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DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILIDADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE...

Date post: 28-Nov-2023
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85 DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILIDADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES * Michele Salles El Kadri 1 (Universidade Estadual de Londrina) Elaine Mateus 2 (Universidade Estadual de Londrina) Taisa Pinetti Passoni 3 (Universidade Estadual de Londrina) RESUMO: Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por dimensões teórico-práticas, o debate no campo da formação de professores na sociedade atual ainda se revela na discrepância entre estes dois âmbitos. Preocupados com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina Prática de Ensino, utilizando do conceito das representações sociais. Contrastamos tais visões com o objetivo de compreender quais e como tais conhecimentos são construídos em dois modelos de estágio utilizados na formação de professores: o modelo chamado de “tradicional” e o modelo “colaborativo”. O primeiro modelo está fundado numa concepção cognitivista de aprendizagem enquanto o outro se organiza a partir de uma concepção sócio- histórico-cultural de conhecimento. Com este estudo, visamos ressaltar as contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos. A análise indicou que ambas as práticas atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino. No entanto, a prática de ensino colaborativo parece possibilitar maiores momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional tanto no aspecto crítico da formação destes professores, quanto pelas possibilidades de se pensar e discutir os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas. PALAVRAS-CHAVE: formação de professores, prática de ensino, identidade profissional. ABSTRACT: Considering that professional identities are constructed by theoretical and practical dimensions, the debate in Teacher Education field in nowadays society is still revealed in the discrepancies between these two scopes Concerned with this issue, we analyze in this paper the representations of four new teachers related to the Knowledge constructed in Teaching Practicum subject, using the concept of social * Tratou-se inicialmente de uma Apresentação Individual realizada no 17° Intercâmbio em Pesquisa de Linguística Aplicada (InPLA), portanto consta no caderno de resumos do mesmo evento. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina. 2 Professora da Universidade Estadual de Londrina. 3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES-DS.
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DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILID ADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ∗

Michele Salles El Kadri1 (Universidade Estadual de Londrina)

Elaine Mateus2

(Universidade Estadual de Londrina)

Taisa Pinetti Passoni3 (Universidade Estadual de Londrina)

RESUMO: Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por dimensões teórico-práticas, o debate no campo da formação de professores na sociedade atual ainda se revela na discrepância entre estes dois âmbitos. Preocupados com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina Prática de Ensino, utilizando do conceito das representações sociais. Contrastamos tais visões com o objetivo de compreender quais e como tais conhecimentos são construídos em dois modelos de estágio utilizados na formação de professores: o modelo chamado de “tradicional” e o modelo “colaborativo”. O primeiro modelo está fundado numa concepção cognitivista de aprendizagem enquanto o outro se organiza a partir de uma concepção sócio-histórico-cultural de conhecimento. Com este estudo, visamos ressaltar as contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos. A análise indicou que ambas as práticas atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino. No entanto, a prática de ensino colaborativo parece possibilitar maiores momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional tanto no aspecto crítico da formação destes professores, quanto pelas possibilidades de se pensar e discutir os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas. PALAVRAS-CHAVE : formação de professores, prática de ensino, identidade profissional. ABSTRACT: Considering that professional identities are constructed by theoretical and practical dimensions, the debate in Teacher Education field in nowadays society is still revealed in the discrepancies between these two scopes Concerned with this issue, we analyze in this paper the representations of four new teachers related to the Knowledge constructed in Teaching Practicum subject, using the concept of social

∗ Tratou-se inicialmente de uma Apresentação Individual realizada no 17° Intercâmbio em Pesquisa de Linguística Aplicada (InPLA), portanto consta no caderno de resumos do mesmo evento. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina. 2Professora da Universidade Estadual de Londrina. 3Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES-DS.

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representation. We contrast both perspectives aiming to understand – by the new teachers’ perspectives which and how knowledge is constructed in two models of trainee used Londrina State University: the models called “Traditional” and “Collaborative”. The first model is based in a cognitive perspective of learning while the other organizes itself based in a social-cultural theory of learning. With this research, we intend to emphasize the contributions and the possibilities of learning that each perspective make possible. KEY-WORDS : Teacher Education, teaching practicum, professional identity. Introdução

Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por

dimensões teóricas e práticas, o debate no campo da formação de professores na

sociedade atual ainda se revela na dicotomia entre estes dois âmbitos. Esta discussão se

torna ainda mais relevante devido à necessidade que os profissionais formados pelas

universidades possuem de ser críticos e preparados para lidar com as diferenças que

constituem o seu próprio ser e o outro, a refletir sobre as práticas discursivas que

naturalizam os diferentes discursos e que possam perpetuar valores ideológicos capazes

de excluir as identidades sociais minoritárias. E isso só será possível nas salas de aula

em que atuam estes profissionais se a formação destes também privilegiar tais

conceitos, pois a estrutura dos cursos ainda está organizada de maneira a apagar as

diferenças sem se dar conta dos embates que estes questionamentos trazem para a

identidade do aluno.

