I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação
patrimonial em foco
04 a 06 de novembro de 2015
Anais
Realização: Apoio:
Grupo GPAC Grupo Cruviana
Programa extensionista – Valorizando a arte, a
memória e o patrimônio cultural de Roraima: ações de
educação e valorização patrimonial.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA - UFRR
Reitora: Gioconda Santos e Souza Martinez
Vice-Reitor: Reginaldo Gomes de Oliveira
Pró-Reitoria de Ensino e Graduação: Antônio César Silva Lima
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Extensão: Maria das Graças Santos Dias
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação: Rosângela Duarte
COMISSÕES
Comissão científica:
Profa. Ms. Cristiane Bade Favreto
Profa. Dr. Ivete Souza da Silva
Profa. Dr. Leila Adriana Baptaglin
Comissão organizadora:
Profa. Ms. Cristiane Bade Favreto
Profa. Dr. Ivete Souza da Silva
Profa. Dr. Leila Adriana Baptaglin
Acad. Carolina Viana Albuquerque
Acad. Acsa da Silva Ribeiro
Acad. Carla Roque de Oliveira
Acad. Carolina Viana Albuquerque
Acad. Elias Magalhães
Acad. Joilson Trindade de Souza
Acad. Márcio José Bahia Campos
Acad. Rhafael Porto Ribeiro
Comissão Cultural:
Prof. Vinícius Luge Oliveira
Profa. Dayana de Araújo Soares
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
ANAIS I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: a
educação patrimonial em foco
Leila Adriana Baptaglin (organizadora)
APRESENTAÇÃO
O I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação
patrimonial em foco
O I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial
em foco, é uma realização do Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio, Arte e
Cultura na Amazônia (GEPAC), do Grupo de estudos e pesquisas em Arte, Educação
e Intercultura (CRUVIANA) e do programa de extensão Valorizando a arte, a memória
e o patrimônio cultural de Roraima: ações de educação e valorização patrimonial,
vinculado ao Curso de Artes Visuais Licenciatura (CCAV/CCLA) da Universidade
Federal de Roraima (UFRR).
Os grupos vem realizando pesquisas voltas para a área de educação e das
Artes, neste sentido, a organização do evento vem ao encontro das necessidades
locais de investigação sobre a prática da Educação Patrimonial. Destacamos que o
trabalho com Educação Patrimonial é algo bastante recente no Estado e carece de
maior aprofundamento pelos profissionais docentes.
A região Norte e, em especial Roraima carece de investigações e estímulo ao
trabalho com o Patrimônio Cultural. Apesar de ser uma região bastante rica nesta
questão muito pouco tem sido feito em relação à educação patrimonial e a ações que
potencializem o trabalho com o Patrimônio Cultural local. Sendo assim, o I Seminário
de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial em foco vem
proporcionar espaços de discussão acerca do que vem sendo pensado em termos
nacionais, regionais e locais acerca da Educação Patrimonial.
SUMÁRIO
1 A PERCEPÇÃO DO ARTISTA INDÍGENA SOBRE A PEDRA PINTADA/RR Acsa Ribeiro Leila Adriana Baptaglin
8
2 A POÉTICA VISUAL NOS FILMES DE ALEX PIZANO Clarisse Martins dos Santos Leila Adriana Baptaglin
13
3 EUTANÁSIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL RORAIMENSE: O HOSPITAL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, BOA VISTA/RR Claudia Helena Campos Alyene A.da S.Camapum Guedes
19
4 AS FUNCIONALIDADES DAS FESTAS ENQUANTO CULTURA POPULAR Glauciene Dutra Silva
28
5 A CIDADE COMO DOCUMENTO: REFLEXÕES SOBRE A PRAÇA CAPITÃO CLÓVIS EM BOA VISTA-RR Paulina Onofre Ramalho Andréia Mariano de Aguiar Ronádia Guilherme Alencar
35
6 PATRIMÔNIO CULTURAL EM BOA VISTA-RR: SECRETARIA DE CULTURA DE RORAIMA-SECULT/RR Regina Almeida Correa
44
7
SETOR ESPECIAL HISTÓRICO DA CIDADE DE BOA VISTA/RR: INCONSISTÊNCIAS QUE FAVORECEM OUTROS ERROS Claudia Helena Campos Nascimento Paulina Onofre Ramalho
58
8 PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA: ENTRE VELHOS E NOVOS PROBLEMAS Nadyne Silva Gonzales Tamires Moraes e Silva Paulina Onofre Ramalho
67
9 MANIFESTAÇÃO CULTURAL POPULAR: A LITERATURA DE CORDEL RORAIMENSE ENQUANTO PATRIMÔNIO CULTURAL Patrícia Pereira do Nascimento
76
10 ESTUDO DO CENTRO HISTÓRICO CULTURAL DA CIDADE DE BOA VISTA/RR Joilson Trindade
83
11 OS REFUGIADOS: HISTÓRIA DE UMA VIDA Maria do Céu Machado Ribeiro Meneses
89
12 IDEAS DE TRANSFORMACION PARA LA PRESERVACIÓN DE UN PATRIMONIO CULTURAL DE RORAIMA Tania de J. Gutiérrez Rodríguez
97
13 MURALISMO E INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM PROJETO DE INCENTIVO À ARTE Elias Magalhães de Almeida Leila A. Baptaglin Rhafael Porto Ribeiro
105
14 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS IMATERIAIS E MATERIAIS NO ESTADO DE RORAIMA, PROGRAMA “VALLE DO RIO BRANCO”. Francisleile Lima Nascimento Leila Adriana Baptaglin
114
15 RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE A EDUCAÇÃO: USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL NO CURSO DE MÚSICA DA UFRR Marcos Vinícius Ferreira da Silva Rosângela Duarte
129
16 MANGROOVE: SONS DO MANGUE, UM PATRIMÔNIO QUATIPURUENSE. Johnny Kepller Milenne da Conceição Lima
140
8
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
PERCEPÇÃO DO ARTISTA INDÍGENA SOBRE A PEDRA PINTADA/RR
Acsa Ribeiro (UFRR - Roraima)
Leila Baptaglin (UFRR - Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural. Modalidades: 1- Relato de experiência. INTRODUÇÃO
Tendo em vista que este trabalho tem a intenção de trabalhar com a
percepção dos artistas indígenas roraimenses sobre o patrimônio cultural que é a
Pedra Pintada, temos como temática: A representação artística da Pedra Pintada, e o
problema constituem-se em Como os Artistas indígenas de Roraima representam
artisticamente a Pedra Pintada? Destacamos assim que o objetivo geral é investigar
as representações que os artistas indígenas de Roraima fazem da Pedra Pintada. Os
Objetivos específicos constituem-se em: - compreender a história e constituição da
comunidade aonde se encontra a Pedra Pintada; - buscar as produções dos artistas
indígenas que representam a Pedra Pintada e; analisar as representações que são
feitas por estes artistas acerca da comunidade e da Pedra Pintada. À vista disso,
estabeleço a abordagem que será feita nesse processo de investigação, a mesma é
qualificada como abordagem qualitativa uma vez que esta se caracteriza por lidar com
um universo cheio de significados, símbolos e crenças. Conforme esse pensar, busco
como base para essa afirmação o autor Minayo, no qual o mesmo vem validar a
escolha da investigação desta pesquisa, de tal modo ele entende que
Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos
fenômenos apenas a região visível, ecológica, morfológica e concreta. A abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas,
um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas.
(MINAYO; 1994, apud, CORREA; NUNES; 2009, p 2.)
O caminho analítico volta-se para a “análise de conversação e da fala”
(NYERS, in BAUER e GASKEL, 2002). Com tal característica, uma das principais
9
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
contribuições que a análise da conversação pode proporcionar, consiste no fato de
que podemos nos valer do olhar dos participantes para entender o que eles pensam
a respeito de tal assunto.
Entendido a modalidade para a estruturação desta pesquisa, abordo agora
quais os pontos que desejo seguir para conseguir fazer a análise de obras de artistas
indígenas que representem a Pedra Pintada. De tal forma pontuo como será feita
essa busca: 1) Investigarei os artistas que já tem produções artísticas representando
a mesma; 2) Entrarei em contato com esses artistas; 3) Farei uma entrevista, de
característica narrativa, com os artistas, e por fim 4) Analisar as obras relacionadas
com as informações das entrevistas narrativas. Quanto a isso, o caminho analítico
volta-se para a “análise de conversação e da fala” (NYERS, in BAUER e GASKEL,
2002). Considerando que a pesquisa busca uma investigação sobre as produções
artísticas dos indígenas de Roraima sobre o tema que é a Pedra Pintada, será
necessário ouvir, conversar e fazer um levantamento com alguns artistas, que de
algum modo tem um vínculo/interesse com este patrimônio que possui em si a
importância de ter um valor histórico, artístico, natural e cultural.
1- COMPREENSÃO E ACEPÇÕES ACERCA DO PATRIMÔNIO E SUAS
ESFERAS DE DIVISÕES.
1.1 Definições sobre o que é: Patrimônio Cultural, Histórico, Artístico e Natural.
Uma vez que o meu assunto é abordar a Pedra Pintada como um patrimônio
cultural, precisamos compreender alguns conceitos para chegar até nesse
entendimento. Assim, o primeiro conceito parte da autora Zanirato, uma vez que em
seu artigo intitulado: Usos sociais do patrimônio cultural e natural (2009), a mesma
afirma que: o patrimônio cultural é tudo aquilo que através dos bens materiais e
imateriais¹ narram à história de um povo, exemplo disso são as alegorias,
superstições, rituais e tudo aquilo que se possa identificar como algo falado para
narrar alguma coisa que aconteceu, ou o que certa comunidade pensa a respeito de
tais imagens, desenhos, pinturas ou objetos. Para a autora Zanirato (2009,p.137)
10
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Os elementos culturais são conformados pelas manifestações materiais e
imateriais criadas pelos sujeitos que nos precederam. Neles se incluem objetos e
estruturas dotados de valores históricos, culturais e artísticos, bens que
representam as fontes culturais de uma sociedade ou de um grupo social e que
podem ser materiais ou imateriais.
Além deste tipo de patrimônio que já foi falado, a Pedra Pintada também pode
ser constituída de outras formas, dentre as quais ela pode ser considerada como
patrimônio histórico, uma vez que ela é concreta/papável e possui um valor para a
sociedade onde ela se constitui, pois no seu corpo podem ser vistas e estudada as
gravuras, desenhos, pinturas e etc. Ela também pode ser considerada um patrimônio
artístico, uma vez que as pinturas que estão contidas na pedra possuem um
significado de valor cultural, religioso e estético, portanto, é por meio delas que os
indígenas valorizam essas pinturas, uma vez que estas mesmas fazem parte da sua
história e cultura. Por fim descrevo o último tópico denominado como Patrimônio
natural, ainda com a autora Zanirato (2009, p.138), entendemos que, patrimônio
natural é tudo aquilo que inclui formações físicas, biológicas e geológicas, habitats de
espécies animais, vegetais, etc., e mais este deve ter valor estético.
No decorrer dessa investigação e posteriormente na minha pesquisa de campo,
opto por trabalhar com a denominação da Pedra Pintada enquanto Patrimônio
Cultural, pois entendo que ela contém um bem material e imaterial que podem ser
explorados distintamente e que se insere tanto em uma classificação do histórico
como do natural. Pretendo ir ao encontro de artistas indígenas, para investigar qual é
a sua percepção sobre esse patrimônio e principalmente valorizar a sua visão sobre
este tema e também sobre os seus trabalhos artísticos. Agora, partimos para um outro
ponto que desejo abordar neste capítulo, trazer as definições sobre Patrimônio
material e imaterial.
1.2 Outras “ramificações” sobre Patrimônio: Material e Imaterial
Percebendo as multiplicidades de estudos referente a Pedra Pintada,
entendemos que o objetivo dessa pesquisa nós oferece dois lados, estes, se referem
ao bem material e imaterial. Por exemplo, quando conversamos com alguém, esta
11
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
pessoa nós oferece duas possibilidade de análise, uma é avaliar a sua fala, patrimônio
imaterial, ou avaliar um trabalho seu, que corresponde por ser um patrimônio material
ou tangível.
Consequentemente, a fala dessas pessoas pode ser importante uma vez que
entender os seus interesses para criar algo é de extrema irmportância, e não somente
isso, mas também compreender as suas percepções e conceitos referente a mesma.
Deste modo, o IPHAN conceitua que o patrimônio imaterial
São os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plantar,
cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir
moradias, as danças e as músicas, os modos de vestir e falar, os rituais e festas
religiosas e populares, as relações sociais e familiares que revelam os múltiplos
aspectos da cultura cotidiana de uma comunidade. (IPHAN, 2012, p. 19)
Ou seja, a fala destes sujeitos é fundamental para a análise das obras dos
mesmos, uma vez que é através dela que poderemos compreender a sua visão e a
forma de como este artista se coloca diante do mundo, que vem através da arte.
Porém, como essa pesquisa também inclui a investigação e análise das obras,
partimos para o que se entende por Patrimônio material. Ainda com a contribuição
sobre o que o IPHAN conceitua, podemos apresentar este bem como algo que envolve
“Os bens culturais, paisagens naturais, objetos, edifícios, monumentos e documentos”
(2012, p.19). Com isso, fica evidente sobre essa proposta que é analisar trabalhos
artísticos, sua vinculação com a perspectiva patrimonial tanto material, como imaterial.
2. PEDRA PINTADA
O objeto dessa pesquisa, Pedra Pintada, esta situada na comunidade de
São Marcos e
é um símbolo que retrata a existência do indígena nestas terras antes mesmo
de chegar o homem branco (karaiwa) nas Américas. Os estudos arqueológicos
e antropológicos mostram que há pelo menos cinco mil anos o homem já
habitava estas terras. Esse homem deixou suas marcas e gravuras em pedras
12
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
especiais, aos quais chamamos de sítios arqueológicos, para poder se
comunicar com as futuras gerações. (ALMEIDA; MANDUCA; SILVA; 2008 p.31)
A Pedra Pintada, a qual possui 40 metros por 60 metros de diâmetro. A
abundância de inscrições rupestres existentes em sua superfície deu origem a sua
denominação de “Pedra Pintada”. Essas pinturas deram “vida” a várias lendas sobre
a existência de um imenso lago, “Parimé ou Manoa”, que por conta do alto nível da
água teria possibilitado a realização das gravuras, seja no seu cume como também
dentro de algumas grutas.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do trabalho ainda está em fase de conclusão entendemos que é
importante mostrar alguns estudos já feitos, e principalmente evidenciar as intenções
desta investigação que tem como ponto principal pesquisar sobre um patrimônio
cultural que se encontra no estado de Roraima, a Pedra Pintada. Além de trazer esse
olhar crítico a esse bem que possui poucas propostas de preservação, também temos
a intenção de evidenciar a questão do patrimônio imaterial, que será fruto desta
pesquisa com base na Pedra Pintada. Assim, buscaremos entender a percepção dos
artistas indígenas roraimenses sobre esse bem, registrando a sua fala e analisando
os seus trabalhos artísticos.
REFERÊNCIAS
BAUER, M ; GRASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 7. ed. São Paulo: Vozes, 2002. 516 p.
CORRÊA, A; NUNES, A. Abordagem qualitativa de pesquisa em educação. 2009, 6 p.
MANDUCA, L; DA SILVA, N; ALMEIDA,F. Atlas escolar –Terra indígena de São Marcos. 1 ed. Roraima: UFRR, 2008. 25 p.
ZANIRATO, S. Usos sociais do patrimônio cultural e natural. São Paulo, 2009, 152 p.
ZANIRATO, S; RIBEIRO,W. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável.
13
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A POÉTICA VISUAL NOS FILMES DE ALEX PIZANO
Clarisse Martins dos Santos (UFRR, Roraima) Leila Adriana Baptaglin (UFRR, Roraima)
Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica;
1 INTRODUÇÃO
Apresentamos a pesquisa inicial de Trabalho de Conclusão de Curso que se
encontra em fase de andamento, que propõe como objetivo geral compreender como
ocorrem os processos artísticos utilizados na poética visual do diretor Alex Pizano e,
como objetivos específicos; conhecer a construção da poética visual dos filmes curtas-
metragens e longa-metragem do diretor e identificar a singularidade da poética visual
de Alex Pizano, no contexto roraimense. A metodologia escolhida para o
desenvolvimento da pesquisa abrange os aportes teóricos e metodológicos das
teorias dos Estudos Culturais. Neste sentido, a estruturação metodológica e as bases
do referencial teórico partem deste campo.
O cinema utiliza dois meios para estabelecer uma comunicação, a imagem que
constrói sua comunicação pelo conteúdo e pela forma com que captamos este
conteúdo, e o som que se divide em três categorias, locução, trilha sonora e efeito
sonoro. Cada imagem tem dentro de si uma impressão sobre o olhar peculiar do artista
sobre uma obra. Quando denominamos nesse trabalho que esta imagem é poética,
buscamos, na verdade dizer que ela é singular do artista/diretor. É a forma de ele
representar o mundo.
2 DESENVOLVIMENTO
Reconhecida por sua adequação para a abordagem da comunicação a partir
da cultura, a perspectiva dos Estudos Culturais, em suas diversas vertentes, fornece
subsídios para a discussão do processo comunicativo, suas práticas e formas
simbólicas. Sua origem está situada nos finais da década de 50 do século XX, na
Inglaterra como um projeto da abordagem da cultura a partir de perspectivas críticas
14
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
e multidisciplinares. Mattelart e Neveu (2010) salientam que os estudos culturais
conheceram a sua verdadeira institucionalização em 1964, com a criação do Centre
for Contemporary Cultural Studies (CCCS) diante da alteração dos valores tradicionais
da classe operária da Inglaterra do pós-guerra. Afirmam ainda que seu objetivo era a
de estudar “as formas, práticas e instituições culturais e as suas relações com a
sociedade e a mudança social” (Mattelart & Neveu, 2010, p.16).
As primeiras teorizações que forneceram o suporte para os Estudos Culturais
advêm dos textos criados pelos pesquisadores Richard Hoggart (The Uses of Letracy-
1957), que estudou a influência da cultura difundida nas classes trabalhadoras pelos
meios modernos de comunicação, Raymond Williams (Culture and Society-1958),
constrói um conceito histórico de cultura culminando com a ideia de que a cultura
comum ou ordinária pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade
de existência com o mundo das Artes, Literatura e Música, e Edward Palmer
Thompson (The Making of the English Working-class-1963) que reconstrói uma parte
da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular. Esses trabalhos
contribuíram para um novo entendimento de cultura tornando possível o
desenvolvimento deste campo de estudo. No período da década de 80 e 90, os
Estudos Culturais se descentralizaram geograficamente e seu objeto de estudo ficou
cada vez mais diversificado, perpassando as relações entre cultura contemporânea e
a sociedade, os meios de comunicação de massa e a pluralidade na constituição de
identidades culturais.
A abordagem dos meios de comunicação partiu da aproximação entre o
estruturalismo marxista volvido para estruturas de dominação e o culturalismo que
considerava a cultura um nível em quais as desigualdades sociais são produzidas e
contestadas. A perspectiva culturalista prevê outra maneira de se conceber todo o
processo da comunicação, centrando a atenção nas várias possibilidades de interação
do indivíduo com a construção da poética visual presentes nas mensagens midiáticas.
Entendemos os Estudos Culturais como um campo teórico aberto e versátil que
permite interpretações reflexivas e críticas a ponto de contribuir para a construção de
um conhecimento fértil. Com os subsídios fornecidos pelos Estudos Culturais
poderemos entender o processo de produção da poética visual dos filmes que serão
estudados e construir um discurso crítico e auto-reflexivo deles.
15
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Os filmes são produções em que a imagem em movimento, aliada às múltiplas
técnicas de filmagens e montagem e ao próprio processo de produção, cria um
sistema de significações. Para compreender esse sistema, entendido como processo
de produção da poética visual, percebemos que é preciso analisar os filmes,
descrevendo-os e estabelecendo as relações entre esses elementos decompostos,
fazendo assim uma interpretação. Segundo Penafria (2009) a decomposição recorre,
pois a conceitos relativos à imagem (fazer uma descrição plástica dos planos no que
diz respeito ao enquadramento, composição, ângulo,...) ao som (por exemplo, off e in)
e à estrutura do filme (planos, cenas, sequências).
Para isso, nosso primeiro passo será assistir a todos os vídeos, fazendo
apontamentos gerais sobre eles, para, em seguida, escolher aqueles que parecerem
mais significativos para a temática desta pesquisa. Em seguida, pretendemos analisar
cada um dos trabalhos selecionados, identificando os efeitos da experiência fílmica,
essa análise tomará como base os Estudos Culturais.
Os Estudos Culturais, nesta perspectiva, buscam uma análise focada no
entendimento dos elementos decompostos e sua articulação com a proposta poética
do cineasta em seu contexto de produção.
A origem do cinema é parte de um período de grande desenvolvimento
tecnológico e modernos modos de percepção que se permutavam no século XIX. A
história das imagens em movimento projetadas em sala escura, de instrumentos
óticos e das pesquisas com imagens fotográficas teve início quando o homem teve
condições técnicas de proceder o registro da imagem em movimento.
No Brasil, o cinema teve início em 19 de julho de 1898, com a chegada do
cinegrafista italiano Alfonso Secreto, que registrou algumas imagens da Baía de
Guanabara. No ano seguinte, ele faz a primeira filmagem de São Paulo, durante a
celebração da Unificação da Itália. Sendo assim considerado o primeiro cinegrafista e
precursor do cinema no Brasil. A partir daí, ele passa a realizar filmagens juntos com
seu irmão, tornando-se praticamente os únicos produtores de cinema do país até 1903.
Em 1908 há um florescimento do comércio cinematógrafo, devido ao aumento
industrial e o crescente uso de energia elétrica no Rio de Janeiro e São Paulo, dando
início assim a chamada época de ouro. O cinema brasileiro em seus anos de histórias
teve momentos de grande repercussão internacional, como na época do Cinema Novo,
16
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
e de crescimento do mercado interno, como no período da Embrafilme1. Constitui-se
um eixo de produção privilegiado entre Rio e São Paulo, onde surgia a maior parte
das produções. Fora desse eixo, a produção foi episódica e em ciclos de pequenas
durações, como ocorreu em Manaus, com a produção de Silvino Santos, pioneiro do
cinema amazonense que produziu uma série de pequenos filmes no século XX.
Por exigir grandes investimentos, em geral o cinema brasileiro pouco quebrou
a hegemonia Rio São Paulo. O século XXI, com a popularização das câmeras e da
internet, propiciou um novo surto de produção cinematográfica. É nesse contexto que
se insere a produção de Alex Pizano. Nascido em Manaus, com formação em
Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, realizou
produções audiovisuais distintas e independentes, entre videoclipes de bandas locais
a propagandas e filmes. Entre os filmes produzidos estão o média-metragem
experimental de ficção ‘Divida Sangrenta’ (2007), o longa-metragem, também ficção,
‘Remanescente das Sombras’ (2009), o curta metragem de ficção ‘O Estranho’ (2011)
que foi exibido em mostras e festivais de São Paulo e Minas Gerais e premiado no
festival Tela Digital em outubro de 2011 e o curta metragem policial ‘O Último Lamento’
(2012), que segundo a matéria do Jornal de Roraima de 30 de junho de 2014,
participou da 10ºFest Cinemazônia, Festival Latino Americano de Cinema (RO-Brasil),
4ª Mostra de Cinema da Amazônia (PA-Brasil), 5º Festival Internacional ArtDeco de
Cinema (SP-Brasil) e do 7º Festival de Cinema com Farinha (PB-Brasil).
É com base neste material produzido por Alex Pizano que buscaremos
compreender a construção do processo artístico na poética visual do cineasta através
dos elementos específicos da linguagem do cinema, o espaço fílmico, os
enquadramentos, o plano de campo, o som, a montagem e o texto fílmico, que nos
permite analisar os sistemas internos do mesmo, e estudar as configurações
significantes presentes na produção cinematográfica.
A poética visual do cinema é revelada a partir de uma elaboração das cenas,
onde o diretor define os enquadramentos, ângulos, transições, dentro de uma
1 Empresa estatal brasileira, criada no dia 12 de setembro de 1969, produtora e distribuidora
de filmes cinematográficos.
17
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
narrativa fílmica, permeada pela a direção de arte, fotografia, efeitos sonoros e visuais,
assim como a edição do filme.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cinema vem sendo objeto de pesquisas por conta daquilo que suas relações
com as sociedades podem nos revelar, podendo ser um objeto de análise importante
para uma abordagem social. O filme é um meio visual que dramatiza um enredo
básico, lida com fotografias, imagens, linguagens e, através de signos, códigos, que
pela leitura são apreendidos, nos passa uma mensagem. Assim, como as outras artes,
o cinema tem o poder de movimentar nossos sentidos, provocando emoções,
proporcionando experiências, que estimulam, desenvolvem e viabilizam poder
epistemológico assim como outras fontes.
Nessa perspectiva, estudar as produções que são veiculadas e produzidas em
nossa região reveste-se de uma importância impar para compreender as dinâmicas
sociais e culturais do espaço amazônico. Como o trabalho de Alex Pizano é pioneiro
em termos de produção ficcional e independente em Roraima, estudar seu processo
de construção poética pode contribuir sobremaneira para se observar não apenas a
qualidade de sua obra em si, mas também estabelecer inter-relações entre essa
poética e o contexto de produção artística do Estado na atualidade. Do ponto de vista
acadêmico, será a primeira produção a debruçar-se sobre a obra do jovem diretor,
motivo pelo qual o presente projeto pode tornar-se também em significativa
colaboração para o conhecimento e a compreensão da cinematografia roraimense.
REFERÊNCIAS
BURCH, Noel. Práxis do Cinema. São Paulo: Editora Perspectiva. CAMPOS, Renato Márcio Martins de. História do Cinema Brasileiro- Os Ciclos de Produção Mais Próximos ao Mercado. In: Trabalho apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Disponível em: <http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/historia-do-cinema-brasileiro-de-renato-de-campos>>. Acesso em: 12 set. 2012. COSTA, Flávia Cesarino. Primeiro Cinema. In: MASCARELO, Fernando (Org.). História do cinema mundial. Campinas, São Paulo: Papirus, 2006. p.17-50.
18
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
COSTA, Selda Vale da; LOBO, Narciso Julio Freire. Cinema no Amazonas. Estud. av., São Paulo, v.19, n.53, abr. 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000100018&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 27 set. 2012. DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução de Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 323 p. MARTINS, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. Lisboa Portugal: Dinalivro, 2005. 333 p. MATTELART, A.; NEVEU, É. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 215 p. PENAFRIA, Manuela. Análise de Filmes- conceitos e metodologia(s). VI Congresso SOPCOM, Abril de 2009. Disponível em:<http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-penafria-analise.pdf> Acesso em: 01 out. 2014. CHACON, Sonja. Jornal de Roraima. <http://jornalderoraima.com/noticia/3326/o_grande_exemplo_da_producao_audiovisual>. Acesso em: 03 out. 2014. Dívida Sangrenta. Direção de Alex Pizano, produção de Jean Carlos Farias. Boa Vista, 2007. Filme (30 min), sonoro, colorido. Remanescente das Sombras. Direção de Alex Pizano, produção Farley dos Santos. Boa Vista, 2009. Filme (120 min), sonoro, colorido. O Estranho. Direção de Alex Pizano, produção de Daniele Melo, Dominich Cardone, Natascya Melo, Demetrio Nascimento, Lucas Veloso, Farley dos Santos e Orib Ziedson. Boa Vista, 2011. Filme (10 min), sonoro, colorido. O Último Lamento. Direção de Alex Pizano, produção de Cláudio Chaves Lavôr (Biosphere Records). Boa Vista, 2012. Filme (08 min), sonoro, colorido.
19
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
EUTANÁSIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL RORAIMENSE: O HOSPITAL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, BOA VISTA/RR
Claudia Helena Campos Nascimento (Universidade Federal de Roraima, RR) Alyene A.da S.Camapum Guedes (Secr. Municipal de Saúde de Roraima, RR)
Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica.
1 INTRODUÇÃO
A história da saúde pública no atual estado de Roraima, extremo norte do
Brasil, ainda não foi contada, o que podemos atribuir à sua história recente. Contudo,
mesmo recente, alguns de seus bens já estão sofrendo danos irreversíveis para sua
compreensão e documentação. Um desses edifícios é o antigo Hospital Nossa
Senhora de Fátima, que ficava localizado na confluência da rua Inácio Magalhães com
a avenida bento Brasil, no Setor Especial Histórico, na Zona Central de Boa Vista,
capital de Roraima.
O presente artigo pretende desenvolver o histórico do referido imóvel, a partir
do trabalho acadêmico (CAMAPUM; SPIES e DURÃES, 2014) desenvolvido em
disciplina do curso de Arquitetura e Urbanismo, que propunha a reabilitação do citado
edifício, e registrar questões sobre o seu declínio que levaram a que, em janeiro de
2015, fosse sumariamente demolido.
Cabe destacar o inquestionável valor histórico que o edifício do Hospital
Nossa Senhora do Carmo possuía, visto ter sido o primeiro serviço de saúde pública
do estado de Roraima e, especialmente, na cidade de Boa Vista2.
2 Outra instalação criada na mesma década é um sanatório para tuberculosos, na Fazenda
São Marcos que, contudo tinha a função principal atender aos casos de tuberculose que atingiam as
comunidades indígenas, (REPETTO, 2007)
20
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Histórico
Desde os primórdios de ocupação dessa região pela coroa portuguesa, a
partir da construção do Forte São Joaquim no século XVIII, os serviços públicos foram
centralizados em estruturas que tinham como princípio a defesa do território do que
se chamou Guiana Brasileira. A ocupação, primeiramente militar, passa a ter, como
objetivo estratégico de inserção de população civil, a introdução das primeiras
cabeças de gado na região em 1787 pelo, então governador, Manoel Lobo D’Almada.
Contudo, apenas no século XIX consolida-se a ocupação civil no que pode ser hoje
chamada de capital do estado, cidade de Boa Vista, a partir da fazenda de gado
extensivo do capitão Inácio Lopes de Magalhães, e das demais fazendas que surgiram
em torno da bacia hidrográfica do rio Branco.
Em 1924, Hamilton Rice (1875-1956) apresenta em seus registros de viagem
um pequeno núcleo urbano composto por três ruas paralelas ao rio Branco e três
perpendiculares (Figura 1). O escritor Evelyn Waugh. (1903-1966) destaca como
relevância arquitetônica os bens pertencentes à Igreja Católica, especialmente a
Matriz na pequena Vila de Boa Vista e a Prelazia, em 1932.
Figura 1: Vista aérea de Boa Vista, 1924
Autor Hamilton Rice Jr.
Incipiente ainda em 1909, Boa Vista recebe os monges beneditinos que se
propõem a desenvolver a cidade a partir da presença da Igreja. A atual Prelazia é
importante na história da saúde local, visto que fora construído para o atendimento
21
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
médico, contudo o prédio, espaçoso e belo, nunca teve esse uso, sendo sede do
prelado, recepção e moradia de religiosos, desde 1929. O argumento para o não uso
hospitalar para o edifício da Prelazia era que o mesmo era demasiadamente grande
para esse uso e, portanto não ser possível adquirir a mobília necessária. Contudo
esses mesmos religiosos, ainda na década de 1920, se propõem à construção de uma
pequena casa que serviria como centro de atendimento médico (Figura 2), ao lado da
escola (Anuário do Rio Branco, in BARRANZUELA, 2015, p. 25), também
administrada por estes. De pequena edificação, vai passando por remodelações,
aumentada e convenientemente instalada, até que se torna por longos anos, o único
hospital em toda Roraima, sendo dirigido pelas monjas da Ordem de São Bento
oriundas da congregação de Tutzing, Alemanha, até 1948.
Figura 2: Hospital Nossa Senhora de Fátima, c.1925
Autor Desconhecido
É nesta época que o Território Federal do Rio Branco é desmembrado do
Estado do Amazonas, mais precisamente em 1943, passando a possuir certa
autonomia e estrutura administrativa.
