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Cultura
Política
»
Revista mensal
de
estudos brasileiros
RIO DE JANEIRO
ANO III * NÜM. 2 9
JULHO DE 1943
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CULTURA POLÍTICA
Direção de
ALMIR DE ANDRADE
Secretaria e Redação:
Rua da Misericórdia
- Palácio Tiradcnie,
4.° andar
Telefone: 22-7610.
tamal-36
RIO DE JANEIRO
brasil
quer idioma,
mediante autonzaçao
expressa da
Preço de venda
avulsa, em todo o Brasil
cr$ 3,00
Preço de assinatura
anual, a começar
^ 30 00
em qualquer
mês
*40
As importâncias das assinaiou
^de
atrazados devem sempre
ser «REVISTA
CULTURA
cheque bancário
e em nome a1atima
enviada pelo
POLÍTICA". Não aceitamos quantt*
sistema de
"registo com valor declarado , nem pelo
de
"reembolso postal
.
Sumário dêste número
As revoluções na América Latina
FINANÇAS
Normas de calculo para a riqueza das nações e a riqueza brasileira,
de Luiz Dias Rollemberg
PRODUÇÃO
O enigma do diamente, de Herman Lima
LEGISLAÇAO SOCIAL
A Revolução Francesa, a previdência social e as constituições bra~
sileiras, de Rudolf Aládar Métall
EDUCAÇAO
O conceito de unidade didática e o ensino das línguas, de Virgínia
Cortes de Lacerda
Um grande educador :
João Pedro de Aquino, de F. Venâncio
Filho
LITERATURA
Vida e poesia de Emílio de Meneses, de Álvaro F. Salgado
FILOLOGIA
Esboço histórico do conceito de brasileirismo, de AtaÍde DE
Miranda
s.
HISTÓRIA
Confederação do Equador, de J. de Matos Ibiapina
FOLCLORE
Trabalhos folclóricos e parafolclóricos, de Basílio de Magalhães
ARTES PLÁSTICAS
O momento é para arquitetura, de José
Teódulo
VIAGENS
Impressões de viagem aos Estados Unidos, de Cid Ferreira Lopes
Viagem através das Missões Brasileiras, de Wolfgang Hoffmann
Harnisch
CULTURA POLÍTICA
QUADROS E COSTUMES REGIONAIS
Paquetâ, como eu vi, De Lemoine
CIDADES DO BRASIL
Diamantina, de Brito Broca
O BRASIL NO EXTERIOR
O Brasil que foi a Portugal, de Simão de Laboreiro
MÚSICA
Beethoven :
44Missa
Solemnis" -—• VI) Agnus Dei, de frei Pedro
Sinzig O. F.
BIOGRAFIA
Artur Neiva
INQUÉRITOS E REPORTAGENS
A campanha da nutrição no Brasil
O vale do Xingú
A política financeira da guerra (Razões
e vantagens da emissão
dos bônus
A nacionalização da maior empresa de transportes aéreos da Amé~
rica do Sul
A campanha da borracha
A indústria do papel no Brasil
Uma realidade, a Fabrica Nacional de Motores
Um mês de realizações governamentais (Maio de 1943)
Atividades culturais do D. I.
As revoluções na América Latina
44
As revoluções independem dâ von~
tade dos homens, transcendem os interesses
individuais e decorrem, como as leis, da na~
tureza das coisas.
A revolução é fruto
das camadas pro~
fundas da sociedade; é um imperativo ín~
sofreável
sda
conciência coletiva; é, em suma,
a cristalização lenta, laboriosa, invencível do
pensamento obscuro da nacionalidade •
"Cumpre
não confundir revolução com
o episódio militar que
a deflagra. Revolw-
ção é adaptação a realidade, compreensão
segura dos fenômenos
sociais, reconstrução
do edifício do Estado sobre fundamentos
sólidos".
Getúlio Vargas,
44A
Nova Política do
Brasil", vol. III, págs.
166 e 244.
RECENTE vitória do movimento revolucionário
argentino nos faz meditar no sentido dessa onda
jl\~ incessante de movimentos pela reforma do Es<-
tado e do poder, qye
há mais de um século vem agi-
tando tôda a América Latina, vencendo aqui, recuando
ali, retardando-se mais além mas todos iguahnentô
fundados em obscuras aspirações coletivas, todos vi*-
CULTURA POLÍTICA
sando à conquista de uma nova forma dc convivência
social e de organização da autoridade, capaz de aten^
der às necessidades do solo americano e às exigências
de uma maior felicidade humana*
Ela nos faz pensar
também no episódio revolu*
cionário brasileiro de 1930, coroamento de uma série
ininterrupta de esforços, que fracassaram, até então,
por obra de diferentes fatores,
que não cabe aqui
analisar, mas que,
de então para cá,
gerou uma nova
atmosfera de trabalho e de reconstrução, cujos frutos
já temos colhido em proporções
confortadoras.
Viveu sempre a América Latina a braços com
revoluções, de maior ou menor envergadura: na Amé-
rica Central, na Colômbia, na Venezuela, no Perú, na
Bolívia, no Paraguai, no Chile, na Argentina, no
Brasil.
O fenômeno, assaz generalizado
e constante para
chamar a atenção dos observadores, mereceu toda a
sorte de explicações; foi apontado mesmo como cara*-
cterístico de tôdas as nações de sangue latino deste
continente, cujas peculiaridades raciais e sociais não
se haviam adaptado ainda às fórmulas políticas impor"
tadas da Europa e dos Estados Unidos da América
do Norte.
Garcia Calderón, num conhecido estudo sobre as
transformações das democracias americanas no comêço
do século XX, procura
explicar êsses movimentos re-
volucionários latino-americanos pelo que êle chama a
mentalidade
"indianista"
dos povos desta
parte do
mundo: seria a luta contra as idéias européias, a ân-
sia de afirmação de nações jovens, que ainda não en-
contraram a verdadeiro sentido do seu equilíbrio so~
ciai e político.
Na verdade, o fenômeno tem raízes mais profun-
das. A extraordinária juventude dos
povos americanos
os tem levado, quase
sempre, na vanguarda das gran~
des transformações sociais que o nosso século exige*
AS REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA 9
Menos radicados a tradições históricas de compromisso
com sistemas e ideologias, os povos
latino-americanos,
mais depressa que
os demais, renunciam às posições
políticas que provaram mal e se lançam em busca de
soluções novas, que
lhes sejam mais úteis e provei-
tosas. A inquietação revolucionária latino-americana é
expressão dessa juventude
e, também, de uma ingrata
experiência com sistemas de importação européia.
A totalidade das constituições dos povos
da Amé-
rica se moldaram na forma da Revolução Francesa de
1789; adotaram princípios
feitos para
combater o abso-
lutismo de uma realeza secular, aplicando-os a países
que nunca conheceram essa realeza, senão através dos
vínculos frágeis que
os prendiam
às metrópoles na era
colonial, e que,
ao invés dela, conheciam necessidades
novas de um mundo em formação, onde a energia cons-
trutora, a rapidez da ação, a eficiência da intervenção
governamental — incompatíveis com a inércia do Es-
tado liberal — eram requisitos essenciais de vitória.
A grande
luta revolucionária dos povos
america-
nos tem sido, pois,
uma luta pela
conquista dessa
forma de Estado enérgica, dinâmica e eficiente. Uma
forma de Estado capaz de construir, ao invés de que-
dar-se passivamente
no emaranhado de princípios
res-
tritivos, que,
não raro, o pensamento
europeu teve que
forjar para
opor-se ao absolutismo opressivo dos seus
governantes.
No Brasil, a vitória revolucionária de 1930, con-
solidada em 1937, representou o grande passo
deci-
eivo dessa emancipação. Nós, brasileiros, compreen-
demos, portanto,
muito bem, os movimentos dos pó-
vos irmãos, que,
como a Argentina de agora, se inspi-
ram nas mesmas ansiedades e na mesma fôrça criadora
da juventude
americana.
Que a revolução de 1930, no Brasil, foi um coroa-
mento de numerosos surtos revolucionários anteriores,
é uma evidência histórica, pois
talvez não seja inopor-
tuno relembrar que,
desde a proclamação
da Repú-
CULTURA POLÍTICA
blica, cm 1889, não conheceu o Brasil um só quadriê-
nio, que
não fôsse abalado por
reações militares e ci-
vís reflexos locais de um movimento mais amplo,
de raízes profundas.
Quando a revolução venceu, em outubro de 1930,
duas únicas coisas trazia ela de novo, que
as revolu-
ções anteriores ignoraram: uma organização eficiente
e um Chefe, capaz de dirigi-la e de consolidá-la. Chefe
da Revolução de 1930, Getúlio Vargas surgiu como
um oportuno intérprete das aspirações coletivas, há
longo tempo recalcadas. A reforma constitucional de
1937, integrando o Brasil, definitivamente, no ritmo
do ideal revolucionário vitorioso, criou essa atmosfera,
que hoje desfrutamos, propícia
às realizações pacíficas
e à continuidade da obra realizadora governamental.
Essa a lição da experiência brasileira, que não
requer comentários.
O ideal revolucionário latino-americano não se
pode aplacar senão depois que
ele amadurece e que
a sua vitória redunda em resultados decisivos e refor-
mas concretas das instituições, adaptadas à realidade
americana. Foi o caso do Brasil. Ê de supor que tam-
bém seja o caso recente da nossa vizinha e irma, a
República Argentina.
Integrando-se agora no ritmo revolucionário, que
traduz a grande
fôrça construtiva da juventude
ame-
ricana, ela irá enfrentar uma experiência, que o Brasil
já conheceu, e
que, lá, como aqui, produzirá, por
certo,
sadios frutos e estímulos novos. Aproveitando-os, con-
solidando-os, cumprirá a nossa irmã do Sul o destino
histórico — inexorável, talvez,
porém fecundo
— dos
povos livres dêste continente.
ALMIR DE ANDRADE.
Finanças
Normas de cálculo para
a riqueza das
nações e a riqueza brasileira
LUIZ DIAS ROLLEMBERG
Não
cabe dúvida que
o estudo
da riqueza de uma nação,
visando fixar os métodos
conhecidos e aplicados no sentia
do da determinação do valor, se"
não efetivo pelo
menos aproxi-
mado desta riqueza, é assunto
de interêsse imediato e relevante
para a vida econômico-financeira
de um país
e, portanto, para
a sua
vida administrativa. E afirma-
mos que
êste estudo é de grande
valia para
a vida administrativa
de um país, porque,
considerando
como fundamentais as estimativas
concernentes à riqueza, quando
realizadas minuciosamente e de
acordo com os processos
adota-
dos pelos
especialistas em quês-
tões financeiras, poderão os res-
ponsáveis pela orientação do Es-
tado imprimir rumos seguros às
medidas de interêsse econômico
e financeiro, como notadamente à
política tributária, à circulação fi-
duciária, ao desenvolvimento dos
planos destinados à melhoria do
padrão de vida nas várias re-
giões de uma nação, à organiza-
ção creditória, c
poderão ainda
utilizar a capacidade de aprovei-
tamento de determinadas modali-
dades desses recursos, de acôr-
do com as possibilidades
nacio-
nais. Visando finalmente coorde-
nar e articular a riqueza poten-
ciai e a riqueza realizada, tendo
em vista os aspectos peculiares
à
vida econômico-financeira da na-
ção, e ainda determinar até
que
ponto se tem feito notar, em re-
lação a nosso país,
o desenvolvi-
mento da tendência que
Leroy-
Beaulieu afirmava pronunciar-se
no sentido de que
o valor da ri-
queza dos Estados cada vez mais
avulta e cresce percentualmente
em relação à riqueza particular.
Eis porque julgamos
dever rea-
lizar êste estudo em continuação
a outros que
a respeito do assun-
to jà
apresentamos.
A evolução das rique-
zas no Brasil
A evolução das riquezas no
Brasil tem-se processado
em rít-
mos tão assinalados, no período
de um século, que, se tomarmos
por base,
para se aquilatar dêste
•V *f«
12 CULTURA POLÍTICA
desenvolvimento, o crescimento
das arrecadações, se verificará
que, tendo sido de
pouco mais de
vinte e um milhões de cruzeiros —
conforme a atual sistematização
monetária — o total da arrecada*-
ção em 1843, no regime imperial,
já em 1942 esta receita, relativa-
mente à União, foi estimada em
mais de quatro
bilhões e trezentos
milhões de cruzeiros. Desta for-
ma se verifica que
as rendas co-
bradas pelo govêrno
central e pela
União aumentaram quatrocentos
e sessenta vezes no espaço de
quasi cem anos, situação esta
que se constitue merecedora de re-
levo, porquanto,
em certos países,
como a França, os dados sôbre
o assunto mostram que
desde o
século onze até o século vinte o
aumento da riqueza, da qual
a
arrecadação é um elemento sus-
cetível de servir de base de estima-
tiva, conforme a opinião de Nitti,
foi de cem vezes. Verifica-se, to-
davia, que
esse aumento se pode-
ria manifestar muito mais signi-
ficativo se não houvéssemos pas-
sado do regime da centralização
tributária, característico do impé-
rio, para
o regime da descentri-
lização estabelecido pela
Consti-
tuição de 1891, que
transferiu vá-
rios impostos para
os Estados.
No entanto, esta apresentação da
evolução das arrecadações como
elemento para
se estimar o aumen-
to correspondente da riqueza de
uma nação está longe de poder
valer com segurança como base
de cálculo, quando
aliás existem
métodos já
firmados no intuito da
realização desta avaliação, os
quais teremos ensejo de estudar.
A propósito, pela
evolução dos
índices de arrecadação relativos
oscilaram, desde a sua criação,
ao imposto de importação, que
entre a percentagem
inicial de
24%, estabelecida pela
carta ré-
gia de 1808, seguida
pela de
15%, em relação ao valor total
das mercadorias importadas, e
mais tarde majoradas em vista da
política superprotecionista
que
adotamos, se evidencia que,
sendo
sempre crescente êste imposto e
gravando periodicamente novos
produtos, enquanto outros deixa-
vam de ser importados, e passa-
vam a ser produzidos
no país,
con-
soante os dados desta arrecada-
ção, podemos concluir
que o nível
de vida das populações
se foi gra-
dativamente elevando, como ex-
pressão típica da ampliação das
riquezas nacionais. E tanto isto é
verdadeiro que
o imposto de im-
portação, no espaço de
quasi um
século, teve um aumento aproxi-
mado de cem vezes, passando
de
pouco menos de nove milhões de
cruzeiros, em 1843, a oitocentos e
noventa e um milhões de cruzei-
ros, em 1940, o que
mostra que
o
seu aumento não se desenvolveu
na mesma escala de crescimento
da receita geral.
Ao estudarmos
anteriormente a evolução da ri-
queza brasileira, tivemos oportu-
nidade de apresentar a seguinte
sugestão de cálculo, de referência
à mesma. De modo geral, po-
de-se calcular a riqueza brasileira
em um total mínimo de cento e
oitenta e cinco bilhões de cruzei-
ros. Só o valor imobiliário urba-
no, que
nas duas maiores cidades
do país
ultrapassa trinta bilhões
de cruzeiros, atinge um mínimo de
sessenta bilhões de cruzeiros em
todo o território nacional; outro
fator de riqueza de fácil avalia-
ção é representado
pela pecuária,
sabendo-se que só o rebanho bo-
a * v
NORMAS DE CALCULO
vino vai além de quarenta
e cinco
milhões de cabeças» passando
o
gado existente no
país a mais do
duplo dêste número se àquele in-
corporarmos os rebanhos porcinos,
eqüinos, ovinos e caprinos, alcan-
çando um valor total de mais de
vinte bilhões de cruzeiros; o valor
das instalações portuárias,
das
ferrovias, das grandes
instalações
de eletricidade se representa pelo
menos em quinze
bilhões de cru-
zeiros; num valor superior a dez
bilhões de cruzeiros é avaliado o
patrimônio nacional, ou sejam os
bens de propriedade do
govêrno
federal; as instalações industriais
em nosso pais, para
uma organi-
zação cuja produção é computa-
da no mínimo de vinte bilhões de
cruzeiros, possue
um valor atual
sem dúvida superior a quarenta
bilhões de cruzeiros, inclusive os
estoques de produtos
industriali-
zados, assim como as mercadorias
distribuídas para
a venda; nossa
marinha mercante, de cêrca de
quinhentas mil toneladas, repre-
senta valor aproximado de um bi-
lhão e quinhentos
milhões de cru-
zeiros; finalmente as safras pen-
dentes, as aparelhagens agrícolas
e o valor das propriedades
agrá-
rias, para
uma produção estimada
no mínimo de quinze
bilhões de
cruzeiros anuais, possue
valor que
pode ser computado em mais de
trinta e oito bilhões de cruzeiros.
Êste método que
adotamos de
calcular de um modo geral
a ri-
queza brasileira, não obstante
muito genérico e
portanto susce-
tível de apresentar uma estimati-
va um tanto incerta do valor to-
(1) Leroy Beaulieu
Edição 1912.
'v \ '1
13
tal das riquezas, tem sido todavia
adotado por
muitos financistas.
Desta forma, observamos que
êste
método calculado para
fixação
das riquezas foi o admitido por
Leroy Beaulieu para
estudar o
valor do domínio público
do Esta-
do e especialmente da França.
Aliás, nesse cômputo das riquezas
públicas em França, o financista
estima em 16 bilhões de francos
a importância dos domínios pú-
blicos do Estado, dos Departa-
mentos e das Comunas franceses,
resultando a tendência para
as percentagens das riquezas do
Estado se avantajarem no côm-
puto geral sôbre as riquezas
par-
ticulares, acrescentando que
em
tôda a Europa os homens fazem
uso constante, gratuito e cres-
cente de riquezas consideráveis
que teem sido criadas
pelo Esta-
do ou por
suas subdivisões (1).
O método de
De Foville
Todavia" métodos suscetíveis de
apresentar estimativas mais con-
vincentes sôbre o valor da riqueza
das nações teem sido apresenta-
dos. Ê o que
ocorre em relação
ao método de De Foville, citado
por Nitti, em seu Princípios da
Ciência das Finanças, e por
ou-
tros financistas, como dos mais
engenhosos.
Êsse método, baseando-se no
valor da arrecadação do imposto
de transmissão causa mortis, con-
siderada a relatividade dêste im-
posto, em razão do valor da ri-
queza que anualmente é objeto de
processo de
partilha, se funda-
Traité de la Science des Findnces, páginas 23 a 28
14 CULTURA
menta, para a avaliação total da
riqueza de uma nação, na multi-
plicação da soma total do valor
dêsses bens partilhados por qua-
renta ou seja o termo médio apre-
sentado pelo seu autor para
uma
geração. Apliquemos o cálculo
no sentido de empreender a esti-
mativa da riqueza brasileira.
Desta sorte, tendo sido de cin-
qüenta e dois milhões de cruzei-
ros o valor da arrecadação total
do imposto de transmissão causa
mortis em 1940, pode-se, grosso
modo, calcular ter sido de 2%
esta percentagem
sobre o valor
total dos bens partilhados. Apa-
rentemente esta percentagem
pode
dar a impressão de ser reduzida.
Mas há a considerar que uma
par*-»
te importante dos bens inventa-
riados não é suscetível de paga-
mento de imposto, como acontece
em relação à meação que cabe ao
cônjuge sobrevivente, sendo bas-
tante reduzidas as tributações
para a herança em relação aos
parentes em
primeiro grau, en-
quanto, progressivamente, o im-
posto vai-se agravando quanto
mais remoto seja o parentesco,
si-
tuação que aliás foi sensivelmente
delimitada, como é sabido, de a-
côrdo com a chamada lei das he-
ranças jacentes. Assim, de acordo
com os dados apresentados, se
verifica que se eleva a dois bi-
lhões e seiscentos milhões de cru-
zeiros o total do valor dos bens
partilhados em nosso país,
em um
ano, segundo o método que agora
estudamos. Tendo em vista esta
percentagem, conclue-se, ao rea-
lizar-se a multiplicação segundo
o método De Foville, ser avaliá-
vel em cento e quatro
bilhões de
cruzeiros o total geral da riqueza
POLÍTICA
privada existente no Brasil. Há
porém ainda a acrescentar as im-
portâncias transferidas por
meio
de adoções. E tendo em conta
ainda a minoração sempre dada
ao valor dos bens em processos
de sucessão em nosso país, con-
siderando que os
processos de
arrolamento estão sujeitos muitas
vezes a isenção de impostos, e
que também
importâncias em di-
nheiro são partilhadas
freqüen-
temente em família, em detrimen-
to das imposições fiscais, pode-
mos concluir que o aumento de
20% a êste cálculo se torna evi-
dentemente razoável. O
que nos
leva então a inferir que o total da
fortuna privada em nosso país
al-
cança aproximadamente cento e
quarenta e oito bilhões de cru-
zeiros. Considerando que a êsse
total teremos, para avaliação da
riqueza da nação, de juntar
o va-
lor das riquezas constituídas pelos
patrimônios da União, Estados,
Municípios, organizações
autár-
quicas e
paraestatais, em valor
nunca inferior a trinta e cinco bi-
lhões de cruzeiros, chegaremos a
uma avaliação final, de acordo
com o presente
método, de cento
e oitenta e três
"bilhões
de cruzei-
ros. E assim, ao têrmo dêste es-
tudo, alcançamos para a avaliação
realizada, consoante um método
estabelecido pela ciência das fi-
nanças como dos mais racionais,
um resultado notàvelmente apro-
ximado daquele que atingimos
tendo aplicado, como fizemos
anteriormente, o método que po-
demos classificar de calculado.
Averiguando-se que, tanto ao es-
tudarmos o valor da riqueza bra-
sileira pelo método calculado, co-
mo pelo
usado por De Foville, al-
NORMAS DE CALCULO15
cançamos valor que
varia entre
cento e oitenta e três e cento e oi"
tenta e cinco bilhões de cruzeiros,
torna-se interessante comparar
êste valor com a riqueza de outras
Estados Unidos . . .
Alemanha
Inglaterra
França
Itália
Bélgica
Tomando-se como elemento
fundamental êstes algarismos a-
presentados pelo eminente econo-
mista francês, pertinentes aos
mais ricos países, e em confronto
com os dados relativos ao Brasil,
e de acordo com os métodos apli-
cados para o cálculo das riquezas,
nações. E assim, vemos que,
no
período posterior à Grande Guer-
ra> era êste o cálculo apresentado
por Charles Gide (2)
no seguinte
quadro estatístico :
972 bilhões de francos
440 bilhões de francos
400 bilhões de francos
280 bilhões de francos
100 bilhões de francos
45 bilhões de francos
verifica-se que, tendo-se em vista
estas estimativas, nos situamos
entre as nações que relativamente
teem alcançado expressivo desen-
volvimento e elevados índices re-
ferentes à formação do valor de
suas riquezas.
*
(2) Charles Gide — Cours UÊconomie Potiíiqae. 2." vol. —
pág. 136 —
Edição de 1923.
v; i -V- ,.'V *V
i iJtÇwSm
V .
Produção
O enigma do diamante
HERMAN LIMA
Em
números anteriores des-
ta revista (ns. 16, 17, 18 e
19) tivemos ocasião de
estudar o meio e o homem da
zona diamantífera da Baía, a cha-
mada região das Lavras Diaman-
tinas. Tivemos também ocasião
de passar
em revista os vários
processos de mineração em uso
na zona, processos
baseados ain-
da até hoje no empirismo mais ru-
dimentar, em favor do qual
fala,
todavia, a grande
voz da expe-
riência local de quasi
um século,
uma vez que
as pesquisas
e mé-
todos de colheita puramente
es-
pecíficos não teem
provado satis-
fatòriamente, apésar de vultosos
empreendimentos levados a efeito
em diversas ocasiões.
Sabe-se como a busca dos
diamantes nas minas sul-africa-
nas, por
exemplo, se estabeleceu
em base científicas a que
a prá-
tica vem dando sempre e sempre
maior solidez. Daí a surprêsa do-
lorosa de tantos pesquisadores
que, tentando nas lavras baianas
os mesmos processos, viram su-
cessivamente falhar não sòmen-
te sua expectativa como todos os
cálculos definitivamente funda-
mentados pela prática de laborá-
tório e pelos
recursos do mais
moderno instrumental.
Há que
indagar, portanto,
qual a origem dessas surprêsas e
dêsses fracassos, diante da fa-
bulosa riqueza em pedras pre-
ciosas simultâneamente arranca-
das às entranhas da mesma terra
enigmática.
O problema
tem sido encarado
com atenção, não somente por
geologistas de renome universal
como pelos
simples observadores
nativos, aos quais
um vasto co-
nhecimento da topografia lavris-
ta e a esclarecedora significação
dos fatos - diários facultam igual-
mente fundamentadas conclusões.
Fala assim um lúcido conhe-
cedor dos garimpos,
o baiano
Lindolfo Rocha, no seu romance
Maria Dusá, no qual
a fantasia é
calcada sempre no substrato da
realidade e da observação di-
reta :
"Os
mineralogistas, arrimados
aos princípios
e teorias sôbre as
jazidas metalíferas, supõem que
o diamante é como o ouro, a pra-
ta ou o cobre. Esta é a razão
por que teem falhado muitas com-
O ENIGMA DO DIAMANTE
I
17
panhias, ficando, às vezes, na mi"
séria os incorporadores, desacre-
ditando assim bons garimpos.
A
formação casual do diamante, pelo
carbono puro,
cristalizado em al-
tas temperaturas ou nas súbitas
mudanças dessas temperaturas,
durante as grandes
convulsões
geológicas, não dá lugar a regras
fixas de mineração diamantífera.
A mais abalisada experiência
falha muitas vezes, porque
os mi-
nérios, que
constituem ou denun-
ciam a formação e paradeiro
do
diamante (que
não jazida
ou
veio) a ferragem, o caboclo, fa-
va, feijão preto, pingo
d'água e
outros, e que
na gíria
de garimpei-
ros se denominam informações,
estão freqüentemente isolados,
baldando-se destarte os conheci-
mentos dos garimpeiros.
Por ou-
tro lado o diamante se encontra
onde não se espera estar, num
mocororô, por
exemplo, argila
branca ou amarela, pegajosa,
contendo muito pouco
cascalho, e
até no desmonte de areia, antes
de qualquer
informação ou casca-
lho. Torna-se, por
isso, um jogo
aleatório a mineração diamantí-
fera, e eis por que
o garimpeiro
diz fazer ou dar bambúrrio, quan-
do, apesar do trabalho constante
e pouco
remunerador, encontra
inesperadamente um diamante
grosso ou mancha
que o tira da
infusação, ao passo que
o garim-
po não dá mais nada.
Eis por que
em tôdas as minas
de diamantes» por grandes que
sejam suas riquezas, gira,
com ra-
pidez maior
que em
qualquer ou-
tra indústria, a roda da Fortuna,
e ninguém sabe ao justo quando
se abatem os muros e se elevam
os monturos, acontecendo ainda
que aquele
que se abate hoje le-
vanta-se amanhã e assim sucessi-
vãmente".
Essa voz do entendimento lo-
cal, por
mais empírica, quando
não grotesca, que pareça,
a quem
não esteja a par
do conhecimen-
to exato das peculiaridades
do
garimpo, ainda hoje se firma co-
mo a voz da sabedoria.
No côro das hipóteses científi-
cas em que
se ergue, como vamos
ouvir, a voz de geólogos
eminen-
tes desde Eschwege, Hartt Gor-
ceix e Orville Derby, não é de-
mais que
se ouça também a pala-
vra do trabalhador humilde, cuja
vida decorre na pesquisa
dos
veios afortunados. Se é precária
a lição do empirismo, não são
menos falíveis as afirmações da
técnica. É bem recente o processo
de certa companhia estrangeira,
poderosa e armada dos meios mais
modernos para
a localização e
colheita dos minérios, instalada ao
rigor da ciência, numa época em
que saíram milhares de contos de
réis de carbonados, das proxi-
midades. Após rigorosas sonda-
gens da terra considerada e re-
velada rica em diamante negro,
foi forçada a abandonar os tra-
balhos, deixando inertes máqui-
nas e aparelhagem da maior pre-
cisão, uma vez que
os resultados
alcançados estavam bem longe
do que
se esperava. Capitulo
novo, apenas, a acrescer ao da
Companhia Belga, cujos remanes-
centes ainda estão atulhando as
matas do S. José,
no caminho de
Lençóis, com as suas rodas den-
tadas, alavancas, tubos e bobinas
espalhadas à beira do rio, como
destroços dum imenso organismo
de ferro, e a tantos outros, a partir
F. 2
X ¦ W»'%» S Ifv *- ¦ ' >N . £> *lr i *1 Ai '»
^HPlü
18CULTURA POLÍTICA
daquela imponente instalação do
Portão de Ferro, onde, em 1883,
se tentou lavrar os cascalhos
diamantíferos por meios menos
imperfeitos e custosos do que
os
antigos, tentativa malograda no
final das contas, por ter sido leva-
da a efeito numa zona, onde, con-
tra tôdas as aparências, não ha-
via mais cascalho virgem, intei-
ramente esgotada pelos trabalhos
antigos, apesar de tudo o que
se
esperava do emprêgo de bombas
de esgôto as mais perfeitas,
mo-
tores hidráulicos tocando máqui-
nas que puxavam
vagonetes em
planos inclinados para
facilitar o
transporte de areias e cascalhos,
e onde, pela primeira vez no
Brasil, foi ensaiado o emprêgo da
eletricidade como motor, segun-
do Antônio Olinto dos Santos
Pires, citado por Pandiá Calóge-
ras (As Minas do Brasil e sua
Legislação).
O garimpeiro
confia muito mais
no que
lhe ensinou a velha ciên-
cia dos antepassados, falível como
a dos homens de laboratório, é
certo, mas assim mesmo um pou-
co mais exata, porventura,
mui-
tas vezes, tal a persistência
com
que procura certas
peculiaridades
regionias, como a que
assinala
pitorescamente o
padre Camilo
Torrend, grande estudioso de mi-
nerologia brasileira:
"O
garimpeiro das Lavras pa-
tece ter um certo pressentimento
de que
a abundância dos diaman-
tes depende das erosões e recor-
tes exercidos na itacolumite (que
é na opinião mais generalizada a
ròcha matriz do diamante), pe-
la ação dos tempos. Ao escolher
um garimpo novo, gosta
o tra-
balhador de procurar
um lugar
abrupto, ao pé
de alguma pene-
dia recortada, a que
êle dá o nó-
me de gênio
do diamante. Até
hoje, diz êle com graça,
souberam
os gênios guardar bem as suas
riquezas, mas nós saberemos ir
apanhá-las". (Pela Terra
Diamantina) .
A causa principal dessas dú-
vidas está num fato geralmente
aceito pelos geólogos
e vem a ser
que o diamante no Brasil, ou
pelo
menos nas Lavras Diamantinas
da Baía, não é encontrado
"in
situ" — isto é, no
próprio local
ou rocha onde se formou; encon-
tra-se em depósitos, diversamente
caracterizados, para onde foi len-
tamente carreado pela ação das
águas das enxurradas ou por
ou-
tro processo
causai a estudar»
Já Saint-Hilaire,
nas suâs
Viajens peto
distrito dos diaman-
tes e litoral do Brasil, acentuava
que
44não
se encontra mais ó
diamante em sua matriz primitiva,
e essa matriz por
sua vez não é
mais encontrada em parte
ne-
nhuma. Sendo ela de consistên-
cia muito fraca foi sem dúvida
arrastada pelas águas e os
diamantes daí destacados rolaram
com os calhaus para o leito dos
rios e regatos • Êsses calhaus ro-
lados de mistura com os diaman-
tes são o que se chama casca-
lho. Freqüentemente o leito dos
regatos muda de lugar, donde
acontece que o cascalho não se
acha unicamente em seu leito
atual. Existem sinais da presen-
ça dos diamantes; entretanto êsses
sinais são em geral pouco
certos,
e para
se certificar se um regato
ou um terreno contém diamantes
é preciso
dispor de recursos para
essas pesquisas".
tk-is.
O ENIGMA DO DIAMANTE 19
O problema
reveste-se assim
dum aspecto verdadeiramente se-
dutor para
o espírito amante das
especulações, e não admira que
tenha sido de contínuo abordado
por homens de ciência, a
que fal-
taram no entanto, até hoje, os
imprescindíveis vagares e parece
que o devido aparelhamento
para
Jevarem a têrmo definitivo os seus
estudos.
Mesmo assim, não há como
desprezar as conclusões a que
chegaram alguns dêles, no correr
do último século, sabido que,
desde Spix e Martius, na sua
passagem pela zona diamantífera
da Baía, são já
em número cres-
cido os relatórios existentes a res-
peito.
É assim por
exemplo que John
Casper Branner, no seu Resumo
geológico do Brasil
(publicado
pela Geotogicat Society of Ameri~
ca de Washington, vol. 30, n. 2,
julho de 1919), aborda incisiva-
mente o assunto:
"A
maior parte
dos diamantes
do Brasil vem dos leitos dos rios,
onde teem sido concentrados das
rochas da região vizinha, pelos
processos naturais. De vez em
quando amostras se acham era-
vadas na pedra
dura, geralmente
no cascalho cimentado com ferro
e claramente não in situ. Também
tem sido descobertos nos quart-
zitos paleológicosV.
Sobre a origem dos diamantes
do Brasil já
foram escritos muitos
artigos (Bové,
Bensaude, Bran-
ner, Castelnau, Clausen, T. Daw-
son, O. A. Derby, Dufresnoy,
Engelhardt, Gorceix, Helmrei-
chen, Hussak, Jardim,
Lindsay,
Martius, Mawe, F. de P. Olivei-
ra, Antônio O. Pires, Praguer,
Rezendfe, Vandeli, etc.), mas seja
qual for esta origem remota, até
agora só foram êles lavrados em
quantidade no Brasil, nos leitos
dos rios ou nos depósitos forma**
dos pelo processo
de concentra-*
ção. No Paraná, parece que
veem
dos conglomerados na base do
devoniano. Na Baía, vem dos
quartzitos côr de rosa. tentativa-*
mente chamados carboní feros.
Em Grão Mongol, no norte dc
Minas, também veem dos quart-
zitos. Os minerais associados
com os diamantes, no Brasil, in~
duzem à opinião de que
sejam
relacionados genèticamente com
os granitos,
rochas metamórficas
e pegmatitos,
antes que
com as
rochas eruptivas. No Estado da
Baía, pelo
menos, não se conhe-
cem, na vizinhança dos diaman~
tes, rochas eruptivas, com a ex-
ceção de um único lugar, onde um
pequeno dique de diábase corta
o quartzito
diamantífero, sem
modificar perceptivelmente
as ro-
chas vizinhas. Apesar da grande
importância comercial dos dia-
mantes, ainda não foi feito estudo
sistemático da geologia
dos
diamantes no Brasil, e como bem
diz Calógeras:
"quasi
tôdas as
jazidas diamantíferas do Brasil
foram descobertas por
acaso".
Recebi àltimamente confirma**
ção particular da descoberta de
diamantes em diversos pontos
no
Estado de Minas Gerais» em
canos ou
"pescoços"
de perido-
tito, semelhantes àqueles onde
existem diamantes na África do
Sul. Essas notícias porém pre-
cisam ainda de confirmação"»
Quase meio século antes, Char-
les Frederick Hartt publicava
em
Boston a Geology and Physical
20 CULTURA POLÍTICA
Geography of Brazil (Trayer
Expedition~Scientific results of a
journey in Brazil by Louis Agassiz
and his travelling companions).
Nêssc grande
livro, na opinião
de Roquete Pinto» agora apareci**
do na coleção Brasiliana, em tra-
dução de Edgar Sussekind de
Mendonça e Elias Doliantti, a
região das Lavras é estudada com
particular atenção, e dêle fazem
parte os trechos
que a seguir, data
vênia, passo
a transcrever:
"O
interior da província
da
Baía, não obstante suas ricas mi-
nas de diamantes, é quasi
uma
terra incógnita para
o geólogo
e o
geógrafo. Forma, contudo, uma
parte tão importante do império,
que achei conveniente, depois de
coligir novos importantes fatos
sôbre a sua geologia
e geografia
física, fazer esforços para
chegar
a algumas conclusões dignas de
confiança em relação à sua estru-
tura geral.
Embora Spix e Mar-
tius explorassem a província quan-
do a geologia
estava ainda na in-
fância, fizeram observações mui'-
to interessantes. O reverendo Ni-
colay, alguns anos passados,
vi-
sitou o distrito diamantífero em
companhia do Sr. A. de La-
cerda, e teve a bondade de for-
necer-me algumas notas sôbre a
rota que
seguiu. J.
A. Allen,
ornitólogo na Expedição Thaver,
atravessou a província,
de Chique-
Chique, no S. Francisco, até Ca-
choeira, e sou-lhe devedor de um
esboço muito interessante da re-
gião que atravessou. Essa
parte
do vale do S. Francisco, abrangi-
da pela província»
foi examinada
por Von Martius, St.
John e
outros, e finalmente por
Burton,
de forma que
conhecemos as suas
feições mais gerais.
Êsses obser-
vadores nos deram três completas
secções através da região entre o
S. Francisco e o mar. e Nicolay
uma incompleta*'.
Relativamente à parte que
nos
interessa, a secção da zona
diamantífera, Hartt assim resu-
me as conclusões dos geólogos
citados e as próprias:
"Nicolay
diz que
a região do
vale do S. Francisco se vai al-
teando até a Chapada Diaman-
tina por
uma série de terraços,
e avaliou a altura da chapada
em 3.000 pés
acima do mar, o •
que incidiria com a avaliação
de Allen da altura da chapada
em Jacobina, e com a minha
própria avaliação da altura da
chapada em Minas Gerais. Na
Chapada, diz Nicolay, há fo-
lhelhos, arenitos e conglomera-
dos. Os arenitos variam müito
em qualidade, tanto em compo-
sição como em dureza, mas são
todos, evidentemente, produtos
diretos das rochas primitivas.
Sôbre êstes arenitos há (ou
ha-
via) uma camada de quartzito,
em miutos lugares ainda muito
visível, no qual
foram encon-
trados cristais de magnetita e
outras piritas,
e entre os areni-
tos criados pela
desintegração
dessa rocha, conforme assinalam
êstes cristais, costuma-se encon-
trar diamantes.
"A
superposição das camadas
mais duras sôbre as mais moles
é a causa da presença
destas ca-
vernas chamadas grunas, que
fre-
qüentemente perfuram os mor-
ros e nas quais
muitos diaman-
tes são encontrados. São tôdas
formadas por
infiltração de água
através da rocha e desintegração
O ENIGMA DO DIAMANTE 21
das camadas mais moles; mas na
maioria dos casos não se forma
uma caverna, porém
uma ruína,
e a superfície apresenta uma
confusão de enormes blocos ou
placas de conglomerado de ses-
senta pés quadrados,
e de dez a
quinze pés de espessura,
para
os maiores exemplares. Não sei
até agora de nenhum fóssil en-
contrado nesse distrito. A cha-
pada forma o limite leste de uma
barreira do grande
rio S. Fran-
cisco, e posso
seguí-la das nas-
centes do Paraguassú até den-
tro de Goiaz".
44
Por todo o distrito as ro-
chas de embasamento são gnâis-
sicas, variando ocasionalmente
para pórfiro e
granito de um la-
do, e hornblenda e quartzo
de
outro, apresentando ocasional-
mente micaxisto".
Depois dessas transcrições,
conclue Hartt que
"da
narração
de Nicolay, bem como da exposi-
ção que me fez em
palestra, não
pode haver dúvida de
que os
diamantes no interior da Baía
ocorram na camada de arenito,
formando parte
de um grande
lençol que já
se estendeu sôbre
toda a região, ligando-se com os
arenitos e argilas da bacia do Je-
quitinhonha; e êste arenito, como
veremos da narrativa de Allen, é
encontrado também em Jacobina,
em cujo local, em 1755, os
diamantes foram pela primeira
vez
descobertos na província
da
Baía.
Vi espécimes de rochas diaman-
tíferas da chapada nas mãos de
Nicolay. Não era itacolumito,
mas pareceu-me
ter uma seme-
lhança muito estreita com. a ca-
mada de arenito que
se sobre**
põe às argilas na bacia do
Je-
quitinhonha. Também apresenta
uma notável semelhança com os
arenitos terciários na Estrada de
Ferro da Baía, perto
de Pitanga,
onde também ocorrem diamantes.
As areias diamantíferas que
vi em
mãos do Sr. A. de Lacerda, na
Baía, parecem ter resultado da de-
sintegração dos arenitos da cha-
pada".
Em nota apenas a essa obser-
vação, refere o autor que
nas
amostras de areias diamantíferas
da Baía, examinadas pelo geólo-
go Damour, foram achados os se-
guintes minerais:
quartzo hialino,
jaspe e sílex, itacolumito, distênio
ou cianita, zincônio ou hiacinto,
feldspato, granada
vermelha,
granada magnesiana, mica, turma-
lina (verde e
preta), hialoturma-
lina (feijão), talco, wavelita
(ca-
boclo), fosfato de itrio, fosfato de
ítrio titanífero, diásporo, rutilo,
"brookita",
atanásio, titânio hi-
dratado, tatalita, baierina ou co-
lumbita, óxido de ferro titanífero,
óxido de estanho, sulfato de me*-
cúrio e ouro (Bulletin de la So-
ciété Géologique de Paris, 2ième
série, Séance du 7 avril, 1856).
"E'
lastimável, continua Hartt,
que as minas de diamantes da
Chapada Diamantina nunca ha-
jam sido rigorosamente examina-
das, pois
estou convencido de que,
com o seu estudo, se explicaria o
mistério da origem do diamante".
Tratando da serra ou Chapada
do Sincorá, esporão ou ramifica-
ção da serra da Chapada, cita à
descrição que
dela fez o geólogo
Helmreichen. De acôrdo com
êsse cientista austríaco, a serra
"tem
o mesmo caráter selvático e
22 CULTURA POLÍTICA
inhóspito à vista que
a do Grão
Mongol; extensos campos formam
a região entre a sua vertente oeste
e a serra da Chapada» enquanto
a região de sua vertente leste até
a costa é coberta de espessas
inatas". Disse há pouco que
ha-
via uma estreita analogia entre
esta serra e a do Grão Mongol
no que
respeita à estrutura geo-
lógica» sendo provàvelmente
com-
posta de itacolumito.
"A
primei-
ra descoberta de diamantes foi
aqui feita nas margens do Mu-
cugê e Comércio (principal loca-
lidade), distante noventa milhas
da Baía, sôbre o rio Mucugê, nas
terras pertencentes
à Fazenda de
S. João.
Foram encontrados dia-
mantes na serra do Sincorá, nu-
ma extensão de vinte léguas. As
lavagens na encosta oeste dessa
serra tornaram-se atualmente po-
br es. Consideráveis quantidades
de diamantes do próprio
Mucugê
foram, entretanto, lavadas nos tre-
chos em que
o Paraguassú e o
Andara! atravessam a serra. No
Andaraí, as principais
lavagens
estão limitadas aos ribeirões da
vizinhança, que
desagüam na sua
margem direita. Há aqui muitas
cobras, muita febre e muitos dia-
mantes.
A cidade de Lençóis, que
é a
sede geral
do governo
do dis-
trito dos diamantes, está situada
a cêrca de trinta milhas para
o
norte, um pouco
a leste de Mu-
cugê ou Santa Isabel do Para-
guassú, e é um lugar de
grande
importância, nas vizinhanças do
-qual grandes quantidades
de dia-
mantes são lavadas. Castelnau
diz que ao longo do curso do rio
de Lençóis se vêem marmitas al-
gumas das
quais teejn de
profun-
didade vinte e cinco braças e uma
ou duas de largura. Nesses cal-
deirões, como são chamados* tem
sido encontrado considerável nú-
mero de diamantes. O mesmo
autor diz que
semelhantes mar-
mitas se encontram também na
chapada, sendo sempre ricas de
diamantes. Também ocorrem nu-
ma localidade a sudeste de Chi-
que-Chique, chamada Córrego de
Santo Inácio, visitada por
Bur-
ton, que
descreve a região cir-
cunvizinha como composta de ita-
columito (?). Diz êle ocorrer
aqui, como na chapada,
"um
con-
glomerado de blocos, não de sei-
xos, que
se assemelha ao antigo
escocês vermelho, tanto assim que
os morros entre os quais
as jazidas
diamantíferas de Santo Inácio es-
tão situadas parecem pertencer
à
mesma formação que
a chapada'
De respeito a essa ramificação
da serra do Sincorá, Allen, se-
gundo nota aposta ao$ originais
de Hartt, declarou não ter visita-
do a serra de Assuruá, porém
a
viu a distância e concluiu ser de
arenito.
"Como
se superpõe ao
calcáreo, parece
ser evidente-
mente uma parte
da formação de
arenito, noticiada por
mim a leste
e já
mencionada. Estou agora
inteiramente convencido da legi-
timidade de tal generalização
com
respeito à grande
extensão e sub-
seqüente desnudação dos are-
nitos".
Na descrição da zona, feita por
Allen, há a notar a referência aos
caldeirões, depósitos habituais de
cascalho rico em gemas,
como te-
mos visto. >
"Êstes
caldeirões são de fre-
qüente ocorrência, mas não con-
segui saber se todos apresenta-
O ENIGMA DO DIAMANTE 23
vam caracteres parecidos. Quasi
todos, dos que
foram examinados,
provavam ser
genuínas marmitas,
sendo alguns de grande
tamanho.
Os maiores que
medi eram de con-
torno elíptico, com dezoito pés
de
extensão, nove ou dez de largura
e vinte sete de profundidade,
com
03 lados ligeiramente gastos.
Em
baixo das águas, que parcialmente
os enchem, deve haver muitos pés
de material que durante séculos
os teem enchido, tanto assim que
a sua profundidade
total deve
ser muito maior do que
a minha
medição indicou".
A propósito
dessas escavações,
esclarece Hartt ter o mesmo Allen
dito que essas marmitas ou cal-
deirões (têrmo que tem a mesma
derivação da palavra
inglesa, cal-
dron (chaldière) e também a mes-
ma significação)
"ocorrem
muitas
vezes na planície,
fora de qual-
quer terra alta, e
que são algumas
vezes encontrados escavados nos
cumes das pequenas
elevações da
planície, ou mesmo no topo de
um morro, como no caso do Mor-
ro da Caldeirão. Êsses buracos
devem ter sido escavados pela
água caindo. Há apenas uma su-
gestão que posso fazer
quanto à
sua origem: é que
foram forma-
dos por cataratas glaciais,
do
mesmo modo que
as marmitas en-
contradas nas regiões glaciadas
da
América do Norte, como, por
exemplo, em New Brunswick e
Nova Escócia, onde tive oportuni-
dade de examiná-las. E' bem co-
nhecido que as cataratas glaciais,
não obstante o constante movi-
mento do gêlo,
são muitas vezes
estacionárias, e nos Alpes cava-
vam enormes marmitas nas ro-
chás".
Em 1905, convidado pelo
então
secretário da agricultura da Baíat
Miguel Calmon, o engenheiro Or-
ville A. Derby percorreu
tôda a
zona das Lavras Diamantinas,
apresentando em seguida algumas
das conclusões gerais
a que
havia
chegado, num relatório que
figu-
ra até hoje como elemento dos
mais importantes para
o conheci-
mento da geogolia
do diamante
naquela região.
Preliminarmente, Orville Der-
by assinalou que
"o
rio Para-
guassú, no seu curso, atravessa
quatro regiões bem distintas na
sua composição geológica
e por
conseqüência nos seus caracteres
topográficos e econômicos".
Dessas regiões a que
nos inte-
ressa é a primeira,
abrangendo
todo o distrito das cabeceiras do
rio e do seu principal
tributário,
o Santo Antônio, e se estendendo
até a cabeceira da Passagem do
Andaraí :
44é
constituída, essen-
cialmente, por possantes camadas
de grés
duro e avermelhado, que
muitas vezes passa
a conglome-
rado. Estas camadas, cuja espes-
sura é estimada em mais de 500
metros, são profundamente per-
turbadas, sendo levantadas em do-
bras que
se podem
comparar às
ondas do mar, e atravessadas por
fraturas, ou falhas, com levanta-
mento de um lado, produzindo
enormes paredões a
pique. As-
sim, é uma região essencialmente
montanhosa, apresentando o tipo
de estrutura oreográfica caracte-
rístico das montanhas na parte
oriental do continente norte-ame-
ricano e por
isso conhecido pela
denominação de
44tipo
apalaquia-
no". A elevação geral
da região
é de cêrca de 1000 metros, ele-
ffJÇT~ >'W* ü' ¦"• 'rj' u >¦¦' Jj
24 CULTURA
vando~se alguns picos
e serranias
uns 200 ou 500 metros acima dês-
te nível e descendo os vales mais
escavados uns 700 metros abaixo
dele.
Em virtude da dureza das ro-
chas e das perturbações (dobras
e falhas) que
estas teem sofrido,
a topografia é extremamente aci-
dentada e agreste, apresentando
inúmeros e enormes maciços ou
serranias, de rochas quasi
comple-
tamente despidas de solo e por
conseqüência de vegetação, inter-
mediadas com manchas de terre-
no com contornos mais suaves,
onde a decomposição da rocha
tem fornecido uma capa espessa
de solo arável, coberto geralmen-
te com vegetação campestre, em
alguns lugares por
matas. Em vir-
tude da composição predominan-
te arenosa das rochas subjacentes,
o solo desta região é em geral
fraco e, por
conseqüência, mais
apropriado à criação do gado
do
que à lavoura.
Quanto á riqueza mineral, a
única até hoje aproveitada é a
de diamantes e carbonados, e a
sua constituição geológica pouca
esperança oferece da existência de
outra, a não ser num ou outro
ponto, onde alguma outra forma-
ção mais antiga possa porventura
aflorar na superfície.
Os diamantes, incluindo neste
têrmo os carbonados que
na re-
gião da Chapada .Baiana raras
vezes ou nunca deixam de acom-
panhar os diamantes verdadeiros,
são especialmente característicos
da primeira
região, e a sua ocor-
rência esporádica na segunda e
terceira pode
com certa plausibi-
POLÍTICA
lidade ser atribuída ao transpor*
te antigo ou moderno, de elemen-
tos derivados dela. Em tôdas as
localidades examinadas (Santa
Isabel, Chique-Chique, Andaraí,
Lençóis e Palmeiras) a sua ocor-
rência acha-se intimamente liga-
da com a de uma grossa
camada
de conglomerado, que
se apresen-
ta perto
do meio da formação de
grés acima descrita. Êste con-
glomerado representa um depó-
sito de cascalho formado numa
época geológica
remota, pelo
mes-
mo modo por que
se formaram, e
ainda hoje se formam, os casca-
lhos (conglomerados incoerentes e
ainda não transformados em pe~
dra) em que
os mineiros procuram
os diamantes.
Em diversos pontos,
é evidente
que uma
parte do cascalho dos
mineiros é simplesmente o conglo-
merado decomposto in situ, sem
que os elementos tenham sofrido
o mínimo transporte ou rearran-
jo moderno. Assim se acha repe-
tido nesta região o mesmo fenô-
meno já
observado na região dia-
mantina de Minas Gerais, onde
existem diversas lavras importan-
tes em conglomerados decompos-
tos e onde, em Grão-Mongol, se
tem encontrado o diamante efeti-
vãmente encravado no conglome-
rado duro.
Os cascalhos modernos e não
consolidados conteem naturalmen-
te uma mistura de elementos deri-
vados de tôdas as rochas desinte-
gradas da vizinhança, mas, onde
são majs ricos, é evidente que
a
maior parte
dêstes elementos pro-
vém do conglomerado, ou pedra
cravada como os mineiros a de-
nominam, que
raras vezes deixa
de se apresentar em contacto ime-
O ENIGMA DO DIAMANTE 25
diato ou na vizinhança próxima
dos garimpos
mais produtivos.
Assim é evidente que
o grande,
senão o único» repositório dos dia-
mantes da região é esse conglo-
merado, ou cascalho» fossilizado,
intercalado no meio da grande
formarão de grés que
caracteriza
as serras das Lavras.
A camada maior do conglome-
rado apresenta-se com a espes-
sura média de 6 a 10 metros, ten-
do, porém,
em muitos pontos,
algumas intercalações delgadas de
grés fino. Como ficou dito, a sua
posição é
pròximamente no meio
da grande
formação de grés,
de
modo que, em têrmos
gerais, há
cerca de 250 metros abaixo dele
e outro tanto acima. No grés
su-
perior à
grande camada de con-
glomerado existem muitos seixos
espalhados, bem como intercala-
ções delgadas de verdadeiro con-
glomerado, dando a tôda forma-
ção, do meio
para cima, um ca-
ráter conglomeratício.
Assim, em quasi
tôda a fralda
oriental da serra, no trecho entre
Santa Isabel e Lençóis, na dis-
tância de mais de 60 km, o con-
glomerado se apresenta cobrindo
quasi tôda a encosta da serra,
como as telhas de um teto incli-
nado, para
mergulhar, com a in-
clinação de 20 a 30 graus para
ieste, no fundo dos vales dos rios
Piabas, Chique-Chique. Andaraí,
e S. José, que
fraldejam as serras
neste trecho, sendo o outro lado
dos seus vales formado principal-
mente pelas camadas de
grés su-
perior".
O eminente geólogo termina
dêste modo essa parte
de suas
conclusões, que
é justamente a
parte que nos interessa:
"Sendo
exato, como me pare-
ce fora de dúvida, que
a forma-
ção conglomeratícia, ou o casca-
lho antigo, é o grande
repositó-
rio dos diamantes e carbonados
da região das Lavras, segue-se
que o estoque desses minerais,
ainda em ser, deve ser enorme.
Os pontos
de mais fácil ataque
já lavrados são insignificantes,
em comparação com a massa do
material contendo as pedras pre-
ciosas, que
ainda se acha inta-
cta". (Lavras
Diamantinas, in
Revista do Instituto Geográfico
e Histórico da Baia, vol. XI,
n. 30, 1904).
Sôbre o mesmo assunto, numa
publicação posterior, O r v i 11 e
Derby cita a opinião de Helm-
reichen, segundo a qual
"a
for-
mação geológica
da parte
dia-
mantífera da serra do Assuruá
pertence ao itacolumito, e quasi
exclusivamente ao tipo tíiaciço do
mesmo; e o gorgulho
ou casca-
lho diamantífero parece
ser de-
positado principalmente nas fen-
das desta rocha".
Chegamos assim ao ponto
mais
interessante dêsses estudos.
Qual é a rocha matriz do dia-
mante no Brasil? Será mesmo o
itacolumito, como é kimberlite, na
Ãfrica do Sul?
A opinião de {ieluireichen é
de 1843. Mas, já
antes dêle, em
1833, Eschwege, no Pluto Brasi~
liensis, pensava
da mesma forma,
como acentua Roquette Pinto:
44
Segundo observações e estu-
dos de geólogos
notáveis (Es-
chwege), o itacolumito deve ser
considerado como a rocha matriz
26 CULTURA POLÍTICA
do nosso diamante. Engastada
nela, principalmente,
é que
a ge-
ma se encontra à maior parte
das vezes; e quando
o diamante
se acha nas correntes, foi ainda
assim arrancado do seu ninho de
itacolumito pela
ação das águas".
Estudando o trabalho geológico
feito pelas
correntes, John
Casper
Branner, em sua Geologia Ele-
mentar assinala que
êsse processo
"é
bem ilustrado nas regiões dia-
mantíferas do Brasil, onde os
diamantes são encontrados nos
canais dos cursos de água atuais
ou antigos. Os diamantes deri-
vam-se originàriamente das ro-
chas duras da região na qual
se
encontram, porém,
devido ao des-
gastamento pelo tempo e
pela de-
composição destas rochas, fica-
ram livres e foram transportados
pelas águas, do mesmo modo
que
um seixo qualquer.
Devido à sua
maior dureza, os diamantes resis-
tiram ao desgastamento, enquanto
a maioria das outras pedras
foi
desgastada, sendo carregadas
pela água as
partículas finas
destruídas. Encontram-se usual-
mente com os diamantes peque-
nos seixos arredondados muito
duros e lisos, comumente conhe-
cidos entre os mineiros por
"for-
mação", feijão, favas, etc. Êstes
seixos ocorrem com os diamantes
porque são bastante duros
para
resistir ao desgastamento dos rá-
pidos cursos dos distritos dia-
mantinos".
Quanto à origem do diaman-
te, o ilustre geólogo
assim se ex-
terna:
"Diversas
teorias teem sido
emitidas para
explicar a origem
dos diamantes, e não é impossí-
vel ou mesmo inverosímil que
êles se tenham originado por
mais de uma maneira. No Bra~
sil, o fato de a grafite
ter sido
encontrada nas camadas do ita~
columito — a rocha da qual
a
maioria dos diamantes brasilei-
ros parece
ter sido derivada é
considerado como uma sugestão
que os diamantes podem
ter sido
formados por
uma maior altera-
ção e cristalização da grafite,
embora a prova
neste ponto
es-
teja longe de ser concludente.
Na África do Sul, os diamantes
se acham associados aos folhe-
lhos carbonáceos e rochas erup-
tivas, e supõe-se que
êste mate-
rial forneceu o carbono para
os
diamantes. Os diamantes e car-
bonados da Baía parecem
ser
formados nos quatzitos
de La-
vras côr de rosa, onde se acham
in situ. Perto de Diamantina, no
Estado de Minas Gerais, nas mi-
nas de Sopa, há diamantes em
conglomerados, e alguns geólo-
gos são da opinião
que os dia-
mantes dêste lugar são derivados
de outras rochas mais antigas".
A diversidade do material geo-
lógico onde se tem encontrado o
diamante nas minas brasileiras
torna ainda mais difícil a solução
do problema.
Comentando o fa-
to de se apresentarem também
diamantes nos depósitos de alu-
vião, diz Branner que
"nêste
ca-
so foram originalmente espalha-
dos em algumas rochas estratifi-
cadas da região diamantífera,
sendo desembaraçados pela
de-
composição da matriz encaixante
e acumulados nos leitos dos cur-
sos de água antigos ou recentes,
juntos com ouro e outros mine-
rais pesados".
O ENIGMA DO DIAMANTE 27
Finalmente, referindo-se à pre-
sença de diamantes num dos de-
pósitos de cinzas vulcânicas, em
Agua Suja, perto de Bagagem,
no Estado de Minas Gerais, as-
sinala o mesmo autor que êsse
depósito apresenta
"na
sua ida-
de geológica
e no caráter das
suas rochas muito maior analo-
gia com a afamada região dia-
mantífera da África Austral do
que com as da
parte dos listados
de Minas Gerais e Baía, no Bra-
sil".
Continua o enigma
Como temos visto até aqui, a
dúvida persiste, por mais
que
êsses pesquisadores eminentes se
tenham esforçado em busca de
um ponto
de apôio definitivo para
as suas conclusões. A confusão
dos primeiros
tempos está assim
bem longe de se dissipar, como
seria grandemente
desejável, pa-
ra uma orientação mais vanta-
josa dos trabalhos de mineração,
sob uma base sólida e de resulta-
dos prèviamente
estabelecidos.
Tratando dêsse emaranhado de
teorias insatisfatórias, o P. Ca-
milo Torrend S. J.. a
quem já
tive ocasião de referir-me antes,
formula certas considerações que,
pela sua engenhosidade nutrida
de seguros conhecimentos cien-
tíficos, não devem talvez ser des-
prezadas. Evidentemente não se
trata de alguma coisa decisiva,
mas nesse particular também ne-
nhum dos geólogos
citados antes
chegou a qualquer
resultado ab-
solutamente incontroverso e, co-
mo êle mesmo diz,
"nem
temos
nós a temeridade de querer
di-
rimir a questão,
faltando-nos para
isso o devido preparo. As nossas
opiniões são apenas hipóteses:
mas também as hipóteses podem
conter parcelas
de verdade, e no
campo cientifico não raras vezes
lhe preparam
o terreno, para que
apareça mais tarde com todo o
(ulgor. As principais perguntas
que se
podem fazer sôbre o nosso
assunto parece
dever resumir-
se nas 5 seguintes:
1) Estará definitivamente co-
nhecido o que
se pode
chamar a
rocha matriz do diamante, ou ao
invés conhecem-se apenas alu-
viões e desgastes de rochas pri-
mitivas, onde se encontram os
diamantes e os carbonados?
2) Esta rocha matriz, se exis-
te, é de natureza eruptiva, isto é,
produzida por ação vulcânica,
sendo por
exemplo injetada por
fendas na crosta debaixo para
ci-
ma, ou pelo
contrário é rocha se-
dimentar, formada por camadas
provenientes da desagregação das
rochas primitivas?
3) Em qualquer destes últimos
casos, como se originou o dia-
mante na sua rocha matriz? Pelo
resfriamento da mesma ou por
pressão?
4) Em que época se efetuou a
formação do diamante?
5) É de origem orgânica ou
inorgânica?"
Para o P. Torrend, a rocha
matriz do diamante é mesmo o
itacolumito, de origem sedimen-
tar, derivado da desagregação das
rochas primitivas,
"sedimentos
que se depositaram paulatinamen-
te em camadas paralelas no fun-
do de algum rio muito antigo0;
não sendo porém demasiado ad-
mitir que
essa rocha tivesse re-
cebido inclusões ígneas por fen-
das que se abriam na crosta. no
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28 CULTURA POLÍTICA
fundo do mar onde se deposita*-
vam ditos sedimentos» para
estar
de acôrdo com David Draper. que
assinalara, no Mining Magazine,
de Londres, voL IX, de 1913, a
presença de uma chaminé nas mi-
nas de Agua Suja, em Minas Ge-
rais, idêntica às da África do Sul,
e com opinião de Robert Walls
(Geological Magazine, volume
LVII, de 1920), que
chegara a
idêntica conclusão nos seus estu-
dos na serra da Espinhosa, perto
de Diamantina, ao ver que
certa
mina de diamantes tomava um
aspecto de fenda entre os quartzi-
tos, como se estivesse cozinhada
nalguma cratera (stewed izp).
Sobre a maneira pela qual
se
formou o diamante, cita o pare-
cer de Ch. Parsons: basta a pres-
são de 1.000 atmosferas, prolon-
gada, dentro do ferro aquecido a
600° em presença
do oxido de
carbono, do enxofre e do carbu-
randum, para produzir
a cristali-
zação do carbono.
"Julgamos
9ue
aqueles imensos materiais detríti-
cos e arenosos, provenientes
do
desgaste das serras mais antigas,
entraram em contacto com mate-
riais eruptivos de vulcões ou fen-
das submarinas muito ricos em
ferro, que
a massa total finalmen-
te se assentou em camadas regu-
lares, se resfriou lentamente des-
de 600° de calor até arrefecer
completamente, e que
as partes
inferiores, sob uma pressão
de
cerca de 1.000 a. de camadas so-
brepostas, se metamorfizaram
tornando-se assim compactas, ao
passo que o carburandum e o óxi-
do de carbono formavam diaman-
tes nas zonas da massa que
ti-
vessem a percentagem
de ferro
necessária e as condições de pres-
são exigidas para
essa cristaliza-
ção. Em circunstâncias um
pou-
co diferentes, que
a ciência ain-
da hoje não conhece perfeita-
mente, em vez de produzir
a cris-
talização perfeita
e a transfor-
mação dos gases
de carbono em
diamante facetado, formavam
apenas diamantes amorfos ou de
cristalização imperfeita, como o
bort da África do Sul, e o car-
bonado da Baía, ao passo que
noutras zonas do itacolumito de
pressão maior ou menor, ou de
percentagem de ferro insuficien-
te, não se formava nenhum dia-
mante nem carbonado. Esta ex-
plicação parece resolver
perfei-
tamente, não só a formação do
diamante e do carbonado na zo-
na diamantífera da Baía, como
também lança luz sôbre o fato de
enormes porções de itacolumito
serem estéreis, como por
exemplo
a serra do Tombador, e, confor-
me as nossas explicações, as que
correspondem às zonas mais su-
perficiais de menor
pressão, ou
mais profundas, porém
de menor
percentagem ferruginosa ou de
calor inicial inferior a 600°".
Quanto à época provável
das
formações diamantíferas no Bra-
sil, as formações chamadas, por
Derby, Lavras e Série do Para~
guassú, em Mucugê, são
provà-
velmente da idade carbonífera,
segundo Branner, ao passo que
o itacolumito ou quartzito
róseo
da serra do Tombador seria da
época anterior, a devoniana.
"Seja
como fôr, e tendo por
certo
que a Série de Lavras é do car-
bonífero, como provà
velmente os
Gerais, em que
está engastada»
e que
se estendem por
imensas
zonas do sertão da Baía, até se
O ENIGMA DO DIAMANTE 29
internarem em Goiaz, pode-se
perguntar donde vem a (alta de
elementos paleozóicos, motivo
pelo qual reina ainda uma certa
dúvida sôbre a época da forma-
ção daquelas serras. Para o caso
que nos ocupa, a causa desta apa-
rente falta de vida no devoniano
ou no carbonífero das Lavras
Diamantinas ou do* Tombador se-
ria devida, como vimos, ao calor
das águas alimentadas por fen-
das vulcânicas na crosta subja-
cente".
Abordando, finalmente, a quês-
tão da origem orgânica ou inor-
gânica do diamante, o P. Tor-
rend apresenta algumas conside-
rações que parecem dignas de
atenção, pelo que dizem respeito
também a outro grande proble-
ma do Brasil — o problema
do
petróleo Nesse ponto
mesmo,
suas palavras, velhas de mais de
três lustros, chegam a ter, algu-
mas vezes, um tom profético em
verdade impressionante:
"A
ausência de elementos pa-
leozóicos, nos sedimentos de ita-
columito e nos quartzitos
bran-
cos das serras de origem ante-
rior, parece
à primeira
vista fa-
zer prevalecer
a opinião de que
o carbono donde resultou a for-
mação do diamante brasileiro é
de origem inorgânica. Na verda-
de isso não resolve o problema,
e pelo que
nos toca confessamos
ainda a mais completa ignorân-
cia sôbre o assunto.
Com efeito, o fato de que
a
vida era impossível nos mares
quentes onde se formou o itaco-
lumito não impede que pudesse
haver vida nos continentes onde
se formavam os rios que
alimen-
tavam aquêles mares. Não, é,
pois, impossível
que o carbono
do diamante provenha dos detri-
tos vegetais ou animais que
êsses
rios arrastavam.
De mais a mais, o aparecimen-
to de fendas vulcânicas na cros-
ta submarina dos mares carboní-
feros onde se formou o diamante
e o carbonado não quer
dizer que
os mares precedentes,
os devo-
nianos ou cambrianos, estivessem
nas mesmas condições azóicas.
É, pois,
muito possível que
os se-
dimentos que deram origem ao
itacolumito e às gramas
nele in-
clusas assentassem algumas ve-
zes em terrenos anteriores, per-
feitamente paleozóicos, e recebes-
sem dêsses o carbono de que pre-
cisavam. Apresenta-se-nos porém
muito provável também a opinião,
segundo a qual
o carbono que
deu origem ao diamantes e car-
bonados brasileiros viesse direta-
mente do interior da crosta ter-
restre, juntamente com o ferro,
que entra em percentagem
tão
avultada na composição do ita-
columito.
Não queremos
terminar êste
estudo sem fazer notar a grande
importância que teem na
prática
estas questões
de aparência pu-
ramente especulativa.
Se por
exemplo as serras dos
Gerais, de quartzitos
brancos, tão
espalhados pelo interior da Baía,
de Minas e de Goiás, são da era
carbonífera e se a ausência de si-
nais de vida somente se deve a
circunstâncias locais e limitadas,
é bem possível que
se encontrem
importantes jazidas de hulha no
interior dos mesmos Estados, nos
lugares ocupados outrora pela
foz de algum grande
rio da mes-
ma época, onde os detritos de ve-
30 CULTURA POLÍTICA
getais do continente se deposita~
vara, depois de terem sido arras-
tadôs pelas
correntes caudalosas
daquelas eras, ao passo que
os
depósitos argilosos ou arenáceos
formavam os sedimentos dos
oceanos profundos,
os Gerais de
hoje.
Por outro lado, na mesma hi-
pótese, debaixo daquelas serras é
também possível que
se escon-
dam jazidas petrolíferas,
forma-
das à custa dos organismos que
povoavam os mares anteriores.
Conforme as teorias hoje admi-
tidas — cf. A. Martin, Le petrole.
Paris, 1922 —' sôbre a origem do
petróleo, todas as
jazidas expio-
radas hoje são de origem orgâ-
nica, sejam de base asfáltica ou
de parafina.
As primeiras
seriam
derivadas de detritos de peixes
ou de animais, e as segundas de
depósito de algas ou de vege-
tais.
Como prova
de que
estas consi-
derações não são meramente ima-
ginárias, devemos acrescentar que
nas nossas diferentes excursões
pelo sertão do Norte do Brasil
já tivemos ocasião de colher três
amostras de xistos betuminosos
da época devoniana e duas da
época terciária.
Os xistos petrolíferos
não teem
por agora muita importância,
por-
que o
petróleo que êles conteem
só por
distilação pode ser extraí-
do. Porém serão de muito valor
daqui a uns 20 ou 30 anos, quan-
do as minas de petróleo líquido
da América do Norte estiverem
exhaustas. Esperemos que pes-
quisas repetidas nas imensas zo-
nas desconhecidas do interior de
Goiaz e Mato Grosso develam
descobertas animadoras nêste
sentido e que
o Brasil se torne
uma das nações mais ricas de
combustíveis, como já
o é de mi-
nérios e minerais". (Pela
terra
diamantina, separata da revista
Brotéria, 1926) .
Algumas das considerações
precedentes foram em
grande par-
te confirmadas por
estudos pos-
teriores, principalmente
os leva-
dos a efeito na região das La-
vras Diamantinas pelo
engenhei-
ro Horácio E.
"Williams,
que
percorreu a zona,
"estudando
a
estratigrafia e a estrutura geoló-
gica, com o intuito de contribuir
com observações pessoais que
ser-
vissem para
esclarecer a questão
da origem do diamante e do car-
bonado".
Como diz êsse geólogo
44
é na-
tural que
as diferentes camadas
sedimentárias encontradas numa
região qualquer possam
variar,
conforme as condições físicas e
químicas especiais em
que foram
depositadas. A mesma camada
em continuidade pode
apresentar-
se ora como um conglomerado
grosso, ora um arenito, ou, em lu-
gar mais longe, como um folhe-
lho argiloso ou como um calcá-
reo. Estas observações sôbre as
variações na natureza dos depó-
sitos sedimentários são de impor-
tância, quando
se trata de estu-
dos geológicos
numa região como
a da Chapada Diamantina, onde
as camadas de conglomerados
parecem conter os diamantes e
carbonados".
De seus meticulosos estudos
de cámpo, Horácio Williams tirou
certas conclusões que
no seu con-
ceito são de muito interêsse cien-
tífico. Segundo essas conclusões,
O ENIGMA DO DIAMANTE31
"durante
uma parte
considerável
do terciário ou do pós-terciário,
quasi tôda esta
parte do conti-
nente estava encoberta pelos
ma-
res de então. Êste fato é prova-
do pelos
depósitos não consoli-
dados que
encontramos no pia-
nalto do Brejo de Canabrava —
Espera d'Anta. Semelhantes de-
pósitos encontram-se no alto da
serra, uns 04 km a noroeste de
Bela Vista, na cota de cêrca de
950 metros, e ainda pelos
situa-
dos ao norte da Chapada Velha,
alcançando mais ou menos a
mesma altura. Os depósitos ho-
rizontais, que
se encontram em
outeiros baixos de erosão na
grande planície calcárea ao nor-
te de Palmeiras, estão em discor-
dância com as camadas calcáreas
inferiores, que
são bastante do-
bradas. Nas encostas da serra, a
oeste e sudoeste de Morro do
Chapéu, encontramos uma vasta
extensão de praias
antigas de
mares de outrora registada nos
grandes depósitos de
pedras ro-
ladas, que
se estendem desde o
nível da planície
até a cota de
cêrca de 900 metros. Outra tes-
temunha que abunda em
quasi
tôda a região é o fato de que
a
água encontrada em poços
é fre-
qüentemente salgada, como acon-
tece às margens orientais do rio
Utinga.
Os seixos e inclusões nos fo-
lhelhos vermelhos indicam clara-
mente que
sua origem tem algu-
mas relação com os geleiros,
cujos detritos se acham tão farta-
mente distribuídos no sul do país,
em São Paulo, Paraná e dali para
o sul. Em outras ocasiões tinha-
mos reconhecido a natureza con-
glomeratícia dessas rochas, mas
sempre achámos dificuldade em
explicar essa ocorrência peculiar
dos seixos no meio da massa ar-
gilosa como esta. Nunca tinha-
mos tido ocasião de estudar os
tilitos do sul in situ, embora tivés-
semos visto amostras dêsse ma-
terial no museu do Serviço e es-
tivéssemos familiarizados com a
literatura dêste assunto. Mas, em
vista dos blocos de granito
no
meio dessa massa argilosa, como
existem nas pedreiras perto
de
Ponte Nova, não pode
haver mais
dúvida e não hesitamos em atri-
buir esta formação de folhelhos
vermelhos ou as inclusões nela
contidas à ação das geleiras,
sen-
do portanto
como drift glacial,
conclusão esta aliás à qual
tinha
chegado o nosso ilustrado dire-
tor, Eusébio de Oliveira, que
em
setembro de 1921 viu os aflora-
mentos destas rochas em Itaeté,
cêrca de 75 km ao sul de Ponte
Nova, concluindo pela
sua ori-
gem glacial. Assim êsses folhe-
lhos representam depósitos de
águas mansas e fundas — um
mar extenso —' no qual
vagavam
montanhas de gêlo (icebergs) que
traziam de alhures os blocos que,
à medida que
o gêlo
se derretia,
iam caindo e entérrando-se na
massa lodosa do fundo, tal como
está acontecendo hoje nos mares
antárticos; blocos de gêlo
êstes
destacados dos geleiros
situados
longe, a sueste ou um tanto ao
sul". (Estados geológicos na
Chapada Diamantina, Boletim
n. 44 do Serviço Geológico e Mi-
neralógico do Brasil, 1930).
32 CULTURA POLÍTICA
Conclusões finais
Tudo isso, como sc vê, não é
menos aleatório do que
as hipó-
teses formuladas modestamente
pelo P. Torrend. Teorias, tanta
vez brilhantemente formuladas, ao
sabor desta última, porém
o certo
é que
ao cabo de tantos estudos
ficamos ainda com as mesmas
perguntas sem resposta.
Num campo de observações pu-
ramente científica, como é êste
do conhecimento da geologia
e
mineralogia brasileira, ligado a
uma das indústrias mais impor-
tantes da hora atual, é de lamen-
tar que
ainda não se tenha che-
gado a um resultado definitivo,
capaz de esclarecer tôdas as dú-
vidas e aplainar tôdas as difi-
culdades inerentes à localização
do precioso
minério.
Assim sendo, não há como dei-
xar de repetir as palavras de
Pandiá Calógeras, ao encerrar
um dos capítulos de seu livro
memorável:
"É
dificílimo redigir conclusões
sôbre medidas econômicas e téc-
nicas que podem
favorecer o de-
senvolvimento da indústria extra-
tiva do diamante.
Até agora o que
se tem lavra-
do no Brasil teem sido jazidas se-
cundárias, provenientes do enrl-
quecimento mecânico dos detritos
das rochas matrizes. Como tais,
lavradas as aluviões, desapare-
cem os depósitos produtores, e
nêste serviço andam empenhados
há quasi dois séculos milhares de
indivíduos. O que
hoje ainda
existe de cascalhos e areia ge-
mífera é o rebotalho das primi-
tivas jazidas,
ou as jazidas que,
por deficiência de capitais e de
meios técnicos, foram postas
de
lado pelos
antigos. O único ser-
viço de proveito
é pois
auxiliar a
formação de emprêsas poderosas,
capazes de vencerem os obstá-
culos opostos pela pobreza
do
material a tratar ou pelas
dificul-
dades locais, quer
financeiras,
quer geológicas. O
grande pro-
blema a solver no Brasil é co-
nhecer a origem desta pedra pre-
ciosa, afim de saber qual
o futu-
ro reservado à indústria de sua
extração; daí podem provir
indi-
cações decisivas quanto
ao papel
de nossa terra, como fonte pro-
dutora de diamantes".
Legislação social
A Revolução Francesa, a previdência
social e as constituições brasileiras
RUDOLF ALADAR MÉTALL
Ex-professor da Universidade Livre de Viena e secretário
geral adjunto da Conferência Internacional da Mutualidade
e de Seguro Social de Genebra
A
REVOLUÇÃO Francesa
libertou o homem e des-
pertou o cidadão.
Descendentes ingratos tenta-
ram, às vezes, embora sem gran-
de sucesso, apoucar a significa-
ção transcendental dêste evento,
igualado, nas suas repercussões
sociais, apenas pela
vitória do
cristianismo, pela
invasão dos
bárbaros na Europa medieval e
pela transformação da concepção
do mundo na época marcada pela
trindade da Renascença, da Re-
forma e da descoberta da Amé-
rica. Detratores mesquinhos
procuraram diminuir o valor
multissecular dum acontecimen-
to cuja importância, segundo
eles, ter-se-ia limitado a uma
mudança passageira
de formas
de govêrno
e à propagação
de
alguns princípios,
ligeiramente ri-
dículos e obsoletos, de conceitos
políticos. E os ideólogos impe-
nitentes do totalitarismo, quer
da seita romana, quer
da seita
moscovita, não hesitaram em,
desdenhosamente, sustentar que
aquela convulsão social da peque-
na burguesia seria sobrepujada,
na sua relevância, pelo
levanta-
mento das massas sob a égide do
fascismo ou do comunismo.
Esqueceram, porém, os críti-
cos precipitados que
as massas
proletárias devem a sua capaci-
dade política
àquela desprezada
classe de intelectuais burgueses
formados no ambiente cultural
dos ideais da Grande Revolução.
Olvidam também os censores in-
cautos que
os modernos regimes
populares fundam-se numa ar-
madura política
somente alcan-
çada pelo esmagamento do abso-
lutismo e a decomposição da oli-
garquia, representados, simbòli-
camente, na queda
da Bastilha.
E mal dissimulam os panegiris-
tas inoportunos da escravatura
espiritual em moldes novos que,
no fundo, a sua inquieta agita-
ção se dirige contra aquele der-
radeiro livramento do pensamen-
to humano dos grilhões
sempre
F. 3
D
31 CULTURA POLÍTICA
novamente forjados da opressão
política e do obscurantismo anti-
científico, que
se materializou na
Declaração dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão.
Críticas infundadas
Como feras disfarçadas em
peles de carneiro infiltraram-se
os sabotadores da tolerância,
inaugurada naquela hora decisi-
va pelo
destino humano, nas fi-
leiras dos que
lutavam em favor
do progresso
social, denegrindo
os méritos, suspeitando os moti-
vos, desacreditando as realiza-
ções da Revolução que, para
sem-
pre e com exclusividade, será
chamada a Grande, por
ter al-
cançado não apenas um país,
mas sim todos os povos.
Não
podendo negar
que ela libertou
o homem dos vínculos da servi-
dão, espiritual e material, dos
senhoraços, eclesiásticos e se-
culares, pretenderam êles
que, li-
bertando-o, a Revolução deixou
o indivíduo desamparado, isola-
do, desprotegido. Daí êles en-
toarem os elogios e encômios às
maravilhas da organização so-
ciai do medievo, segundo êles
injustamente desfigurado como
reacionário e retrógado, quando
todos se enqudraram, disciplina-
dos e obedientes, nas corpora-
ções que lhes
proporcionaram con-
fôrto, assistência e solidariedade
contra as vicissitudes da vida.
O intuito é transparente: sen-
do hoje em dia, e graças
à demo-
cratização iniciada pela
Revolu-
ção Francesa, avaliado o
padrão
cultural de um país
não sòmente
pelas obras artísticas e científi-
cas e pelos
legados de um pas~
sado heróico e sangrento, mas
sim, e antes de mais nada, pelo
nível social do povo, poder-se-ia,
por trincafio, depreciar a orga-
nização social da Grande Revo-
lução, que
teria, pretensamente,
descuidado o indispensável am-
paro aos fracos, sacrificando-os
à exploração implacável do capi-
talismo. Pelo mesmo processo
poder-se-ia também contraban-
dear, em uma sociedade descui-
dada e confiante nas conquistas
dos tempos modernos, as con-
cepções patriarcais
e, com elas, li-
geiramente refrescadas, as ideo-
logias políticas
da antiga escra-
vidão, intelectual e física.
