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A LEGISLACAO BRASILEIRA SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIENCIA

Date post: 07-Jan-2023
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2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA É fato que a realidade das pessoas com deficiência no Brasil nunca foi fácil. Várias são as justificativas que o Estado alega com o objetivo de se eximir da responsabilidade que possui em relação a este grupo vulnerável de pessoas. A bem da verdade, é que muitos fecham os olhos para as pessoas com deficiência, as quais, por consequência, se sentem assim, invisíveis. A realidade das pessoas com deficiência no Brasil ainda é, hoje, um dos maiores desafios para o Estado. Sabe- se que as leis que deveriam garantir os direitos e o bem estar dessas pessoas ainda não são aplicadas de forma adequada e, constata-se, então, a dificuldade que tem o poder público em colocar em prática as belas propostas dessa legislação vigente em nosso País. Em constante superação, o cidadão com deficiência não descansa. Desde o momento em que vem ao mundo, este indivíduo tenta provar a todos que é um cidadão capaz, seja de estudar, de trabalhar ou, simplesmente, de entender as questões que o envolvem. Fazer com que os “normais” enxerguem a pessoa com deficiência como seu igual traz à sociedade uma reflexão muito complexa sobre a inversão do papel dos atores sociais, o que dificulta a inserção dessa pessoa no meio em que vive. Ora, o que deveria ser de responsabilidade do Estado passa a ser visto como uma
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2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE AS PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA

É fato que a realidade das pessoas com deficiência no

Brasil nunca foi fácil. Várias são as justificativas que o

Estado alega com o objetivo de se eximir da

responsabilidade que possui em relação a este grupo

vulnerável de pessoas. A bem da verdade, é que muitos

fecham os olhos para as pessoas com deficiência, as quais,

por consequência, se sentem assim, invisíveis.

A realidade das pessoas com deficiência no Brasil

ainda é, hoje, um dos maiores desafios para o Estado. Sabe-

se que as leis que deveriam garantir os direitos e o bem

estar dessas pessoas ainda não são aplicadas de forma

adequada e, constata-se, então, a dificuldade que tem o

poder público em colocar em prática as belas propostas

dessa legislação vigente em nosso País.

Em constante superação, o cidadão com deficiência não

descansa. Desde o momento em que vem ao mundo, este

indivíduo tenta provar a todos que é um cidadão capaz, seja

de estudar, de trabalhar ou, simplesmente, de entender as

questões que o envolvem. Fazer com que os “normais”

enxerguem a pessoa com deficiência como seu igual traz à

sociedade uma reflexão muito complexa sobre a inversão do

papel dos atores sociais, o que dificulta a inserção dessa

pessoa no meio em que vive. Ora, o que deveria ser de

responsabilidade do Estado passa a ser visto como uma

batalha que travam as pessoas com deficiência com a

sociedade para que esta os reconheça como diferentes e não

como desiguais.

Assim, a pessoa com deficiência auditiva, que traz,

por exemplo, uma deficiência invisível aos olhos, se

sentiria parte da sociedade, na qual convivem pessoas

diferentes, porém, com os mesmos direitos diante da Lei. O

papel do Estado é justamente o de dar a essas pessoas os

instrumentos necessários para que elas possam conviver com

sua deficiência e aceitá-la da melhor forma possível.

O Brasil, apesar de ter demorado anos para enfrentar a

obrigação que tinha para com as pessoas com deficiência,

vem criando legislações, aderindo a Convenções que visam

garantir os direitos desse grupo, conforme veremos mais

adiante de forma mais detalhada. Ocorre que, apesar dos

esforços, estes não tem se mostrado suficientes para

efetivar tais direitos, e, ainda, a grande necessidade de

se buscar mecanismos compensatórios para a efetivação

desses dispositivos está muito aquém do que se espera para

atingir resultados concretos.

Na esfera Constitucional, o primeiro documento que

abordou os direitos dos deficientes foi durante a vigência

da Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n°12

de 17 de outubro de 1978 (BRASIL, 2004). Entretanto, os

direitos constantes nesta Emenda não foram incorporados ao

texto constitucional, uma vez que a mesma ficou apenas

“juntada” ao final da Constituição, sem manter qualquer

conexão com os demais direitos e, consequentemente, sem a

devida importância.

Os direitos da pessoa com deficiência começaram a ser

delineados com a promulgação da Constituição Brasileira de

1988. Nesta, o constituinte previu mecanismos que visassem

incluir o cidadão com deficiência na sociedade, tais como

vagas reservadas para deficientes, o benefício de um

salário mínimo caso a pessoa com deficiência seja carente,

dentre outros.

