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A Pobreza em África

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A Pobreza em África Fernando António Paulo Pereira Projeto de Investigação subordinado ao tema “A Pobreza em África” Maio 2004 1
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A Pobreza em África

Fernando António Paulo Pereira

Projeto de Investigação subordinado ao tema

“A Pobreza em África”

Maio

2004

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A Pobreza em África

ÍNDICE

PáginaNota prévia 03Introdução 041- A herança africana 062- Situação atual 103- Fatores políticos determinantes 153.1- Os Estados dirigidos por um homem-forte 163.2- As guerras e as suas consequências nas populações 183.3- As crianças-soldados 224- Fatores socioeconómicos determinantes 244.1- A falta das infraestruturas básicas 244.2- As famílias numerosas 264.3- O desemprego 284.4- A fuga de cérebros 304.5- A cobiça das grandes potências 325- Fatores culturais determinantes 365.1- A Sida ignorada 365.2- A Mutilação Genital Feminina 385.3- O analfabetismo 405.4- A cultura de uma classe política corrupta 42Conclusão 46Bibliografia 51Apêndice – Mapas I a XVI 53

Classificação obtida: 17 valores.

Fig. 1 (pág. 1, em fundo) – África, imagem de satélite.

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A Pobreza em África

Nota prévia

Os mapas constantes deste trabalho foram adaptados de Diciopédia 2003 e da Internet. Porém

isso não significa que estivessem prontos a usar, tendo sido necessário trabalhá-los com

recurso a software de tratamento de imagem de forma a servirem os objetivos delineados.

O facto de estes mapas não estarem “atualizados” tem várias explicações: em primeiro lugar

estes relatórios consomem bastante tempo na sua elaboração desde o trabalho de campo até à

interpretação e “ilustração” dos dados obtidos, pelo que, de algum modo, se justifica que não

sejam atualizados a cada ano que passa; depois, as mudanças socioeconómicas ocorrem nos

países de forma gradual, dificilmente se conseguindo que, por exemplo, de um ano para o

outro, ocorram alterações significativas.

Poderá, por outro lado, causar estranheza tão grande recurso à Internet, como pode ser

verificado ao longo deste trabalho e na Bibliografia on-line. A verdade é que se procurou dar

ênfase a autores africanos – que melhor que os ocidentais saberão o que se passa nos seus

países – bem como aos dados da ONU – fonte fidedigna para se estabelecer um quadro

atualizado da situação em África –, sendo tanto uns como outros extremamente penosos de

obter em termos financeiros e de tempo pelas vias tradicionais.

Um Homem Popular, de Chinua Achebe, é uma obra de ficção literária que conta a história da

ascensão e queda de uma figura imaginária da política nigeriana, assim como do regime

corrupto de que fazia parte, ilustrando, de forma por vezes divertida e outras vezes trágica, a

vivência e mentalidade africana tradicionais face aos problemas socioeconómicos que

enfrenta.

Apesar destas ressalvas, resta-me dizer que é minha convicção que o resultado final do

trabalho que ora se apresenta não será afetado por estas condicionantes.

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A Pobreza em África

INTRODUÇÃO

Quando se fala em pobreza no continente africano, há que, antes de mais, definir o termo

pobreza. Neste trabalho, o termo pretende englobar a falta generalizada das condições

necessárias a uma qualidade de vida aceitável, tendo por referência padrões socioeconómicos

como a esperança média de vida, a taxa de natalidade, as taxas de mortalidade de adultos e

infantil, a percentagem da população idosa, o índice de desenvolvimento humano, a

distribuição do PIB per capita ou a taxa de desemprego, os quais, comparados aos europeus

(dado a colonização africana ter partido da Europa), permitem ilustrar o enorme abismo

existente entre os dois continentes e, ao mesmo tempo, acentuar a precaridade da existência

na esmagadora maioria dos países africanos.

Todavia, existem também fatores determinantes de ordem política e cultural que são

simultaneamente causa e efeito em relação àqueles dados, nomeadamente os intermináveis

conflitos armados que dizimam as populações rurais e destroem os campos, a corrupção da

classe política que começa frequentemente no topo da hierarquia, a ostensiva cegueira desta

em relação a problemas de saúde pública como a Sida ou a Mutilação Genital Feminina que

entram em choque com tradições ancestrais das quais ninguém já recorda a origem e,

cumulativamente, o analfabetismo que mantém o povo no obscurantismo de práticas mágico-

religiosas e de tradições que são atentatórias dos mais elementares direitos humanos.

São todos estes fatores que, na opinião do autor, determinaram ou estiveram na origem das

difíceis condições de vida da maioria dos povos africanos, aos quais não será estranha uma

ação colonial europeia sempre pronta a extorquir o máximo dando o mínimo em troca. E

serão também estes temas a merecer a atenção no trabalho que ora se apresenta, o qual tem

ainda a ambição, quiçá desmedida, de, mediante uma síntese da informação obtida, apontar

uma rota de saída deste ciclo vicioso constituído por guerra-fome-peste-guerra, ao qual nem

toda a ajuda humanitária mundial consegue pôr cobro.

Há que ressalvar, porém, que nem tudo é catastrófico no panorama do continente africano.

Aqui e ali verificam-se diversas situações de melhoria deste quadro de desgraça coletiva, seja

pela progressiva consciencialização da classe política africana de que deve trabalhar para o

bem comum, pelo facto de as populações estarem cansadas de guerras sucessivas e exigirem a

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A Pobreza em África

paz ou por um, até aqui praticamente inexistente, empenhamento na resolução dos conflitos

por parte das grandes potências, quer africanas quer ocidentais, ao invés de tentarem lucrar

com eles.

Deste modo, algumas questões aqui desenvolvidas poderão pecar por desatualizadas em

certos casos, uma vez que se privilegiou o estudo da situação de África como um todo e não

país a país. Contudo a grande maioria dos povos africanos ainda vive no limiar da

subsistência ou abaixo dele e, apesar da melhoria significativa registada em alguns setores,

ainda procura desesperadamente um fim para o seu sofrimento.

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A Pobreza em África

1- A HERANÇA AFRICANA

Apesar de berço da humanidade, o continente africano foi, até há pouco tempo atrás,

claramente desprezado por um Ocidente que via nas suas conquistas científico-tecnológicas e

num capitalismo triunfante uma mais-valia que o colocava no topo da Humanidade. A África

servia apenas como depósito de indesejáveis e fonte de matérias-primas e de mão de obra

barata.

Em 1928 um autor defendia que «Até D. Livingstone pode-se dizer que a África propriamente

dita não tivera história. A maior parte dos seus habitantes tinha permanecido, durante tempos

imemoriais, mergulhados na barbárie. Tal fora, ao que parece, o desígnio da natureza. Eles

permaneciam no estagnamento, sem avançar nem recuar.»10 Em meados do século, outro

entendia que «As raças africanas propriamente ditas – à exceção do Egito e de uma parte da

África Menor – não participaram na história tal como a entendem os historiadores… Não me

recuso a aceitar que tenhamos nas veias algumas gotas de sangue africano (de africano

provavelmente de pele amarela), mas devemos confessar que aquilo que delas pode subsistir é

muito difícil de encontrar. Portanto, apenas duas raças humanas que habitam a África

desempenharam um papel digno de nota na história universal: em primeiro lugar e de maneira

considerável os Egípcios; depois os povos do Norte de África.»11 Em 1957 ainda um outro

autor escrevia convictamente que «Estes povos [os africanos, claro…] nada deram à

humanidade. E deve ter havido qualquer coisa neles que os impediu. Nada produziram. Nem

Euclides, nem Aristóteles, nem Galileu, nem Lavoisier, nem Pasteur. As suas epopeias não

foram cantadas por nenhum Homero.»12

Outros autores, contudo, apercebiam uma realidade totalmente diferente. «A grande maioria

dos povos africanos, como não têm classes, não constituem Estados no sentido estrito da

palavra. Mais exatamente, o Estado e as classes sociais apenas existiam na fase embrionária.

É por isso que, no que respeita a estes povos, não se pode falar da sua história, no sentido

científico do termo, mas antes do aparecimento dos usurpadores europeus.»13, «No Sahel ao

sul do Sara estabeleceram-se estados e impérios instalados por grupos de invasores de pele

10 Coupland, L’Histoire de l’Afrique Orientale, apud Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra, Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1999, 3ª edição, 2 vols., p. 10.11 Eugène Pittard, Les Races et l’Histoire, Paris, 1953, Ed. Albin Michel, p. 505 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., pp. 10, 11.12 P. Gaxotte, La Revue de Paris, outubro de 1957, p. 12 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 11.13 Endre Sik, Histoire de l’Afrique Noire, Akademiai Kiado, Budapeste, 1965, t. I, p. 19 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 11.

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A Pobreza em África

clara (berberes, judeus), vindos da África do Norte, ou por negros que deles tinham aprendido

os métodos de guerra.»14, «Em geral a África ocidental comportou-se como um vasto beco

sem saída, recebendo, diluindo e, finalmente, assimilando ou esterilizando os elementos

exteriores.»15

14 Kingsworth, Africa South of the Sahara, Cambridge, 1963, p. 14 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 12.15 S. Trimingham, History of Islam in West Africa, 1962, p. 19 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 12.

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A Pobreza em África

Efetivamente grandes impérios se estabeleceram em África muito antes de os colonizadores

europeus terem chegado. Um caso óbvio é o do Egito dos faraós, cujo legado é muito mais

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Fig. 2 – Antigos reinos africanos.

A Pobreza em África

profundo e desconhecido do que se imaginaria. Dos egípcios, por intermédio dos gregos,

recebemos as ferramentas da escrita e o cálculo matemático e as pirâmides ficaram para a

posteridade como um monumento à sua engenharia.

Começando na expansão árabe a partir do Egito que acabou com a predominância do império

bizantino no Norte de África, vários outros impérios surgiram na confluência das rotas

mercantes terrestres ou junto das minas de ouro como o império dos Almorávidas que se

expandiria para a Península Ibérica a partir do Magreb, o império do Ghana – o primeiro

império negro – cuja organização política e prosperidade impressionaram viajantes árabes que

já haviam visto as grandes urbes de Espanha e do Magreb, o império do Mali assente num

tipo de governo indireto sobre os povos vassalos que reconheciam como único soberano o

imperador Maliano, o império de Gao na região atualmente ocupada pelo Senegal e pela

Gambia, o Benim, o poderoso reino da Etiópia, o grande Zimbabwe e os reinos do Congo e do

Monomotapa.

No entanto, concentravam-se junto à orla marítima, penalizados pelo facto de o continente ser

extremamente inacessível, sem um Mediterrâneo ou um Báltico que facilitassem a penetração;

além disso, de todos os grandes rios africanos, apenas o Nilo é navegável a partir do mar, o

que, acrescendo aos rápidos e quedas de água que estão semeados pelos seus cursos, tornam

dificílima a já de si fraca navegabilidade. Há que contar também com o clima, a topografia e a

vegetação, variando da floresta densa ao deserto escaldante.

Todos aqueles impérios tiveram, contudo, o seu auge muito antes de Portugal e Espanha

terem dado início às suas expansões marítimas. Quando as navegações portuguesas fizeram o

reconhecimento da costa africana, trouxeram uma imagem totalmente nova à Europa, em

termos geográficos e culturais, enriquecidos aqui e ali com vislumbres da vida dos habitantes

das regiões do interior. Nos séculos seguintes, várias outras potências europeias prosseguiram

a exploração do continente, sob a forma de comércio, expedições militares ou missionação.

Porém, até finais do séc. XIX, a África era o Continente Tenebroso do qual pouco ou nada se

conhecia, a não ser os relatos de viajantes como Heródoto ou Ptolomeu que, embora ricos de

pormenores, pecavam por inúmeras incorreções. Por outro lado, se na antiguidade greco-

romana o negro era representado de forma caricatural, até grotesca ou monstruosa, na Idade

Média, surge associado à noite, ao mundo das trevas, às forças do mal, chegando mesmo a

personificar um demónio. Surgiu também associado a criaturas fantásticas de origem animal

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A Pobreza em África

ou vegetal, como habitante das terras longínquas situadas do lado oposto do mundo, em

relação ao Ocidente europeu. Um legado todavia ficou: o nome de “Afri” dado pelos

historiadores latinos aos cartagineses e a palavra “África” que sob o império romano

designava Cartago.16

Só a partir de finais do séc. XIX e princípios do séc. XX se procurou aprofundar esse

conhecimento, com as sucessivas expedições científicas a embrenharem-se pelo interior

africano dando notícia das terras e povos encontrados. Infelizmente, as potências europeias

que as enviaram não estavam interessadas em compreender a mentalidade africana ou sequer

os seus usos e costumes, mas sim em tirar de ambos o maior proveito possível, criando um

mito da África Negra como uma terra atrasada e disponível para ser explorada sem pudor até

ao seu âmago.

A subjugação colonial transformaria as sociedades agrárias africanas em sociedades

periféricas controladas por outras, centralizadas, que dependiam das metrópoles europeias,

processo que se desenrolou em espaços artificialmente subtraídos de grandes regiões que

enquadravam um conjunto de agregações sociais que, na maioria, não estavam separadas mas

sim ligadas por relações de trocas e de migrações regulares. A subjugação colonial seria

levada e efeito pela destruição sistemática das sociedades africanas, quer através de ações

militares quer pela imposição de uma administração colonial regulando as diversas formas de

comércio e estabelecendo corveias e impostos.17

Deste contacto, os povos africanos jamais recuperariam, sendo forçados a abraçar uma

modernidade imposta pelo colonizador, com uma consequente rutura da sua estrutura social

que ainda hoje teima em retê-los num patamar de subdesenvolvimento.

