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Date post: 21-Feb-2023
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As constantes emergentes e a atipicidade das linhas de força na política externa de Angola, 1975-2002 [En Afrique] les “dynamiques du dehors” ne sont pas vraiment séparables de celles “du dedans” et l’État postcolonial est produit à leur point d’interférence. Jean-François Bayart (1989) op. cit.: 14. Desde há muito que o continente africano tem sido encarado como uma vítima passiva de pobreza, subdesenvolvimento, corrupção, e guerras – enquanto cenário de desastres naturais e humanitários quantas vezes pavorosos nas suas consequências. A importância da África – quando ela a teve, e teve-a raramente – viu-se, no quadro desta sabedoria convencional, dolorosamente indexada nos interesses geopolíticos de outros, designadamente os dos europeus. Foi esse o caso, por exemplo, com a chamada scramble for Africa que em finais do século XIX deu azo à Conferência de Berlim e dela resultou – e de algum modo continuou a sê-lo depois da onda de independências que reorganizou o Continente nos anos 50, 60 e 70 do século passado. Hoje em dia não é assim: estando as conjunturas globais em clara mudança, tal imagem já se vem tornando insatisfatória. Nas representações partilhadas que entretemos, é certo que a centralidade africana permanece no essencial geopolítica, e que os interesses a que abona são ainda sobretudo alheios – ou seja, que o Continente permanece em larga medida objecto de apetites “externos”. Mas outros ingredientes há nas nossas figurações da “nova corrida para a África” que dão palco a uma incontornável pro-actividade de alguns dos Estados africanos no quadro dos relacionamentos que entretêm com as Grandes Potências (europeias e não-europeias, num Mundo cada vez mais interdependente) que com eles interagem. Sem dúvida que num padrão que nos parece contagiante, novos actores políticos 1
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As constantes emergentes e a atipicidade daslinhas de força na política externa deAngola, 1975-2002

[En Afrique] les “dynamiques du dehors” ne sontpas vraiment séparables de celles “du dedans” etl’État postcolonial est produit à leur pointd’interférence.

Jean-François Bayart (1989) op. cit.: 14.

Desde há muito que o continente africano tem sidoencarado como uma vítima passiva de pobreza,subdesenvolvimento, corrupção, e guerras – enquanto cenáriode desastres naturais e humanitários quantas vezespavorosos nas suas consequências. A importância da África –quando ela a teve, e teve-a raramente – viu-se, no quadrodesta sabedoria convencional, dolorosamente indexada nosinteresses geopolíticos de outros, designadamente os doseuropeus. Foi esse o caso, por exemplo, com a chamadascramble for Africa que em finais do século XIX deu azo àConferência de Berlim e dela resultou – e de algum modocontinuou a sê-lo depois da onda de independências quereorganizou o Continente nos anos 50, 60 e 70 do séculopassado. Hoje em dia não é assim: estando as conjunturasglobais em clara mudança, tal imagem já se vem tornandoinsatisfatória. Nas representações partilhadas queentretemos, é certo que a centralidade africana permaneceno essencial geopolítica, e que os interesses a que abonasão ainda sobretudo alheios – ou seja, que o Continentepermanece em larga medida objecto de apetites “externos”.Mas outros ingredientes há nas nossas figurações da “novacorrida para a África” que dão palco a uma incontornávelpro-actividade de alguns dos Estados africanos no quadrodos relacionamentos que entretêm com as Grandes Potências(europeias e não-europeias, num Mundo cada vez maisinterdependente) que com eles interagem. Sem dúvida que numpadrão que nos parece contagiante, novos actores políticos

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internacionais, como por exemplo os Estados Unidos e aChina, se tornaram agentes fulcrais para uma compreensãodas dinâmicas políticas africanas. Mas na chamada Áfricasubsaariana alguns casos vão aparecendo – e eles tendem amultiplicar-se – em que se torna cada vez maisimprescindível tomar em boa conta o papel de Estadosafricanos na definição do seu próprio lugar na dança deenquadramentos geopolíticos e geoestratégicos dia a diamais complexos e intrincados em que estão cada vez maisexpressamente embutidos os interesses que representam – etal como a enorme África do Sul e o pequeno Botswana,Angola tem aqui decerto um lugar ao sol.

Olhando o caso de Angola como exemplo paradigmático,será essa imagem de emergência, porém, sustentável?1

Infelizmente a evolução geral da política externa angolanaé um domínio muito mal conhecido e ainda menos investigado.O que é de lamentar sobremaneira, visto que se trata de umdomínio cujo estudo irá decerto desmanchar muitas dascertezas que temos como adquiridas quanto ao país, e noslevará a repensar muita das “representações espontâneas”que entretemos sobre uma progressão pós-colonial da rica emultifacetada implantação, que tendemos a pensar comoantiga e linear, numa ordem internacional cujas mudançastêm sido inescapáveis. No que diz respeito ao períodobipolar e, quase como que por arrastamento, e mesmo no quese refere ao pós-bipolar, habituámo-nos a pensar a políticaexterna de Angola como tributária de considerandos epressões identitárias, político-ideológicas e sobretudoanti-coloniais; embora o mais ligeiro dos escrutínios nosmostre que essa política externa desde há muito tem vindo aresponder, no essencial, a pressões sistémicas económicas epolítico-militares. Nas breves notas que se seguem ireitocar alguns dos pontos que me parecem mais diacríticosnessas verdadeiras ‘mudanças representacionais’ a queestamos condenados – e sobretudo aquelas que, em minhaopinião, nos permitem melhor compreender o sucessocomparativo que Angola tem tido na definição activa do seulugar estrutural nos palcos internacionais em que se1 Agradeço a Justino da Glória, em Luanda, e a Nuno Cabral, em Lisboa,a leitura crítica mordaz que tiveram a bondade e paciência de fazer auma primeira versão deste artigo. O seu apoio foi indispensável. Aresponsabilidade do que apresento permanece, no entanto, inteiramenteminha.

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insere. A minha finalidade é a de aclarar terrenos. Faço-o,por isso, de modo largamente avulso, isto é, sem grandespreocupações narrativas – e não me atendo muito ao esforçode delinear quaisquer “fases”; ainda que, por uma questãode arrumo, siga sempre, na ordem de exposição que escolhi,uma linha cronológica sequencial.

Sem grandes surpresas, e embora me pareçam aindaprematuras grandes elaborações sobre políticas concretas emeventuais “momentos”, julgo ser claro haver uma fracturamacro na delineação de uma política externa angolana nointervalo temporal ao qual dedico a minha atenção, a quecorresponde à iminência do fim do Mundo bipolar; e o que sesegue reflecte-o. Assim, começo por me debruçar, um por um,sobre os mais importantes dos feixes de relacionamentosmultilaterais por que se pautou a política externa angolananos primeiros anos do pós-independência, tentando sempre irpondo em evidência tanto as continuidades como astransformações que foram tendo lugar depois da celebraçãodos célebres Acordos de Lusaka (tanto os de 1984 como os de1994), dos de Nova Iorque, e da implosão da URSS. Embora mebaseie no empírico para delinear propensões, não me atenhoa análises de pormenor das tendências em muitos casospatentes, nem a grandes cogitações interpretativas –porventura dado as minhas finalidades não serem as de umhistoriador. Limito-me a tentar desbravar terrenos aqui eali, num emaranhado de factos ainda pouco conhecidos e cujaleitura tende a estar por norma ainda eivada de uma cargapolítica ensurdecedora. Em todos os feixes de casos queabordo, começo por focar o período pré-implosão da UniãoSoviética e a saída de Angola dos contingentes militarescubanos, para depois, num segundo passo suplementar, e emtermos semelhantes, tento destrinçar a progressão dosrelacionamentos bilaterais cruciais em que o Estadoangolano se embrenhou neste mesmo período – quecorresponde, grosso modo, à 1ª República e à primeira décadada 2ª, ou seja os anos que correram das duas independênciasunilaterais declaradas pelo MPLA (e a sua República Popularde Angola) e a UNITA (e a sua República Democrática deAngola, uma denominação anunciada mas que a UNITA de JonasSavimbi nunca assumiu), até ao fim da UNITA militar e à“reunificação angolana” consequente.

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Como já disse, num como noutro dos segmentos, apenasponho o acento tónico em quadros interpretativos macro.Assim, mais do que tentar circunscrever diferenças enxutasde que nos fala o que apelidei de “a sabedoriaconvencional”, que estão longe de ter existido, a par epasso aquilo que tento trazer à tona são as eventuaisconstantes emergentes da política externa de Angola, bemcomo a atipicidade das suas linhas de força – para aliterarJorge Borges de Macedo. Num sentido convergente, não mepreocupo por ora com os mecanismos de tomada de decisão noque diz respeito à política externa do país, nem ao papelaí preenchido por actores ‘não-estaduais’ e para-estaduais;ignoro assim o papel de entidades como a Sonangol e aEndiama (as empresas nacionais de exploração petrolífera ede diamantes, respectivamente), nem aquele que preencheram,no segundo período que delineio, entidades ‘militares’ asoldo primeiro da oposição e depois do Governo, como aExecutive Outcomes sul-africana ou o ‘Batalhão Búfalo’, ouassociações cívicas como a ADRA (Acção para oDesenvolvimento Rural e Ambiente, criada em inícios dosanos 90), a Caritas, ou a Ordem dos Advogados2, todas elasimportantes na gestação da política externa angolana, aindaque umas mais ténue e indirectamente que outras – emborarefira amiúde o MPLA e a UNITA, ambos tecnicamente ‘não-estaduais’. O esforço que aqui levo a cabo é meramenteexploratório. A minha finalidade é tão-só a de começar atornar pensável uma leitura alternativa de uma políticaexterna angolana que me parece ter mudado em simultâneomais e menos do que espontaneamente julgamos ser o caso. Omeu intuito é sobretudo um de redefinição de coordenadaspela via de um ensaio de despolitização de um tema que meparece ganha em ser reapreciado a uma luz menos combativa –com todos os desafios e riscos que isso acarreta.

Uma independência e um arranque sujeitos aos ardores da Guerra Fria,mas que depois se foi esbatendo? Ou um embutimento do ‘doméstico’ noexterior que no essencial, mutatis mutandis, se manteve?

2 Para estas e outras instituições e entidades, ver a monografia de Armando Marques Guedes, 2005.

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Talvez valha a pena começar por uma atipicidade emlarga medida imputável aos timings das preferênciaspolítico-ideológicas explícitas da independência angolana –escolhas e ritmos sujeitos a processos que, ao invés do quetinha sido o caso com a maioria das independênciasafricanas que foram tendo lugar na segunda metade do séculoXX, se viram menos ligadas a quaisquer processos endógenosdo que a mecânicas “metropolitanas” e “bipolares” que asenformaram amplamente; bem como, nos anos cruciais de 1974e 1975, à catadupa de reajustamentos generalizados cujosimpactos a crise petrolífera de 1973 tanto amplificara. Aocontrário de muitos Estados africanos para os quais aquiloa que Christopher Clapham chamou o “universo exterior dosnegócios estrangeiros”3 [“the external universe of foreign policy”] seresumia ao conjunto formado pelo ex-colonizador, as duassuperpotências, os congéneres continentais e os seusvizinhos, Angola desde sempre entreteve relações intensascom vários grupos de Estados, como sublinhou PatrickChabal4: ligações, nomeadamente, com aqueles Estados deorigem das empresas concessionárias e exploraçõespetrolíferas no seu território – para além de, durante a 1ªRepública encetada em 1975 com a independência política,ter cultivado relações estreitas com Estadosideologicamente afins, na maioria da Europa Central e deLeste e Cuba, e ainda (por motivos histórico-culturaiscomplexos, que seria interessante esmiuçar) com o Brasil.

Como notou o já referido P. Chabal, “Angola’s predicamentwas, from the beginning, […] significantly affected by internationalconsiderations”5. Esta densidade relacional não é difícil decompreender. Numa primeira fase, a escala e a riqueza deAngola, a que se acrescentava a sua importânciageoestratégica no Mundo bipolar, justificavam essa vasta etão atípica gama de relações bilaterais. Com o colapso daURSS e as mudanças político-ideológicas associadas, tantoem palcos angolanos como nos panoramas internacionais,algumas destas circunstâncias conjunturais foram alteradas,o que parece ter desencadeado uma reorientação sensível napolítica internacional do Estado angolano. Mas terá sido orealinhamento alinhamento político-ideológico pós-transição

3 Christopher Clapham, 1996: 62.4 Cf. Patrick Chabal, 2002: 77-78 e 259.5 Op. cit.: 77.

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democrática no início dos anos 90 o motivo para as mutaçõesque de facto ocorreram? Não terá antes sido tributária domultidimensionamento crescente dos palcos internacionais?Creio que sim, pois que a essa alteração de facto no lugarde inserção do país nos palcos mundiais há a juntar umaoutra, mais subjectiva: já que em grande parte, e aocontrário do que se passara no período imediatamente após aindependência, o sentido dos realinhamentos levados a cabonão dependeu em boa verdade das autoridades de Luanda.Foram antes as coordenadas da nova ordem internacional emgestação que lhe ditaram uma nova direcção.