Contudo, apesar das garantias inovadoras, muitas delas

dependiam de leis que demoraram anos para serem criadas. Um

exemplo foi o direito à acessibilidade, que só se efetivou

com o advento da Lei n° 10.098 de 2000, ou seja, doze anos

depois da CF/88.

Em 25 de agosto de 2009, foi criado o Decreto n°

6.949/09, que dentre os demais decretos, é o único que tem

força de Emenda Constitucional, tendo sido aprovado pelo

Congresso Nacional, conforme o art. 84, inciso IV, da

Constituição, por meio do Decreto Legislativo n° 186, de 9

de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art.

5º da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,

assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.

Vale ressaltar o trecho de um artigo produzido por

Sérgio Coutinho para a Revista Jurídica Consulex que diz

que:

A referida Convenção foi produto de lutas demovimentos sociais de todo o Ocidente. Assim,

reflete diretamente as necessidades das pessoas comdeficiência. É bem diferente da perspectiva queadotara o Congresso Nacional brasileiro, que tentoupromulgar um Estatuto do Deficiente no ano passado.Não poderiam ter sucesso, uma vez que o estatutonão correspondia aos apelos dos movimentos sociais,cuja pressão impediu a votação. Até então, erapreciso lidar com cerca de 200 leis, com normas porvezes fragmentadas. Nem mesmo unidade terminológicaexistia. Falava-se em “portador de deficiência”,“portador de necessidades especiais”, “deficiente”,entre outros termos. A Convenção padronizou oconceito para “pessoa com deficiência”. É assim queencontra em seu art. 1°: [...]” (SÉRGIO COUTINHO.REVISTA JURÍDICA CONSULEX, 2008, p. 56).

E o Art. 1º demonstra o seu propósito com a criação da

Convenção:

Artigo 1 Propósito O propósito da presenteConvenção é promover, proteger e assegurar oexercício pleno e equitativo de todos os direitoshumanos e liberdades fundamentais por todas aspessoas com deficiência e promover o respeito pelasua dignidade inerente. (DECRETO Nº 6.949/2009)

Analisando o artigo, vê-se a necessidade do

reconhecimento de direitos das pessoas com deficiência,

assegurando assim a dignidade da pessoa humana. Ainda sob o

manto de tal preceito constitucional, percebe-se que o

legislador teve o cuidado de salientar os direitos

fundamentais basilares inerentes à lei – a liberdade, a

justiça e a paz no mundo, que vem, aliás, sendo discutidos

há décadas pelas Nações Unidas, direitos estes

imprescindíveis para a garantia destes, à igualdade da

pessoa com necessidades especiais e inerentes a todo ser

humano.

Contudo a Convenção não se preocupou apenas em

conceituar terminologicamente o que vem a ser “deficiente”

e tão somente seu propósito. Em seu Art. 2º a mesma esmiúça

as definições para termos conceituais do que seria

comunicação, adaptação razoável, dentre outros conceitos.

Logo, verifica-se que a Convenção teve o cuidado de

não deixar por conta da jurisprudência ou da doutrina

definir terminologicamente o que vem a ser deficiência

dentro de seu conceito ideológico, evidencia-se no texto a

preocupação com os parâmetros de acessibilidade do

deficiente e sua inserção na sociedade.

Esses termos merecem nossa atenção, uma vez que serão

encontrados com frequência no texto do Decreto. Por

exemplo, no item 2 do art. 14, a exigência de adaptação

razoável se refere a pessoas com deficiência que não podem

ser vistas com tratamento degradante, caso esta venha e ser

presa. A convenção faz alusão à discriminação em seu âmbito

penal, em que se verifica a necessidade de se salvaguardar

os direitos preservados ao deficiente, visto que o mesmo

necessita de um tratamento especial, dependendo de sua

deficiência.

O ordenamento jurídico agindo de forma coerente, no

que tange aos direitos humanos e com base na ótica das

nações civilizadas, optou por definir como crime a

discriminação contra a pessoa deficiente. No entanto, em se

tratando de discriminação, o Decreto deixa claro através de

seus artigos o significado de “discriminar” em razão da

deficiência, define ainda que só não será crime se a

diferenciação for em benefício da pessoa com deficiência, o

que não implica dizer que o deficiente seja obrigado a

aceitar tal benefício.

