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Criatividade: A Engenharia Cognitiva da Inovação

Date post: 07-Jan-2023
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Bruno Carvalho Castro Souza

CRIATIVIDADEA ENGENHARIA COGNITIVA DA INOVAÇÃO

3a edição

BrasíliaINSTITUTO MODALJulho de 2019

Instituto Modal de Ciência, Tecnologia e InovaçãoDiretor PresidenteMamede Lima–Marques

Diretor TécnicoBruno Carvalho Castro Souza

Diretor Administrativo-financeiroWelington de Souza Evangelista

Presidente do Conselho de AdministraçãoJosé Manuel de Abreu Pita Pombo

Comitê EditorialMamede Lima–Marques, Ph.DWalter Alexandre Carnielli, Ph.D

Capa e Produção GráficaBruno Carvalho Castro SouzaFoto da capa e contra-capa: cortesia de Free Range Stock

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira de Livros, SP, Brasil)

Criatividade: a engenharia cognitiva da inovação / Bruno Carvalho CastroSouza – 3a ed. Brasília : Instituto Modal de Ciência, Tecnologia e Inovação, Julhode 2019.

143 p. : il. (algumas color.)Versão final.ISBN 978-65-80823-00-0 (ebook)

1. Cognição 2. Criatividade 3. Inovação 4. Inteligência Artificial. I. Título

CDD IMCTI

Dedicatória

Esse livro é dedicado a todos que vão ousa-damente onde ninguém jamais esteve.

Agradecimentos

Agradeço a todos os meus mentores, pro-fessores e amigos que sempre contribuírampara abrir mais ideias do que fechá-las.

SUMÁRIO

Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Lista de ilustrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

Lista de tabelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1 POR QUE ESCREVER SOBRE CRIATIVIDADE? 101.1 Cognição e Criatividade . . . . . . . . . . . . . . 13

2 CRIATIVIDADE:OQUESABEMOSEOQUENÃOTEMOS IDEIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.1 Evolução histórica da criatividade . . . . . . . . 202.1.1 Teorias filosóficas da criatividade . . . . . . . . . 202.1.1.1 Criatividade como inspiração divina . . . . . . . . . 202.1.1.2 Criatividade como loucura . . . . . . . . . . . . . . . 212.1.1.3 Criatividade como gênio intuitivo . . . . . . . . . . . 212.1.1.4 Criatividade como força vital . . . . . . . . . . . . . 222.1.2 Teorias psicológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.1.2.1 Associacionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232.1.2.2 Teoria da Gestalt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.1.2.3 Teoria psicanalítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.1.2.4 Psicologia humanista . . . . . . . . . . . . . . . . . 262.1.3 Análise fatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.1.3.1 O pensamento divergente . . . . . . . . . . . . . . . 272.1.3.2 Koestler e a bissociação . . . . . . . . . . . . . . . . 302.1.3.3 Criatividade e o papel dos hemisférios cerebrais . . 322.1.3.4 As inteligências múltiplas . . . . . . . . . . . . . . . 33

2.1.4 Psicologia cognitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . 352.1.5 Percepção e representação . . . . . . . . . . . . 382.1.6 Laske e a conciliação da inteligência artificial e

da criatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392.2 O Estado da Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

3 UMA ARQUITETURA PARA A CRIATIVIDADE . 423.1 A construção de soluções por meio do erro . . 463.2 Arquiteturas criativas para solução de proble-

mas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483.3 Scripts e o encontro com a realidade objetiva 513.4 Criatividade e inteligência artificial . . . . . . . 54

4 DOMÍNIOSNATURAIS E COGNIÇÃOARTIFICIAL 574.1 Representacionismo, Nova Robótica e Escola

Chilena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 584.2 As metáforas do pensamento: redes, catego-

rias e domínios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 654.2.1 As redes hipertextuais de Lévy . . . . . . . . . . 654.2.2 A teoria de categorias e protótipos . . . . . . . . 684.3 Implementaçãodedomínios cognitivos emsis-

temas digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

5 CONSTRUÇÃODEUMSISTEMACRIATIVOAR-TIFICIAL DE APRENDIZAGEM . . . . . . . . . . 82

5.1 Ergonomia e a função pedagógica de um pro-tótipo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

5.1.1 Estratégias cognitivas para o aprendizado . . . 845.1.2 Fatores emocionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 885.1.3 Fatores motivacionais . . . . . . . . . . . . . . . . 915.1.4 Fatores sensoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

5.1.5 Fatores intelectuais . . . . . . . . . . . . . . . . . 945.1.6 A interface e o ambiente virtualizado . . . . . . . 965.2 Implementação: algunsmodelos de inteligên-

cia artificial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1005.2.1 Raciocínio baseado em casos (Case-based re-

asoning – CBR) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1015.2.2 Redes neurais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1025.2.3 Algoritmos genéticos e programação evolucio-

nária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1035.2.4 Integração e camadas . . . . . . . . . . . . . . . . 1055.3 Estratégias para a formação de domínios . . . 108

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: E AGORA? . . . . . 1156.1 Implicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1196.1.1 Educacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1196.1.2 Empresariais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1216.1.3 Científicas e computacionais . . . . . . . . . . . 1216.2 Trabalhos Futuros . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

GLOSSÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Arquitetura cognitiva de Jean-François Richard 36Figura 2 – Mecanismo de equilibração de Piaget . . . . . . 45Figura 3 – Equilibração majorante de Piaget . . . . . . . . . 47Figura 4 – Modelo cognitivo da criatividade . . . . . . . . . 49Figura 5 – Dinâmica da criatividade . . . . . . . . . . . . . . 52Figura 6 – Representação da máquina de estado finito . . 61Figura 7 – Implementação de um sistema de inteligência

artificial baseado em camadas . . . . . . . . . . 76Figura 8 – Ocomportamentalismocomoprogramadepes-

quisa científica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Figura 9 – O processamento de informações como pro-

grama de investigação científica . . . . . . . . . 87Figura 10 – A interação dos fatores nos espaços de apren-

dizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96Figura 11 – Diagramade camadaspara implementaçãodo

modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Figura 12 – Duas maneiras de representar as redes de vin-

culações de Heylighen . . . . . . . . . . . . . . . 112

9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – As categorias de pensamento conforme Guil-ford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Tabela 2 – Fatores do pensamento divergente segundoGuilford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

Tabela 3 – Interação de duas ou mais matrizes segundoKoestler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Tabela 4 – As inteligências múltiplas de Howard Gardner 33Tabela 5 – Simulação dos processos mentais em siste-

mas computacionais . . . . . . . . . . . . . . . . 77Tabela 6 – Cérebro humano e sistemas computacionais . 79

CAPÍT

ULO 1

POR QUE ESCREVER SOBRECRIATIVIDADE?

EM determinada ocasião, um professor pediu à turma que fi-zesse um projeto final de disciplina. O tema era livre, assim

comoosmeios que deveriam ser utilizados para alcançar o resul-tado desejado. A partir desse tema central de escolha do aluno,dever-se-iam desenvolver três subtemas e, para cada um, cin-quenta formas diferentes de abordá-lo. Tratava-se da disciplina“Direção de Arte” do curso de Comunicação Social com habilita-ção em Publicidade e Propaganda da Universidade de Brasília.A grande surpresa foi a expressão dos alunos quando o profes-sor terminou de explicar o trabalho. Pareciam horrorizados, semsaber o que fazer ou por que aquilo estava sendo exigido deles.

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 11

Apesar de, durante todo o semestre letivo, haveremdesenvolvidotrabalhos extensos, estavam apavorados com a liberdade quelhes havia sido conferida. Não sabiam por onde começar. Nãotinham sequer uma vaga ideia sobre o que fazer nem sobre qualtema abordar.

Essa experiência evidencia um dos maiores problemaseducacionais do País: a falta de familiaridade com o processocriativo por parte dos estudantes de todos os níveis. Desde osprimeiros passos na escola, o aluno aprende a repetir concei-tos e verdades ditos “universais”, mas raramente lhe é oferecidaa oportunidade de participar criativamente no desenvolvimentodesses conceitos. É a escola do “saber pronto”, e não a do saberconstruído. Em termos de criatividade, Alencar (1993) é quemmelhor coloca a questão:

Observa-se a existência de uma série deideias errôneas a seu respeito, como, porexemplo, a ideia de que a criatividade éuma característica inata, não podendo,portanto, ser ensinada ou aprendida. Oaluno mais criativo não é reconhecidona escola, nem tampouco tem recebidouma atenção maior por parte dos seusprofessores.

A falta de imaginação vem desaguar no meio acadê-mico, que forma especialistas em áreas estanque. Os universitá-rios sofrem dessa carência de visualizar respostas criativas paraos problemas, optando quase que invariavelmente por soluçõesconsagradas – clássicas – em detrimento do caminho da expe-rimentação e da ousadia.

Poucas oportunidades tem o aluno parainvestigar problemas reais e de inte-

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 12

resse concreto. Não se desenvolve noaluno um maior número de habilidadespara explorar um problema novo que oconduzam à sua compreensão e solu-ção. (ALENCAR, 1993, p. 86)

Essa mistificação da criatividade traz consequências di-retas para a sociedade. A própria história da humanidade está re-pleta de exemplos da importância da criatividade no processo dainvestigação científica. Einstein foi inspirado por sua imaginaçãoquando, aos nove anos de idade, perguntou-se como seria viajarao lado de um raio de luz. Isaac Newton teve seus questiona-mentos condensados e a súbita “inspiração” que gerou a TeoriaUniversal da Gravitação quando viu uma maçã cair da macieirae, criativamente, associou o fato com a ideia de que massa atraimassa. Gutenberg associou o processo de fabricação de vinhoscom a prensa de porcelana chinesa para inventar a prensa de ti-pos móveis, que deu origem à imprensa. E esses são apenas al-guns exemplos ilustres de um fenômeno que ocorre diariamente,com todas as pessoas.

Nomundo atual, onde a informação é a chave para a so-brevivência de praticamente todas as empresas, a necessidadede criatividade apresenta-se de forma ainda mais urgente. Comos recursos tecnológicos atuais, praticamente todas as pessoastêm acesso a qualquer informação, por intermédio da Internet,dos jornais, dos telefones e damídia em geral. O que contribui deforma diferenciada para o sucesso ou o fracasso empresarial éo que se faz com essas informações. Novamente, a criatividadeé necessária para melhor entendimento dessa informação. Visu-alizar e utilizar uma informação diferentemente do concorrentepode significar lucros para a empresa.

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 13

Criatividade é privilégio de seres humanos. Não há má-quina no mundo que possa pensar criativamente. Mesmo ofantástico computador Deep Blue, que derrotou Kasparov, cam-peão mundial de xadrez, não possui pensamento criativo – ape-nas uma capacidade imensa de combinar matematicamente op-ções pré-definidas para alcançar um objetivo previamente deter-minado. Esse computador é incapaz de, no decorrer da partida,tomar uma iniciativa que fuja da sua programação. E, mesmoque fosse, isso só seria possível porque, pelo ser humano, foiprogramado para tanto. A própria IBM acredita nessa ideia: seuslogan, em meados da década de 70, era machines should work,people should think (máquinas devem trabalhar, pessoas devempensar).

1.1 Cognição e Criatividade

A criatividade foi analisada sob várias perspectivas, masnenhuma das abordagens utilizou conceitos cognitivos objeti-vando a construção de ummodelo para a criação. A capacidadede raciocínio humano, embora amplamente estudada pelos cog-nitivistas, é representada por modelos que enfocam o processode forma sistêmica, enfatizando mecanismos de raciocínio ge-ral. A descrição dos processos e fatores referentes à criatividadepropriamente dita encontra-se diluída nos modelos gerais, semuma análise detalhada e uma dinâmica própria claramente defi-nida. Como, portanto, pode ser a criatividade entendida a partirdos recursos mentais inerentes ao ser humano e de que formaesse entendimento pode ser transformado em um modelo? Damesmamaneira, como seria a transposição para um sistema deinteligência artificial que possibilite a exploração desse modelo?

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 14

Esse trabalho, adaptado da dissertação demestrado doautor, tem seu foco na descrição dos processos mentais envol-vidos na criatividade, ligando-os a ferramentas e técnicas de in-teligência artificial que oferecem condições de implementá-los.A construção de um protótipo é abordada de forma geral, objeti-vando dar condições teóricas para sua posterior implementação.

Opressuposto é de a ciência cognitiva fornece subsídiospara a elaboração de ummodelo da criatividade. Tal modelo per-mite melhor exploração e entendimento dos processos envolvi-dos no pensamento criativo, e pode ser implementado em umaarquitetura de inteligência artificial para testar e aperfeiçoar asabordagens teóricas e experimentais da criatividade.

A pesquisa bibliográfica oferece as ferramentas concei-tuais para a construção do modelo cognitivo para a criatividade.Essa pesquisa foi feita levando em consideração os estudos daciência cognitiva, em especial as pesquisas sobre:

a) os pressupostos construtivistas da cognição piage-tiana;

b) a teoria de categorias e protótipos de Varela, Rosche Thompson (1992);

c) as redes hipertextuais de Lévy (2003), Lévy e Authier(2000), Lévy e Costa (1993).

Os estudos para a delineação de implementação do pro-tótipo foram feitos tendo-se por base:

a) a estruturação de domínios por meio de técnicas deinteligência artificial, especialmente as redes neuro-niais, o raciocínio baseado em casos e os algoritmosgenéticos;

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 15

b) a implementação de redes de vinculações de Hey-lighen (2001).

O foco principal da pesquisa é a estruturação de domí-nios cognitivos e o acesso ao conhecimento. Para o desenvol-vimento dos conceitos e a elaboração do modelo, foi utilizadauma abordagem top-down: partiu-se de uma formulação da vi-são geral do processo criativo, conforme os estudos cognitivosde Piaget. Essa visão geral permitiu a visualização da criativi-dade como um processo dinâmico e a identificação dos princi-pais agentes envolvidos nesse processo, dando origem à pro-posta de umaarquitetura cognitiva da criatividade. A partir dessaarquitetura, foramestudadosos pressupostos teóricos deVarela,Rosch e Thompson (1992) na formação de categorias e protóti-pos, que levaram ao conceito de domínio cognitivo no âmbito dopresente trabalho. Uma vez definidos os mecanismos de forma-ção dos domínios, as redes hipertextuais de Lévy (2003), Lévye Authier (2000), Lévy e Costa (1993) possibilitaram o entendi-mento de uma dinâmica de relacionamento que tornam viáveisos processos criativos. A implementação do modelo por meiode um protótipo é sugerida para a confirmação das hipóteses eo aperfeiçoamento do modelo.

A construção teórica necessária para o entendimentodesta do estudo acontece de forma gradual, acompanhando onível de complexidade de cada tema. Definições são apresenta-das à medida que se mostram necessárias, e são reapropriadasconforme o contexto.

Inicialmente discute-se o estado da arte na criatividade.São introduzidas as principais teorias que tentamexplicar a capa-cidade de criação humana e sua evolução histórica. Destaca-se

Capítulo 1. Por que escrever sobre criatividade? 16

o ponto de ruptura entre a abordagem empírica e a cognitiva, emque a criação passa a ser encarada como parte do próprio racio-cínio, bem como as limitações dessa visão no entendimento dacriatividade.

Os principais mecanismos cognitivos de Piaget, apre-sentados por Montangero (1998), são visitados em seguida,dando origem a uma proposta de arquitetura cognitiva para acriatividade, passível de implementação em sistemas de inteli-gência artificial.

As definições de domínios naturais, sob a perspectivalinguística, e de cognição são aprofundadas na sequência dapesquisa, oferecendo subsídios para a intuição de uma possívelcognição artificial. São detalhadas as implicações dos conceitosde redes hipertextuais, de categorias e de domínios, bem comosuas repercussões na implementação de sistemas de inteligên-cia artificial.

A implementação de um protótipo como ferramenta deteste, de validação e de aperfeiçoamento da arquitetura da cria-tividade é também discutida, com ênfase nas suas funções er-gonômicas, nas técnicas de inteligência artificial que parecemmais promissoras e na construção de um sistema de domíniosartificiais autopoiético como base para um repertório de conhe-cimentos. Embora não seja feita uma descrição formal do pro-tótipo e da sua implementação, são oferecidas indicações decomo fazê-lo.

Para a conclusão, são indicados caminhos e áreas a se-rem mais bem exploradas, possibilidades de expansão da pes-quisa e aplicações em outros setores, notadamente o educacio-nal, o empresarial e o científico.

CAPÍT

ULO 2

CRIATIVIDADE: O QUE SABEMOS E OQUE NÃO TEMOS IDEIA

A QUESTÃO da criatividade vem sendo discutida há muitotempo. Há varias definições, algumas levando em consi-

deração os aspectos sociais, outras, os psicológicos, e, recente-mente, algumas tentativas para conceituar a criação têmsurgidodas ciências cognitivas.

Para Ghiselin (1985), criatividade é “o processo de mu-dança, de desenvolvimento, de evolução, na organização da vidasubjetiva”1. Fliegler (1959) apud Kneller (1999) declara que “mani-pulamos símbolos ou objetos externos para produzir um eventoincomum para nós ou para nosso meio”. Suchman (1981), Stein(1974), Anderson (1965), Torrance (1965) e Amabile (1983), apud

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 18

Alencar (1993, p. 13), citam várias definições, respectivamente:

“o termo pensamento criativo tem duas característicasfundamentais, a saber: é autônomo e é dirigido para a produçãode uma nova forma.”

“criatividade é o processo que resulta em um produtonovo, que é aceito como útil, e/ou satisfatório por um númerosignificativo de pessoas em algum ponto no tempo.”

“criatividade representa a emergência de algo único e ori-ginal.”

“criatividade é o processo de tornar-se sensível a proble-mas, deficiências, lacunas no conhecimento, desarmonia; identi-ficar a dificuldade, buscar soluções, formulando hipóteses a res-peito das deficiências; testar e retestar estas hipóteses; e, final-mente, comunicar os resultados.”

“um produto ou resposta serão julgados como criativosna extensão emque a) são novos e apropriados, úteis ou de valorpara uma tarefa e b) a tarefa é heurística e não algorística.”

Cave (2005) vê a criatividade como a tradução dos ta-lentos humanos para uma realidade exterior que seja nova e útil,dentro de um contexto individual, social e cultural. Essa tradu-ção pode ser feita, basicamente, de duas formas. A primeira éa habilidade de recombinar objetos já existentes em maneirasdiferentes para novos propósitos. A segunda, “brincar” com aforma com que as coisas estão inter-relacionadas. Em ambosos casos, considera a criatividade como uma habilidade para ge-rar novidade e, com isso, ideias e soluções úteis para resolver osproblemas e desafios do dia-a-dia.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 19

Kneller (1999) identifica quatro dimensões da criativi-dade:

As definições corretas de criatividadepertencem a quatro categorias, ao queparece. Ela pode ser considerada doponto de vista da pessoa que cria, istoé, em termos de fisiologia e tempera-mento, inclusive atitudes pessoais, hábi-tos e valores. Pode também ser expla-nada por meio dos processos mentais– motivação, percepção, aprendizado,pensamento e comunicação – que o atode criar mobiliza. Uma terceira definiçãofocaliza influências ambientais e cultu-rais. Finalmente, a criatividade pode serentendida em função de seus produtos,como teorias, invenções, pinturas, escul-turas e poemas.(KNELLER, 1999, p. 15)

Alencar (1993), por sua vez, identifica duas dimensõesque parecem permear a noção de criatividade:

(. . . ) pode-se notar que uma das princi-pais dimensões presentes nas mais di-versas definições de criatividade propos-tas até o momento diz respeito ao fatode que criatividade implica emergênciade um produto novo, seja uma ideia ouinvenção original, seja a reelaboração eaperfeiçoamento de produtos ou ideiasjá existentes. Tambémpresente emmui-tas das definições propostas é o fator re-levância, ou seja, não basta que a res-posta seja nova; é também necessárioque ela seja apropriada a uma dada situ-ação.Alencar (1993, p. 13)

Para compreender melhor o contexto e a variedade dasdefinições, é interessante umaanálise histórica das teorias da cri-atividade. A interpretação do que é criativo, bem como a explica-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 20

ção do ato propriamente dito, acontece sempre em um contextoque percebe fatores sociais, culturais e tecnológicos. A históriapermeia, portanto, a evolução do conceito de criatividade e a suarealização como ato individual.

2.1 Evolução histórica da criatividade

Os métodos para abordar a criatividade estiveram sem-pre ligados às doutrinas filosóficas e científicas de sua época.Assim, a explicação da criação atravessou diferentes pontos devista, desde o enfoque filosófico, nos tempos antigos, até o re-cente cognitivismo. Não havendo ainda teoria universalmenteaceita para a criatividade, são apresentadas várias visões, nabusca de um entendimento amplo sobre o assunto.

2.1.1 Teorias filosóficas da criatividade

O contexto histórico da Antiguidade Clássica utilizou-sedo pensamento filosófico para entender a criação. Essas teoriastinham como sustentação a atividade mental aplicada ao enten-dimento do mundo como este era concebido. Perduraram até osurgimento do método científico quando, gradualmente, a criati-vidade começa a possuir fundamentações mais sólidas e verifi-cáveis.