Em 1948 a Santa Sé confiou a cura pastoral da Prelazia de Roraima ao
Instituto Missões Consolata, de Turim, Itália. Dom José Nepote Fus, conhecido como
responsável pela construção do Hospital Nossa Senhora de Fátima, entre 1952-1965,
promove a ampliação e modernização do centro médico, fazendo frente às crescentes
necessidades de atendimento médico da população. O edifício adquire sua forma
definitiva entre os anos de 1955 e 1960, com centro cirúrgico, enfermaria das mulheres
e muitos apartamentos para doentes. Em 1953, foi inaugurada a Divisão Assistencial
22
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
da Maternidade e Infância – DAMI 3 e em 1954, o Hospital Nossa de Fátima é
reformado e ampliado, passando a disponibilizar um centro cirúrgico, pediatria,
isolamento, farmácia e novas enfermarias. (FREITAS, 2000)
A antiga construção de barro foi incorporada a novas construções e reformada
com material de alvenaria, até assumir sua configuração definitiva (Figura 3). A partir
de 1960 procurou-se conservar e modernizar o prédio, introduzindo a enfermaria dos
homens e a melhoria dos equipamentos. O hospital entra em crise financeira; Dom
Aldo Mongiano (Bispo Emérito, entre 1968 e 1975) busca ajuda financeira das
instâncias públicas, sem grande sucesso, garantindo apenas a sobrevivência do
hospital.
Figura 3: Hospital Nossa Senhora de Fátima, meados do século XX.
Fonte: Diocese de Roraima
Esse momento de crise do Hospital Nossa Senhora de Fátima coincide com
a construção do primeiro hospital público, o Hospital Coronel Mota, além de uma
política de saúde descentralizada de Boa Vista, com a implantação de uma rede de
3 A DAMI funcionava onde hoje se encontra a Secretaria Estadual de Planejamento-SEPLAN,
à rua Coronel Pinto, 241, Centro de Boa Vista.
23
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
postos de saúde, tanto de iniciativa municipal (6) quanto da gestão do Território (2
hospitais, pronto-socorro, maternidade e 6 postos de saúde), além de outras
estruturas municipais
O único atendimento hospitalar pricado é o da Prelazia de Roraima, entidade religiosa de fins filantrópicos, subordinada ao bispado, além de médicos e laboratórios particulares (...) O Hospital Nossa Senhora de Fátima, da Prelazia de Roraima situado na área central da capital, conta com 8 pavilhões, 74 leitos para clínica médica, cirúrgica e pediátrica. Possui ainda três consultórios, sala de cirurgia, sala de parto e aparelho de raios X e um único laboratório de anatomia patológica do território. A sua área de atendimento é restrita, limitando-se à capital, mas, eventualmente, atende às localidades de Taiano e Saurumú (Atlas de Roraima/ Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Rio de Janeiro. IBGE, 1981)
Desta forma, o antigo hospital das irmãs, como é popularmente conhecido o
Hospital Nossa Senhora de Fátima é fechado por falta de aporte financeiro, somado
aos interesses da Diocese em utilizar o edifício para cursos, retiros e treinamentos, e
assim a edificação passa por longos anos de abandono. Em 1985 são encerradas
atividades no imóvel, poucos anos antes do Território de Roraima ser elevado à
categoria de Estado, em 1988.
Nem o seu passado histórico e contribuições para a memória e para a
sociedade boavistense foram suficientes para evitar seu descaso. Reconhecido por
seu valor patrimonial para a cidade, a edificação foi demolida em janeiro de 2015.
2.2 Contexto legal incidente sobre o bem arquitetônico
O Hospital Nossa Senhora de Fátima possuia proteção por tombamento
estadual pela Constituição Estadual de Roraima (RORAIMA, 1991, Artigo 159, Inciso
XVI) e estava inserido no Setor Especial Histórico, de acordo com a Lei de Uso do
Solo do Município de Boa Vista (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, 2006) e,
adicionalmente, inserida na área de entorno de diversos bens imóveis tombados, tanto
pelo Município quanto pelo Estado, aos quais podemos destacar a Igreja Matriz e o
24
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Colégio São José – próprios da Diocese – e o Grupo Escolar Euclides da Cunha, sobre
os quais há a dupla4 afetação de tombamento. Consta5 que há tombamento municipal.
Contudo, nenhum desses instrumentos foi capaz de garantir a sua
manutenção e permanência. Foi necessária a criação de um outro instrumento que
avalizasse o destombamento como justificativa para sua sumária demolição, através
do Decreto 006/E, de 19 de janeiro de 2015 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA
VISTA, 2015); a demolição ocorreu no dia 16 de fevereiro, isto é, na segunda-feira de
Carnaval.
Figura 4: Hospital Nossa Senhora de Fátima, antes e depois da demolição, 2015. Fonte: Folha de Boa Vista
A Lei de Uso do Solo de Boa Vista (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA
VISTA, 2006) aponta para parâmetros e condições de uso possíveis para o referido
imóvel. Por encontra-se no Setor Especial Histórico, os parâmetros são um pouco
mais restritivos que das demais Setores da Zona Comercial, contudo admitem até
usos de méio impacto, o que corresponde, por exemplo: para uso comercial varejista
shopping center; serviços como locação de veículos (com garagem) ou oficina
4 Isto é, pelo Município de Boa Vista e pelo Governo do Estado de Roraima.
5 O Decreto nº 006/E, de 19 de janeiro de 2015 cita o tombamento do Hospital Nossa Senhora de Nazaré através do Decreto nº. 2.614/1993. Embora não tenha sido possível localizar a legislação municipal, temos em FETEC (2014) a indicação da legislação consultada para elaboração dessa listagem de bens tombados pelo Município de Boa Vista: Lei nº 229/1990; Lei nº 230/1990; Lei nº 231/1990; Lei nº 232/1990; Decreto nº 2.558/1993; Decreto nº 2.614/1993 (grifo nossa); Lei nº 940/2007. Contudo este imóvel não se insere na listagem.
25
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
mecânica; para uso industrial de fabricação de produtos alimentícios (conservas,
sucos, massas, molhos, temperos, laticínios, entre outros); uso agrícola (aquicultura,
criação de ovinos, entre outros). O serviço de estacionamento, conforme levantado
como hipótese a priori, nesse terreno poderia atender confortavelmente a uma
demanda de mais de 150 (cento e cinquenta) automóveis. Contudo, como é previsto
no mesmo instrumento jurídico, “para obter as licenças ou autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento, [o estacionamento e vários outros usos possíveis para
este lote] sujeitam-se ao EIV [Estudo de Impacto de Vizinhança]” (IDEM, Artigo 36).
O Laudo Técnico de Inspeção Predial6 aponta equívocos quanto ao sistema
estrutural, visto o imóvel ser quase em sua totalidade em sistema de alvenaria
autoportante de tijolos cerâmicos, além do fato de terem sido identificadas nas
alvenarias apenas fissuras higroscópicas e trincas, que não são patologias estruturais
identificáveis sem o uso de recursos de ensaios, como a instalação de testemunhos,
ou o uso de instrumentos, como o fissurômetro.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como a eutanásia, a preservação do patrimônio cultural possui
diferenciações de acordo com cada sociedade. No Brasil, como em outros países, sua
prática não é aceita, contudo serve, no momento, como metáfora para a questão
proposta. A eutanásia ativa é planejada passo a passo em conjunto para chegar ao
seu intento, enquanto que a eutanásia passiva cria condições que levam naturalmente
ao fim proposto. Desta forma, ao Hospital Nossa Senhora de Fátima, como marco que
foi na saúde pública do Estado de Roraima, não foi concedido o direito de uma
ortonásia ou mesmo sua cura: com o progressivo destelhamento do imóvel, buscou-
se comprometer sua saúde, numa eutanásia passiva; com o trator, num feriado
prolongado e sem dar direito a quem o defendesse, foram ativos no fim do imóvel.
6 Correspondente à vistoria realizada nos dias 17 e 19 de maio de 2014 pelo Eng. Civil Paulo Henrique Brasil Hass Gonçalves e que consta do Processo nº 149/14-FETEC, folhas 12 a 20, seguido de Relatório Fotográfico.
26
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Poderíamos acrescentar os equívocos de diagnose ou mesmo a indicação paliativa
equivocada, crendo que a edificação já estava condenada ao seu fim.
Há pouco o que dizer sobre o que restou, que possa realmente ser edificante.
Porém é imperativo que atentemos para a função social da cidade, de forma ampla,
não somente para exigirmos suas benesses, mas para fazer valer o que nos é dever.
A Constituição Federal dia que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro” (BRASIL, 1988, Art, 216, §1º.),
portanto, quando a ferida na cidade é aberta, também cabe aos cidadãos e sociedade
civil organizada, dentro de suas possibilidades, se posicionar criticamente em relação
ao que está ocorrendo, preferencialmente de forma protetiva e participativa.
Conservar prédios históricos não é apenas uma questão cultural, mas é dar
uma nova utilidade para esses locais que estavam abandonados. É também uma
exemplificação da importância de cada atividade em seu devido tempo, sendo que
todas são fundamentais para a manutenção da identidade, história e recordação da
construção de um povo. O Hospital Nossa Senhora de Fátima representa um resgate
da importância dessa edificação para a sociedade roraimense que tanto precisou
desse lugar e que poderia ser reutilizado de tantas formas mais adequadas para um
terreno situado no Setor Especial Histórico.
REFERÊNCIAS
BARRANZUELA, Noelia Ceferina Gomez. O Atendimento em Psiquiatria na Cidade de Boa Vista: Retrospectiva Histórica 1960-1980. Boa Vista: Universidade Federal de Roraima/Departamento de História, 2015 (monografia)
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988 ....
BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constrtituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências [Estatuto das Cidades]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em out. 2015.
CAMAPUM, Alyene; SPIES, Bethânia; DURÃES, Catarina. Projeto de revitalização do Hospital Nossa Senhora do Carmo. Boa Vista/RR: Curso de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal de Roraima, 2014. (trabalho acadêmico para a disciplina Projeto Arquitetônico V)
27
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
FETEC. Listagem dos bens tombados pela Prefeitura Municipal de Boa Vista. Boa Vista: FETEC, 2014. (fotocópia)
FOLHA WEB. Primeiro Hospital: Diocese manda demolir prédio de 1924. Boa Vista, 19 de fevereiro de 2015. Disponível em http://folhabv.com.br/noticia/Diocese-manda-demolir-predio-de-1924/4709 Acessívem em out. 2015.
FREITAS, Luiz Aimberê de. Geografia e História de Roraima. Boa Vista: DLM, 2000.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas de Roraima. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Decreto nº. 006/E, de 19 de janeiro de 2015, que regulamenta a realização de destombamento nomunicípio de Boa Vista/RR e detomba o antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima. Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=NjM0. Acesso em out. 2015.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei nº. 926, de 29 de novembro de 2006, que dispõe sobre uso e ocupação do solo urbano do município de Boa Vista e dá outras providências (Lei de Uso do Solo). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014124541.pdf. Acesso em out. 2015.
RABELLO, Sônia. O Estado na preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009.
REPETTO, Maxim (coord.) Programa de Preservação e Valorização do Patrimônio Historico e Cultural dos Povos Indígenas na Terra Indígena São Marcos – Roraima. Boa Vista: UFRR, APIRR, 2007.
RORAIMA. Constituição do Estado de Roraima, de 31 de dezembro de 1991. Disponível em http://www.tjrr.jus.br/legislacao/phocadownload/Leis_em_PDF/const.estadual.pdf. Acesso em out 2015.
28
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
AS FUNCIONALIDADES DAS FESTAS ENQUANTO CULTURA POPULAR
Glauciene Dutra Silva (Universidade Federal de Roraima)
Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica.
Introdução
O presente artigo propõe-se a analisar como os grupos culturais, no caso as
festas populares como sujeitos que dinamizam os espaços urbanos e suas
funcionalidades diante do contexto social, ganhando relevância por apresentar um
valor simbólico, assim auferindo novas características de acordo com as
transformações sociais, e as inovações dessas destas.
A partir das referências bibliográficas referente à temática, cultura, patrimônio
imaterial cultural e cultura popular, foi possível analisar as formas como estas se
manifestam.
Os resultados apontam que essas culturas vão além de uma cultura racional,
por se tratar de movimentos culturais que se reconstroem sem perder a tradição de
representar uma determinada cultura. Uma festa típica dessa modificação de acordo
com as mudanças sociais são as festas juninas, pelo qual de modelam de acordo com
a dinâmica social, política e econômica.
Cultura popular: festejos juninos
A cultura popular de acordo com seu contexto histórico-geográfico ganhou
uma nova fisionomia de acordo com evolução da sociedade moderna. Os festejos
juninos para algumas regiões brasileira são movimentos populares que simbolizam
um marco cultural, um momento onde os desejos, as paixões por essa festa torna-se
uma única identidade, quando se trata de quadrilhas juninas, o que então seria uma
identidade individual se torna uma identidade coletiva, cultura compartilhada através
desses festejos.
Estas festas influenciam diretamente os sujeitos dentro de uma sociedade,
quando proporciona lazer, um momento de pluralidades de sentimentos que
dinamizam essas festas. E para os “quadrilheiros” são momento de fé, recreação,
29
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
tradição, sentimentos que fazem deles uma identidade distinta pela efervescência que
esta festa os oferece. Os festejos juninos de acordo com o contexto histórico estes
passam por uma reconstrução de significados simbolizando diferentes interesses de
acordo com as épocas.
As festas do período colonial no Brasil enfatizaram o caráter funcional da festa
e a oposição entre o “calendário da rotina e do trabalho dos homens” bem como o
“tempo fáustico” contido na festa (DEL PRIORE, 2000, p. 10).
O que se busca compreender é que em todo o tempo as festas ganham novas
características, as festas juninas é um exemplo dessa diferentes representações
simbólicas, que cabe aos espaços sociais e culturais darem diferentes valores e
diferentes significados a esse festejo. Nesse sentindo o lugar festivo enquanto valor
simbólico torna se significante dentro de um espaço social.
As festas e suas múltiplas funções
Em uma visão geral, uma manifestação realizada por um determinado grupo,
com intuito de homenagear algo/alguém ou apenas vivenciar momentos de diversão
e lazer, este um conceito singular para denominar as festas. Sendo esta uma das
manifestações mais antigas da humanidade, na qual os costumes dos povos,
manifestação cultural, vêm sendo transmitida por gerações. Ao ser analisada essas
manifestações é perceptível ás múltiplas questões envolvidas, muito além de
momentos de lazer. Neste sentido Del Priore (2000, p. 12) diz:
O momento festivo tem sido celebrado ao longo da história dos homens como um tempo de utopias, ou seja, tempo de fantasias e liberdades, de ações vivazes, mas também de frustações, revanches e reinvindicações de vários grupos. Está presente em toda a história da humanidade, pela amplitude que o termo atinge e diversidade de tipos de manifestações festivas.
As manifestações ganham novas proporções, e na modernidade estes tipos
de celebrações em alguns casos se torna um momento de comemoração, conquista
por algo, ou até mesmo por motivos negativos de revolta. Resultando em distintas
formas de expressar diante da sociedade. “As festas podem ser estudadas pela
geografia buscando revelar as diferentes escalas espaciais com quais se relacionam
os eventos festivos, geralmente compreendidos a partir de sua territorialização”
30
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
(FERREIRA, 2003, p. 15). As festas em um contexto abrangente estão relacionadas
ás múltiplas funções como: lazer, manifestações cultural, economia, e o atrativo
turístico.
O lazer é um momento de repulsa das tensões decorrentes do cotidiano, no
qual busca a interatividade positiva com atividades lúdicas. Ou seja, os festejos
sempre estão relacionados ao lazer, mesmo que esteja relacionado com uma temática
específica, o lazer é uma funcionalidade dessa manifestação.
A manifestação cultural é muitas vezes o determinante de como ocorre à
realização do festejo, podendo ser característico da cultura local. Castro (2009, p. 187)
argumenta que as festas populares representam uma manifestação cultural que pode
ter sua origem determinada por fatores distintos e que sempre se recriam e atualizam.
No ponto de vista econômico, este é uma das metas mais almejadas pelos os
organizadores das múltiplas festas, não apenas populares. Sua ligação é muito clara
nesse campo, podendo ser um dos principais objetivos da realização do mesmo. Esse
retorno econômico contribui diretamente para as festa se manterem, tornando então
uma tradição local, que posteriormente favorecendo outros campos como o turismo,
no momento que se torna uma festa popular e com inúmeras atrações, contribuindo
para divulgação da região.
Atrativos turísticos atualmente também são representados pelos festejos, as
festas estão embrenhadas de questões culturais que dita à dinâmica local, dessa
forma torna-se um atrativo turístico. Ex: o Carnaval realizado na cidade do Rio de
Janeiro apresenta de forma explicita a cultura brasileira composta por questões
ligadas ao local, despertando um interesse enorme por parte dos estrangeiros.
E notável como os festejos são dinâmicos ocorrendo de acordo com a
dinâmica local e suas funcionalidades. “A festa, no sentido mais puro o termo,
representa algo da vida humana em que o trabalho, o lazer, o lúdico, o riso, o sagrado,
o doméstico, constituíam um todo” (MAIA, 2004, p. 162). O festejo é um momento de
descontração e de afastamento das implicações negativas resultantes das relações
sociais.
Um dos significados da festa está no seu poder de mobilizar as identidades, já que seu significado, suas manifestações, seu desenvolvimento, os discursos e os mitos mantêm relacionando de perto ou de longe a unidade e a identidade (BEZERRA, 2008. p. 9).
31
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
As festas populares podem ser analisadas a partir de diferentes tipologias na
qual as características desses festejos são determinadas pela cultura. Sendo que “as
festas podem ser manifestações da cultura de um determinado povo, fazendo parte
de seu patrimônio cultural” (OLIVEIRA; CALVENTE, 2011. p. 82).
O termo cultura é entendido e explicado de maneira divergente por diferentes
ciências. Kuper (2002, p. 295), diz que a cultura “não é uma questão de raça, ela
aprendida e não transmitida por genes”. Ou seja, sendo algo que ao ser vivenciado
torna-se parte do ser humano. O mesmo autor afirma, que uma questão de ideias e
valores, uma atitude mental coletiva. O exemplo de uma manifestação cultural no
Brasil é os festejos juninos de grande expressão na sociedade. De acordo com Corrêa
(1999, p. 52) a cultura é:
Um conjunto de técnicas, saberes, atitudes, ideias e valores, apresentando componentes materiais, sociais, intelectuais e simbólicos, que são transmitidos ou inventados, formando sistemas de relações entre os indivíduos, mas expressos diferentemente por cada um.
A cultura é apresentada a partir do determinando comportamento de um grupo
social, caracterizado em algo adquirido e compartilhado na sociedade. Para Ribeiro
Jr (1982, p.75), compreende-se então a cultura enquanto produto simbólico e
enquanto processo social. Sendo este processo social, faz-se necessário analisar o
dinamismo, sendo de acordo com as relações estabelecidas e o tempo, a partir do
cotidiano dinâmico da realidade.
Sendo a cultura uma determinante para os tipos de festejos a questão
religiosidade é uma temática constante. As festas religiosas populares são ocasião
para o pagamento de promessas e momentos de lazer em que se desenvolvem laços
de solidariedade nos meios populares.
A religião é um dos elementos básicos, constitutivos da cultura de toda
sociedade, sendo base fundamental da estrutura social. A sociedade moderna
constitui-se em uma dinâmica entre o sagrado e o profano, caracterizando como
festas populares apesar da distancia de valores, porém ambas em certas ocasiões se
encontram em só ritmo. Exemplo às festas juninas realizadas pelas igrejas com intuito
de arrecadação de fundos para a mesma. Mas seriam realmente sagrado e profano?
32
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Dependendo de como esta estiver estruturada, poder se apresentar apenas como
uma festa simbólica e religiosa.
É possível constatar a realização dessas manifestações sagrada que estão
sempre ligadas ao profano, desde o início da introdução catolicismo no Brasil. A
tradição de realizar festejos em homenagem aos “santos” é algo comum e antigo.
Nestes festejos evidenciar a vinculação do “sagrado e profano”, pois ao
mesmo tempo, que a homenagem sagrada a um determinado “santo”, como exemplo,
São João, São Pedro, Santo Antônio entre outros, envolvem questões financeiras e
ditas “mundanas”, termo utilizado para dizer que nestes locais ocorre o uso de bebidas
alcoólicas, danças e uso de dinheiro em bingos, rifas e leilões. De acordo com Maia
(2004, p. 92), com o passar do tempo muitas “superstições, abusos e exterioridades”
existentes nas festas de santos foram extintos, mas também não se pode negar que
os espaços sagrados passaram a ser mais respeitados e melhor apropriados durante
os festejos.
Apesar das mudanças que ocorreram no sentido de desvinculação do sagrado
e profano que vem ocorrendo durante um longo período, é possível observar a prática
dos festejos religiosos ligados a ações “mundanas”. Nesse sentido Maia (2004, p. 98),
afirma que [...] observa-se que a dinâmica sacroprofana da festa e determinados
modos de louvamento (realização de cavalhadas, congos, folias, etc.) persistem até
hoje.
No Brasil encontram-se as festas ligadas a produtos agrícolas, com
descendência europeia, esses festejos estão diretamente ligados ao plantio e a
colheita. Com o passar do tempo esses festejos diretamente ligados a produtos
agrícolas foram ganhando uma nova imagem, deixando esse lado tradicional e
apresentando produtos industrializados.
Dentre as tipologias de festejos que envolvem um determinado objeto como
pontos principais têm os festejos tradicionais. Ou seja, aquele festejo que reproduz
algo do cotidiano local. Os festejos Juninos por sua vez, se apresentam por meio de
suas imagens, símbolos e narrativas, opera como mediação simbólica entre
concepções, e nesse processo, une, interliga os laços e integra percepções baseadas
nos discursos da tradição cultural e na identidade local e regional (MORIGI, 2001).
As festas populares comemoradas no mês de Junho, referentes a Santo
Antônio, São João e São Pedro sofreram transformações e ganharam novos aspectos
33
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
na atualidade. Cada vez mais ocupam novos cenários e diferentes apresentação e de
reinvenção no atual contexto da sociedade. Isto e resultado de estratégias inovadoras
que estão sendo implementadas para que essas manifestações possam se destacar
e principalmente possam cumprir múltiplas funções na sociedade contemporânea.
Os festejos juninos cotizam com o processo de desenvolvimento da cidade de
Boa Vista de múltiplas formas, o qual passou a ser conhecido como maior festejo
folclórico da região.
Considerações finais
As festas são produções culturais e também expressam uma identidade local.
Esta identidade só se torna significante na totalidade dentro do contexto das festas e
com o social. No caso das festas juninas, este é o momento que a sociedade passar
a interpretar esse grupo como o ‘diferente’, que floresce todos os anos dentro dos
movimentos culturais que são os arraiais.
Assim, assumir uma identidade só terá sentindo se estiver relacionado a
algum grupo étnico ou cultural, que confronte uma diferença do outro. Então cabe
considerar que as festas é uma forma de representar diferentes territorializações.
Assim, também são responsáveis pela produção e reprodução do espaço, no qual dão
sentindo a cultura social de um determinado local.
Referências Bibliográficas
BEZERRA, A.C.A. Festa e cidade: entrelaçamentos e proximidades. Espaço e Cultura, UERJ, RJ, n. 23, p. 7 – 18, jan./jun.2008. CASTRO, J. R. B. de. Dinâmica territorial das festas juninas na área urbana de Amargosa, Cachoeira e Cruz das Almas - BA: espetacularização, especificidades e reinvenções. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da Bahia – UFBA. CORRÊA, R. L. Geografia Cultural: passado e futuro - uma introdução. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Manifestações da cultura do espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. p. 49 – 58. DEL PRIORE, M. Festas e Utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. FERREIRA, L. F. O lugar festivo – a festa como essência espaço-temporal do lugar. Espaço e cultura , UERJ, RJ, n. 15, p. 7-21, jan./jun. 2003.
34
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
HAESBAERT, R. Territórios alternativos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. KUPER, Adam. Cultura, diferença, identidade. In cultura: A visão dos antropólogos. Bauru: Editora Edusc. 2002. P. 285-310. LEITE, F.T. Métodos e técnicas de pesquisa: Monografias, Dissertações, Teses e Livros. Ideias e Letras, 2008. MAIA, C. E. S. Vox populivox dei: a romanização e as reformas das “festas de santo” (implicações nas práticas espaciais das festas do Divino Pai Eterno de Goiás). Espaço e cultura, UERJ, RJ, n.17 -18 p.89-106, jan./dez.2004. MALANSKI, L. M. Geografia Humanista: percepção e representação espacial. Revista Geográfica de América Central. Nº 52. ISSN 1011-48X, enero-junio 2014. pp. 29-50. MIRANDA, E. O. SILVA, S. M. H. Des-territorialização e Festa: A mercantilização do espaço público na Micareta de Feira de Santana. III Encontro Baiano de Estados em cultura.
35
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A CIDADE COMO DOCUMENTO: REFLEXÕES SOBRE A PRAÇA CAPITÃO CLÓVIS EM BOA VISTA-RR
Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima) Andréia Mariano de Aguiar (Universidade Federal de Roraima)
Ronádia Guilherme Alencar (Universidade Federal de Roraima)
Temática: Patrimônio Cultural Modalidade: Pesquisa científica
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teve início a partir de um trabalho desenvolvido durante o
segundo semestre do ano de 2014 para a disciplina Estudos Sociais e Econômicos,
do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima. O referido
trabalho teve como objeto de estudo a Praça Capitão Clóvis, em Boa Vista – RR, e
pautou-se por analisar a relação entre espaço público, memória e patrimônio cultural.
Nesse sentido, foram realizadas entrevistas com antigos moradores da cidade, os
quais usufruíram daquele espaço, e pesquisas em acervos documentais.
Como produto material da pesquisa, produzimos um documentário, com
duração de 5min, com relatos e fotos acerca das práticas de sociabilidade
desenvolvidas na praça, o que demonstrou a sua importância durante o surgimento e
o desenvolvimento da capital do estado de Roraima e seu papel como patrimônio
cultural e histórico.
No entanto, devido ao formato do documentário diversas questões não foram
aprofundadas, as quais desenvolveremos nesses artigo, como o entendimento da
cidade como um documento, fato igualmente verdadeiro para a Praça Capitão Clovis.
Sendo assim, neste trabalho serão expostas reflexões acerca do valor das
praças para a história de uma cidade, no caso Boa Vista, e indicaremos alguns
elementos que podem auxiliar na compreensão dos mecanismos que promovem o
seu processo de abandono. Para tanto, nos alicerçaremos em pressupostos teóricos
e técnicos da área de História e de Arquitetura e Urbanismo.
36
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2. A CIDADE COMO REGISTRO HISTÓRICO: A PRAÇA
Parte do cenário urbano, a praça “pode ser definida, de maneira ampla, como
qualquer espaço público urbano, livre de edificações, que propicie convivência e/ou
recreação para os seus usuários” (VIEIRO, BARBOSA FILHO, 2009).
Do ponto de vista histórico, o espaço urbano que se articula ao
desenvolvimento das praças foi a ágora grega. A ágora grega era um importante
elemento urbano, cujas funções atrelavam-se a vivência da vida pública. Nesse
sentido, embora fosse delimitado por um mercado, suas atividades incluíam diferentes
aspectos da visa social, notadamente a política (DIOGO, 2013).
Durante a Idade Média a praça configurava-se, além de marco inicial da cidade,
no centro de sua vida urbana, representativa, em menor escala, das estruturas e das
relações sociais como um todo (FERRARA, 1993).
Embora não possamos traçar, dada a natureza deste trabalho, todo o
desenvolvimento histórico das praças, cumpre-nos destacar que sua existência data
de milênios e foi utilizada por diferentes civilizações, mas sempre mantendo seu
caráter de espaço de integração e sociabilidade (VIEIRO; BARBOSA FILHO, 2009).
Percebe-se, assim, o caráter social da praça, entendida como “lugar intencional
do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de
manifestações da vida urbana e comunitária e, consequentemente, de funções
estruturantes e arquiteturas significativas” (DE ANGELIS, 2005, p.2). Reunir e
aproximar as pessoas, propiciando a interação com o outro, portanto, marca e
distingue a praça, transformando-a em um espaço material e, ao mesmo tempo,
simbólico, um campo de forças no qual diferentes projetos de ação se encontram.
A partir do exposto, percebemos a importância de um estudo que se proponha
a analisar essas unidades urbanísticas e como se apresentam na atualidade. Pois,
“praças, ruas, jardins e parques constituem o cerne do sistema de espaços abertos
na cidade. Nem sempre verdes, os espaços livres são o reflexo de um ideal da vida
urbana em determinado momento histórico” (ALEX, 2008, p.61).
Espacialmente, a praça é definida pela vegetação e outros elementos
construídos. Nesse sentido a Praça Capitão Clovis é classificada como Praça Seca,
pois ela é constituída de um largo histórico, com quadra de esporte e espaços que
suportam intensa circulação de pedestres.
37
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A praça, entretanto, não pode ser entendida de forma isolada, pois ela ganha
sentido em sua articulação com o entorno e com o tecido urbano, de modo a integrar-
se à rua, à arquitetura e aos elementos paisagísticos, procurando-se preservar o
caráter público desses espaços (ALEX, 2008).
No que se refere particularmente a Praça Capitão Clóvis, seu projeto e
construção remontam à década de 1940, período no qual diversas obras foram
realizadas como parte do processo de implementação do Plano Urbanístico de Boa
Vista e realizadas pela empresa do engenheiro Darcy Aleixo Derenusson,
denominada Riobras (REVISTA SELVA, 1950).
Segundo relatório do Capitão Clovis Nova da Costa7, a praça teve suas obras
iniciadas em 1947 e concluídas em 1948, cujos serviços foram realizados por empresa
particular, sob a orientação técnica da Divisão de Obras do Território. Ainda segundo
o mesmo relatório, a praça visava ao desenvolvimento do esporte, especialmente
entre os discentes do período (COSTA, 1949).
Sobre os custos para a construção da praça, ou seja, do parque infantil e campo
de esporte, cuja área perfazia 3.132m², somos informados que o custo total resultou
no valor de Cr$ 316.270 (COSTA, 1949).
Para termos uma ideia das características iniciais da então “Praça de Esportes
Capitão Clovis”, citaremos sua descrição presente no já mencionado relatório. Para
a praça de esporte temos:
[...]constituído de um campo de basquetebol e um de tênis, com piso de cimento. Arquibancada em cimento armado, com três degraus de cada lado, separando aqueles campos, tendo, na parte interna, banheiro, w.c. e vestiários, bem como, instalação elétrica, lavatórios e esgoto. Circundando a praça a parque foi construído passeio cimentado, com sargetas (...) e muro de contorno. A quadra de tênis é cercada com telas de arame e a de basquetebol (sic) com três fios de arame liso, galvanizado, presos em postes de madeira pintada (...) Possuem instalação elétrica para jogos noturnos, além da iluminação comum, na parte do parque, distribuída pelos postes de concreto, suportando globos de vidro branco. (COSTA, 1949, p. 97).
7 Governou o então Território Federal do Rio Branco, criado em 1943, em dois períodos nos
anos de 1947 e 1948. Portanto, o nome da praça o homenageia.
38
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Se observarmos sua conformação atual, veremos que alguns elementos
citados ainda podem ser lidos na atualidade, o que não implica afirmar que houve uma
política de proteção e valorização desse bem, como discutiremos mais adiante.
Figura 01 – Praça Capitão Clóvis em 1947.
Fonte: Acervo de Darcy Romero Derenusson.