Verificá-lo é fácil. Atenhamo-nos, tão só, ao períodopós-bipolar, o da chamada 2ª República. A partir de finaisdos anos 80 e, sobretudo, durante os anos 90, a políticaexterna do Estado angolano (como aliás a da maioria dosEstados da África subsaariana) tornou-se cada vez maismultilateral. E a esta nova tónica posta numamultilateralidade mais intensa e diferente, somou-se aprogressiva entrada em cena – e tratou-se de uma erupçãocombinada com um seu protagonismo crescente – de numerososactores não-estatais no universo exterior da políticaexterna angolana. O ponto focal tendeu a ser a prestação deajudas de emergência – reconfiguradas por um novo contextointernacional e global que permitiu uma sua reinterpretaçãolocal. Nada nesta releitura é novo, ou sequerparticularmente inovador; a constatação não difere muitodas de Christopher Clapham, Patrick Chabal, ou Tony Hodges.A formulação de C. Clapham quanto às condições para estaviragem é convincente: “changes in the structure of internationalpolitics after the end of the Cold War helped to increase both the scope and thelegitimacy of non-governmental relief operations. The decline in respect fornational sovereignty, coupled with the removal of the constraints imposed bysuperpower competition, helped to redefine such operations as a universalhumanitarian obligation, rather than as an intervention in the domestic affairsof sovereign states”. Mas, depois de um breve período de graça,a releitura, pelo menos no seu estado puro, por assimdizer, parece ter durado pouco. Onde os dadores viam‘humanitarismo’, as elites angolanas no poder viam‘ofertas’ – e as autoridades da 2ª República depressadeixaram de as encarar como um alívio logístico e umalijamento bem-vindo de responsabilidades, passando a olhá-las antes como uma forma insidiosa de competição.

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Seria difícil sobrestimar a importância destesfactores na formatação da política externa emergente doEstado angolano. A mudança de cenário incluiu, paradoxal esimultaneamente, para Angola, mais e menos do que umrealinhamento e uma reorientação: sem grandes turbulênciasde facto, redefiniu a natureza ela mesma da ligação doEstado angolano (e, designadamente, dos detentores dopoder) com o contexto internacional, esbatendo, enquanto emsimultâneo a alterava, a oposição-articulação até aíhabitual entre questões internas e questões externas.Relações clientelares como as com a URSS e os aliadoscubanos foram rompidas e de certa forma substituídas poroutras de algum modo funcionalmente equivalentes. A ajudaexterna, por regra durante a 1ª República oriunda depressões bilaterais exercidas sobre dadores empenhados emmanter em Angola uma presença efectiva, ou em garantir abenevolência das autoridades em relação aos seus interessesnacionais no país (nomeadamente no sector dos petróleos),passou em larga medida a fluir de negociações mas anónimascom entidades não-governamentais sobre as quais era difícilmanter pressões eficazes – mas, em boa verdade, poucamargem de manobra foi conquistada por elites locais queapenas tiveram de aprender a seguir outras batutas.

A resultante não será surpreendente: a prise dasautoridades estatais angolanas, sobre a definição de umapolítica externa autónoma, de um controlo dos destinos dopaís, não aumentou: tornou-se apenas internamente maisnotória. E não se resumiu a essa redução de capacidades. Emparte como expressão da reinserção sofrida, ganhou peso (aolongo do período grosso modo coincidente com a 2ª República)uma nova componente: a de múltiplas condicionalidadespolíticas e económicas que eram (e continuam a ser)“impostas” ao Estado angolano, como seus sine qua non, pelosnovos parceiros e pelas novas parcerias. Nãosurpreendentemente, ao nível das modificações que tudo istoacarretou no que diz respeito à percepção interna damecânica da política externa angolana, a guinada foifortíssima. Os números são, ao mesmo tempo, indicadoresimpressionantes da intensidade e da nitidez da instalaçãode condições propícias à cristalização desta perda relativade controlo com as mudanças ressentidas. Alguns exemplosbastarão. Até 1991, a Cruz Vermelha Internacional e a

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Caritas, junto com diversos organismos do sistema dasNações Unidas, foram as únicas grandes ONGs6 a operar emAngola. Em 2001 estavam oficialmente registadas 195 ONGsinternacionais e 365 nacionais (muitas delasoportunísticas, e todas por regra a funcionar em base emcontratos assinados com dadores e com agências da ONU) emAngola7. A União Europeia, a USAID norte-americana, e umaplétora de agências da ONU, da OMS à FAO e à UNICEF,passando pela UNHCR, pela UNDP e pela UNESCO, têmescritórios em Angola e actuam intensamente no território,substituindo-se a um Estado cujas capacidades efectivasparecem continuar escassas. Neste quadro, não será surpresaque, como escreveu Tony Hodges, “muitos angolanos tenhamcomeçado a ver as ONG e os países dadores, e não o Estado,como os principais fornecedores de serviços sociaisbásicos, ajuda humanitária e fundos para a reconstrução”8.O que trouxe à superfície uma clivagem até então furtiva. Aperda de legitimidade pelo Estado daí resultante foireconhecida pelo regime angolano, que desde 1998 tem vindoa reagir, tentando por diversos meios (nomeadamente criandoobstáculos legais e outros à acção das ONGs e tentandocanalizar a acção destas através de entidadesgovernamentais) corrigir uma situação que tão cara lhe podevir a sair. Uma contenda cujo desenlace ainda não é óbvio9.

Um dos mais importantes feixes de ligaçõesmultilaterais do Estado angolano, tem sido decerto oconstituído por aquelas primeiro mantidas, por um lado, coma Organização de Unidade Africana (OUA), depois (meados de2002) metamorfoseada em União Africana; e, por outro lado,as entretidas com organizações regionais subsidiariamentemais próximas, e programática e organizacionalmente maisadequadas aos interesses angolanos. Para contrastar aimportância assumida por estes dois nexos derelacionamentos multilaterais, atenhamo-nos apenas aalgumas das questões suscitadas pela laboriosasreviravoltas na legitimação estadual e governamental6 Tony Hodges, 2002: 123-124.7 Inge Tvedten, 2001.8 Op. cit.: 127.9 É de salientar a correlação bastante estreita que parece existirentre esta multilateralização das relações externas do Estado angolanoe a sua incapacidade crescente em acorrer às necessidades da suapopulação.

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externas a que Angola tem vindo a estar sujeita. Limitar-me-ei a uns poucos exemplos.

Criada pela Conferência de Adis Abeba, na dataprovecta de 1963, a atitude da OUA face ao duro processoangolano de descolonização deu corpo a um dos primeirosfalhanços da organização no seu objectivo programáticoprimordial de policiamento e cristalização das fronteirasdos Estados membros10. Sem músculo nem autoridadesuficientes (e convenhamos que teriam sido precisosbastantes), a OUA pura e simplesmente não logrou umacoligação dos três movimentos armados angolanos (como oestipulava o “Comité de Libertação” da organização antes deformalmente apoiar a FNLA), o que deixou aos Estadosmembros a discricionariedade para reconhecer, emalternativa e nos termos canónicos, ou aquele que ocupassea capital, Luanda11 ou, seguindo um infeliz precedenteestabelecido em 1966, no Gana (quando o peso-pesado JoshuaNkrumah foi vítima de um golpe de Estado num momento em quese encontrava fora da capital), qualquer um dosagrupamentos em contenda. Quando, face à vitória efectivado MPLA sobre os seus adversários, a organização se decidiufinalmente por um apoio a este, o mal estava feito e osEstados membros estavam divididos em alianças commovimentos angolanos que passaram com rapidez à“clandestinidade”12. Em parte em resultado disso, a OUAnunca foi capaz de pressões eficazes no sentido deassegurar consensos claros que ajudassem ao controloefectivo, pelo Governo angolano, da totalidade doterritório nacional; e as suas capacidades sempre forammuito limitadas para, como organização, ajudar fosse no quefosse no que toca a desastres alimentares, refugiados, ousequer conflitos internos – embora esses constituíssem trêsdos maiores problemas que afligiram Angola entre 1975 e2002.

Tudo isto não deixou de ter consequências no plano dasprioridades das relações exteriores do Estado angolano.Pese embora o facto de a OUA nunca ter se ter opostodirectamente à presença de tropas cubanas no continente – eainda que, pelo contrário, concedesse invariável10 Uma finalidade que, em todo o caso e como C. Clapham, op. cit.: 114,notou com mordacidade, “made the organization into a governements’ trade union”.11 J. Herbst, 2000: 11012 Cf. D. Birmingham, 2002, op. cit.: 147.

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“solidariedade moral” ao regime de Luanda quando este sevia confrontado com sucessivas incursões sul-africanas emterritório nacional soberano – em termos mais concretos aorganização teve pouca importância na constelação derelações externas do Estado. Pouca e ambivalente. Quando,em 1993 e na Cimeira do Cairo da OUA, esta decidiu criaruma Comissão com base no então aprovado “Mecanismo para aPrevenção, Gestão e Resolução de Conflitos” (cuja primeirareunião em todo o caso só teve lugar em 1995), num gestoque exprimia a preocupação dos Estados membros daorganização com os conflitos internos no continente, orecado recebido em Angola não podia deixar de ter sidoambíguo: por um lado, era um passo numa direcção alarmante,a de eventuais tentações de ingerência; enquanto, poroutro, abria uma porta bem-vinda às intervenções angolanasque se seguiram em Estados da região. Em momentos vários daguerra civil pós-colonial do Governo de Luanda com a UNITA,e apesar da posição oficial da OUA, o movimento rebeldeconseguiu numerosos apoios de Estados membros, do Zaire(hoje Congo), à Zâmbia, ao Togo, ao Burkina Faso, entreoutros. De par com esta ineficácia da OUA, outrasorganizações, estas regionais, viram localmente sobrepor-se-lhe, a mais importante das quais foi decerto a SADCC(hoje SADC), criada para fazer frente ao regime sul-africano. Trata-se de um organismo em que Angola desde oinício teve um papel central, em primeiro lugar a nívelpolítico-estratégico geral e, no âmbito técnico-logístico,no sector particular das políticas de energia13. Umaposição de privilégio que, em grande parte, Angola aindamantém, apesar das inúmeras mudanças de cenário, local,regionais, e globais.

Radica aqui, ao que creio, uma transformação de algumamonta, que redundou num aumento efectivo da margem demanobra dos detentores do poder em Luanda. O fim abrupto daGuerra Fria, e a cada vez menor capacidade e empenhamentodas superpotências em se envolver em conflitos regionais,parecem ter confluído com uma fase de relativa perda deinfluência dos ex-senhores coloniais com interesses naÁfrica Austral14 no sentido de propiciar um crescente pesode Angola nas questões regionais; mesmo a transformação do

13 As conjunturas que se sucederam têm-no favorecido. A escala dasForças Armadas angolanas também.

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antigo SADCC (Southern African Development Coordination Conference)dos “países da linha da frente” em SADC (Southern AfricanDevelopment Community), agora com a presença da África do Sultem, curiosa mas previsivelmente, vindo a militar em favordesse crescendo de protagonismo15. E, mais uma vez, váriossão os indícios de que essa propiciação estrutural prometemanter-se. Enquanto não foi estabelecida uma estruturaregional de segurança e defesa, parece provável que Angola(com a apetência que tem mostrado em intervir extra-muros edado o peso das suas Forças Armadas e a capacidadedemonstrada que o Estado angolano tem tido em projectar oseu poder para o exterior) continue a ganhar importância emintervenções nos muitos conflitos armados que têm vindo aassolar a parcela sul do continente desde o final dabipolarização e a queda do regime de apartheid na grandepotência da região. Como P. Chabal notou, algoacerbicamente e porventura com algum exagero, “Angola isundoubtedly acting as if it considers itself to have become an ‘arbiter’ of thesepotentially dangerous regional conflicts” 16. Ademais, e ainda que nissonão coopere directamente, a SADC pós-bipolar, garantindouma boa implantação regional do país, tem dado cobertura aprocessos externos de legitimação internacional (na região,no todo africano, e nos palcos globais) que afectam oEstado angolano17.

De par com as suas ligações com a OUA e entidades comoa SADC, Angola manteve até 2002 – e mantêm-na ainda hojenem dia – relações intensas com vários dos organismos eagências da ONU. Contrapor a teia de relacionamentos com aOrganização das Nações Unidas com as ligações mantidas coma OUA é fascinante. Delinear lado a lado estes dois nexosde relacionamentos é muitíssimo revelador, dada a gritantediferença de eficácia na progressão das ligações com Angolacom estas duas instituições internacionais. Atenhamo-nos,tal como no caso anterior o fizemos, a uma simplesilustração de algumas das vantagens imediatas desse

14 De Portugal – vd. o trabalho muito genérico de N. SeverianoTeixeira, 1986 – ao Reino Unido, passando pela França, sobretudodepois dos desaires que sofreu no Congo e no Ruanda, e dasubalternização consequente às mãos dos norte-americanos15 cf. Blanco de Morais, 1998: 13-20.16 Op. cit.: 87.17 Cf. B. Morais, op. cit..

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relacionamento para as agendas políticas do Governo do MPLAem Luanda.