2.1.1.1 Criatividade como inspiração divina

Segundo Hallman (1964) apud Kneller (1999), uma dasmais velhas concepções da criatividade é a sua origem divina. Amelhor expressão dessa crença é creditada a Platão:

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 21

E por essa razão Deus arrebata o espí-rito desses homens (poetas) e usa-oscomo seus ministros, da mesma formaque com os adivinhos e videntes, a fimde que os que os ouvem saibamque nãosão eles que proferem as palavras detanto valor quando se encontram fora desi, mas que é o próprio Deus que fala ese dirige pormeio deles.(KNELLER, 1999,p. 32)

Essa concepção ainda encontra defesa, por exemplo,em Maritain (1955): o poder criativo depende do “reconhe-cimento da existência de um inconsciente, ou melhor, pré-consciente espiritual, de que davam conta Platão e os sábios,e cujo abandono em favor do inconsciente freudiano apenas ésinal da estupidez de nosso tempo” (MARITAIN, 1955, p. 91).

2.1.1.2 Criatividade como loucura

Também creditada à Antiguidade, esta explicação con-cebe a criatividade como forma de loucura, dada a sua aparenteespontaneidade e sua irracionalidade. Platão, novamente, pa-rece haver visto pouca diferença entre a visitação divina e o fre-nesi da loucura. Durante o século XIX, Lombroso (1905) alegouque a natureza irracional ou involuntária da arte criadora deve serexplicada patologicamente.

2.1.1.3 Criatividade como gênio intuitivo

Esta explicação deve suas origens à noção do gênio, sur-gida no fimdo Renascimento, para explicar a capacidade criativade gênios comoDaVinci, Vasari, Telésio eMichelangelo. Duranteo século XVIII, muitos pensadores associaram criatividade e ge-nialidade. Kant apud Kneller (1999) “entendeu ser a criatividade

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 22

um processo natural, que criava as suas próprias regras; tam-bém sustentou que uma obra de criação obedece a leis próprias,imprevisíveis; e daí concluiu que a criatividade não pode ser en-sinada formalmente” (KNELLER, 1999, p.5). Além de gênio, essateoria identifica a criação como uma forma saudável e altamentedesenvolvida da intuição, tornando o criador uma pessoa rara ediferente. É a capacidade de intuir direta e naturalmente o queoutras pessoas só podem apurar divagando longamente que ca-racteriza essa teoria.

2.1.1.4 Criatividade como força vital

Reflexo da teoria da evolução de Darwin, a criatividadefoi considerada comomanifestação de uma força inerente à vida.Assim, a matéria inanimada não é criadora, uma vez que sem-pre produziu as mesmas entidades, como átomos e estrelas, en-quanto a matéria orgânica é fundamentalmente criadora, poisestá sempre gerando novas espécies. Um dos principais expo-entes dessa ideia é Sinnott (1962), quando afirma que a vida écriativa porque se organiza e regula a si mesma e porque estácontinuamente originando novidades10.

2.1.2 Teorias psicológicas

A partir do século XIX, a criatividade passou a receberum tratamento mais científico, proporcionado pelo desenvolvi-mento da Psicologia. As principais contribuições foram o Asso-ciacionismo, a teoria da Gestalt e a Psicanálise. Essas contri-buições seriam uma das bases para a formação dos conceitosmodernos de criatividade.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 23

2.1.2.1 Associacionismo

As raízes do associacionismo remontam a John Locke,no século XIX. Parte do princípio de que a associação de ideiasé uma das bases do próprio pensamento, sendo as ideias frutosda experiência, da recência e da vivacidade. Em termos práticos,Locke afirma que quanto mais frequentemente, recentemente evivamente duas ideias se encontram – ou se associam –, maisprovável se torna que, ao apresentar-se uma única delas àmente,a outra a acompanhe.

Essa abordagem ensina que, para se criar o novo, parte-se do velho, em um processo de tentativa e erro, por meio dacombinação de ideias até que seja encontrado um arranjo queresolva a situação. Há algumas críticas contundentes a essa te-oria, como coloca Kneller:

Dificilmente, entretanto, o associacio-nismo se adapta aos fatos conhecidosda criatividade. Pensamento novo signi-fica que se retiraram do contexto ideiasanteriores e se combinaram elas paraformar pensamento original. Tal pensa-mento ignora conexões estabelecidas ecria as suas próprias. Não seria fácilatribuir as ideias de uma criação cria-tiva a conexões entre ideias derivadasde experiência pregressa, uma vez numacriança relativamente incriativa experi-ências semelhantes podem deixar deproduzir uma única ideia original. Naverdade, seria de esperar que a con-fiança nas associações passadas pro-duzisse, em lugar de originalidade, res-postas comuns e previsíveis.(KNELLER,1999, p. 39)

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 24

2.1.2.2 Teoria da Gestalt

Wertheimer (1945) apud Kneller (1999) afirma que opensamento criador é uma reconstrução de gestalts1 estrutural-mente deficientes. A criação tem seu início com uma configura-ção problemática, que, de certa forma, semostra incompleta, po-rém permite ao criador uma visão sistêmica da situação. A par-tir das dinâmicas, das forças e das tensões do próprio problema,são estabelecidas linhas de tensão semelhantes na mente docriador. Para "fechar"a gestalt, deve-se restaurar a harmonia dotodo. Nas palavras do próprio Wertheimer, “o processo todo éuma linha consciente de pensamento. Não é uma adição de ope-rações díspares, agregadas. Nenhum passo é arbitrário, de fun-ção conhecida. Pelo contrário, cada um deles é dado com visãode toda a situação.”(KNELLER, 1999, p. 40-41)

A teoria da gestalt não explica como surge a configura-ção inicial a partir da qual o criador começa a desenvolver seutrabalho. É, portanto, incapaz de explicar a capacidade de fazerperguntas originais, não sugeridas diretamente pelos fatos a suadisposição. Entretanto, para resolver a gestalt, é necessária umareorganização do campo perceptual, o que sugere a relação exis-tente entre percepção e pensamento.

2.1.2.3 Teoria psicanalítica

Para Freud apud Alencar (1993), a criatividade está rela-cionada à imaginação, que estaria presente nas brincadeiras enos jogos da infância. Nessas ocasiões, a criança produz um1 Gestalt é uma palavra de origem germânica que significa “forma” ou “figura”, e

representa a escola psicológica que trabalha com o conceito de que o pensa-mento e o raciocínio são formados por configurações – nesse sentido, gestaltsignifica uma integração das partes em oposição à soma do todo.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 25

mundo imaginário, com o qual interage rearranjando os compo-nentes desse mundo de novas maneiras. Da mesma forma, oindivíduo criativo na vida adulta comporta-se de maneira seme-lhante, fantasiando sobre ummundo imaginário, que, porém, dis-crimina da realidade. As forças motivadoras de tais fantasias se-riam os desejos não satisfeitos, e cada fantasia, a correção deuma realidade insatisfatória. Essa característica de sublimaçãoestaria vinculada, portanto, à necessidade de gratificação sexualou de outros impulsos reprimidos, levando o indivíduo a canalizarsuas fantasias para outras realidades.

Freud apud Kneller (1999) coloca a criatividade como re-sultado de um conflito no inconsciente (id). Este, mais cedo oumais tarde, produz uma solução para o conflito, que pode ser“ego-sintônica”, resultando em um comportamento criador, ouà revelia do ego, originando uma neurose. De qualquer forma,Freud deixa claro que a criação é sempre impelida pelo inconsci-ente.

Um aspecto importante na visão psicanalítica é a fun-ção do ego sobre as pressões do inconsciente:

No doente mental, o ego tende a sertão estrito que barra todos, ou pratica-mente todos os impulsos inconscientes,ou tão fraco que é frequentemente postode lado. Essa pessoa exerce excessivoou deficientíssimo controle; seu compor-tamento é altamente estereotipado e in-telectualizado, ou espontâneo e estra-nho. Se o comportamento se alterna en-tre tais extremos, nunca se integra comoo de alguém mentalmente são. É sem-pre rígido e habitual o comportamentoproduzido apenas pelo ego, sem influên-cia do inconsciente criador. (. . . ) Por ou-tro lado, sempre que os impulsos criado-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 26

res contornam inteiramente o ego, seusprodutos, como nos sonhos e nas aluci-nações, podem ser altamente originais,mas semmuita relação com a realidade.Sua criatividade é inútil (. . . ).(KNELLER,1999, p. 42)

2.1.2.4 Psicologia humanista

Surgiu como uma forma de protesto à imagem limitadado ser humano imposta pela psicanálise. Seus principais repre-sentantes sãoMaslow, RolloMay e Carl Rogers, e suas principaisênfases são o valor intrínseco do indivíduo, que é consideradocomo fim em si mesmo; o potencial humano para desenvolver-se; e as diferenças individuais.

Rogers (1959, 1962) apud Alencar (1993) considera quea criatividade é a tendência do homem para atualizar-se e con-cretizar suas potencialidades. Para isso, deveria

(. . . ) possuir três características:— abertura à experiência, a qual im-plica ausência de rigidez, uma tolerânciaà ambiguidade e permeabilidade maioraos conceitos, opiniões, percepções e hi-póteses;— habilidade para viver o momento pre-sente, com omáximo de adaptabilidade,organização contínua do self e da perso-nalidade;— confiança no organismo como ummeio de alcançar o comportamentomais satisfatório em cada momentoexistencial.(ALENCAR, 1993, p. 50)

Rogers, portanto, enfatiza a relação do sujeito com omeio e a sua própria individualidade, acreditando na originali-dade e na singularidade.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 27

Maslow (1967, 1969) apud Alencar (1993) possui posi-ção similar, considerando a abertura à experiência como uma ca-racterística da criatividade autorrealizadora e identifica a criativi-dade como saúde emocional e expressão das pessoas normaisno ato de se autorrealizar. Como os demais humanistas, con-sidera a interação pessoa-ambiente como fundamental para acriação. Assim, não basta apenas o impulso em autorrealizar-se:“também as condições presentes na sociedade, a qual deve pos-sibilitar à pessoa liberdade de escolha e ação”(ALENCAR, 1993,p. 53), fazem parte do processo criativo.

2.1.3 Análise fatorial

2.1.3.1 O pensamento divergente

Segundo Guilford2, a mente abrange 120 fatores ou ca-pacidades diferentes – dos quais 50 são conhecidos –, for-mando duas classes principais: capacidades de memória e ca-pacidades de pensamentos. As capacidades de pensamentossão divididas em categorias, espécies e fatores, conforme a Ta-bela 1 – As categorias de pensamento conforme Guilford:

Tabela 1 – As categorias de pensamento conforme Guilford

Categoria Descrição

Cognitivas Reconhecimento de informações

Produtivas Uso de informações

2 Conforme citado por Alencar, os pontos de vista de Guilford encontram-seem três obras principais: Creativity. The American Psychologist, 1950, p. 444-454; Personality. New York: McGraw-Hill, 1959; e, com P. R. Merrifield, Thestructure of intellect model: its uses and implications. University Park, Califor-nia: University of Southern California Press, 1960.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 28

Categoria Descrição

AvaliativasJulgamento daquilo que é reconhecido ouproduzido em função da adequação àsexigências

A fatoração de Guilford ainda determina uma segundadivisão para as categorias produtivas, identificando duas espé-cies de pensamentos: o convergente e o divergente. O pensa-mento convergente move-se em direção a uma resposta deter-minada ou convencional, a partir de um sistema de regras pre-viamente conhecido. Já o divergente tende a ocorrer quandoo problema ainda não é conhecido ou quando não existe aindamétodo definido para resolvê-lo. A criatividade, portanto, estariagrandemente localizada no pensamento divergente, que abrangeonze fatores, apresentados na Tabela 2 – Fatores do pensa-mento divergente segundo Guilford.

Tabela 2 – Fatores do pensamento divergente segundo Guilford

Fatores Descrição

Fluência vocabularCapacidade de produzir rapidamentepalavras que preenchem exigênciassimbólicas especificadas.

Fluência ideativa

Capacidade de trazer à tona muitas ideiasnuma situação relativamente livre derestrições, em que não é importante aqualidade da resposta.

Flexibilidadesemânticaespontânea

Capacidade ou disposição de produzirideias variadas, quando livre o indivíduopara assim proceder.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 29

Fatores Descrição

Flexibilidadefigurativaespontânea

Tendência para perceber rápidasalternâncias em figuras visualmentepercebidas.

Fluência associativaCapacidade de produzir palavras a partirde uma restrita área de significado.

Fluênciaexpressionista

Capacidade de abandonar umaorganização de linhas percebida para veroutra.

Flexibilidadesimbólica adaptativa

Capacidade de, quando se trata commaterial simbólico, reestruturar umproblema ou uma situação, quandonecessário.

OriginalidadeCapacidade ou disposição de produzirrespostas raras, inteligentes eremotamente associadas.

ElaboraçãoCapacidade de fornecer pormenores paracompletar um dado esboço ou esqueletode alguma forma.

Redefiniçãosimbólica

Capacidade de reorganizar unidades emtermos das respectivas propriedadessimbólicas, dando novos usos aoselementos.

Redefiniçãosemântica

Capacidade de alterar a função de umobjeto ou parte dele, usando depois demaneira diversa.

Sensibilidade aproblemas

Capacidade de reconhecer que existe umproblema.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 30

De todos os fatores apresentados, diversos autores –especialmente os cognitivistas – consideram o último como omais importante para a criatividade.

2.1.3.2 Koestler e a bissociação

Koestler (1964) apud Kneller (1999) apresenta uma teo-ria da criatividade que tenta integrar todas as suas expressões– ciência, arte e humor. Sua fundamentação lança recursos dapsicologia, da neurologia, da fisiologia, da genética e diversas ci-ências na proposição de um padrão comum – a bissociação –,que consiste na conexão de níveis de experiência ou sistemas dereferências. Koestler argumenta que, no pensamento comum, apessoa segue rotineiramente em um mesmo plano de experiên-cias, enquanto, no criador, pensa simultaneamente em mais deum sistema de referências.

A formação de tais planos de experiências pressupõea existência de estruturas de pensamentos e de comportamen-tos já adquiridos, que dão coerência e estabilidade, mas deixampouco espaço para a inovação. Todo padrão de pensamento oude comportamento (que Koestler chamou de “matriz”) é regidopor um conjunto de normas (ou “código”), que tanto pode seraprendido quanto inato. Esse código possui uma certa flexibili-dade e pode reagir a algumas circunstâncias.

A explosão criadora ocorre quando duas ou mais matri-zes independentes interagem entre si. O resultado, segundo Ko-estler, pode-se apresentar de três formas, conforme a Tabela 3 –Interação de duas ou mais matrizes segundo Koestler.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 31

Tabela 3 – Interação de duas ou mais matrizes segundo Koestler

Tipo deInteração

Resultado Explicação

Colisão Humor

É a interseção de duas matrizes, cadaqual consistente por si mesma, porémem conflito com a outra. No decorrerda bissociação, emoção e pensamentoseparam-se abruptamente. Esseconflito causa uma tensão emocionale resolve-se em riso.

Fusão Ciência

A criação surge do encontro de duasmatrizes até então desprovidas derelação. Trata-se de uma convergênciade pensamentos em direção a umobjetivo previamente estipulado – asmatrizes fundem-se em uma novasíntese.

Confronta-ção

Arte

As matrizes não se fundem nemcolidem, mas ficam justapostas. Ospadrões fundamentais de experiênciasão expressos novamente a cada novoolhar, em cada época ou cultura. Háuma transposição dos sistemas dereferências.

Koestler vai ainda mais longe, ao relacionar a criativi-dade a todas as formas de padrões existentes:

Segundo Koestler, a criatividade mani-festada na ciência, na arte e no humortem análogos em todos os níveis da

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 32

hierarquia orgânica, desde o mais sim-ples organismo unicelular até o maiordos gênios humanos. (. . . ) Todo pa-drão de pensamento, ou ação, organi-zado – toda matriz, afinal – é governadapor um código de regras, sem deixar depossuir entretanto um certo grau de fle-xibilidade em sua adaptação às condi-ções domeio ambiente.(KNELLER, 1999,p. 58)

2.1.3.3 Criatividade e o papel dos hemisférios cerebrais

Segundo Katz (1978), as pessoas criativas discriminamdois aspectos: um relacionado a como o problema que estásendo trabalhado é subitamente percebido sob um novo ânguloe outro referente à elaboração, confirmação e comunicação daideia original. Identificam-se, portanto, dois padrões de pensa-mento distintos – um deles capaz de reestruturar conceitos, eoutro, de avaliá-los. Segundo autores como Torrance (1976), taispensamentos ocorreriam em partes distintas do cérebro: o pri-meiro no hemisfério direito, e o segundo, no esquerdo. Nas pala-vras de Alencar (1993):

o que tem sido proposto é que cada he-misfério cerebral teria sua especialidade:o esquerdo seria mais eficiente nos pro-cessos de pensamento descrito comoverbais, lógicos e analíticos, enquantoo hemisfério direito seria especializadoem padrões de pensamento que enfati-zam percepção, síntese e o rearranjo ge-ral de ideias.(ALENCAR, 1993, p. 53)

Para a criatividade musical e artística, o hemisfério di-reito seria especialmente importante, facilitando o uso de metá-foras, intuição e outros processos geralmente relacionados à cri-ação. Há que se considerar, entretanto, o papel fundamental do

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 33

hemisfério esquerdo em avaliar a adequação do que foi intuído –se a ideia atende aos requisitos da situação. Portanto, é delicadoafirmar que a criatividade “reside” em umou emoutro hemisfério.

2.1.3.4 As inteligências múltiplas

A teoria das inteligências múltiplas trata das potencia-lidades humanas. Seu autor, Gardner (1996), observando quea inteligência possuía maior abrangência, concebeu sua teoriacomo uma explicação da cognição humana que pode ser subme-tida a testes empíricos e definiu inteligência como “a capacidadede resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam va-lorizados em um ou mais ambientes comunitários.”(GARDNER,1996). Essa definição, propositadamente, aproxima-se muito doque considera a própria essência da criatividade.

As informações preliminares da pesquisa foram siste-matizadas em sete inteligências: linguística ou verbal, lógico-matemática, espacial, musical, corporal cinestésica, interpes-soal e intrapessoal. Recentemente, foi incluída a inteligêncianaturalística, e encontra-se em consideração a inclusão da in-teligência espiritual. A Tabela 4 – As inteligências múltiplas deHoward Gardner descreve a natureza de cada inteligência.

Tabela 4 – As inteligências múltiplas de Howard Gardner

Inteligência Características

Linguística ouverbal

Habilidade de expressão; facilidade para secomunicar; aprecia a leitura; possui amplovocabulário; competência para debates;transmite informações complexas comfacilidade; absorve informações verbaisrapidamente.

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 34

Inteligência Características

Lógico-matemática

Facilidade para detalhes e análises; sistemáticasno pensamento e no comportamento; prefereabordar os problemas por etapas (passo apasso); discernimento de padrões e relaçõesentre objetos e números.

Espacial

Sua percepção do mundo é multidimensional;facilidade para distinguir objetos no espaço; bomsenso de orientação; prefere a linguagem visual àverbal.

MusicalBom senso de ritmo; identificação com sons einstrumentos musicais; a música evoca emoçõese imagens; boa memória musical.

Corporalcinestésica

Boa mobilidade física; prefere aprender "fazendo";prefere trabalhos manuais; facilidade paraatividades como dança e esportes corporais.

InterpessoalFacilidade para comunicação; aprecia acompanhia de outras pessoas; prefere esportesem equipe.

IntrapessoalReflexiva e introspectiva; capaz de pensamentosindependentes; autodesenvolvimento eautorrealização.

Naturalística

Confortável com os elementos da natureza; bomentendimento de funções biológicas; interesseem questões como a origem do universo,evolução da vida e preservação da saúde.

Curiosamente, Gardner não inclui uma “inteligência cri-ativa” em sua lista. Isso se deve à sua crença de que a criativi-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 35

dade permeia todo pensamento humano. Nas palavras de Mo-ran (1994):

O conhecimento precisa da ação co-ordenada de todos os sentidos – ca-minhos externos – combinando o tato(o toque, a comunicação corporal), omovimento (os vários ritmos), o ver(os vários olhares) e o ouvir (os váriossons). Os sentidos agem complemen-tarmente, como superposição de signifi-cantes, combinando e reforçando signi-ficados.(MORAN, 1994)

2.1.4 Psicologia cognitiva

A abordagem cognitiva do pensamento, proposta, entreoutros, por Jean-François Richard apud Fialho (1999), permite oentendimento processual das atividades mentais que geram aresposta criadora.

Para a psicologia cognitiva, a cognição é entendidacomo um processo disparado por uma situação, compreendidapelos mecanismos perceptivos do cérebro. Tal situação é umaperturbação interna24 ao indivíduo, possivelmente fruto de umaressonância causada por algum fator externo. O fenômeno,como um todo, pode ser visualizado conforme a Figura 1 – Ar-quitetura cognitiva de Jean-François Richard.

Os conhecimentos são todo o repertório de representa-ções armazenadas na memória de longo termo, tanto em nívelde conhecimentos específicos quanto de conhecimentos abstra-tos (morais, culturais, genéricos).

Toda situação, para ser compreendida, deve ser repre-sentada pelo indivíduo. Portanto, pode-se dizer que a represen-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 36

Figura 1 – Arquitetura cognitiva de Jean-François Richard

Fonte: Fialho (1999)

tação é a construção de um “modelo de similaridade” para omundo, com base na experiência de vida e na varredura feita namemória em busca de situações análogas.

Caso não seja possível representar adequadamente asituação, o indivíduo irá recorrer aos seus processos de raciocí-nio, buscando construir a representação para a situação a fimde poder compreendê-la. Isso é o que acontece na resolução deproblemas.

