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Cultura Política » Revista mensal de estudos brasileiros RIO ...

Date post: 16-Mar-2023
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236
Cultura Política » Revista mensal de estudos brasileiros RIO DE JANEIRO ANO III * NÜM. 2 9 JULHO DE 1943
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Cultura

Política

»

Revista mensal

de

estudos brasileiros

RIO DE JANEIRO

ANO III * NÜM. 2 9

JULHO DE 1943

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REVISTA MENSAL DE

ESTUDOS BRASILEIROS

JULHO DE 1943

RIO DE JANEIRO

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NUM. 29 I

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CULTURA POLÍTICA

Direção de

ALMIR DE ANDRADE

Secretaria e Redação:

Rua da Misericórdia

- Palácio Tiradcnie,

4.° andar

Telefone: 22-7610.

tamal-36

RIO DE JANEIRO

brasil

quer idioma,

mediante autonzaçao

expressa da

Preço de venda

avulsa, em todo o Brasil

cr$ 3,00

Preço de assinatura

anual, a começar

^ 30 00

em qualquer

mês

*40

As importâncias das assinaiou

^de

atrazados devem sempre

ser «REVISTA

CULTURA

cheque bancário

e em nome a1atima

enviada pelo

POLÍTICA". Não aceitamos quantt*

sistema de

"registo com valor declarado , nem pelo

de

"reembolso postal

.

Sumário dêste número

As revoluções na América Latina

FINANÇAS

Normas de calculo para a riqueza das nações e a riqueza brasileira,

de Luiz Dias Rollemberg

PRODUÇÃO

O enigma do diamente, de Herman Lima

LEGISLAÇAO SOCIAL

A Revolução Francesa, a previdência social e as constituições bra~

sileiras, de Rudolf Aládar Métall

EDUCAÇAO

O conceito de unidade didática e o ensino das línguas, de Virgínia

Cortes de Lacerda

Um grande educador :

João Pedro de Aquino, de F. Venâncio

Filho

LITERATURA

Vida e poesia de Emílio de Meneses, de Álvaro F. Salgado

FILOLOGIA

Esboço histórico do conceito de brasileirismo, de AtaÍde DE

Miranda

s.

HISTÓRIA

Confederação do Equador, de J. de Matos Ibiapina

FOLCLORE

Trabalhos folclóricos e parafolclóricos, de Basílio de Magalhães

ARTES PLÁSTICAS

O momento é para arquitetura, de José

Teódulo

VIAGENS

Impressões de viagem aos Estados Unidos, de Cid Ferreira Lopes

Viagem através das Missões Brasileiras, de Wolfgang Hoffmann

Harnisch

CULTURA POLÍTICA

QUADROS E COSTUMES REGIONAIS

Paquetâ, como eu vi, De Lemoine

CIDADES DO BRASIL

Diamantina, de Brito Broca

O BRASIL NO EXTERIOR

O Brasil que foi a Portugal, de Simão de Laboreiro

MÚSICA

Beethoven :

44Missa

Solemnis" -—• VI) Agnus Dei, de frei Pedro

Sinzig O. F.

BIOGRAFIA

Artur Neiva

INQUÉRITOS E REPORTAGENS

A campanha da nutrição no Brasil

O vale do Xingú

A política financeira da guerra (Razões

e vantagens da emissão

dos bônus

A nacionalização da maior empresa de transportes aéreos da Amé~

rica do Sul

A campanha da borracha

A indústria do papel no Brasil

Uma realidade, a Fabrica Nacional de Motores

Um mês de realizações governamentais (Maio de 1943)

Atividades culturais do D. I.

As revoluções na América Latina

44

As revoluções independem dâ von~

tade dos homens, transcendem os interesses

individuais e decorrem, como as leis, da na~

tureza das coisas.

A revolução é fruto

das camadas pro~

fundas da sociedade; é um imperativo ín~

sofreável

sda

conciência coletiva; é, em suma,

a cristalização lenta, laboriosa, invencível do

pensamento obscuro da nacionalidade •

"Cumpre

não confundir revolução com

o episódio militar que

a deflagra. Revolw-

ção é adaptação a realidade, compreensão

segura dos fenômenos

sociais, reconstrução

do edifício do Estado sobre fundamentos

sólidos".

Getúlio Vargas,

44A

Nova Política do

Brasil", vol. III, págs.

166 e 244.

RECENTE vitória do movimento revolucionário

argentino nos faz meditar no sentido dessa onda

jl\~ incessante de movimentos pela reforma do Es<-

tado e do poder, qye

há mais de um século vem agi-

tando tôda a América Latina, vencendo aqui, recuando

ali, retardando-se mais além mas todos iguahnentô

fundados em obscuras aspirações coletivas, todos vi*-

CULTURA POLÍTICA

sando à conquista de uma nova forma dc convivência

social e de organização da autoridade, capaz de aten^

der às necessidades do solo americano e às exigências

de uma maior felicidade humana*

Ela nos faz pensar

também no episódio revolu*

cionário brasileiro de 1930, coroamento de uma série

ininterrupta de esforços, que fracassaram, até então,

por obra de diferentes fatores,

que não cabe aqui

analisar, mas que,

de então para cá,

gerou uma nova

atmosfera de trabalho e de reconstrução, cujos frutos

já temos colhido em proporções

confortadoras.

Viveu sempre a América Latina a braços com

revoluções, de maior ou menor envergadura: na Amé-

rica Central, na Colômbia, na Venezuela, no Perú, na

Bolívia, no Paraguai, no Chile, na Argentina, no

Brasil.

O fenômeno, assaz generalizado

e constante para

chamar a atenção dos observadores, mereceu toda a

sorte de explicações; foi apontado mesmo como cara*-

cterístico de tôdas as nações de sangue latino deste

continente, cujas peculiaridades raciais e sociais não

se haviam adaptado ainda às fórmulas políticas impor"

tadas da Europa e dos Estados Unidos da América

do Norte.

Garcia Calderón, num conhecido estudo sobre as

transformações das democracias americanas no comêço

do século XX, procura

explicar êsses movimentos re-

volucionários latino-americanos pelo que êle chama a

mentalidade

"indianista"

dos povos desta

parte do

mundo: seria a luta contra as idéias européias, a ân-

sia de afirmação de nações jovens, que ainda não en-

contraram a verdadeiro sentido do seu equilíbrio so~

ciai e político.

Na verdade, o fenômeno tem raízes mais profun-

das. A extraordinária juventude dos

povos americanos

os tem levado, quase

sempre, na vanguarda das gran~

des transformações sociais que o nosso século exige*

AS REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA 9

Menos radicados a tradições históricas de compromisso

com sistemas e ideologias, os povos

latino-americanos,

mais depressa que

os demais, renunciam às posições

políticas que provaram mal e se lançam em busca de

soluções novas, que

lhes sejam mais úteis e provei-

tosas. A inquietação revolucionária latino-americana é

expressão dessa juventude

e, também, de uma ingrata

experiência com sistemas de importação européia.

A totalidade das constituições dos povos

da Amé-

rica se moldaram na forma da Revolução Francesa de

1789; adotaram princípios

feitos para

combater o abso-

lutismo de uma realeza secular, aplicando-os a países

que nunca conheceram essa realeza, senão através dos

vínculos frágeis que

os prendiam

às metrópoles na era

colonial, e que,

ao invés dela, conheciam necessidades

novas de um mundo em formação, onde a energia cons-

trutora, a rapidez da ação, a eficiência da intervenção

governamental — incompatíveis com a inércia do Es-

tado liberal — eram requisitos essenciais de vitória.

A grande

luta revolucionária dos povos

america-

nos tem sido, pois,

uma luta pela

conquista dessa

forma de Estado enérgica, dinâmica e eficiente. Uma

forma de Estado capaz de construir, ao invés de que-

dar-se passivamente

no emaranhado de princípios

res-

tritivos, que,

não raro, o pensamento

europeu teve que

forjar para

opor-se ao absolutismo opressivo dos seus

governantes.

No Brasil, a vitória revolucionária de 1930, con-

solidada em 1937, representou o grande passo

deci-

eivo dessa emancipação. Nós, brasileiros, compreen-

demos, portanto,

muito bem, os movimentos dos pó-

vos irmãos, que,

como a Argentina de agora, se inspi-

ram nas mesmas ansiedades e na mesma fôrça criadora

da juventude

americana.

Que a revolução de 1930, no Brasil, foi um coroa-

mento de numerosos surtos revolucionários anteriores,

é uma evidência histórica, pois

talvez não seja inopor-

tuno relembrar que,

desde a proclamação

da Repú-

CULTURA POLÍTICA

blica, cm 1889, não conheceu o Brasil um só quadriê-

nio, que

não fôsse abalado por

reações militares e ci-

vís reflexos locais de um movimento mais amplo,

de raízes profundas.

Quando a revolução venceu, em outubro de 1930,

duas únicas coisas trazia ela de novo, que

as revolu-

ções anteriores ignoraram: uma organização eficiente

e um Chefe, capaz de dirigi-la e de consolidá-la. Chefe

da Revolução de 1930, Getúlio Vargas surgiu como

um oportuno intérprete das aspirações coletivas, há

longo tempo recalcadas. A reforma constitucional de

1937, integrando o Brasil, definitivamente, no ritmo

do ideal revolucionário vitorioso, criou essa atmosfera,

que hoje desfrutamos, propícia

às realizações pacíficas

e à continuidade da obra realizadora governamental.

Essa a lição da experiência brasileira, que não

requer comentários.

O ideal revolucionário latino-americano não se

pode aplacar senão depois que

ele amadurece e que

a sua vitória redunda em resultados decisivos e refor-

mas concretas das instituições, adaptadas à realidade

americana. Foi o caso do Brasil. Ê de supor que tam-

bém seja o caso recente da nossa vizinha e irma, a

República Argentina.

Integrando-se agora no ritmo revolucionário, que

traduz a grande

fôrça construtiva da juventude

ame-

ricana, ela irá enfrentar uma experiência, que o Brasil

já conheceu, e

que, lá, como aqui, produzirá, por

certo,

sadios frutos e estímulos novos. Aproveitando-os, con-

solidando-os, cumprirá a nossa irmã do Sul o destino

histórico — inexorável, talvez,

porém fecundo

— dos

povos livres dêste continente.

ALMIR DE ANDRADE.

Finanças

Normas de cálculo para

a riqueza das

nações e a riqueza brasileira

LUIZ DIAS ROLLEMBERG

Não

cabe dúvida que

o estudo

da riqueza de uma nação,

visando fixar os métodos

conhecidos e aplicados no sentia

do da determinação do valor, se"

não efetivo pelo

menos aproxi-

mado desta riqueza, é assunto

de interêsse imediato e relevante

para a vida econômico-financeira

de um país

e, portanto, para

a sua

vida administrativa. E afirma-

mos que

êste estudo é de grande

valia para

a vida administrativa

de um país, porque,

considerando

como fundamentais as estimativas

concernentes à riqueza, quando

realizadas minuciosamente e de

acordo com os processos

adota-

dos pelos

especialistas em quês-

tões financeiras, poderão os res-

ponsáveis pela orientação do Es-

tado imprimir rumos seguros às

medidas de interêsse econômico

e financeiro, como notadamente à

política tributária, à circulação fi-

duciária, ao desenvolvimento dos

planos destinados à melhoria do

padrão de vida nas várias re-

giões de uma nação, à organiza-

ção creditória, c

poderão ainda

utilizar a capacidade de aprovei-

tamento de determinadas modali-

dades desses recursos, de acôr-

do com as possibilidades

nacio-

nais. Visando finalmente coorde-

nar e articular a riqueza poten-

ciai e a riqueza realizada, tendo

em vista os aspectos peculiares

à

vida econômico-financeira da na-

ção, e ainda determinar até

que

ponto se tem feito notar, em re-

lação a nosso país,

o desenvolvi-

mento da tendência que

Leroy-

Beaulieu afirmava pronunciar-se

no sentido de que

o valor da ri-

queza dos Estados cada vez mais

avulta e cresce percentualmente

em relação à riqueza particular.

Eis porque julgamos

dever rea-

lizar êste estudo em continuação

a outros que

a respeito do assun-

to jà

apresentamos.

A evolução das rique-

zas no Brasil

A evolução das riquezas no

Brasil tem-se processado

em rít-

mos tão assinalados, no período

de um século, que, se tomarmos

por base,

para se aquilatar dêste

•V *f«

12 CULTURA POLÍTICA

desenvolvimento, o crescimento

das arrecadações, se verificará

que, tendo sido de

pouco mais de

vinte e um milhões de cruzeiros —

conforme a atual sistematização

monetária — o total da arrecada*-

ção em 1843, no regime imperial,

já em 1942 esta receita, relativa-

mente à União, foi estimada em

mais de quatro

bilhões e trezentos

milhões de cruzeiros. Desta for-

ma se verifica que

as rendas co-

bradas pelo govêrno

central e pela

União aumentaram quatrocentos

e sessenta vezes no espaço de

quasi cem anos, situação esta

que se constitue merecedora de re-

levo, porquanto,

em certos países,

como a França, os dados sôbre

o assunto mostram que

desde o

século onze até o século vinte o

aumento da riqueza, da qual

a

arrecadação é um elemento sus-

cetível de servir de base de estima-

tiva, conforme a opinião de Nitti,

foi de cem vezes. Verifica-se, to-

davia, que

esse aumento se pode-

ria manifestar muito mais signi-

ficativo se não houvéssemos pas-

sado do regime da centralização

tributária, característico do impé-

rio, para

o regime da descentri-

lização estabelecido pela

Consti-

tuição de 1891, que

transferiu vá-

rios impostos para

os Estados.

No entanto, esta apresentação da

evolução das arrecadações como

elemento para

se estimar o aumen-

to correspondente da riqueza de

uma nação está longe de poder

valer com segurança como base

de cálculo, quando

aliás existem

métodos já

firmados no intuito da

realização desta avaliação, os

quais teremos ensejo de estudar.

A propósito, pela

evolução dos

índices de arrecadação relativos

oscilaram, desde a sua criação,

ao imposto de importação, que

entre a percentagem

inicial de

24%, estabelecida pela

carta ré-

gia de 1808, seguida

pela de

15%, em relação ao valor total

das mercadorias importadas, e

mais tarde majoradas em vista da

política superprotecionista

que

adotamos, se evidencia que,

sendo

sempre crescente êste imposto e

gravando periodicamente novos

produtos, enquanto outros deixa-

vam de ser importados, e passa-

vam a ser produzidos

no país,

con-

soante os dados desta arrecada-

ção, podemos concluir

que o nível

de vida das populações

se foi gra-

dativamente elevando, como ex-

pressão típica da ampliação das

riquezas nacionais. E tanto isto é

verdadeiro que

o imposto de im-

portação, no espaço de

quasi um

século, teve um aumento aproxi-

mado de cem vezes, passando

de

pouco menos de nove milhões de

cruzeiros, em 1843, a oitocentos e

noventa e um milhões de cruzei-

ros, em 1940, o que

mostra que

o

seu aumento não se desenvolveu

na mesma escala de crescimento

da receita geral.

Ao estudarmos

anteriormente a evolução da ri-

queza brasileira, tivemos oportu-

nidade de apresentar a seguinte

sugestão de cálculo, de referência

à mesma. De modo geral, po-

de-se calcular a riqueza brasileira

em um total mínimo de cento e

oitenta e cinco bilhões de cruzei-

ros. Só o valor imobiliário urba-

no, que

nas duas maiores cidades

do país

ultrapassa trinta bilhões

de cruzeiros, atinge um mínimo de

sessenta bilhões de cruzeiros em

todo o território nacional; outro

fator de riqueza de fácil avalia-

ção é representado

pela pecuária,

sabendo-se que só o rebanho bo-

a * v

NORMAS DE CALCULO

vino vai além de quarenta

e cinco

milhões de cabeças» passando

o

gado existente no

país a mais do

duplo dêste número se àquele in-

corporarmos os rebanhos porcinos,

eqüinos, ovinos e caprinos, alcan-

çando um valor total de mais de

vinte bilhões de cruzeiros; o valor

das instalações portuárias,

das

ferrovias, das grandes

instalações

de eletricidade se representa pelo

menos em quinze

bilhões de cru-

zeiros; num valor superior a dez

bilhões de cruzeiros é avaliado o

patrimônio nacional, ou sejam os

bens de propriedade do

govêrno

federal; as instalações industriais

em nosso pais, para

uma organi-

zação cuja produção é computa-

da no mínimo de vinte bilhões de

cruzeiros, possue

um valor atual

sem dúvida superior a quarenta

bilhões de cruzeiros, inclusive os

estoques de produtos

industriali-

zados, assim como as mercadorias

distribuídas para

a venda; nossa

marinha mercante, de cêrca de

quinhentas mil toneladas, repre-

senta valor aproximado de um bi-

lhão e quinhentos

milhões de cru-

zeiros; finalmente as safras pen-

dentes, as aparelhagens agrícolas

e o valor das propriedades

agrá-

rias, para

uma produção estimada

no mínimo de quinze

bilhões de

cruzeiros anuais, possue

valor que

pode ser computado em mais de

trinta e oito bilhões de cruzeiros.

Êste método que

adotamos de

calcular de um modo geral

a ri-

queza brasileira, não obstante

muito genérico e

portanto susce-

tível de apresentar uma estimati-

va um tanto incerta do valor to-

(1) Leroy Beaulieu

Edição 1912.

'v \ '1

13

tal das riquezas, tem sido todavia

adotado por

muitos financistas.

Desta forma, observamos que

êste

método calculado para

fixação

das riquezas foi o admitido por

Leroy Beaulieu para

estudar o

valor do domínio público

do Esta-

do e especialmente da França.

Aliás, nesse cômputo das riquezas

públicas em França, o financista

estima em 16 bilhões de francos

a importância dos domínios pú-

blicos do Estado, dos Departa-

mentos e das Comunas franceses,

resultando a tendência para

as percentagens das riquezas do

Estado se avantajarem no côm-

puto geral sôbre as riquezas

par-

ticulares, acrescentando que

em

tôda a Europa os homens fazem

uso constante, gratuito e cres-

cente de riquezas consideráveis

que teem sido criadas

pelo Esta-

do ou por

suas subdivisões (1).

O método de

De Foville

Todavia" métodos suscetíveis de

apresentar estimativas mais con-

vincentes sôbre o valor da riqueza

das nações teem sido apresenta-

dos. Ê o que

ocorre em relação

ao método de De Foville, citado

por Nitti, em seu Princípios da

Ciência das Finanças, e por

ou-

tros financistas, como dos mais

engenhosos.

Êsse método, baseando-se no

valor da arrecadação do imposto

de transmissão causa mortis, con-

siderada a relatividade dêste im-

posto, em razão do valor da ri-

queza que anualmente é objeto de

processo de

partilha, se funda-

Traité de la Science des Findnces, páginas 23 a 28

14 CULTURA

menta, para a avaliação total da

riqueza de uma nação, na multi-

plicação da soma total do valor

dêsses bens partilhados por qua-

renta ou seja o termo médio apre-

sentado pelo seu autor para

uma

geração. Apliquemos o cálculo

no sentido de empreender a esti-

mativa da riqueza brasileira.

Desta sorte, tendo sido de cin-

qüenta e dois milhões de cruzei-

ros o valor da arrecadação total

do imposto de transmissão causa

mortis em 1940, pode-se, grosso

modo, calcular ter sido de 2%

esta percentagem

sobre o valor

total dos bens partilhados. Apa-

rentemente esta percentagem

pode

dar a impressão de ser reduzida.

Mas há a considerar que uma

par*-»

te importante dos bens inventa-

riados não é suscetível de paga-

mento de imposto, como acontece

em relação à meação que cabe ao

cônjuge sobrevivente, sendo bas-

tante reduzidas as tributações

para a herança em relação aos

parentes em

primeiro grau, en-

quanto, progressivamente, o im-

posto vai-se agravando quanto

mais remoto seja o parentesco,

si-

tuação que aliás foi sensivelmente

delimitada, como é sabido, de a-

côrdo com a chamada lei das he-

ranças jacentes. Assim, de acordo

com os dados apresentados, se

verifica que se eleva a dois bi-

lhões e seiscentos milhões de cru-

zeiros o total do valor dos bens

partilhados em nosso país,

em um

ano, segundo o método que agora

estudamos. Tendo em vista esta

percentagem, conclue-se, ao rea-

lizar-se a multiplicação segundo

o método De Foville, ser avaliá-

vel em cento e quatro

bilhões de

cruzeiros o total geral da riqueza

POLÍTICA

privada existente no Brasil. Há

porém ainda a acrescentar as im-

portâncias transferidas por

meio

de adoções. E tendo em conta

ainda a minoração sempre dada

ao valor dos bens em processos

de sucessão em nosso país, con-

siderando que os

processos de

arrolamento estão sujeitos muitas

vezes a isenção de impostos, e

que também

importâncias em di-

nheiro são partilhadas

freqüen-

temente em família, em detrimen-

to das imposições fiscais, pode-

mos concluir que o aumento de

20% a êste cálculo se torna evi-

dentemente razoável. O

que nos

leva então a inferir que o total da

fortuna privada em nosso país

al-

cança aproximadamente cento e

quarenta e oito bilhões de cru-

zeiros. Considerando que a êsse

total teremos, para avaliação da

riqueza da nação, de juntar

o va-

lor das riquezas constituídas pelos

patrimônios da União, Estados,

Municípios, organizações

autár-

quicas e

paraestatais, em valor

nunca inferior a trinta e cinco bi-

lhões de cruzeiros, chegaremos a

uma avaliação final, de acordo

com o presente

método, de cento

e oitenta e três

"bilhões

de cruzei-

ros. E assim, ao têrmo dêste es-

tudo, alcançamos para a avaliação

realizada, consoante um método

estabelecido pela ciência das fi-

nanças como dos mais racionais,

um resultado notàvelmente apro-

ximado daquele que atingimos

tendo aplicado, como fizemos

anteriormente, o método que po-

demos classificar de calculado.

Averiguando-se que, tanto ao es-

tudarmos o valor da riqueza bra-

sileira pelo método calculado, co-

mo pelo

usado por De Foville, al-

NORMAS DE CALCULO15

cançamos valor que

varia entre

cento e oitenta e três e cento e oi"

tenta e cinco bilhões de cruzeiros,

torna-se interessante comparar

êste valor com a riqueza de outras

Estados Unidos . . .

Alemanha

Inglaterra

França

Itália

Bélgica

Tomando-se como elemento

fundamental êstes algarismos a-

presentados pelo eminente econo-

mista francês, pertinentes aos

mais ricos países, e em confronto

com os dados relativos ao Brasil,

e de acordo com os métodos apli-

cados para o cálculo das riquezas,

nações. E assim, vemos que,

no

período posterior à Grande Guer-

ra> era êste o cálculo apresentado

por Charles Gide (2)

no seguinte

quadro estatístico :

972 bilhões de francos

440 bilhões de francos

400 bilhões de francos

280 bilhões de francos

100 bilhões de francos

45 bilhões de francos

verifica-se que, tendo-se em vista

estas estimativas, nos situamos

entre as nações que relativamente

teem alcançado expressivo desen-

volvimento e elevados índices re-

ferentes à formação do valor de

suas riquezas.

*

(2) Charles Gide — Cours UÊconomie Potiíiqae. 2." vol. —

pág. 136 —

Edição de 1923.

v; i -V- ,.'V *V

i iJtÇwSm

V .

Produção

O enigma do diamante

HERMAN LIMA

Em

números anteriores des-

ta revista (ns. 16, 17, 18 e

19) tivemos ocasião de

estudar o meio e o homem da

zona diamantífera da Baía, a cha-

mada região das Lavras Diaman-

tinas. Tivemos também ocasião

de passar

em revista os vários

processos de mineração em uso

na zona, processos

baseados ain-

da até hoje no empirismo mais ru-

dimentar, em favor do qual

fala,

todavia, a grande

voz da expe-

riência local de quasi

um século,

uma vez que

as pesquisas

e mé-

todos de colheita puramente

es-

pecíficos não teem

provado satis-

fatòriamente, apésar de vultosos

empreendimentos levados a efeito

em diversas ocasiões.

Sabe-se como a busca dos

diamantes nas minas sul-africa-

nas, por

exemplo, se estabeleceu

em base científicas a que

a prá-

tica vem dando sempre e sempre

maior solidez. Daí a surprêsa do-

lorosa de tantos pesquisadores

que, tentando nas lavras baianas

os mesmos processos, viram su-

cessivamente falhar não sòmen-

te sua expectativa como todos os

cálculos definitivamente funda-

mentados pela prática de laborá-

tório e pelos

recursos do mais

moderno instrumental.

Há que

indagar, portanto,

qual a origem dessas surprêsas e

dêsses fracassos, diante da fa-

bulosa riqueza em pedras pre-

ciosas simultâneamente arranca-

das às entranhas da mesma terra

enigmática.

O problema

tem sido encarado

com atenção, não somente por

geologistas de renome universal

como pelos

simples observadores

nativos, aos quais

um vasto co-

nhecimento da topografia lavris-

ta e a esclarecedora significação

dos fatos - diários facultam igual-

mente fundamentadas conclusões.

Fala assim um lúcido conhe-

cedor dos garimpos,

o baiano

Lindolfo Rocha, no seu romance

Maria Dusá, no qual

a fantasia é

calcada sempre no substrato da

realidade e da observação di-

reta :

"Os

mineralogistas, arrimados

aos princípios

e teorias sôbre as

jazidas metalíferas, supõem que

o diamante é como o ouro, a pra-

ta ou o cobre. Esta é a razão

por que teem falhado muitas com-

O ENIGMA DO DIAMANTE

I

17

panhias, ficando, às vezes, na mi"

séria os incorporadores, desacre-

ditando assim bons garimpos.

A

formação casual do diamante, pelo

carbono puro,

cristalizado em al-

tas temperaturas ou nas súbitas

mudanças dessas temperaturas,

durante as grandes

convulsões

geológicas, não dá lugar a regras

fixas de mineração diamantífera.

A mais abalisada experiência

falha muitas vezes, porque

os mi-

nérios, que

constituem ou denun-

ciam a formação e paradeiro

do

diamante (que

não jazida

ou

veio) a ferragem, o caboclo, fa-

va, feijão preto, pingo

d'água e

outros, e que

na gíria

de garimpei-

ros se denominam informações,

estão freqüentemente isolados,

baldando-se destarte os conheci-

mentos dos garimpeiros.

Por ou-

tro lado o diamante se encontra

onde não se espera estar, num

mocororô, por

exemplo, argila

branca ou amarela, pegajosa,

contendo muito pouco

cascalho, e

até no desmonte de areia, antes

de qualquer

informação ou casca-

lho. Torna-se, por

isso, um jogo

aleatório a mineração diamantí-

fera, e eis por que

o garimpeiro

diz fazer ou dar bambúrrio, quan-

do, apesar do trabalho constante

e pouco

remunerador, encontra

inesperadamente um diamante

grosso ou mancha

que o tira da

infusação, ao passo que

o garim-

po não dá mais nada.

Eis por que

em tôdas as minas

de diamantes» por grandes que

sejam suas riquezas, gira,

com ra-

pidez maior

que em

qualquer ou-

tra indústria, a roda da Fortuna,

e ninguém sabe ao justo quando

se abatem os muros e se elevam

os monturos, acontecendo ainda

que aquele

que se abate hoje le-

vanta-se amanhã e assim sucessi-

vãmente".

Essa voz do entendimento lo-

cal, por

mais empírica, quando

não grotesca, que pareça,

a quem

não esteja a par

do conhecimen-

to exato das peculiaridades

do

garimpo, ainda hoje se firma co-

mo a voz da sabedoria.

No côro das hipóteses científi-

cas em que

se ergue, como vamos

ouvir, a voz de geólogos

eminen-

tes desde Eschwege, Hartt Gor-

ceix e Orville Derby, não é de-

mais que

se ouça também a pala-

vra do trabalhador humilde, cuja

vida decorre na pesquisa

dos

veios afortunados. Se é precária

a lição do empirismo, não são

menos falíveis as afirmações da

técnica. É bem recente o processo

de certa companhia estrangeira,

poderosa e armada dos meios mais

modernos para

a localização e

colheita dos minérios, instalada ao

rigor da ciência, numa época em

que saíram milhares de contos de

réis de carbonados, das proxi-

midades. Após rigorosas sonda-

gens da terra considerada e re-

velada rica em diamante negro,

foi forçada a abandonar os tra-

balhos, deixando inertes máqui-

nas e aparelhagem da maior pre-

cisão, uma vez que

os resultados

alcançados estavam bem longe

do que

se esperava. Capitulo

novo, apenas, a acrescer ao da

Companhia Belga, cujos remanes-

centes ainda estão atulhando as

matas do S. José,

no caminho de

Lençóis, com as suas rodas den-

tadas, alavancas, tubos e bobinas

espalhadas à beira do rio, como

destroços dum imenso organismo

de ferro, e a tantos outros, a partir

F. 2

X ¦ W»'%» S Ifv *- ¦ ' >N . £> *lr i *1 Ai '»

^HPlü

18CULTURA POLÍTICA

daquela imponente instalação do

Portão de Ferro, onde, em 1883,

se tentou lavrar os cascalhos

diamantíferos por meios menos

imperfeitos e custosos do que

os

antigos, tentativa malograda no

final das contas, por ter sido leva-

da a efeito numa zona, onde, con-

tra tôdas as aparências, não ha-

via mais cascalho virgem, intei-

ramente esgotada pelos trabalhos

antigos, apesar de tudo o que

se

esperava do emprêgo de bombas

de esgôto as mais perfeitas,

mo-

tores hidráulicos tocando máqui-

nas que puxavam

vagonetes em

planos inclinados para

facilitar o

transporte de areias e cascalhos,

e onde, pela primeira vez no

Brasil, foi ensaiado o emprêgo da

eletricidade como motor, segun-

do Antônio Olinto dos Santos

Pires, citado por Pandiá Calóge-

ras (As Minas do Brasil e sua

Legislação).

O garimpeiro

confia muito mais

no que

lhe ensinou a velha ciên-

cia dos antepassados, falível como

a dos homens de laboratório, é

certo, mas assim mesmo um pou-

co mais exata, porventura,

mui-

tas vezes, tal a persistência

com

que procura certas

peculiaridades

regionias, como a que

assinala

pitorescamente o

padre Camilo

Torrend, grande estudioso de mi-

nerologia brasileira:

"O

garimpeiro das Lavras pa-

tece ter um certo pressentimento

de que

a abundância dos diaman-

tes depende das erosões e recor-

tes exercidos na itacolumite (que

é na opinião mais generalizada a

ròcha matriz do diamante), pe-

la ação dos tempos. Ao escolher

um garimpo novo, gosta

o tra-

balhador de procurar

um lugar

abrupto, ao pé

de alguma pene-

dia recortada, a que

êle dá o nó-

me de gênio

do diamante. Até

hoje, diz êle com graça,

souberam

os gênios guardar bem as suas

riquezas, mas nós saberemos ir

apanhá-las". (Pela Terra

Diamantina) .

A causa principal dessas dú-

vidas está num fato geralmente

aceito pelos geólogos

e vem a ser

que o diamante no Brasil, ou

pelo

menos nas Lavras Diamantinas

da Baía, não é encontrado

"in

situ" — isto é, no

próprio local

ou rocha onde se formou; encon-

tra-se em depósitos, diversamente

caracterizados, para onde foi len-

tamente carreado pela ação das

águas das enxurradas ou por

ou-

tro processo

causai a estudar»

Já Saint-Hilaire,

nas suâs

Viajens peto

distrito dos diaman-

tes e litoral do Brasil, acentuava

que

44não

se encontra mais ó

diamante em sua matriz primitiva,

e essa matriz por

sua vez não é

mais encontrada em parte

ne-

nhuma. Sendo ela de consistên-

cia muito fraca foi sem dúvida

arrastada pelas águas e os

diamantes daí destacados rolaram

com os calhaus para o leito dos

rios e regatos • Êsses calhaus ro-

lados de mistura com os diaman-

tes são o que se chama casca-

lho. Freqüentemente o leito dos

regatos muda de lugar, donde

acontece que o cascalho não se

acha unicamente em seu leito

atual. Existem sinais da presen-

ça dos diamantes; entretanto êsses

sinais são em geral pouco

certos,

e para

se certificar se um regato

ou um terreno contém diamantes

é preciso

dispor de recursos para

essas pesquisas".

tk-is.

O ENIGMA DO DIAMANTE 19

O problema

reveste-se assim

dum aspecto verdadeiramente se-

dutor para

o espírito amante das

especulações, e não admira que

tenha sido de contínuo abordado

por homens de ciência, a

que fal-

taram no entanto, até hoje, os

imprescindíveis vagares e parece

que o devido aparelhamento

para

Jevarem a têrmo definitivo os seus

estudos.

Mesmo assim, não há como

desprezar as conclusões a que

chegaram alguns dêles, no correr

do último século, sabido que,

desde Spix e Martius, na sua

passagem pela zona diamantífera

da Baía, são já

em número cres-

cido os relatórios existentes a res-

peito.

É assim por

exemplo que John

Casper Branner, no seu Resumo

geológico do Brasil

(publicado

pela Geotogicat Society of Ameri~

ca de Washington, vol. 30, n. 2,

julho de 1919), aborda incisiva-

mente o assunto:

"A

maior parte

dos diamantes

do Brasil vem dos leitos dos rios,

onde teem sido concentrados das

rochas da região vizinha, pelos

processos naturais. De vez em

quando amostras se acham era-

vadas na pedra

dura, geralmente

no cascalho cimentado com ferro

e claramente não in situ. Também

tem sido descobertos nos quart-

zitos paleológicosV.

Sobre a origem dos diamantes

do Brasil já

foram escritos muitos

artigos (Bové,

Bensaude, Bran-

ner, Castelnau, Clausen, T. Daw-

son, O. A. Derby, Dufresnoy,

Engelhardt, Gorceix, Helmrei-

chen, Hussak, Jardim,

Lindsay,

Martius, Mawe, F. de P. Olivei-

ra, Antônio O. Pires, Praguer,

Rezendfe, Vandeli, etc.), mas seja

qual for esta origem remota, até

agora só foram êles lavrados em

quantidade no Brasil, nos leitos

dos rios ou nos depósitos forma**

dos pelo processo

de concentra-*

ção. No Paraná, parece que

veem

dos conglomerados na base do

devoniano. Na Baía, vem dos

quartzitos côr de rosa. tentativa-*

mente chamados carboní feros.

Em Grão Mongol, no norte dc

Minas, também veem dos quart-

zitos. Os minerais associados

com os diamantes, no Brasil, in~

duzem à opinião de que

sejam

relacionados genèticamente com

os granitos,

rochas metamórficas

e pegmatitos,

antes que

com as

rochas eruptivas. No Estado da

Baía, pelo

menos, não se conhe-

cem, na vizinhança dos diaman~

tes, rochas eruptivas, com a ex-

ceção de um único lugar, onde um

pequeno dique de diábase corta

o quartzito

diamantífero, sem

modificar perceptivelmente

as ro-

chas vizinhas. Apesar da grande

importância comercial dos dia-

mantes, ainda não foi feito estudo

sistemático da geologia

dos

diamantes no Brasil, e como bem

diz Calógeras:

"quasi

tôdas as

jazidas diamantíferas do Brasil

foram descobertas por

acaso".

Recebi àltimamente confirma**

ção particular da descoberta de

diamantes em diversos pontos

no

Estado de Minas Gerais» em

canos ou

"pescoços"

de perido-

tito, semelhantes àqueles onde

existem diamantes na África do

Sul. Essas notícias porém pre-

cisam ainda de confirmação"»

Quase meio século antes, Char-

les Frederick Hartt publicava

em

Boston a Geology and Physical

20 CULTURA POLÍTICA

Geography of Brazil (Trayer

Expedition~Scientific results of a

journey in Brazil by Louis Agassiz

and his travelling companions).

Nêssc grande

livro, na opinião

de Roquete Pinto» agora apareci**

do na coleção Brasiliana, em tra-

dução de Edgar Sussekind de

Mendonça e Elias Doliantti, a

região das Lavras é estudada com

particular atenção, e dêle fazem

parte os trechos

que a seguir, data

vênia, passo

a transcrever:

"O

interior da província

da

Baía, não obstante suas ricas mi-

nas de diamantes, é quasi

uma

terra incógnita para

o geólogo

e o

geógrafo. Forma, contudo, uma

parte tão importante do império,

que achei conveniente, depois de

coligir novos importantes fatos

sôbre a sua geologia

e geografia

física, fazer esforços para

chegar

a algumas conclusões dignas de

confiança em relação à sua estru-

tura geral.

Embora Spix e Mar-

tius explorassem a província quan-

do a geologia

estava ainda na in-

fância, fizeram observações mui'-

to interessantes. O reverendo Ni-

colay, alguns anos passados,

vi-

sitou o distrito diamantífero em

companhia do Sr. A. de La-

cerda, e teve a bondade de for-

necer-me algumas notas sôbre a

rota que

seguiu. J.

A. Allen,

ornitólogo na Expedição Thaver,

atravessou a província,

de Chique-

Chique, no S. Francisco, até Ca-

choeira, e sou-lhe devedor de um

esboço muito interessante da re-

gião que atravessou. Essa

parte

do vale do S. Francisco, abrangi-

da pela província»

foi examinada

por Von Martius, St.

John e

outros, e finalmente por

Burton,

de forma que

conhecemos as suas

feições mais gerais.

Êsses obser-

vadores nos deram três completas

secções através da região entre o

S. Francisco e o mar. e Nicolay

uma incompleta*'.

Relativamente à parte que

nos

interessa, a secção da zona

diamantífera, Hartt assim resu-

me as conclusões dos geólogos

citados e as próprias:

"Nicolay

diz que

a região do

vale do S. Francisco se vai al-

teando até a Chapada Diaman-

tina por

uma série de terraços,

e avaliou a altura da chapada

em 3.000 pés

acima do mar, o •

que incidiria com a avaliação

de Allen da altura da chapada

em Jacobina, e com a minha

própria avaliação da altura da

chapada em Minas Gerais. Na

Chapada, diz Nicolay, há fo-

lhelhos, arenitos e conglomera-

dos. Os arenitos variam müito

em qualidade, tanto em compo-

sição como em dureza, mas são

todos, evidentemente, produtos

diretos das rochas primitivas.

Sôbre êstes arenitos há (ou

ha-

via) uma camada de quartzito,

em miutos lugares ainda muito

visível, no qual

foram encon-

trados cristais de magnetita e

outras piritas,

e entre os areni-

tos criados pela

desintegração

dessa rocha, conforme assinalam

êstes cristais, costuma-se encon-

trar diamantes.

"A

superposição das camadas

mais duras sôbre as mais moles

é a causa da presença

destas ca-

vernas chamadas grunas, que

fre-

qüentemente perfuram os mor-

ros e nas quais

muitos diaman-

tes são encontrados. São tôdas

formadas por

infiltração de água

através da rocha e desintegração

O ENIGMA DO DIAMANTE 21

das camadas mais moles; mas na

maioria dos casos não se forma

uma caverna, porém

uma ruína,

e a superfície apresenta uma

confusão de enormes blocos ou

placas de conglomerado de ses-

senta pés quadrados,

e de dez a

quinze pés de espessura,

para

os maiores exemplares. Não sei

até agora de nenhum fóssil en-

contrado nesse distrito. A cha-

pada forma o limite leste de uma

barreira do grande

rio S. Fran-

cisco, e posso

seguí-la das nas-

centes do Paraguassú até den-

tro de Goiaz".

44

Por todo o distrito as ro-

chas de embasamento são gnâis-

sicas, variando ocasionalmente

para pórfiro e

granito de um la-

do, e hornblenda e quartzo

de

outro, apresentando ocasional-

mente micaxisto".

Depois dessas transcrições,

conclue Hartt que

"da

narração

de Nicolay, bem como da exposi-

ção que me fez em

palestra, não

pode haver dúvida de

que os

diamantes no interior da Baía

ocorram na camada de arenito,

formando parte

de um grande

lençol que já

se estendeu sôbre

toda a região, ligando-se com os

arenitos e argilas da bacia do Je-

quitinhonha; e êste arenito, como

veremos da narrativa de Allen, é

encontrado também em Jacobina,

em cujo local, em 1755, os

diamantes foram pela primeira

vez

descobertos na província

da

Baía.

Vi espécimes de rochas diaman-

tíferas da chapada nas mãos de

Nicolay. Não era itacolumito,

mas pareceu-me

ter uma seme-

lhança muito estreita com. a ca-

mada de arenito que

se sobre**

põe às argilas na bacia do

Je-

quitinhonha. Também apresenta

uma notável semelhança com os

arenitos terciários na Estrada de

Ferro da Baía, perto

de Pitanga,

onde também ocorrem diamantes.

As areias diamantíferas que

vi em

mãos do Sr. A. de Lacerda, na

Baía, parecem ter resultado da de-

sintegração dos arenitos da cha-

pada".

Em nota apenas a essa obser-

vação, refere o autor que

nas

amostras de areias diamantíferas

da Baía, examinadas pelo geólo-

go Damour, foram achados os se-

guintes minerais:

quartzo hialino,

jaspe e sílex, itacolumito, distênio

ou cianita, zincônio ou hiacinto,

feldspato, granada

vermelha,

granada magnesiana, mica, turma-

lina (verde e

preta), hialoturma-

lina (feijão), talco, wavelita

(ca-

boclo), fosfato de itrio, fosfato de

ítrio titanífero, diásporo, rutilo,

"brookita",

atanásio, titânio hi-

dratado, tatalita, baierina ou co-

lumbita, óxido de ferro titanífero,

óxido de estanho, sulfato de me*-

cúrio e ouro (Bulletin de la So-

ciété Géologique de Paris, 2ième

série, Séance du 7 avril, 1856).

"E'

lastimável, continua Hartt,

que as minas de diamantes da

Chapada Diamantina nunca ha-

jam sido rigorosamente examina-

das, pois

estou convencido de que,

com o seu estudo, se explicaria o

mistério da origem do diamante".

Tratando da serra ou Chapada

do Sincorá, esporão ou ramifica-

ção da serra da Chapada, cita à

descrição que

dela fez o geólogo

Helmreichen. De acôrdo com

êsse cientista austríaco, a serra

"tem

o mesmo caráter selvático e

22 CULTURA POLÍTICA

inhóspito à vista que

a do Grão

Mongol; extensos campos formam

a região entre a sua vertente oeste

e a serra da Chapada» enquanto

a região de sua vertente leste até

a costa é coberta de espessas

inatas". Disse há pouco que

ha-

via uma estreita analogia entre

esta serra e a do Grão Mongol

no que

respeita à estrutura geo-

lógica» sendo provàvelmente

com-

posta de itacolumito.

"A

primei-

ra descoberta de diamantes foi

aqui feita nas margens do Mu-

cugê e Comércio (principal loca-

lidade), distante noventa milhas

da Baía, sôbre o rio Mucugê, nas

terras pertencentes

à Fazenda de

S. João.

Foram encontrados dia-

mantes na serra do Sincorá, nu-

ma extensão de vinte léguas. As

lavagens na encosta oeste dessa

serra tornaram-se atualmente po-

br es. Consideráveis quantidades

de diamantes do próprio

Mucugê

foram, entretanto, lavadas nos tre-

chos em que

o Paraguassú e o

Andara! atravessam a serra. No

Andaraí, as principais

lavagens

estão limitadas aos ribeirões da

vizinhança, que

desagüam na sua

margem direita. Há aqui muitas

cobras, muita febre e muitos dia-

mantes.

A cidade de Lençóis, que

é a

sede geral

do governo

do dis-

trito dos diamantes, está situada

a cêrca de trinta milhas para

o

norte, um pouco

a leste de Mu-

cugê ou Santa Isabel do Para-

guassú, e é um lugar de

grande

importância, nas vizinhanças do

-qual grandes quantidades

de dia-

mantes são lavadas. Castelnau

diz que ao longo do curso do rio

de Lençóis se vêem marmitas al-

gumas das

quais teejn de

profun-

didade vinte e cinco braças e uma

ou duas de largura. Nesses cal-

deirões, como são chamados* tem

sido encontrado considerável nú-

mero de diamantes. O mesmo

autor diz que

semelhantes mar-

mitas se encontram também na

chapada, sendo sempre ricas de

diamantes. Também ocorrem nu-

ma localidade a sudeste de Chi-

que-Chique, chamada Córrego de

Santo Inácio, visitada por

Bur-

ton, que

descreve a região cir-

cunvizinha como composta de ita-

columito (?). Diz êle ocorrer

aqui, como na chapada,

"um

con-

glomerado de blocos, não de sei-

xos, que

se assemelha ao antigo

escocês vermelho, tanto assim que

os morros entre os quais

as jazidas

diamantíferas de Santo Inácio es-

tão situadas parecem pertencer

à

mesma formação que

a chapada'

De respeito a essa ramificação

da serra do Sincorá, Allen, se-

gundo nota aposta ao$ originais

de Hartt, declarou não ter visita-

do a serra de Assuruá, porém

a

viu a distância e concluiu ser de

arenito.

"Como

se superpõe ao

calcáreo, parece

ser evidente-

mente uma parte

da formação de

arenito, noticiada por

mim a leste

e já

mencionada. Estou agora

inteiramente convencido da legi-

timidade de tal generalização

com

respeito à grande

extensão e sub-

seqüente desnudação dos are-

nitos".

Na descrição da zona, feita por

Allen, há a notar a referência aos

caldeirões, depósitos habituais de

cascalho rico em gemas,

como te-

mos visto. >

"Êstes

caldeirões são de fre-

qüente ocorrência, mas não con-

segui saber se todos apresenta-

O ENIGMA DO DIAMANTE 23

vam caracteres parecidos. Quasi

todos, dos que

foram examinados,

provavam ser

genuínas marmitas,

sendo alguns de grande

tamanho.

Os maiores que

medi eram de con-

torno elíptico, com dezoito pés

de

extensão, nove ou dez de largura

e vinte sete de profundidade,

com

03 lados ligeiramente gastos.

Em

baixo das águas, que parcialmente

os enchem, deve haver muitos pés

de material que durante séculos

os teem enchido, tanto assim que

a sua profundidade

total deve

ser muito maior do que

a minha

medição indicou".

A propósito

dessas escavações,

esclarece Hartt ter o mesmo Allen

dito que essas marmitas ou cal-

deirões (têrmo que tem a mesma

derivação da palavra

inglesa, cal-

dron (chaldière) e também a mes-

ma significação)

"ocorrem

muitas

vezes na planície,

fora de qual-

quer terra alta, e

que são algumas

vezes encontrados escavados nos

cumes das pequenas

elevações da

planície, ou mesmo no topo de

um morro, como no caso do Mor-

ro da Caldeirão. Êsses buracos

devem ter sido escavados pela

água caindo. Há apenas uma su-

gestão que posso fazer

quanto à

sua origem: é que

foram forma-

dos por cataratas glaciais,

do

mesmo modo que

as marmitas en-

contradas nas regiões glaciadas

da

América do Norte, como, por

exemplo, em New Brunswick e

Nova Escócia, onde tive oportuni-

dade de examiná-las. E' bem co-

nhecido que as cataratas glaciais,

não obstante o constante movi-

mento do gêlo,

são muitas vezes

estacionárias, e nos Alpes cava-

vam enormes marmitas nas ro-

chás".

Em 1905, convidado pelo

então

secretário da agricultura da Baíat

Miguel Calmon, o engenheiro Or-

ville A. Derby percorreu

tôda a

zona das Lavras Diamantinas,

apresentando em seguida algumas

das conclusões gerais

a que

havia

chegado, num relatório que

figu-

ra até hoje como elemento dos

mais importantes para

o conheci-

mento da geogolia

do diamante

naquela região.

Preliminarmente, Orville Der-

by assinalou que

"o

rio Para-

guassú, no seu curso, atravessa

quatro regiões bem distintas na

sua composição geológica

e por

conseqüência nos seus caracteres

topográficos e econômicos".

Dessas regiões a que

nos inte-

ressa é a primeira,

abrangendo

todo o distrito das cabeceiras do

rio e do seu principal

tributário,

o Santo Antônio, e se estendendo

até a cabeceira da Passagem do

Andaraí :

44é

constituída, essen-

cialmente, por possantes camadas

de grés

duro e avermelhado, que

muitas vezes passa

a conglome-

rado. Estas camadas, cuja espes-

sura é estimada em mais de 500

metros, são profundamente per-

turbadas, sendo levantadas em do-

bras que

se podem

comparar às

ondas do mar, e atravessadas por

fraturas, ou falhas, com levanta-

mento de um lado, produzindo

enormes paredões a

pique. As-

sim, é uma região essencialmente

montanhosa, apresentando o tipo

de estrutura oreográfica caracte-

rístico das montanhas na parte

oriental do continente norte-ame-

ricano e por

isso conhecido pela

denominação de

44tipo

apalaquia-

no". A elevação geral

da região

é de cêrca de 1000 metros, ele-

ffJÇT~ >'W* ü' ¦"• 'rj' u >¦¦' Jj

24 CULTURA

vando~se alguns picos

e serranias

uns 200 ou 500 metros acima dês-

te nível e descendo os vales mais

escavados uns 700 metros abaixo

dele.

Em virtude da dureza das ro-

chas e das perturbações (dobras

e falhas) que

estas teem sofrido,

a topografia é extremamente aci-

dentada e agreste, apresentando

inúmeros e enormes maciços ou

serranias, de rochas quasi

comple-

tamente despidas de solo e por

conseqüência de vegetação, inter-

mediadas com manchas de terre-

no com contornos mais suaves,

onde a decomposição da rocha

tem fornecido uma capa espessa

de solo arável, coberto geralmen-

te com vegetação campestre, em

alguns lugares por

matas. Em vir-

tude da composição predominan-

te arenosa das rochas subjacentes,

o solo desta região é em geral

fraco e, por

conseqüência, mais

apropriado à criação do gado

do

que à lavoura.

Quanto á riqueza mineral, a

única até hoje aproveitada é a

de diamantes e carbonados, e a

sua constituição geológica pouca

esperança oferece da existência de

outra, a não ser num ou outro

ponto, onde alguma outra forma-

ção mais antiga possa porventura

aflorar na superfície.

Os diamantes, incluindo neste

têrmo os carbonados que

na re-

gião da Chapada .Baiana raras

vezes ou nunca deixam de acom-

panhar os diamantes verdadeiros,

são especialmente característicos

da primeira

região, e a sua ocor-

rência esporádica na segunda e

terceira pode

com certa plausibi-

POLÍTICA

lidade ser atribuída ao transpor*

te antigo ou moderno, de elemen-

tos derivados dela. Em tôdas as

localidades examinadas (Santa

Isabel, Chique-Chique, Andaraí,

Lençóis e Palmeiras) a sua ocor-

rência acha-se intimamente liga-

da com a de uma grossa

camada

de conglomerado, que

se apresen-

ta perto

do meio da formação de

grés acima descrita. Êste con-

glomerado representa um depó-

sito de cascalho formado numa

época geológica

remota, pelo

mes-

mo modo por que

se formaram, e

ainda hoje se formam, os casca-

lhos (conglomerados incoerentes e

ainda não transformados em pe~

dra) em que

os mineiros procuram

os diamantes.

Em diversos pontos,

é evidente

que uma

parte do cascalho dos

mineiros é simplesmente o conglo-

merado decomposto in situ, sem

que os elementos tenham sofrido

o mínimo transporte ou rearran-

jo moderno. Assim se acha repe-

tido nesta região o mesmo fenô-

meno já

observado na região dia-

mantina de Minas Gerais, onde

existem diversas lavras importan-

tes em conglomerados decompos-

tos e onde, em Grão-Mongol, se

tem encontrado o diamante efeti-

vãmente encravado no conglome-

rado duro.

Os cascalhos modernos e não

consolidados conteem naturalmen-

te uma mistura de elementos deri-

vados de tôdas as rochas desinte-

gradas da vizinhança, mas, onde

são majs ricos, é evidente que

a

maior parte

dêstes elementos pro-

vém do conglomerado, ou pedra

cravada como os mineiros a de-

nominam, que

raras vezes deixa

de se apresentar em contacto ime-

O ENIGMA DO DIAMANTE 25

diato ou na vizinhança próxima

dos garimpos

mais produtivos.

Assim é evidente que

o grande,

senão o único» repositório dos dia-

mantes da região é esse conglo-

merado, ou cascalho» fossilizado,

intercalado no meio da grande

formarão de grés que

caracteriza

as serras das Lavras.

A camada maior do conglome-

rado apresenta-se com a espes-

sura média de 6 a 10 metros, ten-

do, porém,

em muitos pontos,

algumas intercalações delgadas de

grés fino. Como ficou dito, a sua

posição é

pròximamente no meio

da grande

formação de grés,

de

modo que, em têrmos

gerais, há

cerca de 250 metros abaixo dele

e outro tanto acima. No grés

su-

perior à

grande camada de con-

glomerado existem muitos seixos

espalhados, bem como intercala-

ções delgadas de verdadeiro con-

glomerado, dando a tôda forma-

ção, do meio

para cima, um ca-

ráter conglomeratício.

Assim, em quasi

tôda a fralda

oriental da serra, no trecho entre

Santa Isabel e Lençóis, na dis-

tância de mais de 60 km, o con-

glomerado se apresenta cobrindo

quasi tôda a encosta da serra,

como as telhas de um teto incli-

nado, para

mergulhar, com a in-

clinação de 20 a 30 graus para

ieste, no fundo dos vales dos rios

Piabas, Chique-Chique. Andaraí,

e S. José, que

fraldejam as serras

neste trecho, sendo o outro lado

dos seus vales formado principal-

mente pelas camadas de

grés su-

perior".

O eminente geólogo termina

dêste modo essa parte

de suas

conclusões, que

é justamente a

parte que nos interessa:

"Sendo

exato, como me pare-

ce fora de dúvida, que

a forma-

ção conglomeratícia, ou o casca-

lho antigo, é o grande

repositó-

rio dos diamantes e carbonados

da região das Lavras, segue-se

que o estoque desses minerais,

ainda em ser, deve ser enorme.

Os pontos

de mais fácil ataque

já lavrados são insignificantes,

em comparação com a massa do

material contendo as pedras pre-

ciosas, que

ainda se acha inta-

cta". (Lavras

Diamantinas, in

Revista do Instituto Geográfico

e Histórico da Baia, vol. XI,

n. 30, 1904).

Sôbre o mesmo assunto, numa

publicação posterior, O r v i 11 e

Derby cita a opinião de Helm-

reichen, segundo a qual

"a

for-

mação geológica

da parte

dia-

mantífera da serra do Assuruá

pertence ao itacolumito, e quasi

exclusivamente ao tipo tíiaciço do

mesmo; e o gorgulho

ou casca-

lho diamantífero parece

ser de-

positado principalmente nas fen-

das desta rocha".

Chegamos assim ao ponto

mais

interessante dêsses estudos.

Qual é a rocha matriz do dia-

mante no Brasil? Será mesmo o

itacolumito, como é kimberlite, na

Ãfrica do Sul?

A opinião de {ieluireichen é

de 1843. Mas, já

antes dêle, em

1833, Eschwege, no Pluto Brasi~

liensis, pensava

da mesma forma,

como acentua Roquette Pinto:

44

Segundo observações e estu-

dos de geólogos

notáveis (Es-

chwege), o itacolumito deve ser

considerado como a rocha matriz

26 CULTURA POLÍTICA

do nosso diamante. Engastada

nela, principalmente,

é que

a ge-

ma se encontra à maior parte

das vezes; e quando

o diamante

se acha nas correntes, foi ainda

assim arrancado do seu ninho de

itacolumito pela

ação das águas".

Estudando o trabalho geológico

feito pelas

correntes, John

Casper

Branner, em sua Geologia Ele-

mentar assinala que

êsse processo

bem ilustrado nas regiões dia-

mantíferas do Brasil, onde os

diamantes são encontrados nos

canais dos cursos de água atuais

ou antigos. Os diamantes deri-

vam-se originàriamente das ro-

chas duras da região na qual

se

encontram, porém,

devido ao des-

gastamento pelo tempo e

pela de-

composição destas rochas, fica-

ram livres e foram transportados

pelas águas, do mesmo modo

que

um seixo qualquer.

Devido à sua

maior dureza, os diamantes resis-

tiram ao desgastamento, enquanto

a maioria das outras pedras

foi

desgastada, sendo carregadas

pela água as

partículas finas

destruídas. Encontram-se usual-

mente com os diamantes peque-

nos seixos arredondados muito

duros e lisos, comumente conhe-

cidos entre os mineiros por

"for-

mação", feijão, favas, etc. Êstes

seixos ocorrem com os diamantes

porque são bastante duros

para

resistir ao desgastamento dos rá-

pidos cursos dos distritos dia-

mantinos".

Quanto à origem do diaman-

te, o ilustre geólogo

assim se ex-

terna:

"Diversas

teorias teem sido

emitidas para

explicar a origem

dos diamantes, e não é impossí-

vel ou mesmo inverosímil que

êles se tenham originado por

mais de uma maneira. No Bra~

sil, o fato de a grafite

ter sido

encontrada nas camadas do ita~

columito — a rocha da qual

a

maioria dos diamantes brasilei-

ros parece

ter sido derivada é

considerado como uma sugestão

que os diamantes podem

ter sido

formados por

uma maior altera-

ção e cristalização da grafite,

embora a prova

neste ponto

es-

teja longe de ser concludente.

Na África do Sul, os diamantes

se acham associados aos folhe-

lhos carbonáceos e rochas erup-

tivas, e supõe-se que

êste mate-

rial forneceu o carbono para

os

diamantes. Os diamantes e car-

bonados da Baía parecem

ser

formados nos quatzitos

de La-

vras côr de rosa, onde se acham

in situ. Perto de Diamantina, no

Estado de Minas Gerais, nas mi-

nas de Sopa, há diamantes em

conglomerados, e alguns geólo-

gos são da opinião

que os dia-

mantes dêste lugar são derivados

de outras rochas mais antigas".

A diversidade do material geo-

lógico onde se tem encontrado o

diamante nas minas brasileiras

torna ainda mais difícil a solução

do problema.

Comentando o fa-

to de se apresentarem também

diamantes nos depósitos de alu-

vião, diz Branner que

"nêste

ca-

so foram originalmente espalha-

dos em algumas rochas estratifi-

cadas da região diamantífera,

sendo desembaraçados pela

de-

composição da matriz encaixante

e acumulados nos leitos dos cur-

sos de água antigos ou recentes,

juntos com ouro e outros mine-

rais pesados".

O ENIGMA DO DIAMANTE 27

Finalmente, referindo-se à pre-

sença de diamantes num dos de-

pósitos de cinzas vulcânicas, em

Agua Suja, perto de Bagagem,

no Estado de Minas Gerais, as-

sinala o mesmo autor que êsse

depósito apresenta

"na

sua ida-

de geológica

e no caráter das

suas rochas muito maior analo-

gia com a afamada região dia-

mantífera da África Austral do

que com as da

parte dos listados

de Minas Gerais e Baía, no Bra-

sil".

Continua o enigma

Como temos visto até aqui, a

dúvida persiste, por mais

que

êsses pesquisadores eminentes se

tenham esforçado em busca de

um ponto

de apôio definitivo para

as suas conclusões. A confusão

dos primeiros

tempos está assim

bem longe de se dissipar, como

seria grandemente

desejável, pa-

ra uma orientação mais vanta-

josa dos trabalhos de mineração,

sob uma base sólida e de resulta-

dos prèviamente

estabelecidos.

Tratando dêsse emaranhado de

teorias insatisfatórias, o P. Ca-

milo Torrend S. J.. a

quem já

tive ocasião de referir-me antes,

formula certas considerações que,

pela sua engenhosidade nutrida

de seguros conhecimentos cien-

tíficos, não devem talvez ser des-

prezadas. Evidentemente não se

trata de alguma coisa decisiva,

mas nesse particular também ne-

nhum dos geólogos

citados antes

chegou a qualquer

resultado ab-

solutamente incontroverso e, co-

mo êle mesmo diz,

"nem

temos

nós a temeridade de querer

di-

rimir a questão,

faltando-nos para

isso o devido preparo. As nossas

opiniões são apenas hipóteses:

mas também as hipóteses podem

conter parcelas

de verdade, e no

campo cientifico não raras vezes

lhe preparam

o terreno, para que

apareça mais tarde com todo o

(ulgor. As principais perguntas

que se

podem fazer sôbre o nosso

assunto parece

dever resumir-

se nas 5 seguintes:

1) Estará definitivamente co-

nhecido o que

se pode

chamar a

rocha matriz do diamante, ou ao

invés conhecem-se apenas alu-

viões e desgastes de rochas pri-

mitivas, onde se encontram os

diamantes e os carbonados?

2) Esta rocha matriz, se exis-

te, é de natureza eruptiva, isto é,

produzida por ação vulcânica,

sendo por

exemplo injetada por

fendas na crosta debaixo para

ci-

ma, ou pelo

contrário é rocha se-

dimentar, formada por camadas

provenientes da desagregação das

rochas primitivas?

3) Em qualquer destes últimos

casos, como se originou o dia-

mante na sua rocha matriz? Pelo

resfriamento da mesma ou por

pressão?

4) Em que época se efetuou a

formação do diamante?

5) É de origem orgânica ou

inorgânica?"

Para o P. Torrend, a rocha

matriz do diamante é mesmo o

itacolumito, de origem sedimen-

tar, derivado da desagregação das

rochas primitivas,

"sedimentos

que se depositaram paulatinamen-

te em camadas paralelas no fun-

do de algum rio muito antigo0;

não sendo porém demasiado ad-

mitir que

essa rocha tivesse re-

cebido inclusões ígneas por fen-

das que se abriam na crosta. no

tf , ''4Ts

r v ¦» » . ,» .¦¦.<•«

. ,»i i| ipyi.y. ¦' y

28 CULTURA POLÍTICA

fundo do mar onde se deposita*-

vam ditos sedimentos» para

estar

de acôrdo com David Draper. que

assinalara, no Mining Magazine,

de Londres, voL IX, de 1913, a

presença de uma chaminé nas mi-

nas de Agua Suja, em Minas Ge-

rais, idêntica às da África do Sul,

e com opinião de Robert Walls

(Geological Magazine, volume

LVII, de 1920), que

chegara a

idêntica conclusão nos seus estu-

dos na serra da Espinhosa, perto

de Diamantina, ao ver que

certa

mina de diamantes tomava um

aspecto de fenda entre os quartzi-

tos, como se estivesse cozinhada

nalguma cratera (stewed izp).

Sobre a maneira pela qual

se

formou o diamante, cita o pare-

cer de Ch. Parsons: basta a pres-

são de 1.000 atmosferas, prolon-

gada, dentro do ferro aquecido a

600° em presença

do oxido de

carbono, do enxofre e do carbu-

randum, para produzir

a cristali-

zação do carbono.

"Julgamos

9ue

aqueles imensos materiais detríti-

cos e arenosos, provenientes

do

desgaste das serras mais antigas,

entraram em contacto com mate-

riais eruptivos de vulcões ou fen-

das submarinas muito ricos em

ferro, que

a massa total finalmen-

te se assentou em camadas regu-

lares, se resfriou lentamente des-

de 600° de calor até arrefecer

completamente, e que

as partes

inferiores, sob uma pressão

de

cerca de 1.000 a. de camadas so-

brepostas, se metamorfizaram

tornando-se assim compactas, ao

passo que o carburandum e o óxi-

do de carbono formavam diaman-

tes nas zonas da massa que

ti-

vessem a percentagem

de ferro

necessária e as condições de pres-

são exigidas para

essa cristaliza-

ção. Em circunstâncias um

pou-

co diferentes, que

a ciência ain-

da hoje não conhece perfeita-

mente, em vez de produzir

a cris-

talização perfeita

e a transfor-

mação dos gases

de carbono em

diamante facetado, formavam

apenas diamantes amorfos ou de

cristalização imperfeita, como o

bort da África do Sul, e o car-

bonado da Baía, ao passo que

noutras zonas do itacolumito de

pressão maior ou menor, ou de

percentagem de ferro insuficien-

te, não se formava nenhum dia-

mante nem carbonado. Esta ex-

plicação parece resolver

perfei-

tamente, não só a formação do

diamante e do carbonado na zo-

na diamantífera da Baía, como

também lança luz sôbre o fato de

enormes porções de itacolumito

serem estéreis, como por

exemplo

a serra do Tombador, e, confor-

me as nossas explicações, as que

correspondem às zonas mais su-

perficiais de menor

pressão, ou

mais profundas, porém

de menor

percentagem ferruginosa ou de

calor inicial inferior a 600°".

Quanto à época provável

das

formações diamantíferas no Bra-

sil, as formações chamadas, por

Derby, Lavras e Série do Para~

guassú, em Mucugê, são

provà-

velmente da idade carbonífera,

segundo Branner, ao passo que

o itacolumito ou quartzito

róseo

da serra do Tombador seria da

época anterior, a devoniana.

"Seja

como fôr, e tendo por

certo

que a Série de Lavras é do car-

bonífero, como provà

velmente os

Gerais, em que

está engastada»

e que

se estendem por

imensas

zonas do sertão da Baía, até se

O ENIGMA DO DIAMANTE 29

internarem em Goiaz, pode-se

perguntar donde vem a (alta de

elementos paleozóicos, motivo

pelo qual reina ainda uma certa

dúvida sôbre a época da forma-

ção daquelas serras. Para o caso

que nos ocupa, a causa desta apa-

rente falta de vida no devoniano

ou no carbonífero das Lavras

Diamantinas ou do* Tombador se-

ria devida, como vimos, ao calor

das águas alimentadas por fen-

das vulcânicas na crosta subja-

cente".

Abordando, finalmente, a quês-

tão da origem orgânica ou inor-

gânica do diamante, o P. Tor-

rend apresenta algumas conside-

rações que parecem dignas de

atenção, pelo que dizem respeito

também a outro grande proble-

ma do Brasil — o problema

do

petróleo Nesse ponto

mesmo,

suas palavras, velhas de mais de

três lustros, chegam a ter, algu-

mas vezes, um tom profético em

verdade impressionante:

"A

ausência de elementos pa-

leozóicos, nos sedimentos de ita-

columito e nos quartzitos

bran-

cos das serras de origem ante-

rior, parece

à primeira

vista fa-

zer prevalecer

a opinião de que

o carbono donde resultou a for-

mação do diamante brasileiro é

de origem inorgânica. Na verda-

de isso não resolve o problema,

e pelo que

nos toca confessamos

ainda a mais completa ignorân-

cia sôbre o assunto.

Com efeito, o fato de que

a

vida era impossível nos mares

quentes onde se formou o itaco-

lumito não impede que pudesse

haver vida nos continentes onde

se formavam os rios que

alimen-

tavam aquêles mares. Não, é,

pois, impossível

que o carbono

do diamante provenha dos detri-

tos vegetais ou animais que

êsses

rios arrastavam.

De mais a mais, o aparecimen-

to de fendas vulcânicas na cros-

ta submarina dos mares carboní-

feros onde se formou o diamante

e o carbonado não quer

dizer que

os mares precedentes,

os devo-

nianos ou cambrianos, estivessem

nas mesmas condições azóicas.

É, pois,

muito possível que

os se-

dimentos que deram origem ao

itacolumito e às gramas

nele in-

clusas assentassem algumas ve-

zes em terrenos anteriores, per-

feitamente paleozóicos, e recebes-

sem dêsses o carbono de que pre-

cisavam. Apresenta-se-nos porém

muito provável também a opinião,

segundo a qual

o carbono que

deu origem ao diamantes e car-

bonados brasileiros viesse direta-

mente do interior da crosta ter-

restre, juntamente com o ferro,

que entra em percentagem

tão

avultada na composição do ita-

columito.

Não queremos

terminar êste

estudo sem fazer notar a grande

importância que teem na

prática

estas questões

de aparência pu-

ramente especulativa.

Se por

exemplo as serras dos

Gerais, de quartzitos

brancos, tão

espalhados pelo interior da Baía,

de Minas e de Goiás, são da era

carbonífera e se a ausência de si-

nais de vida somente se deve a

circunstâncias locais e limitadas,

é bem possível que

se encontrem

importantes jazidas de hulha no

interior dos mesmos Estados, nos

lugares ocupados outrora pela

foz de algum grande

rio da mes-

ma época, onde os detritos de ve-

30 CULTURA POLÍTICA

getais do continente se deposita~

vara, depois de terem sido arras-

tadôs pelas

correntes caudalosas

daquelas eras, ao passo que

os

depósitos argilosos ou arenáceos

formavam os sedimentos dos

oceanos profundos,

os Gerais de

hoje.

Por outro lado, na mesma hi-

pótese, debaixo daquelas serras é

também possível que

se escon-

dam jazidas petrolíferas,

forma-

das à custa dos organismos que

povoavam os mares anteriores.

Conforme as teorias hoje admi-

tidas — cf. A. Martin, Le petrole.

Paris, 1922 —' sôbre a origem do

petróleo, todas as

jazidas expio-

radas hoje são de origem orgâ-

nica, sejam de base asfáltica ou

de parafina.

As primeiras

seriam

derivadas de detritos de peixes

ou de animais, e as segundas de

depósito de algas ou de vege-

tais.

Como prova

de que

estas consi-

derações não são meramente ima-

ginárias, devemos acrescentar que

nas nossas diferentes excursões

pelo sertão do Norte do Brasil

já tivemos ocasião de colher três

amostras de xistos betuminosos

da época devoniana e duas da

época terciária.

Os xistos petrolíferos

não teem

por agora muita importância,

por-

que o

petróleo que êles conteem

só por

distilação pode ser extraí-

do. Porém serão de muito valor

daqui a uns 20 ou 30 anos, quan-

do as minas de petróleo líquido

da América do Norte estiverem

exhaustas. Esperemos que pes-

quisas repetidas nas imensas zo-

nas desconhecidas do interior de

Goiaz e Mato Grosso develam

descobertas animadoras nêste

sentido e que

o Brasil se torne

uma das nações mais ricas de

combustíveis, como já

o é de mi-

nérios e minerais". (Pela

terra

diamantina, separata da revista

Brotéria, 1926) .

Algumas das considerações

precedentes foram em

grande par-

te confirmadas por

estudos pos-

teriores, principalmente

os leva-

dos a efeito na região das La-

vras Diamantinas pelo

engenhei-

ro Horácio E.

"Williams,

que

percorreu a zona,

"estudando

a

estratigrafia e a estrutura geoló-

gica, com o intuito de contribuir

com observações pessoais que

ser-

vissem para

esclarecer a questão

da origem do diamante e do car-

bonado".

Como diz êsse geólogo

44

é na-

tural que

as diferentes camadas

sedimentárias encontradas numa

região qualquer possam

variar,

conforme as condições físicas e

químicas especiais em

que foram

depositadas. A mesma camada

em continuidade pode

apresentar-

se ora como um conglomerado

grosso, ora um arenito, ou, em lu-

gar mais longe, como um folhe-

lho argiloso ou como um calcá-

reo. Estas observações sôbre as

variações na natureza dos depó-

sitos sedimentários são de impor-

tância, quando

se trata de estu-

dos geológicos

numa região como

a da Chapada Diamantina, onde

as camadas de conglomerados

parecem conter os diamantes e

carbonados".

De seus meticulosos estudos

de cámpo, Horácio Williams tirou

certas conclusões que

no seu con-

ceito são de muito interêsse cien-

tífico. Segundo essas conclusões,

O ENIGMA DO DIAMANTE31

"durante

uma parte

considerável

do terciário ou do pós-terciário,

quasi tôda esta

parte do conti-

nente estava encoberta pelos

ma-

res de então. Êste fato é prova-

do pelos

depósitos não consoli-

dados que

encontramos no pia-

nalto do Brejo de Canabrava —

Espera d'Anta. Semelhantes de-

pósitos encontram-se no alto da

serra, uns 04 km a noroeste de

Bela Vista, na cota de cêrca de

950 metros, e ainda pelos

situa-

dos ao norte da Chapada Velha,

alcançando mais ou menos a

mesma altura. Os depósitos ho-

rizontais, que

se encontram em

outeiros baixos de erosão na

grande planície calcárea ao nor-

te de Palmeiras, estão em discor-

dância com as camadas calcáreas

inferiores, que

são bastante do-

bradas. Nas encostas da serra, a

oeste e sudoeste de Morro do

Chapéu, encontramos uma vasta

extensão de praias

antigas de

mares de outrora registada nos

grandes depósitos de

pedras ro-

ladas, que

se estendem desde o

nível da planície

até a cota de

cêrca de 900 metros. Outra tes-

temunha que abunda em

quasi

tôda a região é o fato de que

a

água encontrada em poços

é fre-

qüentemente salgada, como acon-

tece às margens orientais do rio

Utinga.

Os seixos e inclusões nos fo-

lhelhos vermelhos indicam clara-

mente que

sua origem tem algu-

mas relação com os geleiros,

cujos detritos se acham tão farta-

mente distribuídos no sul do país,

em São Paulo, Paraná e dali para

o sul. Em outras ocasiões tinha-

mos reconhecido a natureza con-

glomeratícia dessas rochas, mas

sempre achámos dificuldade em

explicar essa ocorrência peculiar

dos seixos no meio da massa ar-

gilosa como esta. Nunca tinha-

mos tido ocasião de estudar os

tilitos do sul in situ, embora tivés-

semos visto amostras dêsse ma-

terial no museu do Serviço e es-

tivéssemos familiarizados com a

literatura dêste assunto. Mas, em

vista dos blocos de granito

no

meio dessa massa argilosa, como

existem nas pedreiras perto

de

Ponte Nova, não pode

haver mais

dúvida e não hesitamos em atri-

buir esta formação de folhelhos

vermelhos ou as inclusões nela

contidas à ação das geleiras,

sen-

do portanto

como drift glacial,

conclusão esta aliás à qual

tinha

chegado o nosso ilustrado dire-

tor, Eusébio de Oliveira, que

em

setembro de 1921 viu os aflora-

mentos destas rochas em Itaeté,

cêrca de 75 km ao sul de Ponte

Nova, concluindo pela

sua ori-

gem glacial. Assim êsses folhe-

lhos representam depósitos de

águas mansas e fundas — um

mar extenso —' no qual

vagavam

montanhas de gêlo (icebergs) que

traziam de alhures os blocos que,

à medida que

o gêlo

se derretia,

iam caindo e entérrando-se na

massa lodosa do fundo, tal como

está acontecendo hoje nos mares

antárticos; blocos de gêlo

êstes

destacados dos geleiros

situados

longe, a sueste ou um tanto ao

sul". (Estados geológicos na

Chapada Diamantina, Boletim

n. 44 do Serviço Geológico e Mi-

neralógico do Brasil, 1930).

32 CULTURA POLÍTICA

Conclusões finais

Tudo isso, como sc vê, não é

menos aleatório do que

as hipó-

teses formuladas modestamente

pelo P. Torrend. Teorias, tanta

vez brilhantemente formuladas, ao

sabor desta última, porém

o certo

é que

ao cabo de tantos estudos

ficamos ainda com as mesmas

perguntas sem resposta.

Num campo de observações pu-

ramente científica, como é êste

do conhecimento da geologia

e

mineralogia brasileira, ligado a

uma das indústrias mais impor-

tantes da hora atual, é de lamen-

tar que

ainda não se tenha che-

gado a um resultado definitivo,

capaz de esclarecer tôdas as dú-

vidas e aplainar tôdas as difi-

culdades inerentes à localização

do precioso

minério.

Assim sendo, não há como dei-

xar de repetir as palavras de

Pandiá Calógeras, ao encerrar

um dos capítulos de seu livro

memorável:

dificílimo redigir conclusões

sôbre medidas econômicas e téc-

nicas que podem

favorecer o de-

senvolvimento da indústria extra-

tiva do diamante.

Até agora o que

se tem lavra-

do no Brasil teem sido jazidas se-

cundárias, provenientes do enrl-

quecimento mecânico dos detritos

das rochas matrizes. Como tais,

lavradas as aluviões, desapare-

cem os depósitos produtores, e

nêste serviço andam empenhados

há quasi dois séculos milhares de

indivíduos. O que

hoje ainda

existe de cascalhos e areia ge-

mífera é o rebotalho das primi-

tivas jazidas,

ou as jazidas que,

por deficiência de capitais e de

meios técnicos, foram postas

de

lado pelos

antigos. O único ser-

viço de proveito

é pois

auxiliar a

formação de emprêsas poderosas,

capazes de vencerem os obstá-

culos opostos pela pobreza

do

material a tratar ou pelas

dificul-

dades locais, quer

financeiras,

quer geológicas. O

grande pro-

blema a solver no Brasil é co-

nhecer a origem desta pedra pre-

ciosa, afim de saber qual

o futu-

ro reservado à indústria de sua

extração; daí podem provir

indi-

cações decisivas quanto

ao papel

de nossa terra, como fonte pro-

dutora de diamantes".

Legislação social

A Revolução Francesa, a previdência

social e as constituições brasileiras

RUDOLF ALADAR MÉTALL

Ex-professor da Universidade Livre de Viena e secretário

geral adjunto da Conferência Internacional da Mutualidade

e de Seguro Social de Genebra

A

REVOLUÇÃO Francesa

libertou o homem e des-

pertou o cidadão.

Descendentes ingratos tenta-

ram, às vezes, embora sem gran-

de sucesso, apoucar a significa-

ção transcendental dêste evento,

igualado, nas suas repercussões

sociais, apenas pela

vitória do

cristianismo, pela

invasão dos

bárbaros na Europa medieval e

pela transformação da concepção

do mundo na época marcada pela

trindade da Renascença, da Re-

forma e da descoberta da Amé-

rica. Detratores mesquinhos

procuraram diminuir o valor

multissecular dum acontecimen-

to cuja importância, segundo

eles, ter-se-ia limitado a uma

mudança passageira

de formas

de govêrno

e à propagação

de

alguns princípios,

ligeiramente ri-

dículos e obsoletos, de conceitos

políticos. E os ideólogos impe-

nitentes do totalitarismo, quer

da seita romana, quer

da seita

moscovita, não hesitaram em,

desdenhosamente, sustentar que

aquela convulsão social da peque-

na burguesia seria sobrepujada,

na sua relevância, pelo

levanta-

mento das massas sob a égide do

fascismo ou do comunismo.

Esqueceram, porém, os críti-

cos precipitados que

as massas

proletárias devem a sua capaci-

dade política

àquela desprezada

classe de intelectuais burgueses

formados no ambiente cultural

dos ideais da Grande Revolução.

Olvidam também os censores in-

cautos que

os modernos regimes

populares fundam-se numa ar-

madura política

somente alcan-

çada pelo esmagamento do abso-

lutismo e a decomposição da oli-

garquia, representados, simbòli-

camente, na queda

da Bastilha.

E mal dissimulam os panegiris-

tas inoportunos da escravatura

espiritual em moldes novos que,

no fundo, a sua inquieta agita-

ção se dirige contra aquele der-

radeiro livramento do pensamen-

to humano dos grilhões

sempre

F. 3

D

31 CULTURA POLÍTICA

novamente forjados da opressão

política e do obscurantismo anti-

científico, que

se materializou na

Declaração dos Direitos do Ho-

mem e do Cidadão.

Críticas infundadas

Como feras disfarçadas em

peles de carneiro infiltraram-se

os sabotadores da tolerância,

inaugurada naquela hora decisi-

va pelo

destino humano, nas fi-

leiras dos que

lutavam em favor

do progresso

social, denegrindo

os méritos, suspeitando os moti-

vos, desacreditando as realiza-

ções da Revolução que, para

sem-

pre e com exclusividade, será

chamada a Grande, por

ter al-

cançado não apenas um país,

mas sim todos os povos.

Não

podendo negar

que ela libertou

o homem dos vínculos da servi-

dão, espiritual e material, dos

senhoraços, eclesiásticos e se-

culares, pretenderam êles

que, li-

bertando-o, a Revolução deixou

o indivíduo desamparado, isola-

do, desprotegido. Daí êles en-

toarem os elogios e encômios às

maravilhas da organização so-

ciai do medievo, segundo êles

injustamente desfigurado como

reacionário e retrógado, quando

todos se enqudraram, disciplina-

dos e obedientes, nas corpora-

ções que lhes

proporcionaram con-

fôrto, assistência e solidariedade

contra as vicissitudes da vida.