16 Cf. António Luís Ferronha, As Civilizações Africanas: I – África e os Africanos, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 15-17, 45-47.17 Cf. Christian Sigrist, “La destruction des sociétés agraires en Afrique – Esquisse théorique”, AAVV, Caderno de Estudos Africanos, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, nº 1, julho/dezembro de 2001, pp. 71-83.

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A Pobreza em África

2- SITUAÇÃO ATUAL

A situação atual dos países africanos pode deduzir-se da análise de vários indicadores.18

Mapa I

No que respeita à distribuição da população, em 2001, surgia a Nigéria como o país mais

populoso com mais de 280 milhões de habitantes, seguida do Egito e da Etiópia com mais de

120 e menos de 280 milhões de habitantes.

Mapa II

Quanto à distribuição da densidade populacional, também em 2001, verifica-se que esta era

mais intensa nas regiões situadas na base do corno de África (Burundi, Ruanda, Uganda,

Quénia, Etiópia), nas regiões banhadas pelo Mediterrâneo (Egito, Tunísia e Marrocos) e ainda

nas regiões banhadas pelo golfo da Guiné (Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim e Nigéria)

com a adição do Senegal, um pouco mais afastado, todos com mais de 200 e menos de 500

habitantes por km2.

Mapa III

No que respeita à esperança de vida, ainda em 2001, verifica-se que a Líbia constitui a

exceção com uma esperança média de vida igual ou superior a 75 anos, seguida de perto por

Tunísia, Argélia e Marrocos, com mais de 65 e menos de 75 anos. A esmagadora maioria dos

países africanos apresentava resultados iguais ou inferiores a 55 anos para a esperança de vida

dos seus habitantes.

Mapa IV

Tomando em análise a taxa de natalidade, relativa ainda a 2001, verifica-se que o continente

africano é constituído por uma população jovem, apresentando quantitativos altos de

nascimentos: 40 em cada mil habitantes em vários países.

18 N.A.: Mapas adaptados de Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD’s], (Mapas 1 a 8, 11 a 13); de http://www.rede-nonio.min-edu.pt/es/esamalia/12e/tema1/mapas.htm, (Mapas 9, 10, 14, 15); de Francisco Galope, António Aly Silva, “Guerras – África, um triste retrato”, 02/08/2001 in http://www.visaonline.pt, (Mapa 16). Vide Apêndice – Mapas.

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A Pobreza em África

Mapa V

Por outro lado, a taxa de mortalidade, novamente em 2001, era também bastante elevada,

sendo de realçar a Líbia e a Tunísia que têm a menor taxa do continente com menos de cinco

em cada mil habitantes.

Mapa VI

No referente à taxa de mortalidade infantil, também em 2001, vários países atingiam e

ultrapassavam a cota das 100 óbitos de crianças por cada mil nascimentos. No outro extremo

da tabela sobressaem Líbia, Tunísia e Argélia, com 10 a 40 óbitos de crianças por cada mil

nascimentos.

Mapa VII

A percentagem de população idosa – maior de 65 anos – em 2001 no continente africano era

baixíssima, sendo que somente a Tunísia e o Gabão atingiam 5 a 10% de idosos e a maioria se

ficava por menos de 5%, pelo que pode afirmar-se que, até há pouco tempo atrás, raramente

se chegava a velho em África.

Mapa VIII

Quanto ao índice de desenvolvimento humano, verifica-se que, em 1998, era liderado pela

Líbia – com um nível muito elevado –, seguida a certa distância por alguns países – com um

nível médio –, sendo que a maioria apresentava um nível baixo ou muito baixo.

Mapa IX

O índice de desenvolvimento humano em 2002 é bastante semelhante ao relativo a 1998,

apenas com uma escala mais abrangente na qual se verifica que os mesmos países que

lideravam os resultados do mapa anterior lideram os resultados neste.

Mapa X

No respeitante ao Produto Interno Bruto per capita, apenas o Gana apresentava, em 1997, um

rendimento superior a 16 mil e inferior a 21 mil dólares, seguido de Líbia, Tunísia e África do

Sul com PIB superior a 11 mil e inferior a 16 mil dólares. Todos os outros países

apresentavam PIB extremamente baixo.

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A Pobreza em África

Mapa XI

Por seu lado, a taxa de crescimento do PIB em 2001, era liderada por Líbia, Sudão, Uganda,

Botswana com mais de 6% e menos de 9%, sendo que a maioria apresentava um crescimento

pouco superior a 0% e inferior a 3%. De salientar ainda que países como o Sara Ocidental, a

Costa do Marfim, a Eritreia, a República Democrática do Congo e o Zimbabué não

apresentavam quaisquer dados.

Mapa XII

Com referência à taxa de desemprego, ainda em 2001, verifica-se que grande parte dos países

a tinha muito elevada, ultrapassando os 20% de desempregados e que somente o Sudão – com

menos de 6% –, a República Centro-Africana – com 6% a 10% – e Tunísia, Egito e Costa do

Marfim – com 11% a 15% – tinham uma situação melhor. De salientar ainda o grande número

de países para os quais não existiam dados disponíveis.

Mapa XIII

Quanto à taxa de alfabetização, em 2000, esta tinha uma percentagem bastante elevada em

países como a Líbia, Camarões, República Democrática do Congo, Quénia, Tanzânia,

Zâmbia, Namíbia, Botswana, Zimbabué, África do Sul – com 75% ou mais – e, no outro

extremo, uma percentagem muito baixa – entre 0,1% e 25% – em países como Níger e

Burkina-Faso.

Mapa XIV

No que refere à taxa de HIV nos adultos, em 2000, verifica-se que era muito elevada nos

países do Sul do continente africano como Zâmbia, Namíbia, Botswana, Zimbabué, África do

Sul e ainda o Quénia – com 15% ou mais – e, no outro extremo, bastante baixa – entre 0% e

cerca de 6% – na maioria dos países do Norte de África. De salientar ainda que Tunísia, Sara

Ocidental, Mauritânia, Guiné-Conakry, Libéria, Níger, Gabão e Somália não apresentavam

quaisquer dados.

Mapa XV

A percentagem de pessoas subalimentadas no continente africano era, em 2000, elevadíssima

em países como Djibouti, República do Congo, Burundi, Angola e Moçambique – com

50,25% ou mais da população – sendo, no outro extremo, bastante mais baixa – entre 3% e

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A Pobreza em África

18,75% – em países como Egito, Argélia, Marrocos, Mauritânia, Costa do Marfim, Gana,

Togo, Benim, Nigéria, Gabão e Suazilândia. De referir ainda que países como Líbia, Tunísia,

Sara Ocidental, Guiné-Bissau, Libéria, Guiné Equatorial, Djibouti, Somália e África do Sul

não apresentavam quaisquer dados.

Mapa XVI

Na transição dos anos de 1990 para 2000, ainda demasiadas regiões do continente africano

sofriam com conflitos armados quer originários de guerras civis – Argélia, Serra Leoa,

Libéria, Sudão, Somália, Uganda, Ruanda, Burundi, República Democrática do Congo,

República do Congo e Angola – quer originários de guerras inter estados – Eritreia, Etiópia –,

qual deles o mais sangrento.

Do atrás exposto, pode inferir-se que a Líbia era o país que apresentava melhor perfomance,

sendo o país com maior esperança de vida dos seus habitantes, com a menor taxa de

mortalidade tanto de adultos – a par com a Tunísia – como infantil – em conjunto com

Tunísia e Argélia –, com uma das maiores taxas de crescimento do PIB – em conjunto com

Sudão, Uganda e Botswana –, com o maior índice de desenvolvimento humano, com o

segundo maior PIB per capita em conjunto com Tunísia e África do Sul, com uma das mais

elevadas taxas de alfabetização e uma das menores taxas de contaminação pela Sida.

Por outro lado, a Tunísia apresentava também um bom perfil, tendo a segunda maior

esperança média de vida em conjunto com Marrocos e Argélia, a menor taxa de mortalidade

tanto de adultos – a par com a Líbia – como infantil – em conjunto com Líbia e Argélia –, a

maior percentagem de idosos do continente africano a par com o Gabão, o segundo maior

índice de desenvolvimento humano – em conjunto com Marrocos, Argélia, Egito, Gabão,

República do Congo, Namíbia, Botswana, Zimbabué e África do Sul –, o maior PIB per

capita em conjunto com Líbia e África do Sul e a terceira menor taxa de desemprego em

conjunto com Egito e Costa do Marfim.

Apenas estes dois países sobressaem pela positiva em quase todos os indicadores

socioeconómicos referenciados. Outros países conseguem resultados medianos ou,

pontualmente, bons resultados, neste ou naquele indicador, mas de modo geral têm níveis

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A Pobreza em África

muito elevados daqueles outros que mais penalizam as populações como a baixa esperança

média de vida ou as altas taxas de mortalidade.

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A Pobreza em África

3- FATORES POLÍTICOS DETERMINANTES

Nenhum destes fatores pode ser visto isoladamente, pois todos se relacionam e se

interpenetram. Se pode ser considerado que as guerras tribais sempre estiveram presentes nas

sociedades africanas, também é certo que, com a modernização do armamento, essas guerras

atingiram níveis inauditos de sofrimento das populações e de destruição das economias. Por

outro lado, as crianças são o segmento da população que mais é atingido pelos conflitos

armados, quer pela fome e desnutrição que são obrigadas a passar quer por serem recrutadas à

força para os combates perdendo aí a sua inocência. Acresce também que os Estados

africanos, em muitos casos pouco depois da sua independência, sofreram golpes militares ou

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A Pobreza em África

“palacianos”19 que conduziram ao poder figuras ditatoriais, que desenvolveram os maiores

esforços em acumular riqueza pessoal em detrimento dos seus povos.

Verifica-se então um ciclo vicioso em que os golpes militares conduzem a governos

ditatoriais – caracterizados por nepotismo (favoritismo dos governantes aos seus familiares),

plutocracia (poder da riqueza e do dinheiro no governo de uma nação), cleptocracia (que se

pode designar como um regime em que o governante subtrai as verbas do Estado para uso

próprio) e ditadura (concentração dos poderes do Estado num só indivíduo ou num partido

único) – que semeiam a instabilidade e conduzem a guerras civis, onde as fações beligerantes

se apropriam das crianças como soldados, destroem os campos e desalojam as populações

privando-as dos seus meios de subsistência, originando ódios e mais violência.

19 «Estávamos à beira de eleições gerais; o POP sentia-se à vontade no país e não havia qualquer receio de não ser reconduzido. O seu opositor, o Partido da Aliança Progressista, era fraco e estava desorganizado. Depois veio a crise do mercado internacional do café. De um dia para o outro (ou pelo menos assim nos pareceu) o governo viu-se a braços com uma perigosa crise financeira. O café era o esteio da nossa economia, do mesmo modo que os cultivadores eram o baluarte do POP. O ministro das Finanças da época era um excelente economista, com um doutoramento em Finanças Públicas. Apresentou ao gabinete um plano completo para enfrentar a situação. O primeiro-ministro disse «não» ao plano. Não queria arriscar perder as eleições por ter baixado o preço pago aos agricultores de café naquele momento crítico; ordens seriam dadas ao Banco Nacional para imprimir quinze milhões de libras. Dois terços do gabinete apoiaram o ministro. Na manhã seguinte o primeiro-ministro despediu-os e à noite falou à nação através da rádio. Disse que os ministros despedidos eram conspiradores e traidores que se tinham aliado a sabotadores estrangeiros para destruir a novel nação. (...) Os jornais e a rádio divulgaram a versão do caso dada pelo primeiro-ministro. (...) O Daily Chronicle, um dos órgãos oficiais do POP, tinha salientado num editorial que o Bando dos Malvados, como chamavam agora aos ministros demitidos, vinham todos da universidade e eram todos profissionais altamente especializados. (...) “Vamos agora e de uma vez por todas extrair do nosso corpo político, como um dentista extrai um dente mal cheiroso, esses decadentes que sabem de economia pelos manuais e macaqueiam as maneiras e a fala dos brancos. Temos orgulho de sermos africanos. Os nossos verdadeiros líderes não são aqueles que ficaram inebriados com diplomas de Oxford, Cambridge ou Harvard, mas sim aqueles que falam a língua do nosso povo. Fora com a odiosa e dispendiosa educação universitária que apenas afasta um africano da sua antiga e rica cultura e o coloca acima do seu povo...” (...) Outros jornais salientaram que mesmo em Inglaterra, onde o Bando dos Malvados tinha recebido a sua «suposta educação» não era necessário ser-se economista para se ser ministro das Finanças, ou médico para se ser ministro da Saúde. O importante era a fidelidade ao Partido. (...) Foi esse o dia em que a verdade finalmente veio à superfície; só que ninguém prestou atenção. Lembro-me da cara constrangida do ministro das Finanças demitido quando encaminhava a sua equipa para a câmara e era violentamente vaiado por deputados e pelo público. Naquela semana o carro dele tinha sido destruído pela populaça furiosa e a sua casa apedrejada. Outro ministro demitido fora arrancado de dentro do seu carro, espancado até ficar inconsciente, arrastado durante cinquenta metros, e depois atado de pés e mãos, amordaçado e abandonado à beira da estrada. Quando a câmara reuniu ainda ele estava no hospital. (...) Quando o primeiro-ministro disse que tinha sido apunhalado pelas costas pelos próprios ingratos que tinha tirado do esquecimento, alguns membros da câmara estavam em lágrimas. (...) Convém não esquecer que então ninguém tinha razões para pensar que pudesse haver outra versão dos acontecimentos. O primeiro-ministro continuava a falar. Foi então que fez a seguinte declaração solene, agora célebre (tristemente célebre, digamos): — A partir de hoje devemos cuidar e guardar zelosamente a nossa liberdade duramente conquistada. Não devemos nunca mais confiar o nosso destino e o destino de África à classe de intelectuais pretensiosos e educados no Ocidente, que não hesitariam em vender a mãe por um prato de sopa...». Cf. Chinua Achebe, Um Homem Popular, Filipe Jarro (trad.), Lisboa, Ed. Caminho, 1987, pp. 11-13.