Qualquer que seja o caminho percorrido, a situação con-duzirá a mente a produzir:

a) atividades de execução automatizadas, que aconte-cem quando a situação é conhecida e bem represen-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 37

tada, a ponto de poder ser executada sem atençãoconsciente;

b) atividades de execução não automatizadas, quandoa representação da situação é recém-elaborada ounão é comum e, portanto, requer um esforço consci-ente para a execução das tarefas necessárias; e

c) solução de problemas, quando não há uma represen-tação satisfatória para a situação.

A relação entre conhecimentos, representações e racio-cínios é tal que um complementa o outro. Em outras palavras,os conhecimentos existentes podem ser reforçados ou refuta-dos conforme surjam novas representações de situações, cons-truídas por instrução (por meio de representações “prontas” deacontecimentos) ou por descoberta (solução de problemas prá-ticos, por “tentativa e erro”).

Quando construímos a representação de uma nova situ-ação e a armazenamosna nossamemória, estamos construindoconhecimentos. Quando, no entanto, essa representação é frutode umproblema, elaboramos uma sequência de ações que, apósuma avaliação, pode-se transformar em conhecimento (“verda-deiro”, caso a avaliação seja positiva em relação à situação, ou“falso”, caso seja negativa).

Existe também a função de regulação, que é desempe-nhada durante todo o processo, e tem as emoções como princi-pais agentes. A regulação é responsável pela ordenação de prio-ridades, elaboração da sequência de ações necessárias e pelasdecisões de abandono, reforço ou continuação da tarefa.

Finalmente, é necessária uma estrutura de controle, que

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 38

consiste em determinar os meios necessários e em cuidar dodesenvolvimento da tarefa. O controle está localizado em trêsmomentos específicos:

a) quando construímos a representação da situação;

b) quando elaboramos a sequência de ações em fun-ção da situação; e

c) na avaliação do resultado das ações.

No momento (a), questionamos a validade da represen-tação em função da situação existente. Em (b), verificamos seas ações previstas têm probabilidade de atingir o resultado es-perado e, em função dessa análise, podemos alterar as tarefas(função de regulação). Em (c), questionamos o resultado dasações tomadas, levando em consideração a situação inicial e oproduto final esperado.

2.1.5 Percepção e representação

O conhecimento do mundo é baseado em representa-ções de situações vivenciadas, reforçadas ou refutadas por re-petição de situações análogas. A aquisição de tais representa-ções é fruto do sistema sensitivo que equipa a espécie humana,compreendendo a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato.Esses sentidos formam o prisma pelo qual o mundo é percebidoe são construções próprias e exclusivas de cada pessoa. A óticapela qual determinada situação é representada depende da baga-gem cognitiva e evidencia maneiras diferentes para atuar comoresposta às perturbações internas que cada pessoa sofre.

A montagem das representações passa necessaria-mente pormecanismosde assimilação da realidade– visão, tato,

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 39

olfato, audição e paladar. Pormeio deles, o cérebromonta esque-mas que buscam explicar a realidade e "enquadrar"o mundo deforma coerente. Cada novo esquema pode:

a) reforçar um esquema anterior, sedimentando o co-nhecimento;

b) gerar umnovo conhecimento quando se depara comuma situação original; ou

c) refutar fatos conhecidos quando a solução para umproblema mostra-se ineficaz na situação atual.

É somente neste último caso que a pessoa demonstrapoder criativo, buscando respostas que eram inexistentes ou ina-dequadas. Representar, para os cognitivistas, significa compre-ender uma situação. E a forma como cada problema é compre-endido constitui fator fundamental para a sua solução.

2.1.6 Laske e a conciliação da inteligência artificial e dacriatividade

Laske (1993) considera a criatividade como “umartefatolinguístico feito para facilitar a síntese de observações e de hipó-teses sobre a habilidade dos seres humanos de validar suas ex-periências oumesmode transcender a simesmos.”(LASKE, 1993,p. 19)

A partir desse conceito, constrói uma visão da criativi-dade sustentada em uma abordagem dialética entre crença eperformance. A crença é um conceito emprestado das ciênciassociais, que parte do princípio de que a criatividade está presentea priori na espécie humana, e os esforços da ciência devem serno sentido de demonstrá-la. A performance, por outro lado, de-

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 40

riva da abordagemcomputacional da criação e procura descobrircomo produzir criatividade a partir da formalização dos proces-sos mentais e sua implementação em sistemas de inteligênciaartificial.

Os dois enfoques, entretanto, convivem em conflito. Aabordagem social não consegue descrever os processos da cri-atividade; e a computacional força uma redefinição do conceitode domínio. A conciliação dessas duas abordagens permite aconstrução e a validação de modelos que podem vir a demons-trar e explicar como a criatividade ocorre e funciona – abordam,portanto, a linha social e a computacional.

Para essa conciliação, Laske considera a mente-crençacomo “uma relação triangular entre um indivíduo (Pessoa), umDomínio de competência, e um grupo social de juízes chamadosCampo, quemonitoram revoluções dentro da estrutura de conhe-cimentos do Domínio.”(LASKE, 1993, p. 23).

Já a mente-performance é “baseada em um modelo in-tersubjetivo verificável dos processos psicológicos da mente hu-mana individual”(LASKE, 1993, p. 24), ou seja, formada por pro-cessos lógico-matemáticos que podem ser formalizados. Acon-tece que a mente-performance é também uma mente social,uma vez que o modelo dos processos psicológicos é intersub-jetivo. De fato, a mente-performance pode ser considerada umaparte da mente-crença.

A contribuição da inteligência artificial para a criativi-dade é a possibilidade de formalização do Domínio, criando umespaço de conceitos mentais que permite a existência de “mini-domínios” em que interações pessoa-computador e procedimen-tos podem ser observados e analisados. Trata-se, portanto, de

Capítulo 2. Criatividade: o que sabemos e o que não temos ideia 41

uma ferramenta de estudo dos processos mentais que pode,simultaneamente, gerar criatividade (performance) e descreverseu funcionamento (crença). Essa relação também permite aaplicação domodelo a situações do tipo “solução de problemas”,uma vez que possibilita que “novos insights que chegam atravésda interação Pessoa-Domínio possam ser diretamente alimenta-dos no Domínio na forma de bases de conhecimento estendidase refinadas”(LASKE, 1993, p. 25).

2.2 O Estado da Arte

Como se pode observar, o panorama da criatividade per-mite várias leituras: o pensamento filosófico, com suas incur-sões na metafísica e na criatividade como força inerente ao pró-prio universo; a abordagem psicológica e suas tentativas de re-lacionar a capacidade do inconsciente à solução de conflitos;a análise fatorial, com sua “departamentalização” das capacida-des mentais e a bissociação; os hemisférios cerebrais e a espe-cialização do pensamento; as inteligências múltiplas, com umanova visão do próprio conceito de inteligência; a psicologia cog-nitiva, com a interdisciplinaridade e a compreensão do pensa-mento como capacidade adaptativa do ser humano; e as possibi-lidades de conciliação da criatividade com a inteligência artificial.Essa visão abrangente torna-se importante para contextualizar emelhor definir o escopo da pesquisa, especialmente quando seconsideram a amplitude do tema e as diversas possibilidades desua abordagem.

CAPÍT

ULO 3

UMA ARQUITETURA PARA ACRIATIVIDADE

AC riatividade, para ciências aplicadas como a Administração,a Engenharia, a Publicidade e oMarketing, identifica-se com

a resolução de problemas não triviais. Um problema não trivial éaquele no qual não são óbvios, de início, nem a solução nem osmeios para alcançá-la (KIM, 1993). Sua abordagem, portanto, éelusiva ao sujeito do problema.

Tradicionalmente, o processo de criação para a resolu-ção de tais problemas envolve quatro fases identificáveis: prepa-ração, incubação, inspiração e verificação (KNELLER, 1999).

A fase de preparação consiste na coleta de informações

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 43

sobre o problema a ser resolvido, incluindo pesquisas, leituras,anotações, indagações, explorações – enfim, um esforço cons-ciente (no sentido psicanalítico) de busca da solução. Após umperíodo de preparação sem resultados concretos (ou seja, sema solução do problema), o indivíduo entra na fase de incubação,na qual processos mentais inconscientes são acionados paratrabalhar. O inconsciente, “desimpedido pelo intelecto literal, fazas inesperadas conexões que constituem a essência da criação”(KNELLER, 1999, p. 67). Essa “essência da criação” é identificadacomo a fase de inspiração: acontece quando a ideia surge namente, de forma pronta – trata-se da solução pura e genial parao problema. Essa solução, no entanto, deve ainda ser testadapara se verificar a sua validade em termos práticos, e é este oobjeto da fase de verificação.

Embora diversos cientistas, pensadores, profissionais epessoas em geral tenham identificado, nos próprios atos cria-tivos, de forma individual e sem qualquer pesquisa ou referen-ciamento anterior, o mesmo processo geral, em nenhum mo-mento é explicado omotivo dele acontecer dessa exata maneira.Observam-se os efeitos, e cada pessoa, a sua própria maneira,infere um princípio para a criação individual, sem observar ascausas. O processo é indutivo, no sentido aristotélico, utilizandouma abordagem do tipo top-down1. No entanto, o que se buscaé o sentido oposto: o que causa o comportamento criativo – emoutras palavras, quais e como os componentes semânticos e ouniverso cognitivo de cada indivíduo contribuem para o pensa-mento criativo. Trata-se, nesse caso, de umaabordagem bottom-1 A abordagem top-down tenta explicar um fenômeno a partir dos seus efeitos

visíveis, ou seja, parte do “todo” para deduzir os componentes que constroemesse todo e as suas funções individuais.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 44

up2.

Umprimeiro passo nesse sentido seria identificar e cate-gorizar o problema conforme sua relevância – problemas mais“urgentes”, sob a perspectiva do indivíduo, exercem mais pres-são para sua solução, enquanto problemas irrelevantes são cos-tumeiramente postergados ou ignorados. Uma vez identificadoo problema, podemos delimitar um campo inicial de atuação –ou um espaço de pesquisa de soluções do problema. Em pro-blemas triviais e, pela definição apresentada, não criativos, a so-lução surgirá neste primeiro espaço de pesquisas. No entanto,em problemas que requerem a criatividade, a resposta não seráencontrada tão facilmente, e a busca no espaço inicial resultaráem respostas inaceitáveis (erros).

O campo de problema caracteriza-se pelas associaçõesmentais disparadas por proximidade semântica relativa ao as-sunto abordado. Por exemplo, um problema na área de Físicapoderá abranger conceitos relacionados a Matemática, a Enge-nharia, a Química, a Computação e a própria Física, mas normal-mente não abrangerá noções pertencentes as Artes, a Adminis-tração ou a Economia3. Outro fator que compõe o campo de pro-blema constitui-se nas experiências vividas pelo sujeito. Sabe-seque grande parte do aprendizado humano é decorrente dessasexperiências e que decisões referentes a situações encontradas2 Ao contrário da análise científica do tipo top-down, a abordagem bottom-up

tenta explicar como um determinado fenômeno pode ser entendido baseadonos seus componentes.

3 Essa noção baseia-se no conceito de rede hipertextual proposto por Lévy,onde o acionamento de nós específicos dentro da malha semântica é feitopor proximidade – conceitos próximos, como Física e Matemática, tendem aacionar regiões próximas na rede neuronial (princípio da topologia das redeshipertextuais). (LÉVY; COSTA, 1993, p. 26.)

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 45

no dia-a-dia são fortemente influenciadas por tais vivências 4.

Em umproblema não trivial, a resposta pode não estar li-gada diretamente ao campo inicial do problema. Nesse caso, osesforços embusca da solução serão constantemente frustrados,resultando em respostas inadequadas à situação que originou oproblema 5. A cada nova tentativa, o cérebro efetiva alteraçõesnos parâmetros do campo (regulações) e busca modificar as di-versas variáveis que compõemo problema e alcançar resultadossatisfatórios.

Na realidade, esse processo é identificado por Piagetcomomecanismo de equilibração (MONTANGERO, 1998, p. 151),como se observa na Figura 2 – Mecanismo de equilibração dePiaget.

Figura 2 – Mecanismo de equilibração de Piaget

Fonte: Criado pelo autor.

Essa abordagemdoprocesso de criação explica por queos criadores experimentam momentos de angústia e ansiedade4 Este conceito de aprendizagem forma a base de uma das principais aborda-

gens nas pesquisas de inteligência artificial: o raciocínio baseado em casos.5 Para Piaget, não existem respostas inadequadas, sendo a construção de qual-

quer resposta parte da construção de umsistemade estruturasmentais avan-çadas em constante desenvolvimento. Neste livro, entendemos “respostasinadequadas” no sentido prático da solução de problemas.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 46

quando envolvidos na solução de problemas complexos: taisemoções são causadas pelas tentativas frustradas do cérebrode atingir o estado de equilíbrio. Como as emoções são im-portantes instrumentos de regulação nos processos cerebrais6,quanto maior sua pressão (ou seja, quanto maior a angústia ea ansiedade provocadas pelas falhas do cérebro em atingir umnovo estado de equilíbrio) mais urgente o problema se torna. Ou-tra conclusão instigante é que a criação se desenvolve baseadano “erro” da arquitetura cognitiva humana em se adaptar a pro-blemas complexos.

3.1 A construção de soluções por meio do erro

Piaget afirma que o crescimentomental humano é “umapassagem contínua de um estado de menor equilíbrio a um es-tado de equilíbrio superior” (PIAGET, 1931, p. 123). Quando o cé-rebro se depara com um problema, entra em desequilíbrio. Emse tratando de um problema não-trivial, portanto criativo, o es-paço de pesquisa inicial pode não ser suficiente para a sua so-lução, causando um impasse: todas as estratégias conhecidaspara obter uma resposta foram utilizadas sem resultados. Comoconsequência, o mecanismo cerebral precisa expandir o espaçode pesquisa. Tal expansão abre novas possibilidades de explo-ração, forçando a ligação (inclusive fisiológica, envolvendo a for-mação de conexões neuroniais) de conceitos não relacionadosinicialmente. Nesse momento, começa a acontecer a estrutura-ção (no sentido piagetiano) de novos conhecimentos, obtendo-se como resultado final um novo e ampliado espaço de pesquisa.6 A emoção é considerada como uma função de avaliação contínua dos estí-

mulos internos e externos, em função da importância que eles se revestempara o organismo, e da reação que eles provocam necessariamente.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 47

Esse processo de ampliação e reestruturação continua até quese obtenha uma solução satisfatória para o problema ou que osaspectos emocionais intervenham no controle do processo, for-çando a sua interrupção 7.

Uma vez atingida uma solução satisfatória para o pro-blema, o processo mental e o espaço de pesquisa utilizados sãoincorporados de forma definitiva na memória de longo termo doindivíduo e passam a constituir seu escopo de experiências vivi-das e ampliam seu universo cognitivo. Nesse momento, pode-se dizer que foi atingido um novo estado de equilíbrio, superiorao que existia antes do problema, formando o que Piaget definecomo “equilibração majorante do tipo beta” (Figura 3 – Equilibra-ção majorante de Piaget).

Figura 3 – Equilibração majorante de Piaget

Fonte: Criado pelo autor.

Uma forma poética de se colocar a situação é que, noprocesso de criação, na busca pelo novo, a felicidade é o fra-casso.7 Caso a interrupção dos processos de solução de problemas torne-se cons-

tante (ocorrendo de forma sistemática), o indivíduo acabará por se tornar in-seguro de sua própria capacidade criativa, ocasionando bloqueios e traumaspsicológicos.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 48

3.2 Arquiteturas criativas para solução de proble-mas

Partindo-se do exposto acima, torna-se relativamentesimples modelar uma arquitetura cognitiva da criatividade como objetivo de possibilitar sua implementação em sistemas de in-teligência artificial. A Figura 4 –Modelo cognitivo da criatividadeapresenta uma visão geral desse modelo.

Esse modelo oferece uma visualização linear do pro-cesso criativo de solução de problemas. Note-se que a visuali-zação é oferecida dessa forma para facilitar a apreensão didá-tica da arquitetura. Na realidade, os processos mentais ocorremem paralelo, em áreas diversas do cérebro. Foram classificados,também, três tipos de problemas: os triviais, correspondentes àssituações do dia-a-dia (Como trocar uma lâmpada? Como amar-rar os sapatos?); os difíceis, em que são empregados os poderesmentais do pensamento convergente (KNELLER, 1999) e encon-tradas soluções por processos lógico dedutivos; e os complexos,que requerem a capacidade criadora para sua resolução.

A caixa “Domínio” representa as habilidades e competên-cias do indivíduo, segundo a classificação de Czikszentmihalyi(1988) apud (LASKE, 1993). Na avaliação inicial e na categori-zação de um problema, o domínio é de fundamental relevância,pois será fator decisivo na definição de sua prioridade (“grau deurgência”). Usualmente, quantomenor o domínio envolvendo umproblema específico, menor o interesse do indivíduo em resolvê-lo.

A caixa “Campos de Problemas” abrange os conceitose as representações individuais dos problemas vivenciados. É

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 49

Figura 4 – Modelo cognitivo da criatividade

Fonte: Criado pelo autor.

uma espécie de “índicemental”, que categoriza situações vividase as relacionadas a conceitos gerais “aprendidos” formalmente,por meio de instrução ou experiência. Como exemplo, o profis-sional de Administração que necessita incrementar as vendaspor meio da comunicação de uma promoção de preços poderá

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 50

categorizar esse problema como pertencente ao campo “propa-ganda”.

O “Universo cognitivo” é associado à memória de longotermo do indivíduo. Nele estão armazenadas todas as experiên-cias vividas e os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos.

A caixa de “Emoções” representa o fator emocional eestá presente em todos os momentos do processo de soluçãode problemas: participa na priorização das ações, no controledas atividades, nas decisões sobre continuidade do processo eé influenciada pela solução final.

A visualização do processo promove a observação dasolução de três tipos de problemas: triviais, cuja resposta é facil-mente encontrada já no processamento inicial, correspondentesàs situações rotineiras que encontramos no dia-a-dia; os proble-mas “difíceis”, cuja solução, embora não aparente, pode ser dedu-zida pela utilização de um processamento posterior (que Piagetidentifica como “abstração reflexionante”8), que viria a estruturaros conhecimentos sem, no entanto, alterar o espaço de pesqui-sas.

O terceiro tipo são os problemas considerados comocomplexos e envolvem uma ampliação do espaço de pesquisas,pois resultam de sucessivas respostas inadequadas tanto da ló-gica dedutiva quanto das experiências prévias em relação ao pro-blema inicial. Esse é um momento delicado na estruturação doraciocínio, pois é quando as emoções exercem maior pressão,obrigando o indivíduo a tomar, continuamente, decisões sobre8 Para Piaget, a abstração reflexionante é estruturante dos conhecimentos,

forma relações entre elementos e consolida conceitos e oferece uma visãode conjunto simultânea (MONTANGERO, 1998, p. 92-93).

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 51

a persistência no processo de busca da solução ou o seu aban-dono.

No novo espaço de problema, ampliado pelo impasseprovocado pela falta de respostas do raciocínio dedutivo e dasexperiências anteriores, o cérebro possui novos fatores, experi-ências e habilidades, tiradas de outras áreas não consideradasinicialmente, para aplicar ao problema, provocar a reestrutura-ção das conexões mentais e formar novas ligações, propiciandoo aparecimento da equilibraçãomajorante: uma vez resolvido sa-tisfatoriamente, o problema gera alívio e prazer (no âmbito emo-cional), agrega novas experiências (que passam a ser estocadasna memória de longo termo, ampliando o universo cognitivo doindivíduo), reestrutura os campos de problemas (pela incorpora-ção de novos conceitos e representações de problemas e solu-ções possíveis) e amplia o domínio geral (pela formação de no-vas relações entre campos inicialmente não relacionados).

Em termos de relações dinâmicas, a mudança de domí-nio acontece quando os mecanismos de percepção funcionamde forma diferenciada (em razão de interferências e ruídos), le-vando ao acionamento de diferentes nós na rede neuronial. O in-divíduo passa a “ver” a situação de forma diferente, em razão daatividade em regiões do cérebro que não estariam originalmenteassociadas àquele contexto específico.

3.3 Scripts e o encontro com a realidade objetiva

A Figura 5 – Dinâmica da criatividade sintetiza a formacom que as pessoas lidam com as situações, formalizando umadinâmica da criatividade.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 52

Figura 5 – Dinâmica da criatividade

Fonte: Criado pelo autor.

O modelo de aprendizagem piagetiano demonstra quetodo aprendizado surge de umasituação. Pormeio de esquemasde assimilação, o cérebro tenta compreendê-la, utilizando sua ex-periência para encaixá-la em um script 9 previamente definido etestado. Se esse script produz uma explicação aceitável da situ-ação, não há aprendizado real, mas um pensamento automático– uma resposta conhecida a um problema já experimentado.

Se, por um lado, não existe um script disponível quepossa lidar coma situação, por outro o indivíduo criativo tenta ex-pressar sua situação de forma intuitiva, utilizando recursos men-tais próprios. Em termos concretos, acontece naturalmente umamudança de domínio, e a solução para o problema é encontrada.9 Estrutura para um esquema que envolve uma compreensão comum sobre

os protagonistas, os objetos e a sequência de ações características numasituação estereotípica. O conceito de script utilizado é aquele proposto porSchank e Cleary (1995b), Schank e Cleary (1995a), Schank e Abelson (1995).