O papel político-militar das Nações Unidas foi logoútil em 1975-1976. ao oferecer, tanto pelas decisões daAssembleia Geral como pelas do Conselho de Segurança,alguma legitimação (que não deixou de ter ecos múltiplos,nomeadamente a nível da OUA) ao Governo do MPLA e, emparticular, à presença de tropas cubana e de conselheirosmilitares soviéticos no território. A partir de Dezembro de1988, e no seguimento dos Acordos de Nova Iorque quelograram um linkage entre saída dos cubanos de Angola e dossul-africanos tanto do território angolano como da Namíbia,foi criada uma pequena força de observadores militares não-armados, a célebre Missão e Verificação das Nações Unidasem Angola (UNAVEM), No decénio seguinte, a sequência cadavez mais acelerada de admoestações e sanções contra aUNITA, dia a dia mais duras, tornaram a ONU numa peça-chaveda legitimação internacional do regime angolano; são dedestacar, entre outras, a seminal Resolução 864 do Conselhode Segurança, de 15 de Setembro, e as 1127 e 1173 de 1997 ede 1998, respectivamente de 28 de Agosto e de 12 de Julho.É bem verdade que em Junho de 1997, e depois de retirar amaioria dos 7.000 soldados que compunham a mal-sucedidaUNAVEM III, a ONU, em desespero de causa face à ineficáciado seu peace-keeping, decidira limitar-se a uma Missão deObservação das Nações Unidas em Angola (MONUA); e mesmoessa entidade residual acabou, a partir de Fevereiro de1999, apenas reter uma pequena missão, com competências nasáreas da observação e dos Direitos Humanos. Mas alegitimação ansiada pelas autoridades fora by and largeconseguida.

Já em termos económico-financeiros, o “registofactual” é menos claro: desde finais dos anos 80, e depoisde um longo período em que pouca atenção prestaram a umaAngola que só após a crise dos preços do petróleo de 1985-1986 começou, de maneira sistemática, a recorrer a dadoresinternacionais, as instituições de Bretton Woods,nomeadamente o Banco Mundial e o Fundo MonetárioInternacional (FMI) a que Angola aderiu, na sequência doprograma de Saneamento Económico e Financeiro de 1987 (o

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precursor SEF)18, em 1989, têm tentado, (sem grandesucesso, é verdade) impor exigentes condicionalidadeseconómicas e políticas aos apoios que concediam no seusProgramas de Ajustamento Estrutural. Fizeram-no, porexemplo, depois de programas de reforma por regra poucorigorosos na concepção e na execução, no início dos anos90, em 1995, com o Programa Económico e Social (PES), emque o FMI conseguiu finalmente negociar a suamonitorização. Em 1998, depois do insucesso do célebrePrograma Nova Vida de 1996, o Fundo tentou, sem oconseguir, celebrar um novo acordo relativo à política dedesvalorizações então tida por imprescindível face àinflação galopante do annus horribilis de 1996 (embora oGoverno tenha então decidido liberalizar as taxas de câmbioque assim se aproximaram das informais praticadas no“mercado paralelo”); num novo PES, este para o ano de 2001,as negociações com vista ao reatamento da monitorização dosprogramas económicos governamentais (tratava-se do 14ºdesde o SEF de 1987) pelo FMI surtiram por fim efeito19.

Ao nível da ajuda humanitária e dos programas deemergência desencadeados, o relacionamento de Angola com asagências relevantes das Nações Unidas tem sido, a traçogrosso, menos ambígua. Através do United Nations Office in Angola(UNOA) e do seu Office for the Coordination of Humanitarian Affairs

18 Quanto ao SEF, ver Armando Marques Guedes et al, 2003. Como comlucidez escreveu o General angolano Justino da Glória – num trabalhoainda não publicado – a quem tenho o gosto de co-orientar, com oProfessor Luís Nuno Rodrigues, uma dissertação de doutoramento noâmbito da Academia Militar portuguesa e do ISCTE, “[c]om orecrudescimento da guerra, assistia-se no país uma galopante crisealimentar como resultado da burocratização da produção que impediacompletamente as iniciativas produtivas e de livre troca. Estarealidade teve como consequência o surgimento do mercado informal ou‘paralelo’. Com a instabilidade económica e financeira reinante no país,fruto do conflito interno amplamente internacionalizado, levaria ogoverno a abandonar certos dogmas ideológicos que destroçavam aeconomia, lançando todavia, em 1987, o Programa de SaneamentoEconómico e Financeiro ‘SEF’. A intenção do Presidente José Eduardodos Santos ao apresentar o programa SEF, era uma forma de encontrar ummeio de pôr termo à intervenção sul-africana e normalizar as relaçõescom os Estados Unidos. Com a aprovação e implementação deste programa,dava-se assim o início do processo das reformas macroeconómicas quetiveram o seu ponto mais alto com a adopção em 1999, da EstratégiaGlobal para a Saída da Crise”.19 T. Hodges, op. cit.: 156-186

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(OCHA), ambos sediados em Luanda, agências e organismoscomo a FAO, a OMS, a UNICEF, a OIM, o PNUD, e a UNHROA têmprestado a ajuda possível aos milhões de deslocados erefugiados que se foram agrupando, em situação muitas vezesdesesperada, sobretudo na zona do planalto centralangolano. Não será exagerada a asserção de que as relaçõesque estas agências das Nações Unidas entretiveram nesteintervalo com as autoridades angolanas foram bastantemelhores do que aquelas que envolveram a articulação comoutras agências multilaterais de ajuda pública aodesenvolvimento, ou do que as atinentes às ligaçõesmantidas com inúmeras das ONGs, internacionais, enacionais, que operam no território. Longe se está de umasituação em que (como foi, infelizmente para ambas aspartes, o caso em Timor-Leste) tanto as autoridades como apopulação entreolhem as Nações Unidas como “neo-coloniais”;em Angola, pelo contrário, estas tendem a vistas, senãocomo uma benesse, pelo menos como um recursoinstrumentalizável em termos tanto das necessidades eambições daquela como das destas. Factores da melhorrelação de Angola com a ONU do que a da ex-OUA, foramporventura a maior margem de manobra das Nações Unidas, e adivisão destas em entidades comparativamente bastanteautónomas e distintas umas das outras – o que foipermitindo a Luanda privilegiar algumas delas em detrimentode outras, que terão de ficar para outro estudo, maisaprofundado do que este, num jogo criativo de colaboração-resistência, ou mesmo de cooperação-conflito, cujosmeandros ganharíamos em conhecer melhor.

A ligação de Angola à Europa mudou assim tanto, por detrás do plano daretórica política? Algumas das margens bilaterais de manobra de Angola eos seus avatares

Os relacionamentos com “países em vias dedesenvolvimento” constituem porventura um dos domínios emque a União Europeia (UE) se manifesta com mais clareza –embora se trate de uma ligação ténue – como um actorinternacional por “mérito próprio”20. Nenhum esboço do

20 Cf., para uma leitura optimista do crescer desta ligação, N.Severiano Teixeira, op. cit..

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universo de relações exteriores de Angola ficaria completosem alusão ao nexo cada vez mais denso de ligaçõesentretidas com a UE. Cabe-nos, por isso, traçá-lo. Mais umavez façamo-lo num âmbito restrito, desta feita o relativoaos Direitos Humanos em Angola. A penetração, na Áfricapós-colonial, da “ideologia” dos Direitos Humanos datatalvez da adesão dos Estados africanos às Nações Unidas e,porventura, começou a ser sedimentada a partir de 1977,quando a recém-empossado Presidente Jimmy Carter decidiu(embora sem grande consequência imediata) tornar a defesadesses direitos numa das prioridades da política externanorte-americana. Pouco depois, em 1979, o Reino Unido e aHolanda tentaram, sem sucesso, embutir os Direitos Humanosna renegociação da Convenção de Lomé II, um instrumento queregulava as relações, e sobretudo os privilégioscomerciais, entre a UE e as sete dezenas (então eram 69) deex-colónias (na sua maioria africanas, incluindo os cincoEstados lusófonos) que formavam o conjunto dos chamadospaíses ACP (África, Caraíbas, Pacífico) e com quem a Uniãomantinha (como ainda hoje mantém) um relacionamentoespecial. Os Estados africanos pareciam apostados emafirmar a sua especificidade, e em 1981 aprovaram uma PactoAfricano dos Direitos do Homem e dos Povos (embora estadecisão só tenha sido ratificada em 1985 por uma maioriados Estados membros, que contou com a anuência de Angola).Um documento em rigor pouco eficaz, e em todo o caso não-vinculativo, o Pacto redundou, no entanto, numa admissãoformal: foi uma admissão “pública” e audível, por parte deum conjunto de Estados pressionados por uma comunidadeinternacional (leia-se uma opinião pública ocidental)horrorizada com os abusos chocantes cometidos por Chefes deEstado como Jean-Bedel Bokassa, “Imperador” da RepúblicaCentro Africana, Idi Amin do Uganda, ou Fernando MaciasNguema, o ditador da Guiné Equatorial, de que “human rightswithin their own territories were a matter of legitimate external concern, whilestopping short of any means of by which they could be held responsible for anyabuse of such rights” 21, como escreveu Christopher Clapham.

Foi um gesto atempado. Em Novembro de 1984, o mesmopar de Estados europeus que antes se manifestara reiterou asua posição e, desta vez na negociação da Lomé IIIsucedânea, conseguiu incluir no texto acordado uma

21 Op. cit.: 191.

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referência aos Direitos Humanos, ainda que apenas comoanexo do documento final aprovado. No relacionamento comÁfrica era uma inovação que formalizava uma tensão que dehá muito marcava a ligação pós-colonial dos europeus com osEstados africanos. Em termos da prática política externados Estados europeus, tratava-se em todo o caso de umaautêntica “lança em África”; pela primeira vez, porventuraem resposta a exigências provindas da sua opinião públicainterna, dos EUA, e seguramente da acção “humanista” daplétora de ONGs transnacionais que cada vez mais se iamafirmado como actores internacionais difíceis de tornear, aUE assumia uma posição que transcendia o curto prazo.

A conjuntura geral propiciava-o. A convergência entreos crescentes pré-requisitos “políticos” europeus e osgestos dos Estados africanos que iam no mesmo sentido nãoera decerto fortuita, em palcos marcados por criseseconómicas e políticas profundas no continente (que aliásse repercutiram numa vaga, ao que parecia imparável, de“transições democráticas”) e arenas internas em que,simultaneamente, a UE progredia, a passos largos, para setornar no maior fornecedor de “cooperação”, nomeadamente emAngola. E a “intrusão” da UE em questões de direitosfundamentais não se ia ficar por aí. A nova capacidadeeuropeia cada vez mais coesa de impor condicionalidadespolíticas numa África subsaariana em crise não deixou de sefazer sentir. Ampliando e particularizando os pontos deaplicação das pressões “políticas” exercidas, em Novembrode 1991, por exemplo, o Conselho Europeu que reúne a nívelde Chefes de estado e Ministros aprovou uma Resolução emque indexava a sua ajuda aos Estados africanos em melhoriassensíveis no que tocava a quatro tópicos de eleição: norespeito destes pelos Direitos Humanos, na suademocratização, liberdade de imprensa, e progressão nosentido da “Boa Governação”. Com o aprofundamento darelação entretida ia-se tornando cada vez mais caro aAngola (como, aliás, a maioria dos países africanos)resistir a estas condições impostas; e, numa conjunturacada vez mais estabilizada esse aprofundamento ia terlugar. A atribuição, em 1995, do pelouro ligado à ajudapública comunitária ao desenvolvimento a um Comissárioportuguês, João de Deus Pinheiro, não deixou de consolidara posição da UE em Angola, pese embora a sua eficácia tenha

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sido discutível. A pressão tinha vindo para ficar. A UniãoEuropeia passou sem sombra de dúvida a ser – na área dosDireitos Humanos, na da ajuda pública ao desenvolvimento, enão só – uma peça incontornável no universo da políticaexterna angolana. Uma presença permanente quecrescentemente convinha aplacar, ainda que tão-só commudanças levadas a cabo no mero plano das aparências. Esteé o Mundo para que desde então o relacionamento de Angolacom a UE transitou.

Afirmei atrás que a evolução geral da política externaangolana é um domínio muito mal conhecido e ainda menosinvestigado; e que, mais, se trata de um domínio cujoestudo irá decerto deslocar muitas das certezas que temoscomo adquiridas. Até ao momento tomámos como exemplosrelacionamentos multilaterais; mas é talvez em âmbitos derelacionamentos bilaterais que tal se torna de imediatomanifesto. Comecemos com um breve exemplo, relativo àsrelações “a Leste”, e restringindo-nos apenas ainstanciações de desfasamentos notórios entre o Estadoangolano e a URSS. Depois de uma aproximação e de um apoioiniciais ao MPLA nos anos que precederam a independência,em 1973 a URSS, face às clivagens e à situação logísticadesesperada do movimento22 suspendeu as suas relações comeste. Com a evolução política da conjuntura na “retaguarda”portuguesa e a reconstituição do movimento, orelacionamento foi reatado; mas alguma coisa se perdera.

Durante a 1ª República, a ligação bilateral da entãoRepública Popular de Angola com a malograda União Soviéticasofreu numerosas mudanças de tom e tónica, mas lato sensopautou-se, crescentemente, pela intensificação de fluxos deapoio sobretudo ao nível da segurança e defesa. Para alémdo aconselhamento militar no terreno, a URSS viabilizou(tanto de um ponto de vista logístico como a nívelpolítico, pelo exercício do seu direito de veto no Conselhode Segurança das Nações Unidas) a presença no territórioangolano de contingentes de tropas cubanas que atingiram umquantitativo de pico de 50.000 soldados e oficiais23. Naárea geral de acção das forças de segurança, com o22 Cf. David Birmingham, 2002, op. cit. : 144-145.23 Em Fevereiro de 2009, o novo Presidente cubano, Raul Castro,confirmou em discurso à Assembleia Nacional de Angola, terem passadopelo país, “ em missão internacionalista militar”, 500 mil tropas doseu país.