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A Pobreza em África

3.1- Os Estados dirigidos por um homem-forte

Alguns homens-fortes africanos ficariam para a História, pela negativa, como paradigmas de

corrupção e nepotismo. Foi o caso de Mobutu Sese Seko que durante 37 anos governou o

então Zaire (hoje República Democrática do Congo), um dos países mais ricos do continente

africano (entre outras potencialidades económicas, destaca-se a exploração de metais e pedras

preciosas), concentrando nas suas mãos uma grande parte do Produto Interno Bruto do país

enquanto o seu povo vivia cada vez mais abaixo do limiar da pobreza; a dívida externa

chegou a atingir os 12 mil milhões de dólares, ao passo que a fortuna pessoal de Mobutu,

quase toda no estrangeiro, subia para índices estimados hoje em cerca de 7000 milhões de

dólares.20 Outro exemplo é o de Idi Amin, o recentemente falecido presidente do Uganda, um

ditador e um tirano que apoiou diversas organizações terroristas, autointitulando-se

“doutor/marechal/presidente” e atribuindo à sua própria pessoa uma constelação de

condecorações ugandesas e estrangeiras; as suas ações violentas e sanguinárias durante os oito

anos que esteve no poder deixaram o país num estado de terror permanente, calculando-se que

terão sido mortos cerca de 300 mil ugandeses.21 Por seu turno Muhammar Khadaffi, eterno

presidente da Líbia, representa a ingerência nos assuntos doutros países, tendo o seu Governo

sido implicado em vários golpes de Estado fracassados no Egito e no Sudão, e as suas tropas

intervido na longa guerra civil do Chade.22 Todos estes “homens fortes” ascenderam ao poder

através de golpes militares.

E já que se fala em ingerência externa, como classificar a guerra civil na atual República

Democrática do Congo (ex-Zaire) que grassa desde 1998 – em que Ruanda e Uganda apoiam

os rebeldes e Angola, Namíbia e Zimbabué apoiam o governo constituído –, senão como um

20 Cf. “Mobutu Sese Seko” in Diciopédia 2003, op cit.21 Cf. “Idi Amin” in Diciopédia 2003, op. cit.22 Cf. “Muammar Khadaffi” in Diciopédia 2003, op. cit.

18

Fig. 3 – Estados dirigidos por um homem-forte.

A Pobreza em África

campo de batalha de ingerências?23 Outro exemplo flagrante é o de Angola, cujos conflitos

armados duram há 30 anos, tantos como os que conta desde que é um país soberano,

colecionando já uma longa lista de acordos falhados – incluindo o referente à independência

do país (Alvor, Portugal, 1974) – ao longo dos últimos anos: Gbadolite (1989), Bicesse

(1991), Addis-Abeba, Abidjan (1993), Lusaka (1994); embora a UNITA, decapitada da sua

liderança, tenha deixado de existir como inimigo jurado, nem por isso a paz se instalou, tendo

o Presidente José Eduardo dos Santos (que é também Primeiro-Ministro) deslocado a guerra

para o Enclave de Cabinda.24

Outro exemplo flagrante é o da Nigéria. A presença britânica começou oficialmente pelo

controlo de Lagos em 1861 e, em 1866, a Nigéria passa a ser colónia inglesa, assumindo o

estatuto de Colónia e Protetorado da Nigéria em 1914. Os dez anos anteriores à declaração da

independência, feita a 1 de outubro de 1960, foram marcados por várias iniciativas

constitucionais subordinadas à autonomia nigeriana com objetivos independentistas, das quais

se destaca a Constituição de Lyttelton, que conseguiu levar em consideração os desequilíbrios

existentes a vários níveis entre as regiões. Mas seriam estes desequilíbrios a estar na origem

do golpe de Estado militar ocorrido a 15 de janeiro de 1966 (já com o território dividido em

12 estados), liderado pelo general Johnson Aguiyi-Ironsi, que, por tentar dissolver o

federalismo, seria assassinado a 29 de julho desse ano, sendo substituído pelo coronel (mais

tarde general) Yakubu Gowo. Os conflitos étnicos conduziram a uma guerra civil quando, a

30 de maio de 1967, o líder da região oriental declarou a independência da República do

Biafra, mas, apesar do reconhecimento e apoio dados por alguns Estados africanos à nova

república, a verdade é que a 15 de janeiro de 1970 uma delegação do Biafra se rendeu

formalmente ao governo nigeriano em Lagos. O general Gowo, ao comunicar o adiamento da

entrada em vigor de uma administração civil, provocou a sua deposição, levada a cabo em 29

de julho de 1975 pelo brigadeiro Murtala Ramat Mohammed, que seria assassinado a 13 de

fevereiro de 1976, ano em que o número de estados no território passou para 19 (em 1991,

este número aumentou para 30). A II República, instaurada a 1 de outubro de 1979, tem

vivido também em permanente instabilidade governativa. Após o derrube do primeiro

presidente eleito da II República, Shehu Shagari, por um golpe de Estado militar a 31 de

dezembro de 1993, outro golpe ocorreu a 27 de agosto de 1985, liderado pelo general Ibrahim

23 Cf. “República Democrática do Congo” in Diciopédia 2003, op. cit.24 Cf. Rafael Marques, “As raízes da violência em África”, Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp, consultado em 2004/03/26.

19

A Pobreza em África

Babangida, que governou o país até 1993, ano em que, após ter anulado as eleições

presidenciais, foi deposto pelos militares, subindo ao poder o general Sani Abacha. A política

de Abacha pautou-se pelo autoritarismo político, reprimindo e ilegalizando qualquer

movimento pró-democracia, onde se destacava Moshood Abiola, presumível vencedor das

eleições de 1993, que foram anuladas. Quando Abiola se proclamou, a 11 de junho de 1994 e

perante uma multidão de 3000 pessoas, presidente, chefe das forças armadas e líder do

governo, causou de imediato uma violenta reação governamental culminada com a prisão de

Abiola a 23 de junho, que foi posteriormente condenado por traição. Esta decisão do Alto

Tribunal de Abuja conduziu a inúmeros levantamentos populares que, conjuntamente com

greves levadas a cabo nas explorações petrolíferas, minaram a já de si débil economia

nigeriana; este quadro de instabilidade social e política manteve-se até setembro desse ano,

quando os líderes dos sindicatos dos trabalhadores petrolíferos decidiram acabar com a greve.

A 6 de setembro, Abacha decretou poderes absolutos para o seu regime, negando qualquer

direito de jurisdição por parte dos tribunais sobre o seu governo.25

3.2- As guerras e as suas consequências nas populações

Todos estes conflitos armados constituem uma catástrofe para as economias dos países onde

ocorrem. Dois em cada dez habitantes da África a sul do Sahara vivem atualmente num país

formalmente em guerra ou profundamente perturbado pela violência26; aquilo a que os

especialistas chamam de “conflito de baixa intensidade” é hoje em dia tão endémico como a

malária no continente africano, onde, nos últimos 40 anos, cerca de uma vintena de países

registaram pelo menos um conflito armado dentro das suas fronteiras. Muitos destes países,

abençoados pelos deuses em riquezas e possibilidades – como Angola –, afundaram-se na

guerra pelo saque e na mais escabrosa corrupção, hipotecando o futuro de gerações inteiras

dos seus nacionais; outros, cuja pobreza estrutural aconselharia à canalização de todos os

recursos e energias para a batalha contra o subdesenvolvimento – casos da Serra Leoa,

Somália, Uganda, Sudão – escolheram tratar de destruir o que não têm para satisfazer a

ambição de fações dirigidas por tiranos locais.27 O genocídio no Ruanda em 1994, além do

massacre étnico indiscriminado, cortaria o PIB do país pela metade. As guerras civis no

25 Cf. “Nigéria” in Diciopédia 2003, op. cit.26 Cf. Mapa 16, p. XVI.27 S.v. Guerras em África cf. Francisco Galope, António Aly Silva, “Guerras – África, um triste retrato”, 02/08/2001, http://www.visaoonline.pt; Lucas Habkost Silva, “África: Uma Região de Paradoxos Econômicos”, tradução analisada do artigo “Lion cubs on a wire” in The Economist, 22/08/2003, http://solidus.com.br/panorama.asp?paispaiscodigo=84, consultado em 2004/03/18; Kabengele Munanga, “Etnicidade, Violência e Direitos Humanos em África” in http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/Etnicidade.html, consultado em 2004/03/18.

20

A Pobreza em África

Uganda e em Moçambique tiveram consequências devastadoras quer para as vítimas quer

para a economia desses países. Por outro lado, as diferenças climáticas entre o Norte e o Sul

do Uganda – este banhado pelo Lago Vitória, aquele consumido pela seca – geram o

ressentimento das populações que sofrem com a seca, criando terreno fértil para o surgimento

de um grupo armado rebelde e para a insegurança geral; em Moçambique, por seu turno,

muitos habitantes da região pobre do Norte apoiam a Renamo, o antigo grupo rebelde, e no

Ruanda ainda existe um reprimido desejo de vingança. Acrescente-se ainda que estes países

são extremamente dependentes da ajuda internacional, contabilizando esta 50% do orçamento

do Uganda, 60% daquele do Ruanda e 70% do de Moçambique.

De África traça-se hoje o perfil trágico de um continente mergulhado na barbárie que sacrifica

todas as esperanças numa irracional espiral de sangue e terror. Os conflitos que se instalaram

teimam em perpetuar-se naquela que é a região do planeta com maior incidência de guerras

civis. E o número de vítimas é bastante elevado. As estimativas apontam para 7,3 milhões de

refugiados e centenas de milhares de mortos. E se nenhum país do mundo respeita

integralmente os trinta artigos que compõem a Declaração Universal dos Direitos Humanos

adotada unanimemente pela Assembleia-geral das Nações Unidas em 1948. Como

demonstrado pelo levantamento exaustivo realizado por Charles Humana (World Human

Rights Guide, 1984), a taxa média de aplicação e respeito dos Direitos Humanos nos países

do mundo ocidental, coincidentemente mais ricos e mais democráticos, é de mais de 90%. No

entanto, é justamente entre os cinquenta e sete países que compõem o continente africano

onde se encontram as maiores taxas de violação e desrespeito dos Direitos Humanos. Nesses

países, a taxa média de aplicação não atinge o limite inferior de 64%. No caso dos países da

África subsariana, esse índice é geralmente medíocre ou mau.

Como explicar essa discrepância entre os países africanos e os do mundo ocidental em

matéria dos direitos humanos? Constata-se também uma coincidência entre a pobreza e a falta

de democracia na África, ambos os factos relacionados com a violência. Se os países da

Europa ocidental conseguiram no último meio século formar uma ilha de paz, os da África

dita negra formam desde as independências (1957-2001) uma das zonas mais violentas do

mundo contemporâneo. Num relatório ao Conselho de Segurança sobre as causas dos

conflitos, da promoção da paz e do desenvolvimento durável, o atual Secretário-geral da

ONU, Kofi Annan confessa a incompetência de sua Organização e sua falência por não ter

evitado as tragédias na África. Desde 1970, mais de trinta guerras aconteceram no continente,

21

A Pobreza em África

sendo a maioria delas no próprio interior dos Estados. Apenas em 1996, catorze dos cinquenta

e sete países africanos sofreram conflitos armados, o que provocou mais de oito milhões de

refugiados e um imenso deslocamento das pessoas. A lista dos pontos quentes tem a forma de

uma ladainha necrológica: Biafra, Zaire, Sul do Sudão, Etiópia, Angola, Moçambique,

Ruanda, Burundi, África do Sul, Libéria, Somália... Diante desta violência, a opinião comum

formada a partir de um olhar jornalístico ocidental e etnocêntrico colonial acostumou-nos à

seguinte explicação, fundamentada num cenário em três atos: no início havia uma África pré-

colonial despedaçada pelas guerras tribais incessantes; em seguida veio a Missão

Colonizadora através das potências coloniais, que conseguiram, com muito trabalho e

dedicação, construir o progresso e apaziguar as tribos selvagens; por fim vem a África pós-

independência que, por uma espécie de atavismo hereditário, retorna, após a saída do

colonizador, ao velho tempo pré-colonial caracterizado pelas incessantes guerras tribais que,

por sua vez, seriam um atavismo das hordas primitivas que viviam permanentemente em

guerra umas contra outras. Uma tal explicação torna natural o estado da violência na África

“negra” e inviabiliza, consequentemente, qualquer tentativa de apaziguamento. No entanto, se

olharmos a história da Humanidade, percebemos que os povos da África “negra” não são nem

mais nem menos violentos que os dos outros continentes.