O 750.° aniversário da
Declaração dos
Direitos
Todavia, o interêsse pelo
de-
senvolvimento racional e tran-
qüilo da humanidade, e
pela so-
lução razoável e pacífica
dos pro-
blemas sociais, e mais ainda o
respeito para
com a verdade his-
tórica não podem
admitir tão
grosseira alteração do alcance da
Revolução do domínio social. A
ocasião parece
ser oportuna para
proceder a uma verificação, des-
prevenida, daquelas asserções
partidárias, visivelmente inspira-
das no desejo de minorar a obra
gigantesca e universal da Gran-
de Revolução. Com efeito, co-
memora-se neste ano, ensan-
güentado pela luta contra fôrças
que se
podia esperar aniquiladas
desde trinta lustros, o 150.° ani-
versário da Declaração dos Di-
reitos do Homem na primeira
Constituição Republicana com a
qual a França assumiu, no domí-
A REVOLUÇÃO FRANCESA«
35
nio político,
o papel
da terra da
promissão, como o é a Palestina,
no domínio religioso do ociden-
te, embora esta e aquela estejam,
temporàriamente, avassaladas pe-
los infiéis.
A afirmação de ter a Revolu-
ção desmoronado a organização
social do feudalismo decadente,
e, com êle, as associações pro-
fissionais, redutos do conservan-
tivismo político,
não pode
ser
contestada. Mas a
"tabula
rasa"
que ela fez com a estrutura so-
ciai do passado
de maneira ne~
nhuma implicou um desinterêsse
para com a situação social no
presente e no futuro. Teria sido,
aliás, pelo menos surpreendente
que os
que combateram sob o le-
na
"Liberdade,
Igüaldade, Fra-
ternidade" tivessem negligencia-
do o mandamento de fraternida-
de na orientação que êles
propu-
seram dar ao mundo reformado
e melhorado. Teria sido ainda
mais estranho tal atitude, que
in-
consideradamente lhes é atribuí-
da pelos
seus difamadores pós-
turnos, em farda nazista ou boi-
chevista, se nos lembrarmos do
fato de ter coincidido a época da
Grande Revolução com a inci-
piente transformação da antiga
produção de artífices em uma
moderna produção industrial, cujo
aparelhamento mecânico crescente
ia de par com a formação de um
proletariado miserável, faminto e
desprotegido.
O programa
social da
Revolução Francesa
Não, os artífices da Revolu-
ção não eram tão ingênuos
que
não percebessem
o que
hoje em
dia se costuma chamar a questão
social, nem a tal ponto
levianos
que a tivessem escamoteado das
suas preocupações.
Êles bem a
entrevistaram, e indicaram tam-
bém o rumo para
a solução. Que
não conseguiram resolvê-la de
fato -— e quem pode,
hones-
tamente, vangloriar-se de ter-lhe
dado a solução definitiva?! — não
pode ser-lhes imputado como de-
ficiência, visto o pouco
tempo
que lhes sobrava antes da des-
truíção do jovem
e ainda fraco
regime republicano pela dissolu-
ção partidária e
pela subsequen-
te brutalidade da ditadura napo-
leônica. In magnis voluisse sat
est. Sob êste aspecto, a Revo-
lução conquistou, também nêste
domínio, glória imortal,
que a
tantos outros títulos de perene
admiração dignamente se junta,
a glória
de ter, pela primeira
vez
na história, ciente e claramente,
apontado o caminho que condu-
ziria ao amparo eficiente dos fra-
cos e humildes.
Pela primeira vez os
poderes
públicos tomaram oficialmente
conhecimento da existência da
pobreza e da miséria, sem con-
siderá-las criminosas, mas sim
dignas de auxílio. Pela primeira
vez êles não fingiram uma in-
competência funcional que
ante-
riormente tinha permitido
aos
particulares filantropos, às as$o~
ciações pias
e às sociedades be~
neficentes se suplantarem ao vá-
cuo que
o desinterêsse público
deixou. Pela primeira
vez êles
reconheceram não apenas uma
obrigação moral de assistência
mútua que,
embora já preexis-
tente, até certo ponto,
na anti-
guidade grega e romana, tinha
56 CULTURA POLÍTICA
encontrado, 18 séculos antes, a
sua expresssão definitiva e con-
sagração máxima nos preceitos
do cristianismo e nos mandamen-
tos dos apóstolos, mas também
uma obrigação legal que
incum-
bia a sociedade, juridicamente
or-
ganizada no Estado, da realiza-
ção e concretização dos postula-
dos até então estribados somente
nas convicções éticas, desprovi-
das de sanção efetiva.
Transformação de pre~
ceitos morais em
normas jurídicas
A transformação, empreendida
pela Revolução Francesa, das
normas morais, de precária
efi-
ciência, sôbre o auxílio de ca-
ridade devido ao próximo
infe-
liz, em normas jurídicas,
revesti-
das da garantia
de compulsorie-
dade, sôbre a previdência
social,
— esta transfiguração radical
dos conceitos — operou-se através
da etapa intermediária do
"
di-
reito natural". A obrigação do
Estado de socorrér os necessita-
dos e o correspondente direito
dos fracos ao amparo do Estado
foram considerados como ineren-
tes à verdadeira e bem compreen-
dida natureza das coisas, como
função integrante do Estado e
direito inato, natural do cidadão.
O abismo entre moral e direi-
to natural foi assim superado,
dando-se o passo
decisivo pela
incorporação, no domínio norma-
tivo, de matéria ate aí reservada
ao domínio puramente
moral. Fi-
cou apenas aberto o hiato entre
o direito natural e o direito po-
sitivo, faltando ainda a metamor-
fose do programa
legislativo, pro-
pugnado sob a forma de normas
orientadoras do direito natural,
em normas coercitivas do direito
em vigor.
Explica isto em parte
a falta
de nitidez nas diretrizes que
a
Revolução Francesa elaborou sô-
bre a proteção
social. Eram,
sem dúvida, indicações ainda va-
gas, e não correspondiam aos
conhecimentos hodiernos da téc-
nica social que
dispõe dos recur-
sos aprimorados da organização
administrativa aperfeiçoada, da
ciência atuarial evoluída e da
observação psicológica
aprofun-
dada. Nada, porém,
autoriza a
atitude altiva e desdenhosa dos
sociólogos contemporâneos para
com a insuficiência dos meios e
métodos recomendados há 150
anos; tal desprezo não é menos
absurdo nem menos anti-históri-
co que
a pretensão
de um crítico
musical que
ousasse censurar
Mozart por
não ter conhecido a
rica orquestração polifônica
de
um Wagner.
À Grande Revolução cabe,
sem que
a incerteza dos proces-
sos encarados possa
diminuí-lo,
o mérito de ter reconhecido a
obrigação da comunidade nacio-
nal, consubstanciada no Estado,
de amparar os que
de amparo
precisam, o mérito de, tornando-
a obrigação pública,
ter separado
a proteção
social da amiúde hi-
pócrita esfera de comiseração
particular, o mérito enfim de ter
"socializado"
a previdência,
su-
bstituindo-a à beneficência indi-
vidual.
Precursores da previ-
dência moderna
Os pais
intelectuais da Revo-
lução Francesa tornaram-se des-
t«w - ¦ ti/?, ~
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A REVOLUÇÃO
V
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FRANCESA » 37
tarte verdadeiros e legítimos pre-
cursores da previdência
social.
Não a instalaram ainda, mas
compreenderam já a imperiosa
necessidade de proteger
os que
não podem ganhar, pelo próprio
esforço, os meios de subsistên-
cia, e de confiar esta tarefa ao
Estado. O indivíduo, libertado
dos apertos das velhas corpora-
ções e da tutela sufocante das
guildas, encontrar-se-ia em caso
de necessidade diretamente sob
a proteção
do Estado. Aboliu-
-se o intermediário netre o Ho-
mem e a Nação, mas nem por
isso se cogitou de deixá-lo de-
samparado.
Ào contrário, a Nação assu-
miu, em declarações expressas e
diplomas legais solenes, o papel
de proteger
os seus membros
contra a opressão dos tiranos,
como se dizia naquele tempo, e
contra as vicissitudes da vida,
como se diz hoje, e que ameaçam
igualmente a existência do ho-
mem. Prometendo a todos os ei-
dadãos os socorros dos quais
ne-
cessitam, conforme as suas con-
dições, a Revolução não os re-
jeitou em uma classe inferior.
Não desherdou dos seus direitos
civis os que pela
sua fraqueza já
são desherdados, não os degra-
dou por
uma capitis diminutio
da sua capacidade política, como
o fizeram as poor
laws que
os
privaram da elementar dignidade
humana. A concepção moderna
do direito formal à proteção que
compete a todos os membros da
comunidade nacional, sem que
disto se possam
deduzir reper-
cussões sôbre a sua situação cí-
vica, esta concepção inspirou já
as proclamações públicas pelas
i
quais a Grande Revolução inau-
gurou, com a época moderna do
direito público,
a nova era das
relações mútuas entre o Estado c
o Cidadão.
Evidentemente, ninguém asse-
verará que
a Revolução Fran-
cesa tencionassé introduzir a
previdência social na acepção
atual do têrmo, quando nem
as pressuposições
organizacio-
nais nem a evolução econômica
ainda permitiram
entrever a
criação dêste complicado meca-
nismo de amparo coletivo. -
Os
realizadores da Grande Revolu-
ção eram idealistas, mas não vi-
sionários. Limitaram-se, pois, a
afirmar a auto-obrigação do Es-
tado de implantar um sistema de
proteção social cujas modalida-
des, ainda não fixadas, pudes-
sem acomodar-se às contingên-
cias do momento./
As Constituições da Revo-
lução Francesa e o
amparo social
Assim é que
as Disposições
fundamentais garantidas pela
Constituição. isto é, o programa
político-legislativo da Magna
Carta monárquica de 3-14 de se-
tembro de 1791, proclamaram:
"Será
criado e organizado um
estabelecimento geral de socorros
públicos, para educar as crian-
ças abandonadas, aliviar os
po-
bres enfermos, e fornecer traba-
lho aos pobres
válidos que
não
conseguiram arranjá-lo".
Mais explícita e realística foi,
dois anos mais tarde, a primeira
Constituição Republicana, de 24
de junho
de 1793. Em estilo so-
Iene e enfático como convinha a
um documento que, de direito.
»1H-?4
r T*m
™ T; .
* -™ -w* v n -X' ; <r* v~:*v,
W
38 CULTURA POLÍTICA
r
aspirava à imortalidade» ela in-
cluiu no seu contexto êste monu-
mento realmente perene
das li-
herdades individuais que
é a De-
claração dos Direitos do Homem
e do Cidadão. No artigo 21 ela
sintetizou o seu programa
de pro-
teção social nas seguintes pala-
vras:
44
Os socorros públicos
são
uma dívida sagrada. A socieda-
de deve a subsistência aos cida-
dãos infelizes, quer procurando-
"lhes trabalho, quer
assegurando
os meios de existência àqueles
que são incapazes
para o traba-
lho".
Aqui estão, pois,
resumidas de
forma lapidar, nas supremas ma-
nifestações das suas Constitui-
ções, as idéias mestras da Re-
volução sôbre o amparo que
a
sociedade deve aos seus mem-
bros que ganham
a vida pelo
trabalho.
A realização do pro-
grama legislativo
f
A realização da promessa
mag-
nânima da Revolução Francesa
tardou muito. Com efeito, ape-
sar de terem tido as suas dire-
trizes e idéias profunda
influência
nas concepções políticas
e nas
constituições posteriores, faltou-
-lhes durante longas décadas êxi-
to reaL* Ainda não tinha amadu-
recido a época da política
social,
que se chocou, com violência,
contra a oposição do ilimitado li-
beralismo econômico e que,
tal-
vez mais ainda, careceu da pre-
paração psicológica e dos funda-
mentos científicos e organizado-
nais. É um êrro primitivo
impu-
tar êste atraso à Revolução
Francesa. Não foram as suas
idéias que
impossibilitaram ou
retardaram o advento da política
social. Ao contrário, como ne-
nbum documento constitucional
anterior tinha falado dela, as-
sim, durante mais de um século,
nenhuma constituição posterior
tem superado, a êste respeito, a
sua concisão e o elevado espírito
humanitário que
soube conciliar
a liberdade igualitária com a fra-
ternidade igualitária. A própria
França só meio século mais tar-
de, na Constituição de 4 de no-
vembro de 1848, retornou à glo-
riosa tradição dos seus antepas-
sados, e na era atual coube à
Constituição Mexicana, de 31 de
janeiro de 1917, a
primazia de
ter proclamado
um vasto e por-
menorizado programa político-
-social.
Influência da Revolução
sôbre a Constituição
r do Brasil (1824)
Todavia, enquanto, apesar da
estratificação mundial do sôpro
despertador e renovador da Re-
volução Francesa, os demais po-
vos hesitaram em inscrever, à ma-
neira da Magna Carta de 1793,
um programa
social nas suas
constituições, as palavras
sôbre
a
44dívida
sagrada dos socorros
públicos" ressoaram cedo do con-
tinente colombiano, onde, nas
remotas terras tropicais, o fi-
lho de um príncipe
europeu exi-
lado conquistou para
a sua nova
pátria a independência e
para o
seu povo
a maioridade política.
Neste povo
vibraram não só os
nobres ideais de liberdade, mas
também os generosos
de frater-
nidade, proclamada
com tanta
eloqüência pela
Revolução Fran-
A REVOLUÇÃO FRANCESA39
cesa. Ratificando êstcs sentimen-
tos, o primeiro
monarca de um
pais livre da América incluiu,
motu próprio,
na Constituição
que êle outorgou, as
palavras que
anteriormente se encontraram nu-
ma constituição de republicanos
regicidas.
Com efeito, vinte anos apenas
depois de ter declarado a cons-
tituinte republicana francesa de
1793 os socorros públicos dívida
sagrada da sociedade, responsa-
bilizando-a pela subsistência dos
trabalhadores, a Constituição do
Império do Brasil» concedida por
D, Pedro I em 25 de março de
1824, e que
no artigo 179 se com-
prometeu a
garantir
"a
inviola-
bilidade dos direitos civis e poli-
ticos dos cidadãos brasileiros que
teem por base a liberdade, a se-
gurança individual e a
proprie-
dade", previu na alínea 31 da-
quele mesmo artigo:
"A
Consti-
tuição também garante os socor-
ros públicos".
A Constituição Imperial de
1824 não encontrou, no que
se
refere ao amparo social, imitado-
res na Constituição Republicana.
A Magna Carta de 24 de feve-
reiro de 1891 não aludiu na sua
Declaração de Direitos à prote-
ção social. Sem embargo, a tra-
dição que liga de maneira tão
evidente o direito público brasi-
leiro à fonte comum do direito
constitucional moderno, isto é, à
Grande Revolução Francesa, foi
retomada, depois da Revolução
Nacional Brasileira de 1930, na
êfemera Constituição dc 1934.
e. depois da proclamação
do Es-
tado Nacional pelo Presidente
Getúlio Vargas em 1937, na
Constituição de 10 de novem-
bro.
A ideologia da Revolução e
as Constituições brasilei~
ras posteriores
a 1930
Estas constituições emanaram
de um ambiente cuja atitude para
com a política
social em geral
e
a previdêQcia
em particular
era
de todo em todo diferente das
concepções de 1891. Ainda antes
da constitucionalização do país,
imediatamente após a vitória da
Revolução de 1930, a previdência
social foi, em etapas rápidas e
sucessivas, tornada não um sim-
pies programa de
grandiloqüên-
cia constitucional, mas sim uma
realidade viva na contextura da
nação. A êste respeito as Cons-
tituições de 1934 e de 1937 não
apontaram para um futuro dis-
tante, mas codificaram um estado
de coisas já existentes.
Fazendo-o,
elas renunciaram, sem dúvida, a
muitos conceitos da Revolução
Francesa, que a experiência
ou a
diferença do clima ideológico
aconselharam sacrificar,
e trans-
formaram de certo muitos outros
afim de melhor adaptá-los ao
atual ambiente brasileiro de uma
civilização em plena
formação in-
dustrial.
Não é, porém,
duvidosa a pa-
ternidade intelectual, pouco im-
porta se direta ou imediata, con-
ciente ou inconciente, do artigo
21 da Declaração dos Direitos do
Homem de 1793 em relação ao
artigo 137 da Carta Magna fira-
sileira de 10 de novembro de
1937. Evidentemente, êste não
se cinge mais, como aquele, a um
solene mas vago programa de
"socorros
públicos ; indica an-
40 CULTURA POLÍTICA
tes, conforme as exigências da
técnica legislativa moderna e de
acordo com o padrão
de proteção
trabalhista atual, como deverão
ser proporcionados
os prometidos
44meios
de existência àqueles que
são incapazes para
o trabalho",
comprometendo-se a fazer obser-
var pela
legislação do trabalho
"os
seguintes preceitos:
. .. as-
sistência médica e higiênica ao
trabalhador e à gestante,
asse-
gurado a esta, sem
prejuízo do
salário, um período
de repouso
antes e depois do parto;
a insti-
tuição de seguros de velhice, de
invalidez, de vida e para
casos de
acidentes do trabalho..
Êstes preceitos
constitucionais
do Estado Nacional sôbre previ-
dência social, bem que
completa-
dos, amoldados e melhorados,
não podem
renegar a descendên-
cia da célebre Declaração de
1793. Não atinge o valor desta
que, com o correr do tempo, ela
pôde sofrer aperfeiçoamentos e
desabrochar em flores inespera-
das. Do mesmo modo, em nada
diminue a originalidade da Mag-
na Carta de 10 de novembro o
parentesco espiritual com a Re-
volução Francesa. Os autores
do atual Estatuto Brasileiro po-
dem, antes, ufanar-se desta as-
cendência que
iluminou o Mun-
do e que,
expulsa da Europa, es-
cravizada pela
ditadura militar, e
refugiada na América livre, res-
plandeceu vitoriosamente na Car-
ta Magna do Brasil Imperial.
i
/
Educação
1
O conceito de unidade didática e o
ensino das Línguas
Contribuição para
o estudo da reforma Capanema
VIRGÍNIA CôRTES DE LACERDA
Técnica de educação
O programa
como inte~
ração da matéria
e do método
Na organização de planos
de
curso, os programas
aparecem
como relações entre a matéria de
ensino e o método.
A matéria de ensino representa
um acervo de experiência acumu-
lada, trabalhado pela
inteligên-
cia adulta, sistematizado -— anali-
sado e sintetizado* É, portanto,
um resultado, uma solução que
o
espírito humano alcançou, em seu
esforço milenar, percorrendo
de-
terminado caminho, um método
próprio.
Do ponto
de vista do adulto —
no caso, o professor
' o
progra-
ma poderia
ser traçado levando
em conta somente a experiência
acumulada. O método a adotar se-
ria, então, o próprio
método da
matéria a tratar, o método pelo
qual foi elaborada, classificada,
sistematizada.
Mas isto seria encarar unila~
teralmente o problema:
atender ao
ponto de vista do ensino, desaten-
dendo ao da aprendizagem,
quando sabemos
que ensino e
aprendizagem são fases insepará-
veis de um mesmo processo.
Seria
impor um ensino em normas fi-
xas, transmitindo conhecimentos
já elaborados,
procurando gravá-
los passivamente.
Seria ignorar o
educando, desrespeitar o seu psi-
quismo próprio, o seu nível de
aquisição, a experiência atual de
que dispõe, a direção real do seu
interêsse. Seria, em última pala-
vra, querer
o impossível: integrar
num campo limitado, qual
o da ex~
periência do educando, um outro
campo, muito mais vasto, o da ex~
periência do educador.
Daí decorre a certeza de que
o método de ensino não pode
levar
em conta apenas a matéria do en~
sino, mas também a capacidade
42CULTURA POLÍTICA
do educando, o seu grau
de ama-
durecimento, o estado presente
de sua experiência.
Como relação que é entre a
matéria e o método, o programa
tem que
ser usado como ponto
de
referência, não só do ensino, mas
também da aprendizagem.
Determinados os objetivos a al-
cançar, os programas
expressa-
rão a matéria a ser ensinada, em
função dos educandos a que
se
destina, isto é, a matéria e o mé-
todo pelo qual
deverá ser trans-
mitida, para
ser aprendida.
Na organização dos progra-
mas, predominou,
até bem pouco
tempo, a apresentação em tópicos,
lògicamente relacionados, segun-
do o conceito que da matéria tinha
o organibzador, atendendo unila-
teralmente ao problema.
Conside-
rava-se o ponto
de vista do en-
sino, do professor.
Desatendia-
se ao ponto
vista da aprendizagem,
do aluno.
O programa
não realizava, se-
não parcialmente,
o seu fim: não
era interação da matéria e do mé-
todo.
Com o grande
desenvolvimento
da psicologia,
e sobretudo da psi-
cologia pedagógica, a didática
veio a preocupar-se
com o progra-
ma do ponto
de vista do aluno.
Surgiram planos de curso de ca-
rátef sistemático e assistemático,
mas todos visando à organização
estrutural do programa
em uni-
dades — partes
integrantes de um
todo que
se torna, assim,
"compre-
ensivo",
"significativo", em rela-
ção aos interêses e
possibilidades
do aluno.
Coube ao educador americano
Wynne realizar a seleção e a
comparação dos principais
fatores
que agem nas diversas situações
do ensino (em todos os
graus) .
Em seu General Method: foan-
dation and application (1) estabe-
leceu cinco itens em que preten-
deu ter resumido todas as ativida-
des relativas ao método geral do
ensino.
Dêsses itens (2), os
quatro pri-
meiros dizem respeito ao progra-
ma como interação da matéria e
do método. Mas enquanto o pri-
meiro — escolha da unidade de
trabalho determina a própria
estrutura do programa,
os três
seguintes aparecem sobretudo co-
mo indicações de orientação me-
todológica dêsse programa.
Unidade didática <—
Seu conceito
Entre os planos
de curso de ca-
ráter sistemático, marcou época
nos Estados Unidos, quanto ao
ensino secundário, o organizado
por Morrison,
professor de educa-
ção e superintendente do Labora-
tory SchooVs na Universidade de
Chicago.
Em seu livro The Practice of
teaching in the secondary schoòl
(3), assinala
que o
produto da
aprendizagem é sempre íntimo e
subjetivo, mas, como o educando
(1) The Century Company, Nova York, 1929.
(2) a) escolha da unidade de trabalho; b) trabalho livre; c) trabalho em
classe; d) organização do material de ensino; e) avaliação da aprendizagem e
da eficiência do método. .
(3) The University of Chicago Press-Revised edition, 1932. (Al.
edição é de
1926), págs. 24-25.
O CONCEITO DE UNIDADE DIDATICA 43
vive cm determinado ambiente,
esse produto
tem expressão obje-
tiva em correlação com o meio ex-
terior.
Estabeleceu, assim, a relação
entre o leavning product,
sem--
pre subjetivo e interno, e o the~
thing~to~be~learned, seu correia-
tivo objetivo externo, que pode
ser um aspecto do meio, de uma
ciência organizada, de uma arte,
da própria
conduta — traduzindo-
se, afinal, em adaptação da per-
sonalidade.
Propõe, então, a organização do
curso em learning units, conside-
rando unit a comprehensive and
significant aspect of the environ~
ment, of an organized science,
of an art, or of conduct, which
being learned results in an adap~
tation in personality?
O termo comprehensive, refe-
re-se à quantidade
de matéria,
à sua maior profundidade
ou am-
plitude, e visa a
prevenir o orga-
nizador do curso quanto à rela-
ção que o assunto do
programa
deve manter com o nível de ma-
turação do aluno ou da classe a
que se destina.
O termo significant diz res-
peito à
qualidade da matéria e à
sua importância no campo gera!
da educação, aos ajustamentos
fundamentais que levam à finali-
dade última — a formação da
personalidade.
Na prática, para
aprender, para
realizar o que Morrison chama
the mastery of the unit, o aluno
terá que
vencer os cinco passos
UTÕp. cit. Caps. XIV. XV. X^
aplicáveis ao tipo do ensino científico
morrisoniamos: sondagem, apee-
sentação, assimilação, organiza-
ção, expressão
(4) .
Na sondagem, o professor, por
processos orais ou escritos, invés-
tiga o back~ground do aluno, o
nível do seu desenvolvimento. Na
apresentação, oferece à classe o
conteúdo essencial da unidade,
verificando, após, por
um rápido
teste, se a sondagem foi apro-
priada. Em caso afirmativo, pas-
sará à assimilação, em que
se
combina o trabalho do professor,
pelo estudo dirigido, e o trabalho
pessoal do aluno,
pelo processo de
laboratório. Neste passo
é que
são
compensadas as diferenças indivi-
duais, não só por
uma assistência
mais assídua aos menos dotados,
como pelo progresso
das a ti vida-
des dos bem dotados, que passam
a outros trabalhos, uma vez ven-
cidos os primeiros.
Na organiza-
ção, cada aluno contribue com a
sua parte para
a reconstrução do
todo, para
a síntese dos trabalhos
e solução dos problemas propos-
tos. Na expressão recitation, ca-
da qual
expõe à classe a maté-
ria da unidade ou redige traba~
lhos a respeito.
A distribuição do tempo por
esses diferentes passos depende do
progresso dos alunos, mas a fase
de assimilação é geralmente
a mais
longa.
A posse
da unidade só se dá
quando o aluno venceu todos os
passos e adquiriu conhecimen-
tos ou experiências realmente com--
preensivas e significativas da ma-
téria.
I, frisando Morrison que tais passos
são
e, com modificações, aos demais tipos.
-r». , „
fv. • '* > • f
- *¦ .# +r¥*
': ?** -Tr/WT^v F; :
¦ • ¦ '
Wl
44 CULTURA POLÍTICA
O plano
Morrison teve grande
repercussão nos Estados Unidos e
tem sido muito comentado.
Nelson L. Bossing, professor
de educação e diretor da High
School da Universidade de Ore-
gon, em seu livro Progressive me-
thods of teaching in secondary
schools (5) julga ponto
de vista
pacifico entre os educadores de
hoje o da organização do curso em
tôrno de alguns
"pontos
centrais
significativos". E enumera como
planos de organização
que obede-
cem a êsse critério: the project,
the contract, the long unit, the
morrisonian unit. Considera como
qualidades principais da orga-
nização em unidades : a) defi-
nição clara dos objetivos; b) tra-
tamento uno dos problemas,
evi-
tando a fragmentação do assunto;
c) vitalização do estudo, pela
di-
reção nítida da aprendizagem e
pela seqüência das fases
que le-
vam à finalidade prevista.
Mas crítica: a) a
"extrema-di-
reita" — a dos educadores que
in-
sistem na forma lógica da organi-
zação, defendendo o fetiche
do
simples ao complexo, inconcientes
da inexistência dêsse
"simples"
na
experiência do aluno; b) a
"extre-
ma-esquerda" — que
defende a
doutrina do interesse e o mé-
todo psicológico.
Há necessidade <—¦ conclue —
de um ponto
de vista eclético
que integre os métodos lógico e
psicológico.
Bining, A. C. e Bining D. H.
na obra Teaching the social
studies in secondary schools (6)
^—frisam o grande
interêsse dis-
pensado atualmente,
por influên-
cia do plano
Morrison, à organi-
ção dos cursos em unidades em
vez de tópicos. E, para
distingüir
a antiga e a nova organização,
esclarecem:
"unit
emphasizes lhe
organization of material in related
groups, each large enough to be
significant, but small enough to
be seen as a whole by the pupiV
(7); "topic is a mere division of
subject matter which cannot be
understood except in its relation of
other topics or other chapters"
(8).
Enquanto a unidade é indepen-
dente, embora relacionada lógica
e psicologicamente
às demais uni-
•dades do
programa, o tópico é
apenas um aspecto associativo da
matéria.
Na organização do programa,
depois de escolhidas as unidades,
é preciso
determinar o seu con-
teúdo e a matéria necessária à sua
perfeita compreensão. Para isso,
pode-se enunciar, dentro da uni-
dade, os diversos aspectos a tra-
tar, a sua sucessão lógica ou
psicológica.
Deve-se asinalar também a di-
ficuldade que
apresentam as maté-
rias que
envolvem julgamento
de
valor (filosofia.
. . história... li-
teratura. . .), visto que
a escolha
das unidades depende do julga-
mento pessoal
do organizador do
programa.
Aliás, os Bining pensam que
só
um professor
de qualidades
didáti-
(5) Houghton Mifflin Company, 1935.
(6) Mac Graw — Hill Book Company, Inc.
(7) Ibidem, pág. 185.
(8) Ibidem, págs. 185-1*86.
Nova York, 1935, First ed.
O CONCEITO DE UNIDADE DIDÁTICA 45
cas superiores poderá
organizai
eficientemente um programa
em
unidades: determinar qual
a ma-
téria verdadeira e necessàriamen-
te assimilável, seu real funda-
mento, como deve ser apresentada,
para obter o melhor resultado no
menor tempo.
Daí as críticas que um deter-
minado grupo
de educadores (Jo-
nes, A. J.;
Grinstead, W. J.)
veem opondo a tal organização,
que só
pode ser feita
pensam
à base da experiência do aluno,
organizando-se as unidades em
função da aprendizagem, o que
não comporta a pré-organização
de um programa
rígido.
Aubrey A. Douglass (9) assi-
nala o grande
número de defini-
ções da
palavra unit, donde a ex-
trema confusão que
se vem estabe-
lecendo em tôrno do verdadeiro
sentido do têrmo na pedagogia.
Billet, R. O., distingue a uni-
dade de tarefa unit —- those
activities and experiences planned
by the teacher to enable the pupil
to master the unit -— e a unida-
dc de aprendizagem — a con-
cept, attitude, appreciation, know-
ledge or skill which, if acquired by
the pupil,
will produce
a desirable
modification of his thinking or of
other forms
of his behavior"
(10).
Distintas no indivíduo que
ensi-
na e no que
aprende, essas unida-
des são inseparáveis na realidade
dos programas, pois que
não há
ensino sem a correspondente
aprendizagem.
Jones, Grizzell e Grinstead de-
dicam a obra Principies of unit
construction (11) à análise da or-
ganização dos cursos em unida-
des.
Consideram que,
muito embora
vários tipos de unidades recente-
mente desenvolvidas sejam dife-
rentes das assinaladas por
Morri-
son, foi a sua discussão sôbre a
mastery technique que
estimu-
lou os educadores americanos a
examinar o assunto.
Foi da própria
definição morri-
soniana de unidade que
resulta-
ram as espécies de unidades co-
nhecidas como subject~mater~unit
(unidade de matéria) center of
interest (centro de interêsse) e
unit of adaptation (unidade de
adaptação) .
A unidade de matéria fornece a
base para
a organização dos pro-
gramas, porque é fundamentada
no objeto a ser aprendido (as-
pecto de uma ciência organiza-
da, de uma arte... etc.) e na or-
ganização lógica do conhecimen-
to.
O centro de interêsse diz res-
peito a um aspecto do ambiente
vital como objeto de aprendiza-
gem e é constituído
por uma sé-
rie de experiências que se dis-
põem em tôrno de um tema cen-
trai indicado pelo
interêsse da
criança large units of work or
important projects"?
E' usado
sobretudo na escola primária
e
funde as tendências do centro de
interesse dccroliano c do projeto
de Dewey.
(9) Modern Secondary Education-Principles and Practices. — A revision of
"Secondary
Education. — Houghton Mifflin Company, Cambridge, 1938, pág. 639.
(10) National Survey of Secondary Education, 1932, págs. 421-422.
(11) Mac-Graw-Hill Book Company, Inc. Nova York, 1939 — First ed., second
impression.
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46 CULTURA POLÍTICA
A unidade de adaptação diz
respeito à coordenação de ativida-
des destinadas a obter o controle
de uma dada situação e, portanto,
ao produto
de aprendizagem a ser
obtido, a uma integração de há-
bitos, atitudes, conhecimentos, que
resulte em adaptação ou ajusta-
mento do individuo a tal situa-
ção. O objetivo fundamental é,
pois, a seleção do tipo de situação
e a identificação das habilidades
necessárias para
resolvê-la. Aqui
o trabalho escolar é dividido em
unidades de experiência psicoló-
gica.
Confrontando a organização da
unidade de matéria (fundamenta-
da na lógica) e a da unidade de
adaptação (fundamentada na
psi-
cologia), Morrison — dizem —
não estabeleceu claramente as di-
ferenças entre elas.
Bode (12) julga que
a organi-
zação lógica é absolutamente ne-
cessária, até a aprendizagem, para
que se
possa transferir o conheci-
mento de um campo a outro e re-
solver
"novas"
situações. Dá-lhe,
assim, o valor não de interpretar a
situação que
se apresenta, mas de
orientar o que já
foi aprendido em
dada situação, fornecendo o sen-
tido do emprêgo futuro dos resul-
tados obtidos. A organização ló-
gica fornecerá forma eficiente à
aprendizagem somente quando
o
estudante vê a intenção do progra-
ma organizado como relacionado
às suas próprias
intenções e com-
preende como aplicá-la às situa-
ções de sua própria
vida.
O ideal será, pois,
na organi-
zação da unidade didática, a fusão
da unidade de matéria e da uni-
dade de adaptação — fundamen-
tando o programa
na lógica e na
psicologia.
Jones, Grizzell e Grinstead
apresentam como elementos essen-
ciais da unidade de adaptação
(13):
1) uma idéia mais ou menos de-
finida, por parte
do aluno, do ob-
jetivo a alcançar;
2) a aceitação dêsse objetivo
pelo aluno, como um valor, um
propósito que êle
próprio deseja
atingir;
3) um programa
mais ou me-
nos definido de atividades ou ex-
periências necessárias
para alcan-
çar o objetivo visado;
4) alguns meios de determinar
se e quando
o objetivo foi alcan-
çado (avaliação ou teste).
O objetivo é expresso como um
produto central de aprendizagem,
em torno do qual
se grupam
os
objetivos contribuintes (necessá-
rios para
atingir o objetivo cen-
trai) e os indiretos ou concomitan-
tes (produtos
das atividades en-
volvidas na consecução dos ob-
jetivos anteriores).
Sendo a unidade de adaptação
organizada em função do aluno,
qual a
parte que cabe ao
profes-
sor?
Se a aprendizagem é proces-
so individual (cada
aluna aprende
por si mesmo e
para si mesmo),
o professor
vale na medida direta
daquilo que produz
no aluno, no
sentido de levá-lo a adquirir ex-
periência.
(12) Apud Jones, Grizzell e Grinstead, op. dt. pág. 25.
(13) Ibidem, Cap. IV págs. 55-64.
O CONCEITO DE UNIDADE DIDATICA 47
Como animal que
nasce menos
ajustado ao meio, o homem ne-
cessita de uma assistência con-
tinua, tanto mais complexa quan-
to mais avançada a civilização e a
cultura a que pertence.
Daí o aparecimento da escola,
como instituição social encarrega-
da dessa assistência, no sentido
de *—¦ promovendo
os ajustamen-
tos à vida atual '
formar a per-
sonalidade do educando.
Cabe, pois,
ao professor
—* de
posse da experiência das
gera-
ções passadas *—¦ indicar os cami-
nhos mais rápidos e eficientes que
conduzem à estabilidade e ao pro-
gresso.
Traçar os objetivos *
que a
iíiexperiência do aluno ainda não
pode abarcar
— escolher os ca-
minhos que
a eles conduzem, assis-
tindo os passos
do educando, eis
a função do professor.
Cabe-lhe formular, tendo em
vista a unidade de aprendiza-
gem — unit of learning —, a uni-
dade de ensino unit of tea~
ching.
Donde a definição : a unit of
teaching is merely a suggested or
outlined unit of learning with
which has been incorporated the
additional factor
of the teachers
assistance to the pupil
in the for~
mulation an the attainment of his
objectives (14) ou actual coor-
dinated activities of the teacher
in helping the pupil
to attain the
educational product
desired
(15).
O professor
deve promover
a comunicação entre as nascentes
experiências do aluno e a expe-
riência acumulada da sociedade,
expressa na organização do
currículo.
Selecionar a unidade estabele-
cendo os seus objetivos, orientar
as atividades — eis as funções
primaciais do
professor.
O largo conhecimento da maté-
ria ou a sua ignorância são extre-
mos perigosos,
bem como o esque-
cimento do nível de maturação,
do princípio
de motivação, das di-
ferenças individuais e da iniciativa
dos alunos.
Concluindo — e resumindo os
diversos pontos
de vista aqui es-
planados -—-
podemos considerar a
unidade didática uma divisão da
matéria de ensino, bastante ampla
para ser significativa e bastante
concentrada para
ser apanhada
como um todo.
Deve ser bastante ampla para
ser significativa pois tôda a
atividade que
abrange grande
quantidade e variedade de ex-
periências tende a ser mais sig-
nificativa para
maior número de
alunos. Mantendo um ponto
essencial como centro de gravita-
ção, correlaciona-se com
pontos
secundários de interêsse maior ou
menor, de acordo com as diferen-
ças individuais dos componentes
da classe, dentro do círculo da ex-
periência de cada qual.
Deve ser bastante concentra-
da para
ser apanhada como um
todo — pois
se se prestasse
à de-
sagregação, se permitisse
apenas
a análise e não levasse à síntese,
deixaria de ser unidade, contra-
(14) Apud Jones, Grizzel e Grinstead, op. cit. pág.
70.
(15) Ibidem, pág. 70.
48 CULTURA POLÍTICA
riando os princípios
lógicos e
psicológicos do conhecimento.
No programa, que
é interação
da matéria e do método, a unida-
de didática deve ser encarada dos
pontos de vista do ensino e da
aprendizagem.
Assim, quanto
à matéria de en-
sino, deve atender:
a) às necessidades do conheci-
mento, fornecendo os indispensá-
veis na colimaçãc do fim visado;
b) à natureza da própria
ma-
téria, no estado atual do seu de-
senvolvimento;
c) à ligação lógica e vital dos
assuntos, de modo que
cada unida-
de, embora independentemente, le-
ve naturalmente à seguinte e de-
corra naturalmente da anterior,
permitindo a sistematização do co-
nhecimento;
d) à formação clara e precisa
que indique o assunto
principal
como núcleo de organização e di-
fusão.
Quanto ao método de ensino,
deve atender:
a) à capacidade psíquica
dos
alunos, em quantidade e
quali-
dade;
b) à natureza do método pró-
prio de cada matéria;
c) à motivação da aprendiza-
gem;
d) à adequação da linguagem
e do material didático;
e) à necessidade da fixação dos
hábitos;
f) ao tempo disponível, indi-
cado no horário semanal, anual;
g) ao controle dos resultados e
à verificação da aprendizagem.
Unidades didáticas no
ensino das línguas
Vejamos, agora, quais
em
face dos requisitos assinalados —
as características da unidade di-
dática no ensino das línguas.
Quanto á matéria, deverá aten-
der :
a) a uma necessidade real per-
manente: domínio da técnica da
língua materna como instrumento
do próprio pensamento;
b) a uma necessidade real, cul-
tural e social; conhecimento das
línguas estrangeiras como expres-
sões do pensamento
no tempo e no
espaço;
c) à formulação clara e precisa
da unidade didática a transmitir,
quanto aos dois aspectos anterior-
mente assinalados de modo que
se
atenda ao seu sentido psicológi-
co e à sua ordenação lógica —
para que da
própria língua viva
(o texto estudado ou a língua fa-
lada) se induzam as noções e cor-
relações gramaticais (ensino da
gramática pela língua e não da lín-
gua pela gramática) .
Quanto ao método, deve aten-
der:
a) à capacidade psíquica dos
alunos em quantidade
e qualidade,
através de textos e práticas
apro-
priados ao nível mental da classe
e aos interesses dominantes;
b) à natureza do método pró-
prio da matéria, à técnica do ensi-
110 que
lhe é conveniente;
c) à motivação da aprendiza-
gem em tôrno dos textos vivos da
língua;
d) à necessidade de fixação de
hábitos lingüísticos desejáveis,
através de leituras, exercícios de
repetição ou criação;
O CONCEITO DE UNIDADE DIDÁTICA 49
e) à linguagem didática apro^
priada c à adeqüação do material
didático, visando ao desenvolvi"
mento oral e escrito das técnicas
da língua.
Morrison (16) assinala, como
fator responsável da não^aprendi--
zagem ou da viciosa — aprendi-
zagem, o emprego de tipo errado
de técnica de ensino -—1 tal o de
ensinar línguas pelo
tipo exclu^
sivo do ensino científico. E acon^
selha, com grande
felicidade, que
se empregue no ensino das lín~
guas:
a) o tipo de artes da linguagem
— através do qual
o aluno apren~
de o uso do discurso falado ou
escrito, adquire a técnica da ex--
pressão (falada e escrita);
b) o tipo científico <— através
do qual
o aluno aprende a gra~
mática.
A gramática
deve ser apren^
dida simultaneamente com o dis-
curso, mas não pelo
mesmo pro^
cesso. O emprêgo exclusivo da
técnica científica no ensino das
línguas leva à compreensão da
estrutura da linguagem e habili~
dade para
decifrar o discurso, mas
não ao hábito de ler ou pensar
na
nova língua.
Do mesmo modo, a tentativa de
desenvolver a apreciação do valor
literário pelo
tipo científico pode
levar à compreensão das condições
sob as quais
as literaturas se pro-
duziram, mas nunca à educação do
gôsto literário.
(16) Morrison estabelece vários tipos de processos
de ensino: tipo cien-
ti fico, de apreciação, de artes práticas, de artes da linguagem, de pura prática e
vários subtipos, in op. cit.
F. 4
Um grande
educador: João
Pedro de Aquino
F. VENANCIO
"FILHO
Professor do Instituto de Educação do Distrito Federal e
presidente da Associação Brasileira de Educação
COMEMORA-SE
a 28 de
junho dêste ano o cente-
nário de nascimento de um
brasileiro com a vida cheia de
benemerências. Educador por
vo-
cação foi, de certo modo, um
precursor, antecipando-se
ao seu
tempo. Seria fácil rever o que
foram os anos de seu labor, na
mais nobre das tarefas huma-
nas, a de formar as gerações que
amanhecem» Não seria difícil co-
lher depoimentos vários, dentre
os muitos milhares de discípulos,
que, por mais de meio século,
tiveram o privilégio
de sua assis-
tência educativa e do seu exem^
pio. Porque todos conservaram
dêle a imagem apostolar que a
gratidão vai
perpetuar em bron-
ze, no discreto recanto da terra
carioca em que
nasceu e serviu
ao Brasil, procurando
realizar o
grande sonho de modelar estabe-
lecimento de educação.
Mais que isso tudo é o depoi-
mento vivo de umâ testemunha
direta, insuspeita, apesar do bem
imenso que
nos quis,
a ponto
do
sacrifício até a morte. É a do
geólogo norte-americano Carlos
Frederico Hartt.
Em 20 de dezembro de 1874
Carlos Frederico Hartt compa-
receu ao exame dos alunos do
curso primário no Externato
Aquino, estabelecimento de edu-
cação que Pires de Almeida, no
seu livro famoso, considera o me-
lhor da época, dirigido por quem
Escragnolle Dória apelidou, com
justiça, de
"Santo
da pedagogia
brasileira" — Dr.
João Pedro
de Aquino.
O curso primário era dirigido
por uma notável educadora, es-
pecializada nos Estados Unidos,
onde publicara
um excelente
compêndio de História do Brasil,
D. Maria Guilhermina Loureiro
de Andrade, mais tarde elemento
de renovação, com miss Márcia
Brown, na Escola Americana de
São Paulo. Hartt comoveu-se
UM GRANDE EDUCADOR 51
tanto diante do que
assistia que
as lágrimas vieram-lhe aos olhos,
e o Dr. Aquino, pediu
então ao
professor de inglês,
padre Marcos
Neville, que
indagasse do sábio
se sentia alguma coisa, ao que
respondeu êle estar-lhe a cena re-
cordando a sua escola primária
e, por
certo, a esposa e os dois
filhos ausentes, que
não veria
nunca mais.. .
Da visita resultou esta carta
dirigida ao Dr. João
Pedro de
Aquino,
—
"Meu
caro senhor —
Tenho feito tenção de visi-
tar-vos, mas tenho estado
tão ocupado, que
não pude
achar tempo para
isso.
Peço-vos que
tenhais a
bondade de mandar-me uma
boa fotografia vossa e um
breve e substancial esboço
de vossa vida e das idéias
relativas à educação que
procurais pôr em
prática.
Tenciono mandar a fotogra-
fia e o esboço para
o
"Novo
Mundo", e ficar-vos-ia muito
obrigado se, acedendo a êste
pedido, mos fizer chegar às
mãos no dia 25 do corrente.
Devo declarar que
dou êste
passo sob minha única res-
ponsabilidade e sem ter tido
ocasião de consultar ao
Dr. Rodrigues.
"Estou
no propósito de
acrescentar ao vosso esboço
algumas palavras
enérgicas,
concernentes ao excelente
exame a que
tive a honra de
assistir.
"Com
a mais afetuosa
consideração sou, caro se-
nhor, muito sinceramente
vosso
CK Fredr. Hartt\'
O Dr. Aquino, cheio de tra-
balho, não lhe enviou as notas
pedidas, que foram entretanto ob-
tidas em Nova York, com o
Dr. José
Herculano Thomaz de
Aquino, pai
do ilustre coman-
dante Radler de Aquino, cujo no-
me é altamente acatado nos meios
especializados norte-americanos.
Eis o artigo, do
"Novo
Mun-
do" jornal publicado durante vá-
rios anos por José
Carlos Rc-
drigues, em Nòva York, n. de 23
de junho
de 1875:
"O
Sr. João
Pedro de Aquino
nasceu no Rio de Janeiro em
28 de junho
de 1843. É filho le-
gítimo do Dr.
José Thomaz de
Aquino, advogado.
Concluídos os seus estudos pre-
paratórios em 1860, e matricula-
ido no 1.° ano da Escola Central,
hoje Politécnica, em 1861, tomou
o grau
de bacharel em ciências
físicas e matemáticas em 1865.
No dia 1.° de março de 1863,
quando era estudante do 3.°
ano da Escola Central, abriu um
curso particular de explicações
do 1.° ano da mesma escola; e
como, já
naquele tempo, goza-
va de boa fama como estudante,
matricularam-se desde logo, no
dia da abertura, 18 alunos, dentre
os quais
havia alguns oficiais do
nosso Exército.
Até o fim do ano de 1865, o
Sr. Aquino só explicou o 1.° ano
da Escola Central. Em 1866, po-
rem, abriu três cursos de matemá-
ticas; um de geometria analítica,
geometria descritiva e cálculo di-
ferencial e integral, isto é, o 2.°
ano da mesma escola; outro de
álgebra completa e trigonometria
52 CULTURA POLÍTICA
retílinea, isto é, o I.° ano tam-
bém nas Faculdades de Direito e
de Medicina, como preparatórios.
Todas as suas aspirações na-
quele tempo eram obter um lugar
de lente catedrático na Escola
Central, lugar que
sempre con-
siderou como o mais nobre que
se
podia exercer; e
por isso nunca
deixava de estudar as lições que
tinha de dar no dia seguinte aos
seus discípulos, afim de ir ga-
nhando um nome honroso como
professor, e ao mesmo tempo ir-
se fortalecendo nos dois primei-
ros anos aquela Escola, que
são,
indubitàvelmente, a base de todo
o curso.
Quasi todos os alunos deste
seu curso pediam-lhe
constante-
mente que
abrisse duas aulas, uma
de história e geografia
e outra de
filosofia.
Convidou então, em 1867, para
lecionar história e geografia
o pro-
fessor Teófilo das Neves Leão,
e para
lecionar filosofia o ilustra-
do Dr. José Joaquim
do Carmo,
hoje diretor do Internato São
José, em Botafogo. Com êstes dois
distintos professores
e com sua
dedicação extraordinária acabou
o ano de 1867 com 204 alunos.
Em 1868, além dos cursos de
explicação dos dois primeiros
anos da Escola Central, o Exter-
nato Aquino tinha tôdas as ca-
deiras de preparatórios
exigidos
para a matrícula nos cursos supe-
riores do país,
e mais uma cadeira
de alemão, lecionada pelo
muito
distinto professor,
Sr. Manuel
Tomaz Alves Nogueira.
Querendo visitar as universi-
dades dos Estados Unidos e da
Alemanha, o Sr. Aquino começou
a fazer economias, afim de ver
se podia
ir à Alemanha e aos Es-
tados Unidos estudar os diver-
sos métodos de ensino emprega-
dos nestes dois grandes países;
porém, diversas circunstâncias fi-
zeram com que
êle empregasse o
dinheiro, que já
tinha junto,
na
compra de um laboratório de quí-
mica e de um pequeno gabinete
de física, contendo os aparelhos
mais necessários para
o estudo
dessas duas ciências.
Chamou em 1869 para
lecionar
física o distinto engenheiro bra-
sileiro Dr. André Rebouças, e
para lecionar
química o farma-
cêutico, hoje Dr. José
Ribeiro
Borges da Costa, o qual
fazia
experiências depois de ter dado
hàbilmente a lição do dia.
Também abriu um curso de
anatomia descritiva para
alguns
alunos do 1.° ano da Faculdade
de Medicina, tendo sido convida-
do por
êle para
lecionar esta ca-
deira o muito ilustrado médico
Dr. José
Pereira Guimarães, ho-
je opositor da Faculdade de Me-
dicina, o qual
lecionou efetiva^
mente durante todo o ano de
1869. Os alunos que
freqüenta-
vam, nesta época, o seu externato
eram todos maiores de 16 anos,
havia mesmo alguns mais velhos
do que
o próprio
diretor.
O Sr. Aquino sempre tratou os .
seus alunos como amigos, e no
intervalo das aulas às vezes con-
versava com êles, elogiando e dis-
tinguindo aqueles mais estúdio-
sos, aconselhando e demonstran-
do aos que
estudavam pouco
a
necessidade que
todo homem tem
de cumprir os seus deveres, tudo
isto sem ser em tom de repre-
ensão. Muito o auxiliava nesta
UM GRANDE EDUCADOR
I
época, e ainda hoje, o seu ex~
discípulo, hoje professor
de ma-
temática, Dr. João José
Luiz
Viana.
Neste ano (1869)
os seus dis-
cípulos, querendo
dar-lhe uma
prova de amizade, mandaram
tirar, sem êle o saber, o retrato
a óleo, e lho ofereceram no dia
31 de outubro. Foi esta uma fes-
ta brilhante e bastante concorri-
da pelos pais
de seus alunos e
outras pessoas
de consideração.
Houve muitos discursos, muitos
ramalhetes de flores foram ofere-
cidos, duas coroas de louros ga-
nhou também e, enfim, tantos fa-
vores recebeu neste dia, que
não
pôde conter as lágrimas, diante
de mais de 700 pessoas.
O resultado dêste grande
dia
para o Sr. Aquino foi êle aban-
donar completamente a idéia de
entrar para
a Escola Central co-
mo lente catedrático, e dedicar-
se seriamente à instrução pública.
Começou então a estudar mui-
to a instrução nos Estados Uni-
dos, na Alemanha, na França, na
Bélgica e na Inglaterra, e nas
obras de Hippeau, Mme. Car-
pentier, jules Simon, Bréal e
outros inspirou-se de um sistema
vasto e completo, e preparou-se
assim para
abrir um curso de ins-
trução primária,
como viu des-
crito nestes livros.
Em 1871 o Dr. Aquino en-
trou em concurso para o lugar
de professor
de matemática, isto
é, a primeira
secção do Externa-
to da Escola de Marinha, con-
sistindo o concurso de exame
feito perante
a congregação da
Escola de Marinha (prova oral e
prova escrita) sôbre aritmética,
álgebra, geometria
elementar,
53
geometria descritiva e
perspecti^
va, e desenho linear. Neste con-
curso, em que
entrou com mais
quatro candidatos, foi classificado
em 1.° lugar, por
unanimidade de
votos, e nomeado professor
da l.a
secção do Externato da Escola
de Marinha, por
decreto de 19
de maio de 1871.
Também por
serviços relevan-
tes prestados
à educação popular
no Liceu de Artes e Ofícios, foi
nomeado Cavaleiro da Ordem da
Rosa, por
carta imperial de 18 de
fevereiro, também de 1871.
A 3 de fevereiro de 1874, o
ilustre professor
abre um curso
de instrução primária
comple-
ta. Convidou diversas senhoras
instruídas para
lecionar neste
curso; mostrou-lhes o bem que
elas vinham fazer a pobres
crian-
ças, que pela maior
parte teem
medo dos colégios; enfim apelou
para o
patriotismo das mesmas,
e conseguiu formar um corpo de
professoras, que cada vez se tor-
naram mais dignas de sua gra-
ti dão.
A casa que
escolheu para
fun-
dar este curso de instrução pri-
mária foi a da rua da Ajuda
n. 42, quase
defronte da chá-
cara da Floresta, no Rio, onde já
tinha estabelecido o seu curso
de instrução secundária e su-
perior.
Mas, tal foi a confiança que
êle soube inspirar aos pais
dos
novos pequenos
discípulos, que
a
casa, apesar de não ser pequena,
já não
podia conter mais cs alu-
nos; além disto os cuidados que
precisava ter com êles, e as li"
ções que também tinha de dar
aos seus alunos adultos, tudo
concorreu para que
em setembro
Hjwpf i" .• wr.
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P^'W^ '"" ¦' • > , rl ^lp?
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'Tr .w ' : * - ' ;7
- * *Tjl»
54 CULTURA POLÍTICA
do ano passado»
isto é, em 1875»
resolvesse alugar dois grandes
prédios da rua do Lavradio, nú-
meros 78 e 80, estabelecendo o
externato de instrução secundá-
ria e superior na casa n. 78 e o
de instrução primária
na de nú-
mero 80.
Acham-se atualmente matri-
culados no curso de instrução
primária 124 alunos; no de instru-
ção secundária 108 e no curso de
instrução superiior, isto é, nas
aulas de física» química, geome"
tria analítica etc. 156 alunos".
A evocação dêste documento,
escrito pela
mão abençoada do
sábio que
deu sua cultura, dedi-
cação e até a vida no seu amor
pelo Brasil, eqüivale, nesta hora,
ao bronze que perpetuará
a me-
mória de João
Pedro de Aquino
no recanto silencioso e digno do
alto da Boa Vista.
i * ¦
m
m.
Vida e poesia
de
ÁLVARO F
OHUMORISMO
foi um gê-
nero difícil, raro, nos tem-
pos coloniais. Poucos como
Gregório de Matos apareceram.
Conseqüência de
44
três ra-
ras tristes", não poderíamos
aga-
salhar a mordacidade galhofeira
dos povos
independentes e prós-
peros. Éramos acanhados, tími-
dos, subjugados; faltava-nos o
matiz da civilização no espírito
de crítica.
Sacudido o domínio de Portu-
gal, surgiram, fraca e medrosa-
mente, algumas sátiras.
Com o transcorrer do tempo,
à medida que nos desprendíamos
da metrópole, o humorismo to-
mava proporções.
Não que
nos
faltasse a inclinação à
"blague",
à chacota, à pilhéria.
Faltava-
nos, porém,
a ousadia para mani-
festá-la.
Escravos do preconceito,
fu-
gíamos à maneira natural, à bo-
nomia, por julgá-la corriqueira, e
só muito tarde adquirimos perso-
nalidade, desenvoltura nas ações.
Literatura
Emílio de Meneses
SALGADO
Somos, comumente, um povo
triste, mas não há no mundo car-
naval igual ao nosso. . . Só nes-
sa época verdadeiramente tiramos
a máscara. . .
Nessas contradições, encontra-
mos figuras como a de Emílio de
Meneses, que, apelidado
44Poeta
da Morte", foi humorista de pêso
(cela va sans dite.. .).
Era um
"blagueur"
sob a capa
de um triste, de um desiludido.
Paranaense, de Curitiba, nas-
ceu a 4 de julho
de 1867.
Emílio Nunes Correia de Me-
neses e Maria Emília Lopes de
Meneses, seus pais,
eram pobres.
Não puderam
custear-lhe uma
instrução superior. Além disso,
Emílio tinha oito irmãs. Fez ape-
nas os estudos primários.
Aos doze anos empregou-se na
botica de um cunhado, onde se
fez prático
em farmácia.
Veio para o Rio aos vinte
anos, recomendado ao professor
Coruja, em casa de quemf se
hospedou.
Desde 1885 já
ensaiava a poe-
sia.
Wff - ^
t ••'et .. «* w
*", ., * '. • •*•
JT •"-•••w w*.
56 CULTURA POLÍTICA
Casou-se cm 1888 com uma
das filhas daquele professor.
Em 1890 foi com a esposa
para o Paraná. Desempenhou ali
um cargo público.
Ao regressar ao Rio, possuía
algumas economias.
Usava então
"plastrons",
cha-
péu de abas largas e.
passeava
acompanhado de cães. Aparen-
tava uma vida de nababo. De-
pois, tudo
perdeu. Somente con-
servou o amor pelos
cães e o re-
calque das ambições.
Do estudo de farmácia, ficou-
lhe sempre certa predileção pela
química e história natural.
O parnasianismo
caía de moda
quando ele se apresentou, em
1892, com os versos de Marcha
Fúnebre.
Uma nova escola poética
sur-
gia com os chamados simbolis-
tas. Emílio não ficou deslocado,
apesar da guerra
dos novos. Foi
admirado por
eles, dentro daque-
la sua esquisita maneira de es-
teta, mau grado
o rigor da forma
com que
oprimia os versos.
"
Classificado com justeza
entre os parnasianos
-— diz Eu-
gênio \Verneck
— Emílio de
Meneses gravou
os seus poemas
a buril: foi um dos mais extre-
mados na perfeição
artística e rio
lavor da forma cuidada".
Em 1901 publicava
Poemas da
Morte. Êsses versos punham-
lhe em relêvo as altas qualida-
des do espírito, bem como o apu-
ro do vernáculo.
Grande sofredor, teve a arte
de fazer da tortura um sorriso.
Conversador exímio, discorria
em temas históricos, científicos e
literários com sabor personalís-
simo.
Embora tivesse algumas ami-
zades fortes, contando-se entre
elas Alberto de Oliveira, Olavo
Bilac, Raimundo Correia, Sousa
Bandeira, Graça Aranha, Pedro
Lessa, Inglês de Sousa, sem men-
cionar as simpatias que
lhe dis-
pensaram o Barão do Rio Bran-
co e Rui Barbosa, Emílio perdeu
muitos amigos devido às suas sá-
tiras.
O físico — bigodes fartos, ca-
belos revoltos, obeso, papudo,
grandalhão — não correspondia
à finura de seu espírito.
Suas rimas são raras, como o
ouro de um alquimista, cuja com-
posição possue um segredo que
só êle conhece. São emoção, são
cadência.
Espírito contraditório, como os
próprios títulos de seus livros in-
dicam, ninguém o havia de su-
por repentista admirável e o
maior boêmio d: seu tempo, vi-
vendo entre o talento e um cálice
de vinho.
A superstição cheqava a tal em
Emílio que
evitava alguns conhe-
cidos, supondo lhe trouxessem
jetatura. Mas a filosofia de suas
obras é sadia, e os versos pri-
mores de forma e idéia, em que
predomina a nota do desalento.
Seus
"escritórios"
eram na Co-
lombo e na Pascoal, cujos pro-
prietários faziam
questão de sua
preferência, certos de
que a
pre-
sença e o talento de Emílio eram
uma recomendação para
suas ca-
sas comerciais.
Aquêles que
com que
êle lida-
ram são unânimes em ressaltar
sua veia humorística, as
"bouta-
VIDA E POESIA DE
des" interessantes, e guardam
e
divulgam ainda hoje os seus in-
críveis calemburgos.
O
"Correio
da Manhã" (7 de
junho de 1918) recordando o
grande satírico, epigramatista,
humorista, assim o apreciou:
"O
maior de sua opulenta ver-
ve, da sua inegualável fertilidade
no a propos,
no comentário cinti-
lante ou ferino, deixa-o êle na
memória dos amigos, por quem
a
sua palestra
era disputada, como
uma requintada delícia intelec-
tual".
De uma feita, entrava Emílio
na Colombo, quando
um amigo
que se retirava exclamou
para
os outros, ao vê-lo:
—- É. . . mílio!
O poeta,
trocadilhista impem-
tente, não se perturbou:
fê-lo
sentar-se como a convidá-lo a
participar da
prosa e disse :
Sentei-o. . .
O outro interrompeu-o:
-— Está com a veia?. . .
E fez mensão de novamente
se retirar. Emílio retrucou:
Oh! não s'evada!
Outra vez, falava-se de um
escritor famoso, — conta-nos
Humberto de Campos —
que se
distinguia entre todos pela
varie-
dade de assuntos, com que
or-
nava sua prosa:
É assombroso, dizia alguém,
faz versos, prosa, romance, con-
tos, crítica literária: é jornalista,
orador, teatrólogo e político:
en-
fim, trata de tudo.
Sim, — atalhou Emílio —
mas é prédio
da Avenida. ..
EMÍLIO MENESES 57
?
E como o apologista lhe pe-
disse o segredo da comparação,
explicou:
Muita frente e pouco
fun-
dc. . .
Um dia passou por
um grupo
de intelectuais, onde se encon-
trava o poeta
sulista, um arro-
gante indivíduo
que não saldava
as dívidas contraídias. Emílio,
então, perguntou
aos companhei-
ros:
Em que
se parece
aquêle
homem com um botão?
Os amigos entreolharam-se
sem responder. E o humorista
esclareceu:
<— É que
êle, também, não pa-
ga a casa em
que mora. . .
Outra vez, regressando de um
teatro, ia caminhando pela rua
com um grupo
de boêmios. Um
deles se lhe dirige:
Gostou do meu papel?
Entraste em cena?
Não, mas não ouviu uns
latidos de cães perseguindo um
ladrão? Um dos cães era eu!. ..
Ah! Felicito-o pela voca-
ção!
Sem atinar com a ironia do
poeta, o homem, que
se aproxi^
mara com outra intenção, aven-
turou, julgando que êle falara
sério:
Poderia emprestar-me
2$000?
Hein?! Então tu ladras lá
dentro e vens morder-mfc cá
fora ?. . .
58 CULTURA POLÍTICA
Que diferença quanto
ao poe-
ta ! Parecia sempre atacado de
"spleen".
Seus versos eram tris-
tes e êle próprio
amava a tristeza.
Não gostava
de ser reconhe-
cido como humorista. Apreciava,
sim, que
lhe falassem nos Poe-
mas da Morte. Seus livros são
quasi todos amargos, lembram a
dor e a desgraça. Os versos, to-
davia, são belos.
Em 1900 escreveu Dies Irae,
sobre a tragédia do Aquidaban.
Em Poemas da Morte (1901)
— dedicado à sua companheira
dos últimos anos, Da. Rafaelina
de Barros, — sobressaem as for-
mosas estrofes de Os três olha-
res de Maria, cheias de pureza
e
encantamento.
Em 1917, traçou as páginas
dolorosas de Últimas rimas, que,
no dizer dos crticos,
44
é o mais
genuíno padrão da
poesia obje-
tiva, seca, reduzida ao mero la-
vor. da forma e não raro preten-
siosamente requintada em vocá-
bulos, vestidas as idéias em fra-
ses torcidas que
lhe dão ao estilo
feição rude e áspera, do mais ex-
travagante conjunto". Não obs-
tante, há ali muitas poesias que,
como Envelhecendo, constituem
magníficas exceções:
\ , "• ' - .
Tombas às vezes meu ser. De
tropeços a tropeço,
Unidos, alma e corpo, ambos ro~
lando vão.
Ê o abismo e eu não sei se cresço
ou se decresço,
A proporção
do mal, do bem à
proporção.
Sobe às vezes meu ser. De arre~
remesso a arremesso,
Unidos, estro e pulso,
ambos /o-
gem ao chão
E eu ora encaro a luz, ora à luz
estremeço
E não sei onde o mal e o bem me
levarão.
Fim, qual
deles será? Qual dêles
é começo?
Prêmio, qual
dêles é? Qual dêles
ê expiação?
Por qual
dêles ventura ou qasíí-
go mereço?
Ante o perpétuo
sim, e ante o
perpétuo não,
Do bem que
sempre fiz,
nunca
busquei o preço,
Do mal que
nunca fiz,
sofro a
condenação
Melancolia é um soneto que
o
revela mais uma vez:
"Pelos
males e pelas
desventuras,
Com que
o destino nos foi
tão
cruel,
Procurámos, em nossas mútu&s
juras,
Atenuar o travor do nosso fel.
Antefruindo, além, horas futuras
No calmo gozo
de um ideal ver-
gel:
Esquecemos passadas
amarguras,
O beijo impuro ou a caricia in~
fiel.
Mas por
sofrer ainda os vis apo~
dos
Dos que
me não conhecem o so-
/Ver,
Vivo a fingir
audácias e denodos.
'I?1 "..... *;~ ¦ T ¦W^^V.^-Y^\^TT'/^Y^m^yw<* ''XP^T'^fT:
fyTWr; <r-\ TWv-í
rTv"rfw r- t W«i'. V: -V^* •*.**''• V .W' CVv TJ?%* •' ' >r * '*~ *
W
VIDA E POESIA DE EMÍLIO MENESES 59
Pensam, ao ver~me o alegre pa~
recer,
que tenho o riso
que ambicionam
todos,
£m uez cio pranto que
não quero
ter\
O grande parnasiano
tinha,
pois, razão
quando com êstes
versos encerrou o soneto Numa
lápide:
"Não
cabe dentro de votiva
palma
Nem na estreiteza de mesquinhos
versos,
O infinito de dor que
tenho na
alma'\
A tradução de O Corvo de
Edgard Poe, fê-la com primor
e
arte, rivalizando mesmo com a de
Machado de Assis.
Emílio de Meneses não foi fe-
liz no casamento com Da. Maria
Carlota Coruja de Meneses, que
lhe sobreviveu, falecendo a 24 de
julho de 1931. Dêsse consórcio
houve um filho: Plauto de Me-
neses.
Desiludido, decepcionado no
lar, o poeta
escreveu a um amigo:
44
Beija o teu céu, eu beijo o
meu inferno".
Emílio usou os pseudônimos:
"Neófito"
e
44Gaston
d\Argy".
Criou no Correio da Manhã a
secção Pingos e Respingos, na
qual fazia a crítica dos
políticos.
Escreveu, além das obras cita-
das, Poesias (1909) e Morta-
lhas (1924) —
"salpicos
c ca-
ricaturas" acêrca dos figurões da
época.
Era um triste em arte. Na
vida, retirava a máscara da aus-
teridade e jogava
com o espírito.
A ironia é o recalque dos so-
fredores. Em todo humorista há
um palco
do palhaço
Gat. Vivem
fazendo rir aos outros, quando
eles próprios
sofrem incuràve-1
mente da melancolia.
Emílio de Meneses teve um
grande sonho: ser membro da
Academia Brasileira de Letras.
Nada lhe faltava para pertencer
ao nobre cenáculo. Era dono de
um belo talento e de uma exce-
lente bagagem literária. Recea-
va, porém,
o Petit Trianon. E,
como
44quem
desdenha..." fe-
ria-a sempre. Entretanto, os
acadêmicos, dentre *êles Olavo
Bilac, que
lhe fazia a cabala e a
quem Emílio
julgava
44Príncipe
do verso e Imperador da prosa",
chamaram-no à ilustre compa-
nhia, a ocupar a vaga de Salva-
dor de Mendonça.
Logo as fidalgas damas da so-
ciedade do Paraná se cotizaram
lhe enviaram o fardão acadê-
mico.
Emílio foi, então, de uma in-
felicidade de espírito a tôda pro-
va. Mandou para a Academia,
dias antes da investidura, um dis-
curso em que,
além de não fazer
o elogio do antecessor — contrá-
rio portanto
às normas acadêmi-
caSf ^ ainda tombava para as-
sunto trivial, indigno de sua pena
consagrada.
Advertido pela Academia da
impossibilidade de pronunciá-lo,
Emílio envia-lhe um segundo
discurso. Pior a emenda... A
peça, que nada tinha de literá-
ria, primava
em futilidades, em
60 CULTURA POLÍTICA
absurdos, em momentos verda-
deiramente inconcebíveis de ba-
nalidade. Como era de esperar,
foi recusado novamente. Assim,
jamais tomou
posse da cadeira
n. 20,
44menos
pelo seu
precário
estado de saúde, pretexto
apon-
tado, que pelo
seu permanente
estado de alma. .. Era antes um
triste e um sensitivo.. . seu es-
pírito satírico o afastava da Aca-
demia e das formalidades acadê-
micas. . ." — disse Amadeu
Amaral.
Não obstante, nêsses discursos
Emílio imprimiu muito do seu
sentir, revelando-se tal qual
era
na verdade. De início, confes-
sou:
"Faço
do momento, que
tão
propício se me depara, um acan-
tábolo para
arrancar espinhos
que de há muito me
pungem".
E depois:
"Apesar
da minha aparente
sociabilidade alegre ou risonha,
sou um retraído, não por
orgu-
lho, senão por
timidez. Além
disso fui sempre, mais ou menos,
avesso à influência das coletivi-
dades, nunca tendo pertencido
a
grêmios ou
grupos, sendo, em
arte, um insulado. Êsse meu na-
tural retraímento se agravou por
causas que
estas palavras
não
comportam. Tive, é certo, um pe-
ríodo, aliás efêmero, de alto con-
vívio social, voltando à primitiva
modéstia, quando
se me escoou
das mãos inhábeis e desinteres-
sadas uma pequena
fortuna por
mim adquirida, pois,
se pobre
nasci, rico me não casei, visto a
má vocação para
caçador de do-
tes, coisa, de tantos, tão à fei-
w tt
çao .
Mais à frente, o poeta,
revol-
tado, vasou em prosa
tôda a
amargura e ironia que
lhe iam
na alma:
"Quando
começou a haver
uma quasi
certeza da minha elei-
ção, os inimigos rancorosos, mui-
tos dos quais
só o são por
coisas
cuja paternidade
me toi empres-
tada, redobraram de esforços de-
molidores. Um, a quem
eu fize-
ra um soneto inofensivamente hu-
morístico, estabelecendo a pro-
proporção geométrica entre a sua
possível vaidade e a sua enorme
massa adiposa, disse a pessoas
diversas que
eu, em tal soneto,
havia ofendido a honra do seu
lar. Depois disto, só se lhe cen-
tuplicando a área e a cubação
será possível
conseguir o imen-
surável âmbito em que
se acomo-
de tão insidiosa falsidade. Cho-
veram apodos, granizaram
intri-
gas...
"Boêmio
e desregrado...
"Boêmio
e desregrado, porque
nos momentos decisivos faz o
que qualquer homem mediana-
mente digno tem obrigação de
fazer.
"Boêmio
e desregrado, que
nunca foi visto em bordéis ou es-
peluncas. Boêmio e desregrado,
que,, com mais de trinta anos de
residência no Rio, não sabe o
que seja um dêsses celebrizados
bailes carnavalescos, onde o me-
retrício elegante se excita de jôgo
e condimenta de álcool. Boêmio e
desregrado, porque gosta
de fazer
a sua hora à mesa de um café ou
de uma confeitaria, trocando
idéias, dizendo ou ouvindo ver-
sos e frases de espírito, como fa-
ziam e fazem ainda alguns dos
VIDA E POESIA DE EMÍLIO MENESES 61
que muito brilho emprestam às
cadeiras que
entre nós ocupam.
Posso garantir-vos que
essas ale-
g r e s confabulações literárias,
apesar da dose de
"whisky"
ou
de água de um côco, ou de am-
bos juntos,
segundo a fórmula
aceita e consagrada por eminen-
te clínico baiano, são muito mais
inocentes, menos demolidoras
que as reüniões de certas
portas
de livraria, onde uns gênios
in-
cipientes, à espera da primeira
desova, enquanto não aparecem
as obras nascituras, se vão coníen-
tando em demolir os que já
se fi-
zeram uma reputação,. Aí é que
os escritores de nome feito devem
ir buscar os verdadeiros inimi-
gos, que, além do mais, teem a
cobardia de atirar para
cima de
outrem a responsabilidade do que
fazem e dizem".
Finalizando o discurso, reve-
lou a fatura de um ensaio de ro-
mance — Pensão Virgínia — que
estava revendo na ocasião.
Emílio de Meneses, diabético,
tuberculoso, cada vez mais en-
fêrmo do rim e das contradições
do seu destino, faleceu no dia 6
de julho de 1918, na casa n. 103
da rua Major Ávila (Tijuca),
de propriedade
de Da. Rafaelina
de Barros.
Os restos mortais foram trasla-
dados em 1927 para
Curitiba,
onde repousam no Cemitério
Municipal.
Os médicos, que
conhecem tão
bem o organismo de seus clien-
tes, sabem-lhe muitas vezes os
complexos, os segredos íntimos.
Ninguém melhor para julgar
o
último amor de Emílio que
o pro-
fessor Alcides Lintz, seu médico
assistente e amigo.
Freqüentador da casa do poe-
ta, o ilustre esculápio e literato
nos falou da união entre Emílio
e Da. Rafaelina :
"Não
era uma ligação comum.
Da. Rafaelina. senhora muito dis-
tinta, possuía pelo poeta parana-
ense uma dessas paixões
cegas
que veem mais da admiração in-
telectual que
da aproximação ma-
terial. Emílio via nela o amparo
moral, a alegria que
não encon-
trara num lar desfeito, alguém
que lhe suavizasse as impaciên-
cias de doente como enfermeira
e companheira.
"É
o que
se depreende da ida-
de de ambos, que já
não lhes
permitia transportes de amor.
Aquela convivência foi, digamos
assim, uma verdadeira união es-
piritual".
A última pilhéria
de Emílio de
Meneses, segundo o
"Correio
da
Manhã", foi esta:
"A
pertinaz moléstia
que há
tempos perseguia
cruelmente
Emílio de Meneses e que
fazia
recear pela
sua vida, apesar da
dedicação extarordinária do
Dr. Alcides Lintz, seu médico
assistente, contribuiu muito para
a redução do seu pêso.
Emílio de
Meneses sentiu essa redução e
poucas horas antes da sua morte
teve ensejo de dizer ao amigo:
—
"Morro
satisfeito porque
consegui pregar um
"bluff"
aos
vermes: roubei-lhes 16 quilos!«..
(W*v-ví ?CTT" ¦ ¦
fRl®. '
' : "¦
. •'
r
' -y* - r
Filologia
Esboço histórico do conceito de
brasiteirismo
AT AI DE DE MIRANDA
;<./
Passa já
de um século, '— cm
rigor, desde Antônio de Morais
Silva, Gonçalves Dias e José
de
Alencar, -—' que
se vinha notan-
do, entre nós, com estranheza de
uns e inquieta timidez de muitos,
que a língua chamada
"correta"
pelos nossos
gramáticos e litera-
tos, fundados, uns e outros, no
critério da imitação, sem delega-
ção nem direito, dos clássicos por-
tugueses —' não estava mais cor-
respondendo, — não se sabia
por-
quê, — nem à língua escrita nem,
muito menos, à língua falada em
Portugal. Como se esse crité-
rio da língua literária, de consen-
so geral,
estivesse perdendo o
alento lusitano que
antes lhe de-
ra alguma eficiência. Certamen-
te, alguma coisa começara a in-
terferir no mundo das letras por-
tuguesas do Brasil, promovendo
conflitos onde tinha por
fim criar
harmonias.
De então para
cá, os motivos
de estranheza e de inquieta timi-
dez foram deixando de parecer
meras excentricidades ou anoma-
lias fortuitas e ganhando, pro-
gressivãmente, a feição de uma
diferença geral profunda,
— de
ação constante e crescente, em-
bora sem transparência de sua
origem e seu fim. Por outros têr-
mos: o que,
de comêço, se havia
sentido como
"individual",
reve-
lava-se, cada vez mais, como
"ge-
ral". Não eram, pois,
acidentes
de ordem
"subjetiva", — eram
fenômenos
"objetivos", — a sa-
ber, inerentes à linguagem da
maioria dos brasileiros. Conse-
qüentemente, não
podiam ser re-
centes, salvo entre literatos, que
usavam uma língua pensada
e
corrigida antes de publicada.
(Seu habitus de falar não era o
mesmo do comum dos homens da
terra) \
Isto acontecia quando
ainda
dependíamos de Portugal. Éra-
mos, assim, uma colônia atada ao
manto da realeza lusitana. Suce-
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 63
de, porém, que, por
êsses tem-
pos, fatos de outras ordens e sen-
timentos outros vinham criando
fôrça de exteriorizar-se no seio
do nosso povo.
De sorte que
a
revelação do caráter de
"brasi-
leiro" das diferenças notadas no
campo das letras brasileiras (sem
sentido relativo a Portugal) veio
despertar nas almas nativas uma
alegria nova e uma nova espe-
rança,, a que,
como era natural,
não faltaram oposições sistemáti-
cas aparentemente literárias, mas
remotamente inspiradas no pres-
tígio e na autoridade portuguesa.
Vem da! a velha objeção contra
o brasileirismo, — de ser coisa
deliberada, propositada, para
fa-
zer comichão na pele
rosada dos
portugueses. Desde o comêço,
todavia, que
essa alegação de ar-
tifício e má fé pelos
artificiosos
defensores do prestígio
lusitano
em nosso Continente, por
tantos
aspectos diverso da Europa, —
é, afinal, uma inversão da verda-
de. Não foi, — e ainda hoje não
é em muitos, — o escritor brasi-
leiro o que
iniciou a diferencia-
ção lingüística do Brasil. Ela ir-
rompeu, com surprêsa, nas linhas
de seus escritos depois de funda-
mente radicada em nossos costu-
mes lingüísticos. Prova disto são
as discussões lítero-gramaticais
nascidas de tais costumes. Da
maioria delas podemos
dizer que
não violenta nenhuma regra ex-
pressa, nenhuma regra codificada
nos compêndios de gramática
dos
séculos XVIII e XIX. E o fato
de não estarem, até hoje, pacifi-
camente enfardadas em normas
para os
portugueses de Portugal
dá ao caso um sentido inequí-
voco, isto é, o sentido que
lhe
atribuímos: o brasileirismo nr<o
irrompe na literatura brasileira
por invencionice ou artifício da
oposição nacionalista. Um exem-
pio concreto entre infinitos outros
é o de Varnhagen: não sabendo
como reger a crase nos seus es-
critos, porque
não era possível
inferir regras lógicas para
tantos
idiomatismos portugueses,
resol-
ve-se crasear o — a — segundo
a gramática.
. . francesa. (Prefá-
cio da História do Brasil, passim).
Voltando ao caso tal qual
se da-
va naqueles tempos: o brasilei-
rismo involuntário de nossos es-
critores, por
êles mesmos repe-
lido sempre que podiam
fazê-lo,
era um
"estigma"
social, — não
apenas uma
"corrutela"
gramati-
cal, antes, lingüística. Denunría-
va conveniência com gente
ignara,
sangue mestiço, rebelião política,
etc. Daí, provàvelmente,
o em-
penho de alguns de nossos escri-
tores em fazer panegíricos
do B a-
sil em português
castiço, — tan-
to quanto
lhes era possível
con-
seguí-lo. Êste o sentido que
de-
vemos atribuir aos poemas
de Ba-
sílio da Gama e Durão» cheios de
generosidades com os dominado-
res de nossa terra.
Firma-se o brasileirismo
Então, foi o brasileirismo que
subiu à esfera literária, ao mun-
do da língua escrita, não foi esta
que desceu aos lábios do brasi-
leiro para
ouví-lo e tentar a sua
consagração. Isto havia de vir,
com o tempo. Mas é preciso
con-
tar as coisas como as coisas são.
Triste da coisa que precisar
de
mentiras para
mantér-se entre os
homens.
Então, o verdadeiro lingüista
brasileiro
"será"
aquêle que
re-
cuar do brasileirismo escrito ao
64 CULTURA POLÍTICA
brasileirismo falado» para
estudar
a sua formação espontânea em
nosso povo.