Diante de tal perspectiva somos levados a pensar no conceito bakhtiniano de

“reciprocidade de papéis” que, estendido ao contexto educacional, “nos remete à idéia

de que os modos como nos colocamos diante de nossos alunos, ou seja, os papéis que

assumimos em sala de aula, determinam os modos como nossos alunos se colocam

diante de nós.” (MATEUS; PICONI, 2008, p. 9).

Em outras palavras, trata-se da coerência que se espera de qualquer profissional

em seu ambiente de trabalho. A partir do momento que os cursos de formação prezam

pela formação de professores com capacidades críticas-reflexivas, tais características

serão evidentes no seu agir profissional, o que, consequentemente influenciará

sobremaneira a educação propiciada aos alunos no ambiente escolar.

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Compreendemos que as identidades profissionais são produzidas nas práticas

sociais em que o futuro professor se engaja, seja pelo discurso dos formadores, pelos

modelos teóricos, materiais didáticos adotados ou pela própria sociedade. A esse

respeito, Brunner (apud MOITA LOPES, 2002, p.127) salienta muito bem que uma das

funções dos cursos de formação inicial é a de auxiliar seus futuros profissionais a

encontrar uma identidade dentro da cultura de ensino. Ou seja, a escola é vista como

uma comunidade que possui uma cultura própria, na qual o professor novato deve ser

inserido e, dessa forma, encontrar seu lugar e seu papel através da sua participação para

que possa construir um significado acerca de sua prática.

Se realmente concebermos o sujeito como ser constituído pelas práticas sociais

a que é exposto e levarmos em consideração a necessidade de auxiliar o professor

novato a se identificar com a futura profissão, nosso olhar volta-se para as aulas de

Prática de Ensino nos cursos de licenciatura, as quais têm sido historicamente

conduzidas segundo a perspectiva do modelo que denominamos “tradicional”. A Prática

de Ensino tradicional já tem sido questionada por muitos pesquisadores devido à

necessidade de re-pensar sobre duas questões principalmente: a) a articulação que este

modelo propicia (ou não) entre universidade e escola e b) a valorização (ou não) do

saber escolar neste modelo.

Em relação à distância entre os mundos da teoria e da prática, correspondentes,

respectivamente, aos mundos da universidade e da escola, críticas são feitas ao modelo

tradicional devido à concepção de ensino que ele evoca: os alunos são vistos como

“tabula rasa”, que devem apropriar-se dos conhecimentos proposicionais transmitidos

pela universidade e em seguida aplicá-los na prática. Matusov e Hayes (2002) endossam

esta visão e são incisivos ao criticar ao modelo tradicional de educação, enfatizando sua

característica principal que se trata da mera transmissão de conhecimentos, com

objetivo de moldar os alunos de acordo com habilidades e atitudes preestabelecidas pelo

professor.

O fato dos cursos de formação concederem pouca legitimidade aos saberes

criados e mobilizados através do trabalho do professor é bem salientado por Tardif

(2002, p.235) ao afirmar que “segundo a concepção tradicional, o saber está somente do

lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso

saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc.”.Ora, se

concebermos o sujeito como constituído pelas práticas sociais e ao mesmo tempo um

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sujeito ativo e com agência, devemos considerar a prática também como um espaço de

construção de saberes e não somente como aplicação da teoria.

Assim, a maneira como professor resolve conflitos em sala de aula, como por

exemplo, a falta de disciplina, o gerenciamento do tempo, a repartição de atenção entre

os alunos, o modo como lida com a própria individualidade de cada aluno e a aquisição

da sensibilidade relativa às diferenças entre eles são saberes importantes na profissão.

No modelo Tradicional, muitos professores constroem sua identidade e seus

saberes práticos na tentativa e no erro, pautados, via de regra, em pressupostos teóricos.

É por isso que vários estudos também apontam os anos iniciais de socialização na

profissão como um dos principais aspectos da constituição identitária do professor.

Tardif (2002) afirma que o conhecimento dos profissionais é temporal e que os

primeiros anos de formação e prática são de extrema relevância para construção da

identidade do indivíduo. Outro autor a concordar com esta perspectiva é Matêncio

(2008, p.196):

O fato é que, no processo de socialização que se pretende na universidade, o qual conduz à ruptura com muitas das crenças construídas durante um longo processo anterior de socialização, parece ser essencial considerar que o professor em formação passa pela re(construção)de uma identidade lingüística (e linguageira) que pode habilitá-lo, de forma mais ou menos satisfatória, a agir com, sobre e através da lingua(gem) no processo de ensino/aprendizagem.

Levando em consideração estes aspectos, somos levados a pensar em uma

alternativa para a Prática de Ensino que se diferencia do modelo tradicional. O modelo

de ensino colaborativo se coloca como uma opção que visa a tornar o estágio um espaço

mais seguro e que busca unir os saberes da universidade aos saberes da escola. A Prática

de Ensino mediada pelo ensino colaborativo pode promover a produção de identidades

profissionais mais críticas, seguras e engajadas porque possibilita a produção do

conhecimento dos envolvidos de maneira continuada e integrada, levando em

consideração a experiência de todos os envolvidos. Isso porque o professor regular

(professor colaborador) também assume o papel de co-formador, deixa de ser somente

objeto de pesquisa dentro de sua sala de aula e passa a produzir pesquisa; os estagiários

(professores novatos) têm a chance de iniciar sua socialização juntamente com os

professores colaboradores e o próprio supervisor (professor de professores), adquirindo

os saberes da prática; e o próprio formador (que muitas vezes nunca atuou no sistema

básico) também participa mais ativamente deste contexto.