A violência sempre foi, segundo as palavras de Karl Marx, a maior “parteira” da história,

nomeadamente no que concerne os processos de formação dos diferentes Estados-Nações,

desde a China dos Tsing até os Estados Unidos da América, passando pelas guerras de Duas

Rosas na Grã-Bretanha ou pelo rude exército da unidade alemã fundada por Bismarck, sem

esquecer as duas últimas guerras mundiais e todas as barbaridades recentes nos países dos

Balcãs e no Leste Europeu. Para entender o lugar da violência na África contemporânea, é

preciso fazer um recuo histórico, tentar situar a experiência atual numa perspetiva histórica

global, suscetível de explicar as especificidades de nossa época. A história da África não é

apenas a de suas formas de Estado, muitas vezes flutuantes e geograficamente limitadas. As

etnias também têm história. A conquista colonial interrompeu brutalmente os processos

(geralmente violentos) que, em numerosos pontos do continente, conduziam ao nascimento de

Estados proto-nacionais, como os “Jihad” de Samori Touré ou de Uthman Dan Folio, o

crescimento de Buganda ou do Estado caravaneiro de Mirambo; fê-lo utilizando uma outra

violência, pois na verdade a colonização constitui uma modalidade de violência cujas

consequências explicariam em parte os conflitos e antagonismos irredutíveis vividos pela

África de hoje e cujas saídas são difíceis.

22

A Pobreza em África

A etnização ou tribalização da África foi um processo constante em todas as políticas

coloniais. As formações políticas diversificadas como impérios, reinos, chefias e clãs foram

reduzidas a um mosaico de etnias que cada regime colonial tentou inventariar. Em algumas

situações, criaram-se etnias e/ou fabricaram-se consciências étnicas que não existiam antes da

chegada do colonizador. As oposições étnicas atuais exprimem e refletem tantas outras coisas

que as diferenças culturais e hostilidades tradicionais que se perseguiam sob outras formas.

Por outras palavras, os tribalismos “contemporâneos” só podem exprimir outras coisas que

não a etnicidade, porque as violências deles resultados nada ou pouco têm a ver com as

diferenças culturais. As realidades do Ruanda, Burundi, Somália, etc., mostram que essas

diferenças não existiram e que muitos países africanos têm mais semelhanças do que

diferenças culturais. As guerras na África contemporânea são essencialmente civis. A

natureza do sistema do Estado herdado da colonização constitui o coração dos conflitos.

Este pesadelo para as populações civis, originou a destruição generalizada das sociedades

rurais a tal nível que se torna necessário procurar denodadamente onde se encontram alguns,

raros, enclaves de estabilidade social. As guerras africanas são, em média, mais curtas, mas

mais sanguinárias; são também as mais intensas – a avaliar pela comparação entre o número

de baixas e a duração média, mesmo sem incluírem as mortes por fome e outros efeitos

colaterais. As crianças, principais vítimas, não apenas são mortas e feridas em números

assustadores, como crescem privadas da satisfação das suas necessidades materiais e afetivas

pela ausência de estruturas que lhes deem sentido a uma vida social e cultural. Escolas, casas,

sistemas de saúde e instituições religiosas, tudo foi consumido na vertigem das guerras.

3.3- As crianças-soldados

«Onde houver meninas pequenas, deve-se violá-las» – ordem dada por um caudilho liberiano

às suas tropas, intercetada por uma emissora de rádio.28

«Para destruir os ratos grandes, deve-se matar os pequenos» – captado da Rádio Livre Mille

Collines, uma emissora extremista hutu que transmite no Ruanda.29

28 Cf. “Campanha Mundial em Favor das Crianças Soldados” in http://utopia.com.br/anistia/campanhas/c_soldado.html, consultado em 2004/03/22. 29 Idem.

23

A Pobreza em África

Esta é a mentalidade que, combinada à miséria em que se encontram a maioria dos países que

hoje estão em guerra, faz com que a realidade de milhares de seres humanos se aproxime ou

ultrapasse a noção que temos de inferno. Se observarmos os conflitos atuais, veremos que a

grande maioria deles ocorrem dentro de um mesmo país, por razões étnicas ou religiosas.

Famílias que sempre conviveram lado a lado são levadas a envolverem-se num tipo de guerra

onde o ódio pelo antigo vizinho aflora de maneira muito mais cruel e sangrenta que nas

guerras internacionais. Aqui, as crianças são vistas como uma arma silenciosa e matá-las

significa eliminar um futuro inimigo.30 Os que não são mortos acabam por presenciar o

massacre das suas famílias: uma lembrança que os acompanhará para sempre. E este é apenas

o início do pesadelo. Sem família e sem terra, essas crianças são abandonadas à própria sorte.

Acabam sendo forçadas, por rapto ou intimidação, a juntarem-se às forças em guerra, rebeldes

ou governamentais. Por vezes, nos primeiros dias, são mantidas sem comida, nem bebida. Ou

são torturadas para servir de exemplo aos demais. Depois disso, estão prontas a obedecerem e

aceitam atacar os moradores de suas próprias vilas. Outros, desesperados, em busca de

comida e segurança, acabam por se apresentar como voluntários. São considerados bons

combatentes, pois já não têm mais nada a perder.

Nalgumas sociedades, a vida militar poderá ser uma opção atraente, pois muitas vezes os

jovens associam as armas à obtenção de poder e o poder pode atuar como forte motivação em

situações de desesperada impotência. Noutros casos, as atividades de guerra são glorificadas,

como na Serra Leoa, em que surgiram relatos de crianças-soldados que se orgulhavam do

número de inimigos que tinham matado. Em países com sistemas administrativos fracos, não

há o registo de nascimento – também motivado pelo não assumir da paternidade, pelo conflito

30 S.v. Crianças-soldados Cf. “Campanha Mundial em Favor das Crianças Soldados” in http://utopia.com.br/anistia/campanhas/c_soldado.html, consultado em 2004/03/22; “Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças”, Relatório de Graça Machel no seguimento da Resolução 48/157 da Assembleia-geral das Nações Unidas, Doc. A/51/306 de 28/08/1996 in http://www.cidadevirtual.pt/cpr/icac/icac_2.html consultado em 2004/03/22.

24

Fig. 4 – Criança-soldado.

A Pobreza em África

entre os progenitores ou pelo seu desinteresse ou desleixo – pelo que as crianças não sabem

sequer que idade têm, sendo recrutadas com base na sua aparência física e, com frequência, os

recrutas são arbitrariamente apanhados nas ruas ou mesmo nas escolas e orfanatos pelas

milícias, pela polícia ou por quadros do exército, processo que na Etiópia era conhecido como

“afesa”. Embora as crianças, de ambos os sexos, possam começar por funções de suporte

indireto, não demora muito até que sejam colocadas na frente de batalha onde os comandantes

exploram a sua coragem, derivada da inconsciência dos perigos, enchendo-as de álcool ou de

drogas.

Mais de 300 mil crianças são utilizadas como crianças-soldados em 41 países no mundo e os

Governos e grupos militares, sobretudo na África e Ásia, continuam a preferir recrutar jovens

adolescentes. São mais baratos, mais facilmente “descartáveis” e coagidos à obediência,

sendo utilizadas na linha da frente dos combates e como “detetores de minas”, espiões,

correios e escravas de sexo. E, embora o número de crianças utilizadas nas guerras se tenha

mantido constante nos últimos anos, o número de países onde elas são utilizadas como

combatentes aumentou nos últimos 30 anos. Infelizmente, os intermináveis conflitos africanos

poderão fazer disparar os números desta vergonha humana: cerca de 120 mil jovens, na sua

grande maioria com idades entre os 15 e 17 anos, são atualmente utilizados como combatentes

em África. Mas o primeiro relatório realizado a nível mundial afirma perentoriamente que

existem crianças-soldados com apenas sete anos!

A sua reinserção na sociedade é extremamente difícil. Uma alegre criança de 12 anos de

idade, pode regressar a casa com uns taciturnos 16 anos sentindo-se agora poderosa e

independente. Esta situação é ainda mais penosa para as raparigas-soldados que foram

sistematicamente violadas ou vítimas de abusos sexuais, quer devido a convicções ou atitudes

culturais que tornam complicado o regresso às suas famílias quer devido à inexistência de

perspetivas de casamento, o que as empurra para a prostituição.

4- FATORES SOCIO-ECONÓMICOS DETERMINANTES

Quando se tornaram independentes, os países africanos romperam com as políticas coloniais e

o “socialismo africano” que se estendeu a vários desses países criou condições de vida

bastante diferentes. Porém, três fatores permaneceram idênticos: a dependência económica

25

A Pobreza em África

unilateral em relação ao exterior, do mercado mundial ou das metrópoles (capitalistas ou

socialistas); hegemonia da capital (da era colonial ou uma nova) e das estruturas urbanas;

aplicação de programas de modernização por um aparelho burocrático.31

Tanto antes como depois da independência, esse aparelho burocrático reproduz o modelo

estabelecido pelo colonialismo. A dependência exterior manifesta-se, pela presença de

expatriados, provenientes da metrópole colonial, dos países doadores ou dos países “aliados”

(socialistas); o governo central funciona como um sistema composto de organizações

especializadas e hierarquizadas, ao passo que os sistemas rurais, pertencentes a um segundo

plano, têm ainda a sobreposição das estruturas hierárquicas tradicionais.32

O Estado é governado segundo um sistema político pós-colonial que deriva do conceito de

“cidadão”, membro de uma nação única, e prevê a sua igualdade perante a lei; porém, as

diferenças étnicas, agudizadas pela política colonial, surgem como antagonismos políticos e o

clientelismo associado à etnia que está no poder assume uma aparência de igualdade legal.33

4.1- A falta das infraestruturas básicas

A grande maioria dos pobres habita na África rural, onde a incidência, profundidade e

severidade da pobreza são maiores que nas áreas urbanas. A população rural é também menos

instruída e menos saudável, além de ter piores serviços e menores oportunidades de emprego,

ao mesmo tempo que depende grandemente de uma produção baseada nos recursos naturais.

A prestação de serviços básicos de educação e saúde não chega às populações rurais pois,

embora os Governos invistam cerca de um terço do seu orçamento nessas áreas, a corrupção

generalizada faz com que apenas uma ínfima parte dessas verbas chegue de facto às

populações mais necessitadas.34

31 Cf. Christian Sigrist, op. cit., pp. 72, 73.32 Cf. Christian Sigrist, op. cit., p. 73.33 Idem, p. 74.34 Cf. African Development Report 2002 – Rural Development for Poverty Reduction in Africa, New York, African Development Bank, 2002, p. 106.

26

A Pobreza em África

Em Marrocos, por exemplo, apenas 11% dos mais pobres têm acesso a água potável, enquanto

que todo o extrato mais abastado beneficia desse serviço; na Etiópia, menos de 10% das

camadas mais desfavorecidas possuem água potável em casa, ao passo que entre os mais ricos

a taxa ultrapassa os 60%.35 Na Libéria, a população era, em 2001, de 3.225.837 habitantes, o

que correspondia a uma densidade de 28 habitante por km2. Estima-se que, em 2025, a

população da Libéria atinja 7,2 milhões de pessoas. A produção de alimentos é inferior ao

crescimento populacional, razão pela qual a produção per capita diminuiu bastante. A

população com acesso a água potável é bastante escassa (58% da população urbana; 8% da

população rural). A percentagem de habitantes com acesso a saneamento básico é igualmente

reduzida (49% da população urbana; 4% da população rural). A esperança de vida, à

nascença, é de 55 anos. Morrem, em média, 126 crianças durante o 1º ano de vida, em cada

mil nascimentos vivos. Esse número sobe para 217 se considerarmos as crianças até 5 anos de

idade.36

35 Idem.

36 Cf. “Libéria” in Diciopédia 2003, op. cit.

27

Fig. 5 – A falta de infraestruturas básicas.

A Pobreza em África

4.2- As famílias numerosas

Por outro lado, a população dos países em vias de desenvolvimento37 duplicou desde 1965,

sendo presentemente de 4,8 biliões.38 Este crescimento da população humana tem sido a

principal causa da crescente procura de alimentos, água e outros recursos de sustento da vida

no passado, e isso continuará a acontecer no futuro previsível. As Nações Unidas preveem

que a população dos países em desenvolvimento atingirá 6,5 biliões até ao ano 2020 e 8,2

biliões até 2050 (o número total para a população mundial está previsto para 7,7 biliões em

2020 e 9,4 biliões em 2050). Embora as populações dos vários países em desenvolvimento

continuem a expandir-se rapidamente, a taxa de crescimento está a baixar moderadamente. A

taxa de crescimento média anual da população era de 2,4% por ano em 1965, calculando-se

que seja de 1,7% atualmente, e espera-se que desça para 1,2% no ano 2020. A principal causa

deste declínio é a revolução a que se tem assistido no comportamento dos seres humanos na

área reprodutiva desde a década de 1960.

37 Cf. John Bongaarts e Judith Bruce, “Crescimento da população e opções de políticas nos países em desenvolvimento” in Visão 2020, Resumo nº 53, http://www.ifpri.org/portug/2020/briefs/br53po.htm, consultado em 2004/03/24.38 Cf. Mapas 1 e 2, pp. I, II.