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 53

Esse é o caso de artistas com grande habilidade técnica: elestransformam a própria interpretação da realidade, levando-a aum domínio sobre o qual possuem controle e conhecimento to-tal.

Mesmo quando há um script preexistente, é concebívelque aconteçam falhas em determinadas situações. O script éinsuficiente para explicá-las. Nesse ponto, o indivíduo percebeque tem um problema e adota duas possíveis estratégias cog-nitivas: a convergente ou a divergente. O pensamento conver-gente (Guilford apud Kneller (1999)) fornece o caminho lógico,matemático. É o caso do enxadrista profissional, que trabalhacom um método mental para alcançar os resultados desejados.Sob essa perspectiva, não hámudança de domínio e, consequen-temente, a criatividade inexiste. Esse pensamento é adequadopara situações controladas, que possuem variáveis definidas emensuráveis, com um certo grau de previsibilidade. A estratégiadivergente trabalha com o cenário oposto: não existemmétodosconhecidos e seguros para enfrentar a situação nem variáveis fa-cilmente identificáveis ou mensuráveis que possam interferir nasolução do problema. O indivíduo não consegue encontrar, nodomínio inicial, elementos suficientes para lidar coma situação etenta buscar esses elementos em outros domínios e, numa rela-ção de analogia, encontrar subsídios para resolver seu problema.Esse é o caso em que há a criatividade consciente e objetiva, embusca da solução de problemas complexos. Esse tipo de criati-vidade é característico dos cientistas e inventores, dos publicitá-rios e estrategistas de marketing, dos grandes líderes popularese dos generais. E também de todas as pessoas comuns.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 54

3.4 Criatividade e inteligência artificial

Essa modelagem da resolução de problemas facilita aimplementação de sistemas de inteligência artificial que façamuso ou que se proponham a simular a criatividade humana. Suaabordagem linear permite a visualização do processo criativocomo um fluxo, facilitando especialmente sua adaptação parauso com sistemas especialistas, embora outras técnicas tam-bém possam ser utilizadas dependendo dos objetivos finais daprópria implementação.

O conceito de inteligência artificial como hoje é aceitonas ciências computacionais nasceu em1956, emumaconferên-cia de verão no Dartmouth College, emNewHampshire, EstadosUnidos. Sua base, no entanto, émuitomais antiga, e abrange dis-ciplinas como a Filosofia, especialmente a Lógica, a Matemáticae a Psicologia.

O objetivo central da inteligência artificial é “simultane-amente teórico – a criação de teorias e modelos para a capaci-dade cognitiva – e prático – a implementação de sistemas com-putacionais baseados nesses modelos” (BITTENCOURT, 1998,p. 20). Para isso, são desenvolvidos modelos cognitivos, comoa arquitetura cognitiva da criatividade apresentada neste traba-lho; implementações de aplicações; e construção de ferramen-tas computacionais (softwares) que permitam que os modelosmentais desenvolvidos possam ser experimentados nas imple-mentações propostas.

Uma implementação de inteligência artificial que se pro-ponha a simular a criatividade humana deverá levar em conside-ração os aspectos propostos na arquitetura cognitiva apresen-

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 55

tada, bem como considerar os efeitos do aprendizado de novassituações.

Para isso, o sistema deverá prover condições para:

a) expressar de respostas emocionais válidas, con-forme as pressões internas e externas ao sistema10;

b) viabilizar a alimentação de dados transparente aousuário, emulando o universo cognitivo do sistema;

c) incorporar sistemas algorítmicos de representaçõesdo conhecimento e conceitos inter-relacionáveis;

d) permitir categorizações e índices bem definidos, po-rém flexíveis, de habilidades e competências.

Um problema interessante para se resolver é a questãoda quantidade e dos tipos de competências e habilidades quedeveriam ser introduzidos no sistema, bem como de que formacombiná-las conforme as experiências. Ou seja, como resolvero problema da integração entre Domínio, Campos de Problemas,Universo cognitivo e Emoções, e de quemaneira cada umdeveráinteragir com o problema para formar o espaço de pesquisa ini-cial.

Uma questão pertinente é a de quais estratégias cogni-tivas serão utilizadas para construir seus raciocínios. Deduz-seque quanto mais estratégias cognitivas possuir o sistema, maisfacilidade terá na transição entre os domínios, portanto, maiorserá seu potencial criativo. Assim, um sistema de inteligência10 Uma vez que as emoções são fundamentais para o processo cognitivo hu-

mano, um sistema de inteligência artificial deverá utilizá-las para ser capazde interagir com o usuário de forma plena e fornecer respostas criativas paraos padrões humanos.

Capítulo 3. Uma arquitetura para a criatividade 56

artificial que se proponha a simular a criatividade deverá, em úl-tima análise, promover a facilitação do processo de transição en-tre os domínios, por meio da colocação de “obstáculos” nas es-tratégias cognitivas rotineiramente utilizadas. O sistema deverátestar várias abordagens para encontrar soluções de problemas,objetivando ganhar experiência na construção de novas relaçõesinterdomínios.

A chave para o funcionamento do modelo da criativi-dade apresentado é a formação dos domínios. Neles estaráestruturada toda a base de conhecimentos do sistema, assimcomo as relações entre os conceitos, as regras dessas relaçõese as prioridades na formação dos campos. O próximo capítuloirá expandir e aprofundar as possibilidades de construção dosdomínios em sistemas computacionais e inferir as relações pro-váveis entre representações de conhecimentos, pormeio das fer-ramentas conceituais propostas por Rosch (1973), Rosch e Mer-vis (1975), Varela, Rosch e Thompson (1992), Lévy e Costa (1993),Lévy e Authier (2000).

CAPÍT

ULO 4

DOMÍNIOS NATURAIS E COGNIÇÃOARTIFICIAL

ATÉ que ponto o computador pode pensar e o ser humano éapenas umamáquina? Essa pergunta vem adquirindo cada

vez mais importância desde o advento das tecnologias de inte-ligência artificial. Para respondê-la, devem-se compreender osaspectos fundamentais das abordagens cognitivas humanas eas arquiteturas de sistemas computacionais.

Este capítulo apresenta uma possível resposta por inter-médio de uma análise da fundamentação teórica das principaisabordagens cognitivas (representacionismo, nova robótica e es-cola chilena); da transposição dos conceitos de redes hipertex-tuais de significados, de categorias e de domínios a sistemas de

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 58

inteligência artificial; e da possibilidade de implementar um sis-tema de inteligência artificial, construído com base nesses con-ceitos, que poderá simular o comportamento inteligente e a cri-atividade. Também são apresentadas as diferenças entre o pen-samento humano e o “pensamento digital”.

Os conceitos e estudos apresentados objetivam funda-mentar a possibilidade da construção de domínios mentais, nostermos citados no capítulo anterior, em sistemas de inteligênciaartificial.

4.1 Representacionismo, Nova Robótica e EscolaChilena: as abordagens cognitivas

As abordagens cognitivas tradicionais baseiam-se no re-presentacionismo, ou seja, na assunção da capacidade humanade cognição ser possível por meio da representação mental1 deobjetos do mundo. Trata-se de uma abordagem top-down: so-mente a partir das atividades cognitivas superiores – linguageme pensamento simbólico-abstrato, entre outras – são possíveisatividadesmais básicas, comoosenso comum (TEIXEIRA, 1998).De fato, o simbolismo e a representação mental possuem carac-terísticas fundamentais para o raciocínio abstrato, e deles deri-vam a capacidade de construir “mundos possíveis”2, tornandoviável a antecipação do futuro e o sistemamental de planos e pro-duções. Pormeio de representações domundopode-se criarmo-1 O conceito de representação, neste artigo, é o mesmo utilizado por Damásio

(2012): “‘padrão que é conscientemente relacionado a algo’, quer se refira auma imagem mental, quer a um conjunto coerente de atividades neurais emuma região cerebral específica” (DAMÁSIO, 2012, p. 404-405).

2 A teoria de mundos possíveis foi proposta por Leibnitz e Langley, e suas apli-cações são extensas no campo da Lógica Modal.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 59

delos e simular eventos, formando realidades alternativas que se-rão avaliadas conforme sua pertinência à situação. Em termosteóricos, isso significa que omundo somente existiria a partir doponto de vista individual, internalizado em processos mentais re-presentativos dos estados desse mundo. Assim, as pessoas vi-veriam em função de uma realidade virtual3, como agentes oni-potentes, oniscientes e onipresentes em todos os seus aspectos,uma vez que as representações são construções mentais cons-cientes e deliberadas.

A teoria clássica da representação parte da pressupo-sição da estranheza do mundo em relação à mente que o con-cebe, resultando no entendimento de “mundo” e de “mente” comoduas entidades separadas e distintas – a representação seria,portanto, uma recuperação de um aspecto domundo externo doqual a mente não faz parte. E mais: a representação, segundo avisão clássica, deveria possuir propriedades especiais que a dis-tinguissem dos objetos representados. Ela seria, portanto, algomais do que uma relação física ou uma relação entre coisas domundo (TEIXEIRA, 1998).

As teorias cognitivas representacionais possuem umagrande funcionalidade quando analisadas sob a perspectiva deum indivíduo maduro, com grande bagagem de representaçõesmentais. Fica mais simples apreender um mundo quando seuselementos estão representados, possibilitando a construção demodelos que o descrevam. Assim, é possível antecipar o que de-verá acontecer quando se executa qualquer ação concreta, comoabrir uma porta, levantar um garfo para trazer o alimento à boca,3 Utilizamos “virtual” no sentido empregado por Lévy (2003): aquilo que possui

potência para ser.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 60

dirigir um automóvel, virar uma maçaneta, acender a luz, riscarum fósforo, e praticamente quaisquer ações imagináveis, pois jáexistem descrições aperfeiçoadas para todas elas. Isso permiteque o indivíduo crie um modelo mental que irá simular todos osmovimentos para, por exemplo, abrir uma porta: a estimativa dadistância da mão até a maçaneta, os movimentos para alcançá-la, a força necessária para girá-la, a pressão para segurar amaça-neta enquanto a porta é empurrada, e até mesmo a imaginaçãodo que estará atrás da porta, invisível aos nossos olhos.

Há, porém, perguntas não respondidas pela teoria repre-sentacional. As principais críticas são fruto dos trabalhos danova robótica desenvolvida por Brooks (1991a), Brooks (1991b),Brooks e Stein (1994), Brooks (1996), Brooks (1997) nos labora-tórios do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pela es-cola cognitiva chilena. Sob o ponto de vista da nova robótica, acognição retoma alguns conceitos formulados inicialmente porMinsky (1988)4, aplicando-os às novas tecnologias, revestidoscom um enfoque voltado à inteligência artificial. A nova robóticatrabalha com o conceito de “camadas” de comportamento autô-matas e independentes, capazes de tomar suas próprias deci-sões conforme as entradas que recebem do ambiente e forneceruma saída. Cada camada é umamáquina de estado finito ampli-ada, ignorante de outras máquinas e de funcionamento limitadoà sua tarefa específica. Um grupo de máquinas de estado finitoformam um comportamento, como “pegar alguma coisa”: uma4 Minsky propõe que o comportamento inteligente é inconsciente ao indivíduo,

executado por deamons, ou homúnculos, independentes e superespecializa-dos. Cada deamon é ignorante da existência de outros deamons e capaz deexecutar apenas uma tarefa extremamente simplificada. Por meio de meca-nismos de inibição e excitação, os deamons trabalhariam sinergeticamente,formando um tipo de “sociedade mental”, que viria a caracterizar o pensa-mento humano.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 61

camada é responsável por verificar a distância, outra por andaraté a coisa, outra por movimentar os membros para agarrá-la,outra por controlar a pressão para segurá-la, e assim por diante.Cada camada é ativada ou inibida por uma circunstância do am-biente externo ou por uma saída de outra máquina, captada pormeio dos dispositivos de entrada, e controlada por um timer sen-sível ao contexto. Máquinas de estado finito (Figura 6 – Repre-sentação da máquina de estado finito) são a base da arquiteturade subsunção, ideia fundamental para a proposta de Brooks eque une a percepção de um mundo externo à ação sobre essemundo, sem representações prévias.

Figura 6 – Representação da máquina de estado finito

Fonte: Teixeira (1998, p. 136)

Ou seja, para a nova robótica, a estratégia da cognição ébottom-up: “a simulação do comportamento inteligente deve tercomo ponto de partida os comportamentos simples, mundanos,que não requerem a existência prévia de representações” (TEI-XEIRA, 1998, p. 134).

A escola chilena repete a crítica da nova robótica à teo-ria representacional e acrescenta um outro aspecto: a limitaçãoimposta à teoria cognitiva tradicional pelos paradigmas herda-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 62

dos da filosofia clássica, que postulavam a imaterialidade men-tal para dar conta da distinção entre “mente” e “mundo”, criandouma inescrutabilidade dos processos mentais. Essa limitaçãodeu origem à expressão ghost in the machine como forma deum substrato invisível e intangível, que seria a base dos proces-sos mentais e do próprio conceito de significado, fundação se-mântica de todas as representações.

Esse problema torna-se fundamental quando se exa-mina a questão da intencionalidade sob o ponto de vista cogni-tivo e consciente. Acontece que a intencionalidade não pode serexpressa em termos simbólicos e, portanto, é impossível ser re-presentada cognitivamente. Essa limitação começa a trazer es-tagnação teórica e tecnológica, principalmente no campo da in-teligência artificial, a partir dos anos 60, quando do insucesso daconstrução de máquinas de tradução capazes de compreendero contexto e a intencionalidade do autor, pois eram baseadas emconceitos representacionais, ignorando a semântica contextual.“Em suma, a ideia de conhecimento como representação pareceestar na raiz das dificuldades tecnológicas aparentes envolvidasna construção desses sistemas: explosão combinatorial, com-portamento rígido e assim por diante”(TEIXEIRA, 1998, p. 146) (ogrifo é do autor).

Varela apud Teixeira (1998, p. 147) define a cogniçãocomo “ação efetiva: história do acoplamento estrutural que fazemergir um mundo (. . . ) através de uma rede de elementos in-terconectados capazes de mudanças estruturais ao longo deuma história ininterrupta”. Essa definição pressupõe a inteligên-cia como uma interação entre sujeito e ambiente ao longo de umtempo contínuo. Nesse aspecto, a cognição de Varela é bem pró-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 63

xima à de Piaget5.

Tanto as críticas da nova robótica quanto as da escolachilena levantamquestionamentos pertinentes à teoria cognitivarepresentacional, principalmente sob os aspectos da intenciona-lidade e da necessidade da preexistência de representações paraa atividade cognitiva. Emumaanálise funcional, entretanto, as re-presentações possuem méritos, pois oferecem um ferramentalviável para a solução de problemas concretos, desde que pos-sam ser devidamente simbolizadas e contextualizadas. Há quese considerar as bases do cálculo matemático para as soluçõesdesses problemas, principalmente quanto à precisão dos resul-tados: a arquitetura representacional pode, a partir de um mo-delo construído, prever estatisticamente os resultados matemá-ticos prováveis. Essas cálculos, no entanto, não levam em contaos inúmeros fatores reais presentes no mundo no momento daexecução da solução, permitindo apenas uma aproximação, con-forme explica Lévy (1987):

(. . . ) o sistema real vê-se submetidoa uma multidão de perturbações quevão desde a respiração do experimenta-dor presente na sala até o movimentode um núcleo de hidrogênio em Alfado Centauro. Ora, essas perturbaçõestornam-se rapidamente expressivas, aum ponto tal que o resultado do cálculo,embora exato, ainda assim estará muitodistante do resultado observado. (. . . )Os engenheiros da NASA sabem perfei-

5 Para Piaget, o aprendizado seria consequência de processos de assimilaçãode uma realidade externa e adaptação a essa realidade pormeio de ummeca-nismo de equilibração contínuo e ininterrupto. Sob esse aspecto, cognição en-volveria a ação sobre o mundo produzindo mudanças estruturais – por meioda movimentação do próprio corpo, por exemplo – que serve de base para aconstrução dos modelos mentais referentes para futuras ações.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 64

tamente que os computadores à sua dis-posição, embora extremamente poten-tes, não podem calcular o trajeto exatodas naves espaciais a partir das condi-ções astronômicas e astronáuticas inici-ais. (LÉVY, 1987, p. 105)

Isso significa que as representações são úteis para tes-tar modelos e simular resultados, mas sua aplicação na vida realestá limitada à precisão domodelo que descreve o mundo. Umavez que modelos são construídos com base na simplificação darealidade – fruto do necessário “purismo” científico –, há que seconcluir que dificilmente existirá modelo que consiga abrangertodos os aspectos a serem simulados. Novamente, é Lévy quemmelhor coloca a situação:

No caso de uma simulação, todas asdecisões sobre o que poderia ser perti-nente para a evolução do sistema estu-dado foram tomadas de uma vez só, nomomento da formalização do modelo.A experiência real, por sua vez, semprepode deixar aparecer a importância deum fator no qual não se pensara no mo-mento de sua elaboração.(LÉVY, 1987,p. 106)

O mesmo argumento que permitiria a derrocada do re-presentacionismo pode ser considerado um de seus sustentácu-los: já que é impossível construir um modelo perfeito – ou umarepresentação perfeita – da realidade, toma-se como ponto departida a melhor descrição possível do real com o objetivo de, apartir daí, interagir com o mundo. De fato, as novas técnicas deinteligência artificial utilizam justamente esse conceito para de-senvolver sistemas inteligentes: o raciocínio baseado em casospermite que o sistema “aprenda” por intermédio damemória das

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 65

experiências passadas (ou, em termos cognitivos, da represen-tação do conhecimento), incrementando o modelo por meio daação executada emcada novo episódio, ao longo de umahistóriacontínua. Os algoritmos genéticos usam uma ideia semelhante:“reprogramam-se” conforme as pressões do ambiente e da me-mória genética, acrescentando-se fatores aleatórios (que simu-lam as mutações genéticas da biologia) a cada nova geração aolongo de seu processo evolutivo.

4.2 As metáforas do pensamento: redes, categoriase domínios

4.2.1 As redes hipertextuais de Lévy

Os estudos da nova robótica demonstram que o com-portamento inteligente pode existir sem qualquer representaçãomental prévia. No entanto, também deixam claro que represen-tações podem ser construídas a partir da ação do sujeito cog-noscente sobre o meio, por meio da formação de uma históriaininterrupta. Essa história torna-se viável a partir da fisiologia –humana ou simulada – da memória como uma teia para o ar-quivamento e recuperação das ações executadas e de suas con-sequências para futura utilização em situações semelhantes. Aorganização damemória humana é episódica e forma uma estru-tura narrativa que acaba por criar uma rede de conhecimentos in-timamente relacionados, da qual o cérebro tem consciência emrazão da sua relevância emocional (DAMÁSIO, 2012).

A construção, sempre contínua, dessa rede de conhe-cimentos pode ser concebida segundo as sugestões de Lévy eAuthier (2000), por meio de uma rede hipertextual de significa-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 66

dos. A base funcional dessa rede está nas relações entre osseus nós – a ativação de um nó estimula a ativação de nós in-terligados6, que, por sua vez, estimulam outros nós, e assim su-cessivamente, até que todos os nós relacionados àquele conhe-cimento estejam ativados. Isso é feito de forma automática, le-vando a uma renegociação das relações entre os nós para refor-çar ou destruir conceitos e significados prévios em função dasnovas experiências. Uma das grandes vantagens de se concebero pensamento como uma rede hipertextual é a sua imensa faci-lidade para acomodar as diversas formas de perceber o mundo:imagens, palavras, sons, roteiros, sentimentos – praticamentequalquer coisa pode ser um nó. As conexões entre os nós, porsua vez, são construídas por meio da observação de relaçõesde causa-efeito no mundo. Quando o sujeito cognoscente agesobre a realidade, provocando uma mudança, essa mudança épercebida como realimentação para seu sistema cognitivo, o quegera uma nova ponte entre nós e cria uma regra lógica: se isto,então aquilo. A validade dessa regra será testada inúmeras ve-zes ao longo da história do indivíduo, levando-o a reforçá-la ou adescartá-la como inválida.

Entretanto, a criação efetiva de redes hipertextuais estácondicionada à sua relevância para o sujeito. A sua consolidaçãona memória será efetivada apenas se o fator emocional estiverpresente – ou seja, se a história em que se criou tal situação tiversignificado, seja por meio da analogia com experiências prévias,seja por meio da identificação de uma instância futura, seja emrazão de uma reação emocional aprendida. Quanto mais fortes6 As propriedades de uma rede hipertextual da natureza proposta por Lévy e

Authier, e, portanto, importantes para a compreensão da ativação de seusnós, são: dinamicidade, heterogeneidade, fractalidade, abertura para o meio,topologia e automação.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 67

esses fatores, mais chances terá a rede de se instalar na memó-ria. E quanto mais recorrência for feita a ela, por meio do acessoa seus nós, mais ativa será a sua participação nos processoscognitivos como um todo.