Mas, de outra part*,
não era
possível que, depois de introme-
tido nas altas rodas, mau grado
elas, e revelar-se um fator na-
cional inconcusso, não fôsse o
brasileirismo tomado pelos pátrio
-
tas e hàbilmente manejado con-
tra o domínio português. Sim:
aquilo que para
os vigilantes dos
direitos de Portugal no Brasil era
uma nódoa social e moral, trazia
no cerne uma
"significaçãs"
es-
piritual de inestimável interesse
para o Brasil do futuro- Eram
nomes de mares e céus, pessoas
e coisas, instrumentos e mimos,
frutos e flores, animais e mine-
rais, traj os e utensílios, e mais de
idéias e sentimentos, desejos e
esperanças, propósitos
e senhas,
armas e galardões,
em suma, —
valores com que
se podia
cons-
truir uma nação e garantir
a sua
liberdade.
Não havia, por
certo, entre nós,
psicólogos que esmiüçassein tais
discriminações latentes no brasi-
leirismo inevitável nos próprios
escritores submissos à férula por-
tuguesa è ostensivamente posto
em circulação, à luz do sol, a to-
da hora, entre nativos, sem que
pudessem os servidores do reino
pôr-lhe a mão e trancafiá-lo em
masmorras. . .
Imagine-se, agora, com que
ale-
gria não havia de falar o brasi-
leiro em coisas de
"sua"
terra, à
cara dos. . .
"tiras"
do reino !
E havia também de s^r falan-
do a nossa língua que
mais sen-
tiria o brasileiro quanto
e em
quantas coisas, —
objetos, senti-
mentos e idéias, — se distancia-
va de Portugal, de modo que
nin-
guém via nem
podia deter! E
quantas vezes na liberdade inte-
rior das conciências não se terá
projetado, por fôrça de tais me-
ditações, a certeza de nossa li-
berdade! Deus andava trabalhan-
do por
nós lá onde nós éramos
incapazes de trabalhar por
Êle!
Eis aí como um vago sentimen-
to de suspeita, um leve arrepio
de timidez, um nojo de senhores
elegantes ou afestoados de bra-
sões, — oh
paixões humanas! —
ensombravam um mundo de valo-
res humanos! — Tanto peor para
elas!
Não devemos esquecer aqui ou-
tro aspecto da história do brasi-
leirismo no mundo atordoado dos
bibliólatras classicistas do Brasil:
quiseram fazer do brasileirismo
-tema, — em
poemas, romances
discursos, — uma
"escola"
literá-
ria. . . que passou.
Omissões
graves — infamantes dos
que as
façam, — estão aí enfeixadas no
bojo de uma frase inocente.
O brasileirismo-tema apresen-
ta, em nossa história, — ninguém
o nega, — uma crise febril e pas-
sageira de
"escola".
Mas o tema
dessa escola, — o indianismo, —•
não desapareceu como história,
nem o brasileirismo desapareceu
como habitus lingüístico de deze-
nas de milhões de brasileiros.
Ainda mais: a liberdade cantada
"no"
índio para
exemplo nosso
e o heroísmo dos que
morreram
por ela não é invenção de
poeta
ou romancista. Depois, a psico-
logia e a sociologia unidas não
podem deixar
que o destino de
uma
"escola"
literária arraste, no
seu meteorismo, o
"fenômeno"
provado pelo indianismo e agora
v
s
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 65
1 1 -' .-" 11 ™iW. ""I1:,
fl
™ ' -lippff
' 'IIM
mesmo confirmado pelos
nossos
romances sociais, a saber, a
relação constante entre a necessi-
dade de expressar um momeníò
ou > fase
da vida de um povo,
em
tonus literário, e o imperativo da
língua que
traz em seus tesouros
todo o sentido e em sua música
específica tôda a eficiência emo-
cionaU moral e diretiva, sem a
qual deixa a literatura de ser uma
4* « »* . f
[unçao social.
Desgraçadamente, não foi pos-
sível evitar-se que o
"passado"
envolvido com a
"tradição''
ar-
ranjasse um reduto onde atocai-
ar-se- Há dezenas de anos se fe-
chou êle nas salas de aula de"português",
onde, sob ameaças
cruéis, continua a obrigar cente-
nas de jovens
brasileiros a colo-
car pronomes
ea crasear à portur-
guesa. Cada vez mais
pobre de
recursos, já
não tem a petulância
de nos mandar aprender portu-
guês com as lavadeiras de Por-
tugal. O seu canto no seu refú-
gio derradeiro é o exemplarismo
clássico. Não importa que
os por-
tugueses falem diferente de nós.
Não importa que
os escritores
portugueses tenham
perdido o en-
tusiasmo pelos
clássicos. Não im-
porta que Portugal e Brasil não
se cansem de viver diferentes um
do outro. O clássico é tabú, é
mascote, é amuleto.
Desgraçadamente, ainda, o ele-
mentarismo filológico indígena
encontra sempre um testa-de-fer-
ro para guarnecer-se
contra tôda
perspectiva de um ajuste de con-
tas com o presente.
Assim, para
eternizar-se no seu ponto
de vista
da imitação do clássico português,
como o exigiam de nós os mei-
rinhos gramaticais
dos tempos da
Terra de Santa Cruz, dissimula-
se o filólogo lusista de hoje nas
razões pedagógicas que justificam
a
"formação"
humanística da nos-
sa mocidade. Que Deus me per*-
doe se vai nisto um gesto
de
vaidade reprovável, de nossa par-
te; — mas não podemos
deixar
de confessar, publicamente,
o de-
sejo de ouvir a um filólogo dês-
se jaez
as razões pelas quais
for-
mou a sua ilusão incrível de poder
justificar o seu
ponto de vista com
o da pedagogia
humanística. —
Aceitaríamos essas razões como
desafio. .. E aqui ficamos à sua
espera, numa
"torcida"
valente.
Ouviram ?
Nosso ponto
de vista
O nosso ponto
de vista é cia-
ro: entendemos que
o sentido de
"formação"
humanística é contrá-
rio ao sentido de
"imitação"
dos
clássicos, com submissão irredutí-
vel. E podemos provar que
a prá-
tica dêste critério entre nós tem
dado como resultado uma incom-
patibilidade invencível entre a
nossa mocidade e o
"sentido"
for-
mador dos clássicos. Êste, em ri-
gor, não aconselha nem determi-
na
"uma"
língua para que
se con-
siga o seu fim. O clássico latino,
o clássico francês, o clássico in-
glês, o clássico italiano são tão
formadores da personalidade
inte-
gral, livre e criadora» do moço bra-
sileiro, como o clássico português.
Tanto melhor se pudermos
iniciá-
lo no gôsto
de ler clássicos de vá-
rias línguas. Que tem isto, — que
me digam só ! — com a análise
lógica e a imitação literal dos clásr-
sicos portugueses
dos séculos XVI
XIX, que
fazem a corrida de
obstáculos dos nossos ginasianos?
— De dentro dêste ponto
de vista
ficamos na
"escuta".
Lealmente,
amgr ao Brasil.
66 CULTURA POLÍTICA
Adiantando às discussões uma
palavra, lembramos aqui o ma-
gistral conselho do venerando Fé-
nelon: não são os antigos, como
pessoas, nem suas obras
que te-
mos de imitar, mas as suas vir-
tudes, que
são as criadoras de
suas obras imortais. Sim: deve-
mos compreender que o ato cria-
do pela
virtude deve ser imitado
por um esforço de conversão in-
terior, sempre pessoal,
impossível
de universalizar-se, como um con-
ceito, ou comprar-se, como um
objeto, ou repetir-se como um rit-
mo físico, —' e a frase imitada
não é outra coisa.
A história muito repetida de
que as línguas teem seu
período
áureo que
não podem
ultrapas-
sar é uma maneira errônea de
dizer uma verdade. As línguas
seguem a vida do seu povo
e apre-
sentam fases
"orgânicas*'
de ca-
racterização, — umas mais in-
tensas do que
outras. Mas ne-
nhuma língua
"estacou"
jamais
de evolver enquanto falada por
um povo.
E o fato de que
elas
seguem a formação dos povos
é
antes um argumento contra os que
negam a povos
como o Brasil o
direito de ser seguido pela
sua
língua na sua evolução.
Em suma: as virtudes de um
povo, como as de um homem, não
se podem
reduzir a gestos
exte-
riores nem transferir como bens
de usufruto. As virtudes são va-
lores inseparáveis daquele que as
procura, faz-se um com elas e as
devolve em atos de merecimento.
Tôda virtude é fruto naquele que
a prática
e semente naquele que
a contempla. No plano
da litera-
tura tudo corre paralelamente com
o plano
da moral. De modo que,
se uma língua estancasse de evol-
ver, instantâneamente perderia o
"élan"
estático. E a literatura se
tornaria impossível. Somente nes-
te caso seria legítima a posição
em que
se estatuificaram os lite-
ratos que
deliberaram trancar-se
na gramática portuguesa,
sem
querer tomar conhecimento da lín-
gua viva do Brasil nem
poderem
seguir a língua viva de Portugal.
Êste aspecto do nosso proble-
ma poderá
ser levado, de passo
em passo,
até um momento em que
tenhamos de discutir a respeito da
natureza humana, — se ela
"ain-
da" é aqui, no Brasil, capaz do
que
"já"
foi em outras terras.. .
Afinal: se o direito de ter, -—'
antes, — de fazer uma história
é inerente a tôda nação, -— e ago-
ra mesmo, quanta
"história"
está
fazendo a Europa, com tôda a sua
idade! — e esse direito se caracte-
riza pela
liberdade de criar fatos,
escolher caminhos, tomar rumos,
entre rumos, caminhos e fatos pos-
síveis, '— em que
se há de estri-
bar a negação para nós brasilei-
ros de aceitar as diferenças .de
nossa língua que
se estão fazendo
a par
de nossas diferenças histó-
ricas, em relação psico-biológica
umas com as outras ?
O fato de sermos uma conti-
nuação de Portugal não poderá
impedir-nos de sermos originais,
a menos que
se entenda essa con-
tinuação em outro sentido. Con-
tinuidade histórica não é, nunca
foi, não poderá
ser
"identidade"
intangível, eternização de um
"es-
tado" em si mesmo acidental. Na
vida, só é possível
continuidade
por crescimento, adaptação, dife-
renciação, criação. Ou deixa de
ser
"vida",
para ser apenas
"con-
servação". Ainda assim, a natu-
reza das coisas do tempo e do
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 67
espaço não quer que
haja coinci-
dência entre o
"conceito"
e a
14re-
alidade", pois
no Cosmo em que
existimos tudo é
"história".
Ca-
da estréia do firmamento é mais
história do que
ciência, — afir-
mam os mais eminentes sábios
contemporâneos. Não serão os
mesmos os ritmos históricos em
cada ordem de fenômenos, — o
da gravitação
e o da moral de
um certo povo, por
exemplo. Mas
tudo é história ou eternidade, sem
meio têrmo.
Antes, ainda, de entrarmos na
exposição crítica da seqüência
evolutiva do conceito de brasilei-
rismo no plano
literário do Brasil,
advirtamos os leitores que
o fa»-
remos no sentido temporal do ho-
• mem, à margem de tôda conside-
ração espacial e de tôda
"legali-
dade natural", segundo o sentido
de lei da natureza. Assim, vemos
a língua brasileira, neste momen-
to, representada por
uma seqüên-
cia de fatos em desdobramento,
criando muito por
fôrça de urn
"genius"
próprio, mas conservm-
do também bastante das fases paj-
sadas. Até da poesia
dos velhos
jograis da Idade Média há resí-
duos em nossa vida lingüística.
Mas em vez de as considerarmos
retrospectivamente, nós as consi-
deraremos prospectivamente.
Não buscamos o nosso berço,
Marchamos para
o nosso auge.
As diferenças lingüísticas
Preliminarmente: a atitude dos
primeiros que sentiram as nossas
diferenças lingüísticas não é mais
a mesma dos que
as sentem agora.
E entre aquela e esta outras ceem
sido sentidas, consoante as cir-
cunstâncias.
Podemos supor aqui a primei-
ra delas" o brasileiro nativo, co-
lono sujeito à Metrópole por
tu-
guesa na sua idade áurea, — ob-
jeto de atenção, inveja ou admi-
ração do mundo inteiro. Portugal
é a nação de quantas
conhecemos
que traz
para o homem as mais
estranhas e mais fecundas revela-
ções, com o mínimo de sacrifícios
dos outros e todos os sacrifícios
de si mesma apenas. Depois do
que sabemos
pela Bíblia, ;3 aos
portugueses coube a honra insu-
perável de imitar a Deus, dando
ao homem a dádiva de um mun-
do. Descobre-o, conquista-o, des-
brava-o, dentro de um programa
jamais pensado ou sonhado
por
um gênio
da terra. Dêste mundo
perde quasi tudo
quando entra
em competição de fôrça e violên-
cia com que
se defronta a sua
coragem e o seu heroísmo.
Quanto a nós, o mais certo é
dizermos que
êle mesmo traba-
lhou ativamente para
a nossa au-
tonomia, — como um pai
se de-
dica à autonomia dos seus filhos.
Assim, não é obediência e muito
menos subserviência que
devemos
a Portugal, mas o dever de ser-
mos em face do mundo o que,
quando forte e valente, conse^
guiu ser entre os
povos.
Descendo, porém,
a minúcias,
podemos imaginar
qual seria aqui
a atitude do brasileiro nativo, ig-
norante e plebeu,
em face dos se-
nhores portugueses.
A sua
"dife-
rença" de linguagem haveria de
corresponder, necessàriamente, a
diferenças de valor, de direitos,
de cultura. Teria, seguramente,
vícios de inteligência e sentimen-
tos criados pelas
circunstâncias.
Entã<57 era impossível aceitar-se
o sentido anchietand de
"língua".
Como é sabido, os primeiros
após-
tolos do Brasil não tinham, dian-
68 CULTURA POLÍTICA
te do selvagem, a mesma atitude
do renascentista da metrópole
portuguesa. E por
isto faziam
aquêles penosos
exercícios a que
alude Vieira, para
conseguirem
falar como um indígena. Queriam
dêste modo, penetrar
o íntimo das
almas embrutecidas dos selvícolas
e aí semear a boa semente do
do Evangelho, repetindo aqui a
mesma façanha realizada na Eu-
ropa pré-cristã:
converter as na-
ções pagãs ao espírito católico,
sem matar a vida de suas línguas,
~ antes, fazendo destas o veículo
daquele, -— emprêsa infinitamen-
te mais difícil que
vencer mura-
lhas de fronteiras territoriais •. .
Portugal consentiria nessa obra
apostólica, mas fazendo, no mo-
mento, a obra política
e econô-
mica imposta por
outras circuns-
tâncias. Eram dois trabalhos di-
fíceis de conciliar, mas destinados
a um resultado final harmonioso,
com a vitória definitiva do apósr-
tolo... De modo que
o
"erro"
da
fala do brasileiro era uma
44de-
núncia" da origem e da formação
moral do nativo brasileiro. Um
português culto diria, ao ouvir
tais violações do bom falar lusi-
tano, a mesma sentença de Pia-
tão44
440
falar mal não é somente
um crime contra a linguagem mes-
ma, -— é mais, é também um dano
às almas". E não foi essa a ati-
tude dos primeiros cristãos em
face das
44
literaturas" da Grécia
e de Roma? — Sim: falar à bra-
sileira seria, nos melhores brasi-
leiros, um sinal seguro de uma
triste condição. Mil fatos coti-
dianos deviam confirmá-lo.
Então, o brasileiro era colono
e o português
era senhor. ..
Começa a queda
do império
português. Vai fundar-se uma
nova vida. Mas à desmontagem
do império lusitano resistiriam as
reservas da metrópole, — a na~
ção portuguesa, — o Brasil, in-
vencível pelo
novo espírito do
mundo, e o poema
de Camões. ..
Antes que
tal acontecesse, tive-
mos uma fase intermediária de
lutas de caráter político
e econô-
mico. Digamos mesmo: e cultu-
ral. O brasileiro havia feito e
continuava a fazer esforços in-
gentes por se equiparar à cultura
portuguesa, que era,
por muitos
aspectos, uma cultura
44humana",
— profundamente
cristã e huma»-
nística. A língua portuguesa ga~
nhara o máximo do seu desenvol-
vimento sem fechar-se, orgulhosa-
mente, no radicalismo lingüístico
das nações pagãs.
Impregnada do
espírito católico, — talvez como
nenhuma outra da Europa, — as-
similara comedidamente as exce-
lências do latim e deixara-se are-
jar dos mais desencontrados ven-
tos de todos os mares. Assim,
Os Lusíadas são uma espécie de
umbral levantado à porta
de uma
nova configuração do planeta..
.
Nada, pois,
mais natural e jus-
to e aconselhável que
o propósito
de uma equiparação nossa a Por-
tugal, como estrada real para
a
libertação do espírito escravo que
se instituirá no Brasil, para
os
brasileiros.
O brasileirismo-nódoa
É a fase em que
o brasileiris-
mo-nódoa é relegado pelo próprio
brasileiro, a caminho da liberta-
ção espiritual, — via equipara-
ção com os portugueses
cultos e
nobres.
Sim : pertencendo
a Portugal,
devia o Brasil
44sujeitar-se"
a
leis próprias para
êle. A
44regra"
de gramática portuguesa,
re-
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 69/
sultante da originalidade his-
tórica de Portugal, e a lei
religiosa, porém,
exigiam uma
identidade entre brasileiros e por-
tugueses, em nome da unidade
nacional. Então, ser bom catófi-
co e falar bem a língua portu-
guesa eram casos especiais da le~
galidade no Brasil. È
podiam ser-
vir de
"ponte"
para novas espe-
ranças dos nativos. Mas a ver-
dade é que
a língua portuguesa
não tinha nem podia
ter a elas-
ticidade do catolicismo, como re-
ligião que
era- Assim, a
"regra"
de gramática portuguesa
era, em
Portugal, um
"costume"
resultan-
te de numerosos fatores históri-
cos, ao passo que
no Brasil era
sobretudo uma
"ordem"
atual em
divergência com o que podemos
denominar de nosso
"passado".
Em Portugal, vinha do seu pró-
prio passado, aprendia-se em casa,
aperfeiçoava-se na escola, enri-
quecia-se com a experiência, sob
a fiscalização de uma
"censura"
espontânea contra tôda excentri-
cidade. Mas colônias, porém,
a
regra portuguesa
vinha de [ora
para dentro. Mas êste interior
estava crescendo segundo as suas
circunstâncias especiais. Quasi
poderíamos dizer
que o nosso
"passado",
diferente do passado
português, crescia aqui à medida
que o
passado português dimi-
nuía. O conflito haveria de ex-
plodir, mais cedo ou mais tarde.
Quando a
"regra-ordem"
dei-
xasse de ser
"ordem",
perderia
todo o sentido como
"regra".
Ou-
tra
"censura"
lingüística" se teria
consolidado aqui, de dentro para
fora, invencivelmente.
Porque, aqui, a
"regra-ordem"
era ordem em primeiro
lugar, e
regra secundàriamente. Não era
a cultura o primeiro
fim, mas a
submissão à unidade nacional por-
tuguesa. Em Portugal, o êrro
gramatical era uma
"excentrici-
dade", digamos, um solecismo,
um provincialismo,
um plebeísmo.
No Brasil, o êrro era um
"bar-
barismo". Em Portugal, o êrro
era, invariàvelmente, uma exce-
ção ao uso. No Brasil, o êrro era
quasi sempre o
próprio uso
geral.
Desde o fonema, que perdeu
en-
tre nós a continuidade orgânica,
condição sine-qua-non da vi-
talidade de um
"genius"
lingüisti-
co. (A
começar pela
lei de con-
servação do acento tônico, — fun-
damental, -— tudo aí está depen-
dente da continuidade orgânica,
pois a linguagem tem
que passar
de uma geração
a outra, auditi-
vãmente, do adulto para
a infân-
cia, sem perturbação
de ordem
geral. Ou morre,
para dar lugar
a uma língua nova) .
Então, e afinal, -— diversas co-
mo processos e como intenções, a
regra portuguesa,
-—' uma regra-
costume, -— e a regra brasileira,
*— uma regra-ordem, — a primei-
ra, própria
do português,
e a se-
gunda convencionada ou decre-
tada para
o brasileiro, -— tinham
que levar a resultados necessà-
riamente diversos- Era a disso-
ciação lingüística inexorável que
estava no futuro, à espera de cer-
tos complementos políticos, para
se afirmar como presente.
Disso
não salvaria a língua portuguesa
do Brasil nenhuma boa-vontade.
Deixemos, agora, as conside-
rações sócio-lingüísticas e desça-
mos às ilustrações históricas. Po-
dem estas ser de duas espécies:
ou de ordem coletiva, estudadas
nos costumes lingüísticos do Bra-
sil, ou de ordem cultural, estuda-
70 CULTURA POLÍTICA
das em certos autores particular-
mente envolvidos na marcha dos
acontecimentos literários do Bra-
sil. Ficamos aqui restritos ao se-
gundo ponto de vista.
Excêntrico em relação
aos clássicos
Parece-nos andar muito vizi-
nhos da verdade dos fatos ima-
ginando aqui a situação do nosso
eminente lexicógrafo Antônio de
Morais Silva, como extremamen-
te vexatória, quando, um belo dia,
se viu indigitado como
"excên-
tricô'' em relação aos modelos
clássicos portugueses. Escrever à
brasileira era, ainda em seu tem-
po, um
grave desvio das boas nor-
mas. Era menos que
violar o uso
geral. E ele
pretendia estar aci-
ma dêste, — no
plano literário.
O êrro brasileiro implicava em
suspeitas .de origem bastarda, em
educação inferior, em transgres-
são da unidade política e cultural
do reino. Tanto mais quanto já
andavam pelo
ar desconfianças
bem fundadas de agitações auto»-
nomistas do Brasil. Onde quer,
pois, que repontasse, não
passa-
ria despercebido ao espírito vigi-
lante da ordem estabelecida, e se
dêste escapasse, cairia, fatalmen-
te, no crivo fino da malícia subor-
nada para
o serviço da ordem po-
lítica. Em suma, falar à brasilei-
ra, e, — peor
ainda, — escrever
como falavam os brasileiros, san-
cionando-os, era publicar
e de-
safiar a ordem política.
Importa-
va em fazer gáudio
de ser de bai-
xa estirpe, de ter costumes bár-
baros, de trazer no sangue tendên-
cias criminosas, de andar mais
perto do satanismo selvático das
terras americanas. O brasileiris-
mo era, pois,
um terrível
"schib-
boleth" para um
português. Era
almofeira de fruta
"braba".
Era
reima de sangue selvagem- Ima-
gine-se, agora,
que constrangi-
mento não haveria de sofrer quem
se sentisse, contra a vontade, al-
vcjado pela
coima do
"brasilei-
rismo".
Antônio de Morais Silva é um
dos apontados, -—- haviam, então,
de ser muitos, — como inquina-
do dessa praga.
Mas não há cul-
pa sem
princípio de intenção. E
êle jamais
alimentara semelhan-
te absurdo, — fazer boas-letras
com o auxílio do brasileirismo. E
jura aos manes dos clássicos re-
dimir-se de tamanha aleivosia.
Com dignidade, empreende uma
obra gigantesca,
— um dicioná-
rio filológico, — a saber, um có-
digo da língua clássica, para
carta
de guia
de portugueses
e brasilei-
ros, — coisa boa, moderna, fácil
de manuseio, seguro de informa-
ção. E anos depois dá a lume o
seu ainda hoje notável Dicionário
da Língua Portuguesa, no qual
introduz reformas inteligentes que
valem como lição para os seus e
os nossos tempos. Exclue o voca-
bulário latino-bárbaro, simpLrica
a grafia
de
"muitas
consoantes
dobradas inutilmente
*,
aproveita
as terminologias novas, como as
da mecânica, etc. Coisa notável:
não foge à sua condição de bra-
sileiro. Lá está no frontispício da
sua obra:
"Antônio
de Morais
Silva, natural do Rio de Janeiro".
Após esta declaração, corre para
o mais seguro abrigo:
"Oferecido
ao muito alto e muito poderoso
Príncipe Regente N. Senhor".
É a
"água
lustrai" em que
espera
redimir-se. . . No seu prólogo,
confessa:
"A
ignorância em que
me achava das coisas da Pátria
(Portugal) fez
que lançasse mão
dos nossos bons autores, para
ne-
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 71
les me instruir e por.
seu auxílio
me tirar da vergonha que
tal ne-
gligência deve causar a todo ho-
mem ingênuo (...). Apliquei-
me, pois, à lição deles, e sucedia-
me isto em terra estranha, onde
me levaram trabalhos, desconhe-
cido, sem recomendação, e mar-
cado com o ferrete da desgraça,
origem de ludíbrios e vitupérios
com que
se afoitam aos infelizes
as almas triviais". É a sua pe-
tição. . .
Mas com que garbo
se declara
brasileiro: E com que
sofreguidão
investe contra adversários inep-
tos! Não os menciona. E com ra-
zão. Há gente
cujo batismo ou
registo é um engano infeliz. Bra-
sileiros que
tentassem arrastar
brasileiros ao vilipendio português
naquela época delicadíssima não
podiam ter nome. E ficaram sem
isto.
Ressuscitado hoje, Antônio de
Morais Silva seria grato
aos seus
detratores. É o maior diciona-
rista português.
Com êle o bra-
sileiro se aposenta da obrigação
de ser português.
Porque podia
sê-lo, se quisesse.
Não o seria,
se lhe conviesse. A língua literá-
ria de Portugal tinha agora um
mentor brasileiro declarado. Era
uma legítima carta de alforria bra-
sileira, para
valer a quantos
sou-
bessem compreender o que
trazia
no branco das entrelinhas-
Assim, Antônio de Morais Sil-
va representa a fase de nossa lín-
gua em
que o brasileirismo é uso
involuntário e inconciente. Que
irrompe na frase de intenção clás-
sica, sem se deixar apanhar pelos
arpões gramaticais
em voga.
Em verdade, não seria natural
nos brasileiros cultos dessa época
o desejo de fazer literatura nem
gramática autônomas. Os confli-
tos lingüísticos ainda planavam
em uma zona mental difícil de
contacto, sem perigo
de contágio.
Depois, as rivalidades luso-brasi-
leiras não tinham, salvo exceções,
o aspecto de uma luta de castas.
A família e a religião trabalha-
vam eficientemente contra as in-
junções político-econômicas, de
dia e de noite. Se o português
era mais largo de vistas, o indí-
gena era mais hábil no empreen-
der. E os apóstolos não cessavam
de despontar rivalidades e enta-
bular negociações fundadas em
princípios eternos e confirmadas
por atos de heroísmo. De
qual-
quer forma, o conflito, — diga-
mos no singular, — não destruirá
tôdas as pontes
de comunicação
entre as almas. Daí, a duração
maior do primado
cultural por-
tuguês no Brasil. O nosso púl-
pito literário tem raízes em nos-
sas missões. Sôbre êle, cresceria
a nossa tribuna. Vieira tem um
papel precípuo entre aquêle e esta.
Porque era apóstolo. E, sendo
português, se deu todo à causa
brasileira. Era, pois,
inevitável
uma fase de um
"bilingüismo"
sui generis, porque
infenso ou in-
diferente à língua falada dos por-
tugueses, mas dividido entre o
povo e a literatura. Esta, ligada
à tradição missionária, e a outra,
ligada à nossa história, — rumo
à autonomia integral. Por longo
tempo nos empenharíamos, sôfre-
gamente, à imitação dos clássicos.
Mas em tempo algum nos interes-
saríamos de falar
como falam
os
portugueses. Teríamos uma lín-
gua para nossos costumes e ou-
tra, -— escrita, — para
nossas le-
tras- Até que
razões outras ocor-
72 CULTURA POLÍTICA
ressem, abrindo à língua geral
meios de ascensão à torre de mar-
fim das belas-letras.
Gonçalves Dias e
o brasileirismo
Antônio de Morais Silva é o
filólogo dessa fase. Morre em
1824, deixando a segunda edição
do seu Dicionário. Gonçalves
Dias nascera em 1823, um ano
depois da Independência. E vai
crescer dentro de um ambiente
fervoroso, radiante, alvissarei-
ro... As missões se transfigura-
ram em cidades, onde se hierar-
quizam os brasileiros socialmente,
uns em função dos outros, em
sistema fechado. Todos com uma
página de feitos memoráveis em
benefício da libertação nacional.
O
"senhor"
é agora
"imigrante".
O tratamento de
"você"
perde as
côres sociais e dilue-se em trato
familiar. O brasileirismo está em
tôda parte,
em todos os lábios.
Passa mesmo por
uma espécie de
promoção, para ocupar a
posição
do seu rival. O
"português"
cai
sob o estigma de
"schibboleth"..
ainda bem vivo em nossos dias
dentro dos mesmos limites em que
perseguiu o brasileirismo.
Gonçalves Dias vai fazer uma
passagem temerária: os termos em
que põe o seu
plano lítero-grama-
tical são decisivos. Há uma na-
tureza brasileira. Há um vaquei-
ro brasileiro. Há um pescador
brasileiro. Há um marinheiro bra-
sileiro. Há uma infinidade dc
profissões outras brasileiras,
que
não teem
"nome"
em português,
mas o teem na língua brasileira.
Em tudo há modos de pensar
e
sentir e agir que
não esperaram
a chancela de escritores portugue-
ses. Os clássicos não os conhe-
ceram. E a língua não é privilé-
gio de casta. E não há modelos
vivos que
nos ensinem a falar
"português".
Nossa fonética, —
fato consumado, -— nunca mCre-
ceu atenção, porque
a fonética
portuguesa, sôbre impossível de
sobreviver ao choque étnico-me-
sológico, não tem mérito. Agora,
tornou-se bastarda e suspeita. É
objeto de ridículo. A censura co-
letiva espontânea do nosso falar
ganhou uma sensibilidade especial
contra o sotaque lusitano. E tudo
convida a falar de liberdade. O
poeta quer levar aos mares, aos
campos, às aves do céu e aos bi-
chos do mato a boa-nova: — So-
mos livres. Em primeiro
lugar,
o índio, onde a liberdade brasi-
leira encontra uma expressão vi-
gorosa, porque nunca aceitou ne-
nhum jogo
estranho- Gonçalves
Dias descobriu no índio um mo-
dêlo de virtudes para
o homem
secularmente dobrado à vassala-
gem. E o faria intérprete dos
seus ideais. De selvagem se torna
um homem bíblico, — melhor que
o civilizado. Nenhum homem de
gênio do mundo
perderia tal ense-
jo de
poetar. E o índio aparece
em verso idealizado» porque
era,
em verdade, um exemplo de vida
livre. Para êle e com êle, pois,
a moldura imensa do cenário bra-
sileiro. De companheiro passava
a modêlo.
E anos afora, se cantaria no
Brasil :
"Não
chores, meu filho,
Nao chores, que
a vida
fi luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode
exaltar".
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 73
"Teu
grito de
guerra
Retumba aos ouvidos
De imigos transidos
Por vil emoção:
E tremam de ouví-lo
Peor que
o sibilo
Das setas ligeiras,
Peor que
o trovão".
Era a voz da terra, a nova tra-
dição, o ponto
de partida.
Se nos deixamos arrebatar pela
idéia de que
o índio foi para
a
poesia de Gonçalves Dias o mote
do seu ideal de brasileiro livre
e dominador da sua terra, então
compreenderemos muito mais do
que em
geral se compreende nos
seus versos.
O canto de Tabira, o Canto
do índio, o Canto do exílio, o
Poema americano estão trasva-
sando brasilidade. Em todo ver-
so dessas e outras produções
de
G. Dias transparece, — assim o
sentimos, o firme intento de
focalizar a atenção, o entusias-
mo, o
"sentido
dos brasileiros para
a nossa terra, sem uma sombra
única de dissimulação. Êle quer
que a
queiramos e lhe
queiramos
como ela é, — áspera, enorme,
exuberante, desperdiçada,
bárbara. Em Os Timbiras fala
bem claro: o índio tem suas vir-
tudes, que
um cristão deve esti-
mar e até envergonhar-se de não
ter ou de não ver. Então, repare-
mos o mal consumadp: evoquemos
e exalcemos o índio, de que
tam-
bém descendemos, — mestre, com-
panheiro, amigo nosso, mas traí-
do, esmagado, destruído.
Sobretudo, * modelo de liber-
dade, de coragem, de desinte-
rêsse. E simples. E magnânimo,
sem tergiversações, refolhos, hi-
pocrisia, timidez, e as caracterís-
ticas brutezas do homem civiliza-
do, — corajoso
por ambição, mas
displicente por
ideal.
À frente, -— o poeta
seguirá o
índio:
"A
fronte não cingí de mirto e
[louro,
Antes de verde grama
engri-
[naldeia-a,
De agrestes flores enfeitando a
[lira, Parnaso,
Não me assentei nos cimos do
[naso,
Nem vi correr a linfa da Castá-
[lia.
Cantor das selvas, entre bravas
[matas,
Áspero tronco da palmeira
esco-
[lho.
Unido a êle soltarei meu canto,
Enquanto o vento nos palmares
[zune,
Rugindo os longos encontrados
[leques."
A todo instante, a qualquer
propósito, a liberdade selva-
gem, com muitas vantagens sôbre
as liberdades civilizadas. Princi-
palmente, objeto de atenção
para
nós. Só poderíamos
sentir aqui
uma liberdade
"primitiva", — in-
trépida, leal, viril. Outra liberda-
de seria aqui impossível e humi-
lhante. Sobretudo, — imprópria.
E só possuídos
de um sentimento
de liberdade adequado seríamos
sensíveis a qualquer
injunção es-
tranha. Então, -— que
nos edi-
ficássemos nesse modelo vivo, —
invencível a tõdas as negocia-
ções. No índio, viver e lutar e ser
livre teriam talvez nomes diver-
sos. Mas não se distinguiriam no
seu caráter ou comportamento.
Quando ela acabou, — a liberda*-
de, — também acabara a raça.
Há em Gonçalves Dias assomos de
quem houvera
preferido uma vi-
74 CULTURA
tória às avessas. Com índios, —
quem sabe? -— talvez fôsse me-
lhom. (Cf. Os Timbiras, III) .
Mas Gonçalves Dias não esque-
cia a sua Fé. Assim, o muito sei-
vagem não o encantava. Seus ver-
sos à Mãe d água são um poema...
didático. Era católico de convic-
ção. Assim, não
quer
"recuar
ao
índio. Quer um futuro original,
-—' a partir
dele. A consciência da
liberdade, o sentimento da liber-
dade, os heroísmos da liberdade,
<— eis o encanto de Gonçalves
Dias, diante da selvageria indí-
gena. De olhos fitos nela, esta-
ríamos imunizados de tôda escra-
vidão. — E como evitarmos que
ela se apagasse em nossa alma?
— Amando a terra brasileira, <—-
a terra e o céu, o mar e as selvas,
as aves e as feras, o dia e a noite,
o vento e chuva, a flor e a fruta,
a sombra e o sol. Como o índio,
que parece só ter vivido
para nos
deixar a lição de amar sem re-
servas o querido Brasil, —' terra
da liberdade e do heroísmo, feita
para converter ódios em amor e
ambições em bondade. -—- Terra
de Deus!.. .
O brasileirismo~nome
Com respeito à língua do Brasil,
Gonçalves Dias consagra antes de
tudo, o brasileirismo-nome, — no-
mes das coisas que amamos, nomes
de homens irmãos, nomes de
terras regadas de sangue in-
victo, nomes de rios e selvas ha-
bituadas a ouvir vozes selvagens.
Depois, é o brasileirismo~tema,
para sobrepor-se a
quantos estri-
bilhos se recantavam lá longe de
nós. A poesia
é um condão que
transfigura as coisas que
contem-
pia. —
Que se transfigure o
Brasil em poesia
brasileira para
POLÍTICA
vencermos a natureza maravilhosa
que o bom Deus
quis fazer em
desafio dos poetas!
Mas não foi possível
a Gonçal-
ves Dias vencer os melindres de
sua arte. Ou entendeu que êles
não lhe seriain infensos. Ou terá,
/—- quem
sabe? — planejado
obri-
gá-los a cantar em honra do Brasil
selvagem. . .
Em carta a um amigo, confessa
os direitos da língua do Brasil.
A salvo de tôda ignomínia. Lín-
gua humana. Língua
para uma li-
teratura. Só recua diante do pie-
beísmo. E quer
salvar a sintaxe
como algo inatacável e talvez pró-
prio do homem. Sem coação
por-
tuguesa. Diante da acusação de
áspera irrogada à fala do Brasil,
admite que
assim é, às vezes.
Mas confia no tempo e na ação
dos bons escritores. E diz ter
feito alguma coisa, neste campo.
É notável que não tenha aludi-
do a nenhuma regra portuguesa,
nenhum modelo português.
Tra-
ta da língua brasileira como de
coisa viva, atual, em formação e,
-— por
isto mesmo, -—' objeto de
cuidados dos brasileiros. . .
Afinal, cabe a Gonçalves a ini-
ciativa arrojada e eficiente de dar
à língua brasileira tôda a liber-
dade possível
em face do passado
lusitano e o direito de a dirigir, em
colaboração com a marcha dos fe-
nômenos.
Tendo conhecido Portugal, e
ouvido a portugueses,
cantou um
dia:
"Quanto
é grato
em terra estra-
[nha
Sob um céu menos querido,
Entre feições estrangeiras,
Ver um rosto conhecido;
ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 75
Ouvir a pátria
linguagem
Do berço balbuciada,
Recordar sabidos casos
Saudosos, — da terra amada.
E vendo os vales e os montes
E a Pátria que
Deus nos deu,
Possamos dizer contentes:
-— Tudo isto que
vejo é meu."
Mas não acaba aí a evolução
do sentido do brasileirismo. Até
porque Gonçalves Dias não tra-
balhou insulado. Como as suas
idéias eram também o entusias-
mo de muitos e correspondiam aos
mais intensos acontecimentos na-
cionais, teve companheiros, adep-
tos discípulos.
Antes, porém,
de o deixarmos
no desenvolvimento de nossa tese,
<— deixamo-lo como homem, não
como autor, pois
suas idéias
nunca mais sairiam do cenário
de nossa literatura, — queremos
ainda aludir, aqui, de leve, às
Sextilhas de Frei Ántão.
De nosas parte,
não lhes des-
cobrimos outro mérito, -—grande,
sem dúvida, — que
o de meter
em ridículo a classicolatria dos
que permaneciam fiéis ao velho
critério litero-gramatical, que
fa-
zia do brasileirismo em geral
um
vício denunciador de baixa estir-
pe e condição social inferior. Pa-
rece-nos que
o intento de Gon-
çalves Dias, testemunha de dis-
cussões estúpidas em tôrno de
nossas diferenciações lingüísti-
cas, tomara a peito
mostrar que
sabia escrever à antiga, -— em
uma língua morta, impossível de
reviver no seu tempo e sua terra.
E recuando a estruturas clássi-
cas, mais
"puras,
porque mais
próximas do latim, recuou também
aos temas que
essas estruturas
cristalizaram e a escrita
"conser-
vou". <—1 Como se quisesse
dizer:
êsse trabalho é escrito em língua
morta e por
isto vai morrer. Êle é
uma antítese à minha obra, <—
no fundo e na forma. A língua
de cada época forma um conjun-
to indisssociável: os temas, o
sentido musical, a estrutura lin-
güística, o estilo
geral, um mun-
do de coisas que
não se dizem,
porque, em cada época, todos sa-
bem ou sentem, estimam ou
repulsam» consensualmente, —
combinam-se em constelação
ideo-afetivas como estofo comum
de uma sociedade espiritual e
ainda ganham
com a escrita não
sei que
unidade de fixidez tanto
mais intangível, quanto
mais o
leitor futuro
é capaz de apreen-
der em seus dados, suas relações
profundas, suas subintenções, a
alma que
a! se debruçou e im-
primiu. O
que Bergson afirmou
da
"palavra"
em geral
é parti-
cularmente verdadeiro da palavra
escrita. Ela é vida cristalizada,
instante, espaço e emoção num
conflito irreversível. Aquêles
mesmos que pretendem
aspirar a
vivacidade do presente para
so-
prá-la nas articulações ancilosa-
das do passado,
— como a imita-
ção dos clássicos
portugueses do
século XVI pelos
escritores bra-
sileiros do século XX, — êles
próprios confirmam êste
ponto de
vista com as suas escrupulosas
preocupações de
fac-similes,
edições princeps,
— estendendo,
associativa ou intuitivamente, ao
tipo, à técnica, à letra sem equi-
valente fonético um
"valor"
que
só poderá
valer de fato como ilus-
tração do que
afirmámos acima,
nunca, porém,
como prova
de
76 CULTURA POLÍTICA
que devemos fazer-nos à imagem
e semelhança dos clássicos.
Então, se estivermos certos, as
Sextilhas de Frei Antão represen-
tam uma sátira cruel aos que
pretendiam, nos dias de nosso emi-
nente poeta
nativista, sacrificar
as originalidades do presente
a es-
tribilhos do passado.
E, — cremos nós, -— só êste
sentido é conciliável com a atitude
de Gonçalves Dias. Nem o culto
do clássico nem o puro
dilentan-
tismo literário justificam
o
"sacri-
fício" das Sextilhas de Frei An~
tão. -— Como réplica, tudo se
compreende. É digno dela o
cantor da liberdade selvagem e do
Brasil livre.
José de Alencar, o maior
indianista
Com uma opulência de recur-
sos incomparável, José
de Alen-
ca, ér se mcontestação, o maior in-
dianista brasileiro. Gonçalves
Dias era o homem de um ca mi-
nho só, — caminho que
desbra-
vou, planificou,
em suma, conso-
lidou de tal modo, que
a todo
tempo poderia
ser retomado. Cer-
ta vez nós mesmos lembrámos a
possibilidade de se renovar o in-
dianismo no Brasil, para
roman-
cear o imenso drama que
vai por
aí a dentro do Brasil. Seria um
neo-idianismo que
se serviria do
muito que
sabemos hoje dos nos-
sos índios, que projetaria,
em dra-
mas fantásticos, o que
tem suce-
dido a numerosas missões moder-
nas, especialmente do Amazonas,
de Mato Grosso e da Baía. O
papel do Govêrno, especialmente
dos governos
estaduais, das auto-
ridades locais, a incompreensão
das populações
civis, etc. Êsse
neo-indianismo partiria
de um
ponto de honra: trabalhar in loco.
De nossa parte,
acreditamos que
muitas coisas estranhas e talvez
horripilantes haveriam de ser con-
tadas. E talvez se criasse deste
modo um sentido complementar
para a Marcha
pro Oeste.
E porquê
não se criarem prê-
mios especiais para
criações de
tal ordem ?. . .
A grande
vantagem de tais es-
tudos, *— de preferência,
roman-
ceados, — seria
"reintranhar"
a
fantasia literária brasileira nos
seus verdadeiros caminhos, -— na
sua estrada-real.
Como
"itinerário",
indicaria-
mos, no campo literário, a obra
de José
de Alencar. Enquanto
Gonçalves Dias se empenhava na
defesa, senão na glorificação do
índio, uma obra de reparação,
— José
de Alencar dá um passo
largo adiante. Arcando com as
enormes responsabilidade dessa
iniciativa, pois adiantar-se no
tempo ao poeta do selvícola im-
portava em ganhar o
plano da
nossa história, nossa fundação,
nossas agitações, em suma, tôda a
efervescência da nossa
"nebulo-
se" racial.
Alencar planejou
dar a isso be-
leza, estilo, imponência, numa
grande apoteose, — fim de uma
tragédia sumária, uma competição
de instintos, de epílogo prosáico,
e início de algo extraordinário que
era preciso
sondar, era necessário
aproveitar, era, afinal, um como
exame de consciência nocional,
para fundamento de novos
pro-
pósitos, uma vez
que o Brasil nun-
ca será feito nem será nosso sem
êsses exames e êsses propósitos.
¦
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 77
«
E' escusado dizermos até onde
Alencar venceu na sua emprêsa...
Se porventura
lhe quiséssemos
fa-
zer aqui restrições rigorosas que
merece, encontraríamos, de fren-
te, com a glorificação popular que
nos acusaria de tardio, pois
ela
se incumbiu de escoimar as pro-
duções de Alencar, segundo o seu
gôsto. O Alencar imortal de Ira-
cema, Guarani, Minas de Prata
e poucos
mais dos seus livros é
um dos raros autores brasileiros
que sobreviveram na massa brut^
dos nossos imitadores de escolas
estrangeiras. Desgraçadamente
somos obrigados a dizer que
o
fundador do romance
"nacional"
não encontrou eco no mundo dos
nossos literatos. (Muitas vezes
nos lembramos dessa pobre gente
quando assistimos a certas
provas
escritas de maus alunos: de fren-
te para
a folha da prova,
estão
freqüentemente voltados para
trás, na esperança de pilhar
na
prova de um colega
"inspiração"
para as suas respostas. Não é
isto que
fazem, depois, como
"ro-
mancistas" brasileiros, sempre vol-
tados para
"fora",
na esperança
de colher aí com que
dizer coisas
de cá de dentro ?) De tal sorte
se apoucou, entre nós, o sentido
de nossa marcha, que
o único
refúgio da maioria dos nossos re-
novadores do romance do Brasil
tem sido o
"regionalismo",
— e
ainda bem, — pois
não falta quem
os acuse de
"estreitos"
demais
para a imensidade do nosso vo-
lume. . . — Em tempo : não é a
êsses renovadores que
responsa-
bilizamos por
tamanha lacuna.
O mal há de estar na formação
da nossa mocidade. Raramente o
moço atual de nossa terra conhece
mais que
o seu bairro e os cami-
nhos das diversões. — A expio-
ração da freguesia dos moços é
hoje um
"alto"
negócio em todo
gênero de diversão.
Mas felizmente, — por
outra
parte, -— há no Brasil um
povo
que ainda lê, sôfregamente,
José
de Alencar. É o povo que
está
continuando a desenrolar a meada
mágica do nosso destino. Nesta
palavra parece-nos estar todo o
grande criador de O Guarani.
O índio
"alencariano",
— sim,
porque o romancista não
pode re-
nunciar o direito de esculpir o seu
personagem, para convertê-lo de
"crônica"
em romance, ~ diverge
do índio de G. Dias. Desde a
linguagem. E isto é já
um sinal
de grande
mérito. O índio de
Alencar fala uma língua simples
onde se sente a sombra da sua
língua de infância. Alencar não
quer perder de vista, nem de
ouvido, o seu protagonista.
Preo-
cupa-o o problema geral,
nos a-
contecimentos de repercussão fu-
tura; o
"clima"
moral, todo de
conflitos entre virtudes bárbaras
e vícios de civilização, — parti-
cularmente representados no es-
pírito de aventura
que êle opõe.
dolorosamente, ao espírito de he-
roísmo do selvícola; os conflitos
e a conciliação das raças; a ciên-
cia intelectual do civilizado e a
ciência intuitiva do bárbaro; o es-
pírito de além-mar e o sentimen-
to de americanidade; o amor do
"branco"
e o amor do homem de
bronze...
Em tudo, a mesma caça de sen-
tido, — significação e rumo.
Gonçalves Dias é a voz da
justiça à beira de um túmulo. <—¦
Que não morra, ao menos, em
nossas almas e se nutra do sangue
bárbaro que
traz nas veias o
/
78CULTURA POLÍTICA
*
altíssimos sentimento de liberda-
de, que
sacrificou uma raça para
deixar-nos uma lição! José de
Alencar é uma ressurreição de
virtudes excelsas, que duras
pro-
vas iam quasi
extinguindo nos
cristãos da América, mas o exem-
pio das selvas reanimou para
cons-
truir uma nação sem igual no cur-
so dos tempos.
Gonçalves Dias e Alencar
Em Gonçalves Dias não se con-
segue perceber
o fio do passado,
a ponte
dos sangues, a entrada
triunfal do
"brasileiro"
no Brasil.
Tudo aí é admiração, protesto,
escândalo, desolação. Quanto
mais alta a inspiração do vate,
tanto mais fundo o abismo da ai-
ma que
o siga com a intenção de
"prosseguir'*.
Em José
de Alen-
car a intenção da continuidade é
tão veemente, que o escritor não
foge de tecê-la onde não a des-
cobre.
Tinha que
ser
"historiador",
político, diplomata, advogado,
poeta. E não se correu de
"ima-
guiar" tudo isto
que, fora do ro-
mance, conhecia na vida. Todo
o segredo do seu gênio
estava
em fazer recuar a sua própria
experiência à
"nebulose"
das suas
fontes históricas.
O índio de Alencar aprende e
ensina, —* sobretudo, ensina. E'
guia, é companheiro, é desbrava-
dor, é incentivo. Todo o seu sa-
ber e experiência derrama-se de
suas mãos para
as mãos do seu
substituto, — finalmente, seu a-
migo e parente.
Em O Guarani
a família brasileira, como a da
Bíblia, renasce em pleno
dilúvio...
Dois mimos admiráveis, como
Adão e Eva, sobrados de tantas
desordens, são arrastados do
"presente" não para
se per-
derem na morte, — mas
para
descortinarem no horizonte os ca-
minhos da nova Canaã, — o
Brasil mestiço, invencível de bon-
dade e lealdade.
Do lado do selvagem, -- o ho-
mem, primeiro na criação.
Do
lado do civilizado, a mulher cris-
tã, supremo refúgio, — e o últi-
mo ! — do ideal de um povo.
Aos poetas
do Brasil a honra
de desfolhar todo o simbolismo
maravilhoso desse noivado...
Interessa-nos, aqui, a neces-
sidade" sentida por José de Alen-
car de
"escrever" fora dos câno-
nes da literatura portuguesa. E
o fez com todo o desassombro de
quem o fazia,
podendo fazer de
outra forma, porém ^
o fazia, por-
que assim é
que está certo.
Neste propósito,
cada vez mais
destemido, José de Alencar de-
fronta tôda espécie de adversida-
de. Desde a mais corriqueira, —*
de que
é adepto da
"língua
brasi-
leira" quem não sabe
"português"
(acusação que sai inteira pela
culatra, porque confessa que
o
"português"
é aprendido, não é
"sabido"
nem falado), — até as
mais petulantes, qual
a de que
hoje, como nos tempos em que
o Brasil era português
e o por-
tuguês era nosso senhor, a
tudo teve que
responder José de
Alencar e o fez sem nenhuma he-
sitação porque não confundia no
seu espírito a imensa realidade
brasileira com quantas bibliotecas
lhe atiravam, para afogá-lo.
Em um ponto,
sobretudo, nin-
guém podia negá-lo, sem negar-
se como
"homem":
que a atitude
de abstenção sistemática em face
das diferenciações e diferenças
criadas na língua do Brasil de-
ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 79
viam ser
"estimadas",
para um dia do
que a língua do Brasil veio
alcançarem os direitos de cidade trazer para a gramatica portu-
no mundo das letras. Se. para guesa
um mundo de vexames, pois.
isto, tínhamos que renunciar às não
podendo tirar de si. como
coações do filologismo português,
"gramática
. as razoes de nossas
nenhuma razão moral nos impe- diferenças, teve que recuar as suas
diria de fazê-lo, se não é mais fontes históricas, ao povo. {Us
justo dizer que
todas nos acon- clássicos se revelaram terrível-
selhavam a empreendê-lo. Com mente confusos...) Ora,
— povo
o desprêzo de tais diferenciações por povo. — se os
portugueses o
e diferenças criadas aqui chega- são, parece
nao haver duvidas de
ríamos um dia a escrever uma que
também nós o somos,
língua diferente da língua que Afinal,
"fundou-se um capi-
falamos, sem qualquer vantagem tulo novo na
gramatica portugue-
para Portugal e com dolorosa sa, para
uso dos brasileiros,
vergonha para os nossos escrito-
"Usos"
do povo português,
—
res. pois. à hora em que
estão com uma infinidade de variantes,
êles, — meia dúzia de
gatos- — as novas regras eram ordens
pingados,
— a tentar
"escrever"
para os brasileiros.
— Como nos
como os portugueses, milhares de tempos coloniais...
filhos de portugueses imigrados Sem dúvida alguma: precisa-
para o Brasil estão, desde o mos de
"reintranhar no brasi-
berço, a balbuciar a língua do leiro o sentido nacional do ro-
Brasil.. mance de Alencar. Só assim nos
E o mais interessante, —
já
"reconheceremos" com direitos de
temos chamado algures a aten- povo.
cão para isto, — é
que os con- Então e
para terminarmos esta
flitos iniciais entre as duas trin- fase que se
prolonga, como ca-
cheiras — a da escrita dos nos- mara lenta, até nossos dias,
sos escritores e a da fala dos por- ças
à incultura dos nossos filo-
tuqueses que
"estranharam" as logos: o brasileinsmo ganha
com
nossas divergências, - estavam. José
de Alencar um sentido his-
em qeral, fora de toda cogitação tórico . Ultrapassando os limi-
dos codificadores de regras por-
tes de brasileirismo-nome, invade
tuquesas de linguagem. Assim, a o campo da estrutura mesma da
nossa colocação de pronomes
nun- linguagem. Ê êste o sentido pro-
ca tinha sido objeto de sistemati- fundo,
— para quantos
o enten-
zacão entre êles. Outro caso: o dam àquém e alem da gramatica,
problema da crase deu ensejo a - de
podermos agora colocar o
dizer-se no Brasil pela
boca de nosso pronome
complemento <o-
muito
"doutor"
um mundo de as- blíquo, mas não átono) onde me-
neiras sem correspondentes. — é lhor nos
pareça,
— segundo a
c]aro em nenhuma língua do ordem lógica, ou as exigencias da
mundo. O nome
"atração"
utili- ênfase ou os conselhos daeufo-
zado, emergentemente. para tra- nia. (João
Ribeiro. Silva Ramos,
duzir à posição
dos pronomes
à- Paulino de Brito, etc.) Ainda
tonos (portugueses)
foi uma no- com José de Alencar, nao e mais
vidade das mais infelizes. De mo- o caso literário cru , e em sepa
80 CULTURA POLÍTICA
rado, do ponto
de vista classicista
que está em
jôgo, mas o caso
dos direitos da língua viva sôbre
a expressão literária. O seu ro-
mance de tipo
"histórico"
criou
para o brasileirismo um dinamis-
mo afetivo dentro da frase, onde
tem que
ser música, idéia, enrêdo,
emoção» De dentro dêsse ponto
de vista, Alencar tomou atitudes
caracteristicamente brasileiras em
face de problemas gramaticais,
so-
bretudo dos que
eram omissos nos
compêndios do seu tempo. Assim,
diante da crase~sinal, que
não diz
tudo que
é a crase falada dos
portugueses, embaralhou as coi-
sas e fez propostas para
o uso...
Rui Barbosa e a
regra-ordem
É interessante observarmos que
o mesmo fizeram os que
mais con-
vencidamente se acreditaram ser-
vidores pontuais
das
"regras-or-
dens" da gramática portuguesa,
para uso dos brasileiros. Entre
êstes, a batuta-mor do nosso ge-
nial Rui, '— um gênio
de estilo
renascentista, mau grado
suas
convicções (Réplica, 57), -—r
que,
em assunto de crase, apenas es-
tribilhou a Morais, Bluteau e Ga-
lhardo, agravando as confusões
reinantes e deixando ao futuro
elementos para
um severíssimo
julgamento do filologismo nacio-
nal. (O que
Rui escreve sôbre o
emprêgo do artigo, símbolo
"categórico",
é lastimável.
Réplica, págs. 233-41,) Depois,
Rui pronunciava
francês e inglês
quasi irrepreensivelmente. Mas
nunca se deixou vencer pela
idéia
de pronunciar
"português"
à por-
tuguesa. Êste caso não era inte-
ressante para ele... A verdade,
porém, é
que sem levar em conta
a pronúncia portuguesa genuína
jamais daria com a solução gra-
matical do problema
da crase.
Agora, sabemos que
a chamada
crase não é somente portuguesa;
que em
português não é
peculiar
à partícula
a —; que
a crase
de — a '— é uma forma conver-
gente ou homeotrópica de vários
processos fonológicos
privativos
da pronúncia portuguesa; que
há
crases escritas, e mais outras que
se fazem, mas não se escrevem,
falo de Portugal.. . Afinal,
a crase por
somação de dois
~~ aa —' é apenas uma variante
da crase oral portuguesa.
Posa esta ligeira divagação ser-
vir de defesa de Alencar, que
não
teve a pretensão
de suprir uma
lacuna da gramática gortuguesa
para uso dos brasileiros, mas a
intenção de aproveitar o ensejo
de fazer brasileirismo onde não
havia lusitanismo codificado.
E agora, — para
fechar o caso:
se a diferenciação do —* a ~
português no Brasil deu origem a
tantas conseqüências, —
que di-
remos das infinitas outras dife-
renciações fonológicas processa-
das na pronúncia
brasileira ? —^
Talvez um português
ainda se
dê ao trabalho de nos revelar
coisas interessantíssimas neste as-
sunto.
Ainda no campo da sintaxe,
Alencar não se contentou de sim-
plificar a sintaxe empolada e re-
folhuda de certo arcadismo gon-
górico dominante no Brasil do
seu tempo, embora já
superado
em Portugal ou ao menos conde-
nado a morrer de uma vez entre
as mãos de Garret, Camilo, Cas-
tilho, Herculano, Eça, Ortigão,
etc. Quem diz
"simplificar"
diz
pouco e diz mal, falando de uma
l i s» » J:*O
'PIP"
l'*é£M ^';W: prç í <
ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 81
evolução sintática. (Há inversões
sintáticas mais naturais e espon-
tâneas que
a ordem lógica corres-
pondente. Assim, nos
períodos in-
vertidos e iniciados com a conju-
ção causai
"como",
a ordem di-
reta quasi
os torna incompreen-
slveis. Esta era freqüente nos
clássicos. Hoje, domina comple-
tamente a ordem inversa, na lin-
guagem comum. O mesmo se
po-
derá dizer das construções com
"êstes
que",
"aquêles
que", etc.
Somos hoje mais
"indiretos"
do
que os
próprios latinos... A sim-
plificação de Alencar atingiu ape-
nas a vício de inverter os termos
da frase
"propositadamente".)
A
interferência de Alencar obede-
ceu ao fato lingüístico de que
sem-
pre que desaparecem certas de-
sinências, as línguas se compen-
sam disto fixando posições
na
frase para
os seus têrmos lógicos.
(De passagem: a riqueza de fie-
xões não é um sinal de elevação
cultural das línguas. A tendên-
cia a perdê-las
é hoje um fenô-
meno generalizado
nas línguas
cultas de origem latina.)
Em suma: o brasileirismo-nome,
uma como injunção assimilada
pela língua
"portuguesa"
na ilu-
são de alguns, —
ganha em
José
de Alencar um dinamismo de du-
pia direção: rumo à fonologia e
rumo à sintaxe, a começar pela"colocação"
ou
"ordem"
dos pro-
nomes complementares na
"fra-
se". Ainda mais: fazendo-se
"his-
tória", identifica-se conosco, e em
nós e por
nós ascende à literatura
brasileira genuína.
É excusado acrescentarmos
que o
partido oposto não conse-
guiu sair da toca
para lutar com
os adeptos da nova fase do bra-
sileirismo. E era destino dêste
não estacar nessa fase. ¦—» Como
veremos, brevemente.
A contribuição de
Castro Alves
E aqui, algumas linhas em ho-
menagem a Castro Alves, — poe-
ta genial
antes de saber que
havia
na sua terra homens dados de
corpo e alma à profissão
de apor-
tuguesar a língua escrita do Bra-
sil, embora rindo da língua falada
pelos portugueses.
Castro Alves escrevia como
falava. A sua inspiração poética
nunca desceu tão raso que pudes-
se descobrir o currimboque do ra-
pé classicista. Amava a luz, as
côres, os movimentos, o céu, a fio-
resta, os escravos e os órfãos a-
bandonados que
ainda eram pos-
síveis na vastidão imensa do Bra-
sil e à sombra da Cruz. É um
poeta de assomos bíblicos, de es-
tilo evangélico, de sonhos juve-
nis, de apóstrofes violentas. Um
franciscano que
errou a porta
de
entrada no mundo, mas não per-
deu a vocação. Atrevido diante
dos tiranos, irmão dos infelizes,
cantor de versos que
ainda ecoam
por todos os sertões do Brasil,
não foi erudito nem sábio. '
Um mensageiro do Céu que pas-
sou a vida a erguer nos braços as
vítimas da injustiça, advertindo
ao Brasil que
os gemidos
delas
estavam a pesar
nos ombros de
Deus e a vedar a nossa passagem
para o nosso Destino.
Falar *de
linguagem clássica
diante dêste homem seria uma ir-
reverência a Deus e à Pátria.
Castro Alves não fez
"escola",
fez discípulos, criou um movi-
mento, venceu o passado,
falando
pelo futuro. Há de ter sido
por
isto que
ninguém viu nele a au-
F. 8
82 CULTURA POLÍTICA
sência de alguma coisa. — Cas-
tro Alves tinha assunto de sobra,
para valer-se da alfarrábios.
A língua dos versos de Castro
Alves é a língua dos escravos,
que sobe com êles
para a reden-
ção, filha do sentimento brasi-
leiro. Depois dela somente pude-
ram todos os brasileiros jurar
obe-
diência à Pátria comum.
O soneto de Paulino
de Brito
A última fase de evolução do
brasileirismo no campo cultural
do Brasil em via de libertação
espiritual — para
ser livre po-
dendo ser como é, ¦
poderá ser
dada como iniciada com a crítica
de um gramático português
a um
soneto brasileiro. O poeta que
o fez, Paulino de Brito, também
se acreditava gramático.
Como
se vê, a luta era entre um portu-
guês desconhecido no Brasil e
cruelmente destituído de toda ca-
pacidade emocional,
— Cândido
de Figueiredo, — e um poeta
bra-
sileiro desconhecido em Portugal.
Nunca se tinham ouvido falar.
um ao outro. E dispensavam-se,
reciprocamente, dêsse trabalho. O
gramático português tinha um
"ambulatório
gramatical" no Bra-
sil e de lá de sua carteira de Lis-
boa mandava-nos
"regras-ordens"
para a nossa fala,
que desconhe-
cia nem precisava
de conhecer,
para dirigir. Como os nossos va-
queiros do sertão curam bicheiras
de reses pelo
rastro, curara êle
as nossas
"corrutelas"
indígenas
e africanas com receitas pelo
cor-
reio. Seus instrumentos habituais
eram a chalaça, o trocadilho, o ri-
dículo direto, — não em têrmos
de mestre a discípulos, mas de
feitor a uma gleba qualquer
de ti-
po colonial. Não faltou aqui
quem
se enfeitasse com êsses mimos.
Houve mesmo quem
desse em pe-
dir desculpas a Portugal pelos
erros que
cometia, quando
falava
à brasileira.
Felizmente, a reação veio com
força e foi o diabo. Agora, que
tudo passou,
só nos resta lamen-
tar a incompetência de Figueire-
do em.. . português.
Porque a
vitória dos nossos filólogos criou
entre nós a ilusão de que
havia-
mos arrebatado a Portugal o di-
reito de posse
da língua portu-
guesa. E a inteligência do Brasil
encheu-se de poeira.
.. Em cada
esquina topava-se com um vieira,
um camões, um bernardes, a prè-
gar. . . revolução francesa.
Êsse lamentável triunfo dos
nossos ledores de clássicos sobre
a ignorância de C. de F. não
deixou que
se reparasse em que
o problema
da língua brasileira
havia entrado em uma fase nova,
—* a da lingüística. Cêrca de qua-
renta anos correm por
cima disto»
A poeira
clássica desce mansa-
mente sôbre aqueles que
a levan-
taram. E de novo se faz a luz
no céu de nossas almas. E pode-
se verificar, felizmente, que
o
Brasil não se convertera à filolo-
gia triunfante. Assim, ninguém
mais se encontra, em nosso meio,
com a mínima curiosidade por
dois livros enormes que
foram es-
critos durante a
"crise
figueiredi-
na", —
por dois filólogos
portu-
gueses nascidos no Brasil, -— Er-
nesto Carneiro Ribeiro e Rui Bar-
bosa. Representavam êles um es-
pírito
"provinciano", —* o espírito
da Baía, um dos últimos redutos
da lusitanidade já
sem consciência
da própria
origem e da sua fina-
lidade. Por isto mesmo, talvez,
ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 83
— a natureza tem queda para
os
paradoxos, — havia de surgir de
dentro dessa mesma Baía uma
corrente de idéias novas, sob vá-
rios aspectos: tendo à frente Teo-
doro Sampaio, apresenta depois
Artur Neiva, Edgard Santos, Ber-
nardino de Sousa e outros cujas
idéias sobre o problema
da língua
brasileira avançaram muito sôbre
as de outros Estados de nível cul-
tural mais alto, sem dúvida, po-
rém, mais repartido com outros
problemas nacionais urgentes.
E enquanto a Baía vinha fazen-
do doutrina, S. Paulo ganhava-
lhe a dianteira, fazendo prática.
A nova literatura paulista
se tem
apresentado inteiramente liberta
de tôda preocupação passadista.
E o seu brasileirismo prático,
como o seu brasileirismo poético,
de viva inspiração, é que
há de
dar alento às preocupações
dou-
trinárias dos baianos. Até porque,
em consonância com êstes últi-
mos, numerosos autores nortistas
de Pernambuco, Alagoas, Sergipe
Ceará e Pará entram a fazer lite-
ratura regional dentro do velho
tema de Alencar e G. Dias: se
a língua da literatura tem de ser
a do homem que
tece enredos nas
obras literárias, não há dúvida que
a língua de nossos romances tem
que ser a do brasileiro.
A diferença mais ostensiva en-
tre esta fase do brasileirismo-lín-
gua e as anteriores do brasilei-
rismo-nome é que
no presente per-
deu todo o aspecto de luta que
antes deixava transparecer. O
brasilierismo-língua dos poetas
paulistas e romancistas nortistas
é um senhor sem rivais nem mal-
querenças. Intensamente domina-
do por
um sentido moral, por
uma
responsabilidade social, por
uma
função rigorosamente estética, no
sentido total do têrmo, — a saber,
no sentido de
"presença"
e de
colaboração vanguardista na cons-
trução do Brasil. Assim, a matu-
ridade do brasileirismo-língua se
vai distinguindo, em nossas letras
pelo esquecimento das minúcias
"técnicas"
— a regra e o modêlo
literário, -—- para
se plenificar
de
"significação",
e identificar-se
com os nossos problemas
sociais
e políticos.
E podemos
dizer, por
observa-
ção pessoal, que já temos encon-
trado em alguns dos nossos auto-
res contemporâneos mais impreg-
nados do novo espírito de
"brasi-
lidade" um sinal maravilhoso de
nossa vitalidade lingüística: par-
tindo de modelos vulgares com
intenções literárias, estão, espon-
tâneamente, desdobrando a
"mas-
sa" de nossa linguagem em mati-
zes originalíssimos que
eles, cer-
tamente, não sabem mais dizer se
são do povo
ou se são seus. As-
sim, a nossa maturidade lingüísti-
ca vai atingindo o seu grau
ex-
celso, — o da fecundidade lite-
rária, a partir
da natureza elabo*-
rada pela
história.
/Wk
História
Confederação do Equador
Bravos pioneiros
da República
J. DE MATOS IBIAPINA
Professor 110 Colégio Militar do Rio de Janeiro
APÓS
O LAUDO arbitrai
do ministro Pedro Lessa,
pondo têrmo à acalorada
discussão entre Gonçalves Maia
e outros membros do Instituto Ar-
queológico de Pernambuco, ficou
designado o dia 2 de julho para
data comemorativa do movimento
político que passou à história com
o nome de Confederação do
Equador.
Como acontecia em regra a
respeito de tudo quanto
se pas-
sava no Norte, essa audaciosa
tentativa de republicanização do
Brasil ou era totalmente des-
conhecida no Sul ou conhecida
apenas através das deformações
que lhe imprimiram os historia-
dores da monarquia. No entan-
to, não só pelo
caráter avançado
de seus princípios
como pela ele-
vação moral dos seus chefes, êsse
movimento bem merece ser con-
venientemente estudado para me-
lhor conhecimento da gênese
do
espírito republicano nacional.
A rememoração dêsses aconte-
cimentos gloriosos
servirá para
revigoração da crença nas virtu-
des de um povo
cuja história en-
cerra tão eloqüentes manifesta-r
ções de energia cívica. Confor-
ta-nos a idéia de que
aquele tra-
to do território nacional foi, no
passado, em mais de um momen-
to de sua agitada evolução, o
pioneiro dos grandes
ideais pá-
trios, o guia
do resto da nação na
sua marcha ascendente para as
conquistas da democracia.
Como o Norte e o Sul
receberam o apêlo
de Pedro I
Quando, depois de dissolver a
primeira assembléia constituinte
nacional, por
44
haver per jurado
ao solene juramento que pres-
tou à nação de defender a inte-
gridade do Império, sua indepen-
dência e a dinastia", Dom Pedro I
solicitou o apôio dos brasilei-
ros a êsse seu ato, as Províncias
CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR 85
do Nordeste, ao contrário das do
Sul, manifestaram, em protestos
enérgicos, mal disfarçando as
suas arraigadas convicções repu-
blicanas, que
o chefe do execu-
tivo havia traído os compromás-
sos assumidos perante
o povo,
em que
residia a soberania na-
cional.
Essa diferença de atitude en-
tre o Norte e o Sul — tanto mais
estranhável quanto os Andra-
das eram, no momento, os mais
eminentes adversários do Impe-
rador — só encontra a sua razão
de ser nos antecedentes da vida
política do Nordeste.
Já em 1817, êsse trecho do
país
havia sido conquistado ao regi-
me republicano, que, em Pernam-
buco, vigorou durante dois me-
ses, só tendo fracassado devido
à falta de solidariedade do Sul,
que tornou possível
a reação
enérgica do Govêrno, por inter-
médio do sanguinário conde dos
Arcos. Ainda estavam bem vi-
vas na memória de todos as atro-
cidades cometidas pelas autori-
dades legais contra os idealistas
de 1817, que, pelo
seu martírio,
por sua correção moral, deixa-
ram bem acesa no espírito dos
contemporâneos a chama do re-
publicanismo e mais intenso ain-
da o ódio contra seus algozes lu-
sitanos.
Os tipos mais eminentes da
Confederação do Equador ha-
viam convivido na intimidade
dos heróis da república de 1817,
dos mais puros
corações que se
teem agitado no cenário político
brasileiro. Manuel de Carvalho
Pais de Andrade, presidente da
Confederação do Equador, foi
o mesmo que,
em 1817, quando
José Luís de Mendonça, de acôr-
do com Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada, propôs que
todos se
submetessem a D. João
VI e lhe
pedissem uma constituição, excla-
mou:
"República,
só república, e
morra para
sempre a tirania
real".
A agitação de 17 conti-
nua a exercer a sua
ascendência.
Apesar de fracassada, a agi-
tação de 17 continuava a exer-
cer a sua ascendência sôbre os
espíritos liberais da época, en-
quanto, na massa do
povo, era ca-
rinhosamente alimentado o dese-
jo ardente, insopitável, de vindi-
ta contra os carrascos da repú-
blica.
Por ês ses antecedentes, que
não se verificaram no Sul, teve
a dissolução da constituinte o
efeito de despertar no Nordeste
a explosão do sentimento que
a fôrça armada pelo
conde dos
Arcos não tinha podido
extin-
guir. Ao
passo que, nas Provín-
cias meridionais, a promessa
im-
perial de fazer votar uma consti-
tuição,
"duplicadamente
mais li-
beral que
a que
a extinta assem-
bléia acabava de fazer", tinha
sido suficiente para tranqüilizar
os espíritos receosos de uma vol-
ta ao despotismo político, no
Nordeste viu-se no gesto
do im-
perador um conluio com os
por-
tugueses, uma conspiração oon~
tra a soberania nacional.
Aparentando obediência ao
imperador, afim de% ganhar
tem-
po para os
preparativos da re-
sistência, o povo
de Pernambu-
co não se contentou, como os
baianos, por
exemplo, com a
86CULTURA POLÍTICA
afirmação imperial de que
"o
go-
verno tinha trabalhado de cora-
ção e de vontade na feitura de
uma constituição, para tranqüili-
zar os tímidos, desenganar os du-
vidosos e envergonhar os impôs-
tores que
haviam deixado assoa-
lhar argumentos contra o libera-
lismo de suas idéias em princí-
pios políticos".
Enquanto, na Baía, por
ver sa-
tisfeitas as pequenas reclama-
ções que fizerá à côrte, o
gover-
nador, em proclamação ao
povo,
afirmava que
o
"govêrno
impe-
rial continuava a se conduzir pe-
los princípios constitucionais
que
todos haviam jurado", em Per-
nambuco recusavam dar posse ao
presidente legal, que
se
"demitiu
voluntàriamente por
haver perdi-
do a força moral e a opinião pú-
blica, único sustentáculo dos go-
vernos , conforme declarara ao
próprio imperador o orador dos
emissários pernambucanos ao Rio.
Ao Sul interessava apenas a
certeza de que
uma constituição
garantidora das liberdades fun-
damentais fosse votada; ao Nor-
deste, minado pela propaganda
de 1817, republicano e lusófobo,
só satisfazia a mudança do re-
gime.
A repulsa aos monar~
quistas e aos
por-
tugueses
Em todos os documentos pú-
blicos dos revolucionários, de
parte as declarações de mera
cortesia, que visavam apenas
adiar a resistência do govêrno,
notam-se os dois traços caracte-
rfsticos do movimento — a re-
pulsa pelas idéias monárquicas e
o ódio irrefreável contra os por-
tugueses.
Em Campo Maior (Quixera-
mobim), no Ceará, já
em 9 de
janeiro de 1824, em reünião na
Casa da Câmara, com
"adjunto
do clero, nobreza e povo", os
presentes
"concordaram
que, vis-
to a horrorosa perfídia de dom
Pedro I, imperador do Brasil,
banindo à força armada as côr-
tes convocadas no Rio de Janei-
ro, com mil protestos firmados
por sua própria mão, é/e deixava
c a sua dinastia de ser o supre-
mo chefe da Nação", E protes-
taram
"firmar
uma república es-
tável e liberal, que
defenda seus
direitos com exclusão de outra
qualquer família".
Em 21 de fevereiro de 1824,
na Paraíba era publicada uma
proclamação convidando a moci-
dade às armas,
"em
defesa da
pátria contra os portugueses \
Em Fortaleza, em 29 de abril,
na Casa da Câmara, o governa-
dor das armas, José Pereira Fil-
gueiras, referindo-se, em discur-
so, ao presidente deposto, afir-
mava: Espalhou êle duas pro-
clamações, cujos fins eram só-
mente resplandecer o abominável
despotismo, e, chegando ao cri-
me do mais abatido servilismo,
avançou esta escandalosa propo-
sição ~ o imperador é a fonte
de todo poder. Com efeito, creio
que nenhum brasileiro se arroja-
ria a tamanha baixeza".
Uma proclamação de
Pais de Andrade
E em uma proclamação sem
data, Pais de Andrade, presiden-
te da Confederação, apelando
para todòs os brasileiros afim de
que se unissem
para a defesa co-
mum, revela a preocupação de
" •tt?
CONFEDERAÇAO
tornar patente que sempre lhe
causou repugnância o regime mo-
nárquico:
44
Reconhecendo essas verda-
des eternas, adotámos (em 1822)
o sistema do govêrno
monárqui-
co representativo e começámos
nossa regeneração política pela
solicitude de uma Assembléia
Constituinte de nossa escolha e
confiança. Antes que se verifi-
cassem nossos votos e desejos,
fomos surpreendidos com a ex~
temporânea aclamação do impe-
rador; subscrevemos a ela tácita
ou expressamente, na persuasão
de que
isso era conducente aos
nossos fins, porque
envolvia nos
seus princípios a condição de
bem servir a Nação",
"Reüniu-se
a soberana Assem-
bléia, e quando
nos parecia que
havíamos entrado no gôzo
de
nossos inauferíveis direitos, vi"
jnos que o imperador, postergan-
4o os mais solenes juramentos e
os mesmos princípios que lhe de-
ram nascimento político, autori-
dade e força, insultou caluniosa-
mente o referido povo que repre-
sentava a nossa soberania .
"Brasileiros! salta aos olhos a
negra perfídia, sao patentes
os
reiterados perjúrios do impera-
dor e está conhecida nossa ilti-
são ou engano em adotarmos um
sistema de govêrno
defeituoso em
sua origem e mais defeituoso 3in-
da em suas partes componentes".
Do mesmo teor, igüalmente
ofensivos aos portugueses e ao
regime, são quasi tõdas as pro-
clamações do Nordeste.
Em 26 de agosto de 1824, data
da fundação da República no
Ceará, em grande reünião reali-
DO EQUADOR 87
zada em Fortaleza, proclamava-
se que,
44à
vista dos perjúrios
dc
D. Pedro I, princípe
de Portu-
gal, chamado imperador do Bra-
sil, estava rôto nosso pacto
so-
ciai, tantas vezes assegurado por
êle e outras tantas violado pübli-
camente, à face das nações, em
afronta daqueles mesmos povos,
dos quais
êle de motu propcio
havia tomado o título de Defen-
sor Perpétuo, não lhes tendo sido
até agora senão um opressor en-
carniçado, não respeitando os
foros da liberdade do Brasil,
quando despòticamente e à fôr-
ça darmas aboliu a Assembléia
Geral Constituinte da Nação in-
teira, prendendo, degredando,
ainda para reinos estrangeiros, e
despedindo com ignomínia os
seus representantes, arrogando a
si o direito absoluto de legislar e
constituir por si, como se viu do
infame projeto da Constituição,
que não só deu mas também man-
dou arbitràriamente jurar por tô-
das as Câmaras das Províncias
do Brasil, reputando-nos escravos
de propriedade
sua, contra
^
as
suas promessas e
juramentos .
Enquanto assim agia o Nor-
deste, acicatado pelo desejo de
extirpação definitiva da influên-
cia portuguesa
nos negócios pú-
blicos e pela
animadversão ao
regime monárquico, o Sul se f
mantinha fiel ao imperador, dan-
do a Câmara de São Paulo o pri-
meiro exemplo de lealdade, en-
viando ao Rio deputados para sc
congratularem com o
govêrno
pela dissolução da Assembléia
Constituinte.
Essa falta de harmonia de vis-
tas entre o Sul e o Norte deu
forças ao govêrno para reprimir
88 CULTURA POLÍTICA
com facilidade o movimento re-
volucionário,
Tímido ao princípio, prome-
tendo aos revolucionários
"per-
feita anistia e total esquecimento
do passado",
o imperador, logo
que compreendeu
que a onda
republicana não se alastraria por
todo o país,
chegou ao extremo
de reprovar o indulto prometido
pelo almirante Cockrane aos re-
volucionários do Ceará, a cujo
presidente endereçou um aviso
declarando que
"estavam
dadas
tôdas as ordens para
serem jul-
gados e castigados os réus da
abominável revolução, sem que
podesse caber-lhes o
perdão ofe-
recido pelo
almirante Cockrane,
que para isso não estava autori-
zado nem podia
estar, quando
a
causa ultrajada era toda nacio-
nal'\
A proclâmação
de 2 de
julho de 1824
Assim, por
fôrça das circuns-
tâncias, a revolução se circunscre-
veu ao Nordeste, muito embora
estivesse sempre presente
no es-
pírito de seus diretores a imagem
da Pátria na sua integralidade.
Ao contrário do que
se tem
querido provar, o movimento não
tinha fins regionais. As procla-
mações eram dirigidas a todos os
brasileiros e não somente aos
habitantes da região em que
fun-
cionava o govêrno
republicano.
A proclamação de Pais de An-
flrade, datada de 2 de
julho de
1824, é eloqüente a esse respeito:
44Brasileiros
l unamo-nos para
salvação nossa; estabeleçamos
um govêrno
supremo verdadeira-
mente constitucional, que
se en-
carregue de nossa mútua defesa
e salvação. lInamo~nos e sere-
mos invencíveis".
