a promoção do desenvolvimento social no Mezzogiorno

italiano, mas sim a união das forças industriais respectivas — em primeiro lugar as do carvão

e do aço — das duas principais potências do continente, França e Alemanha, de maneira a

tornar impossível um nova guerra entre ambas. Esses elementos “geopolíticos” comparecem

de forma meridianamente clara no Memorando Monet, que pode ser a justo título considerado

como o “documento fundador” de todo o processo de integração européia: mais do que um

exemplo de “idealismo” pretendidamente romântico em favor da integração enquanto tal,

tratou-se de uma peça do mais puro “realismo” militar e econômico, atendendo a interesses

franceses bem concretos.

Essa situação de “conflitividade” potencial não se encontrava, por sua vez, nem na

América do Norte, nem no Cone Sul, mesmo se alguns historiadores tentam descobrir e

evidenciar, num passado mais ou menos remoto, “fatos históricos” que poderiam configurar

uma disputa entre o Brasil e a Argentina pela hegemonia na América do Sul, que representaria

o pendant sul-americano da luta franco-germânica na Europa continental entre 1870 e 1945.

Mais importante ainda, à diferença do núcleo inicial da integração européia, os processos do

Nafta e do Mercosul mobilizaram países relativamente populosos — México e Brasil —

dotados de um diferencial negativo de desenvolvimento — para não dizer uma carga de

“miséria social” — que atemoriza seus vizinhos mais avançados.

Em outros termos, a questão central da dimensão social da integração, a liberdade

de circulação de trabalhadores, não poderia ser equacionada da mesma forma numa e noutra

margem do Atlântico, por evidentes implicações de estrutura social e de equilíbrio

demográfico nos diferentes parceiros envolvidos. Ainda que se possa considerar que a

economia dos Estados Unidos, no caso do Nafta, detêm uma maior capacidade de absorção de

“excedentes” de mão-de-obra mexicana incorporados de forma legal ou ilegal a seu mercado

laboral nacional, do que por exemplo, no quadro do Mercosul, a Argentina em relação à

“exportação” potencial de trabalhadores brasileiros sem qualificação formal, tal perspectiva

assumiria, em se tratando do pequeno Uruguai, ares de “catástrofe social”, para não qualificá-

la como uma questão de “segurança nacional”. De fato, o problema pode ser melhor avaliado

25

se se lembra que toda a população uruguaia representa o equivalente de um simples bairro da

aglomeração paulistana, ou, se quisermos, de uma de suas periferias mais pobres. A

possibilidade de que massas de “brasileiros miseráveis” pudessem “invadir”

incontroladamente o território uruguaio à busca de melhores condições de vida ou até o

espaço social paraguaio, atraídas pelo salário mínimo formalmente superior ali vigente, pode

ter atuado como um impedimento à inscrição desse “direito” de circulação na letra do Tratado

de Assunção pelos founding fathers do processo sul-americano.

Quando tal possibilidade foi incluída no corpo do tratado europeu não se previa um

deslocamento maciço — como de fato não ocorreu — de massas de trabalhadores dos países

envolvidos entre si. Os fluxos recíprocos de pessoas foram bastante modestos, à exceção dos

imigrantes pobres do Mezzogiorno italiano para os países setentrionais, movimento de resto

contrabalançado e de certa forma largamente superado pela atração de “não-comunitários” em

geral: ibéricos para os países latinos, de beurs magrebinos para a França e para a Bélgica e de

Gastarbeiters da Europa balcânica e do Oriente Médio — grosso modo da Iugoslávia e da

Turquia — para a Alemanha Ocidental. Esses fluxos correspondiam à própria dinâmica do

crescimento capitalista do pós-guerra, bem como às lacunas demográficas aportadas pela

recente guerra destruidora no continente, vindo portanto a compensar as deficiências em mão-

de-obra nas principais economias do projeto comunitário. Uma tal necessidade estrutural de

“importação” de trabalhadores pouco qualificados jamais se manifestou de modo agudo nas

economias do Novo Mundo, a fortiori depois dos choques do petróleo dos anos 70, que

encerraram três décadas de crescimento sustentado e deram início a um período de

estagflação nos Estados Unidos e na Europa. Quanto aos países do Cone Sul, não é preciso

dizer que, depois dos grandes aportes de imigrantes europeus entre o final do século XIX e

princípios do século XX, eles introduziram políticas migratórias relativamente restritivas,

sobretudo a partir dos anos 60, quando as taxas de crescimento demográfico internas pareciam

satisfatórias para atender às necessidades de mão-de-obra industrial.

Estas são algumas das bases históricas e dos fundamentos econômicos e sociais que

explicam as trajetórias peculiares, em termos de “questão social”, dos processos de integração

aqui enfocados. A referência ao modelo europeu, alheio, em princípio, à discussão sobre a

dimensão social dos processos americanos, é importante, já que se trata da experiência

histórica mais avançada nesse terreno, suscetível talvez de balizar o terreno, num futuro ainda

longínquo, para o Mercosul. A partir das realidades discutidas sumariamente acima, como

interpretar os desafios e realizações “sociais” das experiências de integração em curso ou em

projeto no contexto hemisférico americano?

26

4. A economia política da integração social: possibilidades e limites

Uma “interpretação econômica” da dimensão social dos processos de integração

poderia talvez apoiar-se nas noções bem conhecidas aplicados pela ciência econômica aos

movimentos e à acumulação de capital, ou seja, os conceitos de “fluxo” e de “estoque”. O que

uma tal derivação conceitual representaria no que se refere à dimensão social da integração?

O fluxo significaria a participação dos trabalhadores e outras forças sociais no

próprio processo de formulação de decisões em matéria de integração, ou seja, sua

incorporação aos mecanismos consultivos, negociais e eventualmente mesmo decisórios.

Quanto ao estoque, ele poderia representar a acumulação de “direitos adquiridos”, de

“conquistas sociais”, de sistemas mais avançados de proteção e de promoção do trabalho

logrados como resultado das realizações efetivas da integração. Resumindo, no primeiro caso

estamos falando de uma dinâmica participativa, no segundo de um espaço social construído

pela ação dos agentes sociais e dos atores primários do processo de integração.

No que se refere ao fluxo, sabemos que a CEE instituiu, desde seu início, um

Comitê Econômico e Social que, a despeito de seu papel eminentemente consultivo, permitiu

ao menos a incorporação dos diferentes agentes sociais nos debates em curso sobre as

políticas a serem adotadas no âmbito comunitário. Essas políticas assumiram seja uma

modalidade direta — geralmente as que tinham a ver com a própria constituição do mercado

comum, como a já referida livre circulação de trabalhadores — seja a via indireta da

promoção das condições de vida e de trabalho da mão-de-obra européia, onde se destacaram

tanto o Fundo Social Europeu como o Fundo de Desenvolvimento Regional.

No Nafta e no Mercosul, a despeito de uma intensa mobilização desses mesmos

atores sociais, pode-se dizer que o fluxo da integração foi dominado pelos agentes públicos

dos governos dos países participantes — com destaque para os diplomatas e os funcionários

da área econômica —, com uma mais do que moderada consulta à chamada sociedade “civil”.

No Cone Sul, a pujante tradição de intervencionismo estatal na esfera da atividade econômica

não foi contrabalançada senão por uma tímida ação no âmbito social, geralmente feita sob

demanda dos sindicatos de trabalhadores. Por certo, tanto o Nafta como o Mercosul

apresentam suas “faces” sociais, sob a forma do acordo paralelo em matéria laboral e do Foro

Consultivo Econômico-Social (FCES) e da Declaração Sociolaboral, aprovada em dezembro

de 1998, respectivamente. Mas, o impacto efetivo desses instrumentos e foros é propriamente

27

secundário, para não falar de escassos resultados práticos para o desenvolvimento do processo

de integração.

Essas diferenças significativas no que se refere aos fluxos, isto é, a participação

social, não podem ser explicadas apenas em termos de regime democrático e social em vigor

nos países envolvidos nessas diversas experiências de integração, a despeito da forte tradição

social-democrática — mesmo nos países com fortes partidos conservadores — na maior parte

das nações européias integrando a CEE/UE. Os Estados Unidos e o Canadá são tão

democráticos, politicamente, do que os países europeus e, no entanto, a dinâmica participativa

na construção da área bilateral de livre comércio e, depois, do acordo trilateral negociado com

o México para o mesmo objetivo, comporta pouco espaço para o atendimento de

reivindicações sociais. No caso do Mercosul, por outro lado, não é preciso sublinhar a forte

componente autoritária dos regimes políticos em vigor até uma fase ainda recente de suas

histórias nacionais respectivas, a despeito de experiências já antigas de Estado de bem-estar

social no Uruguai — o modelo battlista de consenso social e político —, de uma forte tradição

sindical nos países socialmente mais avançados (Argentina e Uruguai) e da forte impulsão

tomada no período mais recente pelos movimentos trabalhistas e sociais em países como o

Brasil e, em menor grau, o Paraguai.

