+ All Categories
Home > Documents > Chapter - Os Limites da Visão Humana

Chapter - Os Limites da Visão Humana

Date post: 31-Jan-2023
Category:
Upload: ufmg
View: 0 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
18
Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa (SBCR) Tratado Brasileiro de Catarata e Cirurgia RefrativaEsta obra tem por finalidade ser um livro de referência em Oftalmologia e objetiva expor um panorama detalhado dos mais importantes temas relacionados à catarata e cirurgia refrativa. O público-alvo será formado por oftalmologistas e médicos de outras especialidades com interface na Oftalmologia. Editado por Armando S. Crema Renato Ambrósio Junior Presidente da SBCLL Presidente da SBCR
Transcript

Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa (SBCR)

“Tratado Brasileiro de Catarata e Cirurgia Refrativa”

Esta obra tem por finalidade ser um livro de referência em

Oftalmologia e objetiva expor um panorama detalhado dos mais

importantes temas relacionados à catarata e cirurgia

refrativa. O público-alvo será formado por oftalmologistas e médicos de

outras especialidades com interface na Oftalmologia.

Editado por

Armando S. Crema Renato Ambrósio Junior

Presidente da SBCLL Presidente da SBCR

Os Limites da Visão Humana

Autores

Profa. Dra. Marcia Reis Guimaraes 1,2

Profa. Dra. Caroline Alencar 1,2

Prof. Dr. Ricardo Guimaraes 1,2,3

(1) Laboratório de Pesquisa Aplicada à Neurovisão – Holhos-UFMG

(2) Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães

(3) Email – [email protected]

Introdução

Uma abordagem sobre os limites da visão humana envolve o estudo dos

olhos e da forma como a imagem é capturada e convertida em experiência

visual. Na compreensão dos processos envolvidos confluem contribuições de

varias áreas da ciência, como óptica, fotoquímica, bioquímica, biologia celular e

molecular, psicofísica, neurobiologia, psicologia e biologia evolutiva. De cada

uma delas, obtemos informações sobre o trabalho visual, seus alcances e

limites. Porém, agrupar essas informações, de modo a discutir e apresentar a

real dimensão de seu alcance, não é tarefa simples.

Os seres humanos são essencialmente visuais e tem uma história

evolutiva que se apoiou a esse sentido para sobrevivência. Por serem dotados

de um sistema duplex de visão, humanos tem grande capacidade de

adaptação às variações de iluminação, mesmo as geradas a distancias

estelares. Em um adulto com os olhos abertos, 66,5% de toda atividade

cerebral é voltada para o processamento visual. Estima-se que a cada segundo

são gerados 3 bilhões de impulsos nervosos no Sistema Nervoso Central e 2

bilhões deles são visuais (1,2). Tamanha importância ilustra o impacto do

sentido visual para o ser humano e a responsabilidade da oftalmologia como a

área medica responsável por ela.

Os novos conceitos e inter-relações da oftalmologia e neurociências

poderão ser úteis para o encaminhamento correto e precoce dos casos, que

apesar de refração normal, apresentam queixas visuais. Esses casos são

suspeitos de déficits na eficiência do processamento visual. Essa nova

abordagem, amplia o campo de trabalho e a efetividade profissional do

oftalmologista nesses casos, nos quais quanto mais precoces as intervenções,

melhores serão as respostas.

O sucesso da oftalmologia do século XXI depende da nossa habilidade

em compreender e saber quantificar as diferentes habilidades visuais e seus

limites, para que possamos planejar intervenções que maximizem o sistema

visual de cada paciente, aplicando todos os recursos tecnológicos, genéticos e

neurobiológicos disponíveis, de acordo com seu potencial e objetivos

individuais.

A abordagem dos limites da visão humana pode ser coberta em 3 áreas,

que são interdependentes pelo efeito cumulativo sobre o desempenho visual

final: (i) limites ópticos, (II) limites impostos pelo Mosaico de Fotorreceptores,

(iii) limites neurais.