Posteriormente à fundação da
Confederação do Equador, Pais
de Andrade ainda alimentava a
esperança de congregar o resto
do país
em tôrno de sua causa:
"Segui,
ó brasileiros, o exem-
pio dos bravos habitantes da zo^
na tórrida, nossos irmãos, nos-
sos amigos, nossos compatriotas;
imitai os valentes das seis provín-
cias do Norte que
vão estabele--
cer seu govêrno
debaixo do me-
lhor de todos os sistemas repre-
sentativos.. . Cada Estado terá
seu respectivo centro e cada um
destes centros formando o anel
da grande
cadeia, nos tornará in-
vencíveis. Brasileiros. Pequenas
considerações só devem estorvar
pequenas almas: o momento é
êste, salvemos a honra, a pátria
e a liberdade, soltando o grito
festivo — Viva a Confederação
do Equador".
O grito patriótico de Pais de
Andrade não ecoou além do cabo
de Santo Agostinho. E, por
isso,
pôde Pedro I vencer os revolu-
cionários, adiando-se por
deze-
nas de anos o advento da repú-
blica.
Para escarmento aos contem-
porâneos e aos
pósteros, a re-
pressão do
govêrno foi tão cruel,
o número das vítimas que
tom-
baram às mãos dos carrascos das
célebres comissões militares foi
tão elevado, os atos de selvage-
ria praticados pelas
forças lega-
listas assumiram proporções
tão
aterrorizadoras, impressionaram
tão profundamente
as infelizes
populações nordestinas, a sêca,
CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR
89
"castigo do céu", que
coincidiu
com a derrota dos conspirado-
res, deixou tão abatido o espírito
do povo que,
durante gerações,
nunca mais se agitou outro mo-
vimento cívico de vulto.
Deshumanas as execuções
de patriotas
As execuções dos patriotas
fo-
ram cercadas da mais requintada
das deshumanidades.
Francisco Miguel Pereira Ibia-
pina, secretário da Fazenda do
govêrno republicano do Ceará,
foi carregado em palanquim até
o local do suplício por se achar
doente de varíola. O tiro de
honra dado para apressar a mor-
te do revolucionário cearense Luís
Inácio de Azevedo Bolão,
"fen-
dendo a cabeça da vítima, fez
saltar-lhe os miolos, e um dos mi-
litares presentes, o alferes aju-
dante Manuel da Silva Braga,
conhecido por Braga Visão, cha-
mou um cachorro e os deu a de-
vorar". (1)
Casos idênticos de perversida-
de no castigo criaram na alma
popular um tal
pavor das autori-
dades governamentais que, por
muitos anos, aquelas mentes ator-
doadas pelo rigor da
punição ofi-
cia! deixaram de se embalar em
novos sonhos . Alguns dos pró-
prios revolucionários que,
à custa
de fortes humilhações, foram
poupados do castigo governa-
mental adaptaram-se de tal for-
ma ao novo estado de coisas que
passaram a servir ao regime mo-
nárquico, como se jamais
o hou-
vessem combatido.
E assim terminou, em um pe-
sadelo de sangue, o formoso mas
prematuro sonho dos republica-
nos de 1824, que, se vitorioso,
talvez tivesse comprometido, por
muito tempo, a união nacional,
embora contrariando os anelos
patrióticos dos revolucionários.
Mas enriqueceu-se a
galeria dos
grandes mártires da causa da li-
berdade, dos grandes idealistas
cujos nomes merecem ser lembra-
dos pelos tempos afora, cuja me-
mória é digna da veneração de
todos os brasileiros.
i
(1) Barão de Studart - Os Mártires da Confederação do Equador.
Folclore
Trabalhos folclóricos
e parafolclóricos
BAS1LIO DE MAGALHÃES
Do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro
AO
REGRESSAR de longo
veraneio em meu Estado
natal, tive a fortuna de en-
contrar sôbre a minha mesa de
trabalho não pequeno
número de
publicações recentes, com as
quais
fui distinguido pelos
respectivos
autores e editores.
Farei referência em primeiro
lugar, para
um simples agradeci-
mento público,
ao excelente vo~
lume n. 8 dado à publicidade
pelo Serviço do Patrimônio His-
tórico e Artístico, História da
construção da igreja do Carmc
de Ouro Preto, de Francisco An-
tônio Lopes; às segundas edi-
ções dos bem feitos estudos de
Carvalho Franco, Nobiliário co~
lonial (São-Paulo,
1943), e de
Ubaldo Osório, A ilha de Itapa-
rica (Baia,
1942); à conferên-
cia de Ernesto Leme sôbre A
participação da
política britâni-
ca na doutrina de Monroe (São
Paulo, 1943); à separata O ca-
jueiro (inserta no tômo II da re-
vista
"Arquivos",
de Recife), de
João Peretti; e aos trabalhos de
Carlos da Silva Araújo, Von
Martius e o Cristo que
ofertou
ao Brasil (Rio, 1941) e Dupla
personalidade de um ilustre bo~
tânico: Regnell e o
"Dr.
André,
de Caldas (êste último inserto
em
"Estudos
Brasileiros
',
núme-
ro de junho
de 1942).
Os que por
derradeiro me
chegaram às mãos foram, além
da coletânea de rimas lei des poè~
tes canadiens vous parlent
du
Canada" (oferta do Banco Real
do Canadá), três livros de maior
fôlego e todos saídos dos prelos
no corrente ano: o longo e pro-
bidoso estudo de Paulo Pinheiro
Chagas sôbre Teófilo Otoni —
ministro do povo (do estrênuo
liberal mineiro também tratei,
não só em 1916, num volume edi-
tado pelo
Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, mas ain-
da posteriormente, em conferên-
cia para
a qual
tive a honra de
ser convidado pelo
Sr. ministro
Gustavo Capanema); os ensaios
reünidos sob o titulo Vultos e
assuntos de destaque por
Fran-
cisco Mendes Pimentel Filho
(com prefácio de Afonso Pena
TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÓRICOS 91
Júnior, cujo criterioso julgamento
subscrevo com prazer); e o vo
lume II das Obras completas do
conselheiro Macedo Soares, em
que foram enfeixados os seus Zss-
tudos lexicográficos do dialeto
brasileiro.
A última das citadas obras é
tanto folclórica, quanto parafolc-
lórica; e agora, que
a Academia
Brasileira de Letras, além do Di-
cionário de brasileirismos, está
cogitando de um Vocabulário or~
tográfico, pode ser útil a ambos,
como a todos os estudiosos que
se interessam pelo opulentamento
da língua que falamos, devido a
dois dos três mais importantes
fatores da nossa etnia, o ame-
ríndio e o negro da África, este
introduzido aqui pelos nossos
conquistadores ibéricos desde o
começo da colonização regular do
Brasil. Ao ilustre desembarga-
dor Julião Rangel de Macedo
Soares, que é
quem em boa hora
está coligindo e publicando
tudo
quanto jorrou da límpida e culta
mentalidade de seu égrégio pai,
já tive ensejo de ponderar que
a
língua portuguesa, falada e es-
crita em nosso país, ainda não
me parece
um
"
dialeto brasilei-
ro'\ por não reünir nitidamente
as condições fundamentais de se-
melhante categoria filosófica, do
mesmo modo que, quando ^se
me
fala em
"língua
brasileira", não
posso pensar em outra coisa
senão no tupí-guaraní. Não pude
também aceitar a láurea de
"o
maior fílólogo-africanista d o
Brasil, com que em sua gentil
e
benévola dedicatória me brindou
o desembargador Macedo Soares.
Ando a investigar, há cêrca de
meio século, tudo quanto deve-
mos aos primitivos
donos da nos-
sa terra e aos melanodermos,
trazidos para ela do continente
de Cam, e que
a regaram com
o seu suor e o seu sangue, para
transformá-la num viridente ocea-
no de canaviais, algodoais e ca-
fezais. Creio ter contribuído»
ainda recentemente, para tirar do
esquecimento o elemento negro,
ao aspecto do muito que
lhe de-
vemos nos diversos esgalhos do
folclore. Mas os meus escassos
conhecimentos de línguas não-
arianas, afora o borôro e o mun-
dttrucú (sôbre os
quais tenho
monografias, uma já
impressa em
revista e a outra inédita), pro-
vieram mais do avanheen e do
nheengatú do que de
qualquer
idioma camítico. Sendo, assim,
apenas amador de tais assuntos,
não posso
aceitar o imerecido tí-
tulo, com que fui lisonjeado pela
cativante bondade do meu mui-
to prezado
amigo desembargador
Macedo Soares.
Antônio Joaquim de Macedo
Soares foi um dos mais cultos e
fecundos brasilianistas. O vol.
II das suas Obras completas, ora
dado à publicidade,
além de ver-
sar sôbre palavras lusas aqui em-
pregadas com forma diferente ou
sentido especial, e cujas etimo-
logias são esclarecidas por êle
(evoluir, éxplosir, baeta e barco,
chapada e chapadão, chato, lom-
ba, planiço,
varge, peão e outras),
além de lançar luz sôbre a topo-
nímia indígena de Minas e do
Paraná, além da publicação ano-
tada de um manuscrito guarani
(a Declaración de la doctrina
cristiana), — ainda encerra as
suas preciosas Notas ao Folclore
brasileiro do Sr. Vale Cabral*
92 CULTURA POLÍTICA
Isto, afora o mais que
deixei ex-
posto acima,
justifica a minha
particular referência aos Estudos
lexicográficos do dialeto brasi-
leiro do nosso insigne patrício.
Sôbre a influência dos muçul-
manos na Península Ibérica, ao
aspecto filológico, há pelo
menos
duas obras de valor, quais
a in-
titulada Vestígios da língua ará-
bica em Portugal, de frei João
de Sousa, aumentada e anotada
por frei
José de Santo Antônio
Moura (Lisboa, 1830), e a de
Dozy e Engelmann, Glossaire
des mots espanols et portugais
dérivés de V ar abe (Leyde,
1869,
2.a ed.). Quanto a vocábulos de
outra matriz levantina, intro-
duzidos nos dois principais
idio-
mas ibéricos, conheço apenas
(pois tenho a felicidade de
pos-
suí-lo) o magnífico Glosário eti-
mológico de Ias palabras
espa~
nolas (castellanas,
catalanas, gal~
legas, mallor quinas, portugue-
sas, valencianas y
bascOngadas)
de origem oriental (árabe,
he~
breu, malayo, persa y
turco).
(Granada, 1886). Como se infe-
re dêsse longo título, o culto cate-
drático da universidade granadi-
na não hesitou em considerar as
línguas portuguesa
e galega
co-
mo simples filhas, senão ancilas,
da espanhola, da qual,
entretanto,
são em verdade dignas co-irmãs,
Mas o certo é que
não tínhamos
até agora um trabalho especiali-
zado sôbre os orientalismos exis-
tentes em nosso idioma. Apare-
ceu, enfim, na capital bandeiran-
te, (donde o recebi, com dedica-
tória autógrafa, graças
ao meu
preclaro mestre e velho amigo
Spencer Vampré) o primeiro
vo-
lume, da lavra de Miguel Nimer,
das Influências Orientais na lín~
gua portuguesa (São Paulo,
1943) cujo mérito apreciarei de-
pois, com vagar,
pois que terei
certamente que
citar o dito livro,
em mais de uma oportunidade.
Do lado de lá do Atlântico, on-
de se fala a língua do eterno can-
tor dos Lusíadas, há um sábio,
que é também um
grande folclo-
rista: Fernando de Castro Pires
de Lima. Por estas páginas
de
Cultura Política, já
recorri
mais de uma vez a produções
dê-
le. Acabo de receber, graças
à
sua fidalga gentileza,
mais sete
trabalhos, quatro
escritos por
êle
só e três em colaboração (com
dois colegas, isto é, médicos e
demopsicologistas) . De sua ex-
clusiva autoria são os seguintes:
Cantares do Minho (Pôrto,
. . .
1942), vol. II (o
vol. I já
eu ha-
via recebido e citado, a propósi-
to de uma quadra popular
lusa,
em que
se fala nas
"moças
boni-
tas" do Rio de Janeiro),
Ave~
Maria — (Ensaio
etnográfico) .
Os dentes na etnografia portu~
guesa e O mar e o Brasil - En~
saio etnográfico (interessantes
separatas de 1941 e 1942); em
colaboração com Alexandre de
Lima Carneiro, Medicina popa-
lar minhota (Pôrto,
1932, sepa-
rata do vol. XXIX da Revista
Lusitana) e Notas comparati~
vas da medicina popular
luso-
brasileira e Notas comparativas
entre o vocabulário médico po~
pular português e o vocabulário
médico popular
brasileiro, (Lis-
boa, 1940, memórias apresenta-
das ao Congresso Luso-Brasileir
ro de História); e em colabora*
ção com Alfredo Ataíde, a Con-
tribuição para
ó estudo antropo-
lógico do minhoto (Pôrto,
1937) .
TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÔRICOS 93
A todo êste valioso material,
imprescindível aos meus predile-
tos estudos folclóricos, e que
devô ao provecto
cientista de
além-mar, acima citado, hei de
volver em breve e com a necessá-
ria folga. Dentre os opúsculos
com que fui tão amàvelmente
presenteado, é fácil compreender
como terei de compulsar pacien-
temente o que
diz respeito à me-
dicina popular luso-brasileira. E
seara sobremodo curiosa e rica,
em que
não tardarei a entrar, pa-
ra a respiga que me
permitirem e
facilitarem os competentes cul-
tivadores de lá e de cá.
Mas há um caso particular, de
uma singela quadra folclórica, em
que tenho de aproveitar dêsde já
a
leitura que fiz de O mar e o Bra-
sil do Dr. Pires de Lima. E isso
por motivo dos muitos artigos
com que, sem transpor a órbita
do populário, andei tratando aqui
dos santos que penetraram mais
fundamente na mitografia luso-
brasileira (Santo Antônio, São
João e São Gonçalo de Amaran-
te)
À pág.
11 do referido opus-
culo, escreve êle o seguinte: E
o Brasil continua a chamar os
portugueses, a convidá-los a
par-
tir, a dizer-lhes que os recebe ca-
rinhosamente, a dizer que preci-
sa dêles, da sua coragem e da
sua prática, que precisa do seu
sangue. E os portugueses,_
hoje
e sempre, mar em fora, lá vão em
demanda do seu Brasil, do Bra-
sil eterno, orgulho imenso da sua
história e das raizes do seu cora-
ção:
44São
João, ó São João,
O* meu belo marinheiro,
Levai-me na vossa barca.
Para o Rio de Janeiro!"
A musa popular
da terra de
Afonso Henriques criou mais de
um nauta celícola para a desejada
viagem à terra de Santa-Cruz.
Com efeito, graças
à gentileza
da
Exma. Sra. D. Laura Monteiro
(ilustre e digna esposa do meu
querido amigo e
prezado colega
Mozart Monteiro), vim a saber
que o
grande taumaturgo portu-
guês, dotado pela
imaginação de
seus devotos de uma dupla perso-
nalidade, — casamenteiro das
moças, quando Santo Antônio de
Lisboa, e achador das coisas per-
didas, quanto Santo Antônio de
Pádua (cidade italiana onde lhe
ocorreu o trânsito para a eterna
glória), — também foi erigido à
condição de timoneiro para o
transporte de quem
almejasse a
vir em demanda da formosa capi-
tal do Brasil. Ouviu ela em Cane-
ças (Portugal), de lavandeiras
que trabalhavam e cantavam ao
mesmo tempo, a quadra seguinte,
que teve a amabilidade de como-
nicar-me de viva voz, com a mes-
ma toada que escutou além-
Atlântico:
"Meu
rico Santo Antoninho,
Ai meu santo marinheiro,
Levai-me na vossa barca.
Para o Rio de Janeiro!".
*
* ?
Do jurista
mexicano Júlio Ace-
ro, que
é elegante prosador e con-
versado das musas, recebi as duas
séries das Acerinas (Guadalaja-
ra, 1929 e 1941), compreenden-
do a última os Cuentos de amor
y de la revolución.
— J.
Natalício González não só
me tem obsequiado com a remes-
sa da revista Guarania. que êle
94 CULTURA POLÍTICA
dirige, com J.
A. Cova, cm Bue-
nos-Aires, mas ainda me mimo-
seou com alguns excelentes tra-
balhos, por
êle prefaciados
e saí'-
dos recentemente da Editorial
Guarania: Tres ensayos sobre
Historia dei Paraguay, de Blas
Garay; Hombres y
letrados de
América, de Manuel Gondra; e
La emancipación paraguay a, de
Carlos Antonio López. Excusado
é dizer que
todos êsses livros in-
teressam particularmente aos
meus estudos heurísticos e que
o
sobredito confrade, ao ofertar--
nos, muito penhorou
o meu reco-
nhecimento.
Já tive ocasião de referir-me,
por estas mesmas colunas, a um
folclorista argentino, Alberto
Franco, dotado de bela inteli-
gência e comprovada capacidade
de trabalho. E' um dos colabo-
dores da Coleción Buen Aire, que
está aparecendo, em pequenos
e
lindos volumes, na capital da vi-
zinha república. Os dois vindos
a lume em 1942, e cuja seleção e
prólogo são do referido escritor,
intitulam-se Cancionerillo de
amor e Retablo de Navidad —
Cantares y
villancicos, com gra-
vuras (algumas coloridas) e mú-
sicas. Para que
se faça idéia do
muito que
há de aproveitável nos
citados opúsculos, quando se co-
tejarem com as platinas
as produ-
ções espontâneas do nosso
povo,
eis duas quadras
do primeiro
dê-
les (págs. 41 e 45):
"La
pena y la
que no es
pena,
todo es pena para
mí.
Ayer penaba por
verte,
hoy peno porque
te ví.
Morena tiene que
ser
la tierra, para
ser buena;
y la mujer
para el hombre
también ha de ser morena".
Em Retablo de Navidad depa-
raram-se-me tantas novidades
folclóricas, que
não hesito em
afirmar tenha sido a influência
castelhana, a êsse aspecto religio-
so, mais profunda
do que a
por-
tuguesa, na demopsicologia ibero-
americana. Lá, como aqui, a ima-
ginação popular comete anacro-
nismos ou faz confusões, até em
episódios máximos da história sa-
grada. Para exemplo do
que afir-
mo, limito-me a transcrever do
mencionado volume (pág. 26) a
quadra seguinte (da qual
é lícito
inferir a simultaneidade dos três
partos):
"Santa
Ana parió
a la Virgem,
Santa Isabel a San Juan,
y la Virgen
parió a Cristo,
la noche de Navidad",
— Apesar do muito que
se tem
escrito sôbre o multi forme falar
dos primitivos
habitantes do No-
vo-Mundo, ainda não se chegou a
um trabalho completo, tão vasta
e complexa é a matéria. Há, en-
tanto, sôbre isso, dois estudos
que não
podem deixar de mere-
cer especial menção: o de Barto-
lomé Mitre, Catálogo razonado
de la Sección Lenguas America~
nas — (Buenos
Aires, 1910), em
3 vols., publicação já
bastante ra~
ra, e o do erudito Paul Rivet,
Langues américaines inserto às
págs. 597-712 da obra Les lan-
gues du monde <—• Par un
groupe
de linguistes sous la direction de
A. Meillet et Mareei Cohen (Pa-
TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÓRICOS 95
ris, 1924), aproveitado e indubi-
tàvelmentc melhorado por Jorge
Bertolaso Stella (culto professor
na terra dos bandeirantes e discí-
pulo do exímio
glotólogo ita-
liano Alfredo Trombetti), em seu
ótimo volume As línguas indíge-
nas da América (São
Paulo,
1929).
— Um jovem
chileno de pro-
missora capacidade intelectual e
bibliógrafo muito parecido, por
motivo da operosidade beneditina,
com os nossos patrícios
Tancredo
de Paiva e, Simões dos Reis, di-
rigiu-me da capital (onde
reside)
• do seu país
uma extensa carta,
datada de 1.° de março do cor-
rente ano, na qual
me pede
dê
conta, pelas
colunas de Cultu-
ra Política, do útil e imenso
trabalho a que
êle se consagrou
ultimamente ali. Nada mais jus-
to do que
o que
êle deseja, para
que possa sair tão completa
quanto possível a tarefa ingente
a que
meteu ombros.
A todos os lingüistas, etnógra-
fos, e bibliógrafos brasileiros ro-
ga lhe enviem (para Santiago de
Chile, Correo n. 7) os dados bi-
bliográficos de seus estudos, pu-
blicados em livros, folhetos, re~
vistas ou outros periódicos, desde
que se refiram à lingüística, em
qualquer dos seus aspectos. A
obra aparecerá com o título Filo*
logia americana — Fuentes bi-
bliográficas para
el estúdio de Ias
três partes:
Bibliografia de bi-
btiografías, Americana e Hispa-
no América. Trará ainda dois
apêndices, que,
se forem organi-
zados como cumpre, isto é, medi-
ante cuidadosas pesquisas,
serão
seguramente de assinalado prêsti-
mo para
os nossos etnógrafos e
etnólogos: Classificación de tas
lenguas indígenas de América e
Ensayo de distribución geográ-
fica de Ias tribus
que han vivido
y viven en América.
Embrenhado, como ando des-
de longos anos, no aranhol de
tão árduos estudos, que
desafogo
não sentiria, se já pudesse
ter à
mão e consultar confiante uma
fonte de informações de tal gê-
nero! Eis porquê
cumpro, com
sumo prazer,
a ordem que
recebi
do meu ilustre confrade de além-
Andes.
Artes
plásticas
O momento ê para
arquitetura
JOSÉ TEÓDULO
Arquiteto
FOI
necessário que
o arqui-
teto norte-americano Philip
L. Goodwin, do Museu de
Arte Moderna de Nova York,
viesse, acompanhado de outros
arquitetos, colher documentação
para uma exposição de arquite-
tura americana, para que
se sou-
besse que
no Brasil há um nü-
mero grande
de bons arquitetos
e que
êstes arquitetos são capazes
de produzir obras dignas de figu-
rar entre as mais bem executadas
em todo o mundo.
Assim, as tão discutidas obras
de arquitetura moderna que já
temos (embora ainda haja
quem
por elas tenha verdadeira aver-
são, e quem
as condene de ma-
neira tão integral e apaixonada,
demonstrando uma incompreen-
são absoluta), tendo sido objeto
de admiração por parte de es-
trangeiros conhecedores do as-
sunto, já
estão aparecendo aos
olhos dos nossos patrícios,
não
mais como extravagâncias de ra~
pazes futuristas sequiosos c/e sen-
sacionalismo, mas como manifes-
tações legítimas de arte, produ-
zidas por
artistas estudiosos, que
procuram criar coisas novas,
usando uma nova técnica, novas
cores e novos materiais, subordi-
nando-se porém
aos preceitos
ve-
lhos e obedecendo aos velhos
princípios que ditaram as nor-
mas da arquitetura em todos os
tempos.
Sempre que
teem surgido na
história novas tendências artísti-
cas, tôdas as vezes que
teem apa-
recido inovadores, o primeiro mo-
vimento da sociedade é o de re-
sistência. Forma-se logo a reação.
Todos os espíritos criadores, e
principalmente os artistas, sofre-
ram, até hoje, a desaprovação dos
seus contemporâneos. Consolem-
se portanto os arquitetos,
pois
que, se as suas obras teem valor,
êsse valor lhes será reconhecido,
ainda que seja
pela posteridade.
O movimento que se chamou
arquitetura moderna, que
foi ini-
ciado por
Lúcio Costa há alguns
anos, tem razão de ser ? Teem
os arquitetos modernos o direito
de fazer destas experiências? Po-
dem êles criar formas novas, apre-
sentar volumes, superfícies e co-
O MOMENTO Ê PARA ARQUITETURA 97
loridos aos quais
não está o pú-
blico habituado ?
A indústria tem, procurando
aproveitar matérias primas, criado
materiais novos, todos êles apre-
sentando uma série de vantagens
de tôdas as ordens: materiais in-
combustíveis, isoladores de som e
de calor, impermeáveis, super-
leves, de alta resistência, etc.
As indústrias de fabricação
aeronáutica teem explorado êstes
materiais ao máximo, conseguin-
do com êles um máximo de efi-
ciência»
Os laboratórios de pesquisas
técnicas teem criado quadros onde
oferecem dados que mostram uma
gama de
possibilidades vasta,
para todos êsses materiais novos.
O advento do ferto
e
do concreto
Com o advçnto do ferro e do
concreto armado na construção,
a sustentação das cargas passou
a ser feita pela estrutura, deixou
de ser desempenhada pelas pa-
redes, que passaram a represen-
tar o papel
de tapume.
Já os mestres do risco do tem-
po colonial, nas suas construções
primitivas, usavam as paredes
mestras como apoio da carga da
cobertura, e faziam com taipa
(barro e ripas de madeira) tôdas
as paredes
divisórias, que não ti-
nham outro fim que
não o de
tapamento. Hoje que já passou
a época da parede mestra, que
a construção passou a dispor de
um verdadeiro esqueleto de con-
creto armado, ou de ferro, tôdas
as paredes
devem, como as divi-
sórias da época colonial, ter o
caráter de simples tapume. Por
que continuar a executar êsse
tapume com o mesmo material e
da mesma maneira por que
na
época colonial se faziam as pa**
redes mestras, com alvenaria de
tijolo ? Por que
conservar o pêso
morto das alvenarias em paredes
que só servem para
resguardar
os interiores das vistas e das in-
tempéries ? Por que
sobrecarre-
gar as estruturas com pesos
inú-
teis, que já
não representam mais
nenhum papel, que representam
apenas ônus e espírito conser-
vador ?
Entre os materiais que a in-
dústria nos oferece, há muitos
que satisfazem melhor as exigen-
cias de isolamento térmico, per-
mitem diminuição nas espessuras,
favorecem a passagem
das ins-
talações e tubulações, são mais
leves, muito mais leves, suprimem
revestimentos e apresentam no-
vos aspectos. Além de tudo isto,
transformam a construção em obra
de montagem, permitindo maior
desenvolvimento ao trabalho de
oficina, como na construção naval.
Por que
não romper com os
atuais métodos arcaicos, não os
substituir por outros mais em har-
monia com a época da máquina ?
Por espírito conservador, medo à
inovação, carrancismo.
Se, por
outro lado, a constru-
ção vencer essa resistência, se
conseguir com mais freqüência,
fazer a experimentação dos novos
materiais, êstes se irão desenvol-
vendo, aperfeiçoando, ampliando
o campo para
os que
neles labu-
tam; permitindo,
cada vez mais,
a criação e concepção de novos
aspectos, de novos coloridos, de
novas formas ; enriquecendo, cada
vez mais, as possibilidades
dos
artistas, cuja ânsia é progresso.
F. 7
98CULTURA POLÍTICA
O significado da nossa
explanação
Nada há de novo no que
vem
de ser dito, para os nossos arqui*
tetos modernosv é certo, mas se
êstes sabem tudo isto, muita gente
ainda o ignora ou finge ignorar,
o que
é pior,
cerceando as pos-
sibilidades daqueles que estudam
e tentam fazer uso do que
apren-
deram, procurando experimentar,
combinar, orientar aqueles que
não se convencem nem com a evi-
dência.
Felizmente, para os arquitetos
como para o
público em geral, já
o número dos que confiam nos
técnicos, dos que
observam seu
trabalho, onde o entusiasmo e o
espírito jovem e criador não se
deixam manietar pela resistência,
pelo conservantismo, é bastante
para permitir que comecem a apa-
recer os primeiros grandes
tra-
balhos, no verdadeiro sentido, da
arquitetura moderna.
O álbum que
o Museu de Arte
Moderna acaba de publicar
nos
Estados Unidos, sôbre a arquite-
tura do passado
e a de hoje, no
Brasil, é bem uma prova
de que,
embora muito controvertido, o
trabalho dos nossos arquitetos não
está sendo menosprezado, e que
existe quem, entendendo do as-
sunto, embora do estrangeiro, lhes
acene com um gesto
de encoraja-
mento, para que prossigam sem
desanimar no seu trabalho e no
seu entusiasmo criador.
O tempo lhes fará justiça,
e a
divulgação das vantagens que os
novos métodos da arquitetura
moderna oferecem falará em seu
favor, através do que já
se vem
realizando.
Compete aos jovens,
àqueles
para quem a luta ainda não co-
meçou, àqueles que estão para
se
lançar, seguir o exemplo dos que
já conseguiram quebrar
as pri-
meiras cadeias da resistência.
Cortinuem os jovens pela
trilha
da pesquisa
das formas novas, do
emprêgo dos novos materiais, da
exploração que estas possibilida-
des lhes oferecem, e teremos con-
seguido firmar a opinião daquele
americano que disse ser o Brasil
um dos países
onde a arquitetura
está mais desenvolvida e é mais
brilhante.
Continuemos com os nossos es-
forços, pois o surto industrial que
o país
está atravessando faz que,
dia a dia, surjam novos proble-
mas, apareçam novas oportunida-
des, que os métodos antigos não
estão em condições de satisfazer
e que
só os novos, os que pes-
quisam, poderão resolver, que-
brando as últimas resistências e
impondo aos conservadores os
frutos do. seu trabalho honesto e
pertinaz.
O momento é para
arquitetura.
Saibam os arquitetos mostrar que
suas convicções são produto
de
um esforço ordenado, de um tra-
balho acumulado, e não uma fan-
tasia inconsistente nem o fruto de
imaginação desocupada.
O momento é para
arquitetura.
'«pr w »u| W; m ' ¦
. •¦ iw< • ii^p;. *. . ¦¦•,,'.;y; ij
-4* &
i -• ¦:•
Viagens
Impressões de viagem aos Estados Unidos
CID FERREIRA LOPES
CONTEMPLADO
com uma
bolsa de estudo da
"Ame-
rican Foundation for Tro-
picai Medicine", em cooperação
com o coordenador dos Negócios
Inter-Americanos, para fazer um
curso intensivo de Medicine Tro-
picai, na
"Tulane
University",
em Nova Orleans estive cerca de
seis meses nos Estados Unidos,
de outubro de 42 a março dêste
ano.
Lucrei muito nessa viagem. O
curso foi muito bom, muito bem
organizado e muito bem dado.
Naturalmente não irei relatar aqui
detalhes do curso, por se tratar
de assunto técnico especializado.
Isso será feito em relatório a quem
de direito e em algum jornal mé-
dico.
Desejo contar, apenas, as mi-
nhas impressões, como de qual-
quer brasileiro que
tenha visi-
tado os Estados Unidos.
Devo confessar, porém, antes
de tudo, que sou a negação para
o jornalismo.
Nunca escrevi para
jornais ou revistas. Esta é a
pri-
meira vez, e por
um convite a que
não podia
esquivar-me. Tenho
escrito, apenas, alguns artigos pa-
ra revistas médicas. Mas é coisa
diferente. Lida-se com fatos con-
cretos, descrevendo-se, apenas, o
que se observa e as conclusões.
Por isso nunca teria, e não tenho,
pretensões a escrever artigos
para
revista como esta. Portanto, re-
latarei somente alguns fatos ob-
servados e impressões colhidas.
Como são coisas muito hetero-
gêneas, difíceis de serem coorde-
nadas, ou relacionadas umas com
as outras, acho mais fácil adotar
o sistema de colcha de retalhos.
O americano
Em primeiro
lugar quero
dizer
da minha enorme surpresa a res-
peito do americano. Sempre fui um
admirador da grande
nação ami-
ga e do seu
povo. Não obstante,
sempre achava, cá com os meus
botões, que o americano fôsse um
povo muito seco no modo de tra-
tar, abrutalhado e muito utilita-
rista. Pouco hospitaleiro, enfim.
Naturalmente que era um
julga-
mento um tanto a priori, pois
nunca tinha tido oportunidade de
entrar em contacto com os ame"
100 CULTURA POLÍTICA
ricanos. Era uma impressão
colhida através de livros, revis-
tas ou cinema.
Com êsse julgamento,
não dei-
xei de ficar receoso de ser mal
sucedido na minha viagem ; po-
rém, desde que
cheguei a Miami
fui vendo que
a coisa não era co-
mo eu pensava.
De início fui en-
contrando gente muito amável e
educada. Entrando mais em con-
tacto com gente
das várias cama-
das sociais, verifiquei que a mi-
nha impressão sobre o america-
no era completamente infundada.
Dificilmente se encontra povo
mais educado e mais atencioso.
Em tôda parte tem-se oportuni-
dade de observar isso. Nos bon-
des, ônibus, restaurantes, cine-
mas, lojas, escolas, hospitais, etc.
Mesmo os humildes, pode-se
ob-
servar, geralmente
são bem edu-
cados.
É claro que
há grosseirões
e
mal educados. Êsses, existem
em qualquer país.
São inevitá-
veis. Felizmente, encontrei ape-
nas um, num
"drugstore"
em
Noca York. Era perdoável,
coi-
tado. Tinha lá seu complexozi-
nho, bem regular: pequenino,
za-
rôlho, boca meio torta. Devia vi-
ver azêdo com todo mundo.
O americano não é fazedor de
muita barretada, salamaleques e
mesuras, tão comuns entre os Ja-
tinos. Como, às vezes, se pensa
que isso significa educação, acha-
mos que
os americanos não são
amáveis.
Observa-se que a
população
é escrava dos seus compromis-
sos e obrigações. Para isso, não
faz cerimonia. Por exemplo: a
uma visita que
esteja recebendo,
delicadamente, pede desculpas
com um
"sorry"
muito fino, e ex-
plica que está na hora de seu ser-
viço, ou tem um encontro marca-
do. E se retira. Nós, para
sal-
varmos as aparências (a nossa
eterna preocupação
da aparên-
cia), tomaríamos o tempo com a
visita, embora contrariados, ali-
mentando a nossa fama de im-
pontuais. Mas também se deve
saber que,
nunca, o americano,
para dar o fora em alguma visita
ou amigo, mente, lançando mão
dêsse recurso.
Coisa que
o ianque conhece
muito mal é a mentira. Já
não
digo que
lhe tenha horror. Não
tem é costume de mentir. Êle
não compreende que se minta
por
motivos fúteis. Ainda mais, não
a admite de modo algum, em
assuntos de responsabilidade. E,
por isso, a
palavra do homem
tem um grande
valor. Tive
oportunidade de avaliar o quan-
to significa para eles a
pala-
vra dada. Na véspera de meu
regresso, era ocasião de se fa-
zer declaração para imposto de
renda. Isso lá é uma coisa que
se leva muito a sério. Todo mun-
do que
trabalha e ganha
é obri-
gado a fazer declaração. E o con-
trole das declarações é muito bem
feito;
Pois bem. Ninguém pode
sair
do país
sem provar que não deve
imposto de renda. Para isso, fui
à repartição competente. Pron-
tamente fui atendido. O funcio-
nário me perguntou
de onde era,
quanto tempo estava no
país e o
que tinha feito. Respondí-lhe tu-
do, informando que estava rece-
bendo uma bolsa de estudos para
IMPRESSÕES DE VIAGEM 101
fazer um curso de especialização
e que
não tinha nenhum emprê-
go. Estava,
portanto, isento do
imposto.
Perguntou-me em seguida:
"O
Sr. jura
sôbre isso?
44Juro".
E
fiz o gesto
de juramento,
levan-
tando a mão. Imediatamente me
entregou o talão de isenção. Sem
certidões seladas, carimbadas e
reconhecimento de firma. O ju-
ramento foi bastante.
O americano é sobretudo sin-
cero e confiante. Êle confia nos
outros, como confia em si próprio.
Julga todos
por si mesmo. Por
isso, tratando com gente falsa e
traiçoeira, como são os alemães
e japoneses, pode
ser considera-
do supinamente ingênuo. É in-
capaz de uma deslealdade.*
Na Universidade, eu pude
ob-
servar quanto o ianque confia
nos outros. Nas provas escritas
ou sabatinas, não há fiscalização
para impedir a
"cola".
Não se
compreende que o examinando
use apontamentos ilícitos.
"Co"
lar", entre os americanos, é tão
vergonhoso como roubar. Nem
mesmo consultam uns aos outros.
O examinando se sente tao hu-
milhado em fazer qualquer
con-
sulta a um companheiro, que pre-
fere entregar a prova
em branco,
a se valer desse recurso. O pro-
fessor escreve as questões
no qua-
dro negro e vai embora. Ninguém
fica na sala para tomar conta.
A meu ver, essa qualidade não
é propriedade
dos americanos.
Qualquer um pode
fazer o mes-
mo, desde que, por índole racial,
não seja propenso à deslealdade,
como o alemão, o japonês
e ou-^
tros povos*
É questão
de educa-^
fão. A
prova disso é
que, no cur-*^
^so
que fiz, éramos 14 latino-ame-
ricanos. Em todos os países
da
América Latina a
44cola",
como
aqui, é um vício muito combati-
do. Não obstante, os nossos pro-
fessores agiram conosco como se
fôssemos norte-americanos, não
havendo nenhuma fiscalização
durante as provas.
E todos pro-
cedemos à altura dessa confian-
ça que em nós era depositada. E
estou certo de que
o mesmo se
pode
-fazer aqui entre nós. No
princípio poderá haver um
pouco
de abuso. Mas, por
fim, os maus-
elementos se envergonharão do
papel que fazem e, ou se corri-
gem ou desistem de
prosseguir
nos estudos. Sem dúvida que
é
um ótimo método educativo. Pre-
cisamos dar ao aluno, seja de que
curso fôr, noção de pesonali-
dade, de probidade,
incutindo-
lhe no espírito a noção de hon-<
ra e lealdade. Precisamos abolir
êsse princípio
de polícia,
de que
todos nós somos deshonestos e,
como tal, devemos ser eterna-
mente vigiados e fiscalizados.
Ê claro que o indivíduo educa-
do em tais princípios
continuará
agindo do mesmo modo na vida
prática. Será sempre um homem
honesto, sincero e leal. Será ex-
clusivamente uma questão de edu-
cação, pois o brasileiro é,
por In-
dole, um indivíduo bom e since-
ro. Vemos muitos pontos de afi-
nidade entre o brasileiro e o ame-
ricano do norte. Podemos assi-
milar, com facilidade, essas boas
qualidades do americano.
Respeito à proprie-
dade alheia
Influenciados pelo cinema, pe-
los livros e contos policiais, que
nos mandam de lá, temos a im-
102 CULTURA POLÍTICA
pressão de
que o roubo e o assai-
to a mão armada são freqüentís-
símos. Eu pelo
menos tinha essa
impressão. Confesso que,
nos
primeiros dias, tinha receio de
andar, à noite, por
ruas mais
afastadas, onde não houvesse
guarda. Como estava enga-
nado! Não há lugar em que
se
respeitem mais o próximo
e a
sua propriedade.
Os guardas
ci-
vis ou noturnos não existem por-
que cão dispensáveis.
É evidente que
há grandes
roubos de jóias,
de bancos, assai-
tos a mão armada, etc. Mas não
na proporção que
o cinema e os
livros policiais
nos fazem pensar.
É que
a grande publicidade
dada
a essas ocorrências nos faz crer
que êsses fatos sejam freqüentes.
Os pequenos
furtos, mais por
malandragem, não existem por
lá.
prova é
que as casas residen-
ciais não teem separação umas
das outras, nem cerca, separan-
do-as da rua. Não se vê muro
divisório, que
aqui, muitas vezes,
é até coberto de cacos de garrafa.
Na casa de apartamentos onde
eu morava, em Nova Orleans,
havia um alpendre na frente da
casa, inteiramente aberto, sem
qualquer cêrca ou muro, sepa-
rando o jardim
da rua. Nesse al^
pendre ficavam, dia e noite, os
brinquedos das crianças de ou-
tros apartamentos. Carrinhos,
bolas, etc. Nunca vi um guarda
nas imediações e nunca desapa-
receu coisa alguma.
Ví em várias caixas de correios,
espalhadas por quase
todas as
esquinas, pacotes
de registrados,
colocados em cima da caixa, já
selados, para
serem apanhados
pelo funcionário encarregado da
coleta. Ninguém tira e nem
mesmo toca naqueles pacotes.
O caso das bancas de jornais
com o pires
de níqueis, sem que
o jornaleiro
esteja presente, para
tomar conta, é coisa que já
tem
sido muito contada. Ví mais. De
madrugada os caminhões das
emprêsas jornalísticas
saem dis-
tribuindo pacotes
enormes de jor-
nais pelas
bancas e agências. Às
3 ou 4 horas da madrugada. A
agência naturalmente está fecha-
da, e ao lado da banca não há
ninguém para
receber os pacotes.
O
"chauffeur"
deixa os jornais
na calçada e vai embora.
Nos bondes e ônibus, com sis-
tema de relógios registadores,
iguais aos adotados aqui, eu nun-
ca ví um fiscal inspecionando o
serviço de coleta dos condutores.
Apontando êsses pequenos
fa-
tos isolados, quero,
apenas, sa~
lientar que
o respeito pela pro-
priedade alheia nos E. E. U. U.
é muito grande.
As causas? Em
primeiro lugar, educação do povo.
Em segundo,
"standard"
elevado
de vida. Todos trabalham e são
bem pagos.
Não há miséria prò-
priamente. Hoje,
principalmente,
com o colosso da produção
bélica,
só não trabalha quem
não quer.
Os jornais
estão cheios de anún-
cios —
"Precisa-se"
de rapazes,
moças, meninos etc. para
toda
sorte de emprêgo.
Trabalhando desde
pequeno
A propósito
dessa observação
corrente de que
todo mundo tra-
balha, vale a pena
citar um epi-
sódio que presenciei.
Fui a Dur~
ham, Carolina do Norte, convi-
IMPRESSÕES DE VIAGEM
103
dado para dar uma aula sôbre
moléstias tropicais, na Duke Uni-
versity. Terminada a aula# o pro-
fessor da cadeira me levou a pas-
sear por alguns pontos
da cidade
e por
fim para jantar
em sua ca-
sa.
Disse-me que tinha três filhos
e vendo eu apenas dois, pergun-
tei pelo
terceiro, que era o mais
velho, de 10 anos. Está tra- -
balhando", respondeu-me o
pro-
fessor. E acrescentou:
"Depois
da aula êle vai entregar os jornais
da tarde aos assinantes". Achei
aquilo admirável. Quando é
que
se poderia pensar
nisso aqui no
Brasil! Filho de um professor
de
universidade entregando jornais!
Quando terminámos o
jantar o
garoto chegou, na sua bicicleta,
com um número do jornal para
o
pai e com os níqueis que
havia
ganho no seu serviço. O outro
irmãozinho, com 7 anos, foi lo-
go me dizendo estar só esperan-
do ter mais edade para arranjar
o mesmo emprêgo. E, assim, a
noção de trabalho para viver vai
sendo incutida desde cedo no in-
divíduo. Quem trabalha e
ganh-i
não tem necessidade de avançar
no que
é dos outros.
T r adição
Outra coisa que me surpreen-
deu foi o culto que o americano
tem pela tradição.
Êle respeita
e conserva os lugares e edi-
fícios históricos. Eu, pelo menos,
pensava que o americano só se
preocupasse
com evolução, em
modernizar tudo, sem tempo para
cultivar e cultuar suas tradições.
Completamente enganado.
O ame-
ricano orgulha-se muito de suas
tradições e gosta
de relatar, para
os outros, fatos de sua história e
detalhes de seus antigos costu-
mes. Êle faz isso sem o espí-
rito exagerado de nacionalismo
que se observa noutros povos,
na-
cionalismo até agressivo, às ve-
zes
Por exemplo, no sul, no vale do
Mississipi, que foi colônia es-
panhola e depois francesa, tôdas
as passagens
e monumentos his-
tóricos são cultuados e respeita-
dos da mesma maneira, com o
mesmo orgulho, como se~ tivessem
sido americanos. Em Nova Or-
leans sente-se o espírito francês
ou espanhol em cada esquina,
em cada edifício, em cada rua,
em cada templo religioso. Mas
tudo aquilo é carinhosamente res-*
peitado, como se fôsse uma coisa
originalmente americana. Nesse
assunto. Nova Orleans tem coi-
sas muito interessantes. O
"French
Quarter", que alguns
ainda chamam de
"Vieux
Carré
é um bairro-museu. As ruas,
as casas de sobrado com os al-
pendres salientes sôbre a calçada,
que eles chamam de
gallery, os
restaurantes, os
pátios no inte-
rior das casas, a catedral, o Ca-
bildo, hoje transformado em mu-
seu, tudo isso conserva o mesmo
aspecto dos tempos coloniais fran-
ceses. As fachadas, a pintura,
sao
as mesm?*s de 100 e 200 anos
atrás. O
"Quarteirão Francês
hoje se constitue de dancings>
lojas de antigüidades, restauran-
tes célebres e casas de aparta-
mentos. O que
se admira é como
o americano sabe transformar tô-
das aquelas casas centenárias em
casas de apartamentos conforta-
veis, sem lhes alterar a fisionomia
colonial francesa. Com que arte
e gosto
êle soube aproveitar tu-
do, combinando o conforto com
104 CULTURA POLÍTICA
a tradição. É admirável êsse amor
que êles têm
pelo que é históri-
co e tradicional. E o mais admi~
râvel é que,
segundo me infor-
maram, não há legislação obri-
gando a conservar êsse aspecto
histórico dos edifícios e ruas, como
tivemos necessidade de fazer
aqui, para poupar
nossas cidades
históricas da fúria modernista.
Vida boêmia
Dificilmente se compreende
que o americano possa
ser boê-
mio. Pois em Nova Orleans, po-
de-se ver americanos boêmios.
Quem quiser vê-los, é só ir ao
"French
Quarter", e
procurá-los
nos antigos bars como o Bour-
bon House", o
"Napoleon",
o
"Pat
O' Brien", o
"Court
of Two
Sisters", etc.' Lá estão êles sor-
vendo uns tragos de
"whisky"
ou
cerveja", conforme as condições
financeiras do dia, e discutindo
literatura, música, pintura, poe-
sia, etc.
Em outros pontos
essa boêmia
já sofre influência americana. É
nos dancings. O
"La
Lune"
com nome francês, tem decora-
ção que não se sabe bem se é es-
panhola ou mexicana. Combinan-
do com a política
da boa vizinhan-
ça, na
parede há um
grande mapa
. da zona do mar das Caraíbas. O
cabaretier é cubano ou porto-
riquenho, não sei bem. A orques-
tra é cubana e assassina uns sam-
bas brasileiros, de vez em quando.
O americano pensa que se dança
o samba como a conga. Pares se-
parados, uns fazendo tremeliques
na frente dos outros. No
"Cas-
sino Royal" já
há gente
mais
importante, mas não tem a mes-
ma simpatia e o mesmo sabor que
o
"La
Lune". A vida noturna do
"French
Quarter" deve apro-
ximar-se muito da do
4
Quartier
Latin".
Nova Orleans é com alguma ra-
zão chamada a
"Paris
da Ame-
i **
rica .
Alimentação
O americano é um povo
robus-
to e sadio, geralmente, cora-
do e bem humorado. As suas
boas condições de saúde teem si-
do adquiridas e mantidas pelos
bons princípios
de educação do
povo, obedecendo muito fielmen-
te os preceitos
de higiene indivi-
dual e coletiva.
Entre êsses preceitos,
um que
observam com muito carinho é o
da boa alimentação. Sabem esco-
lher os bons alimentos. A ques-
tão da nutrição preocupa séria-
mente os especialistas e autori-
dades. A propaganda
da boa ali-
mentação é feita em reclames mui-
to inteligentes e sugestivos nas
revistas.
O americano come menos e se
alimenta mais do que
nós. A sua
comida é simples e muito nutriti-
va. Gosta extraordinariamente de
frutas, legumes e verduras, sem
os quais
não passa.
Toma leite
no almoço e no jantar.
Está aí
uma coisa que
lhe devíamos imi-
tar. Em vez de cerveja ou vinho,
tomarmos um copo de leite às re-
feições.
A sua primeira
refeição não é
um simples
"café
com leite e pão
com manteiga". É um substan-
cioso breakfast: um copo de
caldo de laranja (usam também
de grape~fruit,
tomate ou aba-
caxí), dois ovos com presunto,
café com creme e torradas, com
geléia de fruta e manteiga.
IMPRESSÕES DE VIAGEM105
Êles comem bastante carne de
vaca ou de porco.
Variam muito
com peixes
e mariscos, ou com
carne de galinha,
carneiro, coelho,
etc.
Não há dúvida que as boas
condições de higidez do povo
ame-
licano se prendem à boa alimen-
tação. Com isso, não precisam
de remédios. Então, remédio po-
pular é coisa
que não tem saída
por lá. Não se encontram gran-
des drogarias, como as que
se
vêem por
aqui.
Outra grande influência da
boa alimentação, a meu ver, é na
lesistência do organismo aos efei-
tos do álcool. O americano bebe
muito. Muito mais do que
nós.
E não é só cerveja ou chope.
Bebe muito mais
"whisky"
e ou-
tras bebidas fortes. Não obstan-
te, é um povo
forte.j Tenho, por
isso, a impressão de que
o álcool
nos é muito mais prejudicial
devi-
do à alimentação imprópria que
temos.
Não me parece
explicar-se por
questões de clima, porque
no sul
dos E. Unidos, com clima seme-
lhante ao nosso, observa-se a
mesma coisa que
no norte.
Êles já
nos co-
nhecem ?
Desde que cheguei tenho ouvi-
do muito essa pergunta:
"Êles
já
nos conhecem melhor?
"Que
pen-
sam sobre o Brasil T\
Infelizmente, ainda nos conhe-
cem muito mal. Aliás, o ameri-
cano é um péssimo conhecedor de
geografia. Nos ginásios
não es-
tudam tanto geografia como fa-
lemos aqui. Agora, com a guerra,
é que
êle está aprendendo um
pouco. Assim mesmo, quando
aparece algum nome novo no no~
ticiário, os jornais
e magazines
trazem uma nota explicativa, di-
zendo o que
é e onde fica.
Quando se diz ser do Brasil, di-
zem logo:
"south
american"? Pa-
ra êles, somos
"south
american",
e como tal devemos falar espa-
nhol. Quando se diz que
no Bra-
sil só se fala português,
é um es-
panto enorme, mesmo entre
gen-
te formada.
Agora, com a guerra
e a poli-
tica da J>oa
vizinhança, a coisa
tem mudado muito a favor do
Brasil. Estão nos conhecendo
bem melhor. Sabem que estamos
contribuindo, eficientemente, pa-
ra o esforço de guerra
e sabem
que somos aliados. Já
conhecem
a supremacia do Brasil em tudo
na América do Sul, e mostram
uma simpatia enorme por nós.
Mostram grande interêsse por
coisas do Brasil. Muita gente
está aprendendo português. Ain-
da agora, o lindo samba de Ari
Barroso, «Aquare/a do Brâsil, lá
conhecido pelo nome de Btâsil,
esteve no cartaz, ocupando o 1.°
lugar entre as músicas mais em
voga nos
"Hit
Parades , duran-
tes duas semanas.
De norte a sul e de léste a oes-
te, era a música mais ouvida. Foi
uma ótima propaganda para o
Brasil.
Felizmente temos tido sorte
com os nossos representantes nos
Estados Unidos. Não exagero di-
zendo que o ministro Osvaldo
Aranha fez época quando foi nos-
so embaixador. Pela sua atuação
inteligente e operosa, muito con-
tribuiu para estreitar mais nossas
106CULTURA POLÍTICA
relações com os E. E. U. U. e
tornar o Brasil mais conhecido.
Ficou muito popular.
Muitas
pessoas me
perguntaram por
"Mister
Aranha".
O nosso atual embaixador, Pe-
reira de Sousa, também é muito
conhecido e estimado, pelo que
pude observar.
O conselheiro da embaixada,
ministro Fernando Lobo, tem ti"
do grande
atuação na parte
cul-
tural de nossas relações. Dispen-
sa sempre uma atenção especial
a todos
"bolsistas"
que vão lá e
aos que
teem vindo cá.
O cônsul Oscar Correia tem
trabalhado muito pela
nossa pro-
paganda. Pude verificar
que go-
za de ótimo conceito em Nova
York.
Em se falando de propaganda
do Brasil nos E. E. U. U., não
se pode
omitir o nome de Fran-
cisco Silva Júnior.
Tem feito mui-
to para
nos tornar mais conheci-
dos. O escritório de propaganda
que dirige na Quinta Avenida é
digno de ser visitado. Nele se
pode obter
qualquer informação
sobre o Brasil, com presteza
e
exatidão.
Recentemente, iniciou-se um
serviço de cooperação entre o
DIP e o coordenador dos Negó-
cioè Inter-Americanos, com gente
inteligente e trabalhadora, como
Júlio Barata, R. Magalhães Jú~
nior, Orígenes Lessa, etc., que
está fazendo um serviço bem fei-
to de propaganda.
*
A Carmen Miranda teve tam-
bém uma pequena
contribuição na
propaganda do Brasil. Mas ago-
ra penso que
está tendo uma
atuação contraproducente. Já pas-
sou de moda e não deve insistir
mais. Além disso, não muda de
toilette. Sempre a mesma coisa,
com o umbigo de fora. Isso tem
feito com que
o pessoal por
lá,
pense que as moças e senhoras
aqui andam com aqueles trajos.
Várias vezes me perguntaram
isso. Até uma panamenha
feia,
com cara de índia, achou de me
perguntar isso. No último filme
em que
Cármen Miranda toma
parte, Springtime in Rolcies
—'
aqui se chamará Primavera nas
Montanhas — seu
papel chega a
ser ridículo.
Se, por um lado, o homem de
rua até aqui conhecia mal ou não
conhecia o Brasil, por
outro la-
do, fica-se envaidecido em veri-
ficar que
os médicos conhecem
bem a medicina brasileira, prin-
cipalmente os trabalhos de nos-
sos cientistas sôbre moléstias tro-
picais, como os de Chagas, H.
Aragão, Travassos, Evandro
Chagas, Marques da Cunha,
Gaspar Viana, Rocha Lima,
Afrânio Amaral, Emanuel Dias,
Magarino Torres, Eurico Vi-
leia, Pirajá, Artur Neiva, O.
Magalhães, Olímpio da Fonseca,
Rocha Lima, César Pinto, Samu-
el Pessoa, Viana Martins, Heral-
do Maciel, etc etc.
Medicina tropical
Pude constatar que, presente-
mente, há grande
interesse pelo
estudo de moléstias tropicais. Ês-
se ramo da medicina acha-se
mesmo em evidência nos meios ci-
entíficos norte-americanos. Êsse
interêsse é uma das necessidades
de guerra.
Várias zonas de ope-
rações estão espalhadas pelas re-
giões tropicais.
IMPRESSÕES DE VIAGEM107
Todos os médicos militares cs-
tão fazendo curso de medicina tro-
picai.
Ainda mais. A
44American
As-
sociation of Medicai College or-
ganizou cursos intensivos dessa
especialidade na
"Tulane
Uni-
versity" e no
"Army
Medicai
Museum", para professores e as-
sistentes de várias universidades.
Os diplomados passam a ser
pro-
fessores da disciplina nas respec-
tivas universidades.
Várias escolas de medicina que
ainda não tinham essa cadeira tra-
taram de a incluir nos seus cur-
sor.
Com tal providência,
de cará-
ter permanente,
tive a impressão
de que
o acentuado interesse pe-
Ias questões de medicina tropical
não será uma coisa passageira nos
meios universitários dos Estados
Unidos. Naturalmente, os ameri-
canos estão prevendo a
grande
importância que as regiões tropi-
cais vão ter depois da guerra,
na
caça às matérias primas.
A guerra
•
Outra coisa que aqui me teem
perguntado
muito e sôbre o ame-
ricano e a guerra.
—<
44E
a guerra por
lá?
Que estão fazendo?
Que acham? Vencem mes-
mo? A
A impressão que se tem e de
que o esforço de guerra
é enorme.
Trahalha-se de fato. A batalha
da produção bélica é simplesmen-
te fantástica. Isso se percebe pe-
lo colosso de fábricas de vários
produtos, como automóveis, ge-
ladeiras, rádios, máquinas de es-
crever, canetas-tinteiros, hoje
ocupadas exclusivamente em pro-
duzir material bélico.
Até há pouco
tinha-se a im-
pressão de
que o americano pen-
sava em vencer a guerra
só com
produção. Hoje essa mentalida-
de já
mudou sensivelmente. Êle
já sabe que
é preciso produzir
e
lutar. Êsse é o espírito que do-
mina toda a nação. Por isso, tam-
bém, a preparação
do homem
combatente é levada a sério e com
rigor.
A vida americana está muito
modificada pelas necessidades de
guerra. Com o racionamento da
gasolina, diminuiu muito o núme-
ro de carros nas ruas, e as via-
gens de automóvel estão prática-
mente abolidas.
Cs w€€jc"ct7cís sao íeitos em
viagens de trem ou ônibus. De-
vido ao transporte de tropas e
material, os trens de passageiros
estão sempre superlotados e atra-
sados.
Os outros racionamentos, como
os de café, açúcar, conservas en-
latadas e sapatos, teem alterado
também o ritmo normal da vida
do povo.
O racionamento de alimentos
obedece à classificação por pon-
tos, conforme o estoque do arti-
go. Êsse sistema foi adotado pri-
meiro na Inglaterra, com ótimo
resultado.
Com isso, o americano está ven-
do seu conforto e comodidade
atingidos. Mas não ví nenhuma
reclamação ou descontentamen-
to. Todos dão êsse sacrifício por
bem empregado. Desde que
seja
"For
Victory", tudo está muito
bom. As classes produtoras es-
108 CULTURA POLÍTICA
tão cooperando patriòticamente
na propaganda dc
guerra. Todos
os reclames em magazines e jor-
nais trazem propaganda de bônus
e selos de guerra.
Outros trazem
notas explicativas sôbre o esforço
de guerra,
mostrando ao povo
que, sem algum sacrifício, não se
merecerá a vitória.
Mas, e a opinião pública?
— Sôbre a guerra própria»-
mente dita? Você ainda não nos
disse nada".
O que
se pode
dizer é que
o
americano, geralmente sóbrio nas
suas manifestações, reage de mo-
do muito diferente de nós latinos.
Exemplificando: no dia do ata-
que a Pearl Harbor não se no-
tava nenhuma alteração nas ruas,
nenhuma aglomeração, nenhum"placard"
sensacional. Apenas,
edições seguidas dos jornais
e o
rádio dando notícias sem parar.
Foi isso que
me contou um ami-
go brasileiro
que estava lá na oca-,
sião. O mesmo pude observar
quando foi da invasão da África
pelos americanos. Observei que
o americano conversa pouco só-
bre a guerra. Não sei bem se
por
temperamento, ou por
obediência
às recomendações do
govêrno,
para evitar
que a espionagem ti-
re vantagem.
Por tôda parte encontram-se
cartazes muito sugestivos reco-
mendando não se conversar sôbre
assuntos de guerra.
As instruções
do govêrno são obedecidas de fa-
to. O que
não acontecia na Itá-
lia, segundo me informou um
amigo que passou por
lá, uns me-
ses antes de Mussolini apunhalar
a França pelas
costas.
Disse-me êle que,
em todos os
bars e cafés, havia um aviso:"É
proibido „ discutir política de
guerra e assunto de alta estraté-
gia" (sic). E o povo todo só
conversava sôbre isso. Pode-se
calcular, agora, que
a alta estra-
tégia para
os italianos significa
saber qual
o que
corre mais.
Mas, como eu dizia, o ame-
ricano conversa pouco sôbre
guerra. Lê os
jornais, onde
pri-
meiro procura
as historietas em
episódios, que
chama de /tin-
ny. Ouve o rádio, inteira-se de
tudo o que
há. E pronto.
Não tem tempo para
discutir.
Contudo, depreende-se que
o po-
vo não tem a menor dúvida sôbre
a vitória dos aliados. Mas, ao
mesmo tempo, encara a luta com
o Japão como muito difícil, lon-
ga e
penosa, apesar7
-de con-
fiante na vitória final. O concei-
to geral
é de que
se precisa liqui-
dar Hitler primeiro.
Depois Hi-
rohito.
Brasil — Estados
Unidos
Indiscutivelmente, a
"política
de boa vizinhança" já
tem mos-
trado suas vantagens em muita
coisa, mas os seus resultados
completos só aparecerão no futu-
ro, talvez não muito remoto. Pa-
ra tanto, é preciso que
os povos
americanos se aproximem e se
conheçam, que
haja uma solida-
riedade continental cimentada na
amizade entre os povos de cada
país.
A propaganda, os acordos, os
tratados, etc., não serão suJFici-
entes. É indispensável que
os
povos se conheçam, entrem em
relações mais estreitas. Para tan-
to é preciso que se visitem. Mas
as visitas devem ser demoradas,
indo até o fundo da casa, conhe~
cendo o pátio
e a horta. As vi-
IMPRESSÕES DE VIAGEM 109
sitas rápidas e cerimoniosas, só
de sala de visitas, não podem
dar
uma impressão fiel e real do
amigo visitado.
Por isso, no caso em aprêço,
penso que precisamos conhecer
melhor o americano, para desfa-
zermos essa impressão de cinema,
absolutamente falsa, que
temos do
povo do Tio Sam.
Aliás, tenho para
mim que
o
cinema, embora faça muita pro-
paganda para Tio Sam, é um
péssimo amigo que
êle tem. E
nisso não tenho nada de original.
Outros brasileiros, que teem es-
tado por lá,
pensam do mesmo
modo.
Os americanos também nos
devem conhecer melhor. Devem
vir cá com mais freqüência e de-
morar mais nas suas excursões.
Tenho a impressão de que
muito breve teremos conseguido
muita coisa com isso. O impul-
so que
se tem dado na distribuí-
ção de bolsas de estudos, para
todos os ramos de atividade pro-
fissional, é o caminho mais cer-*
to que
se poderia
encontrar.
Com as bolsas, as estadias são
mais demoradas, os visitantes
teem oportunidades de conhecer
o interior do país,
entrar em con-
tacto com as famílias e com in-
divíduos de tôdas as camadas
sociais. As relações de amiza-
des que se adquirirem passarão
a constituir moléculas sadias e
ativas dos grandes
laços de soli-
dariedade entre os dois povos
.
Precisamos entretanto evitar
certos cabotinismos de maus bra-
sileiros, que. voltam dos Estados
Unidos achando que estamos e
somos muito atrasados, que nada
aqui presta.
Naturalmente, são
indivíduos fúteis, que nem ao
menos conhecem o que
se chama
bom senso. Deve haver, pois,
bastante cuidado na distribuição
das bolsas. É preciso
saber,
além do preparo
e da capacidade
de aproveitamento, se o indiví-
duo tem espírito de brasilida-
de bem formado. Sim, porque,
quando voltar, em lugar de ser
um elemento construtivo, passa-
rá a ser destruidor. O que pre-
cisamos é aprender, assimilar
o que
o americano tem de bom
e útil para nós. Mas não
pensar
que lá tudo é impecável e
que
tudo são flores.
Também lá encontraremos,
com freqüência, muita coisa de
que padecemos. Viajei em trens
(coach comum) bem ordinários e
onde a limpeza deixava muito a
desejar.
Ví, inúmeras vezes, crianças
de poucos
meses de idade em ses-
sões de cinema, às 10 e 11 ho-
ras da noite. Isso não se vê no
Brasil, nem mesmo no interior.
Vi, ainda, soldados em bondes,
ônibus ou restaurantes, na presen-
ça de oficiais, sem que
êsses to-
massem qualquer providência para
reprimir aquela falta.
Nova Orleans é uma cidade
muita suja, como ainda não ví
igual no Brasil. As suas quitan-
das, mercearias e açougues mos-
tram uma higiene muito precá-
ria. Dão mesmo a idéia de que
a saúde pública, por lá, não exis-
te, ou não os visita, de vez em
quando.
Ví hospitais pobres, como al-
quns dos nossos. Do
"Charity
Hospital", dè Nova Orleans,
vale a pena
dizer alguma coisa.
É um colosso, e o que
há de
mais moderno. Custou 12 mi-
lhões de dólares. Entretanto»
110 CULTURA POLÍTICA
calculado para
3.000 leitos» ge-
ralmente tem, apenas, 1.000 a
1.200 doentes internados. Di-
zem as más línguas que
a sua
construção foi uma espécie de pa-
namá-mirim. Quanto a isso, dou
como recebi. Nada posso
afir-
mar. Mas parece que
sua cons-
trução não foi boa mesmo. Ví
várias paredes
rachadas.
Como se vê, êles também teem
seus defeitos e suas falhas. É
claro. Nem poderia
ser de outra
maneira.
Lembremos, por
outro lado,
que temos muita coisa boa, e
que já temos feito muitos em-
preendimentos dignos de serem
vistos e imitados.
Assim fazendo, volta-se ain-
da mais brasileiro. E, quando
se
vê nossa bandeira tremulando
em qualquer
lugar, sente-se qual-
quer coisa
que não se sabe expli-
car bem o que
é. Depois o que
se
descobre é a satisfação de ser
brasileiro. Foi o que
se deu co-
migo.
Indispensável é, sempre, uma
certa dose de bom senso na apre-
ciação das coisas.
Viagem através das Al isso es Brasileiras
WOLFGANG HOFFMANN HARNISCH
FALA-SE
atualmente muito
em panamericanismo.
Se
existe alguma coisa que
deve ser enfileirada na galeria
da
cultura e da história panameri-
cana, são os monumentos das
Missões Brasileiras no Rio Gran-
de do Sul. Para lá deveriam ir
os homens do Brasil Setentrional
e Central, dos Estados Unidos
e dos países
do Prata, afim de
conhecer o recanto em que fio-
resceu uma cultura, o lugar que
pertence ao painel
artístico de
tôda a humanidade, mas, sobre-
tudo, ao do mundo americano.
Viagem para as
Missões
Duas vezes por semana, os apa-
relhos da Varig, a viação aérea
do Rio Grande do Sul voam de
Porto Alegre para a região mis-
sioneira. Logo depois de levantar
vôo, o avião passa pela foz de
quatro grandes rios que
se reú-
nem formando um delta rico de
ilhas, para constituir o rio Guaíba,
um dos maiores do continente.
Depois de quarenta
minutos, faz-
•-se escala na pequena cidade de
Santa Cruz. Após breve demora
prossegue o vôo, rumo ao oeste,
por sôbre cadeias de serra va-
riando de 400 a 700 metros de
altitude. Estas serranias estão
povoadas de colonos que
culti-
vam milho ou fumo, e criam por-
cos» À direita fica a poderosa
queda do Jacuí,
ainda inexplora-
da. Minutos mais tardes se vêem
extensas campinas onde pasta o
gado. E' o
planalto de Cruz Alta.
Na cidade do mesmo nome faz o
aparelho uma segunda escala. Em
seguida, são apenas mais 25 mi-
nutos, ao longe, aparece a mata
virgem do alto Uruguai. Chega-
-se à localidade de Itaí, o aeró-
dromo mais ocidental do Estado.
Êste percurso, de 365 quilôme-
tros, leva ao todo, incluindo as
escalas, duas horas e meia.
Santo Ângelo, o portão
setentrional das
Missões
Em mais duas horas de trem,
alcança-se Santo Ângelo, a mais
setentrional das antigas reduções
indígenas. Mas, das construções
imponentes, erigidas pelos jesuí-
112 CULTURA
tas e indígenas neste local» nada
mais resta.
A pecuária
é a grande
fonte de
riqueza do Município de Santo
Ângelo. O gado
bovino, os ca-
valos e rebanhos de ovelhas abun-
dam. Mas o que
mais importa e
influe é o fato de notar-se grande
impulso no sentido de importar e
criar animais de sangue puro
e
valor reprodutivo. Na criação de
suínos, ramo tão importante para
a riqueza do Estado, o município
de Santo Ângelo está na van-
guarda. O fumo e algodão são
outros produtos
desta região.
Também a cidade de Santo Ân-
gelo não é reconhecida
pelo via-
jante, agora, com um
pequeno
exame ! Em todos os cantos no-
ta-se a febre de construções, so-
bressaindo casas imponentes de
estilo moderno. As ruas são lim-
pas e completamente arborizadas,
com árvores copadas. A velha e
tão reconhecida igreja, construída
parcialmente com os restos da an-
tiga catedral da Redução, foi des-
manchada, e ao seu lado surgiu
uma nova, um edifício imponente,
que, em alguns traços, nos lem-
bra os primeiros
tempos da Idade
Média, mas que,
em geral,
é uma
obra moderna e característica.
Essa igreja possue
alguns vi-
trais, sete dos qais,
situados na
abside, representam os respecti-
vos santos dos sete povos.
Três
outros mostram-nos os três már-
tires do Rio Grande do Sul.
Muito originais são os três que
se seguem. O do centro é a ima-
gem do Cristo Rei, irradiando luz
e espargindo seu manto protetor
à nação brasileira, representada
nos vitrais laterais, que
formam a
Bandeira Nacional, ladeada por
POLÍTICA
\y *
uma cruz irradiando luz da sua
fé nos grandes
destinos da na-
cionalidade brasileira. Parece-me
que é a
primeira vez
que vejo a
Bandeira Nacional tão digna-
mente homenageada num templo.
Moradias de ferro
Ao lado dessa catedral a gente
encontra grandes pilhas
de pe-
dras estranhas, parecidas
com
tufo, mas o nome correto é cupim.
No ano de 1706 a antiga ca-
tedral jesuítica
de Santo Ângelo
foi construída com êsse material.
No ano de 1860, Gomes Pinheiro
Machado, pai
do famoso político,
mandou limpar as ruínas, em sua
qualidade de vereador. Seis anos
mais tarde, construiu-se com êsse
material histórico a igreja que
até
há pouco
serviu como matriz e
que, neste mesmo ano de 1942,
está em via de ser demolida. Ali
podemos examinar os blocos ama-
relos e roxos, os menos ferrugi-
nosos, e os blocos pretos,
os mais
ferruginosos, e podemos
observar
que tôdas as
partes proeminentes
da construção, caixilhos de por-
tas e janelas,
sempre eram talha-
dos em material mais precioso ;
assim, por
exemplo, essas partes
eram constituídas em Santo Ân-
gelo e São
João Batista de
pedra
lioz e em São Borja provável-
mente de gneiss.
Em verdade,
o cupim ferruginoso, mais poroso
e amorfo, resistiu menos às intem-
péries do
que a
pedra lioz,
pois
as imponentes muralhas de grés
da matriz de São Borja são idên-
ticas às partes
da construção da
primitiva catedral
jesuítica, e a
obra maravilhosa de São Miguel
constitue até hoje o encanto de
todos os visitantes.
AS MISSÕES BRASILEIRAS 113
Esta pedra
"cupim"
desempe-
nhou papel saliente na vida dos
brasileiros antigos* Os índios cog-
nominaram a pedra
de itacurú ;
o povo gaúcho
a chama de
"pe-
dra-formiga", o que
é sinônimo
de cupim, nome da formiga bran-
ca, a pequena
térmita brasileira.
Bem que
merece esse nome, pois
os blocos porosos
dêsse minério
muito se assemelham a torrões do
formigueiro. Vemo-lo na região
das Missões a cada passo,
emer-
gindo da relva em torrões ama-
relos, castanhos, roxos e pretos,
exatamente como os pequenos
formigueiros, e por
sinal junto
aos mesmos. Essa pedra
-—'
"ita-
curú, cupim, pedra-formiga",
—
chama-se em São Paulo pedra-
ferro, nome êsse que
se justifica
plenamente, pois se trata de um
minério de ferro argiloso nativo,
contendo ferro de 35 a 40 %.
Assim sendo, tanto os primeiros
paulistas quanto os
jesuítas se
utilizaram da mesma para
extra-
ção de ferro, mas disto tratare-
mos mais tarde. O fato de ter
sido essa pedra
utilizada pelos
primeiros brasileiros brancos,
para
a construção das suas casas, per-
mite-nos dizer, num sentido poé-
tico, que
construíram suas mo-
radias de ferro.
Em sua obra célebre A cul~
tura e opulência do Brasil, es-
crita em 1711, o Padre Antonil
(Pe. João Antônio Andréoni),
reitor do colégio da Baía, o pri-
meiro biógrafo de Pe. Antônio
Vieira, nos relata o seguinte:
"Na
vila de São Paulo há
muita pedra
usual para
fazer pa-
redes e cêrcas; a qual,
com a
côr, com o pêso,
e com as veias
que tem em si, mostra manifesta-
mente que
não desmerece o nome,
que lhe deram, de
pedra-ferro ; e
que donde ela se tira, o há. O
que
também confirma a tradição de
que já se tirou
quantidade dêle,
e se achou ser muito bom para
as
obras ordinárias, que
se enco-
mendam aos ferreiros..."
Estradas de outrora
e de hoje
De Santo Ângelo a São Mi-
guel, lugar em
que se acham as
ruínas e o célebre museu, ainda
se percorrem
52 quilômetros.
Oútrora, a gente
viajava com
carro de boi dois dias inteiros, ou
com um velho Ford a metade
dum dia. As estradas não mere-
ciam o nome de estradas.
Hoje o ônibus leva uma hora í
E' simplesmente um milagre o
que o D. A. E. R. conseguiu fazer
num curto espaço, pois
levou a
cabo a estrada que
vai de Cruz
Alta a São Borja de tal maneira
que a
gente tem a impressão de
deslisar sôbre trilhos. Imediata-
mente essa estrada, que
era tão
refugada, passou
a ter um tráfego
intensíssimo e agora, além de al-
gumas dúzias de caminhões, tra-
fegam dois ônibus em cada dire-
ção. Êstes, em todas as viagens
e excursões que
realizei, estive-
ram sempre lotados, e ainda hou-
ve vários casos em que
viajantes
tiveram de ficar em suas locali-
dades, por falta absoluta de lu-
gares. Segundo as últimas esta-
tísticas, passam
diàriamente por
Santo Ângelo, somente em ôni-
bus, para
vários destinos, 300 a
400 passageiros.
P. 8
114CULTURA POLÍTICA
Erva mate
Quando fiz esta viagem, pas-
sei por
vastas plantações de er-
va mate. Nalgumas delas a co-
lheita está em plena atividade,
outras já se encontram
despidas
de suas folhas. Muitas das árvo-
res estendem para o céu os
galhos
amputados e
podados, livres da
última folha, quais membros
mu-
tilados dum corpo humano.
Os arbustos de mate enchiam
antigamente as imensas florestas
da região do planalto, as do Uru-
guai, Paraná e Paraguai,
como
mata de corte. Foram os jesuítas
das Missões que sistematizaram
as
colheitas da
"congonha".
Quando
o consumo aumentou, êles inicia-
ram o culto da líex Paraguai/-
ensis por métodos
racionais. Du-
rou muito tempo, custou muitas
experiências, mas por
fim deu
certo.
Precisamente na metade do ca-
minho entre Santo Ângelo e São
Miguel existe, numa colina co-
berta por mato, a estância de Sao
João Velho, outrora
a redução
São João Batista.
Deixando a
estrada e penetrando
no campo,
pelo lado direito,
vêem-se duas
ruínas, que se elevam sôbre o
mato como duas torres.
Nessa colina pitoresca existia
outrora a poderosa
redução e,
com ela, uma das primeiras side-
rurgias do Brasil.
Uma das primeiras
side-
rurgias do Brasil
Deve-se ao padre Antônio
Sepp, da Ordem dos Jesuítas,
no
ano de 1698, a fundação da redu-
ção São João
Batista e no ano
de 1699 a da siderurgia. Deixe-
mos que
êle próprio
nos diga al-
guma coisa a respeito:
"Desejaria
que o benévolo lei-
tor pare
aqui um instante e co-
migo se alegre a modo daquele
ativo mercador do Evangelho que
descobriu um tesouro oculto no
campo, e cheio de alegria vai e
vende tudo o que
tem e compra
aquele campo, etc. Estavam êstes
pobres paraguaios necessitados
não de minas de ouro ou prata,
mas de ferro e aço por tantos
anos em vão procurados
; e neste
ano enfim, por vontade de Deus
que escondeu os metais no seio
da terra, conseguiram uma e ou-
tra coisa. Com efeito descobri-
mos uma pedra, sem dúvida mais
estimável e preciosa que qualquer
tesouro (considerando a vanta-
gem e necessidade);
esta pedra
pelo calor do sol fica tão dura
que não se derrete senão com um
fogo muito intenso ; e quando
mais apurada e endurecida, o
que
se obtém derramando água aos
poucos em cima dela, condensa-
-se em aço e ferro. Tem suas es-
córias e fezes. Não é escavada das
profundezas da terra. Nem e ne-
cessário, a modo dos europeus,
abrir rochedos ou devassar as en-
tranhas dos montes, tampouco
descer aos abismos da terra por
vários meandros. Jaz ela no cam-
po exposta às chuvas e ao sol,
ou se apresenta, ao primeiro gol-
pe do martelo, debaixo da verde
grama. Há também certas coli-
nas repletas da mesma pedra.
Chama-a o selvagem de itacura,
por estar cheia de manchas ou
grãos escuros; êstes grãos, quan-
do expostos a um fogo muito
intenso, fundem-se em ferro e aço.
O modo de os purificar
é o se-
w
AS MISSÕES BRASILEIRAS115
guinte. Levanta-se um forno de
tijolo cru, numa altura de cerca
de dez pés
e numa largura de
seis pés.
Deixa-se no meio um
suspiro ou chaminé de um pé
quadrado, por onde o fogo
possa
respirar. Por esta chaminé dei-
tam-se seis porções
de carvão e
uma de pedra britada. A
pedra
deve queimar
antes para
se des-
íazerem os espessos vapores de
terra, de que
está umedecida.
Logo que
se acender o forno,
cumpre atiçar o fogo com venti-
lação forte e regular ; assim aos
poucos, pela arte espagírica, os
minérios se vão separando, e o
ferro desce para
a parte
inferior ;
as escórias ou fezes saem pelo
buraco para
isto aberto e se se-
gregam. Enfim,
quando em vinte
quatro horas contínuas a massa
de ferro mais ou menos se fun-
diu, abre-se o forno e por
um
©rifício tira-se um embrião incan-
descente. E' malhado então a for-
tes marteladas, recebendo a forma
de enxadão, foice, cunha, macha-
do ou lâmina, como se quiser.
Èste mesmo ferro se endurece em
aço conforme a diversidade de
tempera ou temperatura, que
se
lhe dá pela
infusão de água,
quando incandescente. O aço re-
sultante é melhor que
o de Mi-
íão; a qualquer golpe
de ferro
ou pedra
levanta uma poderosa
chama. A dificuldade está prin-
cipalmente em que
se deve em-
pregar, não
qualquer carvão, mas
o que
resulta da cremação lenta
e subterrânea de uma madeira
duríssima. A experiência me fez
carvoeiro e ferreiro, já que
é ne-
cessário fazer-se o missionário
apostólico tudo para
todos. A na-
tureza subtraiu a êstes pobrezi-
nhos cristãos a sua mão liberal,
negando-lhes os meios necessá-
rios, e me obrigou a implorar o
céu propício, para que
nos socor-
ram os auxílios divinos, quando
faltam os humanos. E aqueles na
verdade bem nos socorrem, prin-
cipalmente, quando urge
qualquer
necessidade ; pois então volto-me
súplice às pias almas dos defun-
tos, em especial ao arcanjo Mi-
guel e à minha taumaturga Vir-
gem de Ottingen, bem como ao
meu tocaio Santo Antônio de Pá-
dua, e êles nunca desdenharam
assistir-me com seu pronto so-
corro. Se até agora os benignos
céus nenhum outro benefício ti-
vessem feito a êstes pobrezinhos,
êste só bastaria para
ser escrito
no livro da eternidade ; o lhe te-
rem concedido ferro e aço".
Como indica o Pe. Teschauer,
o Pe. Sepp teria sido o mais an-
tigo e o primeiro precursor da
siderurgia brasileira. Mas a ver-
dade é que
foi só um dos primei-
ros e mais antigos precursores
da execução dêste ofício em nosso
país.
Eis a correlação dos fatos.
Foi o Pe. Anchieta quem
nos
deu as primeiras
notícias sôbre a
existência de jazidas
de minérios
de ferro no Brasil anunciando no
ano 1554, literalmente:
"Agora,
finalmente, se desço-
briu uma grande
cópia de ouro,
prata, ferro e outros metais, até
aqui inteiramente desconhecida
(como afirmam todos)'\
Esta afirmação do Pe. Anchieta
provàvelmente se refere àquelas
jazidas nas vizinhanças de São
Paulo e Santo Amaro, cujos mi-
nérios, porém,
somente 200 anos
depois (1760)
foram fundidos.
