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A Carreira das Indias (atualizado e corrigido)

Date post: 01-Dec-2023
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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Licenciatura em História. Cadeira: História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa. Docente: Prof.ª Olga Iglésias. Fernando António Paulo Pereira, Aluno nº 2002580 Ano letivo de 2002/2003, Turma 3P1 Projeto de investigação subordinado ao tema: “A Carreira das Índias” Março de 2003
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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Licenciatura em História.

Cadeira: História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa.

Docente: Prof.ª Olga Iglésias.

Fernando António Paulo Pereira, Aluno nº 2002580

Ano letivo de 2002/2003, Turma 3P1

Projeto de investigação subordinado ao tema: “A Carreira das Índias”

Março de 2003

ÍNDICE

Introdução pág. 031- Porquê uma expansão portuguesa? pág. 042- Importância da Carreira das Índias. pág. 063- Condições em que se realizou. pág. 07  a) Navegação pág. 10  b) Instrumentos pág. 13  c) Construção naval pág. 16  d) Embarcações pág. 19  e) Armamento pág. 25  f) Vida a bordo pág. 274- Causas do seu declínio pág. 375- O “País do Gelo” pág. 40Conclusão pág. 46Bibliografia  pág. 47Anexo I – Quadros explicativos pág. 49Anexo II – Mapas e gravuras   pág. 51

Classificação obtida: 18 valores.Atualizado em Maio de 2016.

NOTA PRÉVIA

Dada a vastidão de temas associados à epopeia dos Descobrimentos Portugueses, optou-se,

neste trabalho, por uma certa objetividade, que se traduziu por um ênfase quase exclusivo no

impacto económico da Carreira das Índias e na justificação da sua importância e das

condições que em que decorreu, com uma breve alusão a algo muito próximo de uma

predestinação que impeliu os Portugueses mundo fora nos séculos XV e XVI.

2

INTRODUÇÃO

A Carreira das Índias constituiu o ponto culminante e, simultaneamente, de viragem na

expansão portuguesa. Efetivamente, os Descobrimentos portugueses foram iniciados com o

objetivo último de chegar às míticas Índias, terras que desde sempre povoaram o imaginário

coletivo europeu como fonte de infinitas riquezas, ainda que não se fizesse a mínima ideia da

sua localização.

Quando finalmente a viagem de Vasco da Gama estabeleceu o caminho marítimo para a Índia,

um novo ciclo se iniciou para o Ocidente, em que este deixou de estar fechado sobre si

próprio à volta do Mediterrâneo e percebeu que havia outros mundos para além do seu.

Portugal suplantou os seus limites geográficos e tornou-se uma potência mundial, tendo até a

ousadia de dividir o mundo com os rivais espanhóis.

O facto de, logo na segunda viagem, se ter dado o ‘achamento’ do Brasil, acrescenta mais um

elemento de importância à Carreira das Índias, a juntar às inovações técnicas, culturais e das

mentalidades (a serem tratadas noutro trabalho) que proporcionou.

Pretende-se com este trabalho analisar, em primeiro lugar, porque houve uma expansão

portuguesa quando nada o faria prever, justificar a importância desta rota para o nascimento

da primeira superpotência da História e com o auxílio de um tema do músico Rui Veloso,

inscrito no álbum “Auto da Pimenta” editado por ocasião da comemoração dos 500 anos dos

Descobrimentos, o qual servirá como fio condutor, caracterizar essa Carreira nos seus

múltiplos aspetos, desde a navegação até à forma como era encarada na sociedade.

Uma síntese das causas que levaram ao seu declínio, entre fatores internos e externos,

completará esta exposição, com que se pretende contribuir para retratar de forma tão fiel

quanto possível a realidade do que foi a Carreira das Índias.

3

1- PORQUÊ UMA EXPANSÃO PORTUGUESA?1 2 3

Nenhum povo estaria tão predisposto para uma expansão na época em que aconteceu, como

os Portugueses, ainda que, atualmente, este empreendimento pareça um feito que raiou o

impossível, levado a cabo pelo último povo que se esperava poder alguma vez consegui-lo.4

As Cruzadas haviam despertado na Europa um espírito de conquista e de aventura que se

voltava para o Oriente, por ser, desde a Antiguidade greco-romana, o local de todas as

riquezas imagináveis, num mal compreendido mas profundo mito medieval. Foi assim em

direção ao Oriente que partiram os viajantes como Marco Polo, quando finalmente a guerra

teve de parar com a vitória definitiva dos árabes. Agora que os relatos desses viajantes faziam

entrar um pouco de luz nas trevas do conhecimento restrito de então, a Europa iria procurar

avidamente sondar o desconhecido à sua volta.

A vastidão dos mares ocidentais deveria ser fonte de preocupação sobretudo para os povos

por eles banhados. É assim que os Vikings se aventuram pelo Atlântico Norte, chegando à

Gronelândia e ao continente americano; intrépidos navegadores, satisfizeram-se no entanto

com o que haviam encontrado, preferindo as pilhagens das cidades costeiras europeias a

avançar mais para Sul. Outro povo que se interessou em navegar pelo Atlântico, foram os

Normandos; porém, mais vocacionados para o lucro imediato que para a investigação

científica, preferiram passar o Estreito de Gibraltar em direção ao Mediterrâneo onde havia

muitas e gordas presas. A Península Itálica contava com duas potências marítimas – Veneza e

Génova – cujos navegadores eram muito requisitados pela sua perícia técnica; todavia,

estavam mais voltados para o comércio com o Oriente através dos portos do Levante, não

trocando uma renda certa e amplamente lucrativa por outra mais que duvidosa.

Restava assim a Península Ibérica.

1 Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, Os Descobrimentos Portugueses e os de Colombo – Tentativa de Coordenação Histórica, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1832 / Parede, Publicações Quipu, 2001, pp. 69-79.2 António Borges Coelho, Raízes da Expansão Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1985.3 História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta n.º 173, 1999, pp. 101, 102.4 M. J. Akbar, The Shade of Swords – Jihad and the Conflict Between Islam & Christianity , London & New York, Routledge, 2002, p. 114: “(…) an impoverish European nation surprised Rome, and probably itself, with the conquest of a Muslim bastion on the northern coast.” / “(…) uma empobrecida nação Europeia surpreendeu Roma, e provavelmente a si própria, com a conquista de um bastião Muçulmano na costa norte [Ceuta].”

4

Contudo, os reinos hispânicos estavam ainda a braços com a guerra contra os Mouros, estando

ainda ocupada a província de Granada. Só Portugal, que havia unificado o seu território nos

dois séculos anteriores expulsando os Árabes, estava liberto de condicionantes, por um lado, e

tinha o interesse, por outro, em encontrar novas fontes de rendimento que proporcionassem

um muito necessitado desenvolvimento económico. Além disso, nos começos do século XVI,

estavam a formar-se dois grandes blocos: um a leste, comercial e terrestre – o império

Otomano – e outro a ocidente – a grande massa do império de Carlos V, estando Portugal em

risco de ser esmagado entre eles. Também a pirataria e corso dos sarracenos na costa algarvia

e sobre a navegação, o contrabando de armas e no comércio africano que fugiam ao controle

da Coroa, somados à crescente ameaça trazida pela unificação do reino de Marrocos, cujos

xerifes pregavam a guerra santa, e, por fim, a criação um bastião da cristandade numa posição

estratégica no território dos infiéis, foram motivos que impulsionaram a conquista de Ceuta.

A sequente expansão pela costa de África foi decorrendo gradualmente, à medida do jogo de

forças interno que opunha fundamentalmente uma burguesia mercantil, a quem interessava o

estabelecimento de praças-fortes na confluência das rotas das caravanas, a uma nobreza

feudal, a quem interessava sobretudo a conquista de territórios para daí obter títulos e

rendimentos. Finalmente, haveria de prevalecer o fator da expansão sobre tudo o resto, pois

tanto a burguesia incrementava os seus lucros, como os nobres conseguiam uma posição

social para os seus filhos segundos5.

5 N.A. – Na sociedade medieval, os filhos primogénitos herdavam o título de nobreza, as propriedades e a chefia da família. Não sobrava muito para os filhos segundos, a não ser a chefia das Ordens Militares.

5

2- IMPORTÂNCIA DA CARREIRA DAS ÍNDIAS

Foi enorme a importância comercial e política da Rota do Cabo6 que estabeleceria a Carreira

das Índias. Ligando Portugal às míticas Índias, esta rota realizava o sonho antigo de suplantar

a Rota da Seda nos contactos entre Ocidente e Oriente, além de desferir um duro golpe no

comércio mediterrânico, até aí monopólio das repúblicas italianas.7

Os mercadores árabes, baseados em Calecut e usando frequentemente os mesmos navios que

transportavam peregrinos para Meca, controlavam o comércio das especiarias até aos portos

do Levante; a próxima etapa era por conta dos mercadores venezianos que faziam a ligação

com a Europa. Deste modo, o valor de um ducado (antiga moeda veneziana) de especiaria

comprado em Calecut, subia para 60 a 100 ducados em Veneza e multiplicava-se

sucessivamente pelos intermediários até ser trocado por ouro na Europa ocidental. A pimenta

era a rainha deste comércio, pois era considerada útil para um grande leque de propósitos,

como tempero e conservante da comida, sendo misturada com sal para conservar a carne

armazenada para o inverno ou para as longas viagens marítimas, tendo também apreciadas

propriedades medicinais. A especiaria tornou-se uma necessidade para tudo, desde cosméticos

a antídoto contra a peste.8

Surgiu assim uma potência comercial atlântica que, no período entre 1498 e 1635, efetuou

916 partidas do Tejo com destino à Índia, colocando na Europa as especiarias em muito maior

quantidade e mais rapidamente que a via terrestre9, com as consequentes baixa de preço e

aumento da procura, que se traduziriam em lucros fabulosos. Durante mais de oitenta anos, as

armadas portuguesas e as naus de especiarias puderam circular pela Rota do Cabo10 sem

sentirem qualquer ameaça; apenas no regresso, ao entrarem em águas açorianas (na fase final

da rota), eram atacados por piratas ou esquadras inimigas. Esta supremacia só viria a ser

disputada no século XVII, quando holandeses e ingleses passaram, de facto, a rivalizar com

Portugal.

6 Vide Anexo I, Quadros 1 e 2.7 Idem, Quadros 3 e 4.8 Cfr. M. J. Akbar, op. cit., p. 117.9 Vide Anexo II, Fig. 1.10 Idem, Fig. 3.

6

3- CONDIÇÕES EM QUE SE REALIZOU

Rotas11 12

Os navios partiam de Lisboa entre o início de março e a primeira quinzena de abril, o que lhes

permitia aproveitar os ventos favoráveis do Atlântico e atingir o Índico a tempo de

beneficiarem da monção de sudoeste que os conduzia à costa ocidental indostânica. De

Lisboa, as armadas rumam em direção às ilhas de Cabo Verde, afastando-se depois da costa

africana num trajeto africana em arco que as aproximava do Brasil. Normalmente, este

percurso era feito sem necessidade de escalas, apesar de alguns navios acabarem por atracar

em solo brasileiro, por erro de navegação, o que permitia a reparação de alguma deficiência

nas embarcações ou o reabastecimento. Um dos pontos críticos, devido às frequentes

tempestades, é a passagem do cabo da Boa Esperança. Já no Índico, os navios podiam fazer

escala em Moçambique, rumando de seguida em direção a Goa ou Cochim. A viagem durava,

em situação normal, cerca de seis meses.

Na viagem de regresso a Lisboa (a torna-viagem), as partidas da Índia eram feitas em

dezembro ou janeiro. Após a partida, normalmente da cidade de Goa, as embarcações

rumavam para a costa da Somália sob a ação dos ventos favoráveis da monção do nordeste,

que atingiam o Índico entre outubro e março. De seguida, seguiam ou pelo canal de

Moçambique ou pelo lado de fora de São Lourenço, através do Índico. Após a passagem do

cabo da Boa Esperança as embarcações navegavam na direção das ilhas de Santa Helena e da

Ascensão, passando depois próximo do arquipélago de Cabo Verde. Aí iniciavam a ‘volta

pelo largo’ até atingirem os Açores entrando de seguida na última fase da viagem, rumo à

costa portuguesa. Só na fase final da Carreira da Índia começou a ser frequente, durante a

torna-viagem, fazer escala no Brasil para completar o carregamento das naus ou fazer outros

negócios que permitissem rentabilizar de forma mais proveitosa as viagens pela rota do Cabo.

Correntes13

Para navegar pelo Atlântico Sul e contornar a ponta de África, os marinheiros Portugueses

começavam por aproveitar a corrente da Guiné, mas logo depois tinham de enfrentar duas

11 Adaptado de “Navegação – Rotas” in Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo’98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.12 Vide Anexo II, Fig. 2.13 Cfr. “Ocean Currents and Tides: The Treacherous Agulhas” in http://www.ruf.rice.edu/~feegi/ocean.html

7

poderosas correntes oceânicas14: a corrente das Agulhas e a de Benguela. A corrente quente

das Agulhas corre para sudoeste a partir do Oceano Índico, empurrando as quase congeladas

águas do Antártico, antes de encontrar a corrente fria de Benguela que se desloca a partir do

Cabo da Boa Esperança. A segunda corrente mais rápida em todos os oceanos do mundo, a

Agulhas, é mais mortífera que a mais rápida das correntes, a do Golfo – que tem origem no

Golfo do México (na parte Noroeste do Mar da América Central) e se dirige de Oeste para

Nordeste até ao Norte da Noruega, banhando as costas atlânticas europeias –, dado que uma

das suas ramificações corre através de uma estreita passagem entre Madagáscar e

Moçambique15, de norte para sul, exatamente a direção contrária àquela em que as naus

portuguesas precisavam de navegar para contornarem a ponta de África e chegarem à Índia.