O intuito é transparente: sen-

do hoje em dia, e graças

à demo-

cratização iniciada pela

Revolu-

ção Francesa, avaliado o

padrão

cultural de um país

não sòmente

pelas obras artísticas e científi-

cas e pelos

legados de um pas~

sado heróico e sangrento, mas

sim, e antes de mais nada, pelo

nível social do povo, poder-se-ia,

por trincafio, depreciar a orga-

nização social da Grande Revo-

lução, que

teria, pretensamente,

descuidado o indispensável am-

paro aos fracos, sacrificando-os

à exploração implacável do capi-

talismo. Pelo mesmo processo

poder-se-ia também contraban-

dear, em uma sociedade descui-

dada e confiante nas conquistas

dos tempos modernos, as con-

cepções patriarcais

e, com elas, li-

geiramente refrescadas, as ideo-

logias políticas

da antiga escra-

vidão, intelectual e física.

O 750.° aniversário da

Declaração dos

Direitos

Todavia, o interêsse pelo

de-

senvolvimento racional e tran-

qüilo da humanidade, e

pela so-

lução razoável e pacífica

dos pro-

blemas sociais, e mais ainda o

respeito para

com a verdade his-

tórica não podem

admitir tão

grosseira alteração do alcance da

Revolução do domínio social. A

ocasião parece

ser oportuna para

proceder a uma verificação, des-

prevenida, daquelas asserções

partidárias, visivelmente inspira-

das no desejo de minorar a obra

gigantesca e universal da Gran-

de Revolução. Com efeito, co-

memora-se neste ano, ensan-

güentado pela luta contra fôrças

que se

podia esperar aniquiladas

desde trinta lustros, o 150.° ani-

versário da Declaração dos Di-

reitos do Homem na primeira

Constituição Republicana com a

qual a França assumiu, no domí-

A REVOLUÇÃO FRANCESA«

35

nio político,

o papel

da terra da

promissão, como o é a Palestina,

no domínio religioso do ociden-

te, embora esta e aquela estejam,

temporàriamente, avassaladas pe-

los infiéis.

A afirmação de ter a Revolu-

ção desmoronado a organização

social do feudalismo decadente,

e, com êle, as associações pro-

fissionais, redutos do conservan-

tivismo político,

não pode

ser

contestada. Mas a

"tabula

rasa"

que ela fez com a estrutura so-

ciai do passado

de maneira ne~

nhuma implicou um desinterêsse

para com a situação social no

presente e no futuro. Teria sido,

aliás, pelo menos surpreendente

que os

que combateram sob o le-

na

"Liberdade,

Igüaldade, Fra-

ternidade" tivessem negligencia-

do o mandamento de fraternida-

de na orientação que êles

propu-

seram dar ao mundo reformado

e melhorado. Teria sido ainda

mais estranho tal atitude, que

in-

consideradamente lhes é atribuí-

da pelos

seus difamadores pós-

turnos, em farda nazista ou boi-

chevista, se nos lembrarmos do

fato de ter coincidido a época da

Grande Revolução com a inci-

piente transformação da antiga

produção de artífices em uma

moderna produção industrial, cujo

aparelhamento mecânico crescente

ia de par com a formação de um

proletariado miserável, faminto e

desprotegido.

O programa

social da

Revolução Francesa

Não, os artífices da Revolu-

ção não eram tão ingênuos

que

não percebessem

o que

hoje em

dia se costuma chamar a questão

social, nem a tal ponto

levianos

que a tivessem escamoteado das

suas preocupações.

Êles bem a

entrevistaram, e indicaram tam-

bém o rumo para

a solução. Que

não conseguiram resolvê-la de

fato -— e quem pode,

hones-

tamente, vangloriar-se de ter-lhe

dado a solução definitiva?! — não

pode ser-lhes imputado como de-

ficiência, visto o pouco

tempo

que lhes sobrava antes da des-

truíção do jovem

e ainda fraco

regime republicano pela dissolu-

ção partidária e

pela subsequen-

te brutalidade da ditadura napo-

leônica. In magnis voluisse sat

est. Sob êste aspecto, a Revo-

lução conquistou, também nêste

domínio, glória imortal,

que a

tantos outros títulos de perene

admiração dignamente se junta,

a glória

de ter, pela primeira

vez

na história, ciente e claramente,

apontado o caminho que condu-

ziria ao amparo eficiente dos fra-

cos e humildes.

Pela primeira vez os

poderes

públicos tomaram oficialmente

conhecimento da existência da

pobreza e da miséria, sem con-

siderá-las criminosas, mas sim

dignas de auxílio. Pela primeira

vez êles não fingiram uma in-

competência funcional que

ante-

riormente tinha permitido

aos

particulares filantropos, às as$o~

ciações pias

e às sociedades be~

neficentes se suplantarem ao vá-

cuo que

o desinterêsse público

deixou. Pela primeira

vez êles

reconheceram não apenas uma

obrigação moral de assistência

mútua que,

embora já preexis-

tente, até certo ponto,

na anti-

guidade grega e romana, tinha

56 CULTURA POLÍTICA

encontrado, 18 séculos antes, a

sua expresssão definitiva e con-

sagração máxima nos preceitos

do cristianismo e nos mandamen-

tos dos apóstolos, mas também

uma obrigação legal que

incum-

bia a sociedade, juridicamente

or-

ganizada no Estado, da realiza-

ção e concretização dos postula-

dos até então estribados somente

nas convicções éticas, desprovi-

das de sanção efetiva.

Transformação de pre~

ceitos morais em

normas jurídicas

A transformação, empreendida

pela Revolução Francesa, das

normas morais, de precária

efi-

ciência, sôbre o auxílio de ca-

ridade devido ao próximo

infe-

liz, em normas jurídicas,

revesti-

das da garantia

de compulsorie-

dade, sôbre a previdência

social,

— esta transfiguração radical

dos conceitos — operou-se através

da etapa intermediária do

"

di-

reito natural". A obrigação do

Estado de socorrér os necessita-

dos e o correspondente direito

dos fracos ao amparo do Estado

foram considerados como ineren-

tes à verdadeira e bem compreen-

dida natureza das coisas, como

função integrante do Estado e

direito inato, natural do cidadão.

O abismo entre moral e direi-

to natural foi assim superado,

dando-se o passo

decisivo pela

incorporação, no domínio norma-

tivo, de matéria ate aí reservada

ao domínio puramente

moral. Fi-

cou apenas aberto o hiato entre

o direito natural e o direito po-

sitivo, faltando ainda a metamor-

fose do programa

legislativo, pro-

pugnado sob a forma de normas

orientadoras do direito natural,

em normas coercitivas do direito

em vigor.

Explica isto em parte

a falta

de nitidez nas diretrizes que

a

Revolução Francesa elaborou sô-

bre a proteção

social. Eram,

sem dúvida, indicações ainda va-

gas, e não correspondiam aos

conhecimentos hodiernos da téc-

nica social que

dispõe dos recur-

sos aprimorados da organização

administrativa aperfeiçoada, da

ciência atuarial evoluída e da

observação psicológica

aprofun-

dada. Nada, porém,

autoriza a

atitude altiva e desdenhosa dos

sociólogos contemporâneos para

com a insuficiência dos meios e

métodos recomendados há 150

anos; tal desprezo não é menos

absurdo nem menos anti-históri-

co que

a pretensão

de um crítico

musical que

ousasse censurar

Mozart por

não ter conhecido a

rica orquestração polifônica

de

um Wagner.

À Grande Revolução cabe,

sem que

a incerteza dos proces-

sos encarados possa

diminuí-lo,

o mérito de ter reconhecido a

obrigação da comunidade nacio-

nal, consubstanciada no Estado,

de amparar os que

de amparo

precisam, o mérito de, tornando-

a obrigação pública,

ter separado

a proteção

social da amiúde hi-

pócrita esfera de comiseração

particular, o mérito enfim de ter

"socializado"

a previdência,

su-

bstituindo-a à beneficência indi-

vidual.

Precursores da previ-

dência moderna

Os pais

intelectuais da Revo-

lução Francesa tornaram-se des-

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A REVOLUÇÃO

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FRANCESA » 37

tarte verdadeiros e legítimos pre-

cursores da previdência

social.

Não a instalaram ainda, mas

compreenderam já a imperiosa

necessidade de proteger

os que

não podem ganhar, pelo próprio

esforço, os meios de subsistên-

cia, e de confiar esta tarefa ao

Estado. O indivíduo, libertado

dos apertos das velhas corpora-

ções e da tutela sufocante das

guildas, encontrar-se-ia em caso

de necessidade diretamente sob

a proteção

do Estado. Aboliu-

-se o intermediário netre o Ho-

mem e a Nação, mas nem por

isso se cogitou de deixá-lo de-

samparado.

Ào contrário, a Nação assu-

miu, em declarações expressas e

diplomas legais solenes, o papel

de proteger

os seus membros

contra a opressão dos tiranos,

como se dizia naquele tempo, e

contra as vicissitudes da vida,

como se diz hoje, e que ameaçam

igualmente a existência do ho-

mem. Prometendo a todos os ei-

dadãos os socorros dos quais

ne-

cessitam, conforme as suas con-

dições, a Revolução não os re-

jeitou em uma classe inferior.

Não desherdou dos seus direitos

civis os que pela

sua fraqueza já

são desherdados, não os degra-

dou por

uma capitis diminutio

da sua capacidade política, como

o fizeram as poor

laws que

os

privaram da elementar dignidade

humana. A concepção moderna

do direito formal à proteção que

compete a todos os membros da

comunidade nacional, sem que

disto se possam

deduzir reper-

cussões sôbre a sua situação cí-

vica, esta concepção inspirou já

as proclamações públicas pelas

i

quais a Grande Revolução inau-

gurou, com a época moderna do

direito público,

a nova era das

relações mútuas entre o Estado c

o Cidadão.

Evidentemente, ninguém asse-

verará que

a Revolução Fran-

cesa tencionassé introduzir a

previdência social na acepção

atual do têrmo, quando nem

as pressuposições

organizacio-

nais nem a evolução econômica

ainda permitiram

entrever a

criação dêste complicado meca-

nismo de amparo coletivo. -

Os

realizadores da Grande Revolu-

ção eram idealistas, mas não vi-

sionários. Limitaram-se, pois, a

afirmar a auto-obrigação do Es-

tado de implantar um sistema de

proteção social cujas modalida-

des, ainda não fixadas, pudes-

sem acomodar-se às contingên-

cias do momento./

As Constituições da Revo-

lução Francesa e o

amparo social

Assim é que

as Disposições

fundamentais garantidas pela

Constituição. isto é, o programa

político-legislativo da Magna

Carta monárquica de 3-14 de se-

tembro de 1791, proclamaram:

"Será

criado e organizado um

estabelecimento geral de socorros

públicos, para educar as crian-

ças abandonadas, aliviar os

po-

bres enfermos, e fornecer traba-

lho aos pobres

válidos que

não

conseguiram arranjá-lo".

Mais explícita e realística foi,

dois anos mais tarde, a primeira

Constituição Republicana, de 24

de junho

de 1793. Em estilo so-

Iene e enfático como convinha a

um documento que, de direito.

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38 CULTURA POLÍTICA

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aspirava à imortalidade» ela in-

cluiu no seu contexto êste monu-

mento realmente perene

das li-

herdades individuais que

é a De-

claração dos Direitos do Homem

e do Cidadão. No artigo 21 ela

sintetizou o seu programa

de pro-

teção social nas seguintes pala-

vras:

44

Os socorros públicos

são

uma dívida sagrada. A socieda-

de deve a subsistência aos cida-

dãos infelizes, quer procurando-

"lhes trabalho, quer

assegurando

os meios de existência àqueles

que são incapazes

para o traba-

lho".

Aqui estão, pois,

resumidas de

forma lapidar, nas supremas ma-

nifestações das suas Constitui-

ções, as idéias mestras da Re-

volução sôbre o amparo que

a

sociedade deve aos seus mem-

bros que ganham

a vida pelo

trabalho.

A realização do pro-

grama legislativo

f

A realização da promessa

mag-

nânima da Revolução Francesa

tardou muito. Com efeito, ape-

sar de terem tido as suas dire-

trizes e idéias profunda

influência

nas concepções políticas

e nas

constituições posteriores, faltou-

-lhes durante longas décadas êxi-

to reaL* Ainda não tinha amadu-

recido a época da política

social,

que se chocou, com violência,

contra a oposição do ilimitado li-

beralismo econômico e que,

tal-

vez mais ainda, careceu da pre-

paração psicológica e dos funda-

mentos científicos e organizado-

nais. É um êrro primitivo

impu-

tar êste atraso à Revolução

Francesa. Não foram as suas

idéias que

impossibilitaram ou

retardaram o advento da política

social. Ao contrário, como ne-

nbum documento constitucional

anterior tinha falado dela, as-

sim, durante mais de um século,

nenhuma constituição posterior

tem superado, a êste respeito, a

sua concisão e o elevado espírito

humanitário que

soube conciliar

a liberdade igualitária com a fra-

ternidade igualitária. A própria

França só meio século mais tar-

de, na Constituição de 4 de no-

vembro de 1848, retornou à glo-

riosa tradição dos seus antepas-

sados, e na era atual coube à

Constituição Mexicana, de 31 de

janeiro de 1917, a

primazia de

ter proclamado

um vasto e por-

menorizado programa político-

-social.

Influência da Revolução

sôbre a Constituição

r do Brasil (1824)

Todavia, enquanto, apesar da

estratificação mundial do sôpro

despertador e renovador da Re-

volução Francesa, os demais po-

vos hesitaram em inscrever, à ma-

neira da Magna Carta de 1793,

um programa

social nas suas

constituições, as palavras

sôbre

a

44dívida

sagrada dos socorros

públicos" ressoaram cedo do con-

tinente colombiano, onde, nas

remotas terras tropicais, o fi-

lho de um príncipe

europeu exi-

lado conquistou para

a sua nova

pátria a independência e

para o

seu povo

a maioridade política.

Neste povo

vibraram não só os

nobres ideais de liberdade, mas

também os generosos

de frater-

nidade, proclamada

com tanta

eloqüência pela

Revolução Fran-

A REVOLUÇÃO FRANCESA39

cesa. Ratificando êstcs sentimen-

tos, o primeiro

monarca de um

pais livre da América incluiu,

motu próprio,

na Constituição

que êle outorgou, as

palavras que

anteriormente se encontraram nu-

ma constituição de republicanos

regicidas.

Com efeito, vinte anos apenas

depois de ter declarado a cons-

tituinte republicana francesa de

1793 os socorros públicos dívida

sagrada da sociedade, responsa-

bilizando-a pela subsistência dos

trabalhadores, a Constituição do

Império do Brasil» concedida por

D, Pedro I em 25 de março de

1824, e que

no artigo 179 se com-

prometeu a

garantir

"a

inviola-

bilidade dos direitos civis e poli-

ticos dos cidadãos brasileiros que

teem por base a liberdade, a se-

gurança individual e a

proprie-

dade", previu na alínea 31 da-

quele mesmo artigo:

"A

Consti-

tuição também garante os socor-

ros públicos".

A Constituição Imperial de

1824 não encontrou, no que

se

refere ao amparo social, imitado-

res na Constituição Republicana.

A Magna Carta de 24 de feve-

reiro de 1891 não aludiu na sua

Declaração de Direitos à prote-

ção social. Sem embargo, a tra-

dição que liga de maneira tão

evidente o direito público brasi-

leiro à fonte comum do direito

constitucional moderno, isto é, à

Grande Revolução Francesa, foi

retomada, depois da Revolução

Nacional Brasileira de 1930, na

êfemera Constituição dc 1934.

e. depois da proclamação

do Es-

tado Nacional pelo Presidente

Getúlio Vargas em 1937, na

Constituição de 10 de novem-

bro.

A ideologia da Revolução e

as Constituições brasilei~

ras posteriores

a 1930

Estas constituições emanaram

de um ambiente cuja atitude para

com a política

social em geral

e

a previdêQcia

em particular

era

de todo em todo diferente das

concepções de 1891. Ainda antes

da constitucionalização do país,

imediatamente após a vitória da

Revolução de 1930, a previdência

social foi, em etapas rápidas e

sucessivas, tornada não um sim-

pies programa de

grandiloqüên-

cia constitucional, mas sim uma

realidade viva na contextura da

nação. A êste respeito as Cons-

tituições de 1934 e de 1937 não

apontaram para um futuro dis-

tante, mas codificaram um estado

de coisas já existentes.

Fazendo-o,

elas renunciaram, sem dúvida, a

muitos conceitos da Revolução

Francesa, que a experiência

ou a

diferença do clima ideológico

aconselharam sacrificar,

e trans-

formaram de certo muitos outros

afim de melhor adaptá-los ao

atual ambiente brasileiro de uma

civilização em plena

formação in-

dustrial.

Não é, porém,

duvidosa a pa-

ternidade intelectual, pouco im-

porta se direta ou imediata, con-

ciente ou inconciente, do artigo

21 da Declaração dos Direitos do

Homem de 1793 em relação ao

artigo 137 da Carta Magna fira-

sileira de 10 de novembro de

1937. Evidentemente, êste não

se cinge mais, como aquele, a um

solene mas vago programa de

"socorros

públicos ; indica an-

40 CULTURA POLÍTICA

tes, conforme as exigências da

técnica legislativa moderna e de

acordo com o padrão

de proteção

trabalhista atual, como deverão

ser proporcionados

os prometidos

44meios

de existência àqueles que

são incapazes para

o trabalho",

comprometendo-se a fazer obser-

var pela

legislação do trabalho

"os

seguintes preceitos:

. .. as-

sistência médica e higiênica ao

trabalhador e à gestante,

asse-

gurado a esta, sem

prejuízo do

salário, um período

de repouso

antes e depois do parto;

a insti-

tuição de seguros de velhice, de

invalidez, de vida e para

casos de

acidentes do trabalho..

Êstes preceitos

constitucionais

do Estado Nacional sôbre previ-

dência social, bem que

completa-

dos, amoldados e melhorados,

não podem

renegar a descendên-

cia da célebre Declaração de

1793. Não atinge o valor desta

que, com o correr do tempo, ela

pôde sofrer aperfeiçoamentos e

desabrochar em flores inespera-

das. Do mesmo modo, em nada

diminue a originalidade da Mag-

na Carta de 10 de novembro o

parentesco espiritual com a Re-

volução Francesa. Os autores

do atual Estatuto Brasileiro po-

dem, antes, ufanar-se desta as-

cendência que

iluminou o Mun-

do e que,

expulsa da Europa, es-

cravizada pela

ditadura militar, e

refugiada na América livre, res-

plandeceu vitoriosamente na Car-

ta Magna do Brasil Imperial.

i

/

Educação

1

O conceito de unidade didática e o

ensino das Línguas

Contribuição para

o estudo da reforma Capanema

VIRGÍNIA CôRTES DE LACERDA

Técnica de educação

O programa

como inte~

ração da matéria

e do método

Na organização de planos

de

curso, os programas

aparecem

como relações entre a matéria de

ensino e o método.

A matéria de ensino representa

um acervo de experiência acumu-

lada, trabalhado pela

inteligên-

cia adulta, sistematizado -— anali-

sado e sintetizado* É, portanto,

um resultado, uma solução que

o

espírito humano alcançou, em seu

esforço milenar, percorrendo

de-

terminado caminho, um método

próprio.

Do ponto

de vista do adulto —

no caso, o professor

' o

progra-

ma poderia

ser traçado levando

em conta somente a experiência

acumulada. O método a adotar se-

ria, então, o próprio

método da

matéria a tratar, o método pelo

qual foi elaborada, classificada,

sistematizada.

Mas isto seria encarar unila~

teralmente o problema:

atender ao

ponto de vista do ensino, desaten-

dendo ao da aprendizagem,

quando sabemos

que ensino e

aprendizagem são fases insepará-

veis de um mesmo processo.

Seria

impor um ensino em normas fi-

xas, transmitindo conhecimentos

já elaborados,

procurando gravá-

los passivamente.

Seria ignorar o

educando, desrespeitar o seu psi-

quismo próprio, o seu nível de

aquisição, a experiência atual de

que dispõe, a direção real do seu

interêsse. Seria, em última pala-

vra, querer

o impossível: integrar

num campo limitado, qual

o da ex~

periência do educando, um outro

campo, muito mais vasto, o da ex~

periência do educador.

Daí decorre a certeza de que

o método de ensino não pode

levar

em conta apenas a matéria do en~

sino, mas também a capacidade

42CULTURA POLÍTICA

do educando, o seu grau

de ama-

durecimento, o estado presente

de sua experiência.

Como relação que é entre a

matéria e o método, o programa

tem que

ser usado como ponto

de

referência, não só do ensino, mas

também da aprendizagem.

Determinados os objetivos a al-

cançar, os programas

expressa-

rão a matéria a ser ensinada, em

função dos educandos a que

se

destina, isto é, a matéria e o mé-

todo pelo qual

deverá ser trans-

mitida, para

ser aprendida.

Na organização dos progra-

mas, predominou,

até bem pouco

tempo, a apresentação em tópicos,

lògicamente relacionados, segun-

do o conceito que da matéria tinha

o organibzador, atendendo unila-

teralmente ao problema.

Conside-

rava-se o ponto

de vista do en-

sino, do professor.

Desatendia-

se ao ponto

vista da aprendizagem,

do aluno.

O programa

não realizava, se-

não parcialmente,

o seu fim: não

era interação da matéria e do mé-

todo.

Com o grande

desenvolvimento

da psicologia,

e sobretudo da psi-

cologia pedagógica, a didática

veio a preocupar-se

com o progra-

ma do ponto

de vista do aluno.

Surgiram planos de curso de ca-

rátef sistemático e assistemático,

mas todos visando à organização

estrutural do programa

em uni-

dades — partes

integrantes de um

todo que

se torna, assim,

"compre-

ensivo",

"significativo", em rela-

ção aos interêses e

possibilidades

do aluno.

Coube ao educador americano

Wynne realizar a seleção e a

comparação dos principais

fatores

que agem nas diversas situações

do ensino (em todos os

graus) .

Em seu General Method: foan-

dation and application (1) estabe-

leceu cinco itens em que preten-

deu ter resumido todas as ativida-

des relativas ao método geral do

ensino.

Dêsses itens (2), os

quatro pri-

meiros dizem respeito ao progra-

ma como interação da matéria e

do método. Mas enquanto o pri-

meiro — escolha da unidade de

trabalho determina a própria

estrutura do programa,

os três

seguintes aparecem sobretudo co-

mo indicações de orientação me-

todológica dêsse programa.

Unidade didática <—

Seu conceito

Entre os planos

de curso de ca-

ráter sistemático, marcou época

nos Estados Unidos, quanto ao

ensino secundário, o organizado

por Morrison,

professor de educa-

ção e superintendente do Labora-

tory SchooVs na Universidade de

Chicago.

Em seu livro The Practice of

teaching in the secondary schoòl

(3), assinala

que o

produto da

aprendizagem é sempre íntimo e

subjetivo, mas, como o educando

(1) The Century Company, Nova York, 1929.

(2) a) escolha da unidade de trabalho; b) trabalho livre; c) trabalho em

classe; d) organização do material de ensino; e) avaliação da aprendizagem e

da eficiência do método. .

(3) The University of Chicago Press-Revised edition, 1932. (Al.

edição é de

1926), págs. 24-25.

O CONCEITO DE UNIDADE DIDATICA 43

vive cm determinado ambiente,

esse produto

tem expressão obje-

tiva em correlação com o meio ex-

terior.

Estabeleceu, assim, a relação

entre o leavning product,

sem--

pre subjetivo e interno, e o the~

thing~to~be~learned, seu correia-

tivo objetivo externo, que pode

ser um aspecto do meio, de uma

ciência organizada, de uma arte,

da própria

conduta — traduzindo-

se, afinal, em adaptação da per-

sonalidade.

Propõe, então, a organização do

curso em learning units, conside-

rando unit a comprehensive and

significant aspect of the environ~

ment, of an organized science,

of an art, or of conduct, which

being learned results in an adap~

tation in personality?

O termo comprehensive, refe-

re-se à quantidade

de matéria,

à sua maior profundidade

ou am-

plitude, e visa a

prevenir o orga-

nizador do curso quanto à rela-

ção que o assunto do

programa

deve manter com o nível de ma-

turação do aluno ou da classe a

que se destina.

O termo significant diz res-

peito à

qualidade da matéria e à

sua importância no campo gera!

da educação, aos ajustamentos

fundamentais que levam à finali-

dade última — a formação da

personalidade.

Na prática, para

aprender, para

realizar o que Morrison chama

the mastery of the unit, o aluno

terá que

vencer os cinco passos

UTÕp. cit. Caps. XIV. XV. X^

aplicáveis ao tipo do ensino científico

morrisoniamos: sondagem, apee-

sentação, assimilação, organiza-

ção, expressão

(4) .

Na sondagem, o professor, por

processos orais ou escritos, invés-

tiga o back~ground do aluno, o

nível do seu desenvolvimento. Na

apresentação, oferece à classe o

conteúdo essencial da unidade,

verificando, após, por

um rápido

teste, se a sondagem foi apro-

priada. Em caso afirmativo, pas-

sará à assimilação, em que

se

combina o trabalho do professor,

pelo estudo dirigido, e o trabalho

pessoal do aluno,

pelo processo de

laboratório. Neste passo

é que

são

compensadas as diferenças indivi-

duais, não só por

uma assistência

mais assídua aos menos dotados,

como pelo progresso

das a ti vida-

des dos bem dotados, que passam

a outros trabalhos, uma vez ven-

cidos os primeiros.

Na organiza-

ção, cada aluno contribue com a

sua parte para

a reconstrução do

todo, para

a síntese dos trabalhos

e solução dos problemas propos-

tos. Na expressão recitation, ca-

da qual

expõe à classe a maté-

ria da unidade ou redige traba~

lhos a respeito.

A distribuição do tempo por

esses diferentes passos depende do

progresso dos alunos, mas a fase

de assimilação é geralmente

a mais

longa.

A posse

da unidade só se dá

quando o aluno venceu todos os

passos e adquiriu conhecimen-

tos ou experiências realmente com--

preensivas e significativas da ma-

téria.

I, frisando Morrison que tais passos

são

e, com modificações, aos demais tipos.

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Wl

44 CULTURA POLÍTICA

O plano

Morrison teve grande

repercussão nos Estados Unidos e

tem sido muito comentado.

Nelson L. Bossing, professor

de educação e diretor da High

School da Universidade de Ore-

gon, em seu livro Progressive me-

thods of teaching in secondary

schools (5) julga ponto

de vista

pacifico entre os educadores de

hoje o da organização do curso em

tôrno de alguns

"pontos

centrais

significativos". E enumera como

planos de organização

que obede-

cem a êsse critério: the project,

the contract, the long unit, the

morrisonian unit. Considera como

qualidades principais da orga-

nização em unidades : a) defi-

nição clara dos objetivos; b) tra-

tamento uno dos problemas,

evi-

tando a fragmentação do assunto;

c) vitalização do estudo, pela

di-

reção nítida da aprendizagem e

pela seqüência das fases

que le-

vam à finalidade prevista.

Mas crítica: a) a

"extrema-di-

reita" — a dos educadores que

in-

sistem na forma lógica da organi-

zação, defendendo o fetiche

do

simples ao complexo, inconcientes

da inexistência dêsse

"simples"

na

experiência do aluno; b) a

"extre-

ma-esquerda" — que

defende a

doutrina do interesse e o mé-

todo psicológico.

Há necessidade <—¦ conclue —

de um ponto

de vista eclético

que integre os métodos lógico e

psicológico.

Bining, A. C. e Bining D. H.

na obra Teaching the social

studies in secondary schools (6)

^—frisam o grande

interêsse dis-

pensado atualmente,

por influên-

cia do plano

Morrison, à organi-

ção dos cursos em unidades em

vez de tópicos. E, para

distingüir

a antiga e a nova organização,

esclarecem:

"unit

emphasizes lhe

organization of material in related

groups, each large enough to be

significant, but small enough to

be seen as a whole by the pupiV

(7); "topic is a mere division of

subject matter which cannot be

understood except in its relation of

other topics or other chapters"

(8).

Enquanto a unidade é indepen-

dente, embora relacionada lógica

e psicologicamente

às demais uni-

•dades do

programa, o tópico é

apenas um aspecto associativo da

matéria.

Na organização do programa,

depois de escolhidas as unidades,

é preciso

determinar o seu con-

teúdo e a matéria necessária à sua

perfeita compreensão. Para isso,

pode-se enunciar, dentro da uni-

dade, os diversos aspectos a tra-

tar, a sua sucessão lógica ou

psicológica.

Deve-se asinalar também a di-

ficuldade que

apresentam as maté-

rias que

envolvem julgamento

de

valor (filosofia.

. . história... li-

teratura. . .), visto que

a escolha

das unidades depende do julga-

mento pessoal

do organizador do

programa.

Aliás, os Bining pensam que

um professor

de qualidades

didáti-

(5) Houghton Mifflin Company, 1935.

(6) Mac Graw — Hill Book Company, Inc.

(7) Ibidem, pág. 185.

(8) Ibidem, págs. 185-1*86.

Nova York, 1935, First ed.

O CONCEITO DE UNIDADE DIDÁTICA 45

cas superiores poderá

organizai

eficientemente um programa

em

unidades: determinar qual

a ma-

téria verdadeira e necessàriamen-

te assimilável, seu real funda-

mento, como deve ser apresentada,

para obter o melhor resultado no

menor tempo.

Daí as críticas que um deter-

minado grupo

de educadores (Jo-

nes, A. J.;

Grinstead, W. J.)

veem opondo a tal organização,

que só

pode ser feita

pensam

à base da experiência do aluno,

organizando-se as unidades em

função da aprendizagem, o que

não comporta a pré-organização

de um programa

rígido.

Aubrey A. Douglass (9) assi-

nala o grande

número de defini-

ções da

palavra unit, donde a ex-

trema confusão que

se vem estabe-

lecendo em tôrno do verdadeiro

sentido do têrmo na pedagogia.

Billet, R. O., distingue a uni-

dade de tarefa unit —- those

activities and experiences planned

by the teacher to enable the pupil

to master the unit -— e a unida-

dc de aprendizagem — a con-

cept, attitude, appreciation, know-

ledge or skill which, if acquired by

the pupil,

will produce

a desirable

modification of his thinking or of

other forms

of his behavior"

(10).

Distintas no indivíduo que

ensi-

na e no que

aprende, essas unida-

des são inseparáveis na realidade

dos programas, pois que

não há

ensino sem a correspondente

aprendizagem.

Jones, Grizzell e Grinstead de-

dicam a obra Principies of unit

construction (11) à análise da or-

ganização dos cursos em unida-

des.

Consideram que,

muito embora

vários tipos de unidades recente-

mente desenvolvidas sejam dife-

rentes das assinaladas por

Morri-

son, foi a sua discussão sôbre a

mastery technique que

estimu-

lou os educadores americanos a

examinar o assunto.

Foi da própria

definição morri-

soniana de unidade que

resulta-

ram as espécies de unidades co-

nhecidas como subject~mater~unit

(unidade de matéria) center of

interest (centro de interêsse) e

unit of adaptation (unidade de

adaptação) .

A unidade de matéria fornece a

base para

a organização dos pro-

gramas, porque é fundamentada

no objeto a ser aprendido (as-

pecto de uma ciência organiza-

da, de uma arte... etc.) e na or-

ganização lógica do conhecimen-

to.

O centro de interêsse diz res-

peito a um aspecto do ambiente

vital como objeto de aprendiza-

gem e é constituído

por uma sé-

rie de experiências que se dis-

põem em tôrno de um tema cen-

trai indicado pelo

interêsse da

criança large units of work or

important projects"?

E' usado

sobretudo na escola primária

e

funde as tendências do centro de

interesse dccroliano c do projeto

de Dewey.

(9) Modern Secondary Education-Principles and Practices. — A revision of

"Secondary

Education. — Houghton Mifflin Company, Cambridge, 1938, pág. 639.

(10) National Survey of Secondary Education, 1932, págs. 421-422.

(11) Mac-Graw-Hill Book Company, Inc. Nova York, 1939 — First ed., second

impression.

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46 CULTURA POLÍTICA

A unidade de adaptação diz

respeito à coordenação de ativida-

des destinadas a obter o controle

de uma dada situação e, portanto,

ao produto

de aprendizagem a ser

obtido, a uma integração de há-

bitos, atitudes, conhecimentos, que

resulte em adaptação ou ajusta-

mento do individuo a tal situa-

ção. O objetivo fundamental é,

pois, a seleção do tipo de situação

e a identificação das habilidades

necessárias para

resolvê-la. Aqui

o trabalho escolar é dividido em

unidades de experiência psicoló-

gica.

Confrontando a organização da

unidade de matéria (fundamenta-

da na lógica) e a da unidade de

adaptação (fundamentada na

psi-

cologia), Morrison — dizem —

não estabeleceu claramente as di-

ferenças entre elas.

Bode (12) julga que

a organi-

zação lógica é absolutamente ne-

cessária, até a aprendizagem, para

que se

possa transferir o conheci-

mento de um campo a outro e re-

solver

"novas"

situações. Dá-lhe,

assim, o valor não de interpretar a

situação que

se apresenta, mas de

orientar o que já

foi aprendido em

dada situação, fornecendo o sen-

tido do emprêgo futuro dos resul-

tados obtidos. A organização ló-

gica fornecerá forma eficiente à

aprendizagem somente quando

o

estudante vê a intenção do progra-

ma organizado como relacionado

às suas próprias

intenções e com-

preende como aplicá-la às situa-

ções de sua própria

vida.

O ideal será, pois,

na organi-

zação da unidade didática, a fusão

da unidade de matéria e da uni-

dade de adaptação — fundamen-

tando o programa

na lógica e na

psicologia.

Jones, Grizzell e Grinstead

apresentam como elementos essen-

ciais da unidade de adaptação

(13):

1) uma idéia mais ou menos de-

finida, por parte

do aluno, do ob-

jetivo a alcançar;

2) a aceitação dêsse objetivo

pelo aluno, como um valor, um

propósito que êle

próprio deseja

atingir;

3) um programa

mais ou me-

nos definido de atividades ou ex-

periências necessárias

para alcan-

çar o objetivo visado;

4) alguns meios de determinar

se e quando

o objetivo foi alcan-

çado (avaliação ou teste).

O objetivo é expresso como um

produto central de aprendizagem,

em torno do qual

se grupam

os

objetivos contribuintes (necessá-

rios para

atingir o objetivo cen-

trai) e os indiretos ou concomitan-

tes (produtos

das atividades en-

volvidas na consecução dos ob-

jetivos anteriores).

Sendo a unidade de adaptação

organizada em função do aluno,

qual a

parte que cabe ao

profes-

sor?

Se a aprendizagem é proces-

so individual (cada

aluna aprende

por si mesmo e

para si mesmo),

o professor

vale na medida direta

daquilo que produz

no aluno, no

sentido de levá-lo a adquirir ex-

periência.

(12) Apud Jones, Grizzell e Grinstead, op. dt. pág. 25.

(13) Ibidem, Cap. IV págs. 55-64.

O CONCEITO DE UNIDADE DIDATICA 47

Como animal que

nasce menos

ajustado ao meio, o homem ne-

cessita de uma assistência con-

tinua, tanto mais complexa quan-

to mais avançada a civilização e a

cultura a que pertence.

Daí o aparecimento da escola,

como instituição social encarrega-

da dessa assistência, no sentido

de *—¦ promovendo

os ajustamen-

tos à vida atual '

formar a per-

sonalidade do educando.

Cabe, pois,

ao professor

—* de

posse da experiência das

gera-

ções passadas *—¦ indicar os cami-

nhos mais rápidos e eficientes que

conduzem à estabilidade e ao pro-

gresso.

Traçar os objetivos *

que a

iíiexperiência do aluno ainda não

pode abarcar

— escolher os ca-

minhos que

a eles conduzem, assis-

tindo os passos

do educando, eis

a função do professor.

Cabe-lhe formular, tendo em

vista a unidade de aprendiza-

gem — unit of learning —, a uni-

dade de ensino unit of tea~

ching.

Donde a definição : a unit of

teaching is merely a suggested or

outlined unit of learning with

which has been incorporated the

additional factor

of the teachers

assistance to the pupil

in the for~

mulation an the attainment of his

objectives (14) ou actual coor-

dinated activities of the teacher

in helping the pupil

to attain the

educational product

desired

(15).

O professor

deve promover

a comunicação entre as nascentes

experiências do aluno e a expe-

riência acumulada da sociedade,

expressa na organização do

currículo.

Selecionar a unidade estabele-

cendo os seus objetivos, orientar

as atividades — eis as funções

primaciais do

professor.

O largo conhecimento da maté-

ria ou a sua ignorância são extre-

mos perigosos,

bem como o esque-

cimento do nível de maturação,

do princípio

de motivação, das di-

ferenças individuais e da iniciativa

dos alunos.

Concluindo — e resumindo os

diversos pontos

de vista aqui es-

planados -—-

podemos considerar a

unidade didática uma divisão da

matéria de ensino, bastante ampla

para ser significativa e bastante

concentrada para

ser apanhada

como um todo.

Deve ser bastante ampla para

ser significativa pois tôda a

atividade que

abrange grande

quantidade e variedade de ex-

periências tende a ser mais sig-

nificativa para

maior número de

alunos. Mantendo um ponto

essencial como centro de gravita-

ção, correlaciona-se com

pontos

secundários de interêsse maior ou

menor, de acordo com as diferen-

ças individuais dos componentes

da classe, dentro do círculo da ex-

periência de cada qual.

Deve ser bastante concentra-

da para

ser apanhada como um

todo — pois

se se prestasse

à de-

sagregação, se permitisse

apenas

a análise e não levasse à síntese,

deixaria de ser unidade, contra-

(14) Apud Jones, Grizzel e Grinstead, op. cit. pág.

70.

(15) Ibidem, pág. 70.

48 CULTURA POLÍTICA

riando os princípios

lógicos e

psicológicos do conhecimento.

No programa, que

é interação

da matéria e do método, a unida-

de didática deve ser encarada dos

pontos de vista do ensino e da

aprendizagem.

Assim, quanto

à matéria de en-

sino, deve atender:

a) às necessidades do conheci-

mento, fornecendo os indispensá-

veis na colimaçãc do fim visado;

b) à natureza da própria

ma-

téria, no estado atual do seu de-

senvolvimento;

c) à ligação lógica e vital dos

assuntos, de modo que

cada unida-

de, embora independentemente, le-

ve naturalmente à seguinte e de-

corra naturalmente da anterior,

permitindo a sistematização do co-

nhecimento;

d) à formação clara e precisa

que indique o assunto

principal

como núcleo de organização e di-

fusão.

Quanto ao método de ensino,

deve atender:

a) à capacidade psíquica

dos

alunos, em quantidade e

quali-

dade;

b) à natureza do método pró-

prio de cada matéria;

c) à motivação da aprendiza-

gem;

d) à adequação da linguagem

e do material didático;

e) à necessidade da fixação dos

hábitos;

f) ao tempo disponível, indi-

cado no horário semanal, anual;

g) ao controle dos resultados e

à verificação da aprendizagem.

Unidades didáticas no

ensino das línguas

Vejamos, agora, quais

em

face dos requisitos assinalados —

as características da unidade di-

dática no ensino das línguas.

Quanto á matéria, deverá aten-

der :

a) a uma necessidade real per-

manente: domínio da técnica da

língua materna como instrumento

do próprio pensamento;

b) a uma necessidade real, cul-

tural e social; conhecimento das

línguas estrangeiras como expres-

sões do pensamento

no tempo e no

espaço;

c) à formulação clara e precisa

da unidade didática a transmitir,

quanto aos dois aspectos anterior-

mente assinalados de modo que

se

atenda ao seu sentido psicológi-

co e à sua ordenação lógica —

para que da

própria língua viva

(o texto estudado ou a língua fa-

lada) se induzam as noções e cor-

relações gramaticais (ensino da

gramática pela língua e não da lín-

gua pela gramática) .

Quanto ao método, deve aten-

der:

a) à capacidade psíquica dos

alunos em quantidade

e qualidade,

através de textos e práticas

apro-

priados ao nível mental da classe

e aos interesses dominantes;

b) à natureza do método pró-

prio da matéria, à técnica do ensi-

110 que

lhe é conveniente;

c) à motivação da aprendiza-

gem em tôrno dos textos vivos da

língua;

d) à necessidade de fixação de

hábitos lingüísticos desejáveis,

através de leituras, exercícios de

repetição ou criação;

O CONCEITO DE UNIDADE DIDÁTICA 49

e) à linguagem didática apro^

priada c à adeqüação do material

didático, visando ao desenvolvi"

mento oral e escrito das técnicas

da língua.

Morrison (16) assinala, como

fator responsável da não^aprendi--

zagem ou da viciosa — aprendi-

zagem, o emprego de tipo errado

de técnica de ensino -—1 tal o de

ensinar línguas pelo

tipo exclu^

sivo do ensino científico. E acon^

selha, com grande

felicidade, que

se empregue no ensino das lín~

guas:

a) o tipo de artes da linguagem

— através do qual

o aluno apren~

de o uso do discurso falado ou

escrito, adquire a técnica da ex--

pressão (falada e escrita);

b) o tipo científico <— através

do qual

o aluno aprende a gra~

mática.

A gramática

deve ser apren^

dida simultaneamente com o dis-

curso, mas não pelo

mesmo pro^

cesso. O emprêgo exclusivo da

técnica científica no ensino das

línguas leva à compreensão da

estrutura da linguagem e habili~

dade para

decifrar o discurso, mas

não ao hábito de ler ou pensar

na

nova língua.

Do mesmo modo, a tentativa de

desenvolver a apreciação do valor

literário pelo

tipo científico pode

levar à compreensão das condições

sob as quais

as literaturas se pro-

duziram, mas nunca à educação do

gôsto literário.

(16) Morrison estabelece vários tipos de processos

de ensino: tipo cien-

ti fico, de apreciação, de artes práticas, de artes da linguagem, de pura prática e

vários subtipos, in op. cit.

F. 4

Um grande

educador: João

Pedro de Aquino

F. VENANCIO

"FILHO

Professor do Instituto de Educação do Distrito Federal e

presidente da Associação Brasileira de Educação

COMEMORA-SE

a 28 de

junho dêste ano o cente-

nário de nascimento de um

brasileiro com a vida cheia de

benemerências. Educador por

vo-

cação foi, de certo modo, um

precursor, antecipando-se

ao seu

tempo. Seria fácil rever o que

foram os anos de seu labor, na

mais nobre das tarefas huma-

nas, a de formar as gerações que

amanhecem» Não seria difícil co-

lher depoimentos vários, dentre

os muitos milhares de discípulos,

que, por mais de meio século,

tiveram o privilégio

de sua assis-

tência educativa e do seu exem^

pio. Porque todos conservaram

dêle a imagem apostolar que a

gratidão vai

perpetuar em bron-

ze, no discreto recanto da terra

carioca em que

nasceu e serviu

ao Brasil, procurando

realizar o

grande sonho de modelar estabe-

lecimento de educação.

Mais que isso tudo é o depoi-

mento vivo de umâ testemunha

direta, insuspeita, apesar do bem

imenso que

nos quis,

a ponto

do

sacrifício até a morte. É a do

geólogo norte-americano Carlos

Frederico Hartt.

Em 20 de dezembro de 1874

Carlos Frederico Hartt compa-

receu ao exame dos alunos do

curso primário no Externato

Aquino, estabelecimento de edu-

cação que Pires de Almeida, no

seu livro famoso, considera o me-

lhor da época, dirigido por quem

Escragnolle Dória apelidou, com

justiça, de

"Santo

da pedagogia

brasileira" — Dr.

João Pedro

de Aquino.

O curso primário era dirigido

por uma notável educadora, es-

pecializada nos Estados Unidos,

onde publicara

um excelente

compêndio de História do Brasil,

D. Maria Guilhermina Loureiro

de Andrade, mais tarde elemento

de renovação, com miss Márcia

Brown, na Escola Americana de

São Paulo. Hartt comoveu-se

UM GRANDE EDUCADOR 51

tanto diante do que

assistia que

as lágrimas vieram-lhe aos olhos,

e o Dr. Aquino, pediu

então ao

professor de inglês,

padre Marcos

Neville, que

indagasse do sábio

se sentia alguma coisa, ao que

respondeu êle estar-lhe a cena re-

cordando a sua escola primária

e, por

certo, a esposa e os dois

filhos ausentes, que

não veria

nunca mais.. .

Da visita resultou esta carta

dirigida ao Dr. João

Pedro de

Aquino,

"Meu

caro senhor —

Tenho feito tenção de visi-

tar-vos, mas tenho estado

tão ocupado, que

não pude

achar tempo para

isso.

Peço-vos que

tenhais a

bondade de mandar-me uma

boa fotografia vossa e um

breve e substancial esboço

de vossa vida e das idéias

relativas à educação que

procurais pôr em

prática.

Tenciono mandar a fotogra-

fia e o esboço para

o

"Novo

Mundo", e ficar-vos-ia muito

obrigado se, acedendo a êste

pedido, mos fizer chegar às

mãos no dia 25 do corrente.

Devo declarar que

dou êste

passo sob minha única res-

ponsabilidade e sem ter tido

ocasião de consultar ao

Dr. Rodrigues.

"Estou

no propósito de

acrescentar ao vosso esboço

algumas palavras

enérgicas,

concernentes ao excelente

exame a que

tive a honra de

assistir.

"Com

a mais afetuosa

consideração sou, caro se-

nhor, muito sinceramente

vosso

CK Fredr. Hartt\'

O Dr. Aquino, cheio de tra-

balho, não lhe enviou as notas

pedidas, que foram entretanto ob-

tidas em Nova York, com o

Dr. José

Herculano Thomaz de

Aquino, pai

do ilustre coman-

dante Radler de Aquino, cujo no-

me é altamente acatado nos meios

especializados norte-americanos.

Eis o artigo, do

"Novo

Mun-

do" jornal publicado durante vá-

rios anos por José

Carlos Rc-

drigues, em Nòva York, n. de 23

de junho

de 1875:

"O

Sr. João

Pedro de Aquino

nasceu no Rio de Janeiro em

28 de junho

de 1843. É filho le-

gítimo do Dr.

José Thomaz de

Aquino, advogado.

Concluídos os seus estudos pre-

paratórios em 1860, e matricula-

ido no 1.° ano da Escola Central,

hoje Politécnica, em 1861, tomou

o grau

de bacharel em ciências

físicas e matemáticas em 1865.

No dia 1.° de março de 1863,

quando era estudante do 3.°

ano da Escola Central, abriu um

curso particular de explicações

do 1.° ano da mesma escola; e

como, já

naquele tempo, goza-

va de boa fama como estudante,

matricularam-se desde logo, no

dia da abertura, 18 alunos, dentre

os quais

havia alguns oficiais do

nosso Exército.

Até o fim do ano de 1865, o

Sr. Aquino só explicou o 1.° ano

da Escola Central. Em 1866, po-

rem, abriu três cursos de matemá-

ticas; um de geometria analítica,

geometria descritiva e cálculo di-

ferencial e integral, isto é, o 2.°

ano da mesma escola; outro de

álgebra completa e trigonometria

52 CULTURA POLÍTICA

retílinea, isto é, o I.° ano tam-

bém nas Faculdades de Direito e

de Medicina, como preparatórios.

Todas as suas aspirações na-

quele tempo eram obter um lugar

de lente catedrático na Escola

Central, lugar que

sempre con-

siderou como o mais nobre que

se

podia exercer; e

por isso nunca

deixava de estudar as lições que

tinha de dar no dia seguinte aos

seus discípulos, afim de ir ga-

nhando um nome honroso como

professor, e ao mesmo tempo ir-

se fortalecendo nos dois primei-

ros anos aquela Escola, que

são,

indubitàvelmente, a base de todo

o curso.

Quasi todos os alunos deste

seu curso pediam-lhe

constante-

mente que

abrisse duas aulas, uma

de história e geografia

e outra de

filosofia.

Convidou então, em 1867, para

lecionar história e geografia

o pro-

fessor Teófilo das Neves Leão,

e para

lecionar filosofia o ilustra-

do Dr. José Joaquim

do Carmo,

hoje diretor do Internato São

José, em Botafogo. Com êstes dois

distintos professores

e com sua

dedicação extraordinária acabou

o ano de 1867 com 204 alunos.

Em 1868, além dos cursos de

explicação dos dois primeiros

anos da Escola Central, o Exter-

nato Aquino tinha tôdas as ca-

deiras de preparatórios

exigidos

para a matrícula nos cursos supe-

riores do país,

e mais uma cadeira

de alemão, lecionada pelo

muito

distinto professor,

Sr. Manuel

Tomaz Alves Nogueira.

Querendo visitar as universi-

dades dos Estados Unidos e da

Alemanha, o Sr. Aquino começou

a fazer economias, afim de ver

se podia

ir à Alemanha e aos Es-

tados Unidos estudar os diver-

sos métodos de ensino emprega-

dos nestes dois grandes países;

porém, diversas circunstâncias fi-

zeram com que

êle empregasse o

dinheiro, que já

tinha junto,

na

compra de um laboratório de quí-

mica e de um pequeno gabinete

de física, contendo os aparelhos

mais necessários para

o estudo

dessas duas ciências.

Chamou em 1869 para

lecionar

física o distinto engenheiro bra-

sileiro Dr. André Rebouças, e

para lecionar

química o farma-

cêutico, hoje Dr. José

Ribeiro

Borges da Costa, o qual

fazia

experiências depois de ter dado

hàbilmente a lição do dia.

Também abriu um curso de

anatomia descritiva para

alguns

alunos do 1.° ano da Faculdade

de Medicina, tendo sido convida-

do por

êle para

lecionar esta ca-

deira o muito ilustrado médico

Dr. José

Pereira Guimarães, ho-

je opositor da Faculdade de Me-

dicina, o qual

lecionou efetiva^

mente durante todo o ano de

1869. Os alunos que

freqüenta-

vam, nesta época, o seu externato

eram todos maiores de 16 anos,

havia mesmo alguns mais velhos

do que

o próprio

diretor.

O Sr. Aquino sempre tratou os .

seus alunos como amigos, e no

intervalo das aulas às vezes con-

versava com êles, elogiando e dis-

tinguindo aqueles mais estúdio-

sos, aconselhando e demonstran-

do aos que

estudavam pouco

a

necessidade que

todo homem tem

de cumprir os seus deveres, tudo

isto sem ser em tom de repre-

ensão. Muito o auxiliava nesta

UM GRANDE EDUCADOR

I

época, e ainda hoje, o seu ex~

discípulo, hoje professor

de ma-

temática, Dr. João José

Luiz

Viana.

Neste ano (1869)

os seus dis-

cípulos, querendo

dar-lhe uma

prova de amizade, mandaram

tirar, sem êle o saber, o retrato

a óleo, e lho ofereceram no dia

31 de outubro. Foi esta uma fes-

ta brilhante e bastante concorri-

da pelos pais

de seus alunos e

outras pessoas

de consideração.

Houve muitos discursos, muitos

ramalhetes de flores foram ofere-

cidos, duas coroas de louros ga-

nhou também e, enfim, tantos fa-

vores recebeu neste dia, que

não

pôde conter as lágrimas, diante

de mais de 700 pessoas.

O resultado dêste grande

dia

para o Sr. Aquino foi êle aban-

donar completamente a idéia de

entrar para

a Escola Central co-

mo lente catedrático, e dedicar-

se seriamente à instrução pública.

Começou então a estudar mui-

to a instrução nos Estados Uni-

dos, na Alemanha, na França, na

Bélgica e na Inglaterra, e nas

obras de Hippeau, Mme. Car-

pentier, jules Simon, Bréal e

outros inspirou-se de um sistema

vasto e completo, e preparou-se

assim para

abrir um curso de ins-

trução primária,

como viu des-

crito nestes livros.

Em 1871 o Dr. Aquino en-

trou em concurso para o lugar

de professor

de matemática, isto

é, a primeira

secção do Externa-

to da Escola de Marinha, con-

sistindo o concurso de exame

feito perante

a congregação da

Escola de Marinha (prova oral e

prova escrita) sôbre aritmética,

álgebra, geometria

elementar,

53

geometria descritiva e

perspecti^

va, e desenho linear. Neste con-

curso, em que

entrou com mais

quatro candidatos, foi classificado

em 1.° lugar, por

unanimidade de

votos, e nomeado professor

da l.a

secção do Externato da Escola

de Marinha, por

decreto de 19

de maio de 1871.

Também por

serviços relevan-

tes prestados

à educação popular

no Liceu de Artes e Ofícios, foi

nomeado Cavaleiro da Ordem da

Rosa, por

carta imperial de 18 de

fevereiro, também de 1871.

A 3 de fevereiro de 1874, o

ilustre professor

abre um curso

de instrução primária

comple-

ta. Convidou diversas senhoras

instruídas para

lecionar neste

curso; mostrou-lhes o bem que

elas vinham fazer a pobres

crian-

ças, que pela maior

parte teem

medo dos colégios; enfim apelou

para o

patriotismo das mesmas,

e conseguiu formar um corpo de

professoras, que cada vez se tor-

naram mais dignas de sua gra-

ti dão.

A casa que

escolheu para

fun-

dar este curso de instrução pri-

mária foi a da rua da Ajuda

n. 42, quase

defronte da chá-

cara da Floresta, no Rio, onde já

tinha estabelecido o seu curso

de instrução secundária e su-

perior.

Mas, tal foi a confiança que

êle soube inspirar aos pais

dos

novos pequenos

discípulos, que

a

casa, apesar de não ser pequena,

já não

podia conter mais cs alu-

nos; além disto os cuidados que

precisava ter com êles, e as li"

ções que também tinha de dar

aos seus alunos adultos, tudo

concorreu para que

em setembro

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54 CULTURA POLÍTICA

do ano passado»

isto é, em 1875»

resolvesse alugar dois grandes

prédios da rua do Lavradio, nú-

meros 78 e 80, estabelecendo o

externato de instrução secundá-

ria e superior na casa n. 78 e o

de instrução primária

na de nú-

mero 80.

Acham-se atualmente matri-

culados no curso de instrução

primária 124 alunos; no de instru-

ção secundária 108 e no curso de

instrução superiior, isto é, nas

aulas de física» química, geome"

tria analítica etc. 156 alunos".

A evocação dêste documento,

escrito pela

mão abençoada do

sábio que

deu sua cultura, dedi-

cação e até a vida no seu amor

pelo Brasil, eqüivale, nesta hora,

ao bronze que perpetuará

a me-

mória de João

Pedro de Aquino

no recanto silencioso e digno do

alto da Boa Vista.

i * ¦

m

m.

Vida e poesia

de

ÁLVARO F

OHUMORISMO

foi um gê-

nero difícil, raro, nos tem-

pos coloniais. Poucos como

Gregório de Matos apareceram.

Conseqüência de

44

três ra-

ras tristes", não poderíamos

aga-

salhar a mordacidade galhofeira

dos povos

independentes e prós-

peros. Éramos acanhados, tími-

dos, subjugados; faltava-nos o

matiz da civilização no espírito

de crítica.

Sacudido o domínio de Portu-

gal, surgiram, fraca e medrosa-

mente, algumas sátiras.

Com o transcorrer do tempo,

à medida que nos desprendíamos

da metrópole, o humorismo to-

mava proporções.

Não que

nos

faltasse a inclinação à

"blague",

à chacota, à pilhéria.

Faltava-

nos, porém,

a ousadia para mani-

festá-la.

Escravos do preconceito,

fu-

gíamos à maneira natural, à bo-

nomia, por julgá-la corriqueira, e

só muito tarde adquirimos perso-

nalidade, desenvoltura nas ações.

Literatura

Emílio de Meneses

SALGADO

Somos, comumente, um povo

triste, mas não há no mundo car-

naval igual ao nosso. . . Só nes-

sa época verdadeiramente tiramos

a máscara. . .

Nessas contradições, encontra-

mos figuras como a de Emílio de

Meneses, que, apelidado

44Poeta

da Morte", foi humorista de pêso

(cela va sans dite.. .).

Era um

"blagueur"

sob a capa

de um triste, de um desiludido.

Paranaense, de Curitiba, nas-

ceu a 4 de julho

de 1867.

Emílio Nunes Correia de Me-

neses e Maria Emília Lopes de

Meneses, seus pais,

eram pobres.

Não puderam

custear-lhe uma

instrução superior. Além disso,

Emílio tinha oito irmãs. Fez ape-

nas os estudos primários.

Aos doze anos empregou-se na

botica de um cunhado, onde se

fez prático

em farmácia.

Veio para o Rio aos vinte

anos, recomendado ao professor

Coruja, em casa de quemf se

hospedou.

Desde 1885 já

ensaiava a poe-

sia.

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56 CULTURA POLÍTICA

Casou-se cm 1888 com uma

das filhas daquele professor.

Em 1890 foi com a esposa

para o Paraná. Desempenhou ali

um cargo público.

Ao regressar ao Rio, possuía

algumas economias.

Usava então

"plastrons",

cha-

péu de abas largas e.

passeava

acompanhado de cães. Aparen-

tava uma vida de nababo. De-

pois, tudo

perdeu. Somente con-

servou o amor pelos

cães e o re-

calque das ambições.

Do estudo de farmácia, ficou-

lhe sempre certa predileção pela

química e história natural.

O parnasianismo

caía de moda

quando ele se apresentou, em

1892, com os versos de Marcha

Fúnebre.

Uma nova escola poética

sur-

gia com os chamados simbolis-

tas. Emílio não ficou deslocado,

apesar da guerra

dos novos. Foi

admirado por

eles, dentro daque-

la sua esquisita maneira de es-

teta, mau grado

o rigor da forma

com que

oprimia os versos.

"

Classificado com justeza

entre os parnasianos

-— diz Eu-

gênio \Verneck

— Emílio de

Meneses gravou

os seus poemas

a buril: foi um dos mais extre-

mados na perfeição

artística e rio

lavor da forma cuidada".

Em 1901 publicava

Poemas da

Morte. Êsses versos punham-

lhe em relêvo as altas qualida-

des do espírito, bem como o apu-

ro do vernáculo.

Grande sofredor, teve a arte

de fazer da tortura um sorriso.

Conversador exímio, discorria

em temas históricos, científicos e

literários com sabor personalís-

simo.

Embora tivesse algumas ami-

zades fortes, contando-se entre

elas Alberto de Oliveira, Olavo

Bilac, Raimundo Correia, Sousa

Bandeira, Graça Aranha, Pedro

Lessa, Inglês de Sousa, sem men-

cionar as simpatias que

lhe dis-

pensaram o Barão do Rio Bran-

co e Rui Barbosa, Emílio perdeu

muitos amigos devido às suas sá-

tiras.

O físico — bigodes fartos, ca-

belos revoltos, obeso, papudo,

grandalhão — não correspondia

à finura de seu espírito.

Suas rimas são raras, como o

ouro de um alquimista, cuja com-

posição possue um segredo que

só êle conhece. São emoção, são

cadência.

Espírito contraditório, como os

próprios títulos de seus livros in-

dicam, ninguém o havia de su-

por repentista admirável e o

maior boêmio d: seu tempo, vi-

vendo entre o talento e um cálice

de vinho.

A superstição cheqava a tal em

Emílio que

evitava alguns conhe-

cidos, supondo lhe trouxessem

jetatura. Mas a filosofia de suas

obras é sadia, e os versos pri-

mores de forma e idéia, em que

predomina a nota do desalento.

Seus

"escritórios"

eram na Co-

lombo e na Pascoal, cujos pro-

prietários faziam

questão de sua

preferência, certos de

que a

pre-

sença e o talento de Emílio eram

uma recomendação para

suas ca-

sas comerciais.

Aquêles que

com que

êle lida-

ram são unânimes em ressaltar

sua veia humorística, as

"bouta-

VIDA E POESIA DE

des" interessantes, e guardam

e

divulgam ainda hoje os seus in-

críveis calemburgos.

O

"Correio

da Manhã" (7 de

junho de 1918) recordando o

grande satírico, epigramatista,

humorista, assim o apreciou:

"O

maior de sua opulenta ver-

ve, da sua inegualável fertilidade

no a propos,

no comentário cinti-

lante ou ferino, deixa-o êle na

memória dos amigos, por quem

a

sua palestra

era disputada, como

uma requintada delícia intelec-

tual".

De uma feita, entrava Emílio

na Colombo, quando

um amigo

que se retirava exclamou

para

os outros, ao vê-lo:

—- É. . . mílio!

O poeta,

trocadilhista impem-

tente, não se perturbou:

fê-lo

sentar-se como a convidá-lo a

participar da

prosa e disse :

Sentei-o. . .

O outro interrompeu-o:

-— Está com a veia?. . .

E fez mensão de novamente

se retirar. Emílio retrucou:

Oh! não s'evada!

Outra vez, falava-se de um

escritor famoso, — conta-nos

Humberto de Campos —

que se

distinguia entre todos pela

varie-

dade de assuntos, com que

or-

nava sua prosa:

É assombroso, dizia alguém,

faz versos, prosa, romance, con-

tos, crítica literária: é jornalista,

orador, teatrólogo e político:

en-

fim, trata de tudo.

Sim, — atalhou Emílio —

mas é prédio

da Avenida. ..

EMÍLIO MENESES 57

?

E como o apologista lhe pe-

disse o segredo da comparação,

explicou:

Muita frente e pouco

fun-

dc. . .

Um dia passou por

um grupo

de intelectuais, onde se encon-

trava o poeta

sulista, um arro-

gante indivíduo

que não saldava

as dívidas contraídias. Emílio,

então, perguntou

aos companhei-

ros:

Em que

se parece

aquêle

homem com um botão?

Os amigos entreolharam-se

sem responder. E o humorista

esclareceu:

<— É que

êle, também, não pa-

ga a casa em

que mora. . .

Outra vez, regressando de um

teatro, ia caminhando pela rua

com um grupo

de boêmios. Um

deles se lhe dirige:

Gostou do meu papel?

Entraste em cena?

Não, mas não ouviu uns

latidos de cães perseguindo um

ladrão? Um dos cães era eu!. ..

Ah! Felicito-o pela voca-

ção!

Sem atinar com a ironia do

poeta, o homem, que

se aproxi^

mara com outra intenção, aven-

turou, julgando que êle falara

sério:

Poderia emprestar-me

2$000?

Hein?! Então tu ladras lá

dentro e vens morder-mfc cá

fora ?. . .

58 CULTURA POLÍTICA

Que diferença quanto

ao poe-

ta ! Parecia sempre atacado de

"spleen".

Seus versos eram tris-

tes e êle próprio

amava a tristeza.

Não gostava

de ser reconhe-

cido como humorista. Apreciava,

sim, que

lhe falassem nos Poe-

mas da Morte. Seus livros são

quasi todos amargos, lembram a

dor e a desgraça. Os versos, to-

davia, são belos.

Em 1900 escreveu Dies Irae,

sobre a tragédia do Aquidaban.

Em Poemas da Morte (1901)

— dedicado à sua companheira

dos últimos anos, Da. Rafaelina

de Barros, — sobressaem as for-

mosas estrofes de Os três olha-

res de Maria, cheias de pureza

e

encantamento.

Em 1917, traçou as páginas

dolorosas de Últimas rimas, que,

no dizer dos crticos,

44

é o mais

genuíno padrão da

poesia obje-

tiva, seca, reduzida ao mero la-

vor. da forma e não raro preten-

siosamente requintada em vocá-

bulos, vestidas as idéias em fra-

ses torcidas que

lhe dão ao estilo

feição rude e áspera, do mais ex-

travagante conjunto". Não obs-

tante, há ali muitas poesias que,

como Envelhecendo, constituem

magníficas exceções:

\ , "• ' - .

Tombas às vezes meu ser. De

tropeços a tropeço,

Unidos, alma e corpo, ambos ro~

lando vão.

Ê o abismo e eu não sei se cresço

ou se decresço,

A proporção

do mal, do bem à

proporção.

Sobe às vezes meu ser. De arre~

remesso a arremesso,

Unidos, estro e pulso,

ambos /o-

gem ao chão

E eu ora encaro a luz, ora à luz

estremeço

E não sei onde o mal e o bem me

levarão.

Fim, qual

deles será? Qual dêles

é começo?

Prêmio, qual

dêles é? Qual dêles

ê expiação?

Por qual

dêles ventura ou qasíí-

go mereço?

Ante o perpétuo

sim, e ante o

perpétuo não,

Do bem que

sempre fiz,

nunca

busquei o preço,

Do mal que

nunca fiz,

sofro a

condenação

Melancolia é um soneto que

o

revela mais uma vez:

"Pelos

males e pelas

desventuras,

Com que

o destino nos foi

tão

cruel,

Procurámos, em nossas mútu&s

juras,

Atenuar o travor do nosso fel.

Antefruindo, além, horas futuras

No calmo gozo

de um ideal ver-

gel:

Esquecemos passadas

amarguras,

O beijo impuro ou a caricia in~

fiel.

Mas por

sofrer ainda os vis apo~

dos

Dos que

me não conhecem o so-

/Ver,

Vivo a fingir

audácias e denodos.

'I?1 "..... *;~ ¦ T ¦W^^V.^-Y^\^TT'/^Y^m^yw<* ''XP^T'^fT:

fyTWr; <r-\ TWv-í

rTv"rfw r- t W«i'. V: -V^* •*.**''• V .W' CVv TJ?%* •' ' >r * '*~ *

W

VIDA E POESIA DE EMÍLIO MENESES 59

Pensam, ao ver~me o alegre pa~

recer,

que tenho o riso

que ambicionam

todos,

£m uez cio pranto que

não quero

ter\

O grande parnasiano

tinha,

pois, razão

quando com êstes

versos encerrou o soneto Numa

lápide:

"Não

cabe dentro de votiva

palma

Nem na estreiteza de mesquinhos

versos,

O infinito de dor que

tenho na

alma'\

A tradução de O Corvo de

Edgard Poe, fê-la com primor

e

arte, rivalizando mesmo com a de

Machado de Assis.

Emílio de Meneses não foi fe-

liz no casamento com Da. Maria

Carlota Coruja de Meneses, que

lhe sobreviveu, falecendo a 24 de

julho de 1931. Dêsse consórcio

houve um filho: Plauto de Me-

neses.

Desiludido, decepcionado no

lar, o poeta

escreveu a um amigo:

44

Beija o teu céu, eu beijo o

meu inferno".

Emílio usou os pseudônimos:

"Neófito"

e

44Gaston

d\Argy".

Criou no Correio da Manhã a

secção Pingos e Respingos, na

qual fazia a crítica dos

políticos.

Escreveu, além das obras cita-

das, Poesias (1909) e Morta-

lhas (1924) —

"salpicos

c ca-

ricaturas" acêrca dos figurões da

época.

Era um triste em arte. Na

vida, retirava a máscara da aus-

teridade e jogava

com o espírito.

A ironia é o recalque dos so-

fredores. Em todo humorista há

um palco

do palhaço

Gat. Vivem

fazendo rir aos outros, quando

eles próprios

sofrem incuràve-1

mente da melancolia.

Emílio de Meneses teve um

grande sonho: ser membro da

Academia Brasileira de Letras.

Nada lhe faltava para pertencer

ao nobre cenáculo. Era dono de

um belo talento e de uma exce-

lente bagagem literária. Recea-

va, porém,

o Petit Trianon. E,

como

44quem

desdenha..." fe-

ria-a sempre. Entretanto, os

acadêmicos, dentre *êles Olavo

Bilac, que

lhe fazia a cabala e a

quem Emílio

julgava

44Príncipe

do verso e Imperador da prosa",

chamaram-no à ilustre compa-

nhia, a ocupar a vaga de Salva-

dor de Mendonça.

Logo as fidalgas damas da so-

ciedade do Paraná se cotizaram

lhe enviaram o fardão acadê-

mico.

Emílio foi, então, de uma in-

felicidade de espírito a tôda pro-

va. Mandou para a Academia,

dias antes da investidura, um dis-

curso em que,

além de não fazer

o elogio do antecessor — contrá-

rio portanto

às normas acadêmi-

caSf ^ ainda tombava para as-

sunto trivial, indigno de sua pena

consagrada.

Advertido pela Academia da

impossibilidade de pronunciá-lo,

Emílio envia-lhe um segundo

discurso. Pior a emenda... A

peça, que nada tinha de literá-

ria, primava

em futilidades, em

60 CULTURA POLÍTICA

absurdos, em momentos verda-

deiramente inconcebíveis de ba-

nalidade. Como era de esperar,

foi recusado novamente. Assim,

jamais tomou

posse da cadeira

n. 20,

44menos

pelo seu

precário

estado de saúde, pretexto

apon-

tado, que pelo

seu permanente

estado de alma. .. Era antes um

triste e um sensitivo.. . seu es-

pírito satírico o afastava da Aca-

demia e das formalidades acadê-

micas. . ." — disse Amadeu

Amaral.

Não obstante, nêsses discursos

Emílio imprimiu muito do seu

sentir, revelando-se tal qual

era

na verdade. De início, confes-

sou:

"Faço

do momento, que

tão

propício se me depara, um acan-

tábolo para

arrancar espinhos

que de há muito me

pungem".

E depois:

"Apesar

da minha aparente

sociabilidade alegre ou risonha,

sou um retraído, não por

orgu-

lho, senão por

timidez. Além

disso fui sempre, mais ou menos,

avesso à influência das coletivi-

dades, nunca tendo pertencido

a

grêmios ou

grupos, sendo, em

arte, um insulado. Êsse meu na-

tural retraímento se agravou por

causas que

estas palavras

não

comportam. Tive, é certo, um pe-

ríodo, aliás efêmero, de alto con-

vívio social, voltando à primitiva

modéstia, quando

se me escoou

das mãos inhábeis e desinteres-

sadas uma pequena

fortuna por

mim adquirida, pois,

se pobre

nasci, rico me não casei, visto a

má vocação para

caçador de do-

tes, coisa, de tantos, tão à fei-

w tt

çao .

Mais à frente, o poeta,

revol-

tado, vasou em prosa

tôda a

amargura e ironia que

lhe iam

na alma:

"Quando

começou a haver

uma quasi

certeza da minha elei-

ção, os inimigos rancorosos, mui-

tos dos quais

só o são por

coisas

cuja paternidade

me toi empres-

tada, redobraram de esforços de-

molidores. Um, a quem

eu fize-

ra um soneto inofensivamente hu-

morístico, estabelecendo a pro-

proporção geométrica entre a sua

possível vaidade e a sua enorme

massa adiposa, disse a pessoas

diversas que

eu, em tal soneto,

havia ofendido a honra do seu

lar. Depois disto, só se lhe cen-

tuplicando a área e a cubação

será possível

conseguir o imen-

surável âmbito em que

se acomo-

de tão insidiosa falsidade. Cho-

veram apodos, granizaram

intri-

gas...

"Boêmio

e desregrado...

"Boêmio

e desregrado, porque

nos momentos decisivos faz o

que qualquer homem mediana-

mente digno tem obrigação de

fazer.

"Boêmio

e desregrado, que

nunca foi visto em bordéis ou es-

peluncas. Boêmio e desregrado,

que,, com mais de trinta anos de

residência no Rio, não sabe o

que seja um dêsses celebrizados

bailes carnavalescos, onde o me-

retrício elegante se excita de jôgo

e condimenta de álcool. Boêmio e

desregrado, porque gosta

de fazer

a sua hora à mesa de um café ou

de uma confeitaria, trocando

idéias, dizendo ou ouvindo ver-

sos e frases de espírito, como fa-

ziam e fazem ainda alguns dos

VIDA E POESIA DE EMÍLIO MENESES 61

que muito brilho emprestam às

cadeiras que

entre nós ocupam.

Posso garantir-vos que

essas ale-

g r e s confabulações literárias,

apesar da dose de

"whisky"

ou

de água de um côco, ou de am-

bos juntos,

segundo a fórmula

aceita e consagrada por eminen-

te clínico baiano, são muito mais

inocentes, menos demolidoras

que as reüniões de certas

portas

de livraria, onde uns gênios

in-

cipientes, à espera da primeira

desova, enquanto não aparecem

as obras nascituras, se vão coníen-

tando em demolir os que já

se fi-

zeram uma reputação,. Aí é que

os escritores de nome feito devem

ir buscar os verdadeiros inimi-

gos, que, além do mais, teem a

cobardia de atirar para

cima de

outrem a responsabilidade do que

fazem e dizem".

Finalizando o discurso, reve-

lou a fatura de um ensaio de ro-

mance — Pensão Virgínia — que

estava revendo na ocasião.

Emílio de Meneses, diabético,

tuberculoso, cada vez mais en-

fêrmo do rim e das contradições

do seu destino, faleceu no dia 6

de julho de 1918, na casa n. 103

da rua Major Ávila (Tijuca),

de propriedade

de Da. Rafaelina

de Barros.

Os restos mortais foram trasla-

dados em 1927 para

Curitiba,

onde repousam no Cemitério

Municipal.

Os médicos, que

conhecem tão

bem o organismo de seus clien-

tes, sabem-lhe muitas vezes os

complexos, os segredos íntimos.

Ninguém melhor para julgar

o

último amor de Emílio que

o pro-

fessor Alcides Lintz, seu médico

assistente e amigo.

Freqüentador da casa do poe-

ta, o ilustre esculápio e literato

nos falou da união entre Emílio

e Da. Rafaelina :

"Não

era uma ligação comum.

Da. Rafaelina. senhora muito dis-

tinta, possuía pelo poeta parana-

ense uma dessas paixões

cegas

que veem mais da admiração in-

telectual que

da aproximação ma-

terial. Emílio via nela o amparo

moral, a alegria que

não encon-

trara num lar desfeito, alguém

que lhe suavizasse as impaciên-

cias de doente como enfermeira

e companheira.

o que

se depreende da ida-

de de ambos, que já

não lhes

permitia transportes de amor.

Aquela convivência foi, digamos

assim, uma verdadeira união es-

piritual".

A última pilhéria

de Emílio de

Meneses, segundo o

"Correio

da

Manhã", foi esta:

"A

pertinaz moléstia

que há

tempos perseguia

cruelmente

Emílio de Meneses e que

fazia

recear pela

sua vida, apesar da

dedicação extarordinária do

Dr. Alcides Lintz, seu médico

assistente, contribuiu muito para

a redução do seu pêso.

Emílio de

Meneses sentiu essa redução e

poucas horas antes da sua morte

teve ensejo de dizer ao amigo:

"Morro

satisfeito porque

consegui pregar um

"bluff"

aos

vermes: roubei-lhes 16 quilos!«..

(W*v-ví ?CTT" ¦ ¦

fRl®. '

' : "¦

. •'

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' -y* - r

Filologia

Esboço histórico do conceito de

brasiteirismo

AT AI DE DE MIRANDA

;<./

Passa já

de um século, '— cm

rigor, desde Antônio de Morais

Silva, Gonçalves Dias e José

de

Alencar, -—' que

se vinha notan-

do, entre nós, com estranheza de

uns e inquieta timidez de muitos,

que a língua chamada

"correta"

pelos nossos

gramáticos e litera-

tos, fundados, uns e outros, no

critério da imitação, sem delega-

ção nem direito, dos clássicos por-

tugueses —' não estava mais cor-

respondendo, — não se sabia

por-

quê, — nem à língua escrita nem,

muito menos, à língua falada em

Portugal. Como se esse crité-

rio da língua literária, de consen-

so geral,

estivesse perdendo o

alento lusitano que

antes lhe de-

ra alguma eficiência. Certamen-

te, alguma coisa começara a in-

terferir no mundo das letras por-

tuguesas do Brasil, promovendo

conflitos onde tinha por

fim criar

harmonias.

De então para

cá, os motivos

de estranheza e de inquieta timi-

dez foram deixando de parecer

meras excentricidades ou anoma-

lias fortuitas e ganhando, pro-

gressivãmente, a feição de uma

diferença geral profunda,

— de

ação constante e crescente, em-

bora sem transparência de sua

origem e seu fim. Por outros têr-

mos: o que,

de comêço, se havia

sentido como

"individual",

reve-

lava-se, cada vez mais, como

"ge-

ral". Não eram, pois,

acidentes

de ordem

"subjetiva", — eram

fenômenos

"objetivos", — a sa-

ber, inerentes à linguagem da

maioria dos brasileiros. Conse-

qüentemente, não

podiam ser re-

centes, salvo entre literatos, que

usavam uma língua pensada

e

corrigida antes de publicada.

(Seu habitus de falar não era o

mesmo do comum dos homens da

terra) \

Isto acontecia quando

ainda

dependíamos de Portugal. Éra-

mos, assim, uma colônia atada ao

manto da realeza lusitana. Suce-

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 63

de, porém, que, por

êsses tem-

pos, fatos de outras ordens e sen-

timentos outros vinham criando

fôrça de exteriorizar-se no seio

do nosso povo.

De sorte que

a

revelação do caráter de

"brasi-

leiro" das diferenças notadas no

campo das letras brasileiras (sem

sentido relativo a Portugal) veio

despertar nas almas nativas uma

alegria nova e uma nova espe-

rança,, a que,

como era natural,

não faltaram oposições sistemáti-

cas aparentemente literárias, mas

remotamente inspiradas no pres-

tígio e na autoridade portuguesa.

Vem da! a velha objeção contra

o brasileirismo, — de ser coisa

deliberada, propositada, para

fa-

zer comichão na pele

rosada dos

portugueses. Desde o comêço,

todavia, que

essa alegação de ar-

tifício e má fé pelos

artificiosos

defensores do prestígio

lusitano

em nosso Continente, por

tantos

aspectos diverso da Europa, —

é, afinal, uma inversão da verda-

de. Não foi, — e ainda hoje não

é em muitos, — o escritor brasi-

leiro o que

iniciou a diferencia-

ção lingüística do Brasil. Ela ir-

rompeu, com surprêsa, nas linhas

de seus escritos depois de funda-

mente radicada em nossos costu-

mes lingüísticos. Prova disto são

as discussões lítero-gramaticais

nascidas de tais costumes. Da

maioria delas podemos

dizer que

não violenta nenhuma regra ex-

pressa, nenhuma regra codificada

nos compêndios de gramática

dos

séculos XVIII e XIX. E o fato

de não estarem, até hoje, pacifi-

camente enfardadas em normas

para os

portugueses de Portugal

dá ao caso um sentido inequí-

voco, isto é, o sentido que

lhe

atribuímos: o brasileirismo nr<o

irrompe na literatura brasileira

por invencionice ou artifício da

oposição nacionalista. Um exem-

pio concreto entre infinitos outros

é o de Varnhagen: não sabendo

como reger a crase nos seus es-

critos, porque

não era possível

inferir regras lógicas para

tantos

idiomatismos portugueses,

resol-

ve-se crasear o — a — segundo

a gramática.

. . francesa. (Prefá-

cio da História do Brasil, passim).

Voltando ao caso tal qual

se da-

va naqueles tempos: o brasilei-

rismo involuntário de nossos es-

critores, por

êles mesmos repe-

lido sempre que podiam

fazê-lo,

era um

"estigma"

social, — não

apenas uma

"corrutela"

gramati-

cal, antes, lingüística. Denunría-

va conveniência com gente

ignara,

sangue mestiço, rebelião política,

etc. Daí, provàvelmente,

o em-

penho de alguns de nossos escri-

tores em fazer panegíricos

do B a-

sil em português

castiço, — tan-

to quanto

lhes era possível

con-

seguí-lo. Êste o sentido que

de-

vemos atribuir aos poemas

de Ba-

sílio da Gama e Durão» cheios de

generosidades com os dominado-

res de nossa terra.

Firma-se o brasileirismo

Então, foi o brasileirismo que

subiu à esfera literária, ao mun-

do da língua escrita, não foi esta

que desceu aos lábios do brasi-

leiro para

ouví-lo e tentar a sua

consagração. Isto havia de vir,

com o tempo. Mas é preciso

con-

tar as coisas como as coisas são.

Triste da coisa que precisar

de

mentiras para

mantér-se entre os

homens.

Então, o verdadeiro lingüista

brasileiro

"será"

aquêle que

re-

cuar do brasileirismo escrito ao

64 CULTURA POLÍTICA

brasileirismo falado» para

estudar

a sua formação espontânea em

nosso povo.