O Decreto n° 6.949/07, em seu preâmbulo traz consigo a

relevância dos princípios e diretrizes de políticas estão

contidos no Programa de Ação Mundial para as Pessoas

Deficientes e nas Normas sobre a Equiparação de

Oportunidades para Pessoas com Deficiência. Nota-se a

preocupação da Convenção com a inclusão do deficiente, de

fato e de direito e não apenas as que decorrem do texto

constitucional. É aí que se reconhece a importância de se

trazer questões relativas à deficiência, tendo uma melhor

precisão através de estudos e fundamentos, para se

encontrar formas adequadas com o intuito de favorecer a

inclusão do deficiente em toda sua amplitude na sociedade

em que vivemos. Ou seja, utilizar como base o princípio da

isonomia, que consiste em tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades

(ARISTÓTELES), reconhecendo com isto a diversidade das

pessoas que deixam de ser deficientes dentro de uma

concepção negativa de limitação, mas passam a ser

consideradas como pessoas diferentes, seja em seu ambiente

social, educacional, cultural e laboral, tendo assegurados

os diversos direitos pertinentes ao ser humano. A Convenção

frisa tal ponto na alínea “f” de seu preâmbulo:

Reconhecendo a importância dos princípios e dasdiretrizes de política, contidos no Programa deAção Mundial para as Pessoas Deficientes e nasNormas sobre a Equiparação de Oportunidades para

Pessoas com Deficiência, para influenciar apromoção, a formulação e a avaliação de políticas,planos, programas e ações em níveis nacional,regional e internacional para possibilitar maiorigualdade de oportunidades para pessoas comdeficiência. (DECRETO Nº 6.949/2009)

Não há dúvidas de que o Decreto n° 6.949/09 através de

sua efetivação denota a necessidade de se avaliar questões

relativas à deficiência no âmbito das preocupações sociais,

sobretudo no que diz respeito a estratégias relevantes para

um desenvolvimento sustentável que venham respaldar as

políticas públicas para a efetivação da legislação em

vigor, por meio de promoções, formulações e, sem perder o

foco principal que consiste em avaliar a aplicabilidade

dessas políticas, dos planos, dos programas e das ações a

nível nacional, regional e internacional, possibilitando

consequentemente uma maior igualdade de oportunidades para

as pessoas com deficiência.

Vale salientar que a maioria das pessoas com

deficiência vive em condições de pobreza, obrigada a lidar

com adversidades sociais e impactos negativos que esta

situação de precariedade causa ao desenvolvimento e

emancipação da pessoa deficiente, enfrentando barreiras de

toda ordem, seja no meio social, onde ainda é vista como

incapaz e vê-se aí a violação de seus direitos humanos em

uma esfera mundial, seja no seio de sua própria família que

não dispõe dos recursos adequados para sua integração na

sociedade. Sem falar no fato que a pessoa deficiente também

tem o direito de participar das decisões relativas a

programas políticos, sobretudo sobre assuntos que lhe estão

diretamente relacionados, oportunidade que na maioria das

vezes lhe é negada.

A Convenção reconhece a afirmação dos direitos humanos

e da liberdade fundamental para se ter a participação do

deficiente nos diversos âmbitos da sociedade atual,

resultando no fortalecimento de seu pleno pertencimento

social. Este é um significativo avanço do desenvolvimento

humano, social e econômico para um país, chegando com isto

a erradicação da pobreza, visto que, a pessoa convicta de

sua aceitação em seu meio social, torna a pessoa deficiente

autônoma e independente para tomar decisões e fazer suas

próprias escolhas.

Considerando que o direito a acessibilidade ao

trabalho e ao emprego tornou-se muito mais amplo e

detalhado após a Convenção, evidencia-se, atualmente, uma

nova leitura na legislação trabalhista após a convenção

brasileira.

Uma vez que, a ausência de acessibilidade é vista

neste dispositivo legal como uma forma de discriminação, é

punível na forma da lei, sendo condenável do ponto de vista

moral e ético.

Ainda tomando como base a acessibilidade, cada Estado

Parte é obrigado a promover a inclusão dos deficientes em

bases iguais com as demais pessoas, bem como disponibilizar

acesso a todas as oportunidades existentes para a população

em geral.

Não se pode avaliar o ser humano num total e sim em

sua diversidade. É nesse sentido que se ressalta a evolução

conceitual de deficiência do que resulta um olhar

diferenciado em relação às pessoas com necessidades

especiais e uma melhor apreciação das barreiras que elas

enfrentam e que são oriundas da falta de atitude e

adequação ambiental.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e seu Protocolo Facultativo é, até então, o

único Decreto brasileiro com força de Emenda

Constitucional, uma vez que se submeteu ao procedimento

previsto na Emenda Constitucional n. 45 de 2004 que

instituiu o §3° do Art. 5° da CF/88.