Navegar contra a corrente das Agulhas é muito mais complicado que navegar a favor. As

caravelas teriam de andar para trás e para diante, para apanharem vento favorável, numa

estreita faixa de água onde abundam pontiagudas rochas submersas, seguindo para norte

através da corrente. Ventos fortíssimos (de cerca de 180 km/h) são habituais entre setembro e

novembro, mas, ainda mais assustadoras, são as mortíferas mudanças que ocorrem quando o

vento altera a direção; quando sopra de Oeste para Sudoeste (a direção oposta à da corrente),

vagas monstruosas (até à altura de um quinto andar) ocorrem, engolindo facilmente uma frágil

nau.

Depois de Bartolomeu Dias ter navegado com sucesso pela traiçoeira interseção das correntes

Benguela e Agulhas (o Cabo da Boa Esperança16), foram necessárias três viagens separadas,

entre 1486 e 1497, para que os Portugueses aprendessem a navegar eficazmente através da

Corrente das Agulhas, viajando na direção oposta.

Mesmo nos dias de hoje, em que os navios utilizam sofisticados equipamentos de navegação,

não há possibilidade de sobreviver a estas vagas ocasionais e é comum acontecerem

naufrágios nesta área, podendo as maiores embarcações desaparecer sem deixar rasto.

Carga17

14 Vide Anexo II, Fig. 6.15 Idem, Fig. 4.16 Vide Anexo II, Fig. 5.17 Adaptado de “Navegação – Carregamento – Carga” in Navegar, op. cit.

8

As naus que saíam do reino rumo ao Oriente, apesar de parte significativa das trocas

comerciais ser feita com moeda ou metais preciosos em barra, eram obrigadas a transportar

uma determinada quantidade de outros produtos que seriam depois trocados pelas especiarias

e outras mercadorias. Desta forma, era habitual o carregamento das naus da carreira da Índia

com tecidos de luxo, metais, como o cobre ou o chumbo, corais ou mercúrio. A grande

maioria destes produtos era adquirida no estrangeiro (os tecidos, por exemplo, eram

comprados a produtores genoveses, florentinos, flamengos ou londrinos), o que acarretava

elevadas despesas. Quanto a produtos nacionais, embarcava-se azeite, algum vinho e sal.

Mercadorias18

A rota do Cabo proporcionava produtos de intensa procura na Europa.19 Os navios

portugueses que saíam de Goa rumo a Lisboa traziam como principais mercadorias as

especiarias oriundas do Sul da Índia, de Ceilão e das Ilhas Molucas: uma proporção

significativa do total da carga embarcada era composta por pimenta, acompanhada, em

segundo plano, pela canela, pelo cravo-da-índia e pela noz-moscada. A partir de meados do

século XVI, o renascimento das rotas tradicionais e a incursão dos Portugueses em zonas do

Extremo Oriente, como a China e o Japão, provocaram uma diminuição do peso das

especiarias nas trocas comerciais. Ganharam então importância as sedas e as porcelanas

chinesas, assim como as pedras e madeiras preciosas, as lacas, a cânfora, o almíscar e os

tapetes, obtidos em várias regiões orientais. Também o transporte de animais exóticos era

relativamente frequente, tendo alguns navios chegado a desembarcar em Lisboa elefantes,

onças e rinocerontes.

O excesso e a má arrumação das mercadorias das naus que regressavam ao reino eram

constantes. A situação atingia tais proporções que levava, por exemplo, ao afundamento de

um navio em Goa, quando estava a ser carregado; a partidas com os navios a iniciarem a

viagem ‘de lado’ devido à má arrumação das mercadorias; ou ainda ao regresso ao local de

partida, pouco tempo depois de iniciada a viagem. Esta situação causava graves transtornos

durante as travessias, quer em caso de tempestades quer em momentos de ataque de navios

inimigos. Em 1621, a nau Conceição, vinda do Oriente, foi atacada por 17 navios turcos à

entrada de Lisboa; quando o ataque começa, a movimentação no convés torna-se impossível

dada a enorme quantidade de mercadorias que entretanto tinha sido trazida do porão. O navio

18 Adaptado de “Navegação – Carregamento – Mercadorias” in Navegar, op.cit.19 Vide Anexo I, Quadro 2.

9

rapidamente se incendiou pois a montanha de caixas e fardos no convés constituía um ótimo

pasto para as chamas.

3- a) Navegação20 21

A cartografia medieval anterior ao século XIII não obedecia a qualquer princípio científico. O

mundo conhecido era na maior parte dos casos apresentado de forma simbólica, quase sempre

com um aspeto circular, ou oblongo22, e por vezes retangular. Tem a sua mais antiga

expressão nos mapas do tipo conhecido por T-O23, em que o mar-oceano formava uma coroa

circular, configurando a letra O, a envolver os três continentes que constituíam o mundo

habitado conhecido, e os rios Don (ou Tanais) e Nilo formavam simbolicamente a letra T. No

topo do mapa estendia-se a Ásia, balizada pelos ditos rios e pelo semicírculo oceânico, com

uma dimensão equivalente ao conjunto da Europa e da África, que o Mediterrâneo dividia em

partes iguais.

Lentamente, estes esquemas cartográficos muito simples foram evoluindo, embora

obedecendo à tradicional arrumação dos continentes, com a Ásia, a Oriente, a figurar sempre

no topo da carta. As cidades, rios e lugares mais importantes começavam então a aparecer nos

mapas; Jerusalém ocupava quase invariavelmente o centro do círculo, condicionando o

desenvolvimento geográfico da composição. As crenças bíblicas eram sempre incluídas, bem

como as informações colhidas nos relatos de viagens dos que se aventuravam em longos

périplos, por terra e mar, a demandar as longínquas e fabulosas paragens, com objetivos

comerciais, ou em obediência a fins religiosos e diplomáticos. E dessas descrições, nem

sempre fidedignas, os mapas registavam quase sempre as notícias lendárias, ditadas pela

fantasia dos autores, a par das informações corretas também contidas nos seus testemunhos.

Paulatinamente, estes mapas vão-se adensando com dados reais e míticos, mas o seu valor

geográfico continuava diminuto.

Esta tradição cartográfica persistiria até ao fim da Idade Média.

A carta-portulano24

20 Adaptado de “Navegação – Técnicas de navegação” in Navegar, op. cit.21 Inácio Guerreiro, “A Cartografia Portuguesa dos Séculos XV e XVI” in História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, op. cit., pp. 239-263.22 Vide Anexo II, Fig. 7.23 Idem, Fig. 8.24 Vide Anexo II, Fig. 9.

10

Ainda durante esta época surgiu uma nova corrente cartográfica, bem distinta da primeira, e

que com ela evoluiu paralelamente durante dois séculos. Foi no Mediterrâneo que nasceu, na

segunda metade do século XIII, o novo processo de delinear as cartas, de índole bem mais

prática, baseado na arte de navegar dos pilotos deste mar e nos elementos de ordem técnica ao

seu alcance. Ele resultava do emprego generalizado da agulha magnética, fixada sobre uma

rosa-dos-ventos (séculos XII e XIII) e estava intimamente associado aos roteiros, chamados

‘portulanos’ pelos italianos.

Estes eram textos descritivos, de teor muito claro e direto, destinados a marinheiros de pouca

cultura. Com a generalização da agulha, passaram a registar, além dos referidos elementos

descritivos, os rumos magnéticos e as distâncias em milhas entre os pontos costeiros. Estavam

criadas as condições que propiciaram o aparecimento do novo, e mais ‘científico’, processo de

cartografia.

Navegação por cabotagem

Durante a Idade Média a navegação por cabotagem é a predominante na Europa cristã, nas

ligações entre os diversos portos do Mediterrâneo e do litoral atlântico. Neste tipo de

navegação, os navios raramente se afastam da costa e a orientação é feita a partir da

observação de pontos de referência em terra. Desta forma, as distâncias percorridas em cada

trajeto são relativamente reduzidas e são feitas frequentes escalas em terra. Esta prática

prolongou-se durante bastante tempo no mundo mediterrânico, sendo ainda utilizada nas

primeiras viagens de descobrimento dos Portugueses ao longo do litoral africano. Com o

avanço das viagens atlânticas e a necessidade de um outro método de orientação para

percursos de vários dias e semanas em pleno oceano vai-se desenvolvendo a navegação com

base na observação dos corpos celestes.

Navegação à bolina25

No século XV os navegadores portugueses desenvolvem uma técnica de navegação que

permite o avanço das embarcações mesmo com regimes de ventos adversos. Esta técnica,

conhecida como navegação à bolina, baseia-se na realização de uma singradura (distância

percorrida pelo navio em 24 horas de navegação do meio-dia ao meio-dia seguinte26) oblíqua

em relação ao rumo pretendido, com sucessivas mudanças de bordo. Este tipo de navegação 25 Idem Anexo II, Fig. 10.26 Cfr. Pero Vaz de Caminha, Carta a El-Rei D. Manuel I, Joaquim Veríssimo Serrão (pref.), Manuela Mendonça, Margarida Garcez Ventura, Ericeira, Editora Mar de Letras, 2000, nota 2 da transcrição.

11

só é possível com embarcações equipadas com velas latinas, ou seja, velas de forma

triangular, presas a longas antenas e colocadas junto ao mastro, longitudinalmente ao

comprimento do navio. Assim, é possível navegar contra o vento em linhas que chegam a

apresentar um ângulo de 50° em relação à direção do vento. As caravelas portuguesas do

século XV utilizam esta técnica de navegação a partir do momento em que é necessário

ultrapassar ventos desfavoráveis a sul do Bojador, quer para avançar na exploração do litoral

africano quer para depois regressar ao ponto de partida.

Navegação astronómica27

A navegação astronómica, método de orientação da navegação em alto mar através da

observação dos corpos celestes, foi um processo desenvolvido pelos navegadores portugueses

ao longo do século XV, quando são obrigados a navegar sem pontos de referência em terra. O

aperfeiçoamento do processo passa por várias fases. A primeira consiste na comparação da

altura meridiana da Estrela Polar num certo ponto, com a altura desse mesmo astro num ponto

de referência previamente estabelecido. Dadas as limitações deste método, desenvolve-se uma

outra técnica que consiste em comparar a altura da Estrela Polar em oito posições distintas do

seu círculo diurno aparente. Este processo dá origem às conhecidas ‘rodas’, onde são

indicadas as coordenadas das várias posições da Estrela Polar em determinado(s) ponto(s) de

referência, com as quais os marinheiros podem confrontar as coordenadas obtidas nas

medições feitas a bordo. Tomando como referência as posições da Estrela Polar em Lisboa, os

navegadores conseguiam determinar a latitude de um ponto em alto mar, mediante o

estabelecimento de algumas regras simples. A partir da medição da altura daquele astro em

qualquer ponto, bastava que a esse valor, tomado num dos rumos conhecidos, se adicionassem

ou subtraíssem certas constantes. Nas últimas décadas do século XV, para além da Estrela

Polar, passou a recorrer-se à medição da altura meridiana do Sol e da sua declinação. Quando

as viagens dos Portugueses os levaram para além do equador, fazendo-os perder a Estrela

Polar como astro de referência, estes procuraram transpor os mesmos processos para o

Cruzeiro do Sul. Porém, se a determinação da altura meridiana permitia a obtenção de

resultados satisfatórios, a transposição direta das regras utilizadas no caso da Estrela Polar

para a observação das oito posições do seu movimento diurno aparente implicava erros

assinaláveis.

27 Vide Anexo II, Fig. 11.

12

3- b) Instrumentos28

Ampulheta29

O ‘relógio de areia’ ou ampulheta é um instrumento de origem remota destinado a medir a

passagem do tempo. Nos navios da época dos descobrimentos portugueses era usada

especialmente na contagem dos ‘quartos’ de serviço dos marinheiros. Uma ampulheta é

formada por dois cones ocos de vidro comunicantes através dos respetivos vértices, onde um

orifício devidamente calibrado permite a passagem de areia fina de um para o outro cone,

durante um determinado espaço do tempo. Após a passagem de toda a areia do cone superior

para o inferior, deve inverter-se a posição da ampulheta para contagem de novo período de

tempo. O acerto da hora era feito ao meio-dia solar para evitar possíveis desfasamentos,

devidos à incorreta utilização da ampulheta por aqueles que pretendiam antecipar as

mudanças de turno de modo encurtar as suas tarefas.

Balestilha30

A balestilha é um instrumento astronómico que resulta de uma adaptação quinhentista, para

fins náuticos, de um instrumento medieval. A balestilha medieval é utilizada em medições

topográficas, sendo designada como ‘báculo de Jacob’ por Sebastião Munster na sua

Rudimenta Mathematica. A balestilha é formada por duas peças – o virote e a soalha. A

primeira é uma peça de madeira, graduada, ao longo da qual se pode deslocar a soalha. Em

alguns casos, uma balestilha pode ter várias soalhas, utilizáveis de acordo com a altura do

astro a observar. A utilização da balestilha na navegação ocorria à noite. A medição da altura

dos astros fazia-se quando a linha de pontaria entre a extremidade do virote e a base inferior

da soalha apontava para a linha do horizonte e a base superior da soalha passava pelo astro

escolhido. Esta conjugação conseguia-se fazendo deslocar a soalha ao longo do virote até

atingir a posição ideal, seguindo-se a leitura da medida obtida.

Bússola31

A chamada ‘agulha de marcar’, instrumento que tem como base o conhecimento do

magnetismo terrestre aprece na navegação europeia no século XIII. A utilização da bússola na

28 Adaptado de “Navegação – Instrumentos de navegação” in Navegar, op.cit.29 Vide Anexo II, Fig. 12.30 Idem Anexo II, Fig. 13.31 Vide Anexo II, Fig. 14.

13

Europa surge provavelmente por intermediação árabe a partir de uma presumível origem

chinesa. A sua peça fundamental é uma agulha magnetizada, colocada a flutuar na água ou

azeite; girando em tomo do eixo, a agulha aponta o norte magnético. Como as distâncias

percorridas na Idade Média eram curtas e a navegação era feita à vista da costa, o

desconhecimento da declinação magnética não tinha efeitos graves. No final do século XV,

com o aumento das distâncias percorridas, foram descobertas as vantagens da declinação

magnética e tomadas em consideração pelos pilotos na definição dos seus rumos. No século

XVI, a bússola passou a ter uma apresentação mais cuidada. A agulha magnética ficou

suspensa no interior de uma caixa graduada nas paredes interiores e com uma rosa-dos-ventos

no fundo.

