Date post: | 05-Mar-2023 |
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DIREITO AO ESQUECIMENTO NA INTERNET E A (IM)POSSIBILIDADE DE
RECOMEÇAR
Mateus Queiroz Cardoso
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa que aqui se inicia surgiu de muitos
questionamentos e indagações, algo comum e bastante
corriqueiro quando tratamos de um sistema jurídico-normativo
feito por homens. Não menos importantes e talvez o maior dos
incetivadores para a continuidade e persistência no tema a ser
explorado são as angústias de quem ja viveu ou vive o peso de
estar submetido diretamente ao sistema carcerário que hoje se
instala no Brasil. Hoje são muitas as familias que buscam
reestruturar-se e tomar de volta o seu lugar na sociedade após
‘pagarem’ o injusto preço que lhes foi ofertado por nossos
iguais. Sim, iguais.
O mundo contemporâneo em que hoje vivemos trouxe
consigo um novo mundo de possibilidades quanto a comunicação e
a veiculação da informação. Nesse meio, a internet chegou e
tomou a frente no que concerne a uma possível revolução da
informação. Os demais meios de comunicação que surgiram em
nossa Historia não representaram a mesma conquista que
alcançou o invento da rede cibernética. Nesse sentido leciona
o estudioso francês Pierre Lèvy:
A comunicação por mundos virtuais é, portanto, emcerto sentido, mais interativa que a comunicaçãotelefônica, uma vez que implica, na mensagem, tantoa imagem da pessoa como a da situação, que sãoquase sempre aquilo que está em jogo nacomunicação1.
Dessa forma a internet insere um novo paradigma de
publicização do nosso cotidiano. Estampa em uma rede virtual
algo que não tocamos, impressões que são deixadas por um
emissor desconhecido ou anônimo. E em segundos aquela nova
informação está disponível para qualquer usuário cibernético e
ali resta por tempo indeterminado. O que se mostra um grande
avanço e de utilidade imensurável pode, no entanto, servir
para sustentar e legitimar um processo doloroso e duradouro. A
notícia de um jornal virtual ou um blog que um dia buscou
apenas trazer à informação pública determinado acontecimento
acaba por criar uma ferida que jamais cicatrizará, ou ainda,
que irá cicatrizar mas jamais apagará a marca deixada pela
dor.
Nessa luta entre o avanço da informação mais o direito da
população em tomar conhecimento dos fatos que ocorrem ao nosso
redor e a responsabilidade a que se presta determinado domínio
cibernético noticiando um fato específico sobre determinada
pessoa é que inserimos o grande questionamento a que se propõe
este trabalho de conclusão de curso. A Constituição de 1988
protege o direito à comunicação no artigo 5º, inciso IX, e, no
inciso X, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, que compõe o que chamamos de direitos da1 LÉVY, Pierre. Cibercultura. (Trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo:Editora 34, 2009, p. 81
2
personalidade. O Pacto de San José da Costa Rica, ao qual o
Brasil é aderente, protege o direito à honra e à dignidade no
artigo 11 e o direito à informação, no artigo 13. Como se vê,
os dois direitos são elevados à categoria de fundamentais,
tidos como da mais alta relevância.
Com a instalação desse conflito em nosso meio, surgiu o
‘Direito ao Esquecimento’ e com este um primeiro
questionamento acerca de quanto tempo pode uma informação de
teor negativo manter-se na internet. Tal dilema não deve ser
encarado como um delírio da modernidade. Tamanhas são as
possibilidades em que tal prerrogativa proveniente do fenômeno
da cibercultura, que será apresentado no decorrer deste
trabalho, podem causar a perpetuação de um castigo para
aqueles que, por meio da internet, tornaram públicos
determinados atos, seja através da própria pessoa ou pelos
meios de comunicação em massa.
Transportando esta celeuma para o âmbito do sistema penal-
carcerário brasileiro podemos imaginar um panorama de difícil
reinserção de um agente delituoso que cumpriu sua pena e ao
retomar o convívio social não encontra qualquer ensejo
positivo a sua reintegração. Tal fato se daria justamente pelo
não esquecimento de atos passados e que continuamente são e
serão reproduzidos gerando a eternização de uma pena ou até
mesmo de uma pretensa pena, ja que por muitas vezes somos
condenados antes mesmo de sermos julgados dentro desse
processo cognitivo-judicial.
3
Tendo em mente essas novas demandas sociais, diversos
países já iniciaram esforços efetivos na busca por um meio de
equacionar este conflito adotando ferramentas que proporcionem
uma redução da distância que existe entre o internauta e o
provedor de internet. Também o Brasil iniciou de forma ainda
imatura e insípida a discussão sobre o tema tendo por hora
algumas tantas decisões que buscaram excluir determinado
conteúdo da internet que de alguma forma vilipendiou a imagem
de um cidadão, assim como, duas recentes decisões do STJ que
pela primeira vez decidiram sobre o tema, e ainda mais recente
a decisão do STF.
Por fim, pensar em direito ao esquecimento é também pensar
em direitos fundamentais e em saber-se ponderar entre a
razoabilidade e a proporcionalidade. Discutir os meandros
dessa nova realidade proporcionará uma nova perspectiva sobre
a ressocialização do preso assim como uma releitura acerca da
responsabilidade sobre os meios midiáticos.
1. A INTERNET SIGNIFICA O FIM DO ESQUECIMENTO ?
O nome a que se dá a este capítulo vem da expressão
‘Internet means the end of forgetting’2 cunhada pelo professor
de Direito da ‘George Washington University’, Jefrrey Rosen, em um
artigo publicado no dia 10 de julho de 2010 para o jornal
americano de grande circulação, o New York Times3.