Talvez as diferenças devam ser explicadas em função da natureza mesma do

processo de integração nas diversas experiências aqui enfocadas. Ademais das assimetrias

estruturais de caráter econômico já apontadas, as distinções são propriamente de concepção

de projeto, indo do conteúdo normativo que baliza a construção do espaço integrado — isto é,

os tratados e instrumentos institucionais negociados e em vigor — até o âmbito de aplicação

e os próprios objetivos dos compromissos pactuados em cada uma dessas experiências. No

caso europeu, a vertente comunitária é afirmada desde o início, objetivando a formação de um

mercado comum pleno. Nas Américas se trata, antes de mais nada, de liberalizar o comércio

recíproco e de criar um espaço econômico integrado para a ação mais livre e desimpedida dos

agentes “sociais” da interdependência prática, as grandes empresas de bens e serviços, no

quadro de um esquema institucional preservando inteiramente as soberanias nacionais

respectivas.

Se fosse possível sumariar o conteúdo essencial dessas experiências concretas de

integração, talvez se pudesse afirmar que se assistiu e se continua assistindo, no caso da

Europa Ocidental, a um cenário progressivo de construção de soberanias compartilhadas no

quadro de uma política econômica e social marcada por uma espécie de keynesianismo

liberal. Já nos exemplos de liberalização da América do Norte — CUSFTA e Nafta — o que

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se tem é um modelo não de todo perfeito de livre-cambismo administrado, sem maiores

preocupações com a chamada “coesão social” que parece caracterizar o modelo europeu. No

caso do Cone Sul em geral, e do Mercosul em particular, o jogo econômico parece ter sido

marcado, ao longo das últimas décadas por um certo keynesianismo darwinista que se afirma

sob facetas diversas no decurso mesmo do processo de construção intergovernamental de

uma união aduaneira na região.

Ainda no caso do Mercosul, o fluxo da participação social no processo de

integração é prejudicado por assimetrias relevantes entre os países-membros, tanto em termos

de níveis de desenvolvimento — sobretudo industrial — como em termos de indicadores

econômicos e sociais, como revelado no Quadro 2, apenso a este trabalho. As assimetrias não

são unívocas e unidirecionais, pois que a economia industrialmente mais avançada, o Brasil, é

também, com o Paraguai, o país socialmente mais atrasado. No cômputo global, e do ponto de

vista da posição relativa de cada um deles no índice de desenvolvimento humano, há uma

nítida diferença entre a situação da Argentina e do Uruguai, ambos situados no pelotão dos

países relativamente avançados socialmente, a posição intermediária assumida pelo Brasil e o

lugar pouco satisfatório assumido pelo Paraguai nessa escala comparativa universal. Não por

acaso, este último é o país menos urbanizado dos quatro, apresentando ainda uma participação

pouco relevante de gastos sociais na despesa orçamentária global: a produtividade do trabalho

é bem inferior no Paraguai precisamente em função do caráter pouco industrializado de sua

economia, já que seus índices de educação e de esperança de vida são superiores aos do

Brasil.

No que se refere, por sua vez, ao estoque de realizações sociais, as diferenças entre

os três grandes blocos aqui referenciados são ainda mais relevantes, não tanto, neste

particular, em função da natureza diferenciada de seus respectivos processos de integração,

mas mais propriamente em razão de uma história social tributária de modos diversos de

inserção social dos indivíduos na coletividade. A história das políticas sociais na Europa

remonta à época bismarckiana, com seu primeiro conjunto de medidas previdenciárias e de

proteção ao trabalho. Essa tendência foi reforçada pela ação do sindicalismo militante na

primeira metade do século XX e pela abertura demonstrada pelo Estado-providência após a

Segunda Guerra Mundial. Seus resultados concretos foram um direito social protetor, uma

tradição de negociações coletivas e de participação na gestão das empresas — muitas delas

estatais — e sobretudo a existência de sistemas desenvolvidos — hoje excessivamente caros,

talvez — de proteção social. A tradição estado-unidense é, neste campo, bem menos

29

generosa, ao passo que, no Cone Sul, as carências notórias das políticas sociais do Estado

levaram muitas vezes os sindicatos a assumirem uma importante função assistencialista.

Deve-se observar, imediatamente, em favor da boa performance da política social

européia, que se trata de uma zona de baixas pressões demográficas, com uma população

estável e de alto padrão de renda — à exceção das regiões meridionais —, ainda que seu

declínio numérico e seu envelhecimento façam da Europa uma região absorvedora de

importantes fluxos de imigrantes dos países periféricos. A aparente impermeabilidade do

tecido social europeu e sua mais que reafirmada rigidez contratual nos mercados laborais

produzem, em contrapartida, índices de desemprego bem mais importantes do que na América

do Norte ou no Cone Sul, ainda que a “pobreza” e a “exclusão” européias sejam infinitamente

menos relevantes e socialmente menos impactantes — sobretudo na Europa “nórdica” — do

que nos sistemas algo “darwinistas” do continente americano (à exclusão do Canadá).

Não é preciso dizer que, em face da “Europa social”, o Mercosul em construção

encontra-se em estado embrionário, não apenas no que se refere à oferta de serviços sanitários

e médicos de boa qualidade, mas também em termos de políticas laborais e securitárias de

maneira ampla, para não falar dos sistemas de reconversão e de treinamento da mão-de-obra.

A livre circulação dos trabalhadores na experiência européia permitiu o surgimento de um

mercado europeu de trabalho qualificado, quando o que se busca por enquanto no Mercosul é

impedir a mobilidade do trabalho não-qualificado. O atual Nafta e a futura — e ainda

hipotética — Alca não apresentam termos de comparação com a experiência européia em

matéria social, uma vez que eles não são ou não pretendem ser espaços econômicos

integrados no formato de um mercado comum (como é aparentemente o desejo do Mercosul),

não se colocando, portanto, a questão da livre circulação de trabalhadores ou da adoção de

políticas laborais comuns.

Não se pense, contudo, que a adoção pura e simples da liberdade de circulação para

os trabalhadores no âmbito do Mercosul contribuiria para o aparecimento de um sistema

regional de relações profissionais, da mesma forma como já se fala hoje do surgimento de um

direito europeu do trabalho. O resultado mais provável seria o reforço do “exército industrial

de reserva” das análises marxianas, deprimindo ainda mais os salários e as condições de

trabalho no Cone Sul, pela força da concorrência não regulamentada e de um “dumping

social” que se manifestaria na prática, independentemente de qualquer Carta Social ou

Declaração Sociolaboral. Com efeito, uma rápida consulta à coluna do Produto Nacional

Bruto per capita no âmbito do Mercosul, na tabela dos indicadores econômico-sociais

regionais (Quadro 2), confirmaria o potencial de “exportação” de deserdados por parte dos

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dois países colocados abaixo da renda média do Mercosul, tendência que poderia ser

reforçada pelo provavelmente alto grau de concentração de riqueza nesses dois países, da qual

uma aferição precisa de sua verdadeira dimensão é impedida pela ausência de dados

comparáveis de repartição de renda.

Um elemento central que poderia afetar a dimensão social da integração no

Mercosul, à margem e independentemente da ação dos Governos nacionais, seria

evidentemente a ação do movimento trabalhista organizado, atuando em cada sociedade ou de

forma supranacional. Uma atuação sindical coordenada seria suscetível de afetar, primeiro o

fluxo, depois o estoque das realizações sociais vinculadas à integração, “interferindo” na

dinâmica das negociações e logrando obter resultados mais concretos em termos de

“conquistas” sociais. As diferenças de estrutura e de comportamento nas grandes centrais

sindicais de cada um dos países-membros — entre o unitarismo dominante e corporatista à la

Confederación General de Trabajadores argentina e o pluralismo socialista ou “de resultados”

no caso do Brasil — impedem contudo uma maior eficácia nessa ação sindical, sem

considerar o fato de que, como no caso do velho obreirismo socialista da Europa pré-Primeira

Guerra, a tendência de todo movimento sindical nacional é a de buscar preservar, em primeiro

lugar, o nível de emprego em sua própria economia “capitalista”. Numa situação objetiva de

luta inter-nacional pelo volume de emprego e pela preservação dos níveis salariais, a

solidariedade “clânica” dos sindicatos de um mesmo ramo industrial em face de suas

burguesias nacionais respectivas encontra-se bem diluída, para não dizer inexistente.

5. Conclusões: a dimensão social como participação política

Esta análise razoavelmente “pessimista” — ou passavelmente “realista” — sobre a

dimensão social das experiências mais conhecidas de integração pode ter deixado a impressão

de que essa questão não se coloca de fato para os condutores primários desses processos.

Numa tal visão esses processos seriam, quanto aos meios, fundamentalmente econômicos,

sustentando-se basicamente pela força da liberalização comercial recíproca, ao mesmo tempo

em que, de uma perspectiva finalista, eles buscariam alcançar objetivos essencialmente

geopolíticos por parte dos respectivos Estados-membros. A dimensão social poderia ou não

ocorrer, um pouco ao sabor do acaso, dependendo da estrutura e do tecido social das nações

engajadas num tal processo, tal como, talvez, aquele personagem de Molière que fazia prosa

sem o saber.