Astrolábio32

O astrolábio planisférico é um instrumento de origem grega, utilizado na Idade Média para

fins astrológicos e astronómicos. Consiste num disco de latão graduado na periferia do

círculo, num anel de suspensão e numa mediclina com pínulas perfuradas. Para a sua

utilização na astrologia e agrimensura, as faces são cobertas por linhas e por representações de

diversas estrelas e do Zodíaco. A sua introdução navegação astronómica ocorreu

provavelmente em finais do século XV, embora a mais antiga representação conhecida de um

astrolábio náutico date de 1517. Gaspar Correia atribui a Abraão Zacuto um astrólogo judeu

radicado em Portugal, a proposta da sua aplicação para fins náuticos. A primeira referência

explícita à sua utilização a bordo reporta-se a uma viagem de Diogo de Azambuja em 1481.

João de Barros refere que Vasco da Gama utilizou um de madeira, suspenso por uma cabrilha,

um suporte com três pernadas amarradas no topo.

O astrolábio náutico é uma versão simplificada do tradicional. E um objeto robusto e pesado,

fundido em bronze, com cerca de 2 quilos e 20 centímetros de diâmetro, que se deve manter

na vertical durante as medições. O instrumento era suspenso pelo anel, enquanto se fazia

passar um raio de sol pelo orifício de ambas as pínulas. Como não podia olhar diretamente, o

observador suspendia o astrolábio e manejava a mediclina até que um raio de luz entrasse pelo

orifício superior e se projete no inferior. Chamava-se a esta operação a “pesagem” do Sol,

dada a semelhança com a utilização de uma balança. A leitura era feita numa escala graduada

de 0° a 90° que dava a distância zenital, a partir da qual era possível calcular a latitude de um

lugar. A latitude acha-se então a partir da fórmula X = (90 - a) + d, em que “a” é a altura do

32 Idem, Fig. 15.

14

Sol e “d” a sua declinação. Como o complemento da altura é a distância zenital (Z = 90 - a),

bastava ao piloto fazer a operação Z + d para encontrar o valor da latitude X.

Compasso33

O compasso é um utensílio formado por duas pernas articuladas numa das extremidades,

usado para traçar linhas circulares ou fazer medições. Como auxiliar da náutica, a sua

utilização faz-se para traçar rotas e calcular distâncias sobre as cartas de marear. Nos séculos

XV e XVI também era usado na construção naval e no desenho de algumas peças das

embarcações. Uma das suas representações mais famosas encontra-se no Livro das Traças de

Carpintaria (1616) de Manuel Fernandes onde surge nas mãos do autor, na ilustração em que

este é retratado.

Quadrante34

Os primeiros instrumentos a serem utilizados na navegação astronómica, a partir de meados

do século XV, foram os que já se conheciam desde a Idade Média; o quadrante, como o

astrolábio plano, não foi exceção, embora inicialmente o seu uso estivesse ligado à astrologia.

O quadrante medieval, tal como o utilizavam os astrólogos e agrimensores para medir a altura

dos astros ou de objetos situados na superfície terrestre, inclui escalas altimétricas destinadas

a resolver problemas de medição de distâncias entre pontos pouco acessíveis e um cursor para

permitir calcular a declinação solar. O quadrante náutico é, porém, um instrumento bastante

mais simplificado. Consiste num quarto de círculo, em ferro ou em madeira, com duas pínulas

de pontaria perfuradas num dos seus lados retos, um fio-de-prumo suspenso do vértice do

ângulo reto e uma escala de graduação inscrita no quarto de círculo periférico.

O modo de utilização do quadrante a bordo das embarcações era simples: o utilizador

apontava o quadrante ao astro que pretende observar, até o conseguir ver através dos orifícios

de ambas as pínulas. A medição era então encontrada através do valor apontado pelo fio-de-

prumo na escala do quarto de círculo, onde se encontra uma graduação de 0° a 90°. Apesar de

a sua aplicação na navegação ser, por certo, anterior, apenas se dispõe de referências

explícitas à sua utilização a partir de meados do século XV, com base no testemunho de

Diogo Gomes. As primeiras representações iconográficas remontam à primeira metade do

século XVI, encontrando-se em alguns planisférios da autoria de Diogo Ribeiro, embora ainda

33 Vide Anexo II, Fig. 16.34 Idem, Fig. 17.

15

com uma escala altimétrica. Foi utilizado até ao século XVIII, apesar de algumas críticas

quanto ao rigor das medições por ele obtidas.

As ‘tavoletas da Índia’35

O instrumento conhecido em Portugal como ‘tavoletas da Judia’, ‘balestilha de mouro’ ou

kamal foi descoberto no Índico durante a primeira viagem de Vasco da Gama e destinava-se à

orientação em alto mar através da observação das estrelas. É formado por uma tábua de forma

quadrada ou retangular, com um fio cheio de nós suspensos do seu centro. O utilizador devia

segurar o fio com a boca por um dos nós, ou segurá-lo à altura dos olhos com uma das mãos,

enquanto visava a estrela escolhida para orientação por um dos lados da tábua e a linha do

horizonte pelo outro. Os nós do fio deviam estar colocados de acordo com as alturas dos

corpos celestes usados como referência. A primeira tentativa para utilizar o kamal pelos

Portugueses ocorreu na viagem de Cabral mas o desconhecimento dos pontos de referência

usados pelos navegadores do Índico e da exata correspondência entre os graus das medições

portuguesas e as polegadas orientais (isbas) impediu a sua correta utilização.

3- c) Construção naval36 37

Para construir os navios utilizados nas viagens de exploração do Atlântico, nas armadas que

vigiavam o litoral português contra os ataques de piratas e nas carreiras comerciais existentes

entre Lisboa e as diversas possessões ultramarinas, criaram-se diversas infraestruturas em

Lisboa e noutros pontos do país. Entre essas estruturas tinha particular importância a Ribeira

das Naus, em Lisboa. Até ao reinado de D. Manuel I, este estaleiro naval localizava-se na

zona ribeirinha, no atual Campo das Cebolas, a oriente do Terreiro do Paço. Com o aumento

das solicitações do império, tanto em novos navios para as carreiras comerciais como para as

armadas que deviam protegê-las, toma-se necessário alargar e transferir estas estruturas para

local mais espaçoso. O novo estaleiro – a Ribeira Nova – situava-se a ocidente do referido

Terreiro, muito perto do Paço Real que D. Manuel mandou erguer nos primeiros anos do

século XVI.

Nas épocas de maior atividade, trabalhavam na Ribeira centenas de operários especializados,

onde avultavam os carpinteiros; numerosos escravos realizavam os trabalhos mais duros. O

35 Vide Anexo II, Fig. 18.36 Adaptado de “Navegação – Barcos – Construção naval” in Navegar, op. cit.37 Francisco Contente Domingues, “A Construção Naval Portuguesa (Séculos XV-XVI)” in História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, op. cit., pp. 215-231.

16

mestre-carpinteiro considerava acabado o seu trabalho quando concluía a construção do casco

e este era lançado à água. Seguiam-se as operações de colocação dos mastros, das vergas e do

velame. Nos navios de guerra, o capitão e os bombardeiros supervisionavam a colocação do

armamento a bordo. O ritmo de construção de navios na Ribeira era por vezes dificultado pela

escassez de materiais disponíveis. Para ultrapassar estas dificuldades existiam pinhais e matas

em algumas zonas do país, em que o abate de árvores se fazia apenas para este efeito. O sobro

vinha da Beira Baixa e do Alentejo, enquanto o pinho vinha de Leiria e da margem sul do

Tejo. O abate das árvores era feito sob orientação do mestre-carpinteiro e obedecia a rígidos

critérios quanto à época do ano e hora do dia do corte.

A madeira de sobro e de azinheira era utilizada no cavername (o esqueleto do navio)38, pela

sua resistência à água e pelas curvas naturais da azinheira, úteis para o fabrico de algumas

partes dos navios. Nas chamadas ‘obras vivas’ (zonas onde chega o nível da água), como a

quilha (peça forte e comprida que vai da proa à popa do navio, à qual se fixa o cavername), a

roda da proa e o cadaste (peça da popa onde se fixa o eixo do leme), a madeira utilizada era o

pinho resinoso. Nas obras mortas recorria-se à madeira de pinheiro-manso. A madeira de

carvalho e castanheiro só se utilizava em peças miúdas, dada a sua pouca resistência à água

dos mares temperados e quentes. Algumas madeiras exóticas como a teca, também eram

ocasionalmente utilizadas. A importação de algumas madeiras do Norte da Europa, destinadas

especificamente ao fabrico de determinadas peças (como o pinho-da-flandres, para os

mastros), era uma prática habitual. A construção de uma nau obedecia a regras rigorosas

quanto à dimensão de cada tipo de peças39, o que por vezes implicava encontrar o espécime

certo para abate, em termos de idade e época do ano.

Em Lisboa, para além da Ribeira, existiam várias infraestruturas para apoiar a construção

naval. Para as peças em metal e para o fabrico das armas existiam ferrarias e fundições. A

localização destes estabelecimentos junto à Ribeira das Naus era útil mas demasiado próxima

do centro económico e habitacional da cidade, o que tinha alguns inconvenientes. Por isso, e

devido à necessidade de descongestionar o trabalho, D. Manuel ordena a construção de novas

ferrarias e ‘Teracenas novas’ nos limites orientais da cidade, junto de Cataquefarás e da Porta

da Cruz. Desta maneira, fez-se a distinção entre o Arsenal da Marinha, que continuava na

Ribeira das Naus, e o Arsenal do Exército, que passou a localizar-se nas novas Teracenas da

38 Vide Anexo II, Fig. 19.39 Idem, Fig. 20.

17

Fundição. A Casa da Pólvora estava instalada numa torre da cerca fernandina, até ser

transferida para a zona da Pampulha.

Para além de Lisboa, existiam outros locais onde a construção naval teve grande importância

nos séculos XV e XVI. No período das viagens henriquinas era o Algarve que era

predominante a este nível, mas, no século XVI, existiam estaleiros em vários pontos do país

onde se construíam embarcações utilizadas na Carreira das Índias. Para além do estaleiro

auxiliar da Telha, existiam importantes estaleiros, a Norte, no Porto, em Gaia, em Aveiro e

em Vila do Conde, e em Setúbal, Lagos e Tavira, a sul do Tejo. Nas possessões ultramarinas,

o maior estaleiro naval era a Ribeira de Goa, no estuário do Mandovi. Esta estrutura já existia

no início do século XVI, antes da conquista portuguesa, quando Afonso de Albuquerque aí

tomou várias dezenas de embarcações e foi nesta Ribeira que se construíram algumas das

maiores naus do século XVI.

Portugal foi ponto de encontro de diversas técnicas de construção naval (árabes,

mediterrânicas e do Norte da Europa), que se foram aperfeiçoando a par e passo com a

cartografia e a náutica: no fundo tratou-se de um processo interligado que se compreende

melhor no seu todo, e que não faz grande sentido aperceber separadamente. Torna-se

incongruente pensar num grande desenvolvimento da construção naval, sem que

paralelamente o mesmo suceda na náutica, o que impediria – tomando o caso português – que

um navio tecnicamente capaz de navegar no mar alto, o pudesse fazer por não dispor de

formas de orientação.

Ao contrário do que sucedeu na cartografia ou na astronomia, o processo de síntese de

diversas práticas de construção naval ocorreu por via essencialmente empírica, ou seja, pela

observação e troca direta de experiências concretas, bem como pelos contactos e

ensinamentos de mestres construtores navais. A uma tradição marítima portuguesa, forjada na

arte da pesca e no comércio, juntar-se-ão soluções até então estranhas mas depois adotadas

eficazmente até ao surgimento, pelos meados do século XV, de navios aptos em particular

para a navegação oceânica nas condições concretas com que se defrontaram os protagonistas

das viagens de descobrimento.

E, contrariamente ao que se pensava, não é possível afirmar que os Portugueses tenham criado

a partir do nada um ou vários tipos de embarcação destinados especialmente às navegações

18

das Descobertas, ignorando completamente tudo o que já se conhecia. Foi antes o resultado de

diversas adaptações, transformações ou desenvolvimentos de determinadas soluções técnicas,

que deram origem a tipos diferentes de embarcações que se mostraram adequados para os fins

exploratórios em vista. Tal como aconteceu com o processo dos Descobrimentos em geral,

tanto os homens de mar como os que ordenavam as viagens não tinham uma noção concreta

daquilo que iriam defrontar, nem tão pouco dos meios necessários para esse efeito; foi assim

algo como caminhar no escuro, tateando o caminho à medida que se vai progredindo,

tentando conjugar a necessidade com aquilo que era possível desenvolver-se.

3- d) Embarcações40 41

Barca e barinel42

As características dos primeiros navios utilizados nas viagens portuguesas de exploração do

litoral africano são pouco conhecidas, pois não existem descrições ou representações

iconográficas rigorosas. A barca, navio em que Gil Eanes ultrapassou o Bojador, era uma

embarcação de origem mediterrânica, que aparelhava velame latino, deslocava até cerca de 30

tonéis43 e que, normalmente, não tinha coberta. De maior dimensão era o barinel capitaneado

por Afonso Gonçalves Baldam na segunda viagem para além do Bojador. O barinel era

também originário do Mediterrâneo e talvez já tivesse dois mastros com velas latinas. Quer a

barca quer o barinel podiam deslocar-se por meio de remos. No século XV, estas embarcações

eram utilizadas na navegação comercial, na navegação costeira e na travessia de rios de

estuário mais amplo, como o Tejo. A possibilidade de navegação à bolina explica a sua

escolha para as viagens de descoberta promovidas pelo infante D. Henrique. Também o facto

de se suspeitar que da existência de baixios para além do Cabo Bojador, justificou esta opção,

já que um navio de menores dimensões desloca menos calado, isto é, necessita de menos

profundidade de água para flutuar.