2 Tradução literal para “A internet significa o fim do esquecimento”3 ROSEN, Jefrrey; Disponivel em <http://www.nytimes.com/2010/07/25/magazine/25privacy-t2.html?pagewanted=all&_r=1&> Acesso em 08 out. 2013
4
Por esta expressão, toma-se como pressuposto o grande
trunfo e igualmente o maior fracasso que vem a ser a Internet
nos dias de hoje: a permanência indefinida de informações em
um espaço abstrato e de difícil alcance. Em razão deste fato,
Jeffrey Rosen nos explica que segundas chances são cada vez
mais temerosas e de dificil aplicação:
It’s often said that we live in a permissive era,one with infinite second chances. But the truth isthat for a great many people, the permanent memorybank of the Web increasingly means thereare no second chances — no opportunities to escapea scarlet letter in your digital past. Now theworst thing you’ve done is often the first thingeveryone knows about you.4
O professor de Direito ainda faz referências ao romance
‘A Letra Escarlate’ do autor Nathaniel Hawthorne. O romance
conta a história de uma jovem moça casada que comete adultério
e gera um filho deste relacionamento extra-conjugal e as
pessoas da cidade onde mora decidem castigá-la com a pena de
carregar sobre o peito a letra ‘A’ marcando pra sempre a vida
daquela mulher e não deixando que ninguém jamais se esqueça do
que aconteceu outrora. No desenrolar da história percebemos
que tal punição vai além da pessoa que estava submetida ao
castigo, de modo que a vida do marido da protagonista também
está comprometida o que faz com ele mude completamente sua
4 É comum dizer que vivemos em uma era permissiva, com segundas chancesinfinitas. Mas a verdade é que, para muitas pessoas, memória permanente dobanco da Web significa que cada vez mais não há uma seguna chance - semoportunidades para escapar de uma letra escarlate em seu passado digital.Agora, a pior coisa que você já fez muitas vezes é a primeira coisa quetodo mundo sabe sobre você
5
identidade e alimente dentro de si um sentimento odioso de
vingança pela esposa e pelo homem com quem ela o traiu.
Por meio deste enredo é possível extrair exatamente o que
ocorre quando lidamos com o mundo cibernético. A velocidade
com que a informação é posta em evidência no espaço virtual
estampa em cada um de nós uma letra no peito que nos marca por
aquilo que somos e por aquilo que dizem ser de nós. E essa
diferença de perspectiva traz consigo a necessidade de uma
leitura interpretativa que não se impõe aos receptores de
dados da Internet. Dessa forma, comumentemente vemos fatos
invertidos e controvertidos sem qualquer filtro ético ou
profissional. Uma verdadeira feira de usados onde escolhemos o
que nos interessa e damos a eles utilidades que melhor nos
convém sem importar necessariamente a função original.
2. DIREITOS DA PERSONALIDADE X DIREITO À INFORMAÇÃO
A partir desse novo período cibernético as redes de
telecomunicações se apossam do uso da internet a seu favor.
Era de se imaginar que tamanha grandiosidade desta ferramenta
alcançaria também sua glória nos meios de comunicação.
Hoje nós temos diversas fontes midiáticas que tem suporte
totalmente virtual não tendo qualquer estrutura física em sua
formação. E essa nova categoria de mídia cresce diariamente
por meio de blogs, videologs, tumblr, e outras tantas opções
de domínio virtual.
6
O acesso a essas novas plataformas é cada vez mais
facilitado em todas as esferas sociais e etárias. Uma nova
geração que já nasce em uma era onde todos os aparelhos
digitais são conectados uns aos outros e que já substituem o
uso de livros e cadernos por tablets e smartphones.
Atualmente quase todos os jornais, revistas e canais de
televisão tem suas versões virtuais paralelas às suas unidades
físicas. Sendo assim, o conteúdo que é impresso, é também
disposto na internet. Aquilo que poderíamos eventualmente
perder ou jogar fora, agora nós guardamos e salvamos em
arquivos que perecem a eventuais intempéries do dia-a-dia.
A partir dessa nova dinâmica relacional, surgem conflitos
que merecem nossa atenção e necessitam de suporte jurídico.
Inserimos aqui uma discussão bastante pertinente que trata do
paradoxo entre o direito à informação que é clamado pela
população como forma de tomar conhecimento dos acontecimentos
e corolário ao Estado Democrático de Direito, e o direitos da
personalidade, tais como a honra, a imagem e a intimidade,
também constitucionais, e que visam proteger a sociedade de
abusos da mídia que expõe publicamente a vida de todos.
Como visto, ambos os direitos possuem tutela
constitucional e integram os chamados direitos fundamentais,
porém os valores que revestem cada um desses dois direitos
(direitos da personalidade e liberdade de expressão e
comunicação), muitas vezes são opostos5.
5 CENEVIVA, Walter. Informação e privacidade. In: XVIII CONFERÊNCIA NACIONALDOS ADVOGADOS: cidadania, ética e estado. 2002, Salvador. Anais. Brasília:OAB, 2003, p. 1513
7
Porém, por mais essencial que sejam os direitos a
liberdade de expressão e comunicação, por um lado, e, os
direitos da personalidade, por outro, ambos, não devem ser
considerados absolutos. E ao entrarem em conflito, fora dos
casos ressalvados em lei, encontram seus limites6.
2.1 DIREITO À INFORMAÇÃO
Surgido dentro de um contexto de democratização do acesso
à informaçao e clamor da sociedade pela transparência do
Estado, o Direito à informação apresenta-se atualmente como um
direito fundamental e um importante instrumento por meio do
qual legitimamos nossa cidadania. É a informação que gera a
participação da população nas tomadas de decisões feitas pelo
governo. É a coleta de dados que promove estudos de casos como
o da violência contra a mulher. É o controle de gastos na luta
contra a corrupção. E muitas outras demandas que pressupõe o
acesso à informação.
O direito à informação reconhece às pessoas a liberdade em
receber a informação, e aos veículos de comunicação o direito
de passá-la. Surge aqui também a liberdade de imprensa que
encontra respaldo constitucional na livre manifestação do
pensamento, vedando-se o anonimato (art. 5º, inc. IV, CF),
além de garantir a liberdade de expressão (inc. IX), aqui
incluídas atividades intelectuais, artísticas, científicas e
6 NUNES, Gustavo Henrique Schneider. O direito à liberdade de expressão edireito à imagem. Disponivel em:<http://www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Gustavo_imagem.doc> Acesso em 01nov. 2013
8
de comunicação, independentemente de censura ou licença. Tal
dispositivo é a consagração do direito à manifestação do
pensamento, ao estabelecer meios que dêem efetividade a tal
direito.