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beneplácito da superpotência soviética, dominavam técnicosalemães-orientais. Visto Angola ter sido classificada comoum “Estado de orientação socialista” (e não um paíssocialista, para o que os teóricos soviéticos nãoconsideravam que o país, ao contrário por exemplo daEtiópia, preenchesse os pré-requisitos mínimos exigíveis) agestão da relação bilateral incumbia, do lado soviético, afuncionários do Secretariado do Partido Comunista da URSS;por regra gente sem nenhuma experiência africana,apparatchiks antes especializados na interface da ligação doGoverno central da União com as Repúblicas muçulmanas doseu flanco sul24. A criação, nos anos 60, de um Institutode África, com cerca de 200 “peritos” especializados emeconomia, história, linguística, geografia, diplomacia epolíticas africanas”25 foi de pouca consequência.

Em paralelo, e numa versão mais soft da distinçãoinstitucional de fundo operada em termos de alinhamentospolítico-ideológicos no interior da ordem bipolar, noMinistério das Relações Exteriores angolano, as interacçõescom os “países socialistas” eram, durante a 1ª República,geridas por uma entidade sectorial diferente e independentedaquela que tratava da ligação com os “paísescapitalistas”. Em 1977, os diplomatas da URSS em Luandaapoiaram (como aliás o Partido Comunista Português ao queparece também o fez) a tentativa de golpe de Estado de NitoAlves26, no que foram rápida e eficientemente bloqueadospor forças cubanas – numa expressão tão inusitada quãosurpreendente de uma autonomia decerto potenciada pelonúmero de efectivos disponíveis no país e, em particular,em Luanda e arredores. Mais do que mudar, o papel da URSStransmutada em Federação Russa depois de 2001 ir-se-iaacomodar às novas circunstâncias conjunturais. Outra dasvertentes do apoio político-militar soviético a Angolaconcretizou-se através da extensão ao país de chorudaslinhas de crédito para compra de armamento. A receita – noduplo sentido da palavra – revelou-se perigosa. A partir demeados dos anos 80, a dívida (no essencial, militar)angolana face à União Soviética tornou-se incomportáveltanto para um como para o outro dos dois países. A

24 Christopher Clapham, op. cit.: 147.25 G. Derliguian, 1994: 274.26 David Birmingham, 1978.

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estratégia norte-americana de causar uma subida em flechanos custos de manutenção da clientela soviética tomou comopontos principais de aplicação Angola e a UNITA, oAfeganistão onde os mujjahidin se opunham à coligação da URSScom o Governo de Kabul, e na Nicarágua o fomento daactividade dos contras, muitos destes em regiões-alvo dafamigerada “estratégia de dominó” que desde a AdministraçãoKennedy vinha sendo imputada à União Soviética. No caso deAngola, apostada em levar a URSS à bancarrota por meio deuma variante do que Paul Kennedy27 (1989) famosamenteapelidou de “imperial overstretch”, a Administração Reagandecidiu com deliberação, em meados dos anos 80, equipar aUNITA com mísseis Stinger facilmente transportáveis eutilizáveis por um só soldado (com um custo, à época, decerca de um milhão de dólares a “peça”) com vista aneutralizar os então top of the line Mig-23 soviéticos –fornecidos às forças governamentais ao preço de váriasdezenas de milhões de dólares por cada unidade. Entretantoem Moscovo Mikhaïl Gorbachev ascendeu ao lugar de chefia na“Pátria dos Trabalhadores” e leu a situação global comosendo insustentável.

Para Angola, como para todas as zonas de proxy wars queredundavam com nitidez crescente em desperdícios cada vezmais desastrosos, tudo isso significou que uma alteração defundo na evolução até aí corrente das coisas iria maistarde ou mais cedo tornar-se inevitável. A estratégia deReagan-Eagleburger, subindo a parada financeira eassegurando um relativo equilíbrio militar, foiindubitavelmente um dos factores que acelerou a chegada da2ª República em Angola. Mas no que toca o relacionamentobilateral Moscovo-Luanda nenhuma verdadeira ruptura tevelugar. Em 1996, confrontada com uma crise macroeconómicagravíssima em Angola – com uma taxa de inflação que emJulho desse ano atingiu os 12.035%, e com um serviço dedívida externa angolana que excedia 50% do valor dasexportações do país, porventura considerando-a incobrável –a Federação Russa de Boris Ieltsin, afectando algum fairplay, decidiu perdoar a Angola a enorme dívida acumulada.Em boa verdade, por conseguinte, se é certo que o

27 Paul Kennedy, 1989. São fáceis de identificar, pelos títulos por viade regra “gráficos” que ostentam, os textos da Bibliografia apensa queapoiam estas asserções e as que se seguem.

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relacionamento bilateral entre os dois Estados tem sidomarcado por uma crescente distância, as relações têm-semantido amigáveis – e este período inicial desde logo oatestou. E foi variando em intensidade: assim, por exemplo,em finais dos anos 90 uma dose de cumplicidade veio ao decima quando, face a um pedido de ajuda em equipamentosmilitares para fazer frente a uma eventual ofensiva (queteria sido devastadora nas consequências) no planaltocentral, um pedido protagonizado pelo General João deMatos, então Chefe do Estado-Maior General das ForçasArmadas angolanas, a Rússia de Boris Ieltsin acedeu comrapidez e eficácia à solicitação apresentada em Moscovoapesar das menos boas experiências financeiras bilateraispassadas.

Também no que diz respeito às relações de Angola comos Estados Unidos da América me parece evidente que umconhecimento mais pormenorizado das suas múltiplas facetaslançará dúvidas sobre a forma simplista como têm sidoretratadas pela “sabedoria convencional”. Atenhamo-nos maisuma vez a breves exemplos paradigmáticos, desta feitarelativos aos diversos tipos de ambivalência a queestiveram sujeitas as ligações bilaterais que se foramestabelecendo. Se as relações bilaterais com a URSS eram,sobretudo, políticas e a sua tónica uma de segurança edefesa, as com os EUA exprimiram sempre um equilíbrio,difícil mas sustido, entre um distanciamento político-militar (público) que contrastava com (a nível privado) umasimultânea aproximação económica. Antes da independência, ea partir dos anos 50, o apoio norte-americano (oficioso,mas firme e muito eficaz) a Missões Protestantes em Angola,o qual em parte visava quebrar o monopólio namissionarização que, por via da Concordata, o Estadoportuguês concedia à Igreja Católica, deu frutosirredentistas que a Administração em Washington, por razõespolítico-estratégicas e económicas de fundo, cada vez maisabertamente28 preferiu sustentar: os três líderes da “lutaarmada” anti-colonial, Agostinho Neto do MPLA, HoldenRoberto da FNLA, e Jonas Savimbi, da UNITA, tinhamprofundas ligações a essa actividade missionária.

28 Sobretudo depois da Presidência de John F. Kennedy; vd. José FreireAntunes, 1991.

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Numa postura algo ambivalente, durante os anos 60 e70, e apesar de o ter tentado, a superpotência americana,viu-se dividida entre os seus interesses em garantiralianças que lhe permitissem resistir a uma expansãoeuropeia da URSS e as suas intenções de abrir mercados emÁfrica aí assegurando o exercício popular do direito àauto-determinação, e revelou-se incapaz de fazer inflectira decisão unilateral de um dos Estados aliados na NATO, oregime autoritário de Lisboa, de tentar pela força manterAngola e as outras colónias africanas sob sua tutela29. ComRichard Nixon e Henry Kissinger (de início seu Conselheirosobre Assuntos de Segurança e, depois, Secretary of State) osEUA apoiaram a FNLA e a UNITA em Angola, visto que aconsideravam apenas como parte do conflito bipolar com aURSS. Para evitar um processo cinsiderado inevitável deimpeachement, Nixon deixou a presidência norte-americana emAgosto de 1974, e sucedeu-lhe o seu Vice-Presidente, GeraldFord, alguns meses depois de se ter iniciado o processo dedescolonização e independência de Angola. Os Estados Unidosficaram sem grandes opções para negociar com as aindacolónias portuguesas e abandonaram a sua política anteriorde comunicação com os ‘regimes de minoria branca’. Aessência da visão global do mundo, basilar na postura‘realista’ de Henry Kissinger e Gerald Ford (na esteira,aliás, da de Richard Nixon) – que colocava no centro daanálise mais as relações de poder no quadro do sistemainternacional do que políticas e ideologias – levaramfamosamente o primeiro a admitir que a sua preocupação, nãoera Angola, nem sequer a África, enquanto tais – umContinente onde a Administração não possuía, ao queafirmou, interesses vitais, embora reconhecesse algumaimportância no que respeitava o acesso aos aeroportos,portos de mar sul-africanos e, num plano mais geral, àRota do Cabo. Deste modo, a política norte-americanarelativamente a Portugal (e depois a Angola, uma vez aindependência conseguida a 11 de Novembro de 1975) viu-sereorientada para o problema que, para os norte-americanos,num enquadramento global, significava o apoio soviético ecubano ao MPLA – o qual previram, e bem, se iria tornarmilitar e concreto. Ou seja, com o 25 de Abril de 1974 emLisboa e o 11 de Novembro de 1975 em Luanda, o cenário iria

29 C. Clapham, op. cit.: 141-142.

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alterar-se. Dado o alinhamento com o bloco soviético que aindependência unilateral do MPLA significou, o Estadonorte-americano decidiu privilegiar as relações quemantinha com os outros movimentos, que foram preteridospelo novo regime de “partido único”: primeiro com a FNLA(que ajudou militar, financeira e logisticamente), maistarde, uma vez esta desbaratada, com a UNITA.

Mas alguma ambivalência iria prevalecer, ancoradanovamente nas percepções mantidas quanto àcomplementaridade entre o público e o privado. No decursodos últimos anos da década de 70 e nos anos 80 – umintervalo “pré-diplomático” em que os “interesses” norte-americanos em Angola foram “representados” por uma sucessãode países ocidentais, da Suíça à Grã-Bretanha –, e apesardo apoio oficial da Administração dos EUA à UNITA, a Gulf Oil(cuja filial, a Cabinda Gulf, sempre obteve as licenças deexploração que abrangiam parcelas dos maiores blocos dejazidas de petróleo em Angola) fez questão em manter umexcelente relacionamento, altamente privilegiado, com oregime do MPLA30: uma preferência cujo significado ealcance são realçados e postos em maior destaque se acontrastarmos com a estratégia da companhia petrolíferaELF-Aquitaine, uma empresa francesa, que sempre insistiu emmanter abertos canais paralelos de negócios com a UNITA);as visitas recorrentes do seu Presidente e então accionistamaioritário, David Rockefeller, à República Popular, aconvite do seu “Amigo” e Presidente José Eduardo dosSantos, recebiam sempre honras festivas de primeiras páginano hegemónico Jornal de Angola e menção de abertura nosTelejornais da Televisão Popular de Angola. Em Julho de1985, a revogação da célebre Emenda Clark significou que aAdministração norte-americana poderia doravante, depois deum curto hiato em que se limitou (em Angola como na AméricaLatina ou na Ásia Central) em lugar da laboriosa realizaçãode covert operations de financiamento e apoio militarindirecto, reatar um apoio aberto de Washington à UNITA.Mas mais uma vez, ao golpe no cravo seguiu-se outra naferradura: factor não-despiciendo para a Luanda de então,acossada por invasões sul-africanas periódicas no seuflanco meridional, um Comprehensive Anti-Apartheid Act foiassinado em 1986 que, apesar de contar com o veto de Ronald

30 Vd. David Birmingham, 2002, op. cit.: 151-152.

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Reagan, limitou severamente as relações dos EUA e dasempresas norte-americanas com o regime sul-africano31.Datam deste período as contratações assinadas em Washingtonentre Governo do MPLA e empresas de norte-americanas delobbying político, com o intuito de influenciar as decisõesde membros do Congresso dos EUA em seu favor. Com portasentreabertas de todos os lados, em Dezembro de 1988, com obeneplácito norte-americano, os Acordos de Nova Iorque,foram co-celebrados por Angola, por Cuba e pela África doSul, consagrando uma série de actos coordenados: a retiradadas tropas cubanas do país, a retirada das forças especiaissul-africanas do sul de Angola, e eleições livres naNamíbia.