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Acreditamos na viabilidade dessa perspectiva por concordar com Geisel &

Meijers (2005) quando defendem que o aprendizado de professores não deve ser visto

somente como um processo de construção social, mas também como construção da

auto-identidade e que as mudanças na identidade profissional de professores são

possíveis somente quando a construção social e a auto-identidade se tornam

relacionados um ao outro.

Assim, acreditamos que com outra relação entre saber teórico e saber prático,

estabelecida pelo ensino colaborativo estaremos possivelmente criando novas condições

para o aprendizado do futuro professor que será de grande valia para sua formação

identitária, na medida em que assumimos o pressuposto que a formação é constituída

pelas práticas sociais e também pela agência coletiva e colaborativa dos professores na

sala de aula.

Kleiman (2006, p.79) defende também esta visão ao afirmar que “as práticas

sociais que visam à socialização são elementos centrais nesta construção” e que “as

representações sociais nascidas desse processo de formação identitária na academia

podem, então, em princípio, orientar a prática do professor.” E é por isso que se torna

quase impossível falar de formação identitária de professores sem levar em conta o

impacto que a ausência de integração entre teoria e prática tem na identificação do aluno

com a profissão.

Preocupadas com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de

quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina

Prática de Ensino através de entrevista gravada em áudio, focando nas representações

destas professoras sobre os conhecimentos e saberes adquiridos. A pergunta “O que

você aprendeu com a experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que

mais lhe chamou a atenção e os momentos mais difíceis” foi a escolhida para a análise

em questão, por julgarmos ser representações importantes das professoras novatas sobre

seu próprio aprendizado. Foram escolhidas quatro alunas do último ano de Letras: duas

envolvidas com o chamado modelo tradicional e duas envolvidas com práticas de ensino

colaborativo. Assim contrastamos suas visões com o objetivo de compreender – por

suas próprias vozes e pela percepção de duas alunas mestrandas - quais e como tais

conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade

Estadual de Londrina.

A Prática de Ensino no curso de Letras Estrangeiras Modernas – Inglês da

Universidade de Londrina é desenvolvida nos dois últimos anos da graduação.

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Independentemente do modelo escolhido, o estágio deve atender alguns requisitos

obrigatórios, como o cumprimento da carga horária de 200 horas em cada um dos anos,

a qual se distribui na realização de diversas atividades - observações de aula nas escolas,

grupos de estudo, preparação de aulas e materiais, regências, entre outras. Em seguida

descreveremos como se configuram os modelos de estágio tradicional e de ensino

colaborativo, suas semelhanças e diferenças, a fim de delinear suas características, o que

será muito útil para compreensão das representações das professoras novatas, bem como

para o entendimento de nossa análise em relação às suas falas. O segundo modelo está

inserido no Projeto integrado da Universidade Estadual de Londrina “Aprendizagem

Sem Fronteiras: ressignificando os limites da formação inicial e contínua de

professores”. Neste projeto, professores novatos, professores de professores e

professores colaboradores da rede pública se valem dos princípios da Teoria da

Atividade sócio-histórico-cultural (TASHC) - iniciada por Vygotsky no início do século

XX - para orientar suas práticas de ensino. Com este estudo, visamos ressaltar as

contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos.

Dois modelos: tradicional x colaborativo Estágio Tradicional

O modelo de estágio o qual denominamos tradicional é aquele desenvolvido

amplamente no curso de Licenciatura em Letras Estrangeiras Modernas-Inglês da

Universidade Estadual de Londrina. Aqui buscaremos delinear suas principais

características, pois devemos enfatizar que o mundo da Universidade propicia certa

liberdade ao docente responsável pela supervisão de estágio. Isto significa dizer que as

linhas gerais de desenvolvimento deste trabalho não mudam, porém é possível que

diferentes supervisores adotem diferentes encaminhamentos.

O estágio tradicional na UEL ocorre nos 3° e 4° anos da graduação e o nosso

foco será na Prática de Ensino desenvolvida no penúltimo ano. Trata-se de uma carga

horária anual de 200 horas divididas em diferentes atividades consideradas relevantes

para a formação inicial de professores. Seus objetivos estão explicitados no Guia de

Orientação do Estágio Curricular do Curso de Letras Estrangeiras Modernas (UEL,

2009):

I. Vivenciar as realidades educacionais das comunidades escolares e/campos de estágio;

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II. Planejar, executar e avaliar processos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras modernas e suas respectivas literaturas; III. Promover a articulação entre os campos do saber e a práxis investigativa; IV. Articular conhecimentos advindos de atividades de pesquisa, ensino e /ou extensão; V. Lidar de forma crítica com as linguagens nos contextos de ensino-aprendizagem.