Segundo dados do censo demográfico do IBGE de 2000, há

uma estimativa de 24,5 milhões de brasileiros e brasileiras

com deficiência, neste sentido, a Convenção é um grande

desafio, vencido, para garantir o direito das pessoas com

deficiência, no qual foram redigidos cinquenta artigos que

tratam dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais

e sociais, todos revestidos com o que se faz necessário e

indispensável para a emancipação desses cidadãos.

Assim, após muita luta e discussão conseguiu se

efetivar uma lei que abrangesse as necessidades do

deficiente, o amparo de seus direitos, seja no âmbito da

saúde, educação, lazer, cultura, trabalho entre outros

direitos descritos no art. 5º da CF e seus incisos.

4.1 . Ações Afirmativas

Sabe-se que a criação das ações afirmativas deu-se

através de um longo processo histórico. Não raro ficarmos

assustados quando ouvimos falar das atrocidades que líderes

do nosso passado foram capazes de praticar por causa de

posturas preconceituosas em detrimento da diversidade como

algo que deveria enriquecer a convivência social por meio

das diferenças. Ocorre que, antigamente, essa diversidade

inferia conceitos de desigualdade e era uma forma de

enxergar o outro como menor em direitos e em dignidade.

Na verdade, durante muitos anos da nossa história, a

dignidade da pessoa humana foi violada de tal maneira, que

passou a ser mero objeto de aspirações políticas e

religiosas de governantes que ficavam acobertados pela

soberania estatal.

Dirley da Cunha Júnior observa que:

A dignidade da pessoa humana assume relevo comovalor supremo de toda sociedade para o qual sereconduzem todos os direitos fundamentais da pessoahumana. É uma “qualidade intrínseca” e distintivade cada ser humano que o faz merecedor do mesmorespeito e consideração por parte do Estado e dacomunidade, implicando, neste sentido, um complexode direitos e deveres fundamentais que assegurem apessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunhodegradante e desumano, como venham a lhe garantiras condições existenciais mínimas para uma vidasaudável, além de propiciar e promover suaparticipação ativa e co-responsável nos destinos daprópria existência e da vida em comunhão com osdemais seres humanos. (CURSO DE DIREITOCONSTITUCIONAL, 2011, p.527)

De acordo com o autor em questão, o nível de

desenvolvimento de um país é medido pela expansão dos

direitos fundamentais e como a dignidade da pessoa humana é

um dos princípios elencados no rol dos direitos

fundamentais, esta também se torna um parâmetro avaliador

para o desenvolvimento de um país. No que concerne a

dignidade da pessoa humana, está previsto no artigo 1°,

inciso III da CR, que consagra o valor da proteção ao ser

humano contra tudo o que lhe possa levar ao desapreço.

A dignidade é o pressuposto de sua própria condição,

portanto, qualifica a pessoa em uma categoria acima de

qualquer questionamento, e justamente por esta razão, mesmo

nos casos peculiares, como os deficientes auditivos, não se

pode falar em exclusão.

Levando em consideração o referencial da dignidade da

pessoa humana, este é um elemento fundamental da vida, uma

forma de poder-dever, no qual todos os cidadãos, ao mesmo

tempo, possuem deveres em relação aos demais e à

organização política legisladora. Neste sentido, sabe-se

que o ser humano é digno e autônomo, independentemente de

sua deficiência, devendo ser conferido a ele a prerrogativa

de “ser” e “estar” no mundo sem que sofra qualquer

discriminação, devem ser aqui entendidos os direitos do

titular de direitos fundamentais em face do Estado a que

este o proteja contra intervenções de terceiros. (TEORIA

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, 2011)

Trata-se de um atributo que todos possuem,

independentemente de qualquer requisito ou condição, seja

ele referente à nacionalidade, sexo, religião, posição

social, etc. Respeita-se então a premissa de que a

dignidade é um bem indisponível e de valor constitucional

supremo e cujo fundamento nada mais é do que o próprio

homem.

Neste contexto, juntamente com outras iniciativas, a

Declaração Universal dos Diretos Humanos de 1948 trouxe a

necessidade do reconhecimento do direito de igualdade entre

os homens. No entanto, isto não era suficiente. Não

bastaria para tentar apagar os anos de sofrimento tão

somente a garantia deste direito. A sociedade já se

encontrava em débito.