As redes hipertextuais fornecemumbompano de fundopara a compreensão do pensamento humano como algo cor-rente, abrangente, flexível e variado. Isso somente é possívelem razão da fisiologia humana, que dispõe de um sistema ner-voso central e altamente plástico, com capacidade de conectarsimultaneamente diversas redes de neurônios por intermédio dereações eletroquímicas, para provocar comportamentos especí-ficos. Em um sistema de inteligência artificial, a arquitetura dehardware atual não permite amesma plasticidade do cérebro hu-mano. Essa plasticidade tenta ser simulada por meio de softwa-res e pela interconexão de diversos hardwares externos. Apesarde conseguir simular redes hipertextuais com relativo sucesso,essas técnicas deixam muito a desejar em razão das limitaçõestecnológicas e conceituais embutidas em seu próprio desenvol-vimento. Questões teóricas não respondidas, como os aspec-tos relativos à intencionalidade da rede, limitam suas aplicaçõespráticas, enquanto a pouca capacidade de processamento para-lelo e a arquitetura digital7 tornam quase impossível o relaciona-mento inter e intra redes, inibindo o comportamento criativo dosistema.

Porém, quando a intenção é a simulação da própria me-mória humana, como estruturação de um sistema de armaze-namento e recuperação de informações históricas por meio dorelacionamento de causa-efeito, a topologia das redes hipertextu-7 Os processos cognitivos humanos funcionam por analogia com a realidade.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 68

ais apresenta grande funcionalidade em sistemas de inteligênciaartificial. Aplicações como datawarehouses e datammining sãobeneficiadas com as possibilidades de acesso a informações dediversas naturezas (palavras, sons, imagens etc.) e da pesquisapor relações entre essas informações ao invés da informaçãoem si. Nesse ponto, há enorme proximidade do sistema digitalcom a inteligência humana. O ser humano, ao buscar lembrar-se de uma situação específica, busca suas referências por meiode relações entre eventos, pessoas, imagens, sons e outras situ-ações, e não por intermédio da procura pela situação em si. Osistema de indexação mental humano é muito mais relacionaldo que diretivo.

4.2.2 A teoria de categorias e protótipos

Outra metáfora para a organização do pensamento hu-mano apresenta-se por meio dos conceitos de prototipos e cate-gorias introduzidos por Varela, Rosch e Thompson (1992) e de-senvolvidos por Rosch (1973), Rosch e Mervis (1975). Os prin-cípios fundamentais da teoria dos protótipos e das categoriascognitivas baseiam-se na noção de que a percepção do mundoacontece por intermédio da analogia entre objetos dessemundo,numa busca de semelhanças entre esses objetos. Quanto maioro grau de coincidência de aspectos percebidos, mais próximosestarão os objetos sob o ponto de vista cognitivo. Um grupo deobjetos com características semelhantes forma uma categoria.O grau de refinamento descritivo das categorias varia conformea experiência que o indivíduo possui com as entidades das cate-gorias. Rosch introduz, com base nessa observação, a noção defronteiras difusas entre as categorias – até que ponto uma enti-dade pertence à categoria A e não à categoria B é uma questão

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 69

de experiência individual, acontecendo continuamente em umambiente cultural que alimenta expectativas e demanda respos-tas adequadas do sujeito Ungerer e Schmid (2013). As fronteirasdifusas explicam a sobreposição de categorias – elementos quenão são claramente identificados com pertencentes à categoriaA ou à B, podendo ser relacionados a ambas as categorias.

É interessante observar que não são as entidades físi-cas que se misturam umas às outras, mas as categorias das en-tidades, que são produtos de classificação cognitiva. Ou seja,não são os limites das entidades que são vagos, mas os dascategorias desses processos cognitivos. Em termos mais rea-lísticos, as margens difusas são áreas de atrito entre categoriasadjacentes, muitas das quais são dependentes do contexto.

Uma vez que as categorias possuem membros diferen-tes, que podem representar melhores ou piores exemplos des-sas categorias, é necessário investigar o que diferencia essesmembros. Daí surge a noção de atributo como um conjunto decaracterísticas comuns aos membros da categoria. Vale ressal-tar que estes atributos podem não existir uniformemente em to-dos os membros, mas apenas em alguns exemplos. Os atribu-tos que definem um pássaro, por exemplo, podem ser: “colocaovos”, “possui um bico”, “tem duas asas e duas pernas”, “tem pe-nas”, “pode voar”, “é pequeno e leve”, “pia/canta”, “tem pernas pe-quenas e finas”, “possui uma cauda curta”. Um avestruz não épequeno, não voa e não tem pernas pequenas e finas. Um pin-guim possui ainda menos atributos de um pássaro, mas aindaassim o identificamos como tal. O que se observa é que os atri-butos são uma rede de características sobrepostas que funcionapor proximidade de exemplos. Essa é a ideia de semelhança de

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 70

família, definida na forma de uma série de itens da natureza deAB, BC, CD, DE e assim por diante. Isto é, cada membro possuipelo menos um elemento em comum com um ou mais mem-bros, mas nenhum ou muito poucos elementos são comuns atodos os membros.

A estrutura de atributos de uma categoria baseada emprototipos pode ser resumida da seguinte maneira:

a) membros prototípicos de categorias cognitivas(bons exemplos da categoria) possuem o maior nú-mero comum de atributos com outros membros dacategoria e o menor número de atributos comparti-lhados com membros de categorias vizinhas – ouseja, protótipos de categorias apresentam a maiordistinção possível de outros prototipos;

b) membrosmarginais de categorias (maus exemplos)compartilham apenas um pequeno número de atri-butos com outros membros da sua categoria, maspossuem vários atributos em comum com outrascategorias – ou seja, os limites das categorias real-mente são difusos.

Um resumo sobre categorias cognitivas pode ser apre-sentado da seguinte forma:

a) categorias não representam divisões arbitrárias domundo, mas são baseadas nas capacidades cogniti-vas da mente humana;

b) categorias cognitivas de cores, formas, organismose objetos concretos são ancoradas em prototipos,

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 71

que têm um importante papel na formação das pró-prias categorias;

c) os limites das categorias são difusos;

d) variando entre os protótipos e os limites, categoriascognitivas possuemmembros que podem ser avalia-dos conforme sejam “bons” ou “maus” exemplos dacategoria.

A teoria dos protótipos dá conta de uma outra maneirade representar o mundo: por meio da analogia direta com a reali-dade. Os sistemas computacionais ainda carecem de estruturasperceptivas que os possibilitem entender a realidade como umpovoamento de entidades independentes que possuem caracte-rísticas comuns8. As tecnologias de identificação de formas, porexemplo, apesar de grandes avanços nos últimos anos, ainda éincapaz de perceber até mesmo os padrões mais simples, facil-mente identificáveis por crianças humanas. Quando colocadosem um ambiente social, com a infinidade de relacionamentosentre as pessoas, e levando-se em conta os aspectos políticos,econômicos, culturais e rituais – entre outros –, os sistemas digi-tais não possuem capacidade para categorizar essas entidadesde forma adequada, faltando-lhes as estruturas perceptivas9 ne-cessárias para apreender as sutilezas dessas relações 10.8 As características compartilhadas pelas entidades do mundo podem ser vi-

suais ou contextuais. Um membro de uma categoria pode-se aproximar deoutro tanto por meio de um comportamento semelhante quanto por meio desuas características físicas, por exemplo.

9 Entendem-se como estruturas perceptivas as capacidades advindas, no casohumano, dos sentidos que permitem a interação com o mundo –visual, audi-tiva, olfativa, gustatória e sômato-sensitiva – acrescidas da capacidade dalinguagem.

10 Não entraremos nomérito da experiência necessária para a interpretação dasatitudes e de outras ações humanas, pois parte-se do pressuposto de que tal

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 72

A viabilização digital do conceito de categorias e prototi-pos, no entanto, pode ser útil caso seja construída artificialmente,a priori da utilização do sistema. Trata-se damodelagemde umaarquitetura de categorias, com a definição prévia (programada)dos seus atributos e da entrada classificada de entidades emcada categoria definida. Cria-se, assim, um modelo computaci-onal de um grupo de categorias, bem como de ponteiros para oreconhecimento dos atributos das entidades que as compõeme das entidades que povoam o mundo. Esse modelo simularia,por exemplo, a categoria de “máquinas que andam sobre rodas”,e nelas estariam contidas as entidades “carro”, “caminhão”, “tremde ferro”, “avião”11 e assimpor diante. Tambémdeveriamestar lis-tados os atributos necessários para que as entidades se caracte-rizassem como membros – “ter rodas”, “possuir motor”, “andar”,“parar” etc.

A funcionalidade de um sistema computacional base-ado em categorias reside em sua aplicação na estruturação si-mulada de domínios mentais. Domínios são organizados emtorno de classes de conhecimentos e podem ser entendidoscomo categorias mentais de grande abrangência. Quando é ne-cessária a recuperação de alguma informação técnica, por exem-plo, a mente humana recorre a um domínio específico em buscade conhecimento. Quando se depara com um problema mate-mático, geralmente busca-se a resposta em noções associadasa fórmulas, equações, conjuntos, matrizes, números e assim por

tipo de interpretação poderia vir a ser aprendida pelo sistemapela observaçãode relações de causa-efeito, dada a existência de tecnologias adequadas paracapturar esse tipo de relação.

11 Note-se que a entidade “avião” poderia pertencer – até mais propriamente– à categoria “máquinas que voam”. Porém, um dos principais atributos dacategoria “máquinas que andam sobre rodas” é possuir rodas, atributo com-partilhado pelo avião.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 73

diante, e não em representações mentais associadas a arte, di-versão, história etc.12 A estruturação de um sistema de inteligên-cia artificial utilizando comometáfora a categorização pode, por-tanto, servir como base para a simulação artificial de domíniosmentais, trazendo a funcionalidade de uma representação domundo próxima aos métodos descritivos humanos e, portanto,em uma linguagem mais natural.

4.3 Implementação de domínios cognitivos em sis-temas digitais

A aplicação simultânea das teorias de redes hipertextu-ais de significados e de categorias pode gerar as bases neces-sárias para, com as tecnologias atualmente disponíveis, cons-truir um sistema de inteligência artificial que apresente compor-tamento criativo e que, segundo Chalmers (1997), poderá vir a de-senvolver consciência própria, intencionalidade e reações bempróximas às humanas13. A implementação aconteceria em ca-madas (como sugere a nova robótica), partindo-se de um “baixonível” para tratamento direto com o ambiente (“camada percep-tiva”), que teria como entradas informações sobre o mundo cole-tadas por sensores específicos (dados introduzidos pelo teclado,pelo mouse ou por outros mecanismos comumente encontra-12 É interessante observar que o pensamento criativo, inusitado, pode residir

justamente em umprocessomental oposto ao citado. Quando se busca umasolução criativa para um problema específico, muitas vezes a resposta estáem uma analogia em outro domínio.

13 Vale ressaltar que a natureza exata dessas intenções e reações provavel-mente permanecerá desconhecida, já que a base de funcionamento dos sis-temas humano e digital é fundamentalmente distinta – uma analogia seme-lhante seria comparar as emoções entre seres humanos e macacos: sabe-se que ambos possuem emoções, porém sua natureza é bastante diferente.(DENNETT, 2013)

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 74

dos em sistemas domésticos também qualificam-se como sen-sores, nesse caso). A segunda camada identificaria as informa-ções, enquadrando-as em categorias predefinidas ou, caso es-tas não existam, armazenando-as na área de trabalho para pro-cessamento posterior – essa camada poderia ser referenciadacomo “camada de identificação”. A camada seguinte buscariarelações entre as informações recém-categorizadas e as entida-des já existentes, ativando uma ou mais redes hipertextuais designificados – seria a “camada relacional”. Essas relações pode-riam ser, então, qualificadas (muito fortes, fortes, normais, fra-cas, muito fracas ou algum outro sistema de qualificação quepermita hierarquizar as relações), para que possam ser atribuí-dos valores e selecionadas novas categorias para uso no tra-tamento da situação. A qualificação daria origem, portanto, à“camada qualificatória”. Uma vez identificadas as melhores re-lações, funcionaria uma nova camada relacional’, desta vez emsentido oposto – a entrada seriam as relações, e a saída, as me-lhores categorias que atendemàs relações estabelecidas. Nessemomento, entraria em funcionamento uma “camada adequa-tiva”, que selecionaria as categorias pertinentes à situação ini-cialmente encontrada, encaminhando-as novamente à camadarelacional, para identificaçãodas relações entre essas categoriasselecionadas. Por fim, as relações seriam repassadas a uma “ca-mada interativa”, que transformaria as relações encontradas emação sobre omundo, inclusive na forma de linguagem, caso estaseja uma das relações selecionadas.

Essa implementação assemelha-se a uma espécie de“linha de montagem de pensamentos”, como se todas as opera-ções fossem realizadas em série. No entanto, com o desenvol-vimento das redes de processamento distribuído, algumas ope-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 75

rações podem ocorrer em paralelo, como as pertinentes à ca-mada perceptiva, que recolhe informações sobre o ambiente aomesmo tempo em que a camada de identificação analisa os da-dos previamente recolhidos. Na realidade, como o sistema estáinserido em uma história, o funcionamento é constante e ininter-rupto em todas as camadas.

Por estar inserido em uma história, e não dedicado aoprocessamento de um único evento, haverá sempre uma má-quina de estado finito ampliada e combinatorial14 alocada para ocontrole de cada operação, responsável pela armazenagem dasnovas situações encontradas emcategorias preexistentes e pelamanutenção das redes hipertextuais do sistema (incluindo re-forço ou destruição e criação de novas pontes entre nós). Essaseria a “camada de controle e armazenamento”. Chalmers pro-põe a implementação de sistemas inteligentes que poderiamtornar-se conscientes por meio da utilização dessas máquinasde estado finito ampliadas e combinatoriais.

Também é necessária a implementação de um subsis-tema para o tratamento do erro. O erro acontece quando o sis-tema se depara com uma situação totalmente inédita, não apre-sentando nem categorias e nem redes predefinidas para adequa-damente negociá-la. Nesse caso, o subsistema encontra-se pro-gramado para fazer uma varredura pelas demais categorias e re-des, buscando as maiores semelhanças e diferenças possíveis,e executa uma sobreposição dos resultados – em suma, utilizaa experiência formada por uma rede ou categoria inapropriada14 As máquinas de estado finito ampliadas e combinatoriais são como máqui-

nas de estado finito comuns, porém possuem como entradas vetores, e nãodados simples; seu funcionamento interno e saídas são orientados a vetoresde informações (CHALMERS, 1997).

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 76

como subsídio para a criação de novos domínios ou para a incor-poração da nova situação em categorias e redes preexistentes,mediante a execução do modelo pré-programado. Em termoscomputacionais, esse subsistema funcionaria como um bufferde informações para as quais não existe tratamento específico,enquanto o sistema tenta descobrir qual amelhor estratégia paratratá-las. No sistema cognitivo humano, faria um papel seme-lhante ao da nossa memória de trabalho.

As camadas desse sistema de inteligência podem serdecupadas conforme demonstra Figura 7 – Implementação deum sistema de inteligência artificial baseado em camadas.

Figura 7 – Implementação de um sistema de inteligência artifi-cial baseado em camadas

Fonte: Criado pelo autor.

Observe-se que, no diagrama, a camada de controle earmazenamento está acumulando as funções de controle, pro-priamente dita, e de armazenamento das relações. Dependendoda complexidade do sistema e das limitações de hardware e deferramentas de implementação, essas funções podem ser sepa-radas em camadas distintas.

Por meio da utilização de redes hipertextuais de signifi-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 77

cados e de categorias cognitivas, aplicadas em uma implemen-tação de máquinas de estado finito distribuídas em camadas, épossível simular a cognição humana em sistemas computacio-nais, tendo-se como resultado um sistema com comportamentoe estruturas “mentais” bem próximas às que se acreditam exis-tir no cérebro humano. A Tabela 5 – Simulação dos processosmentais em sistemas computacionais explicita as possibilida-des computacionais para tal simulação.

Tabela 5 – Simulação dos processos mentais em sistemas computacio-nais

Processos Mentais Construto para Simulação

Representação domundo

Camadas:— perceptiva— identificação— relacionalEstratégias:— categorização das entradas;— identificação de relações (redes)

Processamento dasituação

Camadas:— qualificatória— relacional— adequativaEstratégias:— comparação (das relações entre as

entidades – redes)— categorização das relações

Ação sobre o mundo

Camadas:— interativa

Estratégias:— seleção de categorias e relações

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 78

Processos Mentais Construto para Simulação

Tratamento do erro

Camadas:— tratamento do erro

Estratégias:— categorização do erro— categorização da experiência— relacionamentos decorrentes da

experiência (resultados integrados àsredes hipertextuais)

Controle doprocesso

Camadas:— controle e armazenamento

Estratégias:— categorização da experiência— manutenção das redes

Entretanto, a existência dos mecanismos que possibili-tam a simulação da inteligência não é condição suficiente paraque realmente exista inteligência. Tanto esta como a sua carac-terística observável – o comportamento inteligente – dependemde bases de conhecimentos e de relações entre essas bases;computadores e seres humanos compartilham bases de conhe-cimento sustentadas em hardwares diferentes, impondo a obri-gatoriedade da aproximação do sistema cognitivo humano pormeio de sua simulação, conforme demonstrado na Tabela 6 –Cérebro humano e sistemas computacionais.

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 79

Tabela 6 – Cérebro humano e sistemas computacionais

Processos deInteligência

Cérebro HumanoSistemasComputacionais

Organização dainformação

— Rede hipertextual— Protótipos ecategorias

— Bases de dados(datawarehouses)

Representaçãodo mundo

— Analógica (ícones)— Digital (linguagem)

— Digital

Evidência doprocesso

— Consciência— Varredura emparalelo, comprocessamento embackground— Não exclusivo

— Não consciente— Varredura seriada,com processamentoem primeiro plano— Exclusivo

Abertura aestímulos

— Aberto a estímulosexternos durante oprocessamento

— Fechado a estímulos

Dependências

— Depende deconhecimentos eexperiências prévias(crenças)

— Depende de basesde dados bemmontadas

Orientação e tipodeprocessamento

— Por relevância— Difusa

— Coincidência deinformações- Exata

A implementação desse tipo de sistema, a princípio,pode ser realizada em qualquer tipo de hardware computacional.A efetivação e os testes necessários, entretanto, estão além doescopodeste trabalho, abrindo portas para novas pesquisas e de-

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 80

senvolvimento de processos e técnicas de aplicações para inte-ligência artificial. Em especial, a arquitetura sugerida parece per-mitir a construção de domínios cognitivos computacionais, pormeio da categorização de entidades e de relações hipertextuaisde significados, possibilitando o surgimento de insights criativosdo próprio sistema pelo “aprendizado”, em razão do tratamentode erros, gerando um consequente aumento da quantidade decategorias cognitivas e das relações entre elas (redes). Em apli-cações voltadas à criatividade e à solução de problemas por ana-logia, parece adequada a utilização desse tipo de estrutura.

Baseado no exposto, a formação de domínios artificiaisencontra suporte nas teorias apresentadas. De fato, as pesqui-sas da Nova Robótica atestam a capacidade de se construir re-presentações de objetos com base na interação com o meio; ateoria das categorias e dos protótipos de Rosch (1973), Rosche Mervis (1975), Varela, Rosch e Thompson (1992) permite com-preender os mecanismos de formação de conceitos por meiodas representações de objetos; e as redes hipertextuais de Lévye Authier fazemas ligações entre os conceitos para a construçãode um domínio. A integração desses domínios em um sistemade inteligência artificial que de fato aplique o modelo da criati-vidade proposto na Figura 4 – Modelo cognitivo da criatividade,entretanto, ainda deve responder a algumas considerações, es-pecialmente as pertinentes à função exploratória do modelo emsi, das possibilidades técnicas de efetivamente implementá-lo edas estratégias para a auto-organização dos domínios. A seguir,buscam-se respostas para essas considerações, apresentandouma análise das potencialidades do sistema como ferramentade aprendizado; dos métodos de inteligência artificial mais ade-quados para implementá-lo em uma arquitetura de camadas; e

Capítulo 4. Domínios naturais e cognição artificial 81

dos estudos de Heylighen para a auto-organização da rede dedomínios.

CAPÍT

ULO 5

CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMACRIATIVO ARTIFICIAL DE

APRENDIZAGEM

UM modelo é de pouco uso se não puder ser aplicado, tes-tado, comprovado e aperfeiçoado. Na ciência cognitiva,

umadasmelhoresmaneiras de testarmodelos é implementá-lospormeio de um protótipo, utilizando linguagens de programaçãoe uma descrição formal de seus métodos. Embora este trabalhotenha seu escopo na definição do modelo, é de interesse cientí-fico que sejam sugeridas algumas direções para uma eventualconstrução de um protótipo.

Com essa finalidade, este capítulo descreve, sucinta-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 83

mente, alguns aspectos a serem considerados no desenvolvi-mento de umsistema que utilize a arquitetura da criatividade pro-posta. Esses aspectos abrangem:

a) a ergonomia e a função pedagógica do protótipo soba perspectiva do seu usuário, fornecendo indicaçõesde como poderá ser uma interface tanto de comuni-cação quanto de percepção da realidade;

b) algumas possíveis técnicas de inteligência artificialpromissoras para implementação em camadas dosistema; e

c) uma estratégia para a auto-organização, por meiodas redes de vinculações propostas por Heylighen(2001).

Em momento algum são detalhadas as formalizaçõesnecessárias para a implementação nem as opções de lingua-gens que poderiam ser adotadas.