31

De fato, tanto do ponto de vista dos procedimentos quanto das metas, os processos

de integração apresentam-se como basicamente “mercantilistas”, em nível microeconômico, e

“geopolíticos” no plano macrosocial. Com a constituição de um bloco de comércio, as

empresas têm a possibilidade de realizarem ganhos adicionais de escala, ao mesmo tempo em

que são contempladas com uma certa “renda garantida” em virtude da reserva de mercado

ampliada propiciada pela preferência e exclusivismo comerciais, ao passo que os Governos

antevêem sobretudo um maior poder de barganha no cenário internacional. É o que parece ter

ocorrido nos casos do Nafta e do Mercosul, em contraste com o cenário relativamente mais

propenso à dimensão social verificado na experiência européia. Nos primeiros exemplos

observa-se uma certa predominância de participação dos empresários e outros grupos

constituídos de interesses, ao passo que no segundo parece ter havido maior equilíbrio na

representação social de outras camadas, como de resto para a sociedade civil concebida de

modo amplo (consumidores, sindicatos de trabalhadores, organizações não-governamentais).

Do ponto de vista institucional, esses esquemas de “liberalização” costumam ser

“aprisionados” pelas burocracias públicas — nacionais, nas Américas, supranacionais, no

caso europeu — e em alguns casos “desviados” ou “distorcidos” por grupos de interesses

setoriais “especiais” ou tornados inoperantes por práticas unilaterais ou concertadas de

“regulação” econômica que desviam o processo de seu curso legítimo. Desse modo, mesmo

quando esses processos comportam uma abertura mais ampla para o social — como no caso

europeu, o que presumivelmente se explica em função de uma história social (e sindical)

relativamente mais conflitiva do que no caso de seus homólogos americanos —, na prática, os

resultados do processo negociador não contemplam necessariamente uma preocupação

prioritária com o social.

A futura Alca parece encaminhar-se para o mesmo modelo apontado acima, ou seja

“mercantilista-governamental”, a despeito do fato que alguns governos venham procurando

escudar-se nos “interesses dos trabalhadores” — e em seu “ativo engajamento” no processo

negociador — como forma de adiar o inevitável choque de competitividade que decorreria de

uma implementação muito rápida da prometida (mas até agora hipotética) zona de livre

comércio hemisférica. Visto sob outro ângulo, tal comportamento “oportunista” pode também

significar uma legítima preocupação “social”, uma vez que se trata de defender empregos —

ainda que à custa da sociedade como um todo — que estariam sendo ameaçados pela irrupção

de produtos concorrentes a preços mais baixos em função dos diferenciais de competitividade

existentes no Norte e no Sul do hemisfério por diferentes motivos (maior produtividade num

caso, custos laborais mais baixos em outro).

32

Dito de outro modo, a questão social é a variável mais incômoda introduzida na

equação “linear” da integração, em face da aparente simplicidade “técnica” das reduções

tarifárias, dos procedimentos de normalização, da harmonização de regulamentos e até da

abertura de mercados para serviços e compras governamentais. O social apresenta-se, com

efeito, como de difícil inserção nos cálculos econômicos “racionais” elaborados em torno do

processo de integração pelos responsáveis governamentais e pelos dirigentes de empresas,

pela simples razão de que ele é, numa primeira abordagem, dificilmente mensurável,

prestando-se muito mal, de toda forma, aos exercícios estatísticos de quantificação que fazem

o gosto das análises “custo-benefício” dos planejadores estatais.

Ainda assim, os efeitos sociais, diretos e indiretos, da integração econômica são

significativos, a começar pelo aumento de bem-estar propiciado pela expansão da oferta em

condições de concorrência ampliada. Com base na experiência histórica já acumulada e tendo

em conta as características dos diversos casos aqui analisados, a chave de uma incorporação

bem sucedida da dimensão social aos processos de liberalização comercial e de integração

parece residir no aumento da taxa de participação “societal” nos albores mesmo do processo

de integração, como foi presumivelmente o caso no itinerário europeu. Em outros termos, a

garantia de que a dimensão social seja efetivamente contemplada nesses processos parece

residir mais numa atuação em torno dos fluxos de participação, condição essencial da ulterior

incorporação de resultados esperados ao estoque de direitos sociais.

O Mercosul, em face, por um lado, do modelo relativamente mais “dirigista” ou

mesmo “paternalista” da integração européia e, por outro, do padrão mais “livre-cambista” e

“enterprise-led” da construção do Nafta, parece apresentar-se como uma experiência híbrida,

combinando “virtudes” e “desvios” de ambos os esquemas integracionistas. Tornar esse

processo menos darwiniano ou excludente do ponto de vista social, fazer dele um espaço

novo de atuação consciente por parte de todos os cidadãos dos países-membros constitui uma

missão histórica própria aos agentes sociais que dele participam com maior ou menor grau de

responsabilidade política ou econômica, dos empresários aos trabalhadores, dos intelectuais

independentes aos burocratas governamentais, dos consumidores aos estadistas.

33

Quadro 1 Tabela analítica dos acordos regionais e dos esquemas de integração

Tipos

Medidas

Área de

Preferências Tarifárias

Zona de Livre

Comércio

União Aduaneira

Mercado Comum

União Econômica e Monetária

Redução de barreiras tarifárias e não tarifárias

Alalc (de fato); Aladi; Asean; Apec;

Alalc (projeto); EFTA; CUSFTA; CER; Nafta; EEE (CE+EFTA); Asean (2010-2020?); Alca (2006-2015?);

Zollverein (1844); Benelux (primeiro projeto: 1932); Pacto Andino (proj.); SADC (projeto);

CECA (1951, parc.); Tr. de Roma (1957); Tratado de Integração Brasil-Argentina (proj. 1988-1998);

União Econômica Belgo-Luxemburguesa (1922);

Tarifa Externa e Política Comercial Comum

Mercosul (1995); Comunidade Andina;

Benelux (1948-

1958); UA Checo-

Eslovaca;

Mercosul (convergência 1995-2005);

MCCA (projeto); Caricom (projeto;);

Império Alemão (1871);

Linha de fronteira das políticas sociais Livre circulação de fatores de produção

Mercado Comum Europeu (1968); Mercosul (2001?);

Mercosul (2006, à exceção de trabalhadores);

França-Mônaco; Itália-San Marino e Vaticano;

Liberdade de estabelecimento

Ato Único Europeu (1986-1993);

Tratado de Maastricht (1992);

Moeda e/ou política monetária comum

Europa dos 11 - “Euroland” (1999-2002);

Políticas econômicas comuns

Estados Unidos da Europa ?

Fonte: Elaboração do autor

34

Quadro 2

Indicadores econômico-sociais do Mercosul, 1997 Área

(1.000

km2)

Popu-

lação (1.000)

Cresci-

mento

1990-96

Popu-lação

Urbana Mortal.

Infantil (1.000)

Expect.-de vida

(anos) Taxa de

Alfabeti-

zação

PNB

(US$

1.000)

PNB

per

capita

Despesa social/

total

Ìndice

Desenv.

Humano

Argentina 2.766 35.798 1,2 89% 19,6 74,3 96% 305,7 8.570 21,9 36º

Brasil 8.511 164.511 1,6 80% 53,4 61,4 83% 773,4 4.720 27,7 62º

Paraguai 406 5.651 2,7 54% 22,3 74,1 92% 10.2 2.010 16,0 91º

Uruguai 176 3.270 0,6 91% 14,7 75,2 97% 19,4 6.020 42,0 38º

Mercosul 11.861 209.231 1.5 81,4 1.108,7 5.298

Fontes: Estatísticas nacionais, Banco Mundial, PNUD

35

Apêndice

Cronologia dos Processos de Integração nas Américas

Paulo Roberto de Almeida

Yves Chaloult

1. Origens e desenvolvimento da idéia integracionista

1889-90: Realização, a convite dos Estados Unidos, da primeira Conferência Internacional

Americana, em Washington, de outubro de 1889 a março de 1890. O governo norte-

americano tinha em mira conformar uma união comercial das Américas, unificar

procedimentos aduaneiros e de pagamentos, estabelecer regras para a propriedade

intelectual e permitir investimentos em infra-estrutura.

1939-41: Novas tentativas dos EUA com vistas a concretizar uma zona de compensações

hemisférica, ao abrigo dos esquemas interamericanos de tipo defensivo concebidos na fase

inicial da guerra européia. As propostas são porém recusadas pelos países latino-

americanos.

1944-47: Conferência monetária e financeira de Bretton Woods, em que se decide pela criação

do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento (Bird); reuniões preparatórias visando constituir uma Organização

Internacional do Comércio, terceiro pilar do sistema concebido em Bretton Woods.

Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, através do Tratado de Londres e do Protocolo da

Haia, decidem constituir uma união aduaneira conhecida como Benelux.