(i) Limites Ópticos

Avanços consideráveis na compreensão das propriedades ópticas do

olho humano foram feitos pelo oftalmologista sueco Allvar Gullstrand, em 1908,

que criou um modelo esquemático do olho. Nele são consideradas as

propriedades físicas da córnea e do cristalino, detalhando localização e

qualidade da formação da imagem. Este modelo teórico facilita a compreensão

sobre o nível de interação da luz com os dois elementos ópticos principais, que

são a córnea e o cristalino, sem ignorar a importância do filme lacrimal.

Cerca de 2/3 da refração total do olho ocorre na interface ar/córnea (1)

Na córnea, o diferencial no índice refracional é bem maior do que na passagem

pelas demais estruturas intraoculares. O 1/3 da refração restante está no

cristalino. A resultante destes processos refracionais é a convergência dos

raios de luz no eixo óptico visual.

Por definição, um olho opticamente normal, ou emétrope, tem os feixes

de luz refletidos de um objeto em um “ponto do infinito” focalizados na retina,

ou seja, o sistema córneo-cristalino esta ajustado para que os raios paralelos

que o atravessam incidam exatamente sobre a retina. O olho humano tem

ajustes específicos para lidar com objetos mais próximos, “aquém do infinito”;

promovendo alterações entre os centros (eixo óptico) das superfícies refrativas.

Caso o poder refracional do sistema córnea + cristalino permanecesse fixo,

haveria a formação de um foco borrado do objeto pelos raios divergentes

atingindo a retina. É necessário que ocorram ajustes neste sistema envolvendo

a córnea, o cristalino ou ambos (1 3).

Um indivíduo, com olhos opticamente normais, contará com uma

extrema competência em sua dinâmica de ajuste focal e nitidez, em suas

atividades da vida diária, sem nenhum esforço adicional. Graças à rapidez com

que este fenômeno ocorre, nem mesmo o borramento temporário será

detectado, por se tratar de reflexos involuntários, desencadeados

automaticamente quando ocorre perda na nitidez do foco (1, 2, 4,5).

A habilidade da óptica ocular em proporcionar boa focalização na retina

pode ser demonstrada graficamente por curvas de transferência modular ou

MTF (modulation transfer function), ou função de transferência de modulação

de um objeto para uma imagem, em relação à frequência espacial e contraste.

Os estímulos utilizados, para compor a MTF, são estímulos contendo ondas

senoidais com frequências espaciais, que são medidas, convencionalmente,

em ciclos por grau de ângulo visual (cpg). O cpg representa a quantidade de

ciclos (faixa clara + faixa escura) por grau de ângulo visual. Como o grau de

ângulo visual é uma medida que se altera de acordo com a distância, a

distância do olho para o estímulo precisa ser fixa durante essas medidas.

As frequências espaciais baixas (com menos que 2,0 cpg)

correspondem a listras largas, que fornecem informações de formato e traços

mais grosseiros dos objetos; geralmente alterações nessa faixa de frequência

estão relacionadas a alterações na via magnocelular (pós-receptoral). As

frequências espaciais médias (2,0 a 4,0 cpg) correspondem a listras de largura

intermediária, que são processadas tanto pela via magnocelular, como pela via

parvocelular, porém ambas de processamento pós-receptoral.

As frequências espaciais altas (mais que 4,0 cpg) correspondem a listras

mais finas, que fornecem informações de detalhes e também são processadas

em nível pós-receptoral, pela via parvocelular. Porém, ao contrário do que

ocorre para as frequências baixas e médias, o desempenho na detecção das

frequências espaciais altas pode ser limitado pela presença de baixa acuidade

visual decorrente de alterações ópticas (4,6). As frequências espaciais, de 18,0

a 22,0 cpg e às vezes até 32,0 cpg, equivalem aos espaços angulares da

Tabela de Acuidade Visual de Snellen; Valores entre 20/20 e 20/16 na Tabela

ETDRS, sob 100% de contraste e fonte de luz monocromática, representam a

maior resolução espacial que o sistema visual humano consegue processar (1,

2, 4, 5,6).