No que se refere aos itens I e II, destacamos as atividades de observação e

regência. Os estagiários devem realizar observações em três diferentes contextos:

Escola Pública, Escola Privada e Instituto de Idiomas. Tal prática se justifica em função

da necessidade de oportunizar aos futuros professores experiências em possíveis

contextos de atuação profissional. As observações ocorrem não apenas em sala de aula,

quando os estagiários podem conhecer o trabalho de diferentes professores, mas

também na escola como um todo. Os estagiários devem estar atentos às aulas que

puderem assistir, à estrutura física da escola (salas de aula, biblioteca, quadra de

esportes, refeitório, entre outros), a respeito do quadro de profissionais ali presentes

(professores, coordenadores e diretores), dentre outras especificidades de cada ambiente

(número de alunos, período de aulas, carga horária das aulas, público atendido etc.).

As regências são realizadas em turmas do Ensino Fundamental 2 ou Médio de

escolas públicas da rede Estadual de Educação Básica. Porém estas regências podem

também ser desenvolvidas em outros contextos de ensino público sendo eles escolas da

rede Municipal no Ensino Fundamental 1, creche da Universidade Estadual de Londrina

a qual oferece Educação Infantil, ou ainda aulas em formato de “Mini Curso” – um

curso oferecido aos alunos da Rede Estadual de forma optativa, preparado acerca de um

único conteúdo ou temática a ser desenvolvido em horários diferentes das aulas

regulares, tendo um caráter de “reforço escolar” ou ainda de “atividade extra”, pois não

está condicionado aos conteúdos desenvolvidos na série em que o aluno está

regularmente matriculado.

Ao longo das regências dentro do contexto escolhido, o estagiário desenvolve

outras atividades referentes à vivência escolar, atividades de suporte às aulas e auxílio

ao professor colaborador, como por exemplo, preparação de aulas, materiais, atividades

e provas, além de correção dessas atividades.

Dos objetivos explicitados para o estágio no item III, destacamos as atividades

desenvolvidas em grupos de estudos realizados pelo supervisor com todos seus

estagiários, em número que pode variar enormemente devido à disponibilidade de carga

horária do supervisor dentre suas atividades desenvolvidas na Universidade. Neste

momento são feitas leituras e discussões teóricas a respeito do trabalho do professor,

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sobre processo de ensino/aprendizagem em Língua Inglesa, questões políticas

relacionadas à Educação no Brasil.

Outra atividade realizada, a fim de dar continuidade a esta etapa de estudos, é o

trabalho em espaço virtual, que deve ser realizado ao longo de todo ano letivo. O

supervisor de estágio e seus estagiários selecionam um meio de interação pela internet a

fim de que haja troca de informações, de experiências e opiniões a respeito do estágio.

Os formatos de blog, página na PBWiki, e grupo de e-mails são os mais utilizados.

Os itens IV e V dos objetivos do estágio referem-se à escrita do trabalho final.

Os estagiários devem produzir um relatório crítico englobando todas as atividades

desenvolvidas. Para tanto são destinadas horas para escrita e pesquisa bibliográfica, bem

como horas de orientação individual com o supervisor para auxílio no desenvolvimento

desta tarefa.

Ensino colaborativo

O projeto “ Aprendizagem Sem Fronteiras: ressignificando os limites da

formação inicial e contínua de professores” da Universidade Estadual de Londrina

desenvolve o ensino colaborativo como novo modelo de Prática Ensino. Trata-se de um

projeto de ensino-pesquisa-extensão no qual professores novatos4, professores de

professores e professores da rede pública da matéria de Língua Inglesa buscam

coletivamente promover um embate produtivo de idéias acerca das contradições destes

dois mundos – universidade e escola - por meio de princípios de ensino e trabalho

colaborativos, repensando a divisão social do trabalho e as relações de poder.

Roth e Tobin (2002) afirmam que o ensino colaborativo emerge como uma

solução em potencial para muitos dos problemas identificados nas práticas atuais.

Trabalhar junto, para eles, é essencial porque faz emergir grandes desafios a serem

enfrentados e abre oportunidades para aprender dos outros de maneiras igualitárias e

tácitas. Eles ainda salientam que trabalhar juntos e dividir o trabalho é fundamental

para o aprendizado em muitos campos não somente no aprendizado de iniciantes mas

também dos professores em serviço e dos próprios formadores (por ex: piloto,

enfermeira, carpinteiros – e por que não, professores?).

4Segundo Mateus (2009), a opção pelos termos professor de professores e professor novato ao invés de professor formador e de estagiário, respectivamente, se deve ao fato de que essas noções recriam sentidos de legitimidade mais condizentes com os princípios que orientam as ações no projeto.

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Assim, o ensino colaborativo significa fundamentalmente dividir a

responsabilidade ao ensinar uma sala para promover o aprendizado do aluno. Isso

significa que os professores planejam coletivamente as unidades e lições, ensinam (uma

pessoa lidera enquanto os outros dão suporte), constroem avaliações e tarefas, e se

engajam em sessões de planejamento.