São êles compostos de um minério
116 CULTURA POLÍTICA
de ferro argiloso, quer
dizer, do
nosso cupim.
Já nos fins do século XVI, fun-
dia-se minério no Brasil, na re-
gião do futuro município de So-
rocaba, no Estado de São Paulo.
Aí um certo Afonso Sardinha (o
pai) descobriu, no ano de 1590,
as jazidas
de Biraçoiaba, forma-
das por
duas terças partes
de gra-
nito e uma terça parte de magne-
sita de alto valor» Como Caló-
geras prova no seu admirável li"
vro -As minas no Brasil e sua Le~
gislaçâo, Rio de
Janeiro, 1905,
Afonso Sardinha já em 1597 -—-
isto é, exatamente 101 anos antes
do Pe. Sepp — manteve em Bi-
raçoiaba a primeira
fábrica de
ferro em território brasileiro.
Estas fábricas trabalharam até
1629, isto é, durante trinta anos. •
Portanto, cabe a esse ilustre pau-
lista a glória
de ser o fundador
da siderurgia brasiljeira.
Desde então foram empregados
no Brasil exclusivamente minérios
de ferro de alto valor — exce-
tuando-se apenas os curtos inter-
valos de São João Batista e Santo
Amaro.
Quando, em 1756, irrompeu a
chamada guerra dos Sete Povos,
os armazéns de São João
forne-
ceram o ferro para
as pontas
das
lanças e flechas com que
o exér-
cito de Sepé lutou, na batalha de
Caibaté. Naquele tempo, até as
mulheres eram armadas em São
João. A
propósito escreveu o vi-
gário do aldeamento:
"Já
vi, na
igreja, índios com lanças e te-
membés, e vi como preparavam
pedras para as atiradeiras, e como
as jovens
mulheres se exercita-
vam no manejo dessas atiradeiras,
e até com arco e bolas, e mesmo
com lanças, e diziam que
deseja-
vam morrer com os maridos."
O Museu Federal de
São Miguel
Todos os ônibus que trafegam
na estrada Santo Ângelo-São Luiz
devem — essa é uma lei federal
— desviar-se da estrada real e
deter-se meia hora nas ruínas e
museu de São Miguel, afim de
que cada viajante possa
apreciar
os tesouros de arte que
lá se en-
contram. E* de fato. Mais de
trinta pessoas
diàriamente disso
se aproveitam para uma visita ao
museu. Aqueles que desejam co-
nhecer mais profundamente todo
o vasto manancial de arte antiga
podem ficar no local o dia intei-
ro, fazendo as refeições em um
restaurante e aproveitando-se do
ônibus da noite.
E' uma solução extremamente
feliz a que
o arquiteto Lúcio Cos-
ta, do Rio de Janeiro,
encontrou
para o edifício do museu e a casa
do zelador, perfeitamente ligadas,
aproveitando-se do modelo for-
necido pelas cobertas das ruas
que
existiam nas velhas reduções.
Um vasto teto de telhas com
pequena inclinação se estende por
sôbre as paredes
do edificio, indo
bastante além do limite das qua-
tro paredes
externas, de maneira
a formar corredores cobertos. E
sabido que os habitantes das re-
duções missioneiras podiam cru-
zar pela cidade,
protegidos do sol
e da chuva, por meio de ruas co-
bertas. E como nas velhas cons-
truções de São Miguel, o teto do
museu está suportado por pila-
resi e as suas capitais construídas
T<
AS MISSÕES BRASILEIRAS 117
nos moldes das da antiga cate--
dral de São Lourenço.
As paredes
internas, que for-
mam as diferentes salas, são re-
vestidas de uma camada áspera
de cal, o que permite
uma situa-
ção de maior destaque aos obje-
tos expostos, isto é, as estátuas,
pias, peças de mobiliário, tanto
obras de arte como objetos de uso.
As duas externas, no entanto, que
formam os fundos e a frente do
edifício, e também as portas,
são
completamente de vidro, permi-
tindo que
o interior fique inteira-
*
mente iluminado com luz direta.
Da antiga riqueza artística, for-
mada de esculturas de madeira e
pedra, com que
eram embelezadas
as igrejas, os colégios, as praças
e ruas das reduções, resta apenas
um pequeno
cabedal formado por
mais ou menos 500 estátuas.
Deste patrimônio
apenas uma re-
duzida parte está no museu. Vi,
entre Uruguaiana e Passo Fun-
do, mais 200 estátuas e fotogra-
fei-as, peça por peça.
Dentre elas,
algumas de um valor artístico
inestimável, que mereciam ser co-
lecionadas e transportadas para
o Rio de Janeiro,
afim de serem
expostas num museu especial e
tornadas conhecidas ao mundo.
No museu de São Miguel estão
colecionadas, presentemente, cêr-
ca de duas dúzias de estátuas de
primeira ordem. Entre elas um
Santo Isidoro e um delicado São
]osé, trabalhado com a mais
pura
arte — ambos capazes de figurar
em qualquer
museu internacional.
Além disso, existe um São Lou-
renço semelhante a um Zeus de
tamanho excepcional, revestido
por uma couraça, contendo ricos
e originais relevos. A obra, evi-
dentemente, sofreu a influência
dos modelos das famosas estátuas
de César em Roma. No momento
em que
me preparo para
fotogra-
far a referida estátua, passa
um
gaúcho de elevada estatura, com
1,92 centímetros. Peço que
se co-
loque ao lado do São Lourenço.
Satisfazendo o meu pedido,
o
gaúcho levanta o braço, mas o
São Lourenço ainda é mais alto.
O homem que atendeu ao meu
pedido está de luto. Vem êle de
um grupo
de pessoas que,
reüni-
das no campo fronteiro à cate-
dral, formavam ainda há pouco
um círculo. Todas assentadas no
chão.
Pergunto-lhe o que
isso signi-
fica.
Êle me responde:
"E'
um an-
tigo costume desta região. Sete
dias após o enterro de uma pes-
soa no cemitério de São Miguel
(no antigo cemitério fundado
pelos jesuítas) os
parentes e ami-
gos do morto sentam-se, num am-
pio círculo, no campo fronteiro à
catedral, para pensar no recém-
falecido..
São Luiz Gonzaga
Poder-se-ia dizer que nalgumas
cidades do interior se podem
ler
as diversas fases de desenvolvi-
mento, como num livro aberto, e
observar as metamorfoses deter-
minadas pelo progresso, assim
como se vai seguindo a transfor-
mação do óvulo em crisálida, do
casulo em borboleta.
Santiago do Boqueirão é a ci-
dade ressurgida à vida pelo
apito
da primeira
locomotiva. São Luiz
está à espera desse apito. A ci-
dade recebeu iluminação e escolas
e estas são no total de sessenta e
v ' ; f'>"v "
Tr "> «
w'» MA *¦*. ¦ ?
118 CULTURA
seis. Por ocasião de minha visita,
estavam terminando a construção
dum grupo
escolar para quinhen-
tos alunos; além disso, está quase
terminado o hospital de caridade.
As praças
e ruas são limpas.
No meio da bonita praça,
em
frente à matriz e à prefeitura,
está
o busto de bronze de Pinheiro
Machado. Foi o caudilho nacio-
nal um dos estancieiros mais im-
portantes da região. Como con-
dutor de homens, sobressaiu, no
ápice de sua vida agitada, ele-
vando-se acima do seu Estado na-
tal e do ambiente gaúcho, para
dar
personificação a um dos
políticos,
dos grandes políticos
da América
do Sul, nos últimos tempos. Não
aasceu em São Luiz, nem lá mor-
reu, mas nesse município estavam
situadas suas fazendas de gado,
e a êle se afeiçoou de maneira
carinhosa.
A vida de um gaúcho
Quando irrompeu a guerra
do
Paraguai, contava José
Gomes
Pinheiro Machado apenas treze
anos de idade. Quase criança,
portanto. Iludiu, então, a vigi-
lância paterna
e alistou-se para
ser incorporado nas forças que
lutavam sob o comando do Conde
de Pôrto Alegre. O jovem guer-
reiro já
andara envolvido em di-
versas batalhas e escaramuças,
quando seu
pai conseguiu saber
do local onde se encontrava e
levá-lo de volta para
casa.
Aos vinte e sete anos partici-
pava do brilhante
pugilo de mo-
ços como
Júlio de Castilhos, Ve-
nâncio Aires, Assiz Brasil, Bor-
ges de Medeiros e outros
que
faziam a propaganda
da Repú-
POLÍTICA
blica e, mais tarde, fundaram o
Partido Republicano Riogrande*-
se, o qual
foi, sem dúvida, a
guarda avançada da evangeliza-
ção da República. Depois, Pi-
nheiro Machado, senador pelo
Rio Grande do Sul, foi um dos
maiores defensores e batalhadores
da República.
Quando, em 1891, se verificou
o golpe
de Estado do marechal
Deodoro, retirou-se Pinheiro Ma-
chado para
o interior de sua es-
tância em São Luiz, emigrando
daí para
a Argentina, afim de
organizar a contra-revolução. Du-
rante o movimento estava êle na
divisão do general
Francisco Ro-
drigues Lima, a mesma a que per-
tencia o general
Nascimento Var-
gas. Sem dúvida foi o caudilho
a alma da revolução, a personifi-
cação do dever cívico, sempre
cheio de entusiasmo. O grande
exemplo, o mais valente entre os
valentes.
Um decênio depois é o
"braço
forte da República, o gaúcho
da
soberba e diamantina têmpera, o
árbitro da política
brasileira. . .
colocando o Rio Grande do Sul
numa posição
de eminência tal
como ainda não tivera na Repú-
blica, mas só na Monarquia, pelo
prestígio de Silveira Martins/'
E eis que
certo dia o potente
lutador tomba atravessado pelo
punhal ervado de um louco. . .
Foi no Hotel dos Estrangeiros,
no Rio de Janeiro,
nesse hotel pa-
triarcal, erguido à sombra de ve-
lhas figueiras e diante do qual
há um José
de Alencar de bronze.
Foi ali que
êle caiu.. .
Corria o segundo ano da gran-
de matança entre povos. Era em
1915...
AS MISSÕES BRASILEIRAS119
Pinheiro Machado, êle mesmo,
já dissera certa vez:
"Não
oeul-
taremos, como César, a face com
a toga, e de frente olharemos fito
a treda, a ignóbil figura do ban-
dido, do sicário".
E bem assim êle morreu, Rece-
beu o golpe pelas
costas» En-
quanto tombava, seu olhar pro-
curava o bandido, a sua última pa-
lavra ao fugitivo foi:
"Canalha !
T> assassino passou vinte anos
na prisão,
sem denunciar os man-
dantes.
Pinheiro Machado, Francisco
Rodrigues Lima e Manuel do
Nascimento Vargas foram três
amigos íntimos durante muitos
anos. Vargas e Lima moravam
em São Borja. Ali era comum
vê-los, todos os dias, completarem
sua voltinha em redor da praça.
Pinheiro Machado tombou,
Lima
morreu. O general
Vargas e_ a
última estréia dêsse oríon de grão-
caudilhos das Missões.
São Borja
Quando entro em São Borja, é
por fins de fevereiro, portanto
verão alto. O ar treme por cima
do enorme cêrro de areia, sobre o
qual a cidade está localizada,
o calor e pode-se ver perfeita-
mente o ar tremendo.
No pátio do meu hotel ha um
poço, um poço
antiquissimo com
roldana, corrente
e balde. A co-
roa e o interior do poço estão
cheios de musgo. Quem tiver sede
pode extrair a água do poço.
Nas
noites estreladas, de bom tempo,
o jantar
é servido junto a esse
poço. Luzes sob cúpulas
de vidros
iluminam os rostos dos hospedes
e fazem dansar pelas paredes as
sombras das mocinhas que ser-
vem. Depois do jantar,
toma-se
chimarrão. Entre os grupos, que
se formam pelos diferentes can-
tos, a cuia anda de mão em mão.
E' um bocado do Brasil antigo,
que se retrata neste pátio.
Que
belo quadro para o
pincel dum
Franz Post! ?
.A. praça é mantida limpinha.
Caminhos pavimentados com pe-
dras multicores ; árvores e flores
bem tratadas. A prefeitura
e a
igreja nada oferecem digno de
menção. Tão pouco as casas em
redor, até o lado sul. Estas, sim.
têm fachadas mais ricas, recém-
rebocadas e caiadas. Luzem ^o
sol que os olhos chegam a doer.
Ai moram algumas das familias
mais ilustres.
Naturalmente, também nesta ci-
dade constrói-se, constrói-se
e
constrói-se cada vez mais, tanto
estradas como casas. Da nova es-
trada real asfaltada para Passo
de São Borja já tive ensejo de
falar. O ginásio
terá edifício novo,
que já passou do segundo andar,
e inteiramente doado pelos
mora-
dores magnânimos. Também aç\^'1
construíram para os oficiais da
guarnição um bairro próprio
de
vilas. t
Nas ruas laterais sente-se o sol
causticante do verão alto. Sobe
cada pata dum cavalo a trote
sobem nuvens de pó vermelho e
amarelo. E são tantos os cascos
que aí vão trotando
e tantas as
nuvens de pó, subindo ao ar^ . .
Tanto estancieiros como peões,
patrões como tropeiros andam a
cavalo, sentados em selas guar-
necidas de prata, com pelegos
ver-
melhos. Aqui, ainda os cavaleiros
e carroças de cavalo dominam
sôbre o automóvel.
120 CULTURA POLÍTICA
Para os meios de defesa do
Brasil e do Rio Grande do Sul, a
tradicional São Borja assume im-
portância em virtude de sua sede
de guarnição
da fronteira, sede
aduaneira, porto e centro de co-
municações, onde se encontra o
tráfego fluvial, rodoviário e ferro-
viário. Mas a cidade não pode
perder sua feição caracterizada
de capital da região missioneira,
no sentido mais amplo do vocá-
bulo.
Fazendo abstração do extremo
norte, tôdas as regiões do nosso
Estado estão abertas entre si, e
os homens como as mercadorias
vão e veem num trânsito contínuo.
Da mesma forma, faz-se o inter-
câmbio intelectual. Os extensos
campos do hinterland de São
Borja, entretanto, constituem ain-
da, de certo modo, um mundo fe-
chado para si mesmos. E é a ci-
dade, seu centro intelectual e cul-
tural, a guardiã
de tôdas as tra-
dições regionais: as tradições je-
suítico-indígenas, que apenas me-
dram artificialmente ; as tradições
guerreiro-patrióticas, que conti-
nuam existindo bem vivas; as tra-
dições políticas, que
se transfor-
maram por completo. Do velho
orgulho do caudilhismo, de forças
e esplendores próprios, formou-se
novo orgulho: o de ser o lugar
de onde se iniciou a mais recente
e importante transformação de
toda a República. O orgulho de
ser o berço do Estado Nacional.
arv. 4™ "wr t* - •
r mir'*™"*, 'jv-
v;t^V£.> t, «-w,r'T• « - f^SyJjjw' "• '** v'-' _ «*J 'A. .-, ,» ; * í '-f
,Í ,£ ; » ,» -f Y " .
• —"
Quadros e costumes regionais
Paquetá como eu ví
DE LEMOINE
E;M
TÔDAS as partes
do
mundo existe sempre um
lugar excepcionalmente be-
lo onde buscam a inspiração os
artistas, e os sonhos os enamo^
rados. Ali em geral
o céu é
mais estrelado, mais sereno, mais
límpido ; ali a terra é mais pu-
jante, quase sempre selvagem e
simples, sem grande
influência da
mão do homem.
No Rio de Janeiro,
escondida
no fundo da baía, entre uma sé-
xie interminável de outras tan-
tas, há uma ilha grande
e boni-
ta, o sonho poético do carioca
-
é Paquetá. Nesta
'
ilha de amo-
res" como vulgarmente a cha-
mam, tôdas as musas comparece-
ram com os seus dons afim de
que nada faltasse ao seu nasci-
mento: as praias que
a cingem são
pinceladas exóticas e
profundas,
traços largos de areias brilhantes,
©nde o mar se espraia quase sem-
pre azul e manso. O arvoredo é
frondoso e variado; existem as
árvores centenárias de tronco
enrugado e massudo, grande li-
vro natural de vidas inteiras, c as
árvores jovens, delicadas e mei-
gas debutantes, silhuetas nostál-
gicas em noites enluaradas. So-
bressaindo do copado espesso, a
vista humana se enche com a ex-
centricidade das palmeiras
ele-
gantes, saüdades havaianas em
terras brasileiras. Por fim, as
pedras que povoam a ilha e o mar
que a circunda emprestam-lhe um
sabor pitoresco
e rude, mas que
justamente constitue a sua
pri-
mordial beleza . . . (Setembro
1942
— Da série Impressões de Viagem )
Uma viagem na
Gtagoatá
Mas, para
conhecê-la, nada
melhor do que
se instalar, calma-
mente, numa barca da Cantarei-
ra, a Gragoatá, por exemplo, e
seguir viagem.
O dia está belo, esplêndida-
mente belo. Se alguém pintasse
o mar anil que
eu ví, o céu claro
e limpo que
eu cansei de obser-
var, o bilho do sol nas águas e o
reflexo do Rio, no horizonte, por
certo diria que o
pintor se ex-
cedera na fôrça das côres, por
desconhecer as nuanças que ni-
velam os sentimentos discretos,
incapazes da arrogância pu jante
do entusiasmo.
/
122CULTURA
POLÍTICA
A barca, suja como sempre,
desconfortável como o são todos
os meios de transporte na bela
cidade de São Sebastião do Rio
de janeiro, prosseguia lentamen-
te, cheia de gente, verdadeiro
mercado de raças.
Havia os
"qranfinos", os remediados
e os
pobres, como também
havia os
ricos inteligentes, dentro
de uma
simplicidade elegante,
os reme-
diados metidos a
granimos
e
os pobres,
na sua verdadeira fan-
tasia.
Falava-se de tudo: como havia
muita
"criança
grande" a bordo,
é natural que houvesse
muita ri-
sada e palavras
bonitas, tiradas
de alguma frase pomposa de um
grande escritor, coisa que
tão bem
impressiona a mocidade.
Em meio
do português falado, numa ânsia
de parecer
artista de cinema, tei-
mando mesmo em lhes imitar o
vestuário, saíam, — assim, com
ênfase, numa linguagem exagera-
da, que está bem aproximada
ao
falar americano, do inglês, espê-
cie de som esquisito perdido na
abóboda palatina, misto de bata-
tas quentes num desespero
de fo-
qo na bôca,
— os O. K. yes,
Toots, — Bye
— sorry e, dai por
diante • • •
Um baleiro monótono cansou
de me oferecer balas, e como
^eu
não respondesse à sua amolação,
acabou repetindo o oferecimen-
to num inglês mastigado a chi-
clets'\ me julgando,
talvez,
inglesa* Como a sua insistência
fôsse demasiada, acabei por desi-
ludir as intenções comerciais do
rapaz, por lhe dizer em bom por-
tuguês ora! não amole, meni-
no! Ao que êle me olhou meio
encabulado e comentou com ou-
tro entre os dentes: é uma ameri-
cana camuflada .. •
E, assim, prossegui viagem, que
durou aproximadamente alguns
quartos de hora, acabando por
chegar ao porto romântico paque-
taense, sã e salva.
Ipac"itá
Se quisermos descrever
Paque-
tá com suas pedras, explicaremos
melhor se dissermos que é um
colar indígena de pedras
enormes
c irregulares, ora surgindo
das
águas mansas e cristalinas como
estilhaços atrevidos,
ora submer-
sa, deixando ver, apenas,
o seu
costado escuro, coberto de limo.
Das pedras vem o seu nome.
O índio, na sua maneira simples
e primitiva de definir as coisas,
observando do alto dos morros
aquelas flexas de
granito, dedu-
ziu que as mesmas não brotavam
das águas mas, haviam caído do
alto, dizendo por isso ipac-na
quando se referia à ilha, e repe-
tíu sempre, até que o branco,
sim-
plificando a
palavra, a transfor-
mou em Paquetá. # #
Na tradução de ipac-ita
sur-
qiu uma polêmica
seríssima en-
tre os estudiosos do idioma indi-
qena. Teodoro
Sampaio julgou
achar a significação — Toca da
Paca. Outro, não menos enten-
dido, dizia ser — Pedra vista de
longe. A maioria, inclusive
be-
zerra de Meneses, opina pela tra-
dução seguinte: Pedra caída do
alto ou pedra que caiu do céu .
Parece que nesta última há mais
aproximação do espírito cândido
do homem primitivo, que
via no
céu todas as razões para o seu
temor, o seu respeito, por ser de-
le que
disparavam os raios, os
trovões, as chuvas bravias, e por
PAQUETA COMO EU VI 123
ser nele que
o sol, a lua e as es-
trêlas fulguravam divinas . ..
A morte do último
tamoio
Paquetá tem a sua história, e
seus episódios interessantes bro-
tam da nebulosa das épocas dis-
tantes.
Um preto
velho, paquetaense,
centenário, de olhar desbotado e
vago, querendo
repetir a lenda
que ouvira há tempo, acêrca da
ocupação portuguesa na ilha,
quando nela o oborígene reinava
absoluto, começou a contar entre
baforadas lentas e fracas no seu
cachimbinho de barro:
. . .
44
Paquetá é uma ilha an~
tiga, sinhá . . . muito antiga mes-
mo. Tinha muito índio grande,
vermelho, calado, desconfiado
mas feliz e sossegado. É. . .
sossegado, quero dizer . . . índio
que não
queria briga.
O cacique tinha um filho mo-
ço, rapaz forte, bom atirador de
flecha, muque de ferro, ligeiro
das pernas,
danado pra pegá os
bicho do mato.
Um dia êle foi caçá, mais es-
tava preocupado;
sua mãe tivera
um sonho feio, sonho brabo mes-
mo. . . com muito trovão e muito
fogo ! Mas não ligou, não !
Gente moça não faz caso do
aviso de velho; acha graça por-
que não
precisa ter medo
quando
é forte .. .
Pois o filho do cacique se en-
ganou. Cá no alto do morro,
quando olhava pro
mar bonito
que parecia espêlho, viu uns
pa-
ninho branco estufado, que vinha
na direção da ilha. Era o homem
branco de bota e fuzil, suado e
tonto com tanta luz da praia, que
vinha tomá conta de Paquetá. E
tomô mesmo, matando muito ín-
dio . . . mas o índio espeto muito
branco, também ... E deu uma
risadinha satisfeita com a vin-
gança.
O negro velho pigarreou
e deu
umas valentíssimas cuspadas que
bem estavam em desacordo com
a fôrça da sua idade, quis
conti-
nuar, mas as palavras
lhe saíam
aos borbulhões, desconexas, atro-
peladas, sinal evidente da impôs-
sibilidade de prosseguir.
E o seu
olhar incerto, vago, desbotado,
testemunhava a nebulosa daquele
cérebro gasto,
onde nem a luz dos
olhos conseguia alguma coisa.
De fato, o negro velho não
mentia; o luso conquistador vi-
nha-se apossar de mais um pe-
daço de terra, pertencente
ao tor-
rão enorme que já
era seu.
Às praias
claras e alegres da
ilha começaram a chegar homens
estranhos para
o jovem
índio, ho-
mens brancos, enfurnados em al-
tas botas e roupagens esquisitas.
Vinham em número de vinte, cal-
cando as areias quentes
do re-
m^nso brasílico com pisadas
f©r-
tes e decididas, deixando além as
pequenas naus balouçando ao
sabor dos ventos.
O índio de pronto
não compre-
endeu bem a razão desta visita
inesperada, mas o seu instinto sei-
vagem se apercebeu logo do pe-
rigo que
o ameaçava. Voltou à
sua gente,
e quando
o aventurei-
ro os viu, leu-lhes; no semblante
altivo uma ameaça escrita com
fogo nos olhos. Então houve lu-
ta, houve mortes e tristezas na
praia grande, em torno da imen-
sa Pedra Rachada, ganhando
o
branco porque, se os seus caíam
espetados pelas setas silenciosas,
o heróico filho das selvas paque-
, • '
124 CULTURA
taenses voava pelos
ares, confuso
e estraçalhado com o espoucar de
descargas sucessivas de pólvora...
Um por
um daqueles vultos
bronzeados caiu, até chegar a vez
do filho do cacique, bravo e des-
temido tamoio que, nadando em
sangue, emborcou nas areias mu^
das, espêlho opaco da conquista,
lençol mortuário dos heróis de
lendas.
Assim foi a conquista da ilha
tranqüila que dorme sonhadora
no fundo da baía carioca. De-
pois vieram os franceses; torna-
ram a voltar os portugueses,
ora
para lutar, ora
para fazer um li-
geiro comércio . ..
E o velho preto
continuava
sentado numa pedra, resmungan-
do baixinho qualquer coisa inde-
cifrável, batendo sempre o ca-
chimbinho entupido, soltando
novas cuspidas, coçando de leve
a carapinha branca num movi-
mento encabulado de gente
sim-
pies. Bela figura de homem bcn-
doso, velha reminiscência da nos-
sa história longínqua, da qual
tanto nos falam nossas avós . ..
A igreja de
São Roque
Depois os anos passaram, cor-
reram céleres, como acontece à
marcha do tempo através das his-
tóricas. As terras foram dividi-
das e o seu primeiro donatário,
Inácio de Bulhões, obteve a par-
te que
se perdia
até a Ladeira do
Vicente para o norte, chegando
até Suruí, no Estado do Rio. Da-
quela fazenda imensa apenas so-
brou uma igrejinha feia, pobre,
triste, abandonada, espectro lú-
gubre de eras remotas a igre-
jinha de São Róque.
Em tempos idos havia um ca-
sarão, perto
da igreja, casarão
massudo, a residência da fazenda.
Os pátios
eram forrados com la-
drilhos largos, os caminhos fei-
tos com pedras grandes,
onde o
martelar sonoro dos cascos dos
cavalos, constituía a melodia da
novidade, na vida pacata
do so-
lar.
A senzala escura agasalhava
o escravo cheirando a fumaça e
bodum. Notas nostálgicas, acom-
panhadas de um côro arrastado e
melancólico, cansaram de encher
as pautas
denegridas das vigas
soltas daquele ambiente sombrio.
Um pouco
adiante havia um
poço, figura indispensável para
o
bem-estar geral, principalmente
para as reüniões sociais dos
pretos escravos, onde se dançava
em contorsões africanas, a ex-
pressão máxima da linguagem
selvagem.
Quem visita hoje a igreja de
São Roque sente-lhe o peso
do
passado na arquitetura primiti-
va e tôsca, e a monotonia da vida
no hálito mofado das madeiras
apodrecidas. Ali se escuta, ain-
da, o eco rolar os rosários bondo-
sos, na sua faina costumeira e
conformada de pedir pelos que
já morreram. Se fecharmos os
olhos, teremos a impressão níti-
da de ver caras e mais caras, as
mesmas que
hoje procuram,
num
templo, a interferência divina nas
complicações humanas.
No poço,
o ruído é outro. Lá
por volta de 1590, a voz melódi-
ca, arrastada em ritmos caden-
ciados, acompanhava o movimen-
to estridente da roldana no seu
PAQUETA COMO EU VI 125
mister quotidiano de fazer subii
e descer o balde para
apanhar a
água.
Hoje, o velho poço
está cala-
do, como calado está o velho ne-
gro que o movimentava.
Do preto
velho surgiu um novo
tíço. O borrão feito por punhos
analfabetos, embebidos de cobi-
ça, pertence a uma
página lon-
gínqua no livro da humanidade.
Agora o preto
liberto passou
ao
livro do branco com as feições
atenuadas pelos traços delicados
da nossa raça. Êle hoje não espe-
ra submisso a vontade de sinhô-
moço, porque
sinhôzinho anda no
Rio, numa barata bonita, ou toma
banho em Capacabana, envolto
num sarong ramado . . .
A praia
dos Frades
Na praia
dos Frades existe
uma cruz gravada
nas pedras:
talvez tenha passado desapercebi-
da ao turista pouco observador.
Como todas as cruzes, lembra
alguma coisa triste, de uma tris-
teza que
se aproxima da morte.
Conta a história que aquela
cruz lembra a morte, naquele lo-
cal, de um frade que
voltava, com
o seu barco, da ilha do Go-
vernador. Talvez pela sua bonda-
de ou pelas cãs, chamavam-no de
Pai dos Frades. Então, como
tributo de gratidão
ou simples
lembrança, a pequena praia
en-
trou a ser chamada de Pai dos
Frades, passando mais tarde pa-
ra praia
dos Frades.
Existem coisas que a história
não regista, mas que às vezes ca-
Iam na memória das crianças. Al-
guém, que já foi criança e adora
Paquetá, apesar de ter hoje o seu
nome aureolado pela
fama, me
disse, com os olhos parados,
fi-
tos no arvoredo esplêndido . . .
44Contaram-me
que aqui nesta
praia a água murmura doce e lc-
vemente, enquanto nas outras o
mar se encrespa agitado. Escute,
minha amiga, e diga se não pare-
ce verdade .. . Sabe o que
é ? O
mar respeita as preces
do frade,
que continua a murumurar bai-
xinho, lá no fundo, bem lá no
fundo.. .
A praia
dos tamoios
Novamente o preto
velho vem
prestar o seu auxílio muito vago,
tanto quanto
o seu olhar. É ver-
dade que
só a presença
dêste trê-
mulo representante de um passa-
do na moldura estática de Pa-
quetá é suficiente para
inspirar
divagações poéticas na mente de
um antiquário. Ouçamos, portan-
to, o que
êle nos quer
contar:
"Aquele
forno velho que
mecê está vendo ali teve sua his-
tória. Era de uma caieira cheia
de importância, tão cheia de im-
portância que deu o nome à
praia
do Forno. Depois, os home co-
meçaro a fabricá outras coisa; en-
tão foi montado no local um es-
taleiro enorme; desbancando o
Forno, passou
a se chamar praia
do Estaleiro. Nesses tempo os
índio vinha negociá c'os francese
e havia muito movimento de gen-
te...
E agora, meu velho, por que
dizem praia dos Tamoios?
"É, sinha-moça, já trocaro
os nome outra veis. É pramode
do Dr. Bruno, que é o
pai de Pa-
quetá".
Como isso, meu velho? Que
tem a ver o Dr. Bruno com a
praia?
\
126 CULTURA
* 44Pois
mccê não sabe?... ^
concluiu o negro satisfeito com a
minha surprêsa. Imagine que
prantaro o Dr. Carlos Gomes ali
na praça, por
orde do Dr. Bruno,
que é muito amigo dêle, parece
até que
é parente
longe, e dero
o nome de Tamoio...
Eu não pude
deixar de repri-
mir um riso indiscreto, com a con-
fysão do negro velho no paren-
tesco de Pedro Bruno, e fiquei
cismado com a triste
"pranta-
ção" do cantor do Guarani, na
praia dos Tamoios.. .
A estátua sem cabeça
Das histórias de Paquetá a
mais interessante é aquela que
envolve a pessoa
burguesa de
Manuel de Sá, que o vulgo de-
nominou, malandramente, de Fu-
maça.
Êle era português,
o coitado,
e certamente sofria as influências
nostálgicas de sua terra distante.
Um belo dia, resolveu mandar
para
"além-mare"
os dois filhos
homens, isto num impulso muito
natural da época, seguindo sem-
pre a voz do sangue e os hábitos
da terra. Lá foram êles para
Coimbra, a Meca do saber. Um
estudou medicina e o outro, advo-
cacia.
Tudo ia muito bem quando
o
jovem causídico adoece, peora,
estertora e morre para grande
consternação dos amigos, cole--
gas, parentes e progenitores.
Manuel de Sá se desespera. Aca-
riciando os correntões de ouro
maciço, fica mudo na sua dor,
usando somente algumas expres-
sões bem rudes, do seu vocabulá-
rio pobre,
contra qualquer divin-
dade que
se fizera surda às suas
\ • - ' '
POLÍTICA
súplicas. Finalmente, trata-se da
remoção do corpo, o que,
naque-
les tempos, era difícil e lento.
Num dia ensolarado, dêsses
dias lindos que Paquetá possue,
lá veio o filho de Sá num vapor-
zinho fúnebre, e mais uma está-
tua que
o velho pai mandára es-
culpir em lembrança do filho.
Tudo ia novamente muito bem
quando a igreja, fazendo valer os
seus princípios irrevogáveis, não
permitiu que enterrassem os res-
tos mortais do rapaz no cemité-
rio cristão, que naquele tempo se
localizara defronte às Barcas.
Diga -se de
passagem que o
jo-
vem estudante fora encinerado,
devido à impossibilidade no trans-
porte.
Começou, então, o drama do
infortunado pai. Sá chorou, su-
plicou, esbravejou e, não conse-
guindo demover a rigidez das leis
católicas, num assomo de cólera
joga ao mar a estátua do filho
querido, sepultando-o assim nas
águas complacentes de sua terra.
O tempo passou e com êle o
vendável humano. Meio submer-
sa, a estátua permanecia, lem-
brando ainda, muito de leve, a
história triste do velho Sá.
Movidos talvez pela curiosida-
de, homens resolveram retirá-la
para terra firme. E antes não o
tivessem feito, porque o espírito
destruidor de vândalos, na sua
mania ignorante de quebrar
tudo
aquilo que não
pode compreen-
der, lhe quebrou a cabeça, per-
manecendo apenas o busto, sè-
riamente flagelado.
O lugar onde caiu a cabeça de
Mário Sá é lodoso e fundo, sen-
do difícil a sua retirada. A Liga
Artística de Paquetá pôs a
prê-
mio a enterrada célebre, porém,
V
• ~ * •
: • ^ ¦
j •
- -
PAQUETÂ COMO EU VI127
acredito que não tenha desper-
tado interesse junto ao
povo pa-
quetaense.
É verdade que aquela estátua
não constitue uma peça de valor
artístico, mas não deixa de ser
uma obra que representa uma
história triste, passada na vida
calma de Paquetá.
Maximiliano II
Dizem as lendas da ilha que,
um dia, um grande personagem,
que se chamava Maximiliano,
es-
teve em Paquetá. Se é verdade
não sei, mas conta-se que o ilus-
tre visitante, de passagem pelo
Brasil em sua viajem ao México,
se deteve naquele recanto mar a-
vilhoso, passeando por todos os
cantos, admirando aquelas paisa-
gens cheias de beleza, provando
também a deliciosa rubiácea ofe-
recida por algum descendente
da
trágica família.
Como há uma confusão enor-
me na massa popular a êsse res-
peito, resolvi acreditar nessa vi-
sita importante como se acredita
nas lendas bonitas que pululam na
mente dos contadores de histó-
ria
O solar de D. João
VI
Paquetá vai-se desenvolvendo
à medida que passa a viver no
progresso da Sebastianópolis.
D.
João, o rei-frade, misto de sobe-
rania e misticismo glutão, volta as
suas vistas para a ilha formosa,
procurando nela um recanto si-1
lencioso onde pudesse fugir às
fúrias amorosas de sua real es-
posa. E,
parece tê-lo consegui-
do; pelo menos Carlota Joaquina
Kião se mostrou bastante entusias-
ta das travessias enjoativas da pe-
quena barca, nem tão
pouco sa-
tisfeita com a simplicidade casta
dos filhos de Paquetá.
De pronto
não havia moradia
digna de tão ilustre hóspede; em
todo o caso fizeram-se os mais
tremendos empenhos para que
Sua Majestade se encantasse por
algum solar ali existente. Para
D. João
não era preciso luxo, e
mesmo a escassez de gôsto
artís-
tico na real pessoa não diferen-
çava uma residência real de uma
simplesmente nobre. Então, foi
com alegria que o Bragança es-
quisito fixou os seus olhos em-
papuçados, ávidos dc sono para
uma sesta impedida, num solar
amplo, pomposo, perdido na
imensídade de quarenta
mil me-
tros quadrados.
Bem diversa da casa que man-
dara construir para o rei o frade
Madre de Deus, na praia
do Ga»
leão, da Ilha do Governador, o
solar de Paquetá é simples porém
grandioso pela sua estrutura an-
tiga. A casa, obedecendo rigoro-
samente o traço grotesco do
"ho-
mem do risco" (nome que da-
vam ao arquiteto, antigamente),
é muito nosso conhecido, e, em
linhas gerais se repete por
toda
a parte pelo
Rio de Janeiro: casa-
rão quadrado, com os indefectí-
veis janelões
encaixados em mol-
dura azul forte, paredes ciclópi-
cas de um metro e mais de largu-
ra, lembrando as construções des-
tinadas a conter as invasões ter-
ríveis, mas que no Rio, mais ser-
viam para
amparar ou amortecer
os raios soláres; grandes arcadas,
pátios externos e internos de
pi-
sos de pedra, telhados monóto-
nos, salas pequenas de estuque
grosseiro, assoalho largo, teto
mais largo ainda que o assoalho,
128CULTURA POLÍTICA
tudo caiado de branco, como se
fôra um scpulcro friamente bran-
co e triste. Em suma, uma plan-
ta dividida em corpo central, ad-
jacências e a senzala.
Hoje, a casa lá está, altiva e
isolada, ainda branca e azul como
há cento e cinqüenta anos, apre-
sentando traços leves do buril ar?
tístico de Montigny. No pátio
fronteiro, os pisos
de pedra
con-
tinuam velhos e carcomidos tes-
temunhos de eras passadas,
em
alguns lugares remendados e su-
bstituídos, desenhando, com to-
do o descuido, uma colcha de re-
talhos. Os pequenos
bancos, em-
butidos no muro antigo, ainda
servem de assento àqueles que
não ícansam de admirar a vista
que se tem daquele local. O
pá-
tio lateral já
apresenta os sulcos
prolongados e
profundos dos lu-
gares mais
procurados pelos pas-
sos humanos. São vermelhos, os
seus grandes
ladrilhos fortes, e
nêles a sombra das trepadeiras
brinca de esconder sob o ám-
pulso dos ventos. Ainda resta o
pátio central, reduto íntimo da
familia, espécie de claustro onde
as samambaias e outras plantas
da sombra e da umidade abun-
dam isoladas.
A casa, propriamente dita, es-
tá quase
intacta; a única modifi-
cação está impressa nos dormitó-
rios alegres, cheios de luz e ar.
A própria
cozinha, se é que
a pos-
so chamar assim, continua a ar-
der entre paredes denegridas e
baixas, chão socado e amplo, au-
têntico reduto das escravas pre-
tas. O porão,
sustentando as ar-
cadas sólidas do arcaboiço arqui-
tetônico, oferece ainda a impres-
são tétrica da escuridão assusta-
dora, onde dormiam, antigamen-
te, os homens de cavalariça, en~
voltos em cobertores impregnados
da fumaça dos cigarros de palha.
A senzala, aquela peça histó-
rica, triste mas bonita, que tanto
enleva os tradicionalistas e os
divagadores, não mais existe.
Apenas alguns pedaços de muro
velho, todo arrebentado, meio so-
terrado, marcam os contornos
quadrados da sala enorme que
abrigava aquela onda escura. In-
felizmente nem as paredes
fica-
ram para
mostrar, nas suas vigas
nuas de reboque, as notas tristes
das melodias entoadas. . .
Do mobiliário, algumas peças
esparças contam alguma coisa da
vida do rei pacato:
a cadeira pre-
ferida de D. João,
uma velha cô-
moda, tão velha que
o cupim tra-
çou nela milhões de desenhos, es-
quisitos, algumas cadeiras de
pa-
lha onde descansavam os guar-
das reais. No porão,
um banhei-
ro de mármore, avantajado e so-
Iene, é a peça
de real valor na
higiene joanina.
..
Fora, tudo é paz
e exuberân-
cia; árvores enormes derramam o
ramalhar frondoso num amplexo
sereno com as trepadeiras desen-
voltas. Flores de côres diversas,
verdes de todos os matizes, e, em
duas filas majestosas, perfiladas
com orgulho, altaneiras e elegan-
tes, estão as palmeiras
reais, aba-
nando seus leques, numa superio-
ridade absoluta.
Lá no alto, no fundo da casa,
no sopé do morre, existe uma
mangueira, a sombra predileta de
um dos proprietários
do solar: o
barão de Paquetá. Quando cho-
ve, a mangueira fica triste e chora
de saüdade, porque foi devido è
chuva que
o seu amigo escorre-
W7r?Cf' ¦
T* WT.- ^r"'""• p
»* r-T" *••
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tpTCvBJvT F *?ti»
PAQUETA COMO EU VI 129
gou de uma escada e deixou de
existir.. .
A Moreninha
E o tempo passou e Paquetá
progrediu. ..
Na ilha dos amores, um poeta
amou, uma vez, derramando em
frases amorosas a história mais
bela do Rio de Janeiro.
O poeta
viu alguém e se ena-
morou. . . enamorou tanto que
deixou marcado, nas páginas pa-
quetaenses, um romance forte —
o romance da Moreninha.
A Moreninha era uma moça
bonita e meiga, moça como tantas
outras que trazem na
pele essa
côr avermelhada dos beijos de
um sol de brasa. Ela sonhava com
olhos de criança e via, nas ilu-
sões tão lindas das primaveras
floridas, um ser romântico e ar-
dente que lhe falava ao ouvido
palavras suaves, dedilhando no
seu coraçãozinho as cordas sen-
síveis de uma sentimental.
Quando tôdas as moças de sua
idade riam e faziam alarido, a
Moreninha cismava com o seu
cavalheiro encantado, pondo no
horizonte longínquo, tôdas as suas
esperanças meigas, esperanças
tão lindas como um pôr-de-sol,
- numa tarde de verão. . .
Um dia o poeta chegou, falou
suspirou, e juntos
andaram de
mãos dadas, namorando a natu-
reza tôda, porque
a natureza bela
refletia a beleza de suas almas
panteistas. Amaram-se muito* ora
embebidos da claridade dos dias,
ora na penumbra
feliz da lua sin-
gela.
De sua história nos ficou a pe-
dra da Moreninha e a sua casa,
que, não se sabe como, continua
mal localizada. O povo,
ao con-
tar as coisas, divaga, e na sua
divagação mudou de pouso
a casa
da heroína paquetaense.
A casa da Moreninha não é a-
quela que mostram em Itanhen-
ga... Muito longe está a casi-
nha velha, cheia de musgo e er-
vas, crescendo atrevidas pelo
te-
lhado feio mas, romanesco, vizi-
nha da tristeza abandonada da
igrejinha de São Roque, ambas
distraídas em contar histórias do
seu passado..
.
O cemitério de
Pedro Bruno
A história continua e Paquetá
progride. . .
Já nos aproximamos de 1893,
os dias afogueados da Legalida-
de, quando
muitos revoltosos
mortos a bordo, foram conduzi-
dos para
terras paquetaenses,
ali
ficando perdidos
no esquecimen-
to de um êrro histórico, bastante
lamentável.. .
Aqui, iia vida pacata
e simples
daquele povo
humilde e bom, sur-
ge um
personagem, também pa-
cato, também simples, também
bom: Pedro Bruno.
Pedro Bruno nasceu em Paque-
tá e naquela ilha teve as primeiras
impressões estéticas gravadas na
sua retina de artista. Cresceu e
com êle o nome do Brasil em
glória e fama, em
pinceladas exu-
berantes de beleza.
De visita à ilha, certa vez, Pe-
dro Ernesto e Leite de Castro
lamentaram o estado deplorável
do então cemitério e o abandono
em que
se achava o túmulo dos
mortos de Floriano. Foi feito, en-
p. 9
130CULTURA
POLÍTICA
tão, o convite ao pintor paqueta-
ensc, para idealizar um campo-
santo aprcscntávcl c um monu"
mento digno aos tombados em
1893. Conseqüentemente, deveria
ser criada uma capela.
E vieram os homens com cal e
pedra, e vieram o cemitério, o
monumento e a capela.
Hoje, quem
vai a Paquetá não
deixa de ver aquele recanto, que
é uma das coisas mais belas e
encantadoras do local.
No cemitério de Pedro Bruno,
os túmulos não estão enfileirados
como uma carreira caiada de lou-
sas frias. .. Disseminados aqui
c ali, ora êles se escondem sob
um cipreste, ora sob ramos de
bougainville, ou estão rodeados
de pedras
soltas, onde cactos
ameaçam qualquer aproximação
sacrílega.
Não, não é um cemitério mo-
nótono, aquele; não é um local
onde qualquer ente humano» me-
drosos ou não da morte» sente
arrepios. A morte naquelas aléias
é disfarçada com a beleza da ve~
getação exótica, como se a vida
exortasse à perpetuação,
longe de
um esqueleto inútil.
Não! o cemitério de Paquetá
nãn é um cemitério; dir-se-ia um
jardim tranqüilo, repleto de re-
cordações saüdosas, por onde o
poeta passeia olhando as flores,
o músico escuta os pássaros
e o
filósofo medita...
Percorrendo os seus altos e bai-
xos em caminhos suaves, estreitos
e graciosos,
chega-se ao monu-
mento dos Revoltosos. E# a pia»
nície tumular que desaparece mo-
nótona dentro da originalidade.
file é severo, grandioso dentro de
uma simplicidade comovente, é
elucidativo e eloqüente. Eloqüen-
te porque
a própria
dureza do
granito que o forma testemunha
a fôrça dos homens que morreram
numa luta. Eloqüente porque o
próprio bronze do seu mastro
par-
tido ao meio diz a história de ho-
mens que morreram combatendo.
E tudo o mais — um leme, uma
âncora, uma boia, correntes e cor-
das — conta a bravura de homens
que, intrépidos, navegaram em
naus brasileiras, por mares revol-
tos e incertos, sempre fortes e co-
rajosos.
Finalmente, conheçamos a ca-
pela, Ela é simples, também, rús-
tica, obedecendo o ambiente da
ilha.
Pedro Bruno, ao imaginar a~
quele templo, pensou
em concre-
tizar nele a síntese verdadeira da
vida humana: a matéria e o es-
pírito. Ora, afim de
personificar
a matéria, escolheu a pedra,
a
pedra bruta e tão farta da ilha,
tão irregular nas formas e nas cô-
res. Sim, a pedra
forte e a pedra
bruta nas paredes
do templo, nos
bancos, no altar, lembrando a
construção tosca, a vida desprovi-
da de artifícios e a simplicidade
dos apóstolos.
E o espírito, como foi idealiza*-
do, perguntará
o leitor amigo ?
O espírito, o grande problema
da
humanidade, a grande
fôrça que
faz do homem um ser superior,
mesmo dentro da sua maldade;
o espírito, esta sublimação mística
que nos une às belezas da terra,
às suas mais íntimas sutilezas. . .
êste está nas ogivas que se arcam
nas portas, por
onde passa
o ar,
PAQUETA COMO EU Ví 13!
por onde
passa um
pássaro curió-
so, por
onde passam
os homens
de boa fé. São as ogivas, eternas
lembranças das épocas religiosas,
as formas que
sempre induziram
a humanidade a levantar a cabe-
ça aflita ou orgulhosa
para os
céus...
Presidindo a capela paqueta-
ense acha-se Francisco de Assis,
o poeta
dos pássaros.
Numa per-
feita comunhão de idéias, Pedro
Bruno e Assis povoaram
daque-
Ias aves graciosas
e saltitantes as
suas vidas de estetas. Um fala
com os pássaros,
o outro deixou
que éles falassem ao Santo. ..
O recanto de Fídias
e Miguel Ângelo
Ao visitante de Paquetá não
passa despercebido um
jardim
grande e de uma sombra magni~
fica, crivado de coisas estranhas
e diversas, perdidas
no meio de
uma cortina verde e espessa.
Ef a casa de Pedro Bruno. Ali
se casam a velha arte clássica do
velho mundo e a luxuriante ve-
getação tropical. Sobressai uma
Venus Desconhecida, cuja purê-
za branca foi maculada pelos
re-
flexos de um limo suave. A um
lado, o Partenon se reproduz com
tôda a magnificência de Fídias.
Miguel Ângelo, numa expressão
angustiosa, traçou profundamen-
te, como costumava traçar a sua
mão poderosa
e pesada,
a figura,
ou por
outra, a máscara de um
escravo. Mais além, dentro * de
um recanto silencioso e escuro,
Beethoven dorme tranqüilo na sua
trágica imobilidade, simbolisando
a tortura das suas imortais sinfo-
nias.
E assim por
diante, cada casa,
cada árvore, vai semeando histó~
rias, salpicando tragédias, esprai-
ando doçuras.
José Bonifácio, o austero e no-
bre Andrada, personagem
de auto-
ridade e decisão, lá esteve detido,
numa casa velha, tendo deixado
na sua passagem
apenas a lem-
brança de sua estadia.
Na chácara dos Coqueiros, ou~
tro solar magnífico de grandeza
para a tradição
paquetaense, mui-
to mais bonito que
o solar de D.
João VI, encontram-se, novamen-
te, outras curiosidades. Nomes
de nobres, famílias heráldicas,
brasões antigos, lendas engraça-
das, pormenores
interessantes, tu-
do ali está, encerrado na memória
de uma descendente ilustre, tão
simples como a gente
simples de
Paquetá.
E, enquanto a proprietária
me
fala de um passado
longínquo, re~
lembra a passagem
do rei Bra-
gança pela sua moradia, os
pin-
gos de sangue, no assoalho da
capela, durante a Legalidade, eu,
velho repórter curioso e incorri-
gível, percebo nas
poucas remi-
niscências artísticas espalhadas
pela chácara os bronzes
preciosos
de França e os mármores translú~
cidos, descrevendo as formas de
Diana a Caçadora, uma riqueza
fabulosa e um gosto
apurado que
só as grandes
nobrezas sabem ter*
Paquetá, ilha que
soubeste ar~
rançar do peito
humano um ro~
mance tão belo; de um músico uma
melodia tão límpida como o mur-
murar de tuas águas em ondinhas
mimosas; tu que
tens nos contor-
nos a elegância das curvas e a
expressão, nas sombras; tu, ainda,
que possues recantos enfeitados
132 CULTURA POLÍTICA
com pedras
e de .pedras te enfei-
tas tôda,\como uma índia selva-»
gem e romântica, envolta de co-
cares e flores exóticas... tu, ó
Paquetá, nãò podes
nem deves
passar pelas mãos civilizadoras do
homem cifrado, cujo ideal habita
num pé
de meia, tinindo moedas
e que
te deseja converter em lucro
onde tôdas as comodidades mo-
dernas seriam rios de dinheiro
que lhe viriam convergir às
mãos....
Não, Paquetá. Se alguém di-
vino te concebeu tão magnífica-
mente, fazendo em ti um recanto
onde o carioca exhausto da vida
agitada da cidade-luz encontra o
lenitivo para
os seus nervos can-
sados, um lenitivo para o seu co-
ração materializado pela brutali-
zação da concorrência na vida,
deves continuar romântica, sim-
pies e serena como estás,
para que
sejas sempre a fonte inesgotável
do espírito humano, oferecendo
assim üma barreira à materialida-
de crescente, que quer envolver a
mentalidade vazia daqueles que
se dizem modernos.
Deves continuar com os teus
carros antigos e pachorrentos.
Nada de cassinos e dancings por-
que mal chegas para
abrigar a
tua gente.
Não permitas que
au-
tomóveis empestem o teu ar sa-
lubre com o odor citadino da
gasolina misturada com óleo ou
álcool. Não permitas que
te ras-
guem o seio com os trilhos ba-
rulhentos de bondes. Abaixo os
arranha-céus, porque êles desce-
rão o pano
cinzento dos cimentos
armados, diante dos teus ^ belos
panoramas.
Continua gritando, sempre,
quando te
querem explorar, quan-
do querem
destruir alguma coisa
de ti. Seleciona o mais que pude-
res o teu ambiente, para o
próprio
bem de tuas famílias. Colabora
com aqueles que te desejam aju-
dar e imprime os teus brados de
indignação nas letras de fôrma
da imprensa, que nós todos es-
taremos ao teu lado, na conser-
vação do belo e para
o bem do
próprio povo...
Lentamente, vai-se perdendo
no
horizonte a figura bonita de Pa-
quetá. E* a barca da Cantareira
que, pesada, corta as águas da
baía, deixando atrás um leque re-
volto de espuma borbulhenta.
Um apito rouco, meio incerto,
se perde
debaixo daquele céu in-
finitamente grande. A noite desce
escura, bocejando preguiçosa e
lenta. Estréias brilham travêssas,
enquanto o Cruzeiro estático abre
seus braços numa profecia.
Na barca, um clube de fute-
boi, na mais deliciosa promiscui-
dade, reúne casais dançarinos, de
diversas côres, em ritmos gosto-
sos que
marcam a vida e o passo
do carioca. E' o velho samba em
orquestra organizada, onde os
pentes em caixas ôcas, dedos á-
géis nos
próprios bancos da Can-
tareira, assovios, gaitas e vozes,
têm uma fôrça individual tremen-
da, dentro do ritmo dos ritmos,
N impecável, absoluto, risonho e
franco — gesto
espontâneo e na-
tural da massa popular.
E êles dançam alegres, satisfei-
tos, mostrando às escâncaras den-
taduras brancas, realçadas pela
côr escura que
lhes tingem a pele.
Enquanto isso a barca prossegue
lenta e pachorrenta,
asmática, tos-
sindo, quasi
cuspindo gente para
fora, tão regurgitada está a velha
Gragoatá, antidiluviana.
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Paquetá — Um colar indígena"
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A varanda lateral do solar de D. João
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(Cultura Política)
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Recanto pitoresco da ilha
(Cultura Política)
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Cidades do Brasil
D iamanti na
BRITO BROCA
ISOLADA
durante dezenas
de anos naquelas paragens
do norte de Minas, quasi
sem contacto com o resto do mun-
do, Diamantina soube substituir
pelo caráter inconfundível de uma
civilização própria, quasi
tudo
que lhe faltava.
Sem os jornais
da metrópole,
com as notícias chegando sem--
pre atrasadas e os obstáculos da
distância embaraçando o que
tendesse a movimentar a peque-
na urbe, a vida ali iria recair
numa irremediável monotonia, se
os diamantinenses não reagissem,
criando, com os recursos que
ti-
nham a alcance, elementos par-
ticulares de animação.
Cidade que
se diverte
Daí tornarem-se êles um povo
extraordinàriámente sociável e
festeiro. Era preciso
combater o
isolamento com reüniões, festas,
diversões de tôda espécie.
Se lá não chegavam ais com-
panhias teatrais e outros atrati-
vos, que
a metrópole, de quando
em quando,
exporta para o inte-
rior, os diamantinenses conse-
guiam suprir essa falta, redo-
brando o brilho e a freqüência
das festas populares.
Além disso, deve-se levar em
conta a influência da mineração,
até hoje a principal
fonte de vida
do Tijuco. O garimpeiro,
exila-
do naqueles fundões, ao fazer
üm bom negócio sente-se domi-
nado pelo
tiesejo incoercível de
divertir-se, gozar a vida. Vai
para a cidade com o
propósito de
gastar dinheiro, pandegar,
des-
forrar-se de qualquer
maneira
das noites solitárias nos barra-
cões. Não quer
outra coisa se-
não sociabilidade, divertimento,
alegria. E quando
há dinheiro é
sempre fácil encontrar parceiros
e uma atmosfera propícia de
pra-
zer.
^ Nós aqui não gostamos
de
tristezas — diz-me o Ernesto Ro-
que, diamantinense típico. Há
semanas em que as festas sao
diárias. Ah! O senhor precisa
assistir ao nosso Carnaval. Di-
nheiro rola por aí*...
E acaba me convidando para
uma festa naquela noite mesmo.
Reünião familiar e muito intimas
134CULTURA POLÍTICA
aniversário dc um amigo: o pre-
sidente da Sociedade do Perpé-
tuo Socorro. Nada dc luxo, gen-
te simples.
Alego a minha qualidade de
estranho.
— Não se incomode; êles te-
rão muito gôsto.
Concordo em ir. A lembrança
das páginas do Hóspede estimu*
la-me a curiosidade de assistir
a uma festa íntima em Diaman-
tina.
Festa íntima
A casa fica na parte
mais alta
da cidade, nas proximidades
da
estação e do seminário. Vamos
subindo lentamente a rua íngre-
me, parando
de vez em quando,
para apreciar o
panorama notur-
no do Tijuco. Becos desembo-
cam de um lado e do outro em
perspectivas imprevistas, com
agrupamentos de casas humildes.
E as luzes espalhadas pela en-
costa perdem-se
lá em baixo, na
aridez do vale imenso.
A casa do Bernardo Lopes,
presidente da Sociedade do Per-
pétuo Socorro, é muito modesta:
uma porta
e duas janelas.
Sou
recebido com simplicidade e fran-
queza. Na saleta, ao lado, reü-
nem-se alguns convivas. A prin-
cípio, mostram-se meio retraídos
com a presença
do estranho:
apenas uma reserva de polidez,
que se transforma em viva cor-
dialidade, logo que
se estabelece
a sintonia. (Quanta gente inter-
preta essa
polidez mineira como
desconfiança) .
Não há orquestra nem dança.
Come-se, bebe-se e conversa-se!
Nisto consiste a reünião e nisto
vai tôda alegria. Porque os dia-
mantinenses ainda sabem tirar de
algumas horas de convívio ami-
go todo o encanto que
o ritmo
apressado e as facilidades da
vida contemporânea ieem des-
truído. É que
as reüniões ali
continuam a fazer-se dentro de
uma tradição, obedecendo ao ri-
tual de um tempo em que
os ha-
bitantes da velha e longínqua ci-
dade não encontravam outros
meios de diversão. O espírito
dos primeiros garimpeiros
do Ti-
juco ressurge, sempre
que meia
dúzia de amigos se agrupam
numa sala para
se distrair. Em-
bora tenha progredido,
Diaman-
tina continua ligada à atmosfera
do passado.
Como poderiam di-
vertir-se aqueles aventureiros de
outrora, vindos de tão longe e
perdidos nas regiões desoladas
do garimpo?
Reünindo-se ao pé
do fogo e falando da saüdade
que traziam consigo. Filhos de
terras diferentes, cada qual ex-
pressava, em tom
próprio, a sua
nostalgia. E o canto seria o
exutório para tôda a mágua re-
calcada. Enquanto as labaredas
subiam, as notas mais diversas
se fundiam no acorde dolente da
saüdade —* sempre a mesma. As-
sim devia ter nascido êsse côro,
que hoje escuto na casa do Ber-
nardo Lopes: o Zum... A toada
lenta parece
sugerir o movimen-
to das embarcações a vela. Os
comparsas desferem o Zum os-
cilando a cabeça, como ao ritmo
das ondas. É qualquer
coisa de
arrastado e sombrio:
Zum! Zum! Zum!...
Mas agora cessa o côro e
uma voz plangente
entoa o solo:
"La
no fundo do mar..."
DIAMANTINA135
Cantiga de exilados, desabafo
de forasteiros, rumando através
do oceano para
as terras do El"
dorado.
"Lá
no fundo do mar.. ."
A voz reboa no âmbito estrei-
to da sala onde nos encontra-
mos, e todos a escutam com um
enlêvo religioso —¦ o enlêvo que
só o influxo da tradição pode
despertar.
Já no Rio eu ouvira falar nos
cânticos de Diamantina, uma das
particularidades mais expressi-
vas da cidade. Um boêmio pro-
curara dar-me uma idéia dessas
melopéias. Mas fôra tudo muito
vago, numa mesa de café, e o
próprio boêmio não estava bem a
par daquilo que
me queria
ensi-
nar. Hoje, tenho ocasião de ou-
vir no seu verdadeiro ambiente
os famosos cânticos.
Depois do Zum! temos outra
toada, esta menos dolente e mais
pitoresca.
"Como
pode o
peixe vivo (bis)
Viver fora da água fria? (bis)
Como pode êle viver (bis)
Sem a tua, sem a tua,
Sem a tua companhia?
Os pastores
desta aldeia
Já nos fazem zombaria.
Como pode êle viver (bis)
Sem a tua, sem a tua,
Sem a tua companhia".
Nos últimos versos os convi-
vas erguem os copos num brinde
coletivo. Reina a mais perfeita
alegria no ambiente. O Bernar-
do Lopes está radiante com o ai-
voroço que
vai pela
sua modesta
habitação. De momento a mo-
mento, cruzam-se vozes de con-
fraternização com o visitante. O
Ernesto Roque faz uma saüda-
ção no estilo diamantinense. Mais
uma das toadas típicas do fole-
lore local:
"A
um amigo
Um brinde feito,
Reina alegria
Em nosso peito.
Grato e ditoso
Alegre e jocundo,
Por tôda Diamantina
(Aqui o nome do homena-
[geado)
Respira amor".
Essa fidelidade a uma tradi-
ção regional, ao caráter de uma
cidade, comove-me e entusias-
ma-me. Sim, era um pouquinho
da pròvincia,
da boa e saüdável
província que eu encontrava ali.
Alguém poderia divertir-se
mais com a extravagância dos
cânticos, a falta de nexo de cer-
tos versos, do que
cem aquilo
que êles representavam naquela
ocasião. Eu não: consegui iden-
tificar-me com os convivas e par-
ticipar do mesmo estado de espí-
rito em que
êstes reviviam os
velhos costumes diamantinenses.
No Brasil combatemos as tradi-
ções, receando geralmente
o ri-
dículo que possa resultar do
desacordo entre elas e a atmos-
fera da vida moderna. Não per-
cebemos que a vida moderna tam-
bém está cheia de ridículos para
os que
vão lhe derem a adesão
de fanáticos.
O côro continuava animado e
vibrante:
"Como
pode o
peixè vivo...
CULTURA
Agora deve fazer-se um pe-
queno intervalo para
a ceia, uma
ceia pantagruélica, gargantuesca,
espantosa. Ali, com os meus bo-
tões vou pensando
no abalo que
essa noitada pródiga vai causar
no modesto ordenado mensal do
anfitrião. Porque o imagino um
homem de parcos recursos, ga-
nhando o essencial para susten-
tar a família e vivendo obscura-
mente no seu canto, apesar da
presidência da Sociedade do Per-
pétuo Socorro. Nada disso. Es-
tou inteiramente enganado: o ho-
mem de aparência tão humilde,
que me acolhe, entre aqueles
amigos também humildes, é dos
mais abastados negociantes da
cidade.
Daí a pouco,
um dos convi-
vas, pedindo
a palavra,
resume
a vida do aniversariante: de ori-
gem modesta, conseguiu enrique-
cer-se pelo trabalho, mas nao
procurou novos amigos nem ou-
tra sociedade: é um estafeta do
Correio, um prático de farmá-
cia, gente
sem nada de seu, como
o Ernesto Roque, que ali se en-
contra.
Depois da ceia e das saüda-
'
ções, continua, com o mesmo en-
tusiasmo, a reünião. Um rapa-
zola, aluno dó ginásio
local, can-
ta uma linda valsa diamantinense,
letra de um dos filhos de Júlio
Mourão, sobrinho, portanto, do
rçmancista Aristides Rabelo.
"Oh!
minha Diamantina
Oh! meu torrão natal!. . ."
Todos os presentes
comungam
aquelas palavras. Todos,
por-
que no meu anseio de con-
fraternização, repito, também, no
íntimo, o apêlo sentimental a
POLÍTICA
velha e querida cidade. O ra-
pazola enche bem o
peito, como
a querer que
sua voz, vencendo
o âmbito da sala, onde nos acha-
mos, vá reboar pela urbe ador-
mecida.
"Oh!
minha Diamantina..."
Tão pouca
coisa, às vezes:
uma reünião com meia dúzia de
pessoas, que há
quatro ou cinco
horas atrás ainda não conhecia-
mos; o quadro
evocativo de uma
cidade antiga —» e é o Brasil,
a boa província
brasileira, o nos-
so povo,
a infância, a adolescên-
cia, um alvoroço de impressões e
de imagens, a nossa própria
con-
fiança na vida que parece
redo-
brar-se.
Noite constelada de maio.
Foram-se os últimos rumores da
festa. Pelas ruas solitárias o
luar projeta
as sombras dos pe-
sados casarões. Mas no silêncio,
cada vez mais amplo, julgo
ou-
vir ainda uma voz distante, a re-
petir em trêmulo sentido:
"Oh!
minha Diamantina..."
Fisionomia urbana
Em Diamantina, como em Ou-
ro Preto, sempre que saímos à
rua é para
subir ou descer, pois
a cidade se estende ao longo de
uma encosta. A própria praça
da Matriz — o coração da urbe
é inclinada. Mas não são
aqueles declives bruscos e fati-
gantes de Ouro Preto. A encos-
ta é suave, oferecendo muita
perspectiva plana para as vias
públicas. E
quando ouvimos fa-
lar em ruas com nomes assim:
Macau de cima, Macau do meio
e Macau de baixo, podemos fa-
DIAMANTINA 137
zer uma idéia do sentido em que
se desenvolveu a cidade. Nas vi-
zinhanças do Grande Hotel, on-
de me acho hospedado, a confi-
guração urbana é a mais
pito-
resca. Dali partem
ruas com ca-
pistranas, e
pés de moleque. Ao
contrário do que
se dá na maio-
ria das cidades do interior, o po-
vo aqui, à tarde, não passeia
no
jardim, mesmo
porque a
praça
principal não tem
jardim. Num
domingo, à noitinha, posso
obser-
var o itinerário das moças e ra-
pazes: vindo do Macau do meio,
atravessam o largo da Matriz e
descem pela
rua do Amparo, fa-
zendo depois o mesmo circuito
de volta.
Tipos populares
Os tipos populares
de Dia-
mantina são famosos. Aristides
Rabelo colocou muitos deles no
seu romance O Hóspede, e ainda
há pouco Helena Morley, no seu
diário de colegial diamantinense,
publicado sob o título Minha,
Vida de Menina, aludia a algu-
mas dessas figuras típicas, como
o burlesco Bambães.
Hoje, Francisco Ataíde, juiz
de direito local, é um dos maio-
res criadores de tipos populares
em Diamantina. Sabendo ver e
explorar o lado pitoresco
e bizar-
ro do indivíduo, êle o transforma
'em verdadeiro personagem^
de
comédia ou de romance. Não é
outra coisa senão um romance
vivido a que
êsse diabólico espí-
rito nos apresenta, acionando as
figuras e fazendo com que elas
tomem um relêvo de criação li-
terária aos nossos olhos. Mas o
romancista e os personagens
se
divertem reciprocamente, mesmo
porque o romance não seria
pos-
sível sem um acôrdo de simpa-
tia entre as partes.
Ataíde narra-me a história de
cada um daqueles personagens,
história forjada ao sabor da sua
inventiva humorística:
Êste é Fulano. Você não
imagina o que
se deu com êle..."
Lá vem o enrêdo fabuloso e bur-
lesco, que
o indivíduo aceita sor-
rindo, quando
não desmente,
também sorrindo, um desmentido
convencional, de franca adesão à
brincadeira.
Paulo Felício, tipo exótico,
com seu chapéu de cow~boy, ros-
to fino e queimado,
imensos bigo-
des gauleses,
o andar muito ca-
racterístico, o dorso inclinado
para a frente atravessa o lar-
go da Matriz.
Ataíde chama-o. O diverti-
díssimo personagem açode solí-
cito e cavalheiresco. É um ve-
lho demandista, motivo por que
o juiz passou
a tratá-lo de
"so-
brinho do código civil". Paulo
Felício aceita de bom grado
as
aventuras estapafúrdias e inve-
rosímeis que o endiabrado inter-
locutor lhe empresta e regozija-
se com a nossa companhia, lem-
brando-se de que o
pai lhe re-
comendara andasse sempre com
gente importante. E
quando o
Ataíde lhe pergunta
se vai ficar
à tarde em casa, sub tegmine
[agi, êle arregalando os olhos,
exclama, muito intrigado:
* É alguma coisa de co-
mer?. . ."
Tornei-me grande amigo de
Paulo Felício, e no dia de par-
tir convidei-o para tirarmos um
retrato juntos. Depois que
o
fotógrafo —* atrás do qual
andá-
SH5P? fffiT .-••"(•liF>. *^®' '"*¦ '•' '¦¦'*&&•), '
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138CULTURA POLÍTICA
mos meia hora, sob o sol ^ ba-
teu a chapa, o meu amável com-
panheiro, enxugando o suor, in-
terrogou-me vivamente:
44
— Estou despachado, dou-
tor?"
Alvorada
A uma hora da madrugada, a
banda de música estruge nas ruas
de Diamantina. Morteiros e fo-
guetes explodem em vários pon-
tos. É a alvorada comemorativa
do aniversário da Sociedade
Operária. Momentos antes, eu
estivera na sede e vira com que
carinho se preparavam
os feste-
jos. O Ernesto Roque não se
continha de entusiasmo. E um
operário me dizia que já andara
trabalhando em várias cidades na
situação mais vantajosa e acaba-
ra retornando a Diamantina, pois
em parte alguma se sentira bem,
como na sua terra — terra onde
se vive e se diverte.
Agora, a banda de música a
percorrer as ruas com aqueles
dobrados rompantes. Uma hora
da madrugada de uma noite fria
de maio. A população, já
sob os
cobertores, desperta ao som da
filarmônica. Mas ninguém ficará
mal humorado por causa disso.
Os diamantinenses nunca se
aborrecem, quando ouvem músi-
ca na rua. Muitos veem à janela.
Eu também ali fico debruçado,
contagiado pela alegria estranha
que os metais estridentes acen-
dem no silêncio noturno. Ali per-
maneceço, a ver a banda afas-
tar-se, frenética, vibrante, irresis-
tível, como a alma festiva de
Diamantina, a irromper da ma-
drugada, num apêlo às estréias.
4
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1
Brasil no Exterior
O Brasil que foi
a Portugal
S1MÃO DE LABORE1RO
Jornalista português. Ex-diretor de
"O
Tempo", de Lisboa.
A
HISTÓRIA DO BRASIL pode
enquadrar-se em dois grandes
períodos centrais, ligados, sem
dúvida, entre si, no maravilhoso da mais
lógica de tôdas as seqüências, períodos
esses que, por sua vez, se fracionam em
determinadas sub-divisões. O primeiro
inicia-se em 1500» com a descoberta,
encerrando-se em 1822, com a indepen-
dência. É o Brasil dos portugueses, atra-
vés das suas diversas fases governamen-
tais: sob o regime embrionário das
Capitanias, na sua transição para o
Govêrno Geral, no seu grande avanço
com o vice-reinado, na sua formação,
por assim dizer já
definitiva, como
Reino, unido ao de Portugal sob o
mesmo cetro real, mas com seu apa-
relhamento privativo e até certo ponto
com suas leis privativas também. O
segundo alvorece em 1822 e vem até
hoje. E' o Brasil na posse plena da
sua emancipação, é o Brasil com sua
personalidade própria e no triunfo da
sua pujança, é, diga-se assim, o Bra-
sil integralmente dos brasileiros, sem in-
tervenções estranhas, governando-se por
si mesmo, desenvolvendo-se e progredin-
do sob o impulso de uma forte e consci-
ente vontade coletiva pronunciadamente
nacional, através dessas outras etapas
do Primeiro Império, das Regências, do
Segundo Império, da República de 1889
e do Estado Nacional, que em 1937
inaugura uma Época. Eis aí os dois
grandes períodos centrais, em suas mais
características subdivisões.
Bem quiséramos ter a envergadura
necessária para escrever um grande
li-
vro sôbre o Brasil dos brasileiros, nar-
rando e comentando, em seus sectores
tão variados, o que tem sido a vertigi-
nosa ascensão, brasileira durante êstes
cento e trinta anos de sua existência
como nação soberana e, principalmente,
durante esta última dúzia de anos. O tí-
tulo que competiria seria o de O Bra-
sil de Getúlio Vargas, porque foi, indu-
bitàvelmente, êste eminente estadista,
dos maiores de todos os tempos, quem
lhe imprimiu a feição que hoje o destin-
gue e não está apenas na Constituição
escrita, mas mui principalmente no sen-
timento nacional.
Preparado meticulosamente o
movimento de 30
Quem se detenha no estudo da Revo-
lução de 1930 não pode limitar-se aos
acontecimentos dêsse ano, tão forte em
emoções, mas tem necessariamente que
perscrutar os antecedentes que
lhes de-
ram causa. A índole dêste nosso estudo
não permite que entremos nesses deta-
lhes. A nossa atenção vai fixar-se no
fato concreto, a Revolução. E em se-
guida se fixará nas suas conseqüências.
A Revolução, antes de entrar em ação,
tinha tido uma preparação natural e
meticulosa. Era o choque inevitável en-
tre processos que tinham tido sua época
e processos que se tornava necessário
inaugurar, na grande luta do renova-
mento social. Era o choque entre duas
concepções. Venceu, porque correspon-
C
140 CULTURA POLÍTICA
dia a uma aspiração» ou, mais exata*
mente, a um imperativo nacional. Sem
estremeções violentos, inicia-se de fato,
em 1930, uma nova Era. Abre-se um
novo ciclo. O regime republicano é in-
tangível, porque representa a tendência
deste povo jovem e está dentro do con-
Junto continental. As diretrizes mestras
do Estado não sofrem solução de con-
tinuídade, mas, apesar disso, a Grande
Revolução começa no dia seguinte àque-
le em que são depostas as poucas
armas
que tentaram barrar-lhe o caminho
porque não há comporta nem dique su-
ficientemente fortes que
impeçam o rolar
das correntes impetuosas. Esta Revolu-
ção é acentuadamente pacífica, porque
está enquadrada na concepção pacifista
que sempre tem sido artigo de fé nas di-
versas Constituições do Brasil. O direito
estará sempre muito acima da fôrça. E
a liberdade iluminará a trilha que vai
ser seguida, a liberdade que não é licen-
ça, nem abuso, nem exorbitância, nem,
muito menos, anarquia, mas o direito in-
tegral do cidadão integrado na lei.
Estamos a pouquíssimos anos do iní-
cio das grandes reformas que
caracteri-
zarão o Estado Nacional no Brasil. Me-
nos que o ponto
de partida para a inicia-
ção dos novos costumes em Portugal.
Todavia, neste espaço tão curto, que
corresponde a menos de um minuto na
história de uma nação, a obra já rea-
lizada é impressionantemente formidá-
vel, porque atinge todos os setores da
vida brasileira na multiplicidade de seus
focos de ação e dinamismo.
Nasceu uma nova mentalidade, nas-
ceram processos novos. Operaram-se
reformas profundíssimas. Sob um pris-
ma inteiramente novo e visceralmente
brasileiro, sem cópias servis, encarou-se,
de frente e resolutamente, a questão
so-
ciai no velho litígio entre Capital e Tra-
balho, entre patronato e operariado.
Promulgou-se uma legislação completa
sôbre acidentes de trabalho, seguros so-
ciais, previdência social, habitação dos
trabalhadores. Resolveram-se problemas
que há dezenas de anos permaneciam
em equação na Europa. Tomaram-se
importantíssimas medidas de defesa na-
cional. Desenvolveu-se a agricultura,
abriram-se milhares de quilômetros de
estradas de rodagem, intensificou-se a
quilometragem ferroviária, deram-se no-
vos rumos à navegação costeira e de
longo curso. Dotou-se o Exército, a Ma-
rinha e a Aviação dos aperfeiçoamentos
mais modernos, fazendo-se das Fôrças
Armadas um conjunto potencial que
muito honra o Brasil e apto para a sua
defesa em qualquer contingência. Ate-
nuou-se a crise, que é apenas um refle-
xo da grande crise mundial. Jugulou-se
um perigoso e antipatriótico movimen-
to comunista em larga escala. Modifi-
cou-se a Constituição no sentido de tor-
nar a nação mais coesa, portanto mais
forte ainda. Restabeleceu-se em novas
pases o crédito externo. Reformaram-
se, atualizando-se, ou fizeram-se alguns
novos tratados de comércio com paises
estrangeiros. Unificou-se a justiça, der-
rubando-se barreiras estaduais. Vemos
uma grande, uma serena, uma monumen-
tal obra de justiça, de previdência,
de
equilíbrio, de progresso, e tudo isso fei-
to sem sobressaltos, sem lutas de classe,
dentro dois mais sólidos e sãos princí-
pios da verdadeira democracia.
Há, à frente dêste glorioso movimen-
to renovador e criador, um homem que
lhe dá vida, que lhe dá alento, que
o
incarna e sintetiza? Sem dúvida há. Ês-
se homem teve a ventura rara de se so-
lidarizar com a alma nacional. Compre-
endeu a nação e a nação o compreen-
deu. Dessa mútua e espontânea com-
preensão veio a delegação que
lhe foi
outorgada e a confiança com que o che-
fe dirige. Nesta obra de doze ou treze
anos existe tanto de notável como nas
obras em que os maiores estadistas
europeus consumiram longos anos de
preparo e evolução. Porque à frente des-
sa obra está sempre uma vontade.
Uma Revolução pode estar latente, cm
incumbação, digamos assim, duranie di-
latados anôs e mesmo não chegar a ex-
plodir. Uma Revolução é a abstração
de muitos, que fracassa se não tiver um
homem que a concretize. A Grande Re-
volução Brasileira de 1930 teve êsse ho-
mem — Getúlio Vargas.
Estamos diante de uma obra de pou-
co mais de uma dúzia de anos, parcela
mínima na história do regime republica-
no. Não importa. Durante esta dezena
ie anos realizaram-se coisas notabilís-
cirnas. Criou-se um novo espírito nacio-
nal. Surgiu um Brasil novo em sua3
múltiplas concepções, projetos e realiza-
ções. Pretendemos focalizar, as realiza-
ções que se enfeixam na ação direta dos
brasileiros, de 1822 até nossos dias. An-
tes, porém, devemos dedicar algumas
páginas à formação metódica da nacio-
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL141
nalidade, e esta não começa em 1822
porque vem de muito mais longe. E o
paciente trabalho dos portugueses
du-
rante mais de trezentos anos. Até ao
grito do Ipiranga, a História do Brasil
era, até certo ponto, a História de Por-
tugal, de que fazia parte
integrante. De
então para cá, abre-se um novo livro.
Penosa e áspera caminhada
Para se chegar ao que é o Brasil de
1943, houve necessariamente de fazer
se uma longa e por vezes bem penosa
e áspera caminhada. A gestação ou for-
mação da nacionalidade, como lhe quei-
ramos chamar, consumiu trezentos e vin-
te e dois anos. A obra portuguesa não
consistiu somente na descoberta, na
ocupação, na colonização, na civiliza-
ção. A parte
mais importante dessa
obra monumental, que forma o seu^ con-
junto, está na criação e manutenção da
unidade, que longamente antecede a in-
dependência. A unidade nacional ou so-
ciai, como lhe queiramos chamar, que
faz da imensidade do território brasilei-
ro uma parte única e indivisível, teve
por causas diretas a unidade religiosa
e a unidade perfeita de uma língua sem
dialetos. Êsses dois fatores tornaram-se
fôrças formidáveis e invencíveis, que se
opuseram às investidas de franceses e
holandeses. Não importa saber se os
invasores vinham de paises mais adian-
tados e poderosos que Portugal. Eles
eram o assalto, enquanto os portugueses
eram a legalidade. Êles traziam os cre-
dos de religiões diferentes da que se ia
dilatando pelo Brasil, traziam um idio-
ma nasalado ou áspero, diferente do que
se falava em todos os pontos onde chc«
gava a ação dos portugueses.
A posse da terra, os portugueses
a ti-
nham feito, em 1500, no simbolismo de
uma cruz apressadamente feita da pri-
meira árvore derrubada na floresta,
imensa e virgem. Quatrocentos e qua-
renta e três anos volvidos, êsse simbo-
lismo permanece intacto, porque
a cruz
continua sendo a maior fôrça espiritual
do Brasil. Os navegadores e soldados
de Portugal, que traziam a cruz de Cris-
to na brancura das velas de suas naus ou
em seus estandartes, começaram sua atu-
ação erguendo e firmando o lenho sa-
grado, insígnia sempre viva de uma re-
ligião eterna. Era todo um programa de
ocupação e civilização, nos descarnados
braços dessa cruz tosca. A' sombra da
Cruz se fixaram os primeiros colonizado-
res, se construíram, no litoral e no inte-
rior, os primeiros estabelecimentos, se
realizaram as primeiras tentativas de pe-
netração para o ínvio sertão e se esta-
beleceram os primeiros contactos com
os índios, senhores da terra. Os herói-
cos bandeirantes paulistas colocavam a
cruz mais alto que as suas próprias
ban-
deiras, porque ela lhes servia de bússola,
Assim, quando, em revoada, chegaram
os invasores, a religião católica estava
arraigada, de norte a sul e em tôda a
faixa que os portugueses
tinham podido
ocupar, conservar e civilizar.