Estudos psicofísicos avaliando a sensibilidade ao contraste, para

estímulos acromáticos com frequências espaciais acima de 60 cpg, não

mostram ganhos relevantes no desempenho final, indicando um esgotamento

na capacidade de resolução da fóvea humana que passa a processar faixas

superpostas de diferentes frequências como se fossem idênticas ou

somatórias.

Outro componente muito importante neste ajuste é o ajuste do diâmetro

pupilar, que, para variações de luminância de ordem menor, ate fator 8, como

ocorre na vida diária ao dirigir em tuneis, entrando e saindo de lojas, etc.,

assegura nossa capacidade de adaptação. Dependendo da luminância

ambiental, o diâmetro pupilar é ajustado, permitindo a entrada maior ou menor

de raios luminosos, afetando a qualidade ou nitidez do foco final (5,7). As

respostas adaptativas imediatas da íris, que causam contração ou dilatação da

pupila, entre 2,5 a 6,0 em miose ou midríase, ocorrem em 1 décimo de

segundo. A variação neste diâmetro regula a luz que atinge a retina por um

fator de 6/2,5 (1 2,7).

Isto significa que dois objetos localizados em profundidades diferentes,

no mesmo campo visual, serão mais nitidamente detectados quanto menor for

o diâmetro pupilar (miose). Este fato é bem conhecido por fotógrafos

profissionais, que sempre optam por menores aberturas em suas lentes,

quando querem maximizar o foco para objetos em diferentes distancias.

Aberrações Cromáticas

É impossível discorrer sobre o potencial visual humano e suas

limitações, ignorando o efeito das aberrações cromáticas no desempenho das

atividades da vida diária. As aberrações cromáticas podem ser axiais e

transversas. As axiais referem-se às diferenças no foco cromático ao longo do

eixo óptico. A luz azul, por ter comprimento de onda curto, tem o foco mais

próximo à córnea e ao cristalino, em comparação com a luz vermelha, que

possui comprimento de onda longo. Assim, numa faixa espectral mais ampla,

apenas um destes extremos estará em foco na retina. A diferença cromática

total estimada é relativamente constante em humanos, atingindo a ordem de

2,0 dioptrias prismáticas. Já as aberrações cromáticas transversas consideram

a relação do deslocamento transversal cromático da imagem pela retina. É

menos impactante do que a axial, pelo fato da fóvea e a pupila estarem bem

alinhadas, reduzindo o efeito do desnível entre os comprimentos de onda

curtos e o foco no eixo monocromático.

Transpondo estas considerações para a vida cotidiana, quando estamos

expostos a ondas policromáticas, evidencia-se a importância de uma análise da

visão funcional na clinica ambulatorial e cirúrgica, onde estas distorções podem

ser avaliadas em testes mais refinados de discriminação cromática (14,19).

Testes de Sensibilidade ao Contraste (mais detalhados na sessão Função de

Sensibilidade ao Contraste) para estímulos cromáticos, com várias frequências

espaciais, permitem uma compreensão mais aprofundada da aberração

cromática na qualidade final da imagem.

Ainda que não existam tecnologias disponíveis para acessar o impacto

das aberrações policromáticas em pupilas maiores expostos a luminâncias

variadas, é possível prever os potenciais benefícios de intervenções

customizadas, pela análise das curvas de sensibilidade ao contraste, feitas

conforme procedimento descrito neste capítulo, no subitem: Função de

Sensibilidade ao Contraste (5, 6, 16,22).

Outras limitações progressivas no desempenho visual em adultos se

relacionam à perda de sensibilidade aos comprimentos de onda da luz azul,

observados à medida que a pigmentação do cristalino aumenta, o que pode

causar impactos de até 40% na visão de cores. Esta perda prejudica, tal como

ocorre na tritanopia, a distinção entre tonalidades de azul-verde, que são

usadas em códigos de medicamentos, por exemplo, além da segurança para

dirigir sob luminância mesópica e escotópica (24). Em atividades da vida diária,

ocorrem ajustes contínuos durante a exposição a faixa espectral visível e,

portanto, policromática. Na clínica, é desconcertante nos depararmos com

pacientes mais jovens, nos quais a variação do diâmetro pupilar é mais ampla,

se queixando de perda de qualidade visual diurna ou noturna, quando as

medidas de acuidade visual estão aparentemente ideais (16,20,22).