Neste projeto, os indivíduos são convidados a uma prática social emancipatória,

através da qual os diferentes envolvidos podem “trocar de papéis”, ou seja, tendo suas

funções repensadas, uma vez que a todos poderá ser atribuída tanto a função de

pesquisador quanto a de professor e a de aprendiz, buscando de fato vincular a teoria à

prática. O ensino colaborativo fundamenta-se na Teoria da Atividade sócio-histórico-

cultural (TASHC) desenvolvida por Vygotsky e continuada por seus seguidores, sobre a

qual Mello (2004, p.135) discorre:

A teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX. Os autores que autodenominaram sua corrente de pensamento como histórico cultual tinham razões para isso: partiam do pressuposto de que o homem é um ser de natureza social.

Ao relacionarmos tais idéias com o processo de formação de professores, somos

impulsionados a encarar com muito mais atenção a relevância das atividades propostas e

as transformações sociais e individuais delas decorrentes.

Libâneo (2004) afirma que os indivíduos vão à escola não apenas para aprender

conteúdos, mas também para assimilar cultura e meios cognitivos de compreender e

transformar o mundo. Portanto, é relevante nos questionarmos acerca de como as

orientações de estágio, os grupos de estudos desenvolvidos com professores em

processo de formação têm contribuído para a formação social destes profissionais, quais

são as possibilidades de interação proporcionadas aos estagiários a fim de que possam

ser promovidas condições favoráveis para a existência de professores conscientes de seu

papel na sociedade, transformadores ativos do mundo em que vivem.

O ensino colaborativo busca propiciar um espaço seguro para aprendizagem de

seus integrantes. Para Lave e Wenger (1991) a prática social é um fenômeno gerativo,

no qual a aprendizagem é uma de suas características. Ou seja, não há como desvincular

o aprender das interações sociais. Essas autoras conceberam uma visão analítica sobre

ensino na maneira de entender a aprendizagem, a qual foi denominada Participação

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Legítima Periférica (PLP)5 e definida como “ o processo pelo qual novatos tornam-se

parte de uma comunidade de prática”6. Trata-se de compreender o processo de ensino e

aprendizagem como a interação entre indivíduos, que desempenham diferentes papéis,

os novatos sendo envolvidos gradativamente nas práticas de uma comunidade, e

aprender significa estar cada vez mais empenhado neste processo.

Outro conceito de extrema relevância para a nossa embasa o ensino colaborativo

trata-se da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), primeiramente definida por

Vygotsky (1991, p.112):

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sobre a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. De acordo com Gifford and Mullaney (apud KINGINER, 2002), isso significa

dizer que a tarefa deve exigir do aluno um pouco além do seu nível, a fim de ampliar

suas capacidades, e esta exige a presença de um mediador mais proficiente (professor ou

colega). O que nos retoma o conceito de PLP - a questão do novato interagindo numa

comunidade de aprendizagem – e ao conceito fundamental da TASHC definido por

Lantolf (2000, p.1) – a mediação.

Engestrom (1999) é um seguidor de Vygotsky que buscou melhor conceber a

definição de ZDP. Em um de seus trabalhos, Engestrom (1999) cita o potencial criativo

da internalização ignorado por Vygotsky, e elabora uma nova definição para o conceito

de ZDP:

It is the distance between the present everyday actions of the individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in the everyday actions.7

O que podemos destacar entre as duas definições de ZDP - a primeira de

Vygotsky e esta segunda de Engestrom - é a questão da independência individual

enfatizada pelo primeiro e a idéia de trabalho coletivo apresentada pelo segundo. Para

Vygotsky a importância da ZDP está no quão auto-suficiente o indivíduo pode ser em

seu processo de aprendizagem, vindo de uma escala de mais dependente necessitando

da orientação de um adulto ou de companheiros mais capazes, até a solução

5 Tradução nossa para o termo original em Inglês “Legitimate Peripheral Participation”. 6 Nossa tradução de: “the process by which newcomers become part of a community of practice” 7 É a distância entre as ações diárias presentes dos indivíduos e a nova forma histórica de atividade social que pode ser coletivamente gerada como uma solução de um viés potencialmente imerso em nossas atividades cotidianas.

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independente de problemas. Já para Engestrom a questão se aprofunda, tratando das

novas formas históricas da atividade social geradas coletivamente, as quais são

provenientes das ações dos indivíduos no tempo presente. Isto é, para Engestrom, a

finalidade é a geração coletiva de soluções, e não a independência advinda de um prévio

auxílio de companheiros mais capazes.

A respeito das atividades realizadas no ensino colaborativo, o trabalho

desenvolvido é semelhante ao estágio tradicional em alguns aspectos. Existe a

participação dos professores da escola pública, professores da universidade e os

professores novatos. Há também aprendizagem em espaço virtual com a realização de

um blog e a confecção do trabalho final de conclusão do estágio. Além disso, os

objetivos expressos no manual do estagiário também são contemplados no ensino

colaborativo. As observações são diferentes, pois acontecem apenas no contexto no qual

o professor novato vai atuar e são embasadas no conceito já citado de PLP, ocorrem de

modo com que ele não seja mero espectador da prática do outro. As observações são o

primeiro contato do professor novato com a sala de aula, assim inicialmente ele se

engaja em tipo de participação periférica, que se transforma ao longo das aulas, ele vai

se movendo para o centro, ou seja, para as práticas como professor regente.