A história tinha uma genealogia interessante, e ela ésobretudo político-militar – e mais complexa do que podeparecer. Como escreveu o já citado General Justino daGlória, “[n]o ano de 1981, Jonas Savimbi intensificava asua agressividade de tal maneira que considerava aquele anoem que a UNITA arrebataria a iniciativa impondo o curso dasfuturas campanhas militares. Para Jonas Savimbi, oobjectivo central das tropas [rebeldes] era chegar a Luandae conseguir a vitória final: ‘Menongue é o nosso ponto departida. Luanda é o nosso destino. Vamos transformar o anode 1981 num ano de intensificação da guerra’.O auxíliopermanente sul-africano e o apoio clandestino dos EstadosUnidos faziam com que a UNITA se tornasse muito mais forte,do ponto de vista militar, que rapidamente passa a ocuparposições no Kuando-Kubango e Moxico desenvolvendo acções desabotagem no caminho-de-ferro de Benguela. De igual modo,fazia incursões à província da Huíla e no planalto central,lançando ataques contra o Caminho-de-Ferro de Benguela,entre o estreito corredor do Bié e Huambo, até ao Luena noleste, além de contrabandear diamantes nas províncias dasLundas e desenvolver acções de sabotagem a Barragem deLoumaum, privando de energia eléctrica as cidades dolitoral [Benguela e Lobito]. O conflito tomava então propor-ções inéditas e em 1983 atingia dois terços do territórioangolano, com excepção de uma faixa litoral a sul do país queenglobava a província do Namibe e as pequenas extensões dasprovíncias de Benguela, Huíla e Cunene. A UNITA que tinhaganho bases sólidas nas populações rurais mais ou menos

31 T. Redden, 1988.

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abandonadas por Luanda e se apoderara da Lunda diamantíferaque alimentava o seu orçamento militar, colocava as regiõesinteiras sob uma verdadeira ditadura militar onde o cultoda personalidade de Jonas Savimbi era acentuado e evidente.Para contrabalançar todos estes avanços, em Agosto de 1983,a UNITA capturava a localidade de Cangamba. Recorda-se que acaptura de Cangamba para muitos observadores significara oponto de viragem da luta de Jonas Savimbi contra o governoangolano, se tivermos em conta, que seria a partir daí que aUNITA passava a controlar 25 a 50% do território angolano,com fácil acesso ao Caminho-de-Ferro de Benguela32. […]. Ossucessos da UNITA preocupavam os apoiantes externos doMPLA, que receavam a queda do governo. Neste período,anunciava-se o aumento dos apoios externos e das ofensivasmilitares de ambas as partes em confronto. Não se previa umdesfecho militar ou político para o conflito. O movimentode Jonas Savimbi afirmava que [nenhum] processo de pazpodia ser conseguido sem a sua participação. A par dossucessivos progressos da UNITA no teatro de operações, em16 de Fevereiro daquele ano, a África do Sul assinava com ogoverno de Angola, o Acordo de Lusaka. Ambas as partescomprometiam-se a retirar os seus efectivos militares daprovíncia do Cunene, não permitindo que a SWAPO nem à UNITAocupassem aquele espaço. Porém, de forma estranha o acordosó prévia a retirada das forças em confronto da provínciado Cunene e não às que se encontravam no Cuando-Cubango,ali onde a UNITA dominava como apoio sul-africano, o quecausaria grandes dificuldades de movimento no terreno porparte da SWAPO possibilitando a África do Sul naperseguição dos guerrilheiros namibianos e consequentementeacelerar o seu apoio às forças guerrilheiras da UNITA. Nãoobstante o Acordo de Lusaka de 1984, Jonas Savimbi viria ater um reabastecimento quer em armas, quer em outros meioslogísticos, através e provenientes da África do Sul. O anode 1985, marcava uma nova etapa de luta da UNITA, com a

32 E fê-lo num rápido crescendo. Citando, ainda, Justino da Glória,entremeando-o aqui, noutro lugar do seu fascinante e muitíssimo bemapoiado texto, “em 1984, a UNITA já se encontrava no norte, entre asprovinciais do Zaire, Uíge, Kwanza-Norte e Malange. Mantinha tambémuma certa pressão com actuações a partir do Zaire, utilizando asestruturas da FNLA na metade norte de Malange [Baixa de Kassanje], naLunda [região dos diamantes] e esporadicamente no norte das provínciasdo Uíge e do Zaire [aqui actuando sobre a zona petrolífera do Soyo] ”.

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realização do seu IV Congresso, na Jamba, no Cuando-Cubango, [no qual] Jonas Savimbi [começou directamente a]assumir a liderança da organização e concomitantemente oalto-comando das FALA. A partir deste ano, a UNITA passou arealizar uma serie acções de sabotagem a alvos no norte dopaís, nomeadamente nas provinciais de Luanda, Kwanza-Nortee Malange. Destruíram os cabos de fornecimento de energiaeléctrica a Luanda, deferiu um ataque à pequena localidadede Calomboloca, situada a cerca de 60 km de Luanda. Poressa altura, a base aérea de Kamina no sudoeste do Zaireservia de pista de trânsito para o auxílio militar daadministração Reagan a Jonas Savimbi. Paralelamente a essasacções, nos dois primeiros dias do mês de Junho de 1985,Jonas Savimbi, seria o anfitrião de uma conferênciadenominada ‘Internacional Democrática’ ou ‘Jamba Jamboree’,que reuniu representantes dos chamados movimentos de‘resistência democrática’ [movimentos anti-comunistasinsurgentes] da Nicarágua, Laos, Cambodja e doAfeganistão33, mostrando particular interesse aos ‘opinonmakers’ de forma a sensibilizar a opinião públicainternacional na divulgação da causa pelo qual lutavacontra a expansão soviética em África e no mundo. Arealização desta conferência só foi possível com a ajuda deorganizações da sociedade civil norte-americana, queconsistia em dar corpo à pregoada doutrina Reagan e forçartodavia a administração norte-americana a iniciar com osprogramas concretos de ajuda aos movimentos que na Jambahaviam reunido, nas suas lutas respectivas contra oexpansionismo soviético. Jonas Savimbi oficializava peranteo mundo o seu mini-Estado"34.

33 Cf., designadamente, Jonas Savimbi, Por um Futuro Melhor, Editora NovaNórdica/Tempo, Lisboa, 1986, pp. 161-167; Frederick Walker, Um CertoCurva de Corno: A Hundred-Year Quest para o Giant Sable Antelope.,Grove Press, 2004, p. 177. 34 De novo, Justino da Glória: “[e]ntretanto, entre Junho/Setembro, asforças governamentais lançavam duas grandes ofensivas contra a UNITA.A primeira a norte partindo do Luena, permitindo tais forças controlarna totalidade o saliente do Cazombo e a segunda desencadeada a partirdo Menongue, com o objectivo de alcançar Mavinga, depois a Jamba. Asofensivas de Cazombo e Mavinga haviam exposto Jonas Savimbi a umperigo extremo. Se Mavinga caísse, a possibilidade de um ataque comêxito a Jamba seria iminente. Tal não sucedera, uma vez que a Áfricado Sul tomava uma atitude muito mais aberta nas suas relações com aUNITA. A ofensiva em direcção a Mavinga, tornava-se uma enorme

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Com o desaparecimento da União Soviética, tanto osmotivos norte-americanos como a reacção angolana iriam sermodificados. Os anos 90 e a transição democrática do regimeangolano significaram um degelo cada vez mais patente nasrelações com os Estados Unidos. Seguiu-se-lhe umareorientação que ocorreu como que em câmara lenta. Apresença do EUA na Comissão Conjunta Político Militar(CCPM), ao lado da Rússia e de Portugal, constituída nostermos dos efémeros Acordos de Bicesse de Maio de 1991, aum tempo encetou-o e simbolizou a abertura recíprocaoficial. Terminada a clivagem bipolar, Angola viu-se nacontingência de ter de alterar as parcelas agonísticas doseu relacionamento com uns Estados Unidos doravantevirtualmente incontestados na região. Tanto de um lado comodo outro, mas com uma crescente ratificação do poder norte-americano por Luanda, primeiro a ritmo espaçado, depoiscada vez mais rapidamente, a fenda foi-se encerrando. Oreconhecimento diplomático formal deu-se a 19 de Maio de1993, em Outubro de 1995 teve lugar a primeira visita doPresidente José Eduardo dos Santos à Casa Branca. Também anível económico o relacionamento oficial acelerou o passo:para nos atermos a um só exemplo, em Julho de 1994 foicelebrado um Acordo de cooperação bilateral que consagrou aentrada de Angola para a Corporação Privada para oInvestimento no Estrangeiro (OPIC) norte-americana,assegurando seguros e resseguros de investimentos,investimentos de dívida e de capital e garantias deinvestimento. Para uma como para a outra das partes,preocupação para a administração norte-americana. As forçasgovernamentais realizavam a denominada ‘Operação II Congresso’, nomede código da operação uma vez que o MPLA-Partido do Trabalhorealizaria o seu II Congresso em Dezembro. A 19 de Setembro, a UNITA,apesar de ter sofrido a perda de Cazombo, de importância vital porqueficaria sem acesso directo ao Zaire, conservava grande parte do seuterritório, não cedendo Mavinga, e manteve a ocupação do Caminho-de-Ferro de Benguela. Cazombo seria não só uma das derrotas mais custosasda UNITA bem como também o era para as tropas governamentais angolanase cubanas. Ali aconteceria o maior ataque de tanques que tinharegistado na África negra. Só com a entrada em cena do ‘BatalhãoBúfalo’ e com apoio da aviação sul-africana conseguia parar omovimento angolano-cubano. Como resultado das batalhas em volta deCazombo e Mavinga e tendo em conta as pesadas baixas que a UNITAsofrera levava com que a África do Sul e os Estados Unidos começassema pensar muito mais seriamente numa forma de verem a questão doconflito resolvida”.

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interesses económicos e geopolíticos convergiram de maneiraevidente35. A partir de então, o trajecto foi, de maneiraconsistente, um de melhoria rápida no relacionamentobilateral, tanto durante a Administração Clinton, como a deGeorge W. Bush – e depois, a liderada por Barack Obama.

A UNITA e as “terras livres de Angola”. E Cuba, o que foi?

Outro nexo de relacionamentos bilaterais externos deimportância para Angola tem sido o dos entretidos com Cuba.Dada a centralidade dessas relações externas na progressãopós-colonial angolana e a relativa paucidade deinformações, sobretudo aqui não tentarei no que se seguemais que traçar, e tão-só de maneira meramente indicativa,uma poucas das linhas de força de algumas das suas travesmestras. Como é bem sabido, entre 1975 e 1990, estiverampresentes em Angola numerosos contingentes militares dechamadas “tropas internacionalistas” cubanas. Não se tratoude uma intervenção avulsa. O decénio de 60 fora marcado poruma propensão do regime castrista de exportar a “Revolução”para a América Latina e para a África, nomeadamente aColômbia e o Congo. Em 1964, Ernesto “Che” Guevara,porventura em parte como paliativo para a contendaintestina que opunha a sua “linha” à de Castro, foi um dosgrandes protagonistas desta internacionalização político-militar. A Guiné, a Guiné Equatorial, a Somália e aTanzânia vieram acrescentar-se à lista, de par com Estadosdo Médio Oriente como a Síria e o Iémen do Sul. Umaprojecção externa alargada.

Em Setembro de 1975, arrastando consigo uma UniãoSoviética renitente num envolvimento directo em mais umafrente das proxy wars bipolares que nesse mesmo anoproliferaram com desenlaces “em dominó” gravosos para os

35 F.J. da Cruz, 2002: 41ss. Embora, mesmo atendo-nos ao períodocoberto por este artigo, fosse interessante apurar o ponto a que asvelhas dicotomias político-militar-economia e público-privado se têmmantido: a expansão dos interesses económico-financeiros norte-americanos é tão indubitável como o são as tensões que têm emergido,por exemplo, no que toca às intervenções das Forças Armadas angolanasem palcos, como os do Congo, do Congo ex-Zaire, ou das zonas defronteira deste com o Rwanda-Burundi, em que as agendas políticaspúblicas norte-americanas e angolanas nem sempre coincidem.

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norte-americanos, desembarcaram em Angola tropas cubanasbem apetrechadas. Logo a 11 de Novembro essas tropasentraram em acção quando, a par da declaração unilateral deindependência pelo MPLA, se abriram duas frentes decombate: uma a norte – a uma escassa dezena de quilómetrosde Luanda – contra uma FNLA apoiada por dois batalhões deblindados recheados de tropas regulares Zairenses,enquadrada por mercenários liderados por Santos e Castrocom apoio logístico de uma CIA localmente coordenada porJohn Stockwell36; e uma outra a sul da capital, marcada porconfrontos com colunas avançadas de uma incursão emprofundidade de bem treinadas e equipadas SADF (South AfricaDefense Forces) sul-africanas provindas da fronteira namibianado Cunene. O apoio cubano nessa contenção em duas frentesacesas deu o tom ao relacionamento bilateral de naturezaessencialmente político-militar. Foi uma tónica que seviria a acentuar a 27 de Maio de 1977 com a ajuda rápida edecisiva das “tropas internacionalistas” no esmagamento dolevantamento liderado por Nito Alves contra AgostinhoNeto37, uma reacção em que mais uma vez o papel decatalisador coube a Cuba, face a uma URSS cujas tomadasinicias de posição não terão mais uma vez sido totalmentecoincidentes com as de Fidel Castro. As consequências nãose fizeram esperar. Até 1990, foram-se instalando no paísmilitares cubanos em número crescente, tendo sido atingidoum pico, em finais dos anos 80, de cerca de 50 mil homens emulheres armados.