Havia pessoas, como estes grupos, que sofreram por

causa de um processo histórico no qual foram obrigados a

observar e a aceitar o aniquilamento de seus direitos, bem

como de cidadãos, que por sua própria natureza, eram

socialmente vulneráveis como é o caso dos deficientes e que

precisavam de atenção especial.

Assim, percebeu-se a necessidade da criação de

estratégias promocionais, capazes de compensar e acelerar

este processo de igualdade, as chamadas ações afirmativas,

que visam, sobretudo, o direto à igualdade: “Todos são

iguais perante a lei.” Este é o conceito tradicional que

temos do que seja igualdade formal. No entanto, para

entendermos melhor o que seria a igualdade é necessário

analisá-la sobre seu aspecto formal e material.

Explica Flavia Piovesan (2011, p. 252):

Destacam-se, assim, três vertentes no que tange àconcepção da igualdade: a) igualdade formal,reduzida à formula “todos são iguais perante a lei”(que ao seu tempo foi crucial para abolição de

privilégios) b) igualdade material, correspondenteao ideal de justiça social e distributiva(igualdade orientada pelo critério socioeconômico)c) a igualdade material, correspondente ao ideal dejustiça enquanto reconhecimento de identidades(igualdade orientada pelos critérios gênero,orientação sexual, idade, raça, etnia e outros).

Desta forma, o Estado tem que garantir através de

medidas capazes de combater as desigualdades

socioeconômicas a redistribuição da economia. Deve, também,

o Estado, propor meios efetivos que visem o combate das

injustiças culturais, bem como a eliminação das concepções

discriminatórias e do preconceito. (PIOVESAN, 2011)

Para Boaventura de Souza Santos:

[...] temos o direito a ser iguais quando a nossadiferença nos inferioriza; e temos o direito a serdiferentes quando a nossa igualdade nosdescaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdadeque reconheça as diferenças e de uma diferença quenão produza, alimente ou reproduza asdesigualdades. (SANTOS apud PIOVESAN, 2011, p. 253)

Nota-se que a igualdade material dá concretude à

concepção de igualdade formal, uma vez que a primeira é o

resultado da segunda. Assim, a igualdade material analisa

as diferenças, bem como os mecanismos que visam afirmar a

igualdade e aceitação desta diversidade.

Neste sentido:

[...] as pessoas portadoras de deficiência têm osmesmos direitos humanos e liberdades fundamentaisque outras pessoas e que estes direitos, inclusiveo de não serem submetidas à discriminação com basena deficiência, emanam da dignidade e da igualdadeque são inerentes a qualquer ser humano. (Fragmento

da Convenção da Guatemala, apud FAVERO, 2004,p.35).

A inclusão de pessoas com deficiência, desta forma,

pressupõe iniciativas do Estado que possibilitem o

exercício do direito que elas possuem à acessibilidade.

No que se refere às ações afirmativas para as pessoas

com deficiência, esse tipo de política vem sendo também um

meio através do qual se tenta compensar a desvantagem que

as pessoas com deficiência possuem no âmbito social. Para

tanto, a CF/88 em seu Art. 37, VIII, garante de forma

expressa a reserva de vagas para deficientes públicos na

Administração Pública.

Nossos tribunais já firmaram entendimento no seguinte

sentido:

Ementa: Sendo o art. 37, VII, da CF, norma deeficácia contida, surgiu o art. 5º, § 2º, do novelEstatuto dos Servidores Públicos Federais, a todaevidência, para regulamentar o citado dispositivoconstitucional, a fim de lhe proporcionar aplenitude eficacial.[...] . Dentro dessesparâmetros, fica o administrador com plenaliberdade para regular o acesso dos deficientesaprovados no concurso para provimento de cargospúblicos, não cabendo prevalecer diante da garantiaconstitucional, o alijamento do deficiente por nãoter logrado classificação, muito menos por recusaro decisum afrontado que não tenha a normaconstitucional sido regulamentada pelo dispositivoda lei ordinária, tão-só, por considerar não terela definido critérios suficientes. Recurso providocom a concessão da segurança, a fim de que sejaoferecida à recorrente vaga, dentro do percentualque for fixado para os deficientes, obedecida,entre os deficientes aprovados, a ordem declassificação se for o caso. (RMS 3.113-6/DF, 6ªT., 06.12.1994, cujo Relator foi o Min. PedroAcioli)

Apesar da Lei n° 8.112/90 que garante o direito destas

pessoas em ingressarem na Administração Pública, o que se

nota é a falta de fiscalização e de instrumentos capazes de

garantir a aplicação do princípio da acessibilidade à

pessoa com deficiência em concursos públicos. Este fato

ocorre, por exemplo, com a pessoa com deficiência auditiva

que necessita de uma prova em LIBRAS para poder concorrer

em igualdade de condições com os demais candidatos, como é

estipulado pela Recomendação n° 001, de 15 de julho de 2010

do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, o que não

ocorre.