Galé44

40 Adaptado de “Navegação – Barcos” in Navegar, op. cit.41 Vide supra, n. 36.42 Vide Anexo II, Fig. 21.43 N. A. - Tonel: medida de capacidade de carga usada na antiga construção naval. Tinha um rumo de comprimento (medida linear usada na antiga construção naval equivalente a seis palmos de goa, cerca de 1,5 m) e 4 palmos de goa (igual ao palmo craveiro (22 cm) mais o comprimento do polegar até à primeira articulação, perfazendo 24,5 cm; correspondia a um terço de uma goa) de largura (1,5 m x 1 m). O termo goa usado na construção naval, nada tem a ver com Goa da Índia Portuguesa. É um aportuguesamento da palavra francesa goue, uma medida usada em França na construção das galés. Equivalia a três palmos de goa, cerca de 0,75 cm. Cf. http://www.ancruzeiros.pt/ancdrp/unidades-de-medida 44 Vide Anexo II, Fig. 22.

19

A galé ou galera, era uma embarcação característica do Mediterrâneo, utilizada no comércio e

na guerra até ao século XVIII, que respondia às necessidades de navegação numa zona onde o

vento é frequentemente fraco e a ondulação pouco acentuada. Era um navio de baixo bordo

(com pequeno casco e pouco elevado), que combinava a existência de pares de remos em

número variável (pelo menos 24), movidos por 2 a 4 remadores por banco, com dois ou três

mastros aparelhados com velame latino. A relação entre a boca (largura) e a quilha

(comprimento) oscilava entre 1 para 5 e 1 para 9, conforme a sua função fosse mais

marcadamente mercantil ou bélica. À proa surgia um esporão, utilizado nas investidas contra

os outros navios, em situações de combate. A bordo podiam estar algumas peças de artilharia,

mas a principal estratégia de ataque passava pela abordagem ao navio inimigo. Em Portugal,

as galés integraram a marinha de guerra até finais do século XV, existindo nas armadas do

Índico durante a maior parte do século XVI.

Caravela45

Foi o grande navio dos Descobrimentos e aquele que permitiu o avanço do processo de

exploração do Atlântico durante o século XV. A singularidade da sua estrutura e

especificidade explica parte do pioneirismo de Portugal no processo expansionista europeu. A

primeira referência conhecida ao termo ‘caravela’ remonta a meados do século XIII e refere-

se à chamada ‘caravela pescareza’, embarcação de maior envergadura e velame que a barca,

mas com funções algo semelhantes. A origem do vocábulo estará no grego karabos e no árabe

qârib, termos utilizados para designar tipos de navios mediterrânicos, com o equivalente

‘cáravo’ na língua portuguesa. ‘Caravela’ corresponderá possivelmente a uma derivação

diminutiva daqueles termos. A documentação disponível é escassa, pelo que muito do que se

afirma sobre a sua dimensão, traçado e tripulação no século XV, se baseia no que se conhece

sobre a caravela do século XVI.

A ‘caravela de descobrir’ ou latina usada nas viagens portuguesas de descobrimento

correspondia à síntese de elementos da tradição náutica do Mediterrâneo com outros da

Europa do Norte. O prolongamento das viagens obrigou ao recurso a embarcações de maior

robustez que as empregues até então, sem perda das qualidades que provaram ser úteis nas

anteriores. O seu principal traço distintivo era a utilização de velas latinas de grandes

dimensões, indispensáveis para a realização das viagens de exploração no Atlântico e ao

longo da costa ocidental africana a sul do Bojador, quando o regime de ventos é adverso. Nos 45 Idem, Fig. 23.

20

séculos XIII e XIV, quando a caravela ainda era utilizada na pesca e no comércio, aparelhava

apenas uma vela latina, de forma triangular, no seu mastro único, colocado quase na vertical a

meio da quilha. A antena onde a vela é presa era já sensivelmente maior do que nas outras

embarcações da época e a tripulação rondava a dezena de homens. No século XV, à medida

que começava a ser utilizada pelos navegadores do infante D. Henrique, a caravela já

apresentava dois mastros com pano latino, o segundo dos quais (mezena) a meio caminho

entre o mastro grande e a popa do navio, com 40 a 60 tonéis de arqueação (volume de espaço

destinado à carga).

No século XV, a utilização de caravelas nas viagens de descobrimento iniciou-se na década de

1440 e prolongou-se até se completar a circum-navegação de África. Quando, nas viagens

para sul do Bojador, se enfrentavam ventos adversos, o avanço só era possível com o recurso

à navegação à bolina. Esta técnica não era exequível com as chamadas ‘velas redondas’, de

colocação fixa, pelo que as ‘caravelas pescarezas’ sofreram uma evolução que acentuou a

dimensão da antena, oblíqua em relação ao mastro, e do velame latino, colocado

longitudinalmente ao eixo da embarcação. Neste período, a ‘caravela de descobrir’ deslocava,

em média, 50 tonéis, tinha dois mastros aparelhados com velas latinas e uma tripulação que

rondava as duas dezenas de homens. A sua estrutura era feita em madeira de sobro e

azinheira, sendo o interior do casco reforçado com pinho resinoso e as obras mortas

reforçadas com pinheiro-manso. O mastro era em pinho-da-flandres, originário dos países

bálticos.

A última viagem de descobrimento em que a caravela esteve presente é a de Bartolomeu Dias

em 1487-1488. A partir de então, a caravela restringiu-se quase em exclusivo a missões

comerciais no Atlântico ou integrada nas armadas da carreira da Índia. No século XVI, a sua

capacidade aumentou, de modo a transportar maiores quantidades de mercadoria. Primeiro

surgiu a caravela de três mastros, que podia ultrapassar os 100 tonéis e já tinha um castelo na

popa com dois pisos, tolda (parte da ré do convés, mais elevada, do mastro de mezena até à

popa) e chapitéu (parte mais elevada à proa ou à popa); contudo, este tipo foi gradualmente

substituído pela chamada ‘caravela redonda’ com quatro mastros, três com velas latinas e um,

à proa, com uma vela redonda. A sua tonelagem oscilava entre os 150 e 180 tonéis, tinha entre

uma a duas cobertas, dois sobrados no castelo da popa e um na proa, pouco tendo em comum

com a ‘caravela de descobrir’, sendo usada em funções auxiliares integrada numa armada de

21

navios de maior porte. O ‘caravelão’, por sua vez, era um navio de menor porte (40 a 50

tonéis) muito utilizado na costa brasileira em missões de apoio.

A caravela era boa veleira, isto é, facilmente manobrável por um reduzido número de

marinheiros, característica fundamental quando se tornava necessário embarcar grande

quantidade de víveres e água potável para viagens que durariam meses, além de deslocar um

pequeno calado, que lhe permitia tanto a navegação oceânica como costeira e a exploração de

enseadas ou cursos de rios.

Nau46

Foi a embarcação que dominou a navegação comercial portuguesa de longa distância ao longo

do século XVI. As chamadas ‘naus da Índia’ constituíram o principal exemplo deste tipo de

navio mercantil de grande envergadura, bem distinto da caravela pelo tipo de velame e

estrutura do casco e do volume de carga transportável. Quanto ao velame, as naus aparelham

velas redondas nos mastros grande e do traquete (vela maior do mastro da proa), enquanto no

da mezena recorre ao velame latino para auxiliar a manobra do leme. No caso do casco, a

introdução de castelos à proa e à popa teve como objetivo a criação de espaço para aposentos

para os passageiros e membros mais importantes da tripulação. A dimensão e o número das

cobertas das naus aumentam durante o século XVI, quando se toma necessário transportar

quantidades crescentes de mercadorias do Oriente.

As naus mantiveram ao longo do século XVI uma tipologia básica, mas o desejo de aumentar

a capacidade de transporte teve implicações na sua estrutura interna. No final do século XV,

as naus tinham apenas uma ou duas cobertas, um castelo na proa com guarita e um castelo na

popa com tolda e chapitéu. O convés (espaço descoberto entre os castelos) era frequentemente

protegido por xaretas – redes que amparavam a queda de mastros e vergas e dificultavam a

abordagem. Na segunda metade do século XVI o número de cobertas aumentou para três e

quatro, ao mesmo tempo que a tonelagem do navio e o velame necessário para o mover. Ao

contrário das caravelas, em que o aumento da envergadura implicou normalmente o acréscimo

do número de mastros, no caso das naus o aumento fez-se sentir na dimensão e número de

vergas e velas por mastro, mantendo-se a existência de dois mastros de aparelho redondo, o

grande e o do traquete, além de um com velame latino.

46 Vide Anexo II, Fig. 24.

22

O número de tripulantes necessários para manobrar uma nau dependia das suas dimensões e

do velame que aparelha; porém, uma nau de envergadura média (cerca de 400-500 tonéis)

exigia uma tripulação com pouco mais de uma centena de homens de mar, entre oficiais,

marinheiros e grumetes. Quando o corso e a pirataria começaram a ameaçar foi também

embarcado um corpo de bombardeiros chefiado por um condestável e a nau foi equipada com

peças de artilharia (cerca de duas dezenas) e respetivas munições, arcabuzes e piques (lanças

terminadas em pontas aguçadas), entre outras armas de arremesso ou destinadas ao combate

corpo-a-corpo. O custo da preparação de uma nau com estas características englobava a

construção, o abastecimento e os soldos da tripulação; na segunda metade do século XVI

todas estas componentes orçavam em cerca de 40 Contos de Réis47 (Rs 40.000$000), sendo

entre 25.000$000 e 28.000$000 para a construção e materiais sobresselentes, entre 8.000$000

e 10.000$000 para os mantimentos e o restante, entre 7.000$000 e 2.000$000, para soldos de

seis meses.

As ‘naus da Índia’ foram as principais embarcações mercantes do império português no

século XVI, destacando-se em particular na rota do Cabo. As naus ao serviço da carreira da

Índia eram ‘naus grossas’, com mais de 300 tonéis e que em meados de Quinhentos chegavam

aos 800 e 1000 tonéis, implicando tripulações bem acima da centena de marinheiros. O

número de cobertas também aumentou com a tonelagem, chegando a três e quatro, enquanto

os castelos da popa e da proa cresceram em altura com a inclusão da sobreguarita (pequena

torre elevada para abrigo dos vigias) à proa e da alcáçova (presídio) à popa. A utilização da

nau era fundamentalmente mercantil, embora este tipo de navio também pudesse receber

47 N.A.: O artigo citado na nota 40, refere uma verba de 40.000.000 – sem indicar qualquer unidade monetária – como os custos de construção de uma nau. Admitindo que se trate de Cruzados, moeda usada na época dos Descobrimentos em que Um Cruzado era equivalente a 400 Réis (Rs. $400) e, mais tarde, a 40 Centavos de Escudo (Esc. $40) – considerando que Mil Réis (Rs. 1$000) equivaliam a Um Escudo (Esc. 1$00) –, 40.000.000 Cruzados seriam equivalentes a 16 milhões de Escudos (Esc. 16.000.000$00) a valores de 1911 – data em que o Real deu lugar ao Escudo –, o que, a valores de 1999 – data em que o Escudo deu lugar ao Euro –, daria um valor astronómico de 40 mil milhões de Escudos (Esc. 40.000.000.000$00), considerando que o Escudo desvalorizou 2500 vezes o seu valor inicial de 1911. Ora isto aparenta ser uma verba um tanto exagerada para a construção de um navio, algo que é, por exemplo, em termos comparativos, mais de quatro vezes a dívida pública do Estado no ano de 1994.Por outro lado, admitindo que seja um montante de 40 mil Contos de Réis (Rs. 40.000.000$000), isso significa que serão 4 milhões de Escudos (Esc. 4.000.000$00), a valores de 1911, e 10 mil milhões de Escudos (Esc. 10.000.000.000$00), a valores de 1999, o que, tendo em conta que foi uma época em que grande número de embarcações foi construído, ainda se pode encarar como excessivo.Todavia, considerando que o que se refere é uma verba de 40 Contos de Réis (Rs 40.000$000), isso significa que seriam 4 mil Escudos (Esc. 4.000$00), a valores de 1911, e 10 milhões de Escudos (Esc. 10.000.000$00), a valores de 1999. Aplicando a respetiva taxa de conversão, o valor para a atualidade, isto é, no ano de 2003, seria de cerca de 50 mil Euros (49.879,79 €), o que, há que convir, parece ser uma verba bastante mais realista. (Fonte: “História do escudo”, “Dívida pública”, ”Cruzado” in Diciopédia 2003, [CD-ROM], Porto, Porto Editora Multimédia, s.d.); vide Anexo II, Quadro 5.

23

armamento para se defender de ataques inimigos ou para participar em operações de guerra.

Entre a viagem de Vasco da Gama e o final do século XVI rumaram para o Oriente mais de

sete centenas destas embarcações, das quais regressaram cerca de quatro centenas e meia e se

perderam cerca de uma em cada seis, permanecendo as restantes no Índico.

Galeão48

A identificação do galeão, como categoria tipológica independente e distinta da nau, levanta

polémica, devido à própria confusão terminológica dos autores da época. A forma mais

pacífica de distinguir estes dois tipos de navios é a de natureza funcional. A nau era um navio

com funções essencialmente mercantis, enquanto o galeão tinha uma vocação militar mais

acentuada. Por outro lado, o galeão português é uma embarcação distinta do galeón espanhol,

tanto na arquitetura como na função. Ao que parece, o termo ‘galeão’ surge por analogia com

os galeones italianos, que também eram navios de guerra de alto bordo (de casco volumoso e

muito elevados). As diferenças entre a nau e o galeão português quanto à dimensão,

proporções e tonelagem, apesar de não serem substanciais em muitos casos, não deixam,

contudo, de justificar uma distinção terminológica. O galeão é um navio, em média, de menor

tonelagem que a nau e que raramente ultrapassa os 600-700 tonéis.