Não nos atreveríamos a afirmar que
as grandes multidões de selvicolas tives-
sem compreendido, assimilado, professa-
do, a religião que os missionários lhes
iam tentando incutir. O conhecimento
direto que temos dois indígenas de An-
gola, junto aos quais
vivemos dez anos
consecutivos, e cuja mentalidade atual
não difere, nesse sentido, da dos índios
do Brasil dêsse recuado tempo, leva-nos
à convicção de que as tribus selvagens
nunca assimilam, por diferença básica de
mentalidades, as religiões dos povos
ci-
vilizados, embora por vezes aparentem
sujeitar-se-lhes. Mas .o que
está fora de
tôda a dúvida é que os missionários que
catequizavam os índios tinham sôbre êles
uma considerável ascendência e essa as-
cendência exercia-se através da religião.
Se, porém, o catolicismo era apenas im-
perfeitamente percebido pelos indígenas,
o mesmo se não pode dizer relativamen-
te aos europeus, que eram então )a
ai-
guns milhares, nem mesmo aos brasilei-
ros brancos natos, que já os havia tam-
bém, aqui nascidos de pai e mãe por-
tugueses. Êsses constituíam uma gran-
de fôrça espiritual, que animava a força
material, e essa fôrça se oporia aos in-
vasores. Existia uma unidade de altis-
simo valor, a unidade religiosa. A ela
devem os portugueses de então consi-
derável parte de suas vitórias, a ela deve
o Brasil, primordialmente, os alicerces
da sua formação.
Igual conceito se deve formar da uni-
dade do idioma, destinado a predominar.
Se é verdade que ninguém de boa fé po-
de contestar que os jesuítas
não quise-
ram ou não puderam ensinar o portu-
guês aos índios, preferindo aprender o
guarani e os outros dialetos bárbaros pa-
ra com êles se entenderem, não é menos
142i
CULTURA POLÍTICA
certo que a língua portuguesa,
sem mes-
cia, estava generalizada entre os colo-*
nos; até mesmo nos poucos estrangeiros.
Dessarte, a ocupação e a civilização
portuguesa tinham criado fundas raízes,
com a religião e o idioma, que seriam
outras tantas armas poderosas para com-
bater quem arvorava outra bandeira,
quem professava outra religião, quem
fa-
lava outra língua. Êstes dois fatos, bá-
sicos e indiscutíveis, não foram meras
coincidências, meros caprichos do acaso,
mas antes foram a realização de proje-
tos concebidos e realizados ao ritmo de
uma diretriz segura. Implantada firme-
mente a religião católica, propagada de
norte a sul a língua portuguesa, os por-
tugueses assentavam as balizas indestru-
tíveis da formação de uma grande na-
cionalidade, que viria a ser o Brasil que
culmina neste angustiado ano de 1943.
Outro fator da formação
brasileira
Ainda outro fator que decisivamente
concorreu para essa formação foi o mo-
do por que os portugueses
defenderam
e guardaram o território das cobiças exó-
ticas e, principalmente, como repeliram
as invasóes de franceses e holandeses.
Devemos ver nos acontecimentos rela*
cionados com essa heróica defesa os al-
votes da nacionalidade, embora tivesse
que permanecer, ainda por
séculos, liga-
da a Portugal. Quatro elementos en-
tram nessa defesa gigantesca. Não se-
ríamos inteiramente justos se omitisse-
mos o mais modesto de todos êles. Fo-
ram: os portugueses vindos de Portu-
gal; os brancos ou mestiços nascidos no
Brasil, que, embora politicamente pòrtu-
gueses, brasileiros já
eram pelo nasci-
mento; várias tribus selvícolas; contin-
gentes de africanos que já
aqui se en-
contravam. Esses quatro elementos for-
maram uma fôrça única, em que deve-
mos ver, acèntuadamente, o sentimento
nacional, para repelir o inimigo comum
a todos. Vemos, nas lutas para a expul-
são dos intrusos, os padres da Compa-
nhia conduzindo ps nativos: esta justiça
lhes queremos fazer.
Não dispomos de espaço, e escapa
até à índole desta modesto trabalho ana-
lisar a atitude geral dos índios, primiti-
vos donos do solo. Essa atitude não é
uniforme, bem o sabemos. Algumas tri-
bus se deixaram seduzir pelos franceses,
outras acompanharam os holandeses. Se
tomarmos em consideração a colabora-
ção que muitos chefes indígenas deram
às autoridades portuguesas e aos seus
diretores espirituais, no combate ao es-
trangeiro, encontraremos, remotamente,
o elemento nativo concorrendo para a
formação gradual da nacionalidade.
Passaremos por alto sôbre as tentati-
vas francesas. Basta que nos detenha-
mos um pouco sôbre o episódio -—¦ cha-
memos-lhe assim — da tentativa holan-
desa. A designação de
"tentativa"
cor-
responde exatamente à verdade histórica,
pois que, fracassados que
foram os es-
forços dessa gente para se estabelecer
definitivamente, a sua ação, apesar de
por vezes violenta e de se ter prolonga-
do por alguns anos, não passa,
no cená-
rio geral, de quadros
soltos, de
"corti-
nas", como hoje se diria em linguagem
teatral, de episódios, e, para tudo se di-
zer claramente, de aventuras destinadas
ao fim que tiveram.
Vantagens e desvantagens da
colonização holandesa
Houve, durante certo tempo, uma cor-
rente, mais literária que política ou so-
ciai, que lamentava a expulsão dos ho-
landeses, afirmava que outro, mais bri-
lhante e mais próspero, seria o Brasil con-
temporãneo se os neerlandeses aqui se
tivessem fixado em definitivo. Pessoas»
em quem queremos acreditar boa fé, dei-
xaram-se facilmente seduzir pela galher-
dia convencional do Príncipe de Nassau,
com sua côrte de artistas, pintores, en-
genheiros, poetas, geógragos, naturalis-
tas. Sabemos hoje perfeitamente que
durante a usurpação holandesa um úni-
co homem tinha as altas qualidades que
o tornavam, sem dúvida, simpático: o
chefe. Mas uma ocupação não se faz
com um só homem, por mais sábio diri-
gente que seja: tem que radicar-se pe-
lo conjunto. O conjunto, isso é a maioria,
digamos, mesmo, a unanimidade, era
visceralmente inadaptável ao Brasil.
Eram produtos exóticos que
nunca po-
deriam aclimatar-se, eram estranhos que
nunca conseguiriam nacionalizar-se. E
esta é a formidável diferença que dá um
enorme saldo positivo aos portugueses,
onde havia, no conjunto, na unanimida-
de, as qualidades básicas da assimila-
ção, da adaptação, da radicação, quer
pela resistência fisica, que
suportava o
clima, quer pelo temperamento, que
se
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 143
amoldava maravilhosamente a todas as
latitudes. E, acima de tôdas as demais
razões que ainda se poderiam aduzir,
basta citar esta: a enormidade da fôrça
moral vinda da certeza, em que justifi-
cadamente estavam, de se encontrarem
em terras que
tinham descoberto, ocupa-
do, colonizado e iam civilizando, em ter-
ras suas, em casa sua -—- ao contrário do
que se dava com os invasores que vi-
nham conquistar, pela fôrça e pela
insi-
dia, o que não tinham descoberto, o que
não lhes pertencia. Em volta da ocupa-
ção holandesa formaram-se lendas, que
os mais eminentes historiadores brasi-
leiros teem destruído, para que melhor
possa salientar-se a realidade portugue-
sa. Esta é a difinição exata: a aventura
holandesa é uma lenda, a ocupação por-
tuguesa é uma realidade. Quem queira es-
tudar, de boa fé, sinceramente e de espí-
rito isento de prevenções, todos os fato-
res que concorreram para a formação
da nacionalidade brasileira há de deter-
se forçosamente na análise da contribuí-
ção que os portugueses deram a essa
formação, na defesa do território e na
expulsão do invasor, arredando para
sempre êsses elementos que nunca pode-
riam trazer o caldeamento -—¦ báse in-
dispensável para a criação de povos.
Te-
mos a maior simpatia, o maior respeito,
a masi irrestrita admiração pela nação
holandesa, exemplo de civismo, de tra-
balho e de honestidade. Povo acentua-
damente pacifista, em luta constante com
as águas que lhe ameaçam o território
e devendo sua existência ao titanisrno
dessa heróica luta, que lhe forma o ca-
ráter nobilissimo — como sempre temos
afirmado ao tratar, em diversas publica-
ções, deste delicado assunto, — faltam-
lhe, todavia, qualidade básicas para
uma grande obra colonizadora. Conser-
va a Holanda, ainda hoje, um vasto do-
minio colonial, mas o tipo de suas co-
lônias difere das francesas, inglesas,
belgas e portuguesas. Êstes quatro pai-
ses conseguem conservar os seus colo-
nos, indo formando, lentamente, verda-
deiros paises, que um dia terão sua na-
tural emancipação. Não há muitos inos,
Hannateaux, falando do grande desen-
volvimento do império colonial francês,
designava-o como sendo a França
Africana". Os holandeses não conse-
guem demorar-se mais que
alguns me-
ses nos seus longínquos domínios colo-
niais, exercendo as funções diretivas, re-
novando-se continuamente. Esta cir-
cunstância, que todos conhecemos como
caracterizando a colonização holandesa
de nossos dias, já se acentuava quando
há séculos desembarcaram no Brasil.
Nunca se adaptariam. Havia entre êles
e a terra uma incompatibilidade que ne-
nhuma habilidade, como nenhuma fôrça,
poderia vencer. Dentre os fatores vá-
rios que constituíam essa anadaptabili-
dade, estava, como dissemos, a religião
e a língua.
Se a junção dos quatro
elementos
que atrás citamos não tivesse consegui-
do repelir êsses invasores, o fraciona-
mento do Brasil teria sido inevitável.
Esta verdade está reconhecida e procla-
mada pelos mais eminentes brasileiros, e
entre êles citaremos José Veríssimo,
Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Sílvio
Romero e modernamente Pedro Calmon.
José Veríssimo é claro e lapidar no
seu juízo:
"De
sorte que, verdadeiramente, o
domínio holandês tem apenas na nossa
história uma importância indireta, refle-
xa, se assim posso dizer: a de ter sido
a provocadora do sentimento nacional
no Brasil. Foi ao impulso da resistên-
cia ao invasor estrangeiro que os brasi-
leiros se sentiram uma pátria, e, se não
me engano, é dai que data para
nós es-
sa coisa e essa palavra. Tôdas as raças
que no Brasil concorriam para
a forma-
ção de uma nação tomaram parte
nes-
sa luta".
Entre a expulsão dos holandeses e a
proclamação da integral independência
do Brasil, há ainda mais de duzentos
anos. Isso não obsta a que o grande
e
ilustre critico brasileiro veja, nessa
ação conjunta de todos os que estavam
no Brasil, a
"formação de uma nação .
Para José Veríssimo, os portugueses
não
eram estrangeiros, porque tinham vindo
antes de todos, tinham descoberto e ti-
nham ocupado, iam civilizando e iam
preparando, metòdicamente, a formação
da nacionalidade.
Procurando entrar na razão que de-
terminou os acontecimentos, encontra-
mo-nos diante destes fatos absolutamente
concretos: Nassau viera em nome de
uma poderosa companhia comercial,
quase à revelia do próprio
Govêrno ho-
landês; os portugueses tinham vindo em
nome do seu rei, o que eqüivale dizer em
nome da nação portuguesa. A enorme
144CULTURA POLÍTICA
diferença está, precisamente, nessas an-
tagônicas determinantes. Seja-nos per-
mi tido repetir aqui palavras nossas, ti-
radas de um nosso outro trabalho:
"O
destino do Brasil, preparado pelos
portugueses, foi muito outro, Em vez oe
uma feitoria, uma nação, das maiores do
mundo. É que os portugueses,
tendo ex-
pulso os holandeses -—' o invasor,
— fi-
caram. Podiam os governantes portu-
gueses de então não ter a galanteria
de
Maurício de Nassau, mas tinham essa
outra qualidade mais preciosa,
a adapta-
bilidade. Ficaram como amigos. Há qua-
tro séculos que o sangue português
se infiltrou no Brasil. A raça criara
raízes que cada dia se tinham mais
aprofundando. Em vez dessa raça exó-
tica, que nunca se aclimataria, o Brasil
encontrou o padrão para formar a sua
nacionalidade, na raça latina, de que
os portugueses são um dois mais vigo*
rosos ramos. Esta a grande diferença .
Estava com a verdade José Veríssi-
mo vendo nesse movimento a base da
formação da nacionalidade. Por isso in-
sistimos em ver na transitória ocupação
holandesa um episódio, em volta do qual
se estabeleceu uma lenda, e na perma-
nente ocupação portuguesa uma realida-
de, de onde nasceu a nacionalidade bra-
silèira, que se apresenta do mundo, na
atualidade, como supremo potencial for-
mado por um grande povo generoso, em
cujos glóbulos sangüíneos gira
o san-
gue lusíada.
Da independência ao Estado
Nacionaí
E quando chega a hora lógica da in-
dependência não há uma revolução, mas
a sanção de um estado de coisas que, de
fato, já existia. Os portugueses
tinham
preparado o Brasil através das etapas
que páginas atrás citamos. D. João
VI
organizara o Reino. A separação não
encontra uma colônia dominada pela sua
metrópole, mas um Reino completamen-
te organizado com suas repartições, com
seus serviços próprios, com seu exército
e já com uma relativa autonomia. Um
único traço unia êste Reino ao de Por-
tugal: uma coroa real. Em 7 de setem-
bro de 1822 cria-se uma coroa impe-
rial, que substitue a real, e cinge a fron-
te ampla do jovem filho do velho sobe-
rano da véspera. O -
Brasil torna-se
uma nação absolutamente livre. Os pro-
testos vindos da outra banda do oceano
são mais formalidades que reações. Não
decorrem muitos anos para que as rela-
ções se assentem de igual para
igual. Os
portugueses continuam trabalhando no
Brasil, dando-lhe a lealdade da sua co-
laboração. E o Brasil inicia a sua for-
midável obra própria, que se esboça no
primeiro império, que
se amplia no se-
gundo império, que
se desenvolve na
República proclamada em 1889 e
que
toma novos rumos a partir de 1937, com
a concepção do Estado Nacional per-
sonificado no Presidente Getúlio Vargas.
Não se limita à capital da nação o pro-
gresso material. Por todo o imenso ter-
ritório passa o mesmo frêmito de desen-
volvimento e renovação. Cada capital
de Província no tempo do império, ou
de Estado sob a República federativa,
torna-se uma grande e formosa ci-
dade. São Paulo assombra o visitante
pela sua atividade febril: é o grande
centro do trabalho, das indústrias, do
comércio. Recife e Baía não temem
confronto com muitas das mais belas ci-
dades da Europa. Belo Horizonte, na
sua simetria que a assemelha a uma ci-
dade acabada de surgir, màgicamente,
no meio da natureza, apresenta-se
na curiosa feição de uma cidade de so-
nho. Se rumamos para o norte, ficamos
sob a forte impressão de belezas extra-
ordinárias nesse Pará de tão velhas e
fidalgas tradições. Deixando o mar e
subindo o rio gigante, o maior do mun-
do, com suas margens que parecem um
movediço cenário de trechos do paraíso,
e ao têrmo de cinco dias de inebriamen-
to, chegamos a Manaus e temos a sur-
presa de uma linda cidade moderna que
fica como sentinela no fim do Brasil.
Que diremos do extremo sul, dessa cida-
de maravilha que é Pôrto Alegre? Que
diremos da moderníssima capital de
Santa Catarina? Simultâneamente ve-
mos os campos trabalhados, as oficinas
em elaboração, as fábricas alimentadas
por milhares de braços robustos.^ Por
toda a parte
"Ordem
e Progresso", em
uma afirmativa gloriosa do lema da
bandeira verde e áurea, onde está o sim-
bolismo arrancado à natureza.
O Brasil da atualidade pode orgulhar-
se da sua situação, não só continental
como mundial .A sua legislação é com-
pleta, as suas leis são liberais, os seus
serviços estão modelarmente organizados.
Pertence ao Rio de Janeiro, em bom di-
reito que ninguém ousará contestar-lhe,
a designação de Cidade Maravilhosa.
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 145
Sem perder totalmente o sua feição co-
lonial, que persiste em determinados tre-
chos, o Rio modificou-se, digamos, de
há vinte anos para cá, na sua segunda
fase, porque as primeiras grandes modi-
ficações pertencem ao
grande prefeito
Passos, de forma radicalissima. Arra-
saram-se altos morros em plena cidade,
para que no terreno conquistado se er-
guessem monumentais arranha-céus e se
abrissem amplíssimas praças e avenidas,
como que ao mando de uma varinha má-
gica que fez surgir novos bairros intei-
ros. Plantaram-se jardins deliciosos on-
de a água jorra em uma orgia bendita.
Abriram-se extensas avenidas à beira-
mar. Aformosearam-se as famosas
praias consideradas as mais belas de todo
o continente e podendo mesmo competir
com essas outras de reputação mundial,
como Ostende, na Bélgica, e as da riviè-
re italiana. Sabemos que há cidades
maiores e de mais densa população, m*\s
duvidamos que haja outra que
reüna tão
bizarros contrastes no conjunto da sua
modernissima área urbana, no verde-
jante dos. altos morros que a rodeiam e
que em parte lhe estão no
perímetro, no
pitoresco das ilhas e ilhotas que
surgem
das tranqüilas águas da sua imensa e
incomparável baía, na altivez majestosa
do Corcovado, -de cujo cume domina a
monumental estátua do Cristo Redentor,
que, no simbolismo de seus braços aber-
tos, recebe todos os que de longe veem
para esta terra de
promissão.
Se, no limitado espaço de cento e
trinta e um anos, os brasileiros puderam
fazer do* Brasil a esplenderosa realidade
que constitue o seu legítimo orgulho,
muito para
isso concorreu a prepara-
ção que os portugueses
lhe deram, en-
treg ando-o aos seus verdadeiros senho-
res já organizado em Reino com uma
só religião, um só idioma e sem lhe
(altar uma polegada do seu sagrado
território. A Constituição republicana
de 1891 separou a Igreja do Estado,
na seqüência de um programa que da-
tava do tempo da propaganda. Essa
separação, tratada de comum acôrdo, li-
bertou a Igreja de diversas chancelas,
tornando-a mais livre, mais independen-
te e mais prestigiada. Os dois grandes
poderes, o temporal e o espiritual, sepa-
ravam-se perante as leis, mas uniam-
se na mais estreita colaboração, comple-
tando-se. A Igreja foi rodeada de tô-
das as garantias e de tôdas as atenções
e deferências. Pais por assim dizer unâ-
nimemente católico, o Brasil mantém as
suas tradições essencialmente cristãs, re-
pelindo tôdas as doutrinas e teorias exó-
ticas e principalmente extremistas. E*
que os brasileiros não esquecem que de-
vem a sua coesão e a sua unidade na-
cional, em grande parte, à unidade re-
ligiosa, como por
várias vezes acentua-
mos no decorrer dêste nosso modesto
trabalho.
Unidade de idioma, fator
decisiva
Não ficaria completo êste trabalho sem
fazermos mais demorada referência a ou-
tro dos mais poderosos e decisivos fa-
tores da unidade nacional: a unidade
do idioma. O Estado Nacional Brasi-
leiro vem dedicando mui especial aten-
ção à defesa da língua. E', portanto»
um assunto da mais comprovada opor-
tunidade e importância.
O português que se fala e se escreve
no Brasil difere um tanto do que
se es-
creve e fala em Portugal? Sem dúvida.
Mas êsse fato não nos deve surpreender
Se em Portugal, tão pequeno no seu ter-
ritório metropolitano, e onde não há
dialetos, a diferença de pronúncia, e até
de certos modos de dizer, se nota de Pro-
vincia para Província, como poderíamos
querer que, a milhares de quilômetros
de distância, com um oceano de per-
meio e com contingentes migratórios tão
heterogêneos, no Brasil existisse uma
uniformidade integral? Sim, existem al-
gumas diferenças, de que
vamos tratar;
mas, no que diz respeito à estrutura ge-,
ral e à pureza da língua, ambos perma-
necem intangíveis. No Rio não se fa-
la como em Lisboa, como em Lisboa
não se fala como no Pôrto, cidades se-
paradas por uma distância equivalente
à que separa o Rio de São Paulo. Mas
o que podemos afirmar é que
no Brasil
se escreve e se fala o português mais em
harmonia com o que lá falamos, do que
na América do Norte se fala o inglês e
em algumas das Repúblicas sul-ameri-
canas o castelhano. Há tempo, assistin-
do nós, com um súdito inglês, ao desen-
rolar de um filme norte-americano, êle
nos confessava que tinha a maior difi-
culdade em compreender o que se fala-
va, principalmente pela acentuadissimai
divergência de pronúncia. Mas vejamos
como a língua portuguesa se radicou no
Brasil e como tem evoluído, principal-
mente nos últimos anos.
F, 10
146 CULTURA POLÍTICA
Tôdas as línguas cultas teem uma raiz,
Para ençontrar, pròpriamente» a raiz do
que hoje é a língua portuguesa»
seria
necessário remontar muitíssimo longe e
perder tempo em considerações e até em
simples hipóteses» suposições e deduções
de filólogos. Já vamos bastante longe»
mas não muito para o nosso ponto
de
vista» se nos detivermos no latim ccmo
origem da nossa língua. Os romanos» na
sua época de esplendor e nos seus pe-
riodos de conquistas e migrações, leva-
vam a tôda a parte onde chegavam as
suas armas vitoriosas» a sua civilização e
a sua língua» que impunham. O idioma
sempre foi» e continuará sendo o mais
potente e decisivo fator de domínio. Um
povo com sua língua própria
é sempre
um povo livre. Durante a lenta evolu-
ção da nossa história, ainda muito an-
tes de nos constituirmos em nação autô-
noma, a língua foi passando por suces-
sivas gradações, equivalentes a etapas
sociais. Os lusitanos dos montes Herml-
nios, que às ordens de Viriato desceram
das altas serranias para derrotar, um
após outro, dois dos mais afamados ge-
nerais romanos, já tinham um idioma
próprio. A península
hispânica sofreu»
durante séculos» a influência árabe e
mourisca. A raça fracionava-se em vá-
rias partículas. Tanto assim que,
dessa
amálgama, ainda hoje se encontram bas-
tos vestígios» que ficaram nos dialetos
existentes em Espanha» alguns dêles tão
completos e quase soberanos que
mais
parecem línguas independentes. Castela,
cérebro e coração de Espanha, dominou
e impôs-se. A língua castelhana tornou-
se oficial, mas não conseguiu dominar
nem extinguir os dialetos, que continuam
vivos, e tão diversos entre si que os
habitantes de umas Províncias não com-
preenderiam os de outras se não se ser-
vissem do castelhano; e mesmo assim,
nas montanhas mais inacessíveis, nas ai-
deias mais ignoradas, os habitantes se
conservem teimosamente aferrados aos
dialetos. Essa circunstância, fator de
dispersão que tanto concorreu para
o fra-
cionamento da América Espanhola, não
se dá com os portugueses. Dialeto, ape-
nas um tivemos, e vagamente, o miran-
dês, tão diluído que só como curiosidade
pode ser citado. Dai o fenômeno da nos-
sa rápida unidade e emancipação. Vizi-
nhos da Galiza, ficamos, é verdade, du-
rante séculos, com tuna pronunciada se-
melhança lingüística, mas isso mesmo foi
gradualmente desaparecendo.
1Eticamente independentemente,
antes da separação da
Espanha
Quando Portugal, sob o montante de
D. Afonso Henriques, se separou da Es-
panha, já estava êticamente índependen-
te. Tinha vida própria. A língua, rude,
quase bárbara, desde logo começou a
corrigir-se. O primeiro português é ás-
pero de expressões e de sonâncias. A
escrita é irregular. Durante os primei-
ros tempos, a braços com a defesa do
território) com o alargamento das fron-
teiras, com as conquistas aos mouros,
não houve que cuidar-se das coisas dó
espirito. Os próprios conventos foram,
nos primeiros séculos da nacionalidade,
quase quartéis militares. As ordens, co-
mo a dos Templários, eram pronuncia-
damente militares. Só mais tarde as le-
tras transpuseram as pesadas portas dos
conventos. Mais longe se iria. De que
possuíamos um instinto delicado através
da rudeza do tempo, uma intuição ar-
guta, e até um precoce desejo de civili-
zação, é prova exuberante o rei D. Di-
nis, cuidando da terra pela agricultura,
povoando-a e defendendo-a e ao mesmo
tempo entregando-se a devaneios poé-
ticos, rudes e ingênuos sem dúvida» mas
demonstrativos de uma alma sensível e
de tendências progressivas. Com D.
João 1, a língua adquire uma relativa
perfectibilidade. Burilam-na os nossos
doutores em leis, como quem faceta um
diamante bruto, adivinhando-lhe -is ru-
turas cintilações. Descobre-se nessa lin-
gua, nas suas raízes e no seu desabro-
char, um tesouro inesgotável. Há que
cuidá-la, para torná-la suave em harmo-
nias e riquíssima em expressões. E isso
fazem.
As descobertas não obedecem acs ca-
prichos dos acasos, são a conseqüên-
cia de estudos e de planos.
O período
áureo das descobertas coincide com o
avanço formidável de nossa civilização,
e à frente da civilização marcha sempre
o aperfeiçoamento do idioma. Quando
Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil,
a bordo da nau almirante vinha um cro-
nista, Pedro Vaz Caminha. Os seus es-
critos ficaram e vieram até nós, alguns
dêles estão profusamente divulgados. Há
nesses escritos, de certo, têrmos que ho-
je não se compreendem, que
não mais
se usam e que nos parecem
até infantis.
Era o dizer de então. Mas nessas nar-
rações há, sobretudo, uma graça encan-
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 147
tadora, o inebriamento de quem contem-
pia, embevecido, coisas nunca vistas,
maravilhas não sonhadas, e hesita em as
descrever, porque as palavras
llic fal-
tam apesar da abundância do vocabulá-
rio já formado. Aquela frase que
todos
conhecemos e ali está gravada no mo-
numento é um exemplo de ingenuidade,
de beleza, de desvanecimento. Ainda ho-
je ninguém saberia definir e dizer com
tanta clareza uma coisa pela primeira
vez vista, como a descreveu ao rei ven-
turoso o cronista das caravelas do des-
cobrimento.
As primeiras palavras solenes que
os
portugueses fizeram ouvir na terra vir-
gem do Brasil foram em latim. Foram
um agradecimento a Deus pela imensa
graça que lhes fizera deixando-os che-
gar a pôrto
seguro, depois de tuna tSo
longa viagem por
"mares
nunca dantes
navegados". Foram as palavras sacra-
mentais de uma missa. Até nesse episó-
dio houve um significado especial, re-
zando-se na língua que deu, remotamen-
te, origem à -nossa
língua. Um portu-
guês um tanto diferente do dos nossos
dias, mas o português castiço daquela
época, chegou ao Brasil, em palavras
de paz, palavras de bondade, palavras
de promessas solenes. E a língua por-
tuguesa, mergulhando tão fundo como
as bases da cruz, ficou sendo, desde essa
hora, a língua culta do Brasil que ia sur-
gir.
O guarani, ou outro dialeto,
poderia predominar?
Sabemos que, quer-nos parecer que
por simples devaneio literário, há quem
sustente a teoria bizarra de que a lín-
gua a dominar no Brasil deveria ter si-
do o guarani ou qualquer
dos outros
dialetos índios. Em primeiro lugar, não
havia uniformidade na língua de todo o
imensissimo território e as dificuldades
começariam por escolher entre os vários
modos de falar das diversas tribus. As
pessoas, bem raras, aliás, que sustentam
essa esdrúxula teoria, esquecem-se de um
fator que já citamos: compete aos re-
presentantes de uma civilização superior
impor a língua culta em substituição aos
dialetos bárbaros. Adotar o guarani, ou
qualquer outro, sem escrita, sem gramá-
tica, sem regras fixas, sem vocabulário
para exprimir idéias ou objetos que
o
índio desconhecia, seria uma inversão de
papéis. O guarani
é muito bonito para
citações românticas, para fazer versos,
para citar em lendas, mas seria comple-
tamente impraticável. Além disso» o sei-
vicola, pela sua condição selvagem, es-
tava naturalmente destinado a assimi-
lar, civilizando-se e entrando no con-
vivio do dominador, ou a desaparecer*
Desapareceu, não porque fôsse persegui-
do e brutalmente extinto, mas dentro da
lógica das leis naturais, antropológicas, e
por espiritualmente inacessível à civilfr
zação. O Brasil era dos portugueses, os
portugueses o descobriram, ocuparam»
colonizaram, civilizaram. Tinha que
ser portuguesa, necessàriamente, a lín-»
gua em que
manifestássemos o nosso
pensamento individual e coletivo e em
que executássemos a nossa grande
obra.
Neste milagre, que assim lhe devemos
chamar, de têrmos nós, os portugueses»
tão poucos e de tão longe vindos, con-
servando o território brasileiro intacto
e compacto, coerente, uno, equivalente a
uma décima quinta parte do globo
ter-
restre, neste milagre em que comungou
a nossa fé, em que vertemos o nosso
sangue, em que consumimos a nossa sur
ma, em que prodigalizamos a nossa vou-
tade, devemos insistir em ver um dos fa-
tores principais na unidade da língua.
De norte a sul, no litoral como no ser-
tão, por tôda a parte
a mesma lln-
gua. Foi êsse idioma que
operou o mi-
lagre assombroso. Portugal, que pelo
Brasil, pela sua defesa, quase
abando-
nou África e índia, que para aqui man-
dou a fina flor das suas armas, das suas
leis, da sua nobreza, da sua religião»
Portugal pôde, quis e conseguiu conser-
var sagradamente intangível o território
imensissimo do Brasil até o dia em que
atingiu a sua natural maioridade. Tudo
isto: evangelização, defesa, propaganda»
progresso, se fez sob a coerência e sob
o ritmo harmonioso da língua portugue-
sa. Por isso só que fôsse, parece-nos que
a língua portuguesa, que se fala na ter-
ra livre, independente e grandiosa do
Brasil, merece muito respeito e merece
muita gratidão. Não invejemos outras
que teem maior eco na superfície dos
continentes. Tratemos esta, que é nossa»
comumente de portugueses e brasileiros»
com carinho e devotamento, não a dei-
xando abastardar, melharando-a, sempre
e sempre a defendendo com esfôrço e or-
gulho.
A língua não é o mestre-escola quem
prôpriamente no-la ensina. Bebemo-la
com o leite materno —» ninfa da vida»
WÊamBmnw'
^ «? nr,<'~ *.
_ aç «rç . * "w $ -¦" v:fT?t v- «3^ :•
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"".j*"- "*"•• -
148 CULTURA POLÍTICA
Antes de a irmos aperfeiçoar na escola,
aprendemo-la a balbuciar ainda no ber-
ço, quando ciciamos a primeira palavra:
mãe. Quem ensina o gorjear às aves?
O idioma em que se decretou
a Independência
O Brasil atingiu sua independência há
cento e trinta anos. O grito do príncipe
o decreto em que foi redigida a lei fun-
damental — foram na lingua portugue-
sa. Assim, o Brasil, que nascia na pleni-
tude da sua emancipação adotava a
lingua portuguesa, de que
não poderia
separar-se, porque era a sua própria iin-
çua.
Será possivel, com o decorrer dos sé-
culos, criar-se uma nova lingua a
lingua brasileira? E' possivel,
mas im-
provável: não seria necessário, nem tra-
ria vantagens. E' mais fácil a um po-
vo emancipar-se de uma tutela política
que criar ou simplesmente modificar uma
lingua. A evolução natural que
conduz
â maioridade, uma revolução triunfante,
um caudilho valoroso e prestigiado, um
chefe inspirado em um grande e nobre
sentimento nacional, um povo sedento de
liberdade — podem, em poucas
horas,
decretar uma indepêndência, uma sepa-
ração, criar um Estado. A criação de um
Idioma já não tem as mesmas possibili-
dades. Não depende de decretos» nem
de caprichos, de tiros de canhão, nem dos
exércitos mais aguerridos, nem de cam-
panhas por mais violentas. Tudo isso,
se o tentassem, cairia, desfazendo-se
como branca fumaça no ar, como enca-
pelada onda morrendo na praia depois
de um bravejar inútil, extinguindo-se
sem deixar um eco, acabando-se sem um
reflexo. Para se criar uma lingua, é ne-
cessário êsse fator formidável, titânico,
que se chama tempo. Muitos séculos,
que são grãos
de areia na vida das na-
cíonalidades. Não há tiranias, nem hero-
ísmos, nem violências, nem ciência, que
alterem essa dogmática ordem de coisas.
O esperanto, tentado há mais de meio
século, não passou ainda de uma curió-
sidade.
A lingua do Brasil é a portuguesa,
pertence-lhe tão legitimamente como a
nós próprios. Somos dois povos
inte-
gralmente independentes e soberanos, se-
parados por um oceano, localizados em
Continentes diferentes, cada um mandan-
do em sua casa e governando-se ccmo
quer e entende, mas que nunca ninguém
conseguirá separar na posse de uma mes-
ma coisa: a lingua. Pode ser, no Brasil,
enriquecida com vocábulos novos, na-
turais em um grande pais novo, e onde
existem coisas que em Portugal não
existem, como certas plantas, árvores,
aves, frutos. Os nomes dessas coisas,
mesmo quando sejam de origem indige-
na, devem entrar nos dicionários portu-
gueses publicados em Portugal. Isso,
porém, em nada altera a raiz da lingua,
porque êsta foi consagrada pelos séculos,
não podendo, portanto, modificar a es-
trutura do idioma.
O idioma de Rui jamais
seria túmulo
Algures alguém, mais pelos capri-
chos de fazer tuna frase do que exprimin-
do um pensamento sincero, disse que
a
lingua portuguesa era o
"túmulo
do pen-
samento humano". Temos que protestar
contra essa frase, por mais ilustre que
seja o seu autor, como sempre protesta-
remos contra tudo que se assemelhe a
derrotismo. Assim classificar a lingua
portuguesa não apenas magoa os portu-
gueses, mas ofende os brasileiros, por-
que em português os mais eminentes bra-
sileiros escreveram obras notabilissimas.
que atravessam fronteiras e transpõem
mares, sendo conhecidas e louvadas em
todos os continentes. Poderíamos citar
centenas de sábios, de poetas, de ro-
mancistas, de estadistas, de oradores
brasileiros que, cultivando o mais puro
português, obtiveram não só a consagra-
ção nacional, mas ainda a admiração
universal. Olavo Bilac, a quem há pou-
cos anos o Exército Brasileiro prestigiou
a memória, ao decorrer o centenário de
seu nascimento, é conhecido e admirado
em todo o mundo. Machado de Assis é
considerado um dois maiores prosadores
latinos dos tempos modernos. Que se
dirá de Rui Barbosa? Êsse nome enche
uma literatura, domina uma geração, re-
presenta uma das maiores glórias
brasi-
leiras de todos os tempos, e alguém o
considerou já como
"cidadão
do mundo".
Rui, o mestre impecável, o argumentador
formidável, o artista complexo e com-
pleto da palavra
escrita ou falada, o ju-
risconsulto da autoridade superior, o
tratadista e pontífice do direito inter-
nacional, que assombrou em Buenos Ai-
res, que se impôs na Haia
1 foi eoi
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 149
português que pensou, escreveu, falou,
em problemas transcendentes, em livros
que constituem verdadeiros códigos,
em discursos onde há a beleza helê-
nica, o clarão dos relâmpagos, o tro-
vejar das tempestades e a voz austera da
justiça. Visceralmente latino, orgulhan-
do-se da ascendência portuguesa, é uma
glória que não cabe nos extensos limites
do Brasil e se tornou de tôda a latinida-
de. Homem do nosso século, é uma gló-
ria mundial de nosso tempo. Na fulgura-
çâo do seu espirito, nas rajadas da sua
eloqüência, na luz do seu talento, no
extraordinário do seu gênio, havia qual-
quer coisa de tão grande que lhe criou
um lugar inteiramente à parte na galeria
das sumidades máximas contemporâneas.
Pensou os ideais mais generosos, pro-
nunciou os discursos mais assombrosos*
escreveu as obras mais notáveis -— e foi
em português que pensou, que falou, que
escreveu, repetimos. Os ritmos maravi-
lhosos da língua lhe deram o meio de
poder exprimir a grandeza do seu pen~
samento. Como pode ser túmulo do pen-
samento humano uma língua onde um
homem como Rui Barbosa adquire rtno-
me universal e se imortaliza?
A literatura e a imprensa
brasileiras
A literatura brasileira, a imprensa
brasileira, são hoje expressões do mais
extraordinário destaque em todo o con-
tinente americano e levam o nome bra-
sileiro a todos os outros continentes. E
essa literatura e êsse jornalismo são fei~
tos na língua portuguesa.
Há tuna evolução? Bis o ponto a que
queríamos chegar. Evolução não quer
dizer revolução. A evolução por que es-
tá passando a língua portuguesa assenta
em um acôrdo luso-brasileiro, concerta-
do pelas academias, sancionado pelos
governos de ambos os países e é de
suma vantagem mútua. Depois de ter
representado um importantíssimo papel
na História do Brasil, como fator da sua
unidade nacional, a língua portuguesa
evoluciona metòdicamente para conti-
nuar cumprindo sua missão. Há anos,
o Govêrno brasileiro tomou uma reso-
lução que poderosamente
contribuiu pa-
ra um ainda maior prestígio do idioma,
determinando, pelo Ministério das Rela-
ções Exteriores, a tôdas as missões di~
plomáticas do Brasil no estrangeiro» que
os discursos a pronunciar e os documen-
tos a expedir fôssem ditos ou redigidos
na língua portuguesa ~~ ou seja na lin~
gua nacional do Brasil. Também, desde
há vários anos, o Govêrno brasileiro
vem subsidiando uma cadeira de por-
tuguês em Paris. O Presidente Getútto
Vargas considera, na vastidão do seu
programa, a defesa da língua uma das
maneiras de manter o Brasil no seu
arraigado tradicionalismo. A língua por-
tuguesa, que, como temos visto, tanto
concorreu para a unidade nacional bra-
sileira, merece o carinho que de fato
lhe dedicam os governantes e os expo-
entes responsáveis do pensamento bra~
sileiro.
Realizações brasileiras
desde 1822
O Brasil dos brasileiros, expressão de
que nos servimos
para aludir às realiza~
ções que se iniciam em 1822, teve, noe
seus primeiros tempos, algumas dificul-
dades diplomáticas. Não foi Portugal
quem lhas criou. Começa nessa mesma
hora a firmar-se o patriotismo dos ho-
mens de Govêrno, e o tacto e firmeza de
sua diplomacia, que, embora recém-cria-
da, se mostrou da mais extraordinária
visão, competência e dignidade. Não
podemos fazer referência à série de inci-
dentes diplomáticos que surgiram, mas
não deixaremos de consignar a habtft»
dade, donde nunca se ausentaram a ener-
gia e a delicadeza, com que êsses inci-
dentes, alguns de aspectos bem graves»
foram solucionados. A diplomacia bra-
sileira criou uma personalidade típica.
Vinculou a sua ação aos maiores pro-
blemas de repercussão continental e ex-
tra-continental. Tornou-se uma tradi-
ção, sobretudo pela sua lealdade,
que
presentemente mantém, intactos, os seus
velhos créditos, tomando, por vezes, ati-
tudes da mais emocionante darividên-
cia, como há anos, quando se retirou
da Liga das Nações, muito antes do es-
trondoso fracasso do célebre instituto
de Genebra, Rolaram os anos e os h*
tos teem vindo, um após outro» dar
plena razão a tõdas as atitudes da di~
plomacia brasileira, de quem Rio Branco,
o grande chanceler, foi a personifica-»
ção clássica.
Uma das preocupações máximas do
Brasil, a partir de 1822, tem sido a
assistência, através das suas várias mo-
dalidades. Sentimos não poder alongar
a descrição do que nesse sentido se tem
150 CULTURA POLÍTICA
leito» não apenas de agora mas desde
há muito tempo. Em 1878» quando o
problema da assistência ainda não exis-
fia ou estava embrionário em muitos
paises de velha civilização, tomavam-se
no Brasil medidàs de dilatado alcance.
De resto, a própria palavra era ainda
desconhecida, preferindo-se outras cias-
sificações. Veremos, ràpidamente, o que
foi feito. Por determinação do presi-
dente do conselho de ministros de então,
conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira,
era nomeado Joaquim Rodrigues, Melo
Guimarães para, como representante
e enviado do Brasil, tomar parte no
Quinto Congresso Cientifico Interna-
cional das Instituições de Previdência,
a efetuar-se em Paris. A representação
brasileira tornou-se notável, pela contri-
buíção que levou a essa assembléia, onde
estavam representados mais de cinqüen-
ta paises, que não ocultaram sua sur-
prêsa ao saberem o extraordinário grau
de desenvolvimento a que se tinha che-
gado no Brasil sob o ponto
de vista
de previdência. Sem embargo de seus
sentimentos cristãos, o Govêrno brasi-
lelro já nessa época compreendia que
a
previdência era um dever social, que
competia ao laicismo, não podendo ficar
eternamente a cargo exclusivo das ins-
tituíções religiosas. Já então existiam
caixas econômicas, montepios, associa-
ções de interêsses mútuos, sociedades co-
operativas de consumo, associações de
beneficência, tanto nacionais como es-
trangeiras, além das já antigas ordens
terceiras, irmandades, confrarias, esta-»
belecimentos filantrópicos, asilos e hos-
pitais. Tôdas essas organizações ou es-
tabelecimentos mereciam a atenta vigi-
l&ncia do Govêrno.
Vem de longe, como se vê, um con-
junto de esforços no sentido do que
hoje englobamos sob a designação ge-
nérica de assistência. Mas é sob o
Govêrno do Presidente Getúlio Vargas
que o problema assume transcedente im-
portância. Não é, agora, só a assistên-
cia aos pobres e doentes. E' a assistên-
cia social, a previdência, a instituição do
seguro obrigatório, o amparo à velhice,
as garantias mais amplas ao operariado.
Tudo foi reformado e ampliado nesse
sentido. A Assistência Municipal do
Distrito Federal tomou um enorme de-
senvolvimento. Promulgaram-se leis im-
pondo uma bem compreendida nacional!-
zação do trabalho e de determinadas in-
dústrias. Criou-se o Ministério do Tra-
balho. A legislação sôbre o proletariado
tomou extraordinário desenvolvimento.
Exigências para a vitória
de uma Revolução
Para que uma revolução triunfe inte-
gralmente, exigem-se êstes dois fatores:
uma concretização de princípios que cor-
responda à evolução social de um povo,
e um homem que a avalize. Teve êsses
dois fatores a Revolução de 1930: cor-
respondia a um sentimento pronunciada-
mente nacional e teve um homem que,
dando-lhe coesão e vida em sua fase
inicial e preparatória, a tornou reali-
dade na evidência dos fatos. Todavia,
as pessoas que estudam a fundo a se-
qüência dos acontecimentos localizam a
Revolução Brasileira, que viria dar no-
vas e definitivas diretrizes à grande
nação, em 1937. Ê certo que 1930 depõe
senão um regime *—¦ porque
êsse, insis-
timos, a República, é intangível uma
Constituição que, tendo tido tôda a
oportunidade e tôdas as virtudes, se tor-
nara por assim dizer anacrônica, incom-
patível ante as novas concepções que
afetam as nacionalidades, e a que o
Brasil não podia permanecer indiferente *
Aparece, à frente da Revolução de
1930, o antigo ministro de Estado e
então Presidente do Estado do Rio
Grande do Sul, Getúlio Vargas. Civil,
de caráter e finalidades civilistas, a Re-
volução, que terá de ser feita pelas
fôrças armadas disciplinadas, assim
mesmo é Getúlio Vargas quem a orga-
niza quem
inicia o ataque, quem co-
manda. É êle quem preside à luta. É
êle quem anima e inspira confiança.
Ràpidamente vitorioso o movimento, é
êle quem assume o poder por imposição
do Exército e do povo. Está feito o
grande plebiscito, o plebiscito
das horas
de emoção, em que tôda a fraude é im-
possível, que não carece das formali-
dades burocráticas porque se exterioriza
na veemência da vontade nacional. E,
desde 1930, Getúlio Vargas torna-se o
homem que o Brasil esperava, de quem
o Brasil carecia e que o Brasil quer.
Vimo-lo, pela primeira vez, na ma-
nhã em que aqui chegou. Uma multi-
dão compacta de muitos milhares de pes-
soas enchia a Avenida Rio Branco, lima
das mais lindas artérias citadinas que
conhecemos. Não havia janela onde não
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 151
tremulasse uma bandeira, onde não as-
somasse um rosto de mulher. A multi-
dão tanto se comprimia que só muito a
custo se podiam dar alguns passos.
Bandas de música alegravam o ambiente
com suas vibrantes marchas marciais.
De repente, estruge uma trovoada hu-
mana assim se deve dizer. Palmas,
vivas, aclamações, entusiasmo, delírio.
Não é a gritaria anônima das manifes-
tações preparadas, mas o clamor sin-
cero de muitos milhares de almas em
esta. Um automóvel aberto vem avan-
çando, lentamente, a custo, rompendo a
multidão como um navio no alto mar
rompe as vagas agitadas. Faz um sol
brilhantíssimo e quasi se asfixia. Sol-
dados, marinheiros, operários com suas
blusas de trabalho, gente do povo, mu-
lheres e até crianças fazem a guarda
de
honra a êsse automóvel. De pé, um
homem novo, sorridente, agita o largo
chapéu gaúcho. Veste um simples dói-
man de caqui, sem insígnias, e em volta
do pescoço traz um largo lenço ver-
melho, enlaçado, com as pontas caídas
sôbre o amplo peito
êsse lenço que é
como que um estandarte, uma flâmula,
o sinal de todo um povo, êsse lenço
que foi usado por Garibaldi e por Anita,
que cingiü o pescoço dos velhos chefes
e ainda hoje é o distintivo mais querido
da nobre e valentíssima gente gaúcha.
A alma popular do Brasil reconhecia
em Getúlio Vargas o chefe incondicio-
nal da nação e, pouco depois, outorga-
va-lhe pleníssimos, irrestritos, ilimitados
poderes.
O autêntico condutor
de seu povo
Poderia ter sido um ditador de vou-
tarde exclusivamente própria. Poucos
homens terão tido uma oportunidade
como essa; mas a verdade, que cumpre
reconhecer, é que Getúlio Vargas nun*
ca foi, não quis sem um ditador den-
tro da concepção que em geral
forma-
mos das ditaduras. Ditadura é a su-
pressão, pelo menos temporária, das leis
e das garantias. Entre uma didatura sob
os regimes republicanos e o poder ab-
soluto dos antigos monarcas a díferen-
ça não é muita, porque em qualquer
dos
casos é o critério pessoal do chefe quem
orienta. Com Getúlio Vargas nunca se
casos é o critério pessoal do chefe que
uma nação enorme, tendo a confiança
ilimitada das fôrças armadas e do povo,
governando rodeado de um prestigio que
nunca ninguém atingiu tão amplo, Ge-
túlio Vargas jamais se esqueceu dós prin-
cipios democráticos, no bom significado
do têrmo. Para êle, o povo nunca deixa
de existir e a nação soberana está acima
de todos e de tudo. Antes de tomar
uma resolução, ausculta o sentimento, a
opinião, a vontade popular, e é sempre
de acôrdo com essas determinantes que
procede «— e daí a harmonia
que existe»
que há treze anos se mantém e cada vez
mais se radica e valoriza entre o palá-
cio e a rua, entre o Presidente e o povo,
entre governantes e governados. Du-
rante êstes treze anos de seu profícuo
Govêrno, muitos e gavissimos problemas
tem enfrentado, muitas crises teve que
debelar e sempre se houve com a inalte-
rável calma onde reside a sua maiof
fôrça. Tolerante, contemporizador, in-
dulgente, disposto a transigir, vai, nas
concessões, até onde pode ir. Atingido
êsse limite, chegado a essa barreira#
surge o homem de resoluções firmes e
inabaláveis. A violência repugna vis-
reralmente ao seu caráter liberal. Quan*
do porém é necessário ser enérgico na
defesa da dignidade, do prestigio, da
honra da pátria e dos justos interêsses
nacionais, ninguém o é mais, ninguém
o excede, porque ninguém chega mesmo
a igualá-lo.
Em 1930 suspende e substitue a Cons-
tituíção; encerra a Câmara dos Depu-
tados e o Senado, cujo funcionamento
não se compatibilizava com êsse perío-
do eminentemente revolucionário; inicia
reformas radicais, estabelece sistemas
novos e assim chega 1937. Outra Re-
volução se manifesta, e esta definitiva.
Há um momento de hesitação, em que
enuncia a sua intenção de deixar o
Govêrno. Todo o Brasil protesta. A
obra está apenas iniciada, e para que
prossiga, e para que se conclua, torna-'
se necessário, indispensável, o aval de
quem a iniciou e que
seja o mesmo ho~
mem que a leve por
diante. E um dia
as fôrças armadas, na mais completa
e maravilhosa harmonia com o senti-
mento popular, de novo se manifestam
de maneira insofismável. O Brasil in-
teiro impõe a Getúlio Vargas que
fique»
E o Presidente a mais de um sé-
culo de distância daquele dia em que
D. Pedro firmemente pronunciava o seu"Fico!",
se não repete a palavra, con-
firma-a pelos atos <— fica.
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152 CULTURA POLÍTICA
As raízes do Estado Nacional
Os críticos e comentaristas mais aba-
lisados vêem na Revolução de 1930 o
preparo para outros acontecimentos e
filiam a verdadeira Revolução Social
no ano de 1937» porque
é nesse ano que
se inicia o ciclo das maiores reformas»
estabelecendo-se, sempre dentro da
fórmula básica de República» a concep-
çãô do Estado Nacional.
O Estado Nacional Brasileiro não é
tuna cópia do Estado Novo Português,
nem foi inspirado em outras fórmulas
«estrangeiras caracterizadas por extremis-
mos. Tendo, naturalmente, feito um lar-
ço estudo comparativo das normas go-
vernativas de diversos paises, o Presi-
dente Getúlio Vargas deu à formidável
obra o cunho, o caráter, o ambiente
estritamente brasileiros. Assenta o Es-
tado Nacional, sem dúvida, nos prin^
dpios cooperativistas mais modernos.
E* uma tendência generalizada, a que o
Brasil não podia eximir-se. Dentro dês-
ses princípios, o Presidente Vargas con-
segue dar à legislação uma nota incon-
fundivelmente nacional. Não podia ser
de outra maneira. Capital e Trabalho#
patrões e operários, constituem proble-
mas seculares. Êsses problemas foram
resolvidos no Brasil de maneira supe-
riormente inteligente. São êles extraor-
dinàriamente complexos e difíceis, dada
a diversidade de fatores concorrentes.
O problema central do Capital e do
Trabalho é, digamos assim,
"relativa-»
mente" fácil nas velhas nações euro-'
péias, porque aí não há a concorrência
derivada de correntes migratórias. No
Brasil o caso apresentava-se de manei-
ra bem diversa. O Brasil tinha a resol-
ver a situação de milhões de operários
nacionais e a situação de algumas cen-
tenas de milhares de operários estrangei-
ros, entrados no país sob as
garantias
das leis de imigração. Era êsse um
problema delicadíssimo, entre a defesa
natural do trabalhador nacional e os
direitos adquiridos pelos trabalhadores
estrangeiros, que ao Brasil vinham dan-
do a lealdade da. sua colaboração.
Reparamos agora que subdividimos o
problema: a primeira parte refere-se às
relações entre Capital e Trabalho, de
uma forma geral; a segunda
parte alu-
de à situação dos trabalhadores exó-
ticos» Já que assim pusemos o problema
deixemo-lo assim ficar para o analisar-
mos em conjunto.
A legislação Getúlio Vargas
A legislação Getúlio Vargas, que os
grandes mestres estrangeiros, peritos
neste assunto, consideram das mais per-
feitas, das mais equilibradas, das mais
equitativas, resolve o problema sob o
aspecto nacional e, ao mesmo tempo,
atende à situação de muitos milhares
de trabalhadores estrangeiros. Em pri-
meiro lugar era necessário nacionalizar
o Trabalho — e o Trabalho está nacio-'
nalizado. O Presidente Vargas com-
preende que, na vanguarda de todos os
problemas sociais, está o do Trabalho,
principalmente agora em regime de guer-
ra. Esse melindroso problema está re-
solvido, ressalvando os justos direitos
do Capital, acautelando tõdas as garan-
tias que devem ser conferidas ao traba-
lhador, quer nas horas de trabalho,
quer
na higiene das oficinas, quer nas Caixas
de Aposentadorias — que tão sólidas
garantias dão aos servidores do Estado
—, quer nos acidentes do trabalho,
quer
ainda nos seguros obrigatórios. Fala-
mos em questão social. Mas a verdade
é que nunca chegou a haver no Brasil
uma questão social de caráter agudo,
porque os Govêrnos sempre se anteci-
param às reclamações. Mais do que
todos, se antecipou Getúlio Vargas. Re-
solveu. E com tanta calma e tanto espi-
rito de equidade resolveu, que
ambas
as partes ficaram
plenamente satisfeitas.
Sob o mesmo critério de tolerância
è harmonia foram resolvidos todos os
outros grandes problemas nacionais.
Para ser inteiramente justo, cumpre
reconhecer que, sob a
gestão Vargas,
nunca no Brasil existiu ditadura. Houve
a suspensão temporária de diversas ga-
rantias e de diversos poderes. Era in-
dispensável, nesse grave momento de
transição. Mas o homem forte a quem
foram concedidos poderes discricioná-
rios» manobrou de maneira tal que nun-
ca recorreu a êsses poderes, procedendo
sempre de acôrdo com as leis. Não
derramou uma gota de sangue, apesar
dos momentos difíceis que atravessou,
porque entendeu que p sangue brasilei-
ro é demasiadamente precioso para que
possa ser desperdiçado em vinditas.
O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 153
Suspendeu, suprimiu uma Constituição»
mas logo deu à nação outra Constituí-
ção mais apropriada à realização de uma
obra do maior alcance. Não suprimiu
poderes antigos, não criou poderes
no*
vos: o que fez foi a concentração de
poderes antes dispersos, com a compe-
tente concentração de responsabilidades,
dando-lhes maior coesão, maior efi~
ciência, maior prestigio.
Vimos de perto o Presidente Vargas
em uma noite de memorável emoção para
a alma coletiva da colônia portuguesa
do Brasil. Era outro o cenário, outro era
o aspecto. Não era mais a rua con-
gestionada por uma multidão em de"
lírio, não era mais um homem enver-
gando um trajo de campanha. Era
um grande, austero, vetusto salão, ver-
dadeiro templo de civismo, de altas
paredes Roletas de livros que formam
um exércit^de cem mil volumes, e de
onde pendiam bandeiras, estandartes e
galhardetes representativos de tôda a
organização associativa portuguesa, e
era um homem grave envergando a
mais correta casaca, atravessando essa
sala sob vibrantíssima tempestade
de palmas
e vivas. O Presidente da
República dos Estados Unidos do Bra-»
sil honrava Portugal visitando naquela
noite o Gabinete Português de Leitura,
êsse monumento da mais rara beleza no
rendilhado das pedras onde ressalta o
mais puro manuelino — a nossa Re'
nascença — erguido no solo brasileiro,
mas que tem, bem ao íundo de seus ali-
cerces, um pugilo de terra portuguesa,
e fazia essa visita para anunciar uma
outra de muito maior alcance, de muito
maior significado: a visita que
o Brasil
faria a Portugal na hora augusta da
celebração do duplo Centenário da In-
dependência. A Colônia prestava uma
imponente homenagem ao Chefe da
Nação Brasileira. Tanta imponência,
tanta sinceridade e tanta alegria houve
nessa manifestação, que era, diga-se
assim, o transbordar da alma lusa, que
o Presidente Getúlio Vargas, compre-
endendo~a em todo o seu sentimento,
se mostrou profundamente comovido.
Ao findar, recordou que tinha recebido
convite ao Govêrno português para
comparecer às comemorações centená-
rias. Fez uma pausa e deixou cair estas
palavras:
—» O Brasil lá estará!
O Brasil que {oi a Portugal
Nesse momento, o entusiasmo da mui*
tidão que enchia o salão não teve limi-
tes. O Presidente Getúlio Vargas iria
a Portugal e, na delegação augusta da
nacionalidade, seria o Brasil a ir a Por-
tugal, porque nunca se tinha realizado
uma tão estreita união entre o Chefe
da Nação e a própria Nação. Infeliz-
mente, êsse grande desejo não pôde ser
integralmente satisfeito. Os aconteci-
mentos que se precipitaram
impediram o
Presidente Vargas de fazer essa viagem
onde punha tôda a imensa sinceridade
da sua alma. Alguém, porém, foi em
seu nome e em nome do Brasil. Alguém
que era da sua máxima estima, da sua
máxima confiança, alguém que soube re-
presentar o Brasil condignamente, al-
guém que Portugal recebeu de braços
abertos e que hoje todos os portu-
gueses recordam na incontida emoção
da saüdade.
Quem foi a Portugal, na pessoa do
general Francisco José
Pinto, delegado
direto e especial do Presidente da Re-
pública, foi, da mesma forma, o Brasil,
êste Brasil de Getúlio Vargas, êste
Brasil que o seu gênio criador e o seu
ardentíssimo patriotismo formaram na
nova diretriz eleita. Se é certo que o
imperador e os presidentes que o antece-
deram concorreram para a formação,
para a consolidação, para
o progresso
do Brasil, não menos certo é que o
Presidente Vargas inaugura uma Era;
abre um novo ciclo com a sua decisão
de 1937, fundando um Estado naciona-
lissimo, dentro das mais modernas con-
cepções.
Uma das facetas mais salientes da sua
vastíssima obra é o sentido da maior
unificação. Sem quebrar a noção federa-
tiva, que é básica e indestrutível, com
que nasceu a República, altera-a, su-
primindo-lhe os exageros compreensíveis
na hora de incontidos entusiasmos da
proclamação. Não importam distâncias
territoriais, nem diferenças de climas,
nem hábitos regionalistas, porque a uni-
dade de sentimentos vence todos êsses
detalhes e a concepção sagrada da Pá-
tria está muito acima de tôdas as diver-
gências. E* fora de dúvida
que a enor-
midade territorial do Brasil desaconse-
lha uma centralização absoluta e antes'
indica que se dê a cada uma das uni-
154 CULTURA POLÍTICA
dades federadas uma autonomia, que não
pode, evidentemente, ser absoluta, mas
hâ«de ser relativa. Bsse principio básico
não foi alterado. O que se fez foi
disciplinar a delegação que a Federação
concede aos Estados seus componentes.
A descentralização ia muito longe, tendo
cada Estado a sua bandeira própria,
o seu hino próprio, a sua Justiça
até
certo ponto própria, a sua legislação
também parcialmente própria. Eram
quasi países dentro de um pais.
Pela
nova Constituição, que não copia ne*
nhuma, que é estruturalmente brasileira;
como temos visto, desaparecem todos
êsses privilégios e dissonâncias, para
que o todo se torne cada vez mais coe-
so. Foram incineradas as bandeiras es-
taduais, emudeceram os hinos estaduais
e derrubaram-se as barreiras.
E tudo isto na seqüência de um alto
e nobre pensamento —
para que a
Bandeira da Nação tremule mais alto, .
para que as notas do Hino Nacional
sejam mais vibrantes, para que
exista
uma só justiça na concepção de igual-
dade em que se encontram todos os bra-
sileiros perante a lei brasileira. Para
que haja um Brasil cada vez mais uni-
do, cada vez mais forte, cada vez mais
generoso e hospitaleiro, cada vez maU
seguro do seu brilhantíssimo futuro.
Foi êste Brasil, êste Brasil de hoje,
£ste Brasil do Estado Nacional êste
Brasil *que
Getúlio Vargas remodelou,
Imprimindo-lhe a feição que ora o ca-
racteriza, que foi a Portugal. O Brasil
que os portugueses
descobriram, coloni-
zaram, guardaram, defenderam» regando-
o com o seu sangue, trabalhando-o com
o seu suor, sagrando-o com o sacrifício
de tantas vidas e com a amor de suces-
sivas gerações. No abraço, bem frater-
nal, com que o venerando Presidente
da República Portuguesa recebeu o emi-
nente enviado especial do Presidente da
República do Brasil, abraço que uniu
ainda mais duas Nações, esteve, no mais
maravilhoso de todos os simbolismos,
a alma dos dois grandes povos. Se,
vendo Portugal de perto, o general
Francisco José Pinto pôde
admirar a
obra colossal realizada pelo Estado No-
vo Português, em um período também
curto, os portugueses manifestaram ao
representante do Presidente Vargas, que
encarna a Nação, a admiração, o respei-
to, o carinho que este grande
brasileiro
lhes merece e o orgulho pela obra gi-
gantesca que sua excelência realizou
calmamente, na serenidade de sua lim-
pida consciência, fazendo de quarenta
e
três milhões de brasileiros uma só fa-
mília unida em sua volta, confiante, e na
sua direção <— obra imensa, em parte
levada a efeito em tuna época de cruen-
tas incertezas e rudes preocupações, sem
alterar o sorriso, que não é a conven-
cional estereotipia de alguns governan-
tes de artificial popularidade, mas o re-
flexo de sua alma ingênitamente brasi-
leira, onde há as extraordinária virtudes
da raça lusíada.
Música
Beethoven:
"Missa
Solemnis"
VI) /1GNUS DEI
FREI PEDRO SINZIG, O. F. M.
OAGNUS
DEI faz parte da, li-
turgia romana» desde o reinado
do papa Sérgio I (687-701),
enquanto o Sanctus e Benedictus são
muito mais antigos, tanto na liturgia
oriental, quanto na ocidental.
Quem pensar um pouquinho no as-
sunto não compreende que, para texto
tão grave, existam músicas
"alegres",
levianas. A última invocação: dona
nobis pacem pode, talvez, justificar an-
damento mais animado, mas o caráter
grave do conjunto, sempre, terá que
ser tomado em consideração.
Teria-o feito o gênio de Bonn, fi-
lho, pois,
da Renânia sorridente e ex-
pansiva ? A indicação de andamento
— Adagio '
que se vê logo no ini-
cio da composição, já é um primeiro
farol a iluminar e orientar; há outro,*
porém, inconfundível, constituído pela
melodia confiada ao baixo-solo, que
define tôda a obra:
.Mrlffii I Mr 11|| i
III hi
Jt - -
Quanta fé não se revela nas repe-
tições de peccata, como a dizer que
todo o poder humano é incapaz de
tirar e apagar um único sequer! Só
Deus, só o Cordeiro imaculado. D ai o
pedido respeitoso, humilde, insistente»
do canto que toca o coração, todo éle
confiado não ao cõro misto, com suas
156 CULTURA POLÍTICA
vozes brancas, de natureza mais sua- côro de homens, em diálogo religioso
vc e alegre, mas às vezes graves dum com o tenor-solo:
.. 3cr&r
M>|
~
I" i II r r11"
^
T i-M" T'1
jf >H ******* JIM' A+f -T»vr«
****
6
¦—-5 e
ff pf f IP 1
Não estão notando nada os distin-
tos leitores ao olharem para as invoca-
ções miserere? Ter-se-ão esquecido que
Beethoven, cada vez que se dirige a
Deus, emprega o mesmo intervalo, que
toma as feições de legitimo leitmotiv?
Ei-k>, inconfundível, na última sílaba
de
"misere-re",
a dizer claro e insis-
tentemente que o pedido é dirigido ao
mais alto que existe: Deus.
A melodia superiormente expressiva
do baixo-solo, é repetida, no 2.° Agnus
Dei pelo contralto, ao qual, com
gran-
de efeito, já no 3.° compasso, se as~
sócia o tenor-solo.
Os pedidos
seguintes, de miserere,
tornam a empregar, como é lógico, o
leitmotiv da Divindade. E como se
fôsse pouco,
o soprano do côro em-
prega-o na forma invertida (terças con-
secutivas que sobem), enquanto o te-
nor, para não deixar dúvidas sôbre o
caráter dêsse motivo, o emprega, sem
interrupções, quatro vezes, em interva-
los que
descem do sol agudo para mi
e as demais notas do acorde, cada qual
mais grave:
si" sol "mi.
Está preparada a&sim, eficazmente, a
entrada de todo o quarteto
solista que,
em magnífico conjunto de grande in-
terêsse técnico e musical, conserva o te-
ma dos 1.° e 2.° Agnus Dei. As vo-
zes brancas repetem-no em canon; as
duas vozes masculinas, como contra-
movimento, usam de nova melodia,
apresentada também como início dum
canon. A emoção cresce de momento
em momento. Entra o côro, balbuciando
em uníssono:
11J
y
* IJ .s J If
e passando logo ao primeiro pedido de
misericórdia, com o emprego do /eif-
motiv da Divindade.
IfLjr J J ,1 J
|
J \ „S
|
W. ma
ir i
.i i
i•ywcu •
hlfclL J J J fa
?vt
'i
i
Êste, pouco a pouco, se generaliza,
sendo ouvido ora aqui, ora ali, termi-
r^rf i r-rtfn
X' ..• * > *.?; ' • 7 • W ' s
3
BEETHOVEN:
"MISSA
SOLEMNIS" 157
nando o pedido por mais 10 compas- do especial por repetidas dissonâncias
sos do côro que,
ai, recebe um colori" na orquestra:
\
•*"!ol
r I ii )
'
!»¦ f i J
)
Terminou o 3.° Agnus Dei e, ines-
peradamente, segue mais um único ape-
lo tímido, em pp: Agnus Dei> ou-
vindo-se imediatamente, agora no com-
passo 6/8, em Allegretto vivace, o úl~
timo pedido: dona nobis pacem.
Alto lá! Não devem os zeladores da
liturgia (aos quais desejo pertencer)
cair sôbre Beethoven, por ter terminado
também o 3.° Agnus Dei com mi-
serere nobis e só agora trazer o dona
nobis pacem? Cuidado! A veneranda
Basílica do Latrão,
"mãe
de tôdas as
igrejas", conserva até hoje como es-
creveu na revista petropolitana Mú-
sica Sacra o sábio beneditino Dr. dom
Crisostomo Grossmann (Sorocaba)
o miserere nobis também no 3.° Agnus
Dei, como antigamente se fazia sem-
pre.
Se, no entanto, rigoristas o acharem
inadmissível, nada impede substituir o
pedido incriminado pelo novo, que como
aquele tem o mesmo número de síla-
bas :
mi-se-re-re no-bis
do~na no-bis pa-cem.
O dona nobis pacem
de Beethoven
leva uma explicação: Pedido de paz in-
terna e externa. Sendo assim, não ad-
mira que, embora o andamento agora
seja mais rápido, Beethoven, desde a
primeira palavra ("do-na") empregue o
leitmotiv da Divindade. Nada mais jus-
to: outros, por poderosos que sejam
e por mais
que queiram, nunca na vida
poderão dar a paz
interna e externa:
uma só já é difícil; as duas,
juntas,
passam de tôdas as forças humanas.
Embora o primeiro
"pa-cem"
apre-
sente o citado leitmotiv na inversão,
Beethoven, pára maior intensidade, re-
corre a nova melodia, expressiva, para
o pacem: /
pS
iy\ .ru ¦!' i.—|ri ij ,M»'J.rrilr,
'V *'•* »' <&& ''iSftSPSHV
B
*• •" f
• • • V j - "
í
158 CULTURA POLÍTICA
escolhendo para o dona nóbis passos
melodiosos que evocam a lembrança do
motivo da Divindade:
O soprano do quarteto de solistas»
com mais tuna melodia de vigor beto*
veniano, chama a atenção e pouco de-
pois, contra notas prolongadas
do côro
(pacem)t a orquestra traz graciosos
contrastes em colcheias contraraovimen-
tadas que
em seguida se tomam bem
mais vivos:
iSTLnf if IfLIn
{l*.
Súbito é como se o sol desaparecesse,
subindo nuvens negras no firmamento.
É o timpano que, com orquestra e côro
emudecidos, da em pp, um primeiro
to-
que no fa grave, e outros e mais outros,
despertando receios e temores. Que
há? Gemem as violas e os violoncelos*
associam-se-lhes os violinos e, inespe-
radamente, ressoam de longe, em pp.
clarins de guerra, com inconfundíveis to-
ques ouvidos nos campos de batalha:
Santo Deus! Tropas? Inimigos? Guer-
ra?
O contralto, tímido, recorre a Nosso
Senhor: Agnus Dei, qui tollis peccata
mundu Soam mais perto os clarins. Alar"
ma-se o tenor, e grita: Agnus Dei! Não
termina, mas acrescenta logo: miserere,
miserere!, cada vez mais aflito. O peri-
go não cessa. Pelo contrário: as tro-
pas já devem estar perto.
Ressoam os
clarins, altos, zombeteiros, jubilosos, em
f[, e o soprano, horrorizado, por sua
vez grita: Agnus Deino... motivo da
Divindade... Eis que, súbito, como a
um sinal dado, tudo muda: forma-se
como que um muro intransponível en-
tre o côro e perseguidores, e os solis-
tas, gratos, dando a honra a Deus (pelo
leitmotiv citado) entoam em piano en-
ternecido dona, dona nobis pacem! O
r
r»
TTl- • :".-'Ww . V*
f '• ». II I _ ||PI ' WP
™ •*••
ry ¦>«» wr -
BEETHOVEN:
"MISSA
SOLEMNIS" 159
soprano sublinha a recordação de que
do alto» cantando várias vezes cm se-
a paz
<-* interna e externa só vem guida o leitmotiv da Divindade:
4+ (»*>
>
P
T
jf J
J
^
-
Os pedidos assumem o caráter de
ação de graças, de júbilo pela
liberda-
taçSo do perigo iminente. Reaparecem
melodias anteriores, voltam, em contra*
movimentos da orquestra, contra notas
sustentadas pelo côro e, súbito, como
se tivessem necessidade de se concen-
trar, as vozes emudecem. A orquestra,
em Presto e tf* passa a dominar exclu-
siva» tocando vitoriosa, com contra-mo-
vimentos animados:
mm
%
M
UlhJ
r^Tt
Tornam-se cheios os acordes e mais
vivos os contra-movimentos. O côro
voltando de sua meditação, recordando*
se da fonte donde lhe veio tudo. inter-
rompe majestoso, em tf: Agnus Dei,
Agnus Dei! Intervém o quarteto de so*
listas, partindo o soprano, com o seu
melodioso dona pacem,
do si bemol
agudo. O soprano do côro vem re~
lembrar, por sua vez, pouco depois, a
causa da salvação, indicada pelo leit"
motiv da Divindade, com repetições na
forma original e inversões cada vez mais
insistentes:
fiti
"P** M
\ f 11 i
|
¦
|—^iA.Ai^
Fin
li i
i-)'
flMf
TBE
^ / j(JO~ *• - fói+yA>~ — - —
Cresce a intensidade, aumenta a emo-
ção, voltam os contra-movimentos or-
questrais: alternam f[ e sf com pp ,
notas sustentadas com cativantes linhas
melódicas, e quando,
terminada a últi-
ma invocação do côro, a orquestra toca
seis compassos do psotludio, o ouvinte
sente saudades das maravilhas da Mis*
sa, parecendo-lhe regressar dum inundo
mais alto, mais digno, mais belo e san-
to, para a vida dos dias comuns.
« •
Será litúrgica a Missa Sólemnis
de Beethoven, quer dizer: permitirão as
normas eclesiásticas cantar e tocá-la du*
rante a S. Missa, na igreja, ou deverá
ser cedida à sala de concertos ?
Talvez ainda eu tenha ocasião de ex-
por idéias a êsse respeito; por
ora ter-
mino com um sincero:
"Mil
graças a
Deus que, por um Beethoven, revelou
tanta coisa de sua beleza infinita!"
Beethoven faz-nos ver e ouvir
um pedacinho do céu.
* I
Biografia
Artur Neiva
Com o falecimento, a 6 de junho
último, do professor
Artur
Neiva, perdeu
o Brasil uma das figuras mais expressivas do seu mun~
do cientifico.
Nasceu Artur Neiva na Baia, a 22 de março de 1880. Diplomado
em 1903 pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
ingressou,
em 1905, no Instituto de Manguinhos — em cuja direção agora, após
longa e brilhante carreira cientifica, o surpreendeu a morte. Em 1906,
foi nomeado auxiliar técnico do Laboratório Bacteriológico da Saúde
Pública e indicado por
Osvaldo Cruz para
organizar a campanha con~
tra o impaludismo nos serviços de captação de águas do Xerém e da
Mantiqueira, que
abasteceriam o Rio de Janeiro.
Foi nomeado, em
1908, assistente do Instituto Osvaldo Cruz e comissionado pelo
Insti~
tuto para
estudar em Magé os principais
focos de impaludismo e seus
transmissores. Por indicação de Osvaldo Cruz, acompanhou, em 1909,
o prof.
Prowazek numa comissão científica a Itapura e Mato Grosso, e
foi designado para
organizar e dirigir a profilaxia
contra o impalu-
dismo na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Em
1910, foi enviado a Washington e, em 1912, foi comissionado para
uma excursão científica através dos Estados da Baía, Pernambuco,
Piauí e Goiaz. Em 1914, recebeu o título de livre docente de História
Natural e Parasitológia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1915, foi contratado pelo govêrno
da Argentina para
instalar e
dirigir as secções de Zoologia Médica e Parasitologia no Instituto Bac~
teriológico do Departamento de Higiene dessa República. Em 1916,
foi convidado para
diretor do Serviço Sanitário do Estado de São
Paulo. Em 1920, foi comissionado para
estudar as organizações sa~
nitárias dos Estados Unidos e do Japão e a profilaxia da lepra na
Noruega, nas Filipinas e no Hawaii. Em 1923, foi nomeado diretor
do Museu Nacional, Foi contratado pelo govêrno
de São Paulo, em
1925, para
chefe da Comissão de Combate ò Praga Cafeeira. Em
1928, foi nomeado diretor superintendente do Instituto Biológico de
São Paulo. Em dezembro dé 1930, após a vitória da revolução, foi
nomeado secretário dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo.
Em fevereiro de 1931, o Presidente Getúlio Vargas nomeou-o inter-
0
BIBLIOGRAFIA 161
ventor federal na Baía» seu Estado natal* Em 1933» (oi nomeado di~
retor geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura,
cargo que
deixou em novembro de 1933, por
ter sido eleito deputado
pelo Estado da Baía à Assembléia Nacional Constituinte.
Com uma imensa bibliografia científica, tendo exercido cargos de
administração, onde ficaram traços definitivos da sua passagem
—
como os delineamentos do Instituto do Cacau da Baía, quando
inter-
ventor nesse Estado — e tendo colaborado em numerosas publica*-
ções científicas do Brasil e do estrangeiro, foi Artur Neiva um dos
grandes nomes da cultura brasileira.
Em ciência, foi êle autor do primeiro
trabalho sôbre raças de he-
matozoários do impaludismo resistentes à quinina, que
alterou a pro-
filaxia do mal; foi quem primeiro
denunciou o tifo exantemático na
Argentina e quem, pela primeira
vez, em 1919, revelou a existência
da leishmaniose naquele país.
Contribuiu para
a ciência com o desço-
brimento de novas espécies zoológicas, no Brasil e no estrangeiro. Ini-
ciou a profilaxia
da sífilis no Brasil e a campanha contra o impalu-
dismo e a opilação em São Paulo. Quando irrompeu a
"gripe
espa-
nhola", após a primeira
Grande Guerra, estava Artur Neiva na di-
reçãò do Serviço Sanitário de São Paulo, onde o seu dinamismo e a
eficiência da sua organização defenderam a capital e todo o Estado.
Elaborou o primeiro
Código Sanitário do Brasil, que
depois serviu de
base a outros códigos brasileiros e estrangeiros. Na direção do Museu
Nacional, seu tino administrativo e visão científica promoveram
ini-
ciativas de vulto. Fundador do Instituto Biológico de São Paulo, or~
ganizou ali o estudo das doenças infecciosas e
parasitárias dos ani-
mais domésticos e das plantas,
merecendo, por
isso, o Prêmio Latreille,
conferido pela
França. Foi uma das maiores autoridades, no Brasil, em
questão de malária, tendo deixado trabalhos científicos de
grande va?
lor sôbre o assunto. Organizou o atual Instituto de Tecnologia, no
Ministério do Trabalho.
Fora do campo da história natural, que
foi o centro das suas pes-
quisas, sua curiosidade intelectual derramou-se
pela etnologia,
pela
história, pela
lingüística, à cêrca de cada uma de cujas disciplinas nos
deixou trabalhos de valor incontestável. Aos seus esforços se devem
a publicação
de muitas obras de cientistas brasileiros e a organização
de muitos serviços, de relevante utilidade para
o Brasil. Conhecido no
estrangeiro, distingüido, diversas vezes, com convites de governos
e
organizações científicas de outros países,
soube honrar a nossa terra,
com o prestígio
do seu nome e a sólida estruturação do seu saber.
BIBLIOGRAFIA
Na sua vasta bibliografia, podemos destacar os seguintes estudos:
Publicados no
"Brasil
Médico": Uma nova espécie de anofelina brasileira:
Myscmya tibiamaculata (1906); Contribuição ao estudo da biologia da Dermato?
bia cyniaventris Mq. (1908); Contribuição ao estudo dos dípteros brasileiros
162 CULTURA POLÍTICA
(1908); Duas novas espécies norte-americanas
de temípíero« <£U>;
Três espécies novas de Reduvidas noríc-amer.canas (19U
tudo dos hematólagos brasileiros e dc^"'^°icão
de duas novas espécies de iria-
(1911); Notas de entomotogia £
t^anotõma cruzi pela
iria-
tomas n"^se^aT919
Infeccào de cobaias pela passagem do tripanosoma
toma sórdida Stal *ly Penetração do tripanosoma evanst atra-
çquinum através da con,untwa
f
(191 na
vinPchuca do tripanosoma
vés da conjuntiva da (19^-^fZ^alidade do Estado do Rio de um
do mal de cadeiras (1913), Pte /ioi4\.
Contribuição para o conheci*
novo transmissor da moléstia de Ciagas (
Central (1915)* Contribuição para
rnento dos hemipteros hematólagos da Amér^a(^ntralJ\9\5h^on^
O conhecimento das anofehnas do Es Cc>1lia
Thcobald com descrição°m
César PU»); Cc-rHfff .-*•
°
&Z! UrZZ.cí. Ar-
de uma nova especie (1922, idem), ,
. /iqoo idem)* De um novo
tibalzaga 1891. com descrição conhecimentos
hemiptero hematófago brasileiro (1922, idem), Vstaao ^
^ idem).
toX^os
;s ^¦ssrr&tr.ffK).
»»*""• wtír*
"'"pISÍo,
„=»
"Memórias do Instituto «
ne'a, uma nova mutuca da sub-lamiha
^on'"a j
indígena de Taboni-
Adolfo Lutz); Contribuições para o con/iecimenío
J „ intraglobulares Cos
dae (1909. idem); Contribuição para
o
^odos^
P^^fXluição
para
lacetticidas (1909, em colaboraçao UirJnaia
e sistemática das anofelinas
o estudo dos dípteros: observações so;f
Í1909V Formação de raça do he~
brasileiras e suas relações com o l™Pa (1910);
Informações sôbre a bio-
matozoário do impaludismo restsen e .q.qv
Contribuições para o conhecimento
irgia do Conorhinus Pai e do Estado de Mato Grosso
dos dípteros sangue-sugas do. Noroeste de oao
coiaboração com Adolfo Lutz);
com a descrição de duas espécies novas
^'J^^^ebotomus existentes
no Brasil (lvlZ, íaemj, no ias zw
MQ1^> mlaboracão com Tose Gomes de
larvas de Sarcophaga pyophüa n. sp. (1913,,
e
Tciatoma infestans Klug (1913);
Faria); Informações sôbre a biologia da Vinchuca lriatoma^ espécics
novas
Contribuição para a biologia das megarmas Testado
dos Redu-
(1913, em colaboração
com Adolfo Lutz)
^Contribuição
para
^ (1914). Jn{or-
vinas hematólagos da Baia. com^do
Estado do Rio de Janeiro (1914;
cmfcolaboração com Adolfo ^atz^ff^/^"P^orte
°da "'Jda^udòeste
de Per-
•
Dvros e monografia^ Da S<<M'aína^^I^o,^^19O5)^^euisão^^do^0en«-o^^r^-
toma Lap. (Rio, íyi^) » tteiavor M
a 9 M de comunicados a Imprensa
/t>í^ 1Q1• A broca do café: coletaneas (1. e z. )
ae cumuí» /çSn
pai1ift
Hão Paulo.' 1925); Daqui e de
^29)1
1927); Esboço histórico sôbre a Érfâme. e
Estudos da Língua Nacional ,avra'multos
outros trabalhos, publicados em
Além desses, ctrangeiro,
em diversos periódicos e anais cien-
diversas épocas, no Brasil e no estrangeiro, e Paulistas
de Medicina e
tificos, como:
"Revista Médica de São Paulo
£na£
rau ^ ..Ciêncja
Cirurgia".