Em todo o caso, a acção de Cuba em Angola terá tidodimensões outras que não apenas as bélicas: nomeadamenteeconómicas (Angola e Cuba competiam, em meados dos anos 70nas exportações de açúcar, tendo muita da maquinaria derefinação que se encontrava em Angola sido sumariamentetransplantada para a pequena ilha das Caraíbas) e político-demográficas (a partida de contingentes para Angola nãodeixou decerto de aliviar alguma da pressão então emcrescendo com que Castro se debatia face a uma contestaçãointerna provinda precisamente de alguns sectores das novasgerações de “filhos da Revolução” mobilizadas). Daperspectiva de Angola, à ajuda militar contra inimigosexternos e internos, acresciam os benefícios de algum apoio

36 Cf. Henry Kissinger, 1995 e John Stockwell, 1976.37 Cf. Jean-Michel Mabeko Tali, 2001, op. cit.: vol. II, 181-229.

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de técnicos cubanos a nível sobretudo médico e educacional.Numerosos Acordos, Convenções e Protocolos bilaterais comincidência nestes âmbitos foram sendo celebrados com pompae circunstância. O relacionamento, nestes planos, tinha umcariz “desenvolvimentista” e de “resistência e auto-suficiência” políticas; ostensivamente tratava-se deinstrumentos desenhados para fazer face a uma ordeminternacional tida como hostil a tais projectos. Um exemploparadigmático (ainda que em muitos sentidos atípico) dessacolaboração-conivência educacional e de doutrinaçãopolítico-ideológica entre Angola e Cuba foi a partida paraa célebre Isla de la Juventud, por períodos de duração variável(e decrescente, uma vez que começaram a surgir problemassérios de integração-adaptação dos estudantes angolanos),de milhares de jovens angolanos, no “período áureo” dosanos 70 e 80; ao que acresciam numerosas bolsas de estudopara o ensino superior em instituições universitáriascubanas. Latu sensu, “formação de quadros”, emborapretendesse ser mais do que isso.

Nestes como noutros âmbitos, Cuba apresentava-se comouma “alternativa democrática” a ajudas públicas aodesenvolvimento ocidentais “interessadas”, que seconsiderava estarem gizadas no intuito de criardependências e serviços de dívida que na prática punhamperigosa (e deliberadamente) em causa uma soberaniaangolana que era sua “missão” ajudar a defender. Asligações bilaterais entre Angola e Cuba puderam assim serconstruídas como se tratando de uma coligação política deinteresse recíproco. Seria no entanto um erro presumir que,em qualquer desses domínios, tanto a qualidade quanto adensidade do relacionamento bilateral entre Angola e Cubase tenham mantido imutáveis. Para apenas dar um exemplo,atendo-nos à área político-militar, a piéce de résistance desteeixo da política externa dos pois Estados: se até ao iníciodos anos 80 as forças cubanas em Angola combateram “nafrente interna” contra os insurgentes da UNITA, a partirdaí, e até aos Acordos de Nova Iorque, a sua acção virou-seno essencial para confrontações e atritos com os sul-africanos instalados no sul de Angola que daí (da Namíbia,então Southwest Africa, e da “faixa de Caprivi”, que confinavacom o sul das províncias angolanas do Cunene e do Cuando-Cubango, com o norte do Botswana e com o sudoeste da

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Zâmbia, acossavam o regime de Luanda e escoravam as “terraslivres de Angola” administradas pelos freedom fighters daUNITA de Jonas Savimbi.

Mas voltemos um pouco atrás no tempo: como vimos,ainda no decorrer do ano de 1986], em Dezembro, o MPLArealizou o seu II Congresso “num momento extremamentecrítico, económico como político”38. Foi neste contexto,que o MPLA-Partido do Trabalho lançou a palavra de ordem‘fazer a guerra para defender a economia e desenvolver aeconomia para apoiar a guerra’ – o que significava para asestruturas do Estado o ter de se adaptar às condições deemergência, como consequência da guerra. Para o efeito,foram reforçados pelo Comité Central do Partido os poderesespeciais do Presidente do Partido e da República eprocedeu-se à criação do Conselho de Defesa e Segurança[órgão que assumiria as funções do Conselho de Ministros nointervalo das suas sessões], um órgão colegial decomposição reduzida para administrar os assuntos do Estadoe dirigir a guerra enquanto estrutura de apoio do Chefe doEstado e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, bem como àcriação de Conselhos Militares Regionais para toda aAngola. Para citar de novo Justino da Glória: “[ainda] em1986, as forças governamentais tentaram outras ofensivascontra as zonas controladas pela UNITA [ofensivas planeadase desenvolvidas em três eixos – Cuito-Cuanavale/Mavinga,Luena/Lucusse e Cuito/Munhango]; mas essas acçõesfracassavam, tendo a UNITA mantido as vilas de Munhango eCangumbe, no caminho-de-ferro de Benguela, não obstante asenormes pressões a que estava sujeita. A situação emAngola, no teatro de guerra era de tal forma complexa queencorajara a 7 de Fevereiro de 1986, Fidel Castro adeclarar no III Congresso do Partido Comunista Cubano, emHavana: ‘[e]stamos preparados para nos mantermos em Angolamais 10, 20 ou 30 anos, se tiver que ser’. Não era porémessa a única frente, nem esse o único acontecimento quedecorria em volta de Angola. Outros se lhe juntaram. Apartir deste mesmo ano, Jonas Savimbi, decidia jogarnoutras frentes para além da guerra,: intensificou aactividade diplomática, visitando dirigentes e38 A frase é de Justino da Glória, op. cit..Para tão-só alguns dosmuitíssimos estudos citados sobre o conflito de uma perspectivapolítico-militar, consultar a Bibliografia que incluo no final dopresente textos.

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personalidades políticas influentes e recebeu no seuQuartel-general, na Jamba, visitantes de todos osquadrantes políticos, à excepção todavia de comunistas,mostrando particular interesse pelos ‘opinon makers’ deforma a sensibilizar a opinião pública internacional nadivulgação da causa pelo qual lutava”39.

De pouco lhe serviu, pois negociações de alto nível emcurso entre o Governo do MPLA, em Luanda, e diversosEstados europeus e os EUA, levaram a uma perda progressivade quaisquer apoios ao dirigente rebelde – que acabouingloriamente morto, uma vez a sua posição exactacomunicada ao Governo de Luanda por uma acção coordenada devárias dessas Administrações ocidentais. Para a “relaçãoespecial” entre Angola e Cuba, este foi um momentodiacrítico. A partir de 1991, a cooperação militar entre osdois Estados sofreu uma mudança qualitativa que se saldounuma quebra muitíssimo acentuada de que não viria arecuperar. Contra esse pano de fundo de um esbatimentoabrupto, a natureza acessória dos outros planos dorelacionamento bilateral foi claramente posta em evidência.A grave crise económica que assolou Cuba depois do corte daajuda soviética soletrado pela implosão da URSS acelerouvivamente o processo de distanciamento material entreaquela e Angola. Em termos genéricos, não será abusivoasseverar que, se a presença cubana deixou algumas marcasao nível das Forças Armadas angolanas e ao de algunsaspectos da orgânica do MPLA, a outros níveis deixou poucomais que do memórias esbatidas e ambivalentes. Nisso, ocontraste com o que se passa com o Brasil é patente. Urgetodavia sublinhar que, tal como com a URSS, nenhuma rupturaocorreu – o que houve, isso sim, foi uma perda relativa decentralidade recíproca.

Vale decerto a pena fazer aqui um rápido rewind. Emboraapenas uma parcela dos relacionamentos bi- e multilateraistenham sido cursoriamente escrutinados, é fácil agorarecuar, ensaiando uma leitura mais ampla de conjunto: entre1975 e 2002, no Governo como na oposição, fortesconstrangimentos se fizeram ininterruptamente sentir napolítica externa angolana. Com efeito, a saga dainstitucionalização global da UNITA oferece-nos, entreoutras lições, uma boa colecção de indícios relativos à

39 Ibid..

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personalização da política externa em Angola – e, em termosmais genéricos, quanto à natureza do lugar estrutural deAngola no sistema internacional de Estados. Com aquilo quehoje em dia sabemos sobre a actuação da UNITA, e se bem queseja possível entreter algumas dúvidas relativamente aocarácter strictu senso neo-patrimonial do Estado angolano,muito menos justificado será decerto sustentá-las no quetoca ao tipo de controlo exercido pelo movimento lideradopor Jonas Savimbi sobre as populações e os territórios quefoi ocupando. Mesmo se comparada com o que era o caso noscírculos governamentais de Luanda, a liderança de Savimbiera personalizada. O controlo que exercia era tão-sómediado por estruturas virtuais e pouco mais queinstrumentais, de um shadow state40 fabricado para o efeito;e, tanto interna como externamente essa tutela férrea eracanalizada através de uma rede clientelar de que elepróprio formava o único centro, em que “rendas”, extorsõese recrutamentos forçados – tendo como contrapartidamecanismos internos de policiamento e de repressãoviolentíssimos, que detinham um papel preponderante41. Aocontrário de muitos chefes “rebeldes” africanos envolvidosem insurgências42, Savimbi nunca fez questão de dar um nomeestável à parcela (geográfica e demográfica) de geometriavariável que controlava em Angola – embora, como vimos,tenha começado por apelidá-la de República Democrática deAngola, e depois de à região aludir como as “terras livresde Angola”. Não o terá feito talvez por essa indeterminaçãogeográfica daquilo que era abrangido, talvez como expressãoda sua ambição em assegurar o domínio de Angola como umtodo: para uma agenda deste tipo, quaisquer cristalização,ainda que por intermédio de categorias verbais, corria orisco de comprometer a ligação (já em si truculenta) domovimento com a OUA; ou, pior, de desencadear umanegociação internacional com vista a institucionalizar (àimagem do que se passou na Coreia, no Vietname, ou noIémen), uma partição de conveniência do território queambicionava, uma solução em todo o caso por várias vezesaventada, por exemplo, pelos EUA e pelo Reino Unido.40 Vd. William Reno, 1998.41 Cf. Tony Hodges, op. cit.: 37-39, 117.42 Nomeadamente o conjunto de movimentos de oposição armada que C.Clapham, op. cit.: 212, classificou como warlord insurgencies, a última dasquatro classes que definiu.

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Sem pretender sugerir quaisquer paralelismossistemáticos, talvez não seja abusivo qualificar de“despotismo iluminado absolutista” o regime da “Jamba”,como na altura se tornou conhecido o padrão derelacionamentos externos alternativos aos de Luanda que olíder rebelde estabeleceu. Ainda que o movimento mantivesse“escritórios” em várias capitais – que com um estatutopara-diplomático tratavam da gestão corrente dos seusinteresses – de uma maneira característica, as relaçõesexternas da UNITA eram fortemente monopolizadas por JonasSavimbi. Interna como externamente, o “Estado” nas “terraslivres de Angola” era ele. E muito mais do que o fazia oGoverno do MPLA43, era nesses termos que a inserção daUNITA na ordem internacional se processava. Há no entantoque sublinhar que a UNITA nunca em boa verdade logrouescapar às mesmas ‘constantes’, típicas como atípicas, quetêm marcado desde a independência a actuação externa doGoverno do MPLA em Luanda: a urgência de um controloefectivo sobre um território tão extenso e remoto comodiversificado, um deficit endémico de legitimidade, umentrosamento inevitável num ordenamento internacional(regional, global, e histórico-cultural) complexíssimo, euma dolorosa disparidade entre os recursos presentes no seuterritório e a capacidade de deles dispor em termos por sidefinidos. Num certo sentido, estou de algum modo tentado aasseverar que este padrão de relações da UNITA com oexterior tem sido no fundo paradigmático da contingência doEstado em Angola: é perfeitamente possível assegurar, atítulo “pessoal”, um fluir “normal” das actividadesinternacionais em que um Estado normalmente se embrenha, daimportação-exportação, à supervisão e tutela das trocasinternas e externas, ao enquadramento das ONGs e dasorganizações internacionais vocacionadas para ajudas médicae alimentar, à captura de apoios estrangeiros e delineaçãoe celebração de alianças estratégicas. Considerações destetipo deveriam servir-nos de paliativo para esbaterquaisquer perspectivas que insistam em reificar,absolutizando-a, a centralidade do Estado-instituição ou de“soberania jurídica”44 na “Angola-projecto” destes

43 João Paulo Guerra, 2002.44 Cf. Robert Jackson, 1990.

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primeiros anos45. Porventura a regularidade mais flagrantefoi a tendência, de uma como outra das ‘partes’ – o MPLA eUNITA – tenderem a recorrer a forças estrangeiras paraesmagar os seus adversários internos. Mas o certo é que háentre um e outro caso diferenças de monta que importa terem consideração.