Mas, de outra part*,

não era

possível que, depois de introme-

tido nas altas rodas, mau grado

elas, e revelar-se um fator na-

cional inconcusso, não fôsse o

brasileirismo tomado pelos pátrio

-

tas e hàbilmente manejado con-

tra o domínio português. Sim:

aquilo que para

os vigilantes dos

direitos de Portugal no Brasil era

uma nódoa social e moral, trazia

no cerne uma

"significaçãs"

es-

piritual de inestimável interesse

para o Brasil do futuro- Eram

nomes de mares e céus, pessoas

e coisas, instrumentos e mimos,

frutos e flores, animais e mine-

rais, traj os e utensílios, e mais de

idéias e sentimentos, desejos e

esperanças, propósitos

e senhas,

armas e galardões,

em suma, —

valores com que

se podia

cons-

truir uma nação e garantir

a sua

liberdade.

Não havia, por

certo, entre nós,

psicólogos que esmiüçassein tais

discriminações latentes no brasi-

leirismo inevitável nos próprios

escritores submissos à férula por-

tuguesa è ostensivamente posto

em circulação, à luz do sol, a to-

da hora, entre nativos, sem que

pudessem os servidores do reino

pôr-lhe a mão e trancafiá-lo em

masmorras. . .

Imagine-se, agora, com que

ale-

gria não havia de falar o brasi-

leiro em coisas de

"sua"

terra, à

cara dos. . .

"tiras"

do reino !

E havia também de s^r falan-

do a nossa língua que

mais sen-

tiria o brasileiro quanto

e em

quantas coisas, —

objetos, senti-

mentos e idéias, — se distancia-

va de Portugal, de modo que

nin-

guém via nem

podia deter! E

quantas vezes na liberdade inte-

rior das conciências não se terá

projetado, por fôrça de tais me-

ditações, a certeza de nossa li-

berdade! Deus andava trabalhan-

do por

nós lá onde nós éramos

incapazes de trabalhar por

Êle!

Eis aí como um vago sentimen-

to de suspeita, um leve arrepio

de timidez, um nojo de senhores

elegantes ou afestoados de bra-

sões, — oh

paixões humanas! —

ensombravam um mundo de valo-

res humanos! — Tanto peor para

elas!

Não devemos esquecer aqui ou-

tro aspecto da história do brasi-

leirismo no mundo atordoado dos

bibliólatras classicistas do Brasil:

quiseram fazer do brasileirismo

-tema, — em

poemas, romances

discursos, — uma

"escola"

literá-

ria. . . que passou.

Omissões

graves — infamantes dos

que as

façam, — estão aí enfeixadas no

bojo de uma frase inocente.

O brasileirismo-tema apresen-

ta, em nossa história, — ninguém

o nega, — uma crise febril e pas-

sageira de

"escola".

Mas o tema

dessa escola, — o indianismo, —•

não desapareceu como história,

nem o brasileirismo desapareceu

como habitus lingüístico de deze-

nas de milhões de brasileiros.

Ainda mais: a liberdade cantada

"no"

índio para

exemplo nosso

e o heroísmo dos que

morreram

por ela não é invenção de

poeta

ou romancista. Depois, a psico-

logia e a sociologia unidas não

podem deixar

que o destino de

uma

"escola"

literária arraste, no

seu meteorismo, o

"fenômeno"

provado pelo indianismo e agora

v

s

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 65

1 1 -' .-" 11 ™iW. ""I1:,

fl

™ ' -lippff

' 'IIM

mesmo confirmado pelos

nossos

romances sociais, a saber, a

relação constante entre a necessi-

dade de expressar um momeníò

ou > fase

da vida de um povo,

em

tonus literário, e o imperativo da

língua que

traz em seus tesouros

todo o sentido e em sua música

específica tôda a eficiência emo-

cionaU moral e diretiva, sem a

qual deixa a literatura de ser uma

4* « »* . f

[unçao social.

Desgraçadamente, não foi pos-

sível evitar-se que o

"passado"

envolvido com a

"tradição''

ar-

ranjasse um reduto onde atocai-

ar-se- Há dezenas de anos se fe-

chou êle nas salas de aula de"português",

onde, sob ameaças

cruéis, continua a obrigar cente-

nas de jovens

brasileiros a colo-

car pronomes

ea crasear à portur-

guesa. Cada vez mais

pobre de

recursos, já

não tem a petulância

de nos mandar aprender portu-

guês com as lavadeiras de Por-

tugal. O seu canto no seu refú-

gio derradeiro é o exemplarismo

clássico. Não importa que

os por-

tugueses falem diferente de nós.

Não importa que

os escritores

portugueses tenham

perdido o en-

tusiasmo pelos

clássicos. Não im-

porta que Portugal e Brasil não

se cansem de viver diferentes um

do outro. O clássico é tabú, é

mascote, é amuleto.

Desgraçadamente, ainda, o ele-

mentarismo filológico indígena

encontra sempre um testa-de-fer-

ro para guarnecer-se

contra tôda

perspectiva de um ajuste de con-

tas com o presente.

Assim, para

eternizar-se no seu ponto

de vista

da imitação do clássico português,

como o exigiam de nós os mei-

rinhos gramaticais

dos tempos da

Terra de Santa Cruz, dissimula-

se o filólogo lusista de hoje nas

razões pedagógicas que justificam

a

"formação"

humanística da nos-

sa mocidade. Que Deus me per*-

doe se vai nisto um gesto

de

vaidade reprovável, de nossa par-

te; — mas não podemos

deixar

de confessar, publicamente,

o de-

sejo de ouvir a um filólogo dês-

se jaez

as razões pelas quais

for-

mou a sua ilusão incrível de poder

justificar o seu

ponto de vista com

o da pedagogia

humanística. —

Aceitaríamos essas razões como

desafio. .. E aqui ficamos à sua

espera, numa

"torcida"

valente.

Ouviram ?

Nosso ponto

de vista

O nosso ponto

de vista é cia-

ro: entendemos que

o sentido de

"formação"

humanística é contrá-

rio ao sentido de

"imitação"

dos

clássicos, com submissão irredutí-

vel. E podemos provar que

a prá-

tica dêste critério entre nós tem

dado como resultado uma incom-

patibilidade invencível entre a

nossa mocidade e o

"sentido"

for-

mador dos clássicos. Êste, em ri-

gor, não aconselha nem determi-

na

"uma"

língua para que

se con-

siga o seu fim. O clássico latino,

o clássico francês, o clássico in-

glês, o clássico italiano são tão

formadores da personalidade

inte-

gral, livre e criadora» do moço bra-

sileiro, como o clássico português.

Tanto melhor se pudermos

iniciá-

lo no gôsto

de ler clássicos de vá-

rias línguas. Que tem isto, — que

me digam só ! — com a análise

lógica e a imitação literal dos clásr-

sicos portugueses

dos séculos XVI

XIX, que

fazem a corrida de

obstáculos dos nossos ginasianos?

— De dentro dêste ponto

de vista

ficamos na

"escuta".

Lealmente,

amgr ao Brasil.

66 CULTURA POLÍTICA

Adiantando às discussões uma

palavra, lembramos aqui o ma-

gistral conselho do venerando Fé-

nelon: não são os antigos, como

pessoas, nem suas obras

que te-

mos de imitar, mas as suas vir-

tudes, que

são as criadoras de

suas obras imortais. Sim: deve-

mos compreender que o ato cria-

do pela

virtude deve ser imitado

por um esforço de conversão in-

terior, sempre pessoal,

impossível

de universalizar-se, como um con-

ceito, ou comprar-se, como um

objeto, ou repetir-se como um rit-

mo físico, —' e a frase imitada

não é outra coisa.

A história muito repetida de

que as línguas teem seu

período

áureo que

não podem

ultrapas-

sar é uma maneira errônea de

dizer uma verdade. As línguas

seguem a vida do seu povo

e apre-

sentam fases

"orgânicas*'

de ca-

racterização, — umas mais in-

tensas do que

outras. Mas ne-

nhuma língua

"estacou"

jamais

de evolver enquanto falada por

um povo.

E o fato de que

elas

seguem a formação dos povos

é

antes um argumento contra os que

negam a povos

como o Brasil o

direito de ser seguido pela

sua

língua na sua evolução.

Em suma: as virtudes de um

povo, como as de um homem, não

se podem

reduzir a gestos

exte-

riores nem transferir como bens

de usufruto. As virtudes são va-

lores inseparáveis daquele que as

procura, faz-se um com elas e as

devolve em atos de merecimento.

Tôda virtude é fruto naquele que

a prática

e semente naquele que

a contempla. No plano

da litera-

tura tudo corre paralelamente com

o plano

da moral. De modo que,

se uma língua estancasse de evol-

ver, instantâneamente perderia o

"élan"

estático. E a literatura se

tornaria impossível. Somente nes-

te caso seria legítima a posição

em que

se estatuificaram os lite-

ratos que

deliberaram trancar-se

na gramática portuguesa,

sem

querer tomar conhecimento da lín-

gua viva do Brasil nem

poderem

seguir a língua viva de Portugal.

Êste aspecto do nosso proble-

ma poderá

ser levado, de passo

em passo,

até um momento em que

tenhamos de discutir a respeito da

natureza humana, — se ela

"ain-

da" é aqui, no Brasil, capaz do

que

"já"

foi em outras terras.. .

Afinal: se o direito de ter, -—'

antes, — de fazer uma história

é inerente a tôda nação, -— e ago-

ra mesmo, quanta

"história"

está

fazendo a Europa, com tôda a sua

idade! — e esse direito se caracte-

riza pela

liberdade de criar fatos,

escolher caminhos, tomar rumos,

entre rumos, caminhos e fatos pos-

síveis, '— em que

se há de estri-

bar a negação para nós brasilei-

ros de aceitar as diferenças .de

nossa língua que

se estão fazendo

a par

de nossas diferenças histó-

ricas, em relação psico-biológica

umas com as outras ?

O fato de sermos uma conti-

nuação de Portugal não poderá

impedir-nos de sermos originais,

a menos que

se entenda essa con-

tinuação em outro sentido. Con-

tinuidade histórica não é, nunca

foi, não poderá

ser

"identidade"

intangível, eternização de um

"es-

tado" em si mesmo acidental. Na

vida, só é possível

continuidade

por crescimento, adaptação, dife-

renciação, criação. Ou deixa de

ser

"vida",

para ser apenas

"con-

servação". Ainda assim, a natu-

reza das coisas do tempo e do

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 67

espaço não quer que

haja coinci-

dência entre o

"conceito"

e a

14re-

alidade", pois

no Cosmo em que

existimos tudo é

"história".

Ca-

da estréia do firmamento é mais

história do que

ciência, — afir-

mam os mais eminentes sábios

contemporâneos. Não serão os

mesmos os ritmos históricos em

cada ordem de fenômenos, — o

da gravitação

e o da moral de

um certo povo, por

exemplo. Mas

tudo é história ou eternidade, sem

meio têrmo.

Antes, ainda, de entrarmos na

exposição crítica da seqüência

evolutiva do conceito de brasilei-

rismo no plano

literário do Brasil,

advirtamos os leitores que

o fa»-

remos no sentido temporal do ho-

• mem, à margem de tôda conside-

ração espacial e de tôda

"legali-

dade natural", segundo o sentido

de lei da natureza. Assim, vemos

a língua brasileira, neste momen-

to, representada por

uma seqüên-

cia de fatos em desdobramento,

criando muito por

fôrça de urn

"genius"

próprio, mas conservm-

do também bastante das fases paj-

sadas. Até da poesia

dos velhos

jograis da Idade Média há resí-

duos em nossa vida lingüística.

Mas em vez de as considerarmos

retrospectivamente, nós as consi-

deraremos prospectivamente.

Não buscamos o nosso berço,

Marchamos para

o nosso auge.

As diferenças lingüísticas

Preliminarmente: a atitude dos

primeiros que sentiram as nossas

diferenças lingüísticas não é mais

a mesma dos que

as sentem agora.

E entre aquela e esta outras ceem

sido sentidas, consoante as cir-

cunstâncias.

Podemos supor aqui a primei-

ra delas" o brasileiro nativo, co-

lono sujeito à Metrópole por

tu-

guesa na sua idade áurea, — ob-

jeto de atenção, inveja ou admi-

ração do mundo inteiro. Portugal

é a nação de quantas

conhecemos

que traz

para o homem as mais

estranhas e mais fecundas revela-

ções, com o mínimo de sacrifícios

dos outros e todos os sacrifícios

de si mesma apenas. Depois do

que sabemos

pela Bíblia, ;3 aos

portugueses coube a honra insu-

perável de imitar a Deus, dando

ao homem a dádiva de um mun-

do. Descobre-o, conquista-o, des-

brava-o, dentro de um programa

jamais pensado ou sonhado

por

um gênio

da terra. Dêste mundo

perde quasi tudo

quando entra

em competição de fôrça e violên-

cia com que

se defronta a sua

coragem e o seu heroísmo.

Quanto a nós, o mais certo é

dizermos que

êle mesmo traba-

lhou ativamente para

a nossa au-

tonomia, — como um pai

se de-

dica à autonomia dos seus filhos.

Assim, não é obediência e muito

menos subserviência que

devemos

a Portugal, mas o dever de ser-

mos em face do mundo o que,

quando forte e valente, conse^

guiu ser entre os

povos.

Descendo, porém,

a minúcias,

podemos imaginar

qual seria aqui

a atitude do brasileiro nativo, ig-

norante e plebeu,

em face dos se-

nhores portugueses.

A sua

"dife-

rença" de linguagem haveria de

corresponder, necessàriamente, a

diferenças de valor, de direitos,

de cultura. Teria, seguramente,

vícios de inteligência e sentimen-

tos criados pelas

circunstâncias.

Entã<57 era impossível aceitar-se

o sentido anchietand de

"língua".

Como é sabido, os primeiros

após-

tolos do Brasil não tinham, dian-

68 CULTURA POLÍTICA

te do selvagem, a mesma atitude

do renascentista da metrópole

portuguesa. E por

isto faziam

aquêles penosos

exercícios a que

alude Vieira, para

conseguirem

falar como um indígena. Queriam

dêste modo, penetrar

o íntimo das

almas embrutecidas dos selvícolas

e aí semear a boa semente do

do Evangelho, repetindo aqui a

mesma façanha realizada na Eu-

ropa pré-cristã:

converter as na-

ções pagãs ao espírito católico,

sem matar a vida de suas línguas,

~ antes, fazendo destas o veículo

daquele, -— emprêsa infinitamen-

te mais difícil que

vencer mura-

lhas de fronteiras territoriais •. .

Portugal consentiria nessa obra

apostólica, mas fazendo, no mo-

mento, a obra política

e econô-

mica imposta por

outras circuns-

tâncias. Eram dois trabalhos di-

fíceis de conciliar, mas destinados

a um resultado final harmonioso,

com a vitória definitiva do apósr-

tolo... De modo que

o

"erro"

da

fala do brasileiro era uma

44de-

núncia" da origem e da formação

moral do nativo brasileiro. Um

português culto diria, ao ouvir

tais violações do bom falar lusi-

tano, a mesma sentença de Pia-

tão44

440

falar mal não é somente

um crime contra a linguagem mes-

ma, -— é mais, é também um dano

às almas". E não foi essa a ati-

tude dos primeiros cristãos em

face das

44

literaturas" da Grécia

e de Roma? — Sim: falar à bra-

sileira seria, nos melhores brasi-

leiros, um sinal seguro de uma

triste condição. Mil fatos coti-

dianos deviam confirmá-lo.

Então, o brasileiro era colono

e o português

era senhor. ..

Começa a queda

do império

português. Vai fundar-se uma

nova vida. Mas à desmontagem

do império lusitano resistiriam as

reservas da metrópole, — a na~

ção portuguesa, — o Brasil, in-

vencível pelo

novo espírito do

mundo, e o poema

de Camões. ..

Antes que

tal acontecesse, tive-

mos uma fase intermediária de

lutas de caráter político

e econô-

mico. Digamos mesmo: e cultu-

ral. O brasileiro havia feito e

continuava a fazer esforços in-

gentes por se equiparar à cultura

portuguesa, que era,

por muitos

aspectos, uma cultura

44humana",

— profundamente

cristã e huma»-

nística. A língua portuguesa ga~

nhara o máximo do seu desenvol-

vimento sem fechar-se, orgulhosa-

mente, no radicalismo lingüístico

das nações pagãs.

Impregnada do

espírito católico, — talvez como

nenhuma outra da Europa, — as-

similara comedidamente as exce-

lências do latim e deixara-se are-

jar dos mais desencontrados ven-

tos de todos os mares. Assim,

Os Lusíadas são uma espécie de

umbral levantado à porta

de uma

nova configuração do planeta..

.

Nada, pois,

mais natural e jus-

to e aconselhável que

o propósito

de uma equiparação nossa a Por-

tugal, como estrada real para

a

libertação do espírito escravo que

se instituirá no Brasil, para

os

brasileiros.

O brasileirismo-nódoa

É a fase em que

o brasileiris-

mo-nódoa é relegado pelo próprio

brasileiro, a caminho da liberta-

ção espiritual, — via equipara-

ção com os portugueses

cultos e

nobres.

Sim : pertencendo

a Portugal,

devia o Brasil

44sujeitar-se"

a

leis próprias para

êle. A

44regra"

de gramática portuguesa,

re-

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 69/

sultante da originalidade his-

tórica de Portugal, e a lei

religiosa, porém,

exigiam uma

identidade entre brasileiros e por-

tugueses, em nome da unidade

nacional. Então, ser bom catófi-

co e falar bem a língua portu-

guesa eram casos especiais da le~

galidade no Brasil. È

podiam ser-

vir de

"ponte"

para novas espe-

ranças dos nativos. Mas a ver-

dade é que

a língua portuguesa

não tinha nem podia

ter a elas-

ticidade do catolicismo, como re-

ligião que

era- Assim, a

"regra"

de gramática portuguesa

era, em

Portugal, um

"costume"

resultan-

te de numerosos fatores históri-

cos, ao passo que

no Brasil era

sobretudo uma

"ordem"

atual em

divergência com o que podemos

denominar de nosso

"passado".

Em Portugal, vinha do seu pró-

prio passado, aprendia-se em casa,

aperfeiçoava-se na escola, enri-

quecia-se com a experiência, sob

a fiscalização de uma

"censura"

espontânea contra tôda excentri-

cidade. Mas colônias, porém,

a

regra portuguesa

vinha de [ora

para dentro. Mas êste interior

estava crescendo segundo as suas

circunstâncias especiais. Quasi

poderíamos dizer

que o nosso

"passado",

diferente do passado

português, crescia aqui à medida

que o

passado português dimi-

nuía. O conflito haveria de ex-

plodir, mais cedo ou mais tarde.

Quando a

"regra-ordem"

dei-

xasse de ser

"ordem",

perderia

todo o sentido como

"regra".

Ou-

tra

"censura"

lingüística" se teria

consolidado aqui, de dentro para

fora, invencivelmente.

Porque, aqui, a

"regra-ordem"

era ordem em primeiro

lugar, e

regra secundàriamente. Não era

a cultura o primeiro

fim, mas a

submissão à unidade nacional por-

tuguesa. Em Portugal, o êrro

gramatical era uma

"excentrici-

dade", digamos, um solecismo,

um provincialismo,

um plebeísmo.

No Brasil, o êrro era um

"bar-

barismo". Em Portugal, o êrro

era, invariàvelmente, uma exce-

ção ao uso. No Brasil, o êrro era

quasi sempre o

próprio uso

geral.

Desde o fonema, que perdeu

en-

tre nós a continuidade orgânica,

condição sine-qua-non da vi-

talidade de um

"genius"

lingüisti-

co. (A

começar pela

lei de con-

servação do acento tônico, — fun-

damental, -— tudo aí está depen-

dente da continuidade orgânica,

pois a linguagem tem

que passar

de uma geração

a outra, auditi-

vãmente, do adulto para

a infân-

cia, sem perturbação

de ordem

geral. Ou morre,

para dar lugar

a uma língua nova) .

Então, e afinal, -— diversas co-

mo processos e como intenções, a

regra portuguesa,

-—' uma regra-

costume, -— e a regra brasileira,

*— uma regra-ordem, — a primei-

ra, própria

do português,

e a se-

gunda convencionada ou decre-

tada para

o brasileiro, -— tinham

que levar a resultados necessà-

riamente diversos- Era a disso-

ciação lingüística inexorável que

estava no futuro, à espera de cer-

tos complementos políticos, para

se afirmar como presente.

Disso

não salvaria a língua portuguesa

do Brasil nenhuma boa-vontade.

Deixemos, agora, as conside-

rações sócio-lingüísticas e desça-

mos às ilustrações históricas. Po-

dem estas ser de duas espécies:

ou de ordem coletiva, estudadas

nos costumes lingüísticos do Bra-

sil, ou de ordem cultural, estuda-

70 CULTURA POLÍTICA

das em certos autores particular-

mente envolvidos na marcha dos

acontecimentos literários do Bra-

sil. Ficamos aqui restritos ao se-

gundo ponto de vista.

Excêntrico em relação

aos clássicos

Parece-nos andar muito vizi-

nhos da verdade dos fatos ima-

ginando aqui a situação do nosso

eminente lexicógrafo Antônio de

Morais Silva, como extremamen-

te vexatória, quando, um belo dia,

se viu indigitado como

"excên-

tricô'' em relação aos modelos

clássicos portugueses. Escrever à

brasileira era, ainda em seu tem-

po, um

grave desvio das boas nor-

mas. Era menos que

violar o uso

geral. E ele

pretendia estar aci-

ma dêste, — no

plano literário.

O êrro brasileiro implicava em

suspeitas .de origem bastarda, em

educação inferior, em transgres-

são da unidade política e cultural

do reino. Tanto mais quanto já

andavam pelo

ar desconfianças

bem fundadas de agitações auto»-

nomistas do Brasil. Onde quer,

pois, que repontasse, não

passa-

ria despercebido ao espírito vigi-

lante da ordem estabelecida, e se

dêste escapasse, cairia, fatalmen-

te, no crivo fino da malícia subor-

nada para

o serviço da ordem po-

lítica. Em suma, falar à brasilei-

ra, e, — peor

ainda, — escrever

como falavam os brasileiros, san-

cionando-os, era publicar

e de-

safiar a ordem política.

Importa-

va em fazer gáudio

de ser de bai-

xa estirpe, de ter costumes bár-

baros, de trazer no sangue tendên-

cias criminosas, de andar mais

perto do satanismo selvático das

terras americanas. O brasileiris-

mo era, pois,

um terrível

"schib-

boleth" para um

português. Era

almofeira de fruta

"braba".

Era

reima de sangue selvagem- Ima-

gine-se, agora,

que constrangi-

mento não haveria de sofrer quem

se sentisse, contra a vontade, al-

vcjado pela

coima do

"brasilei-

rismo".

Antônio de Morais Silva é um

dos apontados, -—- haviam, então,

de ser muitos, — como inquina-

do dessa praga.

Mas não há cul-

pa sem

princípio de intenção. E

êle jamais

alimentara semelhan-

te absurdo, — fazer boas-letras

com o auxílio do brasileirismo. E

jura aos manes dos clássicos re-

dimir-se de tamanha aleivosia.

Com dignidade, empreende uma

obra gigantesca,

— um dicioná-

rio filológico, — a saber, um có-

digo da língua clássica, para

carta

de guia

de portugueses

e brasilei-

ros, — coisa boa, moderna, fácil

de manuseio, seguro de informa-

ção. E anos depois dá a lume o

seu ainda hoje notável Dicionário

da Língua Portuguesa, no qual

introduz reformas inteligentes que

valem como lição para os seus e

os nossos tempos. Exclue o voca-

bulário latino-bárbaro, simpLrica

a grafia

de

"muitas

consoantes

dobradas inutilmente

*,

aproveita

as terminologias novas, como as

da mecânica, etc. Coisa notável:

não foge à sua condição de bra-

sileiro. Lá está no frontispício da

sua obra:

"Antônio

de Morais

Silva, natural do Rio de Janeiro".

Após esta declaração, corre para

o mais seguro abrigo:

"Oferecido

ao muito alto e muito poderoso

Príncipe Regente N. Senhor".

É a

"água

lustrai" em que

espera

redimir-se. . . No seu prólogo,

confessa:

"A

ignorância em que

me achava das coisas da Pátria

(Portugal) fez

que lançasse mão

dos nossos bons autores, para

ne-

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 71

les me instruir e por.

seu auxílio

me tirar da vergonha que

tal ne-

gligência deve causar a todo ho-

mem ingênuo (...). Apliquei-

me, pois, à lição deles, e sucedia-

me isto em terra estranha, onde

me levaram trabalhos, desconhe-

cido, sem recomendação, e mar-

cado com o ferrete da desgraça,

origem de ludíbrios e vitupérios

com que

se afoitam aos infelizes

as almas triviais". É a sua pe-

tição. . .

Mas com que garbo

se declara

brasileiro: E com que

sofreguidão

investe contra adversários inep-

tos! Não os menciona. E com ra-

zão. Há gente

cujo batismo ou

registo é um engano infeliz. Bra-

sileiros que

tentassem arrastar

brasileiros ao vilipendio português

naquela época delicadíssima não

podiam ter nome. E ficaram sem

isto.

Ressuscitado hoje, Antônio de

Morais Silva seria grato

aos seus

detratores. É o maior diciona-

rista português.

Com êle o bra-

sileiro se aposenta da obrigação

de ser português.

Porque podia

sê-lo, se quisesse.

Não o seria,

se lhe conviesse. A língua literá-

ria de Portugal tinha agora um

mentor brasileiro declarado. Era

uma legítima carta de alforria bra-

sileira, para

valer a quantos

sou-

bessem compreender o que

trazia

no branco das entrelinhas-

Assim, Antônio de Morais Sil-

va representa a fase de nossa lín-

gua em

que o brasileirismo é uso

involuntário e inconciente. Que

irrompe na frase de intenção clás-

sica, sem se deixar apanhar pelos

arpões gramaticais

em voga.

Em verdade, não seria natural

nos brasileiros cultos dessa época

o desejo de fazer literatura nem

gramática autônomas. Os confli-

tos lingüísticos ainda planavam

em uma zona mental difícil de

contacto, sem perigo

de contágio.

Depois, as rivalidades luso-brasi-

leiras não tinham, salvo exceções,

o aspecto de uma luta de castas.

A família e a religião trabalha-

vam eficientemente contra as in-

junções político-econômicas, de

dia e de noite. Se o português

era mais largo de vistas, o indí-

gena era mais hábil no empreen-

der. E os apóstolos não cessavam

de despontar rivalidades e enta-

bular negociações fundadas em

princípios eternos e confirmadas

por atos de heroísmo. De

qual-

quer forma, o conflito, — diga-

mos no singular, — não destruirá

tôdas as pontes

de comunicação

entre as almas. Daí, a duração

maior do primado

cultural por-

tuguês no Brasil. O nosso púl-

pito literário tem raízes em nos-

sas missões. Sôbre êle, cresceria

a nossa tribuna. Vieira tem um

papel precípuo entre aquêle e esta.

Porque era apóstolo. E, sendo

português, se deu todo à causa

brasileira. Era, pois,

inevitável

uma fase de um

"bilingüismo"

sui generis, porque

infenso ou in-

diferente à língua falada dos por-

tugueses, mas dividido entre o

povo e a literatura. Esta, ligada

à tradição missionária, e a outra,

ligada à nossa história, — rumo

à autonomia integral. Por longo

tempo nos empenharíamos, sôfre-

gamente, à imitação dos clássicos.

Mas em tempo algum nos interes-

saríamos de falar

como falam

os

portugueses. Teríamos uma lín-

gua para nossos costumes e ou-

tra, -— escrita, — para

nossas le-

tras- Até que

razões outras ocor-

72 CULTURA POLÍTICA

ressem, abrindo à língua geral

meios de ascensão à torre de mar-

fim das belas-letras.

Gonçalves Dias e

o brasileirismo

Antônio de Morais Silva é o

filólogo dessa fase. Morre em

1824, deixando a segunda edição

do seu Dicionário. Gonçalves

Dias nascera em 1823, um ano

depois da Independência. E vai

crescer dentro de um ambiente

fervoroso, radiante, alvissarei-

ro... As missões se transfigura-

ram em cidades, onde se hierar-

quizam os brasileiros socialmente,

uns em função dos outros, em

sistema fechado. Todos com uma

página de feitos memoráveis em

benefício da libertação nacional.

O

"senhor"

é agora

"imigrante".

O tratamento de

"você"

perde as

côres sociais e dilue-se em trato

familiar. O brasileirismo está em

tôda parte,

em todos os lábios.

Passa mesmo por

uma espécie de

promoção, para ocupar a

posição

do seu rival. O

"português"

cai

sob o estigma de

"schibboleth"..

ainda bem vivo em nossos dias

dentro dos mesmos limites em que

perseguiu o brasileirismo.

Gonçalves Dias vai fazer uma

passagem temerária: os termos em

que põe o seu

plano lítero-grama-

tical são decisivos. Há uma na-

tureza brasileira. Há um vaquei-

ro brasileiro. Há um pescador

brasileiro. Há um marinheiro bra-

sileiro. Há uma infinidade dc

profissões outras brasileiras,

que

não teem

"nome"

em português,

mas o teem na língua brasileira.

Em tudo há modos de pensar

e

sentir e agir que

não esperaram

a chancela de escritores portugue-

ses. Os clássicos não os conhe-

ceram. E a língua não é privilé-

gio de casta. E não há modelos

vivos que

nos ensinem a falar

"português".

Nossa fonética, —

fato consumado, -— nunca mCre-

ceu atenção, porque

a fonética

portuguesa, sôbre impossível de

sobreviver ao choque étnico-me-

sológico, não tem mérito. Agora,

tornou-se bastarda e suspeita. É

objeto de ridículo. A censura co-

letiva espontânea do nosso falar

ganhou uma sensibilidade especial

contra o sotaque lusitano. E tudo

convida a falar de liberdade. O

poeta quer levar aos mares, aos

campos, às aves do céu e aos bi-

chos do mato a boa-nova: — So-

mos livres. Em primeiro

lugar,

o índio, onde a liberdade brasi-

leira encontra uma expressão vi-

gorosa, porque nunca aceitou ne-

nhum jogo

estranho- Gonçalves

Dias descobriu no índio um mo-

dêlo de virtudes para

o homem

secularmente dobrado à vassala-

gem. E o faria intérprete dos

seus ideais. De selvagem se torna

um homem bíblico, — melhor que

o civilizado. Nenhum homem de

gênio do mundo

perderia tal ense-

jo de

poetar. E o índio aparece

em verso idealizado» porque

era,

em verdade, um exemplo de vida

livre. Para êle e com êle, pois,

a moldura imensa do cenário bra-

sileiro. De companheiro passava

a modêlo.

E anos afora, se cantaria no

Brasil :

"Não

chores, meu filho,

Nao chores, que

a vida

fi luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é combate,

Que os fracos abate,

Que os fortes, os bravos,

Só pode

exaltar".

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 73

"Teu

grito de

guerra

Retumba aos ouvidos

De imigos transidos

Por vil emoção:

E tremam de ouví-lo

Peor que

o sibilo

Das setas ligeiras,

Peor que

o trovão".

Era a voz da terra, a nova tra-

dição, o ponto

de partida.

Se nos deixamos arrebatar pela

idéia de que

o índio foi para

a

poesia de Gonçalves Dias o mote

do seu ideal de brasileiro livre

e dominador da sua terra, então

compreenderemos muito mais do

que em

geral se compreende nos

seus versos.

O canto de Tabira, o Canto

do índio, o Canto do exílio, o

Poema americano estão trasva-

sando brasilidade. Em todo ver-

so dessas e outras produções

de

G. Dias transparece, — assim o

sentimos, o firme intento de

focalizar a atenção, o entusias-

mo, o

"sentido

dos brasileiros para

a nossa terra, sem uma sombra

única de dissimulação. Êle quer

que a

queiramos e lhe

queiramos

como ela é, — áspera, enorme,

exuberante, desperdiçada,

bárbara. Em Os Timbiras fala

bem claro: o índio tem suas vir-

tudes, que

um cristão deve esti-

mar e até envergonhar-se de não

ter ou de não ver. Então, repare-

mos o mal consumadp: evoquemos

e exalcemos o índio, de que

tam-

bém descendemos, — mestre, com-

panheiro, amigo nosso, mas traí-

do, esmagado, destruído.

Sobretudo, * modelo de liber-

dade, de coragem, de desinte-

rêsse. E simples. E magnânimo,

sem tergiversações, refolhos, hi-

pocrisia, timidez, e as caracterís-

ticas brutezas do homem civiliza-

do, — corajoso

por ambição, mas

displicente por

ideal.

À frente, -— o poeta

seguirá o

índio:

"A

fronte não cingí de mirto e

[louro,

Antes de verde grama

engri-

[naldeia-a,

De agrestes flores enfeitando a

[lira, Parnaso,

Não me assentei nos cimos do

[naso,

Nem vi correr a linfa da Castá-

[lia.

Cantor das selvas, entre bravas

[matas,

Áspero tronco da palmeira

esco-

[lho.

Unido a êle soltarei meu canto,

Enquanto o vento nos palmares

[zune,

Rugindo os longos encontrados

[leques."

A todo instante, a qualquer

propósito, a liberdade selva-

gem, com muitas vantagens sôbre

as liberdades civilizadas. Princi-

palmente, objeto de atenção

para

nós. Só poderíamos

sentir aqui

uma liberdade

"primitiva", — in-

trépida, leal, viril. Outra liberda-

de seria aqui impossível e humi-

lhante. Sobretudo, — imprópria.

E só possuídos

de um sentimento

de liberdade adequado seríamos

sensíveis a qualquer

injunção es-

tranha. Então, -— que

nos edi-

ficássemos nesse modelo vivo, —

invencível a tõdas as negocia-

ções. No índio, viver e lutar e ser

livre teriam talvez nomes diver-

sos. Mas não se distinguiriam no

seu caráter ou comportamento.

Quando ela acabou, — a liberda*-

de, — também acabara a raça.

Há em Gonçalves Dias assomos de

quem houvera

preferido uma vi-

74 CULTURA

tória às avessas. Com índios, —

quem sabe? -— talvez fôsse me-

lhom. (Cf. Os Timbiras, III) .

Mas Gonçalves Dias não esque-

cia a sua Fé. Assim, o muito sei-

vagem não o encantava. Seus ver-

sos à Mãe d água são um poema...

didático. Era católico de convic-

ção. Assim, não

quer

"recuar

ao

índio. Quer um futuro original,

-—' a partir

dele. A consciência da

liberdade, o sentimento da liber-

dade, os heroísmos da liberdade,

<— eis o encanto de Gonçalves

Dias, diante da selvageria indí-

gena. De olhos fitos nela, esta-

ríamos imunizados de tôda escra-

vidão. — E como evitarmos que

ela se apagasse em nossa alma?

— Amando a terra brasileira, <—-

a terra e o céu, o mar e as selvas,

as aves e as feras, o dia e a noite,

o vento e chuva, a flor e a fruta,

a sombra e o sol. Como o índio,

que parece só ter vivido

para nos

deixar a lição de amar sem re-

servas o querido Brasil, —' terra

da liberdade e do heroísmo, feita

para converter ódios em amor e

ambições em bondade. -—- Terra

de Deus!.. .

O brasileirismo~nome

Com respeito à língua do Brasil,

Gonçalves Dias consagra antes de

tudo, o brasileirismo-nome, — no-

mes das coisas que amamos, nomes

de homens irmãos, nomes de

terras regadas de sangue in-

victo, nomes de rios e selvas ha-

bituadas a ouvir vozes selvagens.

Depois, é o brasileirismo~tema,

para sobrepor-se a

quantos estri-

bilhos se recantavam lá longe de

nós. A poesia

é um condão que

transfigura as coisas que

contem-

pia. —

Que se transfigure o

Brasil em poesia

brasileira para

POLÍTICA

vencermos a natureza maravilhosa

que o bom Deus

quis fazer em

desafio dos poetas!

Mas não foi possível

a Gonçal-

ves Dias vencer os melindres de

sua arte. Ou entendeu que êles

não lhe seriain infensos. Ou terá,

/—- quem

sabe? — planejado

obri-

gá-los a cantar em honra do Brasil

selvagem. . .

Em carta a um amigo, confessa

os direitos da língua do Brasil.

A salvo de tôda ignomínia. Lín-

gua humana. Língua

para uma li-

teratura. Só recua diante do pie-

beísmo. E quer

salvar a sintaxe

como algo inatacável e talvez pró-

prio do homem. Sem coação

por-

tuguesa. Diante da acusação de

áspera irrogada à fala do Brasil,

admite que

assim é, às vezes.

Mas confia no tempo e na ação

dos bons escritores. E diz ter

feito alguma coisa, neste campo.

É notável que não tenha aludi-

do a nenhuma regra portuguesa,

nenhum modelo português.

Tra-

ta da língua brasileira como de

coisa viva, atual, em formação e,

-— por

isto mesmo, -—' objeto de

cuidados dos brasileiros. . .

Afinal, cabe a Gonçalves a ini-

ciativa arrojada e eficiente de dar

à língua brasileira tôda a liber-

dade possível

em face do passado

lusitano e o direito de a dirigir, em

colaboração com a marcha dos fe-

nômenos.

Tendo conhecido Portugal, e

ouvido a portugueses,

cantou um

dia:

"Quanto

é grato

em terra estra-

[nha

Sob um céu menos querido,

Entre feições estrangeiras,

Ver um rosto conhecido;

ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 75

Ouvir a pátria

linguagem

Do berço balbuciada,

Recordar sabidos casos

Saudosos, — da terra amada.

E vendo os vales e os montes

E a Pátria que

Deus nos deu,

Possamos dizer contentes:

-— Tudo isto que

vejo é meu."

Mas não acaba aí a evolução

do sentido do brasileirismo. Até

porque Gonçalves Dias não tra-

balhou insulado. Como as suas

idéias eram também o entusias-

mo de muitos e correspondiam aos

mais intensos acontecimentos na-

cionais, teve companheiros, adep-

tos discípulos.

Antes, porém,

de o deixarmos

no desenvolvimento de nossa tese,

<— deixamo-lo como homem, não

como autor, pois

suas idéias

nunca mais sairiam do cenário

de nossa literatura, — queremos

ainda aludir, aqui, de leve, às

Sextilhas de Frei Ántão.

De nosas parte,

não lhes des-

cobrimos outro mérito, -—grande,

sem dúvida, — que

o de meter

em ridículo a classicolatria dos

que permaneciam fiéis ao velho

critério litero-gramatical, que

fa-

zia do brasileirismo em geral

um

vício denunciador de baixa estir-

pe e condição social inferior. Pa-

rece-nos que

o intento de Gon-

çalves Dias, testemunha de dis-

cussões estúpidas em tôrno de

nossas diferenciações lingüísti-

cas, tomara a peito

mostrar que

sabia escrever à antiga, -— em

uma língua morta, impossível de

reviver no seu tempo e sua terra.

E recuando a estruturas clássi-

cas, mais

"puras,

porque mais

próximas do latim, recuou também

aos temas que

essas estruturas

cristalizaram e a escrita

"conser-

vou". <—1 Como se quisesse

dizer:

êsse trabalho é escrito em língua

morta e por

isto vai morrer. Êle é

uma antítese à minha obra, <—

no fundo e na forma. A língua

de cada época forma um conjun-

to indisssociável: os temas, o

sentido musical, a estrutura lin-

güística, o estilo

geral, um mun-

do de coisas que

não se dizem,

porque, em cada época, todos sa-

bem ou sentem, estimam ou

repulsam» consensualmente, —

combinam-se em constelação

ideo-afetivas como estofo comum

de uma sociedade espiritual e

ainda ganham

com a escrita não

sei que

unidade de fixidez tanto

mais intangível, quanto

mais o

leitor futuro

é capaz de apreen-

der em seus dados, suas relações

profundas, suas subintenções, a

alma que

a! se debruçou e im-

primiu. O

que Bergson afirmou

da

"palavra"

em geral

é parti-

cularmente verdadeiro da palavra

escrita. Ela é vida cristalizada,

instante, espaço e emoção num

conflito irreversível. Aquêles

mesmos que pretendem

aspirar a

vivacidade do presente para

so-

prá-la nas articulações ancilosa-

das do passado,

— como a imita-

ção dos clássicos

portugueses do

século XVI pelos

escritores bra-

sileiros do século XX, — êles

próprios confirmam êste

ponto de

vista com as suas escrupulosas

preocupações de

fac-similes,

edições princeps,

— estendendo,

associativa ou intuitivamente, ao

tipo, à técnica, à letra sem equi-

valente fonético um

"valor"

que

só poderá

valer de fato como ilus-

tração do que

afirmámos acima,

nunca, porém,

como prova

de

76 CULTURA POLÍTICA

que devemos fazer-nos à imagem

e semelhança dos clássicos.

Então, se estivermos certos, as

Sextilhas de Frei Antão represen-

tam uma sátira cruel aos que

pretendiam, nos dias de nosso emi-

nente poeta

nativista, sacrificar

as originalidades do presente

a es-

tribilhos do passado.

E, — cremos nós, -— só êste

sentido é conciliável com a atitude

de Gonçalves Dias. Nem o culto

do clássico nem o puro

dilentan-

tismo literário justificam

o

"sacri-

fício" das Sextilhas de Frei An~

tão. -— Como réplica, tudo se

compreende. É digno dela o

cantor da liberdade selvagem e do

Brasil livre.

José de Alencar, o maior

indianista

Com uma opulência de recur-

sos incomparável, José

de Alen-

ca, ér se mcontestação, o maior in-

dianista brasileiro. Gonçalves

Dias era o homem de um ca mi-

nho só, — caminho que

desbra-

vou, planificou,

em suma, conso-

lidou de tal modo, que

a todo

tempo poderia

ser retomado. Cer-

ta vez nós mesmos lembrámos a

possibilidade de se renovar o in-

dianismo no Brasil, para

roman-

cear o imenso drama que

vai por

aí a dentro do Brasil. Seria um

neo-idianismo que

se serviria do

muito que

sabemos hoje dos nos-

sos índios, que projetaria,

em dra-

mas fantásticos, o que

tem suce-

dido a numerosas missões moder-

nas, especialmente do Amazonas,

de Mato Grosso e da Baía. O

papel do Govêrno, especialmente

dos governos

estaduais, das auto-

ridades locais, a incompreensão

das populações

civis, etc. Êsse

neo-indianismo partiria

de um

ponto de honra: trabalhar in loco.

De nossa parte,

acreditamos que

muitas coisas estranhas e talvez

horripilantes haveriam de ser con-

tadas. E talvez se criasse deste

modo um sentido complementar

para a Marcha

pro Oeste.

E porquê

não se criarem prê-

mios especiais para

criações de

tal ordem ?. . .

A grande

vantagem de tais es-

tudos, *— de preferência,

roman-

ceados, — seria

"reintranhar"

a

fantasia literária brasileira nos

seus verdadeiros caminhos, -— na

sua estrada-real.

Como

"itinerário",

indicaria-

mos, no campo literário, a obra

de José

de Alencar. Enquanto

Gonçalves Dias se empenhava na

defesa, senão na glorificação do

índio, uma obra de reparação,

— José

de Alencar dá um passo

largo adiante. Arcando com as

enormes responsabilidade dessa

iniciativa, pois adiantar-se no

tempo ao poeta do selvícola im-

portava em ganhar o

plano da

nossa história, nossa fundação,

nossas agitações, em suma, tôda a

efervescência da nossa

"nebulo-

se" racial.

Alencar planejou

dar a isso be-

leza, estilo, imponência, numa

grande apoteose, — fim de uma

tragédia sumária, uma competição

de instintos, de epílogo prosáico,

e início de algo extraordinário que

era preciso

sondar, era necessário

aproveitar, era, afinal, um como

exame de consciência nocional,

para fundamento de novos

pro-

pósitos, uma vez

que o Brasil nun-

ca será feito nem será nosso sem

êsses exames e êsses propósitos.

¦

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 77

«

E' escusado dizermos até onde

Alencar venceu na sua emprêsa...

Se porventura

lhe quiséssemos

fa-

zer aqui restrições rigorosas que

merece, encontraríamos, de fren-

te, com a glorificação popular que

nos acusaria de tardio, pois

ela

se incumbiu de escoimar as pro-

duções de Alencar, segundo o seu

gôsto. O Alencar imortal de Ira-

cema, Guarani, Minas de Prata

e poucos

mais dos seus livros é

um dos raros autores brasileiros

que sobreviveram na massa brut^

dos nossos imitadores de escolas

estrangeiras. Desgraçadamente

somos obrigados a dizer que

o

fundador do romance

"nacional"

não encontrou eco no mundo dos

nossos literatos. (Muitas vezes

nos lembramos dessa pobre gente

quando assistimos a certas

provas

escritas de maus alunos: de fren-

te para

a folha da prova,

estão

freqüentemente voltados para

trás, na esperança de pilhar

na

prova de um colega

"inspiração"

para as suas respostas. Não é

isto que

fazem, depois, como

"ro-

mancistas" brasileiros, sempre vol-

tados para

"fora",

na esperança

de colher aí com que

dizer coisas

de cá de dentro ?) De tal sorte

se apoucou, entre nós, o sentido

de nossa marcha, que

o único

refúgio da maioria dos nossos re-

novadores do romance do Brasil

tem sido o

"regionalismo",

— e

ainda bem, — pois

não falta quem

os acuse de

"estreitos"

demais

para a imensidade do nosso vo-

lume. . . — Em tempo : não é a

êsses renovadores que

responsa-

bilizamos por

tamanha lacuna.

O mal há de estar na formação

da nossa mocidade. Raramente o

moço atual de nossa terra conhece

mais que

o seu bairro e os cami-

nhos das diversões. — A expio-

ração da freguesia dos moços é

hoje um

"alto"

negócio em todo

gênero de diversão.

Mas felizmente, — por

outra

parte, -— há no Brasil um

povo

que ainda lê, sôfregamente,

José

de Alencar. É o povo que

está

continuando a desenrolar a meada

mágica do nosso destino. Nesta

palavra parece-nos estar todo o

grande criador de O Guarani.

O índio

"alencariano",

— sim,

porque o romancista não

pode re-

nunciar o direito de esculpir o seu

personagem, para convertê-lo de

"crônica"

em romance, ~ diverge

do índio de G. Dias. Desde a

linguagem. E isto é já

um sinal

de grande

mérito. O índio de

Alencar fala uma língua simples

onde se sente a sombra da sua

língua de infância. Alencar não

quer perder de vista, nem de

ouvido, o seu protagonista.

Preo-

cupa-o o problema geral,

nos a-

contecimentos de repercussão fu-

tura; o

"clima"

moral, todo de

conflitos entre virtudes bárbaras

e vícios de civilização, — parti-

cularmente representados no es-

pírito de aventura

que êle opõe.

dolorosamente, ao espírito de he-

roísmo do selvícola; os conflitos

e a conciliação das raças; a ciên-

cia intelectual do civilizado e a

ciência intuitiva do bárbaro; o es-

pírito de além-mar e o sentimen-

to de americanidade; o amor do

"branco"

e o amor do homem de

bronze...

Em tudo, a mesma caça de sen-

tido, — significação e rumo.

Gonçalves Dias é a voz da

justiça à beira de um túmulo. <—¦

Que não morra, ao menos, em

nossas almas e se nutra do sangue

bárbaro que

traz nas veias o

/

78CULTURA POLÍTICA

*

altíssimos sentimento de liberda-

de, que

sacrificou uma raça para

deixar-nos uma lição! José de

Alencar é uma ressurreição de

virtudes excelsas, que duras

pro-

vas iam quasi

extinguindo nos

cristãos da América, mas o exem-

pio das selvas reanimou para

cons-

truir uma nação sem igual no cur-

so dos tempos.

Gonçalves Dias e Alencar

Em Gonçalves Dias não se con-

segue perceber

o fio do passado,

a ponte

dos sangues, a entrada

triunfal do

"brasileiro"

no Brasil.

Tudo aí é admiração, protesto,

escândalo, desolação. Quanto

mais alta a inspiração do vate,

tanto mais fundo o abismo da ai-

ma que

o siga com a intenção de

"prosseguir'*.

Em José

de Alen-

car a intenção da continuidade é

tão veemente, que o escritor não

foge de tecê-la onde não a des-

cobre.

Tinha que

ser

"historiador",

político, diplomata, advogado,

poeta. E não se correu de

"ima-

guiar" tudo isto

que, fora do ro-

mance, conhecia na vida. Todo

o segredo do seu gênio

estava

em fazer recuar a sua própria

experiência à

"nebulose"

das suas

fontes históricas.

O índio de Alencar aprende e

ensina, —* sobretudo, ensina. E'

guia, é companheiro, é desbrava-

dor, é incentivo. Todo o seu sa-

ber e experiência derrama-se de

suas mãos para

as mãos do seu

substituto, — finalmente, seu a-

migo e parente.

Em O Guarani

a família brasileira, como a da

Bíblia, renasce em pleno

dilúvio...

Dois mimos admiráveis, como

Adão e Eva, sobrados de tantas

desordens, são arrastados do

"presente" não para

se per-

derem na morte, — mas

para

descortinarem no horizonte os ca-

minhos da nova Canaã, — o

Brasil mestiço, invencível de bon-

dade e lealdade.

Do lado do selvagem, -- o ho-

mem, primeiro na criação.

Do

lado do civilizado, a mulher cris-

tã, supremo refúgio, — e o últi-

mo ! — do ideal de um povo.

Aos poetas

do Brasil a honra

de desfolhar todo o simbolismo

maravilhoso desse noivado...

Interessa-nos, aqui, a neces-

sidade" sentida por José de Alen-

car de

"escrever" fora dos câno-

nes da literatura portuguesa. E

o fez com todo o desassombro de

quem o fazia,

podendo fazer de

outra forma, porém ^

o fazia, por-

que assim é

que está certo.

Neste propósito,

cada vez mais

destemido, José de Alencar de-

fronta tôda espécie de adversida-

de. Desde a mais corriqueira, —*

de que

é adepto da

"língua

brasi-

leira" quem não sabe

"português"

(acusação que sai inteira pela

culatra, porque confessa que

o

"português"

é aprendido, não é

"sabido"

nem falado), — até as

mais petulantes, qual

a de que

hoje, como nos tempos em que

o Brasil era português

e o por-

tuguês era nosso senhor, a

tudo teve que

responder José de

Alencar e o fez sem nenhuma he-

sitação porque não confundia no

seu espírito a imensa realidade

brasileira com quantas bibliotecas

lhe atiravam, para afogá-lo.

Em um ponto,

sobretudo, nin-

guém podia negá-lo, sem negar-

se como

"homem":

que a atitude

de abstenção sistemática em face

das diferenciações e diferenças

criadas na língua do Brasil de-

ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 79

viam ser

"estimadas",

para um dia do

que a língua do Brasil veio

alcançarem os direitos de cidade trazer para a gramatica portu-

no mundo das letras. Se. para guesa

um mundo de vexames, pois.

isto, tínhamos que renunciar às não

podendo tirar de si. como

coações do filologismo português,

"gramática

. as razoes de nossas

nenhuma razão moral nos impe- diferenças, teve que recuar as suas

diria de fazê-lo, se não é mais fontes históricas, ao povo. {Us

justo dizer que

todas nos acon- clássicos se revelaram terrível-

selhavam a empreendê-lo. Com mente confusos...) Ora,

— povo

o desprêzo de tais diferenciações por povo. — se os

portugueses o

e diferenças criadas aqui chega- são, parece

nao haver duvidas de

ríamos um dia a escrever uma que

também nós o somos,

língua diferente da língua que Afinal,

"fundou-se um capi-

falamos, sem qualquer vantagem tulo novo na

gramatica portugue-

para Portugal e com dolorosa sa, para

uso dos brasileiros,

vergonha para os nossos escrito-

"Usos"

do povo português,

res. pois. à hora em que

estão com uma infinidade de variantes,

êles, — meia dúzia de

gatos- — as novas regras eram ordens

pingados,

— a tentar

"escrever"

para os brasileiros.

— Como nos

como os portugueses, milhares de tempos coloniais...

filhos de portugueses imigrados Sem dúvida alguma: precisa-

para o Brasil estão, desde o mos de

"reintranhar no brasi-

berço, a balbuciar a língua do leiro o sentido nacional do ro-

Brasil.. mance de Alencar. Só assim nos

E o mais interessante, —

"reconheceremos" com direitos de

temos chamado algures a aten- povo.

cão para isto, — é

que os con- Então e

para terminarmos esta

flitos iniciais entre as duas trin- fase que se

prolonga, como ca-

cheiras — a da escrita dos nos- mara lenta, até nossos dias,

sos escritores e a da fala dos por- ças

à incultura dos nossos filo-

tuqueses que

"estranharam" as logos: o brasileinsmo ganha

com

nossas divergências, - estavam. José

de Alencar um sentido his-

em qeral, fora de toda cogitação tórico . Ultrapassando os limi-

dos codificadores de regras por-

tes de brasileirismo-nome, invade

tuquesas de linguagem. Assim, a o campo da estrutura mesma da

nossa colocação de pronomes

nun- linguagem. Ê êste o sentido pro-

ca tinha sido objeto de sistemati- fundo,

— para quantos

o enten-

zacão entre êles. Outro caso: o dam àquém e alem da gramatica,

problema da crase deu ensejo a - de

podermos agora colocar o

dizer-se no Brasil pela

boca de nosso pronome

complemento <o-

muito

"doutor"

um mundo de as- blíquo, mas não átono) onde me-

neiras sem correspondentes. — é lhor nos

pareça,

— segundo a

c]aro em nenhuma língua do ordem lógica, ou as exigencias da

mundo. O nome

"atração"

utili- ênfase ou os conselhos daeufo-

zado, emergentemente. para tra- nia. (João

Ribeiro. Silva Ramos,

duzir à posição

dos pronomes

à- Paulino de Brito, etc.) Ainda

tonos (portugueses)

foi uma no- com José de Alencar, nao e mais

vidade das mais infelizes. De mo- o caso literário cru , e em sepa

80 CULTURA POLÍTICA

rado, do ponto

de vista classicista

que está em

jôgo, mas o caso

dos direitos da língua viva sôbre

a expressão literária. O seu ro-

mance de tipo

"histórico"

criou

para o brasileirismo um dinamis-

mo afetivo dentro da frase, onde

tem que

ser música, idéia, enrêdo,

emoção» De dentro dêsse ponto

de vista, Alencar tomou atitudes

caracteristicamente brasileiras em

face de problemas gramaticais,

so-

bretudo dos que

eram omissos nos

compêndios do seu tempo. Assim,

diante da crase~sinal, que

não diz

tudo que

é a crase falada dos

portugueses, embaralhou as coi-

sas e fez propostas para

o uso...

Rui Barbosa e a

regra-ordem

É interessante observarmos que

o mesmo fizeram os que

mais con-

vencidamente se acreditaram ser-

vidores pontuais

das

"regras-or-

dens" da gramática portuguesa,

para uso dos brasileiros. Entre

êstes, a batuta-mor do nosso ge-

nial Rui, '— um gênio

de estilo

renascentista, mau grado

suas

convicções (Réplica, 57), -—r

que,

em assunto de crase, apenas es-

tribilhou a Morais, Bluteau e Ga-

lhardo, agravando as confusões

reinantes e deixando ao futuro

elementos para

um severíssimo

julgamento do filologismo nacio-

nal. (O que

Rui escreve sôbre o

emprêgo do artigo, símbolo

"categórico",

é lastimável.

Réplica, págs. 233-41,) Depois,

Rui pronunciava

francês e inglês

quasi irrepreensivelmente. Mas

nunca se deixou vencer pela

idéia

de pronunciar

"português"

à por-

tuguesa. Êste caso não era inte-

ressante para ele... A verdade,

porém, é

que sem levar em conta

a pronúncia portuguesa genuína

jamais daria com a solução gra-

matical do problema

da crase.

Agora, sabemos que

a chamada

crase não é somente portuguesa;

que em

português não é

peculiar

à partícula

a —; que

a crase

de — a '— é uma forma conver-

gente ou homeotrópica de vários

processos fonológicos

privativos

da pronúncia portuguesa; que

crases escritas, e mais outras que

se fazem, mas não se escrevem,

falo de Portugal.. . Afinal,

a crase por

somação de dois

~~ aa —' é apenas uma variante

da crase oral portuguesa.

Posa esta ligeira divagação ser-

vir de defesa de Alencar, que

não

teve a pretensão

de suprir uma

lacuna da gramática gortuguesa

para uso dos brasileiros, mas a

intenção de aproveitar o ensejo

de fazer brasileirismo onde não

havia lusitanismo codificado.

E agora, — para

fechar o caso:

se a diferenciação do —* a ~

português no Brasil deu origem a

tantas conseqüências, —

que di-

remos das infinitas outras dife-

renciações fonológicas processa-

das na pronúncia

brasileira ? —^

Talvez um português

ainda se

dê ao trabalho de nos revelar

coisas interessantíssimas neste as-

sunto.

Ainda no campo da sintaxe,

Alencar não se contentou de sim-

plificar a sintaxe empolada e re-

folhuda de certo arcadismo gon-

górico dominante no Brasil do

seu tempo, embora já

superado

em Portugal ou ao menos conde-

nado a morrer de uma vez entre

as mãos de Garret, Camilo, Cas-

tilho, Herculano, Eça, Ortigão,

etc. Quem diz

"simplificar"

diz

pouco e diz mal, falando de uma

l i s» » J:*O

'PIP"

l'*é£M ^';W: prç í <

ESBÔÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 81

evolução sintática. (Há inversões

sintáticas mais naturais e espon-

tâneas que

a ordem lógica corres-

pondente. Assim, nos

períodos in-

vertidos e iniciados com a conju-

ção causai

"como",

a ordem di-

reta quasi

os torna incompreen-

slveis. Esta era freqüente nos

clássicos. Hoje, domina comple-

tamente a ordem inversa, na lin-

guagem comum. O mesmo se

po-

derá dizer das construções com

"êstes

que",

"aquêles

que", etc.

Somos hoje mais

"indiretos"

do

que os

próprios latinos... A sim-

plificação de Alencar atingiu ape-

nas a vício de inverter os termos

da frase

"propositadamente".)

A

interferência de Alencar obede-

ceu ao fato lingüístico de que

sem-

pre que desaparecem certas de-

sinências, as línguas se compen-

sam disto fixando posições

na

frase para

os seus têrmos lógicos.

(De passagem: a riqueza de fie-

xões não é um sinal de elevação

cultural das línguas. A tendên-

cia a perdê-las

é hoje um fenô-

meno generalizado

nas línguas

cultas de origem latina.)

Em suma: o brasileirismo-nome,

uma como injunção assimilada

pela língua

"portuguesa"

na ilu-

são de alguns, —

ganha em

José

de Alencar um dinamismo de du-

pia direção: rumo à fonologia e

rumo à sintaxe, a começar pela"colocação"

ou

"ordem"

dos pro-

nomes complementares na

"fra-

se". Ainda mais: fazendo-se

"his-

tória", identifica-se conosco, e em

nós e por

nós ascende à literatura

brasileira genuína.

É excusado acrescentarmos

que o

partido oposto não conse-

guiu sair da toca

para lutar com

os adeptos da nova fase do bra-

sileirismo. E era destino dêste

não estacar nessa fase. ¦—» Como

veremos, brevemente.

A contribuição de

Castro Alves

E aqui, algumas linhas em ho-

menagem a Castro Alves, — poe-

ta genial

antes de saber que

havia

na sua terra homens dados de

corpo e alma à profissão

de apor-

tuguesar a língua escrita do Bra-

sil, embora rindo da língua falada

pelos portugueses.

Castro Alves escrevia como

falava. A sua inspiração poética

nunca desceu tão raso que pudes-

se descobrir o currimboque do ra-

pé classicista. Amava a luz, as

côres, os movimentos, o céu, a fio-

resta, os escravos e os órfãos a-

bandonados que

ainda eram pos-

síveis na vastidão imensa do Bra-

sil e à sombra da Cruz. É um

poeta de assomos bíblicos, de es-

tilo evangélico, de sonhos juve-

nis, de apóstrofes violentas. Um

franciscano que

errou a porta

de

entrada no mundo, mas não per-

deu a vocação. Atrevido diante

dos tiranos, irmão dos infelizes,

cantor de versos que

ainda ecoam

por todos os sertões do Brasil,

não foi erudito nem sábio. '

Um mensageiro do Céu que pas-

sou a vida a erguer nos braços as

vítimas da injustiça, advertindo

ao Brasil que

os gemidos

delas

estavam a pesar

nos ombros de

Deus e a vedar a nossa passagem

para o nosso Destino.

Falar *de

linguagem clássica

diante dêste homem seria uma ir-

reverência a Deus e à Pátria.

Castro Alves não fez

"escola",

fez discípulos, criou um movi-

mento, venceu o passado,

falando

pelo futuro. Há de ter sido

por

isto que

ninguém viu nele a au-

F. 8

82 CULTURA POLÍTICA

sência de alguma coisa. — Cas-

tro Alves tinha assunto de sobra,

para valer-se da alfarrábios.

A língua dos versos de Castro

Alves é a língua dos escravos,

que sobe com êles

para a reden-

ção, filha do sentimento brasi-

leiro. Depois dela somente pude-

ram todos os brasileiros jurar

obe-

diência à Pátria comum.

O soneto de Paulino

de Brito

A última fase de evolução do

brasileirismo no campo cultural

do Brasil em via de libertação

espiritual — para

ser livre po-

dendo ser como é, ¦

poderá ser

dada como iniciada com a crítica

de um gramático português

a um

soneto brasileiro. O poeta que

o fez, Paulino de Brito, também

se acreditava gramático.

Como

se vê, a luta era entre um portu-

guês desconhecido no Brasil e

cruelmente destituído de toda ca-

pacidade emocional,

— Cândido

de Figueiredo, — e um poeta

bra-

sileiro desconhecido em Portugal.

Nunca se tinham ouvido falar.

um ao outro. E dispensavam-se,

reciprocamente, dêsse trabalho. O

gramático português tinha um

"ambulatório

gramatical" no Bra-

sil e de lá de sua carteira de Lis-

boa mandava-nos

"regras-ordens"

para a nossa fala,

que desconhe-

cia nem precisava

de conhecer,

para dirigir. Como os nossos va-

queiros do sertão curam bicheiras

de reses pelo

rastro, curara êle

as nossas

"corrutelas"

indígenas

e africanas com receitas pelo

cor-

reio. Seus instrumentos habituais

eram a chalaça, o trocadilho, o ri-

dículo direto, — não em têrmos

de mestre a discípulos, mas de

feitor a uma gleba qualquer

de ti-

po colonial. Não faltou aqui

quem

se enfeitasse com êsses mimos.

Houve mesmo quem

desse em pe-

dir desculpas a Portugal pelos

erros que

cometia, quando

falava

à brasileira.

Felizmente, a reação veio com

força e foi o diabo. Agora, que

tudo passou,

só nos resta lamen-

tar a incompetência de Figueire-

do em.. . português.

Porque a

vitória dos nossos filólogos criou

entre nós a ilusão de que

havia-

mos arrebatado a Portugal o di-

reito de posse

da língua portu-

guesa. E a inteligência do Brasil

encheu-se de poeira.

.. Em cada

esquina topava-se com um vieira,

um camões, um bernardes, a prè-

gar. . . revolução francesa.

Êsse lamentável triunfo dos

nossos ledores de clássicos sobre

a ignorância de C. de F. não

deixou que

se reparasse em que

o problema

da língua brasileira

havia entrado em uma fase nova,

—* a da lingüística. Cêrca de qua-

renta anos correm por

cima disto»

A poeira

clássica desce mansa-

mente sôbre aqueles que

a levan-

taram. E de novo se faz a luz

no céu de nossas almas. E pode-

se verificar, felizmente, que

o

Brasil não se convertera à filolo-

gia triunfante. Assim, ninguém

mais se encontra, em nosso meio,

com a mínima curiosidade por

dois livros enormes que

foram es-

critos durante a

"crise

figueiredi-

na", —

por dois filólogos

portu-

gueses nascidos no Brasil, -— Er-

nesto Carneiro Ribeiro e Rui Bar-

bosa. Representavam êles um es-

pírito

"provinciano", —* o espírito

da Baía, um dos últimos redutos

da lusitanidade já

sem consciência

da própria

origem e da sua fina-

lidade. Por isto mesmo, talvez,

ESBOÇO HISTÓRICO DO CONCEITO DE BRASILEIRISMO 83

— a natureza tem queda para

os

paradoxos, — havia de surgir de

dentro dessa mesma Baía uma

corrente de idéias novas, sob vá-

rios aspectos: tendo à frente Teo-

doro Sampaio, apresenta depois

Artur Neiva, Edgard Santos, Ber-

nardino de Sousa e outros cujas

idéias sobre o problema

da língua

brasileira avançaram muito sôbre

as de outros Estados de nível cul-

tural mais alto, sem dúvida, po-

rém, mais repartido com outros

problemas nacionais urgentes.

E enquanto a Baía vinha fazen-

do doutrina, S. Paulo ganhava-

lhe a dianteira, fazendo prática.

A nova literatura paulista

se tem

apresentado inteiramente liberta

de tôda preocupação passadista.

E o seu brasileirismo prático,

como o seu brasileirismo poético,

de viva inspiração, é que

há de

dar alento às preocupações

dou-

trinárias dos baianos. Até porque,

em consonância com êstes últi-

mos, numerosos autores nortistas

de Pernambuco, Alagoas, Sergipe

Ceará e Pará entram a fazer lite-

ratura regional dentro do velho

tema de Alencar e G. Dias: se

a língua da literatura tem de ser

a do homem que

tece enredos nas

obras literárias, não há dúvida que

a língua de nossos romances tem

que ser a do brasileiro.

A diferença mais ostensiva en-

tre esta fase do brasileirismo-lín-

gua e as anteriores do brasilei-

rismo-nome é que

no presente per-

deu todo o aspecto de luta que

antes deixava transparecer. O

brasilierismo-língua dos poetas

paulistas e romancistas nortistas

é um senhor sem rivais nem mal-

querenças. Intensamente domina-

do por

um sentido moral, por

uma

responsabilidade social, por

uma

função rigorosamente estética, no

sentido total do têrmo, — a saber,

no sentido de

"presença"

e de

colaboração vanguardista na cons-

trução do Brasil. Assim, a matu-

ridade do brasileirismo-língua se

vai distinguindo, em nossas letras

pelo esquecimento das minúcias

"técnicas"

— a regra e o modêlo

literário, -—- para

se plenificar

de

"significação",

e identificar-se

com os nossos problemas

sociais

e políticos.

E podemos

dizer, por

observa-

ção pessoal, que já temos encon-

trado em alguns dos nossos auto-

res contemporâneos mais impreg-

nados do novo espírito de

"brasi-

lidade" um sinal maravilhoso de

nossa vitalidade lingüística: par-

tindo de modelos vulgares com

intenções literárias, estão, espon-

tâneamente, desdobrando a

"mas-

sa" de nossa linguagem em mati-

zes originalíssimos que

eles, cer-

tamente, não sabem mais dizer se

são do povo

ou se são seus. As-

sim, a nossa maturidade lingüísti-

ca vai atingindo o seu grau

ex-

celso, — o da fecundidade lite-

rária, a partir

da natureza elabo*-

rada pela

história.

/Wk

História

Confederação do Equador

Bravos pioneiros

da República

J. DE MATOS IBIAPINA

Professor 110 Colégio Militar do Rio de Janeiro

APÓS

O LAUDO arbitrai

do ministro Pedro Lessa,

pondo têrmo à acalorada

discussão entre Gonçalves Maia

e outros membros do Instituto Ar-

queológico de Pernambuco, ficou

designado o dia 2 de julho para

data comemorativa do movimento

político que passou à história com

o nome de Confederação do

Equador.

Como acontecia em regra a

respeito de tudo quanto

se pas-

sava no Norte, essa audaciosa

tentativa de republicanização do

Brasil ou era totalmente des-

conhecida no Sul ou conhecida

apenas através das deformações

que lhe imprimiram os historia-

dores da monarquia. No entan-

to, não só pelo

caráter avançado

de seus princípios

como pela ele-

vação moral dos seus chefes, êsse

movimento bem merece ser con-

venientemente estudado para me-

lhor conhecimento da gênese

do

espírito republicano nacional.

A rememoração dêsses aconte-

cimentos gloriosos

servirá para

revigoração da crença nas virtu-

des de um povo

cuja história en-

cerra tão eloqüentes manifesta-r

ções de energia cívica. Confor-

ta-nos a idéia de que

aquele tra-

to do território nacional foi, no

passado, em mais de um momen-

to de sua agitada evolução, o

pioneiro dos grandes

ideais pá-

trios, o guia

do resto da nação na

sua marcha ascendente para as

conquistas da democracia.

Como o Norte e o Sul

receberam o apêlo

de Pedro I

Quando, depois de dissolver a

primeira assembléia constituinte

nacional, por

44

haver per jurado

ao solene juramento que pres-

tou à nação de defender a inte-

gridade do Império, sua indepen-

dência e a dinastia", Dom Pedro I

solicitou o apôio dos brasilei-

ros a êsse seu ato, as Províncias

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR 85

do Nordeste, ao contrário das do

Sul, manifestaram, em protestos

enérgicos, mal disfarçando as

suas arraigadas convicções repu-

blicanas, que

o chefe do execu-

tivo havia traído os compromás-

sos assumidos perante

o povo,

em que

residia a soberania na-

cional.

Essa diferença de atitude en-

tre o Norte e o Sul — tanto mais

estranhável quanto os Andra-

das eram, no momento, os mais

eminentes adversários do Impe-

rador — só encontra a sua razão

de ser nos antecedentes da vida

política do Nordeste.

Já em 1817, êsse trecho do

país

havia sido conquistado ao regi-

me republicano, que, em Pernam-

buco, vigorou durante dois me-

ses, só tendo fracassado devido

à falta de solidariedade do Sul,

que tornou possível

a reação

enérgica do Govêrno, por inter-

médio do sanguinário conde dos

Arcos. Ainda estavam bem vi-

vas na memória de todos as atro-

cidades cometidas pelas autori-

dades legais contra os idealistas

de 1817, que, pelo

seu martírio,

por sua correção moral, deixa-

ram bem acesa no espírito dos

contemporâneos a chama do re-

publicanismo e mais intenso ain-

da o ódio contra seus algozes lu-

sitanos.

Os tipos mais eminentes da

Confederação do Equador ha-

viam convivido na intimidade

dos heróis da república de 1817,

dos mais puros

corações que se

teem agitado no cenário político

brasileiro. Manuel de Carvalho

Pais de Andrade, presidente da

Confederação do Equador, foi

o mesmo que,

em 1817, quando

José Luís de Mendonça, de acôr-

do com Antônio Carlos Ribeiro

de Andrada, propôs que

todos se

submetessem a D. João

VI e lhe

pedissem uma constituição, excla-

mou:

"República,

só república, e

morra para

sempre a tirania

real".

A agitação de 17 conti-

nua a exercer a sua

ascendência.

Apesar de fracassada, a agi-

tação de 17 continuava a exer-

cer a sua ascendência sôbre os

espíritos liberais da época, en-

quanto, na massa do

povo, era ca-

rinhosamente alimentado o dese-

jo ardente, insopitável, de vindi-

ta contra os carrascos da repú-

blica.

Por ês ses antecedentes, que

não se verificaram no Sul, teve

a dissolução da constituinte o

efeito de despertar no Nordeste

a explosão do sentimento que

a fôrça armada pelo

conde dos

Arcos não tinha podido

extin-

guir. Ao

passo que, nas Provín-

cias meridionais, a promessa

im-

perial de fazer votar uma consti-

tuição,

"duplicadamente

mais li-

beral que

a que

a extinta assem-

bléia acabava de fazer", tinha

sido suficiente para tranqüilizar

os espíritos receosos de uma vol-

ta ao despotismo político, no

Nordeste viu-se no gesto

do im-

perador um conluio com os

por-

tugueses, uma conspiração oon~

tra a soberania nacional.

Aparentando obediência ao

imperador, afim de% ganhar

tem-

po para os

preparativos da re-

sistência, o povo

de Pernambu-

co não se contentou, como os

baianos, por

exemplo, com a

86CULTURA POLÍTICA

afirmação imperial de que

"o

go-

verno tinha trabalhado de cora-

ção e de vontade na feitura de

uma constituição, para tranqüili-

zar os tímidos, desenganar os du-

vidosos e envergonhar os impôs-

tores que

haviam deixado assoa-

lhar argumentos contra o libera-

lismo de suas idéias em princí-

pios políticos".

Enquanto, na Baía, por

ver sa-

tisfeitas as pequenas reclama-

ções que fizerá à côrte, o

gover-

nador, em proclamação ao

povo,

afirmava que

o

"govêrno

impe-

rial continuava a se conduzir pe-

los princípios constitucionais

que

todos haviam jurado", em Per-

nambuco recusavam dar posse ao

presidente legal, que

se

"demitiu

voluntàriamente por

haver perdi-

do a força moral e a opinião pú-

blica, único sustentáculo dos go-

vernos , conforme declarara ao

próprio imperador o orador dos

emissários pernambucanos ao Rio.

Ao Sul interessava apenas a

certeza de que

uma constituição

garantidora das liberdades fun-

damentais fosse votada; ao Nor-

deste, minado pela propaganda

de 1817, republicano e lusófobo,

só satisfazia a mudança do re-

gime.

A repulsa aos monar~

quistas e aos

por-

tugueses

Em todos os documentos pú-

blicos dos revolucionários, de

parte as declarações de mera

cortesia, que visavam apenas

adiar a resistência do govêrno,

notam-se os dois traços caracte-

rfsticos do movimento — a re-

pulsa pelas idéias monárquicas e

o ódio irrefreável contra os por-

tugueses.

Em Campo Maior (Quixera-

mobim), no Ceará, já

em 9 de

janeiro de 1824, em reünião na

Casa da Câmara, com

"adjunto

do clero, nobreza e povo", os

presentes

"concordaram

que, vis-

to a horrorosa perfídia de dom

Pedro I, imperador do Brasil,

banindo à força armada as côr-

tes convocadas no Rio de Janei-

ro, com mil protestos firmados

por sua própria mão, é/e deixava

c a sua dinastia de ser o supre-

mo chefe da Nação", E protes-

taram

"firmar

uma república es-

tável e liberal, que

defenda seus

direitos com exclusão de outra

qualquer família".

Em 21 de fevereiro de 1824,

na Paraíba era publicada uma

proclamação convidando a moci-

dade às armas,

"em

defesa da

pátria contra os portugueses \

Em Fortaleza, em 29 de abril,

na Casa da Câmara, o governa-

dor das armas, José Pereira Fil-

gueiras, referindo-se, em discur-

so, ao presidente deposto, afir-

mava: Espalhou êle duas pro-

clamações, cujos fins eram só-

mente resplandecer o abominável

despotismo, e, chegando ao cri-

me do mais abatido servilismo,

avançou esta escandalosa propo-

sição ~ o imperador é a fonte

de todo poder. Com efeito, creio

que nenhum brasileiro se arroja-

ria a tamanha baixeza".

Uma proclamação de

Pais de Andrade

E em uma proclamação sem

data, Pais de Andrade, presiden-

te da Confederação, apelando

para todòs os brasileiros afim de

que se unissem

para a defesa co-

mum, revela a preocupação de

" •tt?

CONFEDERAÇAO

tornar patente que sempre lhe

causou repugnância o regime mo-

nárquico:

44

Reconhecendo essas verda-

des eternas, adotámos (em 1822)

o sistema do govêrno

monárqui-

co representativo e começámos

nossa regeneração política pela

solicitude de uma Assembléia

Constituinte de nossa escolha e

confiança. Antes que se verifi-

cassem nossos votos e desejos,

fomos surpreendidos com a ex~

temporânea aclamação do impe-

rador; subscrevemos a ela tácita

ou expressamente, na persuasão

de que

isso era conducente aos

nossos fins, porque

envolvia nos

seus princípios a condição de

bem servir a Nação",

"Reüniu-se

a soberana Assem-

bléia, e quando

nos parecia que

havíamos entrado no gôzo

de

nossos inauferíveis direitos, vi"

jnos que o imperador, postergan-

4o os mais solenes juramentos e

os mesmos princípios que lhe de-

ram nascimento político, autori-

dade e força, insultou caluniosa-

mente o referido povo que repre-

sentava a nossa soberania .

"Brasileiros! salta aos olhos a

negra perfídia, sao patentes

os

reiterados perjúrios do impera-

dor e está conhecida nossa ilti-

são ou engano em adotarmos um

sistema de govêrno

defeituoso em

sua origem e mais defeituoso 3in-

da em suas partes componentes".

Do mesmo teor, igüalmente

ofensivos aos portugueses e ao

regime, são quasi tõdas as pro-

clamações do Nordeste.

Em 26 de agosto de 1824, data

da fundação da República no

Ceará, em grande reünião reali-

DO EQUADOR 87

zada em Fortaleza, proclamava-

se que,

44à

vista dos perjúrios

dc

D. Pedro I, princípe

de Portu-

gal, chamado imperador do Bra-

sil, estava rôto nosso pacto

so-

ciai, tantas vezes assegurado por

êle e outras tantas violado pübli-

camente, à face das nações, em

afronta daqueles mesmos povos,

dos quais

êle de motu propcio

havia tomado o título de Defen-

sor Perpétuo, não lhes tendo sido

até agora senão um opressor en-

carniçado, não respeitando os

foros da liberdade do Brasil,

quando despòticamente e à fôr-

ça darmas aboliu a Assembléia

Geral Constituinte da Nação in-

teira, prendendo, degredando,

ainda para reinos estrangeiros, e

despedindo com ignomínia os

seus representantes, arrogando a

si o direito absoluto de legislar e

constituir por si, como se viu do

infame projeto da Constituição,

que não só deu mas também man-

dou arbitràriamente jurar por tô-

das as Câmaras das Províncias

do Brasil, reputando-nos escravos

de propriedade

sua, contra

^

as

suas promessas e

juramentos .

Enquanto assim agia o Nor-

deste, acicatado pelo desejo de

extirpação definitiva da influên-

cia portuguesa

nos negócios pú-

blicos e pela

animadversão ao

regime monárquico, o Sul se f

mantinha fiel ao imperador, dan-

do a Câmara de São Paulo o pri-

meiro exemplo de lealdade, en-

viando ao Rio deputados para sc

congratularem com o

govêrno

pela dissolução da Assembléia

Constituinte.

Essa falta de harmonia de vis-

tas entre o Sul e o Norte deu

forças ao govêrno para reprimir

88 CULTURA POLÍTICA

com facilidade o movimento re-

volucionário,

Tímido ao princípio, prome-

tendo aos revolucionários

"per-

feita anistia e total esquecimento

do passado",

o imperador, logo

que compreendeu

que a onda

republicana não se alastraria por

todo o país,

chegou ao extremo

de reprovar o indulto prometido

pelo almirante Cockrane aos re-

volucionários do Ceará, a cujo

presidente endereçou um aviso

declarando que

"estavam

dadas

tôdas as ordens para

serem jul-

gados e castigados os réus da

abominável revolução, sem que

podesse caber-lhes o

perdão ofe-

recido pelo

almirante Cockrane,

que para isso não estava autori-

zado nem podia

estar, quando

a

causa ultrajada era toda nacio-

nal'\

A proclâmação

de 2 de

julho de 1824

Assim, por

fôrça das circuns-

tâncias, a revolução se circunscre-

veu ao Nordeste, muito embora

estivesse sempre presente

no es-

pírito de seus diretores a imagem

da Pátria na sua integralidade.

Ao contrário do que

se tem

querido provar, o movimento não

tinha fins regionais. As procla-

mações eram dirigidas a todos os

brasileiros e não somente aos

habitantes da região em que

fun-

cionava o govêrno

republicano.

A proclamação de Pais de An-

flrade, datada de 2 de

julho de

1824, é eloqüente a esse respeito:

44Brasileiros

l unamo-nos para

salvação nossa; estabeleçamos

um govêrno

supremo verdadeira-

mente constitucional, que

se en-

carregue de nossa mútua defesa

e salvação. lInamo~nos e sere-

mos invencíveis".