Para a área do parque infantil, “foram montados balanços, escorregadores,
gangorras, traves paralelas e cadeirinhas com balanço” (COSTA, 1949, p. 97). Nesse
espaço torna-se mais evidente o processo de descaracterização e mutilação
empreendido na praça e, principalmente, o efeito negativo em sua forma de
apropriação pela população, visto que estes equipamentos não se encontram mais
presentes ou estão em péssimo estado.
Figura 02 – Praça Capitão Clovis
39
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Fonte: Rojailson Cruz, 2014.
Como dito anteriormente, a pesquisa para a realização do documentário, a
partir dos depoimentos obtidos e das opções teóricas, demonstrou que a praça pode
ser entendida como um documento histórico da implementação do plano urbanístico
de Boa Vista e, em uma escala maior, das políticas governamentais para o Território
Federal do Rio Branco. Além disso, é um registro do processo de desenvolvimento
urbano da cidade e de seu crescimento, ao mesmo tempo em que referencia relações
simbólicas, sociais e econômicas, vivenciadas nesse espaço.
A percepção da praça como um documento nos leva a discutir esse conceito e
suas implicações. Nas últimas décadas a História ampliou o conceito de documento
de modo a incluir diferentes suportes e agentes socais em sua produção e utilização.
Desse modo, pode constituir-se um documento um depoimento, uma obra de arte,
uma canção, a memória e, no caso em análise, um sítio urbano. Esse entendimento
é compartilhado por Lia Motta, para quem:
[...]os sítios urbanos são, de forma especial, objetos culturais histórica e socialmente construídos. Acumulam vestígios e trazem as marcas do processo de sua construção, das transformações, adaptações, apropriações e reapropriações sofridas ao longo do tempo, expressando, com sua conformação, as representações que ali se sucederam (2000, p. 260).
Nesse sentido, o valor de um sítio urbano ultrapassa conceitos que, durante
décadas, balizaram os processos de tombamento e preservação, como os de
excepcionalidade, monumentalidade e os valores estéticos e de unidade estilística.
Essa nova premissa, da cidade-documento, ganhou espaço nos órgãos de
preservação, especialmente no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-
IPHAN, a partir da década de 1980, o que também possibilitou a ampliação do próprio
conceito de patrimônio cultural (MOTTA, 2000; FONSECA, 2005).
A Praça Capitão Clovis, portanto, apresenta um valor documental como objeto
socialmente construído e apropriado, sujeito a relações de poder, manifestadas em
sua configuração espacial. Podemos considerá-la, ainda, como patrimônio histórico,
embora não consagrado como tal pelo poder público. Pois, conforme Motta,
“potencialmente, portanto, todos os produtos e espaços podem se tornar patrimônio:
basta que sejam utilizados como fonte para novas produções” (2000, p. 59).
40
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Sendo um patrimônio histórico urbano, cabe-nos indagar sobre os processos
que incidem sobre a praça atualmente, como o seu processo de precarização e
crescente falta de uso.
2.1 PRAÇA CAPITÃO CLOVIS: UM NÃO-LUGAR?
Até o presente momento, comentamos sobre a importância da Praça Capitão
Clovis como um dos “lugares socialmente produzidos, onde se acumulam vestígios
culturais que documentam a trajetória das sociedades locais” (MOTTA, 2000, p. 268).
Mas, ela também possibilita leituras em outros campos, como o ambiental.
De um modo geral, podemos dizer que a Praça Capitão Clovis insere-se dentro
dos contextos paisagísticos, contendo forma e dimensão que transmitem
determinadas sensações aos usuários, por ser um espaço formado pela combinação
de volumes vegetais. Essas combinações podem ser sentidas dentro desse espaço
com o sombreamento da sua massa vegetal, da ventilação e iluminação naturais que
amenizam o rigor térmico do clima da cidade que é equatorial - quente e úmido
(MASCARÓ; MASCARÓ, 2005). Esse fato constituir-se um atrativo para alguns
usuários que a frequentam na hora do almoço, mas não configura-se um mecanismo
que, por si só, transforme a atual realidade da praça, isto é, o seu crescente não-uso.
Nesse sentido, Vaz nos indica alguns elementos de análise que consideramos
condizentes como a pesquisa em questão. Para Vaz (2009), as mudanças que
incidiram sobre a realidade social, como as novas atividades urbanas, a intensificação
das circulações e das telecomunicações, impactaram sobre os espaços voltados para
as práticas de sociabilidade, reduzindo-as ou redirecionando-as a outros pontos da
cidade. Assim, espaços antes marcados pela vivência coletiva, como as praças,
sofrem um esvaziamento.
Ainda segundo Vaz (2009), os fatores frequentemente apontados como os
responsáveis pela não utilização desses espaços são a insegurança, a falta de
equipamentos urbanos que se traduziriam em conforto e sua crescente insalubridade.
Tais questões também são apontadas no caso da Praça Capitão Clovis, assim, como
de outras praças da cidade. Entretanto, podemos elencar como ponto fundamental
para a redução da sociabilidade nos espaços públicos “a crescente inadequação da
paisagem urbana às práticas de sociabilidade, com a perda progressiva das condições
41
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ambientais para permanência e convívio, de comunicação e contato face a face (VAZ,
2009, p. 8).
No que se refere a apropriação e uso de um espaço, Stephen Carr considera
essencial a existência de três tipos de acesso: físico, visual e simbólico ou social.
O acesso físico pode ser entendido como “ausência de barreiras espaciais e
arquitetônicas (construções, plantas, água, etc.) para entrar e sair de um lugar (ALEX,
2008, p. 25). No caso da Praça Capitão Clóvis, algumas dessas barreiras podem ser
observadas, incluindo-se as condições de tráfego, visto que a mesma é quase uma
ilha em meio ao trânsito.
A acessibilidade visual refere-se a possibilidade do lugar ser apreendido,
mesmo a certa distância, pelo usuário. E, o acesso simbólico ou social diz respeito a
presença de sinais, materiais ou imateriais, que expressam a política de acesso ao
espaço (CARR apud ALEX, 2008).
Além dos apontamentos acima, devemos considerar como as praças se
articulam ao tecido urbano e sua complexidade não pode ser isolada do seu entorno,
da cidade em geral e da vida social como um todo (ALEX, 2008).
Nota-se que as praças são verdadeiros elos entre os diversos espaços criados,
de modo que as praças tinham como conotação a noção de “espaços” em que se
vivenciava a infância, a adolescência. Como nos relata o autor De Angelis “qualquer
um de nós tem, remotas que sejam, lembranças de uma praça onde, na infância, o
balanço, a gangorra ou o escorregador faziam parte do universo da criança” (2000, p.
2).
Infelizmente, constatamos que a praça é utilizada, majoritariamente, como um
lugar de passagem e, embora algumas vezes percebida, não é apropriada8. Isso nos
remete ao fato de que, “à medida que são esvaziados das práticas de sociabilidade e
entregues à circulação intensa, esses lugares passaram a ser percebidos como ‘terra
de ninguém” (VAZ, 2009, p. 8).
8 Atualmente seus principais usuários são clientes de um estabelecimento alimentício presente
na praça e de um grupo de esportistas que a utilizam para a prática do basquete, em uma quadra já
presente em sua construção.
42
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Essa realidade demanda esforços conjuntos da sociedade e do poder público,
pois esses espaços se articulam ao direito de todos e ao exercício da cidadania.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço urbano é uma área geográfica que apresenta diversos usos de
acordo com a necessidade, como áreas comerciais, de gestão ou de serviço. O
conjunto dessas áreas forma a cidade a qual tem a sociedade (pessoas) como parte
integrante e definidora, desta forma o espaço urbano, assim como as relações sociais,
é dinâmico e articulado.
Por tratar-se do reflexo da sociedade, o espaço passa por inúmeros processos
de transformação devido à relação do indivíduo com o próprio espaço, com o tempo,
e de acordo com as funções e necessidades da sociedade capitalista.
Nesse contexto, as praças são espaços livres onde a população tece seus
laços afetivos com a cidade e com os demais usuários destas áreas. Neste contexto,
as praças podem transformar-se em registros importantes, fortalecendo valores,
tradições e identidades. Estes locais contam a história de um povo e o suas relações,
pois nas praças ocorrem importantes manifestações sociais, econômicas e culturais,
sendo fundamental sua preservação.
Preservar é justamente proporcionar condições para que tais simbologias,
histórias e memórias permaneçam vivas. Dvorak (2008), em Catecismo da
Preservação de Monumentos, alerta que mesmo com a crescente inovação,
capitalização e industrialização, não se deve perder os valores espirituais ou a busca
por alegrias, sentido e sentimentos que mantenham o homem acima da luta material.
Segundo o autor, ainda hoje acredita-se que o desprezo pelos monumentos antigos
pertence ao progresso. Mas, os bens tornam-se importantes e ganham o status de
patrimônio quando leva-se em consideração a origem, o tempo, a história, as
influências e as pessoas como ponto de partida e agentes transformadores.
Por outro lado, precisamos recuperar a concepção da cidade e de seus
elementos como documento, noção está enfraquecida nos últimos anos pela
apropriação do patrimônio cultural como um bem de consumo, e entender espaços
como a Praça Capitão Clovis como um patrimônio urbano, que referencia valores,
normas, identidades, dentre outros.
43
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
REFERÊNCIAS
ALEX, Sun. Projeto da praça: convívio e exclusão no espaço público. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008. CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. 3 ed. São Paulo: Ática, 1989 (Série Princípios, nº 174). COSTA, Clóvis Nova da. O Vale do Rio Branco: suas realidades e perspectivas. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Oficial, 1949. DE ANGELIS, Bruno Luiz Domingues et. al. Fundamentum 15 – Praças: história, usos e funções. Maringá: Editora da Universidade de Maringá, 2005. DVORAK, Max. Catecismo da Preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leituras sem palavras. São Paulo: Ática Editora, 1993. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. MASCARÓ, Lucia; MASCARÓ, Juan. Vegetação Urbana. 2 ed. Porto Alegre: Mais Quatro, 2005. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. REVISTA SELVA. Um espelho da vida brasileira. Nº 13. Ano 1950. VAZ, Nelson Popini. A Praça Como Dispositivo de Interação Face a Face. Cadernos Proarq. Rio de Janeiro, n 13, 2009, p.8-13. VIEIRO, Verônica Crestani; BARBOSA FILHO, Luiz Carlos. Praças públicas: origem, conceitos e funções. Disponível em http://www.ceap.br/material. Acesso em 27 de setembro de 2015. YOKOO, Sandra Carbonera; CHIES, Cláudia. O Papel das Praças Públicas: Estudo de Caso Da Praça Raposo Tavares Na Cidade de Maringá. Disponível em http://www.fecilcam.br/nupem/anais_iv_epct/PDF/ciencias_exatas/12_YOKOO_CHIES.pdf. Acesso em 05 outubro de 2015.
44
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
PATRIMÔNIO CULTURAL EM BOA VISTA-RR: SECRETARIA DE CULTURA DE RORAIMA-SECULT/RR
Regina Almeida Correa (Universidade Federal do Amazonas, Manaus/AM) Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica.
INTRODUÇÃO
É a partir da década de 30 do século XX que a preservação do nosso
Patrimônio se consolida. Esse modelo de preservação é adaptado de acordo com a
nossa realidade. Embora o Decreto-Lei Nº 25/37 tenha sido produzido para ser
utilizado nessa época, ainda hoje, continua a ser o fundamento da proteção do
patrimônio cultural brasileiro.
O órgão criado para se encarregar da preservação do patrimônio na mesma
década da criação do Decreto-Lei, primeiro foi criado como secretaria com o nome de
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), mais tarde é chamado
de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Roraima, local
da pesquisa foi implantado apenas em 2007. A Constituição Federal Brasileira de
1988 trouxe grandes e importantes avanços para salvaguardar e definir o nosso
patrimônio, como a inclusão dos bens imateriais na preservação do mesmo.
No nosso estado os tombamentos começaram a ser inscritos primeiramente
no Livro do Tombo Estadual, de 1984, totalizando seis bens materiais; após, a
Prefeitura Municipal tombou vinte e nove bens culturais também de natureza material
por meio de decretos e leis, de 1990 a 2009.
Os bens escolhidos a serem trabalhados neste artigo são: Casa da Cultura
Madre Leotávia Zoller, tombada pelo Governo Estadual em 1984; Prédio comercial
(Casa das 12 Portas); Esquina do Rio (antiga Casa Bandeirante); Prédio comercial
(Meu Cantinho) e Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, estes quatro últimos
bens todos foram tombados pela Prefeitura Municipal em 1993.
Primeiramente será feita uma breve abordagem sobre como surgiu à ideia de
patrimônio no Brasil. Serão apresentados seus aspectos legais concernentes ao
45
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
desenvolvimento deste trabalho, como: o Decreto-Lei n° 25/37; a Constituição Federal
Brasileira de 1988; a Constituição Estadual de Roraima de 1991 e algumas das
Emendas e a principal Lei que até o momento da escrita deste artigo não havia sido
sancionada.
Em seguida, serão apresentadas fotos dos bens patrimoniais mencionados
existentes no nosso estado necessários para situar o leitor, por fim serão
demonstrados os resultados da entrevista que foi realizada na Secretaria de Cultura
de Roraima, com a representante do Departamento de Patrimônio Histórico, com o
intuito de verificar como está a preocupação com os bens culturais por parte do
Estado.
1. BREVE ABORDAGEM: PATRIMÔNIO CULTURAL
Na verdade existem três fatores que influenciam a elaboração do conceito de
patrimônio cultural no Brasil: a Semana de Arte Moderna em 1922, o Estado Novo e
a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-SPHAN.
O patrimônio cultural ganhou preocupação muito recentemente, no século XX
que é quando Getúlio Vargas decide implantar um novo governo que foi considerado
uma ditadura e chamou-se de Estado Novo, possuía características nacionalistas. No
ano de 1937 é criado o Decreto-lei Nº 25/37 que definia o patrimônio como histórico
artístico e nacional. Esse decreto cria o SPHAN e regulamenta o tombamento como
forma de proteção do patrimônio histórico nacional.
Então a Constituição Federal ao prever a questão da preservação do
patrimônio cultural de nossas cidades, representa um grande avanço na proteção do
Patrimônio Cultural brasileiro, consagrando uma nova e moderna concepção do que
é patrimônio, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional-IPHAN
esclarece isso:
O artigo 215 da Constituição é claro quando estabelece que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, incluindo as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver e as criações cientificas, artísticas e tecnológicas dos diferentes grupos sociais brasileiros. (2009, p.62)
46
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Neste sentido é importante destacar que a proteção dos bens imateriais é
inserida na Constituição Federal de 1988 ampliando a noção do que deve ser
preservado como patrimônio.
As políticas de preservação geralmente atuam com o objetivo de reforçar uma
identidade coletiva, visando à educação e a formação de cidadãos. Esse é o discurso
que costuma justificar a constituição dos patrimônios e o desenvolvimento de muitas
políticas públicas de preservação (FONSECA, 2005), mas, na prática é preciso criar
mecanismos que viabilizem e estreitem de fato à relação entre patrimônio e
sociedade.
Podemos verificar no texto constitucional um claro acréscimo além da questão
imaterial na noção de patrimônio cultural, o valor da pluralidade cultural e um espírito
de democratização das políticas culturais, introduzido em uma conjuntura de procura
da concretização da cidadania e de direitos culturais. Vale ressaltar que o
multiculturalismo se encontra em todos os dispositivos constitucionais dedicados à
proteção da cultura, então:
Vislumbra-se a orientação pluralista e multicultural do texto constitucional no conceito de patrimônio cultural, que consagra a idéia de que este abrange bens culturais referenciadores dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, e no tombamento constitucional dos documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. É a valorização da rica sociodiversidade brasileira, e o reconhecimento do papel das expressões culturais de diferentes grupos sociais na formação da identidade cultural brasileira. (SANTILLI, 2005, p.62)
Enfatizando o significado do patrimônio a partir do imaginário das pessoas e
domínio estatal dos elementos materiais da história do povo brasileiro. E segundo
Castoriadis (2004, p.85) “[…] porquê imaginário? […] Imaginário, porque a história da
humanidade é a história do imaginário humano e das suas obras”. E de acordo com
Castoriadis ao denominar que a história da humanidade é tudo ao nosso redor,
incluindo assim o nosso legado, o nosso patrimônio.
É também na Constituição Federal de 1988 que o Território Federal de
Roraima se transforma em Estado de Roraima, é então que acontece a criação do
Estado.
Logo após é criada a Constituição Estadual de Roraima em 1991, e traz a
cultura como item, definindo assim o conceito de patrimônio cultural que é
47
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
apresentado de acordo com a construção do ideário de Patrimônio Nacional
representado na Constituição Federal. Por patrimônio entende-se que pelo:
Art. 159. Constituem patrimônio histórico, turístico, social, artístico, ambiental e cultural roraimense os bens de natureza material e imaterial, de interesse comum a todos, tombados individualmente ou em seu conjunto, que contenham referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos étnicos formadores da sociedade roraimense […] (CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DE RORAIMA, 2008, p.63)
Nessa perspectiva há em Roraima em sua capital Boa Vista, órgãos que se
encarregam da segurança desse patrimônio, tanto pelo Estado como pelo município,
além do Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional-IPHAN com uma
superintendência em Boa Vista, tem-se a Secretaria de cultura de Roraima-
SECULT/RR e a Fundação de educação, turismo, esporte e cultura de Boa Vista-
FETEC.
2. BENS PATRIMONIAIS EM RORAIMA
Até aqui foi demonstrado o surgimento do termo patrimônio no Brasil, como
foi criado o modelo de preservação e também seus aspectos legais tanto na esfera
nacional quanto na estadual, agora será exemplificado através de fotografias do
patrimônio cultural roraimense.
E obedecendo aos dispositivos constitucionais e a outros instrumentos legais
o Governo de Roraima juntamente com a Prefeitura Municipal desde 1984, iniciou uma
série de reconhecimentos de bens históricos e culturais, por meio de tombamentos.
Em seguida, para nos situarmos nessa análise, é necessário entendermos
que a princípio somos fazedores de cultura e o povo roraimense possui sua
diversidade cultural seja nas suas expressões materiais, por meio de artefatos,
prédios, instrumentos de uso doméstico e ritualístico e o imaterial como, por exemplo,
nossos valores, hábitos e costumes. Para tanto se faz necessário, a verificação do
que já temos como bem patrimonial no Estado através de alguns exemplos.
48
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2.1 Tombamentos em RR
Nota-se a importância de apresentar por meio do uso de imagens alguns bens
tombados dentro de Roraima para entendermos qual a perspectiva do que foi
considerado patrimônio para que houvesse o tombamento, lembrando que são itens
pertencentes à cultura material.
A Casa da Cultura9, figura 1, que em outro momento foi à sede do poder
governamental, deveria ser um dos mais importantes bens tombados de Roraima, por
ser um espaço público onde se concentrava grande parte do material histórico de
Roraima, como jornais, livros, fotos, fitas, documentos, quadros artísticos e de
homenagem, sendo utilizado por muitos estudantes e pesquisadores que
frequentavam o local. Construída em 1940, por Miltom de Negreiro Miranda, para
servir de residência, se localiza na Rua Jaime Brasil, 273.
Foi adquirida pelo Governador Félix Valois de Araújo, e tornou-se a residência
oficial dos Governadores do Território do Rio Branco, na década de 40 do século XX.
Serviu a esta função até a construção do Palácio Hélio Campos, posteriormente foi
transformada em Casa da Cultura do Governo do Estado, a partir de 2007, passou a
receber também a Ouvidoria do Estado. Bem patrimonial tombado pelo Governo
Estadual em 1984. Atualmente encontra-se em ruínas, está em vias de ser um
tombamento federal para assim obter recursos para sua reforma. Foto de 2014:
9 História de Roraima sobre os cinco bens patrimoniais apresentados no artigo são encontrados
no livro: MAGALHÃES, Dorval. Roraima, Informações Históricas. Rio de Janeiro: Mapa, 1986.
Figura 1 – Casa da Cultura
49
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Atualmente, esse bem patrimonial necessita de revitalização em suas
estruturas, no sentido de expressar aquilo que é objeto patrimonial no estado.
O Prédio comercial, figura 2, conhecido como Casa das 12 Portas se localiza
na Av. Jaime Brasil, 115. Desde sua construção é um edifício comercial, o prédio
passou por muitas reformas ao longo do século XX, que alteraram sua aparência
original. O bem foi tombado pela Prefeitura Municipal, em 1993, mas não há
indicadores do que representou esse espaço para a formação do núcleo urbano da
cidade.
Figura 2 – Casa das 12 Portas
Fonte: IPHAN/RR.
Fonte: Regina A. Correa
Fonte: Regina A. Correa
50
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A antiga casa Bandeirante, figura 3, se localiza na Av. Jaime Brasil, 303. O
edifício foi construído em 1898, para abrigar a firma e comércio J. G. Araújo, que
comercializava mantimentos entre a Província do Rio Negro (Manaus) e a freguesia
de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista). A partir de 1958, com a aquisição por Said
Salomão, viria a ser denominada de Loja Bandeirante. O bem foi tombado pela
Prefeitura Municipal em 1993.
Figura 3 – Antiga Casa Bandeirante
O prédio comercial que era conhecido como Restaurante Meu Cantinho, figura
5, está localizado na Rua Floriano Peixoto, 22, no centro histórico da cidade. Foi
construída em 1830, pelo Capitão Inácio Lopes de Magalhães, como sede da primeira
fazenda particular de pecuária à margem direita do Rio Branco, denominada Fazenda
Boa Vista.
O edifício original foi descaracterizado ao longo dos anos. Em 1996 sofreu
uma reforma por ocasião do Projeto Raízes10, da Prefeitura Municipal e foi tombado
pela mesma em 1993. É importante destacar que o único referencial sobre a história
10 JUCÁ, Teresa. Programa de Ação de Teresa. União Municipal: PSDB, PSB, PV e PRP.
Fonte: Regina A. Correa
51
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
do lugar, é uma placa em concreto, figura 4, apresentando informações sobre a
representação histórica do bem.
Figura 5 – Restaurante Meu Cantinho, atualmente Restaurante Peixada
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, figura 6, se localiza na Rua
Floriano Peixoto, s/n, centro histórico de Boa Vista-RR. Alguns acontecimentos
importantes: fundada em 1725, pelos carmelitas; em 1858, a Igreja foi elevada à
Matriz; em 1914-1917, a igreja passou por reformas que deram a ela uma feição
germânica; na década de 1950 – nova reforma; década de 1970 – nova reforma; em
Figura 4 – Placa no Meu Cantinho
Fonte: Regina A. Correa
Fonte: Regina A. Correa
52
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2005-2007 houve uma última reforma, que recuperou a feição germânica. O bem foi
tombado pela Prefeitura Municipal em 1993.
Figura 6 – Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo
A restauração da igreja ocorreu por meio de um projeto realizado no mandato
da Prefeita de Boa Vista Tereza Jucá em 1996, denominado Projeto Raízes que tinha
como objetivos promover a restauração e conservação de edíficios e monumentos
históricos, e revigorou as artes plásticas não só de Boa Vista, mas de todo o Estado.
As fotos apresentadas nas figuras de 1 a 6 demonstram alguns bens
existentes em Roraima que já foram oficialmente tombados, que são objetos passivos
de estudos e atividades educativas, turísticas, arquitetônicas, antropológicas e
históricas necessários para entendermos a idéia de preservação e suas implicações
no processo de construção da identidade cultural no nosso estado. Enfim, segundo
Funari:
Chegamos então ao ponto do que é e do que pode ser considerado patrimônio cultural. Poderíamos mesmo dizer que patrimônio cultural é tudo aquilo que constitui um bem apropriado pelo homem, com suas características únicas e particulares. (2005, p. 08)
E podemos constatar a importância e uma reafirmação da formação da
identidade cultural do nosso povo com a leitura do texto existente na Constituição do
Estado de Roraima de 1991 que define em seu Capítulo III, Seção II nos artigos 157,
158, 159, 160 e 161: a cultura e a tradição roraimenses; a garantia a plenos direitos
Fonte: Regina A. Correa
53
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
culturais a todos; o que constitui o Patrimônio cultural roraimense; a colaboração com
o Estado dos municípios para o sistema de preservação da memória do Estado; e a
criação do Conselho Estadual de Cultura.
3. A VISÃO DA SECULT-RR
Dessa forma, foi realizada a entrevista em âmbito estadual, na Secretaria de
Cultura do Estado, mais especificamente na Divisão de Patrimônio Histórico, com a
responsável por essa divisão, a senhora Meire Saraiva formada na área de Ciências
Humanas pelo curso de História. É então lembrado por Pozzi (2012, p.64):
Por supuesto lo que debería quedar claro es que las fuentes orales no se limitan únicamente a las entrevistas; por el contrario, anécdotas, canciones, cuentos, folklore, poemas, y un sin fín de formas de transmisión oral son recursos para hacer historia oral.
Pozzi então afirma que além da entrevista há outras formas de expressão oral
que podem nos ajudar em nosso trabalho como historiador. Com o intuito de averiguar
como se encontravam as leis, se elas eram ou não postas em prática dentro do Estado
de Roraima, especificamente na cidade de Boa Vista, local onde se encontram as
construções mais antigas da cidade. E Silva (2003, p.42) defende que “[…] pode-se
pensar na narração oral como elemento muito importante na pluralização das vozes
que interpretam historicidades.” Dessa forma a primeira pergunta à entrevistada foi
em relação à sobre como se encontrava a política patrimonial do Estado, se ela existia,
e como ela era realizada, se havia alguma lei que ditava essas regras, a resposta foi
a seguinte:
Além daquela lei que nunca foi normatizada, não existe outra coisa. Nós temos uma lei no Estado que eu acho que é a 718, mas depois eu te digo para você pegar ali no Conselho de Cultura, que as meninas têm cópia lá. Então, ela foi feita, mas ela nunca foi normatizada e também não sei porque no estado não tem política de patrimônio histórico. (SARAIVA, 2014)
A referência que a entrevistada faz sobre a lei, ao dizer que ela não se
encontra em vigor, é a LEI N° 718 DE 6 DE JULHO DE 2009 que dispõe sobre a
Preservação e Proteção do Patrimônio Cultural do Estado de Roraima. Essa lei criada
em 2009 tem como antecessora a Emenda Constitucional Nº 021 de 2008 que
54
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
reclassifica quais os bens são pertencentes à memória e a cultura do povo roraimense.
E para Nora (1981, p. 09):
A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.[…] A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.
Essas manifestações culturais, que se constituíram a partir de novas
perspectivas teóricas, nos fazem entender que a memória é fundamental para a
compreensão da dinamicidade do hoje. A próxima pergunta foi sobre se ela saberia
dizer quais são os monumentos tombados que nós temos, quanto tempo eles tem de
tombados:
Então, nós temos, hoje aqui no estado três tipos de tombamento. Né? Nós temos o tombamento a nível estadual, tem o tombamento a nível municipal e nós temos uns tombamentos que nunca foi regulamentado através de uma medida constitucional, de uma emenda à constituição de 2008. Então, essa medida são vários monumentos, só que na mesma medida diz assim ó: que o Estado tem 180 dias para criar um órgão que vai regularizar aqueles monumentos, que são muitos, inclusive assim por exemplo, tem assim a memória das famílias pioneiras, tem assim. (SARAIVA, 2014)
A Emenda Constitucional em referência acima na entrevista é a Nº 021, DE
06 DE MAIO DE 2008. Dá nova redação ao caput do art. 159 da Constituição Estadual,
acresce parágrafos e incisos e dá outras providências. Ela é a emenda que vem
reclassificando o que vem ser considerado patrimônio cultural e quais os bens em
Roraima seriam considerados patrimônio. Mais tarde são criadas novas emendas,
uma que vai revogar vários desses bens, ou seja, acabam por não serem
consideradas parte do patrimônio roraimense e a outra que vem alterar alguns
dispositivos normativos a Constituição Estadual.
Ao continuar a entrevista a pergunta seguinte foi como que a entrevistada
observava a importância desses monumentos para a memória da cidade, da
identidade? Ela responde com bastante certeza “Um povo sem memória é um povo
sem história né, e nós tamos ficando sem história.” (SARAIVA, 2014)
Continuo a entrevistá-la e pergunto: até porque como a senhora disse não tem
ainda essa política. A entrevistada responde:
55
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Não tem essa política que deveria ter, eu to dizendo pra ti assim não tem por que ela não é colocada em prática entendeu? Assim porque leis foram feitas, a gente tem um conselho de cultura, a gente luta, a gente briga, mas eu disse pro Márcio que eu fico parecendo aquela andorinha que vai lá no mar pegar um no bico uma gotinha d’água e traz pro incêndio da floresta, porque eu não posso fazer muita coisa quem sou eu pra fazer alguma coisa se não houver vontade política, se não houver uma política séria, não se faz nada, por exemplo agora é…o assunto do momento é que a prefeita vai transformar a praça capitão Clóvis num camelódromo. Gente já num chega o que já tiraram, o que já acabaram com tudo. Uma praça que foi construída na década de 50, no inicio da década de 50, que foi encontro, sabe era o único local de esporte, de encontro, comícios, atividades religiosas tudo era feito ali naquela praça capitão Clóvis, ai os alunos, as meninas saiam do Monteiro Lobato e do GEC se encontravam ali pra paquerar, pra conversar, pra jogar conversa fora, era ali na praça capitão Clóvis. Na praça capitão Clóvis foi realizada as melhores partidas daquela época, de handebol, de basquete, de volêi. Porque era uma praça poliesportiva, ali faziam o… (pausa) as corridas, as num sei o que, a ginástica, tudo era feito ali naquela praça. Então agora simplesmente porque tiraram os camelôs das calçadas, querem alojar os camelôs aqui na praça, acabando com a praça né, vai ser descaracterizada pra se transformar num camelódromo. (SARAIVA, 2014)
Essa última fala utilizada da entrevistada legitima o objetivo do artigo que foi
demonstrar os bens e como se encontra o descaso com o patrimônio na cidade de
Boa Vista, a única lei que existe ainda não foi sancionada até o momento, e não sendo
praticada pelo Estado, a proteção e conservação do Patrimônio roraimense se tornam
vulnerável. De que forma poderia contribuir com a preservação desse Patrimônio,
cobrando mais dos políticos, para que haja a execução dessa lei, pois como a
entrevistada fala ela existe, mas não é posta em prática.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguindo essa lógica e dentro dessas diretrizes foi construída a ideia de bem
patrimonial no estado de Roraima, por meio de políticas de tombamento, que
trouxeram como objetivo resguardar e preservar os bens que representam fragmentos
da história roraimense e auxiliam na compreensão de como se deu a formação dessa
sociedade.
É importante destacar que as leis garantem ações de preservação e até de
recuperação, mas não contempla de modo efetivo essa conservação dentro do Estado
como deveria ser.
56
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Além do texto constitucional existente na Constituição Estadual de Roraima,
há a Emenda Constitucional Nº 021, de 06 de maio de 2008, a LEI N° 718 DE 6 DE
JULHO DE 2009, lembrando que a Lei 718/09 ainda não é normatizada, entre outras.
Que dita propriamente os bens patrimoniais que representam parte expressiva da
história de Roraima. Logo após foi imposta outra Emenda Constitucional que revogou
alguns desses bens, de forma a se pensar o porquê de tal anulação.
A proposta então foi buscar levar o conhecimento de alguns bens patrimoniais
dentro da cidade, tanto tombados pelo Estado quanto pela Prefeitura, dessa forma,
observando principalmente as leis que existem e demostrando como a preservação
desse bem é visto pela Secretaria de cultura, através da fonte oral.
De início deveria haver uma maior atenção por parte dos políticos em
Roraima, quem sabe dessa forma, já daríamos um pontapé inicial para a preservação
e proteção do nosso patrimônio cultural.
De acordo com Rousso (2006, p.57) define que a memória:
[…] para prolongar essa definição lapidar, é uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do individuo somente, mas de um individuo inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto, toda memória é, por definição, ‘coletiva’, como sugeriu Maurice Halbwachs.