3. A APLICABILIDADE DAS LEIS E A REALIDADE DO SURDO NO

BRASIL

Existem grandes avanços legislativos no Brasil que

visam garantir os direitos à educação, à saúde e à

informação do deficiente auditivo. Podemos fazer referência

a algumas leis mais recentes que tratam acerca do

reconhecimento de LIBRAS como meio legal de comunicação,

bem como sobre os mecanismos a serem realizados para a

efetivação e garantia destes direitos.

A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, por exemplo,

reconhece a LIBRAS como sistema linguístico em seu Art. 1°,

§ único:

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais –Libras a forma de comunicação e expressão, em que osistema linguístico de natureza visual-motora, comestrutura gramatical própria, constitui um sistemalinguístico de transmissão de ideias e fatos,oriundos de comunidades de pessoas surdas doBrasil.

O parágrafo segundo deste mesmo artigo também impõe o

dever ao poder público em geral em garantir formas

institucionalizadas de apoio ao uso e à difusão da LIBRAS.

Posteriormente, mais precisamente em 22 de dezembro de

2005, foi criado o Decreto n° 5.626 com o intuito de

regulamentar a Lei nº 10.436/02. Este decreto trouxe vários

deveres aos órgãos públicos, bem como aos entes

fornecedores de serviços públicos. Dentre eles, podemos

destacar a obrigatoriedade da LIBRAS ser inserida como

disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de

professores para o exercício do magistério, em nível médio

e superior, a prioridade dos surdos na seleção para

formação de docentes em LIBRAS, o dever dos entes federais

em garantir, de forma obrigatória, o acesso à comunicação,

à informação e à educação nos processos seletivos, nas

atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em

todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a

educação infantil até a superior, assim como diversas

outras medidas que devem ser observadas pelos órgãos da

Administração Pública Estadual, Municipal e do Distrito

Federal, direta e indireta.

Além de todas estas imposições regidas pelo Decreto n°

5.626/05, vale ressaltar o disposto no art. 26 que trata do

apoio ao uso e difusão da LIBRAS nos seguintes termos:

Art. 26.  A partir de um ano da publicação desteDecreto, o Poder Público, as empresasconcessionárias de serviços públicos e os órgãos daadministração pública federal, direta e indiretadevem garantir às pessoas surdas o tratamentodiferenciado, por meio do uso e difusão de LIBRAS eda tradução e interpretação de Libras - LínguaPortuguesa, realizados por servidores e empregadoscapacitados para essa função, bem como o acesso àstecnologias de informação, conforme prevê o Decretono 5.296, de 2004.§ 1o  As instituições de que trata o caput devemdispor de, pelo menos, cinco por cento deservidores, funcionários e empregados capacitadospara o uso e interpretação da Libras. (GRIFO NOSSO)

Ao analisar este artigo percebe-se que o legislador

visou garantir o direito fundamental de qualquer cidadão

que é o direito à informação e à comunicação. Merece

destaque este artigo porque, como veremos posteriormente,

no resultado de nossa pesquisa de campo, quando o surdo é

questionado acerca das dificuldades que enfrenta no seu

cotidiano esta é a que aparece, sem exceção, em todas as

respostas como sua principal preocupação.

Porém, constata-se que, apesar da normatização que

progride cada vez mais, não existem instrumentos eficazes

de fiscalização para se efetivar a aplicação das políticas

públicas, o que inevitavelmente gera o descumprimento

dessas obrigações. Assim, é comum uma pessoa com

deficiência auditiva se dirigir a um local como, por

exemplo, ao aeroporto e não ter qualquer atendimento

diferenciado, tendo que usar de toda a sua capacidade

perceptiva para tentar entender o que lhe é dito e, por sua

vez, tentar se comunicar, situação esta que não pode ser

enxergada com tanta normalidade, pelo menos não poderia

mais ocorrer nos tempos em que vivemos.