A noção, corrente no século XVI, de que um navio de guerra devia ser raso e mais baixo do

que os navios mercantes, de modo a oferecer uma massa menor aos tiros adversários, levou a

que o galeão tivesse uma forma mais alongada e um perfil menos bojudo que os navios

mercantes. Para além disso, os galeões não possuíam castelos muito destacados do corpo

principal do casco; tanto à proa como à popa os castelos tinham apenas dois pavimentos. No

entanto, é possível que algumas naus de maior dimensão, quando já estavam incapazes para a

carreira da Índia, tivessem sido armadas com artilharia e utilizadas nas armadas de correr a

costa e passassem a ser conhecidas como galeões, ajudando à existência de alguns equívocos

quanto à sua tipologia específica. No final do século XVI o armamento embarcado era, no

caso dos galeões mais pequenos (200 tonéis), equivalente ao das naus de grande porte, ou

seja, cerca de 20 peças de artilharia. Nos maiores atingia várias dezenas de bocas-de-fogo.

3- e) Armamento49

48 Vide Anexo II, Fig. 25.49 Adaptado de “Cultura e Sociedade – Armamento” in Navegar, op. cit.

24

O sucesso da presença dos Portugueses em África e na Ásia, nos séculos XV e XVI, resulta

das vantagens técnicas do seu armamento, defensivo e ofensivo, em relação ao das populações

locais. No século XV, o armamento europeu encontrava-se num período de transição entre as

armas medievais – compostas fundamentalmente pelas chamadas ‘armas brancas’, para o

combate corpo a corpo (lanças, piques, chuços, forquilhas, machados, alabardas), e por armas

de tiro manuais (dardos, azagaias) e neurobalísticas (arcos e bestas) – e as armas pirobalísticas

que estavam em grande desenvolvimento e se tomaram decisivas para o sucesso na guerra

durante o século XVI, tanto ao nível da artilharia como da própria infantaria. O que não

significa que já antes não se tivesse recorrido à artilharia em situações de cerco a fortalezas,

assim como depois se continuaram a utilizar muitas das armas de origem medieval, com

maiores ou menores aperfeiçoamentos.

Armas brancas e neurobalísticas

Durante o período das viagens portuguesas de descobrimento, muito do armamento utilizado

a bordo das caravelas e naus era de tipo “convencional”, ou seja, formado por armas brancas

de haste ou punho para o combate corpo a corpo, por armas de arremesso manual ou por

armas neurobalísticas, cujos projéteis são propulsionados por molas acionadas por cordas

(arcos e bestas). Estas armas de tiro foram, contudo, as que mais rapidamente iriam ser

substituídas pelas armas de fogo portáteis. Quanto às armas brancas, as espadas são as mais

vulgares, assim como os punhais ou adagas, de lâmina mais curta, servindo para armar a gente

de guerra. Os piques e meios-piques eram embarcados em grande quantidade ao longo do

século XVI nas naus da Índia para armar a marinhagem, em caso de combate e de abordagem

em pleno oceano.

Armas pirobalísticas

A grande novidade do armamento europeu neste período foi o aperfeiçoamento das armas de

fogo, tanto na artilharia como nas armas portáteis. Em territórios onde estas armas eram

desconhecidas (África subsariana, América) os Portugueses beneficiaram do seu impacte nas

populações locais para imporem o seu poder. Mesmo na Ásia, onde o armamento pirobalístico

era conhecido, a qualidade das armas portuguesas foi decisiva. Entre as armas de tiro por

explosão de pólvora podem referir-se os arcabuzes (cujos projéteis atingem os 120-150

metros), os mosquetes (mais compridos e pesados, necessitando de uma forquilha para o

atirador o poder amparar no chão e fazer pontaria, mas com alcance até aos 200 metros) e as

25

clavinas. Para utilização apenas com uma mão, começaram a surgir pistolas e pistoletes. O

disparo era provocado pela inflamação da pólvora na câmara, quer através da aplicação de um

murrão quer de faíscas produzidas por um fuzil.

O arcabuz

Entre as amas que os Portugueses utilizaram durante a Expansão, o arcabuz foi a que maior

sucesso obteve, em particular no Oriente. O arcabuz é uma arma de fogo semelhante à

espingarda, com um cano menor que o mosquete, de carregar pela boca, com a coronha em

madeira e cano em ferro fundido. A sua utilização vulgarizou-se durante o reinado de D. João

II, vindo a ser progressivamente aperfeiçoado com a introdução do gatilho de alavanca e o

fecho de serpentina, que tornaram mais fáceis as operações de fazer pontaria e de disparar.

Antes de começarem a ser fabricados em Portugal e nos territórios conquistados, muitos

arcabuzes de mecha foram adquiridos na Boémia. O sucesso deste tipo de arma foi enorme,

por exemplo, no Japão, onde os Portugueses introduziram, pela primeira vez, as armas de

fogo.

Armamento defensivo

O armamento defensivo podia ser constituído tanto por amas que os guerreiros seguravam

protegendo o corpo (pavês, escudos, adargas), feitas em madeira ou couro e eventualmente

reforçadas com metal, ou que vestiam. Estão neste caso as lorigas e cotas de armas, feitas com

anéis de ferro durante a Idade Média, assim como as armaduras em ferro forjado,

especialmente úteis contra os projéteis das armas neurobalísticas. Com o avanço das armas de

fogo, as armaduras completas tornaram-se menos úteis e pouco práticas; começou a usar-se

proteção apenas no tronco (couraça) ou no peito (peitoral, meia-couraça), assim como o

capacete, ou elmo, que ganhou uma forma mais simples, não assentando já nos ombros.

Artilharia naval

A presença de amas de fogo nos navios portugueses remonta ao início do século XV. São os

‘troões’, bocas-de-fogo de pequeno calibre que caíram em desuso a favor das bombardas (que

surgiram em Portugal em 1381 na armada do conde de Cambridge). No século XV, as armas

embarcadas destinavam-se a apoiar operações contra posições inimigas em terra. No século

26

XVI, com o agravamento da concorrência marítima, tornou-se normal o uso de artilharia a

bordo. As peças, apesar da variedade terminológica, podem agrupar-se em três grandes

categorias: os pedreiros, curtos mas de grande calibre, que atiram balas de pedra a curtas

distâncias; os canhões, de médio comprimento e calibre, que atiram balas de ferro fundido

(pelouros) usados em cercos e combates navais; e as ‘columbrinas’, peças de cano comprido e

médio calibre, utilizadas para atingir alvos a maiores distâncias. Foram estas armas que, desde

a chegada de Vasco da Gama, desequilibraram a favor dos Portugueses a relação de forças no

Índico.

3- f) Vida a bordo50

Regras

Para que a navegação se fizesse em segurança tornava-se necessário respeitar um conjunto

bem definido de normas. Uma delas relacionava-se com a navegação “em conserva”, ou seja,

com a obrigatoriedade de os navios das armadas viajarem em conjunto, para minorarem os

perigos de ataques inimigos. A bordo, o quotidiano também era fortemente regulamentado. A

tripulação obedece a escalas de serviço que asseguram a navegação em boas condições,

estando a hierarquia claramente estabelecida. Os casos de justiça eram resolvidos, em última

instância, pelo capitão, quer dissessem respeito a tripulantes quer se relacionassem com

passageiros. A aplicação das penas daí resultantes era da competência do meirinho ou alcaide.

Na eventualidade de existirem prisioneiros, os mais perigosos podiam ser colocados a ferros,

no porão ou junto às bombas. Os restantes podiam ficar no convés, usando-se tábuas com

buracos para lhes prenderem os pés.

Um dos maiores cuidados a ter ao longo das viagens relacionava-se com tudo o que pudesse

provocar incêndios a bordo. O meirinho ou alcaide era o responsável pela pólvora, pelas

armas e pelo uso dos fogões. Durante as travessias eram nomeados tripulantes incumbidos de

vigiar todas as situações potencialmente perigosas, nomeadamente as que se prendiam com os

fogões utilizados na preparação das refeições. Esses fogões, aliás, apenas eram acesos nos

dias de mar calmo e de vento de reduzida intensidade. Era proibida a utilização de velas

acesas nos alojamentos durante a noite, apesar de, por vezes, alguns passageiros

desrespeitarem as indicações para conseguirem ler. Eram também frequentes as

recomendações para um especial cuidado com as armas de fogo, pois o seu manuseamento

50 Adaptado de “Navegação – Vida a bordo” in Navegar, op. cit.

27

inadvertido poderia fazer deflagrar incêndios, sobretudo quando os navios transportavam

cargas altamente inflamáveis (como pólvora, tecidos ou especiarias).

O transporte de membros do sexo feminino em viagens que podiam durar vários meses estava

sempre sujeito a regras específicas. O seu embarque ocorria por diversas circunstâncias:

podiam tratar-se de esposas de outros tripulantes (normalmente oriundas da nobreza), de

criadas que acompanham as suas senhoras, de “órfãs d’el rei” (moças que se destinavam a

casar com colonos no Brasil ou na Índia), ou de clandestinas. A maneira de evitar problemas

era diminuir ao máximo os contactos entre membros dos dois sexos. Daí que o isolamento das

mulheres fosse habitual, ficando estas condenadas a fazer toda a viagem em locais próprios,

bem vigiados e de difícil acesso, como era o caso do camarote da varanda, à popa das naus

(local perigoso que provocava algumas quedas à água com consequências mortais). As

clandestinas, ao viajarem escondidas e não dispondo assim de um espaço próprio, ficavam

desprotegidas face ao assédio masculino.

Espaços

O espaço interior das caravelas era bastante reduzido, apresentando poucas condições de

habitabilidade para quem nelas embarcava. Para além do porão, utilizado para armazenar os

mantimentos ou qualquer outra carga, eram raros os espaços fechados. De facto, pelo que se

conhece das caravelas portuguesas deste período, existiam apenas dois gabinetes nas zonas

laterais da casa do leme, na popa da embarcação. Estes gabinetes eram utilizados pelo capitão

ou por qualquer outro membro mais importante da tripulação (caso do escrivão) ou por algum

passageiro de condição social mais elevada. Desta forma, a esmagadora maioria da tripulação

(que, cm média, oscilava entre os 20 e os 40 elementos) tinha de se acomodar no convés,

ficando à mercê das variações climatéricas que ocorriam durante a viagem.

Por outro lado, as naus tinham muito mais espaço livre que as caravelas; porém, tinham

também uma tripulação maior e transportavam mais passageiros e carga. No convés

encontravam-se os marinheiros; os soldados ficavam na coberta, sob o convés. O capitão e

restantes oficiais tinham direito a câmaras ou camarotes nos castelos da proa ou popa, assim

como os passageiros mais abastados. Nas naus da Índia, ao longo do século XVI, aumentou-

se o espaço disponível para a carga, multiplicando o número de cobertas, mas as condições de

habitabilidade pioraram. Os tripulantes vendiam parte dos seus espaços a passageiros, que aí

28

colocavam as suas mercadorias. Nas viagens para a Índia havia muita gente a querer

embarcar, o que elevava o preço do espaço disponível. Para Lisboa o número de passageiros

era menor, mas a procura mantinha-se, porque os que regressavam queriam trazer a maior

quantidade possível de mercadorias. Em algumas naus o convés ficava inundado de volumes

prejudicando a própria manobra do navio.

Tripulação

Durante os séculos XV e XVI colocava-se com frequência o problema de encontrar gente

suficiente para embarcar nas armadas. A preparação de uma armada anual para a Índia, ao

mesmo tempo que outros navios patrulhavam a costa ou rumavam para a África, o Brasil ou

as ilhas atlânticas, colocava grandes dificuldades. Por norma, cada freguesia de Lisboa

contribuía com um determinado número de homens para servirem como militares; na falta de

voluntários suficientes, eram compulsivamente recrutados os elementos em falta. No caso dos

marinheiros as dificuldades repetiam-se. Em casos extremos embarcavam-se presos e

mendigos. Muitos navios necessitavam de centenas de tripulantes, entre gente de mar e gente

de guerra. O inverso, porém, também podia acontecer. Em 1548, por exemplo, o problema era

conseguir canalizar a oferta: muitos soldados embarcavam sem receber soldo e outros faziam-

no na condição de servirem gratuitamente, durante um ano, como militares na Índia.

Apesar dos vários tipos de navios, os postos de chefia eram, regra geral, os mesmos. Nas

armadas, o capitão-mor era o comandante supremo. A bordo, o capitão era o responsável

máximo, tendo a seu cargo a aplicação da justiça (penas de prisão ou castigos corporais); o

cargo é geralmente atribuído a nobres, como recompensa por serviços prestados. O piloto era

o responsável direto pela navegação, ajudado pelo sota-piloto. O mestre chefiava os

marinheiros, ajudado pelo contramestre e pelo guardião. O escrivão registava todas as

ocorrências, redigia os documentos necessários, vigiava a distribuição de mantimentos e

guardava as chaves dos locais onde iam guardados. O mestre-bombardeiro ou condestável

chefiava o contingente militar do navio. O meirinho ou alcaide executava a justiça, sendo

responsável pelos prisioneiros. O capelão exercia as atividades religiosas e de assistência.

As tarefas quotidianas da navegação eram efetuadas pelos marinheiros. Entre eles, os

trinqueiros desempenhavam a função específica de cuidar das velas e dos cabos, zelando para

que estivessem sempre em boas condições. Os grumetes eram jovens que desempenhavam as

29

tarefas mais duras ao longo da viagem: competia-lhes auxiliar os marinheiros no

manuseamento dos cabos, limpar o navio, acionar as bombas de água e fazer todas as tarefas

que qualquer outro membro da tripulação lhes exigisse. Era normal que fossem também

embarcados outros tripulantes com a função de desempenhar ofícios específicos, como os

cozinheiros, carpinteiros, calafates ou tanoeiros, entre outros. Finalmente, era frequente a

existência de despenseiros, que repartiam os alimentos pela tripulação, e de pajens, moços de

recados dos oficiais, a quem competia chamar o pessoal de serviço, tratar das luzes ou fazer

de pregoeiros sempre que se leiloassem os bens dos defuntos.