1947-48: Nas conferências interamericanas de Petrópolis e de Bogotá, os países latino-

americanos reclamam um plano Marshall para a região; em resposta os EUA recomendam

a abertura desses países ao investimento estrangeiro privado.

Conferência sobre Comércio e Emprego das Nações Unidas, em Havana, decide pela criação

de uma Organização Internacional do Comércio; diversos países latino-americanos apóiam a

constituição de “zonas de preferências comerciais”, mas outros, adotando as posições

36

multilateralistas norte-americanas, demonstram reservas em relação ao tema. O Acordo Geral

sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (Gatt), negociado pouco antes em Genebra e contendo

cláusulas exclusivamente comerciais, tinha previsto em seu artigo 24 apenas o

estabelecimento de zonas de livre comércio e de uniões alfandegárias, tomando por base o

modelo e a experiência nascente do Benelux.

1948: São criadas a Comissão Econômica para a Europa, da Organização das Nações Unidas

(ONU), e a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), órgão de

coordenação destinado a administrar a distribuição da ajuda norte-americana no quadro do

Plano Marshall, de recuperação econômica européia.

1950-51: Memorando Monet e Plano Schuman lançam o processo de integração na Europa

ocidental, mediante o Tratado de Paris, criando a Comunidade Européia do Carvão e do

Aço (Ceca), que promove a administração comum dos recursos carboníferos e da produção

siderúrgica da França, Alemanha, Benelux e Itália e adota o modelo até então inédito do

direito comunitário. A Europa também institui, no quadro da OECE e sob regulação do

Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma união de pagamentos, mas as moedas

só serão livremente conversíveis no final daquela década.

1956: Os países europeus começam a pensar em formas mais avançadas de integração, segundo

o modelo comunitário criado pela Alta Autoridade do Tratado da Ceca.

1957: Assinatura do Tratado de Roma, constituindo o Mercado Comum Europeu.

1957-59: Na Europa se restabelece a livre conversibilidade das moedas, numa situação de

relativa estabilidade das paridades cambiais, segundo o modelo definido em Bretton

Woods em 1944.

2. A integração na América Latina

2.1. Perspectiva histórica

1948: A Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), que

havia acabado de ser criada, defende a idéia da integração regional, mencionando, numa

Resolução, a possibilidade de uma “união aduaneira” na América do Sul.

1956: A Cepal volta a defender a formação de um “mercado regional” sul-americano como

forma de acelerar o processo de industrialização. O intercâmbio intrarregional se liberaliza

37

um pouco, com a adoção de acordos de tipo multilateral, mas a escassez de divisas fortes

impõe limites aos fluxos comerciais.

1957-58: A assinatura e entrada em vigor do Tratado de Roma provocam grande repercussão na

América Latina. Autoridades diplomáticas e econômicas dos países da região começam a

considerar a idéia de uma “zona de preferências tarifárias” no Cone Sul, envolvendo a

Argentina, o Uruguai e o Chile, países entre os quais era mais intenso o intercâmbio

comercial. Em virtude das disposições restritivas do Gatt (artigo 24) tem-se contudo de

passar diretamente ao modelo da zona de livre comércio.

1957-59: Reunidos em Genebra, os representantes latino-americanos começam a reclamar a

introdução de disposições especiais para os países em desenvolvimento no âmbito do Gatt,

sob a égide de um novo regime de concessões não submetidas ao princípio da

reciprocidade.

1958-59: O Brasil articula o lançamento da “Operação Pan-Americana” de cooperação

hemisférica, de forte conteúdo econômico. Início do processo negociador da integração

regional na América do Sul.

1960: Assinatura do Tratado de Montevidéu, criando a Associação Latino-Americana de Livre

Comércio (Alalc), baseado fundamentalmente em projeto dos quatro países do Cone Sul e

com o objetivo último de constituir um mercado comum regional, a partir da conformação

de uma Zona de Livre Comércio, num prazo de 12 anos, de conformidade com as regras do

Gatt.

1960-64: Negociação multilateral, na Alalc, de “listas comuns” e “listas nacionais”, produto a

produto, de rebaixas tarifárias e eliminação de restrições não-tarifárias, para a ampliação

dos mercados, a liberalização do intercâmbio e o desmantelamento das medidas

protecionistas vigentes no intercâmbio regional.

1962: Cuba solicita sem sucesso seu ingresso na Alalc. Sob pressão dos EUA, a Conferência de

Punta del Este, a despeito da oposição de diversos países da região, decide por sua

exclusão do sistema interamericano.

1964: Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e

reforma do Gatt, com a introdução de uma Parte IV, especificamente sobre Comércio e

Desenvolvimento, abrindo caminho para o estabelecimento de um sistema de preferências

em favor dos países em desenvolvimento sem obrigação de reciprocidade.

1964-69: Paralisação do processo negociador multilateral para a definição de “listas comuns” na

Alalc; políticas fortemente protecionistas (tarifas altas e restrições não-tarifárias) e

desentendimentos políticos entre os países-membros. No plano do sistema comercial

38

multilateral se avança no sentido de reconhecer a especificidade dos países em

desenvolvimento (Parte IV do Gatt e Sistema Geral de Preferências, com tratamento

concessional e não recíproco).

1964-80s: Onda de regimes militares na América Latina e tendências substitutivas nas políticas

econômicas (de industrialização e de comércio exterior) dos países da região afetam

negativamente o processo integracionista. Enquanto os países asiáticos começam uma lenta

inserção na economia internacional, os países latino-americanos recuam relativamente em

sua participação no comércio internacional.

1965: Assinatura do Convênio sobre Créditos e Pagamentos Recíprocos (CCR), criando um

sistema de compensação de pagamentos entre os países membros da Alalc, instrumento

extremamente útil para a poupança de divisas.

1967: Conferência de chefes de Estado e de governos americanos em Punta del Este proclama o

objetivo de se constituir um “mercado comum latino-americano” num prazo máximo de 15

anos, a partir de 1970.

1968-69: Primeiras fissuras no sistema de Bretton Woods e crises monetárias no continente

europeu levam os responsáveis políticos a considerar a utilidade de um aprofundamento do

processo de integração comercial, inclusive em sua dimensão monetária. O Relatório

Werner, em 1970, propõe o objetivo de uma união monetária num prazo de dez anos.

1969: A clivagem entre países “comercialistas” (Argentina, Brasil e México) e

“desenvolvimentistas” (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) faz com que estes

últimos, sem abandonar formalmente a Alalc, decidam criar o Grupo Andino, através do

Acordo de Cartagena, baseado no modelo do direito comunitário. A Venezuela adere em

1973 e o Chile, vivendo sob um regime militar de orientação econômica liberal, abandona

o Grupo Andino em 1976.

1969-75: O Grupo Andino evolui de forma bastante dinâmica em suas fases iniciais, com o

estabelecimento de programas de desgravação tarifária, tarifa externa mínima comum,

tratamento uniforme para o capital estrangeiro, regime comum sobre patentes, organismo

de financiamento e programas setoriais de desenvolvimento industrial, instituição de um

Tribunal de Justiça, de uma Comissão, da Junta e do Parlamento Andino. Entretanto, o

caráter ambicioso do programa integracionista, aliado à recessão econômica que sacudiu a

América Latina a partir da crise do petróleo (e, posteriormente, da dívida), levou a uma

desaceleração das metas propostas em 1969.

1970: Revisão necessária do programa de liberalização no âmbito da Alalc, com prorrogação até

1980 do período previsto para a implementação de uma zona de livre comércio.

39

1970-80: A necessidade de expansão das exportações para zonas de moedas fortes e as restrições

às importações provocam grande queda nos fluxos de comércio intrarregional e a

exacerbação do modelo de substituição das importações. A Alalc é utilizada como

alavanca dos processos de industrialização nacional. O pensamento geopolítico, então em

voga na região, descartava a idéia de qualquer cessão de soberania em favor de um projeto

integracionista, visto como manobra da esquerda latino-americana para enfraquecer o

“poder nacional” ou a “solidariedade americana”.

1971: A desvinculação do dólar do padrão-ouro definido em Bretton Woods provoca enormes

repercussões mundiais (inclusive a nacionalização do petróleo e a correção radical de seus

preços), criando uma interação dinâmica relativamente inédita entre inflação e desemprego

nas economias avançadas.

1973-79: Vários países em desenvolvimento são afetados pela duplicação do preço do petróleo,

mas passam a receber empréstimos em petrodólares (pelos quais pagam juros flutuantes)

reciclados pelo sistema financeiro internacional em expansão.

1979: A Rodada Tóquio de negociações comerciais do Gatt aprova o princípio do tratamento

preferencial e mais favorável para os países em desenvolvimento: cláusula de habilitação

permite a outorga e o intercâmbio recíproco de preferências comerciais parciais, com a

derrogação admitida da cláusula de nação-mais-favorecida.