Como bem salienta a autora Flávia Piovesan (2009,

p.361,362):

Na opinião das entidades representativas dosdireitos das pessoas com deficiência, a falta deimplementação deve-se ao abismo entre as propostasde governo e sua execução, seja por motivospolíticos, seja pela ausência de capacitação esensibilidade dos agentes estatais incumbidos deexecutá-la. Além da ausência de implementação,outros problemas foram indicados pelas associações:a lentidão na regulamentação das leis; odescumprimento das decisões judiciais; a omissão enegligência com relação às pessoas com deficiência;e o jogo de “empurra-empurra” de responsabilidadeentre a União, os Estados e os Municípios. [...] omaior devedor para a causa das pessoas comdeficiência é o Estado, na medida que não cumprecom as atribuições que lhe são devidas e que nãoexerce seu poder de fiscalização.

A pesquisa de campo em questão foi justamente

elaborada com o intuito de entender melhor a realidade das

pessoas com deficiência auditiva. Entrevistamos dez pessoas

surdas de diferentes idades que responderam a perguntas que

trataram, em linhas gerais, sobre as dificuldades que

enfrentam no seu dia-a-dia, bem como sobre o acesso a

serviços públicos básicos como educação e saúde, assim como

suas perspectivas no mercado de trabalho.

Desta forma, para poder visualizar o resultado dessa

pesquisa, foi desenvolvido um gráfico que representa em

níveis percentuais o número de surdos entrevistados que têm

acesso aos direitos acima mencionados.

Quadro 1 – Os direitos fundamentais do surdo:

Fonte: Dados da pesquisa (2012)

Ao analisarmos este gráfico percebemos que a maior

dificuldade da pessoa com deficiência auditiva é o acesso à

informação, dentre as dez pessoas que responderam às

perguntas todas foram unânimes em afirmar que possuem muita

dificuldade de comunicação nas escolas, nas faculdades e

que a falta de intérprete de LIBRAS nesses ambientes torna

a compreensão ainda mais difícil. Aduzem que a ausência de

intérpretes também ocorre nos hospitais e lugares que

prestam serviço ao público e que, por isso, não conseguem

se comunicar com as pessoas, causando assim um isolamento

prejudicial ao exercício da cidadania pela pessoa surda.

Das nove pessoas que afirmaram terem acesso à

educação, cinco terminaram o ensino superior e quatro

concluíram o ensino médio, mas todas alegaram a falta de

intérprete de LIBRAS e a dificuldade à informação nas

escolas e universidades, informando ainda que estudaram,

com muitas dificuldades, pois nem as aulas de português têm

metodologia diferenciada para surdos. Ou seja, a educação

bilíngue é inexistente inviabilizando sobremaneira a

efetivação da escola inclusiva no Brasil. Sabe-se que o

governo discute o papel das escolas especializadas na

sociedade e tem a intenção de inserir as pessoas surdas em

escolas da rede pública de ensino. Pergunta-se, então, como

enfrentar esse desafio se essas escolas não estão

preparadas para receber o aluno surdo.

Dentre as pessoas surdas entrevistadas, três delas

trabalham: uma trabalha da Universidade Federal do Pará

como professora de LIBRAS, outra é assistente de

administração e a terceira é oficial de justiça. Comentaram

também que têm muita dificuldade para encontrar emprego

pelo fato de as empresas discriminarem os surdos, uma vez

que não sabem como se comunicar com as pessoas surdas.

Com relação aos surdos que afirmam ter acesso à saúde,

todas disseram não conseguir se comunicar com os médicos,

tendo que escrever, fazer gestos para serem compreendidas.

É pertinente observar, nesse contexto, a afirmação de uma

das pessoas que participou dessa pesquisa de campo quando

diz que os surdos necessitam de acompanhamento psicológico,

pois se sentem muito sós e acabam adquirindo um quadro de

depressão acentuado.

As respostas escritas das pessoas surdas entrevistadas

revelaram que quase todas apresentam bastante deficiência

na língua portuguesa escrita, ou seja, oito delas têm

bastante dificuldade para escrever, a ponto de não se

compreender com clareza o sentido do texto escrito, como

podemos observar em algumas respostas transcritas abaixo:

Quadro n° 1: Perguntas e respostas – Questionário

PERGUNTAS RESPOSTASQuais dificuldades você encontra

quando postula a uma vaga de

emprego?

“Pouco difícil emprego. Efazer concurso aprovação emesma difícil comunicaçãofuncionários, eu tentarpessoas aprender libras efalar devagar ou escrever”

Em termos gerais, fale comovocê se sente enquanto cidadãosurdo, bem como quais asdificuldades mais comuns quevocê encontra na sua vida, noseu dia-dia.

“os surdo ficando invejar pq eutavamta inteligente ai agora tofraco? pq os surdos emclamandocomigo ai eutavoa odiava todos.por isso surdos invejar,difildade.”

Fonte: Dados de pesquisas.