No caso da UNITA, tudo isto se viu agravado tendo emvista o seu estatuto de jure periclitante: embora os pré-requisitos associados a uma retenção inquestionável decontrolo fossem excessivamente grandes para que Savimbipudesse recorrer a quaisquer delegações na condução dapolítica externa do “seu” movimento, o facto, incontornávelfoi sempre o de que os insurgentes tinham de operar numaordem internacional estruturada segundo princípios noessencial estato-cêntricos de que o Governo de Luanda –ainda do MPLA – fazia parte e eles não. Até 1992 e numsentido geral, a “legitimação” da UNITA provinha do“reconhecimento” que lhe era conferido pelos norte-americanos e, embora de maneira e consequências maisambivalentes, por uma África do Sul então ainda sujeita aoregime de apartheid. Mas isso não chegava. Tal como outroslíderes de oposições, Jonas Savimbi viu-se condenado aprocurar um “Estado-padrinho” que o ajudasse a estabelecercontactos no estrangeiro e disponibilizasse a necessáriacobertura diplomática para as actividades que decidiaempreender, nomeadamente com aqueles Estados (africanos eoutros) que não queriam entreter relações directas evisíveis com o grupo insurgente – e Luanda sempre soubeinstrumentalizar o petróleo e os diamantes no sentido degarantir que essa falta de vontade se mantivesse:encontrou-o em Marrocos, o único dos Estados africanos quevoluntariamente abandonou a OUA, por razões que seprenderam com a sua insistência, contrária aos princípiosbasilares da organização, em não reconhecer as fronteirascoloniais com a auto-intitulada República Árabe SaauriDemocrática46. Já nos anos 90, virou-se para o Zaire (hoje

45 Ver Armando Marques Guedes, 2005, op. cit..46 Vd., e.g., Fred Brigland, 1986: 256. Eis como Justino da Glóriadescreveu, no trabalho citado em curso, o reacender brutal da guerracivil que teve lugar em 1992: “[a] retirada dos […] generais {daUNITA] das Forças Armadas Angolanas, apesar do reconhecimento dosresultados eleitorais pelas Nações Unidas, a manutenção do seuexército e o desmantelamento das forças governamentais [FAPLA], os

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de novo Congo) de Mobutu e depois para o Togo do PresidenteGrassingbe Eyadéma. Todas estas ‘soluções’ foram porémpaliativos temporários que constituíram outras tantasfragilidades de uma UNITA condenada a viver um dia a diaincerto dada a fraca institucionalização do seu estatutopolítico-administrativo. Não foi assim com o Governo doMPLA sediado em Luanda, sobretudo depois da “transiçãodemocrática” de 1991-1992.

O Brasil e a “Lusofonia” constituíram só um modelo idealizado, ou foi-secom isso esboçando um diálogo geopolítico num Atlântico Sul emgestação? E, se sim, qual era o lugar, aí, da ligação Angola-África do Sul?

O relacionamento bilateral de Angola com o Brasil temsido, a um tempo, mais linear e mais firme que o entretidocom Cuba; num certo sentido, como disse, podemos mesmo vê-los como simétricos e inversos na sua progressão temporal.E embora também manifeste claras marcas económicas esecuritárias, fá-lo com muito menor intensidade – e,ademais, neste caso um factor decisivo de soft power pareceentrar na equação. O Brasil foi o primeiro Estado aformalmente reconhecer (e fê-lo numa questão de horas) aindependência unilateral declarada pelo MPLA a 11 deNovembro de 1975. Não se tratou de uma reorientaçãototalmente inovadora: essa medida fora precedida pelo apoiodo Presidente João Goulart à Resolução 1742 da ONU relativaa Angola e ao envio expedito, pelo Itamaraty, deobservadores diplomáticos para Luanda, Maputo e Bissau,logo após o 25 de Abril de 197447. Mas prenunciou umamudança. Curiosamente, ainda a dez anos do fim do regimemilitar brasileiro, para trás ficava mais de uma década deuma postura ambígua e cautelosa, potenciada pela ligaçãohistórica do Brasil a Portugal e pelos anos das duasataques aos observadores internacionais, com especial destaque para[os d]as Nações Unidas, a ocupação de grande parte do territórionacional, a resposta brutal governamental em Luanda com de dezenas demilhares de pessoas de ambas as partes e a morte de muitos dosdirigentes da UNITA e o reacender da guerra com a violência nuncaantes conhecida, apesar das tentativas de paz do Namíbe, Adis Abeba eAbidjan e a condenação das atitudes da UNITA pela generalidade dacomunidade internacional, seriam a evolução conhecida pós-eleitoralaté ás negociações de Lusaka”.47 A. Dombe, 1999: 14-17.

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ditaduras, que aproximaram Lisboa de Brasília, alienando aselites angolanas próximas do MPLA. A crescer como nunca, oBrasil acelerou a sua afirmação “macro-regional”. Em boaverdade, pelo menos do lado brasileiro, a mudança foi maisquantitativa que qualitativa: a atribuição de um papelcentral ao feixe de relacionamentos externos com Áfricaexprimia uma estratégia de fundo em que o Brasil seempenhava desde finais da Segunda Guerra Mundial. Do ladoangolano, a aproximação foi construída como uma “afinidadehistórica” mesclada de um reconhecimento mais imediatista,que teve um papel regional que importa não subestimar.

O certo é que a sagacidade geopolítica de uma políticaexterna brasileira que desde o pós-guerra se sentia menoscontrariada pela Argentina e mais acossada pelos EUA – aprimeira libertava-a localmente, a segunda impelia-a para oexterior – começava a pagar dividendos. Numa primeira fase,o parceiro privilegiado de Brasília fora a África do Sul;mas com a contestação regional e internacional ao apartheid,depressa as relações bilaterais do Brasil com a Nigéria seacentuaram; seguiram-se-lhe outros, sobretudo os produtoresde petróleo, dado que os países africanos se tornaram numaprioridade para um país que daí importava, em inícios dosanos 70, 80% do seu petróleo. Com a emancipação de Angolana linha de horizonte, novas oportunidades se rasgaramnessa frente africana, sempre no quadro dessa já provecta“grande estratégia” do Brasil – repito, ainda com aditadura militar bem firmada no gigante lusófono sul-americano. No quadro de uma política externa “”ecuménica,pragmática e responsável” para com África48, A. Azeredo daSilveira, então Ministro das Relações Exteriores do Brasildo Presidente Geisel, endereçou em Julho de 1974, escassosmeses após a Revolução dos Cravos, uma mensagem à Reuniãodos Chefes de Estado da OUA, assumindo finalmente umaposição genérica clara relativamente ao estatuto e aofuturo das ainda colónias portuguesas no continente – agoraque as elites em Brasília sentiam poder fazê-lo sem“deslealdades”. Se o estreitamento de relações económicas ecomerciais com países africanos produtores de petróleooutros que a Nigéria era de há muito um objectivoestratégico da política externa brasileira, adiversificação com base num aprofundamento das ligações com

48 Ibid.: 30.

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Angola depressa se transformou preferencial na viaescolhida – apesar dos contrastes político-ideológicosexistentes face ao regime em Luanda e ao seu alinhamentoglobal com a “bloco soviético”.

Tal como antes fora o caso no resto de África, apolítica brasileira em Angola pôs a tónica, logo desde oinício, nos investimentos. As frentes primeiras cedo setornaram os empréstimos, a exportação de tecnologia(produções industriais acabadas, maquinaria, equipamentostécnicos e meios de transporte rodoviário), os fluxos dematérias–primas, os mercados energéticos, astelecomunicações e o comércio de excedentes de tecnologiaintermédia, ou “tropicalizada”, como os brasileiros aapelidavam. Foi uma receita de sucesso. As relaçõescomerciais arrancaram a partir de 1976. Os números falampor si. Em poucos anos, as exportações brasileiras paraAngola deram um salto explosivo: de 6 milhões de dólares USem 1975, passaram a 22 milhões em 1976 e a 88 em 1979; em1987 contabilizavam mais de dólares US 206 milhões; de parcom essa ascensão em flecha, cresceram também asimportações (quase só de petróleo) – e em 1980 o saldopassou a pesar “a favor” do Estado angolano. Em finais dosanos 70 e mais uma vez em finais dos 80, o Brasil firmarajá a sua posição como o maior parceiro comercial de Angola.Logo a partir de 1983, Angola passou a substituir a Nigériacomo o maior exportador africano de petróleo para aquelepaís. A contrapartida mais tangível que o Estado brasileiroe as empresas multifacetadas como a Empresa-Fundação EmílioOdebrecht (envolvida em inúmeras actividades, da construçãocivil, às importações, ao gigantesco ComplexoHidroeléctrico de Capanda, com um orçamento da ordem dos 2bilióes de dólares US) recebiam de Angola, era (e continuaa ser) paga directa e indirectamente em petróleo, por viade concessões de exportação em consórcio com a Sonangolangolana e de exploração (por via de regra em consórcios eassociações) de “blocos petrolíferos” a empresasbrasileiras estatais como a Petrobrás e a sua subsidiáriaBraspetro, respectivamente. Bem implantado na economiaangolana pós-colonial, o Brasil soube – manejando os seusmeios materiais substantivos e um seu soft power menosmaterial mas nem por isso menos tangível – sobretudo apartir dos anos 80, diversificar as suas frentes de

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penetração, aumentando o seu peso em sectores como a Defesae a Educação. A situação de relativo privilégio bilateralmanteve-se, mesmo durante a presidência de José Sarney, emque a penetração brasileira no resto de África sofreu ummarcado retrocesso devido às graves crises económico-financeiras que vitimaram a já então maior economia sul-americana. A nível multilateral, e com agilidade e umanotável capacidade de adaptação a novas circunstâncias, oEstado brasileiro logrou participar em defesa dos seusinteresses em muitas das negociações e muitos dos processosda SADC, nomeadamente, como seria de esperar, no sector daenergia: ou seja, em Angola 49. Em conclusão: por norma bemimplantada e prudentemente diversificada, a penetraçãobrasileira em Angola manteve-se e cresceu, incólume,relativamente indiferente a diferenças político-ideológicaspotencialmente agonísticas e a transições como as da 1ªpara a 2ª República, ou ao fim da guerra civil. É certo queteve no período que foi de 1975 a 2002 (e mantém ainda)acelerações e momentos de mais baixa intensidade; mas nuncase esbateu. Com as mudanças posteriores veio tornar-se cadavez mais clara a sua inserção num quadro geopolítico denovo central: o de um Atlântico Sul renascido, depois deséculos de relativa letargia, mas sob novas vestes50.

E a CPLP e os Cinco, o termo então muito em vogautilizado para o conjunto dos Estados lusófonos africanosque conseguiram a sua independência nos anos 70? Sem entrarem pormenores que não caberiam na economia do presentetexto: longe da linearidade e simplicidade aparentes queencontram eco nas representações do senso comum – ou nasabedoria convencional, como a apelidei – as ligações bi- e

49 O papel da CPLP na qualidade dos relacionamentos bilaterais Angola-Brasil tem sido mais ténue. A agressividade da política externabrasileira em Angola encontrou eco na receptividade de elitesangolanas sequiosas de um estreitamento de laços com um país de hámuito considerado como entretendo com elas uma afinidade histórica esociocultural electiva. E isso tem-se verificado não apenas ao níveldo mainstream, por assim dizer: curiosa (e largamente desconhecida) temsido a evolução conjunta dos movimentos cívicos “baianos” de afirmação“afro-cultural” e das movimentações angolanas pró-“negritude” nointerior do MPLA. Quanto a este ponto, cf., por exemplo, Miguel Valede Almeida, 1999.50 Ver Armando Marques Guedes, 2010, “Da desregulação ao recentramentono Atlântico Sul e à construção da ‘lusofonia’”, um trabalho em viasde publicação na revista italiana de geopolítica Limes.

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multilaterais entre Angola e os outros PALOP não têm sidonem fáceis nem homogéneas. Bem pelo contrário. Tanto nosâmbitos (muito heterogéneos e cambiantes) dos diversosrelacionamentos bilaterais entretidos, por sua vezmuitíssimo diferentes uns dos outros, como no quadro deorganismos e entidades como a CPLP, as variações constantestêm sido a regra. Relacionamentos bilaterais por regrafortes e amigáveis com Cabo Verde e a Guiné-Bissaudivergiram e diferenciaram-se de maneira marcada: com CaboVerde as ligações angolanas têm oscilado sem parar, numquadro de uma primeira fase de distanciamento em início dosanos 80 e de uma relativa reaproximação nos 90; ao invés,as relações de Angola com a Guiné-Bissau têm de formaconstante vindo a perder importância e as ligações têm sidocaracterizadas por um esmorecimento. Mais complexo tem sidoo relacionamento com S. Tomé e Príncipe, que o Estadoangolano tem vindo com renitência a tratar cada vez menoscomo uma sua extensão dotada de alguma “autonomia” e de umaespécie de “soberania limitada”: a retirada, plácida e porfases, dos contingentes militares angolanos que estiveramestacionadas no arquipélago até 1995 (cujo pico atingiu os5 mil homens armados, num micro-Estado à época com 130 milhabitantes) redundou num passo nesse sentido; a confirmaçãode depósitos de petróleo off-shore, em águas territoriaissantomenses tem prometido reacender pretensões. Mas semdúvida a relação bilateral mais complexa tem sido aentretida entre Angola e Moçambique, um relacionamento emque as diferentes posturas face a uma África do Sul emturbulência e mudança, e a “validação” da UNITA por algumasdas mais destacadas personalidades da FRELIMO, soletroudurante anos a fio atritos difíceis e um vaivém permanentenuma ligação que fora iniciada como das mais próximas eintensas de entre os Cinco. No que toca a CPLP: não élíquido que a CPLP se tenha logrado afirmar como mais queum mero fórum periódico de contactos e consultas – ecertamente o não foi no período aqui em apreço; em todo ocaso, o seu papel como eventual catalisador de um “bloco”deixa decerto muito a desejar51. Não são, no entanto, desubestimar nem as “malhas” entretecidas entre os cincoPALOPs, nem o papel que na sua manutenção, no seu

51 Para uma crítica mordaz, ver, por todos, Michel Cahen, 1997.

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rejuvenescimento e na sua actualização, Angola tem vindo apreencher.