5.1 Ergonomia e a função pedagógica de um protó-tipo

Historicamente, o processo educacional esteve sempreligado à própria evolução social da humanidade (GADOTTI, 1999).Portanto, para entendê-lo em sua plenitude, seria necessáriauma análise detalhada dos aspectos culturais, sociais, econômi-cos, políticos e tecnológicos que permeiam a sociedade. Essanão é a intenção deste capítulo. Ao invés disso, preferiu-se focaras interações entre o indivíduo-aluno e os possíveis ambientesde aprendizado tecnológicos, analisando os fatores que influen-ciam a eficiência de tal aprendizagem e sugerindo alternativas

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 84

para melhorar a eficácia do processo. Para isso, torna-se neces-sário familiarizar-se com algumas estratégias cognitivas para oaprendizado, com alguns ambientes virtualizados e com as inte-rações entre o aprendiz e o mestre.

5.1.1 Estratégias cognitivas para o aprendizado

A história da psicologia do aprendizado remonta, noque interessa ao estudo em questão, ao século IV a.C., especi-ficamente à escola de filosofia fundada por Platão para difun-dir as ideias de Sócrates. No livro VII de “A República” (Platão,2002), Platão expõe o mito da caverna, alegoria segundo a qualo mundo que conhecemos não é senão a sombra projetada emuma parede da caverna da realidade pelas ideias puras que sãoinculcadas, ao nascer, em nossa alma. Ou seja, o conhecimentoé sempre a projeção de nossas ideias inatas (POZO, 1998). Essadoutrina ressurgiu no pensamento racionalista e idealista de Des-cartes, Leibniz e Kant e foi revisitada por autores representativosdomovimento cognitivista atual, como Fodor e Chomsky. Aristó-teles, discípulo de Platão, desenvolveu outra doutrina: a da tábularasa, segundo a qual o conhecimento provém dos sentidos quedotam a mente de imagens, que se associam entre si segundotrês leis: a contiguidade, a semelhança e o contraste. A influên-cia de Aristóteles será sentida na psicologia da aprendizagempor meio de seus reflexos no estruturalismo e, principalmente,no comportamentalismo de Skinner (GADOTTI, 1999).

A respeito do comportamentalismo, trata-se de umaforma de resposta ao subjetivismo. Para os comportamentalis-tas, o estudo dos processos mentais superiores para a compre-ensão da conduta humana é desnecessário: aprende-se por con-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 85

dicionamento e repetição (POZO, 1998). O impulso dado por di-versos fatores externos à psicologia, especialmente a evoluçãotecnológica, as novas teorias da comunicação, a linguística e a ci-bernética, trouxe um novo paradigma, representado pelo proces-samento de informações, que torna possível o estudo dos pro-cessos mentais que o comportamentalismo negava. Esses no-vos estudos, apoiados em bases tecnológicas e buscando umainterdisciplinaridade em campos como a filosofia, a informática,a medicina e a própria psicologia, geraram a escola cognitivista.

A relevância dessas duas doutrinas para a aprendiza-gem é significativa. Historicamente, inclusive nos dias atuais,há um predomínio do enfoque comportamentalista nas metodo-logias de ensino das escolas de praticamente todos os níveis.Teóricos como Chi e Rees (1983), Gagné Glaser (1987), Mandler(1985), Shuell (1986) apud Pozo (1998), entre outros, acreditamhaver motivos para se confiar na possibilidade de que o enfoquecognitivista venha a ser adotado comomodelo de aprendizagemem um futuro próximo. Na realidade, algumas experiências já es-tão sendo realizadas nesse sentido, mas são ainda estudos em-brionários e que não chegam a representar ummovimento clarorumo à adoção da psicologia cognitiva da aprendizagem (POZO,1998).

Lakatos (1978) apud Pozo (1998) desenvolveu uma apli-cação da teoria comportamentalista à aprendizagem, que bus-cava conciliar os fundamentos do condicionamento e da repeti-ção como bases para a pesquisa científica, e esta como fator deaprendizado (Figura 8–Ocomportamentalismocomoprogramade pesquisa científica.

Uma das principais críticas ao comportamentalismo é a

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 86

Figura 8 – O comportamentalismo como programa de pesquisacientífica

Fonte: Pozo (1998, p. 25)

sua incapacidade de produzir respostas teóricas originais. Comoconsequência, novos programas vêm sendo elaborados, cujafundamental diferença é uma liberação do núcleo conceitualcomportamentalista, eliminando, principalmente, a rejeição dosprocessos cognitivos e aprofundando o processamento de infor-mações (POZO, 1998). O conceito central da psicologia cognitiva,na qual se embasa este novo programa, é mais abrangente doque o próprio conceito de processamento de informações. Se-gundo Rivière (1987) apud Pozo (1998), “o mais geral e comumque podemos dizer da Psicologia Cognitiva é que remete à expli-cação da conduta, a entidadesmentais, a estados, a processos e

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 87

disposições de natureza mental, para os quais reclama um nívelde discurso próprio” (POZO, 1998, p. 41-41). Isso significa, por-tanto, que a ação do sujeito está determinada por suas represen-tações mentais (Figura 9 – O processamento de informaçõescomo programa de investigação científica).

Figura 9 – O processamento de informações como programa deinvestigação científica

Fonte: Pozo (1998, p. 42.)

Assim, a capacidade de aprendizagem estaria determi-nada pela forma como o indivíduo representa seus conhecimen-tos, em conjunto com as suas capacidades de memória e comos seus processos cognitivos causais. Para adquirir essas repre-sentações, o ser humano tem como canais seus mecanismos

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 88

de assimilação, aqui entendidos “no sentido amplo de uma in-tegração às estruturas prévias” (POZO, 1998, p. 41-41), e utiliza,para isso, seus sentidos como porta para uma percepção domundo externo, aliados a processos mentais de tratamento dasinformações. A maior ou menor efetividade dessa assimilaçãodepende de fatores de aprendizado, que variam de pessoa parapessoa, constituindo estratégias de aprendizagem. Essas estra-tégias levam em conta fatores emocionais, motivacionais, sen-soriais e intelectuais (ou, utilizando uma terminologia computa-cional, lógico-matemáticos).

5.1.2 Fatores emocionais

Goleman (2012) coloca a problemática da inteligênciaemocional como um novo tipo de competência, que pressupõeo cultivo de aptidões que são próprias do “coração humano”.Sua teoria entra em cena no contexto de uma sociedade emque há aumento crescente na violência em praticamente todasas suas formas (criminalidade, suicídios, abuso de drogas e ou-tros indicadores de mal-estar social); o individualismo, até comoconsequência das pressões sociais, atinge um exacerbamentonunca visto, ocasionando, por sua vez, uma competitividadecada vez maior, principalmente no mercado de trabalho e nomeio acadêmico. Essa conjunção de fatores traz o isolamentoe a deteriorização das relações sociais, o que gera uma lenta de-sintegração da vida em comunidade e a necessidade de autoa-firmação.

Colocando esse cenário sob a perspectiva da aprendiza-gem, depreende-se a noção de que a educação emocional – ou,em outras palavras, o aprendizado emocional – necessita urgen-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 89

temente ser repensada. O cérebro humano possui mecanismospara lidar com as emoções, mas tais mecanismos são fruto deuma evolução biológica que remonta à própria origem da vida(PINKER, 1998). Nosso aparato mental está preparado para con-frontar situações “selvagens”, como as encontradas em uma flo-resta, mas possui poucos recursos para confrontar o trânsito nohorário do rush. Nas palavras de Goleman (2012):

Em nosso repertório emocional, cadaemoção desempenha uma função espe-cífica, como revelam suas distintas assi-naturas biológicas (. . . ). Diante das no-vas tecnologias que permitem perscru-tar o cérebro e o corpo como um todo,os pesquisadores estão descobrindo de-talhes fisiológicos que permitem a verifi-cação de como diferentes tipos de emo-ções preparam o corpo para diferentestipos de resposta:Na raiva, o sangue flui para as mãos, tor-nando mais fácil sacar a arma ou gol-pear o inimigo; os batimentos cardía-cos aceleram-se e uma onda de hormô-nios, a adrenalina, entre outros, gerauma pulsação, energia suficientementeforte para uma atuação vigorosa.No medo, o sangue corre para os mús-culos do esqueleto, como os das per-nas, facilitando a fuga; o rosto fica lí-vido, já que o sangue lhe é subtraído (. . . ).Ao mesmo tempo, o corpo imobiliza-se,ainda que por um breve momento, tal-vez para permitir que a pessoa considerea possibilidade de, em vez de agir, fu-gir e se esconder. Circuitos existentesnos centros emocionais do cérebro dis-param a torrente de hormônios que põeo corpo emalerta geral, tornando-o inqui-eto e pronto para agir. A atenção se fixana ameaça imediata, para melhor calcu-lar a resposta a ser dada.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 90

A sensação de felicidade causa uma dasprincipais alterações biológicas. A ati-vidade do centro cerebral é incremen-tada, o que inibe sentimentos negativose favorece o aumento da energia exis-tente, silenciando aqueles que gerampensamentos de preocupação. Mas nãoocorre nenhuma mudança particular nafisiologia, a não ser uma tranquilidade,que faz com que o corpo se recupererapidamente do estímulo causado poremoções perturbadoras. Essa configu-ração dá ao corpo um total relaxamento,assim como disposição e entusiasmopara a execução de qualquer tarefa quesurja e para seguir em direção a umagrande variedade de metas.O Amor, os sentimentos de afeição ea satisfação sexual implicam estimula-ção parassimpática, o que se constituino oposto fisiológico que mobiliza para“lutar-ou-fugir” que ocorre quando o sen-timento é de medo ou ira. O padrão pa-rassimpático, chamado de “resposta derelaxamento”, é um conjunto de reaçõesque percorre todo o corpo, provocandoum estado geral de calma e satisfação,facilitando a recuperação.O erguer das sobrancelhas, na surpresa,proporciona uma varredura visual maisampla, e também mais luz para a retina.Isso permite que obtenhamos mais in-formação sobre um acontecimento quese deu de forma inesperada, tornandomais fácil perceber exatamente o queestá acontecendo e conceber o melhorplano de ação.Em todo omundo, a expressão de repug-nância se assemelha e envia a mesmamensagem: alguma coisa desagradouao gosto ou ao olfato, real oumetaforica-mente. A expressão facial de repugnân-cia (. . . ) sugere, como observou Darwin,uma tentativa primeva de tapar as nari-nas para evitar um odor nocivo ou cuspirfora uma comida estragada.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 91

Uma das principais funções da tristezaé a de propiciar um ajustamento a umagrande perda, como a morte de alguémou uma decepção significativa. A tris-teza acarreta uma perda de energiae de entusiasmo pelas atividades davida, em particular por diversões e pra-zeres. Quando a tristeza é profunda,aproximando-se da depressão, a velo-cidade metabólica do corpo fica redu-zida. (. . . ) É possível que essa perda deenergia tenha tido como objetivo man-ter os seres humanos vulneráveis em es-tado de tristeza para que permaneces-sem perto de casa, onde estariam emmaior segurança. (MONTANGERO, 1998,p. 144)

Essa diversidade emocional demonstra que existemmo-mentos e situações que propiciam uma aprendizagem mais efe-tiva. Uma metodologia de ensino que buscasse provocar umasensação de felicidade, ou que se dispusesse a, no mínimo, res-peitarmomentos de tristeza ou raiva, teriamais condições de for-mar novas estruturas mentais e relacionar mais eficientementeos conhecimentos adquiridos.

5.1.3 Fatores motivacionais

A motivação traz embutida o conceito de impulso paraa ação e para a manutenção da ação. Schank e Cleary (1995a)propõe que o aprendizado é um processo natural, que acontecena forma de uma “cascata”: primeiro, o aprendiz adota umameta,em sequência gera uma pergunta ou um questionamento e, final-mente, responde à pergunta. Esse processo traz de forma implí-cita a importância do fatormotivacional no aprendizado: quandose deseja aprender a andar de bicicleta, por exemplo, uma metafoi adotada. No decorrer do processo “andar de bicicleta”, o

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 92

aprendiz irá cair, se desequilibrar ou parecer tolo, e isso tudo ofará questionar, mesmo que internamente, o que está fazendode errado – por que não consegue andar de bicicleta? Buscará,então, respostas a esse questionamento, e aprenderá.

No entanto, Schank e Cleary não explicita o papel moti-vacional inicial: por que alguém gostaria de andar de bicicleta? E,para dar sequência ao raciocínio, por que o aprendiz não desistiuquando caiu pela primeira vez? Essa motivação para “continuartentando” é consequência das pressões internalizadas por senti-mentos de inadequação, de desafio ou de curiosidade. Portanto,para que o aprendizado se concretize em sua plenitude, é neces-sário um constante estímulo às motivações do estudante.

Para conseguir manter a motivação, pesquisadoresdesenvolvem novas propostas educacionais, como a auto-orientação e a eficácia pessoal como metas educacionais.Dessa forma, os estudantes podem tomar suas próprias deci-sões sobre seu aprendizado, cultivando um desejo presente emtodos os seres humanos: a independência. Outro importantefator motivacional é a relevância do aprendizado. Estudantesaprendemmais efetivamente quando o que está sendo ensinadotem relação direta com a sua realidade, oferecendo-lhe a oportu-nidade de se tornar umagente de sua própria vida (FREIRE, 2014).“Quando professores ligamnovas informações ao conhecimentoprévio do estudante, ativam o seu interesse e curiosidade, e em-butem a instrução com um senso de propósito” (PRESSEISEN,1999).

Não é suficiente, portanto, que se adote apenas a “cas-cata natural” proposta por Schank e Cleary. O educador precisamostrar ao estudante que é bom entrar na água, se molhar e “es-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 93

calar a cascata”.

5.1.4 Fatores sensoriais

Os sentidos são a porta de entrada para as informaçõesdo mundo. O que se conhece deriva de forma direta dos meca-nismos que possuímos para apreender a realidade e representá-la. Como fenômeno biológico, o ser humano possui sistemasde percepção capazes de estimular o cérebro a interagir com omundo com o intuito de compreendê-lo ou de modificá-lo, a fimde garantir a adaptação1 da espécie. A qualidade dessa percep-ção varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura.

Perceber é conhecer, através dos senti-dos, objetos e situações. (. . . ) O atode perceber ainda pode caracterizar-sepela limitação informativa. Percebe-seem função de uma perspectiva. A pos-sibilidade de se apreender a totalidadedo objeto apenas ocorre na imaginação,que, por outro lado, constitui formade or-ganização da consciência internamenteprotegida contra o erro. (PENNA, 1968,p. 11).

Sob essa definição escondem-se alguns aspectos fun-damentais para o aprendizado. Um deles é a limitação da quanti-dade e da qualidade das informações que podem ser percebidas.Isso é facilmente entendido quando se estuda, por exemplo, his-tória clássica. Pormais que se leia sobre o assunto, nenhum livropoderá transmitir acuradamente os sentimentos, os odores, ascores, as tensões sociais e políticas que existiam na época. Ou-tro aspecto aborda a questão da perspectiva: percebe-se o que1 Adapatação, nesse contexto, possui o sentido darwinista associado à adap-

tação seletiva – precisamos nos adaptar para que possamos sobreviver.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 94

se quer perceber. Na prática do aprendizado, isso significa quepouco adianta insistir em ensinar a um aluno que possui basede conhecimentos diferente da do professor, posto que sua pers-pectiva em relação ao assunto abordado é outra – seria comotentar conversar com um chinês sem saber falar chinês. Nessecaso, segundo o conceito de percepção de Penna, não há percep-ção real do objeto de estudo, mas uma construçãomental inade-quada que protege amente contra o erro. Colocando-se de outraforma, “nenhum ser humano (. . . ) consegue dominar elementosapresentados sob uma forma não gerenciável pelo sistema ner-voso” (GREENSPAN, 1999).

5.1.5 Fatores intelectuais

Para Piaget, todo aprendizado é fruto de relações men-tais de abstração e equilibração. Em outras palavras, o ser hu-mano busca constantemente o aprimoramento das suas capa-cidades superiores de raciocínio. Assim, utilizando mecanismosde assimilação, acomodação e adaptação2, as pessoas apren-dem com seus erros e acertos, analisando-os por intermédio deoperações mentais e relações de agrupamento. Esse processoé o que Piaget chama de mecanismo de equilibração.

Podem ser incluídos, nos fatores intelectuais, as opera-ções, as relações, os agrupamentos, a construção de esquemase a estruturação, todos segundo a perspectiva piagetiana. Defato, de tais manipulações mentais deriva a representação da re-alidade que cada um possui. Para Piaget, a inteligência é cons-truída de forma contínua, por meio de processos de abstração2 Adaptação, nesse caso, tem o sentido piagetiano de “realização de um equilí-

brio progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação com-plementar” (PIAGET, 1931)

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 95

mental que resultam das relações entre indivíduo e objeto. Es-sas relações acontecem, em sua formamais elevada, como ope-rações abstratas, que dão conta da realidade associando estru-turas mentais e criando esquemas de assimilação da realidade.Daí a denominação de fatores intelectuais: sua eficácia dependeda coordenação mental lógico-matemática, influenciada pelosdemais fatores como a percepção, a emoção e a motivação.

A importância dos fatores intelectuais é determinanteda qualidade do aprendizado tanto quanto os demais fatores. Al-guns educadores tendem a colocar demais ênfase nos aspec-tos intelectuais, esquecendo-se, porém, que estes mesmos fa-tores dependem de uma série de circunstâncias externas a eles(ANTUNES, 1998; GARDNER, 2000). Em outras palavras, é impor-tante pensar, mas o mundo não existe apenas de pensamentos.

O aprendizado, portanto, depende de uma conjunção defatores de ordem dual, envolvendo, em última análise, aspectosfísicos (sensoriais e intelectuais) e emotivos (motivacionais eemocionais), com relacionamentos complexos entre si e com oambiente externo (Figura 10 – A interação dos fatores nos espa-ços de aprendizagem).

A análise desses fatores sugere a existência de dois es-paços para a aprendizagem, um internalizado, em que atuam deforma mais efetiva os fatores emocionais e os intelectuais, e ou-tro mais geral, que permite interações mais complexas do indi-víduo com o ambiente, mediadas pelos fatores motivacionais esensoriais. Partindo-se dessa visualização, não há aprendizadosem que todos os fatores estejam envolvidos, em maior ou me-nor grau, na formação do conhecimento (GREENSPAN, 1999).

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 96

Figura 10 – A interação dos fatores nos espaços de aprendiza-gem

Fonte: Criado pelo autor.

5.1.6 A interface e o ambiente virtualizado

A otimização desses fatores de aprendizagem em umprograma de ensino com bases tecnológicas tende a permitirmelhor aproveitamento das capacidades cognitivas dos estu-dantes. Para isso, seria necessária a construção de umambientevirtualizado em que o aluno fosse motivado a entrar, pudesse ex-por suas iniciativas e sentir-se bem com isso, interagisse, comseus sentidos, com o objeto de estudo, e fosse-lhe permitido de-duzir comportamentos, regras e relações do objeto com a sua re-alidade. Também seria importante deixá-lo errar e construir suaprópria “base de conhecimentos” sobre o assunto.

Schank (1997), Schank (1996), Schank e Cleary (1995b),Schank (1995b), Schank (1995a) propõe diversos ambientes de

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 97

aprendizagem que se utilizam de estratégias cognitivas variadasobjetivando justamente a construção dessas condições ideaisde aprendizagem. Suas arquiteturas utilizam recursos que:

a) exploram o campo perceptivo;

b) trabalham com as emoções, buscandomotivar o es-tudante;

c) deixam que o próprio estudante determine seu ritmode aprendizagem;

d) conduzem o aluno a raciocinar e a deduzir regras so-bre as situações vivenciadas;

e) aproximam o objeto de estudo à realidade do alunopor meio de simulações; e

f) orientam o estudante a explorar várias possibilida-des, de modo que este construa perspectivas dife-rentes sobre o que está estudando.

Para uma efetiva exploração de todas as estratégiascognitivas para a aprendizagem, é necessário desenvolver umambiente que permita as interações entre os fatores. Ou seja,tal ambiente necessita levar em consideração não apenas os fa-tores em si, mas a sua interação, e permitir feedback emocio-nal, sensorial ou ambos, para dar continuidade motivacional àaprendizagem. Convém lembrar que, como defende Piaget, amudança é o estado natural do ser humano – estamos sempreem processo de equilibração, entendendo-a como “uma suces-são de compensações ativas do sujeito em resposta às perturba-ções exteriores e de uma regulação, aomesmo tempo, retroativa(sistemas em anel ou feedback) e antecipadora, constituindo umsistema permanente de tais compensações” (PIAGET, 1931).

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 98

Um ambiente de tal natureza pode ser construído tam-bém na Internet, com a utilização das tecnologias de inteligênciaartificial e de comunicação de dados de banda larga. A interativi-dade hoje característica da Internet permite que o ambiente for-neça feedback real ao estudante, gerando desafios, estimulandoa curiosidade e oferecendo perspectivas (fatores motivacionais).Também possibilita a geração de problemas complexos auto-máticos, pertinentes ou complementares ao objeto de estudodo aluno, levando-o a utilizar faculdades lógico-matemáticas eefetuar relações entre as proposições (fatores intelectuais). Aspossibilidades de contato com outras pessoas, ou com os pró-prios tutores inteligentes que um ambiente virtualizado comoproposto necessariamente teria, dá ao aluno a opção de descon-tração, de dispersão para outras áreas, de troca de experiênciase de alívio da tensão emocional inerente à solução de problemasparticularmente difíceis (fatores emocionais). Finalmente, o am-plo leque de recursos multimídia disponíveis possibilita a trocade informações entre o ambiente e o aluno utilizando vários sen-tidos, complementando e reforçando os conteúdos importantespormeio do apelo a várias habilidadesmentais3 (fatores sensori-ais). A execução de um ambiente completo já é possível com asferramentas atuais, bastando apenas a formação de uma equipemultidisciplinar e de recursos financeiros para o projeto.