Passageiros

Em várias rotas, os navios transportavam um elevado número de passageiros (várias centenas,

no caso das embarcações maiores). Entre eles encontravam-se membros de todos os grupos

sociais. Da nobreza partiam os quadros da administração ultramarina e da chefia militar,

acompanhados, por vezes, da família. Do clero iam missionários em missão de evangelização.

Das camadas populares partiam comerciantes em busca de negócios lucrativos e aventureiros

que procuravam melhores condições de vida. Era também habitual encontrar órfãos, jovens a

cargo dos missionários, ou ‘órfãs d’el rei’, moças protegidas pelo rei e que pertenciam ao

Recolhimento das Órfãs Honradas da Cidade de Lisboa, fundado por D. João III em 1543.

Estas raparigas tinham como principais destinos a Índia e o Brasil, para aí contraírem

matrimónio com colonos. Era permitido o embarque de estrangeiros, embora desde o século

XVI existissem restrições ao embarque de judeus.

O embarque de passageiros clandestinos era frequente nas viagens ultramarinas. Tal facto

gerava situações delicadas, nomeadamente no que diz respeito à distribuição de mantimentos

e água, pois a presença de passageiros clandestinos, não sendo contabilizada à partida, poderia

colocar em perigo a sobrevivência de todos. Por outro lado, os clandestinos do sexo feminino

eram fonte de distúrbios a bordo, já que acabavam por ser elementos perturbadores em meios

quase totalmente masculinos. De modo a evitar estas situações era normal efetuarem-se

rigorosas fiscalizações das embarcações antes da partida. Ao longo das viagens – sobretudo

nas de maior duração, como as da carreira da Índia –, quando se descobriam elementos

clandestinos a bordo, procurava-se que eles se mantivessem isolados (sobretudo quando se

tratava de mulheres) até que fossem desembarcados na primeira escala que fosse efetuada.

30

Alimentação

Na época das Descobertas o principal alimento era o biscoito, produto feito à base de massa

de farinha de trigo cozida duas vezes. Na Índia, confecionava-se biscoito com farinha extraída

da palmeira o qual, pensa-se, podia durar cerca de vinte anos. Faziam também parte da

alimentação dos embarcados, pão e cereais, carne salgada e fumada, peixe seco e salgado,

queijo, manteiga, frutos secos (como passas de uva, figos ou ameixas), mel, marmelada,

açúcar, arroz, alhos e cebolas. Quanto a bebidas destacava-se a água, fundamental para a

sobrevivência de todos, seguida do vinho, do azeite e do vinagre. Os alimentos frescos eram

raros, pois apresentavam consideráveis dificuldades de conservação. De qualquer forma,

procurava-se embarcar sempre alguns frutos e carne, podendo ser também embarcados

animais vivos, como galinhas, coelhos, porcos ou mesmo vacas, que se iam matando ao longo

da travessia. Peixe fresco, só se consumia aquele que era pescado durante a viagem.

A distribuição dos vários géneros alimentares não seguia regras uniformes em viagens

semelhantes. Um caso típico era o da carreira da Índia: se, à ida, passageiros e tripulantes

tinham direito a receber determinadas quantidades de alimentos, quando os navios

regressavam ao reino só os tripulantes mantinham esse privilégio. Aos passageiros apenas se

distribuía pão e água, sendo o resto da alimentação por sua própria conta e risco. A água e o

vinho eram, por norma, distribuídos diariamente. Quanto aos outros alimentos, como, por

exemplo, o biscoito, a carne e o peixe salgado, as cebolas ou o vinagre, tinham distribuições

mais espaçadas, podendo, por exemplo, ser mensais. Para além das rações atribuídas a cada

um, era permitido a todos os embarcados levarem consigo os seus próprios mantimentos; esta

solução tinha a vantagem de não ficarem totalmente dependentes da distribuição, por vezes

irregular, das rações dos navios.

Todos os alimentos eram distribuídos crus. Por isso, a responsabilidade de cozinhar as

refeições pertencia aos embarcados. E nem sempre esta tarefa era fácil. Nos dias de mar

agitado ou de chuvas e ventos fortes, era proibido fazer lume a bordo, devido ao perigo de

incêndio. Nos outros dias – e sempre com as maiores cautelas –, podiam acender-se os fogões,

feitos com caixas de madeira (material gradualmente substituído por ferro) cheias de areia e

colocadas em locais abrigados. Mesmo nos dias em que o lume podia ser aceso, conseguir

cozinhar uma refeição era sempre uma aventura. A maior dificuldade era, sem dúvida, chegar

aos fogões, pois as filas eram intermináveis. Habitualmente, funcionavam um ou dois fogões,

31

o que era muito pouco para responder às necessidades de várias centenas de pessoas. Daí que

muitos acabassem por ter de se contentar em ingerir os alimentos tal como estes lhes eram

entregues: crus e frios.

Conservar os alimentos em bom estado era uma das tarefas mais difíceis nos navios. Os

mantimentos eram em geral armazenados nos porões – local frequentemente utilizado pelos

passageiros para satisfazerem as suas necessidades fisiológicas –, onde abundavam ratos,

pulgas e baratas, que aproveitavam quer o clima húmido e quente dos porões, quer a

deficiente arrumação dos géneros, para se desenvolverem. Os alimentos secos facilmente se

enchiam de vermes e a água começava a ganhar cheiro e uma cor turva. Os problemas

aumentavam à passagem por zonas muito quentes. Vários eram os casos em que a

permanência demorada em águas equatoriais, devido às calmarias que imobilizavam as

embarcações, estragava por completo os géneros embarcados. Mas também o frio intenso –

como o que, por vezes, se sente no Atlântico Sul – colocava grandes dificuldades: a água e os

restantes alimentos congelavam, tornando-se muito difícil, para os embarcados, conseguir

ingeri-los.

Higiene e saúde

As condições de higiene nos navios não eram, na maior parte dos casos, as melhores. A

ausência de espaços próprios para assegurar as necessidades fisiológicas dos tripulantes e dos

passageiros tinha graves consequências. Ratos, pulgas, baratas, piolhos e percevejos eram

companheiros de viagem habituais. A má arrumação dos mantimentos, o ambiente húmido do

porão (muitas vezes usado como casa de banho), o lixo existente um pouco por todo o lado, a

necessidade de não desperdiçar água doce em banhos e na lavagem da roupa, possibilitavam a

sua rápida reprodução. Quando as embarcações navegavam sobrelotadas, o que era frequente,

a falta de higiene acentuava-se ainda mais. Assim, após alguns dias de viagem, os navios

transformavam-se rapidamente em locais propícios a doenças e epidemias.

As viagens marítimas de longa duração acarretavam bastantes riscos para a saúde de

tripulantes e passageiros. Bastava a presença de alguém infetado com uma qualquer doença

contagiosa, para que a sua propagação fosse inevitável e provocasse várias vítimas. À saída de

Lisboa surgiam os primeiros enjoos. Não eram graves, mas começavam por enfraquecer as

pessoas tomando-as mais vulneráveis a outros males. Após alguns dias de viagem,

32

começavam a sentir-se os efeitos da falta de alimentos frescos. As refeições à base de

produtos secos e salgados, pobres em vitaminas, provocavam violentos surtos de escorbuto. A

passagem pela zona equatorial, devido ao forte calor, levava ao apodrecimento de muitos

géneros, enquanto que a água ficava com aroma e sabor insuportáveis. As insolações também

eram habituais. No Atlântico Sul o principal inimigo era o frio. As febres e doenças dos

aparelhos respiratório e digestivo eram bastante frequentes, mas o escorbuto era o mal mais

comum a bordo.

O escorbuto (também conhecido como ‘mal de Luanda’ ou ‘mal das gengivas’) era uma

doença provocada pela falta de alimentos frescos, ricos em vitamina C, como a fruta e os

vegetais. Os seus sintomas eram o apodrecimento das gengivas e hemorragias que, sem

tratamento, provocavam uma morte dolorosa. Esta doença surgia com frequência entre os

marinheiros portugueses do século XVI no caso das viagens mais longas. A impossibilidade

de manter alimentos frescos a bordo e a sua deterioração devido às alterações da temperatura

eram algumas das causas para as epidemias de escorbuto. No início do século XVI, um piloto

anónimo refere o efeito benéfico que os refrescos oferecidos pelo rei de Melinde tiveram

sobre os marinheiros da armada de Cabral afetados pelo escorbuto. Com efeito, basta uma

dieta à base de alimentos ricos em vitamina C (laranja, limão, tomate) para evitar os efeitos da

doença.

Os métodos de tratamento das doenças eram escassos e pouco variados. Os cuidados de saúde

eram prestados normalmente por físicos ou barbeiros; na sua ausência recorria-se a membros

do clero. Nas boticas de bordo acumulavam-se pequenos potes com unguentos, folhas de

plantas tidas como medicinais e outros produtos e beberagens de utilidade terapêutica

duvidosa. Era crença comum que as doenças eram causadas por fluidos prejudiciais que se

infiltravam no sangue e que a cura passava pela sua expulsão do corpo do doente; daí que

muitos dos tratamentos consistissem em suadouros, sangrias, purgas e clisteres. As sangrias

eram as preferidas, sendo consideradas como remédio para quase todos os males. Porém, a

frequência com que eram realizadas provocava mais o enfraquecimento do que a cura do

paciente. Talvez que por isso, antes de qualquer tratamento, os pacientes devessem primeiro

confessar-se.

Religiosidade

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A presença de religiosos a bordo permitia uma regular assistência espiritual aos viajantes. O

capelão, que fazia parte da equipagem do navio, era o responsável por todas as atividades de

caráter religioso. No seu desempenho contava com o auxílio de missionários sempre que estes

fossem embarcados. Por vezes, seguiam também viagem altos membros da hierarquia

religiosa – bispos e arcebispos – para tomar posse de dioceses ultramarinas; quando assim

acontecia, as cerimónias religiosas eram geralmente mais cuidadas e solenes, o que contribuía

para intensificar o fervor religioso. Os perigos da vida no mar intensificavam as práticas

religiosas. Os perigos reais (como as tempestades, os naufrágios ou os ataques de piratas) e os

medos imaginários (como os monstros marinhos) aproximavam de Deus aqueles que

embarcavam. Daí que um provérbio da época afirmasse com sabedoria: “Se queres aprender a

orar, entra no mar”.

Entre as atividades religiosas realizadas a bordo, as missas ocupavam lugar de destaque.

Celebravam-se geralmente aos domingos e dias santos, podendo ser diárias quando iam

embarcados altos membros do clero. Eram acompanhadas de pregação, sendo comuns as

sessões diárias de catequese. Eram vários os momentos de oração: o primeiro era ao nascer do

Sol e o último fazia-se ao cair da noite; pelo meio ficavam as recitações da Salve Regina,

ladainhas, comemorações de santos e vésperas. A realização de procissões era outra das

práticas habituais; eram momentos de alguma teatralidade, onde a comoção e o fervor

estavam bem patentes. Um dos sacramentos mais importantes era o da confissão. O regimento

da nau São Pantaleão, por exemplo, que partiu para a Índia em 1592, obrigava todos os

viajantes a confessarem-se, sob pena de não receberem a ração alimentar; caso o fizessem

antes de embarcar, deveriam mostrar o scriptum com a confirmação.

A realização de procissões ao longo das viagens era relativamente frequente. Organizavam-se

nos dias festivos do calendário religioso, mas também por ocasião de dificuldades vividas a

bordo. Eram habituais as procissões de agradecimento a Deus após um temporal, um ataque

inimigo, uma calmaria prolongada ou qualquer outro incidente que pusesse em perigo a vida

dos embarcados, com a utilização de crucifixos, relíquias e imagens de santos, e a entoação de

cânticos e ladainhas. Por vezes, podia mesmo assistir-se a momentos em que os participantes

se auto flagelavam, como forma de sacrifício a Deus ou como ato de penitência. A imensidão

do mar ajudava a criar um ambiente de elevado misticismo, mais intenso quando das

procissões realizadas durante a noite; aí, a escuridão acentuava a fragilidade do homem

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perante a Natureza e criava as condições para a existência de momentos que dificilmente

seriam esquecidos por aqueles que nelas participavam.

Diversões

Os tempos livres eram preenchidos de diferentes maneiras e muitos dos passageiros

encontravam em tarefas mais ou menos individuais formas de ocupar os momentos de lazer.

A aprendizagem da manobra do navio ou o conhecimento das estrelas, com a ajuda de alguns

elementos da tripulação era uma boa forma de passar o tempo. A pesca tinha adeptos

incondicionais. Funcionava como elemento de diversão e permitia igualmente obter alimentos

frescos, sempre bem-vindos. A leitura era outra das formas de ocupação dos tempos livres,

não sendo, porém, um dos passatempos preferidos, face ao elevado número de analfabetos.

Todavia, entre oficiais, passageiros, religiosos e mesmo marinheiros, muitos havia que sabiam

ler. Entre as obras mais apreciadas encontravam-se os romances de cavalaria, que, no entanto,

eram criticados pela Igreja: por um decreto de cerca de 1560 ordenava-se aos membros do

clero que confiscassem tais volumes e que emprestassem, em troca, obras mais edificantes.

As cerimónias religiosas, a música e o canto, eram algumas das formas mais apreciadas de

ocupar os tempos livres. Os jogos – em especial os de azar – ocupavam lugar de destaque,

apesar das constantes proibições que recaíam sobre a sua prática. Muitos eram os que

perdiam, às cartas ou aos dados, tudo o que possuíam. O teatro desempenhava também um

importante papel como ocupação e distração; a primeira notícia da existência de

representações teatrais nos navios da carreira da Índia data de 1574 e referia-se à encenação

de vários autos a bordo da nau Santa Bárbara. Existiam outras atividades de caráter lúdico,

como as simulações de touradas, com tintureiras e tubarões pescados pelos marinheiros

durante as calmarias: depois de capturados, cegavam-nos, lançavam-nos no convés e fingiam

toureá-los enquanto eles se debatiam. Finalmente, refiram-se os leilões, onde se vendia peixe

fresco, água, mantimentos, assim como os bens dos que morriam durante a viagem.