A realidade dos surdos foi bem retratada por um dos

entrevistados que domina muito bem a língua portuguesa e

fez uma observação que, embora triste, é de relevante

importância para este trabalho:

Vc terá mais exito se as suas perguntas foremfilmadas em libras os surdos tem vergonha de

responder o questionário pq sabem que não dominambem a lingua portuguesa e isso é um trauma muitogrande muitos preferem viver a margem dasociedade ouvinte e se confinar a nichos onde soconvivem surdos com identidades e culturasproprias, é incrivel como eles dominam atecnologia a seu favor se vc filmar vao responderde modo filmado com atraves de suas webcans.A lingua portuguesa ou na expressão deles“português” é simbolo de opressao e fracasso paraeles.1

Constatamos, diante dessa realidade, a necessidade

latente de se estabelecer mecanismos de efetivação das

leis já existentes no Brasil e aplicar, assim, as

políticas públicas para a inserção2 do surdo na sociedade,

permitindo com que as pessoas surdas possam ter acesso à

saúde, à educação e ao exercício de uma vida digna, único

caminho para dar–lhe a dignidade a qual tem direito, como

qualquer cidadão brasileiro. Afinal, não há mais espaço

para tanto desamparo nos dias de hoje.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da realização deste estudo, notou-se que a

problemática da falta de aplicabilidade das políticas

públicas para a inserção do surdo na sociedade brasileira

não se encontra na regulamentação e nem no reconhecimento

normativo das garantias dos direitos das pessoas com1 Informação transcrita na integra, prestada por um dos entrevistadoscorrespondente a pesquisa efetuada, preservado o anonimato;2O surdo não é sequer excluído porque nunca foi incluído, simplesmente é esquecido.

deficiência auditiva e, sim, na ausência de instrumentos

que possam dar efetividade a estes dispositivos.

Mediante a tais frustrações, o cidadão deficiente foi

lutando cada vez mais pelo seu espaço na sociedade, sempre

em busca da efetivação dos seus direitos.

Muito se fala nos direitos e garantias fundamentais

dos surdos, haja vista que estes nem sempre são efetivados

de fato. O que ocorre é que não basta apenas elaborar leis

perfeitas atribuindo-lhes força constitucional, se estas

não são utilizadas. Neste sentido, há a necessidade da

presença do Estado para garantir e viabilizar o direito

dos surdos na sociedade, entretanto, percebe-se que, cada

vez mais, este se afasta de sua responsabilidade para com

essa minoria.

Vale ressaltar a grande importância da inserção e do

acesso, do surdo, à comunicação com pessoas em uma

sociedade de ouvintes. Ademais o fato de o direito à

informação se constituir em uma garantia constitucional,

implica dizer que trata-se de um direito imprescindível

para o exercício de uma vida digna ao pleno exercício da

cidadania.

Assim, seria inaceitável permanecer inerte diante de

latentes casos discriminatórios contra o surdo na

sociedade. Na tentativa de efetivar sua inclusão, houve a

implantação de novas leis, decretos e emendas

constitucionais que ratificaram os direitos do surdo, tais

como o Decreto 6949/09 e o Decreto 5626/05 que foram

vistos neste trabalho. No entanto, esses avanços

legislativos não foram suficientes para garantir a tutela

efetiva dos direitos dos surdos, estes ainda encontram-se

desamparados.

Neste sentido, todas as pessoas surdas entrevistadas

deram sugestões de meios que facilitariam o seu dia-a-dia,

como, por exemplo, a imprescindibilidade de intérprete de

LIBRAS nas escolas, nos locais públicos, nas

universidades, a adesão sistemática à legenda nos

programas de televisão, a efetivação da escola bilíngue

para surdos com a infraestrutura adequada para uma

educação de qualidade, bem como a criação de cotas.

A nação cumpriu seu papel republicano ao reconhecer a

LIBRAS como meio legal de comunicação e expressão de mais

de oito milhões de surdos brasileiros, mas esse

reconhecimento só atingirá seu fim democrático se as

políticas brasileiras da educação nacional encontrarem

mecanismos para aplicar as leis de forma concreta,

inserindo a LIBRAS no currículo das escolas públicas,

dentro da perspectiva de uma educação bilíngue, retirando

assim os surdos do isolamento linguístico no qual se

encontra sua grande maioria. Caso contrário, não é

possível vislumbrar a possibilidade de um cidadão surdo

exercer seus direitos com plenitude, lutar pelas suas

causas, ser ouvido e se inserir de fato e de direito na

sociedade.


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