Além dos citados direitos constitucionais, acrescentece-se
o direito à verdade e os princípios da publicidade e da
transparência ditos norteadores do estado democrático de
direito. No regime democrático a regra é assegurar a
disponibilidade das informações com base no princípio da
máxima divulgação das informações; a exceção é o sigilo e o
segredo.
No atual contexto brasileiro, o interesse público
imperativo não é o sigilo eterno de documentos públicos, mas,
ao contrário, o amplo e livre acesso aos arquivos. O direito
ao acesso à informação é condição para o exercício de demais
direitos humanos, como o direito à verdade e o direito à
justiça, sobretudo em casos de graves violações de direitos
humanos perpetradas em regimes autoritários do passado.
O direito à verdade, por sua vez, contempla uma dupla
dimensão: individual e coletiva. Individual ao conferir aos
familiares de vítimas de graves violações o direito à
informação sobre o ocorrido; coletivo ao assegurar à sociedade
em geral o direito à construção da memória e identidade
coletivas, cumprindo um papel preventivo, ao confiar às
gerações futuras a responsabilidade de prevenir a ocorrência
de tais práticas.
9
No Brasil, em 2009, foi lançado o Programa Nacional de
Direitos Humanos III, que imeditamente estabelece a criação de
uma Comissão Nacional de Verdade, com a finalidade de
esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos no
período ditatorial, o que propiciou o projeto de lei
n.7.376/10. Embora o propósito da Comissão da Verdade não seja
exatamente contrário ao direito ao esquecimento, a partir dela
é possível observar o papel que a memória incute às pessoas a
partir de um entendimento que ali encontraríamos as soluções
para os mais diversos problemas.
2.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade possuem características
próprias que os colocam em posição de destaque, são direitos
essenciais ou fundamentais, que dão ao indivíduo a própria
noção de pessoa7. Destacamos aqui para o estudo a que nos
prestamos nesse trabalho o direito à privacidade, o direito à
intimidade e o direito à preservação de imagem, sendo todos
derivados do princípio da dignidade da pessoa humana.
Os direitos da personalidade refletirão na nossa forma de
vermos nós mesmos. Existe uma ligação bastante forte com
aquilo que chamamos de reputação que a nível de internet seria
a nossa reputação frente à nossa identidade digital. O
problema é que essa identidade digital é formada por uma gama
7 AFFORNALI, Maria Cecília Naréssi Munhoz. Direito à própria imagem. Curitiba:Juruá, 2003, p.50
10
de informações disponibilizadas pelo próprio indivíduo sobre
si mesmo ou por terceiros acerca deste mesmo indivíduo.
A internet que antes permitia que fôssemos aquilo que
desejávamos ser a partir da simples mudança de pseudônimo em
um chat ou pela postagem de novas fotos nas redes sociais,
hoje não nos dá essa liberdade fazendo-nos prisioneiros
daquilo que cultivamos ser ao longo de determinado período e
também por aquilo que um dia veicularam sobre nossa pessoa.
A reputação em relação a nossa identidade digital alcançou
uma importância tão grande que hoje se tornou um novo setor
mercadológico através da formação de empresas que são
especializadas em tornar ‘limpa’ a imagem de alguém na
internet, a exemplo das empresas Reputation Defender e a
Integrity Defenders. Os serviços prestados variam desde a
simples limpeza de informações ruins das primeiras páginas de
sites de busca (a cada página do site de busca retirado o
preço aumenta) até uma taxa mensal para que o serviço seja
contínuo.8
Embora o serviço seja custoso, o resultado se mostra
eficiente e o objeto em jogo é de imenso valor. E por isso tem
se mostrado um ramo rentável. A busca por um novo recomeço
frente à nossa reputação digital é de extrema importância para
pessoas que ocupam um cargo de alta importância na sociedade e
8 GIBSON, Megan. Repairing Your Damage Online Reputation: When Is It Time ToCall The Experts? Disponivel em<http://content.time.com/time/business/article/0,8599,2065597,00.html>Acesso em: 22 out. 2013
11
precisam ‘manter as aparências’, sendo estes os principais
clientes dessas empresas.
Toda essa nova leitura do mundo virtual deriva do lugar de
destaque que ocupa os objetos formadores dos direitos da
personalidade devendo estes serem revestidos de uma
importância específica e especial. Devemos compreendê-los como
elementos de formação de cada indivíduo sendo a tutela do
Estado imprescindível para a realização de cada ser humano.
2.3 CONFLITO DE DIREITOS
Ao confrontarmos os direitos acima referidos é possível
vislumbrar situações em que um determinado direito prevalecerá
sobre o outro. Falamos sobre direitos fundamentais protegidos
pela nossa Constituição que ao ser legitimado em uma pessoa
encontrará barreiras no que concerne ao direito do próximo.
Assim, os meios de comunicação de massa ao divulgarem as
notícias, críticas ou opiniões, podem invadir a esfera privada
das pessoas. Ou seja, pode-se dizer que há a colisão entre
direitos, quando determinadas opiniões ou fatos relacionados
ao âmbito de proteção constitucional de direitos como a honra,
a intimidade, a vida privada e a imagem, não podem ser
divulgados de forma indiscriminada pela liberdade de expressão
e comunicação em prol do direito à informação. Um duelo entre
a ânsia informativo-lucrativa e os interesses individuais dos
envolvidos.
12
Com a facilidade de difundir essas informações a mídia
causa danos irreversíveis. Nesse momento os meios de
comunicação só pensam na audiência e impelem a imprensa à
busca da superficialidade, da arrogância, de escândalos, de um
autêntico sensacionalismo.
Qual o elemento de contenção à liberdade deinformação contido nestes dispositivos? Nenhum,além de outros direitos que a mesma Constituiçãoassegura. As normas transcritas têm, pois, eficáciaplena, não admitindo qualquer tipo de contenção porlei ordinária, a não ser meramente confirmativa dasrestrições que a própria Constituição menciona nosincisos do artigo 5º e no artigo 2209.