28

Fig. 6 – As famílias numerosas.

A Pobreza em África

O uso de métodos anticoncecionais, outrora raro, está mais generalizado, tendo o número de

nascimentos por mulher baixado para metade – tendo passado de seis ou mais nos anos 60

para cerca de três na atualidade. A redução do índice de fertilidade tem acontecido com mais

rapidez na Ásia e na América Latina. Na África Subsariana as mudanças têm sido

relativamente pequenas, mas assiste-se a uma diminuição acentuada em vários países dessa

região – Botswana, Quénia, África do Sul e Zimbabué, por exemplo. Porém, a população

continua a crescer, mesmo apesar do declínio das taxas de fertilidade.

Em primeiro lugar, o decréscimo significativo iniciado nos anos de 1960 ainda mantém o

índice de fertilidade em cerca de 50% acima do número de duas crianças, necessário para

estabilizar a população. Com mais de duas crianças sobreviventes por mulher, cada geração

torna-se mais numerosa do que a precedente à medida que a população continua a crescer. As

taxas de fertilidade elevadas (mas com tendência a baixar) permanecem como a força

impulsionadora do crescimento da população com variações em função da região. O índice de

fertilidade é mais elevado em África, atualmente de 5,3 filhos por mulher e mais baixo na

Ásia e na América Latina, onde a fertilidade baixou para quase menos de 3 filhos por mulher.

Um elevado índice de fertilidade pode, por seu lado, ser atribuído a duas causas distintas

subjacentes: gravidezes indesejadas e o desejo de ter uma família com mais de dois filhos que

sobrevivam. Cerca de um em cada cinco nascimentos são indesejados e um grande número

deles não é programado. Nestes países em vias de desenvolvimento, segundo as estimativas,

são feitos todos os anos 25 milhões de abortos – grande parte deles em condições pouco

seguras. Muitos casais têm um grande número de filhos porque receiam que algumas das

crianças venham a falecer, e querem ter a certeza de que sobreviverá um número suficiente de

29

A Pobreza em África

filhos que ajudarão a manter a família e ampararão os pais na sua velhice.39 Na maioria dos

países em desenvolvimento, o número de crianças desejadas pela mulher na família ainda é

superior a duas crianças; nos países da África Subsariana, por exemplo, o número de filhos

desejado na família é, em geral, superior a cinco crianças.

Em segundo lugar, continuará a observar-se uma diminuição das taxas de mortalidade,

historicamente a principal causa do crescimento da população. A melhoria do poder aquisitivo

das populações, uma melhor nutrição, um maior investimento na sanidade pública e no

abastecimento de água potável, um maior acesso aos serviços de saúde e a aplicação mais

generalizada das medidas de saúde pública, tal como as vacinações, contribuirão para uma

vida mais prolongada e mais salutar da população, na maioria dos países. Constituem exceção

alguns países – principalmente países africanos ao Sul do Saara, em que a epidemia da SIDA

se faz sentir com mais severidade. Contudo, não se espera que a Sida faça estagnar o

crescimento da população.

O terceiro fator de crescimento é aquilo a que os especialistas chamam de “ímpeto

populacional”. Trata-se da tendência de uma população manter o seu crescimento ainda que a

taxa de fertilidade baixasse subitamente para o nível de mera substituição de geração de 2,1

nascimentos por mulher, com um índice de mortalidade constante e migração zero. Como a

estrutura etária da população é jovem, a maior geração de adolescentes da história irá, em

breve, entrar na fase da idade fértil. Mesmo que cada mulher tenha apenas dois filhos, as

crianças produzidas serão mais do que suficientes para manter o crescimento das populações

ao mesmo nível nas próximas décadas.

4.3- O desemprego

No seu relatório relativo a 2003, a Organização Internacional do Trabalho estima o número de

desempregados em 6,2% da população ativa do planeta.40 Uma pequena subida em relação a

2002, quando a OIT calculou o número de desempregados em 185,4 milhões de pessoas.

39 «O problema com o meu pai era o seu desejo interminável de esposas e filhos. Ou talvez devesse dizer filhos e esposas. Agora mesmo tem cinco esposas – a mais nova é uma rapariga com quem casou no ano passado. E deve ter pelo menos sessenta e oito, ou até setenta anos. Recebe uma pensão pequena que seria o suficiente se tivesse uma família pequena em vez dos atuais trinta e cinco filhos. É claro que hoje nem sequer pretende sustentar a família toda. Deixa cada mulher entregue a si mesma. Para as mais velhas, como a Mama, não é mau porque têm filhos crescidos que as podem ajudar, mas as mais novas têm de conseguir o dinheiro para a escola dos filhos a partir do cultivo e do pequeno comércio.». Cf. Chinua Achebe, Um Homem Popular, Filipe Jarro (trad.), Lisboa, Ed. Caminho, 1987, p. 38.40 Cf. Mapa 12, p. XII.

30

A Pobreza em África

Nesta pesquisa, destacam-se 108,1 milhões de homens sem emprego, ou seja 600 mil a mais

do que em 2002. No entanto, o desemprego entre as mulheres baixou um pouco, passando a

77,8 milhões contra 77,9 milhões de 2002. Os mais afetados parecem ser os jovens entre 15 e

24 anos (88,2 milhões de desempregados), que possuem uma taxa considerável de

desemprego de 14,4%. Todavia ao passo que a taxa de desemprego dos países industrializados

ficou em 6,8% e em 9,2% nas nações consideradas em transição (ex-bloco soviético) – num

total de 16% para a Europa – nos países em desenvolvimento a taxa de desemprego foi de

12,2% para a África do Norte e 10,9% na África Subsariana, o que perfaz um total de 23,1%

no continente africano.41

Destes números, uma percentagem significativa são mulheres. Com 1,208 mil milhões de

trabalhadoras (1,006 em 1993), as mulheres já representam mais de 40% da mão-de-obra

mundial, sublinha a OIT num relatório, intitulado “Tendências mundiais do emprego para as

mulheres”. Porém, as mulheres são também mais afetadas pelo desemprego, sobretudo as

jovens: cerca de 35,8 milhões de mulheres com idades entre os 15 e os 24 anos procuram

emprego em todo o mundo, ou seja, perto de metade do total de mulheres desempregadas

(77,8 milhões). «Ser mulher e jovem pode implicar uma dupla discriminação», diz a OIT. «As

41 Cf. “Desemprego se mantém em nível recorde no mundo em 2003, segundo OIT” in Último Segundo, jornal on-line in http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/mundo/artigo/0,,1491424,00.html, consultado em 2004/03/18.

31

Fig. 7 – Desemprego.

A Pobreza em África

jovens têm dificuldade de entrar no mercado de trabalho e de conservar o emprego em

períodos de abrandamento económico». Os empregos que ocupam são também mais

precários, caracterizados por salários muito baixos, rendimentos irregulares, pouca ou

nenhuma segurança de trabalho e ausência de proteção social. Em consequência disso,

constituem a maior parte da categoria de “trabalhadores pobres”, dispondo de menos de um

dólar por dia (cerca de € 0,80) representando 60% da população, ou seja, 330 milhões de

indivíduos. Finalmente, «as mulheres são pior pagas do que os homens em todo o mundo»,

usufruindo na melhor das hipóteses de 90% do salário dos seus colegas masculinos, além de

constituírem 70% dos 1,3 biliões de pessoas que vivem na pobreza em todo o mundo,

realizando cerca de 66% do trabalho mundial e recebendo menos de 5% dos rendimentos.42 43

42 Cf. “Desemprego e Precariedade Laboral Ameaçam as Trabalhadoras” in Jornal Público on-line in http://jornal.publico.pt/publico/2004/03/08/Sociedade/S10CX01.html consultado em 2004-03-18.43 Cf. http://www.actionaid.org.br/p/pdf/gender.pdf consultado em 2004-03-18.

32

A Pobreza em África

4.4- A fuga de cérebros

Paradoxalmente à elevada taxa

de desemprego, verifica-se a fuga de cérebros44 nos países africanos, motivada pelos baixos

salários pagos aos seus profissionais. A contradição está em que se gastam anualmente quatro

mil milhões de dólares para recrutar e pagar a 100.000 expatriados para trabalharem na

África, mas falha-se em investir uma quantia proporcional para recrutar os 250.000

profissionais africanos que trabalham fora da África. Os profissionais africanos que trabalham

em África têm salários consideravelmente menores do que os salários de expatriados com

qualificação semelhante, além de que muitas pessoas não estão empregadas nos seus campos

de experiência e especialização, sendo que, por exemplo, muitos oficiais militares são

44 Adaptado de entrevista de Reuben Abati, do jornal The Guardian, com o Eng.º Philip Emeagwali, nigeriano, apelidado de “Bill Gates de África” pelas suas investigações no âmbito da matemática computacional. Cf. http://emeagwali.org/interviews/brain-drain/educacao-na-africa-a-fuga-e-cerebros-worldnet-africa-journal.html consultado em 2004-03-18.

33

Fig. 8 – Fuga de cérebros.

A Pobreza em África

políticos de uniforme e alguns médicos ganham salários suplementares como motoristas de

táxi.

A instabilidade política tem o efeito de aumentar as taxas de emigração de profissionais para

as nações desenvolvidas e muitos deles emigraram durante os reinados brutais de Idi Amin,

Mobutu e Sani Abacha; a guerra no Sudão entre o norte islâmico e o sul cristão conduziu à

emigração de metade dos profissionais sudaneses. Em 1991, um de cada três países africanos

era afetado pelos conflitos, existindo hoje mais refugiados em África do que em qualquer

outra região do mundo. Verifica-se que os países que absorvem cérebros são vencedores,

enquanto os países que fornecem cérebros são perdedores. Os países recetores incluem os

Estados Unidos, a Austrália e a Alemanha; os países fornecedores de cérebros incluem a

Nigéria, a África do Sul e Gana. Só a Nigéria tem 100.000 emigrantes nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, 64% de estrangeiros nascidos na Nigéria com 25 ou mais anos de idade

têm ao menos o grau de bacharelado; 43% dos estrangeiros que vivem nos Estados Unidos,

nascidos na África, são pelo menos bacharéis. Nigerianos e outros africanos representam os

grupos étnicos com maior nível educacional nos Estados Unidos.

O impacto social da fuga de cérebros verifica-se na dificuldade de criação de uma classe

média formada por médicos, engenheiros e outros profissionais, resultando numa sociedade

africana dividida em duas classes: uma gigantesca subclasse formada por pessoas muito

pobres, em geral desempregadas, e uma classe formada por poucas pessoas muito ricas que,

na maioria das vezes, são oficiais corruptos do governo ou de órgãos militares. Uma ampla

classe média instruída asseguraria que o poder político fosse transferido por meio de votos ao

invés de guerras, não permitindo o surgimento de lideranças fracas e corruptas. Além disso,

quando os médicos emigram para os Estados Unidos, os pobres são forçados a buscar

tratamento médico em curandeiros tradicionais enquanto a elite voa a Londres para os seus

check-up de rotina.

O impacto económico também é visível pois os melhores e mais brilhantes profissionais

podem emigrar, deixando para trás os mais fracos e menos imaginativos, o que significa uma

morte lenta para África. Os profissionais que emigram incluem aqueles com especialização

técnica e habilidades administrativas e empreendedoras. A ausência destes profissionais

aumenta a corrupção endémica e torna mais fácil para os militares derrubarem governos

34

A Pobreza em África

democraticamente eleitos. O continente africano precisa ainda de uma classe média numerosa

para construir uma grande base de contribuição de impostos que, em contrapartida,

possibilitaria a construção de boas escolas e a disponibilização de eletricidade sem

interrupções. Os 250.000 profissionais africanos trabalhando noutros continentes

aumentariam a proporção da classe média.

Os africanos que deixam os seus países para estudar e trabalhar no estrangeiro têm, de algum

modo, a obrigação moral de regressar e compartilhar os benefícios da sua educação, mas na

prática será difícil a um profissional africano renunciar a um salário de 50.000 dólares por ano

no país de adoção para aceitar um emprego de 500 dólares por ano em África. O problema

começou no início da década de 1980, quando muitas nações africanas passaram por

programas de ajustes estruturais que implicaram a desvalorização das suas moedas e cortes

nos gastos públicos. A desvalorização da moeda restringiu a quantidade de equipamentos e

livros que poderiam ser comprados. Além disso, tornou difícil o estudo de ciências,

engenharia e medicina no exterior. Um professor universitário que ganhava 1.000 dólares por

mês em 1980 ganha atualmente 50 dólares por mês e a maioria é forçada a emigrar. Quando o

Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional forçaram a Nigéria a reduzir gastos

públicos, o Governo cortou o orçamento da educação ao invés de reduzir o orçamento dos

militares. Enquanto o salário dos professores deixou de ser pago durante vários meses, a

Nigéria gastava centenas de milhões de dólares na importação de armas.

4.5- A cobiça das grandes potências

Outro fator socioeconómico determinante do subdesenvolvimento africano tem sido a cobiça

das potências ocidentais45 em relação às matérias-primas existentes naquele continente. Há

muitos anos, talvez décadas, que as grandes empresas petrolíferas sabem da existência de

muito petróleo e gás natural no Golfo da Guiné. Sobretudo na ampla zona económica

exclusiva da Guiné Equatorial no Oceano Atlântico, considerada por especialistas como um

novo Kuwait. Precisavam apenas de tempo para que os seus engenheiros conseguissem

desenvolver a tecnologia adequada para superar a barreira dos 500 metros de profundidade,

onde se encontram entre 5% e 10% das reservas mundiais de petróleo. Agora que possuem os

meios para enfrentar esse desafio, a exploração das jazidas a grande profundidade

45 Cf. Antônio Pacheco, Ana Camacho, “África: novo mapa do tesouro” in http://www.semfronteirasweb.com.br/exibe_artigo.php?cod=155 consultado em 2004/03/18.