Posteriormente à fundação da

Confederação do Equador, Pais

de Andrade ainda alimentava a

esperança de congregar o resto

do país

em tôrno de sua causa:

"Segui,

ó brasileiros, o exem-

pio dos bravos habitantes da zo^

na tórrida, nossos irmãos, nos-

sos amigos, nossos compatriotas;

imitai os valentes das seis provín-

cias do Norte que

vão estabele--

cer seu govêrno

debaixo do me-

lhor de todos os sistemas repre-

sentativos.. . Cada Estado terá

seu respectivo centro e cada um

destes centros formando o anel

da grande

cadeia, nos tornará in-

vencíveis. Brasileiros. Pequenas

considerações só devem estorvar

pequenas almas: o momento é

êste, salvemos a honra, a pátria

e a liberdade, soltando o grito

festivo — Viva a Confederação

do Equador".

O grito patriótico de Pais de

Andrade não ecoou além do cabo

de Santo Agostinho. E, por

isso,

pôde Pedro I vencer os revolu-

cionários, adiando-se por

deze-

nas de anos o advento da repú-

blica.

Para escarmento aos contem-

porâneos e aos

pósteros, a re-

pressão do

govêrno foi tão cruel,

o número das vítimas que

tom-

baram às mãos dos carrascos das

célebres comissões militares foi

tão elevado, os atos de selvage-

ria praticados pelas

forças lega-

listas assumiram proporções

tão

aterrorizadoras, impressionaram

tão profundamente

as infelizes

populações nordestinas, a sêca,

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR

89

"castigo do céu", que

coincidiu

com a derrota dos conspirado-

res, deixou tão abatido o espírito

do povo que,

durante gerações,

nunca mais se agitou outro mo-

vimento cívico de vulto.

Deshumanas as execuções

de patriotas

As execuções dos patriotas

fo-

ram cercadas da mais requintada

das deshumanidades.

Francisco Miguel Pereira Ibia-

pina, secretário da Fazenda do

govêrno republicano do Ceará,

foi carregado em palanquim até

o local do suplício por se achar

doente de varíola. O tiro de

honra dado para apressar a mor-

te do revolucionário cearense Luís

Inácio de Azevedo Bolão,

"fen-

dendo a cabeça da vítima, fez

saltar-lhe os miolos, e um dos mi-

litares presentes, o alferes aju-

dante Manuel da Silva Braga,

conhecido por Braga Visão, cha-

mou um cachorro e os deu a de-

vorar". (1)

Casos idênticos de perversida-

de no castigo criaram na alma

popular um tal

pavor das autori-

dades governamentais que, por

muitos anos, aquelas mentes ator-

doadas pelo rigor da

punição ofi-

cia! deixaram de se embalar em

novos sonhos . Alguns dos pró-

prios revolucionários que,

à custa

de fortes humilhações, foram

poupados do castigo governa-

mental adaptaram-se de tal for-

ma ao novo estado de coisas que

passaram a servir ao regime mo-

nárquico, como se jamais

o hou-

vessem combatido.

E assim terminou, em um pe-

sadelo de sangue, o formoso mas

prematuro sonho dos republica-

nos de 1824, que, se vitorioso,

talvez tivesse comprometido, por

muito tempo, a união nacional,

embora contrariando os anelos

patrióticos dos revolucionários.

Mas enriqueceu-se a

galeria dos

grandes mártires da causa da li-

berdade, dos grandes idealistas

cujos nomes merecem ser lembra-

dos pelos tempos afora, cuja me-

mória é digna da veneração de

todos os brasileiros.

i

(1) Barão de Studart - Os Mártires da Confederação do Equador.

Folclore

Trabalhos folclóricos

e parafolclóricos

BAS1LIO DE MAGALHÃES

Do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro

AO

REGRESSAR de longo

veraneio em meu Estado

natal, tive a fortuna de en-

contrar sôbre a minha mesa de

trabalho não pequeno

número de

publicações recentes, com as

quais

fui distinguido pelos

respectivos

autores e editores.

Farei referência em primeiro

lugar, para

um simples agradeci-

mento público,

ao excelente vo~

lume n. 8 dado à publicidade

pelo Serviço do Patrimônio His-

tórico e Artístico, História da

construção da igreja do Carmc

de Ouro Preto, de Francisco An-

tônio Lopes; às segundas edi-

ções dos bem feitos estudos de

Carvalho Franco, Nobiliário co~

lonial (São-Paulo,

1943), e de

Ubaldo Osório, A ilha de Itapa-

rica (Baia,

1942); à conferên-

cia de Ernesto Leme sôbre A

participação da

política britâni-

ca na doutrina de Monroe (São

Paulo, 1943); à separata O ca-

jueiro (inserta no tômo II da re-

vista

"Arquivos",

de Recife), de

João Peretti; e aos trabalhos de

Carlos da Silva Araújo, Von

Martius e o Cristo que

ofertou

ao Brasil (Rio, 1941) e Dupla

personalidade de um ilustre bo~

tânico: Regnell e o

"Dr.

André,

de Caldas (êste último inserto

em

"Estudos

Brasileiros

',

núme-

ro de junho

de 1942).

Os que por

derradeiro me

chegaram às mãos foram, além

da coletânea de rimas lei des poè~

tes canadiens vous parlent

du

Canada" (oferta do Banco Real

do Canadá), três livros de maior

fôlego e todos saídos dos prelos

no corrente ano: o longo e pro-

bidoso estudo de Paulo Pinheiro

Chagas sôbre Teófilo Otoni —

ministro do povo (do estrênuo

liberal mineiro também tratei,

não só em 1916, num volume edi-

tado pelo

Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, mas ain-

da posteriormente, em conferên-

cia para

a qual

tive a honra de

ser convidado pelo

Sr. ministro

Gustavo Capanema); os ensaios

reünidos sob o titulo Vultos e

assuntos de destaque por

Fran-

cisco Mendes Pimentel Filho

(com prefácio de Afonso Pena

TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÓRICOS 91

Júnior, cujo criterioso julgamento

subscrevo com prazer); e o vo

lume II das Obras completas do

conselheiro Macedo Soares, em

que foram enfeixados os seus Zss-

tudos lexicográficos do dialeto

brasileiro.

A última das citadas obras é

tanto folclórica, quanto parafolc-

lórica; e agora, que

a Academia

Brasileira de Letras, além do Di-

cionário de brasileirismos, está

cogitando de um Vocabulário or~

tográfico, pode ser útil a ambos,

como a todos os estudiosos que

se interessam pelo opulentamento

da língua que falamos, devido a

dois dos três mais importantes

fatores da nossa etnia, o ame-

ríndio e o negro da África, este

introduzido aqui pelos nossos

conquistadores ibéricos desde o

começo da colonização regular do

Brasil. Ao ilustre desembarga-

dor Julião Rangel de Macedo

Soares, que é

quem em boa hora

está coligindo e publicando

tudo

quanto jorrou da límpida e culta

mentalidade de seu égrégio pai,

já tive ensejo de ponderar que

a

língua portuguesa, falada e es-

crita em nosso país, ainda não

me parece

um

"

dialeto brasilei-

ro'\ por não reünir nitidamente

as condições fundamentais de se-

melhante categoria filosófica, do

mesmo modo que, quando ^se

me

fala em

"língua

brasileira", não

posso pensar em outra coisa

senão no tupí-guaraní. Não pude

também aceitar a láurea de

"o

maior fílólogo-africanista d o

Brasil, com que em sua gentil

e

benévola dedicatória me brindou

o desembargador Macedo Soares.

Ando a investigar, há cêrca de

meio século, tudo quanto deve-

mos aos primitivos

donos da nos-

sa terra e aos melanodermos,

trazidos para ela do continente

de Cam, e que

a regaram com

o seu suor e o seu sangue, para

transformá-la num viridente ocea-

no de canaviais, algodoais e ca-

fezais. Creio ter contribuído»

ainda recentemente, para tirar do

esquecimento o elemento negro,

ao aspecto do muito que

lhe de-

vemos nos diversos esgalhos do

folclore. Mas os meus escassos

conhecimentos de línguas não-

arianas, afora o borôro e o mun-

dttrucú (sôbre os

quais tenho

monografias, uma já

impressa em

revista e a outra inédita), pro-

vieram mais do avanheen e do

nheengatú do que de

qualquer

idioma camítico. Sendo, assim,

apenas amador de tais assuntos,

não posso

aceitar o imerecido tí-

tulo, com que fui lisonjeado pela

cativante bondade do meu mui-

to prezado

amigo desembargador

Macedo Soares.

Antônio Joaquim de Macedo

Soares foi um dos mais cultos e

fecundos brasilianistas. O vol.

II das suas Obras completas, ora

dado à publicidade,

além de ver-

sar sôbre palavras lusas aqui em-

pregadas com forma diferente ou

sentido especial, e cujas etimo-

logias são esclarecidas por êle

(evoluir, éxplosir, baeta e barco,

chapada e chapadão, chato, lom-

ba, planiço,

varge, peão e outras),

além de lançar luz sôbre a topo-

nímia indígena de Minas e do

Paraná, além da publicação ano-

tada de um manuscrito guarani

(a Declaración de la doctrina

cristiana), — ainda encerra as

suas preciosas Notas ao Folclore

brasileiro do Sr. Vale Cabral*

92 CULTURA POLÍTICA

Isto, afora o mais que

deixei ex-

posto acima,

justifica a minha

particular referência aos Estudos

lexicográficos do dialeto brasi-

leiro do nosso insigne patrício.

Sôbre a influência dos muçul-

manos na Península Ibérica, ao

aspecto filológico, há pelo

menos

duas obras de valor, quais

a in-

titulada Vestígios da língua ará-

bica em Portugal, de frei João

de Sousa, aumentada e anotada

por frei

José de Santo Antônio

Moura (Lisboa, 1830), e a de

Dozy e Engelmann, Glossaire

des mots espanols et portugais

dérivés de V ar abe (Leyde,

1869,

2.a ed.). Quanto a vocábulos de

outra matriz levantina, intro-

duzidos nos dois principais

idio-

mas ibéricos, conheço apenas

(pois tenho a felicidade de

pos-

suí-lo) o magnífico Glosário eti-

mológico de Ias palabras

espa~

nolas (castellanas,

catalanas, gal~

legas, mallor quinas, portugue-

sas, valencianas y

bascOngadas)

de origem oriental (árabe,

he~

breu, malayo, persa y

turco).

(Granada, 1886). Como se infe-

re dêsse longo título, o culto cate-

drático da universidade granadi-

na não hesitou em considerar as

línguas portuguesa

e galega

co-

mo simples filhas, senão ancilas,

da espanhola, da qual,

entretanto,

são em verdade dignas co-irmãs,

Mas o certo é que

não tínhamos

até agora um trabalho especiali-

zado sôbre os orientalismos exis-

tentes em nosso idioma. Apare-

ceu, enfim, na capital bandeiran-

te, (donde o recebi, com dedica-

tória autógrafa, graças

ao meu

preclaro mestre e velho amigo

Spencer Vampré) o primeiro

vo-

lume, da lavra de Miguel Nimer,

das Influências Orientais na lín~

gua portuguesa (São Paulo,

1943) cujo mérito apreciarei de-

pois, com vagar,

pois que terei

certamente que

citar o dito livro,

em mais de uma oportunidade.

Do lado de lá do Atlântico, on-

de se fala a língua do eterno can-

tor dos Lusíadas, há um sábio,

que é também um

grande folclo-

rista: Fernando de Castro Pires

de Lima. Por estas páginas

de

Cultura Política, já

recorri

mais de uma vez a produções

dê-

le. Acabo de receber, graças

à

sua fidalga gentileza,

mais sete

trabalhos, quatro

escritos por

êle

só e três em colaboração (com

dois colegas, isto é, médicos e

demopsicologistas) . De sua ex-

clusiva autoria são os seguintes:

Cantares do Minho (Pôrto,

. . .

1942), vol. II (o

vol. I já

eu ha-

via recebido e citado, a propósi-

to de uma quadra popular

lusa,

em que

se fala nas

"moças

boni-

tas" do Rio de Janeiro),

Ave~

Maria — (Ensaio

etnográfico) .

Os dentes na etnografia portu~

guesa e O mar e o Brasil - En~

saio etnográfico (interessantes

separatas de 1941 e 1942); em

colaboração com Alexandre de

Lima Carneiro, Medicina popa-

lar minhota (Pôrto,

1932, sepa-

rata do vol. XXIX da Revista

Lusitana) e Notas comparati~

vas da medicina popular

luso-

brasileira e Notas comparativas

entre o vocabulário médico po~

pular português e o vocabulário

médico popular

brasileiro, (Lis-

boa, 1940, memórias apresenta-

das ao Congresso Luso-Brasileir

ro de História); e em colabora*

ção com Alfredo Ataíde, a Con-

tribuição para

ó estudo antropo-

lógico do minhoto (Pôrto,

1937) .

TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÔRICOS 93

A todo êste valioso material,

imprescindível aos meus predile-

tos estudos folclóricos, e que

devô ao provecto

cientista de

além-mar, acima citado, hei de

volver em breve e com a necessá-

ria folga. Dentre os opúsculos

com que fui tão amàvelmente

presenteado, é fácil compreender

como terei de compulsar pacien-

temente o que

diz respeito à me-

dicina popular luso-brasileira. E

seara sobremodo curiosa e rica,

em que

não tardarei a entrar, pa-

ra a respiga que me

permitirem e

facilitarem os competentes cul-

tivadores de lá e de cá.

Mas há um caso particular, de

uma singela quadra folclórica, em

que tenho de aproveitar dêsde já

a

leitura que fiz de O mar e o Bra-

sil do Dr. Pires de Lima. E isso

por motivo dos muitos artigos

com que, sem transpor a órbita

do populário, andei tratando aqui

dos santos que penetraram mais

fundamente na mitografia luso-

brasileira (Santo Antônio, São

João e São Gonçalo de Amaran-

te)

À pág.

11 do referido opus-

culo, escreve êle o seguinte: E

o Brasil continua a chamar os

portugueses, a convidá-los a

par-

tir, a dizer-lhes que os recebe ca-

rinhosamente, a dizer que preci-

sa dêles, da sua coragem e da

sua prática, que precisa do seu

sangue. E os portugueses,_

hoje

e sempre, mar em fora, lá vão em

demanda do seu Brasil, do Bra-

sil eterno, orgulho imenso da sua

história e das raizes do seu cora-

ção:

44São

João, ó São João,

O* meu belo marinheiro,

Levai-me na vossa barca.

Para o Rio de Janeiro!"

A musa popular

da terra de

Afonso Henriques criou mais de

um nauta celícola para a desejada

viagem à terra de Santa-Cruz.

Com efeito, graças

à gentileza

da

Exma. Sra. D. Laura Monteiro

(ilustre e digna esposa do meu

querido amigo e

prezado colega

Mozart Monteiro), vim a saber

que o

grande taumaturgo portu-

guês, dotado pela

imaginação de

seus devotos de uma dupla perso-

nalidade, — casamenteiro das

moças, quando Santo Antônio de

Lisboa, e achador das coisas per-

didas, quanto Santo Antônio de

Pádua (cidade italiana onde lhe

ocorreu o trânsito para a eterna

glória), — também foi erigido à

condição de timoneiro para o

transporte de quem

almejasse a

vir em demanda da formosa capi-

tal do Brasil. Ouviu ela em Cane-

ças (Portugal), de lavandeiras

que trabalhavam e cantavam ao

mesmo tempo, a quadra seguinte,

que teve a amabilidade de como-

nicar-me de viva voz, com a mes-

ma toada que escutou além-

Atlântico:

"Meu

rico Santo Antoninho,

Ai meu santo marinheiro,

Levai-me na vossa barca.

Para o Rio de Janeiro!".

*

* ?

Do jurista

mexicano Júlio Ace-

ro, que

é elegante prosador e con-

versado das musas, recebi as duas

séries das Acerinas (Guadalaja-

ra, 1929 e 1941), compreenden-

do a última os Cuentos de amor

y de la revolución.

— J.

Natalício González não só

me tem obsequiado com a remes-

sa da revista Guarania. que êle

94 CULTURA POLÍTICA

dirige, com J.

A. Cova, cm Bue-

nos-Aires, mas ainda me mimo-

seou com alguns excelentes tra-

balhos, por

êle prefaciados

e saí'-

dos recentemente da Editorial

Guarania: Tres ensayos sobre

Historia dei Paraguay, de Blas

Garay; Hombres y

letrados de

América, de Manuel Gondra; e

La emancipación paraguay a, de

Carlos Antonio López. Excusado

é dizer que

todos êsses livros in-

teressam particularmente aos

meus estudos heurísticos e que

o

sobredito confrade, ao ofertar--

nos, muito penhorou

o meu reco-

nhecimento.

Já tive ocasião de referir-me,

por estas mesmas colunas, a um

folclorista argentino, Alberto

Franco, dotado de bela inteli-

gência e comprovada capacidade

de trabalho. E' um dos colabo-

dores da Coleción Buen Aire, que

está aparecendo, em pequenos

e

lindos volumes, na capital da vi-

zinha república. Os dois vindos

a lume em 1942, e cuja seleção e

prólogo são do referido escritor,

intitulam-se Cancionerillo de

amor e Retablo de Navidad —

Cantares y

villancicos, com gra-

vuras (algumas coloridas) e mú-

sicas. Para que

se faça idéia do

muito que

há de aproveitável nos

citados opúsculos, quando se co-

tejarem com as platinas

as produ-

ções espontâneas do nosso

povo,

eis duas quadras

do primeiro

dê-

les (págs. 41 e 45):

"La

pena y la

que no es

pena,

todo es pena para

mí.

Ayer penaba por

verte,

hoy peno porque

te ví.

Morena tiene que

ser

la tierra, para

ser buena;

y la mujer

para el hombre

también ha de ser morena".

Em Retablo de Navidad depa-

raram-se-me tantas novidades

folclóricas, que

não hesito em

afirmar tenha sido a influência

castelhana, a êsse aspecto religio-

so, mais profunda

do que a

por-

tuguesa, na demopsicologia ibero-

americana. Lá, como aqui, a ima-

ginação popular comete anacro-

nismos ou faz confusões, até em

episódios máximos da história sa-

grada. Para exemplo do

que afir-

mo, limito-me a transcrever do

mencionado volume (pág. 26) a

quadra seguinte (da qual

é lícito

inferir a simultaneidade dos três

partos):

"Santa

Ana parió

a la Virgem,

Santa Isabel a San Juan,

y la Virgen

parió a Cristo,

la noche de Navidad",

— Apesar do muito que

se tem

escrito sôbre o multi forme falar

dos primitivos

habitantes do No-

vo-Mundo, ainda não se chegou a

um trabalho completo, tão vasta

e complexa é a matéria. Há, en-

tanto, sôbre isso, dois estudos

que não

podem deixar de mere-

cer especial menção: o de Barto-

lomé Mitre, Catálogo razonado

de la Sección Lenguas America~

nas — (Buenos

Aires, 1910), em

3 vols., publicação já

bastante ra~

ra, e o do erudito Paul Rivet,

Langues américaines inserto às

págs. 597-712 da obra Les lan-

gues du monde <—• Par un

groupe

de linguistes sous la direction de

A. Meillet et Mareei Cohen (Pa-

TRABALHOS FOLCLÓRICOS E PARAFOLCLÓRICOS 95

ris, 1924), aproveitado e indubi-

tàvelmentc melhorado por Jorge

Bertolaso Stella (culto professor

na terra dos bandeirantes e discí-

pulo do exímio

glotólogo ita-

liano Alfredo Trombetti), em seu

ótimo volume As línguas indíge-

nas da América (São

Paulo,

1929).

— Um jovem

chileno de pro-

missora capacidade intelectual e

bibliógrafo muito parecido, por

motivo da operosidade beneditina,

com os nossos patrícios

Tancredo

de Paiva e, Simões dos Reis, di-

rigiu-me da capital (onde

reside)

• do seu país

uma extensa carta,

datada de 1.° de março do cor-

rente ano, na qual

me pede

conta, pelas

colunas de Cultu-

ra Política, do útil e imenso

trabalho a que

êle se consagrou

ultimamente ali. Nada mais jus-

to do que

o que

êle deseja, para

que possa sair tão completa

quanto possível a tarefa ingente

a que

meteu ombros.

A todos os lingüistas, etnógra-

fos, e bibliógrafos brasileiros ro-

ga lhe enviem (para Santiago de

Chile, Correo n. 7) os dados bi-

bliográficos de seus estudos, pu-

blicados em livros, folhetos, re~

vistas ou outros periódicos, desde

que se refiram à lingüística, em

qualquer dos seus aspectos. A

obra aparecerá com o título Filo*

logia americana — Fuentes bi-

bliográficas para

el estúdio de Ias

três partes:

Bibliografia de bi-

btiografías, Americana e Hispa-

no América. Trará ainda dois

apêndices, que,

se forem organi-

zados como cumpre, isto é, medi-

ante cuidadosas pesquisas,

serão

seguramente de assinalado prêsti-

mo para

os nossos etnógrafos e

etnólogos: Classificación de tas

lenguas indígenas de América e

Ensayo de distribución geográ-

fica de Ias tribus

que han vivido

y viven en América.

Embrenhado, como ando des-

de longos anos, no aranhol de

tão árduos estudos, que

desafogo

não sentiria, se já pudesse

ter à

mão e consultar confiante uma

fonte de informações de tal gê-

nero! Eis porquê

cumpro, com

sumo prazer,

a ordem que

recebi

do meu ilustre confrade de além-

Andes.

Artes

plásticas

O momento ê para

arquitetura

JOSÉ TEÓDULO

Arquiteto

FOI

necessário que

o arqui-

teto norte-americano Philip

L. Goodwin, do Museu de

Arte Moderna de Nova York,

viesse, acompanhado de outros

arquitetos, colher documentação

para uma exposição de arquite-

tura americana, para que

se sou-

besse que

no Brasil há um nü-

mero grande

de bons arquitetos

e que

êstes arquitetos são capazes

de produzir obras dignas de figu-

rar entre as mais bem executadas

em todo o mundo.

Assim, as tão discutidas obras

de arquitetura moderna que já

temos (embora ainda haja

quem

por elas tenha verdadeira aver-

são, e quem

as condene de ma-

neira tão integral e apaixonada,

demonstrando uma incompreen-

são absoluta), tendo sido objeto

de admiração por parte de es-

trangeiros conhecedores do as-

sunto, já

estão aparecendo aos

olhos dos nossos patrícios,

não

mais como extravagâncias de ra~

pazes futuristas sequiosos c/e sen-

sacionalismo, mas como manifes-

tações legítimas de arte, produ-

zidas por

artistas estudiosos, que

procuram criar coisas novas,

usando uma nova técnica, novas

cores e novos materiais, subordi-

nando-se porém

aos preceitos

ve-

lhos e obedecendo aos velhos

princípios que ditaram as nor-

mas da arquitetura em todos os

tempos.

Sempre que

teem surgido na

história novas tendências artísti-

cas, tôdas as vezes que

teem apa-

recido inovadores, o primeiro mo-

vimento da sociedade é o de re-

sistência. Forma-se logo a reação.

Todos os espíritos criadores, e

principalmente os artistas, sofre-

ram, até hoje, a desaprovação dos

seus contemporâneos. Consolem-

se portanto os arquitetos,

pois

que, se as suas obras teem valor,

êsse valor lhes será reconhecido,

ainda que seja

pela posteridade.

O movimento que se chamou

arquitetura moderna, que

foi ini-

ciado por

Lúcio Costa há alguns

anos, tem razão de ser ? Teem

os arquitetos modernos o direito

de fazer destas experiências? Po-

dem êles criar formas novas, apre-

sentar volumes, superfícies e co-

O MOMENTO Ê PARA ARQUITETURA 97

loridos aos quais

não está o pú-

blico habituado ?

A indústria tem, procurando

aproveitar matérias primas, criado

materiais novos, todos êles apre-

sentando uma série de vantagens

de tôdas as ordens: materiais in-

combustíveis, isoladores de som e

de calor, impermeáveis, super-

leves, de alta resistência, etc.

As indústrias de fabricação

aeronáutica teem explorado êstes

materiais ao máximo, conseguin-

do com êles um máximo de efi-

ciência»

Os laboratórios de pesquisas

técnicas teem criado quadros onde

oferecem dados que mostram uma

gama de

possibilidades vasta,

para todos êsses materiais novos.

O advento do ferto

e

do concreto

Com o advçnto do ferro e do

concreto armado na construção,

a sustentação das cargas passou

a ser feita pela estrutura, deixou

de ser desempenhada pelas pa-

redes, que passaram a represen-

tar o papel

de tapume.

Já os mestres do risco do tem-

po colonial, nas suas construções

primitivas, usavam as paredes

mestras como apoio da carga da

cobertura, e faziam com taipa

(barro e ripas de madeira) tôdas

as paredes

divisórias, que não ti-

nham outro fim que

não o de

tapamento. Hoje que já passou

a época da parede mestra, que

a construção passou a dispor de

um verdadeiro esqueleto de con-

creto armado, ou de ferro, tôdas

as paredes

devem, como as divi-

sórias da época colonial, ter o

caráter de simples tapume. Por

que continuar a executar êsse

tapume com o mesmo material e

da mesma maneira por que

na

época colonial se faziam as pa**

redes mestras, com alvenaria de

tijolo ? Por que

conservar o pêso

morto das alvenarias em paredes

que só servem para

resguardar

os interiores das vistas e das in-

tempéries ? Por que

sobrecarre-

gar as estruturas com pesos

inú-

teis, que já

não representam mais

nenhum papel, que representam

apenas ônus e espírito conser-

vador ?

Entre os materiais que a in-

dústria nos oferece, há muitos

que satisfazem melhor as exigen-

cias de isolamento térmico, per-

mitem diminuição nas espessuras,

favorecem a passagem

das ins-

talações e tubulações, são mais

leves, muito mais leves, suprimem

revestimentos e apresentam no-

vos aspectos. Além de tudo isto,

transformam a construção em obra

de montagem, permitindo maior

desenvolvimento ao trabalho de

oficina, como na construção naval.

Por que

não romper com os

atuais métodos arcaicos, não os

substituir por outros mais em har-

monia com a época da máquina ?

Por espírito conservador, medo à

inovação, carrancismo.

Se, por

outro lado, a constru-

ção vencer essa resistência, se

conseguir com mais freqüência,

fazer a experimentação dos novos

materiais, êstes se irão desenvol-

vendo, aperfeiçoando, ampliando

o campo para

os que

neles labu-

tam; permitindo,

cada vez mais,

a criação e concepção de novos

aspectos, de novos coloridos, de

novas formas ; enriquecendo, cada

vez mais, as possibilidades

dos

artistas, cuja ânsia é progresso.

F. 7

98CULTURA POLÍTICA

O significado da nossa

explanação

Nada há de novo no que

vem

de ser dito, para os nossos arqui*

tetos modernosv é certo, mas se

êstes sabem tudo isto, muita gente

ainda o ignora ou finge ignorar,

o que

é pior,

cerceando as pos-

sibilidades daqueles que estudam

e tentam fazer uso do que

apren-

deram, procurando experimentar,

combinar, orientar aqueles que

não se convencem nem com a evi-

dência.

Felizmente, para os arquitetos

como para o

público em geral, já

o número dos que confiam nos

técnicos, dos que

observam seu

trabalho, onde o entusiasmo e o

espírito jovem e criador não se

deixam manietar pela resistência,

pelo conservantismo, é bastante

para permitir que comecem a apa-

recer os primeiros grandes

tra-

balhos, no verdadeiro sentido, da

arquitetura moderna.

O álbum que

o Museu de Arte

Moderna acaba de publicar

nos

Estados Unidos, sôbre a arquite-

tura do passado

e a de hoje, no

Brasil, é bem uma prova

de que,

embora muito controvertido, o

trabalho dos nossos arquitetos não

está sendo menosprezado, e que

existe quem, entendendo do as-

sunto, embora do estrangeiro, lhes

acene com um gesto

de encoraja-

mento, para que prossigam sem

desanimar no seu trabalho e no

seu entusiasmo criador.

O tempo lhes fará justiça,

e a

divulgação das vantagens que os

novos métodos da arquitetura

moderna oferecem falará em seu

favor, através do que já

se vem

realizando.

Compete aos jovens,

àqueles

para quem a luta ainda não co-

meçou, àqueles que estão para

se

lançar, seguir o exemplo dos que

já conseguiram quebrar

as pri-

meiras cadeias da resistência.

Cortinuem os jovens pela

trilha

da pesquisa

das formas novas, do

emprêgo dos novos materiais, da

exploração que estas possibilida-

des lhes oferecem, e teremos con-

seguido firmar a opinião daquele

americano que disse ser o Brasil

um dos países

onde a arquitetura

está mais desenvolvida e é mais

brilhante.

Continuemos com os nossos es-

forços, pois o surto industrial que

o país

está atravessando faz que,

dia a dia, surjam novos proble-

mas, apareçam novas oportunida-

des, que os métodos antigos não

estão em condições de satisfazer

e que

só os novos, os que pes-

quisam, poderão resolver, que-

brando as últimas resistências e

impondo aos conservadores os

frutos do. seu trabalho honesto e

pertinaz.

O momento é para

arquitetura.

Saibam os arquitetos mostrar que

suas convicções são produto

de

um esforço ordenado, de um tra-

balho acumulado, e não uma fan-

tasia inconsistente nem o fruto de

imaginação desocupada.

O momento é para

arquitetura.

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Viagens

Impressões de viagem aos Estados Unidos

CID FERREIRA LOPES

CONTEMPLADO

com uma

bolsa de estudo da

"Ame-

rican Foundation for Tro-

picai Medicine", em cooperação

com o coordenador dos Negócios

Inter-Americanos, para fazer um

curso intensivo de Medicine Tro-

picai, na

"Tulane

University",

em Nova Orleans estive cerca de

seis meses nos Estados Unidos,

de outubro de 42 a março dêste

ano.

Lucrei muito nessa viagem. O

curso foi muito bom, muito bem

organizado e muito bem dado.

Naturalmente não irei relatar aqui

detalhes do curso, por se tratar

de assunto técnico especializado.

Isso será feito em relatório a quem

de direito e em algum jornal mé-

dico.

Desejo contar, apenas, as mi-

nhas impressões, como de qual-

quer brasileiro que

tenha visi-

tado os Estados Unidos.

Devo confessar, porém, antes

de tudo, que sou a negação para

o jornalismo.

Nunca escrevi para

jornais ou revistas. Esta é a

pri-

meira vez, e por

um convite a que

não podia

esquivar-me. Tenho

escrito, apenas, alguns artigos pa-

ra revistas médicas. Mas é coisa

diferente. Lida-se com fatos con-

cretos, descrevendo-se, apenas, o

que se observa e as conclusões.

Por isso nunca teria, e não tenho,

pretensões a escrever artigos

para

revista como esta. Portanto, re-

latarei somente alguns fatos ob-

servados e impressões colhidas.

Como são coisas muito hetero-

gêneas, difíceis de serem coorde-

nadas, ou relacionadas umas com

as outras, acho mais fácil adotar

o sistema de colcha de retalhos.

O americano

Em primeiro

lugar quero

dizer

da minha enorme surpresa a res-

peito do americano. Sempre fui um

admirador da grande

nação ami-

ga e do seu

povo. Não obstante,

sempre achava, cá com os meus

botões, que o americano fôsse um

povo muito seco no modo de tra-

tar, abrutalhado e muito utilita-

rista. Pouco hospitaleiro, enfim.

Naturalmente que era um

julga-

mento um tanto a priori, pois

nunca tinha tido oportunidade de

entrar em contacto com os ame"

100 CULTURA POLÍTICA

ricanos. Era uma impressão

colhida através de livros, revis-

tas ou cinema.

Com êsse julgamento,

não dei-

xei de ficar receoso de ser mal

sucedido na minha viagem ; po-

rém, desde que

cheguei a Miami

fui vendo que

a coisa não era co-

mo eu pensava.

De início fui en-

contrando gente muito amável e

educada. Entrando mais em con-

tacto com gente

das várias cama-

das sociais, verifiquei que a mi-

nha impressão sobre o america-

no era completamente infundada.

Dificilmente se encontra povo

mais educado e mais atencioso.

Em tôda parte tem-se oportuni-

dade de observar isso. Nos bon-

des, ônibus, restaurantes, cine-

mas, lojas, escolas, hospitais, etc.

Mesmo os humildes, pode-se

ob-

servar, geralmente

são bem edu-

cados.

É claro que

há grosseirões

e

mal educados. Êsses, existem

em qualquer país.

São inevitá-

veis. Felizmente, encontrei ape-

nas um, num

"drugstore"

em

Noca York. Era perdoável,

coi-

tado. Tinha lá seu complexozi-

nho, bem regular: pequenino,

za-

rôlho, boca meio torta. Devia vi-

ver azêdo com todo mundo.

O americano não é fazedor de

muita barretada, salamaleques e

mesuras, tão comuns entre os Ja-

tinos. Como, às vezes, se pensa

que isso significa educação, acha-

mos que

os americanos não são

amáveis.

Observa-se que a

população

é escrava dos seus compromis-

sos e obrigações. Para isso, não

faz cerimonia. Por exemplo: a

uma visita que

esteja recebendo,

delicadamente, pede desculpas

com um

"sorry"

muito fino, e ex-

plica que está na hora de seu ser-

viço, ou tem um encontro marca-

do. E se retira. Nós, para

sal-

varmos as aparências (a nossa

eterna preocupação

da aparên-

cia), tomaríamos o tempo com a

visita, embora contrariados, ali-

mentando a nossa fama de im-

pontuais. Mas também se deve

saber que,

nunca, o americano,

para dar o fora em alguma visita

ou amigo, mente, lançando mão

dêsse recurso.

Coisa que

o ianque conhece

muito mal é a mentira. Já

não

digo que

lhe tenha horror. Não

tem é costume de mentir. Êle

não compreende que se minta

por

motivos fúteis. Ainda mais, não

a admite de modo algum, em

assuntos de responsabilidade. E,

por isso, a

palavra do homem

tem um grande

valor. Tive

oportunidade de avaliar o quan-

to significa para eles a

pala-

vra dada. Na véspera de meu

regresso, era ocasião de se fa-

zer declaração para imposto de

renda. Isso lá é uma coisa que

se leva muito a sério. Todo mun-

do que

trabalha e ganha

é obri-

gado a fazer declaração. E o con-

trole das declarações é muito bem

feito;

Pois bem. Ninguém pode

sair

do país

sem provar que não deve

imposto de renda. Para isso, fui

à repartição competente. Pron-

tamente fui atendido. O funcio-

nário me perguntou

de onde era,

quanto tempo estava no

país e o

que tinha feito. Respondí-lhe tu-

do, informando que estava rece-

bendo uma bolsa de estudos para

IMPRESSÕES DE VIAGEM 101

fazer um curso de especialização

e que

não tinha nenhum emprê-

go. Estava,

portanto, isento do

imposto.

Perguntou-me em seguida:

"O

Sr. jura

sôbre isso?

44Juro".

E

fiz o gesto

de juramento,

levan-

tando a mão. Imediatamente me

entregou o talão de isenção. Sem

certidões seladas, carimbadas e

reconhecimento de firma. O ju-

ramento foi bastante.

O americano é sobretudo sin-

cero e confiante. Êle confia nos

outros, como confia em si próprio.

Julga todos

por si mesmo. Por

isso, tratando com gente falsa e

traiçoeira, como são os alemães

e japoneses, pode

ser considera-

do supinamente ingênuo. É in-

capaz de uma deslealdade.*

Na Universidade, eu pude

ob-

servar quanto o ianque confia

nos outros. Nas provas escritas

ou sabatinas, não há fiscalização

para impedir a

"cola".

Não se

compreende que o examinando

use apontamentos ilícitos.

"Co"

lar", entre os americanos, é tão

vergonhoso como roubar. Nem

mesmo consultam uns aos outros.

O examinando se sente tao hu-

milhado em fazer qualquer

con-

sulta a um companheiro, que pre-

fere entregar a prova

em branco,

a se valer desse recurso. O pro-

fessor escreve as questões

no qua-

dro negro e vai embora. Ninguém

fica na sala para tomar conta.

A meu ver, essa qualidade não

é propriedade

dos americanos.

Qualquer um pode

fazer o mes-

mo, desde que, por índole racial,

não seja propenso à deslealdade,

como o alemão, o japonês

e ou-^

tros povos*

É questão

de educa-^

fão. A

prova disso é

que, no cur-*^

^so

que fiz, éramos 14 latino-ame-

ricanos. Em todos os países

da

América Latina a

44cola",

como

aqui, é um vício muito combati-

do. Não obstante, os nossos pro-

fessores agiram conosco como se

fôssemos norte-americanos, não

havendo nenhuma fiscalização

durante as provas.

E todos pro-

cedemos à altura dessa confian-

ça que em nós era depositada. E

estou certo de que

o mesmo se

pode

-fazer aqui entre nós. No

princípio poderá haver um

pouco

de abuso. Mas, por

fim, os maus-

elementos se envergonharão do

papel que fazem e, ou se corri-

gem ou desistem de

prosseguir

nos estudos. Sem dúvida que

é

um ótimo método educativo. Pre-

cisamos dar ao aluno, seja de que

curso fôr, noção de pesonali-

dade, de probidade,

incutindo-

lhe no espírito a noção de hon-<

ra e lealdade. Precisamos abolir

êsse princípio

de polícia,

de que

todos nós somos deshonestos e,

como tal, devemos ser eterna-

mente vigiados e fiscalizados.

Ê claro que o indivíduo educa-

do em tais princípios

continuará

agindo do mesmo modo na vida

prática. Será sempre um homem

honesto, sincero e leal. Será ex-

clusivamente uma questão de edu-

cação, pois o brasileiro é,

por In-

dole, um indivíduo bom e since-

ro. Vemos muitos pontos de afi-

nidade entre o brasileiro e o ame-

ricano do norte. Podemos assi-

milar, com facilidade, essas boas

qualidades do americano.

Respeito à proprie-

dade alheia

Influenciados pelo cinema, pe-

los livros e contos policiais, que

nos mandam de lá, temos a im-

102 CULTURA POLÍTICA

pressão de

que o roubo e o assai-

to a mão armada são freqüentís-

símos. Eu pelo

menos tinha essa

impressão. Confesso que,

nos

primeiros dias, tinha receio de

andar, à noite, por

ruas mais

afastadas, onde não houvesse

guarda. Como estava enga-

nado! Não há lugar em que

se

respeitem mais o próximo

e a

sua propriedade.

Os guardas

ci-

vis ou noturnos não existem por-

que cão dispensáveis.

É evidente que

há grandes

roubos de jóias,

de bancos, assai-

tos a mão armada, etc. Mas não

na proporção que

o cinema e os

livros policiais

nos fazem pensar.

É que

a grande publicidade

dada

a essas ocorrências nos faz crer

que êsses fatos sejam freqüentes.

Os pequenos

furtos, mais por

malandragem, não existem por

lá.

prova é

que as casas residen-

ciais não teem separação umas

das outras, nem cerca, separan-

do-as da rua. Não se vê muro

divisório, que

aqui, muitas vezes,

é até coberto de cacos de garrafa.

Na casa de apartamentos onde

eu morava, em Nova Orleans,

havia um alpendre na frente da

casa, inteiramente aberto, sem

qualquer cêrca ou muro, sepa-

rando o jardim

da rua. Nesse al^

pendre ficavam, dia e noite, os

brinquedos das crianças de ou-

tros apartamentos. Carrinhos,

bolas, etc. Nunca vi um guarda

nas imediações e nunca desapa-

receu coisa alguma.

Ví em várias caixas de correios,

espalhadas por quase

todas as

esquinas, pacotes

de registrados,

colocados em cima da caixa, já

selados, para

serem apanhados

pelo funcionário encarregado da

coleta. Ninguém tira e nem

mesmo toca naqueles pacotes.

O caso das bancas de jornais

com o pires

de níqueis, sem que

o jornaleiro

esteja presente, para

tomar conta, é coisa que já

tem

sido muito contada. Ví mais. De

madrugada os caminhões das

emprêsas jornalísticas

saem dis-

tribuindo pacotes

enormes de jor-

nais pelas

bancas e agências. Às

3 ou 4 horas da madrugada. A

agência naturalmente está fecha-

da, e ao lado da banca não há

ninguém para

receber os pacotes.

O

"chauffeur"

deixa os jornais

na calçada e vai embora.

Nos bondes e ônibus, com sis-

tema de relógios registadores,

iguais aos adotados aqui, eu nun-

ca ví um fiscal inspecionando o

serviço de coleta dos condutores.

Apontando êsses pequenos

fa-

tos isolados, quero,

apenas, sa~

lientar que

o respeito pela pro-

priedade alheia nos E. E. U. U.

é muito grande.

As causas? Em

primeiro lugar, educação do povo.

Em segundo,

"standard"

elevado

de vida. Todos trabalham e são

bem pagos.

Não há miséria prò-

priamente. Hoje,

principalmente,

com o colosso da produção

bélica,

só não trabalha quem

não quer.

Os jornais

estão cheios de anún-

cios —

"Precisa-se"

de rapazes,

moças, meninos etc. para

toda

sorte de emprêgo.

Trabalhando desde

pequeno

A propósito

dessa observação

corrente de que

todo mundo tra-

balha, vale a pena

citar um epi-

sódio que presenciei.

Fui a Dur~

ham, Carolina do Norte, convi-

IMPRESSÕES DE VIAGEM

103

dado para dar uma aula sôbre

moléstias tropicais, na Duke Uni-

versity. Terminada a aula# o pro-

fessor da cadeira me levou a pas-

sear por alguns pontos

da cidade

e por

fim para jantar

em sua ca-

sa.

Disse-me que tinha três filhos

e vendo eu apenas dois, pergun-

tei pelo

terceiro, que era o mais

velho, de 10 anos. Está tra- -

balhando", respondeu-me o

pro-

fessor. E acrescentou:

"Depois

da aula êle vai entregar os jornais

da tarde aos assinantes". Achei

aquilo admirável. Quando é

que

se poderia pensar

nisso aqui no

Brasil! Filho de um professor

de

universidade entregando jornais!

Quando terminámos o

jantar o

garoto chegou, na sua bicicleta,

com um número do jornal para

o

pai e com os níqueis que

havia

ganho no seu serviço. O outro

irmãozinho, com 7 anos, foi lo-

go me dizendo estar só esperan-

do ter mais edade para arranjar

o mesmo emprêgo. E, assim, a

noção de trabalho para viver vai

sendo incutida desde cedo no in-

divíduo. Quem trabalha e

ganh-i

não tem necessidade de avançar

no que

é dos outros.

T r adição

Outra coisa que me surpreen-

deu foi o culto que o americano

tem pela tradição.

Êle respeita

e conserva os lugares e edi-

fícios históricos. Eu, pelo menos,

pensava que o americano só se

preocupasse

com evolução, em

modernizar tudo, sem tempo para

cultivar e cultuar suas tradições.

Completamente enganado.

O ame-

ricano orgulha-se muito de suas

tradições e gosta

de relatar, para

os outros, fatos de sua história e

detalhes de seus antigos costu-

mes. Êle faz isso sem o espí-

rito exagerado de nacionalismo

que se observa noutros povos,

na-

cionalismo até agressivo, às ve-

zes

Por exemplo, no sul, no vale do

Mississipi, que foi colônia es-

panhola e depois francesa, tôdas

as passagens

e monumentos his-

tóricos são cultuados e respeita-

dos da mesma maneira, com o

mesmo orgulho, como se~ tivessem

sido americanos. Em Nova Or-

leans sente-se o espírito francês

ou espanhol em cada esquina,

em cada edifício, em cada rua,

em cada templo religioso. Mas

tudo aquilo é carinhosamente res-*

peitado, como se fôsse uma coisa

originalmente americana. Nesse

assunto. Nova Orleans tem coi-

sas muito interessantes. O

"French

Quarter", que alguns

ainda chamam de

"Vieux

Carré

é um bairro-museu. As ruas,

as casas de sobrado com os al-

pendres salientes sôbre a calçada,

que eles chamam de

gallery, os

restaurantes, os

pátios no inte-

rior das casas, a catedral, o Ca-

bildo, hoje transformado em mu-

seu, tudo isso conserva o mesmo

aspecto dos tempos coloniais fran-

ceses. As fachadas, a pintura,

sao

as mesm?*s de 100 e 200 anos

atrás. O

"Quarteirão Francês

hoje se constitue de dancings>

lojas de antigüidades, restauran-

tes célebres e casas de aparta-

mentos. O que

se admira é como

o americano sabe transformar tô-

das aquelas casas centenárias em

casas de apartamentos conforta-

veis, sem lhes alterar a fisionomia

colonial francesa. Com que arte

e gosto

êle soube aproveitar tu-

do, combinando o conforto com

104 CULTURA POLÍTICA

a tradição. É admirável êsse amor

que êles têm

pelo que é históri-

co e tradicional. E o mais admi~

râvel é que,

segundo me infor-

maram, não há legislação obri-

gando a conservar êsse aspecto

histórico dos edifícios e ruas, como

tivemos necessidade de fazer

aqui, para poupar

nossas cidades

históricas da fúria modernista.

Vida boêmia

Dificilmente se compreende

que o americano possa

ser boê-

mio. Pois em Nova Orleans, po-

de-se ver americanos boêmios.

Quem quiser vê-los, é só ir ao

"French

Quarter", e

procurá-los

nos antigos bars como o Bour-

bon House", o

"Napoleon",

o

"Pat

O' Brien", o

"Court

of Two

Sisters", etc.' Lá estão êles sor-

vendo uns tragos de

"whisky"

ou

cerveja", conforme as condições

financeiras do dia, e discutindo

literatura, música, pintura, poe-

sia, etc.

Em outros pontos

essa boêmia

já sofre influência americana. É

nos dancings. O

"La

Lune"

com nome francês, tem decora-

ção que não se sabe bem se é es-

panhola ou mexicana. Combinan-

do com a política

da boa vizinhan-

ça, na

parede há um

grande mapa

. da zona do mar das Caraíbas. O

cabaretier é cubano ou porto-

riquenho, não sei bem. A orques-

tra é cubana e assassina uns sam-

bas brasileiros, de vez em quando.

O americano pensa que se dança

o samba como a conga. Pares se-

parados, uns fazendo tremeliques

na frente dos outros. No

"Cas-

sino Royal" já

há gente

mais

importante, mas não tem a mes-

ma simpatia e o mesmo sabor que

o

"La

Lune". A vida noturna do

"French

Quarter" deve apro-

ximar-se muito da do

4

Quartier

Latin".

Nova Orleans é com alguma ra-

zão chamada a

"Paris

da Ame-

i **

rica .

Alimentação

O americano é um povo

robus-

to e sadio, geralmente, cora-

do e bem humorado. As suas

boas condições de saúde teem si-

do adquiridas e mantidas pelos

bons princípios

de educação do

povo, obedecendo muito fielmen-

te os preceitos

de higiene indivi-

dual e coletiva.

Entre êsses preceitos,

um que

observam com muito carinho é o

da boa alimentação. Sabem esco-

lher os bons alimentos. A ques-

tão da nutrição preocupa séria-

mente os especialistas e autori-

dades. A propaganda

da boa ali-

mentação é feita em reclames mui-

to inteligentes e sugestivos nas

revistas.

O americano come menos e se

alimenta mais do que

nós. A sua

comida é simples e muito nutriti-

va. Gosta extraordinariamente de

frutas, legumes e verduras, sem

os quais

não passa.

Toma leite

no almoço e no jantar.

Está aí

uma coisa que

lhe devíamos imi-

tar. Em vez de cerveja ou vinho,

tomarmos um copo de leite às re-

feições.

A sua primeira

refeição não é

um simples

"café

com leite e pão

com manteiga". É um substan-

cioso breakfast: um copo de

caldo de laranja (usam também

de grape~fruit,

tomate ou aba-

caxí), dois ovos com presunto,

café com creme e torradas, com

geléia de fruta e manteiga.

IMPRESSÕES DE VIAGEM105

Êles comem bastante carne de

vaca ou de porco.

Variam muito

com peixes

e mariscos, ou com

carne de galinha,

carneiro, coelho,

etc.

Não há dúvida que as boas

condições de higidez do povo

ame-

licano se prendem à boa alimen-

tação. Com isso, não precisam

de remédios. Então, remédio po-

pular é coisa

que não tem saída

por lá. Não se encontram gran-

des drogarias, como as que

se

vêem por

aqui.

Outra grande influência da

boa alimentação, a meu ver, é na

lesistência do organismo aos efei-

tos do álcool. O americano bebe

muito. Muito mais do que

nós.

E não é só cerveja ou chope.

Bebe muito mais

"whisky"

e ou-

tras bebidas fortes. Não obstan-

te, é um povo

forte.j Tenho, por

isso, a impressão de que

o álcool

nos é muito mais prejudicial

devi-

do à alimentação imprópria que

temos.

Não me parece

explicar-se por

questões de clima, porque

no sul

dos E. Unidos, com clima seme-

lhante ao nosso, observa-se a

mesma coisa que

no norte.

Êles já

nos co-

nhecem ?

Desde que cheguei tenho ouvi-

do muito essa pergunta:

"Êles

nos conhecem melhor?

"Que

pen-

sam sobre o Brasil T\

Infelizmente, ainda nos conhe-

cem muito mal. Aliás, o ameri-

cano é um péssimo conhecedor de

geografia. Nos ginásios

não es-

tudam tanto geografia como fa-

lemos aqui. Agora, com a guerra,

é que

êle está aprendendo um

pouco. Assim mesmo, quando

aparece algum nome novo no no~

ticiário, os jornais

e magazines

trazem uma nota explicativa, di-

zendo o que

é e onde fica.

Quando se diz ser do Brasil, di-

zem logo:

"south

american"? Pa-

ra êles, somos

"south

american",

e como tal devemos falar espa-

nhol. Quando se diz que

no Bra-

sil só se fala português,

é um es-

panto enorme, mesmo entre

gen-

te formada.

Agora, com a guerra

e a poli-

tica da J>oa

vizinhança, a coisa

tem mudado muito a favor do

Brasil. Estão nos conhecendo

bem melhor. Sabem que estamos

contribuindo, eficientemente, pa-

ra o esforço de guerra

e sabem

que somos aliados. Já

conhecem

a supremacia do Brasil em tudo

na América do Sul, e mostram

uma simpatia enorme por nós.

Mostram grande interêsse por

coisas do Brasil. Muita gente

está aprendendo português. Ain-

da agora, o lindo samba de Ari

Barroso, «Aquare/a do Brâsil, lá

conhecido pelo nome de Btâsil,

esteve no cartaz, ocupando o 1.°

lugar entre as músicas mais em

voga nos

"Hit

Parades , duran-

tes duas semanas.

De norte a sul e de léste a oes-

te, era a música mais ouvida. Foi

uma ótima propaganda para o

Brasil.

Felizmente temos tido sorte

com os nossos representantes nos

Estados Unidos. Não exagero di-

zendo que o ministro Osvaldo

Aranha fez época quando foi nos-

so embaixador. Pela sua atuação

inteligente e operosa, muito con-

tribuiu para estreitar mais nossas

106CULTURA POLÍTICA

relações com os E. E. U. U. e

tornar o Brasil mais conhecido.

Ficou muito popular.

Muitas

pessoas me

perguntaram por

"Mister

Aranha".

O nosso atual embaixador, Pe-

reira de Sousa, também é muito

conhecido e estimado, pelo que

pude observar.

O conselheiro da embaixada,

ministro Fernando Lobo, tem ti"

do grande

atuação na parte

cul-

tural de nossas relações. Dispen-

sa sempre uma atenção especial

a todos

"bolsistas"

que vão lá e

aos que

teem vindo cá.

O cônsul Oscar Correia tem

trabalhado muito pela

nossa pro-

paganda. Pude verificar

que go-

za de ótimo conceito em Nova

York.

Em se falando de propaganda

do Brasil nos E. E. U. U., não

se pode

omitir o nome de Fran-

cisco Silva Júnior.

Tem feito mui-

to para

nos tornar mais conheci-

dos. O escritório de propaganda

que dirige na Quinta Avenida é

digno de ser visitado. Nele se

pode obter

qualquer informação

sobre o Brasil, com presteza

e

exatidão.

Recentemente, iniciou-se um

serviço de cooperação entre o

DIP e o coordenador dos Negó-

cioè Inter-Americanos, com gente

inteligente e trabalhadora, como

Júlio Barata, R. Magalhães Jú~

nior, Orígenes Lessa, etc., que

está fazendo um serviço bem fei-

to de propaganda.

*

A Carmen Miranda teve tam-

bém uma pequena

contribuição na

propaganda do Brasil. Mas ago-

ra penso que

está tendo uma

atuação contraproducente. Já pas-

sou de moda e não deve insistir

mais. Além disso, não muda de

toilette. Sempre a mesma coisa,

com o umbigo de fora. Isso tem

feito com que

o pessoal por

lá,

pense que as moças e senhoras

aqui andam com aqueles trajos.

Várias vezes me perguntaram

isso. Até uma panamenha

feia,

com cara de índia, achou de me

perguntar isso. No último filme

em que

Cármen Miranda toma

parte, Springtime in Rolcies

—'

aqui se chamará Primavera nas

Montanhas — seu

papel chega a

ser ridículo.

Se, por um lado, o homem de

rua até aqui conhecia mal ou não

conhecia o Brasil, por

outro la-

do, fica-se envaidecido em veri-

ficar que

os médicos conhecem

bem a medicina brasileira, prin-

cipalmente os trabalhos de nos-

sos cientistas sôbre moléstias tro-

picais, como os de Chagas, H.

Aragão, Travassos, Evandro

Chagas, Marques da Cunha,

Gaspar Viana, Rocha Lima,

Afrânio Amaral, Emanuel Dias,

Magarino Torres, Eurico Vi-

leia, Pirajá, Artur Neiva, O.

Magalhães, Olímpio da Fonseca,

Rocha Lima, César Pinto, Samu-

el Pessoa, Viana Martins, Heral-

do Maciel, etc etc.

Medicina tropical

Pude constatar que, presente-

mente, há grande

interesse pelo

estudo de moléstias tropicais. Ês-

se ramo da medicina acha-se

mesmo em evidência nos meios ci-

entíficos norte-americanos. Êsse

interêsse é uma das necessidades

de guerra.

Várias zonas de ope-

rações estão espalhadas pelas re-

giões tropicais.

IMPRESSÕES DE VIAGEM107

Todos os médicos militares cs-

tão fazendo curso de medicina tro-

picai.

Ainda mais. A

44American

As-

sociation of Medicai College or-

ganizou cursos intensivos dessa

especialidade na

"Tulane

Uni-

versity" e no

"Army

Medicai

Museum", para professores e as-

sistentes de várias universidades.

Os diplomados passam a ser

pro-

fessores da disciplina nas respec-

tivas universidades.

Várias escolas de medicina que

ainda não tinham essa cadeira tra-

taram de a incluir nos seus cur-

sor.

Com tal providência,

de cará-

ter permanente,

tive a impressão

de que

o acentuado interesse pe-

Ias questões de medicina tropical

não será uma coisa passageira nos

meios universitários dos Estados

Unidos. Naturalmente, os ameri-

canos estão prevendo a

grande

importância que as regiões tropi-

cais vão ter depois da guerra,

na

caça às matérias primas.

A guerra

Outra coisa que aqui me teem

perguntado

muito e sôbre o ame-

ricano e a guerra.

—<

44E

a guerra por

lá?

Que estão fazendo?

Que acham? Vencem mes-

mo? A

A impressão que se tem e de

que o esforço de guerra

é enorme.

Trahalha-se de fato. A batalha

da produção bélica é simplesmen-

te fantástica. Isso se percebe pe-

lo colosso de fábricas de vários

produtos, como automóveis, ge-

ladeiras, rádios, máquinas de es-

crever, canetas-tinteiros, hoje

ocupadas exclusivamente em pro-

duzir material bélico.

Até há pouco

tinha-se a im-

pressão de

que o americano pen-

sava em vencer a guerra

só com

produção. Hoje essa mentalida-

de já

mudou sensivelmente. Êle

já sabe que

é preciso produzir

e

lutar. Êsse é o espírito que do-

mina toda a nação. Por isso, tam-

bém, a preparação

do homem

combatente é levada a sério e com

rigor.

A vida americana está muito

modificada pelas necessidades de

guerra. Com o racionamento da

gasolina, diminuiu muito o núme-

ro de carros nas ruas, e as via-

gens de automóvel estão prática-

mente abolidas.

Cs w€€jc"ct7cís sao íeitos em

viagens de trem ou ônibus. De-

vido ao transporte de tropas e

material, os trens de passageiros

estão sempre superlotados e atra-

sados.

Os outros racionamentos, como

os de café, açúcar, conservas en-

latadas e sapatos, teem alterado

também o ritmo normal da vida

do povo.

O racionamento de alimentos

obedece à classificação por pon-

tos, conforme o estoque do arti-

go. Êsse sistema foi adotado pri-

meiro na Inglaterra, com ótimo

resultado.

Com isso, o americano está ven-

do seu conforto e comodidade

atingidos. Mas não ví nenhuma

reclamação ou descontentamen-

to. Todos dão êsse sacrifício por

bem empregado. Desde que

seja

"For

Victory", tudo está muito

bom. As classes produtoras es-

108 CULTURA POLÍTICA

tão cooperando patriòticamente

na propaganda dc

guerra. Todos

os reclames em magazines e jor-

nais trazem propaganda de bônus

e selos de guerra.

Outros trazem

notas explicativas sôbre o esforço

de guerra,

mostrando ao povo

que, sem algum sacrifício, não se

merecerá a vitória.

Mas, e a opinião pública?

— Sôbre a guerra própria»-

mente dita? Você ainda não nos

disse nada".

O que

se pode

dizer é que

o

americano, geralmente sóbrio nas

suas manifestações, reage de mo-

do muito diferente de nós latinos.

Exemplificando: no dia do ata-

que a Pearl Harbor não se no-

tava nenhuma alteração nas ruas,

nenhuma aglomeração, nenhum"placard"

sensacional. Apenas,

edições seguidas dos jornais

e o

rádio dando notícias sem parar.

Foi isso que

me contou um ami-

go brasileiro

que estava lá na oca-,

sião. O mesmo pude observar

quando foi da invasão da África

pelos americanos. Observei que

o americano conversa pouco só-

bre a guerra. Não sei bem se

por

temperamento, ou por

obediência

às recomendações do

govêrno,

para evitar

que a espionagem ti-

re vantagem.

Por tôda parte encontram-se

cartazes muito sugestivos reco-

mendando não se conversar sôbre

assuntos de guerra.

As instruções

do govêrno são obedecidas de fa-

to. O que

não acontecia na Itá-

lia, segundo me informou um

amigo que passou por

lá, uns me-

ses antes de Mussolini apunhalar

a França pelas

costas.

Disse-me êle que,

em todos os

bars e cafés, havia um aviso:"É

proibido „ discutir política de

guerra e assunto de alta estraté-

gia" (sic). E o povo todo só

conversava sôbre isso. Pode-se

calcular, agora, que

a alta estra-

tégia para

os italianos significa

saber qual

o que

corre mais.

Mas, como eu dizia, o ame-

ricano conversa pouco sôbre

guerra. Lê os

jornais, onde

pri-

meiro procura

as historietas em

episódios, que

chama de /tin-

ny. Ouve o rádio, inteira-se de

tudo o que

há. E pronto.

Não tem tempo para

discutir.

Contudo, depreende-se que

o po-

vo não tem a menor dúvida sôbre

a vitória dos aliados. Mas, ao

mesmo tempo, encara a luta com

o Japão como muito difícil, lon-

ga e

penosa, apesar7

-de con-

fiante na vitória final. O concei-

to geral

é de que

se precisa liqui-

dar Hitler primeiro.

Depois Hi-

rohito.

Brasil — Estados

Unidos

Indiscutivelmente, a

"política

de boa vizinhança" já

tem mos-

trado suas vantagens em muita

coisa, mas os seus resultados

completos só aparecerão no futu-

ro, talvez não muito remoto. Pa-

ra tanto, é preciso que

os povos

americanos se aproximem e se

conheçam, que

haja uma solida-

riedade continental cimentada na

amizade entre os povos de cada

país.

A propaganda, os acordos, os

tratados, etc., não serão suJFici-

entes. É indispensável que

os

povos se conheçam, entrem em

relações mais estreitas. Para tan-

to é preciso que se visitem. Mas

as visitas devem ser demoradas,

indo até o fundo da casa, conhe~

cendo o pátio

e a horta. As vi-

IMPRESSÕES DE VIAGEM 109

sitas rápidas e cerimoniosas, só

de sala de visitas, não podem

dar

uma impressão fiel e real do

amigo visitado.

Por isso, no caso em aprêço,

penso que precisamos conhecer

melhor o americano, para desfa-

zermos essa impressão de cinema,

absolutamente falsa, que

temos do

povo do Tio Sam.

Aliás, tenho para

mim que

o

cinema, embora faça muita pro-

paganda para Tio Sam, é um

péssimo amigo que

êle tem. E

nisso não tenho nada de original.

Outros brasileiros, que teem es-

tado por lá,

pensam do mesmo

modo.

Os americanos também nos

devem conhecer melhor. Devem

vir cá com mais freqüência e de-

morar mais nas suas excursões.

Tenho a impressão de que

muito breve teremos conseguido

muita coisa com isso. O impul-

so que

se tem dado na distribuí-

ção de bolsas de estudos, para

todos os ramos de atividade pro-

fissional, é o caminho mais cer-*

to que

se poderia

encontrar.

Com as bolsas, as estadias são

mais demoradas, os visitantes

teem oportunidades de conhecer

o interior do país,

entrar em con-

tacto com as famílias e com in-

divíduos de tôdas as camadas

sociais. As relações de amiza-

des que se adquirirem passarão

a constituir moléculas sadias e

ativas dos grandes

laços de soli-

dariedade entre os dois povos

.

Precisamos entretanto evitar

certos cabotinismos de maus bra-

sileiros, que. voltam dos Estados

Unidos achando que estamos e

somos muito atrasados, que nada

aqui presta.

Naturalmente, são

indivíduos fúteis, que nem ao

menos conhecem o que

se chama

bom senso. Deve haver, pois,

bastante cuidado na distribuição

das bolsas. É preciso

saber,

além do preparo

e da capacidade

de aproveitamento, se o indiví-

duo tem espírito de brasilida-

de bem formado. Sim, porque,

quando voltar, em lugar de ser

um elemento construtivo, passa-

rá a ser destruidor. O que pre-

cisamos é aprender, assimilar

o que

o americano tem de bom

e útil para nós. Mas não

pensar

que lá tudo é impecável e

que

tudo são flores.

Também lá encontraremos,

com freqüência, muita coisa de

que padecemos. Viajei em trens

(coach comum) bem ordinários e

onde a limpeza deixava muito a

desejar.

Ví, inúmeras vezes, crianças

de poucos

meses de idade em ses-

sões de cinema, às 10 e 11 ho-

ras da noite. Isso não se vê no

Brasil, nem mesmo no interior.

Vi, ainda, soldados em bondes,

ônibus ou restaurantes, na presen-

ça de oficiais, sem que

êsses to-

massem qualquer providência para

reprimir aquela falta.

Nova Orleans é uma cidade

muita suja, como ainda não ví

igual no Brasil. As suas quitan-

das, mercearias e açougues mos-

tram uma higiene muito precá-

ria. Dão mesmo a idéia de que

a saúde pública, por lá, não exis-

te, ou não os visita, de vez em

quando.

Ví hospitais pobres, como al-

quns dos nossos. Do

"Charity

Hospital", dè Nova Orleans,

vale a pena

dizer alguma coisa.

É um colosso, e o que

há de

mais moderno. Custou 12 mi-

lhões de dólares. Entretanto»

110 CULTURA POLÍTICA

calculado para

3.000 leitos» ge-

ralmente tem, apenas, 1.000 a

1.200 doentes internados. Di-

zem as más línguas que

a sua

construção foi uma espécie de pa-

namá-mirim. Quanto a isso, dou

como recebi. Nada posso

afir-

mar. Mas parece que

sua cons-

trução não foi boa mesmo. Ví

várias paredes

rachadas.

Como se vê, êles também teem

seus defeitos e suas falhas. É

claro. Nem poderia

ser de outra

maneira.

Lembremos, por

outro lado,

que temos muita coisa boa, e

que já temos feito muitos em-

preendimentos dignos de serem

vistos e imitados.

Assim fazendo, volta-se ain-

da mais brasileiro. E, quando

se

vê nossa bandeira tremulando

em qualquer

lugar, sente-se qual-

quer coisa

que não se sabe expli-

car bem o que

é. Depois o que

se

descobre é a satisfação de ser

brasileiro. Foi o que

se deu co-

migo.

Indispensável é, sempre, uma

certa dose de bom senso na apre-

ciação das coisas.

Viagem através das Al isso es Brasileiras

WOLFGANG HOFFMANN HARNISCH

FALA-SE

atualmente muito

em panamericanismo.

Se

existe alguma coisa que

deve ser enfileirada na galeria

da

cultura e da história panameri-

cana, são os monumentos das

Missões Brasileiras no Rio Gran-

de do Sul. Para lá deveriam ir

os homens do Brasil Setentrional

e Central, dos Estados Unidos

e dos países

do Prata, afim de

conhecer o recanto em que fio-

resceu uma cultura, o lugar que

pertence ao painel

artístico de

tôda a humanidade, mas, sobre-

tudo, ao do mundo americano.

Viagem para as

Missões

Duas vezes por semana, os apa-

relhos da Varig, a viação aérea

do Rio Grande do Sul voam de

Porto Alegre para a região mis-

sioneira. Logo depois de levantar

vôo, o avião passa pela foz de

quatro grandes rios que

se reú-

nem formando um delta rico de

ilhas, para constituir o rio Guaíba,

um dos maiores do continente.

Depois de quarenta

minutos, faz-

•-se escala na pequena cidade de

Santa Cruz. Após breve demora

prossegue o vôo, rumo ao oeste,

por sôbre cadeias de serra va-

riando de 400 a 700 metros de

altitude. Estas serranias estão

povoadas de colonos que

culti-

vam milho ou fumo, e criam por-

cos» À direita fica a poderosa

queda do Jacuí,

ainda inexplora-

da. Minutos mais tardes se vêem

extensas campinas onde pasta o

gado. E' o

planalto de Cruz Alta.

Na cidade do mesmo nome faz o

aparelho uma segunda escala. Em

seguida, são apenas mais 25 mi-

nutos, ao longe, aparece a mata

virgem do alto Uruguai. Chega-

-se à localidade de Itaí, o aeró-

dromo mais ocidental do Estado.

Êste percurso, de 365 quilôme-

tros, leva ao todo, incluindo as

escalas, duas horas e meia.

Santo Ângelo, o portão

setentrional das

Missões

Em mais duas horas de trem,

alcança-se Santo Ângelo, a mais

setentrional das antigas reduções

indígenas. Mas, das construções

imponentes, erigidas pelos jesuí-

112 CULTURA

tas e indígenas neste local» nada

mais resta.

A pecuária

é a grande

fonte de

riqueza do Município de Santo

Ângelo. O gado

bovino, os ca-

valos e rebanhos de ovelhas abun-

dam. Mas o que

mais importa e

influe é o fato de notar-se grande

impulso no sentido de importar e

criar animais de sangue puro

e

valor reprodutivo. Na criação de

suínos, ramo tão importante para

a riqueza do Estado, o município

de Santo Ângelo está na van-

guarda. O fumo e algodão são

outros produtos

desta região.

Também a cidade de Santo Ân-

gelo não é reconhecida

pelo via-

jante, agora, com um

pequeno

exame ! Em todos os cantos no-

ta-se a febre de construções, so-

bressaindo casas imponentes de

estilo moderno. As ruas são lim-

pas e completamente arborizadas,

com árvores copadas. A velha e

tão reconhecida igreja, construída

parcialmente com os restos da an-

tiga catedral da Redução, foi des-

manchada, e ao seu lado surgiu

uma nova, um edifício imponente,

que, em alguns traços, nos lem-

bra os primeiros

tempos da Idade

Média, mas que,

em geral,

é uma

obra moderna e característica.

Essa igreja possue

alguns vi-

trais, sete dos qais,

situados na

abside, representam os respecti-

vos santos dos sete povos.

Três

outros mostram-nos os três már-

tires do Rio Grande do Sul.

Muito originais são os três que

se seguem. O do centro é a ima-

gem do Cristo Rei, irradiando luz

e espargindo seu manto protetor

à nação brasileira, representada

nos vitrais laterais, que

formam a

Bandeira Nacional, ladeada por

POLÍTICA

\y *

uma cruz irradiando luz da sua

fé nos grandes

destinos da na-

cionalidade brasileira. Parece-me

que é a

primeira vez

que vejo a

Bandeira Nacional tão digna-

mente homenageada num templo.

Moradias de ferro

Ao lado dessa catedral a gente

encontra grandes pilhas

de pe-

dras estranhas, parecidas

com

tufo, mas o nome correto é cupim.

No ano de 1706 a antiga ca-

tedral jesuítica

de Santo Ângelo

foi construída com êsse material.

No ano de 1860, Gomes Pinheiro

Machado, pai

do famoso político,

mandou limpar as ruínas, em sua

qualidade de vereador. Seis anos

mais tarde, construiu-se com êsse

material histórico a igreja que

até

há pouco

serviu como matriz e

que, neste mesmo ano de 1942,

está em via de ser demolida. Ali

podemos examinar os blocos ama-

relos e roxos, os menos ferrugi-

nosos, e os blocos pretos,

os mais

ferruginosos, e podemos

observar

que tôdas as

partes proeminentes

da construção, caixilhos de por-

tas e janelas,

sempre eram talha-

dos em material mais precioso ;

assim, por

exemplo, essas partes

eram constituídas em Santo Ân-

gelo e São

João Batista de

pedra

lioz e em São Borja provável-

mente de gneiss.

Em verdade,

o cupim ferruginoso, mais poroso

e amorfo, resistiu menos às intem-

péries do

que a

pedra lioz,

pois

as imponentes muralhas de grés

da matriz de São Borja são idên-

ticas às partes

da construção da

primitiva catedral

jesuítica, e a

obra maravilhosa de São Miguel

constitue até hoje o encanto de

todos os visitantes.

AS MISSÕES BRASILEIRAS 113

Esta pedra

"cupim"

desempe-

nhou papel saliente na vida dos

brasileiros antigos* Os índios cog-

nominaram a pedra

de itacurú ;

o povo gaúcho

a chama de

"pe-

dra-formiga", o que

é sinônimo

de cupim, nome da formiga bran-

ca, a pequena

térmita brasileira.

Bem que

merece esse nome, pois

os blocos porosos

dêsse minério

muito se assemelham a torrões do

formigueiro. Vemo-lo na região

das Missões a cada passo,

emer-

gindo da relva em torrões ama-

relos, castanhos, roxos e pretos,

exatamente como os pequenos

formigueiros, e por

sinal junto

aos mesmos. Essa pedra

-—'

"ita-

curú, cupim, pedra-formiga",

chama-se em São Paulo pedra-

ferro, nome êsse que

se justifica

plenamente, pois se trata de um

minério de ferro argiloso nativo,

contendo ferro de 35 a 40 %.

Assim sendo, tanto os primeiros

paulistas quanto os

jesuítas se

utilizaram da mesma para

extra-

ção de ferro, mas disto tratare-

mos mais tarde. O fato de ter

sido essa pedra

utilizada pelos

primeiros brasileiros brancos,

para

a construção das suas casas, per-

mite-nos dizer, num sentido poé-

tico, que

construíram suas mo-

radias de ferro.

Em sua obra célebre A cul~

tura e opulência do Brasil, es-

crita em 1711, o Padre Antonil

(Pe. João Antônio Andréoni),

reitor do colégio da Baía, o pri-

meiro biógrafo de Pe. Antônio

Vieira, nos relata o seguinte:

"Na

vila de São Paulo há

muita pedra

usual para

fazer pa-

redes e cêrcas; a qual,

com a

côr, com o pêso,

e com as veias

que tem em si, mostra manifesta-

mente que

não desmerece o nome,

que lhe deram, de

pedra-ferro ; e

que donde ela se tira, o há. O

que

também confirma a tradição de

que já se tirou

quantidade dêle,

e se achou ser muito bom para

as

obras ordinárias, que

se enco-

mendam aos ferreiros..."

Estradas de outrora

e de hoje

De Santo Ângelo a São Mi-

guel, lugar em

que se acham as

ruínas e o célebre museu, ainda

se percorrem

52 quilômetros.

Oútrora, a gente

viajava com

carro de boi dois dias inteiros, ou

com um velho Ford a metade

dum dia. As estradas não mere-

ciam o nome de estradas.

Hoje o ônibus leva uma hora í

E' simplesmente um milagre o

que o D. A. E. R. conseguiu fazer

num curto espaço, pois

levou a

cabo a estrada que

vai de Cruz

Alta a São Borja de tal maneira

que a

gente tem a impressão de

deslisar sôbre trilhos. Imediata-

mente essa estrada, que

era tão

refugada, passou

a ter um tráfego

intensíssimo e agora, além de al-

gumas dúzias de caminhões, tra-

fegam dois ônibus em cada dire-

ção. Êstes, em todas as viagens

e excursões que

realizei, estive-

ram sempre lotados, e ainda hou-

ve vários casos em que

viajantes

tiveram de ficar em suas locali-

dades, por falta absoluta de lu-

gares. Segundo as últimas esta-

tísticas, passam

diàriamente por

Santo Ângelo, somente em ôni-

bus, para

vários destinos, 300 a

400 passageiros.

P. 8

114CULTURA POLÍTICA

Erva mate

Quando fiz esta viagem, pas-

sei por

vastas plantações de er-

va mate. Nalgumas delas a co-

lheita está em plena atividade,

outras já se encontram

despidas

de suas folhas. Muitas das árvo-

res estendem para o céu os

galhos

amputados e

podados, livres da

última folha, quais membros

mu-

tilados dum corpo humano.

Os arbustos de mate enchiam

antigamente as imensas florestas

da região do planalto, as do Uru-

guai, Paraná e Paraguai,

como

mata de corte. Foram os jesuítas

das Missões que sistematizaram

as

colheitas da

"congonha".

Quando

o consumo aumentou, êles inicia-

ram o culto da líex Paraguai/-

ensis por métodos

racionais. Du-

rou muito tempo, custou muitas

experiências, mas por

fim deu

certo.

Precisamente na metade do ca-

minho entre Santo Ângelo e São

Miguel existe, numa colina co-

berta por mato, a estância de Sao

João Velho, outrora

a redução

São João Batista.

Deixando a

estrada e penetrando

no campo,

pelo lado direito,

vêem-se duas

ruínas, que se elevam sôbre o

mato como duas torres.

Nessa colina pitoresca existia

outrora a poderosa

redução e,

com ela, uma das primeiras side-

rurgias do Brasil.

Uma das primeiras

side-

rurgias do Brasil

Deve-se ao padre Antônio

Sepp, da Ordem dos Jesuítas,

no

ano de 1698, a fundação da redu-

ção São João

Batista e no ano

de 1699 a da siderurgia. Deixe-

mos que

êle próprio

nos diga al-

guma coisa a respeito:

"Desejaria

que o benévolo lei-

tor pare

aqui um instante e co-

migo se alegre a modo daquele

ativo mercador do Evangelho que

descobriu um tesouro oculto no

campo, e cheio de alegria vai e

vende tudo o que

tem e compra

aquele campo, etc. Estavam êstes

pobres paraguaios necessitados

não de minas de ouro ou prata,

mas de ferro e aço por tantos

anos em vão procurados

; e neste

ano enfim, por vontade de Deus

que escondeu os metais no seio

da terra, conseguiram uma e ou-

tra coisa. Com efeito descobri-

mos uma pedra, sem dúvida mais

estimável e preciosa que qualquer

tesouro (considerando a vanta-

gem e necessidade);

esta pedra

pelo calor do sol fica tão dura

que não se derrete senão com um

fogo muito intenso ; e quando

mais apurada e endurecida, o

que

se obtém derramando água aos

poucos em cima dela, condensa-

-se em aço e ferro. Tem suas es-

córias e fezes. Não é escavada das

profundezas da terra. Nem e ne-

cessário, a modo dos europeus,

abrir rochedos ou devassar as en-

tranhas dos montes, tampouco

descer aos abismos da terra por

vários meandros. Jaz ela no cam-

po exposta às chuvas e ao sol,

ou se apresenta, ao primeiro gol-

pe do martelo, debaixo da verde

grama. Há também certas coli-

nas repletas da mesma pedra.

Chama-a o selvagem de itacura,

por estar cheia de manchas ou

grãos escuros; êstes grãos, quan-

do expostos a um fogo muito

intenso, fundem-se em ferro e aço.

O modo de os purificar

é o se-

w

AS MISSÕES BRASILEIRAS115

guinte. Levanta-se um forno de

tijolo cru, numa altura de cerca

de dez pés

e numa largura de

seis pés.

Deixa-se no meio um

suspiro ou chaminé de um pé

quadrado, por onde o fogo

possa

respirar. Por esta chaminé dei-

tam-se seis porções

de carvão e

uma de pedra britada. A

pedra

deve queimar

antes para

se des-

íazerem os espessos vapores de

terra, de que

está umedecida.

Logo que

se acender o forno,

cumpre atiçar o fogo com venti-

lação forte e regular ; assim aos

poucos, pela arte espagírica, os

minérios se vão separando, e o

ferro desce para

a parte

inferior ;

as escórias ou fezes saem pelo

buraco para

isto aberto e se se-

gregam. Enfim,

quando em vinte

quatro horas contínuas a massa

de ferro mais ou menos se fun-

diu, abre-se o forno e por

um

©rifício tira-se um embrião incan-

descente. E' malhado então a for-

tes marteladas, recebendo a forma

de enxadão, foice, cunha, macha-

do ou lâmina, como se quiser.

Èste mesmo ferro se endurece em

aço conforme a diversidade de

tempera ou temperatura, que

se

lhe dá pela

infusão de água,

quando incandescente. O aço re-

sultante é melhor que

o de Mi-

íão; a qualquer golpe

de ferro

ou pedra

levanta uma poderosa

chama. A dificuldade está prin-

cipalmente em que

se deve em-

pregar, não

qualquer carvão, mas

o que

resulta da cremação lenta

e subterrânea de uma madeira

duríssima. A experiência me fez

carvoeiro e ferreiro, já que

é ne-

cessário fazer-se o missionário

apostólico tudo para

todos. A na-

tureza subtraiu a êstes pobrezi-

nhos cristãos a sua mão liberal,

negando-lhes os meios necessá-

rios, e me obrigou a implorar o

céu propício, para que

nos socor-

ram os auxílios divinos, quando

faltam os humanos. E aqueles na

verdade bem nos socorrem, prin-

cipalmente, quando urge

qualquer

necessidade ; pois então volto-me

súplice às pias almas dos defun-

tos, em especial ao arcanjo Mi-

guel e à minha taumaturga Vir-

gem de Ottingen, bem como ao

meu tocaio Santo Antônio de Pá-

dua, e êles nunca desdenharam

assistir-me com seu pronto so-

corro. Se até agora os benignos

céus nenhum outro benefício ti-

vessem feito a êstes pobrezinhos,

êste só bastaria para

ser escrito

no livro da eternidade ; o lhe te-

rem concedido ferro e aço".

Como indica o Pe. Teschauer,

o Pe. Sepp teria sido o mais an-

tigo e o primeiro precursor da

siderurgia brasileira. Mas a ver-

dade é que

foi só um dos primei-

ros e mais antigos precursores

da execução dêste ofício em nosso

país.

Eis a correlação dos fatos.

Foi o Pe. Anchieta quem

nos

deu as primeiras

notícias sôbre a

existência de jazidas

de minérios

de ferro no Brasil anunciando no

ano 1554, literalmente:

"Agora,

finalmente, se desço-

briu uma grande

cópia de ouro,

prata, ferro e outros metais, até

aqui inteiramente desconhecida

(como afirmam todos)'\

Esta afirmação do Pe. Anchieta

provàvelmente se refere àquelas

jazidas nas vizinhanças de São

Paulo e Santo Amaro, cujos mi-

nérios, porém,

somente 200 anos

depois (1760)

foram fundidos.