Por fim, a memória entra conjuntamente com a construção da nossa
identidade dentro da temática do patrimônio, pois com o reconhecimento de que o
nosso patrimônio pode e deve ser preservado e cuidado, entra o reconhecimento de
que tudo ao nosso redor é de certa forma algo que faz parte da nossa cultura e que
está relacionada com este estudo.
REFERÊNCIAS
CASTORIADIS, Cornelius. “Imaginário e Imaginação na encruzilhada” – In: Figuras do
Pensável: As encruzilhadas do labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
Entrevista com Meire Saraiva, dia 18 de Junho de 2014, responsável pela Divisão de
Patrimônio Histórico na Secretaria de Cultura do Estado de Roraima-Secult/RR.
57
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política
federal de preservação no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC
– Iphan, 2005.
FUNARI, Pedro Paulo; Pinsky, Jaime (orgs.). Turismo e patrimônio cultural. 4. ed. São
Paulo: Contexto, 2005.
IPHAN. Arqueologia. Brasília: Ed. Central, 2009.
MAGALHÃES, Dorval. Roraima, Informações Históricas. Rio de Janeiro: Mapa, 1986.
NORA, Pierre, (1981), “Entre memória e história: a problemática dos lugares”.
PROJETO HISTÓRIA: Revista do programa de estudos pós-graduados em história e
do departamento de história da PUC-SP. Projeto História 10. 7-28.
POZZI, Pablo. Esencia y práctica de la historia oral. TEMPO E ARGUMENTO: Revista
do programa de pós-graduação em história. Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 61 – 70, jan/jun.
2012.
RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. “Conceito de Patrimônio Cultural no Brasil: do
Conde de Galvéias à Constituição Federal de 1988”. Clerton Martins (org.). In:
Patrimônio Cultural: da memória ao sentido do lugar. São Paulo: Roca, 2006.
RORAIMA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 021, DE 06 DE MAIO DE 2008. Dá nova
redação ao caput do art. 159 da Constituição Estadual, acresce parágrafos e incisos
e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de Roraima, Boa Vista-RR, ano.
XVIII, 813.
RORAIMA. LEI N° 718 DE 6 DE JULHO DE 2009. Dispõe sobre a Preservação e
Proteção do Patrimônio Cultural do Estado de Roraima. Diário Oficial do Estado de
Roraima, Boa Vista-RR, ano.XIX, 1097.
ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: Usos & abusos da história
oral/ Janaína Amado e Marieta de Moraes Ferreira, coordenadoras. 8.ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006.
SANTILLI, Juliana. Patrimônio Imaterial e Direitos Intelectuais Coletivos. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Patrimônio imaterial e biodiversidade, n° 32,
p. 62 à 79, 2005.
SILVA, Marcos A. da. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense,
2003.
58
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
SETOR ESPECIAL HISTÓRICO DA CIDADE DE BOA VISTA/RR: INCONSISTÊNCIAS QUE FAVORECEM OUTROS ERROS
Claudia Helena Campos Nascimento (Universidade Federal de Roraima, RR)
Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima, RR)
Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica.
1- INTRODUÇÃO
O presente artigo busca apresentar o chamado Setor Especial Histórico da
cidade de Boa Vista, Estado de Roraima, conforme se apresenta nas legislações
municipais em confronto com a realidade espacial a que este deveria atender.
Tendo como base o Plano Diretor Participativo e Estratégico, a Lei de Uso do
Solo e levantamentos de campo, foi possível identificar a incongruência entre
informações legais e o que é perceptível no espaço urbano de Boa Vista/RR.
Ao se propor uma normativa urbanística, esta deve corresponder aos
pressupostos de regulamentação de uma determinada realidade. Assim sendo,
estabelece os limites de intervenção sobre um recorte a partir de suas características
urbanas e de caráter arquitetônico. Objetiva, nesse sentido, preservar os elementos
que articulam determinada percepção da cidade e constituem uma imagem desse
espaço, de modo a identificá-la e a diferenciá-la das demais cidades.
Para a análise proposta neste trabalho, utilizamos a obra de Kevin Lynch
(1998) como pressuposto conceitual. Além disso, partimos do cabedal teórico e
conceitual das Cartas Patrimoniais, especialmente a Carta de Veneza (ICOMOS,
1964), para articular a necessidade de compreensão do conceito de entorno 11 ,
elemento basilar para a preservação de bens arquitetônicos isolados ou de sítios
históricos. Dialogamos, ainda, com as legislações de preservação já consolidadas,
com o Decreto-Lei Nº 25/37 e a própria Constituição Federal de 1988.
11 Segundo a Decisão Normativa nº. 83/2008-CONFEA, a definição de entorno é “espaço, área delimitada, de extensão variável, adjacente a um a edificação, um bem tombado ou em processo de tombamento, mas reconhecido pelo significado às gerações presentes e futuras pelo poder público de seus diversos níveis por meio de mecanismos legais de preservação”.
59
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2 - SÍTIO HISTÓRICO URBANO: ALGUNS APONTAMENTOS
“Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade
que é a sobreposição de muitas imagens individuais”
(Kevin Lynch)
A apreensão do espaço urbano não se faz em recortes, mas em transições
que constroem as redes de significados que a configuram. Estas apreensões, a
despeito de seu sentido, se consolidam em discursos de identidade que fazem, da
leitura aproximada, a conformação de espaços de significação histórica e cultural.
Esses espaços, para o objetivo desse trabalho, serão entendimentos como sítios
históricos, destacando-se como socialmente construídos e apropriados.
Kevin Lynch (1998) destaca cinco elementos importantes para que qualquer
cidadão possa fazer as associações e construção do que ele chama de legibilidade e
imageabilidade da cidade: caminhos, limites, bairros12, pontos nodais e marcos.
O conceito de bairro proposto por Lynch traz uma visão que se articula com o
objeto em estudo, pois para ele essas unidades são “partes razoavelmente grandes
da cidade na qual o observador ‘entra’, e que são percebidas como possuindo alguma
característica comum, identificadora.” (LYNCH, 1998, p. 66). Assim sendo, os
conjuntos arquitetônicos, sítios ou centros históricos, se conformam a partir de
elementos da percepção do espaço, isto é, texturas, ritmos, volumetrias, espaços,
tipos de edificações, usos, topografia, entre outros. É possível a percepção, pelas
características comuns, de tratar-se de uma unidade urbana diferenciada das demais,
dentro da cidade. A Carta de Petrópolis define:
Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Este sítio histórico urbano deve ser entendido em seu sentido operacional de área crítica, e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico (IPHAN, 1987).
12 Bairros, para esse autor, não são divisões administrativas, mas correspondem a uma parcela urbana de caráter homogêneo, em suas características.
60
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Analisando o chamado Setor Especial Histórico–SEH da cidade de Boa
Vista/RR por esse ponto conceitual, temos sua definição na Lei de Uso do Solo (BOA
VISTA, 2006):
Considera-se Setor Especial Histórico - SEH aquelas porções do território municipal mais representativa [sic] da história da cidade e onde se encontram os elementos mais significativos da memória e da cultura arquitetônica local que exigem estímulos e políticas próprias para suas preservações [sic]. (grifo nosso)
A arquitetura e a cidade expressam em suas características os pontos que
articulam os discursos individuais e que se consolidam em ressonâncias coletivas na
cidade, sendo testemunhos de sua cultura e história. Conforme já apresentado, é o
conjunto mais ou menos homogêneo desses signos que estabelece um território
significativo para a cidade em seus aspectos de preservação de um passado e que
identifica o seu chamado centro histórico (ou sítio histórico urbano).
Figura 1: Perímetro do Setor Especial Histórico do município de Boa Vista/RR, de acordo com a Lei de Uso do Solo.
Considerando o texto em destaque na citação anterior, há de se considerar que
a definição do SEH (Figura 1) não define claramente o recorte do que seria
considerado significativo. A Carta de Petrópolis é feliz ao apresentar o entendimento
de que o sítio histórico urbano não é uma oposição a outro recorte, não histórico, mas
Setor
Especial
Histórico
Setor
Especial
Histórico
61
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
que se trata de uma área crítica, cuja atenção do poder público tem que ser
diferenciada devido às características inerentes a esse conjunto urbano destacado.
No que se refere à definição de sítio histórico, a partir da década de 1980 fortaleceu-
se a percepção de referenciá-los a partir de seu valor documental para além da
unidade estético-estilística de uma área. Desse modo, os sítios foram analisados
como fonte de conhecimento e referência histórica, simbólica e mnemônica. Esse
pressuposto baseou-se nas discussões que se processavam no campo da História,
da Arqueologia, da Antropologia e dos estudos urbanos italianos (MOTTA, 2000).
Ainda segundo Motta:
[...] os sítios urbanos são, de forma especial, objetos culturais histórica e socialmente construídos. Acumulam vestígios e trazem as marcas do processo de sua construção, das transformações, adaptações, apropriações e reapropriações sofridas ao longo do tempo, expressando, com sua conformação, as representações que ali se sucederam (2000, p. 260).
Esse entendimento de sítio histórico foi fundamental para a ampliação das
práticas de preservação, pois pautou-se em valores que ultrapassaram os
consagrados critérios de excepcionalidade, monumentalidade e exemplaridade. Além
disso, caracterizou-se por criticar a submissão das normas de seleção e preservação
dos bens a determinada estética e estilo, o que restringia as políticas de proteção
(LONDRES, 2005). Entretanto, nas últimas décadas essa percepção mais ampla de
sítio histórico enfraqueceu-se a partir do que Motta (2000) considera modelo
globalizado de apropriação desses espaços. Nesse modelo o patrimônio cultural
tonar-se “mercadoria, igualando o bem coletivo aos produtos de consumo” (MOTTA,
2000, p. 258). Infelizmente, esse pensamento baliza as práticas de intervenção nos
sítios históricos, entre as quais a gentrificação (LEITE, 2004), que cria cenários
padronizados voltados ao consumo global.
A valorização mercadológica dos sítios históricos resulta, normalmente, na
crescente pressão imobiliária sobre esses espaços, culminando no processo de
expulsão dos seus antigos moradores (CHOAY, 2001, LEITE, 2004). Esse contexto,
portanto, exige discussões sobre como esse fenômeno se incide sobre Boa Vista.
Porém, como já anteriormente mencionado, nos detivemos neste trabalho à definição
da unidade denominada SEH, como ela se apresenta na legislação.
62
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2.1 O SEH E SUA RELAÇÃO COM OS BENS TOMBADOS DO MUNICÍPIO
Os bens patrimoniais são infungíveis, singulares e, ao determinarem um
conjunto urbano, tornam essa unidade territorial passível de proteção, sobre a qual
incide o direito coletivo de fruição e apreensão das qualidades que a caracterizam
como tal, que são determinadas no acordo coletivo de atribuição de significados,
tornando-se um direito difuso (BRASIL, 1988, art. 129, III). Ainda temos na
Constituição Federal do Brasil que a proteção desses bens deve ser promovida, em
colaboração com a comunidade, “por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento, desapropriação e outras formas de acautelamento e preservação”
(BRASIL, 1988, art. 226). Assim sendo, não deve ser considerada a existência de uma
política de preservação, por qualquer instância, que não contemplem a participação
da comunidade. Também é possível observar que existem várias formas de garantir
a proteção de bens de interesse cultural e patrimonial, além do comumente utilizado
instrumento do tombamento, que “é a declaração pelo Poder Público do valor
histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que,
por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”
(MEIRELLES, 2001, p. 535).
Figura 2 - Bens tombados no município de Boa Vista/RR e suas áreas de entorno Fonte: Google Maps (adaptado), 2015.
O tombamento definitivo de um bem é o resultado de um processo, que
pressupõe, entre outras coisas, anuência ou informação ao proprietário do bem,
pesquisas físicas, estéticas e históricas, que delimitarão a existência ou não de valor
para tal estatuto, antes de sua inserção no livro de tombo, de acordo com legislação
LEGENDA
Existente
Limites da Zona Central Limites de Setores Bens tombados (municipal) Bens tombados (estadual) Dupla afetação de tombamento
Proposto
Áreas de entorno municipal Novo limite para o Setor Especial Histórico
63
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
e procedimentos próprios. Em Boa Vista, há um descompasso de informações sobre
quais bens são arrolados como tombados pelo município13, contudo podemos acessar
uma relação presente no Inventário Cultural de Boa Vista e, a partir desta, gerar um
mapa (Figura 2).
A Carta de Veneza (ICOMOS, 1964), documento importante que aponta para
a proteção de monumentos e sítios, pressupõe a compreensão de que o bem tombado
é um “testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de
um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às
obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural”
(ICOMOS, 1964, Artigo 1º.).
O bem de interesse à preservação, tombado ou não, deve ter uma destinação
coletiva, uma “função útil à sociedade”, nos termos da Carta de Veneza (ICOMOS,
1964), ou, em outros termos, uma “função social”, conforme a Constituição Federal
(BRASIL, 1988). Temos ainda que
A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão proibidas. O monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa. Por isso, o deslocamento de todo o monumento ou de parte dele não pode ser tolerado, exceto quando a salvaguarda do monumento o exigir ou quando o justificarem razões de grande interesse nacional ou internacional. (ICOMOS, 1964, artigos 6º e 7º).
Assim sendo, tão importante quanto à proteção individual de um bem, a
fruição se faz na compreensão deste em um território que lhe dê suporte referencial e
que o proteja de danos à sua visibilidade, visto que “a restrição que se impõe à
vizinhança é decorrente da própria existência de um bem tombado, logicamente bem
imóvel, no intuito de que ele seja visível e, consequentemente, admirado por todos.”
(RABELLO, 2009, p. 122). Esse o principal papel desses bens: serem visíveis e terem
sua função de marcos na cidade (LYNCH, 1998) preservadas. A fim de garantir a
13 A destruição do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, respaldada através do Decreto Municipal nº. 006/E, de 19 de janeiro de 2015, que foi destombado sem que houvesse tombamento prévio, serve para ilustrar o exposto.
64
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ambiência e a escala urbana, essa vizinhança, conhecida como Área de Entorno do
Bem Tombado, é determinada em lei específica ou por estudo técnico que conste no
próprio processo de tombamento14.
Ao compararmos o mapa anterior com o construído a partir da delimitação que
há na Lei de Uso do Solo15 (BOA VISTA, 2006) sobre o SEH, temos que boa parte
dos bens tombados não faz parte do SHE. Se considerarmos suas áreas de entorno,
isto é, onde deveria haver a mesma regra legal para proteção e controle, verificamos
que a Zona Comercial (ZC) também não os contempla.
Sabemos que a existência de conjuntos arquitetônicos e sítios urbanos não
exclui a possibilidade de haver bens tombados individualmente, cujos perímetros de
proteção não estejam inseridos nessas áreas de proteção, pois embora seja
recomendável, sendo a cidade um complexo dinâmico, não há como restringir o
surgimento de novas referências. Entretanto, é notável o descompasso entre o SEH
e os bens tombados pelo município, assim como não existem políticas públicas
condizentes com a realidade apresentada.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao aportarmos à discussão sobre o SEH de Boa Vista com os fundamentos
teóricos, legais e técnicos, mesmo que de forma pouco aprofundada nesse artigo,
iniciamos um processo necessário de atenção sobre os processos de construção da
14 Não há parâmetro rígido para a determinação da área de entorno, sendo utilizada tanto a determinação concêntrica (raio de proteção, que pode chegar a 500m), quanto a delimitação de quadras circundantes, faces de quadras, ou mesmo de ângulo (limitando gabaritos). Para tanto e, portanto, é extremamente necessário trabalho técnico para essa avaliação. Neste ensaio vamos trabalhar com o padrão mais comumente utilizado de uma quadra ou 100m de raio para delimitação desse entorno genérico.
15 “Inicia-se a descrição junto a [sic] interseção da Rua Bento Brasil de ambas os lados, com a Rua Alfredo Cruz, seguindo por este inclusive na faixa de preservação de 100m (cem metros) paralela ao Rio Branco, seguindo por esta até a interseção com a Rua Cecília Brasil, seguindo por esta até a interseção com a Rua Bento Brasil, seguindo por esta até a interseção com a Rua Alfredo Cruz, ponto inicial deste poligonal.”
65
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
legislação urbanística e, em especial, às lacunas que ela apresenta, especialmente
no que tange à preservação do patrimônio edificado.
Identificamos, durante os estudos para a construção deste artigo, outro
desenho para o S.E.H., de redação anterior à Lei de Uso do Solo, cujos limites seriam
[...] a partir do ponto de interseção da rua Bento Brasil, de ambos os lados, coma rua Alfredo Cruz, seguindo por esta inclusive na faixa de preservação de 100m (cem metros) paralela ao rio Branco, seguindo por esta até a interseção com a rua Cecília Brasil, seguindo por esta até a interseção com a rua Bento Brasil, seguindo por esta até a interseção com a rua Alfredo Cruz, ponto inicial desta poligonal (Lei n. 244/1991)
Também não encontramos, para essa configuração do SEH, os pressupostos
que justificariam a sua delimitação. Isto é, carecemos de dados que nos forneçam os
valores e significados que lhe foram atribuídos e que deveriam ser preservados.
Entendemos que a cidade, por ser dinâmica, traz a reboque a necessidade de
algumas revisões e emendas em seu corpo jurídico. Contudo, também é necessário,
sempre, que as mudanças venham para satisfazer os direitos coletivos e difusos, não
apenas questões pontuais onde a limitação legal inviabiliza processos que são, via de
regra, mais curtos que a dinâmica cultural de um povo.
Há de se tratar a cidade como campo de estudo e pesquisa, de forma que o
conhecimento acadêmico possa ser suporte científico e metodológico para a produção
de processos de gestão e não visto como mera crítica ao cenário posto. A delimitação
de entorno, a construção de pesquisa que caracterize um bem em processo de
tombamento ou mesmo a determinação mais consistente do recorte temático de um
sítio histórico são contribuições importantes para que o corpo jurídico sobre o qual se
apoia a gestão pública seja consistente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências [Estatuto das Cidades]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em out. 2015.
66
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP. CONFEA. Decisão Normativa nº. 83, de 26 de setembro de 2008. Disponível em http://normativos.confea.org.br/ementas/visualiza.asp?idEmenta=41098&idTipoEmenta=1&Numero. Acesso em out. 2015. SPHAN. Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. ICOMOS. Carta de Veneza (1964). Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf. Acesso em out. 2015. IPHAN. Carta de Petrópolis (1987),1º Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização De Centros Históricos. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Petropolis%201987.pdf. Acesso em out. 2015. LEITE, R. P. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Ed. da Unicamp; Aracaju: Ed. da UFS, 2004. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei nº. 926, de 29 de novembro de 2006, que dispõe sobre uso e ocupação do solo urbano do município de Boa Vista e dá outras providências (Lei de Uso do Solo). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014124541.pdf. Acesso em out. 2015. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei Orgânica do Município de Boa Vista (incluídas alterações da Emenda à Lei Orgância nº. 017, de 2010). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014125518.pdf Acesso em out. 2015. RABELLO, Sônia. O Estado na preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009.
67
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA: ENTRE VELHOS E NOVOS PROBLEMAS
Nadyne Silva Gonzales (Universidade Federal de Roraima) Tamires Moraes e Silva (Universidade Federal de Roraima)
Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima)
Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 2- Pesquisa científica;
1 INTRODUÇÃO
Este artigo partiu de um documentário de 5min realizado para a Disciplina
Estudos Sociais e Econômicos, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal de Roraima, no segundo semestre de 2014. Durante a referida disciplina
discutimos questões como a apropriação dos espaços públicos da cidade e sua
apropriação simbólica e material pela população. Nesse sentido, nos propusemos a
analisar alguns bens tombados pelo município e as implicações legais e práticas
advindas para seus proprietários.
Dando prosseguimento aos questionamentos surgidos durante a pesquisa de
campo para o documentário, abordaremos alguns pressupostos básicos que pautam
as políticas de preservação do patrimônio material, enfocando a realidade de Boa
Vista, e teceremos considerações sobre a dinâmica atual de seus bens. Para tanto,
recorreremos à legislação federal e municipal e a teóricos da área do patrimônio, como
CHOAY (2001).
Adotaremos, também, para os objetivos desse trabalho, a noção de
patrimônio cultural presente na Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 216,
expressa que ele relaciona-se aos bens materiais e imateriais, considerados
isoladamente ou em conjunto, que referenciam a ação, a identidade, a memória, dos
diferentes grupos sociais. Essa ampliação da concepção de patrimônio é essencial
para discutirmos a realidade boavistense e relacioná-la ao contexto nacional.
Para a elaboração do Mapa de Bens Tombados Pelo Município de Boa Vista,
presente no final do artigo, utilizamos o Sistema de Informação Geográfica (SIG), com
a coleta dos pontos de controle através de equipamento de “Global Positioning
System” – GPS.
68
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2. SOBRE OS CRITÉRIOS TRADICIONAIS DE TOMBAMENTO: SERIAM OS
NOSSOS BENS OUTRORA TOMBADOS?
A palavra patrimônio possui origem latina, patrimonium, e inicialmente referia-
se a bens transmissíveis através do testamento, situando-se no âmbito privado do
direito de propriedade. Mas, esse conceito foi particularmente apropriado e
reformulado com o surgimento dos Estados nacionais, nos quais o patrimônio foi (é)
utilizado como referência histórica, cultural e de unicidade (FUNARI; PELEGRINI,
2006).
No Brasil, de um modo geral, podemos dizer que a proteção ao denominado
patrimônio cultural se efetivou a partir da implementação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1937, e da edição do Decreto-lei nº 25/1937.
Foi esse decreto, também chamado lei do tombamento, que dispôs o conceito de
patrimônio que orientou as políticas e práticas de preservação nacionais (RABELLO,
2009).
Analisando a política de preservação no Brasil, Fonseca (2005) evidencia os
parâmetros que balizaram a seleção e o tratamento dispensado aos bens tombados
durante as quatro primeiras décadas de atuação do IPHAN. Nesse período,
concepções como exemplaridade, autenticidade, monumentalidade e especificidade
nortearam a política federal de preservação, cujos tombamentos faziam referência a
bens de origem branca, católica e de raízes europeias.
Motta (2000) estabelece três períodos relativos a forma como o poder público se
apropriou dos espaços urbanos como patrimônio cultural, a saber, o inicial (1937-1970), o
intermediário (1970-1990) e o atual (1990-2015). Cada um desses períodos nos permitem
entender que as práticas de preservação se inserem em um campo de disputas, jamais não
neutras ou apolíticas, pois dizem respeito a valores materiais e simbólicos.
No primeiro período o patrimônio relacionava-se, conforme já mencionado, com a ideia
de unidade nacional, vinculada ao projeto do Estado Novo de construção de uma nação
moderna. Nesse sentido, arquitetos modernistas identificaram em sítos urbanos e edificações
coloniais os melhores representantes de nossa identidade nacional. Seus critérios, portanto,
eram restritos e preconizam, ainda, a valorização estética e a unidade estilística. Assim, tal
pensamento pautou as intervenções nos bens e, “tanto nos monumentos como nos sítios
urbanos, as obras de restauração do IPHAN, subtraiam das edificações frontões,
69
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ornamentações e intervenções de períodos posteriores, resultantes de reformas sofridas ao
longo do tempo” (MOTTA, 2000, p. 265).
No que se refere a Boa Vista, podemos perceber que seus bens não correspondem a
esses valores e critérios tradicionais e, dentro dessa lógica, presumimos que não seriam
tombados. Sua dinâmica interna iria submergir sob um discurso no qual “a nação é pensada
como uma totalidade onde carecem de valorização as suas vastas diferenças”
(GONÇALVES, 2002, p. 107). Ou seja, as condições sociais e econômicas nas quais
esses bens foram produzidos, e das quais são fontes documentais, incluindo-se suas
técnicas e materiais, são desconsideradas.
Vale ressaltar que, no presente momento, não estamos questionando os
tombamentos realizados em Boa Vista, mas apenas questionando os valores que
eram utilizados por uma visão tradicional de preservação, que deixava à margem de
suas políticas de proteção uma parcela significativa de bens, em seus mais variados
suportes, e desconsiderava os diferentes grupos sociais.
O denominado período intermediário pautou-se em discussões relativas a
diversidade cultural ocorridas no cenário do pós-guerra mundial, nos estudos
desenvolvidos por organismos internacionais de preservação e nas concepções
teóricas da área das ciências sociais. Além disso, a inclusão de outros profissionais
no campo do patrimônio e os movimentos populares demonstraram a insuficiência dos
métodos e critérios até então utilizados (FONSECA, 2005; MOTTA, 2000). Desse
modo, o conceito de ambiência foi adotado e “possibilitou a inclusão de outros estilos,
anteriormente rejeitados, ao repertório da preservação, revogando-se a primazia de
um único estilo (barroco/colonial) na composição do patrimônio cultural” (MOTTA,
2000, p. 266).
Mesmo assim, ainda privilegiava-se uma determinada estética, a unidade
estilística e a materialidade do bem, em detrimento de outros aspectos que pudesse
conter. Mas, na década de 1980 ganhou terreno o entendimento do patrimônio como
documento, distinguindo-se a materialidade do bem de sua capacidade de informação
e significação em sentido mais amplo (MOTTA, 2000). Desse modo,
[...] estabeleceu-se uma linha de trabalho que representou um rompimento com a perspectiva estritamente visual, fachadista ou das características estilísticas, possibilitando outras maneiras de valorização dos bens culturais (...) Ampliavam-se, dessa maneira, as possibilidades de apropriação do bem cultural como referência de identidade, independentemente de uma determinada estética (MOTTA, 2000, p. 267).
70
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Nesse quadro teórico o próprio sentido do tombamento tornar-se mais amplo,
abarcando contextos e agentes diversos e possibilitando a compreensão do
patrimônio cultural como algo dinâmico e processual, afastando-se de uma imagem
idealizada e estática. É nesse sentido que analisamos os bens tombados de Boa Vista,
isto é, seu patrimônio edificado como documentos que comportam múltiplas leituras,
releituras e apropriações.
2.1 REFLEXÕES SOBRE A DINÂMICA DOS BENS TOMBADOS DE BOA VISTA
Após analisarmos leis e decretos de tombamentos do município de Boa Vista a
que tivemos acesso, verificamos que, de 1990 a 2009, 2916 bens foram considerados
patrimônio cultural. Além disso, foi possível constatar algumas questões relativas a
esses bens que passaremos a discutir a seguir.
O tombamento desses bens efetivou-se fora dos padrões normalmente usuais
no que tange, por exemplo, a elaboração de um processo de instrução. Inicialmente,
estudos técnicos são realizados e passam a compor o processo administrativo de um
tombamento e são fundamentais para a sua instrução.
A elaboração do relatório técnico, no caso federal, pauta-se no estabelecido na
Portaria nº 11/1986-IPHAN, que preconiza a realização de um estudo, o mais
detalhado possível, no qual deve constar a descrição física do objeto da ação, sua
contextualização histórica e processual. Enfim, de todos os dados pertinentes à
apreciação do mérito de seu valor cultural pelas instâncias competentes. As instâncias
estaduais e municipais geralmente realizam o mesmo procedimento.
A instrução do processo de tombamento requer pressupostos técnicos que, de
acordo com as características do bem, envolve a participação de profissionais de
diferentes áreas, como arquitetos, engenheiros, arqueólogos, antropólogos e
16 Entretanto, esse número pode ser maior ou menor, visto que não há um controle por parte do
órgão de preservação do município sobre a totalidade, localização, etc., desses bens. Com as escassas
informações obtidas elaboramos o Mapa de Bens Tombados Pelo Município de Boa Vista.
71
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
historiadores. Isto acontece porque, para além dos aspectos físicos, o bem se reveste
de um caráter simbólico e processual.
Desse modo, a inexistência dos processos de documentação, que poderia nos
fornecer mapas, fotografias, croquis e outras formas de informação sobre os bens
tombados de Boa Vista, inviabiliza o satisfatório acompanhamento das
transformações ocorridas nas edificações, o que dificulta o estabelecimento de
medidas mais eficazes de proteção. E mais, esses dados devem ser disponibilizados
à toda a sociedade, e não tratados como algo intangível, ou mesmo obscuro.
Por outro lado, o tombamento é realizado mediante atribuição de valor ao bem,
seja em termos históricos, artísticos, arqueológico, paisagístico, etc. Mas, os
parâmetros de valoração atribuídos, de um modo geral, aos bens boavistenses não
foram esclarecidos, dificultando, mais uma vez, sua preservação, pois o objetivo do
tombamento é a conservação da coisa tombada, dos valores que lhes foram
reconhecidos. Isto é, preservar demanda conhecer as características que se quer
conservar e que justificam a inscrição do bem em determinado livro do tombo
(RABELLO, 2009). Entretanto, para dificultar ainda mais a questão, os livros do tombo
não foram constituídos em Boa Vista. E, além da inscrição no livro do tombo, outras
medidas tornam-se cabíveis, como a necessidade “que o ato tenha publicidade
irrestrita, isto é, através de sua publicação, como os atos administrativos em geral (...)
no órgão oficial de divulgação (RABELLO, 2009, p. 104).
Outra grave problemática diz respeito ao fato de que, após o tombamento, não
foram estabelecidas fiscalizações, necessárias para o acompanhamento das
condições do bem e para a realização de medidas de conservação. Desse modo,
ficamos impossibilitados de acompanhar as mudanças ocorridas nos bens, sejam as
provenientes da própria dinâmica de seus materiais, do uso, etc.
Sabemos, entretanto, que muitas edificações foram destruídas, mutiladas ou
descaracterizadas, a partir da omissão e, principalmente, ação do poder público
municipal. Como exemplo podemos citar a destruição de edificações residenciais na
rua Barreto Leite para a construção do terminal de ônibus José Campanha Wanderley
e a descaracterização do prédio do Centro Multicultural .
O tombamento de um bem cria direitos e deveres, nomeadamente o direito de
todo cidadão de ter seus bens culturais protegidos e o dever do Estado de protegê-lo.
No entanto, muitas vezes é o próprio poder público o principal agente de destruição e
72
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
descaracterização. O mais recente episódio se refere ao destombamento 17 e a
demolição do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, autorizados pela Prefeitura
Municipal de Boa Vista, que fundamentou-se no Decreto Municipal nº. 006/E, de 19
de janeiro de 2015, supostamente em virtude do desgaste sofrido na estrutura do
imóvel e da existência de Laudos Comprobatórios do risco iminente de causar danos
a terceiros.
O citado decreto soma-se as incongruências perpetradas pelo poder público
municipal no que se refere ao patrimônio cultural de Boa Vista, pois em seu art. 1º,
inciso III, também autoriza o destombamento em virtude do desgaste sofrido na
estrutura do imóvel, em decorrência da ação do tempo, com base em laudos técnicos
comprobatórios, em eminente ruína, geradora de riscos de danos ou danos a
terceiros. Em suma, o decreto, pautado por inconsistências conceituais, retira dos
proprietários e do poder público o dever de conservação dos bens ao mesmo tempo
em que justifica sua ação destruidora.
Para os arautos da modernização e do não congelamento da cidade, podemos
dizer que
[..] não é adequado entender a noção de conservação como de permanência absoluta, ou de completa inalterabilidade (...) a conservação não implica impedimento do desaparecimento natural; pelo contrário, conserva-se para que a coisa cumpra o seu ciclo natural, evitando-se que, antes de cumpri-lo, o ato proposital ou intencional venha a destrui-la ou descaracteriza-la (RABELLO, 2009, p. 84).
Como discutimos anteriormente, Motta (2000) propôs três períodos para a
forma como o patrimônio é apropriado. Assim, no atual período, ao qual denomina
modelo globalizado, os bens culturais são tratados como mercadorias e, nas
edificações e nos centros históricos, as intervenções se processam nas fachadas,
criando cenários para o seu consumo visual.
Outro aspecto que se revela é a utilização dos bens culturais como “apoio para
o consumo de outras mercadorias” (MOTTA, 2000, p. 270). Essa é, a partir de nossa
análise, a dinâmica atual de Boa Vista, na qual seus bens são destruídos, mutilados
17 Segundo o Ministério Público Federal e Estadual, o imóvel não era tombado pelo município,
mas pelo estado, conforme disposto em sua constituição.