35

A Pobreza em África

transformou a região que vai desde Marrocos à Namíbia numa potencial concorrente à do

Golfo Pérsico.

Já em 2001, os especialistas calculavam 90 biliões de barris de petróleo nas reservas da África

ocidental, sem contar com as enormes jazidas da Argélia e do Sudão ou com as boas

perspetivas que as explorações no litoral de Madagáscar e de Moçambique apresentavam.

Embora os números não possam ainda competir com os 650 biliões de barris das reservas no

Oriente Médio, as africanas representam um respeitável segundo lugar na produção mundial.

Dos 8 biliões de novos barris de petróleo localizados em reservas no mundo em 2001, 7

biliões foram descobertos na costa dos países do Golfo da Guiné. Desde então, esses números

não param de crescer. Em maio de 2001, um parecer dos peritos do governo Bush, sobre a

orientação da política energética, indicava a África ocidental como o ponto mais adequado

quando fosse preciso procurar fontes alternativas de abastecimento: «Juntamente com a

América Latina, a África ocidental se apresenta como uma das fontes de petróleo e gás para o

36

Fig. 9- A cobiça das grandes potências.

A Pobreza em África

mercado americano de mais rápido crescimento. O petróleo africano é de grande qualidade e

de baixo teor de enxofre, o que preenche os mais rigorosos requisitos dos Estados Unidos». À

época, Nigéria e Angola forneciam aos Estados Unidos tanto petróleo como a Venezuela e o

México juntos. As previsões apontam para que o petróleo africano (sem contar com o da

região do Magrebe e do Sudão) passe dos 15% atuais para 25% em menos de 15 anos.

Para os Estados Unidos, o petróleo africano (especialmente o que se encontra nas águas do

Golfo da Guiné) não tem apenas a vantagem de ser abundante e de boa qualidade. A maioria

das reservas encontra-se no alto mar, a grande distância das guerras regionais ou do

descontentamento popular, que tantas dores de cabeça e má imagem deram, por exemplo, às

companhias petrolíferas que sugaram o delta do Níger, na Nigéria. A maior proximidade das

costas dos Estados Unidos destas plataformas proporciona rotas de abastecimento mais curtas,

ao mesmo tempo em que se libertam das estreitas passagens a que a rota do Médio Oriente

obriga, em caso de guerra, e dos bloqueios a que poderiam estar sujeitos por parte dos países

que se encontram no caminho. O governo de Bush conta também com o apoio do Congresso

de seu país, que já encaminhou uma proposta para que se declare o Golfo da Guiné área de

“interesse vital” para a segurança dos EUA. Os parlamentares aconselham ainda a realização

de um programa de consolidação dessa relação comercial com investimentos e ajuda

humanitária, «para libertar os africanos da pobreza». Daí a importância da recente visita do

presidente Bush a alguns países africanos; no final da visita, ele prometeu uma boa soma de

dinheiro para o combate à Sida, que dizima milhões de africanos. Mas o plano dos EUA não

para por aí. Está prevista também uma presença militar mais forte, a começar por São Tomé e

Príncipe, tendo sido já aprovada, inclusive, a criação de uma base aeronaval nesse país da

costa oeste africana.

A fórmula que garante o êxito é simples: a África tem o petróleo de que os Estados Unidos

necessitam desesperadamente. Eles, em troca, ofereceriam aos africanos os meios necessários

para combater a fome e a guerra que devastam o continente. Efetivamente, no papel, a riqueza

que a produção de petróleo e de gás assegura é mais que suficiente para criar nesse novo mapa

energético uma zona de prosperidade, com a força necessária para contagiar até os vizinhos.

Mas, até agora, a prática tem demonstrado que a descoberta de grandes jazidas de petróleo e

de recursos minerais ocorre em países com economias e sociedades frágeis, com a força de

um íman que apenas atrai novos males e desgraças. O fenómeno não é exclusivamente

africano.

37

A Pobreza em África

Recentemente, a ONG inglesa Oxfam apresentou o relatório “Setores Extrativos e Pobreza”,

em que denuncia que a descoberta de riquezas minerais se transforma, muitas vezes, numa

maldição para os países que as possuem. Os motivos: faz aumentar os níveis de corrupção, os

gastos militares e situações de violência armada, além de criar governos autoritários. Segundo

o estudo, existem mais de 50 países em desenvolvimento nos quais esses setores produtivos

são importantes. O problema é que dos 3,5 biliões de pessoas que neles vivem, 1,5 biliões

sobrevivem com menos de 2 dólares por dia. No caso desses, as riquezas não melhoraram as

suas oportunidades de conseguir uma vida melhor. Pelo contrário, tendem a se agravar. O

próprio continente africano conta com um abundante historial de luta pelo controle das

“monoculturas” de diamantes, madeira ou petróleo que contribuiu para alimentar guerras civis

e regionais e, sobretudo, para estabelecer ditaduras cruéis e corruptas com efeitos

devastadores para os seus cidadãos. Claro, com o apoio de grandes potências, como a França,

a Inglaterra, a Holanda e os Estados Unidos. Angola é um bom exemplo daquilo que se

chamou o “paradoxo da riqueza”. O petróleo, que começou a ser explorado com sucesso em

meados dos anos 80, não consegue sarar as feridas de uma das guerras civis mais sangrentas

da África. Em 2001, a indústria petrolífera proporcionou investimentos entre 3 biliões e 5

biliões de dólares, mas a desnutrição mata uma criança angolana a cada 3 minutos, o que dá o

macabro balanço de 480 vidas ceifadas por dia; três quartos da população sobrevive com

menos de um dólar por dia e a esperança de vida não supera os 45 anos. A cobiça do petróleo

e dos diamantes foi responsável pelo regresso da guerra em 1998, obrigando mais de 3

milhões de civis a fugirem das suas terras.

Entre as multinacionais do petróleo que atuaram na África, a francesa Elf é acusada de ser a

que mais lucrou com a corrupção. A intrincada rede de contas secretas, que agora estão sob

investigação no Liechtenstein e na Suíça, é responsável pelo desvio de enormes quantias para

as contas privadas dos ditadores africanos. Um exemplo conhecido é o do ditador nigeriano

Sani Abacha e os seus colaboradores, que receberam, entre 1991 e 1995, cerca de 190 milhões

de Euros em troca de um contrato favorável à Elf; nesses anos, através de uma de suas contas

secretas, a Elf aplicava 25,6 milhões de Euros por ano no tráfico de influências na África.

Pensa-se que durante mais de 20 anos a Elf funcionou como uma extensão da diplomacia e

dos serviços secretos, que, além do petróleo, exigia dos ditadores uma lista dos militantes de

esquerda contrários aos interesses estratégicos da França. A prática desse tipo de corrupção

38

A Pobreza em África

privou a maioria da população de uma oportunidade de sair da pobreza extrema, além de que

o tráfico de armas só fez piorar essa situação.

39

A Pobreza em África

5- FATORES CULTURAIS DETERMINANTES

5.1- A Sida ignorada

Segundo dados da UNAIDS no final de 2000, existem no mundo 36,1 milhões de pessoas

atingidas pela Sida46, isto é, um número 50% superior às previsões para 2000 feitas em 1991.

Estima-se que em 2000 tenham sido infetadas mais 5,3 milhões de pessoas e morrido devido à

doença 3 milhões. A situação é particularmente dramática no continente africano onde vivem

25,3 milhões de pessoas infetadas com o HIV ou com Sida que correspondem a 70% dos

adultos e 80% das crianças infetadas a nível mundial; só em 2000 ficaram infetadas em África

mais 3,8 milhões de pessoas. Esta doença é já a primeira causa de morte no continente

africano e vitimou no ano passado 2,4 milhões de africanos.

De

todas as regiões da África negra, a zona austral é a que enfrenta o pior desafio no que diz

respeito ao HIV. As taxas de prevalência do vírus chegam a atingir 30% em alguns países

desta região, como a Suazilândia, o Botswana e a África do Sul. No geral, 20% da população

da África Austral na faixa etária dos 15 aos 49 anos é seropositiva e a maior parte não sabe

que é portadora do vírus HIV. Os Chefes de Estado africanos concordaram em dedicar pelo

menos 15% do orçamento geral dos seus países ao setor da saúde mas até agora apenas cinco

cumpriram com a promessa.47

46 S.v. Sida cf. “A Sida no mundo” in http://www.roche.pt/sida/estatisticas/sites.cfm consultado em 2004/03/18; Projeto de Resolução das Nações Unidas nº 146/VIII “Por uma política de cooperação no combate à Sida” in http://www.pcp.pt/ar/legis-8/projres/pjr146.html consultado em 2004/03/24; “Sida hipoteca o futuro em África” in A Página da Educação http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=2701 consultado em 2004/03/24; cf. Mapa 14, p. XIV.47 Adaptado de “Sida em África”, notícia da Televisão de Moçambique em 2001/12/03 in NoTMoC: Notícias de Moçambique, edição on-line, Ano 3, Edição 43, 2001-12-03, http://www.mol.co.mz/notmoc/2001/1203in.html consultado em 2004/03/19.

40

Fig. 9 – A SIDA ignorada.

A Pobreza em África

De acordo com o recente relatório da UNAIDS (Joint United Nations Program on

HIV/AIDS), só em 2001, 4 milhões e meio de pessoas no continente africano contraíram o

vírus de imunodeficiência adquirida, perfazendo um total de três milhões de crianças e 37

milhões de adultos já infetados – um aumento de 50% em relação às previsões de 1999 – dos

quais três milhões morreram constituindo o total mais elevado de sempre, apesar da terapia

antirretrovírus ter reduzido o número de mortes nos países ricos. Comparado com o ano 2000,

o número de novas infeções diárias na África Subsariana baixou mas a epidemia está longe de

ser estancada.

Cerca de metade dos seropositivos foram infetados antes dos 25 anos; normalmente, morrem

antes de chegar aos 35. Até ao final de 2001, a Sida deixou 14 milhões de crianças órfãs

(crianças com menos de 15 anos que perderam um ou ambos os pais). Estima-se que, em

2001, cerca de 800 mil crianças até aos 14 anos tenham sido infetadas com HIV, 90% das

quais nasceram de mães seropositivas, tendo sido infetadas durante o parto ou através da

amamentação. E, destas, a grande maioria reside na África subsariana. Este tipo de

transmissão ocorre, sobretudo, no continente africano, apesar de estudos recentes indicarem

de que este vírus reduz a fertilidade das mulheres em 20%.

Em todo o mundo, com exceção de África, existem mais homens infetados e a morrer com o

vírus da imunodeficiência do que mulheres; em conjunto, um total estimado em 2,2 milhões

de homens, com idades entre os 15 e os 49 anos, foram infetados durante 2001, contribuindo

para um total acumulado de 18,6 milhões de homens adultos seropositivos no final do ano.

Em África, no entanto, existem 12 a 13 mulheres seropositivas por cada dez homens

infetados, o que está diretamente relacionado com a maior eficácia de transmissão do vírus do

homem para a mulher, por via sexual, do que o inverso.

Num continente marcado pela pobreza, apenas algumas dezenas de milhar de pessoas têm

acesso a drogas retrovirais que, para muitos, transformou a Sida de sentença de morte numa

doença controlável. Existem, porém, grandes discrepâncias quanto à forma como os países

africanos enfrentam esta doença. As “estrelas” do continente são o Senegal e o Uganda, onde

a ação precoce no combate à discriminação e o encorajamento ao sexo seguro ajudou a manter

as taxas de infeção relativamente baixas ou estabilizadas. Do outro lado encontra-se a África

do Sul, cuja classe política passou anos a negar e até mesmo a duvidar das evidências

41

A Pobreza em África

científicas de que a Sida é causada por um vírus. Este lamentável erro deixou o país com a

maior taxa de infeção pelo HIV do mundo, com uma média de mil mortes diárias em 2001.

5.2- A Mutilação Genital Feminina

Existe um dia na vida de milhões de africanas que elas jamais esquecem. É o dia em que

sofreram a oblação do clítoris ou mutilação genital feminina48. Nada que se compare à

circuncisão masculina. A brutalidade pela qual cerca de dois milhões de meninas e

adolescentes – normalmente entre os 5 e os 12 anos de idade – passam anualmente é praticada

em pelo menos 28 países da África e, dependendo da região, a tortura varia de intensidade. No

tipo de mutilação mais brando, a ponta do clítoris é cortada. Em alguns rituais, ele é

integralmente extirpado (clitoridectomia). Na versão mais radical, é feita uma infibulação: são

retirados o clitóris e os lábios vaginais e, em seguida, o que sobrou de um lado da vulva é 48 S.v. Mutilação Genital Feminina cf. “Declaração de Budapeste sobre a condenação da Mutilação Genital Feminina” in http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/medica/04Budapeste.html consultado em 2004-03-24; Eduardo Ferraz, “Ocidente tenta coibir o ritual milenar africano de extirpação do clitóris de crianças e adolescentes” in http://www.geocities.com/realidadebr/rn/mulcumana/m201196.htm consultado em 2004-03-24.