São êles compostos de um minério

116 CULTURA POLÍTICA

de ferro argiloso, quer

dizer, do

nosso cupim.

Já nos fins do século XVI, fun-

dia-se minério no Brasil, na re-

gião do futuro município de So-

rocaba, no Estado de São Paulo.

Aí um certo Afonso Sardinha (o

pai) descobriu, no ano de 1590,

as jazidas

de Biraçoiaba, forma-

das por

duas terças partes

de gra-

nito e uma terça parte de magne-

sita de alto valor» Como Caló-

geras prova no seu admirável li"

vro -As minas no Brasil e sua Le~

gislaçâo, Rio de

Janeiro, 1905,

Afonso Sardinha já em 1597 -—-

isto é, exatamente 101 anos antes

do Pe. Sepp — manteve em Bi-

raçoiaba a primeira

fábrica de

ferro em território brasileiro.

Estas fábricas trabalharam até

1629, isto é, durante trinta anos. •

Portanto, cabe a esse ilustre pau-

lista a glória

de ser o fundador

da siderurgia brasiljeira.

Desde então foram empregados

no Brasil exclusivamente minérios

de ferro de alto valor — exce-

tuando-se apenas os curtos inter-

valos de São João Batista e Santo

Amaro.

Quando, em 1756, irrompeu a

chamada guerra dos Sete Povos,

os armazéns de São João

forne-

ceram o ferro para

as pontas

das

lanças e flechas com que

o exér-

cito de Sepé lutou, na batalha de

Caibaté. Naquele tempo, até as

mulheres eram armadas em São

João. A

propósito escreveu o vi-

gário do aldeamento:

"Já

vi, na

igreja, índios com lanças e te-

membés, e vi como preparavam

pedras para as atiradeiras, e como

as jovens

mulheres se exercita-

vam no manejo dessas atiradeiras,

e até com arco e bolas, e mesmo

com lanças, e diziam que

deseja-

vam morrer com os maridos."

O Museu Federal de

São Miguel

Todos os ônibus que trafegam

na estrada Santo Ângelo-São Luiz

devem — essa é uma lei federal

— desviar-se da estrada real e

deter-se meia hora nas ruínas e

museu de São Miguel, afim de

que cada viajante possa

apreciar

os tesouros de arte que

lá se en-

contram. E* de fato. Mais de

trinta pessoas

diàriamente disso

se aproveitam para uma visita ao

museu. Aqueles que desejam co-

nhecer mais profundamente todo

o vasto manancial de arte antiga

podem ficar no local o dia intei-

ro, fazendo as refeições em um

restaurante e aproveitando-se do

ônibus da noite.

E' uma solução extremamente

feliz a que

o arquiteto Lúcio Cos-

ta, do Rio de Janeiro,

encontrou

para o edifício do museu e a casa

do zelador, perfeitamente ligadas,

aproveitando-se do modelo for-

necido pelas cobertas das ruas

que

existiam nas velhas reduções.

Um vasto teto de telhas com

pequena inclinação se estende por

sôbre as paredes

do edificio, indo

bastante além do limite das qua-

tro paredes

externas, de maneira

a formar corredores cobertos. E

sabido que os habitantes das re-

duções missioneiras podiam cru-

zar pela cidade,

protegidos do sol

e da chuva, por meio de ruas co-

bertas. E como nas velhas cons-

truções de São Miguel, o teto do

museu está suportado por pila-

resi e as suas capitais construídas

T<

AS MISSÕES BRASILEIRAS 117

nos moldes das da antiga cate--

dral de São Lourenço.

As paredes

internas, que for-

mam as diferentes salas, são re-

vestidas de uma camada áspera

de cal, o que permite

uma situa-

ção de maior destaque aos obje-

tos expostos, isto é, as estátuas,

pias, peças de mobiliário, tanto

obras de arte como objetos de uso.

As duas externas, no entanto, que

formam os fundos e a frente do

edifício, e também as portas,

são

completamente de vidro, permi-

tindo que

o interior fique inteira-

*

mente iluminado com luz direta.

Da antiga riqueza artística, for-

mada de esculturas de madeira e

pedra, com que

eram embelezadas

as igrejas, os colégios, as praças

e ruas das reduções, resta apenas

um pequeno

cabedal formado por

mais ou menos 500 estátuas.

Deste patrimônio

apenas uma re-

duzida parte está no museu. Vi,

entre Uruguaiana e Passo Fun-

do, mais 200 estátuas e fotogra-

fei-as, peça por peça.

Dentre elas,

algumas de um valor artístico

inestimável, que mereciam ser co-

lecionadas e transportadas para

o Rio de Janeiro,

afim de serem

expostas num museu especial e

tornadas conhecidas ao mundo.

No museu de São Miguel estão

colecionadas, presentemente, cêr-

ca de duas dúzias de estátuas de

primeira ordem. Entre elas um

Santo Isidoro e um delicado São

]osé, trabalhado com a mais

pura

arte — ambos capazes de figurar

em qualquer

museu internacional.

Além disso, existe um São Lou-

renço semelhante a um Zeus de

tamanho excepcional, revestido

por uma couraça, contendo ricos

e originais relevos. A obra, evi-

dentemente, sofreu a influência

dos modelos das famosas estátuas

de César em Roma. No momento

em que

me preparo para

fotogra-

far a referida estátua, passa

um

gaúcho de elevada estatura, com

1,92 centímetros. Peço que

se co-

loque ao lado do São Lourenço.

Satisfazendo o meu pedido,

o

gaúcho levanta o braço, mas o

São Lourenço ainda é mais alto.

O homem que atendeu ao meu

pedido está de luto. Vem êle de

um grupo

de pessoas que,

reüni-

das no campo fronteiro à cate-

dral, formavam ainda há pouco

um círculo. Todas assentadas no

chão.

Pergunto-lhe o que

isso signi-

fica.

Êle me responde:

"E'

um an-

tigo costume desta região. Sete

dias após o enterro de uma pes-

soa no cemitério de São Miguel

(no antigo cemitério fundado

pelos jesuítas) os

parentes e ami-

gos do morto sentam-se, num am-

pio círculo, no campo fronteiro à

catedral, para pensar no recém-

falecido..

São Luiz Gonzaga

Poder-se-ia dizer que nalgumas

cidades do interior se podem

ler

as diversas fases de desenvolvi-

mento, como num livro aberto, e

observar as metamorfoses deter-

minadas pelo progresso, assim

como se vai seguindo a transfor-

mação do óvulo em crisálida, do

casulo em borboleta.

Santiago do Boqueirão é a ci-

dade ressurgida à vida pelo

apito

da primeira

locomotiva. São Luiz

está à espera desse apito. A ci-

dade recebeu iluminação e escolas

e estas são no total de sessenta e

v ' ; f'>"v "

Tr "> «

w'» MA *¦*. ¦ ?

118 CULTURA

seis. Por ocasião de minha visita,

estavam terminando a construção

dum grupo

escolar para quinhen-

tos alunos; além disso, está quase

terminado o hospital de caridade.

As praças

e ruas são limpas.

No meio da bonita praça,

em

frente à matriz e à prefeitura,

está

o busto de bronze de Pinheiro

Machado. Foi o caudilho nacio-

nal um dos estancieiros mais im-

portantes da região. Como con-

dutor de homens, sobressaiu, no

ápice de sua vida agitada, ele-

vando-se acima do seu Estado na-

tal e do ambiente gaúcho, para

dar

personificação a um dos

políticos,

dos grandes políticos

da América

do Sul, nos últimos tempos. Não

aasceu em São Luiz, nem lá mor-

reu, mas nesse município estavam

situadas suas fazendas de gado,

e a êle se afeiçoou de maneira

carinhosa.

A vida de um gaúcho

Quando irrompeu a guerra

do

Paraguai, contava José

Gomes

Pinheiro Machado apenas treze

anos de idade. Quase criança,

portanto. Iludiu, então, a vigi-

lância paterna

e alistou-se para

ser incorporado nas forças que

lutavam sob o comando do Conde

de Pôrto Alegre. O jovem guer-

reiro já

andara envolvido em di-

versas batalhas e escaramuças,

quando seu

pai conseguiu saber

do local onde se encontrava e

levá-lo de volta para

casa.

Aos vinte e sete anos partici-

pava do brilhante

pugilo de mo-

ços como

Júlio de Castilhos, Ve-

nâncio Aires, Assiz Brasil, Bor-

ges de Medeiros e outros

que

faziam a propaganda

da Repú-

POLÍTICA

blica e, mais tarde, fundaram o

Partido Republicano Riogrande*-

se, o qual

foi, sem dúvida, a

guarda avançada da evangeliza-

ção da República. Depois, Pi-

nheiro Machado, senador pelo

Rio Grande do Sul, foi um dos

maiores defensores e batalhadores

da República.

Quando, em 1891, se verificou

o golpe

de Estado do marechal

Deodoro, retirou-se Pinheiro Ma-

chado para

o interior de sua es-

tância em São Luiz, emigrando

daí para

a Argentina, afim de

organizar a contra-revolução. Du-

rante o movimento estava êle na

divisão do general

Francisco Ro-

drigues Lima, a mesma a que per-

tencia o general

Nascimento Var-

gas. Sem dúvida foi o caudilho

a alma da revolução, a personifi-

cação do dever cívico, sempre

cheio de entusiasmo. O grande

exemplo, o mais valente entre os

valentes.

Um decênio depois é o

"braço

forte da República, o gaúcho

da

soberba e diamantina têmpera, o

árbitro da política

brasileira. . .

colocando o Rio Grande do Sul

numa posição

de eminência tal

como ainda não tivera na Repú-

blica, mas só na Monarquia, pelo

prestígio de Silveira Martins/'

E eis que

certo dia o potente

lutador tomba atravessado pelo

punhal ervado de um louco. . .

Foi no Hotel dos Estrangeiros,

no Rio de Janeiro,

nesse hotel pa-

triarcal, erguido à sombra de ve-

lhas figueiras e diante do qual

há um José

de Alencar de bronze.

Foi ali que

êle caiu.. .

Corria o segundo ano da gran-

de matança entre povos. Era em

1915...

AS MISSÕES BRASILEIRAS119

Pinheiro Machado, êle mesmo,

já dissera certa vez:

"Não

oeul-

taremos, como César, a face com

a toga, e de frente olharemos fito

a treda, a ignóbil figura do ban-

dido, do sicário".

E bem assim êle morreu, Rece-

beu o golpe pelas

costas» En-

quanto tombava, seu olhar pro-

curava o bandido, a sua última pa-

lavra ao fugitivo foi:

"Canalha !

T> assassino passou vinte anos

na prisão,

sem denunciar os man-

dantes.

Pinheiro Machado, Francisco

Rodrigues Lima e Manuel do

Nascimento Vargas foram três

amigos íntimos durante muitos

anos. Vargas e Lima moravam

em São Borja. Ali era comum

vê-los, todos os dias, completarem

sua voltinha em redor da praça.

Pinheiro Machado tombou,

Lima

morreu. O general

Vargas e_ a

última estréia dêsse oríon de grão-

caudilhos das Missões.

São Borja

Quando entro em São Borja, é

por fins de fevereiro, portanto

verão alto. O ar treme por cima

do enorme cêrro de areia, sobre o

qual a cidade está localizada,

o calor e pode-se ver perfeita-

mente o ar tremendo.

No pátio do meu hotel ha um

poço, um poço

antiquissimo com

roldana, corrente

e balde. A co-

roa e o interior do poço estão

cheios de musgo. Quem tiver sede

pode extrair a água do poço.

Nas

noites estreladas, de bom tempo,

o jantar

é servido junto a esse

poço. Luzes sob cúpulas

de vidros

iluminam os rostos dos hospedes

e fazem dansar pelas paredes as

sombras das mocinhas que ser-

vem. Depois do jantar,

toma-se

chimarrão. Entre os grupos, que

se formam pelos diferentes can-

tos, a cuia anda de mão em mão.

E' um bocado do Brasil antigo,

que se retrata neste pátio.

Que

belo quadro para o

pincel dum

Franz Post! ?

.A. praça é mantida limpinha.

Caminhos pavimentados com pe-

dras multicores ; árvores e flores

bem tratadas. A prefeitura

e a

igreja nada oferecem digno de

menção. Tão pouco as casas em

redor, até o lado sul. Estas, sim.

têm fachadas mais ricas, recém-

rebocadas e caiadas. Luzem ^o

sol que os olhos chegam a doer.

Ai moram algumas das familias

mais ilustres.

Naturalmente, também nesta ci-

dade constrói-se, constrói-se

e

constrói-se cada vez mais, tanto

estradas como casas. Da nova es-

trada real asfaltada para Passo

de São Borja já tive ensejo de

falar. O ginásio

terá edifício novo,

que já passou do segundo andar,

e inteiramente doado pelos

mora-

dores magnânimos. Também aç\^'1

construíram para os oficiais da

guarnição um bairro próprio

de

vilas. t

Nas ruas laterais sente-se o sol

causticante do verão alto. Sobe

cada pata dum cavalo a trote

sobem nuvens de pó vermelho e

amarelo. E são tantos os cascos

que aí vão trotando

e tantas as

nuvens de pó, subindo ao ar^ . .

Tanto estancieiros como peões,

patrões como tropeiros andam a

cavalo, sentados em selas guar-

necidas de prata, com pelegos

ver-

melhos. Aqui, ainda os cavaleiros

e carroças de cavalo dominam

sôbre o automóvel.

120 CULTURA POLÍTICA

Para os meios de defesa do

Brasil e do Rio Grande do Sul, a

tradicional São Borja assume im-

portância em virtude de sua sede

de guarnição

da fronteira, sede

aduaneira, porto e centro de co-

municações, onde se encontra o

tráfego fluvial, rodoviário e ferro-

viário. Mas a cidade não pode

perder sua feição caracterizada

de capital da região missioneira,

no sentido mais amplo do vocá-

bulo.

Fazendo abstração do extremo

norte, tôdas as regiões do nosso

Estado estão abertas entre si, e

os homens como as mercadorias

vão e veem num trânsito contínuo.

Da mesma forma, faz-se o inter-

câmbio intelectual. Os extensos

campos do hinterland de São

Borja, entretanto, constituem ain-

da, de certo modo, um mundo fe-

chado para si mesmos. E é a ci-

dade, seu centro intelectual e cul-

tural, a guardiã

de tôdas as tra-

dições regionais: as tradições je-

suítico-indígenas, que apenas me-

dram artificialmente ; as tradições

guerreiro-patrióticas, que conti-

nuam existindo bem vivas; as tra-

dições políticas, que

se transfor-

maram por completo. Do velho

orgulho do caudilhismo, de forças

e esplendores próprios, formou-se

novo orgulho: o de ser o lugar

de onde se iniciou a mais recente

e importante transformação de

toda a República. O orgulho de

ser o berço do Estado Nacional.

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Quadros e costumes regionais

Paquetá como eu ví

DE LEMOINE

E;M

TÔDAS as partes

do

mundo existe sempre um

lugar excepcionalmente be-

lo onde buscam a inspiração os

artistas, e os sonhos os enamo^

rados. Ali em geral

o céu é

mais estrelado, mais sereno, mais

límpido ; ali a terra é mais pu-

jante, quase sempre selvagem e

simples, sem grande

influência da

mão do homem.

No Rio de Janeiro,

escondida

no fundo da baía, entre uma sé-

xie interminável de outras tan-

tas, há uma ilha grande

e boni-

ta, o sonho poético do carioca

-

é Paquetá. Nesta

'

ilha de amo-

res" como vulgarmente a cha-

mam, tôdas as musas comparece-

ram com os seus dons afim de

que nada faltasse ao seu nasci-

mento: as praias que

a cingem são

pinceladas exóticas e

profundas,

traços largos de areias brilhantes,

©nde o mar se espraia quase sem-

pre azul e manso. O arvoredo é

frondoso e variado; existem as

árvores centenárias de tronco

enrugado e massudo, grande li-

vro natural de vidas inteiras, c as

árvores jovens, delicadas e mei-

gas debutantes, silhuetas nostál-

gicas em noites enluaradas. So-

bressaindo do copado espesso, a

vista humana se enche com a ex-

centricidade das palmeiras

ele-

gantes, saüdades havaianas em

terras brasileiras. Por fim, as

pedras que povoam a ilha e o mar

que a circunda emprestam-lhe um

sabor pitoresco

e rude, mas que

justamente constitue a sua

pri-

mordial beleza . . . (Setembro

1942

— Da série Impressões de Viagem )

Uma viagem na

Gtagoatá

Mas, para

conhecê-la, nada

melhor do que

se instalar, calma-

mente, numa barca da Cantarei-

ra, a Gragoatá, por exemplo, e

seguir viagem.

O dia está belo, esplêndida-

mente belo. Se alguém pintasse

o mar anil que

eu ví, o céu claro

e limpo que

eu cansei de obser-

var, o bilho do sol nas águas e o

reflexo do Rio, no horizonte, por

certo diria que o

pintor se ex-

cedera na fôrça das côres, por

desconhecer as nuanças que ni-

velam os sentimentos discretos,

incapazes da arrogância pu jante

do entusiasmo.

/

122CULTURA

POLÍTICA

A barca, suja como sempre,

desconfortável como o são todos

os meios de transporte na bela

cidade de São Sebastião do Rio

de janeiro, prosseguia lentamen-

te, cheia de gente, verdadeiro

mercado de raças.

Havia os

"qranfinos", os remediados

e os

pobres, como também

havia os

ricos inteligentes, dentro

de uma

simplicidade elegante,

os reme-

diados metidos a

granimos

e

os pobres,

na sua verdadeira fan-

tasia.

Falava-se de tudo: como havia

muita

"criança

grande" a bordo,

é natural que houvesse

muita ri-

sada e palavras

bonitas, tiradas

de alguma frase pomposa de um

grande escritor, coisa que

tão bem

impressiona a mocidade.

Em meio

do português falado, numa ânsia

de parecer

artista de cinema, tei-

mando mesmo em lhes imitar o

vestuário, saíam, — assim, com

ênfase, numa linguagem exagera-

da, que está bem aproximada

ao

falar americano, do inglês, espê-

cie de som esquisito perdido na

abóboda palatina, misto de bata-

tas quentes num desespero

de fo-

qo na bôca,

— os O. K. yes,

Toots, — Bye

— sorry e, dai por

diante • • •

Um baleiro monótono cansou

de me oferecer balas, e como

^eu

não respondesse à sua amolação,

acabou repetindo o oferecimen-

to num inglês mastigado a chi-

clets'\ me julgando,

talvez,

inglesa* Como a sua insistência

fôsse demasiada, acabei por desi-

ludir as intenções comerciais do

rapaz, por lhe dizer em bom por-

tuguês ora! não amole, meni-

no! Ao que êle me olhou meio

encabulado e comentou com ou-

tro entre os dentes: é uma ameri-

cana camuflada .. •

E, assim, prossegui viagem, que

durou aproximadamente alguns

quartos de hora, acabando por

chegar ao porto romântico paque-

taense, sã e salva.

Ipac"itá

Se quisermos descrever

Paque-

tá com suas pedras, explicaremos

melhor se dissermos que é um

colar indígena de pedras

enormes

c irregulares, ora surgindo

das

águas mansas e cristalinas como

estilhaços atrevidos,

ora submer-

sa, deixando ver, apenas,

o seu

costado escuro, coberto de limo.

Das pedras vem o seu nome.

O índio, na sua maneira simples

e primitiva de definir as coisas,

observando do alto dos morros

aquelas flexas de

granito, dedu-

ziu que as mesmas não brotavam

das águas mas, haviam caído do

alto, dizendo por isso ipac-na

quando se referia à ilha, e repe-

tíu sempre, até que o branco,

sim-

plificando a

palavra, a transfor-

mou em Paquetá. # #

Na tradução de ipac-ita

sur-

qiu uma polêmica

seríssima en-

tre os estudiosos do idioma indi-

qena. Teodoro

Sampaio julgou

achar a significação — Toca da

Paca. Outro, não menos enten-

dido, dizia ser — Pedra vista de

longe. A maioria, inclusive

be-

zerra de Meneses, opina pela tra-

dução seguinte: Pedra caída do

alto ou pedra que caiu do céu .

Parece que nesta última há mais

aproximação do espírito cândido

do homem primitivo, que

via no

céu todas as razões para o seu

temor, o seu respeito, por ser de-

le que

disparavam os raios, os

trovões, as chuvas bravias, e por

PAQUETA COMO EU VI 123

ser nele que

o sol, a lua e as es-

trêlas fulguravam divinas . ..

A morte do último

tamoio

Paquetá tem a sua história, e

seus episódios interessantes bro-

tam da nebulosa das épocas dis-

tantes.

Um preto

velho, paquetaense,

centenário, de olhar desbotado e

vago, querendo

repetir a lenda

que ouvira há tempo, acêrca da

ocupação portuguesa na ilha,

quando nela o oborígene reinava

absoluto, começou a contar entre

baforadas lentas e fracas no seu

cachimbinho de barro:

. . .

44

Paquetá é uma ilha an~

tiga, sinhá . . . muito antiga mes-

mo. Tinha muito índio grande,

vermelho, calado, desconfiado

mas feliz e sossegado. É. . .

sossegado, quero dizer . . . índio

que não

queria briga.

O cacique tinha um filho mo-

ço, rapaz forte, bom atirador de

flecha, muque de ferro, ligeiro

das pernas,

danado pra pegá os

bicho do mato.

Um dia êle foi caçá, mais es-

tava preocupado;

sua mãe tivera

um sonho feio, sonho brabo mes-

mo. . . com muito trovão e muito

fogo ! Mas não ligou, não !

Gente moça não faz caso do

aviso de velho; acha graça por-

que não

precisa ter medo

quando

é forte .. .

Pois o filho do cacique se en-

ganou. Cá no alto do morro,

quando olhava pro

mar bonito

que parecia espêlho, viu uns

pa-

ninho branco estufado, que vinha

na direção da ilha. Era o homem

branco de bota e fuzil, suado e

tonto com tanta luz da praia, que

vinha tomá conta de Paquetá. E

tomô mesmo, matando muito ín-

dio . . . mas o índio espeto muito

branco, também ... E deu uma

risadinha satisfeita com a vin-

gança.

O negro velho pigarreou

e deu

umas valentíssimas cuspadas que

bem estavam em desacordo com

a fôrça da sua idade, quis

conti-

nuar, mas as palavras

lhe saíam

aos borbulhões, desconexas, atro-

peladas, sinal evidente da impôs-

sibilidade de prosseguir.

E o seu

olhar incerto, vago, desbotado,

testemunhava a nebulosa daquele

cérebro gasto,

onde nem a luz dos

olhos conseguia alguma coisa.

De fato, o negro velho não

mentia; o luso conquistador vi-

nha-se apossar de mais um pe-

daço de terra, pertencente

ao tor-

rão enorme que já

era seu.

Às praias

claras e alegres da

ilha começaram a chegar homens

estranhos para

o jovem

índio, ho-

mens brancos, enfurnados em al-

tas botas e roupagens esquisitas.

Vinham em número de vinte, cal-

cando as areias quentes

do re-

m^nso brasílico com pisadas

f©r-

tes e decididas, deixando além as

pequenas naus balouçando ao

sabor dos ventos.

O índio de pronto

não compre-

endeu bem a razão desta visita

inesperada, mas o seu instinto sei-

vagem se apercebeu logo do pe-

rigo que

o ameaçava. Voltou à

sua gente,

e quando

o aventurei-

ro os viu, leu-lhes; no semblante

altivo uma ameaça escrita com

fogo nos olhos. Então houve lu-

ta, houve mortes e tristezas na

praia grande, em torno da imen-

sa Pedra Rachada, ganhando

o

branco porque, se os seus caíam

espetados pelas setas silenciosas,

o heróico filho das selvas paque-

, • '

124 CULTURA

taenses voava pelos

ares, confuso

e estraçalhado com o espoucar de

descargas sucessivas de pólvora...

Um por

um daqueles vultos

bronzeados caiu, até chegar a vez

do filho do cacique, bravo e des-

temido tamoio que, nadando em

sangue, emborcou nas areias mu^

das, espêlho opaco da conquista,

lençol mortuário dos heróis de

lendas.

Assim foi a conquista da ilha

tranqüila que dorme sonhadora

no fundo da baía carioca. De-

pois vieram os franceses; torna-

ram a voltar os portugueses,

ora

para lutar, ora

para fazer um li-

geiro comércio . ..

E o velho preto

continuava

sentado numa pedra, resmungan-

do baixinho qualquer coisa inde-

cifrável, batendo sempre o ca-

chimbinho entupido, soltando

novas cuspidas, coçando de leve

a carapinha branca num movi-

mento encabulado de gente

sim-

pies. Bela figura de homem bcn-

doso, velha reminiscência da nos-

sa história longínqua, da qual

tanto nos falam nossas avós . ..

A igreja de

São Roque

Depois os anos passaram, cor-

reram céleres, como acontece à

marcha do tempo através das his-

tóricas. As terras foram dividi-

das e o seu primeiro donatário,

Inácio de Bulhões, obteve a par-

te que

se perdia

até a Ladeira do

Vicente para o norte, chegando

até Suruí, no Estado do Rio. Da-

quela fazenda imensa apenas so-

brou uma igrejinha feia, pobre,

triste, abandonada, espectro lú-

gubre de eras remotas a igre-

jinha de São Róque.

Em tempos idos havia um ca-

sarão, perto

da igreja, casarão

massudo, a residência da fazenda.

Os pátios

eram forrados com la-

drilhos largos, os caminhos fei-

tos com pedras grandes,

onde o

martelar sonoro dos cascos dos

cavalos, constituía a melodia da

novidade, na vida pacata

do so-

lar.

A senzala escura agasalhava

o escravo cheirando a fumaça e

bodum. Notas nostálgicas, acom-

panhadas de um côro arrastado e

melancólico, cansaram de encher

as pautas

denegridas das vigas

soltas daquele ambiente sombrio.

Um pouco

adiante havia um

poço, figura indispensável para

o

bem-estar geral, principalmente

para as reüniões sociais dos

pretos escravos, onde se dançava

em contorsões africanas, a ex-

pressão máxima da linguagem

selvagem.

Quem visita hoje a igreja de

São Roque sente-lhe o peso

do

passado na arquitetura primiti-

va e tôsca, e a monotonia da vida

no hálito mofado das madeiras

apodrecidas. Ali se escuta, ain-

da, o eco rolar os rosários bondo-

sos, na sua faina costumeira e

conformada de pedir pelos que

já morreram. Se fecharmos os

olhos, teremos a impressão níti-

da de ver caras e mais caras, as

mesmas que

hoje procuram,

num

templo, a interferência divina nas

complicações humanas.

No poço,

o ruído é outro. Lá

por volta de 1590, a voz melódi-

ca, arrastada em ritmos caden-

ciados, acompanhava o movimen-

to estridente da roldana no seu

PAQUETA COMO EU VI 125

mister quotidiano de fazer subii

e descer o balde para

apanhar a

água.

Hoje, o velho poço

está cala-

do, como calado está o velho ne-

gro que o movimentava.

Do preto

velho surgiu um novo

tíço. O borrão feito por punhos

analfabetos, embebidos de cobi-

ça, pertence a uma

página lon-

gínqua no livro da humanidade.

Agora o preto

liberto passou

ao

livro do branco com as feições

atenuadas pelos traços delicados

da nossa raça. Êle hoje não espe-

ra submisso a vontade de sinhô-

moço, porque

sinhôzinho anda no

Rio, numa barata bonita, ou toma

banho em Capacabana, envolto

num sarong ramado . . .

A praia

dos Frades

Na praia

dos Frades existe

uma cruz gravada

nas pedras:

talvez tenha passado desapercebi-

da ao turista pouco observador.

Como todas as cruzes, lembra

alguma coisa triste, de uma tris-

teza que

se aproxima da morte.

Conta a história que aquela

cruz lembra a morte, naquele lo-

cal, de um frade que

voltava, com

o seu barco, da ilha do Go-

vernador. Talvez pela sua bonda-

de ou pelas cãs, chamavam-no de

Pai dos Frades. Então, como

tributo de gratidão

ou simples

lembrança, a pequena praia

en-

trou a ser chamada de Pai dos

Frades, passando mais tarde pa-

ra praia

dos Frades.

Existem coisas que a história

não regista, mas que às vezes ca-

Iam na memória das crianças. Al-

guém, que já foi criança e adora

Paquetá, apesar de ter hoje o seu

nome aureolado pela

fama, me

disse, com os olhos parados,

fi-

tos no arvoredo esplêndido . . .

44Contaram-me

que aqui nesta

praia a água murmura doce e lc-

vemente, enquanto nas outras o

mar se encrespa agitado. Escute,

minha amiga, e diga se não pare-

ce verdade .. . Sabe o que

é ? O

mar respeita as preces

do frade,

que continua a murumurar bai-

xinho, lá no fundo, bem lá no

fundo.. .

A praia

dos tamoios

Novamente o preto

velho vem

prestar o seu auxílio muito vago,

tanto quanto

o seu olhar. É ver-

dade que

só a presença

dêste trê-

mulo representante de um passa-

do na moldura estática de Pa-

quetá é suficiente para

inspirar

divagações poéticas na mente de

um antiquário. Ouçamos, portan-

to, o que

êle nos quer

contar:

"Aquele

forno velho que

mecê está vendo ali teve sua his-

tória. Era de uma caieira cheia

de importância, tão cheia de im-

portância que deu o nome à

praia

do Forno. Depois, os home co-

meçaro a fabricá outras coisa; en-

tão foi montado no local um es-

taleiro enorme; desbancando o

Forno, passou

a se chamar praia

do Estaleiro. Nesses tempo os

índio vinha negociá c'os francese

e havia muito movimento de gen-

te...

E agora, meu velho, por que

dizem praia dos Tamoios?

"É, sinha-moça, já trocaro

os nome outra veis. É pramode

do Dr. Bruno, que é o

pai de Pa-

quetá".

Como isso, meu velho? Que

tem a ver o Dr. Bruno com a

praia?

\

126 CULTURA

* 44Pois

mccê não sabe?... ^

concluiu o negro satisfeito com a

minha surprêsa. Imagine que

prantaro o Dr. Carlos Gomes ali

na praça, por

orde do Dr. Bruno,

que é muito amigo dêle, parece

até que

é parente

longe, e dero

o nome de Tamoio...

Eu não pude

deixar de repri-

mir um riso indiscreto, com a con-

fysão do negro velho no paren-

tesco de Pedro Bruno, e fiquei

cismado com a triste

"pranta-

ção" do cantor do Guarani, na

praia dos Tamoios.. .

A estátua sem cabeça

Das histórias de Paquetá a

mais interessante é aquela que

envolve a pessoa

burguesa de

Manuel de Sá, que o vulgo de-

nominou, malandramente, de Fu-

maça.

Êle era português,

o coitado,

e certamente sofria as influências

nostálgicas de sua terra distante.

Um belo dia, resolveu mandar

para

"além-mare"

os dois filhos

homens, isto num impulso muito

natural da época, seguindo sem-

pre a voz do sangue e os hábitos

da terra. Lá foram êles para

Coimbra, a Meca do saber. Um

estudou medicina e o outro, advo-

cacia.

Tudo ia muito bem quando

o

jovem causídico adoece, peora,

estertora e morre para grande

consternação dos amigos, cole--

gas, parentes e progenitores.

Manuel de Sá se desespera. Aca-

riciando os correntões de ouro

maciço, fica mudo na sua dor,

usando somente algumas expres-

sões bem rudes, do seu vocabulá-

rio pobre,

contra qualquer divin-

dade que

se fizera surda às suas

\ • - ' '

POLÍTICA

súplicas. Finalmente, trata-se da

remoção do corpo, o que,

naque-

les tempos, era difícil e lento.

Num dia ensolarado, dêsses

dias lindos que Paquetá possue,

lá veio o filho de Sá num vapor-

zinho fúnebre, e mais uma está-

tua que

o velho pai mandára es-

culpir em lembrança do filho.

Tudo ia novamente muito bem

quando a igreja, fazendo valer os

seus princípios irrevogáveis, não

permitiu que enterrassem os res-

tos mortais do rapaz no cemité-

rio cristão, que naquele tempo se

localizara defronte às Barcas.

Diga -se de

passagem que o

jo-

vem estudante fora encinerado,

devido à impossibilidade no trans-

porte.

Começou, então, o drama do

infortunado pai. Sá chorou, su-

plicou, esbravejou e, não conse-

guindo demover a rigidez das leis

católicas, num assomo de cólera

joga ao mar a estátua do filho

querido, sepultando-o assim nas

águas complacentes de sua terra.

O tempo passou e com êle o

vendável humano. Meio submer-

sa, a estátua permanecia, lem-

brando ainda, muito de leve, a

história triste do velho Sá.

Movidos talvez pela curiosida-

de, homens resolveram retirá-la

para terra firme. E antes não o

tivessem feito, porque o espírito

destruidor de vândalos, na sua

mania ignorante de quebrar

tudo

aquilo que não

pode compreen-

der, lhe quebrou a cabeça, per-

manecendo apenas o busto, sè-

riamente flagelado.

O lugar onde caiu a cabeça de

Mário Sá é lodoso e fundo, sen-

do difícil a sua retirada. A Liga

Artística de Paquetá pôs a

prê-

mio a enterrada célebre, porém,

V

• ~ * •

: • ^ ¦

j •

- -

PAQUETÂ COMO EU VI127

acredito que não tenha desper-

tado interesse junto ao

povo pa-

quetaense.

É verdade que aquela estátua

não constitue uma peça de valor

artístico, mas não deixa de ser

uma obra que representa uma

história triste, passada na vida

calma de Paquetá.

Maximiliano II

Dizem as lendas da ilha que,

um dia, um grande personagem,

que se chamava Maximiliano,

es-

teve em Paquetá. Se é verdade

não sei, mas conta-se que o ilus-

tre visitante, de passagem pelo

Brasil em sua viajem ao México,

se deteve naquele recanto mar a-

vilhoso, passeando por todos os

cantos, admirando aquelas paisa-

gens cheias de beleza, provando

também a deliciosa rubiácea ofe-

recida por algum descendente

da

trágica família.

Como há uma confusão enor-

me na massa popular a êsse res-

peito, resolvi acreditar nessa vi-

sita importante como se acredita

nas lendas bonitas que pululam na

mente dos contadores de histó-

ria

O solar de D. João

VI

Paquetá vai-se desenvolvendo

à medida que passa a viver no

progresso da Sebastianópolis.

D.

João, o rei-frade, misto de sobe-

rania e misticismo glutão, volta as

suas vistas para a ilha formosa,

procurando nela um recanto si-1

lencioso onde pudesse fugir às

fúrias amorosas de sua real es-

posa. E,

parece tê-lo consegui-

do; pelo menos Carlota Joaquina

Kião se mostrou bastante entusias-

ta das travessias enjoativas da pe-

quena barca, nem tão

pouco sa-

tisfeita com a simplicidade casta

dos filhos de Paquetá.

De pronto

não havia moradia

digna de tão ilustre hóspede; em

todo o caso fizeram-se os mais

tremendos empenhos para que

Sua Majestade se encantasse por

algum solar ali existente. Para

D. João

não era preciso luxo, e

mesmo a escassez de gôsto

artís-

tico na real pessoa não diferen-

çava uma residência real de uma

simplesmente nobre. Então, foi

com alegria que o Bragança es-

quisito fixou os seus olhos em-

papuçados, ávidos dc sono para

uma sesta impedida, num solar

amplo, pomposo, perdido na

imensídade de quarenta

mil me-

tros quadrados.

Bem diversa da casa que man-

dara construir para o rei o frade

Madre de Deus, na praia

do Ga»

leão, da Ilha do Governador, o

solar de Paquetá é simples porém

grandioso pela sua estrutura an-

tiga. A casa, obedecendo rigoro-

samente o traço grotesco do

"ho-

mem do risco" (nome que da-

vam ao arquiteto, antigamente),

é muito nosso conhecido, e, em

linhas gerais se repete por

toda

a parte pelo

Rio de Janeiro: casa-

rão quadrado, com os indefectí-

veis janelões

encaixados em mol-

dura azul forte, paredes ciclópi-

cas de um metro e mais de largu-

ra, lembrando as construções des-

tinadas a conter as invasões ter-

ríveis, mas que no Rio, mais ser-

viam para

amparar ou amortecer

os raios soláres; grandes arcadas,

pátios externos e internos de

pi-

sos de pedra, telhados monóto-

nos, salas pequenas de estuque

grosseiro, assoalho largo, teto

mais largo ainda que o assoalho,

128CULTURA POLÍTICA

tudo caiado de branco, como se

fôra um scpulcro friamente bran-

co e triste. Em suma, uma plan-

ta dividida em corpo central, ad-

jacências e a senzala.

Hoje, a casa lá está, altiva e

isolada, ainda branca e azul como

há cento e cinqüenta anos, apre-

sentando traços leves do buril ar?

tístico de Montigny. No pátio

fronteiro, os pisos

de pedra

con-

tinuam velhos e carcomidos tes-

temunhos de eras passadas,

em

alguns lugares remendados e su-

bstituídos, desenhando, com to-

do o descuido, uma colcha de re-

talhos. Os pequenos

bancos, em-

butidos no muro antigo, ainda

servem de assento àqueles que

não ícansam de admirar a vista

que se tem daquele local. O

pá-

tio lateral já

apresenta os sulcos

prolongados e

profundos dos lu-

gares mais

procurados pelos pas-

sos humanos. São vermelhos, os

seus grandes

ladrilhos fortes, e

nêles a sombra das trepadeiras

brinca de esconder sob o ám-

pulso dos ventos. Ainda resta o

pátio central, reduto íntimo da

familia, espécie de claustro onde

as samambaias e outras plantas

da sombra e da umidade abun-

dam isoladas.

A casa, propriamente dita, es-

tá quase

intacta; a única modifi-

cação está impressa nos dormitó-

rios alegres, cheios de luz e ar.

A própria

cozinha, se é que

a pos-

so chamar assim, continua a ar-

der entre paredes denegridas e

baixas, chão socado e amplo, au-

têntico reduto das escravas pre-

tas. O porão,

sustentando as ar-

cadas sólidas do arcaboiço arqui-

tetônico, oferece ainda a impres-

são tétrica da escuridão assusta-

dora, onde dormiam, antigamen-

te, os homens de cavalariça, en~

voltos em cobertores impregnados

da fumaça dos cigarros de palha.

A senzala, aquela peça histó-

rica, triste mas bonita, que tanto

enleva os tradicionalistas e os

divagadores, não mais existe.

Apenas alguns pedaços de muro

velho, todo arrebentado, meio so-

terrado, marcam os contornos

quadrados da sala enorme que

abrigava aquela onda escura. In-

felizmente nem as paredes

fica-

ram para

mostrar, nas suas vigas

nuas de reboque, as notas tristes

das melodias entoadas. . .

Do mobiliário, algumas peças

esparças contam alguma coisa da

vida do rei pacato:

a cadeira pre-

ferida de D. João,

uma velha cô-

moda, tão velha que

o cupim tra-

çou nela milhões de desenhos, es-

quisitos, algumas cadeiras de

pa-

lha onde descansavam os guar-

das reais. No porão,

um banhei-

ro de mármore, avantajado e so-

Iene, é a peça

de real valor na

higiene joanina.

..

Fora, tudo é paz

e exuberân-

cia; árvores enormes derramam o

ramalhar frondoso num amplexo

sereno com as trepadeiras desen-

voltas. Flores de côres diversas,

verdes de todos os matizes, e, em

duas filas majestosas, perfiladas

com orgulho, altaneiras e elegan-

tes, estão as palmeiras

reais, aba-

nando seus leques, numa superio-

ridade absoluta.

Lá no alto, no fundo da casa,

no sopé do morre, existe uma

mangueira, a sombra predileta de

um dos proprietários

do solar: o

barão de Paquetá. Quando cho-

ve, a mangueira fica triste e chora

de saüdade, porque foi devido è

chuva que

o seu amigo escorre-

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PAQUETA COMO EU VI 129

gou de uma escada e deixou de

existir.. .

A Moreninha

E o tempo passou e Paquetá

progrediu. ..

Na ilha dos amores, um poeta

amou, uma vez, derramando em

frases amorosas a história mais

bela do Rio de Janeiro.

O poeta

viu alguém e se ena-

morou. . . enamorou tanto que

deixou marcado, nas páginas pa-

quetaenses, um romance forte —

o romance da Moreninha.

A Moreninha era uma moça

bonita e meiga, moça como tantas

outras que trazem na

pele essa

côr avermelhada dos beijos de

um sol de brasa. Ela sonhava com

olhos de criança e via, nas ilu-

sões tão lindas das primaveras

floridas, um ser romântico e ar-

dente que lhe falava ao ouvido

palavras suaves, dedilhando no

seu coraçãozinho as cordas sen-

síveis de uma sentimental.

Quando tôdas as moças de sua

idade riam e faziam alarido, a

Moreninha cismava com o seu

cavalheiro encantado, pondo no

horizonte longínquo, tôdas as suas

esperanças meigas, esperanças

tão lindas como um pôr-de-sol,

- numa tarde de verão. . .

Um dia o poeta chegou, falou

suspirou, e juntos

andaram de

mãos dadas, namorando a natu-

reza tôda, porque

a natureza bela

refletia a beleza de suas almas

panteistas. Amaram-se muito* ora

embebidos da claridade dos dias,

ora na penumbra

feliz da lua sin-

gela.

De sua história nos ficou a pe-

dra da Moreninha e a sua casa,

que, não se sabe como, continua

mal localizada. O povo,

ao con-

tar as coisas, divaga, e na sua

divagação mudou de pouso

a casa

da heroína paquetaense.

A casa da Moreninha não é a-

quela que mostram em Itanhen-

ga... Muito longe está a casi-

nha velha, cheia de musgo e er-

vas, crescendo atrevidas pelo

te-

lhado feio mas, romanesco, vizi-

nha da tristeza abandonada da

igrejinha de São Roque, ambas

distraídas em contar histórias do

seu passado..

.

O cemitério de

Pedro Bruno

A história continua e Paquetá

progride. . .

Já nos aproximamos de 1893,

os dias afogueados da Legalida-

de, quando

muitos revoltosos

mortos a bordo, foram conduzi-

dos para

terras paquetaenses,

ali

ficando perdidos

no esquecimen-

to de um êrro histórico, bastante

lamentável.. .

Aqui, iia vida pacata

e simples

daquele povo

humilde e bom, sur-

ge um

personagem, também pa-

cato, também simples, também

bom: Pedro Bruno.

Pedro Bruno nasceu em Paque-

tá e naquela ilha teve as primeiras

impressões estéticas gravadas na

sua retina de artista. Cresceu e

com êle o nome do Brasil em

glória e fama, em

pinceladas exu-

berantes de beleza.

De visita à ilha, certa vez, Pe-

dro Ernesto e Leite de Castro

lamentaram o estado deplorável

do então cemitério e o abandono

em que

se achava o túmulo dos

mortos de Floriano. Foi feito, en-

p. 9

130CULTURA

POLÍTICA

tão, o convite ao pintor paqueta-

ensc, para idealizar um campo-

santo aprcscntávcl c um monu"

mento digno aos tombados em

1893. Conseqüentemente, deveria

ser criada uma capela.

E vieram os homens com cal e

pedra, e vieram o cemitério, o

monumento e a capela.

Hoje, quem

vai a Paquetá não

deixa de ver aquele recanto, que

é uma das coisas mais belas e

encantadoras do local.

No cemitério de Pedro Bruno,

os túmulos não estão enfileirados

como uma carreira caiada de lou-

sas frias. .. Disseminados aqui

c ali, ora êles se escondem sob

um cipreste, ora sob ramos de

bougainville, ou estão rodeados

de pedras

soltas, onde cactos

ameaçam qualquer aproximação

sacrílega.

Não, não é um cemitério mo-

nótono, aquele; não é um local

onde qualquer ente humano» me-

drosos ou não da morte» sente

arrepios. A morte naquelas aléias

é disfarçada com a beleza da ve~

getação exótica, como se a vida

exortasse à perpetuação,

longe de

um esqueleto inútil.

Não! o cemitério de Paquetá

nãn é um cemitério; dir-se-ia um

jardim tranqüilo, repleto de re-

cordações saüdosas, por onde o

poeta passeia olhando as flores,

o músico escuta os pássaros

e o

filósofo medita...

Percorrendo os seus altos e bai-

xos em caminhos suaves, estreitos

e graciosos,

chega-se ao monu-

mento dos Revoltosos. E# a pia»

nície tumular que desaparece mo-

nótona dentro da originalidade.

file é severo, grandioso dentro de

uma simplicidade comovente, é

elucidativo e eloqüente. Eloqüen-

te porque

a própria

dureza do

granito que o forma testemunha

a fôrça dos homens que morreram

numa luta. Eloqüente porque o

próprio bronze do seu mastro

par-

tido ao meio diz a história de ho-

mens que morreram combatendo.

E tudo o mais — um leme, uma

âncora, uma boia, correntes e cor-

das — conta a bravura de homens

que, intrépidos, navegaram em

naus brasileiras, por mares revol-

tos e incertos, sempre fortes e co-

rajosos.

Finalmente, conheçamos a ca-

pela, Ela é simples, também, rús-

tica, obedecendo o ambiente da

ilha.

Pedro Bruno, ao imaginar a~

quele templo, pensou

em concre-

tizar nele a síntese verdadeira da

vida humana: a matéria e o es-

pírito. Ora, afim de

personificar

a matéria, escolheu a pedra,

a

pedra bruta e tão farta da ilha,

tão irregular nas formas e nas cô-

res. Sim, a pedra

forte e a pedra

bruta nas paredes

do templo, nos

bancos, no altar, lembrando a

construção tosca, a vida desprovi-

da de artifícios e a simplicidade

dos apóstolos.

E o espírito, como foi idealiza*-

do, perguntará

o leitor amigo ?

O espírito, o grande problema

da

humanidade, a grande

fôrça que

faz do homem um ser superior,

mesmo dentro da sua maldade;

o espírito, esta sublimação mística

que nos une às belezas da terra,

às suas mais íntimas sutilezas. . .

êste está nas ogivas que se arcam

nas portas, por

onde passa

o ar,

PAQUETA COMO EU Ví 13!

por onde

passa um

pássaro curió-

so, por

onde passam

os homens

de boa fé. São as ogivas, eternas

lembranças das épocas religiosas,

as formas que

sempre induziram

a humanidade a levantar a cabe-

ça aflita ou orgulhosa

para os

céus...

Presidindo a capela paqueta-

ense acha-se Francisco de Assis,

o poeta

dos pássaros.

Numa per-

feita comunhão de idéias, Pedro

Bruno e Assis povoaram

daque-

Ias aves graciosas

e saltitantes as

suas vidas de estetas. Um fala

com os pássaros,

o outro deixou

que éles falassem ao Santo. ..

O recanto de Fídias

e Miguel Ângelo

Ao visitante de Paquetá não

passa despercebido um

jardim

grande e de uma sombra magni~

fica, crivado de coisas estranhas

e diversas, perdidas

no meio de

uma cortina verde e espessa.

Ef a casa de Pedro Bruno. Ali

se casam a velha arte clássica do

velho mundo e a luxuriante ve-

getação tropical. Sobressai uma

Venus Desconhecida, cuja purê-

za branca foi maculada pelos

re-

flexos de um limo suave. A um

lado, o Partenon se reproduz com

tôda a magnificência de Fídias.

Miguel Ângelo, numa expressão

angustiosa, traçou profundamen-

te, como costumava traçar a sua

mão poderosa

e pesada,

a figura,

ou por

outra, a máscara de um

escravo. Mais além, dentro * de

um recanto silencioso e escuro,

Beethoven dorme tranqüilo na sua

trágica imobilidade, simbolisando

a tortura das suas imortais sinfo-

nias.

E assim por

diante, cada casa,

cada árvore, vai semeando histó~

rias, salpicando tragédias, esprai-

ando doçuras.

José Bonifácio, o austero e no-

bre Andrada, personagem

de auto-

ridade e decisão, lá esteve detido,

numa casa velha, tendo deixado

na sua passagem

apenas a lem-

brança de sua estadia.

Na chácara dos Coqueiros, ou~

tro solar magnífico de grandeza

para a tradição

paquetaense, mui-

to mais bonito que

o solar de D.

João VI, encontram-se, novamen-

te, outras curiosidades. Nomes

de nobres, famílias heráldicas,

brasões antigos, lendas engraça-

das, pormenores

interessantes, tu-

do ali está, encerrado na memória

de uma descendente ilustre, tão

simples como a gente

simples de

Paquetá.

E, enquanto a proprietária

me

fala de um passado

longínquo, re~

lembra a passagem

do rei Bra-

gança pela sua moradia, os

pin-

gos de sangue, no assoalho da

capela, durante a Legalidade, eu,

velho repórter curioso e incorri-

gível, percebo nas

poucas remi-

niscências artísticas espalhadas

pela chácara os bronzes

preciosos

de França e os mármores translú~

cidos, descrevendo as formas de

Diana a Caçadora, uma riqueza

fabulosa e um gosto

apurado que

só as grandes

nobrezas sabem ter*

Paquetá, ilha que

soubeste ar~

rançar do peito

humano um ro~

mance tão belo; de um músico uma

melodia tão límpida como o mur-

murar de tuas águas em ondinhas

mimosas; tu que

tens nos contor-

nos a elegância das curvas e a

expressão, nas sombras; tu, ainda,

que possues recantos enfeitados

132 CULTURA POLÍTICA

com pedras

e de .pedras te enfei-

tas tôda,\como uma índia selva-»

gem e romântica, envolta de co-

cares e flores exóticas... tu, ó

Paquetá, nãò podes

nem deves

passar pelas mãos civilizadoras do

homem cifrado, cujo ideal habita

num pé

de meia, tinindo moedas

e que

te deseja converter em lucro

onde tôdas as comodidades mo-

dernas seriam rios de dinheiro

que lhe viriam convergir às

mãos....

Não, Paquetá. Se alguém di-

vino te concebeu tão magnífica-

mente, fazendo em ti um recanto

onde o carioca exhausto da vida

agitada da cidade-luz encontra o

lenitivo para

os seus nervos can-

sados, um lenitivo para o seu co-

ração materializado pela brutali-

zação da concorrência na vida,

deves continuar romântica, sim-

pies e serena como estás,

para que

sejas sempre a fonte inesgotável

do espírito humano, oferecendo

assim üma barreira à materialida-

de crescente, que quer envolver a

mentalidade vazia daqueles que

se dizem modernos.

Deves continuar com os teus

carros antigos e pachorrentos.

Nada de cassinos e dancings por-

que mal chegas para

abrigar a

tua gente.

Não permitas que

au-

tomóveis empestem o teu ar sa-

lubre com o odor citadino da

gasolina misturada com óleo ou

álcool. Não permitas que

te ras-

guem o seio com os trilhos ba-

rulhentos de bondes. Abaixo os

arranha-céus, porque êles desce-

rão o pano

cinzento dos cimentos

armados, diante dos teus ^ belos

panoramas.

Continua gritando, sempre,

quando te

querem explorar, quan-

do querem

destruir alguma coisa

de ti. Seleciona o mais que pude-

res o teu ambiente, para o

próprio

bem de tuas famílias. Colabora

com aqueles que te desejam aju-

dar e imprime os teus brados de

indignação nas letras de fôrma

da imprensa, que nós todos es-

taremos ao teu lado, na conser-

vação do belo e para

o bem do

próprio povo...

Lentamente, vai-se perdendo

no

horizonte a figura bonita de Pa-

quetá. E* a barca da Cantareira

que, pesada, corta as águas da

baía, deixando atrás um leque re-

volto de espuma borbulhenta.

Um apito rouco, meio incerto,

se perde

debaixo daquele céu in-

finitamente grande. A noite desce

escura, bocejando preguiçosa e

lenta. Estréias brilham travêssas,

enquanto o Cruzeiro estático abre

seus braços numa profecia.

Na barca, um clube de fute-

boi, na mais deliciosa promiscui-

dade, reúne casais dançarinos, de

diversas côres, em ritmos gosto-

sos que

marcam a vida e o passo

do carioca. E' o velho samba em

orquestra organizada, onde os

pentes em caixas ôcas, dedos á-

géis nos

próprios bancos da Can-

tareira, assovios, gaitas e vozes,

têm uma fôrça individual tremen-

da, dentro do ritmo dos ritmos,

N impecável, absoluto, risonho e

franco — gesto

espontâneo e na-

tural da massa popular.

E êles dançam alegres, satisfei-

tos, mostrando às escâncaras den-

taduras brancas, realçadas pela

côr escura que

lhes tingem a pele.

Enquanto isso a barca prossegue

lenta e pachorrenta,

asmática, tos-

sindo, quasi

cuspindo gente para

fora, tão regurgitada está a velha

Gragoatá, antidiluviana.

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Recanto pitoresco da ilha

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Aspecto noturno da ilha

(Cultura Política)

Cidades do Brasil

D iamanti na

BRITO BROCA

ISOLADA

durante dezenas

de anos naquelas paragens

do norte de Minas, quasi

sem contacto com o resto do mun-

do, Diamantina soube substituir

pelo caráter inconfundível de uma

civilização própria, quasi

tudo

que lhe faltava.

Sem os jornais

da metrópole,

com as notícias chegando sem--

pre atrasadas e os obstáculos da

distância embaraçando o que

tendesse a movimentar a peque-

na urbe, a vida ali iria recair

numa irremediável monotonia, se

os diamantinenses não reagissem,

criando, com os recursos que

ti-

nham a alcance, elementos par-

ticulares de animação.

Cidade que

se diverte

Daí tornarem-se êles um povo

extraordinàriámente sociável e

festeiro. Era preciso

combater o

isolamento com reüniões, festas,

diversões de tôda espécie.

Se lá não chegavam ais com-

panhias teatrais e outros atrati-

vos, que

a metrópole, de quando

em quando,

exporta para o inte-

rior, os diamantinenses conse-

guiam suprir essa falta, redo-

brando o brilho e a freqüência

das festas populares.

Além disso, deve-se levar em

conta a influência da mineração,

até hoje a principal

fonte de vida

do Tijuco. O garimpeiro,

exila-

do naqueles fundões, ao fazer

üm bom negócio sente-se domi-

nado pelo

tiesejo incoercível de

divertir-se, gozar a vida. Vai

para a cidade com o

propósito de

gastar dinheiro, pandegar,

des-

forrar-se de qualquer

maneira

das noites solitárias nos barra-

cões. Não quer

outra coisa se-

não sociabilidade, divertimento,

alegria. E quando

há dinheiro é

sempre fácil encontrar parceiros

e uma atmosfera propícia de

pra-

zer.

^ Nós aqui não gostamos

de

tristezas — diz-me o Ernesto Ro-

que, diamantinense típico. Há

semanas em que as festas sao

diárias. Ah! O senhor precisa

assistir ao nosso Carnaval. Di-

nheiro rola por aí*...

E acaba me convidando para

uma festa naquela noite mesmo.

Reünião familiar e muito intimas

134CULTURA POLÍTICA

aniversário dc um amigo: o pre-

sidente da Sociedade do Perpé-

tuo Socorro. Nada dc luxo, gen-

te simples.

Alego a minha qualidade de

estranho.

— Não se incomode; êles te-

rão muito gôsto.

Concordo em ir. A lembrança

das páginas do Hóspede estimu*

la-me a curiosidade de assistir

a uma festa íntima em Diaman-

tina.

Festa íntima

A casa fica na parte

mais alta

da cidade, nas proximidades

da

estação e do seminário. Vamos

subindo lentamente a rua íngre-

me, parando

de vez em quando,

para apreciar o

panorama notur-

no do Tijuco. Becos desembo-

cam de um lado e do outro em

perspectivas imprevistas, com

agrupamentos de casas humildes.

E as luzes espalhadas pela en-

costa perdem-se

lá em baixo, na

aridez do vale imenso.

A casa do Bernardo Lopes,

presidente da Sociedade do Per-

pétuo Socorro, é muito modesta:

uma porta

e duas janelas.

Sou

recebido com simplicidade e fran-

queza. Na saleta, ao lado, reü-

nem-se alguns convivas. A prin-

cípio, mostram-se meio retraídos

com a presença

do estranho:

apenas uma reserva de polidez,

que se transforma em viva cor-

dialidade, logo que

se estabelece

a sintonia. (Quanta gente inter-

preta essa

polidez mineira como

desconfiança) .

Não há orquestra nem dança.

Come-se, bebe-se e conversa-se!

Nisto consiste a reünião e nisto

vai tôda alegria. Porque os dia-

mantinenses ainda sabem tirar de

algumas horas de convívio ami-

go todo o encanto que

o ritmo

apressado e as facilidades da

vida contemporânea ieem des-

truído. É que

as reüniões ali

continuam a fazer-se dentro de

uma tradição, obedecendo ao ri-

tual de um tempo em que

os ha-

bitantes da velha e longínqua ci-

dade não encontravam outros

meios de diversão. O espírito

dos primeiros garimpeiros

do Ti-

juco ressurge, sempre

que meia

dúzia de amigos se agrupam

numa sala para

se distrair. Em-

bora tenha progredido,

Diaman-

tina continua ligada à atmosfera

do passado.

Como poderiam di-

vertir-se aqueles aventureiros de

outrora, vindos de tão longe e

perdidos nas regiões desoladas

do garimpo?

Reünindo-se ao pé

do fogo e falando da saüdade

que traziam consigo. Filhos de

terras diferentes, cada qual ex-

pressava, em tom

próprio, a sua

nostalgia. E o canto seria o

exutório para tôda a mágua re-

calcada. Enquanto as labaredas

subiam, as notas mais diversas

se fundiam no acorde dolente da

saüdade —* sempre a mesma. As-

sim devia ter nascido êsse côro,

que hoje escuto na casa do Ber-

nardo Lopes: o Zum... A toada

lenta parece

sugerir o movimen-

to das embarcações a vela. Os

comparsas desferem o Zum os-

cilando a cabeça, como ao ritmo

das ondas. É qualquer

coisa de

arrastado e sombrio:

Zum! Zum! Zum!...

Mas agora cessa o côro e

uma voz plangente

entoa o solo:

"La

no fundo do mar..."

DIAMANTINA135

Cantiga de exilados, desabafo

de forasteiros, rumando através

do oceano para

as terras do El"

dorado.

"Lá

no fundo do mar.. ."

A voz reboa no âmbito estrei-

to da sala onde nos encontra-

mos, e todos a escutam com um

enlêvo religioso —¦ o enlêvo que

só o influxo da tradição pode

despertar.

Já no Rio eu ouvira falar nos

cânticos de Diamantina, uma das

particularidades mais expressi-

vas da cidade. Um boêmio pro-

curara dar-me uma idéia dessas

melopéias. Mas fôra tudo muito

vago, numa mesa de café, e o

próprio boêmio não estava bem a

par daquilo que

me queria

ensi-

nar. Hoje, tenho ocasião de ou-

vir no seu verdadeiro ambiente

os famosos cânticos.

Depois do Zum! temos outra

toada, esta menos dolente e mais

pitoresca.

"Como

pode o

peixe vivo (bis)

Viver fora da água fria? (bis)

Como pode êle viver (bis)

Sem a tua, sem a tua,

Sem a tua companhia?

Os pastores

desta aldeia

Já nos fazem zombaria.

Como pode êle viver (bis)

Sem a tua, sem a tua,

Sem a tua companhia".

Nos últimos versos os convi-

vas erguem os copos num brinde

coletivo. Reina a mais perfeita

alegria no ambiente. O Bernar-

do Lopes está radiante com o ai-

voroço que

vai pela

sua modesta

habitação. De momento a mo-

mento, cruzam-se vozes de con-

fraternização com o visitante. O

Ernesto Roque faz uma saüda-

ção no estilo diamantinense. Mais

uma das toadas típicas do fole-

lore local:

"A

um amigo

Um brinde feito,

Reina alegria

Em nosso peito.

Grato e ditoso

Alegre e jocundo,

Por tôda Diamantina

(Aqui o nome do homena-

[geado)

Respira amor".

Essa fidelidade a uma tradi-

ção regional, ao caráter de uma

cidade, comove-me e entusias-

ma-me. Sim, era um pouquinho

da pròvincia,

da boa e saüdável

província que eu encontrava ali.

Alguém poderia divertir-se

mais com a extravagância dos

cânticos, a falta de nexo de cer-

tos versos, do que

cem aquilo

que êles representavam naquela

ocasião. Eu não: consegui iden-

tificar-me com os convivas e par-

ticipar do mesmo estado de espí-

rito em que

êstes reviviam os

velhos costumes diamantinenses.

No Brasil combatemos as tradi-

ções, receando geralmente

o ri-

dículo que possa resultar do

desacordo entre elas e a atmos-

fera da vida moderna. Não per-

cebemos que a vida moderna tam-

bém está cheia de ridículos para

os que

vão lhe derem a adesão

de fanáticos.

O côro continuava animado e

vibrante:

"Como

pode o

peixè vivo...

CULTURA

Agora deve fazer-se um pe-

queno intervalo para

a ceia, uma

ceia pantagruélica, gargantuesca,

espantosa. Ali, com os meus bo-

tões vou pensando

no abalo que

essa noitada pródiga vai causar

no modesto ordenado mensal do

anfitrião. Porque o imagino um

homem de parcos recursos, ga-

nhando o essencial para susten-

tar a família e vivendo obscura-

mente no seu canto, apesar da

presidência da Sociedade do Per-

pétuo Socorro. Nada disso. Es-

tou inteiramente enganado: o ho-

mem de aparência tão humilde,

que me acolhe, entre aqueles

amigos também humildes, é dos

mais abastados negociantes da

cidade.

Daí a pouco,

um dos convi-

vas, pedindo

a palavra,

resume

a vida do aniversariante: de ori-

gem modesta, conseguiu enrique-

cer-se pelo trabalho, mas nao

procurou novos amigos nem ou-

tra sociedade: é um estafeta do

Correio, um prático de farmá-

cia, gente

sem nada de seu, como

o Ernesto Roque, que ali se en-

contra.

Depois da ceia e das saüda-

'

ções, continua, com o mesmo en-

tusiasmo, a reünião. Um rapa-

zola, aluno dó ginásio

local, can-

ta uma linda valsa diamantinense,

letra de um dos filhos de Júlio

Mourão, sobrinho, portanto, do

rçmancista Aristides Rabelo.

"Oh!

minha Diamantina

Oh! meu torrão natal!. . ."

Todos os presentes

comungam

aquelas palavras. Todos,

por-

que no meu anseio de con-

fraternização, repito, também, no

íntimo, o apêlo sentimental a

POLÍTICA

velha e querida cidade. O ra-

pazola enche bem o

peito, como

a querer que

sua voz, vencendo

o âmbito da sala, onde nos acha-

mos, vá reboar pela urbe ador-

mecida.

"Oh!

minha Diamantina..."

Tão pouca

coisa, às vezes:

uma reünião com meia dúzia de

pessoas, que há

quatro ou cinco

horas atrás ainda não conhecia-

mos; o quadro

evocativo de uma

cidade antiga —» e é o Brasil,

a boa província

brasileira, o nos-

so povo,

a infância, a adolescên-

cia, um alvoroço de impressões e

de imagens, a nossa própria

con-

fiança na vida que parece

redo-

brar-se.

Noite constelada de maio.

Foram-se os últimos rumores da

festa. Pelas ruas solitárias o

luar projeta

as sombras dos pe-

sados casarões. Mas no silêncio,

cada vez mais amplo, julgo

ou-

vir ainda uma voz distante, a re-

petir em trêmulo sentido:

"Oh!

minha Diamantina..."

Fisionomia urbana

Em Diamantina, como em Ou-

ro Preto, sempre que saímos à

rua é para

subir ou descer, pois

a cidade se estende ao longo de

uma encosta. A própria praça

da Matriz — o coração da urbe

é inclinada. Mas não são

aqueles declives bruscos e fati-

gantes de Ouro Preto. A encos-

ta é suave, oferecendo muita

perspectiva plana para as vias

públicas. E

quando ouvimos fa-

lar em ruas com nomes assim:

Macau de cima, Macau do meio

e Macau de baixo, podemos fa-

DIAMANTINA 137

zer uma idéia do sentido em que

se desenvolveu a cidade. Nas vi-

zinhanças do Grande Hotel, on-

de me acho hospedado, a confi-

guração urbana é a mais

pito-

resca. Dali partem

ruas com ca-

pistranas, e

pés de moleque. Ao

contrário do que

se dá na maio-

ria das cidades do interior, o po-

vo aqui, à tarde, não passeia

no

jardim, mesmo

porque a

praça

principal não tem

jardim. Num

domingo, à noitinha, posso

obser-

var o itinerário das moças e ra-

pazes: vindo do Macau do meio,

atravessam o largo da Matriz e

descem pela

rua do Amparo, fa-

zendo depois o mesmo circuito

de volta.

Tipos populares

Os tipos populares

de Dia-

mantina são famosos. Aristides

Rabelo colocou muitos deles no

seu romance O Hóspede, e ainda

há pouco Helena Morley, no seu

diário de colegial diamantinense,

publicado sob o título Minha,

Vida de Menina, aludia a algu-

mas dessas figuras típicas, como

o burlesco Bambães.

Hoje, Francisco Ataíde, juiz

de direito local, é um dos maio-

res criadores de tipos populares

em Diamantina. Sabendo ver e

explorar o lado pitoresco

e bizar-

ro do indivíduo, êle o transforma

'em verdadeiro personagem^

de

comédia ou de romance. Não é

outra coisa senão um romance

vivido a que

êsse diabólico espí-

rito nos apresenta, acionando as

figuras e fazendo com que elas

tomem um relêvo de criação li-

terária aos nossos olhos. Mas o

romancista e os personagens

se

divertem reciprocamente, mesmo

porque o romance não seria

pos-

sível sem um acôrdo de simpa-

tia entre as partes.

Ataíde narra-me a história de

cada um daqueles personagens,

história forjada ao sabor da sua

inventiva humorística:

Êste é Fulano. Você não

imagina o que

se deu com êle..."

Lá vem o enrêdo fabuloso e bur-

lesco, que

o indivíduo aceita sor-

rindo, quando

não desmente,

também sorrindo, um desmentido

convencional, de franca adesão à

brincadeira.

Paulo Felício, tipo exótico,

com seu chapéu de cow~boy, ros-

to fino e queimado,

imensos bigo-

des gauleses,

o andar muito ca-

racterístico, o dorso inclinado

para a frente atravessa o lar-

go da Matriz.

Ataíde chama-o. O diverti-

díssimo personagem açode solí-

cito e cavalheiresco. É um ve-

lho demandista, motivo por que

o juiz passou

a tratá-lo de

"so-

brinho do código civil". Paulo

Felício aceita de bom grado

as

aventuras estapafúrdias e inve-

rosímeis que o endiabrado inter-

locutor lhe empresta e regozija-

se com a nossa companhia, lem-

brando-se de que o

pai lhe re-

comendara andasse sempre com

gente importante. E

quando o

Ataíde lhe pergunta

se vai ficar

à tarde em casa, sub tegmine

[agi, êle arregalando os olhos,

exclama, muito intrigado:

* É alguma coisa de co-

mer?. . ."

Tornei-me grande amigo de

Paulo Felício, e no dia de par-

tir convidei-o para tirarmos um

retrato juntos. Depois que

o

fotógrafo —* atrás do qual

andá-

SH5P? fffiT .-••"(•liF>. *^®' '"*¦ '•' '¦¦'*&&•), '

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138CULTURA POLÍTICA

mos meia hora, sob o sol ^ ba-

teu a chapa, o meu amável com-

panheiro, enxugando o suor, in-

terrogou-me vivamente:

44

— Estou despachado, dou-

tor?"

Alvorada

A uma hora da madrugada, a

banda de música estruge nas ruas

de Diamantina. Morteiros e fo-

guetes explodem em vários pon-

tos. É a alvorada comemorativa

do aniversário da Sociedade

Operária. Momentos antes, eu

estivera na sede e vira com que

carinho se preparavam

os feste-

jos. O Ernesto Roque não se

continha de entusiasmo. E um

operário me dizia que já andara

trabalhando em várias cidades na

situação mais vantajosa e acaba-

ra retornando a Diamantina, pois

em parte alguma se sentira bem,

como na sua terra — terra onde

se vive e se diverte.

Agora, a banda de música a

percorrer as ruas com aqueles

dobrados rompantes. Uma hora

da madrugada de uma noite fria

de maio. A população, já

sob os

cobertores, desperta ao som da

filarmônica. Mas ninguém ficará

mal humorado por causa disso.

Os diamantinenses nunca se

aborrecem, quando ouvem músi-

ca na rua. Muitos veem à janela.

Eu também ali fico debruçado,

contagiado pela alegria estranha

que os metais estridentes acen-

dem no silêncio noturno. Ali per-

maneceço, a ver a banda afas-

tar-se, frenética, vibrante, irresis-

tível, como a alma festiva de

Diamantina, a irromper da ma-

drugada, num apêlo às estréias.

4

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1

Brasil no Exterior

O Brasil que foi

a Portugal

S1MÃO DE LABORE1RO

Jornalista português. Ex-diretor de

"O

Tempo", de Lisboa.

A

HISTÓRIA DO BRASIL pode

enquadrar-se em dois grandes

períodos centrais, ligados, sem

dúvida, entre si, no maravilhoso da mais

lógica de tôdas as seqüências, períodos

esses que, por sua vez, se fracionam em

determinadas sub-divisões. O primeiro

inicia-se em 1500» com a descoberta,

encerrando-se em 1822, com a indepen-

dência. É o Brasil dos portugueses, atra-

vés das suas diversas fases governamen-

tais: sob o regime embrionário das

Capitanias, na sua transição para o

Govêrno Geral, no seu grande avanço

com o vice-reinado, na sua formação,

por assim dizer já

definitiva, como

Reino, unido ao de Portugal sob o

mesmo cetro real, mas com seu apa-

relhamento privativo e até certo ponto

com suas leis privativas também. O

segundo alvorece em 1822 e vem até

hoje. E' o Brasil na posse plena da

sua emancipação, é o Brasil com sua

personalidade própria e no triunfo da

sua pujança, é, diga-se assim, o Bra-

sil integralmente dos brasileiros, sem in-

tervenções estranhas, governando-se por

si mesmo, desenvolvendo-se e progredin-

do sob o impulso de uma forte e consci-

ente vontade coletiva pronunciadamente

nacional, através dessas outras etapas

do Primeiro Império, das Regências, do

Segundo Império, da República de 1889

e do Estado Nacional, que em 1937

inaugura uma Época. Eis aí os dois

grandes períodos centrais, em suas mais

características subdivisões.

Bem quiséramos ter a envergadura

necessária para escrever um grande

li-

vro sôbre o Brasil dos brasileiros, nar-

rando e comentando, em seus sectores

tão variados, o que tem sido a vertigi-

nosa ascensão, brasileira durante êstes

cento e trinta anos de sua existência

como nação soberana e, principalmente,

durante esta última dúzia de anos. O tí-

tulo que competiria seria o de O Bra-

sil de Getúlio Vargas, porque foi, indu-

bitàvelmente, êste eminente estadista,

dos maiores de todos os tempos, quem

lhe imprimiu a feição que hoje o destin-

gue e não está apenas na Constituição

escrita, mas mui principalmente no sen-

timento nacional.

Preparado meticulosamente o

movimento de 30

Quem se detenha no estudo da Revo-

lução de 1930 não pode limitar-se aos

acontecimentos dêsse ano, tão forte em

emoções, mas tem necessariamente que

perscrutar os antecedentes que

lhes de-

ram causa. A índole dêste nosso estudo

não permite que entremos nesses deta-

lhes. A nossa atenção vai fixar-se no

fato concreto, a Revolução. E em se-

guida se fixará nas suas conseqüências.

A Revolução, antes de entrar em ação,

tinha tido uma preparação natural e

meticulosa. Era o choque inevitável en-

tre processos que tinham tido sua época

e processos que se tornava necessário

inaugurar, na grande luta do renova-

mento social. Era o choque entre duas

concepções. Venceu, porque correspon-

C

140 CULTURA POLÍTICA

dia a uma aspiração» ou, mais exata*

mente, a um imperativo nacional. Sem

estremeções violentos, inicia-se de fato,

em 1930, uma nova Era. Abre-se um

novo ciclo. O regime republicano é in-

tangível, porque representa a tendência

deste povo jovem e está dentro do con-

Junto continental. As diretrizes mestras

do Estado não sofrem solução de con-

tinuídade, mas, apesar disso, a Grande

Revolução começa no dia seguinte àque-

le em que são depostas as poucas

armas

que tentaram barrar-lhe o caminho

porque não há comporta nem dique su-

ficientemente fortes que

impeçam o rolar

das correntes impetuosas. Esta Revolu-

ção é acentuadamente pacífica, porque

está enquadrada na concepção pacifista

que sempre tem sido artigo de fé nas di-

versas Constituições do Brasil. O direito

estará sempre muito acima da fôrça. E

a liberdade iluminará a trilha que vai

ser seguida, a liberdade que não é licen-

ça, nem abuso, nem exorbitância, nem,

muito menos, anarquia, mas o direito in-

tegral do cidadão integrado na lei.

Estamos a pouquíssimos anos do iní-

cio das grandes reformas que

caracteri-

zarão o Estado Nacional no Brasil. Me-

nos que o ponto

de partida para a inicia-

ção dos novos costumes em Portugal.

Todavia, neste espaço tão curto, que

corresponde a menos de um minuto na

história de uma nação, a obra já rea-

lizada é impressionantemente formidá-

vel, porque atinge todos os setores da

vida brasileira na multiplicidade de seus

focos de ação e dinamismo.

Nasceu uma nova mentalidade, nas-

ceram processos novos. Operaram-se

reformas profundíssimas. Sob um pris-

ma inteiramente novo e visceralmente

brasileiro, sem cópias servis, encarou-se,

de frente e resolutamente, a questão

so-

ciai no velho litígio entre Capital e Tra-

balho, entre patronato e operariado.

Promulgou-se uma legislação completa

sôbre acidentes de trabalho, seguros so-

ciais, previdência social, habitação dos

trabalhadores. Resolveram-se problemas

que há dezenas de anos permaneciam

em equação na Europa. Tomaram-se

importantíssimas medidas de defesa na-

cional. Desenvolveu-se a agricultura,

abriram-se milhares de quilômetros de

estradas de rodagem, intensificou-se a

quilometragem ferroviária, deram-se no-

vos rumos à navegação costeira e de

longo curso. Dotou-se o Exército, a Ma-

rinha e a Aviação dos aperfeiçoamentos

mais modernos, fazendo-se das Fôrças

Armadas um conjunto potencial que

muito honra o Brasil e apto para a sua

defesa em qualquer contingência. Ate-

nuou-se a crise, que é apenas um refle-

xo da grande crise mundial. Jugulou-se

um perigoso e antipatriótico movimen-

to comunista em larga escala. Modifi-

cou-se a Constituição no sentido de tor-

nar a nação mais coesa, portanto mais

forte ainda. Restabeleceu-se em novas

pases o crédito externo. Reformaram-

se, atualizando-se, ou fizeram-se alguns

novos tratados de comércio com paises

estrangeiros. Unificou-se a justiça, der-

rubando-se barreiras estaduais. Vemos

uma grande, uma serena, uma monumen-

tal obra de justiça, de previdência,

de

equilíbrio, de progresso, e tudo isso fei-

to sem sobressaltos, sem lutas de classe,

dentro dois mais sólidos e sãos princí-

pios da verdadeira democracia.

Há, à frente dêste glorioso movimen-

to renovador e criador, um homem que

lhe dá vida, que lhe dá alento, que

o

incarna e sintetiza? Sem dúvida há. Ês-

se homem teve a ventura rara de se so-

lidarizar com a alma nacional. Compre-

endeu a nação e a nação o compreen-

deu. Dessa mútua e espontânea com-

preensão veio a delegação que

lhe foi

outorgada e a confiança com que o che-

fe dirige. Nesta obra de doze ou treze

anos existe tanto de notável como nas

obras em que os maiores estadistas

europeus consumiram longos anos de

preparo e evolução. Porque à frente des-

sa obra está sempre uma vontade.

Uma Revolução pode estar latente, cm

incumbação, digamos assim, duranie di-

latados anôs e mesmo não chegar a ex-

plodir. Uma Revolução é a abstração

de muitos, que fracassa se não tiver um

homem que a concretize. A Grande Re-

volução Brasileira de 1930 teve êsse ho-

mem — Getúlio Vargas.

Estamos diante de uma obra de pou-

co mais de uma dúzia de anos, parcela

mínima na história do regime republica-

no. Não importa. Durante esta dezena

ie anos realizaram-se coisas notabilís-

cirnas. Criou-se um novo espírito nacio-

nal. Surgiu um Brasil novo em sua3

múltiplas concepções, projetos e realiza-

ções. Pretendemos focalizar, as realiza-

ções que se enfeixam na ação direta dos

brasileiros, de 1822 até nossos dias. An-

tes, porém, devemos dedicar algumas

páginas à formação metódica da nacio-

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL141

nalidade, e esta não começa em 1822

porque vem de muito mais longe. E o

paciente trabalho dos portugueses

du-

rante mais de trezentos anos. Até ao

grito do Ipiranga, a História do Brasil

era, até certo ponto, a História de Por-

tugal, de que fazia parte

integrante. De

então para cá, abre-se um novo livro.

Penosa e áspera caminhada

Para se chegar ao que é o Brasil de

1943, houve necessariamente de fazer

se uma longa e por vezes bem penosa

e áspera caminhada. A gestação ou for-

mação da nacionalidade, como lhe quei-

ramos chamar, consumiu trezentos e vin-

te e dois anos. A obra portuguesa não

consistiu somente na descoberta, na

ocupação, na colonização, na civiliza-

ção. A parte

mais importante dessa

obra monumental, que forma o seu^ con-

junto, está na criação e manutenção da

unidade, que longamente antecede a in-

dependência. A unidade nacional ou so-

ciai, como lhe queiramos chamar, que

faz da imensidade do território brasilei-

ro uma parte única e indivisível, teve

por causas diretas a unidade religiosa

e a unidade perfeita de uma língua sem

dialetos. Êsses dois fatores tornaram-se

fôrças formidáveis e invencíveis, que se

opuseram às investidas de franceses e

holandeses. Não importa saber se os

invasores vinham de paises mais adian-

tados e poderosos que Portugal. Eles

eram o assalto, enquanto os portugueses

eram a legalidade. Êles traziam os cre-

dos de religiões diferentes da que se ia

dilatando pelo Brasil, traziam um idio-

ma nasalado ou áspero, diferente do que

se falava em todos os pontos onde chc«

gava a ação dos portugueses.

A posse da terra, os portugueses

a ti-

nham feito, em 1500, no simbolismo de

uma cruz apressadamente feita da pri-

meira árvore derrubada na floresta,

imensa e virgem. Quatrocentos e qua-

renta e três anos volvidos, êsse simbo-

lismo permanece intacto, porque

a cruz

continua sendo a maior fôrça espiritual

do Brasil. Os navegadores e soldados

de Portugal, que traziam a cruz de Cris-

to na brancura das velas de suas naus ou

em seus estandartes, começaram sua atu-

ação erguendo e firmando o lenho sa-

grado, insígnia sempre viva de uma re-

ligião eterna. Era todo um programa de

ocupação e civilização, nos descarnados

braços dessa cruz tosca. A' sombra da

Cruz se fixaram os primeiros colonizado-

res, se construíram, no litoral e no inte-

rior, os primeiros estabelecimentos, se

realizaram as primeiras tentativas de pe-

netração para o ínvio sertão e se esta-

beleceram os primeiros contactos com

os índios, senhores da terra. Os herói-

cos bandeirantes paulistas colocavam a

cruz mais alto que as suas próprias

ban-

deiras, porque ela lhes servia de bússola,

Assim, quando, em revoada, chegaram

os invasores, a religião católica estava

arraigada, de norte a sul e em tôda a

faixa que os portugueses

tinham podido

ocupar, conservar e civilizar.