Também o relacionamento bilateral de Angola com agrande potência regional na sua vizinhança continental, aÁfrica do Sul, merece decerto um tratamento melhor queaquele que aquele que na economia destas curtas notas lhepoderia conceder. É no entanto útil a leitura do bastantesólido (ainda que aqui e ali excessivamente genérico)tratamento que P. Chabal52 há uma dezena de anos deu a esserelacionamento durante o período que antecedeu a queda doregime de apartheid sul-africano. Um relacionamento marcadopelo antagonismo recíproco e pela ingerência mútuacontinuada. As mudanças manifestas na ligação entre Angolae a África do Sul – seguramente as mais marcadas do feixeaqui abordado – desde então formam um importante objectopara um eventual futuro esforço de pesquisa que,naturalmente, por ora não me é possível. No entanto éimprescindível sublinhar, todavia, que para além detransformações tem havido continuidades que há que saberidentificar por detrás das aparências “político-ideológicas”. Vale decerto a pena, por exemplo, realçar quelonge de uma trivialização dos relacionamentos bilaterais,o longo e tensíssimo período sul-africano de segregaçãoracial e da postura de liderança angolana na resistência“de linha da frente” que se lhe opôs foi substituído tantopor uma pacificação como por uma competição crescente (sebem que por ora assaz contida) entre uma Angola que se temvindo a afirmar como uma potência regional em ascensão euma África do Sul cujo impacto regional tem vindo adecrescer.

Essa competição regional tem tido expressão nalgumacorrida armamentista, e na aquisição-confirmação de pesoespecífico regional a que apoios múltiplos e a projecçãoexterna de forças militares na região têm dado corpo. Aentrada da África do Sul para uma SADCC transformada emSADC e para uma Organização de Unidade Africana transmutadaem União Africana tem vindo a redimensionar, em termosmultilaterais, a reorientação profunda que as mudançassentidas nos anos 90 vieram soletrar. Questão interessante– entre outras – seria a de apurar o sentido em que astransformações no relacionamento bilateral se devem à

52 Op. cit.: 83-87.

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crescente interdependência económica entre Angola e aÁfrica do Sul, e aqueloutro em que serão reconduzíveis auma sintonização política entre os dois Estados menosdissonante que a que de início se constituiu como“tradicional” e perdurou até meados dos anos 90.

E Portugal, passou de inimigo, a adversário, a parceiro?

No que diz respeito ao relacionamento diplomáticobilateral entretido entre Angola e Portugal, tanto o Estadoangolano como o português têm apostado numa marcadíssimahomogeneidade e continuidade. Tende em mente os meusobjectivos no presente artigo, limito-me, a este respeito,a considerações genéricas, dada a tão óbvia quãocompreensível complexidade deste relacionamento. Depois deum início tenso, tem havido oscilações, avanços e recuos,pequenas crises por vezes preocupantes e corrosivas paraambas as partes; mas têm-se sempre cancelado uns aos outrose têm-no feito sempre contra um pano de fundo nofundamental pouco variável. Qualquer leitura que façamos daprogressão deste relacionamento, por mais ligeira que seja,o evidencia. Do ponto de vista de Portugal, a transição deProvíncias Ultramarinas para “Estados” e depois para PALOPsfoi acompanhada por uma involução paralela dos termos emque se exprimia o “excepcionalismo português”: da “missãocivilizacional” tão cara ao Ancien Régime salazarista,transitou-se sem turbulências de maior para ideias de uma“responsabilidade histórica”53, e em resultado parece terhavido uma espécie de pacto tácito de regime desde ostempos do Gabinete de Apoio à Cooperação, criado logo emDezembro de 1974 na Presidência de uma República nas mãosdo então ainda General António de Spínola. Nos primeirosanos após a independência, sobretudo enquanto AgostinhoNeto de manteve no leme em Luanda, a posição de Angola foicomo que simétrica e inversa da portuguesa – encarando umaseparação efectiva de Portugal com a centralidade que elanaturalmente tinha para o que se queria ser a criação de umnovo Estado independente. A relação mantida ao nível dos partidos políticos(e a preponderância do MPLA-PT na “forma de Governo” da 1ª

53 Vd. Armando Marques Guedes, 1999.

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República, deixou sequelas no que toca ao relacionamentoprivilegiado do Estado angolano com partidos políticosestrangeiros, e sobretudo os portugueses) no entanto, nãofoi todavia tão imutável. Bem pelo contrário. O PS, desde otempo do Grupo dos Nove do ainda Major Ernesto Melo Antunese, sobretudo, depois do apoio declarado de Mário Soares àUNITA, manteve sempre com os novos países africanos (esobretudo com Angola) uma relação tensa e truculenta,eivada de suspeições e revanchismos mútuos. O PSD, pelocontrário, e em particular depois da abertura e dofavoritismo manifestado ao MPLA, a partir de meados dosanos 80, pelo então jovem Secretário de Estado daCooperação do Governo de Cavaco Silva, José Manuel DurãoBarroso, manteve sempre relações comparativamente cordiaiscom Angola. Se o relacionamento do PS com as autoridadesangolanas se pautou por uma frieza constante – porventuraapenas esbatida com a saída efectiva do Dr. Mário Soares daribalta do poder activo e formal – o do PSD sofreu sempremelhorias, no essencial ininterrompidas, sobretudo depoisde, no consulado de Cavaco Silva como Primeiro-Ministro, eDurão Barroso ter assumido o leme da política africanalusófona do Palácio das Necessidades. Ao invés do que persiste em afirmar a sabedoriaconvencional, o CDS de Diogo Freitas do Amaral foi o únicodos grandes partidos portugueses que cedo reconheceu aUNITA – e em consonância com essa opção geopolítica bipolarde fundo manteve pouco ou nenhum diálogo bilateral com oGoverno angolano, fosse a que nível fosse. O mais volúveldos relacionamentos bilaterais das autoridades angolanascom um partido político português, foi porém decerto (porpouco intuitivo que isso nos possa parecer) o entretido como PCP. As mudanças e oscilações a que se viu sujeito forammarcadíssimas. Nos primeiros anos, o PCP foi um defensorvocal e persistente de uma ligação forte com Angola (aindaque com breves hiatos, rapidamente sanados, como aquele quese saldou num corte formal de relações quando em 1977, naesteira da URSS, o partido decidiu apoiar a causa de NitoAlves contra Agostinho Neto). Desde a instauração da 2ªRepública, o PCP tem-se remetido a um relativo e crescentesilêncio, como se aquilo que estivesse em causa nosprimeiros tempos fosse mera solidariedade político-ideológica e não uma qualquer preocupação com o bem-estar

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dos angolanos ou a sobrevivência e credibilidade externa doEstado de Angola. O espaço deixado vago na esquerda doespectro político do relacionamento bilateral portuguêsfoi, de início, rapidamente ocupado por um Bloco deEsquerda, que também nisso tem parecido sempre apostado emcapitalizar sobre as omissões do PCP. Foi porém sol depouca dura, dadas as profundas divergências político-ideológicas que separam o novo “regime” angolano de facto do“trostkismo” idealista do Bloco.

Valerá a pena formular algumas considerações deperspectivação menos “ideológica” quanto ao relacionamentobilateral de Angola com Portugal. Como muitos outrosEstados africanos pós-coloniais54, no período imediatamentesubsequente à sua independência a 11 de Novembro de 1975,Angola só contava com relações formais substanciais com umoutro Estado, Portugal. Cedo essa situação de monopólioiria ser desafiada, com o alinhamento político-militarexplícito em relação à União Soviética e com a ligaçãomilitar em que o regime angolano se envolveu com a Cuba deFidel Castro. Mas a relação com Portugal sempre foimuitíssimo problemática, dada a sua multidimensionalidade,com raízes domésticas profundas e multifacetadas, queafectavam até o sentido de identidade nacional em que onovo Estado ancorou a sua legitimidade, e o facto dasligações operarem contra um pano de fundo de uma marcadadesigualdade e de hábitos de subordinação naturalmentetidos como bastante ameaçadores. Nada disto serásurpreendente. Da perspectiva da liderança angolana, estaera a relação externa que mais escapava a um controloconsiderado imperativo. Todas as outras ligaçõesbilaterais, mesmo as entretidas com as duas superpotênciase com os Estados vizinhos, podiam ser criadas edesmanchadas pelas elites no poder: os elos com a antigapotência colonial baseavam-se em múltiplas conexões earticulações que transbordavam largamente o âmbito dagovernação formal mas que nela se faziam fortemente sentir.Quem quer que fosse de alguma importância ou notoriedade emAngola tinha ligações pessoais com a antiga Metrópole; euma grande parte dessas relações tinham um grau depersonalização tal que lhes era fácil tornear os canaisgovernamentais canónicos; e, bem mais que no caso da

54 Para uma excelente discussão, ver C. Clapham, op. cit., 1996.

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Francophonie55, eram redes de carácter íntimo, teias muitasvezes envolvendo ligações matrimoniais, afinidades decompadrio ou de amizade, nexos que permitiam activarrelacionamentos quase domésticos e não estritamenteconcebidos pelos actores em causa como sendointernacionais. A extensão desta ligação em rede eranotável, a ponto de ser difícil exagerá-la. Muitos dosfuncionários públicos e apparatchiks da jovem Repúblicatinham recebido em Portugal a sua instrução superior.Muitíssimos dos oficiais das novas Forças Armadas angolanastinham servido nas portuguesas, ou foram por estastreinados. Dada a natureza da base de recrutamento doMPLA56, um grande número de todos eles eram detentores decidadania portuguesa (muitos deles tinham nascido emPortugal) até à independência. Muitas das redes comerciaisem cujas teias as trocas com Angola se processavam estavamcanalizadas por Lisboa e muitas das companhias, portuguesase não-portuguesas, que operavam no seu território estavamsediadas na capital metropolitana. Também a vida académica,educacional e cultural mantinha uma relação umbilical com aexperiência colonial vivida e o sentido (pelo menos osentido intelectual) de pertença e, em larga medidaprecisamente por isso, a “imaginação pós-colonial” angolanaela mesma, ressentiam-se muitíssimo desse facto. A próprialíngua em que o poder era exercido, na qual as reviravoltaseram congeminadas e as reorientações domésticas einternacionais estabelecidas, era a língua do colonizador,que em reacção foi rápida (mas inconsequentemente)despromovida pelos novos governantes para o mero estatutode “língua veicular”.

É fácil compreender a razão pela qual, para os líderesangolanos, apostados como estavam em monopolizar o poderface sobre o que ab initio consideraram como o seu territórioe a sua população, face às inúmeras ameaças externas einternas que os acossavam, a sombra pesada do colonialismoera sentida como um irritante contínuo e como um desafio.Pior: de acordo com as teses sobre o “neocolonialismo”então muito em voga precisamente nos meios em que o novoEstado escolhera mover-se, tratava-se de um desafio

55 C. Clapham, idem: 89.56Para este ponto crucial, ver, por todos, o trabalho de D. Birmingham,1978.

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perigoso e com implicações potencialmente devastadoras.Mais grave ainda, e visto que a ex-potência colonial (emuitos nacionais portugueses, alguns deles em posições-chave no Estado e na sociedade civil democráticos) mantinhaalto e bom som ligações multifacetadas e multidimensionadascom todos os angolanos em posição de poder vir a exercer opoder no novo Estado, a antiga Metrópole podia comtranquilidade e paciência dar-se ao luxo de esperar (e degenuinamente não temer) mudanças (por radicais que elaspudessem pretender ser) na liderança angolana. Nestecontexto, o intuito das novas autoridades de Luanda demonopolizar as relações de todo o tipo do jovem Estado,tanto doméstica como internacionalmente, via-se assimcompreensivelmente ameaçado pelas relações entretidas comPortugal. Tudo isto, como é evidente, exerceu umainfluência profunda no correr bilateral das relaçõesestabelecidas pelas elites detentoras do poder e do Estadoem Angola (como, de resto, mutatis mutandis, o fizeram asdimensões de intensa interdependência, vividas muitas vezesde forma marcadamente pessoal e por via de regra tambémtidas, do lado português, como sendo constitutivas daidentidade individual e mesmo nacional). Um padrãorelacional que o período posterior a 2002 se encarregariade manter, embora multiplicando os seus pontos de aplicação– tanto os pessoais quanto os substantivos. Como é bemsabido e tentei realçar, foi preciso esperar pelacoincidência temporal entre uma crise económico-militar degraves proporções e implicações em Angola (o “momentoextremamente crítico, económico como político” a quealudi), e um “milagre económico” num Portugal disposto anão deixar passar a oportunidade de uma reaproximação tãoambicionada. De novo continuidades sistémicas, ou seja,constantes e linhas força, como Jorge Borges de Macedodecerto as apelidaria – sem, obviamente, desprezar aperspicácia dos actores envolvidos de ambos os lados,designadamente, um J.E. dos Santos reconvertido depois doII Congresso do MPLA em 1985 e de um J.M. Durão Barrosoapostado em lograr um “passo histórico” que desde semprefizera parte da “grande estratégia” portuguesa, mesmo a umalto preço57. Também no que a este relacionamento político

57 Quanto a este ponto, ver Armando Marques Guedes, 2000. Ver, ainda,Christine Messiant, 2004. Para duas defesas (jurídicas no tom), cf.,

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externo diz respeito, as continuidades estruturaisexcederam largamente as pequenas transformações e ajustesque foram tendo lugar. A sua atipicidade também.

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