(ii) Limites Impostos pelo Mosaico de Fotorreceptores

Outro fator crítico sobre a visão é a disposição do mosaico retiniano.

Trata-se, principalmente, da densidade e disposição dos fotorreceptores, que

são os responsáveis pela fototransdução; captação do estímulo luminoso físico

(dualidade onda eletromagnética e partícula), e conversão em estímulo

biológico. Estes impulsos neurais retinianos sofrerão ação modulatória de

células horizontais e amácrimas. Ná macula, há uma alta densidade de cones,

com baixo espaçamento entre eles. Esses cones tem uma linha direta entre as

células bipolares e ganglionares, com baixo grau de convergência, chegando,

na fóvea, a uma razão de 1:1. Assim, a imagem macular é mais nítida e possui

uma resolução espacial maior, principalmente na região da fóvea. Como

antecipado pelo fisiologista e filosofo alemão Hermann Von Helmholtz, nossa

habilidade em separar duas imagens pontuais requer no mínimo um ponto não

estimulado entre ambas (8). Esta afirmação revelou-se verdadeira não só para

humanos, mas também para mamíferos em geral, uma vez que a constituição

biológica coincide com os limites de resolução de dois pontos impostos pelas

leis da física para a formação de imagens.

Estudos anatômicos e comportamentais estimaram o espaçamento

limite para que dois estímulos pontuais fossem percebidos individualmente, em

etapas pos-receptorais (9,10). A frequência de aquisição se relaciona com o

espaçamento entre as fileiras de cones, o que na visão humana, é da ordem de

0,51 minutos de arco, ou 59 cpg. Este limite indica o padrão máximo de

detalhamento perceptível pelo mosaico de cones na retina humana e é

conhecido como Limite de Nyquist, tendo sido descrito pelo físico americano

Harry Nyquist (11,12).

Por definição, um indivíduo com acuidade visual normal é capaz de

detectar um ângulo mínimo de resolução espacial equivalente a 1,0 minuto de

arco, quando visto monocularmente. Esta medida é realizada, usualmente, por

meio da Tabela de Snellen, que foi desenvolvida pelo oftalmologista holandês

Hermann Snellen, ao final do século XIX. A visão 20-20 (ou 6/6) equivale à

medida alcançada, onde o numerador, é a distancia testada de 20 pés (ou 6

metros), dividida pela distancia na qual a letra subentende o valor de 1,0

minuto de arco (denominador).

Como estabelecido por Nyquist, acima de 0,51 minutos de arco ou 20/10

aproximadamente, ocorre a perda gradual na resolução e nitidez da imagem

que se deteriora, passando a ser percebida como grumos ou manchas de

padrão zebrado, interpretados como resultado da estimulação de cones

parafoveais, cujo espaçamento é mais amplo (12,13,14). Existem casos em

que a resolução espacial se apresenta acima do limite de Nyquist, graças a

densidade foveal muito acima da media, inclusive, há registros de densidade

acima de 240.000 cones por mm2, estando os valores usuais na faixa entre

120.000 a 150.000 cones por mm2.

Outro conceito importante para compreensão dos fatores que limitam a

resolução espacial é o conceito de fontes pontuais de luz, que criam imagens

pontuais retinianas, e são levemente borradas pelas distorções ópticas

inerentes às leis da física que regem a formação de imagens. Por isto, a

habilidade visual humana máxima em distinguir dois pontos de luz está limitada

pela extensão de borramento produzido por eles, os “point spread function” ou

psf. Estes psfs tem que estar suficientemente distantes para que sejam

fisicamente identificáveis (2 5,6).