Não nos atreveríamos a afirmar que

as grandes multidões de selvicolas tives-

sem compreendido, assimilado, professa-

do, a religião que os missionários lhes

iam tentando incutir. O conhecimento

direto que temos dois indígenas de An-

gola, junto aos quais

vivemos dez anos

consecutivos, e cuja mentalidade atual

não difere, nesse sentido, da dos índios

do Brasil dêsse recuado tempo, leva-nos

à convicção de que as tribus selvagens

nunca assimilam, por diferença básica de

mentalidades, as religiões dos povos

ci-

vilizados, embora por vezes aparentem

sujeitar-se-lhes. Mas .o que

está fora de

tôda a dúvida é que os missionários que

catequizavam os índios tinham sôbre êles

uma considerável ascendência e essa as-

cendência exercia-se através da religião.

Se, porém, o catolicismo era apenas im-

perfeitamente percebido pelos indígenas,

o mesmo se não pode dizer relativamen-

te aos europeus, que eram então )a

ai-

guns milhares, nem mesmo aos brasilei-

ros brancos natos, que já os havia tam-

bém, aqui nascidos de pai e mãe por-

tugueses. Êsses constituíam uma gran-

de fôrça espiritual, que animava a força

material, e essa fôrça se oporia aos in-

vasores. Existia uma unidade de altis-

simo valor, a unidade religiosa. A ela

devem os portugueses de então consi-

derável parte de suas vitórias, a ela deve

o Brasil, primordialmente, os alicerces

da sua formação.

Igual conceito se deve formar da uni-

dade do idioma, destinado a predominar.

Se é verdade que ninguém de boa fé po-

de contestar que os jesuítas

não quise-

ram ou não puderam ensinar o portu-

guês aos índios, preferindo aprender o

guarani e os outros dialetos bárbaros pa-

ra com êles se entenderem, não é menos

142i

CULTURA POLÍTICA

certo que a língua portuguesa,

sem mes-

cia, estava generalizada entre os colo-*

nos; até mesmo nos poucos estrangeiros.

Dessarte, a ocupação e a civilização

portuguesa tinham criado fundas raízes,

com a religião e o idioma, que seriam

outras tantas armas poderosas para com-

bater quem arvorava outra bandeira,

quem professava outra religião, quem

fa-

lava outra língua. Êstes dois fatos, bá-

sicos e indiscutíveis, não foram meras

coincidências, meros caprichos do acaso,

mas antes foram a realização de proje-

tos concebidos e realizados ao ritmo de

uma diretriz segura. Implantada firme-

mente a religião católica, propagada de

norte a sul a língua portuguesa, os por-

tugueses assentavam as balizas indestru-

tíveis da formação de uma grande na-

cionalidade, que viria a ser o Brasil que

culmina neste angustiado ano de 1943.

Outro fator da formação

brasileira

Ainda outro fator que decisivamente

concorreu para essa formação foi o mo-

do por que os portugueses

defenderam

e guardaram o território das cobiças exó-

ticas e, principalmente, como repeliram

as invasóes de franceses e holandeses.

Devemos ver nos acontecimentos rela*

cionados com essa heróica defesa os al-

votes da nacionalidade, embora tivesse

que permanecer, ainda por

séculos, liga-

da a Portugal. Quatro elementos en-

tram nessa defesa gigantesca. Não se-

ríamos inteiramente justos se omitisse-

mos o mais modesto de todos êles. Fo-

ram: os portugueses vindos de Portu-

gal; os brancos ou mestiços nascidos no

Brasil, que, embora politicamente pòrtu-

gueses, brasileiros já

eram pelo nasci-

mento; várias tribus selvícolas; contin-

gentes de africanos que já

aqui se en-

contravam. Esses quatro elementos for-

maram uma fôrça única, em que deve-

mos ver, acèntuadamente, o sentimento

nacional, para repelir o inimigo comum

a todos. Vemos, nas lutas para a expul-

são dos intrusos, os padres da Compa-

nhia conduzindo ps nativos: esta justiça

lhes queremos fazer.

Não dispomos de espaço, e escapa

até à índole desta modesto trabalho ana-

lisar a atitude geral dos índios, primiti-

vos donos do solo. Essa atitude não é

uniforme, bem o sabemos. Algumas tri-

bus se deixaram seduzir pelos franceses,

outras acompanharam os holandeses. Se

tomarmos em consideração a colabora-

ção que muitos chefes indígenas deram

às autoridades portuguesas e aos seus

diretores espirituais, no combate ao es-

trangeiro, encontraremos, remotamente,

o elemento nativo concorrendo para a

formação gradual da nacionalidade.

Passaremos por alto sôbre as tentati-

vas francesas. Basta que nos detenha-

mos um pouco sôbre o episódio -—¦ cha-

memos-lhe assim — da tentativa holan-

desa. A designação de

"tentativa"

cor-

responde exatamente à verdade histórica,

pois que, fracassados que

foram os es-

forços dessa gente para se estabelecer

definitivamente, a sua ação, apesar de

por vezes violenta e de se ter prolonga-

do por alguns anos, não passa,

no cená-

rio geral, de quadros

soltos, de

"corti-

nas", como hoje se diria em linguagem

teatral, de episódios, e, para tudo se di-

zer claramente, de aventuras destinadas

ao fim que tiveram.

Vantagens e desvantagens da

colonização holandesa

Houve, durante certo tempo, uma cor-

rente, mais literária que política ou so-

ciai, que lamentava a expulsão dos ho-

landeses, afirmava que outro, mais bri-

lhante e mais próspero, seria o Brasil con-

temporãneo se os neerlandeses aqui se

tivessem fixado em definitivo. Pessoas»

em quem queremos acreditar boa fé, dei-

xaram-se facilmente seduzir pela galher-

dia convencional do Príncipe de Nassau,

com sua côrte de artistas, pintores, en-

genheiros, poetas, geógragos, naturalis-

tas. Sabemos hoje perfeitamente que

durante a usurpação holandesa um úni-

co homem tinha as altas qualidades que

o tornavam, sem dúvida, simpático: o

chefe. Mas uma ocupação não se faz

com um só homem, por mais sábio diri-

gente que seja: tem que radicar-se pe-

lo conjunto. O conjunto, isso é a maioria,

digamos, mesmo, a unanimidade, era

visceralmente inadaptável ao Brasil.

Eram produtos exóticos que

nunca po-

deriam aclimatar-se, eram estranhos que

nunca conseguiriam nacionalizar-se. E

esta é a formidável diferença que dá um

enorme saldo positivo aos portugueses,

onde havia, no conjunto, na unanimida-

de, as qualidades básicas da assimila-

ção, da adaptação, da radicação, quer

pela resistência fisica, que

suportava o

clima, quer pelo temperamento, que

se

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 143

amoldava maravilhosamente a todas as

latitudes. E, acima de tôdas as demais

razões que ainda se poderiam aduzir,

basta citar esta: a enormidade da fôrça

moral vinda da certeza, em que justifi-

cadamente estavam, de se encontrarem

em terras que

tinham descoberto, ocupa-

do, colonizado e iam civilizando, em ter-

ras suas, em casa sua -—- ao contrário do

que se dava com os invasores que vi-

nham conquistar, pela fôrça e pela

insi-

dia, o que não tinham descoberto, o que

não lhes pertencia. Em volta da ocupa-

ção holandesa formaram-se lendas, que

os mais eminentes historiadores brasi-

leiros teem destruído, para que melhor

possa salientar-se a realidade portugue-

sa. Esta é a difinição exata: a aventura

holandesa é uma lenda, a ocupação por-

tuguesa é uma realidade. Quem queira es-

tudar, de boa fé, sinceramente e de espí-

rito isento de prevenções, todos os fato-

res que concorreram para a formação

da nacionalidade brasileira há de deter-

se forçosamente na análise da contribuí-

ção que os portugueses deram a essa

formação, na defesa do território e na

expulsão do invasor, arredando para

sempre êsses elementos que nunca pode-

riam trazer o caldeamento -—¦ báse in-

dispensável para a criação de povos.

Te-

mos a maior simpatia, o maior respeito,

a masi irrestrita admiração pela nação

holandesa, exemplo de civismo, de tra-

balho e de honestidade. Povo acentua-

damente pacifista, em luta constante com

as águas que lhe ameaçam o território

e devendo sua existência ao titanisrno

dessa heróica luta, que lhe forma o ca-

ráter nobilissimo — como sempre temos

afirmado ao tratar, em diversas publica-

ções, deste delicado assunto, — faltam-

lhe, todavia, qualidade básicas para

uma grande obra colonizadora. Conser-

va a Holanda, ainda hoje, um vasto do-

minio colonial, mas o tipo de suas co-

lônias difere das francesas, inglesas,

belgas e portuguesas. Êstes quatro pai-

ses conseguem conservar os seus colo-

nos, indo formando, lentamente, verda-

deiros paises, que um dia terão sua na-

tural emancipação. Não há muitos inos,

Hannateaux, falando do grande desen-

volvimento do império colonial francês,

designava-o como sendo a França

Africana". Os holandeses não conse-

guem demorar-se mais que

alguns me-

ses nos seus longínquos domínios colo-

niais, exercendo as funções diretivas, re-

novando-se continuamente. Esta cir-

cunstância, que todos conhecemos como

caracterizando a colonização holandesa

de nossos dias, já se acentuava quando

há séculos desembarcaram no Brasil.

Nunca se adaptariam. Havia entre êles

e a terra uma incompatibilidade que ne-

nhuma habilidade, como nenhuma fôrça,

poderia vencer. Dentre os fatores vá-

rios que constituíam essa anadaptabili-

dade, estava, como dissemos, a religião

e a língua.

Se a junção dos quatro

elementos

que atrás citamos não tivesse consegui-

do repelir êsses invasores, o fraciona-

mento do Brasil teria sido inevitável.

Esta verdade está reconhecida e procla-

mada pelos mais eminentes brasileiros, e

entre êles citaremos José Veríssimo,

Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Sílvio

Romero e modernamente Pedro Calmon.

José Veríssimo é claro e lapidar no

seu juízo:

"De

sorte que, verdadeiramente, o

domínio holandês tem apenas na nossa

história uma importância indireta, refle-

xa, se assim posso dizer: a de ter sido

a provocadora do sentimento nacional

no Brasil. Foi ao impulso da resistên-

cia ao invasor estrangeiro que os brasi-

leiros se sentiram uma pátria, e, se não

me engano, é dai que data para

nós es-

sa coisa e essa palavra. Tôdas as raças

que no Brasil concorriam para

a forma-

ção de uma nação tomaram parte

nes-

sa luta".

Entre a expulsão dos holandeses e a

proclamação da integral independência

do Brasil, há ainda mais de duzentos

anos. Isso não obsta a que o grande

e

ilustre critico brasileiro veja, nessa

ação conjunta de todos os que estavam

no Brasil, a

"formação de uma nação .

Para José Veríssimo, os portugueses

não

eram estrangeiros, porque tinham vindo

antes de todos, tinham descoberto e ti-

nham ocupado, iam civilizando e iam

preparando, metòdicamente, a formação

da nacionalidade.

Procurando entrar na razão que de-

terminou os acontecimentos, encontra-

mo-nos diante destes fatos absolutamente

concretos: Nassau viera em nome de

uma poderosa companhia comercial,

quase à revelia do próprio

Govêrno ho-

landês; os portugueses tinham vindo em

nome do seu rei, o que eqüivale dizer em

nome da nação portuguesa. A enorme

144CULTURA POLÍTICA

diferença está, precisamente, nessas an-

tagônicas determinantes. Seja-nos per-

mi tido repetir aqui palavras nossas, ti-

radas de um nosso outro trabalho:

"O

destino do Brasil, preparado pelos

portugueses, foi muito outro, Em vez oe

uma feitoria, uma nação, das maiores do

mundo. É que os portugueses,

tendo ex-

pulso os holandeses -—' o invasor,

— fi-

caram. Podiam os governantes portu-

gueses de então não ter a galanteria

de

Maurício de Nassau, mas tinham essa

outra qualidade mais preciosa,

a adapta-

bilidade. Ficaram como amigos. Há qua-

tro séculos que o sangue português

se infiltrou no Brasil. A raça criara

raízes que cada dia se tinham mais

aprofundando. Em vez dessa raça exó-

tica, que nunca se aclimataria, o Brasil

encontrou o padrão para formar a sua

nacionalidade, na raça latina, de que

os portugueses são um dois mais vigo*

rosos ramos. Esta a grande diferença .

Estava com a verdade José Veríssi-

mo vendo nesse movimento a base da

formação da nacionalidade. Por isso in-

sistimos em ver na transitória ocupação

holandesa um episódio, em volta do qual

se estabeleceu uma lenda, e na perma-

nente ocupação portuguesa uma realida-

de, de onde nasceu a nacionalidade bra-

silèira, que se apresenta do mundo, na

atualidade, como supremo potencial for-

mado por um grande povo generoso, em

cujos glóbulos sangüíneos gira

o san-

gue lusíada.

Da independência ao Estado

Nacionaí

E quando chega a hora lógica da in-

dependência não há uma revolução, mas

a sanção de um estado de coisas que, de

fato, já existia. Os portugueses

tinham

preparado o Brasil através das etapas

que páginas atrás citamos. D. João

VI

organizara o Reino. A separação não

encontra uma colônia dominada pela sua

metrópole, mas um Reino completamen-

te organizado com suas repartições, com

seus serviços próprios, com seu exército

e já com uma relativa autonomia. Um

único traço unia êste Reino ao de Por-

tugal: uma coroa real. Em 7 de setem-

bro de 1822 cria-se uma coroa impe-

rial, que substitue a real, e cinge a fron-

te ampla do jovem filho do velho sobe-

rano da véspera. O -

Brasil torna-se

uma nação absolutamente livre. Os pro-

testos vindos da outra banda do oceano

são mais formalidades que reações. Não

decorrem muitos anos para que as rela-

ções se assentem de igual para

igual. Os

portugueses continuam trabalhando no

Brasil, dando-lhe a lealdade da sua co-

laboração. E o Brasil inicia a sua for-

midável obra própria, que se esboça no

primeiro império, que

se amplia no se-

gundo império, que

se desenvolve na

República proclamada em 1889 e

que

toma novos rumos a partir de 1937, com

a concepção do Estado Nacional per-

sonificado no Presidente Getúlio Vargas.

Não se limita à capital da nação o pro-

gresso material. Por todo o imenso ter-

ritório passa o mesmo frêmito de desen-

volvimento e renovação. Cada capital

de Província no tempo do império, ou

de Estado sob a República federativa,

torna-se uma grande e formosa ci-

dade. São Paulo assombra o visitante

pela sua atividade febril: é o grande

centro do trabalho, das indústrias, do

comércio. Recife e Baía não temem

confronto com muitas das mais belas ci-

dades da Europa. Belo Horizonte, na

sua simetria que a assemelha a uma ci-

dade acabada de surgir, màgicamente,

no meio da natureza, apresenta-se

na curiosa feição de uma cidade de so-

nho. Se rumamos para o norte, ficamos

sob a forte impressão de belezas extra-

ordinárias nesse Pará de tão velhas e

fidalgas tradições. Deixando o mar e

subindo o rio gigante, o maior do mun-

do, com suas margens que parecem um

movediço cenário de trechos do paraíso,

e ao têrmo de cinco dias de inebriamen-

to, chegamos a Manaus e temos a sur-

presa de uma linda cidade moderna que

fica como sentinela no fim do Brasil.

Que diremos do extremo sul, dessa cida-

de maravilha que é Pôrto Alegre? Que

diremos da moderníssima capital de

Santa Catarina? Simultâneamente ve-

mos os campos trabalhados, as oficinas

em elaboração, as fábricas alimentadas

por milhares de braços robustos.^ Por

toda a parte

"Ordem

e Progresso", em

uma afirmativa gloriosa do lema da

bandeira verde e áurea, onde está o sim-

bolismo arrancado à natureza.

O Brasil da atualidade pode orgulhar-

se da sua situação, não só continental

como mundial .A sua legislação é com-

pleta, as suas leis são liberais, os seus

serviços estão modelarmente organizados.

Pertence ao Rio de Janeiro, em bom di-

reito que ninguém ousará contestar-lhe,

a designação de Cidade Maravilhosa.

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 145

Sem perder totalmente o sua feição co-

lonial, que persiste em determinados tre-

chos, o Rio modificou-se, digamos, de

há vinte anos para cá, na sua segunda

fase, porque as primeiras grandes modi-

ficações pertencem ao

grande prefeito

Passos, de forma radicalissima. Arra-

saram-se altos morros em plena cidade,

para que no terreno conquistado se er-

guessem monumentais arranha-céus e se

abrissem amplíssimas praças e avenidas,

como que ao mando de uma varinha má-

gica que fez surgir novos bairros intei-

ros. Plantaram-se jardins deliciosos on-

de a água jorra em uma orgia bendita.

Abriram-se extensas avenidas à beira-

mar. Aformosearam-se as famosas

praias consideradas as mais belas de todo

o continente e podendo mesmo competir

com essas outras de reputação mundial,

como Ostende, na Bélgica, e as da riviè-

re italiana. Sabemos que há cidades

maiores e de mais densa população, m*\s

duvidamos que haja outra que

reüna tão

bizarros contrastes no conjunto da sua

modernissima área urbana, no verde-

jante dos. altos morros que a rodeiam e

que em parte lhe estão no

perímetro, no

pitoresco das ilhas e ilhotas que

surgem

das tranqüilas águas da sua imensa e

incomparável baía, na altivez majestosa

do Corcovado, -de cujo cume domina a

monumental estátua do Cristo Redentor,

que, no simbolismo de seus braços aber-

tos, recebe todos os que de longe veem

para esta terra de

promissão.

Se, no limitado espaço de cento e

trinta e um anos, os brasileiros puderam

fazer do* Brasil a esplenderosa realidade

que constitue o seu legítimo orgulho,

muito para

isso concorreu a prepara-

ção que os portugueses

lhe deram, en-

treg ando-o aos seus verdadeiros senho-

res já organizado em Reino com uma

só religião, um só idioma e sem lhe

(altar uma polegada do seu sagrado

território. A Constituição republicana

de 1891 separou a Igreja do Estado,

na seqüência de um programa que da-

tava do tempo da propaganda. Essa

separação, tratada de comum acôrdo, li-

bertou a Igreja de diversas chancelas,

tornando-a mais livre, mais independen-

te e mais prestigiada. Os dois grandes

poderes, o temporal e o espiritual, sepa-

ravam-se perante as leis, mas uniam-

se na mais estreita colaboração, comple-

tando-se. A Igreja foi rodeada de tô-

das as garantias e de tôdas as atenções

e deferências. Pais por assim dizer unâ-

nimemente católico, o Brasil mantém as

suas tradições essencialmente cristãs, re-

pelindo tôdas as doutrinas e teorias exó-

ticas e principalmente extremistas. E*

que os brasileiros não esquecem que de-

vem a sua coesão e a sua unidade na-

cional, em grande parte, à unidade re-

ligiosa, como por

várias vezes acentua-

mos no decorrer dêste nosso modesto

trabalho.

Unidade de idioma, fator

decisiva

Não ficaria completo êste trabalho sem

fazermos mais demorada referência a ou-

tro dos mais poderosos e decisivos fa-

tores da unidade nacional: a unidade

do idioma. O Estado Nacional Brasi-

leiro vem dedicando mui especial aten-

ção à defesa da língua. E', portanto»

um assunto da mais comprovada opor-

tunidade e importância.

O português que se fala e se escreve

no Brasil difere um tanto do que

se es-

creve e fala em Portugal? Sem dúvida.

Mas êsse fato não nos deve surpreender

Se em Portugal, tão pequeno no seu ter-

ritório metropolitano, e onde não há

dialetos, a diferença de pronúncia, e até

de certos modos de dizer, se nota de Pro-

vincia para Província, como poderíamos

querer que, a milhares de quilômetros

de distância, com um oceano de per-

meio e com contingentes migratórios tão

heterogêneos, no Brasil existisse uma

uniformidade integral? Sim, existem al-

gumas diferenças, de que

vamos tratar;

mas, no que diz respeito à estrutura ge-,

ral e à pureza da língua, ambos perma-

necem intangíveis. No Rio não se fa-

la como em Lisboa, como em Lisboa

não se fala como no Pôrto, cidades se-

paradas por uma distância equivalente

à que separa o Rio de São Paulo. Mas

o que podemos afirmar é que

no Brasil

se escreve e se fala o português mais em

harmonia com o que lá falamos, do que

na América do Norte se fala o inglês e

em algumas das Repúblicas sul-ameri-

canas o castelhano. Há tempo, assistin-

do nós, com um súdito inglês, ao desen-

rolar de um filme norte-americano, êle

nos confessava que tinha a maior difi-

culdade em compreender o que se fala-

va, principalmente pela acentuadissimai

divergência de pronúncia. Mas vejamos

como a língua portuguesa se radicou no

Brasil e como tem evoluído, principal-

mente nos últimos anos.

F, 10

146 CULTURA POLÍTICA

Tôdas as línguas cultas teem uma raiz,

Para ençontrar, pròpriamente» a raiz do

que hoje é a língua portuguesa»

seria

necessário remontar muitíssimo longe e

perder tempo em considerações e até em

simples hipóteses» suposições e deduções

de filólogos. Já vamos bastante longe»

mas não muito para o nosso ponto

de

vista» se nos detivermos no latim ccmo

origem da nossa língua. Os romanos» na

sua época de esplendor e nos seus pe-

riodos de conquistas e migrações, leva-

vam a tôda a parte onde chegavam as

suas armas vitoriosas» a sua civilização e

a sua língua» que impunham. O idioma

sempre foi» e continuará sendo o mais

potente e decisivo fator de domínio. Um

povo com sua língua própria

é sempre

um povo livre. Durante a lenta evolu-

ção da nossa história, ainda muito an-

tes de nos constituirmos em nação autô-

noma, a língua foi passando por suces-

sivas gradações, equivalentes a etapas

sociais. Os lusitanos dos montes Herml-

nios, que às ordens de Viriato desceram

das altas serranias para derrotar, um

após outro, dois dos mais afamados ge-

nerais romanos, já tinham um idioma

próprio. A península

hispânica sofreu»

durante séculos» a influência árabe e

mourisca. A raça fracionava-se em vá-

rias partículas. Tanto assim que,

dessa

amálgama, ainda hoje se encontram bas-

tos vestígios» que ficaram nos dialetos

existentes em Espanha» alguns dêles tão

completos e quase soberanos que

mais

parecem línguas independentes. Castela,

cérebro e coração de Espanha, dominou

e impôs-se. A língua castelhana tornou-

se oficial, mas não conseguiu dominar

nem extinguir os dialetos, que continuam

vivos, e tão diversos entre si que os

habitantes de umas Províncias não com-

preenderiam os de outras se não se ser-

vissem do castelhano; e mesmo assim,

nas montanhas mais inacessíveis, nas ai-

deias mais ignoradas, os habitantes se

conservem teimosamente aferrados aos

dialetos. Essa circunstância, fator de

dispersão que tanto concorreu para

o fra-

cionamento da América Espanhola, não

se dá com os portugueses. Dialeto, ape-

nas um tivemos, e vagamente, o miran-

dês, tão diluído que só como curiosidade

pode ser citado. Dai o fenômeno da nos-

sa rápida unidade e emancipação. Vizi-

nhos da Galiza, ficamos, é verdade, du-

rante séculos, com tuna pronunciada se-

melhança lingüística, mas isso mesmo foi

gradualmente desaparecendo.

1Eticamente independentemente,

antes da separação da

Espanha

Quando Portugal, sob o montante de

D. Afonso Henriques, se separou da Es-

panha, já estava êticamente índependen-

te. Tinha vida própria. A língua, rude,

quase bárbara, desde logo começou a

corrigir-se. O primeiro português é ás-

pero de expressões e de sonâncias. A

escrita é irregular. Durante os primei-

ros tempos, a braços com a defesa do

território) com o alargamento das fron-

teiras, com as conquistas aos mouros,

não houve que cuidar-se das coisas dó

espirito. Os próprios conventos foram,

nos primeiros séculos da nacionalidade,

quase quartéis militares. As ordens, co-

mo a dos Templários, eram pronuncia-

damente militares. Só mais tarde as le-

tras transpuseram as pesadas portas dos

conventos. Mais longe se iria. De que

possuíamos um instinto delicado através

da rudeza do tempo, uma intuição ar-

guta, e até um precoce desejo de civili-

zação, é prova exuberante o rei D. Di-

nis, cuidando da terra pela agricultura,

povoando-a e defendendo-a e ao mesmo

tempo entregando-se a devaneios poé-

ticos, rudes e ingênuos sem dúvida» mas

demonstrativos de uma alma sensível e

de tendências progressivas. Com D.

João 1, a língua adquire uma relativa

perfectibilidade. Burilam-na os nossos

doutores em leis, como quem faceta um

diamante bruto, adivinhando-lhe -is ru-

turas cintilações. Descobre-se nessa lin-

gua, nas suas raízes e no seu desabro-

char, um tesouro inesgotável. Há que

cuidá-la, para torná-la suave em harmo-

nias e riquíssima em expressões. E isso

fazem.

As descobertas não obedecem acs ca-

prichos dos acasos, são a conseqüên-

cia de estudos e de planos.

O período

áureo das descobertas coincide com o

avanço formidável de nossa civilização,

e à frente da civilização marcha sempre

o aperfeiçoamento do idioma. Quando

Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil,

a bordo da nau almirante vinha um cro-

nista, Pedro Vaz Caminha. Os seus es-

critos ficaram e vieram até nós, alguns

dêles estão profusamente divulgados. Há

nesses escritos, de certo, têrmos que ho-

je não se compreendem, que

não mais

se usam e que nos parecem

até infantis.

Era o dizer de então. Mas nessas nar-

rações há, sobretudo, uma graça encan-

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 147

tadora, o inebriamento de quem contem-

pia, embevecido, coisas nunca vistas,

maravilhas não sonhadas, e hesita em as

descrever, porque as palavras

llic fal-

tam apesar da abundância do vocabulá-

rio já formado. Aquela frase que

todos

conhecemos e ali está gravada no mo-

numento é um exemplo de ingenuidade,

de beleza, de desvanecimento. Ainda ho-

je ninguém saberia definir e dizer com

tanta clareza uma coisa pela primeira

vez vista, como a descreveu ao rei ven-

turoso o cronista das caravelas do des-

cobrimento.

As primeiras palavras solenes que

os

portugueses fizeram ouvir na terra vir-

gem do Brasil foram em latim. Foram

um agradecimento a Deus pela imensa

graça que lhes fizera deixando-os che-

gar a pôrto

seguro, depois de tuna tSo

longa viagem por

"mares

nunca dantes

navegados". Foram as palavras sacra-

mentais de uma missa. Até nesse episó-

dio houve um significado especial, re-

zando-se na língua que deu, remotamen-

te, origem à -nossa

língua. Um portu-

guês um tanto diferente do dos nossos

dias, mas o português castiço daquela

época, chegou ao Brasil, em palavras

de paz, palavras de bondade, palavras

de promessas solenes. E a língua por-

tuguesa, mergulhando tão fundo como

as bases da cruz, ficou sendo, desde essa

hora, a língua culta do Brasil que ia sur-

gir.

O guarani, ou outro dialeto,

poderia predominar?

Sabemos que, quer-nos parecer que

por simples devaneio literário, há quem

sustente a teoria bizarra de que a lín-

gua a dominar no Brasil deveria ter si-

do o guarani ou qualquer

dos outros

dialetos índios. Em primeiro lugar, não

havia uniformidade na língua de todo o

imensissimo território e as dificuldades

começariam por escolher entre os vários

modos de falar das diversas tribus. As

pessoas, bem raras, aliás, que sustentam

essa esdrúxula teoria, esquecem-se de um

fator que já citamos: compete aos re-

presentantes de uma civilização superior

impor a língua culta em substituição aos

dialetos bárbaros. Adotar o guarani, ou

qualquer outro, sem escrita, sem gramá-

tica, sem regras fixas, sem vocabulário

para exprimir idéias ou objetos que

o

índio desconhecia, seria uma inversão de

papéis. O guarani

é muito bonito para

citações românticas, para fazer versos,

para citar em lendas, mas seria comple-

tamente impraticável. Além disso» o sei-

vicola, pela sua condição selvagem, es-

tava naturalmente destinado a assimi-

lar, civilizando-se e entrando no con-

vivio do dominador, ou a desaparecer*

Desapareceu, não porque fôsse persegui-

do e brutalmente extinto, mas dentro da

lógica das leis naturais, antropológicas, e

por espiritualmente inacessível à civilfr

zação. O Brasil era dos portugueses, os

portugueses o descobriram, ocuparam»

colonizaram, civilizaram. Tinha que

ser portuguesa, necessàriamente, a lín-»

gua em que

manifestássemos o nosso

pensamento individual e coletivo e em

que executássemos a nossa grande

obra.

Neste milagre, que assim lhe devemos

chamar, de têrmos nós, os portugueses»

tão poucos e de tão longe vindos, con-

servando o território brasileiro intacto

e compacto, coerente, uno, equivalente a

uma décima quinta parte do globo

ter-

restre, neste milagre em que comungou

a nossa fé, em que vertemos o nosso

sangue, em que consumimos a nossa sur

ma, em que prodigalizamos a nossa vou-

tade, devemos insistir em ver um dos fa-

tores principais na unidade da língua.

De norte a sul, no litoral como no ser-

tão, por tôda a parte

a mesma lln-

gua. Foi êsse idioma que

operou o mi-

lagre assombroso. Portugal, que pelo

Brasil, pela sua defesa, quase

abando-

nou África e índia, que para aqui man-

dou a fina flor das suas armas, das suas

leis, da sua nobreza, da sua religião»

Portugal pôde, quis e conseguiu conser-

var sagradamente intangível o território

imensissimo do Brasil até o dia em que

atingiu a sua natural maioridade. Tudo

isto: evangelização, defesa, propaganda»

progresso, se fez sob a coerência e sob

o ritmo harmonioso da língua portugue-

sa. Por isso só que fôsse, parece-nos que

a língua portuguesa, que se fala na ter-

ra livre, independente e grandiosa do

Brasil, merece muito respeito e merece

muita gratidão. Não invejemos outras

que teem maior eco na superfície dos

continentes. Tratemos esta, que é nossa»

comumente de portugueses e brasileiros»

com carinho e devotamento, não a dei-

xando abastardar, melharando-a, sempre

e sempre a defendendo com esfôrço e or-

gulho.

A língua não é o mestre-escola quem

prôpriamente no-la ensina. Bebemo-la

com o leite materno —» ninfa da vida»

WÊamBmnw'

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148 CULTURA POLÍTICA

Antes de a irmos aperfeiçoar na escola,

aprendemo-la a balbuciar ainda no ber-

ço, quando ciciamos a primeira palavra:

mãe. Quem ensina o gorjear às aves?

O idioma em que se decretou

a Independência

O Brasil atingiu sua independência há

cento e trinta anos. O grito do príncipe

o decreto em que foi redigida a lei fun-

damental — foram na lingua portugue-

sa. Assim, o Brasil, que nascia na pleni-

tude da sua emancipação adotava a

lingua portuguesa, de que

não poderia

separar-se, porque era a sua própria iin-

çua.

Será possivel, com o decorrer dos sé-

culos, criar-se uma nova lingua a

lingua brasileira? E' possivel,

mas im-

provável: não seria necessário, nem tra-

ria vantagens. E' mais fácil a um po-

vo emancipar-se de uma tutela política

que criar ou simplesmente modificar uma

lingua. A evolução natural que

conduz

â maioridade, uma revolução triunfante,

um caudilho valoroso e prestigiado, um

chefe inspirado em um grande e nobre

sentimento nacional, um povo sedento de

liberdade — podem, em poucas

horas,

decretar uma indepêndência, uma sepa-

ração, criar um Estado. A criação de um

Idioma já não tem as mesmas possibili-

dades. Não depende de decretos» nem

de caprichos, de tiros de canhão, nem dos

exércitos mais aguerridos, nem de cam-

panhas por mais violentas. Tudo isso,

se o tentassem, cairia, desfazendo-se

como branca fumaça no ar, como enca-

pelada onda morrendo na praia depois

de um bravejar inútil, extinguindo-se

sem deixar um eco, acabando-se sem um

reflexo. Para se criar uma lingua, é ne-

cessário êsse fator formidável, titânico,

que se chama tempo. Muitos séculos,

que são grãos

de areia na vida das na-

cíonalidades. Não há tiranias, nem hero-

ísmos, nem violências, nem ciência, que

alterem essa dogmática ordem de coisas.

O esperanto, tentado há mais de meio

século, não passou ainda de uma curió-

sidade.

A lingua do Brasil é a portuguesa,

pertence-lhe tão legitimamente como a

nós próprios. Somos dois povos

inte-

gralmente independentes e soberanos, se-

parados por um oceano, localizados em

Continentes diferentes, cada um mandan-

do em sua casa e governando-se ccmo

quer e entende, mas que nunca ninguém

conseguirá separar na posse de uma mes-

ma coisa: a lingua. Pode ser, no Brasil,

enriquecida com vocábulos novos, na-

turais em um grande pais novo, e onde

existem coisas que em Portugal não

existem, como certas plantas, árvores,

aves, frutos. Os nomes dessas coisas,

mesmo quando sejam de origem indige-

na, devem entrar nos dicionários portu-

gueses publicados em Portugal. Isso,

porém, em nada altera a raiz da lingua,

porque êsta foi consagrada pelos séculos,

não podendo, portanto, modificar a es-

trutura do idioma.

O idioma de Rui jamais

seria túmulo

Algures alguém, mais pelos capri-

chos de fazer tuna frase do que exprimin-

do um pensamento sincero, disse que

a

lingua portuguesa era o

"túmulo

do pen-

samento humano". Temos que protestar

contra essa frase, por mais ilustre que

seja o seu autor, como sempre protesta-

remos contra tudo que se assemelhe a

derrotismo. Assim classificar a lingua

portuguesa não apenas magoa os portu-

gueses, mas ofende os brasileiros, por-

que em português os mais eminentes bra-

sileiros escreveram obras notabilissimas.

que atravessam fronteiras e transpõem

mares, sendo conhecidas e louvadas em

todos os continentes. Poderíamos citar

centenas de sábios, de poetas, de ro-

mancistas, de estadistas, de oradores

brasileiros que, cultivando o mais puro

português, obtiveram não só a consagra-

ção nacional, mas ainda a admiração

universal. Olavo Bilac, a quem há pou-

cos anos o Exército Brasileiro prestigiou

a memória, ao decorrer o centenário de

seu nascimento, é conhecido e admirado

em todo o mundo. Machado de Assis é

considerado um dois maiores prosadores

latinos dos tempos modernos. Que se

dirá de Rui Barbosa? Êsse nome enche

uma literatura, domina uma geração, re-

presenta uma das maiores glórias

brasi-

leiras de todos os tempos, e alguém o

considerou já como

"cidadão

do mundo".

Rui, o mestre impecável, o argumentador

formidável, o artista complexo e com-

pleto da palavra

escrita ou falada, o ju-

risconsulto da autoridade superior, o

tratadista e pontífice do direito inter-

nacional, que assombrou em Buenos Ai-

res, que se impôs na Haia

1 foi eoi

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 149

português que pensou, escreveu, falou,

em problemas transcendentes, em livros

que constituem verdadeiros códigos,

em discursos onde há a beleza helê-

nica, o clarão dos relâmpagos, o tro-

vejar das tempestades e a voz austera da

justiça. Visceralmente latino, orgulhan-

do-se da ascendência portuguesa, é uma

glória que não cabe nos extensos limites

do Brasil e se tornou de tôda a latinida-

de. Homem do nosso século, é uma gló-

ria mundial de nosso tempo. Na fulgura-

çâo do seu espirito, nas rajadas da sua

eloqüência, na luz do seu talento, no

extraordinário do seu gênio, havia qual-

quer coisa de tão grande que lhe criou

um lugar inteiramente à parte na galeria

das sumidades máximas contemporâneas.

Pensou os ideais mais generosos, pro-

nunciou os discursos mais assombrosos*

escreveu as obras mais notáveis -— e foi

em português que pensou, que falou, que

escreveu, repetimos. Os ritmos maravi-

lhosos da língua lhe deram o meio de

poder exprimir a grandeza do seu pen~

samento. Como pode ser túmulo do pen-

samento humano uma língua onde um

homem como Rui Barbosa adquire rtno-

me universal e se imortaliza?

A literatura e a imprensa

brasileiras

A literatura brasileira, a imprensa

brasileira, são hoje expressões do mais

extraordinário destaque em todo o con-

tinente americano e levam o nome bra-

sileiro a todos os outros continentes. E

essa literatura e êsse jornalismo são fei~

tos na língua portuguesa.

Há tuna evolução? Bis o ponto a que

queríamos chegar. Evolução não quer

dizer revolução. A evolução por que es-

tá passando a língua portuguesa assenta

em um acôrdo luso-brasileiro, concerta-

do pelas academias, sancionado pelos

governos de ambos os países e é de

suma vantagem mútua. Depois de ter

representado um importantíssimo papel

na História do Brasil, como fator da sua

unidade nacional, a língua portuguesa

evoluciona metòdicamente para conti-

nuar cumprindo sua missão. Há anos,

o Govêrno brasileiro tomou uma reso-

lução que poderosamente

contribuiu pa-

ra um ainda maior prestígio do idioma,

determinando, pelo Ministério das Rela-

ções Exteriores, a tôdas as missões di~

plomáticas do Brasil no estrangeiro» que

os discursos a pronunciar e os documen-

tos a expedir fôssem ditos ou redigidos

na língua portuguesa ~~ ou seja na lin~

gua nacional do Brasil. Também, desde

há vários anos, o Govêrno brasileiro

vem subsidiando uma cadeira de por-

tuguês em Paris. O Presidente Getútto

Vargas considera, na vastidão do seu

programa, a defesa da língua uma das

maneiras de manter o Brasil no seu

arraigado tradicionalismo. A língua por-

tuguesa, que, como temos visto, tanto

concorreu para a unidade nacional bra-

sileira, merece o carinho que de fato

lhe dedicam os governantes e os expo-

entes responsáveis do pensamento bra~

sileiro.

Realizações brasileiras

desde 1822

O Brasil dos brasileiros, expressão de

que nos servimos

para aludir às realiza~

ções que se iniciam em 1822, teve, noe

seus primeiros tempos, algumas dificul-

dades diplomáticas. Não foi Portugal

quem lhas criou. Começa nessa mesma

hora a firmar-se o patriotismo dos ho-

mens de Govêrno, e o tacto e firmeza de

sua diplomacia, que, embora recém-cria-

da, se mostrou da mais extraordinária

visão, competência e dignidade. Não

podemos fazer referência à série de inci-

dentes diplomáticos que surgiram, mas

não deixaremos de consignar a habtft»

dade, donde nunca se ausentaram a ener-

gia e a delicadeza, com que êsses inci-

dentes, alguns de aspectos bem graves»

foram solucionados. A diplomacia bra-

sileira criou uma personalidade típica.

Vinculou a sua ação aos maiores pro-

blemas de repercussão continental e ex-

tra-continental. Tornou-se uma tradi-

ção, sobretudo pela sua lealdade,

que

presentemente mantém, intactos, os seus

velhos créditos, tomando, por vezes, ati-

tudes da mais emocionante darividên-

cia, como há anos, quando se retirou

da Liga das Nações, muito antes do es-

trondoso fracasso do célebre instituto

de Genebra, Rolaram os anos e os h*

tos teem vindo, um após outro» dar

plena razão a tõdas as atitudes da di~

plomacia brasileira, de quem Rio Branco,

o grande chanceler, foi a personifica-»

ção clássica.

Uma das preocupações máximas do

Brasil, a partir de 1822, tem sido a

assistência, através das suas várias mo-

dalidades. Sentimos não poder alongar

a descrição do que nesse sentido se tem

150 CULTURA POLÍTICA

leito» não apenas de agora mas desde

há muito tempo. Em 1878» quando o

problema da assistência ainda não exis-

fia ou estava embrionário em muitos

paises de velha civilização, tomavam-se

no Brasil medidàs de dilatado alcance.

De resto, a própria palavra era ainda

desconhecida, preferindo-se outras cias-

sificações. Veremos, ràpidamente, o que

foi feito. Por determinação do presi-

dente do conselho de ministros de então,

conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira,

era nomeado Joaquim Rodrigues, Melo

Guimarães para, como representante

e enviado do Brasil, tomar parte no

Quinto Congresso Cientifico Interna-

cional das Instituições de Previdência,

a efetuar-se em Paris. A representação

brasileira tornou-se notável, pela contri-

buíção que levou a essa assembléia, onde

estavam representados mais de cinqüen-

ta paises, que não ocultaram sua sur-

prêsa ao saberem o extraordinário grau

de desenvolvimento a que se tinha che-

gado no Brasil sob o ponto

de vista

de previdência. Sem embargo de seus

sentimentos cristãos, o Govêrno brasi-

lelro já nessa época compreendia que

a

previdência era um dever social, que

competia ao laicismo, não podendo ficar

eternamente a cargo exclusivo das ins-

tituíções religiosas. Já então existiam

caixas econômicas, montepios, associa-

ções de interêsses mútuos, sociedades co-

operativas de consumo, associações de

beneficência, tanto nacionais como es-

trangeiras, além das já antigas ordens

terceiras, irmandades, confrarias, esta-»

belecimentos filantrópicos, asilos e hos-

pitais. Tôdas essas organizações ou es-

tabelecimentos mereciam a atenta vigi-

l&ncia do Govêrno.

Vem de longe, como se vê, um con-

junto de esforços no sentido do que

hoje englobamos sob a designação ge-

nérica de assistência. Mas é sob o

Govêrno do Presidente Getúlio Vargas

que o problema assume transcedente im-

portância. Não é, agora, só a assistên-

cia aos pobres e doentes. E' a assistên-

cia social, a previdência, a instituição do

seguro obrigatório, o amparo à velhice,

as garantias mais amplas ao operariado.

Tudo foi reformado e ampliado nesse

sentido. A Assistência Municipal do

Distrito Federal tomou um enorme de-

senvolvimento. Promulgaram-se leis im-

pondo uma bem compreendida nacional!-

zação do trabalho e de determinadas in-

dústrias. Criou-se o Ministério do Tra-

balho. A legislação sôbre o proletariado

tomou extraordinário desenvolvimento.

Exigências para a vitória

de uma Revolução

Para que uma revolução triunfe inte-

gralmente, exigem-se êstes dois fatores:

uma concretização de princípios que cor-

responda à evolução social de um povo,

e um homem que a avalize. Teve êsses

dois fatores a Revolução de 1930: cor-

respondia a um sentimento pronunciada-

mente nacional e teve um homem que,

dando-lhe coesão e vida em sua fase

inicial e preparatória, a tornou reali-

dade na evidência dos fatos. Todavia,

as pessoas que estudam a fundo a se-

qüência dos acontecimentos localizam a

Revolução Brasileira, que viria dar no-

vas e definitivas diretrizes à grande

nação, em 1937. Ê certo que 1930 depõe

senão um regime *—¦ porque

êsse, insis-

timos, a República, é intangível uma

Constituição que, tendo tido tôda a

oportunidade e tôdas as virtudes, se tor-

nara por assim dizer anacrônica, incom-

patível ante as novas concepções que

afetam as nacionalidades, e a que o

Brasil não podia permanecer indiferente *

Aparece, à frente da Revolução de

1930, o antigo ministro de Estado e

então Presidente do Estado do Rio

Grande do Sul, Getúlio Vargas. Civil,

de caráter e finalidades civilistas, a Re-

volução, que terá de ser feita pelas

fôrças armadas disciplinadas, assim

mesmo é Getúlio Vargas quem a orga-

niza quem

inicia o ataque, quem co-

manda. É êle quem preside à luta. É

êle quem anima e inspira confiança.

Ràpidamente vitorioso o movimento, é

êle quem assume o poder por imposição

do Exército e do povo. Está feito o

grande plebiscito, o plebiscito

das horas

de emoção, em que tôda a fraude é im-

possível, que não carece das formali-

dades burocráticas porque se exterioriza

na veemência da vontade nacional. E,

desde 1930, Getúlio Vargas torna-se o

homem que o Brasil esperava, de quem

o Brasil carecia e que o Brasil quer.

Vimo-lo, pela primeira vez, na ma-

nhã em que aqui chegou. Uma multi-

dão compacta de muitos milhares de pes-

soas enchia a Avenida Rio Branco, lima

das mais lindas artérias citadinas que

conhecemos. Não havia janela onde não

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 151

tremulasse uma bandeira, onde não as-

somasse um rosto de mulher. A multi-

dão tanto se comprimia que só muito a

custo se podiam dar alguns passos.

Bandas de música alegravam o ambiente

com suas vibrantes marchas marciais.

De repente, estruge uma trovoada hu-

mana assim se deve dizer. Palmas,

vivas, aclamações, entusiasmo, delírio.

Não é a gritaria anônima das manifes-

tações preparadas, mas o clamor sin-

cero de muitos milhares de almas em

esta. Um automóvel aberto vem avan-

çando, lentamente, a custo, rompendo a

multidão como um navio no alto mar

rompe as vagas agitadas. Faz um sol

brilhantíssimo e quasi se asfixia. Sol-

dados, marinheiros, operários com suas

blusas de trabalho, gente do povo, mu-

lheres e até crianças fazem a guarda

de

honra a êsse automóvel. De pé, um

homem novo, sorridente, agita o largo

chapéu gaúcho. Veste um simples dói-

man de caqui, sem insígnias, e em volta

do pescoço traz um largo lenço ver-

melho, enlaçado, com as pontas caídas

sôbre o amplo peito

êsse lenço que é

como que um estandarte, uma flâmula,

o sinal de todo um povo, êsse lenço

que foi usado por Garibaldi e por Anita,

que cingiü o pescoço dos velhos chefes

e ainda hoje é o distintivo mais querido

da nobre e valentíssima gente gaúcha.

A alma popular do Brasil reconhecia

em Getúlio Vargas o chefe incondicio-

nal da nação e, pouco depois, outorga-

va-lhe pleníssimos, irrestritos, ilimitados

poderes.

O autêntico condutor

de seu povo

Poderia ter sido um ditador de vou-

tarde exclusivamente própria. Poucos

homens terão tido uma oportunidade

como essa; mas a verdade, que cumpre

reconhecer, é que Getúlio Vargas nun*

ca foi, não quis sem um ditador den-

tro da concepção que em geral

forma-

mos das ditaduras. Ditadura é a su-

pressão, pelo menos temporária, das leis

e das garantias. Entre uma didatura sob

os regimes republicanos e o poder ab-

soluto dos antigos monarcas a díferen-

ça não é muita, porque em qualquer

dos

casos é o critério pessoal do chefe quem

orienta. Com Getúlio Vargas nunca se

casos é o critério pessoal do chefe que

uma nação enorme, tendo a confiança

ilimitada das fôrças armadas e do povo,

governando rodeado de um prestigio que

nunca ninguém atingiu tão amplo, Ge-

túlio Vargas jamais se esqueceu dós prin-

cipios democráticos, no bom significado

do têrmo. Para êle, o povo nunca deixa

de existir e a nação soberana está acima

de todos e de tudo. Antes de tomar

uma resolução, ausculta o sentimento, a

opinião, a vontade popular, e é sempre

de acôrdo com essas determinantes que

procede «— e daí a harmonia

que existe»

que há treze anos se mantém e cada vez

mais se radica e valoriza entre o palá-

cio e a rua, entre o Presidente e o povo,

entre governantes e governados. Du-

rante êstes treze anos de seu profícuo

Govêrno, muitos e gavissimos problemas

tem enfrentado, muitas crises teve que

debelar e sempre se houve com a inalte-

rável calma onde reside a sua maiof

fôrça. Tolerante, contemporizador, in-

dulgente, disposto a transigir, vai, nas

concessões, até onde pode ir. Atingido

êsse limite, chegado a essa barreira#

surge o homem de resoluções firmes e

inabaláveis. A violência repugna vis-

reralmente ao seu caráter liberal. Quan*

do porém é necessário ser enérgico na

defesa da dignidade, do prestigio, da

honra da pátria e dos justos interêsses

nacionais, ninguém o é mais, ninguém

o excede, porque ninguém chega mesmo

a igualá-lo.

Em 1930 suspende e substitue a Cons-

tituíção; encerra a Câmara dos Depu-

tados e o Senado, cujo funcionamento

não se compatibilizava com êsse perío-

do eminentemente revolucionário; inicia

reformas radicais, estabelece sistemas

novos e assim chega 1937. Outra Re-

volução se manifesta, e esta definitiva.

Há um momento de hesitação, em que

enuncia a sua intenção de deixar o

Govêrno. Todo o Brasil protesta. A

obra está apenas iniciada, e para que

prossiga, e para que se conclua, torna-'

se necessário, indispensável, o aval de

quem a iniciou e que

seja o mesmo ho~

mem que a leve por

diante. E um dia

as fôrças armadas, na mais completa

e maravilhosa harmonia com o senti-

mento popular, de novo se manifestam

de maneira insofismável. O Brasil in-

teiro impõe a Getúlio Vargas que

fique»

E o Presidente a mais de um sé-

culo de distância daquele dia em que

D. Pedro firmemente pronunciava o seu"Fico!",

se não repete a palavra, con-

firma-a pelos atos <— fica.

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152 CULTURA POLÍTICA

As raízes do Estado Nacional

Os críticos e comentaristas mais aba-

lisados vêem na Revolução de 1930 o

preparo para outros acontecimentos e

filiam a verdadeira Revolução Social

no ano de 1937» porque

é nesse ano que

se inicia o ciclo das maiores reformas»

estabelecendo-se, sempre dentro da

fórmula básica de República» a concep-

çãô do Estado Nacional.

O Estado Nacional Brasileiro não é

tuna cópia do Estado Novo Português,

nem foi inspirado em outras fórmulas

«estrangeiras caracterizadas por extremis-

mos. Tendo, naturalmente, feito um lar-

ço estudo comparativo das normas go-

vernativas de diversos paises, o Presi-

dente Getúlio Vargas deu à formidável

obra o cunho, o caráter, o ambiente

estritamente brasileiros. Assenta o Es-

tado Nacional, sem dúvida, nos prin^

dpios cooperativistas mais modernos.

E* uma tendência generalizada, a que o

Brasil não podia eximir-se. Dentro dês-

ses princípios, o Presidente Vargas con-

segue dar à legislação uma nota incon-

fundivelmente nacional. Não podia ser

de outra maneira. Capital e Trabalho#

patrões e operários, constituem proble-

mas seculares. Êsses problemas foram

resolvidos no Brasil de maneira supe-

riormente inteligente. São êles extraor-

dinàriamente complexos e difíceis, dada

a diversidade de fatores concorrentes.

O problema central do Capital e do

Trabalho é, digamos assim,

"relativa-»

mente" fácil nas velhas nações euro-'

péias, porque aí não há a concorrência

derivada de correntes migratórias. No

Brasil o caso apresentava-se de manei-

ra bem diversa. O Brasil tinha a resol-

ver a situação de milhões de operários

nacionais e a situação de algumas cen-

tenas de milhares de operários estrangei-

ros, entrados no país sob as

garantias

das leis de imigração. Era êsse um

problema delicadíssimo, entre a defesa

natural do trabalhador nacional e os

direitos adquiridos pelos trabalhadores

estrangeiros, que ao Brasil vinham dan-

do a lealdade da. sua colaboração.

Reparamos agora que subdividimos o

problema: a primeira parte refere-se às

relações entre Capital e Trabalho, de

uma forma geral; a segunda

parte alu-

de à situação dos trabalhadores exó-

ticos» Já que assim pusemos o problema

deixemo-lo assim ficar para o analisar-

mos em conjunto.

A legislação Getúlio Vargas

A legislação Getúlio Vargas, que os

grandes mestres estrangeiros, peritos

neste assunto, consideram das mais per-

feitas, das mais equilibradas, das mais

equitativas, resolve o problema sob o

aspecto nacional e, ao mesmo tempo,

atende à situação de muitos milhares

de trabalhadores estrangeiros. Em pri-

meiro lugar era necessário nacionalizar

o Trabalho — e o Trabalho está nacio-'

nalizado. O Presidente Vargas com-

preende que, na vanguarda de todos os

problemas sociais, está o do Trabalho,

principalmente agora em regime de guer-

ra. Esse melindroso problema está re-

solvido, ressalvando os justos direitos

do Capital, acautelando tõdas as garan-

tias que devem ser conferidas ao traba-

lhador, quer nas horas de trabalho,

quer

na higiene das oficinas, quer nas Caixas

de Aposentadorias — que tão sólidas

garantias dão aos servidores do Estado

—, quer nos acidentes do trabalho,

quer

ainda nos seguros obrigatórios. Fala-

mos em questão social. Mas a verdade

é que nunca chegou a haver no Brasil

uma questão social de caráter agudo,

porque os Govêrnos sempre se anteci-

param às reclamações. Mais do que

todos, se antecipou Getúlio Vargas. Re-

solveu. E com tanta calma e tanto espi-

rito de equidade resolveu, que

ambas

as partes ficaram

plenamente satisfeitas.

Sob o mesmo critério de tolerância

è harmonia foram resolvidos todos os

outros grandes problemas nacionais.

Para ser inteiramente justo, cumpre

reconhecer que, sob a

gestão Vargas,

nunca no Brasil existiu ditadura. Houve

a suspensão temporária de diversas ga-

rantias e de diversos poderes. Era in-

dispensável, nesse grave momento de

transição. Mas o homem forte a quem

foram concedidos poderes discricioná-

rios» manobrou de maneira tal que nun-

ca recorreu a êsses poderes, procedendo

sempre de acôrdo com as leis. Não

derramou uma gota de sangue, apesar

dos momentos difíceis que atravessou,

porque entendeu que p sangue brasilei-

ro é demasiadamente precioso para que

possa ser desperdiçado em vinditas.

O BRASIL QUE FOI A PORTUGAL 153

Suspendeu, suprimiu uma Constituição»

mas logo deu à nação outra Constituí-

ção mais apropriada à realização de uma

obra do maior alcance. Não suprimiu

poderes antigos, não criou poderes

no*

vos: o que fez foi a concentração de

poderes antes dispersos, com a compe-

tente concentração de responsabilidades,

dando-lhes maior coesão, maior efi~

ciência, maior prestigio.

Vimos de perto o Presidente Vargas

em uma noite de memorável emoção para

a alma coletiva da colônia portuguesa

do Brasil. Era outro o cenário, outro era

o aspecto. Não era mais a rua con-

gestionada por uma multidão em de"

lírio, não era mais um homem enver-

gando um trajo de campanha. Era

um grande, austero, vetusto salão, ver-

dadeiro templo de civismo, de altas

paredes Roletas de livros que formam

um exércit^de cem mil volumes, e de

onde pendiam bandeiras, estandartes e

galhardetes representativos de tôda a

organização associativa portuguesa, e

era um homem grave envergando a

mais correta casaca, atravessando essa

sala sob vibrantíssima tempestade

de palmas

e vivas. O Presidente da

República dos Estados Unidos do Bra-»

sil honrava Portugal visitando naquela

noite o Gabinete Português de Leitura,

êsse monumento da mais rara beleza no

rendilhado das pedras onde ressalta o

mais puro manuelino — a nossa Re'

nascença — erguido no solo brasileiro,

mas que tem, bem ao íundo de seus ali-

cerces, um pugilo de terra portuguesa,

e fazia essa visita para anunciar uma

outra de muito maior alcance, de muito

maior significado: a visita que

o Brasil

faria a Portugal na hora augusta da

celebração do duplo Centenário da In-

dependência. A Colônia prestava uma

imponente homenagem ao Chefe da

Nação Brasileira. Tanta imponência,

tanta sinceridade e tanta alegria houve

nessa manifestação, que era, diga-se

assim, o transbordar da alma lusa, que

o Presidente Getúlio Vargas, compre-

endendo~a em todo o seu sentimento,

se mostrou profundamente comovido.

Ao findar, recordou que tinha recebido

convite ao Govêrno português para

comparecer às comemorações centená-

rias. Fez uma pausa e deixou cair estas

palavras:

—» O Brasil lá estará!

O Brasil que {oi a Portugal

Nesse momento, o entusiasmo da mui*

tidão que enchia o salão não teve limi-

tes. O Presidente Getúlio Vargas iria

a Portugal e, na delegação augusta da

nacionalidade, seria o Brasil a ir a Por-

tugal, porque nunca se tinha realizado

uma tão estreita união entre o Chefe

da Nação e a própria Nação. Infeliz-

mente, êsse grande desejo não pôde ser

integralmente satisfeito. Os aconteci-

mentos que se precipitaram

impediram o

Presidente Vargas de fazer essa viagem

onde punha tôda a imensa sinceridade

da sua alma. Alguém, porém, foi em

seu nome e em nome do Brasil. Alguém

que era da sua máxima estima, da sua

máxima confiança, alguém que soube re-

presentar o Brasil condignamente, al-

guém que Portugal recebeu de braços

abertos e que hoje todos os portu-

gueses recordam na incontida emoção

da saüdade.

Quem foi a Portugal, na pessoa do

general Francisco José

Pinto, delegado

direto e especial do Presidente da Re-

pública, foi, da mesma forma, o Brasil,

êste Brasil de Getúlio Vargas, êste

Brasil que o seu gênio criador e o seu

ardentíssimo patriotismo formaram na

nova diretriz eleita. Se é certo que o

imperador e os presidentes que o antece-

deram concorreram para a formação,

para a consolidação, para

o progresso

do Brasil, não menos certo é que o

Presidente Vargas inaugura uma Era;

abre um novo ciclo com a sua decisão

de 1937, fundando um Estado naciona-

lissimo, dentro das mais modernas con-

cepções.

Uma das facetas mais salientes da sua

vastíssima obra é o sentido da maior

unificação. Sem quebrar a noção federa-

tiva, que é básica e indestrutível, com

que nasceu a República, altera-a, su-

primindo-lhe os exageros compreensíveis

na hora de incontidos entusiasmos da

proclamação. Não importam distâncias

territoriais, nem diferenças de climas,

nem hábitos regionalistas, porque a uni-

dade de sentimentos vence todos êsses

detalhes e a concepção sagrada da Pá-

tria está muito acima de tôdas as diver-

gências. E* fora de dúvida

que a enor-

midade territorial do Brasil desaconse-

lha uma centralização absoluta e antes'

indica que se dê a cada uma das uni-

154 CULTURA POLÍTICA

dades federadas uma autonomia, que não

pode, evidentemente, ser absoluta, mas

hâ«de ser relativa. Bsse principio básico

não foi alterado. O que se fez foi

disciplinar a delegação que a Federação

concede aos Estados seus componentes.

A descentralização ia muito longe, tendo

cada Estado a sua bandeira própria,

o seu hino próprio, a sua Justiça

até

certo ponto própria, a sua legislação

também parcialmente própria. Eram

quasi países dentro de um pais.

Pela

nova Constituição, que não copia ne*

nhuma, que é estruturalmente brasileira;

como temos visto, desaparecem todos

êsses privilégios e dissonâncias, para

que o todo se torne cada vez mais coe-

so. Foram incineradas as bandeiras es-

taduais, emudeceram os hinos estaduais

e derrubaram-se as barreiras.

E tudo isto na seqüência de um alto

e nobre pensamento —

para que a

Bandeira da Nação tremule mais alto, .

para que as notas do Hino Nacional

sejam mais vibrantes, para que

exista

uma só justiça na concepção de igual-

dade em que se encontram todos os bra-

sileiros perante a lei brasileira. Para

que haja um Brasil cada vez mais uni-

do, cada vez mais forte, cada vez mais

generoso e hospitaleiro, cada vez maU

seguro do seu brilhantíssimo futuro.

Foi êste Brasil, êste Brasil de hoje,

£ste Brasil do Estado Nacional êste

Brasil *que

Getúlio Vargas remodelou,

Imprimindo-lhe a feição que ora o ca-

racteriza, que foi a Portugal. O Brasil

que os portugueses

descobriram, coloni-

zaram, guardaram, defenderam» regando-

o com o seu sangue, trabalhando-o com

o seu suor, sagrando-o com o sacrifício

de tantas vidas e com a amor de suces-

sivas gerações. No abraço, bem frater-

nal, com que o venerando Presidente

da República Portuguesa recebeu o emi-

nente enviado especial do Presidente da

República do Brasil, abraço que uniu

ainda mais duas Nações, esteve, no mais

maravilhoso de todos os simbolismos,

a alma dos dois grandes povos. Se,

vendo Portugal de perto, o general

Francisco José Pinto pôde

admirar a

obra colossal realizada pelo Estado No-

vo Português, em um período também

curto, os portugueses manifestaram ao

representante do Presidente Vargas, que

encarna a Nação, a admiração, o respei-

to, o carinho que este grande

brasileiro

lhes merece e o orgulho pela obra gi-

gantesca que sua excelência realizou

calmamente, na serenidade de sua lim-

pida consciência, fazendo de quarenta

e

três milhões de brasileiros uma só fa-

mília unida em sua volta, confiante, e na

sua direção <— obra imensa, em parte

levada a efeito em tuna época de cruen-

tas incertezas e rudes preocupações, sem

alterar o sorriso, que não é a conven-

cional estereotipia de alguns governan-

tes de artificial popularidade, mas o re-

flexo de sua alma ingênitamente brasi-

leira, onde há as extraordinária virtudes

da raça lusíada.

Música

Beethoven:

"Missa

Solemnis"

VI) /1GNUS DEI

FREI PEDRO SINZIG, O. F. M.

OAGNUS

DEI faz parte da, li-

turgia romana» desde o reinado

do papa Sérgio I (687-701),

enquanto o Sanctus e Benedictus são

muito mais antigos, tanto na liturgia

oriental, quanto na ocidental.

Quem pensar um pouquinho no as-

sunto não compreende que, para texto

tão grave, existam músicas

"alegres",

levianas. A última invocação: dona

nobis pacem pode, talvez, justificar an-

damento mais animado, mas o caráter

grave do conjunto, sempre, terá que

ser tomado em consideração.

Teria-o feito o gênio de Bonn, fi-

lho, pois,

da Renânia sorridente e ex-

pansiva ? A indicação de andamento

— Adagio '

que se vê logo no ini-

cio da composição, já é um primeiro

farol a iluminar e orientar; há outro,*

porém, inconfundível, constituído pela

melodia confiada ao baixo-solo, que

define tôda a obra:

.Mrlffii I Mr 11|| i

III hi

Jt - -

Quanta fé não se revela nas repe-

tições de peccata, como a dizer que

todo o poder humano é incapaz de

tirar e apagar um único sequer! Só

Deus, só o Cordeiro imaculado. D ai o

pedido respeitoso, humilde, insistente»

do canto que toca o coração, todo éle

confiado não ao cõro misto, com suas

156 CULTURA POLÍTICA

vozes brancas, de natureza mais sua- côro de homens, em diálogo religioso

vc e alegre, mas às vezes graves dum com o tenor-solo:

.. 3cr&r

M>|

~

I" i II r r11"

^

T i-M" T'1

jf >H ******* JIM' A+f -T»vr«

****

6

¦—-5 e

ff pf f IP 1

Não estão notando nada os distin-

tos leitores ao olharem para as invoca-

ções miserere? Ter-se-ão esquecido que

Beethoven, cada vez que se dirige a

Deus, emprega o mesmo intervalo, que

toma as feições de legitimo leitmotiv?

Ei-k>, inconfundível, na última sílaba

de

"misere-re",

a dizer claro e insis-

tentemente que o pedido é dirigido ao

mais alto que existe: Deus.

A melodia superiormente expressiva

do baixo-solo, é repetida, no 2.° Agnus

Dei pelo contralto, ao qual, com

gran-

de efeito, já no 3.° compasso, se as~

sócia o tenor-solo.

Os pedidos

seguintes, de miserere,

tornam a empregar, como é lógico, o

leitmotiv da Divindade. E como se

fôsse pouco,

o soprano do côro em-

prega-o na forma invertida (terças con-

secutivas que sobem), enquanto o te-

nor, para não deixar dúvidas sôbre o

caráter dêsse motivo, o emprega, sem

interrupções, quatro vezes, em interva-

los que

descem do sol agudo para mi

e as demais notas do acorde, cada qual

mais grave:

si" sol "mi.

Está preparada a&sim, eficazmente, a

entrada de todo o quarteto

solista que,

em magnífico conjunto de grande in-

terêsse técnico e musical, conserva o te-

ma dos 1.° e 2.° Agnus Dei. As vo-

zes brancas repetem-no em canon; as

duas vozes masculinas, como contra-

movimento, usam de nova melodia,

apresentada também como início dum

canon. A emoção cresce de momento

em momento. Entra o côro, balbuciando

em uníssono:

11J

y

* IJ .s J If

e passando logo ao primeiro pedido de

misericórdia, com o emprego do /eif-

motiv da Divindade.

IfLjr J J ,1 J

|

J \ „S

|

W. ma

ir i

.i i

i•ywcu •

hlfclL J J J fa

?vt

'i

i

Êste, pouco a pouco, se generaliza,

sendo ouvido ora aqui, ora ali, termi-

r^rf i r-rtfn

X' ..• * > *.?; ' • 7 • W ' s

3

BEETHOVEN:

"MISSA

SOLEMNIS" 157

nando o pedido por mais 10 compas- do especial por repetidas dissonâncias

sos do côro que,

ai, recebe um colori" na orquestra:

\

•*"!ol

r I ii )

'

!»¦ f i J

)

Terminou o 3.° Agnus Dei e, ines-

peradamente, segue mais um único ape-

lo tímido, em pp: Agnus Dei> ou-

vindo-se imediatamente, agora no com-

passo 6/8, em Allegretto vivace, o úl~

timo pedido: dona nobis pacem.

Alto lá! Não devem os zeladores da

liturgia (aos quais desejo pertencer)

cair sôbre Beethoven, por ter terminado

também o 3.° Agnus Dei com mi-

serere nobis e só agora trazer o dona

nobis pacem? Cuidado! A veneranda

Basílica do Latrão,

"mãe

de tôdas as

igrejas", conserva até hoje como es-

creveu na revista petropolitana Mú-

sica Sacra o sábio beneditino Dr. dom

Crisostomo Grossmann (Sorocaba)

o miserere nobis também no 3.° Agnus

Dei, como antigamente se fazia sem-

pre.

Se, no entanto, rigoristas o acharem

inadmissível, nada impede substituir o

pedido incriminado pelo novo, que como

aquele tem o mesmo número de síla-

bas :

mi-se-re-re no-bis

do~na no-bis pa-cem.

O dona nobis pacem

de Beethoven

leva uma explicação: Pedido de paz in-

terna e externa. Sendo assim, não ad-

mira que, embora o andamento agora

seja mais rápido, Beethoven, desde a

primeira palavra ("do-na") empregue o

leitmotiv da Divindade. Nada mais jus-

to: outros, por poderosos que sejam

e por mais

que queiram, nunca na vida

poderão dar a paz

interna e externa:

uma só já é difícil; as duas,

juntas,

passam de tôdas as forças humanas.

Embora o primeiro

"pa-cem"

apre-

sente o citado leitmotiv na inversão,

Beethoven, pára maior intensidade, re-

corre a nova melodia, expressiva, para

o pacem: /

pS

iy\ .ru ¦!' i.—|ri ij ,M»'J.rrilr,

'V *'•* »' <&& ''iSftSPSHV

B

*• •" f

• • • V j - "

í

158 CULTURA POLÍTICA

escolhendo para o dona nóbis passos

melodiosos que evocam a lembrança do

motivo da Divindade:

O soprano do quarteto de solistas»

com mais tuna melodia de vigor beto*

veniano, chama a atenção e pouco de-

pois, contra notas prolongadas

do côro

(pacem)t a orquestra traz graciosos

contrastes em colcheias contraraovimen-

tadas que

em seguida se tomam bem

mais vivos:

iSTLnf if IfLIn

{l*.

Súbito é como se o sol desaparecesse,

subindo nuvens negras no firmamento.

É o timpano que, com orquestra e côro

emudecidos, da em pp, um primeiro

to-

que no fa grave, e outros e mais outros,

despertando receios e temores. Que

há? Gemem as violas e os violoncelos*

associam-se-lhes os violinos e, inespe-

radamente, ressoam de longe, em pp.

clarins de guerra, com inconfundíveis to-

ques ouvidos nos campos de batalha:

Santo Deus! Tropas? Inimigos? Guer-

ra?

O contralto, tímido, recorre a Nosso

Senhor: Agnus Dei, qui tollis peccata

mundu Soam mais perto os clarins. Alar"

ma-se o tenor, e grita: Agnus Dei! Não

termina, mas acrescenta logo: miserere,

miserere!, cada vez mais aflito. O peri-

go não cessa. Pelo contrário: as tro-

pas já devem estar perto.

Ressoam os

clarins, altos, zombeteiros, jubilosos, em

f[, e o soprano, horrorizado, por sua

vez grita: Agnus Deino... motivo da

Divindade... Eis que, súbito, como a

um sinal dado, tudo muda: forma-se

como que um muro intransponível en-

tre o côro e perseguidores, e os solis-

tas, gratos, dando a honra a Deus (pelo

leitmotiv citado) entoam em piano en-

ternecido dona, dona nobis pacem! O

r

TTl- • :".-'Ww . V*

f '• ». II I _ ||PI ' WP

™ •*••

ry ¦>«» wr -

BEETHOVEN:

"MISSA

SOLEMNIS" 159

soprano sublinha a recordação de que

do alto» cantando várias vezes cm se-

a paz

<-* interna e externa só vem guida o leitmotiv da Divindade:

4+ (»*>

>

P

T

jf J

J

^

-

Os pedidos assumem o caráter de

ação de graças, de júbilo pela

liberda-

taçSo do perigo iminente. Reaparecem

melodias anteriores, voltam, em contra*

movimentos da orquestra, contra notas

sustentadas pelo côro e, súbito, como

se tivessem necessidade de se concen-

trar, as vozes emudecem. A orquestra,

em Presto e tf* passa a dominar exclu-

siva» tocando vitoriosa, com contra-mo-

vimentos animados:

mm

%

M

UlhJ

r^Tt

Tornam-se cheios os acordes e mais

vivos os contra-movimentos. O côro

voltando de sua meditação, recordando*

se da fonte donde lhe veio tudo. inter-

rompe majestoso, em tf: Agnus Dei,

Agnus Dei! Intervém o quarteto de so*

listas, partindo o soprano, com o seu

melodioso dona pacem,

do si bemol

agudo. O soprano do côro vem re~

lembrar, por sua vez, pouco depois, a

causa da salvação, indicada pelo leit"

motiv da Divindade, com repetições na

forma original e inversões cada vez mais

insistentes:

fiti

"P** M

\ f 11 i

|

¦

|—^iA.Ai^

Fin

li i

i-)'

flMf

TBE

^ / j(JO~ *• - fói+yA>~ — - —

Cresce a intensidade, aumenta a emo-

ção, voltam os contra-movimentos or-

questrais: alternam f[ e sf com pp ,

notas sustentadas com cativantes linhas

melódicas, e quando,

terminada a últi-

ma invocação do côro, a orquestra toca

seis compassos do psotludio, o ouvinte

sente saudades das maravilhas da Mis*

sa, parecendo-lhe regressar dum inundo

mais alto, mais digno, mais belo e san-

to, para a vida dos dias comuns.

« •

Será litúrgica a Missa Sólemnis

de Beethoven, quer dizer: permitirão as

normas eclesiásticas cantar e tocá-la du*

rante a S. Missa, na igreja, ou deverá

ser cedida à sala de concertos ?

Talvez ainda eu tenha ocasião de ex-

por idéias a êsse respeito; por

ora ter-

mino com um sincero:

"Mil

graças a

Deus que, por um Beethoven, revelou

tanta coisa de sua beleza infinita!"

Beethoven faz-nos ver e ouvir

um pedacinho do céu.

* I

Biografia

Artur Neiva

Com o falecimento, a 6 de junho

último, do professor

Artur

Neiva, perdeu

o Brasil uma das figuras mais expressivas do seu mun~

do cientifico.

Nasceu Artur Neiva na Baia, a 22 de março de 1880. Diplomado

em 1903 pela

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,

ingressou,

em 1905, no Instituto de Manguinhos — em cuja direção agora, após

longa e brilhante carreira cientifica, o surpreendeu a morte. Em 1906,

foi nomeado auxiliar técnico do Laboratório Bacteriológico da Saúde

Pública e indicado por

Osvaldo Cruz para

organizar a campanha con~

tra o impaludismo nos serviços de captação de águas do Xerém e da

Mantiqueira, que

abasteceriam o Rio de Janeiro.

Foi nomeado, em

1908, assistente do Instituto Osvaldo Cruz e comissionado pelo

Insti~

tuto para

estudar em Magé os principais

focos de impaludismo e seus

transmissores. Por indicação de Osvaldo Cruz, acompanhou, em 1909,

o prof.

Prowazek numa comissão científica a Itapura e Mato Grosso, e

foi designado para

organizar e dirigir a profilaxia

contra o impalu-

dismo na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Em

1910, foi enviado a Washington e, em 1912, foi comissionado para

uma excursão científica através dos Estados da Baía, Pernambuco,

Piauí e Goiaz. Em 1914, recebeu o título de livre docente de História

Natural e Parasitológia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Em 1915, foi contratado pelo govêrno

da Argentina para

instalar e

dirigir as secções de Zoologia Médica e Parasitologia no Instituto Bac~

teriológico do Departamento de Higiene dessa República. Em 1916,

foi convidado para

diretor do Serviço Sanitário do Estado de São

Paulo. Em 1920, foi comissionado para

estudar as organizações sa~

nitárias dos Estados Unidos e do Japão e a profilaxia da lepra na

Noruega, nas Filipinas e no Hawaii. Em 1923, foi nomeado diretor

do Museu Nacional, Foi contratado pelo govêrno

de São Paulo, em

1925, para

chefe da Comissão de Combate ò Praga Cafeeira. Em

1928, foi nomeado diretor superintendente do Instituto Biológico de

São Paulo. Em dezembro dé 1930, após a vitória da revolução, foi

nomeado secretário dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo.

Em fevereiro de 1931, o Presidente Getúlio Vargas nomeou-o inter-

0

BIBLIOGRAFIA 161

ventor federal na Baía» seu Estado natal* Em 1933» (oi nomeado di~

retor geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura,

cargo que

deixou em novembro de 1933, por

ter sido eleito deputado

pelo Estado da Baía à Assembléia Nacional Constituinte.

Com uma imensa bibliografia científica, tendo exercido cargos de

administração, onde ficaram traços definitivos da sua passagem

como os delineamentos do Instituto do Cacau da Baía, quando

inter-

ventor nesse Estado — e tendo colaborado em numerosas publica*-

ções científicas do Brasil e do estrangeiro, foi Artur Neiva um dos

grandes nomes da cultura brasileira.

Em ciência, foi êle autor do primeiro

trabalho sôbre raças de he-

matozoários do impaludismo resistentes à quinina, que

alterou a pro-

filaxia do mal; foi quem primeiro

denunciou o tifo exantemático na

Argentina e quem, pela primeira

vez, em 1919, revelou a existência

da leishmaniose naquele país.

Contribuiu para

a ciência com o desço-

brimento de novas espécies zoológicas, no Brasil e no estrangeiro. Ini-

ciou a profilaxia

da sífilis no Brasil e a campanha contra o impalu-

dismo e a opilação em São Paulo. Quando irrompeu a

"gripe

espa-

nhola", após a primeira

Grande Guerra, estava Artur Neiva na di-

reçãò do Serviço Sanitário de São Paulo, onde o seu dinamismo e a

eficiência da sua organização defenderam a capital e todo o Estado.

Elaborou o primeiro

Código Sanitário do Brasil, que

depois serviu de

base a outros códigos brasileiros e estrangeiros. Na direção do Museu

Nacional, seu tino administrativo e visão científica promoveram

ini-

ciativas de vulto. Fundador do Instituto Biológico de São Paulo, or~

ganizou ali o estudo das doenças infecciosas e

parasitárias dos ani-

mais domésticos e das plantas,

merecendo, por

isso, o Prêmio Latreille,

conferido pela

França. Foi uma das maiores autoridades, no Brasil, em

questão de malária, tendo deixado trabalhos científicos de

grande va?

lor sôbre o assunto. Organizou o atual Instituto de Tecnologia, no

Ministério do Trabalho.

Fora do campo da história natural, que

foi o centro das suas pes-

quisas, sua curiosidade intelectual derramou-se

pela etnologia,

pela

história, pela

lingüística, à cêrca de cada uma de cujas disciplinas nos

deixou trabalhos de valor incontestável. Aos seus esforços se devem

a publicação

de muitas obras de cientistas brasileiros e a organização

de muitos serviços, de relevante utilidade para

o Brasil. Conhecido no

estrangeiro, distingüido, diversas vezes, com convites de governos

e

organizações científicas de outros países,

soube honrar a nossa terra,

com o prestígio

do seu nome e a sólida estruturação do seu saber.

BIBLIOGRAFIA

Na sua vasta bibliografia, podemos destacar os seguintes estudos:

Publicados no

"Brasil

Médico": Uma nova espécie de anofelina brasileira:

Myscmya tibiamaculata (1906); Contribuição ao estudo da biologia da Dermato?

bia cyniaventris Mq. (1908); Contribuição ao estudo dos dípteros brasileiros

162 CULTURA POLÍTICA

(1908); Duas novas espécies norte-americanas

de temípíero« <£U>;

Três espécies novas de Reduvidas noríc-amer.canas (19U

tudo dos hematólagos brasileiros e dc^"'^°icão

de duas novas espécies de iria-

(1911); Notas de entomotogia £

t^anotõma cruzi pela

iria-

tomas n"^se^aT919

Infeccào de cobaias pela passagem do tripanosoma

toma sórdida Stal *ly Penetração do tripanosoma evanst atra-

çquinum através da con,untwa

f

(191 na

vinPchuca do tripanosoma

vés da conjuntiva da (19^-^fZ^alidade do Estado do Rio de um

do mal de cadeiras (1913), Pte /ioi4\.

Contribuição para o conheci*

novo transmissor da moléstia de Ciagas (

Central (1915)* Contribuição para

rnento dos hemipteros hematólagos da Amér^a(^ntralJ\9\5h^on^

O conhecimento das anofehnas do Es Cc>1lia

Thcobald com descrição°m

César PU»); Cc-rHfff .-*•

°

&Z! UrZZ.cí. Ar-

de uma nova especie (1922, idem), ,

. /iqoo idem)* De um novo

tibalzaga 1891. com descrição conhecimentos

hemiptero hematófago brasileiro (1922, idem), Vstaao ^

^ idem).

toX^os

;s ^¦ssrr&tr.ffK).

»»*""• wtír*

"'"pISÍo,

„=»

"Memórias do Instituto «

ne'a, uma nova mutuca da sub-lamiha

^on'"a j

indígena de Taboni-

Adolfo Lutz); Contribuições para o con/iecimenío

J „ intraglobulares Cos

dae (1909. idem); Contribuição para

o

^odos^

P^^fXluição

para

lacetticidas (1909, em colaboraçao UirJnaia

e sistemática das anofelinas

o estudo dos dípteros: observações so;f

Í1909V Formação de raça do he~

brasileiras e suas relações com o l™Pa (1910);

Informações sôbre a bio-

matozoário do impaludismo restsen e .q.qv

Contribuições para o conhecimento

irgia do Conorhinus Pai e do Estado de Mato Grosso

dos dípteros sangue-sugas do. Noroeste de oao

coiaboração com Adolfo Lutz);

com a descrição de duas espécies novas

^'J^^^ebotomus existentes

no Brasil (lvlZ, íaemj, no ias zw

MQ1^> mlaboracão com Tose Gomes de

larvas de Sarcophaga pyophüa n. sp. (1913,,

e

Tciatoma infestans Klug (1913);

Faria); Informações sôbre a biologia da Vinchuca lriatoma^ espécics

novas

Contribuição para a biologia das megarmas Testado

dos Redu-

(1913, em colaboração

com Adolfo Lutz)

^Contribuição

para

^ (1914). Jn{or-

vinas hematólagos da Baia. com^do

Estado do Rio de Janeiro (1914;

cmfcolaboração com Adolfo ^atz^ff^/^"P^orte

°da "'Jda^udòeste

de Per-

Dvros e monografia^ Da S<<M'aína^^I^o,^^19O5)^^euisão^^do^0en«-o^^r^-

toma Lap. (Rio, íyi^) » tteiavor M

a 9 M de comunicados a Imprensa

/t>í^ 1Q1• A broca do café: coletaneas (1. e z. )

ae cumuí» /çSn

pai1ift

Hão Paulo.' 1925); Daqui e de

^29)1

1927); Esboço histórico sôbre a Érfâme. e

Estudos da Língua Nacional ,avra'multos

outros trabalhos, publicados em

Além desses, ctrangeiro,

em diversos periódicos e anais cien-

diversas épocas, no Brasil e no estrangeiro, e Paulistas

de Medicina e

tificos, como:

"Revista Médica de São Paulo

£na£

rau ^ ..Ciêncja

Cirurgia".