35

4- CAUSAS DO SEU DECLÍNIO51

Em boa verdade, a Rota do Cabo propriamente dita só conheceu um certo declínio quando,

em 1869, foi aberto o Canal de Suez, unindo o Mediterrâneo ao Mar Vermelho e reduzindo

enormemente o tempo de viagem nas ligações entre Ocidente e Oriente. Ainda assim, a sua

importância voltou a ser reconhecida como única rota alternativa para o fornecimento de

petróleo aos países industrializados, quando, na sequência da chamada Crise do Suez, o Egito

encerrou o Canal à navegação entre 1967 e 1975.52

Até meados do século XVII, contudo, Portugal dominava esta rota, mercê do

desenvolvimento das técnicas de construção naval, de pilotagem e de guerra de que tinha sido

palco nos séculos XV e XVI, as quais foram atrás expostas.

A partir do século XVII, holandeses e ingleses, que haviam beneficiado com a política de

‘transporte de valores’ levada a cabo pelos países ibéricos (em que as especiarias da Índia e o

ouro do Brasil eram trocados por produtos manufaturados na Holanda e em Inglaterra),

conseguiram importantes incrementos nas respetivas economias, que culminariam no reforço

da capacidade militar, nomeadamente das suas marinhas de guerra e comércio (conceitos que

nesta época muitas vezes se confundiam), adotando as técnicas que os Portugueses haviam

desenvolvido para conquistarem a hegemonia nos séculos precedentes.

Por outro lado, Portugal tentou inserir-se no comércio do Oriente de forma a assegurar o

exclusivo, através do completo domínio das rotas do Oceano Índico. Porém, para isso, era

necessária uma força naval capaz de controlar não apenas as centenas de navios e outros

tantos portos, mas também ser o braço armado de implementação da política portuguesa junto

dos reis da região, convencendo-os ou coagindo-os a entregarem a hegemonia de toda a

atividade mercantil à Coroa portuguesa.

Ora navios eram justamente o que faltava à marinha de guerra lusa, que tinha de se desdobrar

ainda na fiscalização das possessões africanas e brasileiras. Tinham de ser enviados do Reino

e sujeitar-se às terríveis condições da viagem até à Índia (em 1500, D. Manuel ordenou a

51 Luís de Albuquerque, “As Dificuldades do Domínio Português no Comércio Oriental” in Portugal no Mundo – Séculos XV-XVIII, Luís de Albuquerque (dir.), Seleções do Reader’s Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, pp. 22-36.52 “Rota do Cabo” in Diciopédia 2003, op. cit.

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preparação de uma armada destinada a submeter o rei de Calecut e assegurar a entrada de

Portugal no comércio do Oriente, a ser capitaneada por Pedro Álvares Cabral; constituída por

treze navios e entre 1200 e 1500 homens, chegam à Índia apenas seis vasos, após o

inexplicável desaparecimento de um ao largo de Cabo Verde, o retorno de outro para dar

notícia do ‘achamento’ do Brasil, a perda de quatro deles num temporal no Atlântico Sul e de

outra nau se ter perdido da frota para não mais se lhe juntar). Além disso, era preciso dinheiro,

que nem sempre sobrava depois de todas as despesas (compra de mercadorias, reparação de

navios, pagamento do soldo a soldados e funcionários régios em número cada vez maior).

Tentou-se colmatar esta deficiência com a construção de fortalezas em pontos considerados

(por vezes erradamente) estratégicos para fiscalizarem a navegação e apoiarem a marinha

portuguesa. Tentou-se também impor os chamados ‘cartazes’, cuja concessão obrigava a que

o navio assim concessionado não transportasse produtos proibidos (por serem monopólio da

Coroa) e se ativesse a um itinerário que deveria ser fielmente cumprido, para não correr o

risco de uma apreensão pela marinha portuguesa. Ainda a transferência da sede do governo de

Cochim para Goa por Afonso de Albuquerque e a sua política de fixação dos portugueses no

Oriente pelo casamento com mulheres das etnias locais, tentaram obstar às insuficiências que

a cada passo se tornavam óbvias.

Todavia, nunca chegou a ser construído o número suficiente de fortalezas e, apesar de se

aproveitar Goa para a constituição de estaleiros navais para a frota do Índico, a crónica falta

de dinheiro impediu que se pudesse reforçar eficazmente a presença naval portuguesa na

Índia. A política de ‘cartazes’ também não surtiu o efeito desejado, pois além de ser

relativamente fácil ludibriar as autoridades, também a carência de meios de fiscalização,

derivada da falta de navios, negou o desejado monopólio do comércio. Por fim, no conflito

entre os interesses da Coroa e aqueles dos funcionários régios e dos particulares que

orientavam a sua vida nas diversas feitorias e fortalezas, eram quase sempre os interesses do

rei de Portugal a saírem lesados.

Embora a formação de populações miscigenadas tivesse conhecido bastante sucesso, estas

populações, contudo, concentravam-se junto das fortalezas ou feitorias, sendo maior a sua

dependência da proteção das tropas portuguesas, do que o apoio a uma expansão por terras da

Índia que eventualmente poderiam prestar.

37

Tudo isto contribuiu para que, de forma progressiva, a presença portuguesa fosse perdendo

vitalidade, com o consequente declínio da Carreira das Índias.

38

5- O “PAÍS DO GELO”

É bem sabido que os compositores das canções usufruem de certas liberdades criativas que

não são aceitáveis numa investigação histórica, pois que a sua função é apenas conjugar a

letra com a música (o que já não é pouco) para criar um conjunto harmonioso, ao passo que ao

historiador se exige rigor na pesquisa da informação e na sua interpretação.

Porém, casos há em que o que à primeira vista aparenta ser tão-somente a letra de uma

canção, encerra, no entanto, uma vasta quantidade de informação sobre um determinado tema

histórico concentrada no tempo que dura o tema musical. Será o que acontece com “País do

Gelo”, tema inserido no álbum Auto da Pimenta de Rui Veloso, autor da música (que

propositadamente apela para uma sonoridade trovadoresca) em conjunto com Carlos Tê, que

também assume a responsabilidade da letra.

Como se tentará demonstrar, os músicos também podem, em certa medida, ser historiadores e

será com esta premissa em mente que se passará a expor “A Carreira das Índias” através do

“País do Gelo”, para o que se adotou uma divisão em quadras simples, ao invés do poema em

formato de prosa que é apresentado na brochura que acompanha o CD-Áudio, tendo por fim

facilitar o seu comentário e integração no contexto histórico dos Descobrimentos.

“(…) É surpreendente ver a facilidade e frequência com que os portugueses embarcam para a Índia (…) Todos os anos saem de Lisboa quatro ou cinco carracas53 cheias deles; e muitos deles embarcam como se não partissem para mais longe que uma légua de Lisboa, levando consigo apenas uma camisa e dois pães grandes na mão, e transportando um queijo e um frasco de compota, sem qualquer outro tipo de provisões (…)”54

Alexandre Valignano, Padre Jesuíta Italiano, século XVI

Pais do Gelo

Cá vai a Nau Catrineta que tem tudo por contarOuvi só mais uma história que vos vai fazer pasmarEram mil e doze a bordo nas contas do escrivãoSem contar os galináceos, sete patos4 e um cão.

O poema da Nau Catrineta foi recolhido por Almeida Garrett a partir de uma xácara, espécie

de romance popular, em verso, que se cantava ao som da viola e que ainda é frequente no

53 N.A.: Carraca era um navio de longo curso usado pelos Portugueses nas primeiras viagens ao Oriente.54 Vide Anexo II, Fig. 26.

39

Brasil. Garrett acreditava que a viagem da nau portuguesa que, em 1565, transportou Jorge de

Albuquerque Coelho de Olinda para Lisboa, terá dado origem a esta xácara.55

As naus exigiam centenas de tripulantes, entre marinheiros (para a manobrarem e carregarem)

e soldados (no caso dos galeões, de função eminentemente militar); ao escrivão competia o

registo de todas as ocorrências, a redação dos documentos, a conferência dos mantimentos e a

guarda das chaves onde estavam armazenados.56

Dada a dificuldade em ter alimentos frescos durante a viagem, eram frequentemente

embarcados animais vivos que seriam mortos posteriormente, para haver alguma variação dos

biscoitos e outros alimentos secos ou salgados.57

Era lista mui sortida de fidalgos passageirosDesde mulheres de má vida, a padres e mesteireirosIam todos tão airosos com seus farnéis e merendasMais parecia um piquenique do que a carreira das Índias.

Os passageiros, na ordem das centenas, eram de todas as classes sociais: clero, nobreza e

povo. As mulheres, porém, eram objeto de cuidados especiais, pois certamente afetariam a

disciplina da tripulação (totalmente masculina) numa viagem que durava meses, pelo que

viajavam isoladas e sem quaisquer contactos com outros passageiros ou com os tripulantes;

daí que ter ‘mulheres de má vida’ (prostitutas) a bordo fosse um convite à amotinação e

houvesse particular atenção para que nenhuma entrasse clandestina.58

Por mesteireiros deve entender-se mesteirais ou artífices, que eram embarcados para

desempenharem funções específicas a bordo.59

Para a população em geral, embarcar seria um salto no desconhecido. Como as partidas para a

Índia ocorriam nos meses de março e abril, poderia acontecer o tempo estar quente,

primaveril, pelo que as pessoas não veriam necessidade de levar agasalhos (que muito

provavelmente nem sequer tinham) que iriam ocupar o precioso espaço que haviam comprado

55 Cfr. “A Nau Catrineta” in http://www.angela-lago.com.br/2-Nau.html 56 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Tripulação”, p. 27.57 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Alimentação”, p. 31.58 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Passageiros”, p. 30.59 Vide supra, n. 56.

40

por alto preço60, além de que certamente viam o navio carregar enorme quantidade de

provisões e consideravam haver o suficiente para todos, esquecendo quão longa era a viagem.

Ao passarem Cabo Verde o mar deu em encresparLogo viram ao que vinham quando a nau deu em bailarVeio a cresta do Equador e o Cabo da Boa EsperançaOnde o velho Adamastor subiu o ritmo da dança.

Cabo Verde fica na interseção da poderosa Corrente do Golfo com a Corrente da Guiné 61,

logo um lugar onde as perturbações atmosféricas são frequentes, traduzindo-se por um mar

agitado e tempestuoso em certas épocas do ano.

Seguidamente surge o Cabo da Boa Esperança, antes chamado das Tormentas, a ponta sul de

África que marca o encontro entre os oceanos Atlântico e Índico, para lá da qual ficava o mar

Tenebroso, e onde é preciso enfrentar a feroz Corrente das Agulhas62 no caminho para a Índia.

As dificuldades sentidas pelos navegadores antes de Bartolomeu Dias ter dobrado este Cabo,

eram avassaladoras e assim continuaram mesmo depois de se ter estabelecido a rota; Luís de

Camões, na sua obra-prima Os Lusíadas, personifica esses tormentos na figura do Adamastor,

que, na mitologia grega, era um dos gigantes filhos da Terra que se revoltaram contra Zeus e

por ele foram vencidos. Pensa-se que Camões tenha recolhido este nome na oficina de Revisio

Textor e o tenha utilizado para, no Canto V, simbolizar a força dos elementos naturais que

foram dominados pelos Portugueses na travessia do Cabo das Tormentas, transformando o

Adamastor num sinónimo de terror dos mares.63

Foi tamanha a danação, foi puxado o bailaricoQuem sanfonava a canção era a mão do mafarricoTinha morrido o piloto e em febre o capitão ardiaEncantada pela corrente para Sul a nau se perdia.

Devia ser realmente um espetáculo aterrador, uma frágil nau sendo empurrada de um lado

para o outro ao sabor de gigantescas vagas e do vento, com os seus tripulantes impotentes

para qualquer outra coisa que não fosse agarrarem-se às suas próprias vidas e fazerem os

impossíveis por manter um rumo certo.

60 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Espaços”, p. 28.61 Cfr. Ponto 3, “Condições em que se realizou – Correntes”, p. 7; vide Anexo II, Fig. 6.62 Idem.63 Cfr. “Adamastor” in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, p. 18; vide Anexo II, Fig. 27.

41

Sanfona é um instrumento muito antigo, de cordas de tripa, que se tocava com recurso a uma

manivela. Dada a religiosidade dos marinheiros64 (com justificadas razões, considerando a

precariedade da sua existência), não seria de estranhar que atribuíssem à vontade de uma força

sobrenatural maligna a causa dos seus tormentos; afinal de contas, ainda nos dias de hoje isso

acontece.

Com o piloto morto e o capitão incapacitado, logo as duas principais figuras do navio 65, a nau

estava mesmo em má situação, sendo como uma casca de noz à superfície, vogando ao sabor

da corrente.

Subia a conta dos dias, ficavam podres os dentesEram tantas as sangrias, morriam da cura os doentesE o cheiro era tão mau e a fé tão vacilanteParecia que a pobre nau era o inferno de Dante.

A falta de alimentos frescos era o problema mais grave nestas viagens66. A carência de

vitamina C fazia-se sentir ao fim de alguns dias provocando o enfraquecimento das pessoas.

Sobrevinha logo em seguida o escorbuto, que provocava o inchaço das gengivas, a queda dos

dentes e hemorragias.

Era crença daquele tempo que as doenças eram causadas por fluidos prejudiciais que se

infiltravam no corpo da pessoa e que o tratamento era expulsar esses fluidos sangrando o

doente, tratamento que, aliás, gozava de grande popularidade para toda e qualquer doença.67

Obviamente, as pessoas, que já estavam fracas, ainda pior ficavam, acabando por sucumbir

não da doença mas da tentativa de cura.

E, de facto, apreciando os vários graus de enjoo, de escorbuto e de outras doenças, juntamente

com o cheiro de alimentos em decomposição e de dejetos humanos que provinha do porão,

fácil seria reconhecer nos vários graus de sofrimento os diversos Infernos escritos por Dante

Alighieri n’A Divina Comédia.