Mas podemos dizer que, em linhas gerais, o trabalho realizado no ensino

colaborativo “extrapola” o que é previsto no estágio tradicional, principalmente pelo

número de horas destinado ao estágio. Isso porque ao assumir compromisso com o

grupo de professores, o professor novato se compromete a participar de todas as aulas,

durante todo o ano na escola pública escolhida. Do mesmo modo se comprometem o

professor colaborador, com padrão na educação básica, e o professor de professores,

mais comumente denominado professor-formador.

Além das aulas, toda a ação dos participantes do projeto – que vai da preparação

dos materiais didáticos, intervenções nas salas de aulas e discussões teórico-práticas a

respeito – é fundamentada por meio de planejamento prévio que ocorre coletivamente

em encontros semanais, nos quais idealmente estão presentes todos os professores. Roth

e Tobin (2002) explicam este tipo de reunião entre os professores pelo conceito de

Diálogo Cogenerativo8. Trata-se de encontros em que todos os envolvidos discutem a

sala de aula, seus dilemas e contradições do lugar de quem os vivenciou e de quem está

envolvido na tarefa de transformá-los.

8 Tradução nossa para o termo “Conegerative Dialogue”.

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Referencial teórico de análise

Para realizar as análises das respostas das professoras novatas para a pergunta

“O que você aprendeu na prática de Estágio durante o ano passado?” iremos utilizar

como fundamentação teórico-metodológica a teoria da representação social, a qual tem

origens na antropologia e na sociologia.

O sociólogo Émile Durkheim é o precursor de tais estudos (apud Minayo, 1995,

p.90). Usando o termo “representações coletivas”, Durkheim afirmava que tal conceito

refere-se às categorias de pensamento que levam determinadas sociedades a elaborar e

expressar sua realidade. Essas categorias não seriam universais e nem pré-estabelecidas,

mas sim constituídas através de fatos sociais e de suas transformações. Sendo assim,

através da observação de tais eventos, seria possível conhecer e interpretar essa

sociedade. Trata-se de compreender como os indivíduos pertencentes a um determinado

grupo se apropriam da realidade e fazem sentido dela.

Os conceitos de Durkheim foram retomados e redefinidos por Moscovici (2003).

Este autor usa o termo “representações sociais” o qual indica “um universo de opiniões

próprias de uma cultura, de uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do

ambiente social” (1961, p.166). As adaptações de Moscovici surgiram no sentido de

compreender sociedades modernas e toda sua dinamica volátil, assim as representações

sociais seriam “fenomenos específicos que estão relacionados com um modo particular

de compreender e se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso

comum” (Moscovici, 2003, p.49).

Nesse sentido compreendemos que a matéria-prima para quem busca conhecer e

entender as representações que o outro tem sobre a realidade só pode ser a linguagem.

Mais especificamente no caso desta pesquisa, a linguagem oral das professoras novatas,

através da qual podemos tomar conhecimento, de forma concreta, de suas

representações acerca do que aprenderam no estágio.

Na Linguística Aplicada no Brasil, o conceito de representações sociais foi

revisitado por Celani e Magalhães (2003, p.321) que o redefiniram como:

Uma cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os participantes da interação e das significações, as expectativas, as intenções, os valores e as crenças referentes a a)teorias do mundo físico; b)normas, valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um contexto particular.

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Tal entendimento sobre as representações sociais no que se refere à formação de

professores reafirma a importância da linguagem para as nossas análises. Será por meio

dela que entraremos em contato com os significados que essas professoras novatas

puderam construir sobre si e sobre o outro, no mundo.

Ainda no campo da Linguística Aplicada, Freire e Lessa (2003, p.174) também

abordam o tema, porém com a ressalva de que as representações de um único sujeito

não podem ser generalizadas como pertencentes a todo um grupo. Isso porque cada

indivíduo faz parte de diferentes grupos sociais. Estas autoras definem representações

sociais como:

Maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao da histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo.

Essa visão sobre as representações corrobora o sentido que buscamos nas

análises das respostas das professoras novatas: como e o que elas conseguem expressar

a respeito de seu aprendizado ocorrido através das interações sociais proporcionadas em

seu período de estágio.

Análise Para a coleta de dados, foram utilizadas gravações realizadas com os

participantes do ensino colaborativo, no projeto Universidade Sem Fronteiras, cuja

pergunta feita às professoras novatas era basicamente “O que você aprendeu com a

experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que mais lhe chamou a

atenção e os momentos mais difíceis”. Baseadas nessa gravação, fizemos o mesmo

questionamento para outras professoras novatas, as que tiveram como experiência a

prática de ensino Tradicional, com o intuito de compreender como alguns

conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade

Estadual de Londrina. Contamos com o relato de duas professoras novatas de cada um

dos modelos de estágio, aquelas que se demonstraram interessadas em participar das

gravações.