Sistemas visuais: retina duplex

O bastonete é o fotorreceptor do sistema escotópico, cuja função é

captar estímulos na faixa de cinza. Sua faixa de absorção espectral é ampla

(380 a 650 nm), com sensibilidade máxima para 500 nanômetros, coincidindo,

portanto, com o máximo de absorção espectral sob luz noturna. Embora sejam

muito mais numerosos, em uma proporção de 20:1 em relação aos cones, os

bastonetes são mais espaçados e possuem um alto grau de convergência, ou

seja, é preciso a estimulação de vários bastonetes para que uma célula

ganglionar seja estimulada, o que impossibilita a resolução espacial necessária

para visão de detalhes (2,3).

Os cones são os fotorreceptores que compõem o sistema fotópico.

Existem 3 tipos de cones, cada qual com seu pico de absorção/sensibilidade

compondo a faixa espectral visível humana. Os que tem pico de sensibilidade à

luz na faixa dos 419 nm (cones S, azuis); 531 nm (cones M, verdes) e 559 nm

(cones L, vermelhos). A maioria dos cones é verde ou vermelho, enquanto que

apenas 8% são azuis.

A densidade da rede que integra a comunicação entre os fotoreceptores

e as células ganglionares varia segundo a localização. Na retina central é tão

densa e especifica que possibilita a conexão individualizada entre um cone e

uma célula ganglionar através de uma única célula bipolar, o que possibilita

uma altíssima resolução espacial, ao contrário do que ocorre na retina

periférica. O nível de processamento é mais intenso na fóvea decrescendo

progressivamente na periferia (Figura 1, excentricidade retiniana) permitindo

que o cérebro visual processe “computacionalmente” um grande número de

informações e detalhes oriundos de uma pequena área retiniana. A divisão de

trabalho entre esses dois sistemas independentes assegura um balanceamento

perfeito entre a detecção de detalhes na retina central e a visão em baixa luz

pela retina periférica, assegurando a função visual sob uma vasta gama de

demandas sensoriais e de sobrevivência (2, 10, 12,14).

Figura 1: Esquema representativo da Excentricidade Retiniana (Gentilmente cedido por Christina Joselevitch).

A retina humana funciona como um processador duplex, com o um

sistema escotópico para condições de baixa luminosidade (a noite); e o sistema

fotópico para condições de alta luminosidade durante o dia (2,3,7). Existe ainda

uma faixa intermediaria de luminosidade, na qual os dois sistemas estão

operantes simultaneamente, a faixa mesópica (14,15).

Muitos casos de intolerância pós-operatória, ainda hoje, atribuídos a

fatores ocupacionais e “falta de motivação pessoal”, podem estar no grupo de

alterações que não são corrigidas somente com cirurgia refrativa. Reabilitações

cirúrgicas mais sofisticadas exigem um aperfeiçoamento nos fatores ópticos

relacionados à correção refracional, que são influenciados pela ametropia

residual, reserva acomodativa, ajuste pupilar mesópico-escotópico e

processamento pós-receptoral (16 17,18).

Ainda hoje somos constrangidos a lidar com pacientes poli queixosos e

altamente insatisfeitos, que apresentam 20/20 e J1 nos exames ambulatoriais e

quadros clinico-funcionais, cujas causas não dominamos, mas que,

provavelmente, tem seus fundamentos no processamento visual cortical

(20,22).

(iii) Limites Neurais

A informação visual deixa a retina por meio de 3 grandes vias paralelas

e interdependentes, anatomicamente e fisiologicamente: a via parvocelular,

magnocelular e koniocelular, nomeadas de acordo com o tipo de célula

ganglionar da qual tiveram origem. Essas três vias passam pelo Núcleo

Geniculado Lateral no Tálamo e, em seguida, alcançam áreas distintas do

córtex visual primário (V1). Em V1 ocorrem múltiplas intercomunicações, o que

torna mais difícil distinguir as respostas individuais dos três sistemas, com suas

propriedades fisiológicas interconectadas. De V2 em diante, esses três

sistemas são integrados em dois: o sistema Dorsal, ou “Via Onde”, responsável

pelo processamento de informações referentes à orientação espacial,

movimento e profundidade; e o sistema Ventral, ou “Via O que”, responsável

pelo processamento de cor, de detalhes, faces e etc.