1980: Assinatura do Tratado de Montevidéu que institui a Associação Latino-Americana de

Integração (Aladi), no quadro de amplo processo de reestruturação dos objetivos,

compromissos e modalidades da integração econômica na região. Eliminou-se a obrigação

de elaboração de listas comuns, abandonou-se a fixação de prazos para o cumprimento das

metas integracionistas (zona de livre comércio ou mercado comum) e passou-se a

mecanismos mais flexíveis, de caráter bilateralista, para a conformação de uma “área de

preferências tarifárias”.

1982-85: Crise da dívida externa na maior parte dos países latino-americanos e prosseguimento

das políticas protecionistas. A Preferência Tarifária Regional, instituída em 1984 na Aladi,

tem níveis meramente simbólicos, produzindo reduzido efeito comercial. O comércio

regional que, a despeito das dificuldades existentes, havia alcançado o nível mais elevado

de sua história em 1981 (24 bilhões de dólares), enfrenta forte queda e apenas voltaria a se

recuperar em princípios da década seguinte.

1986: Declaração de Punta del Este, que dá início à Rodada Uruguai de Negociações Comerciais

Multilaterais do Gatt (e processo paralelo para os serviços); previstas para durar quatro

anos, elas se estenderão até 1993. Na Europa, o Ato Único das Comunidades Européias

40

prevê a constituição de um mercado unificado dentro de seis anos, o que efetivamente

ocorreu em 1º de janeiro de 1993.

1991: Chile e México firmam na Aladi um acordo de liberalização do comércio; o Grupo dos

Três (G3) começa negociações para a liberalização do intercâmbio entre Colômbia,

Venezuela e México. Diversas outras iniciativas, na região andina, na América Central e

no Caribe, relançam a integração continental, em bases sub-regionais.

1998: Cuba é aceita como 12º país-membro da Aladi, depois de participar, como observador, de

seus trabalhos desde 1986.

2.2. As origens do Mercado Comum do Sul (Mercosul): relações Argentina-Brasil

1941: Brasil e Argentina fazem um ensaio de “união aduaneira”, sem resultados efetivos em

virtude de diferenças políticas e diplomáticas que se manifestam entre os dois países

depois do ataque japonês a Pearl Harbor e de tomada de atitudes distintas em relação às

potências do Eixo. O comércio é regulado por acordos estritamente bilaterais, com

aplicação limitada e condicional da cláusula da nação-mais-favorecida.

1950-53: Tentativas frustradas de aproximação política e econômica entre o Brasil, a Argentina e

o Chile (novo “pacto ABC”): elas encontram a oposição de correntes pró-americanistas e

antiperonistas nesses países.

1959: Reaproximação Brasil-Argentina, depois de um largo período de afastamento recíproco,

introduz um programa limitado de cooperação econômica e abre a via para o

estabelecimento da Alalc. Os regimes militares nos anos 60 empreendem projetos de

capacitação nuclear.

1975-79: Negociação do Tratado bilateral Brasil-Paraguai, constituindo Itaipu Binacional para a

exploração da hidroeletricidade do Rio Paraná: fase caracterizada por grandes rivalidades

político-militares e econômico-comerciais entre os países da região, sobretudo entre o

Brasil e a Argentina, que passam a se enfrentar diplomaticamente a propósito do

aproveitamento dos recursos hídricos da bacia do Paraná. O tema seria equacionado no

final da década, por acordo tripartite, abrindo espaço para que a confrontação fosse

superada, mais adiante, pela cooperação econômica e pelo entendimento político, no

quadro dos processos de redemocratização política.

1985: “Declaração de Iguaçu”, pela qual os presidentes civis da Argentina e do Brasil expressam

sua “firme vontade de acelerar o processo de integração bilateral” e criam, para tal fim,

uma Comissão Mista de Alto Nível, presidida pelos ministros de Relações Exteriores dos

41

dois países. Na mesma ocasião se firma uma “Declaração Conjunta sobre Política

Nuclear”, que proclama os propósitos pacíficos da cooperação bilateral nessa área.

1986: “Ata para a Integração Brasil-Argentina”, estabelecendo, segundo modalidades baseadas

na complementação industrial, o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE),

de caráter “gradual, flexível e equilibrado” e prevendo tratamentos preferenciais frente a

terceiros mercados; diversos protocolos setoriais são assinados bilateralmente.

1988: “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento” entre o Brasil e a Argentina,

com o objetivo de consolidar o processo de integração bilateral e instituir, numa primeira

etapa, um espaço econômico comum no prazo máximo de dez anos e a harmonização das

políticas aduaneiras, comercial, agrícola, industrial e de transportes e comunicações, assim

como a coordenação de políticas monetária, fiscal e cambial; numa segunda etapa, se

procederia à harmonização gradual das demais políticas necessárias à formação do

mercado comum.

1990: “Ata de Buenos Aires”, assinada em 6 de julho, pela qual os presidentes da Argentina e do

Brasil decidem conformar o mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994,

estabelecem uma metodologia apropriada para tal fim (rebaixas tarifárias generalizadas,

lineares e automáticas, eliminação de barreiras não-tarifárias) e criam o Grupo Mercado

Comum, de caráter binacional. Na mesma ocasião é firmado o Tratado para o

Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas.

Acordo de Complementação Econômica (ACE) nº 14, firmado em dezembro pelos

representantes da Argentina e do Brasil junto à Aladi, consolidando no âmbito desta

Associação o programa de liberalização comercial concertado no Tratado de Integração,

nos prazos definidos pela Ata de Buenos Aires (até 31.12.90), dando início a um processo

de consultas e negociações com outros países da região com vistas à ampliação do

processo de liberalização comercial entre o Brasil e a Argentina.

O Uruguai e o Paraguai, na qualidade de observadores, começam a participar de reuniões

entre Brasil e Argentina.

2.3. Criação e consolidação do Mercosul

1991: Assinatura em 26 de março do Tratado de Assunção visando à constituição de um

mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. O tratado definiu um

programa de liberalização comercial de todo o universo alfandegário num período de

transição até 31 de dezembro de 1994 e adotou os mecanismos de caráter

intergovernamental já fixados no programa bilateral Brasil-Argentina, assim definidos:

42

Conselho, órgão supremo, de natureza intergovernamental; Grupo Mercado Comum, órgão

executivo, coordenando as atividades de 11 Subgrupos de trabalho; Comissão Parlamentar

Conjunta, com representantes designados por cada Parlamento nacional.

“Acordo relativo a um Conselho sobre Comércio e Investimentos” entre os quatro países

do Mercosul e os EUA (junho).

“Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias” (dezembro): mecanismo ad hoc

de solução arbitral dos conflitos comerciais entre os países-membros do Mercosul, adotado

na I Reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC). O Mercosul não cria um direito

comunitário e continua a privilegiar o “modelo Benelux” de caráter intergovernamental, de

preferência a um sistema de tipo supranacional como o europeu.

1991-94: O Mercosul cria órgãos subsidiários e reuniões de ministros, entre elas a de ministros

da Economia e presidentes de Bancos Centrais (anterior à própria vigência do Tratado de

Assunção), da Educação (Plano Trienal para o Setor), da Justiça, do Trabalho, da

Agricultura; cria ainda diversas reuniões especializadas: de meio ambiente, de cultura, de

ciência e tecnologia, de turismo, etc.. Tem lugar intensa atividade de harmonização das

legislações internas, de integração aduaneira e de adoção de normas e regulamentos

técnicos comuns para a livre circulação de bens no território dos Estados- membros. Os

países membros passam a coordenar suas posições nos foros econômico-comerciais

internacionais e o Grupo Mercado Comum (GMC) define critérios comuns para a

negociação de acordos parciais de comércio no âmbito da Aladi.

1992: Assinatura do Tratado de Maastricht, criando a União Européia (UE) e prevendo inclusive

uma união monetária naquele continente. Através do “Acordo de Cooperação

Interinstitucional entre a Comissão das Comunidades Européias e as instituições do

Mercosul” é formalizado um diálogo entre os chanceleres das duas regiões.

A II Reunião do CMC adota, pela Decisão 1/92, um extenso programa de medidas

(“Cronograma de Las Leñas”) para o cumprimento dos compromissos fixados no Tratado

de Assunção, isto é, a conformação do “Mercado Comum do Sul” até 31 de dezembro de

1994; o GMC fica encarregado de adotar um cronograma de medidas adicionais para o

pleno funcionamento do Mercosul em 1º de janeiro de 1995 (alguns prazos serão

prorrogados no decurso dos trabalhos). A Decisão 3/92 aprova o procedimento de

reclamações e consulta sobre práticas desleais de comércio (dumping e subsídios), e a

Decisão 5/92 um protocolo de cooperação e assistência judiciária em matéria cível,

comercial, trabalhista e administrativa.