Partindo desse ponto, verifica-se a necessidade de se
conhecer as técnicas utilizadas para se solucionar os
conflitos envolvendo direitos fundamentais. A jurisprudência
nacional entra comumente em contato com circunstâncias dessa
natureza, utilizando-se da técnica da ponderação de princípios
para decidir qual princípio prevalece sobre o outro em casos
concretos.
Os princípios por sua vez, não são mais vistos como eram
no positivismo, como valores éticos a serem seguidos pela
sociedade. Atualmente os princípios são carregados de
normatividade, o que os faz um tipo de norma. Os princípios
constitucionais são normas que sustentam e servem de
fundamento jurídico para o ordenamento constitucional, são os
valores primordiais e as bases do sistema normativo da
9 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de Informação eo Direito difuso à Informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar. 2003, p.50-51
13
sociedade. Não são considerados apenas meros programas ou
sugestões para ações da iniciativa privada ou do Poder
Público. Eles dão a direção para as atividades pois possuem
verdadeira força vinculante.
Nesse momento é preciso pautarmos o maior princípio que
norteia nossa relações nos dias atuais e toma importante papel
na construção e resolução do conflito que se forma entre os
direitos fundamentais. Falamos do princípio da dignidade da
pessoa humana que nas palavras de Novelino “a dignidade da
pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro,
constitui-se no valor constitucional supremo em torno do qual
gravitam os direitos fundamentais” 10. Dessa forma, torna-se
evidente a importância desse princípio no estudo dos direitos
fundamentais.
Entretanto o princípio da dignidade da pessoa humana
absorve um caráter bastante abstrato de forma que não se pode,
de fato, definir seus parâmetros e traçar um conceito
objetivo. Pode-se, porém, ter uma noção do que seja tal
princípio através da lição de Edilsom de Farias:
O principio da dignidade da pessoa humana refere-seás exigências básicas do ser humano no sentido deque ao homem concreto sejam oferecidos os recursosde que dispõe a sociedade para a mantença de umaexistência digna, bem como propiciadas as condiçõesindispensáveis para o desenvolvimento de suaspotencialidades. Assim, o principio em causa
10 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método. 2008, p.248
14
protege várias dimensões da realidade humana, sejamaterial ou espiritual11.
Com isso, a importância deste princípio se mostra revelada
de tal forma que sua imposição deverá nortear a aplicação dos
direitos fundamentais sendo usado, assim, como instrumento
para os juristas entendendo que deverá prevalecer aquele
direito que melhor promover a diginidade da pessoa humana. É,
como entende, Farias, “a fonte jurídico-positiva dos direitos
fundamentais, o princípio que dá unidade e coerência ao
conjunto dos direitos fundamentais”12.
Deve-se entender também que os direitos fundamentais não
tem caráter absoluto, de forma que em situação de conflito
entre um e o outro não haverá a prevalência inata de um
direito sobre o outro, devendo, portanto, realizarmos juízos
de valor práticos por meio da ponderação. Assim nos ensina,
Barroso quando afirma que “não existe hierarquia em abstrato
entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o
outro ser determinada à luz do caso concreto”13.
O método da ponderação vem para operacionalizar o embate
dos direitos fundamentais de forma a valorar a essência de
cada um dentro das possibilidades que hoje são propostas,
conforme demonstra Marmelstein:
11 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. 2ª ed., Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p.6312 FARIAS, Op. Cit. p. 6613 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: osconceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva,2009, p. 239
15
A ponderação é uma técnica de decisão empregadapara solucionar conflitos normativos que envolvamvalores ou opções políticas, em relação aos quaisas técnicas tradicionais de hermenêutica não semostram suficientes. É justamente o que ocorre coma colisão de normas constitucionais, pois, nessecaso, não se pode adotar nem o critériohierárquico, nem o cronológico, nem a especialidadepara resolver uma antinomia de valores14.
Ensina Marmelstein que na técnica da ponderação, o
jurista deverá, primeiramente, tentar conciliar ou harmonizar
os interesses em jogo, pelo princípio da concordância prática.
Somente depois, caso não seja possível a conciliação, é que se
deve partir para o sopesamento ou para a ponderação
propriamente dita15.
Quando se trata de um caso concreto em que haja uma
colisão de direitos fundamentais, sendo essas normas de mesma
hierarquia, ambas válidas, a decisão normativa, legislativa ou
judicial final, deverá observar o imperativo da otimização e
da harmonização dos direitos que elas conferem, devem atender
ainda aos postulados da unidade da Constituição.
Com isso teríamos uma possível resolução dentro dos moldes
jurídicos abarcando aquela demanda que melhor comporia uma
justa co-relação entre os direitos em questão evitando o
sacrifício total de uns em relação aos outros, a partir de uma
redução proporcional do âmbito de alcance de cada buscando o
14 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas,2008, p. 38615 MARMELSTEIN, Op. Cit., p.387
16
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto
constitucional tendo em vista sua finalidade precípua16.
Existem casos, entretanto, que essa harmonização revela-se
impossível, como explica Marmelstein:
é nessas situações em que a harmonização se mostrainviável que o sopesamento/ponderação é, portanto,uma atividade intelectual que, diante de valorescolidentes, escolherá qual deve prevalecer e qualdeve ceder. E talvez seja justamente aí que resideo grande problema da ponderação: inevitavelmente,haverá descumprimento parcial ou total de algumanorma constitucional. Quando duas normasconstitucionais colidem fatalmente o juiz decidiráqual a que “vale menos” para ser sacrificadanaquele caso concreto17.
Percebe-se então que não existe procedimento correto a ser
seguido à risca. Necessário se fará, à luz de cada caso
concreto, atribuir pesos a cada demanda a partir da
intensidade com que determinado grupo de normas deverá
sobrepor a outros. Sarmento fala da necessidade do julgador
encontrar o peso genérico que a ordem constitucional confere a
determinados princípios e ao peso específico atribuído no caso
concreto, afirma que o nível de restrição de cada interesse
será inversamente proporcional ao peso que representar18.