73
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ou descaracterizados para atender as condições de circulação e consumo do
mercado. Sendo assim, seus aspectos culturais são desconsiderados em detrimento
de sua capacidade de atender aos novos jogos de interesse no que se refere, por
exemplo, à especulação imobiliária.
Tomamos, para ilustrar a questão, o caso das edificações do antigo prédio do
INCRA, da antiga Casa e do Depósito Bandeirante, do Bar do Nei e do antigo cinema.
Sobre esses bens incidiram intervenções complexas e amplas, destinadas a adequá-
las aos novos usos do capital. Essas intervenções vão de encontro à finalidade do
tombamento que consiste na preservação da coisa tombada a partir de seus valores
culturais.
Portanto, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que é louvado e
consagrado, e apesar do desenvolvimento de teorias e técnicas de conservação mais
eficientes, a destruição dos monumentos históricos é um dado corriqueiro. Os atores
desse drama incluem governos, arquitetos, proprietários particulares, etc. As
justificativas são diversas, como a necessidade de modernização das cidades, a
renovação artística, o direito de dispor livremente da propriedade privada, dentre
outros (CHOAY, 2001).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preservação do patrimônio histórico de Boa Vista diz respeito a todos, o que
demanda a participação efetiva da população no processo de seleção, proteção e
valorização dos bens, ao mesmo tempo em que requer políticas consistentes e
eficazes por parte do poder público. A importância dessas questões está no fato de
que esses registros, sejam eles físicos ou não, edificações ou paisagens, atuam como
elementos capazes de traduzir características do momento em que foram produzidos,
tornando-se referências à identidade, a ação e a memória de diferentes grupos
sociais.
O patrimônio representado pelas edificações comporta uma produção
simbólica e material, carregada de diferentes valores, são ícones da memória,
permitindo que o passado interaja com o presente, transmitindo assim conhecimento
e como parte do processo identitário de um povo (DVORAK, 2008). Deve, portanto,
ser preservado em seu sentido mais amplo, em termos materiais e imateriais.
75
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
REFERÊNCIAS
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP, 2001. DVORAK, Max. Catecismo da Preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. FUNARI, Pedro Paulo A; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. GONÇALVES, Eurinedes Oliveira. PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA-RR: Tombamento dos prédios construídos nos séculos XIX e XX. Monografia (Licenciatura e Bacharelado em História) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2013. GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: editora UFRJ; IPHAN, 2002. MORAES, Carla Gisele M.S.M. Memorial Descritivo. In: Inventário do Patrimônio Cultural de Boa Vista. Boa Vista: Prefeitura Municipal de Boa Vista/FETEC/SEBRAE-RR, 2008. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. RABELLO, Sonia. O Estado na preservação de bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. SILVA, Angela Maria Moreira (Coord.). Manual de normas para apresentação dos trabalhos técnico-científicos da UFRR. Boa Vista: Editora da UFRR, 2012. VASCONCELOS, André dos Santos. Diocese de Roraima: A participação da igreja no processo de organização dos povos indígenas do estado. Artigo (Comunicação Social) – Universidade Federal de Roraima
76
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
MANIFESTAÇÃO CULTURAL POPULAR: A LITERATURA DE CORDEL RORAIMENSE ENQUANTO PATRIMÔNIO CULTURAL
Patrícia Pereira do Nascimento (UFRR, RR).
Temática: 1- Patrimônio Cultural. Modalidades: 2- Pesquisa científica.
INTRODUÇÃO
Tendo em vista a importância da construção do conhecimento do Patrimônio
Histórico Cultural de Roraima, o presente artigo tem como objetivo discutir o
reconhecimento da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural, dando ênfase
ao chamado cordel roraimense, já que este se mostra como uma representação
cultural, possibilitando fazer análise da representação histórica, apresentando ricas
visões de um contexto social, cultural, de lendas e visões do cotidiano do povo.
Além disso, o presente artigo visa discutir a relação existente na utilização da
Literatura de Cordel de Roraima como fonte histórica no ofício do historiador para a
melhor compreensão da história e cultura roraimense, tendo em vista que a Literatura
de Cordel pode ser uma representação cultural de memórias sociais, pois a narrativa
literária é construída através de fatos, lugares e temporalidades inventados ou não,
podendo servir como uma interpretação do mundo a partir de quem escreve a obra.
Destarte, será abordado aqui, a importância da Literatura de Cordel como Patrimônio
Histórico Cultural e este enquanto fonte no ofício do historiador para pesquisas acerca
da história de Roraima.
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO DA LITERATURA DE CORDEL ENQUANTO
PATRIMÔNIO CULTURAL
A Literatura de Cordel é, portanto, um gênero literário popular, originado de
expressões orais e depois impresso em folhetos, geralmente escrito em rimas. Seu
nome tem origem justamente pelo modo de como os folhetos eram expostos para
serem vendidos em Portugal, pendurados em cordas, barbantes ou cordéis. Estes
folhetos chegaram ao Brasil através de portugueses durante o período da colonização,
onde se implantou inicialmente na primeira capital da colônia, Salvador. “Os
77
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
primórdios da literatura de cordel encontrada no Brasil estariam, desse modo,
relacionados à sua semelhante portuguesa, trazida para o Brasil pelos colonizadores
já nos séculos XVI e XVII.” (GALVÃO, 2001, p. 29).
Deste então, a Literatura passou a ser uma riquíssima fonte de conhecimento,
cultura e entretenimento entre as famílias nordestinas, como afirma Abreu:
Na zona rural, eram apreciados em engenhos, pequenas propriedades e em fazendas de gado, não só pelos trabalhadores, mas também pelos proprietários das terras que patrocinavam a cantoria e liam – ou escutavam ler – as histórias. Distinções clássicas entre campo e cidade, cultura popular e cultura de elite parecem diluir-se perante os folhetos. No início do século, as diferenças entre campo e cidade não eram tão marcadas no Nordeste e, embora poetas e leitores pertencessem fundamentalmente às camadas pobres da população, membros da elite econômica também tinham nos folhetos e nas cantorias uma de suas principais fontes de lazer. (ABREU, 1999, p.95).
Destarte, o registro da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural faz-se
necessário para ocorram ações de salvaguarda da cultura de cordel, trazendo seu
reconhecimento e mantendo viva as momórias coletivadas de um dado meio social.
Entende-se por Patrimônio Cultural de um povo, o “conjunto de saberes,
fazeres, expressões, práticas e seus produtos que remetem à história, à memória e à
identidade desse povo.” (BRAYNER, 2012, p. 12). Com este pensamento pode-se
afirmar que a literatura de cordel propaga valores culturais, visões de mundo do
homem a partir do tempo e do espaço, sendo esses cordéis uma referência da de uma
dada realidade cultural, pois como afirma Arantes:
Referência é um termo que sugere remissão; ele designa a realidade em relação à qual se identifica, baliza ou esclarece. No caso do processo cultural, referências são práticas e objetos por meio dos quais os grupos representam, realimentam e modificam a sua identidade e localizam a sua territorialidade. (ARANTES, 2001, p. 131).
A Literatura de Cordel é uma representação da expressão da cultura popular
nordestina, sendo originaria das cantorias praticadas pelos sertanejos, imersos em
uma forte tradição oral. (SANTOS, 2010).
78
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Diante desse pensamento, foi criada em 1988, a Academia Brasileira de
Literatura de Cordel - ABLC, com objetivo de valorizar e preservar a memória da
Literatura de Cordel, possuindo um imenso acervo que também pode ser acessado
por meio do endereço eletrônico da ABLC (http://www.ablc.com.br), onde podem ser
encontrados os mais diversos tipos de cordéis de forma online.
Com o objetivo de promover salvaguarda da cultura de cordel, a Academia
Brasileira de Literatura de Cordel enviou em 2009, ao Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN, uma solicitação de Registro da Literatura de Cordel
como patrimônio imaterial. O pedido justifica-se diante da necessidade de manter vivo
esse modo de expressão e linguagem poética de grande importância histórica e
cultural que vem sendo transmitidos de geração em geração. No presente momento,
o processo de instrução do Registro da Literatura de Cordel encontra-se em
andamento, podendo ser acompanhado através do “portal de bens em processo de
registro” pelo site do IPHAN (http://portal.iphan.gov.br/).
LITERATURA DE CORDEL RORAIMENSE: UMA EXPRESSÃO CULTURAL
Atualmente, a literatura de cordel tem se alargado em um processo propagação
dentre várias regiões do país, os cordéis se difundiram para além do Nordeste, e hoje
podem ser encontrados vários outros estados do país, tais como Rio de Janeiro, São
Paulo, e até mesmo no extremo Norte do país, Roraima. O cordel roraimense exalta
a história, as lendas e a cultura roraimense, servindo como uma representação cultural
da região. Para entender a presença do cordel em Roraima, faz-se necessário
compreender um pouco do contexto histórico de Roraima, a fim de situarmos o lugar
social do objeto da presente pesquisa.
O estado de Roraima está localizado no extremo Norte do país, fazendo
fronteira com a República Cooperativista da Guiana, com a República Bolivariana de
Venezuela e com os estados do Amazonas e do Pará. Seu contexto histórico é
marcado por processos migratórios em que estão inseridos em um amplo contexto
social, econômico e político.
79
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Até o ano de 1943, o atual estado de Roraima fazia parte do Amazonas, quando
então o presidente da República, Getúlio Vargas, cria o Território Federal do Rio
Branco, por meio do decreto-lei nº 5.812 de 13 de setembro. Entretanto, sua
implementação deu-se só depois da chegada do governador Ene Garcez, após um
ano de sua criação. Pouco tempo depois, em 1962, sua nomenclatura foi alterada para
Território Federal de Roraima, isso se deu por causa da constante confusão com o
Rio Branco, capital do Acre. (MAGALHÃES, 2008).
Deve-se ressaltar que com a criação do Território, o governo Federal tinha
como um de seus principais objetivos ocupar a Amazônia. Sendo assim, foram
elaboradas várias ações para tornar possível seu desenvolvimento demográfico e
econômico.
Roraima era exibida ao restante do país por meio do discurso de que a região
apresentava terras fartas e de fácil acesso, em que milhares de migrantes rumaram
para a região, mais especificamente nas décadas de 1970 e 1980. Por outro lado
outros tiveram como motivação a “fofoca” do garimpo em solos roraimenses,
destacando-se ainda a ação das redes sociais. Sendo assim, pode-se apreender, que
enquanto alguns eram “seduzidos” pelos projetos de colonização da região, outros
eram atraídos pela busca do ouro em Roraima. (NOGUEIRA, 2011).
Em meio a esse fluxo migratório, muitos nordestinos eram atraídos por essa
dinâmica, trazendo consigo seus costumes, culturas, crenças. E é em meio a esse
cenário que o cordel vai ganhando espaço entre a cultura roraimense, mostrando os
costumes, a cultura, a beleza do Estado e suas histórias.
Para pontuar essa discussão, será apresentada aqui uma breve leitura de
alguns trechos do Codel “Boa Vista: a cidade que nasceu de uma paixão” (2012), de
Zanny Adairalba:
Nossa cidade nasceu
De uma grande paixão
De Inácio de Magalhães
Respeitado Capitão
Pelo belo rio Branco
80
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Nossas serras e os encantos
Que lhe encheram de emoção
Esse fato decorreu
No século dezenove
Mil oitocentos e trinta
- Como o passado se move!
Quando o bravo capitão
Rendeu-se e ao seu coração
Para as belezas do Norte
Inácio de Magalhães
Decidiu se radicar
No Vale do Rio Branco
Para sua história traçar
E foi à margem do rio
Que o pioneiro bravio
Resolveu de vez morar
Ergueu ali residência
Uma bela construção
A primeira alvenaria
De todas da região
Chamada de “Meu Cantinho”
Um nome dado pro ninho
Pelo próprio Capitão
A partir dos trechos que aqui foram citados, é possível notar a presença de
representatividade de memórias sobre a história de um povo, que permanecem vivas.
Os trechos apresentados declamam o pioneirismo da cidade, destarte, pode-se
afirmar que manifestação cultural a partir do cordel citado é tida como uma
representação da construção da história de Roraima. À vista disso o registro da
81
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Literatura de cordel mostra-se como uma das formas de preservar a memória, a
história, costumes e fazeres de um dado povo, respeitando sua cultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O registro da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural significa cuidar
da representatividade da história e cultura de um grupo social.
O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (BRAYNER, 2012, p.12).
Pensar a Literatura de Cordel Roraimense enquanto Patrimônio Cultural é
preservar os saberes, costumes, as expressões culturais manifestas a partir desses
folhetos, é contribuir para reflexão de que o Cordel não é um mero folheto, mas sim
um instrumento dotado de valores, cultura e memórias de uma dada sociedade em
meio ao seu processo histórico.
REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999. ADAIRALBA, Zanny. Boa Vista: a cidade que nasceu de uma paixão. Boa Vista, RR: Editora Coqueiro com raízes na terra: 2012. ARANTES, Antonio. Patrimônio Imaterial e Referências Culturais: In Revista Tempo Brasileiro. nº 147. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2001. BRAYNER, Natália. Patrimônio Cultural Imaterial, para saber mais. 3º ed. Brasília, DF: Iphan, 2012. GALVÃO, Ana Maria. Cordel: leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. MAGALHÃES, Maria das Graças Santos Dias. Amazônia: o extrativismo vegetal no sul de Roraima: 1943-1998. Boa Vista: EdUFRR, 2008.
82
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
NOGUEIRA, Francisco Marcos Mendes. O Lugar e a Utopia: história e memória de migrantes nordestinos em Roraima. (1980 a 1991). Monografia de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Licenciatura em História. Boa Vista, 2011. SANTOS, Éverton. História e Patrimônio: santos, devotos e ritos na tradição brasileira. Disponível em: http://www.ufpi.br/20sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/Everton%20Diego%20Soares%20Ribeiro%20Santos.pdf> Acesso em: 20 set. 2015. SITES CONSULTADOS <http://www.ablc.com.br> Acesso em: 13 set. 2015. <http://portal.iphan.gov.br/> Acesso em 10 set. 2015.
83
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ESTUDO DO CENTRO HISTÓRICO CULTURAL DA CIDADE DE BOA VISTA/RR
Joilson Trindade de Souza (UFRR, Roraima)
Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica;
1 INTRODUÇÃO
O estado de Roraima possui belíssimas riquezas naturais como, por exemplo,
a Serra do Tepequém que em seu histórico foi o ponto de parada dos garimpeiros. A
partir deste contexto se tornou um lugar que passou a possuir um valor imenso para
as pessoas, e principalmente para os garimpeiros que ainda vivem na serra. E o ponto
de partida deste trabalho é exatamente isto, trazer a memória o que uma vez foi
esquecido e valorizar o bem material e imaterial que é o que chamamos de patrimônio.
No desenvolver deste artigo discutirei sobre algumas questões que necessitam de
atenção principalmente da população Roraimense, que é o quanto se precisa valorizar
e utilizar o espaço patrimonial que uma vez foi esquecido e abandonado pelos próprios
residentes da cidade, trazer a memória das famílias que uma vez estiveram presente
na construção da cidade e no seu desenvolvimento.
O que objetivou este artigo foi também o incômodo causado pela falta de
manutenção dos patrimônios existentes na cidade de Boa Vista/RR, levando a uma
problemática “Qual a maneira de preservar os patrimônios históricos da cidade de Boa
Vista?”, a forma como se encontram seria o resultado da má gestão dos recursos para
a preservação dos patrimônios históricos da cidade de Boa Vista/RR, isto é, são umas
das causas pela desvalorização dos mesmos?
Através de uma abordagem geral sobre patrimônio cultural tanto material
quanto imaterial, trarei neste artigo os órgãos que são responsáveis por realizar ações
de preservação dos monumentos/patrimônios históricos da cidade de Boa Vista/RR,
buscarei expor alguns elementos que impulsionou o estudo da valorização do centro
histórico da cidade já citada acima.
84
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
2 DESENVOLVIMENTO
Nas últimas décadas o patrimônio histórico e cultural das cidades vem
recebendo grande atenção. Preservá-los esta tem sido uma batalha maior
principalmente quando se trata de cidade onde a população não recebeu a devida
educação patrimonial necessária, ou que os próprios órgãos administradores dos
patrimônios não demonstram interesse em realizar uma aproximação da comunidade
com o patrimônio e sua respectiva importância para a manutenção da memória
histórica da cidade.
A cidade de Boa Vista/RR possui uma bela história desde o seu surgimento até
os dias atuais, e os monumentos que a representam encontram-se em estado de total
esquecimento.
Boa Vista/RR possui um traçado urbano em formato de leque – planejada pelo
engenheiro Darcy Aleixo Derenusson, inspirado nas ruas de Paris, na França, a capital
roraimense era considerada umas das cidades mais charmosas da Amazônia. O seu
patrimônio histórico é representado de vários símbolos e estilos que remontam a um
passado não tão distante, onde muitos acreditam que os mesmos não passam de
velharias, mas ao observar as mudanças ocorridas na cidade em tão pouco tempo,
surge a necessidade de preservar e buscar pela valorização de um patrimônio que
uma vez fez parte e que ainda faz parte da construção histórica da cidade de Boa
Vista/RR, seja ele proveniente da representação patrimonial cultural, material,
imaterial (memoria), ou natural, correndo o risco de se perder no tempo.
Dessa forma o significado de preservar é trazer um compromisso social de
resgate e valorização da memória da história ao quais os Roraimenses possuem.
Atualmente nos deparamos com a seguinte discursão “Educação Patrimonial” que traz
a sociedade ações que educam e preparam os mesmos para o cuidado e preservação
do patrimônio ao qual aquele indivíduo está imposto, no entanto a discursão de
Educação Patrimonial ainda é algo que aos poucos está entrando na sociedade,
espera-se que em um futuro possa-se ter educação patrimonial nas escolas e não
somente em alguns oficinas ou cursos.
85
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Mais o que viria a ser Patrimônio Histórico? Ele pode ser definido como um bem
material, natural ou imóvel que possui significado e importância artística, cultural,
religiosa, documental ou estética para a sociedade. Estes patrimônios foram
construídos ou produzidos pelas sociedades passadas, por isso representam uma
importante fonte de pesquisa e preservação cultural. E os órgãos á que compete a
preservação e proteção destes patrimônios em esfera mundial, a UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a cultura, Ciência e Educação) órgão este
responsável pela definição de regras e proteção do patrimônio histórico e cultural da
humanidade, em âmbito nacional compete ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), a este cabe a este órgão proteger e preservar o patrimônio
histórico e artístico do Brasil.
Quando um bem é tombado por algum órgão do patrimônio histórico, ele não
pode ser demolido, nem mesmo reformado. Pode apenas passar por processo e
restauração, seguindo normas especificas, para preservar as características originais
da época em que foi construído.
A cidade de Boa Vista/RR possui em seu centro patrimônios históricos que
contam o surgimento da cidade, sendo eles:
O bar meu cantinho (sede da fazenda Boa Vista) – que foi construído em 1830,
atualmente o prédio comercial é propriedade da família Figueiredo, localizado na Rua
Floriano Peixoto, nº 22 – centro. A antiga sede da fazenda Bo Vista pertencia na época
de sua construção ao Sr. Inácio de Magalhães. O edifício original, com estilo
tipicamente colonial foi descaracterizado ao longo dos anos. Em 1996 sofreu uma
reforma por ocasião do Projeto Raízes, da prefeitura municipal. O bem é tombado pela
prefeitura através do decreto nº 2614, de 15 de outubro de 1993. Hoje um ponto
turístico na cidade onde, tanto o nome da antiga fazenda (Boa Vista), quanto o nome
do estabelecimento (Meu Cantinho) é de ordem histórica.
A casa Bandeirante também outro prédio histórico construído em 1898, para
abrigar a firma J.G. Araújo que comercializava mantimentos entre a província do Rio
Negro (Amazonas) e a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista). Está
localizado na Av. Jaime Brasil, nº 71 - centro. Em 12 de novembro de 1928, tem-se
notícia entre os poucos edifícios dessa avenida, o estabelecimento chamado “A Filial”,
86
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
posteriormente vendido para Saíd Salomão para fins comerciais, passando a
denominar-se de Loja Bandeirante. Possui características arquitetônicas coloniais e
foi tombado pela prefeitura municipal, no Decreto nº 2614 de 15 de outubro de 1993.
Ainda como patrimônio histórico da cidade de Boa Vista tem a Igreja matriz,
Intendência, Catedral Cristo Redentor, Igreja São Sebastião, Bazar das Novidades,
Casa do Coronel Bento Brasil, Casarão Adolfo Brasil (Família Brasil), Centro de
Artesanato, prelazia, monumentos aos pioneiros, monumento aos garimpeiros, Casa
das 12 portas, Casa da Cultura. Valendo destacar que os patrimônios históricos aqui
destacados encontram-se no centro histórico da cidade de Boa Vista/RR.
Em 1999 a prefeitura municipal da cidade de Boa Vista/RR, implementou um
projeto intitulado “Projeto Raízes” onde realizou-se uma reforma no centro histórico
da cidade, objetivando a recuperação do patrimônio histórico, no entanto ao observar
o resultado deste projeto é identificado alguns alterações do estado natural do
patrimônio sendo que quando se trata de patrimônio, trata-se não de “reforma” como
já citado anteriormente em hipótese alguma deve-se realizar uma reforma e muito
menos a demolição de um patrimônio histórico pois já descaracteriza da sua forma
original, mais o que acontece é que foi exatamente o que ocorreu com o “Projeto
Raízes” trouxe uma descaracterização do patrimônio histórico da cidade mudando
todo o cenário histórico da cidade.
E os problemas de má gestão dos patrimônios só estão aumentando um
patrimônio que passou por uma completa descaracterização atualmente foi a Casa
Bandeirante que mencionada acima foi um patrimônio que fez parte da construção
histórica da cidade, mais no entanto atualmente passou por um processo de total
reforma e agregação de uma loja de produtos em gerais, o que nos trás a discutir
sobre “quem permitiu a descaracterização deste patrimônio?”, “o que a população
como pertencente a memória daquele patrimônio fez para impedir a descaracterização
da casa?”. Mais o que temos como resposta é a má gestão dos órgãos que são
competentes pela manutenção dos patrimônios pertencentes a população
Roraimense e também a falta de interesse e de conhecimento da comunidade sobre
a história da Casa Bandeirante e o que a mesma representação para a cidade e para
a manutenção da memória da mesma.
87
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
E esses são alguns descasos para com a população, pois no momento em que
a mesma não tem conhecimento da importância dos patrimônios para manutenção de
uma memória e os próprios órgãos responsáveis pela conscientização não geram
debates sobre o que são estes patrimônios gera este processo de apropriação
privada.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A população Boavistense deve se apropriar mais da sua história e conhecer
a importância da valorização dos patrimônios pertencentes à cidade, pois a
conscientização de se preservar começa da população, pois todos somos
responsáveis pela fiscalização e preservação do bem a qual nos pertence.
O centro histórico da cidade de Boa Vista/RR é o principal local onde se
encontram a história e identidade da cidade, o que podemos perceber atualmente é o
total descaso em relação a preservação dos patrimônios históricos sendo que muitos
destes patrimônios estão deixando de existir, por falta de fiscalização e manutenção.
O que vale destaque é que neste processo de descaracterização dos patrimônios
quem mais perde é a população pois pouco a pouco o que um dia fez parte da história
da cidade esta deixando de existir, cabendo a própria população receber o devido
conhecimento de quais são estes patrimônios e o que eles o representam.
REFERÊNCIAS
A importância do estudo do patrimônio histórico para o resgate da memória. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portais/pde/arquivos/2512-8.pdf>. Acesso em: 23 out. 2013. Patrimônio histórico de boa vista-RR. Tombamento dos prédios construídos nos séculos XIX e XX. Disponível em: <http://ufrr.br/historia/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=98:patrimonio-historico-de-boa-vista-rr-tombamento-dos-predios-construidos-nos-seculos-xix-e-xx&id=4:publicadcoes&Itemid=204>. Acesso em: 18 out. 2013. Boa Vista: 122 anos de história – Portal Amazônia. Disponível em: <http://www.portalamazonia.com.br/cultura/turismo/boa-vista-122-anos-de-historia/>. Acesso em: 25 out. 2013.
88
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Difinição, o que é Patrimônio. Patrimônio Histórico. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/patrimonio_historico.htm>. Acesso em: 25 out. 2013.
89
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
OS REFUGIADOS: HISTÓRIA DE UMA VIDA
Maria do Céu Machado Ribeiro Meneses (UFRR/RR) Temática: Patrimônio Cultural Modalidade: Relato de experiência
INTRODUÇÃO
Fico perplexa com tudo o que vejo e leio sobre os refugiados da Síria, e dos
terroristas do Estado Islâmico. As imagens são chocantes principalmente quando
envolvem crianças que nada tem com os interesses de grupos terroristas, que tomam
contam de um país e expulsam pessoas trabalhadoras de seus lares e as obrigam a
fugir deixando para trás tudo o que construíram durante suas vidas.
Como é triste ver na capa de uma revista ou em telejornais a imagem de uma
criança que parece dormir na beira da praia, mas esse “anjo” não esta dormindo, mas
sim morta pela maldade e fanatismo de adultos.
Imagem 1-Criança (refugiados da Síria)
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q
O que é ainda mais revoltante é ver todo o sofrimento dessas pessoas fugindo
de guerras, se aventurando em águas perigosas em pequenos botes lotados de gente
com o propósito de fugir do horror da guerra.
Muitos ficam pelo caminho como esse menino, e os que conseguem fugir do
seu país são humilhados, tratados como se eles fossem os culpados pela tragédia
que se abateu sobre eles. Como é triste ver seres humanos em pleno século vinte e
um tratarem seus semelhantes de forma tão revoltante, batendo, chutando não
90
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
importando mesmo que sejam crianças, jogando pão para um tipo de cercado mais
perecido com canis. Como é revoltante ver esses refugiados brigando por esse
pedaço de pão, enquanto seus algozes se divertem com o sofrimento desse povo.
A revista Veja em sua edição de 9 de setembro de 2015 apresenta em sua
capa a seguinte mensagem: “DEUS, SENDO BOM, FEZ TODAS AS COISAS BOAS.
DE ONDE ENTAO VEM O MAL! “ “O MAL (E O BEM) VEM DO HOMEM”.
UMA HISTÓRIA DE VIDA:
Tomei como referencial a minha história de vida que estava adormecida havia
muito tempo, as experiências de guerra, dos “retornados”, como os refugiados de
Angola eram chamados em Portugal, fomos maltratados, desprezados em nossa terra
mãe, ninguém tinha nome éramos somente “retornados”. Mas foi por essas pessoas
que muitos de nós decidimos morar e fazer como nosso lar outro pais, já que naquele
tempo a vida era difícil em Portugal e muitos migravam para outras terras, França,
Suíça, Angola, Moçambique entre outros. Então me pergunto o que fizemos de errado
para merecer tamanho desprezo de nossos irmãos. Sei por experiência própria o que
esses refugiados estão sofrendo. Tudo o que construímos durante uma vida nos foi
tirado, arrancado à força, tendo muitos até perdido a vida.
Sou portuguesa, nascida e criada até aos meus nove anos em Portugal. Meu
pai foi para Angola trabalhar em uma companhia de petróleo em uma cidade chamada
Cabinda, e vinha de seis em seis meses a Portugal para ficar com a família durante
dois meses. Quando as férias terminavam ele saia durante a madrugada só para ele
não nos ver chorar, mas ele chorava no caminho de casa até ao aeroporto. Quando
eu e meu irmão acordávamos corríamos para o quarto para brincar com ele, mas ao
vermos que ele já não estava mais lá, o que se ouvia, eram duas crianças chorando
pela ausência de um pai carinhoso e brincalhão.
Meu pai ainda não tinha chegado ao seu destino, e minha mãe já chamava o
médico em casa para nos socorrer, já que toda vez que ele ia embora eu e meu irmão
ficávamos doentes. Nada nos faltava. Uma linda casa, motorista, viagens, tudo o que
eu e meu irmão quiséssemos tínhamos, mas na realidade essa alegria não estava
completa. Faltava alguém e esse alguém estava longe trabalhando muitas das vezes
de dia e noite para que nada nos faltasse.
91
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Mas, em um verão, quando ele veio passar férias elas foram diferentes. Vi
minha mãe fazendo as malas e enchendo baús com alguns de nossos pertences. Não
entendi nada, mas logo as explicações vieram: Iríamos com meu pai para Angola. Em
conversa com minha mãe, meu pai dizia que não aguentava viver tanto tempo longe
de todos nós, por isso, iríamos viver mais perto dele, sim mais perto já que ele
trabalhava em Cabinda (cidade localizada no extremo norte de Angola) e nos
ficaríamos em Luanda o que para ele se tornava mais perto e sua ausência não era
tão longa.
Quando chegamos a Luanda fomos morar durante uns dias com uns primos
do meu pai que tinham três filhos. Esses dias em que ficamos na casa deles, meus
pais saíram para procurar um novo lar para nos. Dias depois estávamos morando em
nossa própria casa, no Bairro Santo Antônio. Para mim e meu irmão aquele tempo era
maravilhoso: brincadeiras na rua com outras crianças tudo era perfeito e o que era
melhor tínhamos sempre meu pai por perto.
Os anos foram passando e meu pai já tinha pedido a transferência do trabalho
para Luanda para ficar junto da família. A vida continuava normalmente cresci e me
tornei uma mulher, e me casei em 1975.
Mas Angola já não era mais a mesma. Aquela Angola de paz e que tantas
alegrias me tinha dado, agora estava em guerra entre partidos políticos e o povo que
estava no meio e que veio a sofrer as consequências.
Após o meu casamento fui morar para uma cidade no interior de Angola, de
nome Gabela. Cidade pequena, pacata, linda, produtora de café. Meu marido
trabalhava no Banco Comercial de Angola, mas tivemos que deixar tudo para trás,
casa, carro, todos os nossos pertences, pois os guerrilheiros tinham chegado nessa
pequena cidade.
Nessa altura eu estava grávida de nove meses de minha primeira filha. De
manhã cedo carregamos os carros da família com o que cabia e “pé” na estrada. Mas
a estrada era muito perigosa, já que havia três movimentos (facções) guerreando
entre si. Cada bloqueio que passávamos éramos obrigados a sair do carro e eles
revistavam tudo, muitas das vezes ficando com os nossos pertences, e nada
podíamos falar, respondíamos o necessário, eles não tinham dó de ninguém, tendo
muitas pessoas morrido ali mesmo nas barreiras desses guerrilheiros sanguinários.
92
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Passado muito tempo chegamos a Nova Lisboa, cidade onde no dia seguinte
minha filha nasceu ao som de tiros e morteiros e gritos que vinham das ruas. Para
mim esse momento foi muito feliz, pois havia ganhado uma criança linda, gorda e
rosada, um anjo. Mas logo cai na realidade agora com um bebé, como eu faria se
tivesse que me esconder e ficar em silêncio com uma recém nascida. Agora o perigo
tinha aumentado: como protegê-la desses brutos sem coração, pois eles não tinham
piedade de ninguém, matar era a mesma coisa que respirar. O perigo estava cada vez
mais próximo, tínhamos notícias que nossos vizinhos haviam morrido. Que um bando
de guerrilheiros invadiu a casa abusou das mulheres e meninas enquanto o pai era
obrigado a ver tudo e depois foram fuzilados.
Perante essas notícias nossa família foi para o hangar do aeroporto. Minha
filha tinha vinte e oito dias. Para ver se conseguíamos um avião para Portugal, ficamos
vários dias dentro desse aeroporto com dezenas de pessoas com o mesmo objetivo.
Sem o mínimo de condições, esse improvisado acampamento não tinha ventiladores
e o calor era insuportável, visto que era um hangar de carga. As fezes e urina já
chegavam aos tornozelos e era assim no meio dessa sujeira que todos dormiam
sentados em bancos de madeira, comendo o que houvesse.