"Anuário do Ensino do Estadao d.Departamento

Nacional de Higiene".

Sode.y" de Wnsh.u,»».

"An.de. <U Mu-

seu de Historia Natural" de Buenos Aires. etc.

k«íj> V" vqPW% rF 1 ** * ~ •

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V™, ' » f v<

• r y r w

Inquéritos e reportagens

A campanha da nutrição no Brasil

Preliminares — A ação cia Liga das Nações

— A posição

do Brasil —

Revelações de um inquérito — O

fato econômico

— Restaurantes

populares —* Racionalização cientifica

—¦ A ação do S. T. A. JV» *

Carne deshidratada —

Rações supletivas, rações de reserva e os se-

gredos de

guerra — Apoio e cooperação norte-americanos•

O problema

da alimentação nasceu com o homem. A princípio

era

individual e as criaturas guiavam-se pelo instinto, subordinadas às

possibilidades naturais do meio. Depois, com o aumento da

população

do globo

e as transformações ambientes, passou a ser uma necessidade

coletiva. Foi quando

surgiu a técnica e, com ela, a ciência da nutrição,

orgulho dos nossos dias.

Desde então, no mundo das cogitações científicas como no campo

das realizações administrativas, avulta a importância biológica, social

e econômica da alimentação humana, explicando-nos fenômenos que#

antes, passavam despercebidos.

Na Europa -—' vanguardeira do progresso

— a nova ciência atin-

giu o seu climax durante a chamada Grande Guerra (1914-18),

diante

da necessidade de alimentar os exércitos em choque, e, depois, ao

enfrentar as dificuldades que repontaram do ambiente social

gerado

pela catástrofe.

Êsses fenômenos e um mais profundo

conhecimento da fisiologia

da nutrição, alcançado no comêço do século que

vivemos, guindaram

o assunto ao primeiro plano

do debate dos grandes problemas

da vida

contemporânea.

Foi assim que

na Inglaterra, na França, na Rússia, na Itália e,

atravessando o Atlântico, nos Estados Unidos, surgiram as comis-

soes técnicas e os primeiros

institutos especializados, cujas observa** •

ções e investigações sistemáticas vieram demonstrar

que uma imensa

massa humana, notadamente as camadas média e inferior da socieda-

vivia num estado de desnutrição permanente, de carência total

ou parcial

de vários alimentos considerados indispensáveis ao equilà"

0

164 CULTURA POLÍTICA%

brio orgânico c que

êstc desequilíbrio nutritivo, além de preparar

o

terreno para

doenças infectuosas, inclusive a tuberculose, era causa

da ocorrência de vários estados mórbidos, alguns de acentuada gra-

vidade.

Como era natural, essas conclusões alarmantes despertaram o in-

terêsse de outros países

e por

tôda parte,

em todos os continentes,

surgiram estudos e trabalhos sôbre a matéria, adotando-se paralela-

mente medidas administrativas de proteção

e de racionalização da

alimentação popular.

A ação da Liga das Nações

A Liga das Nações, por

seus órgãos técnicos, desde 1925, tor-

nou-se o centro de irradiação dos debates, sobretudo através de con-

ferências, de pesquisas

e relatórios subscritos por especialistas do mais

alto quilate.

Em seu seio, Bruce, delegado da Austrália, chegou a sustentar

que a melhoria da alimentação das massas

populares deve constituir

o primeiro

objetivo da higiene pública, para

isso devendo ela aliar-se

estreitamente à agricultura, sobretudo no propósito

de promover

o

aumento indispensável do consumo dos alimentos protetores.

Incidindo no mesmo ponto

de vista, o professor John

Orr, da

Universidade de Abeerden, foi ainda mais longe e sustentou que

a

depressão econômica mundial era um fenômeno de deficiência ali-

mentar.

Certo ou errado, pouco

importa, o fato serve para

mostrar a proe-

minência e a magnitude do problema que

novamente reclama a aten-

ção geral no momento histórico

que a Humanidade atravessa, à frente

da qual,

mais uma vez, vem de colocar-se o grande

Presidente Roose-

velt, conclamando os povos

americanos a um esforço maior para

faci-

litar a tarefa de alimentar, agora, as forças que

lutam pela

liberdade

e, depois, o mundo estropiado que emergirá do cataclismo.

Essas e outras considerações adiante transcritas foram feitas a

CULTURA POLÍTICA pelo professor Josué

de Castro, ou inspi-

radas em elementos que

êle nos forneceu, para

melhor situar a posi-

ção do Brasil na

grande campanha, agora

que acaba de surgir em seu

seio um novo e importante órgão central — o Serviço Técnico de

Alimentação Nacional — criado

pela Coordenação da Mobilização

Econômica e confiado à comprovada experiência daquele higienista.

A posição

do Brasil

i

Embora dos últimos a se enfileirarem na luta pela

boa alimen-

tação, o Brasil está em condições de levar ao certame internacional

que se

projeta realizar

para breve uma contribuição

preciosa, sobre-

tudo se atentarmos na imensa riqueza dos produtos

tropicais e subtro-

picais de

que dispomos.

A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 165

Fomos surpreendidos pelo

chamamento de Roosevelt na fase

mais importante do problema

brasileiro, isto é, quando

iniciamos a

etapa verdadeiramente científica da campanha alimentar que,

não es~

queçamos, é obra exclusiva da era

getuliana.

Antes dela, ou seja, até 1930, reinava completo indiferentismo.

Uma ou outra voz isolada, que

repontava aqui e ali, perdia-se

em

meio ao desinterêsse geral.

A reforma política,

encabeçada pelo patriotismo

de Getúlio Var~

gas, removendo fundo os alicerces da Nação e renovando valores,

pos-

sibilitou o início da primeira

fase pela

momentosa questão,

fase que

se

prolongou até 1935 e

que pode ser chamada de

propaganda e divul~

gação, caracterizada

por estudos e debates teóricos. Foi

quando a

IPÊS (Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária)

promoveu

uma intensa campanha em favor da boa alimentação, pela

imprensa#

pelo rádio e

pelo cinema, estendendo-a

por todo o

país.

Um cuidadoso inquérito sôbre como se alimentavam os alunos

dos colégios do Rio de Janeiro revelou a situação,

passível de críticas,

e a maneira de modificar as suas dietas.

Sob a responsabilidade do Departamento de Saúde Pública de

Pernambuco, das autoridades sanitárias paulistas,

da Escola de So-

ciologia e do Instituto de Higiene de São Paulo, outros inquéritos fo-

ram realizados nas capitais dos respectivos Estados (1934 e 1935),

visando à determinação do padrão

de vida e das condições de ali"

mentação em cada uma delas. Por êles, chegou-se à evidência de que,

nas duas regiões estudadas, era defeituoso o regime alimentar, pelo

menos carencial e desequilibrado, em São Paulo, e insuficiente, no

Nordeste.

Em 1936, agora sob a égide do Departamento Nacional de Saúde,

identificado com as modernas correntes de educação sanitária, pro-

cedeu-se a outro importantíssimo balanço, desta vez abrangendo a

cidade, os subúrbios e a zona rural adjacente do Distrito Federal.

Revelações de um inquérito

Um total de 60.149 pessoas pertencentes

a 12.106 famílias (em

média, 5 pessoas por

família), cobrindo a área citada, revelou entre

outras coisas:

a) ser de pouco

inferior a Cr$ 500,00 o rendimento médio de cada

família, vivendo cêrca de 1/4 delas em regime de déficit permanente;

b) despender cada família, em média, 1/4 do rendimento em ha-*

bitação, quota

baixa em face de rendimentos baixos, o que

força

33/34% das famílias à morada em casas coletivas, sem maior con~

fôrto, nem condições higiênicas satisfatórias;

t- 7^ r-

166 CXILTURA POLÍTICA

c) representar-se, em média, por

1/16 da renda o gasto

com

transporte, numa correlação significativa com o rendimento, havendo

cêrca de 1/3 das famílias que

nada despende nesse particular;

d) caber, em média, às despesas com alimentação mais de me-

tade da renda, atingindo a quasi

3/4 do grupo

de famílias de menor

rendimento, e a pouco mais de 1/3 dó

grupo oposto, numa correlação

positiva bastante significativa;

e) não haver deficiência, nem mesmo para

o grupo

de menor

rendimento, no total energético do regime alimentar no Rio de Ja-

neiro, sendo êle mesmo, em média, exagerado;

/) poder ser reduzido o consumo de

proteínas e

gorduras em fa-

vor dos hidratos de carbono, certos minerais e vitaminas;

g) haver no consumo de leite e de verduras, legumes e frutas,

fontes reconhecidas de cálcio e ferro e das principais

vitaminas, um

déficit que

culmina no fato de 16%, 6% e 13% das famílias não te-

rem, respectivamente, leite, verduras, legumes e frutas nos seus re-

gimes alimentares;

h) pode considerar-se, pois,

o regime alimentar no Rio de Ja-

neiro um regime incompleto e desharmônico, por

ser deficitário em

princípios minerais e em vitaminas e

por apresentar

proporções ina-

dequadas dos seus componentes orgânicos.

É claro que,

num país

de tão vasta extensão territorial como o

Brasil, essa e as outras amostras colhidas significam muito pouco.

Entretanto, se, por

um lado, tiveram o mérito de confirmar as

previsões dos técnicos com relação à insuficiência ou à falta de orien-

tação científica do regime alimentar do nosso povo, por

outro servi-

ram para

evidenciar as suas diminutas possibilidades

financeiras.

Foram tão alarmantes os resultados a êsse respeito que,

daí por

diante, a questão

alimentar passou

a ser encarada como um produto

do baixo orçamento das massas, senão para

adquirir alimentos (fome

quantitativa), ao menos

para enfrentar as despesas exigidas

pela

orientação científica (fome qualitativa).

O fato

econômico

Chegou-se, assim, à conclusão de que para

resolver o problema

técnico era preciso,

antes, encontrar a solução para

o fato econômico.

E essa solução foi encontrada,

O Govêrno do Estado Nacional debatia, no momento, a questão

do

"salário

mínimo", justa

aspiração das massas trabalhadoras na-

cionais e parte integrante do

grandioso programa de reformas sociais,

prometido pelo Presidente Vargas.

Os inquéritos da campanha da alimentação, embora realizados

entre várias classes, visaram de preferência

à grande população

ope-

rária das fábricas, encontrando aí as maiores falhas, com graves

con-

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u,-v- w{ iff' -¦ ;

1 Fr" ' *

- "*rtís •

A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 167

seqüências para o estado de nutrição e

para a capacidade

produtiva

do trabalhador, de poder

aquisitivo reconhecidamente inferior.

Ligando os dois extremos, pensou-se, então, em colocar ao al-

cance do operário refeições a preços

módicos, segundo cardápios es-

colhidos pelos processos

técnicos. Atendia-se, assim, à questão

eco-

nômica e melhorava-se o regime alimentar, o que, por

certo, influiria

no resultado do Jrabalho produzido,

ao mesmo tempo que

despertaria

o progresso geral

social e étnico da coletividade.

Corporificando a idéia, a 16 de agosto de 1938, o Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Industriários propôs

ao Govêrno a cria-

ção de um organismo central de alimentação, com autonomia dentro

da entrosagem daquela entidade e com a finalidade de:

a) manter em funcionamento um restaurante central popular,

especialmente destinado a fornecer ao operário associado do Insti-

tuto um almoço sadio e racionalmente dosado;

b) a manter um serviço constante de distribuição de refeições

nas fábricas que

desejassem utilizar-se das vantagens indiscutíveis

desse serviço, e

c) a manter um pequeno

laboratório de ensaios e estudos, onde

possam ser realizados não só os exames dos

gêneros a serem utiliza-

dos, como também a dosagem racional da alimentação para o operá-

rio.

O Govêrno recebeu bem a idéia e, por

ocasião do primeiro ani-

versário do Estado Nacional, o Presidente Vargas, falando aos tra-

balhadores do Brasil, declarou:

Restaurantes populares

"Êste

importante assunto será abordado por diversas formas, si-

multâneamente. Uma delas consistirá na construção de restaurantes

populares, higiênicos e confortáveis, dotados de camaras frigoríficas,

em pontos

da cidade onde haja maior concentração operária. Cada

unidade comportará cinco mil refeições diárias, duas mil servidas no

próprio local e três mil nas fábricas,

por meio de caminhões térmicos.

A refeição será fornecida a preço

do custo, acrescido de cêrca de

cento e cinqüenta réis, para

a remuneração do capital de instalação,

Em cada restaurante fabricar-se-á o pão

necessário ao consumo diá-

rio, de forma a ser consumido fresco e barato, juntamente com o al-

môço. Nas fábricas serão preparados

refeitórios, com instalações des-

montáveis ou permanentes, conforme o espaço de

que dispuser cada

uma. Com o maior interêsse venho acompanhando êsses estudos, já

muito adiantados, e espero, dentro de pouco tempo, ver transformada

em realidade essa importante iniciativa de assistência social."

Daí ao cumprimeno da palavra

empenhada medeou um curto es-

paço de tempo: escolhido o local — a

praça da Bandeira, centro de

grande circulação e fácil acesso

para todas as classes sociais

— em

168 CULTURA POLÍTICA

meados de 1939 iniciava-se a construção do edifício» que

se inaugu~

rou no dia 10 de novembro do mesmo ano.•

Paralelamente e ainda para

mostrar o interêsse que

o assunto

despertou no seio do Govêrno — a 1 de maio era assinado o decreto

cogitando da obrigatoriedade de um refeitório em todos os estabeleci-

mentos que

empregassem mais de quinhentos

trabalhadores e, por

portaria ministerial de 25 de outubro, tudo de 1939, criado o Serviço

Central de Alimentação, de acordo com o que propusera

a entidade

superior de proteção

aos industriários.

E foram esses os primeiros passos para

a instituição dos restau-

rantes populares,

da assistência alimentar nas escolas do Distrito Fe-

deral e outras conquistas dos nossos dias, cujo cerne é o SAPS (Ser-

viço de Alimentação da Previdência Social), obra que por

si só reco-

menda uma administração, ao mesmo tempo que

fixa mais uma etapa

na campanha pela

boa alimentação de que

vimos tratando, etapa que

se pode

chamar de aplicação social, em que

o Govêrno se associa aos

técnicos para a solução do magno

problema da alimentação

popular,

provando assim, mais uma vez, o carinho e a estima

que dedica ao

trabalhador brasileiro»

Essa parte, porém, pelo

vulto que

tomou, será examinada deti-

damente no próximo

número de CULTURA POLÍTICA.

Aberto o hiato, vamos, agora, prosseguir

na marcha que

vimos

fazendo através da história da campanha alimentar no Brasil, obede-

cendo, assim, ao plano que prèviamente nos traçamos.

Vencida, pela

Revolução, a indiferença reinante até 1930, vimos

que o começo da era

getuliana assinalou, também, a

primeira fase

dessa campanha, ensejando de maneira promissora

a propaganda

e

divulgação das novas idéias sôbre nutrição. Vimos, ainda, que

o ad-

vento do Estado Nacional, fortalecendo o poder

central, permitiu

ao

Govêrno executar com mais firmeza o seu programa

de previdência

e

assistência social às massas trabalhadoras e, ao mesmo tempo, cola-

borar com os técnicos na aplicação de certos conhecimentos tenden-

tes a assegurar alimentação perfeita

e barata à população

assalariada

da Capital da República.

Racionalização científica

Vejamos, agora, a fase atual, que poderemos denominar de ra-

cionalização científica, ou seja, de aplicação racional, no campo da

produção e do consumo, de métodos e

processos técnicos e científicos

da ciência da nutrição.

Essa a nova etapa da política

alimentar no Brasil, na qual

o

coordenador da Mobilização Econômica — organismo de emergência

ideado pelo

Govêrno, a exemplo do que

se fez em outros países

considerando a extraordinária importância que

envolve o problema

da alimentação coletiva em tempo de guerra,

bem assim a necessidade

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Visita do Presidente Getúlio Vargas e general Higinio Morínigo — Os dois chefes de Estado,

após o almoço com os trabalhadores, saboreiam uma chícara de café

(Cultura Política)

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Visita dos Presidentes Getúlio Vargas e Higinio Morínigo — Outro aspecto do almoço no SAPS,

com os trabalhadores

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A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL Í69

de estabelecer para

todo o território brasileiro um plano

de economia

alimentar,cientificamente dirigido, e, ainda, a urgência imperiosa de

coordenar, controlar e orientar tôdas as atividades concernentes à

alimentação do país,

no intuito de que

seja satisfatoriamente assegu-

rado o abastecimento das populações

das nossas diversas regiões, re-

solveu criar e manter um serviço técnico especial com o encargo de

centralizar tôdas essas atividades.

Trata-se de um aparelho moderno de pesquisa

científica, um

centro coordenador de trabalhos experimentais sôbre assuntos de ali*-

mentação realizados em escala laboratorial, semMndustrial e indus-

trial, em pleno

funcionamento, sob a denominação genérica

de Ser-

viço Técnico de Alimentação Nacional.

O seu aparecimento visa à obtenção de elementos e dados cien-

tíficos seguros, com os quais possa

dar uma assistência técnica efe-

tiva às fontes nacionais de produção

alimentar, de natureza agrícola

ou industrial.

A ação do

"S?

T. A. N."

Concentrando o máximo de suas atividades atuais nas pesquisas

de laboratório, o

"S.

T. A. N." colima os seguintes objetivos prá-

ticos:

1.° — O conhecimento integral do valor nutritivo de certas subs-

tâncias alimentares e de outras que possam

eventualmente ser usadas

na alimentação humana;

2.° — o ensino e a estandardização de métodos e processos

in<"

dustriais para se obter a deshidratação e concentração das riquezas

nutritivas de certos alimentos nacionais;

30 — a obtenção, através dos trabalhos em cooperação com as

fôrças armadas, de rações supletivas e de rações de reserva para

o

soldado brasileiro.

Subordinado a êsse programa

de trabalho, o S. T. A. N. já

analisou e fixou a composição química de vários alimentos naturais e

produtos alimentares enviados

pelos industriais do ramo, tendo esco-

lhido para

êsses primeiros

exercícios substâncias ainda não estuda-

das ou de valor nutritivo presumivelmente alto, merecedores, por-

tanto, de prioridade de interêsse no momento

que atravessamos, tais

como: farinha de arroz integral, farinha de casca de ovos, castanha

do Pará, soja e alfafa.

A deshidratação dos alimentos é outro campo da técnica alimen-

tar ainda novo, mas de grande futuro

para o Brasil. A finalidade bá-

sica desse método é expurgar das substâncias alimentares todo o ma-

terial inútil, reduzindo ao essencial o seu pêso

e o seu volume, o que

facilita de forma impressionante o transporte. Neste momento,

em que

as vias de comunicação marítima estão dificultadas e as ter-

restres ainda não permitem levar a todos os recantos do território

170 v CULTURA POLÍTICA

nacional os produtos

de uma e outra regiões, a solução do problema

em causa representa uma conquista inestimável e assegura a nossa

contribuição ao esfôrço de guerra para

a vitória.

A deshidratação de alimentos fundamentais e protetores,

como a

carne, o leite, os ovos, as verduras e as frutas, ajudará espantosa-

mente o problema

de abastecimento de nossas populações

e de nos-

sas tropas, dispersas pelos confins da Pátria.

Foi a visão nítida que

o Govêrno do Presidente Vargas possue

dos problemas

brasileiros e do papel que

toca ao Brasil representar

no após-guerra que

o conduziu à prática

dessas importantes realiza-

ções, incumbindo a Mobilização Econômica de efetuar tôdas as

pes-

quisas e trabalhos

precisos para a implantação, no

país, da indústria

de produtos

alimentares deshidratados, em escala capaz de satisfazer

às múltiplas necessidades da hora presente.

Em cumprimento dessa ordem, a

"S.

T. A. N." meteu mãos à

obra e está realizando um grande

inquérito que,

breve, lhe permitirá

dizer quais

os produtos que podemos produzir

econômica e eficien-

temente.

Carne deshidratada

Os ensaios concluídos para

obtenção de um tipo de carne deshi-

dratada deram resultados animadores. As amostras conseguidas apre-

sentam ótimo aspecto e cheiro apetitoso, condições de grande

influên-

cia para

o seu consumo. Nelas, o teor água ficou reduzido a 6%, en-

quanto é de 75% a

quantidade contida na carne fresca. Em compen-

sação, os seus elementos nutritivos, as proteínas

e as gorduras,

tive-

ram aumentadas as suas riquezas de cerca de 4 a 5 vezes, sendo a pro-

porção de 21%

para 70% no

produto deshidratado.

Feitos os estudos. experimentais, a

MS.

T. A. N." conjugou es-

forços com o Sector Carnes da Coordenação para

a produção

do ar-

tigo em escala industrial. E, dentro em pouco,

o Amazonas, onde há

falta de carne, estará sendo abastecido em quantidades

suficientes e

por um

preço acessível a todas as bolsas.

A deshidratação tem a vantagem de, diminuindo enormemente

as dificuldades da embalagem e conservação, resolver o problema

do

transporte, que

é o maior de quantos

estamos enfrentando no mo-

mento. Para se ter uma idéia do asserto basta considerar-se que

du-

zentos bois, que produzem

cinco toneladas de carne, em média, po-

derão ser transportados de uma só vez, em um avião comercial do

tipo comum, enquanto que,

vivos, ou seja, com cêrca de quarenta

to-

neladas, precisariam

de algumas dezenas dêles.

Assim, e graças

a êsse milagre da técnica, poderemos,

em breve,

evitar o ridículo atual de transportar, em cada cinco toneladas de

carne, quasi quatro

de água!

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A CAMPANHA DA NUTRIÇÃO NO BRASIL 171

Mas não sòmente a carne está sofrendo essa transformação. Ou-

tros produtos

alimentares brasileiros, de alto valor nutritivo, estão

sendo submetidos ao mesmo processo

redutor, tais como a alfafa, já

citada» o carurú, o espinafre, a cenoura, etc.

Ainda, dentro do programa que

lhe foi traçado e simultânea-*

mente com os estudos referidos, a

"S.

T. A. N." colabora com as

forças armadas do Brasil em sua formidável preparação para

fazer

face às obrigações do momento*

*

Rações supletivas, rações de reserva e os

segredos de guerra.

Por sugestão do chefe do Serviço de Subsistência do Exército e

em cooperação com outros técnicos militares, por

exemplo, estão

sendo estudados processos

de obtenção de rações supletivas, em forma

de comprimidos, para

completar a ração normal do soldado, imposta

pelos complexos

problemas de abastecimento regional e de transporte.

São rações que garantem

ao soldado o seu suprimento fisiológico em

vitaminas e em sais minerais, cuja carência ocorre habitualmente na

tropa.

Para dar uma idéia do que

isso significa, basta dizer que

alguns

dos comprimidos obtidos conteem cêrca de 2.500 unidades de vita-

mina, além de doses adequadas de outros elementos indispensáveis ao

equilíbrio nutritivo, com um custo de produção

verdadeiramente in~

significante.

Outro grupo

de estudos realizados em cooperação com o Exér-

cito é o da chamada ração de reserva, composta de alimentos regio-

nais selecionados. Essa ração, que pesa,

apenas, 150 gramas,

fornece

ao soldado um regime nutritivo completo, sob a forma de üma re~

feição normal. Dessa maneira, com uma carga de um quilo

leva cada

soldado cêrca de sete rações alimentares racionais.

Os alimentos que entram na composição dessas rações represen-

tam uma aquisição técnica e, por

isso, não podem

ser divulgados. São

segredos de guerra.

Tal como os nazistas conservam em sigilo a composição dos seus

famosos alimentos de guerra

— o

"edelsoja"

e os

"bratlings" — aos

quais atribuem os sucessos iniciais na catástrofe

que desencadearam,

também nós brasileiros temos as nossas fórmulas secretas, que prova-

rão, quando preciso,

resultados iguais ou superiores.

Nisso não vai

"patriotada",

porque, dispondo o Brasil de variai

dos e riquíssimos alimentos naturais, pode

muito bem produzir

arti-

gos de valor nutritivo maior

que o dos

"ersatzs",

orgulho dos adver-

sá rios.

172CULTURA POLÍTICA

*

Apôio e cooperação norte-americanos

Sendo, como é, cada vez mais estreita a cooperação do Brasil

com os Estados Unidos, no propósito

comum de contribuir para a vi-

tória das armas aliadas, nada mais natural que, no setor da alimen-

tação, de tão alto significado, também juntássemos esforços no mesmo

sentido.

O apôio e a cooperação norte-americanos, aliás, veem-se fazendo

sentir desde os primeiros

dias da Coordenação Econômica, que tem

agido sempre de comum acordo com a similar daquele país, e a equipe

de técnicos americanos que trabalha junto

à S. T. A. N. , por sua

experiência e boa vontade, muito tem contribuído para a solução de

vários problemas que serão melhor apreciados na

próxima confe^

rência de alimentação, convocada pelo Presidente Roosevelt,

para a

primavera deste ano.

O Brasil, com a riqueza que possue, poderá

levar uma contribui-

ção preciosa a esse empreendimento humanitário, de resultados

práti'-

cos incalculáveis na hora presente

e no futuro.

América, que

é presentemente

o arsenal das nações unidas,

será também o celeiro inesgotável que sustentará os exércitos da vi"

tória e assegurará, depois da guerra,

a subsistência própria e a dos

países europeus, esfomeados e saqueados pela

fúria nazi-fascista.

O vale do Xingú,

O ministro João Alberto reuniu, a 3 de

junho último, em seu

ga-

binete, os representantes da imprensa, afim de esclarecê-los sôbre a

marcha dos trabalhos do govêrno,

realizados por intermédio da Coor-

denação da Mobilização Econômica. Durante os trabalhos declarou

o coordenador:

••O

assunto de que

vamos tratar hoje, a meu ver, é de maior

importância para o desenvolvimento do Brasil. Aliás, há bastante

tempo alimento esperanças na execução de um velho plano, que é

o povoamento

do interior brasileiro. Infelizmente somos obrigados

a reconhecer que o Brasil tem

perdido terreno relativamente ao

que

concerne a essa política. Os vestígios de

penetração portuguesa na

época colonial vão muito além do espaço que atualmente ocupamos

e exploramos, tanto assim que, quando às vezes pensamos

ter mi-

ciado uma exploração ou feito qualquer

descoberta, deparamos

os passos

dos colonizadores lusos. E' do conhecimento dos que

es-

tudam a história do Brasil e sua colonização o que

constituiu a

fundação da antiga cidade de Vila Bela, a primeira

capital de

Mato Grosso.

O govêrno português

fez construir aí um forte que

na ver-

dade representa uma verdadeira maravilha de construção em pedra,

e adotou tal política porque,

como se sabe, antigamente, sob a ocupa-

cio e a posse

é que

se indicava o direito de propriedade.

Era dono

quem primeiro atingisse a

posse de algum coisa. Além disso, o receio

de que um dia o

govêrno espanhol apresentasse dúvidas sôbre a le-

qitimidade da ocupação determinou tal critério da

parte da metrópo e

portuguesa. Isso reconhecendo, o colono português

foi penetrando

pelo interior do

país, afastando-se, por

conseguinte, cada vez mais

do litoral. Daí haver estabelecido a capital de Mato Grosso, a antiga

cidade de Vila Bela, no interior, garantindo ainda mais a

posse de

suas terras. A êsse respeito, devemos tecer louvores à tenacidade

dos colonizadores portugueses e lamentar a cessação dessa

política.

174 CULTURA POLÍTICA

Das Bandeiras à República

Após essa época, realmente decisiva para

o Brasil, *—¦ continuou

coordenador *

veio a das Bandeiras, dos grandes

movimentos de

aventura, isto é a era da conquista do ouro, da caça ao braço traba~

lhador. Os bandeirantes representaram pepel fundamental no de-

senvolvimento do país,

criando verdadeiras cidades, pois

se deslo-

cavam em grandes

levas. As cidades surgiam em virtude das diíi-

culdades de abastecimento. Obrigados a deter~se em determinadas,

regiões, aproveitavam a época das chuvas para plantar,

cultivar o

solo, afim de garantir

o sustento próprio. Prosseguindo no roteiro

traçado, deixavam essas regiões, já

cultivadas, que eram ocupadas

por outras bandeiras e

quantos desistiam da

jornada. Assim os ban~

deirantes, como disse, iam semeando cidades, através de sua marcha.

Mais tarde vieram a monarquia, a exploração do litoral, a civilização

da Capital e, por

fim a República, com tôdas as fantasias dema-

gógicas dos primeiros

tempos . No entanto, a política

de penetra--

ção não foi continuada. O

que se viu foi o movimento em sentido

contrário o abandono completo do

"hinterland

brasileiro.

Ordem, fator fundamental

do progresso

Por ocasião da Coluna Revolucionária, ao atravessar o Brasil»

encontrei vestígios, em todo o interior de Goiaz, da atividade^ do

braço português.

E' natural que

a concepção da época não fôsse

a de hoje, mas sempre deparámos com uma cadeia e uma- igreja

que podemos considerar marcos

principais de

penetração portuguesa,

porque o

problema principal do Brasil daquele tempo era a ordem.

O espírito de turbulência, o far~west , via de regra afastam o ho*-

mem de responsabilidade : ninguém estava disposto a plantar para,

na época da colheita, ser surpreendido por bandos de desordeiros,

que espulsavam os colonos, locupletando-se com o

produto de seu

trabalho. Por conseguinte o problema

número um, torno a repetir,

na época colonial, era a manutenção da ordem. Mas sabemos que

só a permanência

da autoridade no local pode

estabelecer um am-

biente de ordem, e a ordem está em função da estabilidade do

• homem.

A política

do Presidente Getúlio Vargas

Após o advento do govêrno

de 1930, o Presidente Getúlio

Vargas, com o seu entusiasmo pelo desenvolvimento do interior do

país, provocou novamente a idéia da

penetração do interior. O

tema não constitue novidade alguma, pois tem sido debatido pelos

nossos intelectuais, mas infelizmente num circulo muito reduzido.

Não obstante, a idéia é das que

são aceitas sem restrições por

todos os brasileiros. Apesar disso, sempre^ ficou esperando por sua

execução. Há quatro

anos estive com o Presidente Getúlio Vargas

na ilha do Bananal, justamente

com o intuito de conhecer

"in-loco"

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Ai #

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O VALE DO XINGÚ

o terro c as suas possibilidades. Infelizmente, o estado de

guerra, os

acontecimentos internacionais, forçaram a protelação dêsse empreendi-

mento. O nosso govêrno, porém, não vê incompatibilidade

alguma

em atacar o problema. Podemos atender aos dois compromissos: a

guerra e o desenvolvimento do interior do país.

Por isso organizei com o Presidente Getúlio Vargas os planos

necessários para

o início dessa marcha, com a Expedição Roncador-

Xingú.

No Xingú, o melhor carvão do Brasil

Dirigindo-se para o mapa, o ministro

João Alberto acrescentou:

— Esta é uma das regiões mais desconhecidas do país,

senão

talvez do globo,

embora seja de fácil acesso. Acredito que

o monte

Everest, com 8.600 metros, seja mais explorado que

essa região;

Muitos exploradores a percorreram, sobretudo estrangeiros, atra-

vessando o rio Xingú. Mas de tal forma se restringiam ao curso

do rio que jamais exploraram as suas redondezas. O rio Fresco, um

dos afluentes do Xingú, também é completamente desconhecido.

Êsse rio é importantíssimo, possuindo grande

trecho perfeitamente

navegável. Além disso, nas suas imediações encontram-se minas de

carvão, cujo teor é muito elevado. Possuímos amostras dêsse minério,

que acusa 6.500 calorias. Como se vê, é o melhor carvão do Brasil,

encontrando-se mesmo à flor da terra. Poder-se-ia objetar que,

es-

tando o produto tão distante dos mercados consumidores, seu valor

econômico é discutível. Considero este argumento infantil, porque,

desde que

não tenhamos necessidade de enviar êsse minério para

o interior do país,

só isso já

constitue uma vantagem. Ademais,

não é possível

admitir que

o Brasil se reduza a meia dúzia de cidades

desenvolvidas no litoral. Temos que

marchar para o interior e

jamais

ficar amarrados à beira-mar. Seria o mesmo que

dispormos de um

edifício de vinte e um andares e residirmos todos, asfixiados, no andar

terreo, só para

deixarmos de construir um elevador ... Desde que

o Brasil contém reservas de grandes

riquezas, é nosso dever explorá-

Ias, e ^promover o seu fácil escoamento. Não nos falta, felizmente

espírito empreendedor.

Perspectivas que

se abrem

— Assim, compete aos governos criar as condições de vida ne-

cessárias para

atrair o homem, que

não pode

ser lançado nessa

campanha isoladamente, porque significaria morte certa. Ao

go~

vêrno, repito, cabe despertar nos brasileiros o espírito de aventura,

no bom sentido do vocábulo. Tal política abrirá novas

perspectivas,

outros horizontes aos homens capazes»

176 CULTURA POLÍTICA

Obra do Brasil e dos brasileiros

Não estamos em época que

nos permita

esperar o auxílio do

capital estrangeiro. Êste jamais poderá

constituir o único elemento

para atender a nossos objetivos. Aliás, devo confessar

que consi-

dero uma lenda a imprescindibilidade absoluta do capital estran~

geiro. Quando muito, êle serve para desenvolver certas indústrias,

mas jamais para

o desenvolvimento propriamente dito do nosso

"hinterland".

Nesse particular, possuímos

todos os elementos indis-

pensáveis. A

penetração do interior deve ser obra do Brasil e dos

brasileiros. A cidade de Leopoldina foi escolhida como ponto

de

partida da Expedição,

porque o Rio Araguaia é francamente nave~

gável desde as suas cachoeiras até Itaboaca. Nessa região,

já exis-

tem um campo de aviação e uma estrada de ferro, de Goiana a

Leopoldina.

O clima e os transportes

Sabemos que

o clima é o principal

fator da fixação do ho-

mem em determinadas regiões. Nesse particular,

considero o rio

das Mortes o ponto

mais favorável. Uma vez transposto êste rio,

devemos procurar galgar a serra do Roncador,

que no mapa está

representada apenas por

uma mancha. Devemos construir campos

de aviação nos lugares em que

houver água abundante. Aí também

estabeleceremos o primeiro

núcleo, que

servirá de base para

as

explorações futuras. Como os senhores vêem, trata-se de assunto

de maior importância, sobretudo a construção dos campos de aviação.

Somos obrigados a reconhecer que

vivemos na era do avião. E, nessa

matéria, acontecem fenômenos curiosos; o transporte da borracha,

na zona do Madeira-Mamoré, é um têrço mais barato do que

o

realizado por

estrada de ferro.

Entendo que

o crédito para

o desenvolvimento ou construção de

estradas de ferro, em Goiaz por

exemplo, deve ser aplicado em sub~

venções das linhas aéreas .

Nos nossos dias, o problema deve ser invertido — aumentar a

nossa frota de aviões de transporte e de carga, deixando as estradas

de ferro e de rodagem para

mais tarde. Só assim avançaremos ràpi-

damente e conquistaremos as riquezas do

"hinterland".

Não vejo

vantagem em contemplarmos o mapa do Brasil, com vasta extensão

territorial ainda por

explorar, apenas para dizer

que o Brasil é um dos

maiores países

do mundo.

v-r

Não há lugar para

turismo

O ministro João

Alberto faz uma pequena pausa

e depois

acrescenta-:

— Outro ponto

desejo frizar: tenho recebido uma série de

oferecimentos de pessoas que

desejam, naturalmente por

espírito de

O VALE DO XINGO 177

aventura, acompanhar o primeiro

escalão, mas, sinceramente, devo

lembrar que

não há lugar para

turismo. Quem for na expedição,

ficará. Não deve almejar levantar às 8 horas, fumar um bom cigarro

e regressar à capital quando

bem entender. No primeiro

escalão, só

haverá trabalho e sacrifícios. O seu principal

objetivo será atingir

o ponto

visado, custe o que

custar. Quem adoecer, por

exemplo,

será atendido pelos próprios

médicos da expedição. Assim, mesmo

por motivo de doença, ninguém regressará antes de finda a tarefa.

Por outro lado, a viagem será feita em carroças, tipo polonesa,

des-

montáveis, de modo que,

em certos pontos,

o próprio

iiomem car*-

regará a carroça às costas . • • Prefiro esse meio de condução, por-

que, assim, os expedicionários são obrigados a construir caminhos,

ponto de

partida para as futuras estradas.

Aviação e rádio

~ A aviação será utilizada para o reconhecimento da

posição

dos expedicionários, o que

acarretará economia de tempo, evitando,

por outro lado,

que êles se

percam ou enveredem

por caminhos sem

acesso ao objetivo visado ou que

apresentem dificuldades insupe-

ráveis. Nesses casos, a aviação indicará o rumo a seguir. Haverá

completo serviço de rádio, para

mais absoluta comunicação. Cada

dois dias será feito um reconhecimento aviatório, afim de determinar

a direção que

a expedição está tomando.

A partida,

da expedição?

Encerrando a sua exposição, o ministro João Alberto adiantou:

— Desejava fazer parte

dêste primeiro

escalão, mas infeliz-

mente os afazeres aqui no Rio me impedem. No entanto, um dos

meus irmãos dêle fará parte

e acredito que a caminhada será ini-

ciada a 15 de julho,

sob a chefia do tenente-coronel. Flaviano de

Matos Vanicfc, que

será assistido por homens experimentados e co-

nhecedores da região. Quanto ao perigo que

os índios -r os cha-

vantes por exemplo

^ possam

oferecer, nada devemos recear, porque

geralmente êles só atacam um ou outro explorador isolado, que

amedrontado pela sua

presença, atira, sacrificando a vida de um

dêles. A expedição, porém, marchará coesa e

procurará o convívio

dos índios. Aliás, o Serviço Nacional de Proteção aos Índios pres-

tar-nos-á sua colaboração por intermédio de um representante indi-

cado pelo general Cândido Rondon".

Como será organizada a expedição

E' a seguinte a portaria

assinada pelo

ministro João Alberto,

organizando a expedição Roncador Xingú:

"O

coordenador da Mobilização Econômica usando das atri-

buições que lhe confere o decreto-lei n. 4.750, de 28 de dezembro

p. 12

178 CULTURA POLÍTICA

de 1942, e devidamente autorizado pelo

excelentíssimo senhor Pre-

sidente da República, considerando a necessidade de criar vias

de comunicações com o Amazonas através do interior do país

:

Considerando a necessidade de explorar e povoar

o massiço

central do Brasil nas regiões cabeceiras do rio Xingú, atualmente

das mais desconhecidas da terra;

considerando que

esta exploração constitue um passo

decisivo

para a realização do

programa do

govêrno, sintetizado na Marcha

para o Oéste, resolve :

— Organizar a Expedição Roncador~Xingú com os seguintes

objetivos :

a) partindo

da cidade de Leopoldina, sôbre o rio Araguaia,

em Goiaz, seguir na direção geral

do Noroéste rumo a Santarém,

sôbre o Amazonas; 6) procurar

o ponto

mais favorável sôbre o

rio das Mortes e fundar um estabelecimento de colonização; c)

continuar a marcha galgando

a Serra do Roncador e fundar no ponto

mais conveinete, que

ofereça condições de clima, terras próprias para

agricultura e facilidades para

estabelecimento de um campo de

aviação, um núcleo de civilização que

servirá de ponto

de apoio

para o

prosseguimento da expedição e exploração de território;

d) invernar nesse local preparando o campo de aviação e iniciando

trabalhos agrícolas e de construção.

II Um segundo escalão da expedição deverá partir

de Leo~

poldina, logo

que seja atingido o objetivo na Serra do Roncador,

com os elementos necessários para

melhorar os caminhos e fixar,

no mínimo, 200 (duzentas)

famílias por

ano.

III *-* Serão reguladas com o Govêrno de Mato Grosso as

condições da colonização e policiamento

da região.

IV — O chefe da expedição deverá apresentar dentro de 8

(oito) dias a organização da mesma, bem como a lista do material

necessário.

Resoluções posteriores

regularão os detalhes no decorrer

dos trabalhos da expedição".

i

A política financeira

da guerra

A

política financeira de guerra,

condicionando-se anteriormente

ao abastecimento de armas e munições aos exércitos, cada vez

mais se torna complexa, porquanto há

que atender-se à estru^

turação econômica e ao preparo

de tôda a vida de uma nação, ao es-

fôrço bélico total. Já se vai tornando distante o tempo em

que a

guer-

ra era um estado natural dos povos, que, como lembra Nitti, a orga-

nizavam de tal modo que,

durante a Idade Média e em períodos

mais

antigos, os camponeses semeavam seus campos, faziam no intervalo

a guerra e voltavam para

a colheita, O Brasil, ingressando nesta se-

gunda grande conflagração no intuito de firmar ao lado de seus alia-

dos o direito de a humanidade viver em liberdade e de acôrdo com

os seus legítimos ideais, como foi estabelecido na carta do Atlântico,

assumiu responsabilidade de imprevisível extensão •

Razões e vantagens da emissão dos bônus

Recursos suscetíveis de utilização

Um dos problemas elementares que

temos de resolver se: cons-

titue no sentido da cria?ao de politica financeira que

faci1 e

nacao seu aparelhamento para a

guerra. fisses recursos podenam

decorrer de diferentes fontes, nao obstante fdsse, como demonstra^

remos pernicioso e desaconselh&vel

apelar para as mesmas. Ten

sido possivel aumentar a circula^ao fiduciaria em c€rca de e

disporia a Uniao de importftneia aproximada da

que adviria da co-

locacao dos bonus de

guerra. Tambfcn sena dado ao.Gov.srnoam-

pliar a arrecadaqao atravfes do lan^amento de novas tnbut^5c®' °"

aaravacao das vigentes. Finalmente havena o recurso de amplxagao

das emissoes de ap6lices, intensificando sua coloca?ao no mercado,

S£ pot lntermidio da veada tm bolsa como

no sentido de pagamentos a ser reahzados pelo

Governo. Todos

recursos valeriam porem como profunda

subversao h nossa

não somente por intermeaio

<

no sentido de pagamentos a

êstes recursos valeriam poré

vida econômico-financeira •

180CULTURA POLÍTICA

Assim verificamos que a circulação

fidudária. superior a oito

bilh6es de cruzeiros, representando-se atualmente em cerca de 30 y

sôbre as reservas de ouro. já atingiu um ponto que

se pode consi-

derar de limite racional, só devendo portanto ampliar-se no moment

cm que

as reservas ouro avultem proporcionalmente.

Quanto à criação de novos impostos ou a agravíiçao dos exis-

tentes, não há como discutir-se que a nossa capacidade tributaria al-

cançou desenvolvimento em relação ao modesto nível

__

povo brasileiro, porquanto a soma das tributações da União, esta-

duais e municipais ultrapassa nove bilhões de cruzeiros. Pelo >que s

evidencia que estaria em desacôrdo com os moldes de

prudência do

nosso Govêrno incentivar a tributação desmedidamente para o ti-

nanciamento da guerra.

Finalmente, no concernente às apólices, representando estas,

função das mais eficazes no sentido de substituição dos empres-

timos externos pelo crédito interno, ampliado consoante as ne-

cessidades do mercado, tanto assim que estão obtendo elas cota-

ções muito elevadas nos mercados de títulos, não comportam au~

mentos descompassados nas suas emissões •

Verificamos dêste modo que

de qualquer

dessas fórmulas a ser

utilizadas, no sentido de solução do financiamento de guerra,

decor-

reriam sérios inconvenientes e transtornos para a vida nacional. Uai

o caráter imprecindível da criação de um plano de financiamento

suscetível de atender a esta imperiosa emergência do momefito na-

cional. Daí a idéia da emissão de bônus de guerra, ja

adotada em

outras nações, mas que

será realizada dentro de novos moldes em

nosso país.

Capacidade de absorção do mercado

Os bônus de guerra,

em emissão prevista de três bilhões de cru-

zeiros, representam, sem dúvida, a mais importante operação finan-

ceira que até agora fizemos. As emissões de apólices e

papel moeda

sempre se fizeram em nosso país em estalão inferior a seiscentos

milhões de cruzeiros. Todavia as apólices do Reajustamento, nao

obstante tenham sido colocadas no mercado por etapas, alcançaram

importância excedente'a um bilhão de cruzeiros e se firmaram de tal

-

forma no mercado que hoje suas cotações se elevam a mais de 20 Vo

sôbre o valor pelo qual

eram cotadas de início. Simultâneamente

se verifica que todos os títulos federais alcançam no momento co-

tações superiores ao nível médio de cotação registado^ nêstes úl-

timos vinte anos. Também as apólices estaduais estão obtendo

alta cotação, alcançando alguns dêstes títulos valor excedente ao

nominal, tal como acontece também em relação a vários títulos

federais, como os ferroviários e as obrigações do tesouro.

A POLÍTICA FINANCEIRA DA GUERRA 181

Assistimos desta forma a uma evidente demonstração da con^

fiança que

o povo

brasileiro deposita no seu Governo. E o que

advém mais significativo é que

estas elevadas cotações coincidem

com acolaboração nos mercados dos títulos da emissão de bônus

de guerra.

Acontece todavia que

esta valorização das apólices fe-

derais se verifica não obstante os juros pagos pela

União sobre a

maioria de suas apólices, como as do tipo Uniformizadas e Diversas

Emissões, se limitarem a 5 %, quando os

juros correspondentes

aos bônus se elevam a 6 %. Não há como negar assim que

os bônus

de guerra,

oferecendo melhor juro,

serão colocados, como já

estão

sendo, sem prejuízo

da circulação de outros títulos, conforme sopra-

vam os arautôs do quinta-colunismo.

A proporcionalidade

na contribuição

O plano

de colocação de bônus de guerra

alcança indistinta-

mente tôdas as esferas sociais e tôdas as gradações

de atividade,

guardando sempre o

princípio da

proporcionalidade. Mais de um

têrço desta renda será de início arrecadado tendo por base a última

cobrança do imposto sôbre renda. Esta contribuição serã assim pres-

tada por quem

obtiver lucros líquidos superiores a doze contos

anuais, ou seja o limite mínimo do imposto sôbre a renda. Será

assim a parte

do imposto a ser pago pelas pessoas de mais elevado

padrão de vida. Mas todos os demais brasileiros, sejam funcionários

ou trabalhadores de tôdas as categorias, concorrerão ao grande

em-

préstimo nacional e receberão os bônus, que

serão assim incorporados

equitativamente ao patrimônio

de quase

tôdas as famílias brasileiras.

Aplicação dos bônus

Os bônus servirão para articular e mobilizar o

potencial estra-

tégico da nação, quer

o militar, quer o econômico. Com o

produto

dêstes títulos o Brasil equipará suas forças armadas, aperfeiçoando

sua máquina de guerra

e colocando-a ao nível de eficiência bélica

de outras grandes nações. Também serão largamente aproveitados

para desenvolvimento da estratégia econômica do

pais. A ligaçao

entre o Norte e o Sul do Brasil, através do prolongamento

da Cen-

trai e da Este Brasileira, permitindo a intercomunicação destas duas

ferrovias, solucionará um problema

secular do país.

Desta forma

esta ferrovia do maior valor militar e econômico poderá ser eh-

cientemente financiada e a sua valorização demarcará novos rumos

à vida do interior do Brasil. Igualmente contribuirá para a vitória

na batalha da borracha, artigo que

o Brasil tende a produzir

em

redobrada quantidade, suprindo os nossos aliados de uma matéria

prima necessária, em substituição aos mercados da Malásia, de

Java

e da Birmânia. Os bônus de guerra

valerão assim como elemento

preponderante para que o esfôrço de

guerra do Brasil se desenvolva

e aplique, tornando o concurso do país de

grande valor para

a

vitória final das nações dêste hemisfério.

/I nacionalização da maior empresa

de

transportes aéreos da Ãmerica

do >SuL

O

BRASIL ocupa, no momento, lugar de destaque na relaçao dos

dez países que possuem redes aéreas comerciais do mundo, cm

matéria de aviação, a despeito de o Brasil ser uma patria de

aviadores, vivemos muitos anos relegados a um plano

de absoluta ín-

ferioridade. Bem poucos

acreditavam na profecia

de Foch:

A quinta

arma de hoje será a primeira

de amanhã

Basta olhar as cifras para sentirmos aquela triste realidade.

Que tínhamos em matéria de aviação ? Que quantidade de

pi-

lotos nacionais sobrevoavam o território brasileiro ? De que preparo

técnico dispunham os nossos abnegados pilotos .

^

A fama do Brasil, no que

diz respeito à aviação, no estrangeiro,

era unicamente por ser berço de Bartolomeu Gusmão e Santos

Dumont ... . - x i

O Presidente Getúlio Vargas resolveu fazer uma aviaçao a ai-

tura do Brasil. Uma potência aeronáutica essencialmente

brasileira.

O presente artigo focaliza a nacionalização

da maior emprêsa

de transportes aéreos da América do Sul. companhia que dispõe

de uma frota de 22 aparelhos, em sua maioria possantes tnmotores,

que são conduzidos aos mais longínquos recantos do

pais por tn-

pulações genuinamente brasileiras. Brasileiros sao também todos os

seus dirigentes, muitos dêles oficiais superiores da F. A. B. Brasi-

leiros são ainda seus técnicos, seus operários e pessoal de escritório.

Nacionalizando a aviação

O trabalho de nacionalização das companhias de navegação

aérea em nosso país não é matéria nova. Ja

em 1939 fora p

o exercício da profissão

de pilôto

aos estrangeiros,

não. Até então, sob a fiscalização do Departamento da Aeronautica

TRANSPORTES AÉREOS DA AMÉRICA DO SUL 183

Civil, aviadores de outras pátrias podiam

sobrevoar o território na-

cional assistidos por

um funcionário do Governo Federal. A mèdida

de proibição,

entretanto, não causou nenhum transtôrno às compa-

nhias de navegação aérea, cujos principais pilotos,

em sua quase

totalidade, eram brasileiros, e em grande

maioria aviadores retira-

dos das forças armadas do país. Aliás, um dos fatores da acelerada

nacionalização dos nossos pilotos

foi, sem dúvida alguma, o C. A. M.,

a mais perfeita

organização no gênero,

fundada pelo

brigadeiro Edu-

ardo Gomes. Do C. A. M. sairam centenas de pilotos aéreos

para

os quadros

da Panair, N. A. B., Cruzeiro do Sul, a última delas ins-

talada em nosso pais

com capitais estrangeiros e brasileiros, sendo o

grupo nacional representado pelo

conde Ernesto Pereira Carneiro.

Os primeiros

decretos

O primeiro

decreto que

autorizou a Cruzeiro do Sul, então Sin-

dicato Condor Ltda., a funcionar foi o de número 18.075, de 20

de janeiro

de 1928; mais tarde, em 29 de agosto de 1930, pelo

de-

creto n. 19.331, lhe foi outorgado o direito de estender as suas linhas

até países

estrangeiros, entre êles a Argentina e o Chile» Em 19

de agosto de 1941, pelo

decreto n. 3.523, foi ordenada a mudança

de sua denominação para Serviços Aéreos Condor Limitada, em vir-

tude de ser considerada a palavra

sindicato privativa das associações

profissionais de

primeiro grau. Finalmente, em 16 de

janeiro de 1943,

pelo decreto-lei n. 5.197, foi reconhecida sua nova denominação de

Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda«, adotada após a sua nacio-

nalização cem por

cento, ficando-lhe assegurados todos os direitos

outorgados pelos decretos anteriores ao Sindicato Condor e Ser-

viço Aéreo Condor. A encampação, pelo

Govêrno Federal, da

dívida da Cruzeiro do Sul para

com a Lufthansa foi feita em res-

sarcimento dos prejuízos causados pelas

forças navais do Eixo

contra a nossa navegação maritima, entregue a um tráfego pura-

mente comercial. -

"Nacionalização

acelerada

E' bom relembrar como nasceu a idéia do plano

de nacionali-

zação da maior emprêsa de transportes aéreos da América do

Sul. Deixemos falar os seus dirigentes, numa proclamação

dirigida

à Nação :

"Em

novembro de 1941, antes, portanto, que a

guerra hou-

vesse chegado às «terras americanas, foi que

se verificou a neces-

sidade de adotar um plano

de nacionalização acelerado, dentro

das normas nacionais que permitissem alcançar os objetivos de

mobilização das forças econômicas do país, sem

quebra do ritmo

do progresso e sem afetar a indispensável segurança que,

no trans-

porte aéreo, é a

pedra angular de tôda a oiganizaçao. A idéia

do plano

nasceu nos céus do Brasil, a bordo do maior aviao co-

184 CULTURA POLÍTICA

mercial da frota sul-americana. Voava para o Chile, em missão de

boa vizinhança, o chanceler Osvaldo Aranha e sua çomitiva. Um

brasileiro, que era o consultor da Condor, Jose

Bento Ribeiro

Dantas, expunha ao interventor Amaral Peixoto e ao diretor do

Bancp do Brasil, major Roberto Carneiro de Mendonça, as pos-

sibilidades e bs meios de se tornar 100% brasileira a maior com-

panhia de transportes aéreos deste continente.

Vendo o apoio

dêstes eminentes brasileiros e escudado no entusiasmo do chan-

celer Osvaldo Aranha, do ministro Salgado Filho, e do brigadeiro

Eduardo Gomes, os quotistas

brasileiros da Condor apresentaram ao

Chefe da Nação, em dezembro de 1941, o plano que,

sob o patrocínio

do Chefe do Estado Nacional, foi religiosamente .cumprido. Este

pia-

no foi realizado racionalmente, sem intervenções violentas, com a as-

sistência e a esplêndida colaboração de pessoa indicada

pelo Gover-

no, para

acompanhar a obra idealizada.

Hoje, só brasileiros natos são acionistas da Cruzeiro do Sul.

A muitos parecia estranho que

uma emprêsa de reputação fir-

mada há 15 anos, dentro e fora das fronteiras do pais,

mudasse a

sua denominação social. A razão é, entretanto, de ordem psicolõ-

gica.

"Cruzeiro

do Sul", nome escolhido para substituir Condor ,

é denominação bem nossa, indica a bela constelação que

ilumina os

céus em que voarão os aviões da emprêsa, aviões da terra de banta

Cruz. Ademais, a idéia encerra um grande

simbolismo. As quatro

es-

trêlas do Cruzeiro serão para nós as imagens das

grandes figuras que

nos iluminaram na tarefa de reorganização da emprêsa: Getúlio

Vargas, Osvaldo Aranha, Salgado Filho e Eduardo Gomes.

Neste particular, é necessário ressaltar o interêsse e a es-

plêndida colaboração que

a Cruzeiro do Sul recebeu do embai-

xador Jefferson Caffery, que,

bem compreendendo o quanto

re-

presenta para a aeronáutica mercante brasileira uma organização

como a Cruzeiro do Sul, muito se empenhou por que fôsse reconhe-

cido o elevado grau

de brasilidade que inspira o esforço da mobili-

zação econômica pela vitória,

que vem sendo realizado

por todos os

brasileiros que trabalham na emprêsa". Assim se expressou Bento

Ribeiro Dantas, que

exerce a presidência da importante organização.

Totalmente nacionalizada

São de ontem os brutais e traiçoeiros atentados dos subma-

rinos do Eixo contra o Brasil, arrastando à morte centenas de bra-

sileiros, inclusive senhoras e crianças. Em agosto de 1942, quando

o Brasil aceitou o estado de guerra

imposto por atos de covardia

do Eixo, a Cruzeiro do Sul, já

considerada a maior emprêsa de

navegação aérea comercial da América, estava totalmente naciona-

lizada pelo

Presidente Getúlio Vargas, tendo como superintendente

o antigo tenente-coronel aviador José Cândido da Silva Muricí •

TRANSPORTES AÉREOS DA AMÉRICA DO SUL 185

Em todo o seu vasto quadro

de funcionalismo, a nacionalização

estava completa. Elementos brasileiros da maior capacidade técnica

oriundos da F. A. B., graças

ao apôio decidido do ministro Salgado

Filho, em paralelo

com técnicos e administradores civis que

vinham

há anos colaborando na emprêsa, haviam substituído os profis-

sionais estrangeiros, sem quebra

da eficiência e nenhuma alteração

provocando na regularidade e segurança dos serviços,

qualidades que

foram sempre a preocupação primordial da

grande organização.

Linhas de penetração

Um brasileiro, descendente de respeitável e tradicional família

' militar, está na

presidência da Cruzeiro do Sul. E'

José Bento Ribeiro

Dantas, que

vem de chegar dos Estados Unidos, onde foi adquirir

aviões americanos para

o seu emprêgo imediato nas linhas da com~

panhia. Atualmente, a Cruzeiro do Sul possue

as seguintes linhas

de penetração: Parnaíba-Belém, via Floriano, servindo às ci-

dades de Pôrto Alegre, Repartição, João Pessoa, Teresina, Amarante

e Nova York, no Piauí; Urussuí, Carolina e Imperatriz, no Mara-

nhão; Marabá, Alcobaça, Baião, Cametá, Abaeté e Belém, no Pará;

Fortaleza-São Luiz, via Campos Sales, escalando por Acaraú, So-

bral, São Benedito, Ipú, Santa Quitéria, Crateús, Tauá, Saboeiro e

Campos Sales, no Ceará, e Jaicós,

Picos, Oeiras, Floriano, Regene-

ração, São Pedro e Teresina, no Piauí, e, finalmente, São Luiz; São

Luiz~Balsas, com escalas em Itapicurú, Coroatá, Caxias, Picos, Loreto,

Balsas, Grajaú, Barra da Corda, Pedreiras, Bacabal, Ararí, Viana;

São Luiz-Carutapera, servindo às cidades de Guimarães, Cururupu,

Turiassú, Carutapera, Pinheiro, São Bento, Cajapió e São Luiz; Pôrto

Velho^Rio Branco, servindo às cidades acreanas de Labréia, Boca

do Acre, Rio Branco e Xapuri. Recentemente foi restabelecida a

linha Mato Grosso-Acre, que servirá entre outras longínquas cf-

dades, a de Guajará-Mirim, Pôrto Velho, Rio Branco e tôdas as

localidades do Território do Acre até Cruzeiro do Sul.

Ninguém desconhece o que

representa no papel

de unidade

nacional uma linha de penetração.

Cidades ainda não servidas de

boas estradas de ferro e outras desconhecendo mesmo o rudimentar

transporte rodoviário, em pleno

hinterland estão hoje ligadas à Ca-

pitai Federal

pela aviação comercial e militar. E' conveniente sa-

lientar que as linhas de

penetração de tôdas as companhias brasi-

leiras de navegação aérea são subvencionadas pelo Governo Federal,

que desta maneira ajuda financeiramente a aviação comercial em

nosso país. Não fôsse a subvenção do Estado Nacional e não te-

ríamos as linhas que

ligam os sertões ao litoral.

Normalmente, doze aviões da Cruzeiro do Sul trafegam sema-

nalmente, cobrindo uma rede de 20.949 quilômetros, inclusive a

linha internacional Rio-Buenos Aires, que

é feita com quadrimotores

186 CULTURA POLÍTICA

que desenvolvem 330

quilômetros por hora. Entre o seu

pessoal de

vôo» figuram alguns

"milionários

do ar" e até mesmo um

"bimilio-

nário", que

é o rádio-telegrafista Auderico Silveira dos Santos. Em

1928, quando

foi fundada a Companhia, a sua rede era apenas de

1,415 km. Hoje, com a assistência dispensada pelo Presidente Getú-

lio Vargas, houve um acréscimo de mais 18.000 quilômetros, que

servem a 118 cidades, desde o ^Rio

Grande do Sul ao Território do

Acre, inclusive localidades às margens do Tocantins, Parnaíba, Pa-

raguai e outros rios. 1.500 brasileiros natos trabalham na Cruzeiro

do Sul. São aviadores, técnicos, operários e pessoal

de escritório, o

que induz a supor

que pelo menos mil famílias dependem do funcio-

namento da companhia.

Pelos dados estatísticos, até 31 de dezembro de 1942, a empresa

transportou 148.536 passageiros,

voou 19.491.733 quilômetros,

num

total de 98.521,32 horas de vôo; bagagem transportada, 2.525.207

quilogramos; correspondência, 505.986 kg; encomendas, 717.206 kg.

Os americanos vendem aviões

Para o desenvolvimento da nova fase da companhia nacionali-

zada pelo

Presidente Getúlio Vargas, muito teem contribuído as

nossas altas autoridades. E só assim foi possível

a colaboração das

fábricas norte-americanas. A emprêsa, que

tem 22 aparelhos, desde

o monomotor. empregado nas linhas do Acre, aos gigantescos quadri-

motores da linha internacional, vem de comprar na América do

Norte quatro

aviões Douglas D C 3, com capacidade para

trans-

portar 21

passageiros, com todo conforto e absoluta segurança.

Este detalhe revela perfeitamente

o espirito de colaboração exis-

tente entre os norte-americanos e brasileiros, empenhados no cres-

cente desenvolvimento da aviação comercial do Continente.

A campanha da borracha ,

COMPREENDENDO

que somente um ato de natureza especia-

líssima será capaz de elevar, em escala efetivamente útil, a

produção de borracha brasileira, o presidente

Getúlio Vargas

designou o mês de junho,

como sendo o Mês Nacional da Borracha ,

Er objetivo do Chefe do Govêrno fazer com que

todos os brasi-

leiros se interessem por

êste momentoso problema

e tomem parte

na

exploração da preciosa

matéria prima,

onde quer que

ela se encontre

no território nacional, sob a forma de

44látex"

de seringueira, mu-

rupita, maniçoba, mangabeira, ou outra.

Em incisivo manifesto aos brasileiros, o Presidente Vargas

lembra a nossa responsabilidade perante os nossos aliados, acen-

tuando que, antes de atingirmos todos os objetivos, temos a tarefa

urgente de ganhar

a batalha da produção,

e em especial de ganhar

a batalha da borracha, produto dos mais necessários ao apressamento

da vitória»

Afim de fazer chegar mais eficazmente a sua palavra aos dis-

tantes recantos em que

milhões de exemplares nativos de diversas

espécieis de borracha levantam a sua copa, o Chefe do Governo di~

rigiu-se, também, em circular, a todos os prefeitos

do interior, convi-

dando~os a contribuir praticamente para o completo êxito do Mês

Nacional da Borracha" e enviando-lhes o plano segundo o

qual a

campanha será orientada.

O manifesto do Presidente Vargas

E' o seguinte o manifesto dirigido pelo Chefe da Nação ao

po-

vo brasileiro sôbre o mês da borracha:

44

Brasileiros :

Fiéis à política

continental, que sempre norteou as nossas ativi-

dades no Govêrno, assumimos, diante da América e do Mundo, uma

posição clara e definida, deixando à disposição de nossos aliados

todos os recursos que a Natureza nos

prodigalizou.

188 CULTURA POLÍTICA

Mais do que

isso, porém,

estamos agora unindo nossas armas

às de nossos irmãos, em nome da honra nacional e na defesa dêsse

patrimônio que representa a nossa forma de viver.

Com ânimo forte e cheios de inabalável fé em nossos gloriosos

deçtinos, o Brasil, respeitador e amante da liberdade, enfrentou a

luta que

lhe impôs um adversário impiedoso e cruel.

*

Juntamente com nossos aliados, vamos levar as as nossas forças

à vitória final. Mas antes de atingirmos todos os objetivos, uma

tarefa urgente nos aguarda : temos de ganhar

a batalha da pro-

dução.

Brasileiros : com a mesma clareza com que

me habituei a falar*

vos, venho, hoje, dirigir^me a vós para

solicitar a vossa cooperação

leal e decidida em pról

de uma campanha, que

hoje se inaugura: a

campanha da borracha.

Sabeis quão gigantesco

é o desgaste de material na presente

guerra. E entre essas matérias algumas merecem o nosso especial

cuidado pela

sua urgente necessidade. Êsse é o caso da borracha,

que entra em

quase todos os equipamentos bélicos, em volumosas

quantidades. Podeis imaginar o

que é êsse consumo, lembrando-vos

de que

somente um bombardeiro pesado

consome nada menos de

826 quilos

de borracha.

As armas aliadas precisam

de mais borracha, dessa borracha que

existe, não só no extenso vale amazônico, mas em Mato Grosso,

nesse rumo a Oeste, e em vários pontos

do território nacional, tanto

nas seringueiras como nas maniçobas e mangabeiras. A seiva, que

corre nos troncos dessas árvores, é agora necessária para

apressar

a nossa vitória.

Extraí borracha onde puderdes,

de acordo com os planos que

estão, hoje, sendo lançados, através de todos os municípios brasi-

leiros, com a colaboração sincera dos vossos prefeitos.

A solidariedade dos vossos sentimentos me dá a certeza prévia

da vitória desta campanha, que

nos dará

"mais

borracha para

a

vitória".

Inauguro, pois,

solenemente, o

"Mês

Nacional da Borracha",

a que

ficarão consagrados êstes dias de junho,

nos quais

ides au~

mentar poderosamente

o nosso esfõrço de produção".

A circular aos prefeitos

Está redigida nos seguintes têrmos a circular dirigida pelo

Pre~

sidente Getúlio Vargas aos prefeitos:

"Dentro

do espírito de mútua colaboração com que

se resolvem

todos os problemas

do govêrno,

venho, pessoalmente,

concitar~vos a

A CAMPANHA DA BORRACHA 189

dar todo o vosso entusiasmo» em prol

de uma obra de decisiva in~

fluência sôbre a presente guerra.

Povo pacífico,

fomos» entretanto» arrastados a esta luta san~

grenta pela audácia de nossos inimigos na defesa de nossa honra e

de nossa liberdade. Dessa forma a nossa contribuição aos aliados é

total. Devemos provêr-nos

a nós mesmos do material indispensável

à vitória final. E tanto quanto precisamos

do cristal de rocha, mica

e outras matérias primas,

temos necessidade urgente, inadiável» de

borracha •

A borracha existe em nossa terra, em uma reserva astronômica.

Falta, apenas, extraí-la, transformá-la, industrializá-la. Nossa missão

é colher esta seiva, o

"látex",

que corre nos troncos da hevea bra-

siíiensis, da maniçoba, da mangabeira, espalhados, por

vários pontos

de* nosso fértil solo.

Em minha viagem ao rio Amazonas, em outubro de 1940, tive

ocasião de apontar aos brasileiros o problema

nacional da borracha,

que era, nesta data, apenas o de industrialização. Sugeri, então, que

com o deslocamento de nossas indústrias para

as proximidades

dos

centros de matérias primas, em breve a produção

não bastaria para as

fábricas já

instaladas entre nós ou em via de instalação. Hoje, o

problema se apresenta incomparàvelmente mais

grave. Não mais

se trata de uma industrialização para as nossas necessidades paci-

ficas, mas de produzir para

o consumo gigantesco de uma

guerra

mundial. E' o problema

nosso e de nossos aliados, aos quais

de^

vemos fornecer a borracha, sôbre a qual

rodarão as armas vitoriosas

da liberdade. Requerem-se medidas extraordinárias, para as

quais,

mais uma vez, conto com,o espírito de compreensão de todos os

brasileiros. Ides, pois.

Sr. prefeito,

mobilizar vossos concidadaos

para esta

grande campanha da borracha. Eis

por que resolvi prO"

clamar o próximo

mês de junho

o Mês Nacional da Borracha ,

como marco inicial de uma vitoriosa campanha que durará até

que

atinjamos os nossos derradeiros objetivos.

Convido-vos a contribuir, pràticamente, para o completo êxito do

"Mês

Nacional da Borracha", a que

se dedicará todo o mes de junho

próximo.

Junto a esta segue o

plano, segundo o

qual será orientada^ es a

campanha e através de cuja leitura vos convencereis da importancia

de vossa colaboração. A campanha conclama todos os brasileiros

disponíveis a extraírem o

"látex",

onde se encontrar, por métodos

técnicos e racionais. A vossa operosidade sabera acrescentar outras

iniciativas de valor, tendentes, tôdas, à consecução deste umco hm:

"mais

borracha". Crêde que,

ao trabalhardes, juntamente com vossos

municípes. estareis não só acelerando a marcha de nossa vitória, mas

realizando obra civilizadora. de fixação do homem brasileiro ao seu

solo Repito o que já

afirmei, uma vez:

"vemos

abrir-se, agora, â

190 CULTURA POLÍTICA

exploração sistemática um

"hinterland"

dos mais férteis e promissores,

apenas desbravado e onde deverão expandir-se a energia, a perseve-

rança c o trabalho de numerosas gerações". Extrair, agora, a nossa

borracha, é um imperativo do presente

e um compromisso com o

futuro. (a.) Getúlio Vargas".

Apêlo ao povo

Iniciando a campanha pela intensificação da produção

da borra-

cha, o tenente coronel Antônio José

Coelho dos Reis, diretor-geral do

Departamento de Imprensa e Propaganda, leu, no dia 31 de maio úl-

timo, na

"Hora

do Brasil" o seguinte apêlo do Presidente Getúlio

Vargas, ao povo:

"Brasileiros/ — Há apenas um mês, tive ocasião de vos falar,

nas comemorações de 1.° de maio. Afirmei então que

o trabalhador

brasileiro nunca me decepcionou, e vos concitei a produzir

mais e

melhor. Volto hoje a vos alertar, para que

dediqueis tôdas as ener-

gias à batalha da

produção e

quero solicitar-vos o interêsse

para um

problema específico e urgente: precisamos,

nós, e nossos aliados, de

mais borracha !

Não ignorais quão gigantesco

é o consumo de certos materiais

nesta guerra universal, salientando-se a borracha, pelo

desgaste e di-

versidade de emprêgo. Pode-se afirmar que

sôbre borracha caminha

a guerra

moderna. Mas não só as rodas exigem a goma

elástica;

inúmeros outros equipamentos a reclamam em quantidades

enormes.

Para fazerdes idéia da sua importância, lembrai-vos, por

uns instan-

tes, dos diferentes e extensos cenários nos quais

se ferem as sangren-

tas lutas pela

vitória dos povos

livres, tendo presente que

cada carro

de assalto requer mais de tonelada e meia de borracha, e cada bom-

bardeiro pesado quase uma tonelada.

A resposta a tão formidável consumo é produzir, produzir

sem

repouso, colhendo o

"látex"

abundante das seringueiras do vale

amazônico, das maniçobas e mangabeiras espalhadas por

diversos

pontos do território nacional. Essa é uma das nossas tarefas

para

assegurar a vitória dos povos que pelejam

nas várias frentes através

do mundo.

Nas guerras

modernas a mobilização é total. Nelas não tomam

parte sòmente os exércitos. A nação inteira é chamada às armas, de

uma ou.de outra forma. Homens e mulheres, velhos e crianças, cada

um tem o seu campo de ação. A vós, sertanejos do Norte, do Centro

ou do Sul, rudes desbravadores, valentes, cabe, na batalha da pro-

dução, o setor da borracha, um dos mais importantes do nosso esforço

de guerra

da nossa contribuição para a vitória.

A CAMPANHA DA BORRACHA 191

As fêrças brasileiras combatem no ar e no mar e irão combater

em terras longínquas, se (ôr necessário. Mas os seringueiros, nas pia-

níceis amazônicas e nos sertões matogrossenses, já

tomaram posição

na luta, e nela permanecerão,

se o seu trabalho fôr útil. Estou certo

que sabereis defender sem desfalecimentos a trincheira

que vos fôr

confiada, extraindo das ricas florestas do Brasil tôda a borracha que

puderdes.

A minha reconhecida simpatia por

vôs, trabalhadores, o empe-

nho do meu govêrno

em assegurar-vos melhores condições de vida,

dão-me o direito de vos dirigir êste apêlo, seguro dos resultados, pois

conheço o vosso valor e a vossa tenacidade, quando

se trata de

servir e engrandecer a Pátria."

A indústria do papel

no Brasil

ATUALMENTE

a (ase da nossa formação industrial apresenta

quatro aspectos da maior importância»

que são

garantias para

levarmos a bom têrmo a tarefa de uma indústria nacional bem

estabelecida: 1.° a organização da produção

siderúrgica em grande

escala; 2.° a formação da indústria pesada

e da fabricação de máquinas;

3.° a maior diversificação da produção

industrial; 4.° o aumento em

volume e valor da produção

industrial e manufatureira em geral.

Êstes fatos são íncontestados e provados por

tôdas as estatísticas.

Já possuíamos regular

produção siderúrgica com fornos funcionando

com carvão vegetal e com crescimento constante; com a Usina de

Volta Redonda entraremos em pouco

tempo na fase da grande pro~

dução siderúrgica com carvão mineral e coque nacionais; as outras

emprêsas particulares

também estão em via de modificação de seus

sistemas de produção.

A indústria da fabricação de máquinas está

em franco crescimento; cada dia bons tipos de máquinas, de fa-

bricação nacional, com metal nacional, entram no mercado; a guerra

nos permitiu obter muitos técnicos emigrados e refugiados

que se estão

dedicando ao melhoramento das nossas fábricas; a Fábrica Nacional

de Motores será em breve um passo

decisivo neste setor; estamos pro~

duzindo, também, máquinas para

diversos usos, para

fábricas e, ma-

nufaturas, máquinas agrícolas, e ainda as de usos domésticos e de es-

critérios. Dia a dia recebemos para

nosso consumo interno novos ar-

tigos de produção

nacional, que

antes eram importados, aumentando

a diversificação da nossa produção

industrial; o setor de materiais e

aparelhos elétricos talvez seja aquêle, entre outros, onde se faz mais

intensa a diversificação.

O aumento, em valor e volume, da produção

industrial na-

cional para

atender ao mercado interno, privado dos fornecimentos

europeus, em conseqüência da guerra,

contando com a produção

industrial estadunidense, mais cara e prejudicada nos transportes

pela guerra submarina, se faz cada dia mais intenso; no Brasil

atualmente as indústrias de todos os gêneros

estão ganhando

di-

nheiro e aumentando a produção;

a nossa exportação de produtos

industriais para

o continente sul-americano e outras partes

está

A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 193

aumentando também, a ponto

de compensar o que perdemos

na

Europa, nestes anos de guerra,

como mercado de matérias primas,

produtos vegetais, animais e de indústria extrativa.

Por outro lado, observamos todo um conjunto de atividades e

empreendimentos de vulto, realizados para

dar maior base e se-

gurança ao nosso atual desenvolvimento industrial, as

garantias de

matérias primas,

máquinas, créditos, combustíveis, transportes, téc-

nicos, etc. A batalha do combustível continua para nós de máximo

interêsse. Em dez anos aumentamos a produção

de carvão mineral de

cinco vezes, isto é, de pouco menos de 300 mil toneladas

para pouco

menos de dois milhões de toneladas, ou dois têrços do nosso consumo;

é uma grande

economia, além de notável esforço de organização

para firmar tudo o

que exige a

produção da hulha; teremos o nosso

coque, produzido com carvão nacional,

para a Usina de Volta Re-

donda; um grande

triunfo. Continuamos a pesquisar petróleo,

e já

contamos com uma pequena produção na Baía; o

gasogênio vem

pres-

tando um grande

auxílio ao transporte motorizado, provando

ser uma

bela vitória para

os tempos difíceis que

atravessamos; os combustí-

veis oleaginosos vegetais continuam com aplicação crescente; aumen-

ta a produção

de álcool motor. O nosso parque

de produção

de ener-

cia elétrica está-se ampliando com as maiores perspectivas. A Com-

panhia Vale do Rio Doce começa a realizar a extração de minério de

ferro em grande

escala, para

consumo dos nossos altos fornos e para

exportação. Aumenta a produção

de metais de grande

aplicação in~

dustrial, como estanho, chumbo, cobre, etc. Enfrentamos a solução

do problema

do alumínio com boas esperanças, e grandes

trabalhos e

empreendimentos estão em andamento para nos suprirmos de alumí-

nio nacional nos próximos anos; está aparecendo no mercado o esta-

nho nacional, e os industriais de produtos

de metais podem

avaliar o

que isto significa no momento; afinal, está provado que

temos enorme

quantidade de ótima cassiterita (minério

de estanho), de fácil extra-

ção è alto teor, e a

produção de estanho aumenta com as instalações

de numerosos fornos. O vidro plano

e a soda cáustica são outras vi-

tórias da nossa atividade industrial, protegida e estimulada

pelo Go-

» vêrno, com créditos e outras facilidades. Com mais dois anos. tudo

isto em andamento e conclusão, a nossa industria em geral, que

está

atingindo o algarismo de 15 bilhões de cruzeiros (em 1930 atingia

pouco mais de 2 bilhões), se elevará de modo extraordinário. Nada

nos poderá deter no avanço que

fazemos para

atingir um alto ponto

de qualificação e

quantidade industrial. O

que isto significa é fácil

compreender. j

Estamos ainda mordendo duramente o terreno na questão

aos

transportes; herdamos do passado

sistemas de transportes anacrô-

nicos, anárquicos, demasiado dispersos e desarticulados; mas a

produção siderúrgica, a fabricação de máquinas e motores, a

produção

de locomotivas, automóveis e aviões, o melhor aparelhamento da in-

F. 13

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-• Wl ' v.

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194 CULTURA POLÍTICA

dústria de construção naval, tudo isto em andamento promissor,

nos

farão arribar cm pouco

tempo, c poderemos

traçar rotas para

o

nosso transporte interno, com ritmos de progressão ascendente até

então desconhecidos.

Dentre dêsso conjunto admirável de crescimento industrial,,

quando marcamos uma etapa mais decisiva, depois daquela

que rea-

lizámos no campo da manufatura por

ocasião da guerra

de 14-18,

vamos destacar aqui e apreciar o nosso progresso

em uma indústria

que, para nós além de ser das mais importantes, tem as maiores

perspectivas de desenvolvimento. Trata-se da nossa indústria do

papel.

Formação da indústria do

papel no Brasil.

O papel

tornou-se, para

a existência dos povos

civilizados,

um elemento vital, como luz, água, calor, e com a particularidade

de depender dêle, como base material, a vida, a manifestação de pen-

samento civilizado, nos seus aspectos mais importantes. Do papel

dependem a ciência, a arte, a literatura, a palavra

escrita em geral,

de modo tal que,

hoje, não se pode

imaginar a existência dessas ati-

vidades civilizadas ou civilizadoras sem o papel.

Por isso, o problema

da produção

do seu papel

é para

o

Brasil da maior importância e urgência. O enriquecimento progres-

sivo do nosso parque

industrial, da nossa indústria pesada

e de

fabricação de máquinas permitirá,

em breve tempo, que

a nossa in-

dústria de papel vá superando as suas deficiências,

permitindo tam~

bém o desenvolvimento da indústria gráfica,

dando-lhe o suprimento

do bom papel

e das máquinas gráficas

de todos os tipos, condicio-

nando, outrossim, a formação mais completa do nosso já

importante

operariado gráfico

especializado.

E' de conhecimento geral quanto

antiga é na história da huma-

nidade a indústria de papel,

desde os tempos dos papiros

usados

pelos faraós no Egito, e desde os

processos mais

primitivos de fa->

bricação em diversas partes

do mundo em várias épocas. O maior

desenvolvimento, porém,

da indústria de papel

começou com a Re*

nascença, depois que,

no século XV, Gutenberg inventou a imprensa,

dando o grande

impulso jà

arte gráfica

moderna. Esta nova era

para o

papel foi logo seguida das descobertas, da expansão co-

mercial pondo

as partes

do mundo em contacto, e do comêço das

grandes invenções de máquinas

que precederam e

permitiram a

época da revolução industrial. Foi a Inglaterra que

começou a

explorar a indústria do papel,

sob os novos processos permitidos

pelas máquinas e

pelo valor. Logo a indústria nova se multiplicou

em diversars partes.