43

Criação da “Comissão Sindical do Mercosul”, por iniciativa da Coordenadora de Centrais

Sindicais do Cone Sul (CCSCS), entidade constituída em 1986, congregando centrais

sindicais dos quatro países membros, além do Chile e da Bolívia; pelo Brasil participam a

Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a

Força Sindical (FS). Começa a se reunir o Subgrupo de Trabalho (tripartite) n° 11 (SGT-11),

Assuntos Trabalhistas, posteriormente denominado “Relações Trabalhistas, Emprego e

Seguridade Social”. Diversas entidades do setor propõem, a par de um Foro Social, uma Carta

dos Trabalhadores do Mercosul, sistematizando princípios básicos na área social e trabalhista.

Ulteriormente, o governo brasileiro declarou ser favorável à adoção de uma Carta de Direitos

Fundamentais, mas se opõe à vinculação de questões comerciais com as trabalhistas.

1993: Resolução (7/93) cria, no âmbito do GMC, o Grupo Ad hoc sobre Aspectos Institucionais,

encarregado de formular propostas sobre a futura arquitetura jurídica do Mercosul (artigo

18 do Tratado). Mercosul e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) firmam

convênio de cooperação técnica não-reembolsável, destinado à realização de estudos

técnicos e de projetos de consultoria sobre reconversão produtiva.

Conclusão em dezembro das negociações dos acordos multilaterais da Rodada Uruguai; o

Mercosul é objeto de atento exame, ainda em curso, pelas Partes Contratantes, por meio de

Grupo de Trabalho no âmbito do Comitê de Comércio e Desenvolvimento.

1993-94: Negociação da Tarifa Externa Comum (TEC) no Mercosul: diferenças de estrutura e de

níveis de desenvolvimento industrial entre o Brasil e os demais parceiros resultam na

aceitação, durante uma “fase de convergência” (até 2001-2006), de listas nacionais de

exclusão (para bens informáticos e de capital, por exemplo). Os países-membros também

decidem harmonizar os incentivos às exportações, respeitando disposições do Gatt.

1994: Assinatura em Marraquesh dos resultados das negociações comerciais da Rodada Uruguai,

com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em funcionamento a partir de

01.01.95.

A VI Reunião do CMC aprova diversos instrumentos reguladores do mercado comum em

construção: protocolos sobre integração educacional, promoção e proteção de

investimentos externos e jurisdição internacional em matéria contratual; acordo sobre

transporte de mercadorias perigosas; regulamento sobre regime de origem. O CMC

também cria a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), de caráter intergovernamental,

44

destinada a administrar a futura união aduaneira; em sua primeira reunião (6-7/10), a CCM

aprova seu regimento interno, definindo reuniões mensais.

Em 17 de dezembro é assinado o “Protocolo de Ouro Preto”, que modifica parcialmente o

Tratado de Assunção e dá personalidade jurídica internacional ao Mercosul. Na ocasião, a

VII reunião do CMC aprova, ademais de listas nacionais de produtos em regime de

adequação final à união aduaneira (com prazos adicionais para sua integração à TEC),

diversos atos internacionais: acordo sobre transporte multimodal, código aduaneiro,

protocolo de medidas cautelares, protocolo sobre promoção e proteção recíprocas de

investimentos e acordo bilateral Brasil-Argentina sobre internação de bens de zonas

francas.

A nova estrutura institucional definida no Protocolo de Ouro Preto (que ainda permanece

intergovernamental) compreende os seguintes órgãos:

1. Conselho do Mercado Comum (CMC)

2. Grupo Mercado Comum (GMC)

3. Comissão de Comércio do Mercosul (CCM)

4. Comissão Parlamentar Conjunta (CPC)

5. Foro Consultivo Econômico-Social (FCES)

6. Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

As Decisões do Conselho, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM constituem

fontes jurídicas do Mercosul e são obrigatórias, de direito, para os Estados membros; todos

os órgãos são igualitários; a tomada de decisão se faz por consenso; a coordenação

principal se dá entre os ministérios das relações exteriores dos quatro países.

“Declaração Solene Conjunta entre o Mercosul e a União Européia”, em 22 de dezembro,

em Bruxelas, prevendo a negociação, em 1995, de um Acordo-Quadro Inter-Regional de

Cooperação Econômica, conduzindo, em última instância, à liberalização do comércio

entre as duas regiões.

1995: Entrada em vigor, em 1º de janeiro, da União Aduaneira (em implementação) do

Mercosul.

Reunião especializada de ministros da Cultura do Mercosul, em Buenos Aires (15/03), lança o

“Mercosul Cultural”, com a assinatura de Protocolo prevendo o funcionamento de sete

comissões.

45

Encontro entre os ministros das Relações Exteriores do Mercosul e da União Européia

(UE), no dia 17 de março, em Paris, reafirma o objetivo de se chegar a um amplo espaço

de cooperação e de integração unindo ambas as entidades.

Firmado em dezembro o Acordo-Quadro de cooperação interregional entre a UE e o

Mercosul, em Madri: a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de

certos produtos” (referência à Política Agrícola Comum) e as regras da OMC.

1996: Assinada a Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul pela

qual os quatro países assumem o compromisso de consultarem-se e de aplicarem medidas

punitivas, dentro do espaço normativo do Bloco, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura

da ordem democrática em algum Estado-membro. Os presidentes assinam também uma

declaração sobre diálogo político, estabelecendo um mecanismo de consulta e de

concertação política mútua.

1997: Acordo Brasil-Argentina, em novembro, decide elevar a Tarifa Externa Comum em três

pontos percentuais, medida a ser implementada pelos quatro países membros até 31 de

dezembro de 2000.

Acordo-Quadro sobre serviços, dependente da negociação de protocolos setoriais para a

liberalização de setores específicos.

1998: Difíceis negociações para a definição de um regime automotivo comum entre os países do

Mercosul e para a liberalização do setor açucareiro: este é protegido na Argentina, que por

sua vez acusa o Brasil de subsidiá-lo.

A Comissão Européia, principal órgão executivo da UE, decide propor ao Conselho dos

15 Ministros iniciar negociações com o Mercosul e o Chile com o intuito de desenvolver

uma associação inter-regional, estabelecendo, entre outros objetivos, uma zona de livre

comércio.

Assinatura da Declaração Sociolaboral do Mercosul, criando um Comitê tripartite, pelos

quatro presidentes do Mercosul, durante a reunião semestral do CMC, no Rio de Janeiro,

em dezembro.

1999: Realização, no Rio de Janeiro, de reunião de Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo

da UE e da América Latina, com vistas a estreitar os laços de cooperação e de integração

econômica entre as duas regiões.

Início provável das negociações entre o Mercosul e a UE para a formação de uma Área de

Livre Comércio até o ano 2005.

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2000: Definição e estabelecimento da política automotiva comum do Mercosul, no quadro da

implementação da chamada Agenda 2000, atendendo também às obrigações dos países-

membros no âmbito do sistema multilateral de comércio.

2001-05: Processo de convergência das últimas exceções à TEC do Mercosul.

2.4. Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa)

1993: Em outubro, durante a VII Reunião dos Presidentes do Grupo do Rio, realizada em

Santiago, Chile, o presidente do Brasil (Itamar Franco) lança a idéia de formação de uma

Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa) que incluiria os países do Mercosul, da

Comunidade Andina (CAN) e o Chile.

1995: Encontro dos presidentes do Cone Sul em Brasília, no dia 2 de janeiro: Bolívia e Chile

começam a negociar sua associação ao Mercosul, capacitando-se a participar como

observadores nas instâncias técnicas do Mercosul.

1996: Assinatura de acordos de Associação do Chile e da Bolívia ao Mercosul, ocorrendo antes

do início da negociação de acordos semelhantes com países da CAN.

1998: Os países do Mercosul e da CAN assinam em Buenos Aires, em abril, um Acordo-Quadro

que prevê a criação de uma zona de livre comércio entre os dois Blocos a partir de janeiro

de 2000.

1998-99: Negociações entre o Mercosul e a CAN de um acordo de preferências tarifárias sobre a

base do patrimônio histórico, mas que pode incluir produtos novos. Esse acordo deve

substituir os de alcance parcial existentes entre os países das duas regiões.

3. O processo de integração na América do Norte

1985: Início de negociações entre os EUA e o Canadá, em março, visando elaborar um acordo de

livre comércio entre os dois países, a exemplo do acordo assinado entre os EUA e Israel no

mesmo ano.

1986: Em Quebec, Canadá, a Coalizão Quebecquense de Oposição ao Livre Comércio (CQOL),

formada pelas principais centrais sindicais do Estado, é constituida e começa a atuar,

iniciando uma tomada de posição de várias entidades contra o acordo; essa posição se

estendeu, posteriormente, à toda a América do Norte.

1987: É formado o Pro-Canada Network contra o acordo; essa coalizão passou a se chamar

Action Canada Network.

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1988: O Acordo de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá (CUSFTA) é assinado, no dia 2 de

janeiro, pelos dois Chefes de governo e, posteriormente, é ratificado pelo Congresso ou

Parlamento dos dois países.

O Partido Progressista Conservador do Canadá ganha as eleições daquele ano, tendo

como principal plataforma e proposta as vantagens da implementação do acordo de livre

comércio com os EUA.