16 MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo:Atlas, 2003, p. 6117 MARMELSTEIN, Op. Cit., p. 39418 SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 104
17
Compreende-se, pois, que restará ao bom jurista sopesar
cada elemento que compõe o conflito, tendo em mente a
aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana como
elemento essencial e orientador da argumentação jurídica a ser
levantada, assim como ponderar-se os demais meandros daquela
relação de forma a satisfazer a essência da norma de acordo
com sua finalidade inicial.
Passaremos a seguir ao tema central deste trabalho.
Definiremos o que é o direito ao esquecimento e apresentaremos
qual a importância para o saber jurídico. Discutiremos também
o peso que recai sobre aqueles que mais necessitam deste
instituto, quais sejam, as pessoas que saíram de um
estabelecimento presidiário e buscam reintegrar-se à sociedade
em meio às dificuldades já existentes quanto a ressocialização
do preso.
3. O DIREITO AO ESQUECIMENTO
3.1 CONCEITO
O direito ao esquecimento foi primeiramente formulado na
jurisprudência francesa com o nome “droit à l’oubli”. Assim é
definido o direito ao esquecimento pela Comissão Européia em
seu projeto de regulamentação19:
“Toute personne devrait avoir le droit de fairerectifier des données à caractère personnel laconcernant, et disposer d'un "droit à l'oubli
19 . UNIÃO EUROPÉIA. Parlement Européen. Commission des libertés civiles, dela justice et des affaires intérieures. Projet de Rapport. Disponivel em<http://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2009_2014/documents/libe/pr/922/922387/922387fr.pdf> Acesso em: 08 out. 2013
18
numérique" lorsque la conservation de ces donnéesn'est pas conforme au présent règlement. Enparticulier, les personnes concernées devraientavoir le droit d'obtenir que leurs données soienteffacées et ne soient plus traitées, lorsque cesdonnées ne sont plus nécessaires au regard desfinalités pour lesquelles elles ont été recueilliesou traitées, lorsque les personnes concernées ontretiré leur consentement au traitement oulorsqu'elles s'opposent au traitement de données àcaractère personnel les concernant ou encore,lorsque le traitement de leurs données à caractèrepersonnel n'est pas conforme au présentrèglement. 20
O trecho trazido acima pelo projeto de regulamentação
apresenta quatro possibilidades principais onde o Direito ao
esquecimento viria a tomar efeito.
A primeira situação trazida seria quando os dados que
foram expostos para um determinado fim, seja para uma pesquisa
de levantamento de campo ou para efeitos de estatisticas, não
mais são necessarios e ali estão sem cumprir a função social a
que foi proposta inicialmente.
Em seguida fala-se da hipótese em que as pessoas que são
referidas retiram o consentimento para que seja veiculada
20 Todo mundo deveria ter o direito de corrigir os dados pessoais que lhedizem respeito e dispor do "direito ao esquecimento digital" quando aconservação desses dados não estiver de acordo com o presente regulamento.Especificamente, as pessoas afetadas deveriam ter o direito de obter queseus dados sejam apagados e não serem mais processados, ja que esses dadosnão são mais necessarios para os fins a que foram recolhidos ou processados,quando as pessoas afetadas retiraram o consentimento delas para oprocessamento ou quando elas se oporem ao tratamento de dados pessoais quelhes dizem respeito, ou quando o tratamento dos seus dados pessoais nãoestão mais de acordo com o presente regulamento.
19
determinada informação que foi em um primeiro momento
autorizado.
A terceira situação exemplificada refere-se a quando uma
pessoa se opõe a veiculação de determinado fato em meios de
comunicação que lhe diz respeito.
Por último temos a ocasião onde determinado fato veiculado
não mais condiz com os tempos atuais. Uma informação que foi
veiculada em tempos passados não encontra mais abrigo
verossímil na atualidade tendo ocorrido algum outro fato que
veio a substituir ou modificar aquele anteriormente publicado.
Percebe-se, pois, que não se trata de um direito absoluto
que autorizaria a todos reescreverem suas histórias
constantemente sem qualquer critério. O direito ao
esquecimento digital se refere a tomada de consciência de
todos os usuários de internet de que eles dispõem de direitos
sobre seus dados.
Teríamos dessa forma uma dupla tomada de responsabilidade
quais sejam o reconhecimento do próprio internauta dos
cuidados a serem tomados acerca das informações prestadas e
também dos meios de comunicação que estariam mais atentos a
possíveis interferências na seara pessoal e subjetiva de cada
pessoa.
O direito ao esquecimento traz consigo uma grande pauta no
que se refere ao conflito de direitos entre o direito à
informação e o direito à privacidade e demais direitos da
20
personalidade ja citados. Caberá aqui, pois, a atuação dos
nossos magistrados no sentido de estabelecer um procedimento
que vise compreender melhor os benefícios à sociedade que
trará a efetivação desse direito tornando-o fundamental para o
desenvolvimento de um meio social harmonioso e que melhor
propague o princípio da dignidade da pessoa humana.
3.2 PERTINÊNCIA JURÍDICA
A rápida evolução da tecnologia e da globalização criaram
novos desafios para a proteção de dados pessoais. A coleta e
compartilhamento de dados têm aumentado dramaticamente. As
novas tecnologias permitem a ambas as empresas privadas e
entidades públicas utilizar os dados pessoais, como nunca
antes no curso de suas atividades. Mais e mais as pessoas
fornecem informações sobre elas que ficam disponíveis para
todos, onde quer que estejam no mundo.
As novas tecnologias transformaram a economia e as
relações sociais, e elas exigem garantias jurídicas reforçadas
para regularizar a circulação de dados pessoais em nosso meio
de forma a conciliar os interesses e proteger os direitos
daqueles a quem diz respeito os dados que estão em veiculação.
Esta mudança exige pôr em prática um sistema para a
proteção de dados mais sólido e consistente, juntamente com
uma aplicação rigorosa de regras, dada a importância da
21
construção da confiança que permitirá a economia digital
desenvolver todo o mercado interno.
As pessoas devem ter o poder de controlar a utilização dos
dados pessoais que lhes dizem respeito. A segurança como
prática jurídica deve ser reforçada para os indivíduos, os
operadores econômicos, as autoridades públicas e todos aqueles
que se sentirem ameaçados.