O medo era evidente, pois do lado de fora do hangar havia uma turma
ameaçando entrar e matar todo mundo. Para podermos embarcar em um avião vindo
dos Estados Unidos foi nos fornecido uma senha, mas toda vez que um avião pousava
tinha confusão todos queriam sair daquela situação o mais rápido possível e assim a
nossa saída era sempre adiada.
Nosso dia chegou. Embarcamos para Portugal num avião de uma companhia
aérea americana, e quando o avião levantou vôo, fiquei com uma mistura de alivio e
tristeza, alívio por estar saindo do inferno, e tristeza por ver uma terra tão querida e
linda sendo destruída por pessoas sem alma.
O vôo foi longo e triste, já que para trás havíamos deixado tudo o que
construímos com muito trabalho, ou por algum familiar não ter conseguido embarcar
e ainda havia aqueles que deixaram seus parentes dizimados por uma guerra cruel.
Da janela do avião vi as últimas imagens dessa terra linda toda destruída, mas a
imagem que tenho até hoje de Angola é a mais bela que existe. Tento esquecer
apagando de minha mente os dias horríveis que eu e minha família passamos.
93
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Ao chegar a minha terra natal, pensei como é bom estar em casa, mas essa
alegria passou logo. No desembarque fomos tratados como delinquentes não tivemos
qualquer ajuda de nossos conterrâneos. Fomos jogados no saguão do aeroporto de
Lisboa por horas sem qualquer solução imediata, fiquei assim como outros sentados
nesse lugar por horas. Minha pequena de pouco mais de um mês de vida chorava
muito irritada, toda suja, cansada e sem um banho fazia dias.
Quando julgávamos que resolveriam a nossa situação, o problema somente
aumentava. Chegava a polícia alfandegária para nos pedir a nossa documentação,
mas muitos de nós nem isso conseguiu pegar. Vi muitas famílias apresentar a esses
senhores a foto dos maridos, filhos e mulheres mortas, dizendo: “aqui está a minha
documentação, olhe bem veja o que vocês portugueses como eu fizeram com minha
família”.
Passado um tempo nos mandaram para um hotel, sendo um alívio para a
minha pequena poder tomar um bom banho. Após ser amamentada caiu no sono até
o dia seguinte. Dormiu tanto que fiquei preocupada, de vez em quando mexia com ela
para ver se estava tudo bem, mas era só cansaço. Nos só poderíamos ficar nesse
hotel por uns dias, depois cada um que se virasse, mas entre os retornados, como
nos chamavam, também havia pessoas sem qualquer descendência portuguesa.
Eram nascidos em Angola, mas perante a lei eram portugueses, e a pergunta que se
colocava era: como essas pessoas viveriam em um país estranho e sem conhecer
ninguém. Muitos acabaram virando mendigos, em uma terra hostil que tinham raiva
de seu próprio povo.
Passado uma semana pegamos um trem e fomos morar na casa de meu avô,
onde encontrei meu pai, minha mãe e meu irmão, que apesar de viverem no mesmo
país, haviam saído de Angola por outra cidade e assim além da falta de notícias deles
já os não via há bastante tempo. Foi uma alegria sem limites ver que todos estavam
bem, eles também conheceram a sua neta que nascera entre tiros e morteiros.
A única ajuda que tivemos veio através da Cruz Vermelha. Como eu viera
praticamente com a roupa do corpo e em Portugal estava frio eles davam para cada
um dois cobertores e algumas roupas de frio, abriam fardos de roupas que vinham
dos Estados Unidos da América e distribuíam essas poucas peças pelas pessoas,
mas antes da distribuição eles escolhiam as melhores entre eles o que restava era
para os retornados. O governo depois de muito tempo nos deu uma pequena esmola
94
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
por mês que não dava para comer o mês inteiro, então lá estava o meu avô para
ajudar a turma a sobreviver, ou meu pai que fazia qualquer serviço em troca de um
pouco de comida, meu marido dava aulas em casa também recebia seu pagamento
em mantimentos.
Meu pai foi o primeiro a conseguir trabalho, mas não era perto de sua família.
Mais uma vez ele estaria longe de nós. Foi trabalhar para Marrocos na construção de
uma barragem, depois para a Bélgica na mesma empresa e a vida da família melhorou
muito. Meu marido como trabalhava no Banco Comercial de Angola foi readmitido num
banco em Portugal e a vida voltou ao normal, emprego, casa e o mais importante,
readquirimos a nossa dignidade.
Esse é um pequeno relato de minha vida. Sei o que vi e que passei os perigos
que eu e minha família vivemos, mas muitos não tiveram a mesma sorte que nós
tivemos, por isso agradeço sempre a Deus por ter protegido os meus. Por isso, quando
vejo as imagens dessas pessoas sendo rejeitadas e tratadas como intrusos, meu baú
de memória que estava perdido e trancado despertou e me fez lembrar todas as
atrocidades que vivenciei e de como o ser humano pode ser tão cruel com o seu
semelhante.
De acordo com Le Goff (1996), o conceito de memória toma corpo quando e
a memória como propriedade de conservar certas informações remete-nos em
primeiro lugar a um conjunto de informações psíquicas, graças as quais o homem
pode atualizar impressões passadas, ou que ele representa como passado, as
imagens e representações do tempo vivido ou imaginado pertencem ao campo da
memória, o que por muitas das vezes, muito pouco exercitadas na reconstrução da
historia do lugar.
Segundo o mesmo autor, a memória diz respeito tanto à ordenação do
passado, de seus vestígios, quanto a uma releitura contemporânea dos mesmos e
está irremediavelmente ligada a uma forma narrativa que, diante de uma ausência –
ou não existência – torna-se o modo de reviver. Por isso o esquecimento que também
faz parte da memória implica, mesmo em termos neurológicos, num trabalho de
reelaboração.
Como elo de interpretação do passado, a memória é a voz e a imagem do
acontecido, mas também faz parte do Patrimônio Cultural que é um conjunto de todos
os bens, quer seja material ou imaterial, que pelo seu valor devem ser relevantes para
95
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
a permanência e a identidade da cultura de um povo. Patrimônio é tudo o que nos
pertence, a nossa herança do passado, o que construímos hoje, por isso devemos
preservar, transmitir esse legado para gerações futuras.
Considerações finais
Guerras são todas iguais seja em Angola ou na Síria ou em qualquer parte do
mundo, só servem aos propósitos políticos ou religiosos. Mas também sei que a
maioria das pessoas depois de tanto sofrimento terá uma vida tranquila e vivendo com
dignidade, se integrando a uma nova sociedade com seu trabalho ajudando e fazendo
parte de uma comunidade sem olhar para ideologias ou crenças.
Sei que isso irá acontecer por experiência de vida, aconteceu comigo e meus
familiares. Fomos abandonados à própria sorte pelos governantes portugueses, assim
como esses refugiados, mas trabalhamos e conseguimos provar todo o nosso valor,
que não éramos retornados, mas sim filhos da mesma mãe. Éramos portugueses, só
que residíamos em Angola, que na época pertencia a Portugal.
Esses refugiados terão mais dificuldades de adaptação em outro país, por sua
cultura e idioma, mas a vida nos ensina que com vontade e persistência tudo se
consegue, bastando ser honesto consigo e com os demais.
Nasci em Portugal, fixei residência em Angola, constitui uma família, veio a
guerra, nasceu minha primeira filha, tive que abandonar tudo o que tinha, fui
abandonada numa guerra que não era minha pelos meus “patrícios”, outro Pais nos
socorreu, cheguei a Portugal e fui maltratada e tachada de retornada como eu fosse
uma praga ou bandida, engoli muitas vezes em seco ao ouvir as pessoas dizer: “
olha lá vem a retornada”. Mas hoje sei que nada do que disseram fazia sentido. Pois
com muito trabalho e suor consegui ter a minha dignidade de volta. Sou Portuguesa e
ninguém vai tirar isso de mim. Hoje tenho uma linda família quatro filhos, casada há
mais de quarenta anos com a pessoa que viveu junto toda a agonia que passamos.
Por experiência sei que muitas dessas pessoas terão o respeito que elas merecem,
são trabalhadoras só querem sair de uma guerra que não lhes pertence e proteger os
seus familiares. E para tanto se lançam em águas perigosas em pequenos botes para
dar aos seus a tranquilidade e paz que não têm em sua terra natal, mas como temos
observado não está sendo fácil: fogem de uma guerra, e o que encontram? Maldade,
desprezo e crueldade.
96
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Termino me perguntando e respondendo: onde está o mal? “O MAL (E O
BEM) VEM DO HOMEM”.
Referências:
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
1996.
TEIXEIRA, Duda. O Mausoléu da Paz. Revista Veja, São Paulo, n.36, p.68-75,set.
2015.
97
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
IDEAS DE TRANSFORMACION PARA LA PRESERVACIÓN DE UN PATRIMONIO CULTURAL DE RORAIMA
Tania de J. Gutiérrez Rodríguez (UFRR, Roraima)
Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 1- Relato de experiência
1 INTRODUÇÃO
La ciudad de Boa Vista, capital del estado de Roraima al norte de Brasil, se
crea en la primera mitad del siglo XX. Su original trazado urbano es radio concéntrico
e identifica al territorio. Con su expansión, aquel sector se ha convertido en el barrio
Centro, con una alta concentración de instituciones, y comercios. El punto central es
una plaza, dentro y alrededor de la cual está emplazado un conjunto representativo
del poder político administrativo, también la catedral, un hotel, y otros servicios. Casi
todos son edificios de arquitectura moderna.
Llama la atención que, en una esquina tan importante como hace la avenida
Ene Garcez con la plaza cívica, se observe un conjunto arquitectónico con claras
evidencias de total abandono y sin armonía con los demás. Se trata de la antigua
Secretaría de Educación Cultura y Deportes (SECD). Es la única edificación que aún
existe del primer plan urbanístico desarrollado por el ingeniero Darcy A. Derenusson.
Después de ocupar varias funciones, finalmente quedó sin uso; pero es parte de la
historia de la ciudad.
Ese conjunto es el objeto de estudio seleccionado como tema de rehabilitación
arquitectónica en la disciplina Proyecto V del curso Arquitectura y Urbanismo de la
UFRR. Durante el primer semestre del año 2015, un grupo de 19 alumnos bajo la
dirección de la autora, enfrentó el reto de elaborar diferentes soluciones de
transformación para ese inmueble. Fue intención preservar valores aún existentes
mediante la reanimación de ese lugar. Para ello contaban con 15 semanas que debían
compartir con otras disciplinas docentes.
Es propósito en este trabajo mostrar el proceso desarrollado y los resultados
alcanzados. Los estudiantes hicieron profundizaciones teóricas sobre los tipos de
intervención en elementos patrimoniales y sobre la historia local. Desplegaron un
98
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
amplio trabajo de campo para hacer observaciones y levantamientos. Pesquisaron
en bibliografía para llegar a definiciones que les permitieron elaborar ideas creativas.
Trabajaron en diferentes formas organizadas y con distintos recursos de presentación.
Es una experiencia docente, por lo que pudiera presentarse en cualquiera de
los dos ejes temáticos del evento, pero se decide por el que, a criterio de la autora,
puede representar lo que es capaz de hacer el ámbito universitario. Cuando
trascendiendo sus fronteras se ocupa de un interés de la práctica social, como es
desde la arquitectura prestar atención a un patrimonio cultural.
2 DESENVOLVIMENTO
Boa Vista es una ciudad relativamente nueva que se halla hoy en pleno
desarrollo. Su creación se produce aproximadamente en momentos en que se está
definiendo en foros internacionales, conceptos, enfoques y proyecciones sobre el
patrimonio histórico cultural. Eso permite hoy tomar decisiones sobre bases
establecidas, en función de los intereses derivados de su carácter amazónico y
fronterizo. Ya tiene historia a valorar.
El objeto de estudio, construido en 1943, tiene su frente hacia la plaza cívica,
y el terreno que ocupa está comprendido entre la avenida Ene Garcez, la calle Araujo
Filho y la avenida Mario Homem de Melo. A pesar de sucesivas ampliaciones y
alteraciones sufridas, mantiene los rasgos fundamentales de su construcción original.
Es una obra que merece ser reconocida en su valor patrimonial y que, por su evidente
deterioro, requiere intervenciones constructivas.
99
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Figura 1 – Localización y etapas de construcción de la antigua Secretaría Educación
SECD. Localización en barrio Centro SECD. Etapas de construcción 1970-2010
Autores: Equipo 1 Autores: Equipo 1
Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015). Todas las imágenes son tomadas de los trabajos de los
estudiantes con los datos aportados por ellos.
Figura 2 – Fachada de la antigua Secretaría Educación. Evolución en casi 70 años
SECD. Fachada principal en 1946 SECD. Fachada principal actual
Autores: Equipo 2 Autores: Equipo 2
Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).
Las numerosas experiencias conocidas han respondido a una gran variación
de términos: reanimación, reconstrucción, rehabilitación, restauración, revitalización,
etc. Se reconoce que se encuentran diversas interpretaciones, con frecuencia con uso
ambiguo o poco explícito, y a veces contradictorias (NOGUERA, 2002, p. 113). La
búsqueda bibliográfica sobre conceptos y tipos de intervención arquitectónica dio lugar
100
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
a un debate colectivo que permitió garantizar un nivel determinado de dominio teórico
para abordar la tarea planteada.
Se decidió reconocer el inmueble como un elemento fundacional y parte de la
identidad y memoria histórica local. Su evolución debe ser mediante una
transformación en articulación con las dinámicas de desarrollo en torno al mismo. Una
acción de recuperación tendría en cuenta la intervención de rehabilitación. Sería una
práctica que plantee, al decir de la profesora Patiño (2012), “soluciones de
recuperación de espacios públicos, adecuación funcional de edificios representativos,
cambio de uso del suelo como respuesta a la demanda del sector, entre otros, que
contribuyan de esta manera a la conservación y preservación del patrimonio cultural”.
El proceso fue organizado en cuatro etapas, cada una de las cuales ocupó
diferentes plazos de tiempo y con diferentes cantidades de alumnos.
Tabla 1 - Etapas para el desarrollo de Proyecto V
Etapas: 1 2 3 4 interés DIAGNÓSTICO PROGRAMA PLAN GENERAL ANTEPROYECTO semanas 2 3 5 5 Horas aulas 12 18 30 30 Forma trabajo En equipos (2) En equipos (5) En equipos (9) Individual (19) alumnos 8 - 10 3 – 4 2 - 3 1 resultados Informe escrito Presentación en
Power point Paneles y maqueta
Planos técnicos
El diagnóstico se enfrenta por dos equipos, que lo inician sobre la base de la
situación de partida, con dos objetos de atención. Uno fue el entorno urbano, en el
que se tomaron datos del uso de suelo, morfología urbana, estilos arquitectónicos,
número de plantas y alturas predominantes, así como el comportamiento de los
espacios públicos. El otro objeto fue el conjunto edificado, el cual se analizó en su
evolución histórica en cuanto a funciones y forma, su organización espacial, su estado
técnico constructivo, comportamiento climático, sus áreas exteriores y valores. Con
toda esa información se determinaron los elementos a preservar y los posibles de
recibir transformación. Además del informe solicitado, cada equipo llenó los modelos
de IPHAN (Instituto del patrimonio histórico y artístico nacional) de Brasil, para
catastrar el inmueble estudiado. Con la determinación de las posibilidades de nuevas
101
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
intervenciones, se concluye con propuestas que realiza cada alumno de las funciones
que podrían integrarse en el lugar.
Esas funciones fueron el foco en la segunda etapa. Cada alumno dio la
fundamentación para hacer su propuesta. Luego realizó las investigaciones
pertinentes para determinar las actividades a planear, con definición de sus
necesidades espaciales y ambientales. Cada cuarteto debió organizar las relaciones
funcionales generales a establecer entre las cuatro funciones planteadas. Sobre la
base de los datos disponibles del sitio, era preciso definir los elementos a aprovechar
destacando los elementos de valor. Reajustando las posibilidades de nuevas
intervenciones, propusieron un primer esquema de organización espacial,
garantizando la satisfacción de las necesidades ya previstas. En este punto ya
estaban en condiciones de elaborar el programa arquitectónico, con el que trabajaría
en lo sucesivo cada miembro del equipo.
Con total libertad de selección, fue amplia la diversidad de propuestas
funcionales. Fue interesante que uno se planteara reiterar la ubicación de la secretaría
de educación en el mismo sitio que antes pero con más racionalidad en el uso
espacial. Otras ideas tenían un vínculo también con educación pero más directo,
como un centro de referencia al estudiante de la red pública, un centro estadual de
cursos de profesiones, y un complejo educacional. La mayoría se planteó reforzar el
carácter cultural del lugar, con museos, bibliotecas, centro de exposiciones,
observatorio de la ciudad, centro de memoria digital, centro de convenciones y otros
espacios. Solo un equipo se desvió de estas líneas predominantes, y fuera de toda
lógica desvió su atención para el ámbito de la salud, mediante un centro de acogida
al anciano.
Cada uno de los cuartetos se dividió en dúos, para elaborar respectivamente
una propuesta de plan general teniendo en cuenta las cuatro unidades funcionales ya
definidas. Fue concertado entre todos, preservar la forma exterior de las unidades
originales, con sustitución de algunos de sus componentes como ventanas y puertas.
Las cubiertas también fueron renovadas pero manteniendo su inclinación. Así mismo
fue consenso la necesidad de incorporar nuevas construcciones. Finalmente se
obtienen 9 esquemas, que representan por un lado el conjunto, con definición de sus
102
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
áreas exteriores. Por otro lado los edificios descritos en datos generales
complementan la información.
Para simplificar la interpretación de su lectura en la maqueta del conjunto, se
orientó el uso de matices de dos colores: uno para los elementos que se conservan
en provecho de las nuevas funciones, y otro para identificar aquellos que son nuevos.
Figura 3 – Propuestas de Plan General
Algunos aprovechan todo lo existente, aun cuando introducen elementos nuevos.
Autores: alumnos P. Vale de Sousa y U. Ribeiro Martins Autores: alumnas C. Marques de Mattos y B. Saraiva da
Silva
Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).
Con esta definición, cada alumno debió seleccionar una unidad funcional para
detallar en un anteproyecto, concluyendo la cuarta etapa. Debían mostrar de forma
explícita la articulación entre lo nuevo y lo viejo. Todo representado en plantas,
fachadas, secciones o cortes y perspectivas. Además de los planos debieron entregar
una memoria descriptiva, con los criterios manejados sobre concepción,
acondicionamiento climático, estructuras, protección y seguridad. Estas propuestas
de solución funcional y espacial, junto al plan general, constituyen el resultado final de
la disciplina. Son obtenidas 19 soluciones para diferentes componentes del conjunto.
103
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Figura 4 – Propuestas de algunos componentes del conjunto
Memoria digital y observatorio Espacio cultural
Autor: alumno L. Verqas Autora: alumna R. Fim Almeida
Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).
Ha concluido un proceso regido por el convencimiento que el conjunto de
edificios que conforma la antigua Secretaría de Educación es representativo de la
identidad local. Como patrimonio arquitectónico de Roraima, y debido a su mal estado
técnico ha sido sometido a un programa de rehabilitación, que mediante un
ordenamiento de pasos y acciones, se puede afirmar la garantía para su recuperación
y preservación.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se ha sintetizado una práctica docente, en correspondencia parcial con
procesos avanzados de la realidad, con la intención de transformar el uso público de
un edificio de relevancia histórica para la identidad de una población en desarrollo.
Con esta experiencia se ha procurado que los estudiantes adquieran un nuevo
conocimiento integral sobre la importancia del patrimonio desde su formación en
arquitectura. Su pequeña exploración investigativa, para articular la preservación de
un legado cultural a la dinámica de su ciudad en desarrollo, ha reforzado su
preparación como profesionales. Proporcionar soluciones creativas de proyectos
asociados a un interés social, es una muestra de extensión universitaria, que
contribuye a consolidar el compromiso personal y de su centro con la sociedad. Con
todo, estos alumnos han creado nuevos valores y disponen ahora de una nueva
herramienta metodológica para enfrentar problemas futuros.
104
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Los resultados obtenidos fueron positivos. Su divulgación es una modesta
contribución al universo de acciones que requiere la transferencia hacia venideras
generaciones del patrimonio cultural heredado de la historia humana en su paso por
la tierra.
REFERÊNCIAS
COLECTIVO DE ALUMNOS. Proyecto de rehabilitación de la antigua Secretaría
de Educación. Grupo matriculado en la disciplina Proyecto V correspondiente al
semestre 2015.1. Boa Vista: Curso Arquitectura y Urbanismo de la UFRR, 2015
NOGUERA GIMÉNEZ, J.F. La conservación del patrimonio arquitectónico. Debates
heredados del siglo XX. Ars Longa, Valencia, n. 11, p. 107-123, 2002. Disponible
en: http://www.uv.es/dep230/revista/PDF186.pdf. Acceso en: marzo 2015.
PATIÑO E. Patrimonio y Urbanismo. Estrategias metodológicas para su valoración e
intervención. Apuntes, Bogotá, vol. 25 No. 2, p.352-363, julio –diciembre. 2012.
Disponible en: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid. Acceso en: marzo 2015.
105
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
MURALISMO E INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM PROJETO DE INCENTIVO À ARTE
Elias Magalhães de Almeida Leila A. Baptaglin
Rhafael Porto Ribeiro
Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 1- Relato de experiência
Introdução
O Arte no Campus é uma ação de extensão promovida pela Coordenação do
curso de Artes Visuais que compreende uma série de ações artísticas realizadas nos
campi da UFRR e na comunidade em geral, com a participação de professores,
estudantes, técnicos, gestores educacionais e artistas convidados. Essa iniciativa
surgiu de uma crescente demanda por eventos e ações culturais, por parte
principalmente dos estudantes, que precisam suprir a criação de espaços de diálogo
e produção em arte contemporânea, de modo a congregar os conteúdos
desenvolvidos nas disciplinas (ensino), os demais projetos de abrangência
comunitária (extensão) e os novos conhecimentos produzidos em e sobre arte
(pesquisa).
Para o ano de 2015-2016 novas ações estão sendo realizadas pelo projeto.
Dentre elas: Muralismo e Intervenções Contemporâneas e, Oficina de Cerâmica:
e, eventos como a Mostra Arte no Campus e, o Grafita Roraima.
O Projeto Arte no Campus propõe, portanto, a oferta de um conjunto de
ações à sociedade roraimense baseadas em uma metodologia integrada de
abordagem transdisciplinar em que os processos criativos, o desenvolvimento das
linguagens artísticas, o exercício da crítica e da leitura de imagens, a produção e a
socialização de conhecimento em oficinas, exposições e em eventos acadêmico-
científicos resultem no aprimoramento dos processos artísticos e na formação cultural
dos nossos alunos.
Este estudo busca apresentar as atividades que estão sendo desenvolvidas
na ação Muralismo e Intervenções Contemporâneas. Para isso, apresentaremos
as atividades que os docentes, discentes e técnicos administrativos do curso de Artes
106
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Visuais vem realizando, no intuito de atender as demandas do projeto. Para isso,
trabalharemos também com alguns referencias teóricos que abordam o Muralismo no
contexto contemporâneo e, especificamente, o muralismo na cidade de Boa Vista/RR.
2. Muralismo contemporâneo: um olhar para Boa Vista/RR
O Muralismo, no contexto brasileiro, apresenta-se com uma vinculação aos
ideais advindos do Muralismo Mexicano. Segundo Vasconcellos (2004), a pintura
mural, advinda do processo da Revolução Mexicana de 1910 apresenta-se como uma
manifestação artística intencional e plena de significado ideológico com o objetivo de
atingir os mais diversificados ambientes sociais. Daí sua exibição em espaços
públicos apresentando aos olhos populares imagens da história, da cultura e da
política do pais, permitindo uma leitura do que vinha sendo apresentado.
Durante seu processo de fixação artística, o Estado Revolucionário, contribuiu
fortemente para os primeiros passos que a modalidade haveria de dar. A contratação
de artistas garantia sua existência pelas atividades murais, além do quê, isso também
permitia uma ampliação do trabalho que vinha sendo realizado para o registro das
artes e as ideias do movimento, tornando mais fácil o conhecimento da existência dos
mesmos e tornando-os cada vez mais prestigiados pela população local ou mundial.
Essa possibilidade tornava-os artistas mais abertos para criar e pintar, em sua maioria,
retratando um povo em luta pela liberdade, contra a opressão e tirania.
(VASCONCELLOS, 2005).
A relação entre a arte e o Estado, lançou assim, uma forma inovadora de ser
artista, Vasconcellos (2005, p. 289) diz que isso se deu não apenas no que se refere
aos temas e signos da arte,
[...] mas sobretudo em seus quatro momentos: produção, distribuição, circulação e consumo. Rompendo os canais privados do mercado da arte, ampliando seus espaços e suas relações na medida em que ao se localizar em espaços públicos torna-se arte pública, de “consumo” amplo que ultrapassa os limites de um grupo seleto.
Esta concepção de um movimento com produções artísticas destinadas ao
público objetivava justificar de forma quantitativa a ampliação do número de
107
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
espectadores através da exposição aberta, o que, segundo o movimento, possibilitava
uma maior difusão dos ideais propostos.
Nos estudos de Vasconcellos (2004, p. 03), destacamos que os primórdios do
movimento Muralista se deram “no ano de 1922, podendo ser dividido em duas
grandes etapas cronológicas ou gerações: a primeira que abrange o período entre
1922 a 1942, e a segunda, que vai desde o início da década de 50 até nossos dias”.
Com base nesta segmentação histórica e, atentando para o contexto da arte
contemporânea, Vasconcellos (2004) diz que, o muralismo mexicano propunha uma
leitura dinâmica acerca de sua realidade política inserindo-as nos debates acerca do
papel da arte, situando-se entre as críticas das academias e da vanguarda europeia.
Percebemos assim, que o movimento muralista respondeu às especificidades do
contexto civil mexicano, voltado seu olhar para temáticas que retratavam o contexto
social dos trabalhadores e camponeses sem se afastar do que vinha sendo
apresentado nos debates da arte moderna. Criou-se então, soluções para o uso do
espaço das obras do muralismo, rompendo com a arte de cavalete e incorporando
outros materiais, ferramentas e técnicas ao processo de trabalho artístico. Portinari,
segundo Colar (2007, p. 35) foi um dos grandes representantes do início do muralismo
brasileiro
A temática social, da terra ao homem, dos cafezais aos cortiços, as terras secas, os retirantes mirrados, os campos estéreis, as favelas tristes, a fase histórica foram preocupação constante de Portinari. A questão político-social foi determinante em sua carreira, que desde muito cedo deixou clara sua opção política (O Comunismo) e seu desejo de transformações no Capitalismo por meio de reformas políticas e sociais.
Com base neste contexto histórico, podemos perceber que o muralismo
representou também um olhar para o contexto estético que passou a ser usado em
intervenções no perímetro urbano ou mesmo no âmbito de intervenções escolares
estimulando a criatividade, a criticidade e o desenvolvimento artístico.
Em se tratando do nosso objeto de investigação, o muralismo em Boa
Vista/Roraima, podemos encontrar algumas intervenções pictóricas em áreas
urbanas, painéis e grafites que contam um pouco da história e cultura do Estado. Além
disso, buscam também, sem deixar de ter seu valor estético, trazer à tona
108
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
problemáticas e valorizar o ambiente social. No olhar de Souza (2012, p. 16) “A arte
muralista, quando intencionada à crítica social possui notadamente uma forte função
social, sendo um canal de comunicação direto e eficiente entre o artista, a arte e o
meio”. Possibilita assim uma interlocução que atinge a públicos variados e instiga o
olhar crítico para os acontecimentos locais.
Vasconcellos (2004, p. 4-5) destaca que
É fundamental também ressaltar que essas imagens devem ser vistas como representações, ou melhor, ao serem compreendidas por outras pessoas além daquelas que as produziram, é porque existe entre elas um mínimo de convenção sociocultural. Dessa maneira, elas devem boa parcela de sua significação a seu aspecto de símbolo e de seu poder de comunicação.
Esse tipo de intervenção contemporânea do muralismo caracteriza-se então
pelo hibrido de técnicas e linguagens (Grafitte, pintura mural, colagem, etc.)
proporcionando assim a abertura para outras possibilidades de produção artística.
Neste sentido, buscamos compreender o valor comunicacional das pinturas murais
procurando integrar comunidade acadêmica e comunidade em geral no intuito de
possibilitar um olhar crítico para os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais
que vem sendo desenvolvidos no Estado.
3. Arte do Campus: Ação do Muralismo e Intervenções contemporâneas
No ano de 2015, iniciamos as atividades do Projeto Arte do Campus com a
ação de Muralismo e Intervenções Contemporâneas. Sendo assim, nas reuniões que
ocorriam uma vez por semana, na UFRR, Bloco I do CCLA (Centro de Comunicação,
Letras e Artes), com a presença de alunos do Curso de Artes Visuais e professores
foram discutidas ideias e propostas do projeto.
Ao iniciarmos os encontros do grupo, uma das atividades realizadas
inicialmente foi a escolha de uma imagem visual para o projeto, no qual, consistia em
uma logo para a apresentação dos trabalhos produzidos pelo Arte do Campus. As
propostas foram apresentadas pelos alunos e posteriormente fomos aperfeiçoando-
os no decorrer das reuniões com o parecer dos presentes no projeto.
109
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Logomarca do Arte do Campus
Imagem 01: Morgana Fortes
Os próximos pontos de pauta do projeto foram os projetos para as intervenções
solicitadas. O primeiro projeto a ser posto em prática, foi a convite do PET – Letras,
do curso de Letras (Espanhol/Inglês/Francês) da UFRR. A solicitação foi que
elaborássemos um painel com base em um dos poemas elaborado por uma aluna do
PET. A partir dessa solicitação, realizamos alguns projetos e das três propostas
elaboradas, organizamos uma única que foi apresentada aos requerentes.
A
pós a elaboração do projeto, apresentamos, em um encontro com os alunos e
professores do PET Letras, o projeto do Arte do Campus e a proposta para a pintura
do painel.
Durante o processo, houve a participação dos alunos do curso de Artes Visuais
e do Curso de Letras. A pintura mural foi produzida sobre uma superfície de MDF. O
processo de pintura levou cerca de dois dias para ser concluído e, posteriormente, foi
encaminhado até a sala do projeto PET – Letras.
Pintura do painel PET Letras
Imagem 02 e 03: Arquivo dos autores
110
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A segunda solicitação foi do IGEO, para a produção de pinturas que
pudessem intensificar e aprofundar as relações culturais no prédio do Instituto. As
ações foram programadas em 3 etapas: 1- Maloca IGEO; 2- Prédio Direção IGEO; 3-
Prédio salas de aula IGEO.
Inicialmente, foi pensado em uma intervenção na Maloca e, como essa
edificação possui um formato circular, buscamos produzir algo condizente com o que
ela representa e com a cultura regional indígena. Assim, a proposta apresentada
centrou-se na confecção de uma mandala com a representação de símbolos
indígenas.
Pintura da Maloca no IGEO/UFRR
Imagem 04 e 05: Arquivo dos autores
A pintura levou em torno de três dias para ser concluída tendo a participação
dos alunos do Curso de Artes Visuais. As duas outras etapas do projeto de intervenção
no IGEO estão sendo pensadas pelos integrantes do Arte do Campus para serem
realizadas no ano de 2016.
A terceira proposta foi elaborada a partir de uma demanda dos alunos do
curso de Artes Visuais em tornar o Centro de Comunicação, Letras e Artes (CCLA)
um espaço que represente o curso. Para isso, os professores e alunos do curso de
Artes Visuais articularam as ações do Arte do Campus com algumas disciplinas do
curso no intuito de ampliar a participação e o envolvimento dos alunos. Sendo assim,
solicitamos à direção do CCLA as quatro paredes da praça dos fundos sendo este
espaço concedido ao projeto. Para serem produzidas as pinturas inicialmente
instigamos os alunos a apresentarem propostas de pintura mural que representassem
a cultura regional. Depois da elaboração das propostas, convidamos um artista local,
111
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
juntamente com os professores do curso para a escolha das três obras que seriam
trabalhadas para a pintura dos murais. Uma das pinturas foi previamente selecionada
como sendo uma pintura de um dos alunos do Curso de Artes Visuais, recentemente
falecido.