A via Parvocelular (composta por 80% das fibras do nervo óptico), é

formada por axônios retinianos de células ganglionares “pequenas” do tipo

Beta, que possuem campos receptivos pequenos, alta resolução espacial,

baixa resolução temporal e alta latência (resposta relativamente lentas).

Processa toda a informação relativa à cor e ao preto e branco em alto

contraste. A transmissão de seus estímulos para as áreas corticais é feitas de

forma lenta e

A via Magnocelular (composta por 10% das fibras do nervo óptico) é

formada por axônios das células ganglionares “grandes” do tipo Alfa, que

possuem campos receptivos grandes, baixa resolução espacial, alta resolução

temporal e baixa latência (respostas rápidas). Processa toda informação

relacionada ao movimento e ao preto e branco em baixo contraste. Parte das

fibras magnocelulares faz conexão no Colículo Superior e regulam a

oculomotricidade, indispensável para direcionarmos a fóvea para as partes

mais relevantes da cena visual.

A via Koniocelular é a menos conhecida. Acredita-se que esta via é

importante para a intercomunicação dos sistemas parvo e magno. O consenso

é que esta via esteja associada ao processamento de informações do eixo

cromático azul/amarelo (2 3,7).

Função de Sensibilidade ao Contraste

Uma ferramenta importante para avaliação do processamento visual, ou

visão funcional, é a Função de Sensibilidade ao Contraste (Figura 2). Nesse

teste é possível variar a frequência espacial, ou temporal, para medir a

resposta de diferentes canais de neurônios que sintonizados para frequências

espaciais altas e temporais baixas, como é o caso da via parvo; ou canais

sintonizados para frequências espaciais baixas e temporais altas, como a via

magnocelular. Também é possível variar as condições de luminância (fotópica,

mesópica ou escotópica), para identificar respostas de cones, ou de

bastonetes; usar estímulos em coordenadas cartesianas para acessar a

resposta de áreas corticais visuais primárias, como V1, ou em coordenadas

polares para acessar a resposta de áreas corticais visuais superiores, como V2

e V4; ou realizar o teste sobre condições de ofuscamento, comuns, por

exemplo, ao dirigir (3, 5, 7,20).

Figura 2: O eixo y representa os valores de Sensibilidade ao Contraste para as diferentes frequências espaciais (eixo x). As diversas curvas estreitas representam a sensibilidade dos múltiplos canais de neurônios sintonizados para faixas estreitas de frequências espaciais. A curva maior representa a Função de Sensibilidade ao Contraste, que é o envelope composto pela resposta de todos os canais. As fotografias representam a mesma imagem passando por diversos filtros, da esquerda para direita e de cima para baixo: passa-baixa, passa-média e passa-alta, sendo a última imagem o resultado da informação captada por cada canal (Imagem adaptada da original gentilmente cedida por Stereo Optical Company, INC).

Por toda essa complexidade do sistema visual, uma correção cirúrgica

mesmo com a máxima eficácia em termos de correção refracional e eliminação

de aberrações ópticas de 1ª e 2ª ordem, não é sinônimo de excelência visual

funcional (14 16,18).

Como diretora clínica do setor de Neurovisão do Hospital de Olhos Dr.

Ricardo Guimarães, não é raro examinarmos pacientes com alterações visuais

significativas, apesar de acuidade visual de 20/20 e "cover test" normal. As

limitações visuais mais comuns se referem à perda de sensibilidade ao

contraste, comprometimento na percepção de movimentos (processamento

temporal), hipersensibilidade à luz, alterações no padrão oculomotor e na visão

tridimensional. Tais limitações impactam as mais diversas atividades

cotidianas, desde escrita e leitura, deslocamento no ambiente, direção

automotiva, atividades esportivas, até funções cognitivas, como memória e

atenção. Muitos déficits passam despercebidos pelos exames oftalmológicos

focados na Acuidade Visual ou em patologias oculares, e continuam presentes

mesmo após facectomias com implantes multifocais e cirurgias refrativas (15,

20, 21,22).