Os dois trechos abaixo revelam a fala das professoras novatas sobre o que elas

aprenderam nas práticas de estágio: As alunas G e F tiveram experiências com a prática

tradicional; as alunas M e B com a prática de ensino colaborativo.

98

Pela fala das professoras novatas, pode-se afirmar que os dois modelos

privilegiam contato com a realidade e fazem com que os alunos sintam como é o ser

professor. Nota-se a relevância do estágio na formação de professores como constituinte

de sua identidade profissional e como esta prática é vista e experimentada pelos alunos.

No trecho da aluna F - integrante do estágio tradicional - ressalta como foi bom ter a

“noção do que é dar aula”: Contudo, esta fala parece expressar que a aluna pôde se

engajar apenas superficialmente na profissão visto que a atividade do professor vai

muito além do que “ter noção” do que é dar aula:

F: “Esta foi minha primeira experiência em sala de aula. Por isso foi muito bom para ter uma noção de como realmente é dar aula. Descobri que eu gosto mais do que eu imaginava”.

Já a aluna M ressalta que tais experiências, mediadas, em seu caso, pela prática

de ensino colaborativo, foram realmente marcantes na sua identidade profissional pelo

fato de conhecer o mundo destes alunos:

M: “O contexto de escola de periferia e EJA foram para mim – essas duas experiências foram muito marcantes porque na escola de periferia eu conheci o mundo daqueles alunos. Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles. No EJA, cada dia que eu estou lá eu tenho me impressionado mais, com que pessoas que já passaram por grandes dificuldades durante toda a vida e agora depois de tanto tempo, tem o interesse de estar ali, muito presente de novo e querendo aprender cada vez mais e com a consciência de que nunca é tarde para aprender.. Então esse projeto para mim tem sido enriquecedor.”

Assim, podemos notar que nas falas de M e de F estão presentes identidades

muito diferentes. Uma experiência permitiu “ter uma noção de como é dar aula” e

“descobrir que gosta mais do que pensava”, o que revela uma identidade ainda insegura,

de quem ainda não sabe dar aula de fato, mas apenas apresenta uma ‘noção’ de como

fazê-lo, o que nos indica que o estágio realizado por F foi uma experiência de

dimensões limitadas no que se refere à sua formação profissional. A outra experiência

revela dimensões “marcantes”, a fala de M indica a construção da identidade de uma

professora que tem no outro a sua satisfação “porque eu conheci o mundo daqueles

alunos”. Pelo relato de M percebemos o seu aprendizado como experiência de vida ao

conhecer as vivências de seus alunos de EJA, isto é, a professora novata expressa que as

dificuldades vividas pelos alunos são uma lição de que “nunca é tarde para aprender”.

Desse modo, por notarmos que algumas diferenças são salientadas e podem ser

percebidas nas experiências destas alunas. Por isso, ressaltamos cinco principais

temáticas recorrentes nos dados coletados com os envolvidos no ensino colaborativo, as

99

quais organizamos nas seguintes categorias de análise: os momentos difíceis, a relação

com os alunos, a preocupação com o papel da universidade e da escola pública e o

trabalho do professor.

Momentos Difíceis

Nos trechos abaixo, as professoras novatas G e B falam sobre os momentos mais

difíceis enfrentados no estágio:

G: “Algumas situações onde os alunos faziam perguntas sobre os textos ou gramática, focando uma perspectiva que não tinha sido analisada por mim até então. Descobrir diferentes modos de fazer explicação do mesmo assunto, e lidar com alunos com diferentes níveis de conhecimento da língua.”

B: “Esse momento totalmente de conflito, onde eu pensei até em trancar a matrícula, vou parar o curso de Letras, não é isso que eu quero para minha vida, porque eu tive que me deparar com o que eu vou me deparar no futuro, em que eu teria que assumir as responsabilidades, eu teria que tomar todas as conseqüências, o porquê de meu aluno não estar aprendendo, não será só culpa dele ou do sistema, ou do que tava em volta, mas também estava em mim, na questão de metodologia, em questão de preparo e tudo mais, então esse foi o momento de choque, onde você tem que sair da sua zona de conforto, ir para a batalha e você se depara com tudo aquilo e você fala ou fico ou saio correndo.... e agora? Então eu vou ter que aprender a lidar com isso, com estes dois momentos de frustração que são eles que vão fazer com que eu cresça, desenvolva cada dia.

Podemos perceber que ambas as práticas suscitam conhecimentos para os

envolvidos e as professoras novatas a vêem como espaço para crescimento profissional.

Na fala da professora G, nota-se que o momento mais difícil foi referente à metodologia

utilizada e a heterogeneidade da sala de aula, aspectos estes importantes para a

profissionalização do professor. Assim, para ela, o maior desafio foi descobrir como

explanar conteúdos de maneiras diferenciadas, de modo a atingir todos os alunos e lidar

com os diferentes níveis de conhecimento existentes, visto que estava acompanhada

somente de uma companheira de classe e de nenhum professor regular ou formador. Em

outras palavras, a dificuldade está no fato de que os alunos faziam perguntas cujas

respostas ela ainda não tinha pensado. Ela “aprendeu” a usar diferentes estratégias e a

lidar com diferentes alunos. Percebe-se também que pela sua fala “ não tinham sido

analisadas por mim” , que ela parece ter que descobrir sozinha como lidar com isso.