Com os projetos de pintura escolhidos, os grupos de pintura foram divididos
conforme afinidade entre os integrantes. Com a organização dos grupos e delegadas
as devidas responsabilidades os grupos começaram a trabalhar.
As pinturas levaram em torno um mês de processo, tendo sido elas concluídas
em duas etapas, as três primeiras produzidas pelos alunos e a última que foi finalizada
pelos professores responsáveis pelo projeto e os bolsistas, em homenagem ao Aluno
Silvio Villase.
A produção final das pinturas murais na praça do CCLA buscou apresentar
uma caracterização da estrutura histórico e cultural do estado de Roraima.
Pinturas murais da Praça do CCLA/UFRR
Imagem 06, 07, 08 e 09: Arquivo dos autores
Neste sentido, o projeto Arte do Campus tem uma significativa preocupação
em, como já sinalizado por Vasconcellos (2004), apresentar imagens que retratem os
112
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
valores e as problemáticas locais utilizando-se da preocupação estética, porém não
somente desta, para o desenvolvimento da criticidade do sujeito.
Isto pode ser evidenciado nos projetos apresentados nas intervenções de
Muralismo desenvolvidas até o momento.
Considerações finais
Diante das ações realizadas no projeto do Arte do Campus, podemos destacar
a necessidade de trabalhar com um olhar mais atento para a criticidade e a busca pela
reflexão através das produções artísticas.
A pintura mural, com suas raízes no movimento Mexicano, atenta para a
utilização da Arte como forma de comunicação e expressão que adentre os mais
variados setores sociais.
É neste sentido que o Curso de Artes Visuais, através de suas propostas de
intervenções, vem buscando esse diálogo com a comunidade. Além disso, busca
atender um olhar que adentre as Teorias das Artes Visuais, as Linguagens e Poéticas
Contemporâneas, à Arte e Tecnologia e também a Educação e Artes Visuais. Estas
linhas de pesquisa ampliam o olhar e dão vasão para trabalhos de ensino, pesquisa e
extensão atendendo a proposta de um curso interdisciplinar que faça parte do
contexto cultural do Estado de Roraima.
O Arte do Campus é uma das tantas ações que vem sendo realizadas e vem
instigando os alunos à participar deste cenário artístico e cultural mobilizando
movimentos de integração comunitária e acadêmica.
REFERÊNCIAS
COLLAR, D. Portinari & Rivera: dois artistas; um objetivo. Revista Ângulo 110, jul./set., 2007, p. 35-42. Disponível em: <http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewFile/227/184>. Acesso em: 07 de outubro de 2015. Projeto Político Pedagógico do Curso de Artes Visuais/UFRR. 2014 SOUZA, A. O Muralismo de Rivera e Portinari: a arte como possibilidade de reflexão crítica e mediação com a realidade social. Trabalho de conclusão de Curso. Ouro Preto/MG. 2012. Disponível em: < http://bdm.unb.br/bitstream/10483/5650/1/2012_AdelsonMatiasSouza.pdf >. Acesso em: 05 de outubro de 2015.
113
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
VASCONCELLOS, C. M. Visões da Revolução Mexicana: Arte e política nos murais do museu nacional de história da cidade do México. Anais eletrônicos do VI Encontro do ANPHLAC. UEN/PA-ANPHLAC, Maringá/PR, 20 a 23 de julho de 2014. Disponível em: < http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/105373/ 20Revolucao%20Mexicana.pdf >. Acesso em: 05 de outubro de 2015.
VASCONCELLOS, C. M. As representações das lutas de independência no México na ótica do muralismo: Diego Rivera e Juan O’Gorman. Revista de História 152 (1º - 2005), 283-304. Disponível em: < >. Acesso em: 05 de outubro de 2015.
114
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS IMATERIAIS E MATERIAIS NO ESTADO DE RORAIMA, PROGRAMA
“VALLE DO RIO BRANCO”
Esp. Francisleile Lima Nascimento (UFRR, RR) Dra. Leila Adriana Baptaglin (UFRR, RR).
Temática: 2 – Educação Patrimonial; Modalidades: 3 – Ações de Extensão.
INTRODUÇÃO
Em 1858 o governo federal criou a freguesia de Nossa Senhora do Carmo.
Esta foi transformada no município de Boa Vista do Rio Branco em 1890, contudo,
ainda pertencente ao Estado do Amazonas. Em 1906 é lançado o álbum “Valle do Rio
Branco” com as primeiras fotografias produzidas no estado.
O nome do Programa “Valle do Rio Branco” faz referência aos primeiros
registros fotográficos e patrimônios iconográficos de Roraima. Com a historicidade
deste título procuramos propor projetos que se inserem na prerrogativa da história
local no intuito de ampliar a discussão sobre as referências culturais e os
conhecimentos tradicionais de grupos formadores da diversidade cultural roraimense.
No Programa serão articuladas atividades voltas para a preservação do
Patrimônio local. Dentre elas, e a qual trabalharemos neste ensaio, serão
desenvolvidas atividades relacionadas à Educação Patrimonial. Sendo assim,
palestras e oficinas antecedem as práticas que envolvem o procedimento de
compreensão do patrimônio material e imaterial. Esperamos contribuir para que a
sociedade tenha acesso a bens de interesse coletivo, seja por meio de visitações ou
de site na internet. Assim ajudamos a contar o desenvolvimento do processo cultural
dos grupos sociais em Roraima.
Para isso, esta ação pretende desenvolver atividades que envolvam o corpo
docente e discente das instituições escolares dos 15 municípios de Roraima (São
João da Baliza, Rorainópolis, São Luiz, Uiramutã, Pacaraima, Mucajaí, Normandia,
Iracema, Amajarí, Caracaraí, Bonfim, Canta, Caroebe, Alto Alegre e Boa Vista), no
115
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
intuito de proporcionar a valorização e a preservação do patrimônio material e
imaterial das comunidades.
O objetivo deste projeto de Educação Patrimonial é proporcionar instrumentos
que promovam a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das
comunidades. Para isso, buscaremos capacitar professores para a elaboração de
projetos de mediação cultural no intuito de trabalhar os bens patrimoniais locais;
incentivar o trabalho em sala de aula com atividades que promovam o conhecimento
dos patrimônios locais; conscientização dos docentes, discentes e comunidade em
geral do conhecimento, preservação e difusão dos bens patrimoniais locais.
2 VALORIZAÇÃO E PATRIMÔNIO CULTURAL
Ao trabalharmos com a Educação Patrimonial temos que ter claro a utilização
de alguns termos. Sendo assim, alguns termos específicos que merecem ser
destacados são: preservação, resgate, valorização e Patrimônio Material e Imaterial.
Estes termos que passam a vigorar com maior intensidade neste trabalho
sistematizarão alguns direcionamentos. Preservação refere-se, ao cuidado com o bem
patrimonial. Ao que tange ao Resgate do bem patrimonial, o mesmo refere-se à
recuperação de materiais ou, mais usado, à recuperação de bens imateriais (histórias,
contos, lendas, músicas). O termo valorização vai além das conceituações literais que
envolvem a manutenção dos bens em seu estado original ou ainda a desaceleração
dos processos degenerativos (preservação), mas adentra os conceitos de valor de
reconhecimento interligados com a necessidade de preservação.
Tendo estes pressupostos apresentados, a terminologia Patrimônio Material
e Imaterial representa toda uma estruturação história de bens materiais e imateriais,
tangíveis e intangíveis que compreendem o patrimônio cultural e, são considerados
“manifestações ou testemunho significativo da cultura humana”, reputados como
imprescindíveis para a conformação da identidade cultural de um povo (GONZALES-
VARAS, 2003, p. 44).
Destacamos também, que estes Patrimônios podem ser apresentados como
Patrimônio Cultural, o qual engloba o Histórico e Artístico, bem como Patrimônio
Natural, incluindo bens estruturados pela natureza. Destacamos, contudo, que o termo
Patrimônio Cultural não substitui ou anula o Patrimônio Artístico, Patrimônio Histórico
e o Patrimônio Natural. Desta forma o Patrimônio Cultural configura-se em,
116
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
(...) monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura; unidade ou integração à paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; os sítios - obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico (CONFERÊNCIA GERAL DA ONU, 1972, p. 03-04).
Nossas práticas são diárias, e nela as mudanças ocorrem naturalmente.
Entende-se que o “patrimônio cultural” é algo produzido pelo homem, seja qual for o
tipo de manifestação ou ações produzidas em qualquer espaço, sendo ela material e
imaterial. O “patrimônio natural” é apenas o produzido naturalmente, sem quaisquer
intervenções antrópicas, é a própria dinâmica da natureza, onde entram paisagens
que tenham características históricas, ou de apenas beleza natural, algum ciclo
natural que seja único e específico de um determinado lugar, enfim são dinâmicas
naturais sem ações humanas.
Buscamos assim, sintetizar e proporcionar uma visão ampliada, uma
conceituação que abarque os mais variados tipos e modalidades de patrimônios
presentes na sociedade contemporânea. Isso, pois, nas últimas décadas tem havido
uma significativa ampliação de instrumentos, objetos, edificações, culturas, ações, ou
seja, não mais apenas o material, mas incluindo o imaterial e quiçá outras
intervenções que vem sendo consideradas como patrimônios. Sendo assim, a
expressão Patrimônio Cultural aqui passa a ser utilizada em um sentido amplo, para
um olhar macro acerca do Patrimônio.
3 CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DE PATRIMÔNIO
A partir de manifestações, críticas e mobilizações sociais que vieram
acontecendo ao longo da história da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico -
SPHAN pode-se evidenciar algumas fases pelas quais esta instituição passou:
A Fase Heróica correspondeu aos primeiros 30 anos (1936-1967) onde o
Jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente da instituição. Neste
117
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
período, tem-se que em 1946, o SPHAN passa a denominar-se Departamento do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DPHAN.
A segunda fase (1967 a 1979) correspondente à administração do Arquiteto
Renato Soeiro. Neste período, o DPHAN transformou-se, através do Decreto n°
66.967 de 27 de julho de 1970, em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
- IPHAN. O mais importante nesse período aconteceu devido à nova estrutura, ou
seja, seus distritos converteram-se em Diretorias Regionais (KERSTEN, 2010).
Em 1973, foi nomeado o Grupo Interministerial, por solicitação dos Ministros
do Planejamento e da Educação e Cultura. O grupo constituiu-se de representantes
do Ministério da Educação e da Cultura - MEC, do Ministério de Planejamento e
coordenação Geral, do Ministério de Interiores, através da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, e do Ministério da Indústria e Comércio
através da Empresa Brasileira de Turismo - EMBRATUR. Este grupo tinha por
finalidade efetuar estudos sobre o patrimônio histórico do Nordeste.
Além desta tarefa que já cabia ao IPHAN e a EMBRATUR, foi criada a
Comissão de Acompanhamento do Programa a Comissão Nacional de Regiões
Metropolitanas e Políticas Urbanas - CNPU com a finalidade de integrar preservação
e utilização dos bens culturais. Exigiu-se de cada Estado a apresentação prévia do
Programa de Restauração e Preservação.
Além deste Grupo apresentado acima, estruturados para o auxílio à
preservação patrimonial, criaram-se Programas como o Programa de Cidades
Históricas - PCH e o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC que se configura
na sequência dos acontecimentos referentes à preservação, mas adentra um olhar
mais aberto às questões patrimoniais. Segundo Kersten (2000, p. 101).
O CNRC conduziu uma proposta que pretendia superá-la (a filosofia orientadora da preservação), indo além das ações direcionadas à preservação dos bens da etnia branca, da elite vitoriosa. A nova diretriz ampliou os programas de preservação às culturas ameríndia e negra. Desenvolveu projetos que visavam preservar o que definiu como cultura popular, objetivando ir além do mimetismo estrangeiro e do desconhecido do autenticamente nacional.
Após um período de turbulências o IPHAN foi desativado e volta a renascer
politicamente em 1979 com a direção do Coordenador Geral do CNRC, Aloísio Sérgio
de Magalhães. Configuravam-se assim significativas mudanças no âmbito patrimonial
118
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
que passa a ter a junção do IPHAN-PCH-CNRC o qual começa articular inúmeras
incumbências e assim, funde-se através do Decreto n° 84.198 em Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico - SPHAN, responsabilizando-se pela preservação do
acervo cultural e paisagístico brasileiro e, a Fundação Nacional Pró-Memória - FNPM,
responsabilizando-se em proporcionar os recursos para agilizar o trabalho das
Secretarias.
Nesta transformação em SPHAN/Pró-Memória, Aloísio de Magalhães propõe
que seja retomado o projeto original de Mário de Andrade onde,
[…] ao mesmo tempo em que criticou a preservação de bens de “pedra e Cal”, Aloísio demonstrou que a instituição não descuidaria dos bens já tombados. Alertou, porém, para a importância de outros bens culturais imóveis, de natureza histórica, religiosa ou leiga, dentre os quais sítios e conjuntos arquitetônicos relevantes. Para abrangê-los definiu um conceito mais amplo que abarcou o ecológico e o saber fazer as populações (KERSTEN, 2000, p. 103).
Neste momento então, começo a ver sinalizações de uma abertura para
outros tipos de patrimônio além do material (móvel e imóvel). Começa-se a adentrar
no campo do imaterial, algo que se expandirá e tomará corpo no final da década de
90 e início do século XXI. Com esta nova ideia, no ano de 1990, ocorre então, a
extinção do SPHAN e da Fundação Nacional Pró-Memória - FNPM e com isso, a
criação do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC. Em 1994 este órgão volta
a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.
Pode-se verificar que apesar das transformações/mudanças de nomenclatura
e presidência muito ainda há de ser feito frente às questões da valorização do
Patrimônio Cultural. Para que se concretize a mudança conceitual e prática evidencia-
se a necessidade de uma mudança nas concepções referentes ao conceito e a
importância do Patrimônio Cultural social.
A memória faz cultivar através de imagens, inscrições, desenhos, documentos
a lembrança de fatos consideráveis sobre a constituição da história (LE GOFF, 2003).
Em Roraima pretende-se que a constituição das memórias estabeleça importante
função social, na medida em que reproduz informações ou mesmo em relação à
ausência de dados, baseando-se no estudo de cenários e artefatos que marcaram
acontecimentos locais.
119
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
4 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Alguns conceitos sobre patrimônio cultural são elaborados a partir de
pensamentos e ações das mais diversas. Depara-se com práticas culturais a partir de
manifestações expressadas pelo homem em qualquer espaço. O patrimônio cultural
é o conjunto de manifestações, realizações e representação de um povo. Se for
pensar o que seria “patrimônio cultural” - nada mais é do que tudo o que produzimos
qualquer ação realizada através de um grupo de pessoas em um determinado lugar,
quaisquer atividade que expresse esse conjunto de manifestações pode se
considerado patrimônio cultural. Os lugares podem ser: casas, praças, ruas, prédios,
escolas, museus, entre outros, enfim qualquer espaço pode ser utilizado para
manifestar suas ações caracterizando-se como patrimônio cultural.
Dentro desse processo, o patrimônio é tudo aquilo que existe em abstrato e
concreto, ou seja, imaterial e material, o imaterial são as lembranças, histórias,
vivências que estão no passado e no presente, o material é o produzido - o construído
e que faz parte do passado mantendo-se no presente. Com isso, utilizar do ambiente
escolar para estimular ações de educação patrimonial é importante para esclarecer e
atrair novos olhares e práticas do que é patrimônio.
Espaços educativos possibilitam novas construções, novos conhecimentos,
novos pensamentos, além de torna-se um ambiente ativo com ações de experiências
e vivências dos alunos a partir do próprio cotidiano. Essa prática de educação formal
pode inserir-se em quaisquer níveis escolares, seja do pré-escolar ao nível superior.
Nesse processo de práticas de educação patrimonial existem metodologias
que auxiliam em várias ações que valorizam o patrimônio. Dentro dessas
metodologias 04 (quatro) etapas foram criadas através do Manual de Atividades
Práticas de Educação Patrimonial do IPHAN, Grunberg (2007):
Observação: visão, tato, olfato, paladar e audição por meio de perguntas,
experimentações, provas, medições, jogos de adivinhação e descoberta (detetive),
etc., de forma que se explore, ao máximo, o bem cultural ou tema observado;
Registro: com desenhos, descrições verbais ou escritas, gráficos, fotografias,
maquetes, mapas, busca-se fixar o conhecimento percebido, aprofundando a
observação e o pensamento lógico e intuitivo;
Exploração: análise do bem cultural com discussões, questionamentos,
avaliações, pesquisas em outros lugares (como bibliotecas, arquivos, cartórios,
120
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
jornais, revistas, entrevistas com familiares e pessoas da comunidade),
desenvolvendo as capacidades de análise e espírito crítico, interpretando as
evidências e os significados;
Apropriação: recriação do bem cultural, através de releitura, dramatização,
interpretação em diferentes meios de expressão (pintura, escultura, teatro, dança,
música, fotografia, poesia, textos, filmes, vídeos, etc), provocando, nos participantes,
uma atuação criativa e valorizando assim o bem trabalhado.
A partir dessas etapas, diversas atividades podem ser trabalhadas para
construir e registar estas ações caracterizadas como educação patrimonial. Com base
no Programa Mais Educação sobre Educação Patrimonial realizado pelo Ministério da
Educação, no ambiente escolar a participação ativa e conjunta dos professores,
coordenadores, técnicos, estagiários e estudantes, podem oferecer oportunidades de
reflexão e conhecimento partindo do contexto sociocultural e ambiental de suas
próprias vivências dentro da própria escola. Dentro deste espaço a riqueza de
informações culturais é enorme, explorar essas possibilidades se faz necessário para
o entendimento sobre a ação do que seria essa educação patrimonial, nesse ambiente
encontram-se as “raízes históricas” das pessoas que estão em convivência todos os
dias, é uma referência cultural mais próxima e que a partir delas podem-se propor
reflexões sobre o que o patrimônio representa ou pode vir a representar.
Uma atividade muito importante para descobrir o que caracteriza esse espaço
escolar no sentido de identificar essas referências culturais, seria a realização de um
inventário dentro da escola. Mas o que seria inventário? Seria um levantamento
descrevendo bens matérias e imateriais que fazem parte de um determinado lugar,
grupo de pessoas, ou somente o espaço físico, no caso de um espaço escolar, faz-se
descrição de todos que fazem parte da escola, as pessoas e os bens materiais,
através desse levantamento começa a surgir às referências culturais deste ambiente.
É uma forma de pesquisar, coletar e organizar informações sobre algo que se quer
conhecer. Através dessa descrição descobre-se o que se tem e o que cada objeto
e/ou pessoa é importante para esse local.
Portanto, elaborar um inventário é ter um bem cultural. São ações de
descrever, documentar, fotografar, filmar, entrevistar, fazendo gravações sonoras
entre outros. Além de levantar informações já existentes que agreguem ao que está
sendo construído. O inventário é um documento que registra as memórias e
121
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
momentos importantes que aconteceram naquele lugar, serve para relembrar aos
novos personagens que irão compor uma nova memória, e que continuará
alimentando as histórias que já foram vividas naquele lugar. O inventário é uma fonte
de pesquisa que contem um registro do passado e que serve para entender melhor
os presente e desenhar o futuro.
Além de o inventário poder ser elaborado dentro do perímetro da escola, fora
dele também é importante para conhecer o ambiente ao entorno da escola, as
referências culturais internas e externas confrontam com informações que traçam
perfis de uma dinâmica vivida dentro da escola e outra fora. Estas são variáveis que
entram nas mais diversas áreas do conhecimento e que contribuem para atividades
multidisciplinares e transdisciplinares, fomentando a participação coletiva dos
professores, alunos e outras pessoas que queiram envolver-se contribuindo nesse
processo de troca de conhecimentos a partir dessas referências culturais que foram
levantadas. Através de um inventário surgem muitas atividades culturais em que as
etapas aqui mencionadas como as metodologias utilizadas contribuem para
desenvolver estas práticas com características diversas que entram como um
patrimônio cultural, englobando a todos a construir um conhecimento “brincando” de
fazer educação patrimonial.
5 VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS EXISTENTES NOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE RORAIMA
O patrimônio histórico e artístico nacional foi conceituado pelo Decreto-lei n°.
25, de 30/11/1937, como o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e
cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico. Está assim no art. 216, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
122
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Discutir sobre o passado em Roraima é pertinente, pois a importância e o
caráter sociocultural, científico e econômico do Patrimônio histórico local se veem
menosprezados no presente. Afinal passado, presente e futuro constituem-se juntos.
Todos os seres humanos e sociedades (HOBSBAWM, 1997) estão enraizados no
passado de suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referências.
Nesse programa queremos conhecer, também a memória pessoal que define a
posição do cidadão em relação ao patrimônio local.
Por tanto, entendemos que cultivar e preservar a identidade das populações
dos municípios de Roraima significa priorizar atividades sociais através da
implementação de um programa de educação patrimonial para que este desperte a
conscientização e valorização da memória local criando referências para os futuros
gestores da cidade e a formação de agentes históricos (instrutores que expliquem no
local de implantação de cada obra a devida importância que lhe é atribuída) como
veículos primordiais para a conservação do acervo.
6 METODOLOGIA DE TRABALHO DAS AÇÕES DE EXTENSÃO
O projeto de Educação Patrimonial pretende desenvolver atividades que
envolvam o corpo docente e discente das instituições escolares no intuito de
proporcionar a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das
comunidades. No trabalho com os docentes potencializa-se a articulação com as suas
práticas pedagógicas, ou seja, o desenvolvimento de atividades que discutam/reflita e
problematize o patrimônio material e imaterial. Já o trabalho com os discentes busca
a conscientização da preservação destes patrimônios. Para isso, dar a conhecer a
estes discentes o significado, os diferentes tipos de patrimônio, a importância história
e cultural torna-se a fundamental para a continuidade desta ação, pelos docentes, nos
espaços escolares.
Cabe destacar, que esta ação baseia-se no processo de construção da
Mediação cultural. A mediação cultural constitui-se nesta proposta, como importante
meio para a consolidação da aprendizagem a partir do momento em que articula os
conteúdos didáticos pedagógicos das escolas com a visitação aos lugares de
memória. A educação patrimonial,
123
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Tem, assim, um papel decisivo no processo de valorização e preservação do patrimônio cultural, colocando-se para muito além da divulgação do patrimônio. Não bastam a promoção e difusão de conhecimentos acumulados no campo técnico da preservação do patrimônio cultural. Tratam-se, essencialmente, da possibilidade de construções de relações efetivas com as comunidades, verdadeiras detentoras do patrimônio cultural (RUSSI et.al, 2013, p. 05).
A prática de Mediação apresenta-se assim como um procedimento que, no
espaço educativo teve início no século XX, quando o educador brasileiro Paulo Freire
(1963) inicia o trabalho de aprendizagem a partir da mediação, colocando a ideia de
que ninguém aprende sozinho. Desta forma, as ideias sócias construtivistas são
apresentadas como um processo de mediação do sujeito com o mundo em um limiar
de desenvolvimento cognitivo.
No âmbito do trabalho como o ensino de Artes Visuais, a arte/educação surge
como uma importante mediadora do sujeito com a arte/objeto de memória colocando
o espaço do Museu/lugar de memória, como um local de concretização desta
mediação. Estes lugares apresentam-se como laboratórios de arte, história e memória
sendo indispensáveis para o processo de construção cognitiva e visual do sujeito
educando. Contudo para que isso aconteça, o processo de medicação requer do
profissional mediador conhecimentos que lhe possibilite dialogar com cada sujeito e
suas peculiaridades sendo este um trabalho bastante complexo aproximando-se muito
do trabalho que se buscou fazer com a Abordagem Triangular (apreciação,
contextualização e fazer artístico) (BARBOSA, 2004). Um trabalho de conhecimento
e valorização sociocultural do sujeito e dos seus espaços de formação.
O processo de mediação envolve então: o objeto a ser mediado, o mundo
cultural de referencia do mediador e do contexto, as crenças e valores do mediador e,
as representações e crenças dos destinatários. Assim, modifica-se consideravelmente
com base nas considerações de cultura que revelam. Na prática, a mediação é um
acompanhamento cultural e uma reflexão crítica sobre as várias modalidades de
construção dos fenômenos culturais. Em uma concepção contemporânea busca
exercitar os processos interpretativos do visitante/observador e de solicitar seu
desenvolvimento e gosto para a comparação, para a investigação e improvisação.
Não são os espaços e/ou os tempos que são dados a conhecer, senão sim, o sentido
e a construção pelos percursos interpretativos variados.
Segundo Vygotski (1995), a mediação acontece através de artefatos
presentes na relação do individuo com o mundo, sendo assim, o mediador apresenta-
124
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
se como um contextualizado promovendo o encontro do repertório de saberes do
sujeito com as referencias imagéticas e culturais que ele tem acerca do artefato
histórico ou cultural que tem acesso. O mediador deve ser um instigador das relações
do público/discente com este artefato com seus próprios modos e não um transmissor
de conteúdos estanques e descontextualizados.
A partir desta compreensão teórica acerca da Mediação cultural, reforçamos
a necessidade de trabalhar com os docentes no processo de elaboração de projetos
de mediação cultural os quais poderão ser desenvolvidos em cada escola na interação
com os lugares de memória. Este trabalho, inicialmente carece também de uma prévia
explanação com os discentes acerca da importância da preservação dos patrimônios
materiais e imateriais.
Temos assim, que a ação aqui proposta se desenvolverá em duas etapas:
Primeira etapa: Será realizado um trabalho em grupos, quais sejam:
Grupo de docente: Com o objetivo de instrumentalizá-los na realização de
projetos de mediação cultural.
Grupo de discentes: Com o objetivo de informar e instigar os alunos ao
conhecimento e preservação do patrimônio material e imaterial.
O trabalho com estes dois Grupos potencializa e garante o conhecimento do
público docente e discente sobre a proposta de atividade a ser desenvolvida na
interação entre a escola e os lugares de memória. Neste sentido, a atividade com os
docentes inicia com uma explanação teórica do que vem a ser patrimônio material e
imaterial dando destaque para a necessidade de sua valorização e preservação.
Diante deste momento inicial serão apresentadas as leis que regem e
regulamentam a preservação dos bens patrimoniais. Após esta explanação teórica
será proposta uma atividade para os professores a ser desenvolvida com os alunos.
A atividade consta em um processo de inventariar os bens patrimoniais materiais e
imateriais locais. Neste momento todos os professores receberão informações
necessárias para a elaboração do projeto de pesquisa e inventário.
A partir deste processo de elaboração do projeto, cada professor, com um
grupo de alunos, realizará a mediação/o acompanhamento de uma série de atividades
que contribuirão para a salvaguarda destes bens. O trabalho com os alunos consiste
em, após um levantamento prévio dos bens patrimoniais locais, fazer com que,
acompanhado dos professores, os alunos entrem em contato com os responsáveis ou
125
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
conhecedores desse bem no intuito de levantar o maior número de informações sobre
o mesmo.
Instruções sobre os dados a serem coletados, os instrumentos de coleta e os
equipamentos a serem utilizados serão trabalhadas com os professores e os mesmos
repassarão para os alunos. Neste processo, o professor será um mediador das ações
fazendo com que o aluno busque realizar sua pesquisa e suas pontuações conforme
foi lhes orientado.
Após o registro dos bens patrimoniais cada professor/escola ficará
responsável em organizar os dados coletados pelos alunos a fim de realizar outra
atividade a qual consiste na segunda etapa desta ação. A partir do trabalho realizado
na primeira etapa será escolhido um representante docente de cada município que
participará, juntamente com a equipe desta ação, no trabalho que será realizado nos
municípios seguintes.
Desta forma realizaremos uma interlocução de conhecimentos entre os
municípios que instigará e unificará as ações de mediação que estarão sendo feitas.
Ao findar as ações em cada município retornaremos ao primeiro município a fim de
compartilharmos as experiências e aprendizados e verificarmos as atividades que
foram desenvolvidas nos espaços escolares.
Segunda etapa: com este grupo de docentes representantes de cada
município e com os professores que participarão da ação, serão realizados encontros
para a organização do material coletado e construção de materiais didáticos que
contenham os patrimônios materiais e imateriais de cada município.
Este material será organizado contemplando também as demais ações do
programa Vale do Rio Branco possibilitando assim a construção de um material de
divulgação/conhecimento e preservação dos bens patrimoniais locais incentivando,
além do trabalho didático nas escolas, o conhecimento e a implementação de ações
que abarquem o potencial Turístico dos municípios. Este material será disponibilizado
às prefeituras municipais e auxiliará no trabalho referente ao conhecimento e
preservação do patrimônio material e imaterial.
7 PROPOSTAS REALIZADAS E ENCAMINHAMENTOS
No ano de 2014 foram realizados estudos e a organização da proposta da
ação de Educação Patrimonial e o contato com os municípios de Roraima. Além disso,
126
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
foi possível realizar essa ação em parceria com a Escola Aldébaro José Alcântara e
Maciel Ribeiro Vicente da Silva no município de Bonfim/RR. A ação de Educação
Patrimonial fez parte do III Intercambio Intercultural das Escolas da Fronteira – Brasil-
Guiana onde foram realizadas as oficinas de Educação Patrimonial,
Audiovisual/Cinema e Astronomia/Planetário.
Pelo turno da manhã, foi feita a abertura do evento e posteriormente as turmas
do Ensino médio foram encaminhadas para a realização das oficinas. Esta
modalidade de ensino apresentou em média 150 a 180 alunos sendo que, cada oficina
atendeu em torno de 50 a 60 alunos. A organização das oficinas foi em forma de
rodízio, contudo, nem todos os alunos participaram de todas as oficinas tendo em vista
que, ao mesmo tempo em que estávamos realizando as mesmas outras atividades
estavam sendo realizadas no local (apresentação dos cursos de Artes Visuais,
Música, Enfermagem e Medicina Veterinária).
Durante a ação de Educação Patrimonial foi colocado, aos alunos e
professores da Escola, alguns conceitos de Educação Patrimonial, bem como, foi
instigado aos participantes pensarem em bens patrimoniais locais. A partir desse
momento, os discentes apresentaram o que consideram Patrimônio em seu município
(fig. 01 e 02).
Pós a apresentação dos bens patrimoniais foi realizada uma conversa
juntamente com os docentes das turmas para que os mesmos pudessem continuar
essa atividade na escola. Foi possível observar que, mesmo sendo alunos do Ensino
Figura 01 – Discente desenhando patrimônio. (Dados do Programa de Extensão Valle Extensão Valle do Rio Branco, 2014).
Figura 02 – Apresentação dos conceitos de Patrimônio local. (Dados do Programa de Extensão Valle Extensão Valle do Rio Branco, 2014).
127
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
Médio, poucos sabiam o que é Patrimônio e ninguém sabia os procedimentos para o
tombamento de um bem patrimonial. Diante destas questões, percebe-se a eminente
necessidade dos conceitos e proposições de Patrimônio Cultural serem trabalhados
nas escolas no intuito de uma maior valorização e compreensão dos bens locais.
Sendo assim, podemos constatar que a valorização dos patrimônios
representativos das relações existentes nos municípios de Roraima implica em manter
o registro da história e da vivência da população que ocupa esses espaços, definidos
a partir das suas territorialidades. Com base nisso, este artigo traz uma proposta a ser
praticada nas comunidades com intuito de construir e/ou resgatar a valorização e a
preservação do patrimônio material e imaterial, promovendo assim interagir com o
espaço escolar que é um lugar de memória fortalecendo a conscientização de
docentes e discentes acerca da importância da preservação do patrimônio.