Em pesquisa realizada pelo Ibope Media em dezembro de
2012, o Brasil é o 5° pais com maior número de usuários na
internet21. Entretanto, a regulação deste instrumento no
ordenamento pátrio é escassa e busca tratar marjoritariamente
do uso da internet no âmbito do funcionalismo público quanto
ao compartilhamento de documentos e acesso a informações
privadas. No entanto, a maioria da população encontra-se
totalmente à margem da legislação e em situação de
vulnerabilidade frente às adversidades e problemáticas que
podem ser geradas pelo uso indiscriminado da internet.
Importa frisar também que comportamentos que realizamos
não nos definem como pessoas. Aquilo que os nossos momentos de
lazer e privacidade nos proporcionam não devem tornar nossas
essências frente aos demais. Entretanto essa leitura não é
feita comumentemente o que torna essencial a aplicação do
direito ao esquecimento de forma a não marcar as pessoas
permanentemente por algo que fizeram.
21 CREATIVE COMMONS DE ATRIBUIÇÃO. Dados, Estatisticas e Projeções sobre a internet no Brasil. Disponivel em <http://tobeguarany.com/internet_no_brasil.php> Acesso em: 19 nov. 2013
22
Os conceitos morais da sociedade regem todos os círculos
sociais em que vivemos. Vivemos em um meio onde a moralidade
permeia o nosso olhar sobre o próximo. Assim sendo, o prejuízo
que pode causar um determinado fato veiculado é muito a ser
recuperado e alcança as esferas pessoal, profissional e
relacional de uma pessoa. Uma pena bastante injusta para algo
que poderia ser retratado de alguma outra forma.
Quando não permitimos o direito ao esquecimento, nós
retiramos do ser humano a sua capacidade de arrepender-se e
aprender com os próprios erros. Quando a internet propaga
alguma informação para leitores desconhecidos não haverá
diálogo entre o receptor e o protagonista do acontecimento em
questão. Não há contraditório nesses termos e inexiste a
oportunidade de contestar.
A obra entitulada de “Sustentabilidade Ambiental e os
Novos Desafios na Era Digital”, que se trata de um compêndio
de artigos escritos por diversos autores, traz consigo um
capítulo inteiro sobre o direito ao esquecimento na internet
escrito pela advogada Juliana Abrusio Florêncio. Em seu
artigo, ela nos traça quatro possíveis soluções para esta
crise:
a) Soluções atreladas a recursos tecnológicos; b)proposição de novas leis; c) maior sensibilizaçãodo Judiciário quando provocado; e d) questõespertinentes a aspectos éticos aplicados aautorregulamentação da internet, por seus sites,com o oferecimento de canais diretos para
23
solicitação da retirada de conteúdo pessoal pelointeressado22.
Nas palavras de Milagros Pérez Oliva em seu artigo
entitulado ‘Un nuevo desafio: el derecho al olvido’23: “El
derecho al olvido supone un gran desafío para los medios, pero
también una oportunidad para demostrar su capacidad de
adaptación a las nuevas demandas”.24
3.3 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Ao olharmos a seara penal sob a ótica do direito ao
esquecimento, a relevância deste tema torna-se ainda mais
primordial. Isso porque o Direito Penal tutela uma face mais
sensível aos olhos da sociedade. Quando se pauta um crime que
foi cometido por alguém, temos uma perspectiva de rejeição
mais forte da população. De tal forma que o esquecimento é
mais precário e mais ainda necessário.
Se a convivência social daquele que foi acusado de um
crime já se torna bastante dificultada quando temos os meios
de comunicação ordinários, a internet promove uma perpetuação
das informações relacionadas ao crime cometido de forma que a
22 THEOFILO JUNIOR, Roque; MESSA, Ana Flavia; Sustentabilidade Ambiental e os Novos Desafios na Era Digital. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.20623 OLIVA, Milagros Pérez. Un nuevo desafio: el derecho al olvido. Disponivelem <http://elpais.com/diario/2011/05/15/opinion/1305410404_850215.html>Acesso em 12 dez. 201324 O direito ao esquecimento é um grande desafio para a mídia, mas tambémuma oportunidade para demonstrar sua capacidade de se adaptar às novasexigências
24
confiança social naquela pessoa custará bastante para ser
restaurada.
Nesse ínterim, o papel do princípio da dignidade humana
cumpre uma função de extrema importância. Nesse princípio nós
encontraremos o abrigo necessário para pautarmos a
essencialidade do direito ao esquecimento no que concerne ao
direito penal e a tarefa do Estado de promover meios hábeis
para a ressocialização do ex agente delituoso.
Em nosso ordenamento jurídico encontramos no artigo
primeiro da Lei de Execução Penal o objetivo precípuo da
reinserção do preso:
“Art 1º- Execução penal tem por objetivo
efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do
condenado e do internado.”
De acordo com o artigo supramencionado percebe-se a dupla
finalidade da execução penal qual seja, dar sentido e
efetivação do que foi decidido criminalmente além de dar ao
apenado condições efetivas para que ele consiga aderir
novamente ao seio social e assim não cair nas antigas malhas
do crime.
A reinserção social tem como objetivo a humanização da
passagem do detento na instituição carcerária, procura dar uma
25
orientação humanista colocando a pessoa que delinquiu como
centro da reflexão cientifica.
O ordenamento jurídico brasileiro afasta o preso da
sociedade na intenção de ressocializá-lo, mas o que
encontramos é uma situação diferente, como afirma Mirabete:
A ressocialização não pode ser conseguida numainstituição como a prisão. Os centros de execuçãopenal, as penitenciárias, tendem a converter-se nummicrocosmo no qual se reproduzem e se agravam asgrandes contradições que existem no sistema socialexterior (...). A pena privativa de liberdade nãoressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso,impedindo sua plena reincorporação ao meio social.A prisão não cumpre a sua função ressocializadora.Serve como instrumento para a manutenção daestrutura social de dominação25.