1989: O CUSFTA entra em vigor em 1º de janeiro.

1990: Em abril, inicia o debate, no México, sobre um futuro acordo de livre comércio com os

EUA.

Em junho, os presidentes do México, Carlos Salinas de Gortari, e dos EUA, George Bush,

anunciam a sua intenção de negociar um acordo de livre comércio entre os dois países.

O primeiro-ministro do Canadá, Brian Mulroney, pede ao presidente dos EUA para

participar das discussões em andamento entre o México e os EUA, embora as relações

comerciais do Canadá com o México sejam pouco significativas.

1991: Em fevereiro, o Canadá começa a participar do processo de discussão em curso.

Em junho, iniciam as negociações formais do futuro Acordo de Livre Comércio da

América do Norte (Nafta).

No México, uma grande coalizão, chamada Rede Mexicana de Ação frente ao Livre

Comércio (RMALC), é formada a fim de ampliar a oposição ao futuro acordo e de

conduzir uma refleção sobre a redação de um acordo alternativo.

1992: O movimento sindical dos EUA combate intensamente o futuro acordo.

Em dezembro, conclusão das negociações e assinatura do Nafta.

1993: Ratificação do Nafta pelos Poderes Legislativos dos três países.

Em setembro, assinatura de dois acordos paralelos ao Nafta: o Acordo Norte-Americano

de Cooperação sobre o Trabalho (Anact) e o Acordo Norte-Americano de Cooperação

sobre o Meio Ambiente (Anacma), devido aos esforços do governo dos EUA, pressionado

pelos movimentos ambientalistas e sindicais do país.

1994: O Nafta e seus dois acordos paralelos entram em vigor em 1º de janeiro.

1995: A crise monetária mexicana de dezembro de 1994 abala o Nafta e provoca repercussões no

resto da região.

No México, a RMALC submete à uma consulta pública, por meio do Referendo da

Liberdad, um progama econômico alternativo para o México; mais de 400 mil pessoas

participam da consulta.

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O Congresso dos EUA nega a autorização para o Executivo negociar, chamada fast track,

o ingresso do Chile no Nafta, o que incite esse país a se aproximar mais do Mercosul.

4. O processo de integração hemisférica: a Área de Livre Comércio das Américas (Alca)

1990: “Iniciativa para as Américas”, lançada em junho pelo presidente George Bush para

acompanhar as transformações políticas e econômicas em curso na América Latina e

oferecer uma nova modalidade de relacionamento dos EUA com a região, centrado no

comércio, nos investimentos e na solução do problema da dívida, e com vistas a se chegar

a uma Zona de Livre Comércio Hemisférica, estendendo-se do Alasca à Terra do Fogo. Os

primeiros passos nesse sentido serão dados com o México.

1994: Cúpula das Américas, de 9 a 11 de dezembro, em Miami: a declaração final dos chefes de

Estado proclama o objetivo de negociar uma Área de Livre Comércio Hemisférica até

2005; a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Cepal e o BID atuam como

suporte técnico e apoio de secretaria.

1995: Primeira reunião ministerial do processo de integração hemisférico, em Denver, em junho,

onde são constituídos sete grupos de trabalho para preparar o início das negociações,

“equilibradas e abrangentes” (a serem concluídas até 2005), sobre a base dos acordos sub-

regionais existentes e de forma plenamente compatível com as obrigações existentes na

OMC.

1996: II Reunião Ministerial, realizada em Cartagena, Colômbia, em março: quatro grupos

adicionais de trabalho são constituídos e é proclamado o objetivo de “progressos

concretos” até o final do século.

1997: III Reunião Ministerial, realizada em Belo Horizonte, em maio: criou um Grupo de

Trabalho sobre Solução de Controvérsias, mas não logrou definir o formato, cronograma e

organização das negociações. Os países do Mercosul tomam posições como Bloco e não

individualmente. Na ocasião foi realizado encontro de negócios, o Foro Empresarial, que

vem tendo significativo sucesso na ampliação do intercâmbio em toda a região. O

chanceler brasileiro sugere a criação de um Fórum Sindical com a finalidade de ampliar a

participação na Alca, mas a idéia é vetada por alguns países.

Reunião da primeira Conferência Parlamentar das Américas com a presença de mais de

600 parlamentares de 35 países das Américas e do Caribe, incluindo Cuba, em Quebec,

Canadá, em setembro. Os parlamentares pedem uma maior participação, a diversos níveis,

sobre o processo de negociação da Alca e analisam, em particular, as dimensões sociais,

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políticas e culturais da integração em curso. Na sua Declaração Final, insistem na

importância de diminuir o déficit democrático do processo em curso.

Reunidos em Guanacaste, Costa Rica, de 28 a 30 de outubro, os vice-ministros responsáveis

pelo comércio no hemisfério examinam os progressos havidos nos preparativos para a

abertura do processo de negociação da futura Alca.

O Congresso dos EUA nega o fast track ao Executivo que, assim, não tem “autoridade”

para negociar com uma posição de força junto os 33 outros países

1998: IV Reunião ministerial do processo de integração hemisférica, em março, em São José,

Costa Rica, com definição do formato, da agenda negociadora e dos locais e presidências

sucessivas do processo de negociação (Comitê e nove grupos de negociação), tendo-se

como base os princípios da transparência, da participação e da decisão consensual.

Paralelamente realizaram-se o IV Foro Empresarial e um encontro acadêmico sobre o tema

da integração hemisférica, reunindo intelectuais da região.

Os nove Grupos de Negociação são os seguintes: Acesso a Mercados; Agricultura;

Serviços; Investimentos; Subsídios, Anti-Dumping e Medidas Compensatórias; Políticas de

Concorrência; Compras Governamentais; Direitos de Propriedade Intelectual; e Solução de

Controvérsias.

II Cúpula das Américas em abril, em Santiago do Chile, com Declaração Política dos

Presidentes e Plano de Ação, cujos principais temas são a educação, o livre comércio, a

democracia e os direitos humanos e a erradicação da pobreza.

Em maio, o Comitê de Acompanhamento da Conferência Parlamentar das Américas se

reúne em San Juan, Porto Rico, e sugere que o Brasil organize e presida a II Conferência

Parlamentar.

Reunião do Comitê de Negociação Comercial, em Buenos Aires, em junho, onde se discute,

entre vários assuntos, uma forma através da qual os trabalhadores possam participar mais

ativamente dos destinos da Alca, contribuindo para a democratização do processo. O chanceler

brasileiro externaliza as reservas do Bloco Mercosul em relação ao timing do processo de

integração, que segundo ele afigura-se acelerado.

O Congresso dos EUA nega de novo o fast track ao governo do Presidente Clinton em

setembro.

Nova reunião do Comitê de Negociação Comercial, em Paramaribo, em dezembro, para tratar

de medidas de facilitação de negócios.

2000-01: Realização da III Cúpula das Américas no Canadá.

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2003-05: Brasil e Estados Unidos exercem a co-presidência das negociações, na fase final e

decisiva do processo de discussão da Alca.

2005: Término hipotético das negociações hemisféricas para a conformação, a partir de 2006, da

Alca. Se bem sucedida a negociação, o processo de implementação de uma zona de livre

comércio hemisférica pode delongar-se por mais de dez anos, pelo menos.

Possível prazo, também, para o início de um acordo de associação entre o Mercosul e a

UE.

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Glossário de organizações de integração e de cooperação

AEC: Associação dos Estados do Caribe (1994), composta por: Antigua e Barbuda, Barbados, Bahamas, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Santa Lucia, São Cristovão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad Tobago e Venezuela; tem objetivos de concertação e de cooperação econômica e política.

Aladi: Associação Latino-Americana de Integração, criada pelo Tratado de Montevidéu de 1980,

para substituir a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio, que tinha sido criada em 1960 para realizar o projeto de uma zona livre-cambista); funciona segundo o princípio das preferências tarifárias entre dois ou mais membros (acordos de alcance parcial), até chegar, no longo prazo, a um mercado comum, realizando gradualmente a integração completa do continente; reúne quase toda a América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) mais o México, mas este último pediu derrogação de suas obrigações sob a cláusula de nação-mais-favorecida (Artigo 44 do TM-80), em 1994, por motivo de sua entrada no Nafta, uma vez que não estendeu aos demais parceiros da Aladi as concessões que efetivou na área de livre-comércio da América do Norte.

Alca: Área de Livre Comércio das Américas (em inglês, FTAA: Free Trade Area of the

Americas), designa o processo lançado na I Cúpula das Américas (Miami, dezembro de 1994), tendente a negociar, até 2005, e a conformar, a partir dessa data, uma vasta zona de livre comércio (incluindo-se aspectos não exclusivamente comerciais, como propriedade intelectual, compras governamentais, investimentos e finanças) no hemisfério americano, desde o Alasca até a Terra do Fogo; participam das negociações todos os países (34) dos três continentes e do Caribe, à exceção de Cuba, sendo que o Mercosul negocia como bloco;

Alcsa: Área de Livre Comércio Sul-Americana, idéia lançada em 1993 pelo Presidente do Brasil,

Itamar Franco; a ser integrada pelos países do Mercosul e da Comunidade Andina, além do Chile.