Nós praticamos atividades culturais todos os dias e muitas vezes não nos
damos conta. Faz parte do nosso cotidiano, constrói nossa identidade e determina os
valores de uma sociedade. Educação patrimonial é um processo permanente e
sistemático de trabalhos educativos, que tem como base o patrimônio cultural com
todas as ações de manifestações realizadas dessas ações humanas.
O projeto de Educação Patrimonial pretende, no ano de 2015, continuar
desenvolvendo atividades que envolvam o corpo docente e discente das instituições
escolares. No trabalho com os docentes potencializa-se a articulação com as suas
práticas pedagógicas, ou seja, o desenvolvimento de atividades que discutam/reflitam
e problematizem o patrimônio material e imaterial. Já o trabalho com os discentes
busca a conscientização da preservação destes patrimônios. Para isso, dar a
conhecer a estes discentes o significado, os diferentes tipos de patrimônio, a
importância história e cultural torna-se fundamental para a continuidade desta ação,
pelos docentes, nos espaços escolares.
O objetivo deste projeto de Educação Patrimonial é proporcionar instrumentos
que promovam a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das
comunidades. Para isso, buscarmos e continuaremos buscando capacitar professores
para a elaboração de projetos de mediação cultural no intuito de trabalhar os bens
patrimoniais locais; incentivar o trabalho em sala de aula com atividades que
promovam o conhecimento dos patrimônios locais; conscientização dos docentes,
128
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
discentes e comunidade em geral do conhecimento, preservação e difusão dos bens
patrimoniais locais.
REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/Educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2004. GONZALES-VARAS, Ignácio. Conservación de bienes culturales. Madrid: Cátedra, 2003, p.44. GRUMBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (Org.). A invenção das tradições. Tradução Celina Cardim Cavalcante. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os Rituais de Tombamento e a Escrita da História: Bens tombados no Paraná entre 1938-1990. Curitiba: UFPR, 2000. ONU. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris, de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972. RUSSI, Adriana. Patrimônio Cultural: Diálogos entre Arte e Educação. Disponível em: http://educacaopatrimonial.files.wordpress.com/2010/08/patrimonio-cultural-dialogos-entre-a-arte-e-a-educacao.pdf. Acesso em: 18 mar. 2014. VYGOTSKI, Levy Semenovich. Obras Escogidas III: incluye problemas del desarrollo de la psique. Madri-Espana.Visor, 1995.
129
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE A EDUCAÇÃO: USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL NO
CURSO DE MÚSICA DA UFRR
Marcos Vinícius Ferreira da Silva (UFRR, RR) Rosângela Duarte (UFRR, RR)
Temática: 2- Educação Patrimonial Modalidades: 1- Relato de experiência
1 INTRODUÇÃO
O curso de música da UFRR iniciou as atividades letivas no segundo semestre
de 2013, em virtude da prerrogativa da lei 11.769/2008 que determina a presença do
ensino de música nas escolas da educação básica e a necessidade de formar
educadores musicais para atuarem na rede de ensino e qualificar aqueles que já
trabalham com o ensino de música em Roraima. Conforme o PPP do curso:
É nesse contexto que o curso de graduação em Música-Licenciatura da UFRR vem desempenhar a função de propiciar um espaço educativo no ensino superior para desenvolver competências na área da música, visando uma formação integral do futuro músico profissional e educador musical favorecendo o ensino, a pesquisa e a extensão, como disposto nesta proposta pedagógica. Além disso, é função da universidade promover a formação de profissionais da área, uma vez que o ensino de música tornou-se obrigatório a partir da promulgação da Lei nº 11.769/08. (PPP 2014, p 7).
Ainda assim, nos questionamos se o perfil do egresso do curso em licenciatura
em música contemplaria as necessidades explicitadas na lei elencada acima. O curso
deverá focar o performer, o intérprete, o educador musical? Ou cada um desses
perfis? O que pensam estudiosos que deparam com tal situação?
Dificilmente encontra-se uma escola que dedique parte do tempo curricular ao ensino da música voltado à prática instrumental. Quem absorve essa demanda em nosso país são as escolas voltadas para esse fim e ainda os remanescentes conservatórios. A formação do profissional que atua nesse segmento é bastante variada: a) egressos de cursos de licenciatura em música, com base musicopedagógica; b) oriundos de cursos de bacharelado em música, com treinamento a performance; c) músicos sem educação formal com carreiras bem-sucedidas ou não. (KEBACH e DUARTE, 2013).
130
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
As autoras acima citadas trouxeram mais uma indagação a cerca da formação
dos profissionais em música presentes na localicade. Em Boa Vista-RR, não
encontramos Conservatórios, mas sim a Escola de Música de Roraima (EMURR), o
Instituto Boa Vista de Música (IBVM), os clubes de serviços como o SESC, SESI,
SEST, escolas particulares de ensino livre, dentre outros.
O pesquisador Roque Laraia adverte em “Cultura, Um Conceito Antropológico”
que:
O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo cumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. [...] Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. [...] Se tivesse nascido no Congo ao invés de uma Saxônia, não poderia Bach ter composto nem mesmo um fragmento de coral ou sonata, se bem que possamos confiar igualmente em que ele teria eclipsado os seus compatriotas em alguma espécie de música. (2001 p.44-45)
Desse modo, conforme o autor, devemos trazer mais educação e cultura à
nossa juventude, que é a sociedade que se forma nas escolas e que infelizmente está
perdendo esse processo cumulativo de valores, conhecimentos, dentre outras
definições. O educador deverá inseri-los no processo, não devendo afastá-los ou
discriminá-los, pois:
Em outras palavras, não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com frequência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária. (LARAIA, 2001, p.45)
Jusamara et. al.(2012, p. 39) afirma no capítulo “Música, Juventude e Mídia: O
que os jovens pensam e fazem com as músicas que consomem”, como o educador
poderá aproveitar a tecnologia e os aparatos tecnológicos, pois uma música midiática
poderá aguçar o interesse na “pluralidade de estilos musicais” e consequentemente o
despertar para a música ora de concerto, programática e histórica. “Tal crítica da mídia
não se constrói a partir de um olhar tudo isso é porcaria, vamos ouvir e tocar uma
música boa” (SOUZA, 2012, p. 275).
A fim de que os alunos do Curso de Música da UFRR experienciem de forma
completa e significativa o espaço acadêmico, apresentamos como as atividades das
disciplinas Percepção I, II, III e IV, lecionada por meio de uma abordagem mediada
com a utilização de aparatos tecnológicos como ferramenta educacional no curso de
131
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
música. A seguir apresentamos as especificidades ao contemplar as dificuldades de
ensino/aprendizagem encontradas durante a oferta, bem como as soluções
impregnadas durante o período da atividade docente.
2. RELATO DE CASO DAS DISCIPLINAS PERCEPÇÃO MUSICAL I A IV
A oferta da disciplina iniciou no segundo semestre de 2013 com um quantitativo
de 50 alunos matriculados, dos quais 80% 18compareceram as primeiras aulas, 36%
reprovaram por faltas na disciplina, 14% foram reprovados por conceito, e a outra
metade corresponde aos 50% aprovados, conforme os dados informados pela
coordenação do curso de música. Alguns alunos desistiram por diversos motivos,
acreditamos que o maior fator seja em razão dos calouros não terem um
conhecimento musical prévio, muitos tocam “de ouvido”, ou possuem apenas
conhecimentos da “cifragem” e quase nada da leitura da partitura. Ler e interpretar
uma partitura abarca conhecimentos teóricos, históricos e práticos, principalmente
para os adultos que devem romper preconceitos e paradigmas, conforme cita Kebach
no processo de musicalização para adultos:
Vejo nos colegas que já tiveram música e hoje tem grande preconceito com relação a algumas aprendizagens, como a partitura, por exemplo. Se eu tivesse participado de outra metodologia de aprendizagem de música talvez os tivesse com o mesmo sentimento. (KEBACH, 2008, p.255).
Foi observado em sala de aula a mesma situação elencada por Kebach, “que
foi o desinteresse e um mal-estar dos discentes, por já terem passado por situações
de aprendizagem musical, e as formas de contato com a partitura” (p.255). Acredita-
se que os desistentes e reprovados na disciplina inicial, tenham encontrado tais
dificuldades e o temor em galgar novos horizontes, talvez seja o motivo principal da
obtenção de tal quantitativo. (ANEXO A)
No primeiro semestre de 2014, foi ofertada a disciplina Percepção Musical II
com a inscrição da metade dos inscritos no primeiro semestre, ou seja, 25 alunos
matriculados. Utilizamos aulas expositivas, com leituras e ditados inerentes da
18
25 aprovados, 18 reprovados por faltas, 7 reprovados por conceito.
132
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
bibliografia proposta na ementa e mesmo assim, os alunos encontram dificuldades em
perceber certos elementos primordiais da música, ficando evidente a ausência de
conhecimentos teóricos que foi identificado na disciplina ofertada anteriormente,
dentre eles a falta de prática da leitura a primeira vista da pauta musical, dificuldades
em identificar a relação dos intervalos melódicos e harmônicos, grupos rítmicos
simples, dentre outras situações. Por mais que fossem enviadas atividades e
trabalhos para realizarem em casa, os resultados eram preocupantes, pois estamos
em uma graduação e esperava-se que os discentes tivessem um prévio domínio do
conteúdo para prosseguir ao próximo semestre.
Para evitar a desistência dos discentes, foram expostos diversos vídeos
motivacionais, pois o objetivo docente era que todos absorvessem o máximo de
subsídios para agregar conhecimentos para que eles crescessem intelectualmente e
profissionalmente, tornando-se multiplicadores do conhecimento e rompendo
paradigmas. A perspectiva começou a mudar após agendarmos uma aula no
Laboratório de Informática do CCLA, onde foi apresentado aos discentes alguns
softwares musicais como o GNU Solfege, o MusiScore e alguns sites com jogos
musicais, alguns sem a necessidade da instalação na máquina, pois:
(...) é urgente e necessário o trabalho com os softwares, a priori o MusiScore 1.1, pois o aluno muita das vezes não possui um bom solfejo e treina as músicas não obedecendo a duração correta das figuras, criando vícios e minimizando o impacto do aprendizado musical. (SILVA e RODRIGUES, 2011, p.20).
Silva e Rodrigues afirmam que há diversas possibilidades de utilizar a
tecnologia como mediadora dos estudos musicais, independente do grau de
conhecimento, pois os mesmos oferecem muito habilidades e compreensão
perceptiva da notação musical. Para tanto, exemplificam um site gratuito para melhor
compreensão, o “pratique música” cujo escopo:
oferece jogos musicais onde o aluno poderá treinar a leitura musical, o treinamento auditivo que é a percepção musical entre outras possibilidades de estudo musical através dos jogos. Acredita-se que o jogo musical ajudará ao desenvolvimento de [...] “habilidades manipulativas, juízos e discriminações perceptivas e manejo da notação musical” (ibid., p.44, apud MORAIS 2008).
133
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
O francês Maurice Martenot desenvolveu os jogos Martenot, que contribuiu na
forma do ensino musical, e seguindo o mesmo princípio, apresentamos aos discentes,
uma das possibilidades de se realizar um aprendizado mediado pelos aparatos
tecnológicos. A última atualização do site “pratique música”, oferece dois jogos
musicais para aguçar habilidades musicais, sendo um alusivo à Leitura da Partitura e
outro para treinamento da percepção, cujo nome é Ouvido Absoluto. Não é de hoje
que educadores da primeira e segunda geração dos métodos ativos utilizaram jogos
para aguçar o processo ensino aprendizagem.
O objetivo do jogo musical Leitura de Partitura é apreender o nome das notas no pentagrama através do clique no nome da nota musical correta, que aparece abaixo do pentagrama. As figuras de duração se faz presente, onde inicia-se com semibreves até atingir a pontuação de 150. De 150 a 500 pontos a figura é a mínima. Acima de 500 vem à semínima, e assim sucessivamente outras figuras, cujo objetivo é dar nome as notas, porém observando os formatos das figuras de duração, que nesse caso influenciará na velocidade para obter a resposta correta. Quanto mais rápido a figura que aparecer na tela, mais rápido deverá ser a resposta. OuvidoAbsoluto, tem como objetivo descobrir qual nota foi tocada e assim treinar o ouvido do aluno para reconhecer cada uma das notas musicais. O jogo começa com apenas duas notas musicais e irá acrescentando mais notas conforme a pontuação a ser obtida. Do lado esquerdo do programa aparece um ícone que oferece outros timbres de instrumentos que emitira as notas do jogo (SILVA e RODRIGUES, 2011, p.23)
Foi apresentado, o software GNU Solfege, cujo objeto de estudo foi
recomendado para a prática de intervalos melódicos, harmônicos, tríades e tétrades,
bem como as suas inversões, transcrição de células rítmicas, ditados, entre outras
possibilidades do software.
O resultado foi imediato e surpreendente, damos como exemplo um aluno que
tinha obtido um resultado ruim na primeira avaliação, foi aprovado na disciplina
Percepção II sem a necessidade do exame de recuperação, pois o mesmo obteve
praticamente o dobro da sua nota na segunda avaliação, além de outros alunos que
apresentaram uma curvatura positiva nos conceitos finais. Como resultado do êxito
da disciplina, tivemos 80% de aprovados, 16% de reprovados por faltas e 4% de
reprovação por conceito.19 (ANEXO B)
19 20 aprovados, 4 reprovados por faltas, 1 reprovado por conceito.
134
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
A oferta da disciplina Percepção III ocorreu no segundo semestre de 2014, com
19 inscritos e uma novidade, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) com
atividades interativas e a disponibilização do material pedagógico ao findar cada aula.
Tal iniciativa proporcionou uma melhor resolução do material em relação às fotocópias
que eram disponibilizadas para xerox, ficando à critério do discente a opção de
imprimir os arquivos ou estudar na versão “off-line”. Outro ponto positivo foi a
praticidade para obtenção dos áudios para estudos, evitando os riscos de vírus nos
pen drives, entre outros benefícios.
Os softwares GNU Solfege e MusiScore foram instalados em todos os
computadores do Laboratório do CCLA, e no AVA foram inseridas diversas atividades
interativas, como os fóruns, postagens do conteúdo lecionado, bem como um
feedback, tarefas e trabalhos para fixação de conteúdo, dentre outras que aproximou
os discentes do objetivo principal da disciplina, sempre procurando sanar as suas
dúvidas por meio da interatividade e da coletividade, sendo uma das premissas “a
educação como uma via de mão dupla” (SILVA e RODRIGUES, apud GARROUX,
1994, p.20).
Alguns alunos relataram que ao utilizarem o GNU Solfege, puderam exercitar
atividades sem a dependência de um colega, que anteriormente executava as
atividades, sendo um dos benefícios essa praticidade ao utilizar o software que
executa as atividades, independente do momento que almeja estudar. Os mesmos
salientaram que além de evitar certos constrangimentos, o software evitava uma
exposição em público, e o objetivo foi concluído ao observar um melhor
desenvolvimento prático nas atividades previstas no conteúdo, como os intervalos
melódicos e harmônicos, ditados rítmicos, inversões de tríades, entre outros. O outro
software livre, o MusiScore, permitiu a todos conferirem se o ditado da transcrição
estava correto ao operar as ferramentas para transcrição e após, ao clicar em
“executar”, analisariam a qualidade e exatidão da sua transcrição.
No decorrer do semestre, os discentes tiveram aulas com uma série de
exercícios presenciais e em grupos, e ao final dos estudos, todos deveriam apresentar
um pouco do seu treinamento com os softwares, que foram devidamente registrado
em formato audiovisual, e claro as atividades de solfejo e ditado, que agregou a teoria
e prática.
135
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
O resultado final da disciplina Percepção Musical III20 foi um quantitativo de
58% de aprovados, 16% reprovados por conceito e 26% reprovados por faltas.
(ANEXO C)
A disciplina de Percepção IV foi ofertada no primeiro semestre de 2015, com
dez discentes matriculados, já cientes de seus progressos, bem como das suas
necessidades pedagógicas, limitações e ciência da proposta docente, que utilizou o
mesmo princípio pedagógico elencado anteriormente, que é de agregar a tecnologia
como mediadora nos estudos musicais e da coletividade nas atividades práticas.
Foi postado no AVA diversas músicas para transcrição com um maior grau de
dificuldade, como partituras de músicas latino-americanas, outras da MPB, com uma
presença intensa de sincopas, quiálteras, modulação tonal e de empréstimo para a
leitura à primeira vista por meio do solfejo.
O resultado foi a aprovação de 100% dos discentes, sem a necessidade do
exame de recuperação. (ANEXO D)
O exposto não é explanar que o ensino mediado pelos aparatos seja superior
aos métodos tradicionais, mas considera-lo como uma “rota alternativa”:
A utilização de rotas alternativas de aprendizagem pode possibilitar que conteúdos sejam concretizados e vivenciados de modo multifocal. Pela mobilização interrelacionada das Inteligências, obtém-se estratégias de ensino que articulem recursos oferecidos por cada uma delas. Acreditamos que essa estratégia pode demonstrar-se eficaz no ambiente de aprendizagem musical, (...) cujo processo de ensino-aprendizagem evidencia a Inteligência Musical como seu constructo principal. Portanto, as rotas alternativas são estratégias de cunho pedagógico, com vistas a articular, combinar e dinamizar as IM. (TARSO e MORAIS, 2011, p.358)
A musicalização para adultos e a evolução dos discentes que fizeram parte da
primeira turma do curso da UFRR mostra que é possível aplicar tais rotas de
aprendizagem, sem ignorar o modelo tradicional de ensino e espera-se que nossas
contribuições sejam úteis para as demais turmas do curso, bem como de outras
academias, escolas e instituições de ensino.
20 11 Aprovados, 5 reprovados por faltas, 3 reprovados por conceito.
136
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as principais alterações propostas no curso, o desenvolvimento
por meio do processo ensino-aprendizagem mediado por aparatos tecnológicos e a
utilização das pedagogias dos métodos ativos, pode-se apontar que é possível a
utilização dessa rota alternativa elencada neste artigo.
Um software não pode ser considerado o melhor recurso para as aulas de música, e sim um dos recursos, pois toda aula deve ser planejada a partir da música e não planejá-la a partir de um possível recurso tecnológico. [...] e é que ele torna o ensino mais prazeroso aos alunos, podendo assim despertar uma possível vocação para a música. E cabe ao professor investir em sua capacitação profissional, buscando o conhecimento das tecnologias para que possa fazer o uso das mesmas em sala de aula. (CORREIA, et. al., 2008, p.23)
Portanto para melhor resultados no processo ensino/aprendizagem, sugerimos
como possibilidade ao docente às suas abordagens pedagógicas em três etapas:
1. Exposição geral da metodologia e conteúdo, mais debate no Fórum do AVA
sobre o exposto;e os práticos, atividades e contribuições de expoentes,
continuando com debates no Fórum do AVA e em sala de aula;
2. Desfecho com os discentes desenvolvendo as considerações, dirimindo as
dúvidas que com certeza surgiram no processo do ensino-aprendizagem.
Para cada aluno, as rotas de acesso ao conhecimento podem variar. Os professores devem explorar diferentes caminhos pedagógicos para ensinar um mesmo conteúdo. É importante esclarecer que, à medida que os alunos vivenciam outras rotas de acesso, por meio de atividades denominadas desempenho de compreensão, geram-se condições para o professor e o aluno examinar e refletir sobre o conhecimento e organizar o processo de ensino aprendizagem, permitindo ao aprendente desenvolver as suas inteligências de maneira integrada e afetiva (TARSO e MORAIS, 2011 apud Abreu-e-Lima 2006)
Sem ignorar o modelo tradicional de ensino, espera-se que nossas
contribuições sejam úteis para as demais turmas do curso, bem como de outras
academias, escolas e instituições de ensino, pois a musicalização para adultos e a
evolução dos discentes que fizeram parte da primeira turma do curso da UFRR mostra
que é possível aplicar tais rotas de aprendizagem.
137
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
REFERÊNCIAS
DEL-BEN, Luciana. Sobre os sentidos do ensino de música na educação básica: uma discussão a partir da Lei n. 11.769/2008. Música em Perspectiva, v. 2, n. 1, p. 110-134, 2009. CERESER, Cristina Mie Ito. A formação inicial de professores de música sob a perspectiva dos licenciados: o espaço escolar. In: Revista da Abem. Porto Alegre, v. 11, p. 27-36, set. 2004. CORREIA,Et. Al. Educação Musical através de softwares: Análise do GNU Solfege para o Ensino Regular. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas n.1, p.113-140, 2008, KEBACH. Patricia Fernanda Carmem (org) Expressão Musical na Educação infantil. Porto Alegre: Editora Mediação, 2013. KEBACH. Patricia. Musicalização Coletiva de Adultos: O processo de cooperação nas produções musicais em grupo. Tese de doutorado. UFRGS Porto Alegre, 2008. Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13272/000642435.pdf?sequence=1 Acesso em 12 de junho de 2015 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2001, 14 ed. Disponível em http://copyfight.me/Acervo/livros/Roque%20de%20Barros%20Laraia%20-%20Cultura%20um%20conceito%20antropolA%CC%83%C2%B3gico%20%5Bpdf%5D.pdf Acesso em 03/06/2015. MORAIS, Daniela Vilela de. O material concreto na educação Musical infantil: uma análise das concepções docentes. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/AAGS-7XNNPE/1/daniela_disserta__o_mestrado.pdf Acesso em 01 de Setembro de 2011 PINTO, Mirim Correa. TECNOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM MUSICAL NA ESCOLA: uma abordagem construtivista interdisciplinar mediada pelo software Encore versão 4.5 . Dissertação de Mestrado, Escola de Musica UFMG, 2007. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECOA-7KGPLD/1/texto_tese_pdf.pdf Acesso em 01 de Setembro de 2011 PENNA, Maura. Conquistando espaços para a música nas escolas: a solução é a obrigatoriedade? In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2007, Campo Grande. Anais... Campo Grande: ABEM, 2007. Disponível em CDROM.
138
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
SOUZA, Jussamara (org). Aprender e ensinar música no cotidiano. Editora Sulina. 2 Edição, 2012 SOUZA, Jussamara (org). Música na escola. Tomo Editoral. 2012 SILVA; RODRIGUES. TCC Música e Tecnologia: O Uso da Tecnologia na Educação Musical. 2011. Três Corações-MG TARSO,R.; MORAIS, D. ROTAS ALTERNATIVAS DE APRENDIZAGEM: Uma ferramenta para o ensino instrumental. UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE 2011.Disponível em https://www.academia.edu/5932399/Rotas_alternativas_de_aprendizagem_uma_ferramenta_para_o_ensino_instrumental Acesso em 08 de Junho de 2015.
ANEXOS ANEXO A – PERCEPÇÃO I
ANEXO B - PERCEPÇÃO II
ANEXO C - PERCEPÇÃO III
139
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
ANEXO D - PERCEPÇÃO IV
140
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
MANGROOVE: SONS DO MANGUE, UM PATRIMÔNIO QUATIPURUENSE.
Johnny Kepller (UFPI, Piauí) Milenne da Conceição Lima (UFRR, Roraima)
Temática: Patrimônio Cultural Modalidades: Relato de experiência
INTRODUÇÃO
Objetivando proporcionar uma Educação Musical pautada na convivência
cultural local e de igual maneira, convergir e interligar os conhecimentos empíricos e
científicos adquiridos, ou já trazidos de “berço”, por parte dos estudantes com outras
disciplinas da Educação Básica nas Escolas Públicas em especial no Ensino Médio
(Biologia, Matemática, Português, Literatura, Física, Geografia, Redação, História,
Artes, Informática entre outras) surge a ideia de se fazer música do mangue.
O Governo do Estado do Pará oferece às Escolas Estaduais o Programa Mais
Educação nas Escolas, em que a própria escola define que oficinas serão trabalhadas
no contra turno das aulas regulares do Ensino Médio. Dentre as oficinas trabalhadas,
foi escolhida a de música. A missão era criar um plano pedagógico para atender os
alunos de maneira descontraída e ao mesmo tempo incentivar a produção científica
por parte deles. Ao trabalhar o Mangroove – Sons do Mangue, pudemos resgatar
passo a passo o acervo regional natural.
Para ensinar música na prática o programa da Plataforma Freire – PARFOR,
da Universidade Federal do Piauí – PARFOR MÚSICA UFPI, é grande e importante
parceira, pois cedeu fontes técnicas da Graduação em Música durante toda a criação
de aulas de musicalização no mangue ao estimular um ensino musical híbrido,
holístico e diferenciado na formação de seus “estudantes – professores” e
consequentemente dos alunos participantes desta experiência.
A maioria das atividades do Mangoovre eram com a turma no habitat natural:
O Mangal. Feito isto, lhes foi ensinado a conhecer os materiais necessários para a
141
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
construção de ferramentas para se tirar e fazer sons (pássaros, água, crustáceo
andando na lama, vento), bem como conhecer cientificamente e tecnicamente o
contexto patrimonial do manguezal.
A partir daí tratamos em diversos debates através de mesas redondas, diálogos
ao ar livre e palestras com profissionais da área de Arqueologia, de História, de
Geografia e de Meio Ambiente os temas relacionados ao Patrimônio.
Consequentemente, fomos convidados a continuar os estudos na área patrimonial,
eis que surgem várias novidades dantes desconhecidas e simplesmente saídos de
uma aula de música.
Para falar sobre como surgiu a proposta do Mangroove - Sons do Mangue, faz-
se necessário saber um tópico muito importante: Projeto Mais Educação nas Escolas.
A idéia do Mais Educação é atender no contra turno o estudante com atividades
diversas: violão, xadrez, redação, teatro, desenho, entre outros. Entretanto, fazia-se
necessário mesclar com as disciplinas do currículo escolar e produzir uma culminância
para apresentação de resultados. Objetivava, também, controlar a evasão e o baixo
desempenho no boletim escolar. Minha função é, neste caso, atender as escolas do
Município através da Secretaria Municipal de Educação – SEMED com a disciplina de
Educação Musical, tendo este objetivo em mente.
Ao criar uma proposta de plano de aula para o Programa Mais Educação,
busquei em livros e artigos dados sobre o mangue. Durante este processo uma
palavra chamou a minha atenção: MANGROVE.
No Planejamento pedagógico não parava de pensar no grove (grôve, Gruve,
Groove...), até que resolvi desvendar o termo mangrove acabando por encontrar em
dicionários: “Manguezal, mangue, mangrove ou mangal é um ecossistema costeiro de
transição entre os ambientes terrestre e marinho, zona úmida característica de regiões
tropicais e subtropicais”. Estava feito o projeto para trabalhar musicalização e
educação patrimonial no Mais Educação em uma região toda cercada por mangue.
Como exemplo de temas tratados neste projeto cito Quatipuru como o maior
fornecedor de caranguejo Uça do Brasil. Todavia, ainda com muitas famílias em
condições irregulares no trabalho de catação; Os Sambaquis – Ocorrem na Guyana,
Dinamarca, no Perú, Chile, EUA e por incrível que pareça em Quatipuru do Pará com
142
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
cinco mil 5.000 Anos A.C.; Pesca predatória; armazenamento do lixo; Criação da
RESEX – Reserva Extrativista; Leis da área ambiental e temas diversos voltados para
a área de musicalização entre outros.
Groove provém da expressão “In the Groove” e é um termo oriundo da língua
inglesa que para nós músicos é sinônimo de ritmo ou som jazzístico, instrumental.
Nascia aí o Mangroove – Sons do Mangue. Apenas acrescentei uma vogal "o" a mais.
Tomei o cuidado de pesquisar se havia algum projeto com esta especificidade no
Mundo, no entanto, não encontrei.
Com os androids e smartphones e tanta velocidade de informação a infância e
a juventude não tocava mais no assunto: manguezal, ou sequer sabiam dos nomes
científicos e das espécies deste ecossistema. Como eu sabia que eles gostavam de
música resolvi pôr em prática uma forma de musicalização aliada educação do
patrimônio.
DESENVOLVIMENTO
Ao chegar o Programa Mais Educação do Governo do Estado foi nas Escolas
Estaduais do Município o coordenador deste Projeto me perguntou se eu não podia
dar umas aulas de música por lá. Ele disse que duraria apenas seis meses (o projeto
durou só quatro por questões orçamentárias), e eu aceitei de igual modo.
Todos concordaram, dividimos a carga horária: Poesia; Xadrez: Tênis de Mesa;
Flauta e Musicalização através, para e com o mangue. A turma de Flauta ensaiava
com outro monitor um repertório regional e nós tínhamos a função de fazer o groove
com raízes e materiais do mangue. Depois de termos vivenciado na prática aulas no
manguezal e na beira da maré, fizemos nosso recital de encerramento em praça
pública. Faltou luz. Tocamos no escuro mesmo, ficou muito lindo.
A escola, em que foi desenvolvido projeto, está situada na região do salgado, à
beira da maré no Nordeste do Estado do Pará. É composta por uma comunidade
ribeirinha que sobrevive da pesca da catação de caranguejo e atividades autônomas.
O que a Coordenação, e nós professores, tínhamos que equacionar era como
ligar tudo isso no meio do Ano e com atividades tão diferentes. Nós reunimos com os
professores participantes e eu apresentei o Mangroove – Sons do Mangue em que
143
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
pude mostrar que a educação patrimonial, a biologia, a geografia, a matemática, a
história, a química, a física e a gramática seriam inevitáveis para a visita no mangal
com a turma, tanto para a coleta de imagens e paisagens, quanto para o
reconhecimento da diversidade ambiental riquíssima na vila de Boa Vista.
A turma que participou do projeto era uma classe diversificada de pouco mais de
trinta alunos e com idades entre doze e vinte anos que foram atendidos no contra
turno de suas aulas regulares. Alguns muito tímidos outros bem participativos como
todo grupo, no entanto algo diferente surgia nesta turma. Conforme o projeto tomava
um rumo eles traziam seus questionamentos para a sala de aula.
Pensando em dar andamento com o previsto, nos tornamos uma pequena
grande equipe com contratos e verdades ditas olho no olho e sempre concluindo as
etapas. Claro que alguns ajudavam e serviam de espelho para os demais, entretanto,
a turma executou em conjunto. Eu percebi que a comunicação e a ética entre o corpo
docente e seus gestores é fundamental para receber e atender os estudantes. Penso
que a escola deve propor alegria aliada ao conhecimento.
Com este projeto, propomos a curto prazo o fazer educacional com respeito
pelas idéias e compartilhamento delas à medida que surgiam. Jovens sempre têm
musicalidade, energia e criatividade e por isso a médio prazo a equipe pedagógico –
escolar forneceu subsídios para eles tomassem os saberes necessários no que tange
ao patrimônio do mangue.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Mangroove objetivou mostrar o mangue aos alunos e a partir daí deixá-los
fazer musica, fazer "groove". Após os estudantes conhecerem os animais, as plantas,
o ciclo natural que o mangue possui, e o quanto ele nos fornece em recursos para a
nossa sobrevivência, e ao mesmo tempo perceberem o quanto deixamos de lixo e o
sugamos sem controle, o próximo passo era ouvir, respirar e sentir o que isso causava
em cada um. Esta reflexão pós – conhecimento e pós – contato com a biodiversidade
do manguezal, dava espaço agora à uma reflexão para o fazer musical. Agora é copiar
o som das aves, da água, da lama e reproduzir deixando nascer de sentimentos
144
I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco
muitas vezes empíricos e subentendidos o que eles a partir daí aprenderam sobre o
mangue. Quando sabemos onde estamos e qual nossa importância para este local,
emitimos um som que leva à um ritmo, uma pulsação, gerando ondas, dinâmicas que
atraem outros sons provenientes de outros espaços formando, portanto
involuntariamente uma sensibilidade humana que a escola pode e deve, após ensinar
na prática, salvaguardar e passar para as novas gerações. Eis o objetivo do mangrove.
REFERÊNCIAS
FERNANDES,M.E.,(2005). Os Manguezais da Costa Norte Brasileira. Ed. São Luiz, MA: Fundação Rio Bacanga, v. I, p.142, v.II,p165.