Percebe-se então que o preso ao sair da instituição
presidiária naturalmente já não terá condições psicológicas
para buscar a reinserção social. O sistema carcerário
brasileiro, por si só, não possibilita a reeducação a que se
propõe. Com isso os ex detentos estarão completamente
despreparados para serem reinseridos e enfretarão barreiras
para retomar suas vidas normalmente. E quando pensamos no
papel da internet nesse contexto observamos que esse processo
de reabilitaçao pode se tornar ainda mais cruel.
A começar pelo campo profissional. O preconceito para com
aqueles que cumpriram pena em estabelecimento prisional é
25 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2002,p. 24
26
ainda muito grande. No ano de 2013 a Secretaria de Defesa do
Estado de Minas Gerais selecionou no mês de maio 181 pessoas
que recentemente haviam saido da prisão e as enviou para
participarem de seleções de emprego em empresas e apenas 34
delas foram contratadas.26
Nesse momento temos um panorama em que o agente delituoso
cumpriu a sua pena, recebeu o perdão e consequentemente a
liberdade tutelada pelo Estado punitivo, porém a sociedade não
perdoa e com o auxílio da internet a sociedade não esquece.
Por meio da internet é possível obtermos as menores
informações acerca de determinada pessoa. Com os sites de
busca como o Google, Bing, Yahoo!, e outros semelhantes, basta
que o responsável pela seleção do emprego insira o nome da
pessoa nestas plataformas de pesquisa e encontrará tudo que ja
foi noticiado por ela e por terceiros.
Situação semelhante, e ainda pior, é quando um indivíduo
foi inocentado dentro do processo penal, mas as notícias na
internet acerca do processo a que iria enfrentar não são
atualizadas causando uma condenação sem fim e sem cabimento.
Um exemplo clássico deste abuso é o caso “Escola Base”, em
que os donos de uma escola paulista e seus funcionários foram
acusados de terem molestado sexualmente seus alunos. Grandes
veículos nacionais da imprensa “julgaram e condenaram” estas
pessoas. Tempos depois, os proprietários e empregados da
26 MARTINS, Celso. Ex presos “condenados” ao desemprego em Minas Gerais.Disponivel em <http://www.hojeemdia.com.br/minas/ex-presos-condenados-ao-desemprego-em-minas-gerais-1.120122> Acesso em 11 nov. 2013
27
escola foram inocentados pela Justiça, mas até hoje sofrem
represálias, por causa das notícias falsas que a imprensa
divulgou, e tomou como uma verdade absoluta.
Também importa destacar como as relações sociais das
pessoas afetadas são prejudicadas fazendo com que a pena
ultrapasse o individuo que foi condenado. Famílias inteiras
são destruídas e laços afetivos são quebrados indefinidamente.
A sociedade novamente se apossa de um caráter discriminatório
intenso. Com a internet não existe sequer a possibilidade de
mudar-se para outra cidade ou estado, pois a história seguirá
onde quer que você esteja.
Nos Estados Unidos existe uma lei federal chamada de Lei
de Megan, que é o nome popularmente dado às leis que permitem
a todos os Estados exigirem das autoridades disponibilizar uma
lista para a população contendo o registro dos condenandos por
crimes sexuais. Funciona também pela obrigação imposta a esses
criminosos sexuais de informar qualquer mudança de endereço ou
emprego após o tempo em que for recluso.
A Lei de Megan foi assim chamada após uma garota do estado
de Nova Jersey de sete anos de idade chamada Megan Kanka ter
sido violentada e morta por um criminoso sexual registrado e
conhecido, que se mudou para uma casa em frente a casa de sua
família sem eles saberem. Logo após a tragédia, a família
Kankas procurou alertar às comunidades locais sobre os
criminosos sexuais nas redondezas. Todos os estados agora
possuem uma lei similar à Lei de Megan.
28
Sob a justificativa de proteger as comunidades locais
assim como os menores de idade que estariam vulneráveis a esse
tipo de violência, os Estados Unidos acabou por normativizar
uma dupla pena para essas pessoas. Além de terem que cumprir a
custódia designada pelo Estado, institui-se uma pena perpétua
de vigilância por parte de toda a sociedade semelhante ao
‘Panoptikum’ de Jeremy Bentham27.
A internet, então, endossa as dificuldades já existentes a
reintegração do preso através da memória permanente que tem.
Sob essa perspectiva observamos como o princípio da dignidade
da pessoa humana é rechaçado quando ignoramos a possibilidade
de alguém que nós mesmos retiramos do seio social seja
reeducado para o convívio coletivo.
Em que pese as morais e bons costumes do nosso meio que em
muito é relacionado com a religião transcrevo um passagem da
carta do apostolo Paulo ao hebreus: “Lembrai-vos dos
encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles.
E dos maltratados, como se habitásseis no mesmo corpo com
eles.” (Hebreus 13:3).
3.5 A SITUAÇÃO DO BRASIL
Diferentemente dos Estados Unidos onde a Primeira Emenda
da Constituição determina expressamente que o Congresso não
poderá fazer nenhuma lei que reduza a liberdade de imprensa ou
liberdade de expressão, no Brasil temos um quadro de
relativização mais amplo desses direitos. 27 Um projeto de prisão circular, onde um observador central poderia vertodos os locais onde houvesse presos e que estariam sendo sempre vigiados.
29
Dessa forma, empresas como Orkut, Facebook, Google, cujas
empresas responsáveis estão estabelecidas no Brasil, enfrentam
diariamente processos judiciais com pedidos para retirar do ar
conteúdos ditos ofensivos. Tal retirada se dá através de
liminares expedidas pelo Judiciário que cobram uma multa
crescente por dia que aquela empresa não obedecer ao pedido,
ja que a cada minuto que se passa a mais o almejado
esquecimento torna-se mais dificultado com a velocidade com
que as informações se alastram no mundo virtual.
A jurisprudência pátria já enxerga a possbilidade de tal
esquecimento para os casos em que os fatos veiculados se
mostram ou ofensivos ou inverídicos existindo diversos
julgados nesse sentido. Entretanto quando se trata de
acontecimentos verdadeiros, os Tribunais brasileiros ainda
invocam o interesse público em tomar conhecimento dos fatos
ainda que a disseminação destes dados contribuam para a
deterioração da imagem daquele cidadão.