42

Fig. 10- A Mutilação Genital Feminina.

A Pobreza em África

costurado ao outro lado, deixando-se apenas um minúsculo orifício pelo qual a mulher urina e

menstrua. Tudo isto é realizado sem nenhum tipo de anestesia, com instrumentos não

esterilizados como facas, tesouras, lâminas de barbear ou mesmo cacos de vidro. Em certos

casos, a mesma faca chega a mutilar mais de 200 raparigas, muitas das quais acabam por

morrer nos hospitais e centros de saúde onde chegam em condições horríveis, com infeções

que já atingiram tal ponto que se tornam irreversíveis.

É uma prática tão arraigada em algumas populações que muitas mulheres africanas nem

imaginam que fora dali o costume não seja adotado. As estimativas sobre o atual número de

mulheres que já se submeteram a esta tradição monstruosa variam de 80 milhões a 130

milhões.

As complicações agudas da mutilação genital feminina são: hemorragias, infeções,

hemorragia de órgãos adjacentes, dor violenta; as complicações tardias são: cicatrizes

malignas, infeções urológicas crónicas, tétano, gangrena, complicações obstétricas e

problemas psicológicos e sociais. Aquelas que foram infibuladas sofrem ainda mais. A

menstruação é extremamente dolorosa e, no parto, podem acontecer complicações sérias para

o bebé e para a mãe (perturbações na expulsão, formação de fístula, roturas e incontinência).

Nessas ocasiões, é necessário reabrir a vagina (geralmente cortando com uma navalha) e

qualquer demora acarreta uma pressão por vezes fatal no crânio e na coluna da criança.

Quando não é feita a reabertura da vagina, a saída do bebé do útero pode provocar cortes que

vão da vagina ao ânus.

O próprio termo “circuncisão” foi substituído por outro mais apropriado e destituído da

possibilidade de eufemismo: mutilação genital feminina. No início de 1996, o comité da ONU

para Eliminação da Discriminação contra Mulheres descartou diferenciações antropológicas e

considerou a mutilação feminina uma violação dos direitos humanos – o que abriu espaço

para que governos onde o ritual é praticado sofram maiores pressões para a sua eliminação.

Em muitos países o problema foi um assunto tabu durante algum tempo, especialmente

devido à presença de grupos étnicos de países nos quais a MGF é prática comum: imigrantes,

refugiados, pessoas que fugiram da fome e da guerra. Devido ao seu impacto na saúde física e

mental de mulheres e crianças, a MGF é considerada um assunto de preocupação para os

médicos que são mundialmente confrontados com os efeitos desta prática tradicional. 

43

A Pobreza em África

Várias razões explicam a existência e a continuação da prática da mutilação genital feminina:

costume e tradição (preservar virgindade das meninas jovens e limitar a sexualidade das

mulheres) e razões sociais.  Todavia nenhuma das principais religiões faz qualquer referência

explícita à circuncisão feminina nem apoia esta prática. A opinião médica atual é que a MGF

é prejudicial à saúde física e mental de meninas e mulheres, sendo vista também como uma

forma de opressão da mulher.

44

A Pobreza em África

5.3- O analfabetismo

Em 1992, na Conferência “Educação para Todos”, na Tailândia, a UNESCO comprometia-se

a diminuir os índices mundiais de analfabetismo49. Atualmente, apesar de a situação ter

melhorado, cerca de 25% de adultos e jovens dos países em desenvolvimento e pobres ainda

são analfabetos, o que corresponde a cerca de 900 milhões de pessoas. Entre as causas que

dificultaram e dificultam a erradicação do analfabetismo mundial está o facto de que em

alguns países da África do Subsariana e Sul da Ásia, por exemplo, as taxas demográficas

apresentaram um alto crescimento, além de guerras e conflitos, que obrigaram a um aperto

orçamentário, levando a uma queda da despesa per capita com educação. Além disso, embora

os governos dos países em desenvolvimento invistam a maioria dos recursos da educação no

ciclo básico (escola primária), os resultados não se têm mostrado satisfatórios. Nos países

pobres, a situação é ainda pior.

No entanto, é preciso deixar claro que só a limitação orçamental não pode ser aceite como a

única explicação para o problema do analfabetismo nos países pobres e em desenvolvimento.

O trabalho de alfabetização ainda se mantém no fundo da escala de orçamentos tanto de

agências nacionais quanto dos doadores internacionais. Como se pode perceber, a situação

não é nada boa, mas já esteve pior. Segundo dados da UNESCO e ONU, em 1950, o índice de

analfabetismo na África era de 84%; dados referentes ao ano de 2000 indicam que esse índice

caiu para 39%.

Não há verdadeiro desenvolvimento sem escola. O desenvolvimento humano, com efeito, será

na base de todos os outros desenvolvimentos: económico, político, social, etc. Uma boa

política de desenvolvimento tem pois que apostar, antes de tudo, na educação das crianças e 49 S.v. Analfabetismo, cf. Universidade Federal de Góias, “8 de setembro: Dia Mundial da Alfabetização” in http://www.ufg.br/data2003/setembro/08_alfabetizacao.html consultado em 2004-03-25; “África – O futuro de África passa pela escola” in http://www.solsef.pt/pontovst.htm#TITULO_04 consultado em 2004-03-25; “Discriminação sexual desde a alfabetização”, Revista “Mundo e Missão” in http://www.pime.org.br/pimenet/mundoemissao/dadosdiscrim.htm consultado em 2004-03-25.

45

Fig. 11- Analfabetismo.

A Pobreza em África

da juventude. Isso não tem acontecido em África, infelizmente, sobretudo na parte do

continente ao sul do Sara, onde 42 milhões de crianças nunca se sentaram num banco de

escola. No Fórum mundial sobre a educação que teve lugar em abril de 2001 em Dakar, os

participantes recordaram, na declaração final, que a educação é não apenas “a chave de um

desenvolvimento estável”, mas é igualmente “um direito fundamental da pessoa humana”. Há

muitas crianças e jovens africanos a quem não é salvaguardado esse direito. As raparigas são

as mais descriminadas, constituindo 58% das crianças e jovens sem escola.

Segundo Kofi Annan, secretário-geral da ONU, “a educação das raparigas representa um

investimento a longo prazo cujo rendimento é excecionalmente alto”. Raparigas e mulheres

melhor formadas contribuem enormemente para uma melhor nutrição, uma melhor saúde, um

melhor desenvolvimento e um melhor clima de paz na sociedade. Os países africanos

precisam de apoios financeiros para poderem resolver as graves carências ao nível da

educação. Mas a experiência ensina-nos que os problemas da educação em África não se

resumem a falta de dinheiro ou a falta de meios. Faltam também políticas sérias de

investimento neste setor. Por vezes, há os meios e os apoios, mas eles não são bem aplicados.

Acresce ainda que o analfabetismo entre as mulheres nos países em desenvolvimento é 17%

mais elevado que nos homens. A edição anual do Relatório da UNICEF, a respeito da

condição da infância no mundo, foi dedicada, em 1999, à instrução, denunciando que a

discriminação sexual começa nos primeiros anos de educação escolar: em 1980, o número de

meninos alfabetizados chegava a 74% da população, contra 56% de meninas. Em 1995, a

diferença diminui um pouco: 81% de meninos, contra 66% de meninas; os números, porém,

podem ser relativos pela falta de dados exatos relativamente a alguns dos países mais pobres

mas, caso estivessem disponíveis, a realidade não mudaria substancialmente. A principal

causa dessa discriminação é a pobreza – as famílias enviam para as escolas os meninos,

enquanto as meninas ficam em casa ajudando –, mas há também fatores culturais ou

religiosos, sobretudo nos países onde a mulher pouco conta na sociedade. Entre os quinze

países que mais discriminam as meninas, 11 são africanos e 7 de maioria muçulmana, porém,

há exceções: em alguns países, embora pobres, a situação inverte-se e a alfabetização é maior

entre as meninas, como no Lesoto, onde há 11% mais meninas que meninos na escola; entre

os quinze países onde as meninas frequentam as escolas em percentagem maior que os

meninos, quatro são africanos porque aí os meninos começam a trabalhar desde muito novos.

46

A Pobreza em África

5.4- A cultura de uma classe política corrupta

A questão da classe política corrupta já foi abordada em capítulos precedentes, uma vez que

está intimamente relacionada com todos os fatores determinantes anteriormente expostos.

Efetivamente, o obstáculo maior ao desenvolvimento de África é, demasiadas vezes, a sua

classe política que, ao invés de pugnar pelo bem-estar dos seus povos, opta por se envolver na

mais ostensiva corrupção.50 Daqui resulta a desgraça das populações, pois não apenas a ajuda

internacional não é canalizada para aliviar a fome e a doença de que padecem – acabando nas

contas bancárias secretas da elite dirigente –, como também gera rivalidades que se traduzem

em conflitos armados, enquanto as populações são atiradas para a mais abjeta miséria.

Os países ocidentais, por seu turno, não podem eximir-se de responsabilidades pois são eles

que, na prossecução dos seus interesses estratégicos, encorajam a corrupção dos dirigentes

50 «A primeira coisa que os críticos afirmam acerca das residências oficiais dos nossos ministros é que têm todas sete quartos e sete casas de banho, para cada dia da semana. Só posso dizer que nessa primeira noite não havia na minha cabeça espaço nenhum para críticas. Estava simplesmente hipnotizado pelo luxo da grande suite que me tinha sido atribuída. Quando me deitei na cama de casal, que parecia montada numa almofada de ar, liguei a lâmpada de cabeceira e vi a bonita mobília na posição de deitado e olhei através da porta aberta para a casa de banho brilhante e para as toalhas tão largas como um Iappa. Tenho de confessar que se naquele momento me fizessem ministro teria toda a preocupação em continuar a sê-lo para sempre. E talvez devesse agradecer a Deus por não o ser. E uma prova de ignorância da básica natureza humana dizer, como dizem alguns críticos, que, porque um homem como Nanga passou de repente da pobreza e da insignificância para a sua opulência atual, seria relativamente fácil convencê-lo a deixar tudo e a regressar ao seu estado original.»«Um homem que acabou de chegar da chuva e de secar o corpo e de vestir roupa seca é muito mais avesso a sair de novo do que outro que esteve sempre dentro de casa. O problema da nossa recente nação – como eu o vi deitado naquela cama – era que nenhum de nós esteve dentro de casa o tempo suficiente para ser capaz de dizer «Que se lixe!». Estivemos todos à chuva até ontem. Depois, alguns – os espertos e os afortunados, e raramente os melhores – repartiram entre si o único abrigo que os nossos anteriores governantes deixaram, e apossaram-se dele e fecharam-se lá dentro. E de lá de dentro tentaram convencer o resto. Com a ajuda de muitos altifalantes, de que a primeira fase da luta já estava ganha e que a fase seguinte – o alargamento da casa – era ainda mais importante e exigia táticas novas e originais: exigia que todas as disputas cessassem e que o povo inteiro falasse a uma só voz e que mais nenhum desacordo ou discussão no exterior do abrigo subvertesse e deitasse abaixo a casa inteira.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 40.

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Fig. 12- Classe política corrupta.

A Pobreza em África

africanos, comprando assim aliados úteis e cúmplices na exploração desenfreada dos recursos

naturais em África.51

Por outro lado, o exemplo de corrupção das elites mina a confiança do povo nas suas

instituições, levando-o a encará-las com cinismo e a tomar parte ativa no suborno para obter o

que, em circunstâncias normais, não é mais que o funcionamento regular dessas mesmas

instituições.52

Em muitos casos os países africanos, de potenciais candidatos à economia de mercado,

passam velozmente por um processo de privatização da nomenclatura em que, os até aí

marxistas, se transformam, da noite para o dia, em capitalistas à moda do Ocidente, alienando

em seu favor grande parte do património do Estado e gerindo a outra como representantes do

povo. Paulatinamente, volatilizam-se largos milhões das receitas dos Estados em esquemas de

corrupção e tráfico de influências.

Se no passado a prática do roubo era adversa aos hábitos e costumes das comunidades, sendo

um problema de sobrevivência nas grandes cidades, atualmente o roubo ou o saque dos bens

públicos aparenta ser um passaporte de afirmação, de honra e dignidade da classe política

dirigente; um cartão de visita da elite. Esta inversão de valores denuncia uma desmoralização

51 «(...) – Não te estou a perceber, Max. Estás a dizer que aceitaste dinheiro e te inclinaste perante o POP?» «– Não estou a dizer nada disso. O papel que assinei não tinha qualquer força legal e nós precisávamos de dinheiro...»

«– Tinha força moral – disse eu, desiludido. – Desculpa, Max, mas acho que fizeste uma grande asneira. Pensei que quiséssemos que a nossa luta fosse limpa... Devias ter tido cuidado a partir de agora vão ser ainda mais perigosos e as pessoas depois dizem que eles têm razão.» «Estava mesmo preocupado. Se o nosso povo não percebia mais nada percebia pelo menos que um homem que recebe dinheiro de outro homem em troca de um serviço tem de realizar esse serviço ou ficar vulnerável à justa vingança do outro. Nem Deus nem o juju o podem ajudar.» «– Oh, esquece isso. Sabes, Odili, que o Consórcio Britânico deu quatrocentas mil libras ao POP para estas eleições? Sim, e também sabemos que os americanos foram ainda mais generosos, apesar de ainda não dispormos dos números. Agora diz-me como é que pensas travar esta guerra suja sem sujares um pouco as mãos. Diz só. (...) Entretanto, meu caro, se te fizerem a oferta de novo, aceita-a. O dinheiro é tanto dele como teu...». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 137.