Considerações Finais

A natureza proporciona, ao sistema visual humano, diferentes

estratégias para distintos objetivos. O grau de sensibilidade visual possibilita

uma extraordinária adaptação, da ordem de 1012, ou seja, trilhões de vezes,

possibilitando a visão nas mais diversas condições a que somos expostos,

desde luz solar direta ao meio dia até a semi-escuridão noturna. O olho

humano adulto atua como um órgão multifuncional, capaz de atender a uma

larga margem de funções. As habilidades visuais sempre foram diferenciais

competitivos para sobrevivência do ser humano. Ao longo da evolução, durante

estes 1,8 milhões de anos, desde que o primeiro humano povoou a Terra, a

visão é o sentido mais importante para nossa espécie (1,7).

Esta variabilidade na espécie humana torna critica uma avaliação mais

personalizada da visão funcional e o acesso a uma tecnologia que analise o

perfil de resposta policromática. O objetivo seria estabelecer os limites

espectrais benéficos a cada paciente, suprimindo eventuais faixas espectrais

hipersensibilizantes, nocivas ou fototóxicas, de acordo com as patologias

presentes ou distúrbios de processamento (22, 24,26), por meio da prescrição

de filtros seletivos individualizados. Semelhante ao procedimento atualmente

adotado, em lentes fotocromáticas e polarizadas, de forma genérica.

Oftalmopediatras e clínicos lidam cada vez mais com quadros de

disfunções visuais com reflexos no desempenho acadêmico e profissional. Na

minha experiência clínica, estes casos são habitualmente encaminhados por

pediatras e neurologistas. Mesmo entre os colegas sem interesse direto pela

área de visão e aprendizagem, os novos conceitos e inter-relações da

oftalmologia e das neurociências poderão ser úteis para o encaminhamento

correto e precoce dos casos suspeitos de déficits na eficiência do

processamento visual. Essa nova abordagem ampliaria o campo de trabalho do

médico e sua efetividade profissional neste grupo de pacientes, nos quais

quanto mais precoces as intervenções, melhores serão as respostas (25,26).

Largos estudos retrospectivos comprovaram uma grande incidência de

déficits funcionais tardios, afetando a visão espacial, binocularidade,

estereopsia, percepção de contrastes, oculomotricidade dinâmica,

processamento temporal e fotofobia em pacientes com visão dita normal pelo

exame oftalmológico de rotina (7).

São justamente a estes déficits subclínicos que se atribuem hoje boa

parte das queixas relatadas em pós-operatórios de facectomias com implantes

mais diferenciados e cirurgias refrativas. A insatisfação crescente impede a real

apreciação do refinamento proporcionado pela qualidade técnica das órteses e

técnicas cirúrgicas utilizadas. Ao mesmo tempo o cirurgião se vê obrigado a

lidar com as limitações pré-existentes não identificadas na propedêutica pré-

operatória inicial, que continuam presentes mesmo após total correção da

ametropia e remoção da opacidade lenticular (27).

Bibliografia:

1 – Waldman G. The Physics of Light, Vision, and Color / Dover 2002.

2 - Chaudhuri A, Fundamentals of Sensory Perception, Oxford University Press,

2010

3 - Campbell FW, Gubish RW. Optical Quality of the human eye. J Physiol. 1966; 186: 558 - 578. 4 - Williams DR. Aberrations and retinal image quality of the normal human eye.

J Opt Soc Am A. 1977; 14 (11): 2873-2883.

5 - Campbell MCW, Harrison EM, Simone P. Psychophysical measurement of

the blur on the retina due to optical aberrations of the eye. Vision Res. 1990;

30:1587-1602.

6 - Walsh G, Charman WN, Howland HC. Objective technique for the

determination of monochromatic aberrations of the human eye. J Opto Soc Am

A. 1984; A1: 987-992.

7 - Millner AD, Goodale MA, The Visual Brain in Action, Oxford University

Press, 2006 .