Em Junho deste ano, a Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça julgou dois recursos especiais sobre o ‘Direito ao
Esquecimento’, tendo sido a primeira vez que um tribunal
superior brasileiro discutiu o tema.
Foram dois recursos ajuizados contra reportagens da TV
Globo. Um deles por um dos acusados e que mais tarde foi
absolvido pelo episódio que ficou conhecido como a Chacina da
Candelária, no Rio de Janeiro. Ele ingressou na Justiça com
pedido de indenização, sustentando que sua citação no programa
levou a público, em rede nacional, situação que já havia30
superado, reacendendo na comunidade onde reside a imagem de
chacinador e o ódio social, e ferindo seu direito à paz,
anonimato e privacidade pessoal. Alegou, ainda, que foi
obrigado a abandonar a comunidade para preservar sua segurança
e de seus familiares. Nesse caso, a Globo foi condenada ao
pagamento de indenização de R$ 50.000,00.28
O outro caso foi pela família de Aída Curi, estuprada e
morta em 1958 por um grupo de jovens. Os irmãos da vitima,
nesse caso, foram à Justiça alegando que não havia necessidade
de resgatar a história com o uso da imagem real da vitima
morta, já que aconteceu há mais de 50 anos e não fazia mais
parte do conhecimento comum da população. O Superior Tribunal
de Justiça negou provimento ao recurso especial, pois, para a
maioria dos ministros, a divulgação da foto da vítima em
programa de televisão, sem consentimento da família, não
configurou abalo moral indenizável. 29
Temos, pois, duas situações distintas que pautaram o
reconhecimento do direito ao esquecimento como direito
fundamental mas que tiveram decisões diferentes. Dessa forma
não podemos dizer que alcançamos o patamar a que almeja o
direito ao esquecimento. Para além dos conteudos caluniosos e
difamatórios, o direito ao esquecimento reinvindica apagar
inclusive dados verdadeiros publicados30.28 BRASIL. Superior Tribunl de Justiça. Disponivel em<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109892> Acesso em: 12 nov. 201329 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponivel em<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109870> Acesso em: 12 nov. 201330 FLEISCHER, Peter. Right to be forgotten, or how to edit your history.Disponivel em <http://peterfleischer.blogspot.com.br/2012/01/right-to-be-
31
A sensibilização do Judiciario brasileiro se faz
pertinente acerca do tema tratado. A partir dessa tomada de
importância que poderemos avançar para uma maior abrangência
do principio da dignidade da pessoa humana, que como ja foi
dito, merece especial atenção sobrepujando-se às demais
demandas que venham a aparecer.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto acerca do atual cenário do mundo
da internet, observamos que as dificuldades que permeiam o
direito ao esquecimento estão longe de serem resolvidas. Isso
porque o tema ainda é bastante insipiente na seara jurídica
brasileira, assim como os estudos relativos à temática.
A vida contempoânea nos apresenta uma lógica
comportamental que nos insere em um âmbito onde as informações
tomam um valor imprescindível dentro das relações sociais. Os
meios de comunicação por sua vez catalisam este pensamento e
dessa forma fazem concretizar este modelo de publicidade.
Neste ínterim, observamos que a internet sobressai-se dentro
desse modelo dito libertário e democrático ao passo que
possibilita o fácil e rápido acesso às informações. Pergunta-
se: liberdade e democracia para quem?
Durante a realização desta pesquisa fui bastante
questionado por outras pessoas acerca do tema. A grande
maioria sempre voltava para um embate interno que parece
preocupar muita gente quando se fala a respeito de esquecer o
forgotten-or-how-to-edit.html> Acesso em: 12 nov. 2013
32
passado. “Mas você não gostaria de saber se a pessoa que você
vai contratar para cuidar dos seus filhos é um criminoso?”. Em
que pese esta pergunta eu volto com outra pergunta: “Mas não
somos todos criminosos em potencial?”.
Respondendo mais diretamente a pergunta, quando
contratamos alguém, tendo ela praticado um crime anteriormente
ou não, sempre restará a dúvida acerca da idoneidade moral
daquela pessoa. Isso porque uma contratação de alguém estranho
ao nosso convívio é um risco por si só por não podermos jamais
saber tudo que alguma pessoa fez.
A premissa de que tendo feito uma vez, fará novamente não
pode ser considerada uma verdade. Se assim fosse,
perpetuaríamos uma pena de uma pessoa que jamais poderia
refazer seus passos. Não encontrando esse ensejo positivo de
forma legal, ai sim teríamos uma reincidência ao crime como
único meio de sustentar esse modelo ainda dito libertário e
democrático. Pergunta-se: liberdade e democracia para quem?
Em um país onde o número de pessoas com acesso à internet
cresce rapidamente, a demanda pelo direito ao esquecimento
tende sempre a aumentar. Debate este já bastante discutido
mundo afora, vem chegando ao Brasil com maior força. Em 3 de
dezembro de 2012 foi sancionada a lei 12.737 que ficou
conhecida como ‘Lei Carolina Dieckmann’ que veio tipificar
novos delitos e crimes relacionados à informática.
Embora não seja o intento do direito ao esquecimento de
trazer novos crimes a serem tipificados, percebe-se que a
33
sociedade brasileira ja sente as dores e mazelas de um mundo
cibernético tão próximo, fazendo-se cada dia mais urgente a
regulamentação e orientação judiciária acerca do tema.
Caberá ao Poder Judiciário buscar meios de equacionar os
direitos da personalidade e os direitos à informação, ambos
constitucionais, almejando sempre o desiderato do princípio da
dignidade da pessoa humana. Busca-se, pois, a liberdade
daqueles que realmente dela necessitam e para que se efetive
uma democracia que alcance principalmente a parcela da
população que diariamente encontra obstáculos a sua consecução.
O direito ao esquecimento, para além da informática e do
meio cibernético, visa alcançar um cotidiano muito mais
concreto e próximo. O exercício da alteridade deverá sempre
existir na atividade jurídica para que saibamos qual o direito
a ser protegido e quem desta proteção precisa efetivamente.
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