A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 195

O papel

veio para

o Brasil com a primeira caravela da des*

coberta, e foi sôbre êle que

Pêro Vaz Caminha escreveu a sua

carta dando à Europa ávida de expansão notícias das terras de

Santa-Cruz. No entanto, no Brasil a indústria de papel

é ainda

bastante nova, começando realmente no último quartel

do século

passado, sem desde então ter solução de continuidade, mas vindo

depois de indústrias como tecidos e até das artes gráficas, que pro*

duzíamos com material estrangeiro.

Podemos dizer que

a indústria do papel

só firmou sua existência

definitiva entre nós depois da guerra

de 1914-18, a qual

obrigou a

indústria nacional a um grande

esforço para

nos suprirmos desta

e outras utilidades, que

não podiam

continuar sendo fornecidas

pela Europa» ocupada com o conflito

guerreiro. Agora está~se re-

petindo o mesmo fato,

porém com muito maior significação, levan-

do-nos a dar um impulso mais vigoroso às produções

industriais,

como o papel

e muitas outras fundamentais. Felizmente, para

esta

tarefa, nos encontramos em melhores condições que

na guerra pas»

sada. Mas, mesmo antes de guerra

atual, a produção

brasileira de

papel vinha crescendo e aperfeiçoando-se, sob o impulso da

pro-

teção inteligente à indústria nacional, estimulada por

sua vez pelo

nosso crescente mercado interno.

Foi na Baía que, pela primeira

vez, se produziu papel

no Brasil,

segundo os historiadores mais autorizados; eram papéis

velinos è

de côres, usados mais para

flores artificiais. Depois houve um

pequeno fabrico em Pernambuco. Êstes

princípios morreram

por

não poderem

competir com o produto

estrangeiro, mais barato. De-

pois dêstes

princípios de indústria

papeleira, a

primeira fábrica insta-

lada no Brasil, sob moldes modernos, foi no Distrito Federal, nos úl-

timos anos do Império, estimulada por prêmio,

concedido pelo

impe-

rador D. Pedro II. Esta iniciativa gerou

outras, e, muitos anos de-

pois, em 1907,

já existiam no Brasil 17

pequenas fábricas de papel

e

papelão, com um capital

pouco acima de 5 mil contos, cêrca de 600

operários e uma produção

anual avaliada em 4 mil contos de réis

(quatro milhões de cruzeiros). Êste crescimento não teve interrup-

ção, e em 1920, o recenseamento geral

registava 17 fábricas de papel

existentes no Brasil, com um capital de 23 mil contos (23 milhões

de cruzeiros), mais de 1.600 operários e uma produção

anual estima-

da em quasi

27 mil contos (27 milhões de cruzeiros). Assim tinha

começado a nossa indústria papeleira,

continuando a existir, prospe-

rando sempre, até o desenvolvimento impulsionado pela guerra

de

1914-18; a nossa produção

de então não atendia sequer às necessida-

des de papelaria

comum e embalagem, e nada fornecia para

impres-

são e categorias de papéis

finos.

196 CULTURA POLÍTICA

f 9

9 9

»

Vamos encontrar nas estatísticas, em 1926, uma produção

na-

cional de 18.105 toneladas, sendo 1/3 dessa produção

no Distrito

Federal. O progresso

continuou na indústria papeleira, e temos, em

anos diferentes, logo em seguida, as cifras abaixo, em algarismos re-

dondos:

1929 33.000 toneladas

1931 36.000

1936 96.000

O valor da produção

acima citada para

1929 foi calculado

em mais de 71 milhões de cruzeiros.

A partir

de 1931 o Estado maior produtor

de papel passou

a ser São Paulo, que

tem mantido esta posição,

tomando a frente

do Distrito Federal e ao Estado do Rio de Janeiro:

1926 : Distrito Federal 6.344 toneladas

Estado do Rio de Janeiro

. 3.695

São Paulo 3.123

1929 : Estado do Rio de Janeiro

. 9.683

São Paulo 8.607

Distrito Federal 3.763

1937: São Paulo 60.102

Estado do Rio de Janeiro . 16.566

Distrito Federal 7.684

1941 : São Paulo 67.065

Estado do Rio de Janeiro

. 22.088

Distrito Federal 11.431

Em 1937 São Paulo produzia quase

vinte vezes mais que

em

1926, e quase

três vezes mais que

tôda a produção

nacional de

1929. Nos últimos anos passados

temos os seguintes dados sôbre

a produção

nacional de papel, papelão,

etc :

1937 106.337 toneladas avaliadas em 208.728.000 CR$

1938,— 98.065 toneladas avaliadas em 198.544.000 CR$

1939 '— 119.123 toneladas avaliadas em 253.716.000 CR$

A produção

de 1939 chegou a ser mais de três vezes a de

1931, que

era de cêrca de 36.000 toneladas.

Situação atual da indústria

nacional do papel

Atualmente a indústria do papel

entre nós toma um incremento

que a vai colocar sôbre uma nova estrutura e fazê-la atingir uma

situação muitas vezes acima dos números dos últimos anos; isto

se torna possível porque nos estamos libertando da depen-

dência do estrangeiro quanto à matéria

prima mais importante

para

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i

A INDUSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 197

a indústria papeleira, que

é a polpa

de madeira, sobretudo a ce-

lulose, como veremos adiante, e iniciamos a produção

de máquinas

tanto para

as fábricas de papel

como para a arte

gráfica.

Chegámos ao fim do ano de 1940 com esta indústria ocupando

um capital registado total de pouco

mais de 300 milhões de cru-

zeiros, a atividade de mais de 20.000 operários em 38 fábricas, pro-

duzindo perto

de 130.000 toneladas, que

valiam cêrca de 280 mi-

lhões de cruzeiros. Mas este notável desenvolvimento foi obtido

condicionado ainda, à importação da celulose estrangeira, a preços

altíssimos; somente agora começamos a produzir a celulose, porém

ainda em quantidade muito pequena; pode-se,

no entanto, antever

o grande

desenvolvimento que obteremos quando

tivermos a celulose

nacional em quantidade

suficiente.

O que

se chama a

"pasta

mecânica", que produzimos em

quan-

tidades, e com que substituímos a celulose, é ainda a causa da

qua-

lidade inferior do nosso papel,

especialmente para impressão. A

pasta mecânica, de fácil

preparo, porque não exige tratamento quí-

mico, não produz

um papel para imprensa com as

qualidades do

produzido com a celulose. A

qualidade de nosso papel

está dependen»-

Jc, portanto, em maior parte,

de produzirmos a celulose; a

quantidade

de produção

está dependendo mais de maior quantidade

de melhores

máquinas, e também da quantidade

de celulose de que

dispusermos;

os preços

estão dependendo de nos libertarmos da produção

estran-

geira, cara, e de equiparmos a indústria papeleira

de máquinas de

produção maior e mais economicamente.

Acontece também, para agravar a situação atual, que,

devido às

contingências da guerra

na produção

industrial dos países

fornece^

dores de celulose, os fretes e seguros mais encarecidos, além das

dificuldades, riscos e perdas

nos transportes marítimos, aquela

matéria prima nos chega cada dia mais cara, como podemos

ve-

rificar abaixo que discrimina a nossa importação de celulose.

Ano Toneladas Valor total Valor por tonelada :

Em 1942, o preço por tonelada de celulose importada subiu a

mais de CR$ 2.200,00.

A tonelada de celulose para a frabricação do nosso

papel nos

custa hoje duas ou mais vezes do que

há quatro

anos atrás. Daí o

grande empenho, ainda mais

justificado, do nosso Governo, junta^

mente aos nossos industriais, para que se produza

logo essa

matéria prima entre nós. Dos nossos antigos fornecedores, em

grande maioria os escandinavos, passamos

a comprar a produção

mais

1939.. 84.500 CR$ 83.403.000

1940.. 63.708 CR$ 93.909.000

1941.. 79.926 CR$ 138.230.000

CR$ 987,00

CR$ 1.474,00

CR$ 1.730,00

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198 CULTURA POLÍTICA

cara nos Estados Unidos e no Canadá, pois

nestes países a

pro-

dução industrial é mais onerada com os ônus da guerra,

majoração

dos seguros e fretes marítimos, maiores riscos nos transportes e

outras dificuldades da guerra,

como a mão de obra mais difícil e

mais rara com as mobilizações.

Havia anos que

estudos completos tinham sido feitos, visando

o aproveitamento do pinho

do Paraná para

a produção

de celulose

para papel; em seguida novos estudos foram completados visando

agora ao aproveitamento também do linter do algodão (resíduos que

ficam no caroço do algodão depois de retirada a pluma),

da palha

de carnaúba, dos resíduos de caroá, do bagaço da cana, etc. Por

ordem direta do Presidente Getúlio Vargas, êsses estudos foram

reiniciados em 1940, já pela

constatação das necessidades prementes

da nossa indústria papeleira,

agravadas pelas

circunstâncias impostas

pela guerra, como

já foi dito; agora aqueles estudos teem mais ampla

perspectiva e estão sendo aplicados com tôdas as possibilidades de

continuação, até a solução de tão importante problema.

Um crédito de 60 milhões de cruzeiros foi aberto no Banco do

Brasil, e pôsto

à disposição de uma iniciativa nesse sentido, de mon~

tagem de uma fábrica de celulose; tal crédito já

está mobilizado, e

outros serão abertos, e tantos quantos

necessários forem, para

con-

quistarmos uma riqueza

para a coletividade nacional, de

grande al~

canse social, econômico e cultural. Já

se acha em construção adian~

tada, no Paraná, uma grande

usina de fabricação de celulose e de

pasta de madeira, extraídas do

pinho, que, segundo as

previsões,

em menos de dois anos suprirá o país

de 80 % do seu consumo de

celulose para papel

de impressão para jornais

e livros, fabricando

também grande quantidade

de papel

e de pasta química para

o,

fabrico do rayon. Outras indústrias menores de polpa

de madeira

se desenvolvem, aproveitando diversas matérias primas.

A questão

de não nos limitarmos somente à matéria prima

fornecida pelo pinho

do Paraná, para

o nosso papel,

está ligada àquela de que

os nossos

pinheirais devem fornecer, além da celulose, também

grande quanti-

dade de madeiras para

consumo interno e exportação, e que

não po~

demos dispensar. Os nossos pinheirais,

embora ainda imensos, ten-

dem a diminuir; sobretudo a renovação da floresta de pinho, para

um

rendimento compensador, é lenta exigindo centenas de anos. Se não

formos sempre imprevidentes, como temos costume de ser em outros

setores da nossa economia, devemos procurar

multiplicar as nossas

possibilidades de matérias

primas para a

produção barata da celu~

lose, desenvolvendo o aproveitamento de outras matérias primas

ve-

getais provenientess de

plantas de ciclos curtos de reprodução e

com cultivo econômico. Como na indústria o aproveitamento é a

maior base de lucros, teremos tôdas as vantagens em aproveitar

resíduos como o linter do algodão, palha

da carnaúba ou do ou~

ricurí, bagaço de cana, etc.

A INDÚSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 199

Mas, é sobretudo a produção

de papel para

o livro e o jornal

que precisamos incrementar e baratear; isto

parece será reali-

zado com os novos empreendimentos já citados. O Govêrno está

empenhado em dar tôdas as facilidades à indústria de máquinas,

contratos de técnicos estrangeiros, facilidades para instalações e loca-

lizações, etc. Com a diminuição da importação de papel,

faremos

uma grande poupança

na economia nacional, que justifica tôdas as

facilidades concedidas aos industriais que queiram

enfrentar os pro-

blemas da produção papeleira nacional. Assim, a

produção, em breve,

da nossa celulose em grande

escala prevista terá desde início, três

aspectos salutares para a economia do país:

1.° '

reduz a quantida-

des mínimas a importação de celulose estrangeira; 2.° *

diminue

muito, até quase

dispensar a importação do papel

estrangeiro, sobre-

tudo para o livro, as revistas e

jornais; 3.° — cria uma nova riqueza,

aproveitando matérias primas do

país e valorizando-as, fixa eco-

nomias, dá mais trabalho a braços nacionais nas cidades e nos cam-

pos.

Sabemos, porém, quanto é difícil trabalhar organizadamente no

Brasil, e quanto as boas iniciativas encontram entraves nas nossas

mentalidades coloniais e burocráticas, nas nossas maranhas fiscais.

Será preciso que muito se modifique nos aparelhos fiscais e buro-

cráticos do país,

se não quisermos

ver muitas iniciativas desanimadas

pelas dificuldades de papelórios;

muitos empreendimentos teem mir-

rado sob o pêso

dos labirintos fiscais e burocráticos, cada dia mais

complicados; os pioneirqs

devem encontrar leis claras e simples que

superintendam as suas realizações, os orientem e ajudem, em vez de

os matar de embaraços, labirintos, confusões, etc.

Importação de papel

Há certos papéis e papelões

dos quais já

conseguimos autos-

suficiência, como para embalagem e outros, e até ja

começamos

a exportar, como veremos mais adiante; há muitos artefactos e

aplicações de papéis que

não compramos mais no estrangeiro; porem

o fato de que não importaremos

mais papel para o livro,

jornal

revista, dentro de dois anos, é o mais decisivo no ramo em apreço.

Vejamos as nossas importações de papel

nos tres últimos anos,

quanto pesa nelas o destinado a impressão e para jornais:

Ano. Importação total: Pape/ para

impressão e jornal:

CR$ CR$

1939

1940

194

52.611.954

49.711.271

61.404.602

87.675.549

103.775.671

123.624.359

46 .«62.964

43.981.306

47.500.323

51.J44.730

68.550.018

72.632.360

200 CULTURA POLÍTICA

Este quadro

é bastante elucidativo por si mesmo,

pois vemos

que diminuiu o volume da importação de 1939

para 1940, aumen-

tando o valor total sôbre 1939; os preços

de 1941 ainda foram ma-

jorados, e se o

quilo importado valia cerca de Cr$ 1,60 em 1939,

já em 1941 valia

pouco mais de CR$ 2,00. Juntando-se

êstes nú-

meros aos de importaçãor de celulose, já citado acima, vemos

que o

nosso papel

nos custou mais de 260 milhões de cruzeiros, pagos ao

estrangeiro em 1941, sendo o volume total menor do que

o de

1939, quando

nos custou cerca de 170 milhões de cruzeiros, impor-

tação de papel e celulose somadas. Vemos ainda que

a importação

de papel para

impressão e jornal

representa em média mais de 80 %

do volume e mais de 60 % do valor do total da importação.

Já produzimos no Brasil

papel para impressão e

jornais, porém

em quantidade

ainda muito insuficiente, qualidade inferior,

por

preços demasiado altos, devido ao valor da celulose importada, ao

aparelhamento das fábricas ainda inadequado para uma

produção

que precisa ser muito mais econômica.

Como está distribuída a nossa

produção de

papel.

Atualmente temos no Brasil 38 fábricas de papel

e papelão

em

atividade, produzindo, em 1941, 128.770.895 quilos.

A maior dessas

fábricas, em São Paulo, tem uma produção

de mais de 15.600.000

quilos, e a menor, no Distrito Federal, produz

500.000 quilos. As

cinco maiores fábricas de papel

são :

Firmas -—- Localização Produção em 1941

Companhia Fabricadora de Papel (Klabin) —

São Paulo 15.639.958 quilos.

Companhia Fábrica de Papel Petrópolis

Estado do Rio 10 - 588.944

Companhia Melhoramentos de São Paulo —

São Paulo 8.578.886

Cia. Agrícola e Industrial Cícero Prado —

São Paulo 8.138.539

Cia. Indústria de Papéis e Cartonagem

Estado do Rio 7.318.750

Seguem-se

3 fábricas produzindo mais dc 6 milhões de

quilos.

^

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4

" ,r "

»» .. ^

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"

"

1 milhão

menos

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1

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11

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A INDUSTRIA DO PAPEL NO BRASIL 201

Donde se pode

observar que das 38 fábricas de

papel, 30 teem

uma produção

inferior a 6 milhões de quilos;

as 8 maiores, isto é,

com produção

superior a 6 (seis) milhões de

quilos, representam mais

de 60 % do total da produção.

Por qualidades

de papéis,

temos o seguinte quadro para 1941 :

Papéis para

impressão 29.539.417 quilos.

" "

esrever 26.554.258

embalagem 64.702.269

diversos fins e finos 7.974.951

Total 128.770.895 quilos.

Observamos que o

papel para embalagem ainda estava, em

1941, em 1.° lugar, com 50% da produção;

vem depois o papel para

impressão e jornais,

com ^

da produção

total; é nesta qualidade

de papel que

faremos em breve os maiores progressos,

respondendo

ao apêlo da nossa maior necessidade dêste artigo.

Na produção por Estados, temos os seguintes números para

1941 :

Estados Fábricas Produção em quilos

São Paulo 15 67.065.028

Estado do Rio de Janeiro....

22.087.993

Distrito Federal 11.431.023

Minas Gerais 8 514*7^

Pernambuco 6.038.270

Paraná 5.644.779

Rio Grande do Sul 4.372.401

Santa Catarina 2.617.000

Ba,a

38 128.770.895

Temos nove Estados produtores de

papéis e

pepelao de diversas

espécies, sendo que São Paulo sozinho se apresenta com mais de

50% da produção nacional. Dos Estados onde estão localizadas

mais de uma fábrica, a maior média cabe ao Estado do Rio, com

mais de 7 milhões de quilos por fábrica; depois veem Sao Paulo,

com cêrca de 4 e meio milhões de quilos por fabrica, e Minas Gerais

com mais de 2 milhões de quilos por

fábrica. O consumo anual de

trapos e papéis

velhos utilizados por essas fábricas sobe a mais de

600 mil toneladas, valendo 20 milhões de cruzeiros.

Para mais detalhes sobre a produção

nacional de papéis,

ver

o quadro publicado

no fim dêste trabalho.

202 CULTURA POLÍTICA

Como já vimos, a nossa produção

de papel está dependendo

também da ampliação e renovação da maquinaria, que temos de

ndnifiHr em quase

totalidade no estrangeiro; mas os primeiros passos

estão sendo dados para equiparmos o nosso parque

de fábricas de

papel; há diversas fabricas que

estão usando maquinismos de fabrí-'

cação nacional, como, em São Paulo, a Fábrica de Papel Vila-Maria,

que, em 1930, renovou o seu maquinismo, adquirindo máquinas

novas, tôdas de construção nacional, e realizando melhorias e am-

pliações das existentes com material nacional.

Sstes dados nos permitem

uma visão do ponto

de partida

em

que está atualmente a nossa indústria de

papel, no momento em

que

ela vai começar a marchar com ritmos novos para

rumos mais altos,

com a produção

nacional da celulose e comêço da produção

^nacional

de máquinas para

fábricas de papel,

início de alta produção

mais

econômica, mais barata.

Além do mercado nacional, poderemos ser também fornecedores

de papel

e artefactos de papel

e papelão para

muitos países

vizi-

nhos; para

êstes países

nossa exportação daqueles gêneros, começada

há pouco,

ainda é pequena,

mas cresce cada ano, como poderemos

ver abaixo :

Exportação de papel

e artefactos :

66.345 quilos pòr 393.428 CR$

47.692 quilos por 350.618

CR$

183.042 quilos por 907.815 CR$

121.000 quilos por 1.325.000 CR$

Vemos que a exportação cresce em número de

quilos e em valor

por quilo.

Não precisamos voltar a salientar aqui a importância da in-

dústria papeleira para nós, na

paz e na

guerra, o

que ela representa

para nossos trabalhadores intelectuais e manuais,^ das cidades e dos

campos. As nossas reservas de matéras primas são imensas, inesgo-

táveis, e muitas de fácil substituição por curtos ciclos naturais. Po-

deremos ser em breve um dos maiores produtores

mundiais de papel,

e já

somos o primeiro

na América do Sul; precisamos sobretudo pro~

duzir o papel

bom e barato, para o livro, a revista e o

jornal.

Coube ao Govêrno do Presidente Getúlio Vargas dar um grande

desenvolvimento a esta indústria importante._ E' mais uma batalha

que estamos ganhando, entre outras na

produção industrial. Tomando

a frente de modo ativo na solução dêste problema, o Estado Nacional

afirma mais uma vez sua eficiência perante os

problemas econômicos

do país» presidindo

e impulsionando a nossa mais completa formaçao

industrial, para aumento mais rápido da riqueza coletiva.

1938

1939

1940

1941

I * * 1 4:v if V . • >'?

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I ^ijwpiw

' ¦• 7 ' ' ' ' * ',W^* 'i?l Jr^eT

",' TV53 " ''" '"! rF- ., ^ „ ..„.., .... -^V--sv-T-,,. .

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1

INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PA PEL.

•8,

3

PU

s

2

P,

59»w

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Pu,

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swo

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Ph

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Pi

w

fco

S9*S

apw

i

s

-oQUALIDADES

TOTAL

DE

QUILOS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

Offset

Acetinado de 1.* e Monolúcido.

Acetinado de 2.»

Acetinado de 3.* e blocos

Couché

Ilustração

Mimeógrafo

Cartão Bristol

Bufon de 1.*

Bufon de 2.»

Jornal

B. Fino-A, côr fino, impressos—

Capas

1.088.598

7.978.789

4.065.653

3.286.258

980.4911

944.387

421.411

1.878.555

350.158

1.839.065

5.964.519

287.177

454.356

« 14

I 15

g 16

a 17

3 18

£ 19

£2 20

pi<Pi

Pergaminhado c/ marca

Pergaminhado s/ marca - Sulfite

Flor-Post, 2.R* vias, correspondência aérea...

Registo

Super Bond

Envelopes

Cartões e Cartolinas

2.989.675

8.024.360

1.184.559

138.6361

1.396.731[

316.1701

12.504.127

TOTAL I 26.554.258

21

22

23

24

25

26

27

28

29

30

31

32

; i / Pergaminho,- Impermeável

| ^ ou ^

Sulfurise,

Cristal

Granado.

Seda e Frutas

Kraft

Fósforos

Tecido

Telado Fantasia

Manilhinha

Manilha e H.

Havana

Padaria

Estiva e Maculatura.

TOTAL.

33

34

35

36

37

38

39

Carbono

Cigarros

Higiênico

Mata-borrão

Desenho

Heliográfico

Não classificados.

TOTAL

SOMA DOS TOTAIS.

DISTRITO FEDERAL

1

Araújo

2

Ifuassú

3

Inhaúma

4

Nacional S. Geraldo

total I 29.539.417 —

147.000

100.140

36.074

296.969

580 183

300.679

663.637

539.865

46.157

74.290

23.701

38.573

53.21G

9.481

35.453

1.785.052

22.000

22.000

148 515

1.801.727

1.072.982

1.462.178

12.648.550

275.802

3.339.126

230.865

3.863.128

14.573.754

91.854

3.468.410

21.873.893

62.700

160.310

894.270

64.702.269 1.117.280

455.040

455.040

34.793

928.3441

2.085.867

195.167

21.643!

120.2361

4.588.901

7.974.951

128.770.895 1.117.280

585.709

1 -

585.709

].—

455.040 1.834.695

131.430

34.340

12.749

73.385

90.52Í

111.337

453.76C

723.913

29.879

686.27c

7.000

3.200

1.440.068

6

Tijuca

202.965

25.569

193.903

238.602

661.039

329.672

41.757

53.444

424.873

302.000

312.20C

ESTADO DO RIO

Carto-

nagem

8

Petrópolis

178.899

49.952

627.456

1.025.077

611.839

2.493.223

35.313

35.313

sas

3.714.199

338.000

338.000

672.200

58.474

58.474

3.637.60S

9

Piraí

207.640 828.183

1.911.260 1.140.130 406.360

101.877 1.279.670 —

64.175 172.560 —

58.262 193.060 424.882

9.000 62.090 21.328

1.199.783 274.920 —

96.240 —

18.406 489.590 —

46.732 331.170 —

24.160 —

3.409.495 4.271.230 1.680.753

63.280 620.911

802.813 2.583.550 81.809

223.674 111.740 109.321

42.350 83.537

88.417 55.258

99.364 —

207.123 40.190

1.421.391 2.800.920 991.026

12.290 —

142.050 —

79.856 14.799

264.780 874.680 —

58.699 448.970 —

230.805

586.548 718.400 —

67.370 —

416.180 —

450.597 790.674 —

1.582.530 3.328.564 245.664

31.659

928.344

759.640 —

21.643

120.236

145.694 188.230 160.974

905.334 188.230 1.262.856

7.318.750 10.588.944 4.180.299

S I O PAOLO

10 11 12 13 14 15 16 17 18

American* Aparecida Bruits! Cicero Fabriradora Feffer Gordinho Matarazzo ^Intos'

52.775 —

80.326 955.233 323.999 351 769 532.638 930.464

833.873 32.688 383.835 436.802 49.770

1.114.841 115.070 308.844 36.663 30.650

980.491 —

63.301 87 098 71.627 —

229.134 —

62.052 85.274 78.40C —

47.281 3.502 179.434 —

48.340 288.958 59.540 195.239 255.802 —

5.654 2.264.463 333.782 346.685 173.901 60.670

140.235 49.765

125.888 89.154 50.894 72.779

5.654 191.967 6.953.18S 1.114.636 1.893.912 1.666.134 1.194.098

1.600.833 120.972 134.997 317.252

542.678 261.306 1.045.676 108.757 —

75.068 204.053 99.530

263.326 77.114 —

____ ____ 126.281

31.064 2.716.123 4.230.189 341.159 85.275 24.166 208.277 692.058

31.063 2.716.123 75.068 6.298.401 1.004.809 423.695 1.205.839 317.034 1.235.121

—————

47.825

65.131

255.831

197.137

531.700

1.097.624

110.879

1.279.121

1.390.000

243.928

901.455

56.677

1.202.060

233.954 1.905

131.228 —

437.569 4.518.07C 199.301 80.935

266.677 9.125 —

8.401 1.246.631 10.504 456.173

23.590 272.026 —

1.073.309 195.540 285.552

13.685 87.560 27.710 500.951

848.427 7.464.279 442.180 1.325.516

1.309.650

535.505

" 837.295

1.164.466

207.355

523.614

378.985

4.993.870

154.506

154.506

1.288.848 4.106.123

3.134

119.368' 796.610

119.368 799.744

1.396.94P 8.138.539

217.682

217.682

15.639.958

67.001

67.001

2.047.512

27.162

27.162

3.126.913

137.352

188.545

325.897

3.634.581

988.227

48.055

119.515

1.155.797

8.578.886

114856 — Pág. 202 — Mapa 1 —

DB

PA PEU PRODUÇÃO DE 1941

se

SÃO PADLO

15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

j r* et n u ikit Molhora- Papdis e Ribeiro

enr,,. , S. Tere- SimSo v;u Mar.

idora Feffer Gordmho Matarazzo mentog p/pe;ao Parada

Santista

sinha Vita

Maria

.775 —

.233 323.999

.873 32.688

.841 115.070

.491 —

098 71.627

.052 85.274

.281 3.502

1.958 59.540

.463 333.782

1.235 —

1.888 89.154

i. 18S 1.114.63C

351 769

383.835

308.844

229.134

78.406

195.239

346.685

1.893.912

532.638

436.802

86.668

179.434

255.802

173.901

50.894

1.666.134

930.464

49.770

30.650

60.670

49.765

72.779

1.194.098

54.456

68.758

123.214

641.510

82.4C0

602.530

178.120

364.620

28.£90

6.780

1.905.010

14.000

14.000

1.190.539

1.190.539

972

678

1.159

.809

261.306

77.114

85.275

423.695

134.997

1.04S.676

24.166

1.205.839

108.757

208.277

317.034

317.252

99.530

126.281

692.058

1.235.121

347.182

3.443

39.301

371.905

761.831

1.926.177

1.926.177

485.110

344.730

456.905

6.330

1.293.075

82.000

13.000

14.000

129.000

238.000

1.169.952

287.268

154.066

1.611.286

8 07C

.677

.631

2.026

.309

560

279

199.301

9.125

10.501

195.540

27.710

442.180

1.905

80.935

456.173

285.552

500.951

1.325.516

1.309.650

535.505

'837.295

1.164.460

207.355

523.614

378.985

4.993.870

88.986

27.832

96.006

118.974

331.798

126.989

126.989

355.2S0

1.096.797

158.790

280.740

1.109.254

69.160

3.068.031

145.000

191.000

720.000

7.682

7.682

9.958

67.001

67.001

2.047.512

27.162

27.162

3.126.913

137.352

188.545

325.897

3.634.581

988.227

48.055

119.515

1.155.797

8.578.886

9.760

167.653

177.413

1.394.25'

418.104

418.104

2.471.270

10.480

10.480

6.276.596

056.000

375.191

271.975

1.288.002

1.042.072

165.345

3.142.585

I

-

Í.308.000

114.434

114.434

6.058.844

100.901

301.060

180.291

582.252

15.954

15.954

598.206

PARANÁ

25

Brasileiras

26

Parana-

ense

77.238

58.700

49.248

185.192

944.261

944.261

SANTA

CATARINA

39.137 —

464.361 18.140

87.289 19.500

458.439 93.500

1.336.553 166.600

266.162 77.000

63.221 1.328.308

2.715.162 1.703.048

97.116 —

97.116 —

3.941.731 1.703.048

27

Itajaí

356.000

442.000

1.608.00Í

2.406.000

211.000

211.OCO

BIO Q R A N DS DO SUL MINAS GERAIS

BUCO

28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38

Justo PapelSo plrtoa

^Papel"

Liaheiras Sta. Cruz Sta. Maria Tn^ia

Bst* PorteU

— — — — 34.349 — —

— 75.520 — — — —

— 75.520 — — 34.349 —

ww mmmim mmmmm mmmmm m ^mmmm

— — — — 41.498 — —

— — — — 41.498 — —

______————————— ——. ——

— 118.000 — 64.294 — —

— 118.117 — — 19.251 —

i' ¦ mmmmm mtmm^ mmamm —

610.600 — 639.000 200.000 210.000 134.716 597.068 1.020.575 — 126.778 —

— — — — 24.484

— —

————— 125.934 24.758 1.070.989 — —

802.000 777.000 62.164 250.000 230.000 236.798 1.785.931 2.231.790 677.000 872.857 6.038.270

1.412.600 777.000 937.281 450.000 440.000 586.226 2.427.008 4.323.354 677.000 999.635 6.038.270

_______

_ _ _ 120.000 160.000 8.350 29.085 387.896 — —

_ _ — 120.000 160.000 8.350 29.085 387.896 — —

1.412.600 777.000 1.012.801 570.000 600.000 594.576 2.531.940 4.711.250 677 000 999.635 6.03V.270

DD

Uma realidade, a Fábrica Nacional

-

de Motores

O Brasil ainda êste ano lançará a primeira

série de

motores de avião — Levando de vencida um dos

«iai« arrojados empreendimentos do nosso esforço ae

guerra — Aparelhagem única na América do aul.

NO

PRINCÍPIO, a maioria acreditou mais no pântano,

no mos-

quito, no

jacaré. Havia também os

que acreditavam

em certas

coisas que pela sua própria

natureza são apresentadas cuida-

dosamente disfarçadas. Mas uma minoria confiava no poder

das dragas

abrindo os canais, dos tratores drenando a terra, do cimento ahcer

çando as colunas, do aço erguendo as vigas-mestras,

na forç

tade dos homens que fazem questão

de v^ncernf"fjJntonp|ntano%e-

adversidades, a minoria ganhou

longe a dura parada. O

pântano se

cou para sempre; o mosquito, o

jacaré e os outros companheiros

de

Stía-jornada. depois de voltar em vão à carga por

vanas vexes.

acabaram entregando os pontos.

Hoje, a Fábrica Nacional de Motores está terminando a sua se-

gunda e penúltima

etapa.

A alma dessa vitória é o brigadeiro do ar ue es

pQ^j^ICA

tanto nada mais oportuno que registar em CULTURA

POLI i i^A

a paléstxa do repórter com aquela alta patente

das nossas forças aé-

reas. #

Verdadeiro

"record"

de mão-de-obra

A nossa primeira pergunta foi sôbre o i^jeio ^as °bras, ^

brigadeiro Guedes Moniz respondeu com detalhes precisos, como q

tem na memória a marcha de todo o trabalho:

"Em

ianeiro de 1942 dávamos os primeiros passos para

a con-

cretizacão de um plano que surgira em 1939. Começávamos o esta-

queamento. E em agosto de 1942 as

primeiras colunas a"or^a™

^

terra. No momento, como se vê, as obras estão na fase de descofra-

204 CULTURA POLÍTICA

gero, ou stjd na retirada de todo o escoramento e fôrmas de concreto,

o que

deverá terminar imprecindivelmente este mês. Logo a seguir,

sem perda de um único dia, será atacada tôda a

parte de alvenaria e

revestimento» Enquanto isto, as volumosas caixas de instalações e

equipamentos, que diàriamente chegam, vão sendo dispostas de ma-

neira a ser montadas logo após a concretagem final e acabamento, o

que esperamos fazer ainda antes de agosto. Chegaremos então à ter-

ceira e última etapa, que será rápida e consistirá também na

prepara-

ção do operariado, no treinamento das equipes, afim de

que ainda êste

este ano venhamos a começar a primeira

série de motores de aviões.

Em fim de agosto a maquinaria já chegada ao Rio estará funcionando,

na sua fase de experimentação/'

Aparelhagem única na América do Sul

"Teremos

então dois pavilhões principais,

dotados, aos fundos,

de um grupo de células para

os bancos de ensaio destinados à expe-

rimentação dos motores, e no subsolo um amplo armazém para o

depósito de material. Nos países

em que

a siderurgia já

alcançou um

nível elevado, as fábricas congêneres à nossa limitam-se quasi que à

usinagem final, uma vez que

dispõem de mercados internos para

o seu

abastecimento. Entre nós, que

ainda não chegamos àquele grau

de

evolução, fazia-se precisa

uma aparelhagem além do limite da espe-

cialidade. Assim é que

vamos também dispor de uma estação de tra-

tamento térmico para

o aço e de uma outra de fundição para

as pe-

ças de alumínio. São as

primeiras a ser instaladas na América do

Sul."

A descrição do brigadeiro deixava-nos entusiasmados, vendo que

pm poucos

meses secaram-se extensos pântanos, rasgaram-se estradas

e canais e levantaram-se edifícios que

em tempos normais levaria

anos para se erguerem. Diante de tanto dinamismo, não tivemos a

menor dúvida em ver todo aquele arsenal inteiramente concluído e

produzindo em futuro tão

próximo, ainda em

plena guerra.

Eficiente o auxilio dos Estados Unidos

Aludimos agora ao auxílio dos Estados Unidos na construção da

fábrica, e o seu diretor passa

a falar sôbre o assunto:

44Vinte

e quatro

navios, zarpando da grande

república irmã,

já aportaram ao Rio de

Janeiro, trazendo uma carga superior a

qua-

torze mil volumes, com um pêso que

monta a um milhão de quilos.

Êstes números dizem bem expressivamente da disposição dos nossos

grandes amigos em nos ajudar, através de todos os

perigos que nos

dias de hoje oferecem as rotas marítimas. Vidas perderam-se

e tone-

ladas de máquinas foram para

o fundo do mar ou chegaram danifi-

cadas, mas a campanha submarina continua sendo corajosamente en-

frentada, restando-nos apenas receber um têrço do material neces-

sário. Há ainda a assinalar o crédito aberto pelo

Banco de Expor-

*y.

UMA REALIDADE, A FABRICA NACIONAL DE MOTORES 205

tação c Importação, a propriedade na aquisição da maquinaria e equi-

pamento, o auxílio do

"Lend

Lease", bem como a assistência técnica que

nossos engenheiros veem recebendo nos centros de estudos e especia-

lização do país

amigo."

Os mais modernos requisitos da técnica

A Fábrica Nacional de Motores vai funcionar em

"black-out

permanente e disporá dos mais modernos requisitos da técnica, in-

dispensáveis a motores de aviação. Um raio de sol, sequer, nao pe-

netrará no pavilhão

destinado ao fabrico de motores. Este, de noite

ou de dia, funcionará com luz artificial, especialmente adequada aos

fins a que é destinado. O

pavilhão será hermèticamente

fechado e re-

coberto com telhas de fibra e cimento. A poeira jamais

ali penetrara.

Haverá uma aparelhagem completa e perfeita

de ar condicionado.

Será mantida permanentemente a temperatura conveniente à comec-

ção da delicada máquina.

Estamos agora defronte de um pequeno pavilhão.

Trata-se de

uma fundição para o

"test"

dos candidatos a mecânicos. Todos os

aue se apresentarem para trabalhar nessa especialidade serão subme-

tidos a uma prova. Devidamente aprovados e considerados

aptos para

exercei aquelas funções, que na Fábrica Nacional de Motores sao de

importância capital, serão mandados em grupos para um curso de aper-

feiçoamento nos Estados Unidos. Depois estarão perfeitamente aptos

para as necessidades do serviço, ,

Assistência máxima aos operários

Neste ponto da entrevista soou a hora do almoço. O nosso en-

trevistado leva-nos ao

"hotel

dos solteiros", onde estão alojados os

engenheiros e médicos que não teem família. Dezoito quartos

e de-

mais instalações formam um conjunto maravilhoso, no qual

o funcio-

nário se sente tão bem como se estivesse em excelente apartamento da

cidade. Foi aí que descobrimos

mais uma face do largo descortimo de

administrador do brigadeiro Guedes Moniz. A máxima assistência ao

pessoal, em todos os sentidos, é uma das coisas mais importantes na

Fábrica Nacional de Motores.

No decorrer do almoço ficamos sabendo que a futura vila ope-

rária abrangerá mais de mil casas, com capacidade total

para

^te

mil

pessoas. Estender-se-á

às margens do Saracurana, que ficarão

gra-

madas. O rio terá também o seu leito rebaixado na profundidade

de

metro e meio. Hospital para cento e oitenta leitos, escola, parques

e

jardins surgirão por

tôda a vila. No momento, os operários acham-se

abrigados em um grande alojamento,

localizado em bela colma. Quanto

aos funcionários diplomados que tenham família, serão muito breve-

mente, a exemplo dos solteiros, alojados na vila dos casados , em

construção.

206CULTURA POLÍTICA

Serviço de subsistência reembolsável

Terminado o almoço, continuamos a palestra

em torno da as-

sistência ao pessoal.

E o nosso entrevistado adianta-nos:

"O

nosso serviço de subsistência reembolsável, no modêlo

dos armazéns de emergência do SAPS, fornece gêneros aos opera-

rios, indo os seus caminhões duas vêzes por

semana levar diretamente

à sua residência o mantimento, com desconto mensal em folha, lista-

mos vendendo por preço abaixo da tabela, pois

temos grande

estoque

de gêneros adquiridos em época em

que os

preços eram mais baixos.

,

Assim, tôda a família do operário, morando no Rio, nos subúrbios, ou

circunvizinhanças da Fábrica, tem uma fonte segura de abastecimento

a preços ínfimos. Como não temos ainda nenhuma família morando

aqui, o nosso restaurante de emergência serve apenas aos trabalhado-

res, mas quando

a vila operária estiver habitada, em vez dos manti-

mentos passaremos a fornecer a alimentação já preparada.

O brigadeiro leva-nos ao restaurante, onde duas mil pessoas

ter-

minavam o almoço. O menti constara de sopa de lentilha, arroz, feijão

com carne sêca, ensopado de repolho, farofa com lombo, pão,

man-

teiga e tangerina, tudo por

Cr$% 1,40. Provámos por acaso una^ co~

lher de feijão. Tão saboroso como o que

nos havia sido servido no

hotel dos engenheiros e médicos.

Sobre métodos racionais de alimentação"

Somos apresentados ao médico Olavo Rocha, que

nos faz reve-

lacões interessantes a respeito dos métodos racionais da alimentaçao.

Segundo aquele técnico, o limite absoluto do volume e do tempêro não

vinha correspondendo em absoluto aos resultados esperados, pois

os operários rejeitavam muitos pratos, considerando-os intragáveis. O

resultado era que

o rendimento da mão de obra ia decrescendo, o que

levou a direção dò serviço alimentar a "tomar

nova orientação, baseada

nas tendências instintivas do paladar

dos trabalhadores, sem

que se

desprezassem as quotas

de calorias, a qualidade

de albuminas, as per-

centagens de sais e vitaminas. O emprêgo do tempêro subiu enorme-

mente de nível, tendo-se os pratos

tornado mais variados e saborosos;

e aí todos passaram a comer muito bem. Essas observações veem sendo

objeto de estudo de nossos técnicos em matéria alimentar, que

invés-

tigam mais detidamente os métodos que,

tidos até agora como certos,

indiscutíveis, vieram revelar falhas quando

empregados mais freqüen-

temente. .

Vista em conjunto

No passeio que fizemos de automóvel por

tôda a fábrica, tivemos

oportunidade de conhecer outros aspectos da grande

obra. Assim é

que estivemos no aeródromo, que foi inaugurado inesperadamente por

um avião forçado a descer ao mau tempo, quando fazia a rota Kio-

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do Presidente Vargas à FábricaVisita Nacional de Motores

(Cultura Política)

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Vista panorâmica da Fábrica

(Cultura Política)

UMA REALIDADE, A FABRICA NACIONAL DE MOTORES 207

Belo Horizonte. Passamos pela

olaria e pela

oficina de peças premol~

dadas em concreto. Vimos os serviços de pavimentação

da estrada

que ligará o centro da fábrica à Rio~Petrópolis e os trilhos novos

mandados assentar pela

Central no ramal de Xerém, que

corta as

terras da usina. Encontramos extensas hortas e cultura de arroz, mi"

lho, abóbora e feijão. O brigadeiro Moniz pretende plantar

a ponto

de poder

abastecer tôda a população local. Divisamos do morro o

trajeto de longos canais rasgando a fábrica de ponta

a ponta.

Gra~

ças a essas obras de saneamento e á eficiente assistência médica, a

malária desceu de 66% para

0,6%. Pisamos firmemente em terra sêca,

que até bem pouco era charco. Estivemos no local onde serão instala-*

das outras indústrias c escolas técnicas. Avistamos as torres da Light,

que transmitirão a energia

para a usina, e

passamos por cima da adu-

tora que

abastece o Rio e servirá à fábrica. Presenciamos a demolição

de morros pelo processo

hidráulico, vendo, a argila seguir através de

calhas suspensas no ar para

ser lançada muito adiante, na baixada.

Percorremos os escritórios e as salas dos engenheiros, ouvindo o ba-

rulho das máquinas de escrever e vendo os lápis e pincéis,

os compas~

sos e as réguas traçando mapas e levantando plantas.

Encerrando a nossa visita, externamos a nossa admiração por

tudo quanto

tínhamos visto. Agradecendo, o brigadeiro Guedes Mo-

niz pediu-nos que

não nos esquecêssemos de citar os inestimáveis

serviços prestados

àquela grande

realização pelo

Govêrno do Estado,

o Serviço de Saneamento da Baixada Fluminense, a Central do Bra-

sil e outros órgãos dos Ministérios da Viação, da Guerra, da Aero-

náutica e da Agricultura.

Um mês de realizações governamentais

Maio de 1943

O 1.° de maio

* EXEMPLO dos outros anos, a data dc 1.® dc maio, comemora-

Z-k tiva do Dia do Trabalho, foi brilhantemente festejada pelo

** Govêrno. Não nos vamos estender aqui em detalhes sôbre a con-

centração trabalhista da Esplanada do Castelo, à qual já

nos referi-

uios no último número, transcrevendo os discursos do Presidente Ge-

túlio Vargas e do ministro Marcondes Filho. Acrescentaremos, ape-

nas, que

esses discursos constituíram mais duas exposições eloqüentes

cio que

o Estado Nacional vem fazendo pelo

trabalhador brasileiro,

solucionando da maneira mais inteligente e equânime o problema

social. Depois de referir-se à justiça

do trabalho, à lei do abono

familiar, ao problema

da alimentação, o Presidente Getúlio Vargas

aludiu à nossa participação

na guerra,

mostrando as grandes

res-

ponsabilidades que atualmente

pesam sôbre os ombros de todos

os brasileiros. Nas lutas armadas da atualidade, o papel

do sol-

dado na frente conjuga-se, em tôda linha, com o do trabalhador

na retaguarda.

Sem uma estruturação econômica perfeita

não poderá

haver

perfeita estruturação bélica. De onde o têrmo

"batalha",

tanto para

a frente como para

a retaguarda.

"O

povo brasileiro —

disse o

Presidente Vargas — não faltará, por

certo, aos seus soldados,

aos seus marinheiros e aos seus aviadores, com os elementos de

que careçam afim de atuar mais amplamente. E

para que isto

aconteça torna-se indispensável continuarmos com redobrado em-

penho a mobilização dos nossos recursos econômicos, diríamos me-

lhor, usando a linguagem militar:

44

a batalha da produção".

Favorecido pela justiça

social, atendido nos seus direitos, alvo,

sob todos os aspectos, do interêsse e da solicitude do Govêrno, o

trabalhador brasileiro acha-se em condições superiores a qualquer

um outro para

dar o máximo do seu esfôrço.

"Hoje,

mais do que

UM MES DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 209

nunca * acentua o Presidente Vargas a ociosidade deve ser

¦considerada crime contra o interêsse coletivo*. Todos devem con-

tribuir, de acordo com suas aptidões, nos seus respectivos setores,

para a vitória do Brasil,

que será, não só a

garantia do futuro da

nossa Pátria, como de tôdas as conquistas que, graças

à compreen-

são social e patriótica

do Govêrno, sob a égide do Estado Nacional,

os trabalhadores lograram alcançar. Pois a vitória do Brasil e das

Nações Unidas é a vitória dêsse senso humano evidenciado em

todos os atos e, particularmente, na solução do

problema traba~

Ihista, pelo

Estado Nacional.

Escolas de jornalismo

Merece especial destaque o decreto-lei do Presidente da

República, instituindo no sistema de ensino superior do país

o cu/so

de jornalismo.

Êsse curso, cuja finalidade é ministrar conheci-

mentos que

habilitem de um modo geral para

a profissão de

jor-

nalista, será professado na Faculdade Nacional de Filosofia, com

a cooperação da Associação Brasileira de Imprensa e do Sindicato

dos Jornalistas Profissionais. Mas os estabelecimentos de ensino não

federais também poderão mantê-lo, com a observância do decreto-lei

421, de 11 de maio de 1938, no que

concerne à organização e ao fun-

cionamento do curso.

Na sua lúcida exposição de motivos, o ministro Gustavo Ca-

panema declarou o seguinte :

"Numa

época em que

tôdas as profissões

reclamam o técnico

ou o especialista adequado e em que

a todo momento se verefica a

insuficiência do maior número dos autodidatas, não poderia a im-

prensa prescindir de

quadros especialmente

preparados. Não há

dúvida que

os profissionais do

jornalismo no

próprio jornal se

pre-

param, não sendo

preciso que para isso se montem escolas. Não há

dúvida que

tanto no jornalismo

como no comércio, na indústria, na

política, em todos os grandes

caminhos do trabalho e do ideal dos

homens, a função de dirigir e orientar, de revolucionar, inovar e

criar independe da metódica preparação

universitária, e há de sempre

^star nas mãos das personalidades excepcionais, dos

grandes ho-

mens de vocação, de coragem, de vontade.

Que poderá fazer,

porém, só

por si, a função condutora, neste

mundo moderno, em que

todos os problemas são difíceis e exigem,

não apenas o critério, o bom senso, mas ainda conhecimentos sis-

iematizados? Reconheçamos que

a nossa imprensa é brilhante e

digna. Não há no nosso país

a imprensa^ daninha, a imprensa

corruptora. E grandes jornalistas

não nos faltam. Não poucos

deles poderiam

honrar o jornalismo

dos maiores países do mundo.

E, porém,

fora de dúvida que

muito hão de lucrar as nossas em-

pregas jornalísticas em possibilidades

educativas e culturais, em

capacidade de tratar dos problemas políticos,

morais e econômicos,

das questões

administrativas, das questões

de ordem intelectual, se

F. 14

210CULTUfcA POLÍTICA

puderem contar com boas equipes de

jornalistas que tenham rece-

bido não só preparação

regular dos matérias próprias do

jo*na »

mas ainda, com o conhecimento da história, da técnica e da ética

da imprensa, uma elevada consciência profissional.

O ministro cita, cm seguida, o caso dos Estados Unidos, que

possuem trinta e duas escolas de

jornalismo filiadas à American

Association of Schools and Departments of Journalism e dissemi-

nadas por todo o

país.

Entre nós — como observa S. Excia.

— tem-se tratado muitas

vezes do assunto, mas não foi ainda dada organização oficial ao

curso de jornalismo, ressalvada a iniciativa da Universidade do

Distrito Federal, cujas faculdades foram em 1939 incorporadas a

Universidade do Brasil.

A idéia da formação profissional do

jornalista foi formulada

pelo Presidente Getúlio Vargas em julho

de 1934 no seu discurso

à Associação Brasileira de Imprensa e depois no decreto-lei^ de 1

de junho

de 1939, atribuindo àquela instituição a obrigaçao de

criar e manter uma escola de jornalismo.

O decreto atual concretiza assim um velho pensamento

do Go-

vêrno, vindo a satisfazer as aspirações das nossas emprêsas jornalís-

ticas.

Providências tomadas pela Coordenação

da Mobilização Econômica

Grande foi a atividade da Coordenação da Mobilização Eco-

nômiCa em maio último, nos seus diferentes^ setores. Para melhor

informar o público

sôbre as medidas que estão sendo tomadas e as

razões que a

justificam, o ministro João

Alberto deu uma entrevista

coletiva à imprensa, em que

abordou os problemas principais da mo-

bilização no momento.

Sôbre a banha, questão das mais importantes no momento, e

que

se reveste de circunstâncias excepcionais, fez S. Excia. diversos co-

mentários, aludindo à situação anormal criada pela sêca no Rio

Grande do Sul — o

prinicpal abastecedor dos mercados do Rio e

do Norte do país, para

chegar à seguinte conclusão: Afim de evitar

Injustiças e prejuízos,

e mesmo queixas improcedentes, resolvemos

tomar os preços do mercado de Porto Alegre e sôbre êles fixar o

do Rio de Janeiro. Não obstante os

produtores ainda aleguem

que

êsses valores representam preços de sacrifício. Essa

ponderação não

posso aceitar, porque

não compreendo deixem êles de estender êsse

sacrifício ao resto do país."

Anunciou, em seguida, o coordenador que estava para

iniciar

a campanha dos óleos vegetais. Não é seu intuito combater a ba-

nHa, mas não pode

deixar de atender aos interêsses gerais da_popu-

lação e da própria

economia nacional. Nossa falta de educação ali-

mentar nos tem levado a não consumir certos produtos que

substi-

UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 211

tuem outros com vantagem. O Brasil produz

mais de ccm mil tone*-

ladas dc óleo refinado, sendo que

a produção

de óleo de caroço de

algodão só cm São Paulo atinge a mil toneladas. Quanto ao de

amendoim» embora ainda não tenha sido estimado, pode-se, desde

logo, aumentar o consumo de 45 mil toneladas para 60 mil. O coorr

denador chama a atenção do público para

dois pontos

: primeiro,

que lhe será dado um

produto novo, em benefício de sua

própria

saúde; segundo, que êsse

produto custa menos 30

por cento do

que a banha,

podendo ser vendido a 5 cruzeiros. A Coordenação

deverá criar o setor de óleos vegetais, afim de controlar a es~

peculação verificada no mercado do

produto.

Quanto ao problema

da manteiga -—• declara S. Excia. *—¦ antes

de maio nada temos que

atender ao consumo normal dos mercados

em função das fontes da produção.

As necessidades não são as

mesmas, e, numa época de guerra,

deve-se ter em vista até onde

pode ir o racionamento de

qualquer produto, sem prejudicar

o in-

terêsse da defesa nacional e os da população.

O coordenador lembra o que

acaba de fazer no caso do

açúcar: embora pudesse

reduzir o seu consumo a 50 por

cento,

não tomou essa medida por

termos recebido uma partida

conside-

rável que

nos deixava livres de qualquer preocupação

nos próxi-

mos oito meses. Quanto ao sal -—- declarou — não haverá raciona-*

mento, porque

ninguém come sal de mais: apenas aconselha a

poupança no uso do

produto. Abordou em seguida a

questão das

salinas de São Paulo, dizendo que estas estão sendo objeto de

estudos. Quanto às do Estado do Rio, havia pensado

numa pro-

dução de 200 mil toneladas, mas a safra ficou reduzida para

90

mil em conseqüência das chuvas. O produto

das salinas de Mos-

soró está condicionado, como todos sabem, ao problema

do trans-

porte, achando-se a Coordenação empenhada em ocupar o maior

espaço possível

dos navios que

seguem êsse roteiro. Procurando

solucionar a questão,

o Govêrno ataca o problema

de todos os ân~

gulos, e um deles é o da isenção de impostos. O coordenador esten-

de-se em interessantes considerações sôbre êsse ponto,

concluindo por

afirmar que

as providências

ora tomadas, visam, não só à época de

guerra, mas também a uma utilidade no tempo de paz.

Quanto ao querosene,

adianta o ministro João

Alberto que pre-

tende acabar muito breve com as filas de consumidores dêsse pro~

duto. Já estão sendo tomadas providencias

nesse sentido. A única

dificuldade vem sendo o fato de a maioria dos consumidores residir

nos morros, onde o recenseamento se torna penoso.

Mas, assim como

foram liquidadas as filas de automóveis diante das bombas de gaso~

lina, assim como foram dissolvidas as

"bichas"

dos consumidores de

açúcar à porta

dos armazéns, também serão dissolvidas as dos fre-

gueses de

querosene.

212CULTURA POLÍTICA

Salário adicional para a indústria

De grande significação

foi também o decreto-lei que institue,

para a indústria, em todo o

país, o salário adicional. Êsse salario

deverá ser atribuído por direito de serviço prestado

a todo operário

adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de trabalho, que,

sob qualquer forma de remuneração, trabalhe em serviço direta-

mente ligado à produção

manufatureira, ou à transformaçao de uti-

lidade em estabelecimento em

que seja exclusiva ou

preponderante

essa atividade, compreendido igualmente o serviço prestado

fora

do recinto do estabelecimento. Está incluído nessa disposição o em-

pregado em serviço de obras, tanto do Govêrno Federal, como dos

Governos Estaduais, Municipais ou organizações autárquicas.

O salário adicional para a indústria será pago

na conformi-

dade da tabela que acompanha o referido decreto e

que vigorara

pelo prazo de três anos, podendo

ser modificada a qualquer

época

ou confirmada por novo triênio, desde que

o represente, mediante

exposição documentada, o Serviço de Estatística da Previdencia e

Trabalho do Ministério do Trabalho ou a maioria absoluta dos sin-

dicatos representativos das atividades ou categorias economicas

in-

dustriais.

Para o menor de dezoito anos o salário adicional, respeitada a

proporcionalidade com o

que vigorar para

o empregado adulto local*

será pago sobre a base uniforme de 50 por

cento. Para o empre-

gado ocupado em operação ou fase de trabalho considerada

ín-

salubre, conforme se trate dos graus

máximo, médio ou mínimo,

o acréscimo de remuneração, respeitada a proporcionalida

e com

o salário adicional para a indústria que

vigorar para o empregado

adulto local, será de 40, 20 ou 10 por

cento, respectivamente.

A aplicação do salário adicional para a indústria não

po-

derá, em caso algum, ser causa determinante de redução de salario.

aratíficação, bonificação ou percentagem percebido pelo

empregado.

No caso de ter o empregado reais prejuízos devidamente compro-

vados, inclusive com o exame de livros, poderá ser, a

juízo do

Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho, temporariamente

dispensado do pagamento,

dispensa essa que

não devera, entretanto,

ultrapassar o período

de um ano, sendo facultada a renovaçao da

mesma, se prevalecerem

as causas que a determinaram.

Os infratores do presente

decreto-lei serão passíveis de multa

de cinqüenta a dois mil cruzeiros e elevada ao dôbro em caso de

reincidência. Quanto às dúvidas suscitadas pela

execução da lei,

deverão ser resolvidas pelo ministro do Trabalho, depois de ouvido

o Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho.

UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 213

Distribuição e racionamento de

combustíveis líquidos

Tendo em conta a necessidade e a conveniência de serem exer-

cidas de maneira mais centralizada as atribuições de que

havia sido

investida a Comissão de Racionamento e Distribuição de Combus-

tíveis Líquidos do Distrito Federal, dada a conveniência de um con-

trôle mais efetivo e imediato do que

o permitido pelo

sistema esta-

belecido na portaria

de 20 de novembro de 1942, o coordenador da

Mobilização Econômica resolveu criar o Serviço de Distribuição e

Racionamento de Combustíveis Líquidos do Distrito Federal, a qual

compete o seguinte: estabelecer quotas, determinando a

quantidade

que cada consumidor pode

ter em estoque; fixar, em regulamento,

penalidade a ser imposta aos infratores, as quais,

além das mui-

tas pecuniárias poderão abranger a proibição

do comércio ou supri-

mento de combustíveis; orientar, sugerindo aos órgãos competentes a

proibição do tráfego Ae veículos, transportando

combustíveis de dis-

tâncias que sejam

julgadas inconvenientes; fiscalizar, controlando, a

distribuição c o consumo de combustíveis, mantendo o controle os

estoques já levantados, obrigando os interessados, sempre que julgar

conveniente, a declarar suas disponibilidades e necessidades, sujei-

tando ao seu visto o fornecimento de dados pelas companhias impor-

tadoras. produtoras e distribuidoras a

qualquer entidade publica

ou

privada, excetuado o coordenador.

Deverá ainda o referido Serviço: a) racionalizar o transporte no

Distrito Federal (inclusive o coletivo) de modo a aproveitar o mais

possível os veículos e linhas, determinando o sua forma e assegu-

rando o abastecimento dos consumidores

com a maior economia

possível de combustíveis

e veículos; b) elaborar e submeter a con-

sideração do coordenador escalas de prioridade

agrícola, industrias

e de transporte, encarregando-se de executar e fiscalizar o fiel cum-

primento das que

forem aprovadas pelo coordenador,

tendo em vis a,

principalmente, a natureza dos

produtos e serviços a ser produzidos,

transportados ou

prestados e a conveniência

economica da ativi-

dade considerada em face das necesidades do consumo ou aplica-

cão podendo proceder aos levantamentos

indispensáveis para tal fim,

c) determinar às companhias importadoras e distribuidoras noDis-

trito Federal as providências

que julgar necessarias ao bom desem-

nho de suas funções, ficando incluída nesta autorizaçao afaculdade

de exigir o fornecimento dos dados indispensáveis; d) determinar

o Apimento de combustíveis dos barcos de pesca ,»e abaslecm

O Distrito Federal, através do Setor Pesca da Coordenaçao da

bilização Econômica; e) fixar as quotas parciais

de cada uma das

Companhias, uma vez estabelecida

a quota global

do Dls*rit° "

derai de acôrdo com as necessidades, reais do consumo e as dispo-

2f4 CULTURA POLITÍCA

nibilidades de estoques» aproveitando para

êste fim, da melhor

forma» a capacidade de distribuição e organização de venda das re~

feridas companhias.

Medidas sôbre o comércio da laranja

A Comissão Executiva de Frutas acaba de tomar várias pro-

vidências com relação ao comércio de laranja. Considerando que,

em virtude da guerra

mundial, Buenos Aires é o único mercado

consumidor dessa fruta; que

a capacidade do mercado argentino

não oferece margem de escoamento à safra do Rio e do Distrito

Federal; que

constitue imperativo de ordem econômica assegurar,

embora com sacrifício, a estabilidade dos preços

no mercado -consu~

midor; que

o excessivo número de exportadores poderia perturbar

o ritmo das exportações em relação à quota global

exportável —

resolveu: 1) conceder quotas

no corrente ano somente aos exporta-

dores que

hajam exportado uma média anual de cinco mil caixas

nos três últimos anos; 2) incluir entre os exportadores as coopera^

tivas citrícolas constituídas de acordo com a legislação vigente e

devidamente registadas no Serviço de Economia Rural e no Registo

de Exportadores, dentro do prazo

estabelecido para

solicitação de

quotas; 3) reconhecer os exportadores Di Gregorio & Cia. Ltda.

nas condições previstas pelo primeiro

item, tendo em consideração

que esta firma exportou nos três últimos anos 73.272 caixas, isto

é, mais do dobro da média acima estabelecida; 4) fixar o prazo

até

o dia 25 de maio para que

as cooperativas citrícolas que

tiverem

reconhecido o direito de expòrtar apresentem à Comissão Executiva

de Frutas relação completa dos seus cooperados, mencionando a

denominação das propriedades,

áreas, número de laranjeiras, e pro~

'dução

verificada em 1942, de acordo com a ficha distribuída; 5)

-reconhecer habilitadas várias firmas, cujos nomes não transcreve^

mos aqui por

falta de espaço.

Produção de gêneros

alimentícios

no Nordeste e na Amazônia

Dia a dia avultam as medidas postas

em prática

com o fim

de dar todo incremento à cultura de cereais, à horticultura, à avi-

cultura, à pesca,

tanto no Norte, quanto

no Nordeste do país.

A Comissão Brasileiro-Americana, — executora do acordo entre

o Brasil e os Estados Unidos para

desenvolvimento da produção

de gêneros

alimentícios na área da Baía ao Acre ip-í muito já

tem

feito e continua a fazer no que

concerne à assistência técnica, à

distribuição de sementes, máquinas agrárias e crédito aos agricul~

tóres de tão vasta zona, circunstância que

tem ^favorecido o au~

mento sensível das safras de milho, feijão, arroz, mandioca, ba~

tata, etc. na referida zona. A distribuição de sementes e máquinas

é efetuada aò mesmo tempo que

o lavrador de pequenas posses

é

UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS

contemplado com o necessário crédito. que a Comissão lhe

propor^

ciona, sem processos protelatôrios,

mas de maneira simples e eii*-

ciente» graças à colaboração das cooperativas e

prefeituras de cada

um dos Estados beneficiados.

Em poucos

meses em seguida à assinatura do acordo já foram

distribuídas no Acre, Amazonas, Pârá, Maranhão, Piauí, Ceará,

Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e

Baía, 3.160 toneladas de sementes de hortaliças e trinta toneladas

de sementes de capim. Já distribuiu igualmente a Comissão Brasi-

leiro-Americana nos referidos Estados 102.497 enxadas, pondo em

funcionamento 378 arados, 49 destorroadores, 234 cultivadores,

semeadeiras, 1.600 enxadas cultivadoras, 6 tratores e 6 aparelhos de

gasogênio.

Para atacar o problema

do combate à Saúva, também f°*am

adquiridos, e estão sendo empregados na medida das necessidades.

2.800 extintores de formigas, dos quais 300 cedidos pela

Divisão

de Defesa Sanitária Vegetal, maquinaria que conta para

o seu eh-

ciente e pronto

funcionamento com os produtos

recomendados pela

técnica.

Além dêsse acêrvo de material agrário, a Comissão Brasileiro-

Americana adquiriu, para imediato emprego nodesenvolvimento

,

suas atividades, cêrca de 1.200 machados, 2.017 facões, 50 pul-

verizadores e 2 mil chibancas. Para o armazenamento das co-

lheitas de cereais, no sentido de preservá-las

contra as pragas,

e

para o fim de garantir

o abastecimento em tôdas as épocas, em

cada região, a Comissão destinou, até agora, 450 silos às unidades

cie Norte e do Nordeste, assim distribuídos: Acre, 20; Amazonas,

40; Pará. 20; Maranhão, 50; Piauí, 40; Ceará, 45; Rio Grande do

Norte, 60; Paraíba, 50; Pernambuco, 25; Alagoas, 40; Sergipe, 30,

Baía, 30. Além dêsses, já instalados, existem mais 70

prontos, aguar-

dando o respectivo destino.

Na execução do plano

traçado pelo ministro da Agricultura, a

Comissão conta com um grupo

de 80 agrônomos brasileiros, alem de

especialistas americanos, sendo de destacar ainda, nao so ®

ração do comandante da 7» Região Militar, general

Newton Cavai-

canti, como a cooperação da Divisão de Fomento da Produção Ve-

getal, através de suas secções naqueles Estados e das Secretarias de

Agricultura dos governos locais.

* * *

Falando à imprensa, o sr. Kenneth J. Radow, superintendente

do Serviço de Alimentação da Coordenação Econômica Americana,

e representante do

govêrno dos Estados Unidos na Comissão

-

sileiro-Americana de Gêneros Alimentícios, referiu-se ao programa

traçado pelo ministro da Agricultura no

que concerne à Amazônia,

216 CULTURA POLÍTICA

dando detalhados informes sôbre a distribuição de sementes e-

acrescentando o seguinte: pequenos empréstimos de dinheiro serão

feitos pela

Comissão a fazendeiros, com a garantia

de aumentar a

cultura para o Govêrno. E' esperada uma

grande produção de mi-

lho, arroz, feijão, mandioca e verduras, dentro de mais algum

tempo, afim de auxiliar o programa da borracha. As necessidades

das forças armadas também serão satisfeitas, logo que possível.

Para obtér-se produção

de sementes destinadas à futura distribuí-

ção, deverão ser feitas

plantações em

propriedades rurais da Co-

missão e do Fomento Agrícola.

Acrescenta ainda que

a Comissão Brasileiro-Americana vai

cooperar no estudo e solução dos problemas

do peixe

e da carne na-

quela região,

para o

que já está sendo delineado um

plano de ação

em cooperação com a Mobilização Econômica.

Controle da indústria de arte-

factos de borracha

A Comissão de Controle dos Acordos de ^Vashington acaba

de aprovar diversas instruções que

deverão ser observadas no con-

trôle da indústria nacional de artefactos de borracha. De acordo

com essas instruções, o Banco de Crédito da Borracha S. A. deverá

manter em seus armazéns nas cidades de Manaus, Belém, Rio de

Janeiro e São Paulo estoques de borracha destinados ao suprimento

da indústria de artefactos de borracha. As

"firmas

delegadas" con-

tinuarão a exercer suas atividades, encaminhando a borracha aos ar-

mazens do Banco de Crédito da Borracha, quando

o produto

desti-

nar-se ao consumo interno. A exportação da borracha para os Esta-

dos Unidos será feita pelas

"firmas

delegadas" ou por

outras entida-

des autorizadas, de acordo com as normas estabelecidas pelo Banco

de Crédito. As autorizações e privilégios

concedidos às

"firmas

de-

legadas" não impedem que

outras firmas ou entidades possam

exercer também suas atividades no comércio da borracha, desde

que o

produto por elas adquirido no interior do

país seja encami-

nhado às

"firmas

delegadas" ou aos armazéns do Banco de Cré-

dito, para

efeito das operações de compra e venda. A Carteira de

Importação e Exportação continuará com as atribuições referentes

às operações finais de compra e venda de borracha para

exporta-

'

ção, enquanto vigorar a delegação de

poderes que para êsse fim lhe

foi autorgada pêlo Banco de Crédito da Borracha. As fábricas de

artefactos de borracha não poderão exercer atividade de

"firmas

delegadas". A indústria de artefactos de borracha adquirirá nos ar-

mazens do Banco de Crédito, e a preços por

êste fixados, a borracha

necessária ao seu consumo, de acordo com as normas estabeleci^

das pelo

Setor de Produção Industrial da Coordenação da Mo-

bilização Econômica. Nenhuma fábrica de artefactos de borracha

poderá comprar ou receber borracha de

qualquer tipo ou

qualidade»

•. .

- f ^ •

*• ' <¦ •?, w •; r«v \w v-1* ¦*.*i

^*1^

" ^

' -• •

UM MÊS DE REALIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS 217

inclusive recuperada ou regenerada, sem autorização expressa do

Setor de Produção Industrial, que

deverá também fixar trimestral"

mente as quotas

de consumo de borracha para

as fábricas. Com

bases nessas quotas

e nos estoques em poder

dos industriais, serão

estabelecidas as licenças de compra, que

o Setor da Produção In~

dustrial comunicará ao Banco de Crédito. Os industriais de arte-

factos de borracha, os comerciantes intermediários ou quaisquer

outros detentores de estoques de borracha, inclusive armazéns gerais

ou depósitos de qualquer

espécie, ficaram obrigados a declarar até o

dia 15 de maio último ao Setor de Produção Industrial o volume de

seus estoques de borracha de todos os tipos ou qualidade,

inclusive

recuperada ou regenerada, em 30 de abril último, o local do depósitor

bem como as quantidades

adquiridas e ainda não recebidas. A Car~

teira de Exportação e Importação controlará a exportação de todos

os produtos

manufaturados de borracha, nos têrmos especialmente de-

terminados pela

Comissão dos Acordos de Washington.

Propaganda do Brasil nos

Estados Unidos

Acaba de ser submetido ao ministro do Trabalho o relatório

anual do chefe do Escritório de Expanção Comercial do Brasil em

Nova York. Entre as informações desse documento sôbre a pro-

paganda do Brasil nos Estados Unidos, em

que o Govêrno se acha-

vivamente empenhado, temos a destacar as seguintes: O Escrito-

rio atendeu a 6.173 consultas relativas ao nosso país

e a assuntos

brasileiros; distribuiu milhares de folhetos, brochuras, mimeografias

e publicações

várias sôbre o Brasil e assuntos comerciais, industriais

e culturais brasileiros. Novas monografias e publicações avulsas fo-

ram enviadas a todos os leitores da revista Brasil Today , cuja pu-

blicação foi suspensa por causa das dificuldades acarretadas pela

si-

tuação anormal em que se encontram os dois países.

O boletim em

português, intitulado

"Boletim

Americano", foi distribuído semanal-

mente a 569 pessoas

e a 37 entidades oficiais em várias partes

do

Brasil e em alguns países das Américas. Essa

publicação, como órgão

orientador destinado ao comércio brasileiro, transmitiu ao nosso país

409 notícias diversas de assuntos divulgados nos Estados Unidos. O

Escritório continuou ampliando suas coleções gerais e material ilus-

trativo. Teve ocasião de atender a pedidos

dos principais jornais,

re-

vistas, agências de publicidade, casas editoras, escritores, desenhistas,

pintores, estúdios cinematográficos, etc. de todos os

pontos do Esta-

dos Unidos, aos quais

cedeu cêrca de 948 fotografias de personagens,

cidades, indústrias, curiosidades, cênas típicas do Brasil. Grande

parte dêsse material de

publicidade foi aproveitado, não só

para ilus-

tração em revistas e jornais,

nos Estados Undos e no Canadá, como

também para melhor orientar os escritores, estudantes, ilustradores e

empresários cinematográficos, interessados em determinados aspectos.

V

2HTCULTURA POLÍTICA

do Brasil antigo ou contemporâneo. O Escritório fez-se representar

em várias reüniões comerciais, culturais e educacionais, procurando

promover assim a divulgação prática

do Brasil no ambiente norte-

americano.

Política continental

Embora esta revista já tivesse tratado detalhadamente, no nú-

mero passado, da visita do Presidente do Paraguai ao nosso

pais.

a presente resenha ficaria incompleta, sem uma referência a tao

auspicioso acontecimento. A visita do general

Higinio Moríwgo nao

teve apenas um sentido formal de confraternização sul-americana:

dela advieram conseqüências imediatas e

práticas, de

grande al-

cance para os dois

países. Uma foi o decreto-lei de 4 de maio, con-

siderando inexistente a dívida de guerra

do Paraguai para

com o

Brasil. Nenhum ato poderia

honrar mais a política

de solidariedade

continental do Estado Nacional do que

esse. O referido decreto

apagou, de maneira definitiva, o que

ainda formalmente restava de

um dissídio antigo, que não deixou a menor sombra de ressenti-

mentos entre paraguaios e brasileiros.

Outra conseqüência . relevante foi a assinatura de importantes

tratados entre os dois países,

visando o comércio e a navegação, a

proteção da

propriedade industrial, o turismo e a concessão de

facilidades para a entrada de nacionais em ambos os

países. Dessa

maneira, o Estado Nacional mais uma vez evidenciou o sentido

realista de sua política, quer

na vida interna da Nação, quer nas

relações exteriores da mesma. E* uma política de

^atos,

de reali-

zações, de solidariedade continental, afirmada, não apenas em

tropos oratórios, mas em medidas de caráter prático.

Atividades Culturais do D. I. P

RESENHA MENSAL

DIVISÃO DE RADIO

Movimento da Divisão no mês de maio de 1943:

"Hora do Brasil" —- 24 irradiações

Parte falada:

Noticiário da Presidência da República

Noticiário da Capital da República

Noticiário dos Estados

Situação na Capital da República

Situação nos Estados

Noticiário dos Ministérios

Palestras do ministro Marcondes Filho

Palestras e discursos

Crônicas

Aviso aos navegantes

Cartaz internacional • •: * * :: \\ Vi

"-Lu '

Programas de intercâmbio com os Estados Unidos e com a Republica

Argetatina

Parte musical:

Música artística (Orquestra sinfônica)

Música artística (Orquestra de cordas)

Música artística (Cantores e instrumentistas)

Programas de música popular

Re transmissões de programas de intercâmbio

Gravações do D. I.

Programas comemorativos

Expediente

1) Correspondência nacional:

Ofícios recebidos

Ofícios expedidos

Telegramas recebidos ..

Telegramas expedidos

2) Correspondência estrangeira:

Cartas recebidas

Telegramas recebidos

Telegramas expedidos

Requerimentos despachados ^

120CULTURA POLÍTICA

Programas de intercâmbio com o estrangeiroi

Transmissões (2 para os Estados Unidos c 2 para

a Argentina)

Re transmissões (3 dos Estados Unidos e 1 da Argentina)

Boletins de noticias em línguas estrangeiras:

Em inglês

Em espanhol

Serviço externo:

Serviço de alto-falantes

/Irradiações

Censura:

Gravações

Letras de músicas censuradas

Programas radiofônicos censurados c '%

Taxa de censura de programas

Taxa de gravações

DIVISÃO DE CINEMA E TEATRO

4

4

72

48

51

. 41

193

417

1.600

6.588,00

350,00

Nacionais:

Shorts

Jornais

Dramas . .

Total de filmes! cen-

surados ....

Censura cinematográfica

FILMES CENSURADOS

20 medindo

25 medindo

— medindo

4.394 m com 87 cópias com

5.226 m com 110 cópias com

m com 2 cópias com

22.162 m

23.170 m

2.660 m

*********

45 medindo 9.620 m com 199 cópias com 47.992 m

Estrangeiros:

Estados Unidos:

Dramas

Trailers

Desenhos ....

Jornais

Shorts

Comédias

Total de filmes, cen-

surados ....

Inglaterra:

Dramas

Trailers

Jornais

Shorts

Total de filmes cen-

surados ....

França:

Dramas

Trailers

Total de filmes cen-

surados ....

Argentina:

Dramas

Trailers

Total de fàlmeç/ cen-

surados . . . .

37 medindo

28 medindo

13 medindo

20 medindo

16 medindo

1 medindo

85.141 m com

1.485 m com

2.362 m com

5.437 m com

4.165 m com

2.290 m com

163 cópias com 375.273 m

° 477 m151 cópias com

25 cópias com

104 cópias com

114 cópias com

9 cópias com

8

5

27

23

19

477 m

.245 m

.808 m

.370 m

115 medindo 100.880 m com 566 cópias com 459.650 m

1 medindo

1 medindo

4 medindo

7 medindo

2.330 m com

62 m com

1.142 m com

2.409 m com

5 cópias com

5 cópias com

24 cópias com

14 cópias com

11.650 m

510 m

6.852 m

4.818 m

13 medindo 5.943 m com 48 cópias com 23.630 m

2 medindo 5.086 m com 3 cópias com 7.428 m

1 medindo 118 m

3 medindo 5.204 m com 3 cópias com 7.428 m

medindo 4.964 m com 4 cópias com 9.928 m

1 medindo 93 m com 2 cópias com 186 m

*****4çt** ***** **mu»tm**

medindo 5.057 m com 6 cópias com 10.114 m

ATIVIDADES CULTURAIS DO D. I. P. 221

FISCALIZAÇÃO

Foram fi<r«HzaHa« 222 casas de diversOes, verificando-se um total de 24 ir-

regularidades.

PROGRAMAS APROVADOS

'

44 7

De cinemas g-

De teatros 897

Outras diversões

Total 1,411

Certificados de filmes fornecidos •; •• • 1 •

Emolumentos de aprovação de programas, cartazes e anúncios t-r> y. wo.su

Emolumentos de censura de filmes 05

Peças teatrais censuradas

Sem cortes g

Com cortes

179

Total de filmes censurados *

Total de cópias n6

Metragem censurada «4»'«14

Metragem de cópias

SECÇÃO DE REGISTO DE CONTRATOS

Contratos registados:

De artistas nacionais 98 num total de Cr$ 1-353.389.00

De artistas estrangeiros 2 num total de Cr$

Total de contratos registrados .. 100 perfazendo a soma de Cr$ 1.434.389,00

Músicos registrados:

Brasileiros

Artistas registados:

Brasileiros *15

Estrangeiros

Produção da Divulgação Cinematográfica no mês de maio de 1943:

Cine Jornal Brasileiro N. 195 com 235 m 6 cópias com total de ...... 1.410 m

Cine Jornal Brasileiro N. 196, VII com 320 m 6 cópias com o total de 1.920 m

Cine Jornal Brasileiro N. 197, VII com 200 m 6 cópias com o total de 1.200 m

Cine Jornal Brasileiro N. 198, VII com 205 m 6 copias com o total de 1.230 m

Cine Jornal Brasileiro N. 199, VII com 230 m 6 cópias com o total de 1.380 m

Cine Jornal Brasileiro N. 200, VII com 288 m 6 cópias com o total de -728 m

Cine Jornal Brasileiro N. 1. VIII com 215 m 6 cópias com o total de U290 m

Total 10.158 m

Total:

7 Números; 42 Cópias; 10.158 metros.

DIVISÃO DE DIVULGAÇAO

Conferências e sessões realizadas no recinto do D. I. P. de 15. de maio a 14 de

junho de 1943

Dia 9-6-1943 - Conferência do capitSo Ivo Augusto Macedo sôbre

"Guenra

Química" patrocinada pela Liga de Defesa Nacional, às 17,30.

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*^T» . - -» ^

222 CULTURA

POLÍTICA

°»U*-

e pronunciada pelo

capitSo de fragata Auto de Sá Brito e

Souza, às 17,30.

Obras publicadas pela Divisão de Divulgação

de 15 de maio a 14 de /unho de

"Dos

Jornais" (n. 23).

"O

Brasil de ontem, de hoje e de amanha" (n. 37 -

Jan. de 194 ).

SECÇAO DE INTERCÂMBIO LUSO-BRASILEIRO

Divulgação da Literatura Brasileira — De 15 de abril a 15

se. para divulgação na imprensa pPtaH£.

artigo);

literárias, os seguintes trabalha: Álvaro Lins (A Fontes

(Deputado

Alceu Amoroso Lima (A morte do Jacaré,

crômca), Aman^

aoseníe, poema);

Santos Lima. trecho de romance ; ^bgar RenauU ^n.íameníe^ause^^ P~

^.

Graciliano Ramos (/nsônia> crônica)romance)*

Gilberto Osório de Andrade

José Lins do Rêgo (Fogo

Morto, tredi° (Páainas

de um diário, impres-

(fiteffto da Anti-Critica.

artigo); Marques Rebelo (Páginas d

Vi i ius dc Morais

sões); Santa Rosa (Esquema das artes do Brasil, crônica), Vinícius

^Capitulo °"f' _

Em igUal período enviaram-se à imprensa portu-

e social brasileira. «

Sessão comemorativa do descobrimento do Brasil — A Secção 0í^jJfSaurii

O Esconde de C«jn«lde^0

^iuí^qíe^omenagwu^

ten«te-coro^l Q>elho

tar pròximamente as orações pronunciadas

naquela reun

?¦*•*»^'üSSSto ítf"S^°poZ

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para os melhores artigos publicados na imprensa brasileira, em

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