52 «Uma certa manhã Bonifácio e um dos outros brutamontes acordaram-me e pediram-me vinte e cinco libras. Eu sabia que era inevitável uma dose de exploração nestas coisas e não discutia cada tostão que se gastava. Mas, ao mesmo tempo não via como podia abdicar da responsabilidade dos fundos que o CPC me tinha confiado. Tinha de satisfazer a minha consciência de que estava a exercer o controlo adequado. – Dei dez libras ainda ontem – disse eu, e ia acrescentar que, ao contrário dos nossos adversários, tínhamos fundos escassos, questão que já abordara muitas vezes. (...) – Para que precisam vocês de vinte e cinco libras? E o que é que fizeram às dez libras?» «– Damos três libras e dez àquele polícia para que deitasse fora o papel nosso caso. Depois damos uma libra e dez ao escriturário do Tribunal porque dizem quando o assunto até vista o polícia não pode deitar fora só assim. Depois damos mais duas libras…». Cf. Chinua Achebe, op. cit., pp. 124, 125.

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A Pobreza em África

da honra, da honestidade e da solidariedade em favor do roubo, do saque, da corrupção, da

incompetência, do clientelismo e até do assassínio, da chantagem e da intimidação como

práticas correntes.53

Em termos mais crus, a classe política dirigente sente-se, ainda em demasiados casos,

confortável no seu papel de corrupta, não sendo mais que verdadeiros piratas que tomaram de

assalto o barco do poder.54

«A autoridade do Estado deve ser exercida para favorecer a coesão social. Quando o poder

passa do exercício da autoridade ao autoritarismo, ele consagra o abuso do poder, e portanto,

da autoridade. A consequência de tal conduta é o esboroamento da coesão social, a divisão do

Povo e da Nação, a perda de legitimidade do poder, o isolamento dos dirigentes, a

desconfiança do povo.»55

Habitualmente líderes e povos africanos buscam no passado colonial a principal causa para os

seus problemas atuais. Sem minimizar os efeitos da colonização, atualmente a África pode

queixar-se mais dos seus próprios líderes do que do passado colonial: «(...) em matéria de

repressão e crimes contra os seus povos, os políticos africanos ultrapassam largamente os

colonizadores.»56

53 «Alguns comentadores políticos disseram que foi o cinismo supremo destas transações que inflamou o povo e deitou abaixo o governo. Pura conversa fiada. O próprio povo, como já vimos, tinha-se tornado ainda mais cínico do que os seus líderes e estava apático frente às negociatas. «Deixem-nos comer» dizia a opinião pública, «afinal, quando os brancos comiam tudo alguma vez nos suicidámos?» Claro que não. E onde está o todo-poderoso homem branco hoje em dia? Veio, comeu e foi-se embora. Mas nós ainda cá estamos. A coisa mais importante é continuar vivo; se se conseguir isso ultrapassam-se os outros problemas. O principal, como nos ensinaram os mais velhos é a reminiscência; e só os que sobrevivem conseguem obtê-la. Aliás, se se sobreviver, quem sabe?, talvez amanhã seja a minha vez de comer. Talvez o meu filho me traga a minha parte a casa.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 154.54 «– Koko tirou o suficiente para que o dono pudesse reparar – disse o meu pai. (...) As palavras do meu pai atingiram-me porque foram as mesmas que os aldeões de Anata disseram acerca de Josiah, o comerciante banido. Só que no caso deles faziam sentido; o dono era a aldeia, e a aldeia tem um espírito; podia dizer não aos sacrilégios. Mas nos assuntos do Estado não existiam donos, e as leis da nossa aldeia deixavam de ter valor.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 158.55 Manuel Jorge, “O poder e a autoridade: a legitimidade em questão”, Fórum sobre as Múltiplas Consequências da Guerra em Angola, Luanda, 15 de março de 2001 apud Rafael Marques, “As raízes da violência em África: o caso de Angola”, Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp consultado em 2004/03/26.56 Manuel Santos Lima, “O compromisso dos intelectuais com a cidadania”, Fórum sobre as Múltiplas Consequências da Guerra em Angola, Luanda, 15 de março de 2001 apud Rafael Marques, “As raízes da violência em África: o caso de Angola”, Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp consultado em 2004/03/26.

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A Pobreza em África

«Se a colonização era humana e socialmente imoral, o Estado Africano é atualmente o

principal fator de conflito e de instabilidade dos povos africanos, por ser um permanente

viveiro de oligarquias devido à natureza da sua formação.»57

57 Idem.

50

A Pobreza em África

CONCLUSÃO

Como já foi referido, nenhum dos fatores determinantes inventariados pode ser encarado

isoladamente. Todos eles são em simultâneo causa e efeito uns dos outros, todos eles são

originados por outros ou estão na origem de outros.

Se pode ser considerado que muita da miséria das populações africanas advém dos

governantes corruptos que gerem os seus destinos, há que considerar também as

circunstâncias em que esses governantes chegam ao poder, muitas vezes com o beneplácito ou

encorajamento das potências ocidentais, na defesa de interesses estratégicos próprios que

passam pelo assegurar do fornecimento de matérias-primas para as suas indústrias.

Por outro lado, o analfabetismo que grassa em muitas regiões de África predispõe o povo a

aceitar a corrupção como parte essencial do sistema sem a qual este não funciona. A falta das

infraestruturas básicas como saneamento ou água canalizada, por seu turno, resultam na fácil

propagação das doenças infetocontagioso das quais a Sida ocupa um destacadíssimo primeiro

lugar, “beneficiando” ainda de um ambiente cultural africano em que líderes políticos fecham

obstinadamente os olhos à realidade e o povo tem comportamentos de risco inconsciente.

Todavia, como foi aludido logo de início, todas estas situações, embora reais, pecam já por

alguma desatualização. Em grande parte do continente africano os países empreendem uma

viragem nas suas políticas, motivada por novas gerações de políticos que, cansadas dos

sistemas de governação corruptos e despóticos, encetam a reconstrução de nações marcadas

pela miséria e decidem empenhar-se a fundo no bem-estar dos seus governados.

Para isso, contam com a ajuda internacional através de programas de apoio como o NEPAD

(New Economic Partnership for African Development – Nova Parceira Económica para o

Desenvolvimento de África) que preveem um conjunto de linhas mestras que deverão guiar

essa reconstrução: reformas económicas e estabilidade política (como primeira prioridade),

construção de infraestruturas (saneamento básico, estradas, fornecimento de eletricidade,

etc.), educação das populações e melhoria das condições de saúde pública, acesso a terra

arável e melhoria da eficácia dos sistemas agrícolas.58

58 Cf. Luc Christiaensen, Lionel Demery, Stefano Peternostro, Growth, Distribution and Poverty in Africa – Messages from the 1990’s, Washington, D.C., The World Bank, 2002, pp. 47-49.

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A Pobreza em África

África permanece um continente com enorme potencial ainda não realizado e, por vezes,

irreversivelmente danificado. A redução da pobreza permanece o desafio central do

desenvolvimento e os políticos e tecnocratas das novas gerações deverão – conscientes dos

erros do passado, que englobam não apenas as heranças coloniais, as transições pós-

independência e o final das “relações privilegiadas” da guerra-fria, mas também a insegurança

e corrupção, a instabilidade política e a desastrosa gestão económica – partir em busca de

soluções no sentido da democratização política, económica e institucional.59 Assim, numa

estratégia de desenvolvimento a longo prazo, deverá haver uma transformação estrutural e

sistémica da economia conduzida pelos seguintes parâmetros60:

- Desmilitarização da economia e da sociedade e subordinação da estrutura militar ao

poder político; consolidação da paz interna e inter-regional investindo na edificação do

Estado-Nação, encorajando o crescimento e fortalecendo a influência da sociedade

civil, bem como instituindo os princípios de boa governação no seio de uma

democracia multipartidária.

- Reabilitação e reconstrução das infraestruturas chave essenciais à recuperação

económica e ao desenvolvimento sustentado.

- Melhoramento da capacidade institucional de conceção e aplicação das políticas para o

estabelecimento de uma eficaz gestão macroeconómica e para o lançamento das bases

para o desenvolvimento sustentável a longo prazo.

- Estabelecimento de uma estratégia eficaz de redução da pobreza e da exclusão social e

criação de um sistema de segurança social flexível com definição rigorosa do

“patamar” de solidariedade a satisfazer.

- Reorientação da despesa pública de gastos militares e com segurança para os setores

sociais; programa global de gastos públicos dirigido ao investimento contínuo no

desenvolvimento de recursos humanos e acumulação de recursos físicos

59 Cf. Fátima Moura Roque, “Visão Estratégica para o Desenvolvimento a longo prazo da África no século XXI” in Lusíada – Revista de Relações Internacionais, Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2001, nº 2, pp. 114-135.60 Idem.

52

A Pobreza em África

(nomeadamente, em habitação, cuidados de saúde primários, educação básica e na

educação para as mulheres, e em treino profissional).

- Definição adequada do papel do Estado e do setor privado na promoção do

desenvolvimento económico e dinamização da cooperação entre ambos dentro das

respetivas esferas.

- Assegurar uma boa governação assente em instituições fortes e eficientes, com

funcionários públicos de grande qualidade e honestidade, não sujeitos a pressões

políticas, num ambiente de total transparência nos contactos e nos esclarecimentos

prestados ao eleitorado.

- Mudanças radicais nas instituições, nas estruturas e na legislação, bem como

reestruturação e privatização das empresas públicas, no contexto de mudanças

qualitativas das regras referentes à propriedade privada e à afetação e distribuição de

recursos, assentes na devolução da autoridade de decisão política e de

desenvolvimento local e regional.

- Impulsionar a produção agrícola e a promoção de exportações de produtos

manufaturados.

- Abrir a economia aos investimentos, capital humano, ideias e tecnologias estrangeiras;

- Participar ativamente em programas de integração regional e de cooperação

económica internacional.

É assim possível resgatar África da pobreza. Mas estas são apenas as linhas mestras. Não

serão mais que um conjunto de boas intenções se os próprios africanos não decidirem de uma

vez pôr termo aos conflitos armados, envidar esforços para erradicar a fome e aliviar a

doença. A pobreza não é irremediável nem inevitável.

África está à espera61. Por quanto mais tempo?

61 «Porque eu lhe perguntei de brincadeira, antes de nos deitarmos, se ainda escrevia poesia, Max foi pescar umas linhas que escrevera sete anos antes para uma música conhecida na altura. Escreveu-as nos meses inebriantes de grandes esperanças logo depois da Independência. Agora, cantava-as como um canto fúnebre. E, acreditem, as lágrimas vieram-me ao canto do olho; lágrimas pela esperança morta à nascença. Podem chamar-me sentimental, se quiserem. Tenho o poema, Dança-Oferenda à Mãe-Terra, mesmo frente dos olhos enquanto

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A Pobreza em África

escrevo e poderia citá-lo todo; mas em letras de imprensa nunca conseguiria transmitir o sentimento trágico que me atravessou naquela noite em que Max o cantou batendo o ritmo com o pé, e relembrando a alegria e as grandes promessas de há sete anos que agora pareciam a mais de sete vidas de distância!» «Regressarei a casa para ela – durante muitos séculos vagueei / E farei a minha oferenda aos pés da minha Mãe bem-amada / Reconstruirei a sua casa, os templos que violaram e pilharam / E fá-los-ei bonitos com pau-preto, bronze e terracota.» «Li este último verso vezes sem conta. Pobre mãe preta! Tanto tempo à espera que o seu filho chegue à idade de lhe dar conforto e compensá-la pelos anos de vergonha e desleixo.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 90.

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A Pobreza em África

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http://si.wsj.net/public/resources/images/RV-AP049_AFDEMO_12S_20141205113352.jpg (fig. 3)

http://csitdrc.pbworks.com/f/1327262233/Child%20soldier%203.jpg (fig. 4)

http://aphs.worldnomads.com/storytraveller/37186/DavideVadalaNationalGeographic_1.jpg (fig. 5)

http://blog.invisiblechildren.com.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2010/03/Screen-shot2010-03-30-at10.31.57-AM.png (fig. 6)

http://www.oplop.uff.br/sites/default/files/styles/medium/public/images/galerias/manifestacao_de_trabalhadores_-_cabo_verde.jpg?itok=UNxhZCh9 (fig. 7)

http://www.africareview.com/image/view/-/1364538/highRes/340983/-/maxh/283/maxw/432/-/cwcq8s/-/BrainIMAGE.jpg (fig. 8)

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRYHtNCM9TnWsSJvERSNkxfToAuFrBZZqeeQOZTXYST-28tpYZD (fig. 9)

https://media.licdn.com/mpr/mpr/p/4/005/0a4/1fa/36eedf9.jpg (fig. 10)

https://nimsanigeria.files.wordpress.com/2013/02/female-genital-mutilation-source-middle-east.jpg (fig. 11)

http://www.eleosproject.org/resources/_wsb_512x385_Victor+$40+school+in+Sudan.jpg (fig. 12)

http://www.africanbusinessreview.co.za/public/uploads/large/large_article_im1199_Corruption.jpg (fig. 13)

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