"Anuário do Ensino do Estadao d.Departamento
Nacional de Higiene".
Sode.y" de Wnsh.u,»».
"An.de. <U Mu-
seu de Historia Natural" de Buenos Aires. etc.
k«íj> V" vqPW% rF 1 ** * ~ •
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Inquéritos e reportagens
A campanha da nutrição no Brasil
Preliminares — A ação cia Liga das Nações
— A posição
do Brasil —
Revelações de um inquérito — O
fato econômico
— Restaurantes
populares —* Racionalização cientifica
—¦ A ação do S. T. A. JV» *
Carne deshidratada —
Rações supletivas, rações de reserva e os se-
gredos de
guerra — Apoio e cooperação norte-americanos•
O problema
da alimentação nasceu com o homem. A princípio
era
individual e as criaturas guiavam-se pelo instinto, subordinadas às
possibilidades naturais do meio. Depois, com o aumento da
população
do globo
e as transformações ambientes, passou a ser uma necessidade
coletiva. Foi quando
surgiu a técnica e, com ela, a ciência da nutrição,
orgulho dos nossos dias.
Desde então, no mundo das cogitações científicas como no campo
das realizações administrativas, avulta a importância biológica, social
e econômica da alimentação humana, explicando-nos fenômenos que#
antes, passavam despercebidos.
Na Europa -—' vanguardeira do progresso
— a nova ciência atin-
giu o seu climax durante a chamada Grande Guerra (1914-18),
diante
da necessidade de alimentar os exércitos em choque, e, depois, ao
enfrentar as dificuldades que repontaram do ambiente social
gerado
pela catástrofe.
Êsses fenômenos e um mais profundo
conhecimento da fisiologia
da nutrição, alcançado no comêço do século que
vivemos, guindaram
o assunto ao primeiro plano
do debate dos grandes problemas
da vida
contemporânea.
Foi assim que
na Inglaterra, na França, na Rússia, na Itália e,
atravessando o Atlântico, nos Estados Unidos, surgiram as comis-
soes técnicas e os primeiros
institutos especializados, cujas observa** •
ções e investigações sistemáticas vieram demonstrar
que uma imensa
massa humana, notadamente as camadas média e inferior da socieda-
vivia num estado de desnutrição permanente, de carência total
ou parcial
de vários alimentos considerados indispensáveis ao equilà"
0
164 CULTURA POLÍTICA%
brio orgânico c que
êstc desequilíbrio nutritivo, além de preparar
o
terreno para
doenças infectuosas, inclusive a tuberculose, era causa
da ocorrência de vários estados mórbidos, alguns de acentuada gra-
vidade.
Como era natural, essas conclusões alarmantes despertaram o in-
terêsse de outros países
e por
tôda parte,
em todos os continentes,
surgiram estudos e trabalhos sôbre a matéria, adotando-se paralela-
mente medidas administrativas de proteção
e de racionalização da
alimentação popular.
A ação da Liga das Nações
A Liga das Nações, por
seus órgãos técnicos, desde 1925, tor-
nou-se o centro de irradiação dos debates, sobretudo através de con-
ferências, de pesquisas
e relatórios subscritos por especialistas do mais
alto quilate.
Em seu seio, Bruce, delegado da Austrália, chegou a sustentar
que a melhoria da alimentação das massas
populares deve constituir
o primeiro
objetivo da higiene pública, para
isso devendo ela aliar-se
estreitamente à agricultura, sobretudo no propósito
de promover
o
aumento indispensável do consumo dos alimentos protetores.
Incidindo no mesmo ponto
de vista, o professor John
Orr, da
Universidade de Abeerden, foi ainda mais longe e sustentou que
a
depressão econômica mundial era um fenômeno de deficiência ali-
mentar.
Certo ou errado, pouco
importa, o fato serve para
mostrar a proe-
minência e a magnitude do problema que
novamente reclama a aten-
ção geral no momento histórico
que a Humanidade atravessa, à frente
da qual,
mais uma vez, vem de colocar-se o grande
Presidente Roose-
velt, conclamando os povos
americanos a um esforço maior para
faci-
litar a tarefa de alimentar, agora, as forças que
lutam pela
liberdade
e, depois, o mundo estropiado que emergirá do cataclismo.
Essas e outras considerações adiante transcritas foram feitas a
CULTURA POLÍTICA pelo professor Josué
de Castro, ou inspi-
radas em elementos que
êle nos forneceu, para
melhor situar a posi-
ção do Brasil na
grande campanha, agora
que acaba de surgir em seu
seio um novo e importante órgão central — o Serviço Técnico de
Alimentação Nacional — criado
pela Coordenação da Mobilização
Econômica e confiado à comprovada experiência daquele higienista.
A posição
do Brasil
i
Embora dos últimos a se enfileirarem na luta pela
boa alimen-
tação, o Brasil está em condições de levar ao certame internacional
que se
projeta realizar
para breve uma contribuição
preciosa, sobre-
tudo se atentarmos na imensa riqueza dos produtos
tropicais e subtro-
picais de
que dispomos.
A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 165
Fomos surpreendidos pelo
chamamento de Roosevelt na fase
mais importante do problema
brasileiro, isto é, quando
iniciamos a
etapa verdadeiramente científica da campanha alimentar que,
não es~
queçamos, é obra exclusiva da era
getuliana.
Antes dela, ou seja, até 1930, reinava completo indiferentismo.
Uma ou outra voz isolada, que
repontava aqui e ali, perdia-se
em
meio ao desinterêsse geral.
A reforma política,
encabeçada pelo patriotismo
de Getúlio Var~
gas, removendo fundo os alicerces da Nação e renovando valores,
pos-
sibilitou o início da primeira
fase pela
momentosa questão,
fase que
se
prolongou até 1935 e
que pode ser chamada de
propaganda e divul~
gação, caracterizada
por estudos e debates teóricos. Foi
quando a
IPÊS (Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária)
promoveu
uma intensa campanha em favor da boa alimentação, pela
imprensa#
pelo rádio e
pelo cinema, estendendo-a
por todo o
país.
Um cuidadoso inquérito sôbre como se alimentavam os alunos
dos colégios do Rio de Janeiro revelou a situação,
passível de críticas,
e a maneira de modificar as suas dietas.
Sob a responsabilidade do Departamento de Saúde Pública de
Pernambuco, das autoridades sanitárias paulistas,
da Escola de So-
ciologia e do Instituto de Higiene de São Paulo, outros inquéritos fo-
ram realizados nas capitais dos respectivos Estados (1934 e 1935),
visando à determinação do padrão
de vida e das condições de ali"
mentação em cada uma delas. Por êles, chegou-se à evidência de que,
nas duas regiões estudadas, era defeituoso o regime alimentar, pelo
menos carencial e desequilibrado, em São Paulo, e insuficiente, no
Nordeste.
Em 1936, agora sob a égide do Departamento Nacional de Saúde,
identificado com as modernas correntes de educação sanitária, pro-
cedeu-se a outro importantíssimo balanço, desta vez abrangendo a
cidade, os subúrbios e a zona rural adjacente do Distrito Federal.
Revelações de um inquérito
Um total de 60.149 pessoas pertencentes
a 12.106 famílias (em
média, 5 pessoas por
família), cobrindo a área citada, revelou entre
outras coisas:
a) ser de pouco
inferior a Cr$ 500,00 o rendimento médio de cada
família, vivendo cêrca de 1/4 delas em regime de déficit permanente;
b) despender cada família, em média, 1/4 do rendimento em ha-*
bitação, quota
baixa em face de rendimentos baixos, o que
força
33/34% das famílias à morada em casas coletivas, sem maior con~
fôrto, nem condições higiênicas satisfatórias;
t- 7^ r-
166 CXILTURA POLÍTICA
c) representar-se, em média, por
1/16 da renda o gasto
com
transporte, numa correlação significativa com o rendimento, havendo
cêrca de 1/3 das famílias que
nada despende nesse particular;
d) caber, em média, às despesas com alimentação mais de me-
tade da renda, atingindo a quasi
3/4 do grupo
de famílias de menor
rendimento, e a pouco mais de 1/3 dó
grupo oposto, numa correlação
positiva bastante significativa;
e) não haver deficiência, nem mesmo para
o grupo
de menor
rendimento, no total energético do regime alimentar no Rio de Ja-
neiro, sendo êle mesmo, em média, exagerado;
/) poder ser reduzido o consumo de
proteínas e
gorduras em fa-
vor dos hidratos de carbono, certos minerais e vitaminas;
g) haver no consumo de leite e de verduras, legumes e frutas,
fontes reconhecidas de cálcio e ferro e das principais
vitaminas, um
déficit que
culmina no fato de 16%, 6% e 13% das famílias não te-
rem, respectivamente, leite, verduras, legumes e frutas nos seus re-
gimes alimentares;
h) pode considerar-se, pois,
o regime alimentar no Rio de Ja-
neiro um regime incompleto e desharmônico, por
ser deficitário em
princípios minerais e em vitaminas e
por apresentar
proporções ina-
dequadas dos seus componentes orgânicos.
É claro que,
num país
de tão vasta extensão territorial como o
Brasil, essa e as outras amostras colhidas significam muito pouco.
Entretanto, se, por
um lado, tiveram o mérito de confirmar as
previsões dos técnicos com relação à insuficiência ou à falta de orien-
tação científica do regime alimentar do nosso povo, por
outro servi-
ram para
evidenciar as suas diminutas possibilidades
financeiras.
Foram tão alarmantes os resultados a êsse respeito que,
daí por
diante, a questão
alimentar passou
a ser encarada como um produto
do baixo orçamento das massas, senão para
adquirir alimentos (fome
quantitativa), ao menos
para enfrentar as despesas exigidas
pela
orientação científica (fome qualitativa).
O fato
econômico
Chegou-se, assim, à conclusão de que para
resolver o problema
técnico era preciso,
antes, encontrar a solução para
o fato econômico.
E essa solução foi encontrada,
O Govêrno do Estado Nacional debatia, no momento, a questão
do
"salário
mínimo", justa
aspiração das massas trabalhadoras na-
cionais e parte integrante do
grandioso programa de reformas sociais,
prometido pelo Presidente Vargas.
Os inquéritos da campanha da alimentação, embora realizados
entre várias classes, visaram de preferência
à grande população
ope-
rária das fábricas, encontrando aí as maiores falhas, com graves
con-
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A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 167
seqüências para o estado de nutrição e
para a capacidade
produtiva
do trabalhador, de poder
aquisitivo reconhecidamente inferior.
Ligando os dois extremos, pensou-se, então, em colocar ao al-
cance do operário refeições a preços
módicos, segundo cardápios es-
colhidos pelos processos
técnicos. Atendia-se, assim, à questão
eco-
nômica e melhorava-se o regime alimentar, o que, por
certo, influiria
no resultado do Jrabalho produzido,
ao mesmo tempo que
despertaria
o progresso geral
social e étnico da coletividade.
Corporificando a idéia, a 16 de agosto de 1938, o Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários propôs
ao Govêrno a cria-
ção de um organismo central de alimentação, com autonomia dentro
da entrosagem daquela entidade e com a finalidade de:
a) manter em funcionamento um restaurante central popular,
especialmente destinado a fornecer ao operário associado do Insti-
tuto um almoço sadio e racionalmente dosado;
b) a manter um serviço constante de distribuição de refeições
nas fábricas que
desejassem utilizar-se das vantagens indiscutíveis
desse serviço, e
c) a manter um pequeno
laboratório de ensaios e estudos, onde
possam ser realizados não só os exames dos
gêneros a serem utiliza-
dos, como também a dosagem racional da alimentação para o operá-
rio.
O Govêrno recebeu bem a idéia e, por
ocasião do primeiro ani-
versário do Estado Nacional, o Presidente Vargas, falando aos tra-
balhadores do Brasil, declarou:
Restaurantes populares
"Êste
importante assunto será abordado por diversas formas, si-
multâneamente. Uma delas consistirá na construção de restaurantes
populares, higiênicos e confortáveis, dotados de camaras frigoríficas,
em pontos
da cidade onde haja maior concentração operária. Cada
unidade comportará cinco mil refeições diárias, duas mil servidas no
próprio local e três mil nas fábricas,
por meio de caminhões térmicos.
A refeição será fornecida a preço
do custo, acrescido de cêrca de
cento e cinqüenta réis, para
a remuneração do capital de instalação,
Em cada restaurante fabricar-se-á o pão
necessário ao consumo diá-
rio, de forma a ser consumido fresco e barato, juntamente com o al-
môço. Nas fábricas serão preparados
refeitórios, com instalações des-
montáveis ou permanentes, conforme o espaço de
que dispuser cada
uma. Com o maior interêsse venho acompanhando êsses estudos, já
muito adiantados, e espero, dentro de pouco tempo, ver transformada
em realidade essa importante iniciativa de assistência social."
Daí ao cumprimeno da palavra
empenhada medeou um curto es-
paço de tempo: escolhido o local — a
praça da Bandeira, centro de
grande circulação e fácil acesso
para todas as classes sociais
— em
168 CULTURA POLÍTICA
meados de 1939 iniciava-se a construção do edifício» que
se inaugu~
rou no dia 10 de novembro do mesmo ano.•
Paralelamente e ainda para
mostrar o interêsse que
o assunto
despertou no seio do Govêrno — a 1 de maio era assinado o decreto
cogitando da obrigatoriedade de um refeitório em todos os estabeleci-
mentos que
empregassem mais de quinhentos
trabalhadores e, por
portaria ministerial de 25 de outubro, tudo de 1939, criado o Serviço
Central de Alimentação, de acordo com o que propusera
a entidade
superior de proteção
aos industriários.
E foram esses os primeiros passos para
a instituição dos restau-
rantes populares,
da assistência alimentar nas escolas do Distrito Fe-
deral e outras conquistas dos nossos dias, cujo cerne é o SAPS (Ser-
viço de Alimentação da Previdência Social), obra que por
si só reco-
menda uma administração, ao mesmo tempo que
fixa mais uma etapa
na campanha pela
boa alimentação de que
vimos tratando, etapa que
se pode
chamar de aplicação social, em que
o Govêrno se associa aos
técnicos para a solução do magno
problema da alimentação
popular,
provando assim, mais uma vez, o carinho e a estima
que dedica ao
trabalhador brasileiro»
Essa parte, porém, pelo
vulto que
tomou, será examinada deti-
damente no próximo
número de CULTURA POLÍTICA.
Aberto o hiato, vamos, agora, prosseguir
na marcha que
vimos
fazendo através da história da campanha alimentar no Brasil, obede-
cendo, assim, ao plano que prèviamente nos traçamos.
Vencida, pela
Revolução, a indiferença reinante até 1930, vimos
que o começo da era
getuliana assinalou, também, a
primeira fase
dessa campanha, ensejando de maneira promissora
a propaganda
e
divulgação das novas idéias sôbre nutrição. Vimos, ainda, que
o ad-
vento do Estado Nacional, fortalecendo o poder
central, permitiu
ao
Govêrno executar com mais firmeza o seu programa
de previdência
e
assistência social às massas trabalhadoras e, ao mesmo tempo, cola-
borar com os técnicos na aplicação de certos conhecimentos tenden-
tes a assegurar alimentação perfeita
e barata à população
assalariada
da Capital da República.
Racionalização científica
Vejamos, agora, a fase atual, que poderemos denominar de ra-
cionalização científica, ou seja, de aplicação racional, no campo da
produção e do consumo, de métodos e
processos técnicos e científicos
da ciência da nutrição.
Essa a nova etapa da política
alimentar no Brasil, na qual
o
coordenador da Mobilização Econômica — organismo de emergência
ideado pelo
Govêrno, a exemplo do que
se fez em outros países
—
considerando a extraordinária importância que
envolve o problema
da alimentação coletiva em tempo de guerra,
bem assim a necessidade
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Visita do Presidente Getúlio Vargas e general Higinio Morínigo — Os dois chefes de Estado,
após o almoço com os trabalhadores, saboreiam uma chícara de café
(Cultura Política)
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Visita dos Presidentes Getúlio Vargas e Higinio Morínigo — Outro aspecto do almoço no SAPS,
com os trabalhadores
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A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL Í69
de estabelecer para
todo o território brasileiro um plano
de economia
alimentar,cientificamente dirigido, e, ainda, a urgência imperiosa de
coordenar, controlar e orientar tôdas as atividades concernentes à
alimentação do país,
no intuito de que
seja satisfatoriamente assegu-
rado o abastecimento das populações
das nossas diversas regiões, re-
solveu criar e manter um serviço técnico especial com o encargo de
centralizar tôdas essas atividades.
Trata-se de um aparelho moderno de pesquisa
científica, um
centro coordenador de trabalhos experimentais sôbre assuntos de ali*-
mentação realizados em escala laboratorial, semMndustrial e indus-
trial, em pleno
funcionamento, sob a denominação genérica
de Ser-
viço Técnico de Alimentação Nacional.
O seu aparecimento visa à obtenção de elementos e dados cien-
tíficos seguros, com os quais possa
dar uma assistência técnica efe-
tiva às fontes nacionais de produção
alimentar, de natureza agrícola
ou industrial.
A ação do
"S?
T. A. N."
Concentrando o máximo de suas atividades atuais nas pesquisas
de laboratório, o
"S.
T. A. N." colima os seguintes objetivos prá-
ticos:
1.° — O conhecimento integral do valor nutritivo de certas subs-
tâncias alimentares e de outras que possam
eventualmente ser usadas
na alimentação humana;
2.° — o ensino e a estandardização de métodos e processos
in<"
dustriais para se obter a deshidratação e concentração das riquezas
nutritivas de certos alimentos nacionais;
30 — a obtenção, através dos trabalhos em cooperação com as
fôrças armadas, de rações supletivas e de rações de reserva para
o
soldado brasileiro.
Subordinado a êsse programa
de trabalho, o S. T. A. N. já
analisou e fixou a composição química de vários alimentos naturais e
produtos alimentares enviados
pelos industriais do ramo, tendo esco-
lhido para
êsses primeiros
exercícios substâncias ainda não estuda-
das ou de valor nutritivo presumivelmente alto, merecedores, por-
tanto, de prioridade de interêsse no momento
que atravessamos, tais
como: farinha de arroz integral, farinha de casca de ovos, castanha
do Pará, soja e alfafa.
A deshidratação dos alimentos é outro campo da técnica alimen-
tar ainda novo, mas de grande futuro
para o Brasil. A finalidade bá-
sica desse método é expurgar das substâncias alimentares todo o ma-
terial inútil, reduzindo ao essencial o seu pêso
e o seu volume, o que
facilita de forma impressionante o transporte. Neste momento,
em que
as vias de comunicação marítima estão dificultadas e as ter-
restres ainda não permitem levar a todos os recantos do território
170 v CULTURA POLÍTICA
nacional os produtos
de uma e outra regiões, a solução do problema
em causa representa uma conquista inestimável e assegura a nossa
contribuição ao esfôrço de guerra para
a vitória.
A deshidratação de alimentos fundamentais e protetores,
como a
carne, o leite, os ovos, as verduras e as frutas, ajudará espantosa-
mente o problema
de abastecimento de nossas populações
e de nos-
sas tropas, dispersas pelos confins da Pátria.
Foi a visão nítida que
o Govêrno do Presidente Vargas possue
dos problemas
brasileiros e do papel que
toca ao Brasil representar
no após-guerra que
o conduziu à prática
dessas importantes realiza-
ções, incumbindo a Mobilização Econômica de efetuar tôdas as
pes-
quisas e trabalhos
precisos para a implantação, no
país, da indústria
de produtos
alimentares deshidratados, em escala capaz de satisfazer
às múltiplas necessidades da hora presente.
Em cumprimento dessa ordem, a
"S.
T. A. N." meteu mãos à
obra e está realizando um grande
inquérito que,
breve, lhe permitirá
dizer quais
os produtos que podemos produzir
econômica e eficien-
temente.
Carne deshidratada
Os ensaios concluídos para
obtenção de um tipo de carne deshi-
dratada deram resultados animadores. As amostras conseguidas apre-
sentam ótimo aspecto e cheiro apetitoso, condições de grande
influên-
cia para
o seu consumo. Nelas, o teor água ficou reduzido a 6%, en-
quanto é de 75% a
quantidade contida na carne fresca. Em compen-
sação, os seus elementos nutritivos, as proteínas
e as gorduras,
tive-
ram aumentadas as suas riquezas de cerca de 4 a 5 vezes, sendo a pro-
porção de 21%
para 70% no
produto deshidratado.
Feitos os estudos. experimentais, a
MS.
T. A. N." conjugou es-
forços com o Sector Carnes da Coordenação para
a produção
do ar-
tigo em escala industrial. E, dentro em pouco,
o Amazonas, onde há
falta de carne, estará sendo abastecido em quantidades
suficientes e
por um
preço acessível a todas as bolsas.
A deshidratação tem a vantagem de, diminuindo enormemente
as dificuldades da embalagem e conservação, resolver o problema
do
transporte, que
é o maior de quantos
estamos enfrentando no mo-
mento. Para se ter uma idéia do asserto basta considerar-se que
du-
zentos bois, que produzem
cinco toneladas de carne, em média, po-
derão ser transportados de uma só vez, em um avião comercial do
tipo comum, enquanto que,
vivos, ou seja, com cêrca de quarenta
to-
neladas, precisariam
de algumas dezenas dêles.
Assim, e graças
a êsse milagre da técnica, poderemos,
em breve,
evitar o ridículo atual de transportar, em cada cinco toneladas de
carne, quasi quatro
de água!
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A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 171
Mas não sòmente a carne está sofrendo essa transformação. Ou-
tros produtos
alimentares brasileiros, de alto valor nutritivo, estão
sendo submetidos ao mesmo processo
redutor, tais como a alfafa, já
citada» o carurú, o espinafre, a cenoura, etc.
Ainda, dentro do programa que
lhe foi traçado e simultânea-*
mente com os estudos referidos, a
"S.
T. A. N." colabora com as
forças armadas do Brasil em sua formidável preparação para
fazer
face às obrigações do momento*
*
Rações supletivas, rações de reserva e os
segredos de guerra.
Por sugestão do chefe do Serviço de Subsistência do Exército e
em cooperação com outros técnicos militares, por
exemplo, estão
sendo estudados processos
de obtenção de rações supletivas, em forma
de comprimidos, para
completar a ração normal do soldado, imposta
pelos complexos
problemas de abastecimento regional e de transporte.
São rações que garantem
ao soldado o seu suprimento fisiológico em
vitaminas e em sais minerais, cuja carência ocorre habitualmente na
tropa.
Para dar uma idéia do que
isso significa, basta dizer que
alguns
dos comprimidos obtidos conteem cêrca de 2.500 unidades de vita-
mina, além de doses adequadas de outros elementos indispensáveis ao
equilíbrio nutritivo, com um custo de produção
verdadeiramente in~
significante.
Outro grupo
de estudos realizados em cooperação com o Exér-
cito é o da chamada ração de reserva, composta de alimentos regio-
nais selecionados. Essa ração, que pesa,
apenas, 150 gramas,
fornece
ao soldado um regime nutritivo completo, sob a forma de üma re~
feição normal. Dessa maneira, com uma carga de um quilo
leva cada
soldado cêrca de sete rações alimentares racionais.
Os alimentos que entram na composição dessas rações represen-
tam uma aquisição técnica e, por
isso, não podem
ser divulgados. São
segredos de guerra.
Tal como os nazistas conservam em sigilo a composição dos seus
famosos alimentos de guerra
— o
"edelsoja"
e os
"bratlings" — aos
quais atribuem os sucessos iniciais na catástrofe
que desencadearam,
também nós brasileiros temos as nossas fórmulas secretas, que prova-
rão, quando preciso,
resultados iguais ou superiores.
Nisso não vai
"patriotada",
porque, dispondo o Brasil de variai
dos e riquíssimos alimentos naturais, pode
muito bem produzir
arti-
gos de valor nutritivo maior
que o dos
"ersatzs",
orgulho dos adver-
sá rios.
172CULTURA POLÍTICA
*
Apôio e cooperação norte-americanos
Sendo, como é, cada vez mais estreita a cooperação do Brasil
com os Estados Unidos, no propósito
comum de contribuir para a vi-
tória das armas aliadas, nada mais natural que, no setor da alimen-
tação, de tão alto significado, também juntássemos esforços no mesmo
sentido.
O apôio e a cooperação norte-americanos, aliás, veem-se fazendo
sentir desde os primeiros
dias da Coordenação Econômica, que tem
agido sempre de comum acordo com a similar daquele país, e a equipe
de técnicos americanos que trabalha junto
à S. T. A. N. , por sua
experiência e boa vontade, muito tem contribuído para a solução de
vários problemas que serão melhor apreciados na
próxima confe^
rência de alimentação, convocada pelo Presidente Roosevelt,
para a
primavera deste ano.
O Brasil, com a riqueza que possue, poderá
levar uma contribui-
ção preciosa a esse empreendimento humanitário, de resultados
práti'-
cos incalculáveis na hora presente
e no futuro.
América, que
é presentemente
o arsenal das nações unidas,
será também o celeiro inesgotável que sustentará os exércitos da vi"
tória e assegurará, depois da guerra,
a subsistência própria e a dos
países europeus, esfomeados e saqueados pela
fúria nazi-fascista.
O vale do Xingú,
O ministro João Alberto reuniu, a 3 de
junho último, em seu
ga-
binete, os representantes da imprensa, afim de esclarecê-los sôbre a
marcha dos trabalhos do govêrno,
realizados por intermédio da Coor-
denação da Mobilização Econômica. Durante os trabalhos declarou
o coordenador:
••O
assunto de que
vamos tratar hoje, a meu ver, é de maior
importância para o desenvolvimento do Brasil. Aliás, há bastante
tempo alimento esperanças na execução de um velho plano, que é
o povoamento
do interior brasileiro. Infelizmente somos obrigados
a reconhecer que o Brasil tem
perdido terreno relativamente ao
que
concerne a essa política. Os vestígios de
penetração portuguesa na
época colonial vão muito além do espaço que atualmente ocupamos
e exploramos, tanto assim que, quando às vezes pensamos
ter mi-
ciado uma exploração ou feito qualquer
descoberta, deparamos
os passos
dos colonizadores lusos. E' do conhecimento dos que
es-
tudam a história do Brasil e sua colonização o que
constituiu a
fundação da antiga cidade de Vila Bela, a primeira
capital de
Mato Grosso.
O govêrno português
fez construir aí um forte que
na ver-
dade representa uma verdadeira maravilha de construção em pedra,
e adotou tal política porque,
como se sabe, antigamente, sob a ocupa-
cio e a posse
é que
se indicava o direito de propriedade.
Era dono
quem primeiro atingisse a
posse de algum coisa. Além disso, o receio
de que um dia o
govêrno espanhol apresentasse dúvidas sôbre a le-
qitimidade da ocupação determinou tal critério da
parte da metrópo e
portuguesa. Isso reconhecendo, o colono português
foi penetrando
pelo interior do
país, afastando-se, por
conseguinte, cada vez mais
do litoral. Daí haver estabelecido a capital de Mato Grosso, a antiga
cidade de Vila Bela, no interior, garantindo ainda mais a
posse de
suas terras. A êsse respeito, devemos tecer louvores à tenacidade
dos colonizadores portugueses e lamentar a cessação dessa
política.
174 CULTURA POLÍTICA
Das Bandeiras à República
Após essa época, realmente decisiva para
o Brasil, *—¦ continuou
coordenador *
veio a das Bandeiras, dos grandes
movimentos de
aventura, isto é a era da conquista do ouro, da caça ao braço traba~
lhador. Os bandeirantes representaram pepel fundamental no de-
senvolvimento do país,
criando verdadeiras cidades, pois
se deslo-
cavam em grandes
levas. As cidades surgiam em virtude das diíi-
culdades de abastecimento. Obrigados a deter~se em determinadas,
regiões, aproveitavam a época das chuvas para plantar,
cultivar o
solo, afim de garantir
o sustento próprio. Prosseguindo no roteiro
traçado, deixavam essas regiões, já
cultivadas, que eram ocupadas
por outras bandeiras e
quantos desistiam da
jornada. Assim os ban~
deirantes, como disse, iam semeando cidades, através de sua marcha.
Mais tarde vieram a monarquia, a exploração do litoral, a civilização
da Capital e, por
fim a República, com tôdas as fantasias dema-
gógicas dos primeiros
tempos . No entanto, a política
de penetra--
ção não foi continuada. O
que se viu foi o movimento em sentido
contrário o abandono completo do
"hinterland
brasileiro.
Ordem, fator fundamental
do progresso
Por ocasião da Coluna Revolucionária, ao atravessar o Brasil»
encontrei vestígios, em todo o interior de Goiaz, da atividade^ do
braço português.
E' natural que
a concepção da época não fôsse
a de hoje, mas sempre deparámos com uma cadeia e uma- igreja
que podemos considerar marcos
principais de
penetração portuguesa,
porque o
problema principal do Brasil daquele tempo era a ordem.
O espírito de turbulência, o far~west , via de regra afastam o ho*-
mem de responsabilidade : ninguém estava disposto a plantar para,
na época da colheita, ser surpreendido por bandos de desordeiros,
que espulsavam os colonos, locupletando-se com o
produto de seu
trabalho. Por conseguinte o problema
número um, torno a repetir,
na época colonial, era a manutenção da ordem. Mas sabemos que
só a permanência
da autoridade no local pode
estabelecer um am-
biente de ordem, e a ordem está em função da estabilidade do
• homem.
A política
do Presidente Getúlio Vargas
Após o advento do govêrno
de 1930, o Presidente Getúlio
Vargas, com o seu entusiasmo pelo desenvolvimento do interior do
país, provocou novamente a idéia da
penetração do interior. O
tema não constitue novidade alguma, pois tem sido debatido pelos
nossos intelectuais, mas infelizmente num circulo muito reduzido.
Não obstante, a idéia é das que
são aceitas sem restrições por
todos os brasileiros. Apesar disso, sempre^ ficou esperando por sua
execução. Há quatro
anos estive com o Presidente Getúlio Vargas
na ilha do Bananal, justamente
com o intuito de conhecer
"in-loco"
«*? V.
Ai #
¦' í«
O VALE DO XINGÚ
o terro c as suas possibilidades. Infelizmente, o estado de
guerra, os
acontecimentos internacionais, forçaram a protelação dêsse empreendi-
mento. O nosso govêrno, porém, não vê incompatibilidade
alguma
em atacar o problema. Podemos atender aos dois compromissos: a
guerra e o desenvolvimento do interior do país.
Por isso organizei com o Presidente Getúlio Vargas os planos
necessários para
o início dessa marcha, com a Expedição Roncador-
Xingú.
No Xingú, o melhor carvão do Brasil
Dirigindo-se para o mapa, o ministro
João Alberto acrescentou:
— Esta é uma das regiões mais desconhecidas do país,
senão
talvez do globo,
embora seja de fácil acesso. Acredito que
o monte
Everest, com 8.600 metros, seja mais explorado que
essa região;
Muitos exploradores a percorreram, sobretudo estrangeiros, atra-
vessando o rio Xingú. Mas de tal forma se restringiam ao curso
do rio que jamais exploraram as suas redondezas. O rio Fresco, um
dos afluentes do Xingú, também é completamente desconhecido.
Êsse rio é importantíssimo, possuindo grande
trecho perfeitamente
navegável. Além disso, nas suas imediações encontram-se minas de
carvão, cujo teor é muito elevado. Possuímos amostras dêsse minério,
que acusa 6.500 calorias. Como se vê, é o melhor carvão do Brasil,
encontrando-se mesmo à flor da terra. Poder-se-ia objetar que,
es-
tando o produto tão distante dos mercados consumidores, seu valor
econômico é discutível. Considero este argumento infantil, porque,
desde que
não tenhamos necessidade de enviar êsse minério para
o interior do país,
só isso já
constitue uma vantagem. Ademais,
não é possível
admitir que
o Brasil se reduza a meia dúzia de cidades
desenvolvidas no litoral. Temos que
marchar para o interior e
jamais
ficar amarrados à beira-mar. Seria o mesmo que
dispormos de um
edifício de vinte e um andares e residirmos todos, asfixiados, no andar
terreo, só para
deixarmos de construir um elevador ... Desde que
o Brasil contém reservas de grandes
riquezas, é nosso dever explorá-
Ias, e ^promover o seu fácil escoamento. Não nos falta, felizmente
espírito empreendedor.
Perspectivas que
se abrem
— Assim, compete aos governos criar as condições de vida ne-
cessárias para
atrair o homem, que
não pode
ser lançado nessa
campanha isoladamente, porque significaria morte certa. Ao
go~
vêrno, repito, cabe despertar nos brasileiros o espírito de aventura,
no bom sentido do vocábulo. Tal política abrirá novas
perspectivas,
outros horizontes aos homens capazes»
176 CULTURA POLÍTICA
Obra do Brasil e dos brasileiros
Não estamos em época que
nos permita
esperar o auxílio do
capital estrangeiro. Êste jamais poderá
constituir o único elemento
para atender a nossos objetivos. Aliás, devo confessar
que consi-
dero uma lenda a imprescindibilidade absoluta do capital estran~
geiro. Quando muito, êle serve para desenvolver certas indústrias,
mas jamais para
o desenvolvimento propriamente dito do nosso
"hinterland".
Nesse particular, possuímos
todos os elementos indis-
pensáveis. A
penetração do interior deve ser obra do Brasil e dos
brasileiros. A cidade de Leopoldina foi escolhida como ponto
de
partida da Expedição,
porque o Rio Araguaia é francamente nave~
gável desde as suas cachoeiras até Itaboaca. Nessa região,
já exis-
tem um campo de aviação e uma estrada de ferro, de Goiana a
Leopoldina.
O clima e os transportes
Sabemos que
o clima é o principal
fator da fixação do ho-
mem em determinadas regiões. Nesse particular,
considero o rio
das Mortes o ponto
mais favorável. Uma vez transposto êste rio,
devemos procurar galgar a serra do Roncador,
que no mapa está
representada apenas por
uma mancha. Devemos construir campos
de aviação nos lugares em que
houver água abundante. Aí também
estabeleceremos o primeiro
núcleo, que
servirá de base para
as
explorações futuras. Como os senhores vêem, trata-se de assunto
de maior importância, sobretudo a construção dos campos de aviação.
Somos obrigados a reconhecer que
vivemos na era do avião. E, nessa
matéria, acontecem fenômenos curiosos; o transporte da borracha,
na zona do Madeira-Mamoré, é um têrço mais barato do que
o
realizado por
estrada de ferro.
Entendo que
o crédito para
o desenvolvimento ou construção de
estradas de ferro, em Goiaz por
exemplo, deve ser aplicado em sub~
venções das linhas aéreas .
Nos nossos dias, o problema deve ser invertido — aumentar a
nossa frota de aviões de transporte e de carga, deixando as estradas
de ferro e de rodagem para
mais tarde. Só assim avançaremos ràpi-
damente e conquistaremos as riquezas do
"hinterland".
Não vejo
vantagem em contemplarmos o mapa do Brasil, com vasta extensão
territorial ainda por
explorar, apenas para dizer
que o Brasil é um dos
maiores países
do mundo.
v-r
Não há lugar para
turismo
O ministro João
Alberto faz uma pequena pausa
e depois
acrescenta-:
— Outro ponto
desejo frizar: tenho recebido uma série de
oferecimentos de pessoas que
desejam, naturalmente por
espírito de
O VALE DO XINGO 177
aventura, acompanhar o primeiro
escalão, mas, sinceramente, devo
lembrar que
não há lugar para
turismo. Quem for na expedição,
ficará. Não deve almejar levantar às 8 horas, fumar um bom cigarro
e regressar à capital quando
bem entender. No primeiro
escalão, só
haverá trabalho e sacrifícios. O seu principal
objetivo será atingir
o ponto
visado, custe o que
custar. Quem adoecer, por
exemplo,
será atendido pelos próprios
médicos da expedição. Assim, mesmo
por motivo de doença, ninguém regressará antes de finda a tarefa.
Por outro lado, a viagem será feita em carroças, tipo polonesa,
des-
montáveis, de modo que,
em certos pontos,
o próprio
iiomem car*-
regará a carroça às costas . • • Prefiro esse meio de condução, por-
que, assim, os expedicionários são obrigados a construir caminhos,
ponto de
partida para as futuras estradas.
Aviação e rádio
~ A aviação será utilizada para o reconhecimento da
posição
dos expedicionários, o que
acarretará economia de tempo, evitando,
por outro lado,
que êles se
percam ou enveredem
por caminhos sem
acesso ao objetivo visado ou que
apresentem dificuldades insupe-
ráveis. Nesses casos, a aviação indicará o rumo a seguir. Haverá
completo serviço de rádio, para
mais absoluta comunicação. Cada
dois dias será feito um reconhecimento aviatório, afim de determinar
a direção que
a expedição está tomando.
A partida,
da expedição?
Encerrando a sua exposição, o ministro João Alberto adiantou:
— Desejava fazer parte
dêste primeiro
escalão, mas infeliz-
mente os afazeres aqui no Rio me impedem. No entanto, um dos
meus irmãos dêle fará parte
e acredito que a caminhada será ini-
ciada a 15 de julho,
sob a chefia do tenente-coronel. Flaviano de
Matos Vanicfc, que
será assistido por homens experimentados e co-
nhecedores da região. Quanto ao perigo que
os índios -r os cha-
vantes por exemplo
^ possam
oferecer, nada devemos recear, porque
geralmente êles só atacam um ou outro explorador isolado, que
amedrontado pela sua
presença, atira, sacrificando a vida de um
dêles. A expedição, porém, marchará coesa e
procurará o convívio
dos índios. Aliás, o Serviço Nacional de Proteção aos Índios pres-
tar-nos-á sua colaboração por intermédio de um representante indi-
cado pelo general Cândido Rondon".
Como será organizada a expedição
E' a seguinte a portaria
assinada pelo
ministro João Alberto,
organizando a expedição Roncador Xingú:
"O
coordenador da Mobilização Econômica usando das atri-
buições que lhe confere o decreto-lei n. 4.750, de 28 de dezembro
p. 12
178 CULTURA POLÍTICA
de 1942, e devidamente autorizado pelo
excelentíssimo senhor Pre-
sidente da República, considerando a necessidade de criar vias
de comunicações com o Amazonas através do interior do país
:
Considerando a necessidade de explorar e povoar
o massiço
central do Brasil nas regiões cabeceiras do rio Xingú, atualmente
das mais desconhecidas da terra;
considerando que
esta exploração constitue um passo
decisivo
para a realização do
programa do
govêrno, sintetizado na Marcha
para o Oéste, resolve :
— Organizar a Expedição Roncador~Xingú com os seguintes
objetivos :
a) partindo
da cidade de Leopoldina, sôbre o rio Araguaia,
em Goiaz, seguir na direção geral
do Noroéste rumo a Santarém,
sôbre o Amazonas; 6) procurar
o ponto
mais favorável sôbre o
rio das Mortes e fundar um estabelecimento de colonização; c)
continuar a marcha galgando
a Serra do Roncador e fundar no ponto
mais conveinete, que
ofereça condições de clima, terras próprias para
agricultura e facilidades para
estabelecimento de um campo de
aviação, um núcleo de civilização que
servirá de ponto
de apoio
para o
prosseguimento da expedição e exploração de território;
d) invernar nesse local preparando o campo de aviação e iniciando
trabalhos agrícolas e de construção.
II Um segundo escalão da expedição deverá partir
de Leo~
poldina, logo
que seja atingido o objetivo na Serra do Roncador,
com os elementos necessários para
melhorar os caminhos e fixar,
no mínimo, 200 (duzentas)
famílias por
ano.
III *-* Serão reguladas com o Govêrno de Mato Grosso as
condições da colonização e policiamento
da região.
IV — O chefe da expedição deverá apresentar dentro de 8
(oito) dias a organização da mesma, bem como a lista do material
necessário.
Resoluções posteriores
regularão os detalhes no decorrer
dos trabalhos da expedição".
i
A política financeira
da guerra
A
política financeira de guerra,
condicionando-se anteriormente
ao abastecimento de armas e munições aos exércitos, cada vez
mais se torna complexa, porquanto há
que atender-se à estru^
turação econômica e ao preparo
de tôda a vida de uma nação, ao es-
fôrço bélico total. Já se vai tornando distante o tempo em
que a
guer-
ra era um estado natural dos povos, que, como lembra Nitti, a orga-
nizavam de tal modo que,
durante a Idade Média e em períodos
mais
antigos, os camponeses semeavam seus campos, faziam no intervalo
a guerra e voltavam para
a colheita, O Brasil, ingressando nesta se-
gunda grande conflagração no intuito de firmar ao lado de seus alia-
dos o direito de a humanidade viver em liberdade e de acôrdo com
os seus legítimos ideais, como foi estabelecido na carta do Atlântico,
assumiu responsabilidade de imprevisível extensão •
Razões e vantagens da emissão dos bônus
Recursos suscetíveis de utilização
Um dos problemas elementares que
temos de resolver se: cons-
titue no sentido da cria?ao de politica financeira que
faci1 e
nacao seu aparelhamento para a
guerra. fisses recursos podenam
decorrer de diferentes fontes, nao obstante fdsse, como demonstra^
remos pernicioso e desaconselh&vel
apelar para as mesmas. Ten
sido possivel aumentar a circula^ao fiduciaria em c€rca de e
disporia a Uniao de importftneia aproximada da
que adviria da co-
locacao dos bonus de
guerra. Tambfcn sena dado ao.Gov.srnoam-
pliar a arrecadaqao atravfes do lan^amento de novas tnbut^5c®' °"
aaravacao das vigentes. Finalmente havena o recurso de amplxagao
das emissoes de ap6lices, intensificando sua coloca?ao no mercado,
S£ pot lntermidio da veada tm bolsa como
no sentido de pagamentos a ser reahzados pelo
Governo. Todos
recursos valeriam porem como profunda
subversao h nossa
não somente por intermeaio
<
no sentido de pagamentos a
êstes recursos valeriam poré
vida econômico-financeira •
180CULTURA POLÍTICA
Assim verificamos que a circulação
fidudária. superior a oito
bilh6es de cruzeiros, representando-se atualmente em cerca de 30 y
sôbre as reservas de ouro. já atingiu um ponto que
se pode consi-
derar de limite racional, só devendo portanto ampliar-se no moment
cm que
as reservas ouro avultem proporcionalmente.
Quanto à criação de novos impostos ou a agravíiçao dos exis-
tentes, não há como discutir-se que a nossa capacidade tributaria al-
cançou desenvolvimento em relação ao modesto nível
__
povo brasileiro, porquanto a soma das tributações da União, esta-
duais e municipais ultrapassa nove bilhões de cruzeiros. Pelo >que s
evidencia que estaria em desacôrdo com os moldes de
prudência do
nosso Govêrno incentivar a tributação desmedidamente para o ti-
nanciamento da guerra.
Finalmente, no concernente às apólices, representando estas,
função das mais eficazes no sentido de substituição dos empres-
timos externos pelo crédito interno, ampliado consoante as ne-
cessidades do mercado, tanto assim que estão obtendo elas cota-
ções muito elevadas nos mercados de títulos, não comportam au~
mentos descompassados nas suas emissões •
Verificamos dêste modo que
de qualquer
dessas fórmulas a ser
utilizadas, no sentido de solução do financiamento de guerra,
decor-
reriam sérios inconvenientes e transtornos para a vida nacional. Uai
o caráter imprecindível da criação de um plano de financiamento
suscetível de atender a esta imperiosa emergência do momefito na-
cional. Daí a idéia da emissão de bônus de guerra, ja
adotada em
outras nações, mas que
será realizada dentro de novos moldes em
nosso país.
Capacidade de absorção do mercado
Os bônus de guerra,
em emissão prevista de três bilhões de cru-
zeiros, representam, sem dúvida, a mais importante operação finan-
ceira que até agora fizemos. As emissões de apólices e
papel moeda
sempre se fizeram em nosso país em estalão inferior a seiscentos
milhões de cruzeiros. Todavia as apólices do Reajustamento, nao
obstante tenham sido colocadas no mercado por etapas, alcançaram
importância excedente'a um bilhão de cruzeiros e se firmaram de tal
-
forma no mercado que hoje suas cotações se elevam a mais de 20 Vo
sôbre o valor pelo qual
eram cotadas de início. Simultâneamente
se verifica que todos os títulos federais alcançam no momento co-
tações superiores ao nível médio de cotação registado^ nêstes úl-
timos vinte anos. Também as apólices estaduais estão obtendo
alta cotação, alcançando alguns dêstes títulos valor excedente ao
nominal, tal como acontece também em relação a vários títulos
federais, como os ferroviários e as obrigações do tesouro.
A POLÍTICA FINANCEIRA DA GUERRA 181
Assistimos desta forma a uma evidente demonstração da con^
fiança que
o povo
brasileiro deposita no seu Governo. E o que
advém mais significativo é que
estas elevadas cotações coincidem
com acolaboração nos mercados dos títulos da emissão de bônus
de guerra.
Acontece todavia que
esta valorização das apólices fe-
derais se verifica não obstante os juros pagos pela
União sobre a
maioria de suas apólices, como as do tipo Uniformizadas e Diversas
Emissões, se limitarem a 5 %, quando os
juros correspondentes
aos bônus se elevam a 6 %. Não há como negar assim que
os bônus
de guerra,
oferecendo melhor juro,
serão colocados, como já
estão
sendo, sem prejuízo
da circulação de outros títulos, conforme sopra-
vam os arautôs do quinta-colunismo.
A proporcionalidade
na contribuição
O plano
de colocação de bônus de guerra
alcança indistinta-
mente tôdas as esferas sociais e tôdas as gradações
de atividade,
guardando sempre o
princípio da
proporcionalidade. Mais de um
têrço desta renda será de início arrecadado tendo por base a última
cobrança do imposto sôbre renda. Esta contribuição serã assim pres-
tada por quem
obtiver lucros líquidos superiores a doze contos
anuais, ou seja o limite mínimo do imposto sôbre a renda. Será
assim a parte
do imposto a ser pago pelas pessoas de mais elevado
padrão de vida. Mas todos os demais brasileiros, sejam funcionários
ou trabalhadores de tôdas as categorias, concorrerão ao grande
em-
préstimo nacional e receberão os bônus, que
serão assim incorporados
equitativamente ao patrimônio
de quase
tôdas as famílias brasileiras.
Aplicação dos bônus
Os bônus servirão para articular e mobilizar o
potencial estra-
tégico da nação, quer
o militar, quer o econômico. Com o
produto
dêstes títulos o Brasil equipará suas forças armadas, aperfeiçoando
sua máquina de guerra
e colocando-a ao nível de eficiência bélica
de outras grandes nações. Também serão largamente aproveitados
para desenvolvimento da estratégia econômica do
pais. A ligaçao
entre o Norte e o Sul do Brasil, através do prolongamento
da Cen-
trai e da Este Brasileira, permitindo a intercomunicação destas duas
ferrovias, solucionará um problema
secular do país.
Desta forma
esta ferrovia do maior valor militar e econômico poderá ser eh-
cientemente financiada e a sua valorização demarcará novos rumos
à vida do interior do Brasil. Igualmente contribuirá para a vitória
na batalha da borracha, artigo que
o Brasil tende a produzir
em
redobrada quantidade, suprindo os nossos aliados de uma matéria
prima necessária, em substituição aos mercados da Malásia, de
Java
e da Birmânia. Os bônus de guerra
valerão assim como elemento
preponderante para que o esfôrço de
guerra do Brasil se desenvolva
e aplique, tornando o concurso do país de
grande valor para
a
vitória final das nações dêste hemisfério.
/I nacionalização da maior empresa
de
transportes aéreos da Ãmerica
do >SuL
O
BRASIL ocupa, no momento, lugar de destaque na relaçao dos
dez países que possuem redes aéreas comerciais do mundo, cm
matéria de aviação, a despeito de o Brasil ser uma patria de
aviadores, vivemos muitos anos relegados a um plano
de absoluta ín-
ferioridade. Bem poucos
acreditavam na profecia
de Foch:
A quinta
arma de hoje será a primeira
de amanhã
Basta olhar as cifras para sentirmos aquela triste realidade.
Que tínhamos em matéria de aviação ? Que quantidade de
pi-
lotos nacionais sobrevoavam o território brasileiro ? De que preparo
técnico dispunham os nossos abnegados pilotos .
^
A fama do Brasil, no que
diz respeito à aviação, no estrangeiro,
era unicamente por ser berço de Bartolomeu Gusmão e Santos
Dumont ... . - x i
O Presidente Getúlio Vargas resolveu fazer uma aviaçao a ai-
tura do Brasil. Uma potência aeronáutica essencialmente
brasileira.
O presente artigo focaliza a nacionalização
da maior emprêsa
de transportes aéreos da América do Sul. companhia que dispõe
de uma frota de 22 aparelhos, em sua maioria possantes tnmotores,
que são conduzidos aos mais longínquos recantos do
pais por tn-
pulações genuinamente brasileiras. Brasileiros sao também todos os
seus dirigentes, muitos dêles oficiais superiores da F. A. B. Brasi-
leiros são ainda seus técnicos, seus operários e pessoal de escritório.
Nacionalizando a aviação
O trabalho de nacionalização das companhias de navegação
aérea em nosso país não é matéria nova. Ja
em 1939 fora p
o exercício da profissão
de pilôto
aos estrangeiros,
não. Até então, sob a fiscalização do Departamento da Aeronautica
TRANSPORTES AÉREOS DA AMÉRICA DO SUL 183
Civil, aviadores de outras pátrias podiam
sobrevoar o território na-
cional assistidos por
um funcionário do Governo Federal. A mèdida
de proibição,
entretanto, não causou nenhum transtôrno às compa-
nhias de navegação aérea, cujos principais pilotos,
em sua quase
totalidade, eram brasileiros, e em grande
maioria aviadores retira-
dos das forças armadas do país. Aliás, um dos fatores da acelerada
nacionalização dos nossos pilotos
foi, sem dúvida alguma, o C. A. M.,
a mais perfeita
organização no gênero,
fundada pelo
brigadeiro Edu-
ardo Gomes. Do C. A. M. sairam centenas de pilotos aéreos
para
os quadros
da Panair, N. A. B., Cruzeiro do Sul, a última delas ins-
talada em nosso pais
com capitais estrangeiros e brasileiros, sendo o
grupo nacional representado pelo
conde Ernesto Pereira Carneiro.
Os primeiros
decretos
O primeiro
decreto que
autorizou a Cruzeiro do Sul, então Sin-
dicato Condor Ltda., a funcionar foi o de número 18.075, de 20
de janeiro
de 1928; mais tarde, em 29 de agosto de 1930, pelo
de-
creto n. 19.331, lhe foi outorgado o direito de estender as suas linhas
até países
estrangeiros, entre êles a Argentina e o Chile» Em 19
de agosto de 1941, pelo
decreto n. 3.523, foi ordenada a mudança
de sua denominação para Serviços Aéreos Condor Limitada, em vir-
tude de ser considerada a palavra
sindicato privativa das associações
profissionais de
primeiro grau. Finalmente, em 16 de
janeiro de 1943,
pelo decreto-lei n. 5.197, foi reconhecida sua nova denominação de
Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda«, adotada após a sua nacio-
nalização cem por
cento, ficando-lhe assegurados todos os direitos
outorgados pelos decretos anteriores ao Sindicato Condor e Ser-
viço Aéreo Condor. A encampação, pelo
Govêrno Federal, da
dívida da Cruzeiro do Sul para
com a Lufthansa foi feita em res-
sarcimento dos prejuízos causados pelas
forças navais do Eixo
contra a nossa navegação maritima, entregue a um tráfego pura-
mente comercial. -
"Nacionalização
acelerada
E' bom relembrar como nasceu a idéia do plano
de nacionali-
zação da maior emprêsa de transportes aéreos da América do
Sul. Deixemos falar os seus dirigentes, numa proclamação
dirigida
à Nação :
"Em
novembro de 1941, antes, portanto, que a
guerra hou-
vesse chegado às «terras americanas, foi que
se verificou a neces-
sidade de adotar um plano
de nacionalização acelerado, dentro
das normas nacionais que permitissem alcançar os objetivos de
mobilização das forças econômicas do país, sem
quebra do ritmo
do progresso e sem afetar a indispensável segurança que,
no trans-
porte aéreo, é a
pedra angular de tôda a oiganizaçao. A idéia
do plano
nasceu nos céus do Brasil, a bordo do maior aviao co-
184 CULTURA POLÍTICA
mercial da frota sul-americana. Voava para o Chile, em missão de
boa vizinhança, o chanceler Osvaldo Aranha e sua çomitiva. Um
brasileiro, que era o consultor da Condor, Jose
Bento Ribeiro
Dantas, expunha ao interventor Amaral Peixoto e ao diretor do
Bancp do Brasil, major Roberto Carneiro de Mendonça, as pos-
sibilidades e bs meios de se tornar 100% brasileira a maior com-
panhia de transportes aéreos deste continente.
Vendo o apoio
dêstes eminentes brasileiros e escudado no entusiasmo do chan-
celer Osvaldo Aranha, do ministro Salgado Filho, e do brigadeiro
Eduardo Gomes, os quotistas
brasileiros da Condor apresentaram ao
Chefe da Nação, em dezembro de 1941, o plano que,
sob o patrocínio
do Chefe do Estado Nacional, foi religiosamente .cumprido. Este
pia-
no foi realizado racionalmente, sem intervenções violentas, com a as-
sistência e a esplêndida colaboração de pessoa indicada
pelo Gover-
no, para
acompanhar a obra idealizada.
Hoje, só brasileiros natos são acionistas da Cruzeiro do Sul.
A muitos parecia estranho que
uma emprêsa de reputação fir-
mada há 15 anos, dentro e fora das fronteiras do pais,
mudasse a
sua denominação social. A razão é, entretanto, de ordem psicolõ-
gica.
"Cruzeiro
do Sul", nome escolhido para substituir Condor ,
é denominação bem nossa, indica a bela constelação que
ilumina os
céus em que voarão os aviões da emprêsa, aviões da terra de banta
Cruz. Ademais, a idéia encerra um grande
simbolismo. As quatro
es-
trêlas do Cruzeiro serão para nós as imagens das
grandes figuras que
nos iluminaram na tarefa de reorganização da emprêsa: Getúlio
Vargas, Osvaldo Aranha, Salgado Filho e Eduardo Gomes.
Neste particular, é necessário ressaltar o interêsse e a es-
plêndida colaboração que
a Cruzeiro do Sul recebeu do embai-
xador Jefferson Caffery, que,
bem compreendendo o quanto
re-
presenta para a aeronáutica mercante brasileira uma organização
como a Cruzeiro do Sul, muito se empenhou por que fôsse reconhe-
cido o elevado grau
de brasilidade que inspira o esforço da mobili-
zação econômica pela vitória,
que vem sendo realizado
por todos os
brasileiros que trabalham na emprêsa". Assim se expressou Bento
Ribeiro Dantas, que
exerce a presidência da importante organização.
Totalmente nacionalizada
São de ontem os brutais e traiçoeiros atentados dos subma-
rinos do Eixo contra o Brasil, arrastando à morte centenas de bra-
sileiros, inclusive senhoras e crianças. Em agosto de 1942, quando
o Brasil aceitou o estado de guerra
imposto por atos de covardia
do Eixo, a Cruzeiro do Sul, já
considerada a maior emprêsa de
navegação aérea comercial da América, estava totalmente naciona-
lizada pelo
Presidente Getúlio Vargas, tendo como superintendente
o antigo tenente-coronel aviador José Cândido da Silva Muricí •
TRANSPORTES AÉREOS DA AMÉRICA DO SUL 185
Em todo o seu vasto quadro
de funcionalismo, a nacionalização
estava completa. Elementos brasileiros da maior capacidade técnica
oriundos da F. A. B., graças
ao apôio decidido do ministro Salgado
Filho, em paralelo
com técnicos e administradores civis que
vinham
há anos colaborando na emprêsa, haviam substituído os profis-
sionais estrangeiros, sem quebra
da eficiência e nenhuma alteração
provocando na regularidade e segurança dos serviços,
qualidades que
foram sempre a preocupação primordial da
grande organização.
Linhas de penetração
Um brasileiro, descendente de respeitável e tradicional família
' militar, está na
presidência da Cruzeiro do Sul. E'
José Bento Ribeiro
Dantas, que
vem de chegar dos Estados Unidos, onde foi adquirir
aviões americanos para
o seu emprêgo imediato nas linhas da com~
panhia. Atualmente, a Cruzeiro do Sul possue
as seguintes linhas
de penetração: Parnaíba-Belém, via Floriano, servindo às ci-
dades de Pôrto Alegre, Repartição, João Pessoa, Teresina, Amarante
e Nova York, no Piauí; Urussuí, Carolina e Imperatriz, no Mara-
nhão; Marabá, Alcobaça, Baião, Cametá, Abaeté e Belém, no Pará;
Fortaleza-São Luiz, via Campos Sales, escalando por Acaraú, So-
bral, São Benedito, Ipú, Santa Quitéria, Crateús, Tauá, Saboeiro e
Campos Sales, no Ceará, e Jaicós,
Picos, Oeiras, Floriano, Regene-
ração, São Pedro e Teresina, no Piauí, e, finalmente, São Luiz; São
Luiz~Balsas, com escalas em Itapicurú, Coroatá, Caxias, Picos, Loreto,
Balsas, Grajaú, Barra da Corda, Pedreiras, Bacabal, Ararí, Viana;
São Luiz-Carutapera, servindo às cidades de Guimarães, Cururupu,
Turiassú, Carutapera, Pinheiro, São Bento, Cajapió e São Luiz; Pôrto
Velho^Rio Branco, servindo às cidades acreanas de Labréia, Boca
do Acre, Rio Branco e Xapuri. Recentemente foi restabelecida a
linha Mato Grosso-Acre, que servirá entre outras longínquas cf-
dades, a de Guajará-Mirim, Pôrto Velho, Rio Branco e tôdas as
localidades do Território do Acre até Cruzeiro do Sul.
Ninguém desconhece o que
representa no papel
de unidade
nacional uma linha de penetração.
Cidades ainda não servidas de
boas estradas de ferro e outras desconhecendo mesmo o rudimentar
transporte rodoviário, em pleno
hinterland estão hoje ligadas à Ca-
pitai Federal
pela aviação comercial e militar. E' conveniente sa-
lientar que as linhas de
penetração de tôdas as companhias brasi-
leiras de navegação aérea são subvencionadas pelo Governo Federal,
que desta maneira ajuda financeiramente a aviação comercial em
nosso país. Não fôsse a subvenção do Estado Nacional e não te-
ríamos as linhas que
ligam os sertões ao litoral.
Normalmente, doze aviões da Cruzeiro do Sul trafegam sema-
nalmente, cobrindo uma rede de 20.949 quilômetros, inclusive a
linha internacional Rio-Buenos Aires, que
é feita com quadrimotores
186 CULTURA POLÍTICA
que desenvolvem 330
quilômetros por hora. Entre o seu
pessoal de
vôo» figuram alguns
"milionários
do ar" e até mesmo um
"bimilio-
nário", que
é o rádio-telegrafista Auderico Silveira dos Santos. Em
1928, quando
foi fundada a Companhia, a sua rede era apenas de
1,415 km. Hoje, com a assistência dispensada pelo Presidente Getú-
lio Vargas, houve um acréscimo de mais 18.000 quilômetros, que
servem a 118 cidades, desde o ^Rio
Grande do Sul ao Território do
Acre, inclusive localidades às margens do Tocantins, Parnaíba, Pa-
raguai e outros rios. 1.500 brasileiros natos trabalham na Cruzeiro
do Sul. São aviadores, técnicos, operários e pessoal
de escritório, o
que induz a supor
que pelo menos mil famílias dependem do funcio-
namento da companhia.
Pelos dados estatísticos, até 31 de dezembro de 1942, a empresa
transportou 148.536 passageiros,
voou 19.491.733 quilômetros,
num
total de 98.521,32 horas de vôo; bagagem transportada, 2.525.207
quilogramos; correspondência, 505.986 kg; encomendas, 717.206 kg.
Os americanos vendem aviões
Para o desenvolvimento da nova fase da companhia nacionali-
zada pelo
Presidente Getúlio Vargas, muito teem contribuído as
nossas altas autoridades. E só assim foi possível
a colaboração das
fábricas norte-americanas. A emprêsa, que
tem 22 aparelhos, desde
o monomotor. empregado nas linhas do Acre, aos gigantescos quadri-
motores da linha internacional, vem de comprar na América do
Norte quatro
aviões Douglas D C 3, com capacidade para
trans-
portar 21
passageiros, com todo conforto e absoluta segurança.
Este detalhe revela perfeitamente
o espirito de colaboração exis-
tente entre os norte-americanos e brasileiros, empenhados no cres-
cente desenvolvimento da aviação comercial do Continente.
A campanha da borracha ,
COMPREENDENDO
que somente um ato de natureza especia-
líssima será capaz de elevar, em escala efetivamente útil, a
produção de borracha brasileira, o presidente
Getúlio Vargas
designou o mês de junho,
como sendo o Mês Nacional da Borracha ,
Er objetivo do Chefe do Govêrno fazer com que
todos os brasi-
leiros se interessem por
êste momentoso problema
e tomem parte
na
exploração da preciosa
matéria prima,
onde quer que
ela se encontre
no território nacional, sob a forma de
44látex"
de seringueira, mu-
rupita, maniçoba, mangabeira, ou outra.
Em incisivo manifesto aos brasileiros, o Presidente Vargas
lembra a nossa responsabilidade perante os nossos aliados, acen-
tuando que, antes de atingirmos todos os objetivos, temos a tarefa
urgente de ganhar
a batalha da produção,
e em especial de ganhar
a batalha da borracha, produto dos mais necessários ao apressamento
da vitória»
Afim de fazer chegar mais eficazmente a sua palavra aos dis-
tantes recantos em que
milhões de exemplares nativos de diversas
espécieis de borracha levantam a sua copa, o Chefe do Governo di~
rigiu-se, também, em circular, a todos os prefeitos
do interior, convi-
dando~os a contribuir praticamente para o completo êxito do Mês
Nacional da Borracha" e enviando-lhes o plano segundo o
qual a
campanha será orientada.
O manifesto do Presidente Vargas
E' o seguinte o manifesto dirigido pelo Chefe da Nação ao
po-
vo brasileiro sôbre o mês da borracha:
44
Brasileiros :
Fiéis à política
continental, que sempre norteou as nossas ativi-
dades no Govêrno, assumimos, diante da América e do Mundo, uma
posição clara e definida, deixando à disposição de nossos aliados
todos os recursos que a Natureza nos
prodigalizou.
188 CULTURA POLÍTICA
Mais do que
isso, porém,
estamos agora unindo nossas armas
às de nossos irmãos, em nome da honra nacional e na defesa dêsse
patrimônio que representa a nossa forma de viver.
Com ânimo forte e cheios de inabalável fé em nossos gloriosos
deçtinos, o Brasil, respeitador e amante da liberdade, enfrentou a
luta que
lhe impôs um adversário impiedoso e cruel.
*
Juntamente com nossos aliados, vamos levar as as nossas forças
à vitória final. Mas antes de atingirmos todos os objetivos, uma
tarefa urgente nos aguarda : temos de ganhar
a batalha da pro-
dução.
Brasileiros : com a mesma clareza com que
me habituei a falar*
vos, venho, hoje, dirigir^me a vós para
solicitar a vossa cooperação
leal e decidida em pról
de uma campanha, que
hoje se inaugura: a
campanha da borracha.
Sabeis quão gigantesco
é o desgaste de material na presente
guerra. E entre essas matérias algumas merecem o nosso especial
cuidado pela
sua urgente necessidade. Êsse é o caso da borracha,
que entra em
quase todos os equipamentos bélicos, em volumosas
quantidades. Podeis imaginar o
que é êsse consumo, lembrando-vos
de que
somente um bombardeiro pesado
consome nada menos de
826 quilos
de borracha.
As armas aliadas precisam
de mais borracha, dessa borracha que
existe, não só no extenso vale amazônico, mas em Mato Grosso,
nesse rumo a Oeste, e em vários pontos
do território nacional, tanto
nas seringueiras como nas maniçobas e mangabeiras. A seiva, que
corre nos troncos dessas árvores, é agora necessária para
apressar
a nossa vitória.
Extraí borracha onde puderdes,
de acordo com os planos que
estão, hoje, sendo lançados, através de todos os municípios brasi-
leiros, com a colaboração sincera dos vossos prefeitos.
A solidariedade dos vossos sentimentos me dá a certeza prévia
da vitória desta campanha, que
nos dará
"mais
borracha para
a
vitória".
Inauguro, pois,
solenemente, o
"Mês
Nacional da Borracha",
a que
ficarão consagrados êstes dias de junho,
nos quais
ides au~
mentar poderosamente
o nosso esfõrço de produção".
A circular aos prefeitos
Está redigida nos seguintes têrmos a circular dirigida pelo
Pre~
sidente Getúlio Vargas aos prefeitos:
"Dentro
do espírito de mútua colaboração com que
se resolvem
todos os problemas
do govêrno,
venho, pessoalmente,
concitar~vos a
A CAMPANHA DA BORRACHA 189
dar todo o vosso entusiasmo» em prol
de uma obra de decisiva in~
fluência sôbre a presente guerra.
Povo pacífico,
fomos» entretanto» arrastados a esta luta san~
grenta pela audácia de nossos inimigos na defesa de nossa honra e
de nossa liberdade. Dessa forma a nossa contribuição aos aliados é
total. Devemos provêr-nos
a nós mesmos do material indispensável
à vitória final. E tanto quanto precisamos
do cristal de rocha, mica
e outras matérias primas,
temos necessidade urgente, inadiável» de
borracha •
A borracha existe em nossa terra, em uma reserva astronômica.
Falta, apenas, extraí-la, transformá-la, industrializá-la. Nossa missão
é colher esta seiva, o
"látex",
que corre nos troncos da hevea bra-
siíiensis, da maniçoba, da mangabeira, espalhados, por
vários pontos
de* nosso fértil solo.
Em minha viagem ao rio Amazonas, em outubro de 1940, tive
ocasião de apontar aos brasileiros o problema
nacional da borracha,
que era, nesta data, apenas o de industrialização. Sugeri, então, que
com o deslocamento de nossas indústrias para
as proximidades
dos
centros de matérias primas, em breve a produção
não bastaria para as
fábricas já
instaladas entre nós ou em via de instalação. Hoje, o
problema se apresenta incomparàvelmente mais
grave. Não mais
se trata de uma industrialização para as nossas necessidades paci-
ficas, mas de produzir para
o consumo gigantesco de uma
guerra
mundial. E' o problema
nosso e de nossos aliados, aos quais
de^
vemos fornecer a borracha, sôbre a qual
rodarão as armas vitoriosas
da liberdade. Requerem-se medidas extraordinárias, para as
quais,
mais uma vez, conto com,o espírito de compreensão de todos os
brasileiros. Ides, pois.
Sr. prefeito,
mobilizar vossos concidadaos
para esta
grande campanha da borracha. Eis
por que resolvi prO"
clamar o próximo
mês de junho
o Mês Nacional da Borracha ,
como marco inicial de uma vitoriosa campanha que durará até
que
atinjamos os nossos derradeiros objetivos.
Convido-vos a contribuir, pràticamente, para o completo êxito do
"Mês
Nacional da Borracha", a que
se dedicará todo o mes de junho
próximo.
Junto a esta segue o
plano, segundo o
qual será orientada^ es a
campanha e através de cuja leitura vos convencereis da importancia
de vossa colaboração. A campanha conclama todos os brasileiros
disponíveis a extraírem o
"látex",
onde se encontrar, por métodos
técnicos e racionais. A vossa operosidade sabera acrescentar outras
iniciativas de valor, tendentes, tôdas, à consecução deste umco hm:
"mais
borracha". Crêde que,
ao trabalhardes, juntamente com vossos
municípes. estareis não só acelerando a marcha de nossa vitória, mas
realizando obra civilizadora. de fixação do homem brasileiro ao seu
solo Repito o que já
afirmei, uma vez:
"vemos
abrir-se, agora, â
190 CULTURA POLÍTICA
exploração sistemática um
"hinterland"
dos mais férteis e promissores,
apenas desbravado e onde deverão expandir-se a energia, a perseve-
rança c o trabalho de numerosas gerações". Extrair, agora, a nossa
borracha, é um imperativo do presente
e um compromisso com o
futuro. (a.) Getúlio Vargas".
Apêlo ao povo
Iniciando a campanha pela intensificação da produção
da borra-
cha, o tenente coronel Antônio José
Coelho dos Reis, diretor-geral do
Departamento de Imprensa e Propaganda, leu, no dia 31 de maio úl-
timo, na
"Hora
do Brasil" o seguinte apêlo do Presidente Getúlio
Vargas, ao povo:
"Brasileiros/ — Há apenas um mês, tive ocasião de vos falar,
nas comemorações de 1.° de maio. Afirmei então que
o trabalhador
brasileiro nunca me decepcionou, e vos concitei a produzir
mais e
melhor. Volto hoje a vos alertar, para que
dediqueis tôdas as ener-
gias à batalha da
produção e
quero solicitar-vos o interêsse
para um
problema específico e urgente: precisamos,
nós, e nossos aliados, de
mais borracha !
Não ignorais quão gigantesco
é o consumo de certos materiais
nesta guerra universal, salientando-se a borracha, pelo
desgaste e di-
versidade de emprêgo. Pode-se afirmar que
sôbre borracha caminha
a guerra
moderna. Mas não só as rodas exigem a goma
elástica;
inúmeros outros equipamentos a reclamam em quantidades
enormes.
Para fazerdes idéia da sua importância, lembrai-vos, por
uns instan-
tes, dos diferentes e extensos cenários nos quais
se ferem as sangren-
tas lutas pela
vitória dos povos
livres, tendo presente que
cada carro
de assalto requer mais de tonelada e meia de borracha, e cada bom-
bardeiro pesado quase uma tonelada.
A resposta a tão formidável consumo é produzir, produzir
sem
repouso, colhendo o
"látex"
abundante das seringueiras do vale
amazônico, das maniçobas e mangabeiras espalhadas por
diversos
pontos do território nacional. Essa é uma das nossas tarefas
para
assegurar a vitória dos povos que pelejam
nas várias frentes através
do mundo.
Nas guerras
modernas a mobilização é total. Nelas não tomam
parte sòmente os exércitos. A nação inteira é chamada às armas, de
uma ou.de outra forma. Homens e mulheres, velhos e crianças, cada
um tem o seu campo de ação. A vós, sertanejos do Norte, do Centro
ou do Sul, rudes desbravadores, valentes, cabe, na batalha da pro-
dução, o setor da borracha, um dos mais importantes do nosso esforço
de guerra
da nossa contribuição para a vitória.
A CAMPANHA DA BORRACHA 191
As fêrças brasileiras combatem no ar e no mar e irão combater
em terras longínquas, se (ôr necessário. Mas os seringueiros, nas pia-
níceis amazônicas e nos sertões matogrossenses, já
tomaram posição
na luta, e nela permanecerão,
se o seu trabalho fôr útil. Estou certo
que sabereis defender sem desfalecimentos a trincheira
que vos fôr
confiada, extraindo das ricas florestas do Brasil tôda a borracha que
puderdes.
A minha reconhecida simpatia por
vôs, trabalhadores, o empe-
nho do meu govêrno
em assegurar-vos melhores condições de vida,
dão-me o direito de vos dirigir êste apêlo, seguro dos resultados, pois
conheço o vosso valor e a vossa tenacidade, quando
se trata de
servir e engrandecer a Pátria."
A indústria do papel
no Brasil
ATUALMENTE
a (ase da nossa formação industrial apresenta
quatro aspectos da maior importância»
que são
garantias para
levarmos a bom têrmo a tarefa de uma indústria nacional bem
estabelecida: 1.° a organização da produção
siderúrgica em grande
escala; 2.° a formação da indústria pesada
e da fabricação de máquinas;
3.° a maior diversificação da produção
industrial; 4.° o aumento em
volume e valor da produção
industrial e manufatureira em geral.
Êstes fatos são íncontestados e provados por
tôdas as estatísticas.
Já possuíamos regular
produção siderúrgica com fornos funcionando
com carvão vegetal e com crescimento constante; com a Usina de
Volta Redonda entraremos em pouco
tempo na fase da grande pro~
dução siderúrgica com carvão mineral e coque nacionais; as outras
emprêsas particulares
também estão em via de modificação de seus
sistemas de produção.
A indústria da fabricação de máquinas está
em franco crescimento; cada dia bons tipos de máquinas, de fa-
bricação nacional, com metal nacional, entram no mercado; a guerra
nos permitiu obter muitos técnicos emigrados e refugiados
que se estão
dedicando ao melhoramento das nossas fábricas; a Fábrica Nacional
de Motores será em breve um passo
decisivo neste setor; estamos pro~
duzindo, também, máquinas para
diversos usos, para
fábricas e, ma-
nufaturas, máquinas agrícolas, e ainda as de usos domésticos e de es-
critérios. Dia a dia recebemos para
nosso consumo interno novos ar-
tigos de produção
nacional, que
antes eram importados, aumentando
a diversificação da nossa produção
industrial; o setor de materiais e
aparelhos elétricos talvez seja aquêle, entre outros, onde se faz mais
intensa a diversificação.
O aumento, em valor e volume, da produção
industrial na-
cional para
atender ao mercado interno, privado dos fornecimentos
europeus, em conseqüência da guerra,
contando com a produção
industrial estadunidense, mais cara e prejudicada nos transportes
pela guerra submarina, se faz cada dia mais intenso; no Brasil
atualmente as indústrias de todos os gêneros
estão ganhando
di-
nheiro e aumentando a produção;
a nossa exportação de produtos
industriais para
o continente sul-americano e outras partes
está
A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 193
aumentando também, a ponto
de compensar o que perdemos
na
Europa, nestes anos de guerra,
como mercado de matérias primas,
produtos vegetais, animais e de indústria extrativa.
Por outro lado, observamos todo um conjunto de atividades e
empreendimentos de vulto, realizados para
dar maior base e se-
gurança ao nosso atual desenvolvimento industrial, as
garantias de
matérias primas,
máquinas, créditos, combustíveis, transportes, téc-
nicos, etc. A batalha do combustível continua para nós de máximo
interêsse. Em dez anos aumentamos a produção
de carvão mineral de
cinco vezes, isto é, de pouco menos de 300 mil toneladas
para pouco
menos de dois milhões de toneladas, ou dois têrços do nosso consumo;
é uma grande
economia, além de notável esforço de organização
para firmar tudo o
que exige a
produção da hulha; teremos o nosso
coque, produzido com carvão nacional,
para a Usina de Volta Re-
donda; um grande
triunfo. Continuamos a pesquisar petróleo,
e já
contamos com uma pequena produção na Baía; o
gasogênio vem
pres-
tando um grande
auxílio ao transporte motorizado, provando
ser uma
bela vitória para
os tempos difíceis que
atravessamos; os combustí-
veis oleaginosos vegetais continuam com aplicação crescente; aumen-
ta a produção
de álcool motor. O nosso parque
de produção
de ener-
cia elétrica está-se ampliando com as maiores perspectivas. A Com-
panhia Vale do Rio Doce começa a realizar a extração de minério de
ferro em grande
escala, para
consumo dos nossos altos fornos e para
exportação. Aumenta a produção
de metais de grande
aplicação in~
dustrial, como estanho, chumbo, cobre, etc. Enfrentamos a solução
do problema
do alumínio com boas esperanças, e grandes
trabalhos e
empreendimentos estão em andamento para nos suprirmos de alumí-
nio nacional nos próximos anos; está aparecendo no mercado o esta-
nho nacional, e os industriais de produtos
de metais podem
avaliar o
que isto significa no momento; afinal, está provado que
temos enorme
quantidade de ótima cassiterita (minério
de estanho), de fácil extra-
ção è alto teor, e a
produção de estanho aumenta com as instalações
de numerosos fornos. O vidro plano
e a soda cáustica são outras vi-
tórias da nossa atividade industrial, protegida e estimulada
pelo Go-
» vêrno, com créditos e outras facilidades. Com mais dois anos. tudo
isto em andamento e conclusão, a nossa industria em geral, que
está
atingindo o algarismo de 15 bilhões de cruzeiros (em 1930 atingia
pouco mais de 2 bilhões), se elevará de modo extraordinário. Nada
nos poderá deter no avanço que
fazemos para
atingir um alto ponto
de qualificação e
quantidade industrial. O
que isto significa é fácil
compreender. j
Estamos ainda mordendo duramente o terreno na questão
aos
transportes; herdamos do passado
sistemas de transportes anacrô-
nicos, anárquicos, demasiado dispersos e desarticulados; mas a
produção siderúrgica, a fabricação de máquinas e motores, a
produção
de locomotivas, automóveis e aviões, o melhor aparelhamento da in-
F. 13
¦ • 53, •
-• Wl ' v.
" * < "i w.
194 CULTURA POLÍTICA
dústria de construção naval, tudo isto em andamento promissor,
nos
farão arribar cm pouco
tempo, c poderemos
traçar rotas para
o
nosso transporte interno, com ritmos de progressão ascendente até
então desconhecidos.
Dentre dêsso conjunto admirável de crescimento industrial,,
quando marcamos uma etapa mais decisiva, depois daquela
que rea-
lizámos no campo da manufatura por
ocasião da guerra
de 14-18,
vamos destacar aqui e apreciar o nosso progresso
em uma indústria
que, para nós além de ser das mais importantes, tem as maiores
perspectivas de desenvolvimento. Trata-se da nossa indústria do
papel.
Formação da indústria do
papel no Brasil.
O papel
tornou-se, para
a existência dos povos
civilizados,
um elemento vital, como luz, água, calor, e com a particularidade
de depender dêle, como base material, a vida, a manifestação de pen-
samento civilizado, nos seus aspectos mais importantes. Do papel
dependem a ciência, a arte, a literatura, a palavra
escrita em geral,
de modo tal que,
hoje, não se pode
imaginar a existência dessas ati-
vidades civilizadas ou civilizadoras sem o papel.
Por isso, o problema
da produção
do seu papel
é para
o
Brasil da maior importância e urgência. O enriquecimento progres-
sivo do nosso parque
industrial, da nossa indústria pesada
e de
fabricação de máquinas permitirá,
em breve tempo, que
a nossa in-
dústria de papel vá superando as suas deficiências,
permitindo tam~
bém o desenvolvimento da indústria gráfica,
dando-lhe o suprimento
do bom papel
e das máquinas gráficas
de todos os tipos, condicio-
nando, outrossim, a formação mais completa do nosso já
importante
operariado gráfico
especializado.
E' de conhecimento geral quanto
antiga é na história da huma-
nidade a indústria de papel,
desde os tempos dos papiros
usados
pelos faraós no Egito, e desde os
processos mais
primitivos de fa->
bricação em diversas partes
do mundo em várias épocas. O maior
desenvolvimento, porém,
da indústria de papel
começou com a Re*
nascença, depois que,
no século XV, Gutenberg inventou a imprensa,
dando o grande
impulso jà
arte gráfica
moderna. Esta nova era
para o
papel foi logo seguida das descobertas, da expansão co-
mercial pondo
as partes
do mundo em contacto, e do comêço das
grandes invenções de máquinas
que precederam e
permitiram a
época da revolução industrial. Foi a Inglaterra que
começou a
explorar a indústria do papel,
sob os novos processos permitidos
pelas máquinas e
pelo valor. Logo a indústria nova se multiplicou
em diversars partes.