8 - Helmholtz H. Popular Scientific Lectures. New York,NY: Dover Publications;

Inc; 1962.

9 - Williams DR, Coletta NJ. Cone spacing and the visual resolution limit . J

Opto Soc Am A. 1987.14: 1514-1523.

10 - Williams DR. Topography of the foveal cone mosaic in the living human

eye. Vision Res. 1988; 28: 433-435.

11- Williams DR. Aliasing in the human foveal vision. Vision Res. 1985; 25:195-

205.

12 - Roorda A,Williams DR. Objective Identification of M and L cones in the

living human eye. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1998; 39(4): 957.

13 - Roorda A, Williams DR. The arrangement of the three cone classes in the

living human eye . Nature, 1999; 397:520-522.

14 - Stockman, A., & Sharpe, L.T. (2006). Into the twilight zone: the

complexities of mesopic vision and luminous efficiency. Ophthalmic and

Physiological Optics, 26, 225-239.

14 - Campbell FW, Gubish RW,. The effect of chromatic aberrations on the

visual acuity. J Physiol. 1976; 192: 345-358.

15 – Guimaraes MFCR. Avaliação da Qualidade Visual dos discromatas

congênitos por meio dos testes de sensibilidade ao contraste e ofuscamento.

Tese doutorado, UFMG, 2000.

16 - Martinez CE, Applegate RA, Klyce SD, McDonald MB, Medina JP,

Howland HC. Effect of pupillary dilation on corneal optical aberrations after

photorefractive keratectomy. Arch Ophthalmol. 1998; 116: 1053-1062.

17. Sieiro RS. Avaliação da Qualidade da visão pelo teste de sensibilidade ao

contraste após o tratamento da miopia com excimer laser . Tese Doutorado,

FCMMG, 2007.

18 – Kara-Jose Jr N, , Santiago MR. Aspherical IOLs: clinical evaluation and

options. Rev. Bras.Oftalmol. 68, 3, 175-179 2009

19 - Thibos LN,Bradley A, Still DL, Zhang X, Howarth PA. Theory and

measurement of ocular chromatic aberration. VisionResarch. 1990; 30:33-49.

20- Applegate RA. Limits to vision: can we do better than nature? J Refract

Surg. 2000;16(5):S547-51.

21. Hilmantel G, Applegate RA, Tu EY, Stark T, Howland HC. Low contrast

acuity: a substitute for contrast sensitivity? Invest ophthalmol Vis Sci. 19999; 40

(SuppL): s 534.

22.Verdon W, Bullimore MA,Maloney RK. Visual performance after

photorefractive keratecdtomy . Arch Ophthalmol. 1996;114;1465-1472.

23 – Owsley C, Ball K, MsGwin G et al. Visual processing impairment and risk

of motor vehicle crash among older adults. JAMA. 1998; 279:1083 -1088.

24 –Johnson CA, Adams AJ, Twelker JD, Quigg JM. Age-related changes in the

central visual field for short-wavelength sensitive pathways. J Opt Soc Am A ;

5:2131-2139, 1988.

25 – Guimaraes R. Sindrome de Irlen. Oftalmologia em foco, Ed 145

Maio/Junho p. 59-61, 2013.

26-Guimaraes MR, Reis Guimaraes J R, Guimaraes R.. Selective spectral

filters in the treatment of visually induced headaches and migraines – a clinical

study of 93 patients. T 29 Headache Medicine: 1 (2) 72, apr/may/jun. 2010.

27 - Guimaraes MR, Baldo J, Baldo MV, Guimaraes R, Bechara S.;

Neuroadaptação e plástica cortical na cirurgia refrativa: presente e futuro.

Estudos Clinicos. Anais do V Congresso Brasileiro de Catarata e Cirurgia

Refrativa de Março 2009.

28 - Ramachandran, VS. Plasticity and functional recovery in Neurology 368-

373. Clinical Medicine Vol 5 No 4 July/August 2005


Recommended