As estratégias cognitivas para a aprendizagem podemser entendidas como uma conjunção de fatores que definemuma variedade de formas de interação responsáveis pela ampli-tude do conhecimento do indivíduo. O conhecimento desses fa-tores (emocionais, motivacionais, sensoriais e intelectuais) per-3 Entendemos “habilidades mentais” como as inteligências múltiplas propos-

tas por Gardner (2000).

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 99

mite ao educador preparar os conteúdos pedagógicos commaiseficiência e conseguir, efetivamente, melhor aprendizagem paraseus alunos.

Esses fatores são também importantes no projeto deambientes virtualizados para a aprendizagem. As experiênciasde Schank e Cleary (1995a) demonstram o potencial de umaabordagem natural para o ensino, mas deixa implícita a existên-cias desses fatores. A tomada de consciência de sua existênciapoderia definir uma novametodologia de trabalho para a constru-ção desses ambientes, focada não apenas na aprendizagem na-tural, mas também na interação dos aspectos emocionais, sen-soriais, motivacionais e intelectuais para a formação de um ciclopermanente de aprendizagem, em que o indivíduo estaria sendocontinuamente motivado, emocionado, desafiado e interpeladosensorialmente, em um espaço de aprendizagem rico em estí-mulos e em feedback.

Pesquisas nessa área poderiam buscar apoio nas teo-rias de LeDoux (1998), Goleman (2012), Greenspan (1999), sobreos aspectos emocionais e motivacionais; nas ideias gestaltistase nas fundamentações biológicas sobre os sentidos, para um tra-balho mais aprofundado sobre os aspectos sensoriais; nos estu-dos dos cognitivistas, como Piaget (1931), Pozo (1998), Pinker(1998), sobre os aspectos intelectuais; e nas obras de cientis-tas ligados à inteligência artificial, como Minsky (1988), Schank(1997), Dennett (2013) , entre diversos outros.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 100

5.2 Implementação: alguns modelos de inteligênciaartificial

A implementação de uma arquitetura cognitiva da criati-vidade voltada ao aprendizado e à validação do próprio modeloproposto envolve problemas técnicos de análise e de programa-ção. Os recursos computacionais alocados para a base de co-nhecimentos–aspecto fundamental na criação–devemser vas-tos, porém não podem inviabilizar o processamento das informa-ções nem os mecanismos de controle e de regulação. As técni-cas, portanto, deverão utilizar uma arquitetura modular e inter-relacionada e operar em camadas, bem como construir funçõese operações conforme a necessidade.

As metáforas da inteligência artificial podem indicar al-gumas alternativas interessantes para a implementação do mo-delo, utilizando técnicas híbridas de raciocínio baseado em ca-sos, redes neuroniais e algoritmos genéticos. Para cada ca-mada do modelo, uma ou mais técnicas podem ser utilizadas,formando um sistema artificial que deverá simular os proces-sos mentais envolvidos na criatividade: percepção da situação,formação do espaço de pesquisa, ampliação do espaço de pes-quisa, cruzamento de referências inter e intradomínios, valida-ção da solução e incorporação à base de conhecimentos (uni-verso cognitivo do sistema). Permeando todo o processo, de-verá havermecanismos de controle e regulação, simulando emo-ções e introduzindo ruídos (caos) para tornar a simulação “legí-tima”. Trata-se, de fato, de um sistema autopoiético (ROMESÍN;VARELA, 2006), uma vez que a estruturação interna permite queo sistema se auto-organize e se autorregule.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 101

Osmétodos de inteligência artificial relevantes para a im-plementação da arquitetura proposta são apresentados, sucinta-mente, a seguir.

5.2.1 Raciocínio baseado em casos (Case-based reaso-ning – CBR)

Esta técnica parte do princípio de que o conhecimentohumano – fundamentado, principalmente, na memória – é epi-sódico (SCHANK; CLEARY, 1995a), e o aprendizado acontece apartir da adaptação de experiências passadas a novas situações,numa relação de analogia. O conceito fundamental dessa téc-nica é o aprendizado: a partir de experiências antigas, o sistemapode aprender a lidar com novas situações. Em termos práticos,o sistema mantém um repositório de casos e, à medida que no-vos casos são apresentados, busca em seu repertório casos se-melhantes, aplicando na nova situação a experiência antiga.

CBR está baseado em um modelo decognição humana que lida com conheci-mento em forma de exemplos de expe-riências concretas. Surge basicamenteda pesquisa na área deCiênciaCognitivano trabalho de Schank e Abelson emme-mória dinâmica e o papel central que alembrança de situações anteriores (epi-sódios e casos) e padrões de situações(em forma de scripts que descrevem in-formações sobre eventos estereótipose Pacotes de Organização de Memória(Memory Organization Packets – MOPs),expressando os padrões das situações)têm no aprendizado e na solução de pro-blemas. (WANGENHEIM, 2000)

Esse é justamente o conceito da formação do espaçoinicial de pesquisa. Portanto, o raciocínio baseado em casos

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 102

pode ser utilizado como ferramenta de busca inicial da solução,definindo o escopo da pesquisa e preparando o campo de conhe-cimentos a ser utilizado.

5.2.2 Redes neurais

O modelo neurológico humano foi o ponto de partidapara essa técnica de inteligência artificial, que busca imitar o fun-cionamento do cérebro, montando uma rede de neurônios artifi-ciais operando de forma similar aos biológicos, por meio de umprograma autodesenvolvido que conecta simultaneamente seusneurônios para emular a maneira que a mente humana desen-volve modelos e teorias sobre o mundo.

O funcionamento dessa rede é fundamentado na ca-pacidade de um neurônio estimular o outro (ativando-o) ou desuprimi-lo (inibindo-o). À medida que se forma uma massa crí-tica de ativações, a rede gera modelos da situação, baseadosnos estímulos recebidos que iniciaram a reação em cadeia. Umacaracterística da rede neuronial é sua capacidade de “preencherlacunas” nas informações de entrada – em outras palavras, a ha-bilidade de compreender a informação mesmo que ela esteja in-completa. Isso acontece em razão da característica intrínsecada própria rede, que opera conceitualmente por meio de proximi-dade: se um nó é ativado, provavelmente um nó próximo seráativado, principalmente se, no passado, a ativação tiver aconte-cido para ambos os nós.

Esse modelo é interessante para implementar, na arqui-tetura cognitiva da criatividade, os mecanismos de percepçãoda situação e de evolução da busca da solução. A partir dos da-dos inicialmente apresentados sobre o problema, o sistema se-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 103

lecionaria o repositório de conhecimentos conforme a ativaçãodos neurônios. Dessa forma, o sistema seleciona o domínio eo campo inicial da pesquisa. À medida que a busca no reposi-tório de casos progride, a rede se auto-alimenta e busca “encai-xar” a nova percepção (interna) da situação a casos já existentes,mesmo que a sobreposição não seja perfeita. Uma vez esgota-dos os casos no domínio inicial, a rede ampliaria a busca paraoutros domínios, procurando, da mesma forma, a sobreposiçãodas situações existentes com as novas situações. Sua função,nesse caso, é a de um mecanismo de analogia.

Thaler (1997) desenvolveu uma rede semelhante, a qualbatizou de “Creativity Machine”. Na sua própria descrição,

Uma rede neuronial, quando negada decontribuições e sujeita a disrupções in-ternas, forma um poderoso mecanismode pesquisa dentro de qualquer espaçoconceitual. Emparelhada com uma rede‘crítica’, nós formamos o que alguns cha-maram a mãe de toda a invenção, atão falada ‘CreativityMachine’. (THALER,1997)

5.2.3 Algoritmos genéticos e programação evolucionária

As redes neuroniais, em especial a proposta por Thaler,incorporam características de sistemas dinâmicos complexos,fundamentalmente os ruídos a que estão submetidos tais sis-temas. Trata-se de uma tentativa de aproximação dos fenôme-nos do mundo natural, em que a geometria euclidiana e o deter-minismo vêm sendo substituídos pelos fractais de Mandelbrot(1982)4 e pelo indeterminismo.4 O desenvolvimento do conceito de fractais está diretamente relacionado à

teoria dos sistemas dinâmicos, popularmente conhecida como “caos”. Se-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 104

Algoritmos genéticos são modelos de máquinas queaprendem cujo comportamento é derivado dos mecanismosevolutivos da natureza5. Isso é feito por meio de mutações ecross-overs entre cromossomos 6, em uma competição pelosespécimes mais aptos a sobreviver em um ambiente e, por con-sequência, capazes de melhor transmitir seu material genético.A implementação de algoritmos genéticos, em geral, aconteceda seguinte forma:

a) avalia-se a adequação de todos os indivíduos da po-pulação;

b) cria-se uma nova população por meio de operaçõesde mutação, cross-over e reprodução dos indivíduosavaliados; e

c) descarta-se a população antiga e interage-se com anova.

Ao longo do tempo, os conceitos dos algoritmos gené-ticos evoluíram e deram origem a outras técnicas semelhantes.A mais relevante para o presente estudo é a Programação Evo-lucionária, que trabalha com o conceito de otimização estocás-tica colocando sua ênfase nas relações comportamentais entre“pais” e “filhos” ao invés de tentar emular operadores genéticosespecíficos existentes na natureza. Uma das principais diferen-ças entre os algoritmos genéticos e a programação evolucioná-ria é a representação do conhecimento. No primeiro, a represen-

gundo essa teoria, uma pequena alteração nos valores iniciais de um sistemaproduz grandes diferenças em um curto período de tempo.

5 Vale ressaltar que, na natureza ou em sistemas genéticos, a evolução não éumprocesso diretivo ou comumpropósito, mas uma característica aleatória.

6 No contexto da inteligência artificial, cromossomos são cadeias de caracte-res análogos aos cromossomos de base 4 do próprio DNA humano.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 105

tação estava limitada a cadeias de caracteres (simulando o ge-noma), enquanto na segunda a representação é derivada do pró-prio problema. Uma rede neuronial, portanto, pode ser represen-tada da mesma maneira em que é implementada, pois as opera-ções demutação não exigem uma codificação linear. Uma outradiferença fundamental é que a programação evolucionária é diri-gida – à medida que se aproxima de um objetivo previamentedefinido, as mutações vão gradualmente diminuindo. Mesmoquando o objetivo não é conhecido inicialmente, ainda assim épossível implementar a programação evolucionária, por intermé-dio de técnicas em que a distribuição das próprias mutações éobjeto de uma mutação que evolui junto com a solução.

Para a criatividade, a programação evolucionária intro-duz a possibilidade de mecanismos de controle e de regulaçãona busca da solução. Esses mecanismos seriam responsáveispela introdução de ruídos (mutações) e facilitariam a transiçãode domínios e a analogia dos casos armazenados. Também se-riam capazes de criar modelos de avaliações das soluções en-contradas e testá-las, expandindo a capacidade de aprendizadopara domínios desconhecidos pelo sistema. Por fim, os algorit-mos genéticos e a programação evolucionária poderiam simularos aspectos emocionais presentes no processo criativo humano,fornecendo um contexto emocional e de pressões sobre o protó-tipo. Esse mesmo contexto poderia direcionar a própria buscadas soluções, forçando a evolução do sistema.

5.2.4 Integração e camadas

Para a execução do modelo, as camadas devem estarintegradas, objetivando ummecanismo que permita uma descri-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 106

ção do mundo (situação) coerente com a experiência anteriordo próprio sistema. Visualizando essa integração na forma deum diagrama, uma perspectiva geral possibilita a identificaçãode quatro camadas.

A primeira camada trata da assimilação da realidade. Éo primeiro contato do sistema com a situação em si, mediadapelos mecanismos de entrada (“sentidos”). Nesse ponto, a redeneuronial começa a formar o domínio de trabalho, por meio daativação de nós em uma rede hipertextual. A assimilação é base-ada nas informações disponíveis – quanto melhor o sistema forcapaz de assimilar a situação, melhor será a definição do domí-nio e, por extensão, melhores as condições para a sua ampliaçãoem domínios não relacionados.

À medida que ocorre a assimilação, o sistema inicia abusca por situações semelhantes em seu repertório de conheci-mentos. Para isso, utiliza as técnicas do raciocínio baseado emcasos para ativar uma segunda implementação da rede neuro-nial, sobrepondo a representação de ambas as situações – rea-lidade e casos encontrados – para avaliar a necessidade de evo-luir a busca. Esse processamento acontece na segunda camada.

A terceira camada trata da ampliação do domínio paragerar uma nova situação interna. Para isso, pode utilizar duastécnicas de inteligência artificial: a programação evolucionária,para introduzir ruídos e mutações no sistema e criar uma novasituação interna, e a rede neuronial, para assimilar essa nova si-tuação. A saída dessa camada é devolvida à camada anterior, naforma de um novo caso, para avaliar a sua adequação aomundo.

Na quarta camada, caso a avaliação seja positiva, onovo caso é consolidado e incorporado ao repertório do sistema,

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 107

podendo ser reutilizado no futuro. Também é realizada uma des-crição do processo, por meio da geração de um relatório, paraanálise dos procedimentos adotados pelo mecanismo na buscada solução.

A Figura 11 – Diagrama de camadas para implementa-ção do modelo apresenta esse modelo.

Figura 11 – Diagrama de camadas para implementação do mo-delo

Fonte: Criado pelo autor.

Essas camadas representam uma visão geral e, numaimplementação, necessitam maior detalhamento. Entretanto, odiagrama permite o entendimento dos principais aspectos da ar-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 108

quitetura cognitiva da criatividade aplicados a um sistema com-putacional.

5.3 Estratégias para a formação de domínios

O principal fator na construção do protótipo proposto éa questão de como serão formados os domínios e quais as for-mas de acesso e organização interna do sistema. Sistemas deinteligência artificial que se utilizam do raciocínio baseado emcasos dependem largamente de um bom repositório de casos,bem como da forma como esses casos estão indiciados. En-tretanto, na arquitetura cognitiva da criatividade, esses índicesdevem compor domínios, que serão acessados pela rede semân-tica para a construção do espaço de pesquisa e devem ser dinâ-micos, com capacidade de auto-organização.

Quando foram introduzidos os conceitos para a forma-ção de domínios artificiais utilizando as redes hipertextuais deLévy e Authier (2000), a teoria dos protótipos de Rosch (1973),Rosch e Mervis (1975), Varela, Rosch e Thompson (1992), nãose explicitou como esses domínios poderiam se relacionar nemcomo se auto-organizar. Uma vez criados, esses domínios te-riam pouca capacidade de adaptação ao meio. Embora possamincorporar novas classes, uma alteração mais agressiva na suaestrutura – como uma redefinição das classes ou a exclusão deum membro, por exemplo – não é facilitada.

Heylighen (2001) propôs umametodologia que facilita eamplia as propriedades dos domínios para cobrir essas falhas e,possivelmente, adiciona outras habilidades interessantes, comoa incorporação espontânea, pelo sistema, de noções de relevân-cia para os domínios, as classes e os membros. Essa metodolo-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 109

gia foi baseada nos trabalhos de Gordon Pask (1975) apud Hey-lighen (2001) e trata da mútua e autossustentação de conceitos.

A abordagem tradicional de inteligência artificial as-sumeumaepistemologia de correspondência: o conhecimento éum mapeamento ou uma reflexão do mundo externo. Para cadaobjeto conceitual (ou símbolo) no universo cognoscente do in-divíduo, deverá haver um objeto correspondente no ambiente fí-sico. Assim, é construído um mapa mental da realidade, comrepresentações pontuais do mundo.

Essa abordagem apresenta uma série de problemas.Um dos principais refere-se à própria constituição desse mapamental e de sua relação com a representação simbólica. Umavez que a construção do mapa é feita a partir da percepção, eesta é interna ao sistema cognitivo, como realmente ancorar nomundo físico essas representações? Em outras palavras, comogarantir que o mapeamento realmente corresponde à realidade?Na verdade, esse problema é uma extensão do princípio do in-determinismo de Heisenberg ou do teorema de Gödel, ambosafirmando que nenhuma linguagem pode descrever completa-mente sua própria descrição ou seus processos de interpreta-ção. Em razão dessa impossibilidade de representação exata darealidade, modelos de inteligência artificial tendem a incluir a ar-bitrariedade de seus desenvolvedores nas definições do mundo.

Essa limitação não seria tão séria caso os modelos pu-dessem aprender ou se adaptar. Entretanto, o modelo da epis-temologia da correspondência deixa poucas alternativas nessesentido, já que é impossível criar novos símbolos que não este-jam ancorados no mundo exterior (um mundo a que o sistemanão tem acesso direto) nem é permitida a derivação dos símbo-

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 110

los já existentes. Todos os símbolos devemser introduzidos pelodesenvolvedor. Como resultado, esses modelos são estáticos,absolutistas e arbitrários.

Como alternativa, uma nova epistemologia vem sur-gindo e ganhando aceitação entre vários cibernicistas como vonFoerster (1996) apud Heylighen (2001) e entre os teóricos da au-topoiese (ROMESÍN; VARELA, 2006): o construtivismo. Nela, oconhecimento não é ummapeamento passivo da realidade, masuma construção ativa e dinâmica do próprio sistema, cuja finali-dade não é refletir a realidade, mas auxiliar o sujeito a adaptar-sea ela segundo suas experiências subjetivas.

Isso significa que o sujeito tentará cons-truir modelos que são coerentes com osmodelos que ele já possui, ou que re-cebe pelos sentidos ou pela comunica-ção com os outros. Uma vez que osmodelos são comparados apenas comoutros modelos, a falta de acesso à re-alidade exterior não mais constitui umobstáculo ao desenvolvimento. Em umaepistemologia como essa, o conheci-mento não é justificado ou ‘verdadeiro’porque corresponde com uma realidadeexterior, mas porque é coerente com ou-tros conhecimentos. (HEYLIGHEN, 2001,p. 4)

O problema passa a ser outro, qualitativamente maissimples: a definição de coerência. Sob esse aspecto, o construti-vismo tambémoferece respostas satisfatórias. O ponto principalpara definir coerência é a construção do modelo. Essa constru-ção normalmente é entendida como um processo de tentativa-e-erro, com a geração de diversos esquemas7 e a retenção daque-7 Esquemas aqui entendidos como modelos de interpretação.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 111

les que mais se adequam ao corpo de conhecimentos já exis-tente. Trata-se de um processo mais selecionista e menos ins-trucionista.

Os critérios para seleção dos melhores esquemas sãosociais, individuais e físicos8, e conduzem a uma forma de coe-rência com a verdade interna do sistema. A partir desse ponto,o desafio para os construtivistas era demonstrar como a cons-trução dinâmica de modelos poderia gerar a coerência estáticainterna. A resposta encontrada por Heylighen foi a metáfora daautossustentação: os símbolos não necessitam de uma funda-ção física suportada na realidade para construir modelos, umavez que coerência é uma relação de mão dupla. Em outras pala-vras, os símbolos suportam uns aos outros.

Modelo A é utilizado para ajudar a cons-truir o Modelo B, enquanto B é utilizadopara ajudar a construir A. (. . . ) o efeitoem cadeia é que mais (complexidade,significado, qualidade,. . . ) é produzidoa partir de menos. Essa é a marca daauto-organização: a criação de estruturasem a necessidade de intervenção ex-terna. (HEYLIGHEN, 2001, p. 6)

Heylighen desenvolveu uma implementação dessa epis-temologia por meio de malhas de vinculações (entailmentmeshes), que são esquemasgráficos interpretados comoexpres-sões formais em linguagens de programação. Esse conceitoé muito semelhante às redes hipertextuais de Lévy e Authier e8 Critérios sociais enfatizam a consensualidade entre os membros de uma co-

munidade; critérios individuais são aqueles em que o próprio indivíduo tentaencontrar coerência com seus próprios esquemas preexistentes; e critériosfísicos ressaltam o papel do mundo físico na eliminação dos esquemas ina-dequados.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 112

foi rapidamente ampliado para redes de vinculações (entailmentnets), aumentando a sua abrangência (Figura 12 – Duas manei-ras de representar as redes de vinculações de Heylighen).

Figura 12 – Duas maneiras de representar as redes de vincula-ções de Heylighen

Fonte: (HEYLIGHEN, 2001, p. 6)

Para permitir a criação de novos símbolos sem a sobre-posição a símbolos antigos, Heylighen formulou o axioma da au-tossustentação. Assim, dentro da maior riqueza das redes devinculações, torna-se menos provável a ocorrência de ambigui-dades, uma vez que tanto os valores de entrada quanto os desaída de um tópico devem ser necessariamente diferentes.

Outra contribuição das redes de vinculações definidaspor Heylighen trata da transformação das próprias relações en-tre os tópicos da rede a nós. Dessa forma, as ligações passamtambém a obedecer ao axioma de autossustentação, e a auto-organização do sistema continua preservada semanecessidadede recorrer à realidade externa.

O primeiro passo é propor uma inter-pretação geral dos nós e ligações exis-tentes em uma rede de vinculações.(. . . ) Como nós são definidos pela ma-neira como são distinguidos, é naturalinterpretá-los como um sistema cogni-tivo básico de distinções (. . . ), isto é,

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 113

como classes de fenômenos que são se-paradas ou distintas por um observadorde todos os outros fenômenos que nãopertencem à classe. (. . . ) Uma distinçãopode ser vista como a mais fundamen-tal unidade de cognição. (HEYLIGHEN,2001, p. 14)

Com a aplicação dessa definição ao longo dos vínculosda rede, caminha-se para distinções cada vez mais genéricas9.No topo da rede, estarão as classes fundamentais ou primitivas,que representam as bases do conhecimento da realidade. Es-sas primitivas acabampor formar uma ontologia10 de distinções,que podem ser interpretadas como nós básicos na rede, permi-tindo a classificação de outros nós.