Apec: Asia Pacific Economic Cooperation (Cooperação Econômica da Ásia Pacífico), designa o

esquema de cooperação intergovernamental entre 21 países da bacia do Pacífico (Ásia oriental, com participação proeminente do Japão e dos tigres asiáticos, e Américas, entre eles o Canadá, os Estados Unidos, o México, o Perú e o Chile), com vista à conformação de uma vasta zona de livre comércio na região até 2010 (para os países mais desenvolvidos) ou até 2020 (para os ainda em desenvolvimento); atualmente se estão negociando preferências na região, mas o modelo adotado é o do regionalismo aberto.

Asean: Association of the South-East Asian Nations (Associação de Nações do Sudeste

Asiático), agrupamento de países anticomunistas criado na época da Guerra Fria (1967) para fins de cooperação política e, em especial, bloquear o progresso do socialismo na região da Ásia oriental; composta por Brunei, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, veio a admitir, em 1998, o Vietnã ainda formalmente socialista; converteu-se em mais um espaço integracionista regional, passando a negociar esquemas preferenciais de comércio e apontando para uma zona de livre comércio.

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CAN: Comunidade Andina, sucessora em 1996 do Grupo Andino (1969) e composta por: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela; trata-se de uma união aduaneira parcial (Colômbia e Venezuela), com proposta para evoluir para um mercado comum. Assinou acordo-quadro de livre comércio com o Mercosul (16.04.98) e está negociando esquemas de liberalização tarifária e de cooperação em diversas áreas.

Caricom: Caribbean Common Market (1968), integrada por: Antigua e Barbuda, Barbados,

Bahamas, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Montserrat, Santa Lucia, São Cristovão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname (1995) e Trinidad Tobago; objetiva um mercado comum.

CAUCE: Convênio Argentina-Uruguai de Cooperação Econômica, assinado em 1974, ao abrigo

da Aladi. CECA: Comunidade Européia do Carvão e do Aço, organização comum da produção

siderúrgica, estabelecida pelo Tratado de Paris em 1951, entre Alemanha, França, Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos e Itália, criando um primeiro embrião de supranacionalidade na Europa ocidental, que depois evoluiria para a Comunidade Européia (1957), sob a forma de um mercado comum para o conjunto de produtos e serviços dos países membros. Ver União Européia (UE).

CEE: Comunidade Econômica Européia; ver UE. Cepal: Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe; organismo

especializado da Organização das Nações Unidas (ONU), criado em 1948 para a realização de estudos técnicos sobre a região; desempenhou um papel importante no processo de industrialização, nos esquemas de cooperação e de promoção da integração.

CUSFTA: Canada-United Stated Free Trade Agreement (Acordo de Livre Comércio Canadá-

Estados Unidos) que vigorou a partir de janeiro 1989. EFTA: European Free Trade Association (Associação Européia de Livre Comércio), criada em

1960 para oferecer uma perspectiva de liberalização de comércio aos países que não aderiram, em 1957, ao projeto comunitário dos Tratados de Roma, com destaque para o Reino Unido e países escandinavos; congregou praticamente todos os demais países capitalistas europeus não pertencentes à Comunidade Européia, mas quase todos eles decidiram aderir, progressivamente, ao esquema comunitário, com as notáveis exceções da Suíça, Noruega e Islândia.

GATS: General Agreement on Trade in Services (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços),

adotado em 14 Abril 1994, em Marrakesh, como parte dos acordos da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais; estabelece o princípio do tratamento nacional no acesso a mercados, segundo lista de ofertas e compromissos dos países membros.

GATT: General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e

Comércio), acordo assinado entre partes contratantes de esquemas comerciais contendo a cláusula de nação-mais-favorecida em 1947, entrou provisoriamente em vigor em 1° Janeiro 1948 enquanto não fosse ratificada a Carta de Havana criando a Organização Internacional do Comércio (OIC); em 1955, em sessão de revisão do GATT, um Protocolo emendou seu Preâmbulo e as Partes II e III; um Conselho de Representantes foi criado por Decisão das Partes Contratantes em 4 Junho 1960; outro Protocolo, de 1965, inseriu no Acordo Geral uma Parte IV, relativa a Comércio e Desenvolvimento; várias rodadas de

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negociações. O GATT-47 permaneceu provisoriamente em vigor até 1995, quando foi declarado formalmente extinto e substituído pelo GATT-94, resultante da Rodada Uruguai, que passou a ser administrado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

G-3: Grupo dos Três (1995); Colômbia, México e Venezuela; acordo tendente a constituir uma

zona de livre comércio no prazo de dez anos. A sigla também pode identificar os três países mais avançados em termos de poder

econômico e monetário: Estados Unidos, Alemanha e Japão.

Grupo Andino (GRAN): Esquema sub-regional constituído em 1969 com base no Acordo de

Cartagena (1966), tendente a criar um mercado comum entre os seis países originalmente participantes: Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile; este último abandonou formalmente o Grupo em 1975; o GRAN evoluiu para a CAN.

MCCA: Mercado Comum Centro-Americano (1961); Costa Rica, El Salvador, Guatemala,

Honduras, Nicarágua e Panamá; objetivo de um mercado comum. Mercosul: Mercado Comum do Sul, designa o espaço integracionista instituído pelo Tratado de

Assunção (26 de março de 1991) com vistas a criar um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, num esquema intergovernamental de cooperação e de coordenação, e não comunitário (como no modelo da UE).

Nafta: North American Free Trade Agreement (Acordo de Livre Comércio da América do

Norte), assinado em 1992 e constituído em 1994 pelo Canadá, Estados Unidos e o México; pode estender-se a outros países do hemisfério, mas o Congresso dos EUA negou, em 1995, autorização para o Executivo negociar a entrada do Chile no espaço livre-cambista.

OCDE: Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade criada em 1960

para substituir a antiga OECE (Organização Européia de Cooperação Econômica) da Guerra Fria; realiza a coordenação de políticas econômicas entre os países mais desenvolvidos; nos últimos anos têm absorvido alguns países emergentes (México, Coréia) e ex-socialistas (Hungria, Polônia e República Checa) e prepara-se para integrar a Eslováquia. Argentina e Rússia são candidatos à adesão. O Brasil integra, desde 1994, o Centro de Desenvolvimento, criado em 1962, tornou-se membro pleno do Comitê do Aço (1996) e vem adotando uma política de aproximação gradual, consubstanciada na participação como observador em diversos comitês técnicos: Comitê de Comércio, de Investimentos e Empresas Multinacionais (1997), de Política da Concorrência e de Agricultura (1998).

OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, em Bogotá, com sede em

Washington, pois que sucedendo à antiga União Pan-Americana; Cuba foi expulsa em 1962.

OMC: Organização Mundial do Comércio (WTO, em inglês), última das “três irmãs de Bretton

Woods”, criada em 1994 para administrar o GATT e diversos outros acordos de comércio de bens, serviços e outros mecanismos econômicos vinculados ao comércio.

Pacto Andino: Ver CAN. PEC: Protocolo de Expansão Comercial entre o Brasil e o Uruguai, assinado ao abrigo da Aladi,

antes do advento do Mercosul.

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PICE: Programa de Integração e Cooperação Econômica entre o Brasil e a Argentina, assinado

em 1986. SADC: Southern African Development Community (Comunidade de Desenvolvimento da

África Austral), formada por: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabue, com o objetivo de constituir um mercado comum a médio prazo.

Sela: Sistema Econômico Latino-Americano; mecanismo de coordenação de políticas

econômicas criado em 1975, no quadro dos esforços empreendidos pelos países em desenvolvimento para estabelecer uma “nova ordem econômica internacional” e oferecer um espaço exclusivo dos países latino-americanos (uma vez que a OEA conta com a participação dos Estados Unidos).

UE: União Européia, sucedeu em 1993 à Comunidade Européia, que vinha evoluindo desde o

primeiro acordo da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951) e, sobretudo, dos Tratados de Roma (1957), que criaram, com os seis países membros originais da Europa ocidental (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) a Comunidade Econômica Européia e a Comunidade Européia da Energia Atômica. Integrou progressivamente outros países da região (Dinamarca, Reino Unido e Irlanda, posteriormente a Grécia, Espanha e Portugal) e, depois do Tratado de Maastricht (1992), incorporou três novos membros (Áustria, Finlândia e Suécia). Encontra-se em evolução para uma união monetária, dispondo, desde janeiro 1999, de uma moeda única e de um Banco Central, que será comum aos hoje 11 países membros participantes do esquema do euro. Em julho 2002 o euro circulará na sua plenitude e as antigas moedas desparecerão. A partir do ano 2000 novos países da Europa central e meridional poderão integrar o Bloco.

Possui acordo de cooperação firmado com o Mercosul em Madri, em 15 dezembro 1995.


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