64 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Religiosidade”, p. 31.65 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Tripulação”, p. 26.66 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Alimentação”, p. 28.67 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Higiene e saúde”, p. 29.

42

Com o leme sem governo e a derrota já perdidaFizeram auto de fé com as mulheres de má vidaE foram tirando à sorte quem havia de morrerPara que o vizinho do lado tivesse o que comer.

Estando o leme desgovernado por morte ou incapacidade dos pilotos68, naturalmente que o

rumo do navio, a derrota, seria outro qualquer que não o estabelecido a principio.

Por outro lado, reconhece-se nesta passagem alguma liberdade criativa já que, como referido

anteriormente, dificilmente iriam prostitutas embarcadas se o capitão quisesse manter a

disciplina da tripulação e igualmente difícil seria efetuar um auto de fé a bordo dada a

quantidade de madeira exigível e o risco de a fogueira atear ao madeirame do navio.69

Uma vez chegados a este ponto de sofrimento e desespero, tripulantes e passageiros não

teriam quaisquer constrangimentos em matar-se uns aos outros para poderem comer, caso

estivessem perdidos no meio da vastidão do oceano.

No céu três meninas loiras cantavam um cantochãoTodas vestidas de tule para levar o capitãoNo meio do seu delírio mostrou a raça de bravoTeve ainda força na língua para as mandar ao diabo

Por três meninas loiras poderão entender-se três querubins, na forma de anjinhos ou crianças

com asas, entoando cantos litúrgicos e vestidas com um tecido transparente de seda: a imagem

medieval do Paraíso.

O capitão, certamente um velho lobo-do-mar de temperamento irascível, só poderia praguejar

com quem o convidava a abandonar a vida terrena muito mais cedo do que desejaria.

Neste martírio sem fim ficou o lenho a boiarAté que um vento gelado a terra firme o fez vararQue diria o escrivão se pudesse escrevinharEram mil e doze a bordo e doze haviam de chegar.Ao grande País do Gelo com mil cristais a brilharOnde a paz era tão branca só se quiseram deitarNaqueles lençóis de linho e plumas acolchoadosE lá dormiram para sempre como meninos cansados.

Sem governo, o lenho ou navio vogou ao sabor da corrente e dos ventos que o empurrariam

para terra firme, que, pela descrição, poderia ser a Antártida. A mortalidade nestas viagens era

68 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Tripulação”, p. 26.69 Vide Anexo II, Fig. 28.

43

bastante elevada pelos motivos já expostos70, pelo que será aceitável a comparação proposta

no poema, embora não seja rigorosa nos números.

Coberto de neve e gelado, este País do Gelo, provavelmente a Antártida, constituía uma

paisagem branca e de frio intenso para marinheiros que não iriam muito preparados para

aquelas condições climatéricas. A exposição ao frio faria descer a temperatura corporal a

níveis críticos, resultando num entorpecimento e sonolência fatais, pois ao adormecerem no

solo gelado não voltariam a acordar.

70 Cfr. Ponto 3, alínea f), “Vida a bordo – Alimentação”, p. 28; “Vida a bordo – Higiene e saúde”, p. 32.

44

CONCLUSÃO

Pode afirmar-se que a Carreira das Índias constituiu um ponto de viragem em diversos

aspetos, quer para Portugal quer para a Europa em geral.

Com o estabelecimento da Rota do Cabo, os Portugueses conseguiram uma importante fonte

de rendimento, que lhes permitiu passarem de um país tão pobre que não tinha sequer ouro

para a sua própria moeda – numa época em que este metal era a única moeda de troca para se

obterem as tão desejadas especiarias e sedas do Oriente –, para um potentado europeu com o

monopólio da pimenta.

Seria um esforço concertado que, com altos e baixos, se iniciou com a conquista de Ceuta e

culminou com a chegada de Vasco da Gama à Índia e que constituiu também um marco para a

Europa ocidental, a partir do qual esta irá, progressivamente, assumir a posição hegemónica

ocupada até então pelo Oriente – consequência do declínio do comércio do Levante para as

repúblicas italianas –, forçando-a a olhar para além do Mediterrâneo e a expandir-se em busca

da riqueza trazida por Portugal.

Foi este, também, o papel da Carreira das Índias: o de dar ‘novos mundos ao Mundo’.

45

BIBLIOGRAFIA

AKBAR, M. J., The Shade of Swords – Jihad and the Conflict Between Islam & Christianity, London & New York, Routledge, 2002.

CHAGAS, Manuel Joaquim Pinheiro, Os Descobrimentos Portugueses e os de Colombo – Tentativa de Coordenação Histórica, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1832 / Parede, Publicações Quipu, 2001.

COELHO, António Borges, Raízes da Expansão Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1985.

OLIVEIRA, Aurélio de, CRUZ, Mª Augusta Lima, et al, História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta n.º 173, 1999.

SUBRAHAMANYAM, Sanjay, O Império Asiático Português, 1500-1700 – Uma História Política e Económica, Lisboa, Ed. Difel, 1995.

VAZ DE CAMÕES, Luís, Os Lusíadas, Hernâni Cidade (prefácio e notas), Lima de Freitas (ilustrações), Lisboa, Círculo de Leitores, 1972.

VAZ DE CAMINHA, Pero, Carta a El-Rei D. Manuel I, Joaquim Veríssimo Serrão (pref.), Manuela Mendonça, Margarida Garcez Ventura, Ericeira, Mar de Letras Editora, s.d.

Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, 2 vols.

Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD’s].

História Comparada – Portugal, Europa e o Mundo, António Simões Rodrigues (dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, 2 vols.

Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo’98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

Pequena História das Grandes Nações – História de Portugal, Otto Zierer (dir.), José Hermano Saraiva, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.

Portugal no Mundo, Luís de Albuquerque (dir.), Seleções do Reader’s Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, 2 vols.

Tema “País do Gelo”, extraído do álbum Auto da Pimenta, de Rui Veloso (voz e música), com as participações de Carlos Tê (letra e música), Mário Barreiros (guitarra acústica ritmo), Zé Peixoto (guitarra acústica nylon), Nani Teixeira (baixo), Manuel Paulo (teclas), Manuel Tentúgal (tin whistle), editado em CD-Áudio por EMI – Valentim de Carvalho em 1991.

46

Webliografia

http://www.ruf.rice.edu/~feegi/ocean.html

http://www.ancruzeiros.pt/ancdrp/unidades-de-medida

http://www.angela-lago.com.br/2-Nau.html

Google Maps

47

ANEXO I – Quadros Explicativos71

Quadro 1 – Tonelagem da navegação portuguesa pelaRota do Cabo entre 1497 e 1520

AnosPortugal-Índia Índia-Portugal

Partidas Chegadas Partidas Chegadas

1497-1500 2.665 (17) 1.640 (10) 290 (3) 170 (2)1501-1510 42.775 (151) 38.695 (135) 20.085 (135) 21.115 (73)1511-1520 38.690 (96) 35.830 (87) 26.060 (60) 25.760 (59)

NOTA: Indica-se entre parêntesis o número de navios.

Quadro 2 – As cargas de 1505 e 1518 (em Kg)

Mercadoria 1505 1518Pimenta 1.074.003 2.128.962Gengibre 28.476 ------Canela 8.789 1.342Cravo 7.145 5.584Índigo 1.336 ------Maça ------ 986Mirra 514 678Laca 411 66.443Sândalo vermelho ------ 27.978Cássia ------ 2.432Incenso ------ 2.589Seda ------ 2.660Pau-brasil ------ 969Comelina ------ 851Nardo ------ 431Tamarindo 308 ------Cardamomo 206 ------Outros 771 207

TOTAL 1.121.959 2.242.112

71 Fonte: Sanjay Subrahamanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700 – Uma História Política e Económica, Lisboa, Ed. Difel, 1995, pp. 86, 87, 89, 90, 92 (Quadros 1 a 4); Quadro 5 elaborado pelo autor a partir de dados recolhidos em “Navegação – Barcos” in Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo’98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

48

Quadro 3 – Origem da pimenta e das especiarias de Veneza nos anos de 1400 e 1500

Ano Origem Pimenta Outras Especiarias

1400 Egito 80% 30%Síria 20% 70%

1500 Egito 75% 80%Síria 25% 20%

Quadro 4 – Colapso do comércio Veneza-Levante entre1496 e 1506 (médias anuais em toneladas)

ROTA ► Alexandria BeiruteMercadoria 1496-1498 1501-1506 1496-1499 1501-1506

Pimenta 480-630 135 90-240 10Outras Especiarias 580-730 200 150-180 35

TOTAL 1060-1360 335 240-420 45

Quadro 5 – Custo total de construção de uma nau, em termos comparativos.

Séc. XVI Rs 40.000$000 40 Contos de Réis1911 Esc. 4.000$00 4 mil Escudos1999 Esc. 10.000.000$00 10 milhões de Escudos2003 49.879,79 € Cerca de 50 mil Euros

Nota: Este valor compreende apenas o custo da nau propriamente dita, o conjunto do casco e dos mastros. Num cálculo superficial, há que acrescentar cerca de 20 mil a 30 mil euros para o velame, cerca de 10 mil a 20 mil para o cordame, cabrestantes e demais aparelhos de gestão das velas, mais o custo dos víveres a embarcar e do pagamento aos oficiais da tripulação. De referir ainda o tempo para construir a embarcação, fabricar velas e cordas e fundir e aparelhar os metais, de vários meses, e o risco das condições de navegação, pelo que, para recuperação do investimento, uma nau necessitaria de efetuar pelo menos uma viagem com sucesso, o que considerando os diversos constrangimentos existentes (tempestades ou condições de mar adversas, ação dos piratas, doença na tripulação, erros de navegação que levavam a um encalhar imprevisto) não seria propriamente comum. Daí o esforço de construir tantos navios quanto possível para maximizar o lucro.

49

ANEXO II – Mapas e Gravuras

50

Fig. 1 – Rotas comerciais do mundo muçulmano antes dos Descobrimentos Portugueses. (digitalizada a partir de Portugal no Mundo – Séculos XV-XVIII, Luís de Albuquerque (dir.), Seleções do Reader’s Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, p. 562).

51

Fig. 2 – A Rota do Cabo.

52

Fig. 3 – O trânsito na Rota do Cabo segundo o Almirantado Britânico.

53

Fig. 4 – O Canal de Moçambique.

Fig. 5 – O Cabo da Boa Esperança visto da costa africana.

Fig. 6 - As correntes oceânicas no caminho para a Índia:1- Corrente do Golfo; 5- Corrente da Somália;6- Corrente das Agulhas; 7- Corrente Equatorial Sul; 10- Corrente da Guiné; 15- Corrente de Benguela;17- Corrente Circumpolar Antártica. (digitalizada a partir de O Novo Atlas do Mundo, Porto, Seleções do Reader’s Digest, 1990, pp. 38, 39.)

Fig. 7 – Mapa do Mundo de Ptolomeu, século II, reprodução de 1486.(digitalizada a partir de O Novo Atlas do Mundo, op. cit., p. 64.)

54

Fig. 10 – Portulano do Atlântico Sul da autoria de Jorge Reinel, 1534-1554.

(Minneapolis, The James Ford Bell Library, University of Minnesota) / (extraída de “Navegação

– Técnicas de navegação” in Navegar, op. cit.)

Fig. 9 – Portulano da autoria de Cristofalo Soligo, século XV, manuscrito. (Londres, The British Library) / (extraída de “Navegação – Técnicas de navegação” in Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo’98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.)

55

Fig. 8 – Mapa-mundo medieval do tipo T-O.

Fig. 11 – Manuscrito iluminado sobre pergaminho da autoria de Jacques de Vaux in Primeiras Obras, Le Havre, 1583. (Paris, Bibliothèque Nationale de France) / (extraída de “Navegação –

Técnicas de navegação” in Navegar, op. cit.)

Fig. 12 – Ampulheta. Fig. 13 – Balestilha. Fig. 14 – Bússola.

56

Fig. 17 – Quadrante.

Fig. 16 – Compasso.

Fig. 18 – “Tavoletas da Índia” ou Kamal.

(Figuras 12 a 18 extraídas de “Navegação – Instrumentos” in Navegar, op. cit.)

Fig. 15 – Astrolábio.

57

58

Fig. 19 – Construção de uma caravela in Manuel Fernandes, Livro de Traças de Carpintaria, 1616. (Lisboa, Biblioteca da Ajuda, foto de Luísa Oliveira) / (extraída de “Navegação – Construção naval” in Navegar, op. cit.)

Fig. 20 – Modelo de caravela in Manuel Fernandes, Livro de Traças de Carpintaria, 1616. (Lisboa, Biblioteca da Ajuda) / (extraída de “Navegação – Construção naval”

in Navegar, op. cit.)

Fig. 21 – Barca. Fig. 22 – Galera ou Galé.

Fig. 23 – Caravela.

Fig. 24 – Nau.

(Figuras 21 a 25 extraídas de “Navegação – Barcos” in

Navegar, op. cit.)

Fig. 25 – Galeão.

59

Fig. 27 – Aparição do Adamastor, de Carlos Reis.

(Museu Militar, Lisboa) / (digitalizada a partir de Dicionário Enciclopédico da

História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991,

p. 18.)

60

Fig. 28 – Auto-de-fé no Terreiro do Paço.(gravura do arquivo do Museu da Cidade,

Lisboa) / (digitalizada a partir de Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, op. cit., p.

52.)

Fig. 26 – Despedida das naus para a Índia – gravura do séc. XVI. (digitalizada e adaptada a partir de Pequena História das Grandes Nações – História de Portugal, Otto Zierer (dir.), José Hermano Saraiva, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981, sobrecapa)

61

Fig. 2 – A Rota do Cabo. (digitalizada a partir de Portugal

Fig. 3 – O trânsito na Rota do Cabo. (digitalizada a partir

Fig. 4 – Canal de Moçambique. (Google Maps)

Fig. 5 – O Cabo da

Boa Esperança

visto da costa

Fig. 8 – Mapa-mundo

medieval do tipo T-O.

(digitalizad


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