Assim como na rede hipertextual de Lévy e Authier, arede de vinculações de Heylighen está sujeita às mesmas propri-edades de hereditariedade conforme proposta porMinsky (1988)e Heylighen (2001) em seu conceito de frames11. Com a utili-zação da herança, a rede de vinculações fica livre para fazer otratamento de erros (casos especiais) de forma individualizada,tratando-os como exceções à regra ou como, caso haja casossuficientes para atingir uma massa crítica, uma nova classe deobjetos distintos.

Esse entendimento de relações de autossustentação9 O cachorro é um carnívoro, que é um mamífero, que é um vertebrado, que é

um animal, que é um organismo, que é um objeto.10 A palavra “ontologia” é utilizada em seu sentido filosófico clássico, isto é,

como um conjunto permitido de tipos de conceitos.11 Para Minsky, um frame consiste em um conceito central, que se relaciona

com outros por meio de pares de “atributo-valor”. Todos os atributos – e,às vezes, os valores – de um conceito maior são herdados por um conceitodefinido a partir dele, e apenas os atributos específicos daquele conceito sãoacrescentados.

Capítulo 5. Construção de um sistema criativo artificial de aprendizagem 114

é coerente com o conceito de categorias proposto por Varela,Rosch e Thompson (1992), Rosch e Mervis (1975), Rosch (1973)e fornece um arcabouço teórico formal para a implementaçãode um domínio cognitivo como o necessário para a arquiteturacognitiva da criatividade. Esse domínio, por sua vez, funcionariacomo índice para o repertório de conhecimentos do sistema, quepoderia ser implementadomais facilmente pormeio de uma boaplataforma de banco de dados.

CAPÍT

ULO 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS: E AGORA?

FORAM apresentadas diversas definições, teorias e técnicaspara o entendimento da criatividade. A partir de uma visão

histórica, foramapresentadas as possibilidades de integração dacriatividade à inteligência artificial, enfatizando a divergência dosaspectos de crença e de performance e a maneira pela qual es-ses dois aspectos poderiam convergir para a construção de ummodelo que pudesse gerar criatividade e ser demonstrado for-malmente. Para isso, utilizou-se de uma abordagem pessoal econtextual da criatividade como fruto da sociedade histórica emque se situa; da psicologia cognitiva, que busca construir mode-los para o funcionamento mental a partir de premissas psicoló-gicas; e dos sistemas computacionais, por meio da simulaçãodesses modelos em sistemas de inteligência artificial.

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 116

As relações levantadas entre contexto histórico, cogni-ção e inteligência artificial, quando se busca a construção deuma arquitetura cognitiva da criatividade passível de implemen-tação em um escopo limitado à solução de problemas, formama fundamentação teórica inicial sobre a qual é possível a cons-trução do modelo proposto.

Partindo-se dessa premissa, a seguir for sugerida tal ar-quitetura, integrando os aspectos de:

a) domínio;

b) campos de problemas;

c) universo cognitivo;

d) emoções; e

e) trânsito entre domínios por meio da troca de espa-ços de pesquisa.

A arquitetura apresentada parece resolver os aspectosmais relevantes da criatividade como explicação para uma me-todologia de resolução de problemas. É relevante salientar quea arquitetura proposta permite a ampliação do entendimento dacriatividade para campos como a arte, por meio de uma análisemais detalhada da sua dinâmica e do processo de transferência“espontânea” de domínios.

Para fornecer um arcabouço teórico mais robusto noentendimento da estruturação dos domínios, foi aprofundada aconceituação de cognição e de domínios, propondo a concilia-ção das teorias de categorias e protótipos e de redes hipertextu-ais na possibilidade de construir sistemas que permitem a ela-boração de domínios cognitivos em sistemas digitais. Para isso,sugere-se a possibilidade de uma implementação em camadas

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 117

como mecanismos de tratamento das informações e ilustra-secomo os estudos realizados na nova robótica podem ser úteisnesse sentido. Por fim, demonstra-se como a inteligência e ocomportamento inteligente dependem de bases de conhecimen-tos e de relações entre essas bases, sendo que computadorese seres humanos compartilham bases de conhecimento susten-tadas em hardwares diferentes, impondo a obrigatoriedade daaproximação do sistema cognitivo humano pela sua simulação.

Todos estes conceitos formam a base para a proposi-ção dos princípios de um protótipo que poderá implementar, emcamadas, a arquitetura da criatividade defendida, conforme apre-sentado na Figura 11 – Diagrama de camadas para implemen-tação do modelo. Para tanto, prevê a possibilidade da intera-ção desse sistema com o ser humano e analisa os fatores pe-dagógicos envolvidos em tal relação, concluindo que deverá ha-ver uma interação entre motivação, intelecto, sensação e emo-ção paramaximizar as oportunidades de aprendizado – tanto hu-mano quanto computacional. Em seguida, apresenta argumen-tos para a utilização de três técnicas de inteligência artificial naimplementação de camadas e módulos específicos (raciocíniobaseado em casos, programação evolucionária e redes neuroni-ais), integrando-as em uma implementação por camadas. Final-mente, baseado nas pesquisas de Heylighen, propõe uma estra-tégia para a formação de domínios que segue os princípios deauto-organização da teoria da autopoiese, de Romesín e Varela(2006), que leva em conta o aprendizado e a reestruturação dedomínios por meio de redes de vinculações.

As direções apontadas para a implementação do pro-tótipo permitem um direcionamento inicial para as pesquisas

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 118

nessa área, fornecendo os subsídios para um estudo metódicodos processos da criatividade como resolução de problemas pormeio do trânsito interdomínios. O acompanhamento da evolu-ção de aprendizado do sistema – que, necessariamente, ocor-reria ao longo de um período de tempo relativamente longo paraque os domínios fossembemestruturados – poderá oferecer no-vos insights a respeito dos processos de aprendizado e de cria-tividade humana, uma vez que sua estruturação e sua operaçãopartem de princípios cognitivos humanos.

A pesquisa teórica realizada foi capaz de produzir, combase nos conceitos das ciências cognitivas, uma explicação paraa criatividade, resultando em um modelo apresentado na Fi-gura 4 – Modelo cognitivo da criatividade. As ferramentas deinteligência artificial podem implementar esse modelo na formade uma arquitetura cognitiva da criatividade, simulando-a emumsistema computacional nos moldes do protótipo sugerido pelaFigura 11 – Diagrama de camadas para implementação do mo-delo. A explicitação das relações interdomínios, entretanto, per-manece por ser comprovada, uma vez que o sistema computaci-onal delineado para tanto não foi construído. Sob a perspectivaconstrutivista, há razões para especular que:

a) a estruturação de domínios conduzirá o sistema aformar um amplo repositório de conhecimentos;

b) a utilização de redes de vinculações auto-organizáveis pode criar as condições necessáriaspara que esse repositório comporte-se como umsistema autopoiético;

c) a implementação de uma interface ergonômica e ori-entada ao usuário permitirá acompanhar o desenro-

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 119

lar das atividades internas do sistema, possibilitandoo estudo das condições de trabalho do sistemae, porextensão, dos processos criativos envolvidos.

De forma geral, este trabalho permitiu:

a) elaborar um modelo de criatividade passível de apli-cação em sistemas computacionais;

b) descrever os processos cognitivos relacionados àcriação como metodologia de solução de proble-mas;

c) esclarecer o processo de formação de domínios cog-nitivos com referência à criatividade;

d) delinear uma arquitetura computacional para a cons-trução de um protótipo que permita explorar as po-tencialidades do modelo proposto.

6.1 Implicações

6.1.1 Educacionais

Sob a perspectiva educacional, o pensamento criativoestá nitidamente vinculado aosmodelos existentes. A escola, du-rante muito tempo, investiu sua prática pedagógica no “ensinobancário”, conforme evidencia Freire (2014). O ensino superior,em especial, apresenta tentativas de recuperação do poder cri-ativo, porém limita sua visão a uma área de conhecimento res-trita, pouco se interessando na investigação dos processos quepermitem a completa assimilação do processo criativo. Trata-seda “criatividade pronta”, com respostas predefinidas aplicadas aproblemas-padrão.

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 120

A sistemática do modelo de ensino superior passa portrês pontos fundamentais: a instituição, o professor e o aluno. Asinstituições esbarramnas suas culturas organizacionais, que ten-dem a ser conservadoras, a valorizar o conhecimento clássico ea zelar pela sua manutenção. O professor, por sua formação epostura, apresenta-se de forma inconsciente como detentor fi-nal do conhecimento, mesmo que tenha consciência de que nin-guém sabe tudo. O aluno, por todo o processo educacional a quefoi submetido, vê-se limitado a fórmulas prontas – “receitas debolo” – e, por isso, preguiçoso para buscar novas alternativas.

A maturação dessa sistemática, por meio do entendi-mento e da aplicação do modelo de criatividade proposto, é ine-rente ao próprio processo da vida – uma vez exposto a ela, oaluno não tem alternativa a não ser o desenvolvimento do seupotencial. É como uma criança que aprende a andar: quandoestá pronta para dar os primeiros passos, não há quem a dete-nha.

Para vencer esses obstáculos e implementar uma men-talidade efetiva de criatividade na educação, é necessário um tra-balho que aborde individualmente os três aspectos citados e, pa-ralelamente, possibilite a integração de todos os envolvidos. Épreciso que o processo seja percebido como um todo, para quese possam visualizar os objetivos e os resultados finais. A arqui-tetura cognitiva da criatividade oferece uma visão sistêmica doprocesso, integrando a teoria com a sua aplicação prática, semperder o foco no objetivo principal: contribuir para a formação deuma cultura de criatividade.

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 121

6.1.2 Empresariais

Sob a perspectiva empresarial, a implementação domo-delo da criatividade apresentado permite o estudo dos proble-mas internos de uma organização, buscando soluções em do-mínios que, a princípio, não fariam parte do espaço de pesquisainicial de dirigentes e executivos. Esses problemas encontram-se nos âmbitos de processos organizacionais, marketing, pro-dução, posicionamento e, principalmente, estratégia. Uma vezestruturado o domínio inicial necessário, o modelo seria alimen-tado com a experiência organizacional e estabeleceria ligaçõescom outros domínios previamente existentes, oferecendo suges-tões para a abordagem dos problemas de forma diferenciada.

Essa implementação pode ser feita tanto por meio desistemas de inteligência artificial quanto pela aplicação “hu-mana” do modelo – ou seja, pela utilização consciente das técni-cas de criatividade apresentadas (trânsito interdomínios).

6.1.3 Científicas e computacionais

A implementação do modelo por meio de um sistemacomputacional poderá proporcionar avanços científicos no en-tendimento do pensamento criativo, uma vez que permitirá umestudo metodológico dos processos envolvidos na criatividade.A própria implementação domodelo emumsistema de inteligên-cia artificial levantará questões importantes nos âmbitos das ci-ências da computação (em relação a técnicas de programação,estruturação de bancos de dados, recuperação de informaçõese redes neuroniais) e da ciência cognitiva (uma vez que omodeloimplementado permitirá o acompanhamento do processamentoativo do sistema em sua busca de autorregulação). Além disso,

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 122

há que se considerar as implicações decorrentes da aplicaçãodo sistema em pesquisas científicas, na busca de soluções origi-nais de problemas. Essas questões, por si mesmas, já trazem anecessidade de novas pesquisas.

6.2 Trabalhos Futuros

É do interesse científico que essas considerações pos-sam originar novas pesquisas no sentido de ampliar os concei-tos e os usos das tecnologias de inteligência artificial no estudoda criatividade em todos os níveis. Para isso, alguns pontos fo-ram levantados, resultando em um esquema para a construçãode uma arquitetura da criatividade. O transporte dessa arquite-tura para a implementação real de sistemas de inteligência artifi-cial deve responder a questões técnicas, não investigadas nestetrabalho, que tratam de aspectos como:

a) formação dos campos e dos domínios;

b) interação com o usuário;

c) respostas emocionais do sistema;

d) formulação dos estímulos emocionais;

e) implementação do sistema.

Outros aspectos como a função damemória, os proces-sos biológicos intrínsecos à criação humana e a comunicaçãoda criação não foram abordados e poderão constituir, cada umdeles, novas linhas de pesquisa para a ampliação e correção domodelo. Essas questões – e outras que surgirão da experiênciaempírica com a arquitetura proposta – certamente conduzirãoa um aprofundamento e a uma revisão dos conceitos e méto-

Capítulo 6. Considerações finais: e agora? 123

dos apresentados, podendo prová-los ou destruí-los como simu-lacros para a criatividade humana.

124

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132

GLOSSÁRIO

Neste glossário estão alguns dos termos utilizados aolongo do texto.

A | B | E | I | M | N | P | R | S | T | U

A

arquitetura cognitiva

Resultado da representação de um modelo do funciona-mento da cognição humana.

assimilação

Processo de equilibração pelo qual uma pessoa incorporauma nova informação aos esquemas cognitivos existen-tes.

B

bottom-up

Método para a explicação de um fenômeno a partir do fun-cionamento de seus componentes.

E

Glossário 133

equilibração

Processo de adaptação cognitiva ao ambiente, pelo qualuma pessoa trabalha para manter um estado de equilíbriocognitivo, mesmo diante de uma nova informação. A equili-bração émajorante (chamada por Piaget de “beta”) quandoesse processo agrega mudanças nos esquemas cogniti-vos existentes.

esquema

Do latim schema: estrutura cognitiva para organizar signifi-cativamente vários conceitos inter-relacionados, combaseem experiências anteriores.

I

inteligência artificial

Disciplina que estuda e desenvolve programas computaci-onais com a finalidade de simular atividades mentais hu-manas cuja realização envolve inteligência. O termo foi cri-ado pelo matemático John McCarthy na década de 50.

M

modelo mental

Representação interna da informação, que corresponde,de alguma maneira, a tudo que estiver representado. Podeenvolver tanto o uso de formas analógicas e simbólicasquanto de formas proposicionais da representação do co-nhecimento.

N

Glossário 134

Elemento que representa um conceito dentro de uma redesemântica. Cada nó está ligado em relações com outrosnós na rede.

P

pensamento automático

Manipulação cognitiva que não exige decisões conscien-tes ou esforço intencional.

percepção

Conjunto de processos psicológicos pelos quais as pes-soas reconhecem, organizam, sintetizam e conferem signi-ficação mental às sensações recebidas dos estímulos am-bientais por meio dos órgãos dos sentidos.

protótipo

Implementação para testes de um modelo em sistemascomputacionais.

R

raciocínio

Processo cognitivo pelo qual uma pessoa pode inferir umaconclusão a partir de um grupo de evidências ou de decla-rações de princípios.

raciocínio dedutivo

Processo pelo qual uma pessoa tenta extrair uma conclu-são específica e logicamente correta a partir de um con-junto de proposições gerais.

Glossário 135

rede

Conjunto de relações classificadas (condição de membrode uma categoria, atribuição etc.) entre os nós.

representação do conhecimento

Forma mental pela qual as pessoas conhecem as coisas,as idéias os eventos etc. que existem fora de sua mente.

S

script

Estrutura para um esquema que envolve uma compreen-são comum sobre os protagonistas, os objetos e a seqüên-cia de ações características numa situação estereotípica.

T

teoria dos protótipos

Modelo que representa damelhor forma umdado conceito(e vários exemplos do conceito). O modelo para um dadoconceito compreende um conjunto de aspectos caracterís-ticos que tendem a ser típicos damaioria dos exemplos doconceito, mas nenhumdos quais é necessário para que umdeterminado exemplo seja considerado umcaso ilustrativodo conceito.

top-down

Método para a explicação de um fenômeno a partir dosseus efeitos visíveis, ou seja, a partir da visão geral, tenta-se detalhar os componentes que constroem esse todo e assuas funções individuais.

Glossário 136

U

universo cognitivo

Conjunto de experiências vivenciadas por uma pessoa aolongo de sua existência.

137

ÍNDICE

arquiteturacognitiva, 100, 102, 107,

108, 114, 116, 118,120

computacional, 57de categorias, 72representacional, 63

assimilação, 52

categoria, 49, 55, 57, 68–70,72

arquitetura, 72cognitiva, 70entidades, 69fronteiras difusas, 68,

69mental, 72

cognição, 57, 58, 60, 63, 68,77, 116

abordagem cognitiva,58

arquitetura cognitiva,46, 48, 54

atividade cognitiva, 63capacidades cogniti-

vas, 96categorias cognitivas,

68, 70, 77ciência cognitiva, 121classificação cognitiva,

69domínios cognitivos,

80estratégias cognitivas,

53, 55, 56, 61, 84,98

processos cognitivos,67, 69, 87

representação, 62sistema cognitivo, 66,

76teoria, 59, 61, 63

Índice 138

comportamentocriativo, 43

criaçãopensamento criativo,

43processo, 42, 45, 48

incubação, 42inspiração, 42preparação, 42verificação, 42

domínio, 48, 51–53, 55–58,72, 80, 81, 103, 105,106, 108, 114, 116,121

cognitivo, 73, 80, 114mental, 72, 73relação interdomínio,

56domínios cognitivos, 116

emoções, 46, 50, 55, 66equilibração, 46, 94, 97

majorante, 46espaço

de pesquisa, 44, 50, 55,100, 101, 108, 121

de problema, 51espaço de pesquisa

ampliado, 46inicial, 46

esquema, 52estruturação, 46

imaginação, 11inconsciência, 43inspiração, 42inteligência

artificial, 48, 54, 55, 57,58, 60, 62, 64, 67,68, 73, 80, 83, 98,100, 108, 109, 115–118, 121, 122

inteligência artificial, 101,102, 106

intencionalidade, 62, 63, 67

máquina de estado finito,60, 61, 75, 77

memória, 50, 66, 67episódica, 65, 101

mentalconstrução, 94modelo, 54, 60, 63, 115processo, 43, 48, 59, 62,

73, 88representação, 58, 59,

73, 87modelo, 58, 64, 110

cognitivo, 54computacional, 72

pensamento

Índice 139

automático, 52convergente, 53divergente, 53

percepção, 51, 61, 68, 94, 95,100, 109

problema, 44campo de, 44, 45, 51, 55categoria, 48complexo, 46, 48, 50coplexo, 53difícil, 48, 50espaço de, 51não-trivial, 42, 45, 46solução, 42, 48, 50, 52,

56, 63trivial, 44, 48, 50

protótipo, 68, 70, 72, 82, 83,105

teoria dos, 68

rede, 74, 80, 112hipertextual, 65, 73–76,

106, 108, 111, 113regulação, 45representação, 58, 64, 73

de conceitos, 62do conhecimento, 65,

104mental, 58teoria, 60

script, 52, 53semântica, 62

componentes semânti-cos, 43

contextual, 62proximidade, 44rede, 108

sistema especialista, 54

universo cognitivo, 43, 50,51, 55, 100

SOBRE O INSTITUTO MODAL

O INSTITUTO MODAL é uma Instituição de Ciência e Tecnologia(ICT), de natureza privada e sem fins lucrativos, que surgiu

da convergência entre pesquisadores da área de informação ede tecnologia, empresários e profissionais com larga experiên-cia no setor privado. Essa junção permitiu construir pontes entrefundamentação teórica e soluções reais, viabilizando a o uso daexperiência científica às necessidades do mercado e da socie-dade e encontrando soluções para problemas dosmais diversostipos.

O INSTITUTO MODAL tem por objeto a realização de pes-quisa básica e aplicada de caráter científico ou tecnológico e odesenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos vol-tados prioritariamente ao objeto “informação”, zelando pelo re-conhecimento da importância da inovação no sistema produtivonacional.

Para saber mais, visite institutomodal.org.br.

Contatos: [email protected].

SOBRE O AUTOR

ESTE livro foi escrito por Bruno Carvalho Castro Souza.

Bruno Souza é graduado em Comunicação Social, Mes-tre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Co-nhecimento e Especialista em Gestão de Negócios. Durantesua vida acadêmica e profissional, sempre pesquisou, apren-deu e ensinou sobre criatividade e inovação em todas as opor-tunidades que teve. Esse livro é resultado da sua disserta-ção de Mestrado, com algumas atualizações e revisões. Paraconhecê-lo melhor, o seu Currículo Lattes está disponível emhttp://lattes.cnpq.br/9218729989844596.

CRIATIVIDADE: A ENGENHARIA COGNITIVA DA INOVAÇÃO

O que é criatividade? Como as pessoas são criativas? De queforma nossos cérebros conseguem usar a imaginação para criarprodutos, fazer arte, descobrir o universo? O que este livro pro-põe é uma visão fundamentada na ciência cognitiva, oferecendouma explicação sobre como o cérebro humano concebe uma si-tuação e aplica os recursos do seu universo cognitivo para criarsoluções. Esse processo é uma engenharia, no sentido de seconstruir alguma coisa. No caso da criatividade, é a construçãode um arcabouço de mundos possíveis para se usar a imagina-ção e criar produtos, fazer arte, descobrir o universo, e ir além:explorar a possibilidade de superar os limites do orgânico e, tal-vez um dia, estabelecer um modelo capaz ir além de fornecerrespostas, mas de imaginar.


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