A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 195
O papel
veio para
o Brasil com a primeira caravela da des*
coberta, e foi sôbre êle que
Pêro Vaz Caminha escreveu a sua
carta dando à Europa ávida de expansão notícias das terras de
Santa-Cruz. No entanto, no Brasil a indústria de papel
é ainda
bastante nova, começando realmente no último quartel
do século
passado, sem desde então ter solução de continuidade, mas vindo
depois de indústrias como tecidos e até das artes gráficas, que pro*
duzíamos com material estrangeiro.
Podemos dizer que
a indústria do papel
só firmou sua existência
definitiva entre nós depois da guerra
de 1914-18, a qual
obrigou a
indústria nacional a um grande
esforço para
nos suprirmos desta
e outras utilidades, que
não podiam
continuar sendo fornecidas
pela Europa» ocupada com o conflito
guerreiro. Agora está~se re-
petindo o mesmo fato,
porém com muito maior significação, levan-
do-nos a dar um impulso mais vigoroso às produções
industriais,
como o papel
e muitas outras fundamentais. Felizmente, para
esta
tarefa, nos encontramos em melhores condições que
na guerra pas»
sada. Mas, mesmo antes de guerra
atual, a produção
brasileira de
papel vinha crescendo e aperfeiçoando-se, sob o impulso da
pro-
teção inteligente à indústria nacional, estimulada por
sua vez pelo
nosso crescente mercado interno.
Foi na Baía que, pela primeira
vez, se produziu papel
no Brasil,
segundo os historiadores mais autorizados; eram papéis
velinos è
de côres, usados mais para
flores artificiais. Depois houve um
pequeno fabrico em Pernambuco. Êstes
princípios morreram
por
não poderem
competir com o produto
estrangeiro, mais barato. De-
pois dêstes
princípios de indústria
papeleira, a
primeira fábrica insta-
lada no Brasil, sob moldes modernos, foi no Distrito Federal, nos úl-
timos anos do Império, estimulada por prêmio,
concedido pelo
impe-
rador D. Pedro II. Esta iniciativa gerou
outras, e, muitos anos de-
pois, em 1907,
já existiam no Brasil 17
pequenas fábricas de papel
e
papelão, com um capital
pouco acima de 5 mil contos, cêrca de 600
operários e uma produção
anual avaliada em 4 mil contos de réis
(quatro milhões de cruzeiros). Êste crescimento não teve interrup-
ção, e em 1920, o recenseamento geral
registava 17 fábricas de papel
existentes no Brasil, com um capital de 23 mil contos (23 milhões
de cruzeiros), mais de 1.600 operários e uma produção
anual estima-
da em quasi
27 mil contos (27 milhões de cruzeiros). Assim tinha
começado a nossa indústria papeleira,
continuando a existir, prospe-
rando sempre, até o desenvolvimento impulsionado pela guerra
de
1914-18; a nossa produção
de então não atendia sequer às necessida-
des de papelaria
comum e embalagem, e nada fornecia para
impres-
são e categorias de papéis
finos.
196 CULTURA POLÍTICA
f 9
9 9
»
Vamos encontrar nas estatísticas, em 1926, uma produção
na-
cional de 18.105 toneladas, sendo 1/3 dessa produção
no Distrito
Federal. O progresso
continuou na indústria papeleira, e temos, em
anos diferentes, logo em seguida, as cifras abaixo, em algarismos re-
dondos:
1929 33.000 toneladas
1931 36.000
1936 96.000
O valor da produção
acima citada para
1929 foi calculado
em mais de 71 milhões de cruzeiros.
A partir
de 1931 o Estado maior produtor
de papel passou
a ser São Paulo, que
tem mantido esta posição,
tomando a frente
do Distrito Federal e ao Estado do Rio de Janeiro:
1926 : Distrito Federal 6.344 toneladas
Estado do Rio de Janeiro
. 3.695
São Paulo 3.123
1929 : Estado do Rio de Janeiro
. 9.683
São Paulo 8.607
Distrito Federal 3.763
1937: São Paulo 60.102
Estado do Rio de Janeiro . 16.566
Distrito Federal 7.684
1941 : São Paulo 67.065
Estado do Rio de Janeiro
. 22.088
Distrito Federal 11.431
Em 1937 São Paulo produzia quase
vinte vezes mais que
em
1926, e quase
três vezes mais que
tôda a produção
nacional de
1929. Nos últimos anos passados
temos os seguintes dados sôbre
a produção
nacional de papel, papelão,
etc :
1937 106.337 toneladas avaliadas em 208.728.000 CR$
1938,— 98.065 toneladas avaliadas em 198.544.000 CR$
1939 '— 119.123 toneladas avaliadas em 253.716.000 CR$
A produção
de 1939 chegou a ser mais de três vezes a de
1931, que
era de cêrca de 36.000 toneladas.
Situação atual da indústria
nacional do papel
Atualmente a indústria do papel
entre nós toma um incremento
que a vai colocar sôbre uma nova estrutura e fazê-la atingir uma
situação muitas vezes acima dos números dos últimos anos; isto
se torna possível porque nos estamos libertando da depen-
dência do estrangeiro quanto à matéria
prima mais importante
para
90
9 9
9 9
9 9
9 t
9 9
»»
9 t
9 9
9 9
t r
i
A INDUSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 197
a indústria papeleira, que
é a polpa
de madeira, sobretudo a ce-
lulose, como veremos adiante, e iniciamos a produção
de máquinas
tanto para
as fábricas de papel
como para a arte
gráfica.
Chegámos ao fim do ano de 1940 com esta indústria ocupando
um capital registado total de pouco
mais de 300 milhões de cru-
zeiros, a atividade de mais de 20.000 operários em 38 fábricas, pro-
duzindo perto
de 130.000 toneladas, que
valiam cêrca de 280 mi-
lhões de cruzeiros. Mas este notável desenvolvimento foi obtido
condicionado ainda, à importação da celulose estrangeira, a preços
altíssimos; somente agora começamos a produzir a celulose, porém
ainda em quantidade muito pequena; pode-se,
no entanto, antever
o grande
desenvolvimento que obteremos quando
tivermos a celulose
nacional em quantidade
suficiente.
O que
se chama a
"pasta
mecânica", que produzimos em
quan-
tidades, e com que substituímos a celulose, é ainda a causa da
qua-
lidade inferior do nosso papel,
especialmente para impressão. A
pasta mecânica, de fácil
preparo, porque não exige tratamento quí-
mico, não produz
um papel para imprensa com as
qualidades do
produzido com a celulose. A
qualidade de nosso papel
está dependen»-
Jc, portanto, em maior parte,
de produzirmos a celulose; a
quantidade
de produção
está dependendo mais de maior quantidade
de melhores
máquinas, e também da quantidade
de celulose de que
dispusermos;
os preços
estão dependendo de nos libertarmos da produção
estran-
geira, cara, e de equiparmos a indústria papeleira
de máquinas de
produção maior e mais economicamente.
Acontece também, para agravar a situação atual, que,
devido às
contingências da guerra
na produção
industrial dos países
fornece^
dores de celulose, os fretes e seguros mais encarecidos, além das
dificuldades, riscos e perdas
nos transportes marítimos, aquela
matéria prima nos chega cada dia mais cara, como podemos
ve-
rificar abaixo que discrimina a nossa importação de celulose.
Ano Toneladas Valor total Valor por tonelada :
Em 1942, o preço por tonelada de celulose importada subiu a
mais de CR$ 2.200,00.
A tonelada de celulose para a frabricação do nosso
papel nos
custa hoje duas ou mais vezes do que
há quatro
anos atrás. Daí o
grande empenho, ainda mais
justificado, do nosso Governo, junta^
mente aos nossos industriais, para que se produza
logo essa
matéria prima entre nós. Dos nossos antigos fornecedores, em
grande maioria os escandinavos, passamos
a comprar a produção
mais
1939.. 84.500 CR$ 83.403.000
1940.. 63.708 CR$ 93.909.000
1941.. 79.926 CR$ 138.230.000
CR$ 987,00
CR$ 1.474,00
CR$ 1.730,00
/-;> • " *Pf '<iinPr -
T fsi
198 CULTURA POLÍTICA
cara nos Estados Unidos e no Canadá, pois
nestes países a
pro-
dução industrial é mais onerada com os ônus da guerra,
majoração
dos seguros e fretes marítimos, maiores riscos nos transportes e
outras dificuldades da guerra,
como a mão de obra mais difícil e
mais rara com as mobilizações.
Havia anos que
estudos completos tinham sido feitos, visando
o aproveitamento do pinho
do Paraná para
a produção
de celulose
para papel; em seguida novos estudos foram completados visando
agora ao aproveitamento também do linter do algodão (resíduos que
ficam no caroço do algodão depois de retirada a pluma),
da palha
de carnaúba, dos resíduos de caroá, do bagaço da cana, etc. Por
ordem direta do Presidente Getúlio Vargas, êsses estudos foram
reiniciados em 1940, já pela
constatação das necessidades prementes
da nossa indústria papeleira,
agravadas pelas
circunstâncias impostas
pela guerra, como
já foi dito; agora aqueles estudos teem mais ampla
perspectiva e estão sendo aplicados com tôdas as possibilidades de
continuação, até a solução de tão importante problema.
Um crédito de 60 milhões de cruzeiros foi aberto no Banco do
Brasil, e pôsto
à disposição de uma iniciativa nesse sentido, de mon~
tagem de uma fábrica de celulose; tal crédito já
está mobilizado, e
outros serão abertos, e tantos quantos
necessários forem, para
con-
quistarmos uma riqueza
para a coletividade nacional, de
grande al~
canse social, econômico e cultural. Já
se acha em construção adian~
tada, no Paraná, uma grande
usina de fabricação de celulose e de
pasta de madeira, extraídas do
pinho, que, segundo as
previsões,
em menos de dois anos suprirá o país
de 80 % do seu consumo de
celulose para papel
de impressão para jornais
e livros, fabricando
também grande quantidade
de papel
e de pasta química para
o,
fabrico do rayon. Outras indústrias menores de polpa
de madeira
se desenvolvem, aproveitando diversas matérias primas.
A questão
de não nos limitarmos somente à matéria prima
fornecida pelo pinho
do Paraná, para
o nosso papel,
está ligada àquela de que
os nossos
pinheirais devem fornecer, além da celulose, também
grande quanti-
dade de madeiras para
consumo interno e exportação, e que
não po~
demos dispensar. Os nossos pinheirais,
embora ainda imensos, ten-
dem a diminuir; sobretudo a renovação da floresta de pinho, para
um
rendimento compensador, é lenta exigindo centenas de anos. Se não
formos sempre imprevidentes, como temos costume de ser em outros
setores da nossa economia, devemos procurar
multiplicar as nossas
possibilidades de matérias
primas para a
produção barata da celu~
lose, desenvolvendo o aproveitamento de outras matérias primas
ve-
getais provenientess de
plantas de ciclos curtos de reprodução e
com cultivo econômico. Como na indústria o aproveitamento é a
maior base de lucros, teremos tôdas as vantagens em aproveitar
resíduos como o linter do algodão, palha
da carnaúba ou do ou~
ricurí, bagaço de cana, etc.
A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 199
Mas, é sobretudo a produção
de papel para
o livro e o jornal
que precisamos incrementar e baratear; isto
parece será reali-
zado com os novos empreendimentos já citados. O Govêrno está
empenhado em dar tôdas as facilidades à indústria de máquinas,
contratos de técnicos estrangeiros, facilidades para instalações e loca-
lizações, etc. Com a diminuição da importação de papel,
faremos
uma grande poupança
na economia nacional, que justifica tôdas as
facilidades concedidas aos industriais que queiram
enfrentar os pro-
blemas da produção papeleira nacional. Assim, a
produção, em breve,
da nossa celulose em grande
escala prevista terá desde início, três
aspectos salutares para a economia do país:
1.° '
reduz a quantida-
des mínimas a importação de celulose estrangeira; 2.° *
diminue
muito, até quase
dispensar a importação do papel
estrangeiro, sobre-
tudo para o livro, as revistas e
jornais; 3.° — cria uma nova riqueza,
aproveitando matérias primas do
país e valorizando-as, fixa eco-
nomias, dá mais trabalho a braços nacionais nas cidades e nos cam-
pos.
Sabemos, porém, quanto é difícil trabalhar organizadamente no
Brasil, e quanto as boas iniciativas encontram entraves nas nossas
mentalidades coloniais e burocráticas, nas nossas maranhas fiscais.
Será preciso que muito se modifique nos aparelhos fiscais e buro-
cráticos do país,
se não quisermos
ver muitas iniciativas desanimadas
pelas dificuldades de papelórios;
muitos empreendimentos teem mir-
rado sob o pêso
dos labirintos fiscais e burocráticos, cada dia mais
complicados; os pioneirqs
devem encontrar leis claras e simples que
superintendam as suas realizações, os orientem e ajudem, em vez de
os matar de embaraços, labirintos, confusões, etc.
Importação de papel
Há certos papéis e papelões
dos quais já
conseguimos autos-
suficiência, como para embalagem e outros, e até ja
começamos
a exportar, como veremos mais adiante; há muitos artefactos e
aplicações de papéis que
não compramos mais no estrangeiro; porem
o fato de que não importaremos
mais papel para o livro,
jornal
revista, dentro de dois anos, é o mais decisivo no ramo em apreço.
Vejamos as nossas importações de papel
nos tres últimos anos,
quanto pesa nelas o destinado a impressão e para jornais:
Ano. Importação total: Pape/ para
impressão e jornal:
CR$ CR$
1939
1940
194
52.611.954
49.711.271
61.404.602
87.675.549
103.775.671
123.624.359
46 .«62.964
43.981.306
47.500.323
51.J44.730
68.550.018
72.632.360
200 CULTURA POLÍTICA
Este quadro
é bastante elucidativo por si mesmo,
pois vemos
que diminuiu o volume da importação de 1939
para 1940, aumen-
tando o valor total sôbre 1939; os preços
de 1941 ainda foram ma-
jorados, e se o
quilo importado valia cerca de Cr$ 1,60 em 1939,
já em 1941 valia
pouco mais de CR$ 2,00. Juntando-se
êstes nú-
meros aos de importaçãor de celulose, já citado acima, vemos
que o
nosso papel
nos custou mais de 260 milhões de cruzeiros, pagos ao
estrangeiro em 1941, sendo o volume total menor do que
o de
1939, quando
nos custou cerca de 170 milhões de cruzeiros, impor-
tação de papel e celulose somadas. Vemos ainda que
a importação
de papel para
impressão e jornal
representa em média mais de 80 %
do volume e mais de 60 % do valor do total da importação.
Já produzimos no Brasil
papel para impressão e
jornais, porém
em quantidade
ainda muito insuficiente, qualidade inferior,
por
preços demasiado altos, devido ao valor da celulose importada, ao
aparelhamento das fábricas ainda inadequado para uma
produção
que precisa ser muito mais econômica.
Como está distribuída a nossa
produção de
papel.
Atualmente temos no Brasil 38 fábricas de papel
e papelão
em
atividade, produzindo, em 1941, 128.770.895 quilos.
A maior dessas
fábricas, em São Paulo, tem uma produção
de mais de 15.600.000
quilos, e a menor, no Distrito Federal, produz
500.000 quilos. As
cinco maiores fábricas de papel
são :
Firmas -—- Localização Produção em 1941
Companhia Fabricadora de Papel (Klabin) —
São Paulo 15.639.958 quilos.
Companhia Fábrica de Papel Petrópolis
Estado do Rio 10 - 588.944
Companhia Melhoramentos de São Paulo —
São Paulo 8.578.886
Cia. Agrícola e Industrial Cícero Prado —
São Paulo 8.138.539
Cia. Indústria de Papéis e Cartonagem
Estado do Rio 7.318.750
Seguem-se
3 fábricas produzindo mais dc 6 milhões de
quilos.
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1 milhão
menos
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A INDUSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 201
Donde se pode
observar que das 38 fábricas de
papel, 30 teem
uma produção
inferior a 6 milhões de quilos;
as 8 maiores, isto é,
com produção
superior a 6 (seis) milhões de
quilos, representam mais
de 60 % do total da produção.
Por qualidades
de papéis,
temos o seguinte quadro para 1941 :
Papéis para
impressão 29.539.417 quilos.
" "
esrever 26.554.258
embalagem 64.702.269
diversos fins e finos 7.974.951
Total 128.770.895 quilos.
Observamos que o
papel para embalagem ainda estava, em
1941, em 1.° lugar, com 50% da produção;
vem depois o papel para
impressão e jornais,
com ^
da produção
total; é nesta qualidade
de papel que
faremos em breve os maiores progressos,
respondendo
ao apêlo da nossa maior necessidade dêste artigo.
Na produção por Estados, temos os seguintes números para
1941 :
Estados Fábricas Produção em quilos
São Paulo 15 67.065.028
Estado do Rio de Janeiro....
22.087.993
Distrito Federal 11.431.023
Minas Gerais 8 514*7^
Pernambuco 6.038.270
Paraná 5.644.779
Rio Grande do Sul 4.372.401
Santa Catarina 2.617.000
Ba,a
38 128.770.895
Temos nove Estados produtores de
papéis e
pepelao de diversas
espécies, sendo que São Paulo sozinho se apresenta com mais de
50% da produção nacional. Dos Estados onde estão localizadas
mais de uma fábrica, a maior média cabe ao Estado do Rio, com
mais de 7 milhões de quilos por fábrica; depois veem Sao Paulo,
com cêrca de 4 e meio milhões de quilos por fabrica, e Minas Gerais
com mais de 2 milhões de quilos por
fábrica. O consumo anual de
trapos e papéis
velhos utilizados por essas fábricas sobe a mais de
600 mil toneladas, valendo 20 milhões de cruzeiros.
Para mais detalhes sobre a produção
nacional de papéis,
ver
o quadro publicado
no fim dêste trabalho.
202 CULTURA POLÍTICA
Como já vimos, a nossa produção
de papel está dependendo
também da ampliação e renovação da maquinaria, que temos de
ndnifiHr em quase
totalidade no estrangeiro; mas os primeiros passos
estão sendo dados para equiparmos o nosso parque
de fábricas de
papel; há diversas fabricas que
estão usando maquinismos de fabrí-'
cação nacional, como, em São Paulo, a Fábrica de Papel Vila-Maria,
que, em 1930, renovou o seu maquinismo, adquirindo máquinas
novas, tôdas de construção nacional, e realizando melhorias e am-
pliações das existentes com material nacional.
Sstes dados nos permitem
uma visão do ponto
de partida
em
que está atualmente a nossa indústria de
papel, no momento em
que
ela vai começar a marchar com ritmos novos para
rumos mais altos,
com a produção
nacional da celulose e comêço da produção
^nacional
de máquinas para
fábricas de papel,
início de alta produção
mais
econômica, mais barata.
Além do mercado nacional, poderemos ser também fornecedores
de papel
e artefactos de papel
e papelão para
muitos países
vizi-
nhos; para
êstes países
nossa exportação daqueles gêneros, começada
há pouco,
ainda é pequena,
mas cresce cada ano, como poderemos
ver abaixo :
Exportação de papel
e artefactos :
66.345 quilos pòr 393.428 CR$
47.692 quilos por 350.618
CR$
183.042 quilos por 907.815 CR$
121.000 quilos por 1.325.000 CR$
Vemos que a exportação cresce em número de
quilos e em valor
por quilo.
Não precisamos voltar a salientar aqui a importância da in-
dústria papeleira para nós, na
paz e na
guerra, o
que ela representa
para nossos trabalhadores intelectuais e manuais,^ das cidades e dos
campos. As nossas reservas de matéras primas são imensas, inesgo-
táveis, e muitas de fácil substituição por curtos ciclos naturais. Po-
deremos ser em breve um dos maiores produtores
mundiais de papel,
e já
somos o primeiro
na América do Sul; precisamos sobretudo pro~
duzir o papel
bom e barato, para o livro, a revista e o
jornal.
Coube ao Govêrno do Presidente Getúlio Vargas dar um grande
desenvolvimento a esta indústria importante._ E' mais uma batalha
que estamos ganhando, entre outras na
produção industrial. Tomando
a frente de modo ativo na solução dêste problema, o Estado Nacional
afirma mais uma vez sua eficiência perante os
problemas econômicos
do país» presidindo
e impulsionando a nossa mais completa formaçao
industrial, para aumento mais rápido da riqueza coletiva.
1938
1939
1940
1941
I * * 1 4:v if V . • >'?
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1
INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PA PEL.
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3
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2
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Ph
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Pi«<
Pi
w
fco
S9*S
apw
i
s
-oQUALIDADES
TOTAL
DE
QUILOS
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Offset
Acetinado de 1.* e Monolúcido.
Acetinado de 2.»
Acetinado de 3.* e blocos
Couché
Ilustração
Mimeógrafo
Cartão Bristol
Bufon de 1.*
Bufon de 2.»
Jornal
B. Fino-A, côr fino, impressos—
Capas
1.088.598
7.978.789
4.065.653
3.286.258
980.4911
944.387
421.411
1.878.555
350.158
1.839.065
5.964.519
287.177
454.356
« 14
I 15
g 16
a 17
3 18
£ 19
£2 20
%£
pi<Pi
Pergaminhado c/ marca
Pergaminhado s/ marca - Sulfite
Flor-Post, 2.R* vias, correspondência aérea...
Registo
Super Bond
Envelopes
Cartões e Cartolinas
2.989.675
8.024.360
1.184.559
138.6361
1.396.731[
316.1701
12.504.127
TOTAL I 26.554.258
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
; i / Pergaminho,- Impermeável
| ^ ou ^
Sulfurise,
Cristal
Granado.
Seda e Frutas
Kraft
Fósforos
Tecido
Telado Fantasia
Manilhinha
Manilha e H.
Havana
Padaria
Estiva e Maculatura.
TOTAL.
33
34
35
36
37
38
39
Carbono
Cigarros
Higiênico
Mata-borrão
Desenho
Heliográfico
Não classificados.
TOTAL
SOMA DOS TOTAIS.
DISTRITO FEDERAL
1
Araújo
2
Ifuassú
3
Inhaúma
4
Nacional S. Geraldo
total I 29.539.417 —
147.000
100.140
36.074
296.969
580 183
300.679
663.637
539.865
46.157
74.290
23.701
38.573
53.21G
9.481
35.453
1.785.052
22.000
22.000
148 515
1.801.727
1.072.982
1.462.178
12.648.550
275.802
3.339.126
230.865
3.863.128
14.573.754
91.854
3.468.410
21.873.893
62.700
160.310
894.270
64.702.269 1.117.280
455.040
455.040
34.793
928.3441
2.085.867
195.167
21.643!
120.2361
4.588.901
7.974.951
128.770.895 1.117.280
585.709
1 -
585.709
].—
455.040 1.834.695
131.430
34.340
12.749
73.385
90.52Í
111.337
453.76C
723.913
29.879
686.27c
7.000
3.200
1.440.068
6
Tijuca
202.965
25.569
193.903
238.602
661.039
329.672
41.757
53.444
424.873
302.000
312.20C
ESTADO DO RIO
Carto-
nagem
8
Petrópolis
178.899
49.952
627.456
1.025.077
611.839
2.493.223
35.313
35.313
sas
3.714.199
338.000
338.000
672.200
58.474
58.474
3.637.60S
9
Piraí
207.640 828.183
1.911.260 1.140.130 406.360
101.877 1.279.670 —
64.175 172.560 —
58.262 193.060 424.882
9.000 62.090 21.328
1.199.783 274.920 —
96.240 —
18.406 489.590 —
46.732 331.170 —
24.160 —
3.409.495 4.271.230 1.680.753
63.280 620.911
802.813 2.583.550 81.809
223.674 111.740 109.321
42.350 83.537
88.417 55.258
99.364 —
207.123 40.190
1.421.391 2.800.920 991.026
12.290 —
142.050 —
79.856 14.799
264.780 874.680 —
58.699 448.970 —
230.805
586.548 718.400 —
67.370 —
416.180 —
450.597 790.674 —
1.582.530 3.328.564 245.664
31.659
928.344
759.640 —
21.643
120.236
145.694 188.230 160.974
905.334 188.230 1.262.856
7.318.750 10.588.944 4.180.299
S I O PAOLO
10 11 12 13 14 15 16 17 18
American* Aparecida Bruits! Cicero Fabriradora Feffer Gordinho Matarazzo ^Intos'
52.775 —
80.326 955.233 323.999 351 769 532.638 930.464
833.873 32.688 383.835 436.802 49.770
1.114.841 115.070 308.844 36.663 30.650
980.491 —
63.301 87 098 71.627 —
229.134 —
62.052 85.274 78.40C —
47.281 3.502 179.434 —
48.340 288.958 59.540 195.239 255.802 —
5.654 2.264.463 333.782 346.685 173.901 60.670
140.235 49.765
125.888 89.154 50.894 72.779
5.654 191.967 6.953.18S 1.114.636 1.893.912 1.666.134 1.194.098
1.600.833 120.972 134.997 317.252
542.678 261.306 1.045.676 108.757 —
75.068 204.053 99.530
263.326 77.114 —
____ ____ 126.281
31.064 2.716.123 4.230.189 341.159 85.275 24.166 208.277 692.058
31.063 2.716.123 75.068 6.298.401 1.004.809 423.695 1.205.839 317.034 1.235.121
—————
47.825
65.131
255.831
197.137
531.700
1.097.624
110.879
1.279.121
1.390.000
243.928
901.455
56.677
1.202.060
233.954 1.905
131.228 —
437.569 4.518.07C 199.301 80.935
266.677 9.125 —
8.401 1.246.631 10.504 456.173
23.590 272.026 —
1.073.309 195.540 285.552
13.685 87.560 27.710 500.951
848.427 7.464.279 442.180 1.325.516
1.309.650
535.505
" 837.295
1.164.466
207.355
523.614
378.985
4.993.870
154.506
154.506
1.288.848 4.106.123
3.134
119.368' 796.610
119.368 799.744
1.396.94P 8.138.539
217.682
217.682
15.639.958
67.001
67.001
2.047.512
27.162
27.162
3.126.913
137.352
188.545
325.897
3.634.581
988.227
48.055
119.515
1.155.797
8.578.886
114856 — Pág. 202 — Mapa 1 —
DB
PA PEU PRODUÇÃO DE 1941
se
SÃO PADLO
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
j r* et n u ikit Molhora- Papdis e Ribeiro
enr,,. , S. Tere- SimSo v;u Mar.
idora Feffer Gordmho Matarazzo mentog p/pe;ao Parada
Santista
sinha Vita
Maria
.775 —
.233 323.999
.873 32.688
.841 115.070
.491 —
098 71.627
.052 85.274
.281 3.502
1.958 59.540
.463 333.782
1.235 —
1.888 89.154
i. 18S 1.114.63C
351 769
383.835
308.844
229.134
78.406
195.239
346.685
1.893.912
532.638
436.802
86.668
179.434
255.802
173.901
50.894
1.666.134
930.464
49.770
30.650
60.670
49.765
72.779
1.194.098
54.456
68.758
123.214
641.510
82.4C0
602.530
178.120
364.620
28.£90
6.780
1.905.010
14.000
14.000
1.190.539
1.190.539
972
678
1.159
.809
261.306
77.114
85.275
423.695
134.997
1.04S.676
24.166
1.205.839
108.757
208.277
317.034
317.252
99.530
126.281
692.058
1.235.121
347.182
3.443
39.301
371.905
761.831
1.926.177
1.926.177
485.110
344.730
456.905
6.330
1.293.075
82.000
13.000
14.000
129.000
238.000
1.169.952
287.268
154.066
1.611.286
8 07C
.677
.631
2.026
.309
560
279
199.301
9.125
10.501
195.540
27.710
442.180
1.905
80.935
456.173
285.552
500.951
1.325.516
1.309.650
535.505
'837.295
1.164.460
207.355
523.614
378.985
4.993.870
88.986
27.832
96.006
118.974
331.798
126.989
126.989
355.2S0
1.096.797
158.790
280.740
1.109.254
69.160
3.068.031
145.000
191.000
720.000
7.682
7.682
9.958
67.001
67.001
2.047.512
27.162
27.162
3.126.913
137.352
188.545
325.897
3.634.581
988.227
48.055
119.515
1.155.797
8.578.886
9.760
167.653
177.413
1.394.25'
418.104
418.104
2.471.270
10.480
10.480
6.276.596
056.000
375.191
271.975
1.288.002
1.042.072
165.345
3.142.585
I
-
Í.308.000
114.434
114.434
6.058.844
100.901
301.060
180.291
582.252
15.954
15.954
598.206
PARANÁ
25
Brasileiras
26
Parana-
ense
77.238
58.700
49.248
185.192
944.261
944.261
SANTA
CATARINA
39.137 —
464.361 18.140
87.289 19.500
458.439 93.500
1.336.553 166.600
266.162 77.000
63.221 1.328.308
2.715.162 1.703.048
97.116 —
97.116 —
3.941.731 1.703.048
27
Itajaí
356.000
442.000
1.608.00Í
2.406.000
211.000
211.OCO
BIO Q R A N DS DO SUL MINAS GERAIS
BUCO
28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38
Justo PapelSo plrtoa
^Papel"
Liaheiras Sta. Cruz Sta. Maria Tn^ia
Bst* PorteU
— — — — 34.349 — —
— 75.520 — — — —
— 75.520 — — 34.349 —
—
ww mmmim mmmmm mmmmm m ^mmmm
— — — — 41.498 — —
— — — — 41.498 — —
______————————— ——. ——
— 118.000 — 64.294 — —
— 118.117 — — 19.251 —
—
i' ¦ mmmmm mtmm^ mmamm —
610.600 — 639.000 200.000 210.000 134.716 597.068 1.020.575 — 126.778 —
— — — — 24.484
— —
————— 125.934 24.758 1.070.989 — —
802.000 777.000 62.164 250.000 230.000 236.798 1.785.931 2.231.790 677.000 872.857 6.038.270
1.412.600 777.000 937.281 450.000 440.000 586.226 2.427.008 4.323.354 677.000 999.635 6.038.270
_______
_ _ _ 120.000 160.000 8.350 29.085 387.896 — —
_ _ — 120.000 160.000 8.350 29.085 387.896 — —
1.412.600 777.000 1.012.801 570.000 600.000 594.576 2.531.940 4.711.250 677 000 999.635 6.03V.270
DD
Uma realidade, a Fábrica Nacional
-
de Motores
O Brasil ainda êste ano lançará a primeira
série de
motores de avião — Levando de vencida um dos
«iai« arrojados empreendimentos do nosso esforço ae
guerra — Aparelhagem única na América do aul.
NO
PRINCÍPIO, a maioria acreditou mais no pântano,
no mos-
quito, no
jacaré. Havia também os
que acreditavam
em certas
coisas que pela sua própria
natureza são apresentadas cuida-
dosamente disfarçadas. Mas uma minoria confiava no poder
das dragas
abrindo os canais, dos tratores drenando a terra, do cimento ahcer
çando as colunas, do aço erguendo as vigas-mestras,
na forç
tade dos homens que fazem questão
de v^ncernf"fjJntonp|ntano%e-
adversidades, a minoria ganhou
longe a dura parada. O
pântano se
cou para sempre; o mosquito, o
jacaré e os outros companheiros
de
Stía-jornada. depois de voltar em vão à carga por
vanas vexes.
acabaram entregando os pontos.
Hoje, a Fábrica Nacional de Motores está terminando a sua se-
gunda e penúltima
etapa.
A alma dessa vitória é o brigadeiro do ar ue es
pQ^j^ICA
tanto nada mais oportuno que registar em CULTURA
POLI i i^A
a paléstxa do repórter com aquela alta patente
das nossas forças aé-
reas. #
Verdadeiro
"record"
de mão-de-obra
A nossa primeira pergunta foi sôbre o i^jeio ^as °bras, ^
brigadeiro Guedes Moniz respondeu com detalhes precisos, como q
tem na memória a marcha de todo o trabalho:
—
"Em
ianeiro de 1942 dávamos os primeiros passos para
a con-
cretizacão de um plano que surgira em 1939. Começávamos o esta-
queamento. E em agosto de 1942 as
primeiras colunas a"or^a™
^
terra. No momento, como se vê, as obras estão na fase de descofra-
204 CULTURA POLÍTICA
gero, ou stjd na retirada de todo o escoramento e fôrmas de concreto,
o que
deverá terminar imprecindivelmente este mês. Logo a seguir,
sem perda de um único dia, será atacada tôda a
parte de alvenaria e
revestimento» Enquanto isto, as volumosas caixas de instalações e
equipamentos, que diàriamente chegam, vão sendo dispostas de ma-
neira a ser montadas logo após a concretagem final e acabamento, o
que esperamos fazer ainda antes de agosto. Chegaremos então à ter-
ceira e última etapa, que será rápida e consistirá também na
prepara-
ção do operariado, no treinamento das equipes, afim de
que ainda êste
este ano venhamos a começar a primeira
série de motores de aviões.
Em fim de agosto a maquinaria já chegada ao Rio estará funcionando,
na sua fase de experimentação/'
Aparelhagem única na América do Sul
"Teremos
então dois pavilhões principais,
dotados, aos fundos,
de um grupo de células para
os bancos de ensaio destinados à expe-
rimentação dos motores, e no subsolo um amplo armazém para o
depósito de material. Nos países
em que
a siderurgia já
alcançou um
nível elevado, as fábricas congêneres à nossa limitam-se quasi que à
usinagem final, uma vez que
dispõem de mercados internos para
o seu
abastecimento. Entre nós, que
ainda não chegamos àquele grau
de
evolução, fazia-se precisa
uma aparelhagem além do limite da espe-
cialidade. Assim é que
vamos também dispor de uma estação de tra-
tamento térmico para
o aço e de uma outra de fundição para
as pe-
ças de alumínio. São as
primeiras a ser instaladas na América do
Sul."
A descrição do brigadeiro deixava-nos entusiasmados, vendo que
pm poucos
meses secaram-se extensos pântanos, rasgaram-se estradas
e canais e levantaram-se edifícios que
em tempos normais levaria
anos para se erguerem. Diante de tanto dinamismo, não tivemos a
menor dúvida em ver todo aquele arsenal inteiramente concluído e
produzindo em futuro tão
próximo, ainda em
plena guerra.
Eficiente o auxilio dos Estados Unidos
Aludimos agora ao auxílio dos Estados Unidos na construção da
fábrica, e o seu diretor passa
a falar sôbre o assunto:
44Vinte
e quatro
navios, zarpando da grande
república irmã,
já aportaram ao Rio de
Janeiro, trazendo uma carga superior a
qua-
torze mil volumes, com um pêso que
monta a um milhão de quilos.
Êstes números dizem bem expressivamente da disposição dos nossos
grandes amigos em nos ajudar, através de todos os
perigos que nos
dias de hoje oferecem as rotas marítimas. Vidas perderam-se
e tone-
ladas de máquinas foram para
o fundo do mar ou chegaram danifi-
cadas, mas a campanha submarina continua sendo corajosamente en-
frentada, restando-nos apenas receber um têrço do material neces-
sário. Há ainda a assinalar o crédito aberto pelo
Banco de Expor-
*y.
UMA REALIDADE, A FABRICA NACIONAL DE MOTORES 205
tação c Importação, a propriedade na aquisição da maquinaria e equi-
pamento, o auxílio do
"Lend
Lease", bem como a assistência técnica que
nossos engenheiros veem recebendo nos centros de estudos e especia-
lização do país
amigo."
Os mais modernos requisitos da técnica
A Fábrica Nacional de Motores vai funcionar em
"black-out
permanente e disporá dos mais modernos requisitos da técnica, in-
dispensáveis a motores de aviação. Um raio de sol, sequer, nao pe-
netrará no pavilhão
destinado ao fabrico de motores. Este, de noite
ou de dia, funcionará com luz artificial, especialmente adequada aos
fins a que é destinado. O
pavilhão será hermèticamente
fechado e re-
coberto com telhas de fibra e cimento. A poeira jamais
ali penetrara.
Haverá uma aparelhagem completa e perfeita
de ar condicionado.
Será mantida permanentemente a temperatura conveniente à comec-
ção da delicada máquina.
Estamos agora defronte de um pequeno pavilhão.
Trata-se de
uma fundição para o
"test"
dos candidatos a mecânicos. Todos os
aue se apresentarem para trabalhar nessa especialidade serão subme-
tidos a uma prova. Devidamente aprovados e considerados
aptos para
exercei aquelas funções, que na Fábrica Nacional de Motores sao de
importância capital, serão mandados em grupos para um curso de aper-
feiçoamento nos Estados Unidos. Depois estarão perfeitamente aptos
para as necessidades do serviço, ,
Assistência máxima aos operários
Neste ponto da entrevista soou a hora do almoço. O nosso en-
trevistado leva-nos ao
"hotel
dos solteiros", onde estão alojados os
engenheiros e médicos que não teem família. Dezoito quartos
e de-
mais instalações formam um conjunto maravilhoso, no qual
o funcio-
nário se sente tão bem como se estivesse em excelente apartamento da
cidade. Foi aí que descobrimos
mais uma face do largo descortimo de
administrador do brigadeiro Guedes Moniz. A máxima assistência ao
pessoal, em todos os sentidos, é uma das coisas mais importantes na
Fábrica Nacional de Motores.
No decorrer do almoço ficamos sabendo que a futura vila ope-
rária abrangerá mais de mil casas, com capacidade total
para
^te
mil
pessoas. Estender-se-á
às margens do Saracurana, que ficarão
gra-
madas. O rio terá também o seu leito rebaixado na profundidade
de
metro e meio. Hospital para cento e oitenta leitos, escola, parques
e
jardins surgirão por
tôda a vila. No momento, os operários acham-se
abrigados em um grande alojamento,
localizado em bela colma. Quanto
aos funcionários diplomados que tenham família, serão muito breve-
mente, a exemplo dos solteiros, alojados na vila dos casados , em
construção.
206CULTURA POLÍTICA
Serviço de subsistência reembolsável
Terminado o almoço, continuamos a palestra
em torno da as-
sistência ao pessoal.
E o nosso entrevistado adianta-nos:
—
"O
nosso serviço de subsistência reembolsável, no modêlo
dos armazéns de emergência do SAPS, fornece gêneros aos opera-
rios, indo os seus caminhões duas vêzes por
semana levar diretamente
à sua residência o mantimento, com desconto mensal em folha, lista-
mos vendendo por preço abaixo da tabela, pois
temos grande
estoque
de gêneros adquiridos em época em
que os
preços eram mais baixos.
,
Assim, tôda a família do operário, morando no Rio, nos subúrbios, ou
circunvizinhanças da Fábrica, tem uma fonte segura de abastecimento
a preços ínfimos. Como não temos ainda nenhuma família morando
aqui, o nosso restaurante de emergência serve apenas aos trabalhado-
res, mas quando
a vila operária estiver habitada, em vez dos manti-
mentos passaremos a fornecer a alimentação já preparada.
O brigadeiro leva-nos ao restaurante, onde duas mil pessoas
ter-
minavam o almoço. O menti constara de sopa de lentilha, arroz, feijão
com carne sêca, ensopado de repolho, farofa com lombo, pão,
man-
teiga e tangerina, tudo por
Cr$% 1,40. Provámos por acaso una^ co~
lher de feijão. Tão saboroso como o que
nos havia sido servido no
hotel dos engenheiros e médicos.
Sobre métodos racionais de alimentação"
Somos apresentados ao médico Olavo Rocha, que
nos faz reve-
lacões interessantes a respeito dos métodos racionais da alimentaçao.
Segundo aquele técnico, o limite absoluto do volume e do tempêro não
vinha correspondendo em absoluto aos resultados esperados, pois
os operários rejeitavam muitos pratos, considerando-os intragáveis. O
resultado era que
o rendimento da mão de obra ia decrescendo, o que
levou a direção dò serviço alimentar a "tomar
nova orientação, baseada
nas tendências instintivas do paladar
dos trabalhadores, sem
que se
desprezassem as quotas
de calorias, a qualidade
de albuminas, as per-
centagens de sais e vitaminas. O emprêgo do tempêro subiu enorme-
mente de nível, tendo-se os pratos
tornado mais variados e saborosos;
e aí todos passaram a comer muito bem. Essas observações veem sendo
objeto de estudo de nossos técnicos em matéria alimentar, que
invés-
tigam mais detidamente os métodos que,
tidos até agora como certos,
indiscutíveis, vieram revelar falhas quando
empregados mais freqüen-
temente. .
Vista em conjunto
No passeio que fizemos de automóvel por
tôda a fábrica, tivemos
oportunidade de conhecer outros aspectos da grande
obra. Assim é
que estivemos no aeródromo, que foi inaugurado inesperadamente por
um avião forçado a descer ao mau tempo, quando fazia a rota Kio-
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do Presidente Vargas à FábricaVisita Nacional de Motores
(Cultura Política)
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Vista panorâmica da Fábrica
(Cultura Política)
UMA REALIDADE, A FABRICA NACIONAL DE MOTORES 207
Belo Horizonte. Passamos pela
olaria e pela
oficina de peças premol~
dadas em concreto. Vimos os serviços de pavimentação
da estrada
que ligará o centro da fábrica à Rio~Petrópolis e os trilhos novos
mandados assentar pela
Central no ramal de Xerém, que
corta as
terras da usina. Encontramos extensas hortas e cultura de arroz, mi"
lho, abóbora e feijão. O brigadeiro Moniz pretende plantar
a ponto
de poder
abastecer tôda a população local. Divisamos do morro o
trajeto de longos canais rasgando a fábrica de ponta
a ponta.
Gra~
ças a essas obras de saneamento e á eficiente assistência médica, a
malária desceu de 66% para
0,6%. Pisamos firmemente em terra sêca,
que até bem pouco era charco. Estivemos no local onde serão instala-*
das outras indústrias c escolas técnicas. Avistamos as torres da Light,
que transmitirão a energia
para a usina, e
passamos por cima da adu-
tora que
abastece o Rio e servirá à fábrica. Presenciamos a demolição
de morros pelo processo
hidráulico, vendo, a argila seguir através de
calhas suspensas no ar para
ser lançada muito adiante, na baixada.
Percorremos os escritórios e as salas dos engenheiros, ouvindo o ba-
rulho das máquinas de escrever e vendo os lápis e pincéis,
os compas~
sos e as réguas traçando mapas e levantando plantas.
Encerrando a nossa visita, externamos a nossa admiração por
tudo quanto
tínhamos visto. Agradecendo, o brigadeiro Guedes Mo-
niz pediu-nos que
não nos esquecêssemos de citar os inestimáveis
serviços prestados
àquela grande
realização pelo
Govêrno do Estado,
o Serviço de Saneamento da Baixada Fluminense, a Central do Bra-
sil e outros órgãos dos Ministérios da Viação, da Guerra, da Aero-
náutica e da Agricultura.
Um mês de realizações governamentais
Maio de 1943
O 1.° de maio
* EXEMPLO dos outros anos, a data dc 1.® dc maio, comemora-
Z-k tiva do Dia do Trabalho, foi brilhantemente festejada pelo
** Govêrno. Não nos vamos estender aqui em detalhes sôbre a con-
centração trabalhista da Esplanada do Castelo, à qual já
nos referi-
uios no último número, transcrevendo os discursos do Presidente Ge-
túlio Vargas e do ministro Marcondes Filho. Acrescentaremos, ape-
nas, que
esses discursos constituíram mais duas exposições eloqüentes
cio que
o Estado Nacional vem fazendo pelo
trabalhador brasileiro,
solucionando da maneira mais inteligente e equânime o problema
social. Depois de referir-se à justiça
do trabalho, à lei do abono
familiar, ao problema
da alimentação, o Presidente Getúlio Vargas
aludiu à nossa participação
na guerra,
mostrando as grandes
res-
ponsabilidades que atualmente
pesam sôbre os ombros de todos
os brasileiros. Nas lutas armadas da atualidade, o papel
do sol-
dado na frente conjuga-se, em tôda linha, com o do trabalhador
na retaguarda.
Sem uma estruturação econômica perfeita
não poderá
haver
perfeita estruturação bélica. De onde o têrmo
"batalha",
tanto para
a frente como para
a retaguarda.
"O
povo brasileiro —
disse o
Presidente Vargas — não faltará, por
certo, aos seus soldados,
aos seus marinheiros e aos seus aviadores, com os elementos de
que careçam afim de atuar mais amplamente. E
para que isto
aconteça torna-se indispensável continuarmos com redobrado em-
penho a mobilização dos nossos recursos econômicos, diríamos me-
lhor, usando a linguagem militar:
44
a batalha da produção".
Favorecido pela justiça
social, atendido nos seus direitos, alvo,
sob todos os aspectos, do interêsse e da solicitude do Govêrno, o
trabalhador brasileiro acha-se em condições superiores a qualquer
um outro para
dar o máximo do seu esfôrço.
"Hoje,
mais do que
UM MES DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 209
nunca * acentua o Presidente Vargas a ociosidade deve ser
¦considerada crime contra o interêsse coletivo*. Todos devem con-
tribuir, de acordo com suas aptidões, nos seus respectivos setores,
para a vitória do Brasil,
que será, não só a
garantia do futuro da
nossa Pátria, como de tôdas as conquistas que, graças
à compreen-
são social e patriótica
do Govêrno, sob a égide do Estado Nacional,
os trabalhadores lograram alcançar. Pois a vitória do Brasil e das
Nações Unidas é a vitória dêsse senso humano evidenciado em
todos os atos e, particularmente, na solução do
problema traba~
Ihista, pelo
Estado Nacional.
Escolas de jornalismo
Merece especial destaque o decreto-lei do Presidente da
República, instituindo no sistema de ensino superior do país
o cu/so
de jornalismo.
Êsse curso, cuja finalidade é ministrar conheci-
mentos que
habilitem de um modo geral para
a profissão de
jor-
nalista, será professado na Faculdade Nacional de Filosofia, com
a cooperação da Associação Brasileira de Imprensa e do Sindicato
dos Jornalistas Profissionais. Mas os estabelecimentos de ensino não
federais também poderão mantê-lo, com a observância do decreto-lei
421, de 11 de maio de 1938, no que
concerne à organização e ao fun-
cionamento do curso.
Na sua lúcida exposição de motivos, o ministro Gustavo Ca-
panema declarou o seguinte :
"Numa
época em que
tôdas as profissões
reclamam o técnico
ou o especialista adequado e em que
a todo momento se verefica a
insuficiência do maior número dos autodidatas, não poderia a im-
prensa prescindir de
quadros especialmente
preparados. Não há
dúvida que
os profissionais do
jornalismo no
próprio jornal se
pre-
param, não sendo
preciso que para isso se montem escolas. Não há
dúvida que
tanto no jornalismo
como no comércio, na indústria, na
política, em todos os grandes
caminhos do trabalho e do ideal dos
homens, a função de dirigir e orientar, de revolucionar, inovar e
criar independe da metódica preparação
universitária, e há de sempre
^star nas mãos das personalidades excepcionais, dos
grandes ho-
mens de vocação, de coragem, de vontade.
Que poderá fazer,
porém, só
por si, a função condutora, neste
mundo moderno, em que
todos os problemas são difíceis e exigem,
não apenas o critério, o bom senso, mas ainda conhecimentos sis-
iematizados? Reconheçamos que
a nossa imprensa é brilhante e
digna. Não há no nosso país
a imprensa^ daninha, a imprensa
corruptora. E grandes jornalistas
não nos faltam. Não poucos
deles poderiam
honrar o jornalismo
dos maiores países do mundo.
E, porém,
fora de dúvida que
muito hão de lucrar as nossas em-
pregas jornalísticas em possibilidades
educativas e culturais, em
capacidade de tratar dos problemas políticos,
morais e econômicos,
das questões
administrativas, das questões
de ordem intelectual, se
F. 14
210CULTUfcA POLÍTICA
puderem contar com boas equipes de
jornalistas que tenham rece-
bido não só preparação
regular dos matérias próprias do
jo*na »
mas ainda, com o conhecimento da história, da técnica e da ética
da imprensa, uma elevada consciência profissional.
O ministro cita, cm seguida, o caso dos Estados Unidos, que
possuem trinta e duas escolas de
jornalismo filiadas à American
Association of Schools and Departments of Journalism e dissemi-
nadas por todo o
país.
Entre nós — como observa S. Excia.
— tem-se tratado muitas
vezes do assunto, mas não foi ainda dada organização oficial ao
curso de jornalismo, ressalvada a iniciativa da Universidade do
Distrito Federal, cujas faculdades foram em 1939 incorporadas a
Universidade do Brasil.
A idéia da formação profissional do
jornalista foi formulada
pelo Presidente Getúlio Vargas em julho
de 1934 no seu discurso
à Associação Brasileira de Imprensa e depois no decreto-lei^ de 1
de junho
de 1939, atribuindo àquela instituição a obrigaçao de
criar e manter uma escola de jornalismo.
O decreto atual concretiza assim um velho pensamento
do Go-
vêrno, vindo a satisfazer as aspirações das nossas emprêsas jornalís-
ticas.
Providências tomadas pela Coordenação
da Mobilização Econômica
Grande foi a atividade da Coordenação da Mobilização Eco-
nômiCa em maio último, nos seus diferentes^ setores. Para melhor
informar o público
sôbre as medidas que estão sendo tomadas e as
razões que a
justificam, o ministro João
Alberto deu uma entrevista
coletiva à imprensa, em que
abordou os problemas principais da mo-
bilização no momento.
Sôbre a banha, questão das mais importantes no momento, e
que
se reveste de circunstâncias excepcionais, fez S. Excia. diversos co-
mentários, aludindo à situação anormal criada pela sêca no Rio
Grande do Sul — o
prinicpal abastecedor dos mercados do Rio e
do Norte do país, para
chegar à seguinte conclusão: Afim de evitar
Injustiças e prejuízos,
e mesmo queixas improcedentes, resolvemos
tomar os preços do mercado de Porto Alegre e sôbre êles fixar o
do Rio de Janeiro. Não obstante os
produtores ainda aleguem
que
êsses valores representam preços de sacrifício. Essa
ponderação não
posso aceitar, porque
não compreendo deixem êles de estender êsse
sacrifício ao resto do país."
Anunciou, em seguida, o coordenador que estava para
iniciar
a campanha dos óleos vegetais. Não é seu intuito combater a ba-
nHa, mas não pode
deixar de atender aos interêsses gerais da_popu-
lação e da própria
economia nacional. Nossa falta de educação ali-
mentar nos tem levado a não consumir certos produtos que
substi-
UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 211
tuem outros com vantagem. O Brasil produz
mais de ccm mil tone*-
ladas dc óleo refinado, sendo que
a produção
de óleo de caroço de
algodão só cm São Paulo atinge a mil toneladas. Quanto ao de
amendoim» embora ainda não tenha sido estimado, pode-se, desde
logo, aumentar o consumo de 45 mil toneladas para 60 mil. O coorr
denador chama a atenção do público para
dois pontos
: primeiro,
que lhe será dado um
produto novo, em benefício de sua
própria
saúde; segundo, que êsse
produto custa menos 30
por cento do
que a banha,
podendo ser vendido a 5 cruzeiros. A Coordenação
deverá criar o setor de óleos vegetais, afim de controlar a es~
peculação verificada no mercado do
produto.
Quanto ao problema
da manteiga -—• declara S. Excia. *—¦ antes
de maio nada temos que
atender ao consumo normal dos mercados
em função das fontes da produção.
As necessidades não são as
mesmas, e, numa época de guerra,
deve-se ter em vista até onde
pode ir o racionamento de
qualquer produto, sem prejudicar
o in-
terêsse da defesa nacional e os da população.
O coordenador lembra o que
acaba de fazer no caso do
açúcar: embora pudesse
reduzir o seu consumo a 50 por
cento,
não tomou essa medida por
termos recebido uma partida
conside-
rável que
nos deixava livres de qualquer preocupação
nos próxi-
mos oito meses. Quanto ao sal -—- declarou — não haverá raciona-*
mento, porque
ninguém come sal de mais: apenas aconselha a
poupança no uso do
produto. Abordou em seguida a
questão das
salinas de São Paulo, dizendo que estas estão sendo objeto de
estudos. Quanto às do Estado do Rio, havia pensado
numa pro-
dução de 200 mil toneladas, mas a safra ficou reduzida para
90
mil em conseqüência das chuvas. O produto
das salinas de Mos-
soró está condicionado, como todos sabem, ao problema
do trans-
porte, achando-se a Coordenação empenhada em ocupar o maior
espaço possível
dos navios que
seguem êsse roteiro. Procurando
solucionar a questão,
o Govêrno ataca o problema
de todos os ân~
gulos, e um deles é o da isenção de impostos. O coordenador esten-
de-se em interessantes considerações sôbre êsse ponto,
concluindo por
afirmar que
as providências
ora tomadas, visam, não só à época de
guerra, mas também a uma utilidade no tempo de paz.
Quanto ao querosene,
adianta o ministro João
Alberto que pre-
tende acabar muito breve com as filas de consumidores dêsse pro~
duto. Já estão sendo tomadas providencias
nesse sentido. A única
dificuldade vem sendo o fato de a maioria dos consumidores residir
nos morros, onde o recenseamento se torna penoso.
Mas, assim como
foram liquidadas as filas de automóveis diante das bombas de gaso~
lina, assim como foram dissolvidas as
"bichas"
dos consumidores de
açúcar à porta
dos armazéns, também serão dissolvidas as dos fre-
gueses de
querosene.
212CULTURA POLÍTICA
Salário adicional para a indústria
De grande significação
foi também o decreto-lei que institue,
para a indústria, em todo o
país, o salário adicional. Êsse salario
deverá ser atribuído por direito de serviço prestado
a todo operário
adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de trabalho, que,
sob qualquer forma de remuneração, trabalhe em serviço direta-
mente ligado à produção
manufatureira, ou à transformaçao de uti-
lidade em estabelecimento em
que seja exclusiva ou
preponderante
essa atividade, compreendido igualmente o serviço prestado
fora
do recinto do estabelecimento. Está incluído nessa disposição o em-
pregado em serviço de obras, tanto do Govêrno Federal, como dos
Governos Estaduais, Municipais ou organizações autárquicas.
O salário adicional para a indústria será pago
na conformi-
dade da tabela que acompanha o referido decreto e
que vigorara
pelo prazo de três anos, podendo
ser modificada a qualquer
época
ou confirmada por novo triênio, desde que
o represente, mediante
exposição documentada, o Serviço de Estatística da Previdencia e
Trabalho do Ministério do Trabalho ou a maioria absoluta dos sin-
dicatos representativos das atividades ou categorias economicas
in-
dustriais.
Para o menor de dezoito anos o salário adicional, respeitada a
proporcionalidade com o
que vigorar para
o empregado adulto local*
será pago sobre a base uniforme de 50 por
cento. Para o empre-
gado ocupado em operação ou fase de trabalho considerada
ín-
salubre, conforme se trate dos graus
máximo, médio ou mínimo,
o acréscimo de remuneração, respeitada a proporcionalida
e com
o salário adicional para a indústria que
vigorar para o empregado
adulto local, será de 40, 20 ou 10 por
cento, respectivamente.
A aplicação do salário adicional para a indústria não
po-
derá, em caso algum, ser causa determinante de redução de salario.
aratíficação, bonificação ou percentagem percebido pelo
empregado.
No caso de ter o empregado reais prejuízos devidamente compro-
vados, inclusive com o exame de livros, poderá ser, a
juízo do
Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho, temporariamente
dispensado do pagamento,
dispensa essa que
não devera, entretanto,
ultrapassar o período
de um ano, sendo facultada a renovaçao da
mesma, se prevalecerem
as causas que a determinaram.
Os infratores do presente
decreto-lei serão passíveis de multa
de cinqüenta a dois mil cruzeiros e elevada ao dôbro em caso de
reincidência. Quanto às dúvidas suscitadas pela
execução da lei,
deverão ser resolvidas pelo ministro do Trabalho, depois de ouvido
o Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho.
UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 213
Distribuição e racionamento de
combustíveis líquidos
Tendo em conta a necessidade e a conveniência de serem exer-
cidas de maneira mais centralizada as atribuições de que
havia sido
investida a Comissão de Racionamento e Distribuição de Combus-
tíveis Líquidos do Distrito Federal, dada a conveniência de um con-
trôle mais efetivo e imediato do que
o permitido pelo
sistema esta-
belecido na portaria
de 20 de novembro de 1942, o coordenador da
Mobilização Econômica resolveu criar o Serviço de Distribuição e
Racionamento de Combustíveis Líquidos do Distrito Federal, a qual
compete o seguinte: estabelecer quotas, determinando a
quantidade
que cada consumidor pode
ter em estoque; fixar, em regulamento,
penalidade a ser imposta aos infratores, as quais,
além das mui-
tas pecuniárias poderão abranger a proibição
do comércio ou supri-
mento de combustíveis; orientar, sugerindo aos órgãos competentes a
proibição do tráfego Ae veículos, transportando
combustíveis de dis-
tâncias que sejam
julgadas inconvenientes; fiscalizar, controlando, a
distribuição c o consumo de combustíveis, mantendo o controle os
estoques já levantados, obrigando os interessados, sempre que julgar
conveniente, a declarar suas disponibilidades e necessidades, sujei-
tando ao seu visto o fornecimento de dados pelas companhias impor-
tadoras. produtoras e distribuidoras a
qualquer entidade publica
ou
privada, excetuado o coordenador.
Deverá ainda o referido Serviço: a) racionalizar o transporte no
Distrito Federal (inclusive o coletivo) de modo a aproveitar o mais
possível os veículos e linhas, determinando o sua forma e assegu-
rando o abastecimento dos consumidores
com a maior economia
possível de combustíveis
e veículos; b) elaborar e submeter a con-
sideração do coordenador escalas de prioridade
agrícola, industrias
e de transporte, encarregando-se de executar e fiscalizar o fiel cum-
primento das que
forem aprovadas pelo coordenador,
tendo em vis a,
principalmente, a natureza dos
produtos e serviços a ser produzidos,
transportados ou
prestados e a conveniência
economica da ativi-
dade considerada em face das necesidades do consumo ou aplica-
cão podendo proceder aos levantamentos
indispensáveis para tal fim,
c) determinar às companhias importadoras e distribuidoras noDis-
trito Federal as providências
que julgar necessarias ao bom desem-
nho de suas funções, ficando incluída nesta autorizaçao afaculdade
de exigir o fornecimento dos dados indispensáveis; d) determinar
o Apimento de combustíveis dos barcos de pesca ,»e abaslecm
O Distrito Federal, através do Setor Pesca da Coordenaçao da
bilização Econômica; e) fixar as quotas parciais
de cada uma das
Companhias, uma vez estabelecida
a quota global
do Dls*rit° "
derai de acôrdo com as necessidades, reais do consumo e as dispo-
2f4 CULTURA POLITÍCA
nibilidades de estoques» aproveitando para
êste fim, da melhor
forma» a capacidade de distribuição e organização de venda das re~
feridas companhias.
Medidas sôbre o comércio da laranja
A Comissão Executiva de Frutas acaba de tomar várias pro-
vidências com relação ao comércio de laranja. Considerando que,
em virtude da guerra
mundial, Buenos Aires é o único mercado
consumidor dessa fruta; que
a capacidade do mercado argentino
não oferece margem de escoamento à safra do Rio e do Distrito
Federal; que
constitue imperativo de ordem econômica assegurar,
embora com sacrifício, a estabilidade dos preços
no mercado -consu~
midor; que
o excessivo número de exportadores poderia perturbar
o ritmo das exportações em relação à quota global
exportável —
resolveu: 1) conceder quotas
no corrente ano somente aos exporta-
dores que
hajam exportado uma média anual de cinco mil caixas
nos três últimos anos; 2) incluir entre os exportadores as coopera^
tivas citrícolas constituídas de acordo com a legislação vigente e
devidamente registadas no Serviço de Economia Rural e no Registo
de Exportadores, dentro do prazo
estabelecido para
solicitação de
quotas; 3) reconhecer os exportadores Di Gregorio & Cia. Ltda.
nas condições previstas pelo primeiro
item, tendo em consideração
que esta firma exportou nos três últimos anos 73.272 caixas, isto
é, mais do dobro da média acima estabelecida; 4) fixar o prazo
até
o dia 25 de maio para que
as cooperativas citrícolas que
tiverem
reconhecido o direito de expòrtar apresentem à Comissão Executiva
de Frutas relação completa dos seus cooperados, mencionando a
denominação das propriedades,
áreas, número de laranjeiras, e pro~
'dução
verificada em 1942, de acordo com a ficha distribuída; 5)
-reconhecer habilitadas várias firmas, cujos nomes não transcreve^
mos aqui por
falta de espaço.
Produção de gêneros
alimentícios
no Nordeste e na Amazônia
Dia a dia avultam as medidas postas
em prática
com o fim
de dar todo incremento à cultura de cereais, à horticultura, à avi-
cultura, à pesca,
tanto no Norte, quanto
no Nordeste do país.
A Comissão Brasileiro-Americana, — executora do acordo entre
o Brasil e os Estados Unidos para
desenvolvimento da produção
de gêneros
alimentícios na área da Baía ao Acre ip-í muito já
tem
feito e continua a fazer no que
concerne à assistência técnica, à
distribuição de sementes, máquinas agrárias e crédito aos agricul~
tóres de tão vasta zona, circunstância que
tem ^favorecido o au~
mento sensível das safras de milho, feijão, arroz, mandioca, ba~
tata, etc. na referida zona. A distribuição de sementes e máquinas
é efetuada aò mesmo tempo que
o lavrador de pequenas posses
é
UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS
contemplado com o necessário crédito. que a Comissão lhe
propor^
ciona, sem processos protelatôrios,
mas de maneira simples e eii*-
ciente» graças à colaboração das cooperativas e
prefeituras de cada
um dos Estados beneficiados.
Em poucos
meses em seguida à assinatura do acordo já foram
distribuídas no Acre, Amazonas, Pârá, Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e
Baía, 3.160 toneladas de sementes de hortaliças e trinta toneladas
de sementes de capim. Já distribuiu igualmente a Comissão Brasi-
leiro-Americana nos referidos Estados 102.497 enxadas, pondo em
funcionamento 378 arados, 49 destorroadores, 234 cultivadores,
semeadeiras, 1.600 enxadas cultivadoras, 6 tratores e 6 aparelhos de
gasogênio.
Para atacar o problema
do combate à Saúva, também f°*am
adquiridos, e estão sendo empregados na medida das necessidades.
2.800 extintores de formigas, dos quais 300 cedidos pela
Divisão
de Defesa Sanitária Vegetal, maquinaria que conta para
o seu eh-
ciente e pronto
funcionamento com os produtos
recomendados pela
técnica.
Além dêsse acêrvo de material agrário, a Comissão Brasileiro-
Americana adquiriu, para imediato emprego nodesenvolvimento
,
suas atividades, cêrca de 1.200 machados, 2.017 facões, 50 pul-
verizadores e 2 mil chibancas. Para o armazenamento das co-
lheitas de cereais, no sentido de preservá-las
contra as pragas,
e
para o fim de garantir
o abastecimento em tôdas as épocas, em
cada região, a Comissão destinou, até agora, 450 silos às unidades
cie Norte e do Nordeste, assim distribuídos: Acre, 20; Amazonas,
40; Pará. 20; Maranhão, 50; Piauí, 40; Ceará, 45; Rio Grande do
Norte, 60; Paraíba, 50; Pernambuco, 25; Alagoas, 40; Sergipe, 30,
Baía, 30. Além dêsses, já instalados, existem mais 70
prontos, aguar-
dando o respectivo destino.
Na execução do plano
traçado pelo ministro da Agricultura, a
Comissão conta com um grupo
de 80 agrônomos brasileiros, alem de
especialistas americanos, sendo de destacar ainda, nao so ®
ração do comandante da 7» Região Militar, general
Newton Cavai-
canti, como a cooperação da Divisão de Fomento da Produção Ve-
getal, através de suas secções naqueles Estados e das Secretarias de
Agricultura dos governos locais.
* * *
Falando à imprensa, o sr. Kenneth J. Radow, superintendente
do Serviço de Alimentação da Coordenação Econômica Americana,
e representante do
govêrno dos Estados Unidos na Comissão
-
sileiro-Americana de Gêneros Alimentícios, referiu-se ao programa
traçado pelo ministro da Agricultura no
que concerne à Amazônia,
216 CULTURA POLÍTICA
dando detalhados informes sôbre a distribuição de sementes e-
acrescentando o seguinte: pequenos empréstimos de dinheiro serão
feitos pela
Comissão a fazendeiros, com a garantia
de aumentar a
cultura para o Govêrno. E' esperada uma
grande produção de mi-
lho, arroz, feijão, mandioca e verduras, dentro de mais algum
tempo, afim de auxiliar o programa da borracha. As necessidades
das forças armadas também serão satisfeitas, logo que possível.
Para obtér-se produção
de sementes destinadas à futura distribuí-
ção, deverão ser feitas
plantações em
propriedades rurais da Co-
missão e do Fomento Agrícola.
Acrescenta ainda que
a Comissão Brasileiro-Americana vai
cooperar no estudo e solução dos problemas
do peixe
e da carne na-
quela região,
para o
que já está sendo delineado um
plano de ação
em cooperação com a Mobilização Econômica.
Controle da indústria de arte-
factos de borracha
A Comissão de Controle dos Acordos de ^Vashington acaba
de aprovar diversas instruções que
deverão ser observadas no con-
trôle da indústria nacional de artefactos de borracha. De acordo
com essas instruções, o Banco de Crédito da Borracha S. A. deverá
manter em seus armazéns nas cidades de Manaus, Belém, Rio de
Janeiro e São Paulo estoques de borracha destinados ao suprimento
da indústria de artefactos de borracha. As
"firmas
delegadas" con-
tinuarão a exercer suas atividades, encaminhando a borracha aos ar-
mazens do Banco de Crédito da Borracha, quando
o produto
desti-
nar-se ao consumo interno. A exportação da borracha para os Esta-
dos Unidos será feita pelas
"firmas
delegadas" ou por
outras entida-
des autorizadas, de acordo com as normas estabelecidas pelo Banco
de Crédito. As autorizações e privilégios
concedidos às
"firmas
de-
legadas" não impedem que
outras firmas ou entidades possam
exercer também suas atividades no comércio da borracha, desde
que o
produto por elas adquirido no interior do
país seja encami-
nhado às
"firmas
delegadas" ou aos armazéns do Banco de Cré-
dito, para
efeito das operações de compra e venda. A Carteira de
Importação e Exportação continuará com as atribuições referentes
às operações finais de compra e venda de borracha para
exporta-
'
ção, enquanto vigorar a delegação de
poderes que para êsse fim lhe
foi autorgada pêlo Banco de Crédito da Borracha. As fábricas de
artefactos de borracha não poderão exercer atividade de
"firmas
delegadas". A indústria de artefactos de borracha adquirirá nos ar-
mazens do Banco de Crédito, e a preços por
êste fixados, a borracha
necessária ao seu consumo, de acordo com as normas estabeleci^
das pelo
Setor de Produção Industrial da Coordenação da Mo-
bilização Econômica. Nenhuma fábrica de artefactos de borracha
poderá comprar ou receber borracha de
qualquer tipo ou
qualidade»
•. .
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UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 217
inclusive recuperada ou regenerada, sem autorização expressa do
Setor de Produção Industrial, que
deverá também fixar trimestral"
mente as quotas
de consumo de borracha para
as fábricas. Com
bases nessas quotas
e nos estoques em poder
dos industriais, serão
estabelecidas as licenças de compra, que
o Setor da Produção In~
dustrial comunicará ao Banco de Crédito. Os industriais de arte-
factos de borracha, os comerciantes intermediários ou quaisquer
outros detentores de estoques de borracha, inclusive armazéns gerais
ou depósitos de qualquer
espécie, ficaram obrigados a declarar até o
dia 15 de maio último ao Setor de Produção Industrial o volume de
seus estoques de borracha de todos os tipos ou qualidade,
inclusive
recuperada ou regenerada, em 30 de abril último, o local do depósitor
bem como as quantidades
adquiridas e ainda não recebidas. A Car~
teira de Exportação e Importação controlará a exportação de todos
os produtos
manufaturados de borracha, nos têrmos especialmente de-
terminados pela
Comissão dos Acordos de Washington.
Propaganda do Brasil nos
Estados Unidos
Acaba de ser submetido ao ministro do Trabalho o relatório
anual do chefe do Escritório de Expanção Comercial do Brasil em
Nova York. Entre as informações desse documento sôbre a pro-
paganda do Brasil nos Estados Unidos, em
que o Govêrno se acha-
vivamente empenhado, temos a destacar as seguintes: O Escrito-
rio atendeu a 6.173 consultas relativas ao nosso país
e a assuntos
brasileiros; distribuiu milhares de folhetos, brochuras, mimeografias
e publicações
várias sôbre o Brasil e assuntos comerciais, industriais
e culturais brasileiros. Novas monografias e publicações avulsas fo-
ram enviadas a todos os leitores da revista Brasil Today , cuja pu-
blicação foi suspensa por causa das dificuldades acarretadas pela
si-
tuação anormal em que se encontram os dois países.
O boletim em
português, intitulado
"Boletim
Americano", foi distribuído semanal-
mente a 569 pessoas
e a 37 entidades oficiais em várias partes
do
Brasil e em alguns países das Américas. Essa
publicação, como órgão
orientador destinado ao comércio brasileiro, transmitiu ao nosso país
409 notícias diversas de assuntos divulgados nos Estados Unidos. O
Escritório continuou ampliando suas coleções gerais e material ilus-
trativo. Teve ocasião de atender a pedidos
dos principais jornais,
re-
vistas, agências de publicidade, casas editoras, escritores, desenhistas,
pintores, estúdios cinematográficos, etc. de todos os
pontos do Esta-
dos Unidos, aos quais
cedeu cêrca de 948 fotografias de personagens,
cidades, indústrias, curiosidades, cênas típicas do Brasil. Grande
parte dêsse material de
publicidade foi aproveitado, não só
para ilus-
tração em revistas e jornais,
nos Estados Undos e no Canadá, como
também para melhor orientar os escritores, estudantes, ilustradores e
empresários cinematográficos, interessados em determinados aspectos.
V
2HTCULTURA POLÍTICA
do Brasil antigo ou contemporâneo. O Escritório fez-se representar
em várias reüniões comerciais, culturais e educacionais, procurando
promover assim a divulgação prática
do Brasil no ambiente norte-
americano.
Política continental
Embora esta revista já tivesse tratado detalhadamente, no nú-
mero passado, da visita do Presidente do Paraguai ao nosso
pais.
a presente resenha ficaria incompleta, sem uma referência a tao
auspicioso acontecimento. A visita do general
Higinio Moríwgo nao
teve apenas um sentido formal de confraternização sul-americana:
dela advieram conseqüências imediatas e
práticas, de
grande al-
cance para os dois
países. Uma foi o decreto-lei de 4 de maio, con-
siderando inexistente a dívida de guerra
do Paraguai para
com o
Brasil. Nenhum ato poderia
honrar mais a política
de solidariedade
continental do Estado Nacional do que
esse. O referido decreto
apagou, de maneira definitiva, o que
ainda formalmente restava de
um dissídio antigo, que não deixou a menor sombra de ressenti-
mentos entre paraguaios e brasileiros.
Outra conseqüência . relevante foi a assinatura de importantes
tratados entre os dois países,
visando o comércio e a navegação, a
proteção da
propriedade industrial, o turismo e a concessão de
facilidades para a entrada de nacionais em ambos os
países. Dessa
maneira, o Estado Nacional mais uma vez evidenciou o sentido
realista de sua política, quer
na vida interna da Nação, quer nas
relações exteriores da mesma. E* uma política de
^atos,
de reali-
zações, de solidariedade continental, afirmada, não apenas em
tropos oratórios, mas em medidas de caráter prático.
Atividades Culturais do D. I. P
RESENHA MENSAL
DIVISÃO DE RADIO
Movimento da Divisão no mês de maio de 1943:
"Hora do Brasil" —- 24 irradiações
Parte falada:
Noticiário da Presidência da República
Noticiário da Capital da República
Noticiário dos Estados
Situação na Capital da República
Situação nos Estados
Noticiário dos Ministérios
Palestras do ministro Marcondes Filho
Palestras e discursos
Crônicas
Aviso aos navegantes
Cartaz internacional • •: * * :: \\ Vi
"-Lu '
Programas de intercâmbio com os Estados Unidos e com a Republica
Argetatina
Parte musical:
Música artística (Orquestra sinfônica)
Música artística (Orquestra de cordas)
Música artística (Cantores e instrumentistas)
Programas de música popular
Re transmissões de programas de intercâmbio
Gravações do D. I.
Programas comemorativos
Expediente
1) Correspondência nacional:
Ofícios recebidos
Ofícios expedidos
Telegramas recebidos ..
Telegramas expedidos
2) Correspondência estrangeira:
Cartas recebidas
Telegramas recebidos
Telegramas expedidos
Requerimentos despachados ^
120CULTURA POLÍTICA
Programas de intercâmbio com o estrangeiroi
Transmissões (2 para os Estados Unidos c 2 para
a Argentina)
Re transmissões (3 dos Estados Unidos e 1 da Argentina)
Boletins de noticias em línguas estrangeiras:
Em inglês
Em espanhol
Serviço externo:
Serviço de alto-falantes
/Irradiações
Censura:
Gravações
Letras de músicas censuradas
Programas radiofônicos censurados c '%
Taxa de censura de programas
Taxa de gravações
DIVISÃO DE CINEMA E TEATRO
4
4
72
48
51
. 41
193
417
1.600
6.588,00
350,00
Nacionais:
Shorts
Jornais
Dramas . .
Total de filmes! cen-
surados ....
Censura cinematográfica
FILMES CENSURADOS
20 medindo
25 medindo
— medindo
4.394 m com 87 cópias com
5.226 m com 110 cópias com
m com 2 cópias com
22.162 m
23.170 m
2.660 m
*********
45 medindo 9.620 m com 199 cópias com 47.992 m
Estrangeiros:
Estados Unidos:
Dramas
Trailers
Desenhos ....
Jornais
Shorts
Comédias
Total de filmes, cen-
surados ....
Inglaterra:
Dramas
Trailers
Jornais
Shorts
Total de filmes cen-
surados ....
França:
Dramas
Trailers
Total de filmes cen-
surados ....
Argentina:
Dramas
Trailers
Total de fàlmeç/ cen-
surados . . . .
37 medindo
28 medindo
13 medindo
20 medindo
16 medindo
1 medindo
85.141 m com
1.485 m com
2.362 m com
5.437 m com
4.165 m com
2.290 m com
163 cópias com 375.273 m
° 477 m151 cópias com
25 cópias com
104 cópias com
114 cópias com
9 cópias com
8
5
27
23
19
477 m
.245 m
.808 m
.370 m
115 medindo 100.880 m com 566 cópias com 459.650 m
1 medindo
1 medindo
4 medindo
7 medindo
2.330 m com
62 m com
1.142 m com
2.409 m com
5 cópias com
5 cópias com
24 cópias com
14 cópias com
11.650 m
510 m
6.852 m
4.818 m
13 medindo 5.943 m com 48 cópias com 23.630 m
2 medindo 5.086 m com 3 cópias com 7.428 m
1 medindo 118 m
3 medindo 5.204 m com 3 cópias com 7.428 m
medindo 4.964 m com 4 cópias com 9.928 m
1 medindo 93 m com 2 cópias com 186 m
*****4çt** ***** **mu»tm**
medindo 5.057 m com 6 cópias com 10.114 m
ATIVIDADES CULTURAIS DO D. I. P. 221
FISCALIZAÇÃO
Foram fi<r«HzaHa« 222 casas de diversOes, verificando-se um total de 24 ir-
regularidades.
PROGRAMAS APROVADOS
'
44 7
De cinemas g-
De teatros 897
Outras diversões
Total 1,411
Certificados de filmes fornecidos •; •• • 1 •
Emolumentos de aprovação de programas, cartazes e anúncios t-r> y. wo.su
Emolumentos de censura de filmes 05
Peças teatrais censuradas
Sem cortes g
Com cortes
179
Total de filmes censurados *
Total de cópias n6
yÁ
Metragem censurada «4»'«14
Metragem de cópias
SECÇÃO DE REGISTO DE CONTRATOS
Contratos registados:
De artistas nacionais 98 num total de Cr$ 1-353.389.00
De artistas estrangeiros 2 num total de Cr$
Total de contratos registrados .. 100 perfazendo a soma de Cr$ 1.434.389,00
Músicos registrados:
Brasileiros
Artistas registados:
Brasileiros *15
Estrangeiros
Produção da Divulgação Cinematográfica no mês de maio de 1943:
Cine Jornal Brasileiro N. 195 com 235 m 6 cópias com total de ...... 1.410 m
Cine Jornal Brasileiro N. 196, VII com 320 m 6 cópias com o total de 1.920 m
Cine Jornal Brasileiro N. 197, VII com 200 m 6 cópias com o total de 1.200 m
Cine Jornal Brasileiro N. 198, VII com 205 m 6 copias com o total de 1.230 m
Cine Jornal Brasileiro N. 199, VII com 230 m 6 cópias com o total de 1.380 m
Cine Jornal Brasileiro N. 200, VII com 288 m 6 cópias com o total de -728 m
Cine Jornal Brasileiro N. 1. VIII com 215 m 6 cópias com o total de U290 m
Total 10.158 m
Total:
7 Números; 42 Cópias; 10.158 metros.
DIVISÃO DE DIVULGAÇAO
Conferências e sessões realizadas no recinto do D. I. P. de 15. de maio a 14 de
junho de 1943
Dia 9-6-1943 - Conferência do capitSo Ivo Augusto Macedo sôbre
"Guenra
Química" patrocinada pela Liga de Defesa Nacional, às 17,30.
- r - >v^ # •"*"%¦' -
,.- ¦ - z-r-?-'
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*^T» . - -» ^
222 CULTURA
POLÍTICA
°»U*-
e pronunciada pelo
capitSo de fragata Auto de Sá Brito e
Souza, às 17,30.
Obras publicadas pela Divisão de Divulgação
de 15 de maio a 14 de /unho de
"Dos
Jornais" (n. 23).
"O
Brasil de ontem, de hoje e de amanha" (n. 37 -
Jan. de 194 ).
SECÇAO DE INTERCÂMBIO LUSO-BRASILEIRO
Divulgação da Literatura Brasileira — De 15 de abril a 15
se. para divulgação na imprensa pPtaH£.
artigo);
literárias, os seguintes trabalha: Álvaro Lins (A Fontes
(Deputado
Alceu Amoroso Lima (A morte do Jacaré,
crômca), Aman^
aoseníe, poema);
Santos Lima. trecho de romance ; ^bgar RenauU ^n.íameníe^ause^^ P~
^.
Graciliano Ramos (/nsônia> crônica)romance)*
Gilberto Osório de Andrade
José Lins do Rêgo (Fogo
Morto, tredi° (Páainas
de um diário, impres-
(fiteffto da Anti-Critica.
artigo); Marques Rebelo (Páginas d
Vi i ius dc Morais
sões); Santa Rosa (Esquema das artes do Brasil, crônica), Vinícius
^Capitulo °"f' _
Em igUal período enviaram-se à imprensa portu-
e social brasileira. «
Sessão comemorativa do descobrimento do Brasil — A Secção 0í^jJfSaurii
O Esconde de C«jn«lde^0
^iuí^qíe^omenagwu^
ten«te-coro^l Q>elho
tar pròximamente as orações pronunciadas
naquela reun
?¦*•*»^'üSSSto ítf"S^°poZ
que C0?f0QCr?mpa
para os melhores artigos publicados na imprensa brasileira, em
Ss n,a? js^m. w~SS
sss i aWtt&r:
*25
"iSSídr
assaKrsàsre
irtss
editada pelo tostítuto de n«u
estudos sôbre os ^versos aspectos da cultura e
dade de Cotaflaa-jU *e g
dêsses cstudos foram feitas separatas, desta-
da civilização brasileira De algun
Arinos dc Melo Franco:
"Algumas cartas
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