Para a professora B, o momento mais difícil não está apenas em questões

metodológicas ou linguísticas - embora estes não sejam excluídos -, mas sim na

responsabilidade de sentir parte do sistema e se deparar com os desafios da profissão:

responsabilidade, consequências, aprendizado dos alunos. A problematização que esta

prática trouxe para B foi tão grande que ela pensa até em parar o curso, mas no final

decide que estes são fatores inerentes a profissão e que ela deve saber lidar com isso. A

100

dificuldade está em se deparar com a realidade da responsabilidade pela aprendizagem

dos alunos. Ela “aprendeu” que são os conflitos e as dificuldades que fazem com que ela

se desenvolva.

Podemos dizer também que, pelo fato da aluna B estar inserida na escola em um

longo período de tempo e pelo fato de preparar a maioria das aulas juntamente com as

professoras formadora e colaboradora ela se sente mais segura em relação a questões

metodológicas e linguísticas. No entanto, dimensões do chamado “currículo oculto” 9

podem ser evidenciadas, como por exemplo, fatores como papel do professor, do

sistema de ensino, de resultado de aprendizagem, de responsabilidade com a profissão e

de questionamento dos próprios valores e abordagens, de afetividade, valoração, tomada

de decisões e conceitos institucionais.

Interessante destacar nestas duas falas que identidades diferentes parecem estar

sendo construídas: enquanto as dificuldades para a aluna G residem basicamente nas

suas ações e indicam que seu foco está em si mesmo (sua dificuldade maior parece estar

naquilo que ela não é capaz de fazer), para B a preocupação está naquilo que o aluno

não está aprendendo (e que ela sente como responsabilidade dela).

Relação com alunos

Outro fator salientado nas representações foi a relação com os alunos:

F: “Foi uma relação bem amigável, para tentar construir em sala de aula um ambiente onde eles se sentissem seguros e livres para expressarem suas opiniões, sem medo de errarem. Não foi focada somente a interpretação do texto feita pelo professor, os alunos tinham suas opiniões e o papel do professor era levantar algumas questões acerca do assunto para conduzi-los a uma boa compreensão geral.”

M: “Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles.”

Ambas as alunas relatam bom relacionamento com os alunos, porém de formas

distintas. Para F, a relação amigável é motivada pelo desejo de participação do aluno

nas aulas, enquanto que para M a amizade se estabeleceu entre o aprendizado adquirido

por ela e pelos alunos. A aluna F reforça que o clima foi amigável, que o papel do aluno

9 Este conceito é entendido pela perspectiva crítica do currículo como “normas e valores que são implícitas, porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são mencionadas na apresentação feita pelos professores dos fins ou objetivos” (Apple, 1982, p.127 apud Moreira). “Ainda segundo Moreira (1997, p.14), este conceito aponta para o fato de que o “aprendizado incidental” durante o curso pode contribuir mais para a socialização do estudante que o conteúdo ensinado no curso”. Para Silva e Moreira (1995, p.31), este conceito continua importante na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade.

101

era de construtor de conhecimento, pois eles estavam livres para falar “sem errar” e as

interpretações dos alunos também eram válidas. F reforça o papel do professor como

responsável pelo ensino, pois ela apresenta-se com a função de “conduzi-los”. A

professora M, entretanto, diz “ter uma relação forte” com os alunos, e ressalta que na

verdade ela aprendeu muito mais do que eles através das experiências vivenciadas,

enfatizado que estava na sala de aula não apenas para ensinar, mas também para

aprender. Pelo fato da relação com os alunos ter sido mencionada pelas duas alunas sem

ter sido requisitado esta informação, pode-se notar como este fator também se revela

importante na constituição destes professores novatos, pois, segundo Mateus (1999), o

relacionamento pessoal e amigável entre o professor novato e seus alunos é muito

importante para que ele se sinta acolhido e tire do caminho os entraves do estágio.

Preocupação com papel da escola pública / papel da universidade

Nos trechos abaixo, nota-se a preocupação com as alunas participantes do ensino

colaborativo com os vínculos estabelecidos com a escola e com a universidade - o que

não se verifica na fala das professoras novatas do estágio tradicional.

M: “ E ela tá próxima da comunidade, e acha que esse é o papel da universidade. Se ela não tem esse papel, porque ela ta ali? Porque ela recebe recursos do governo e do cidadão? Porque quem financia a universidade são as pessoas, e é a comunidade e a maioria dela tem filho na escola. (...)” B: “ Ser mais proativo um pouco com a escola pública e com o contexto em que ela está inserida... e dar mais relevância ao que o professor tem preparado e dentro daquilo a gente preparar material, desenvolver nosso trabalho a fundo”.

Percebe-se um engajamento e uma problematização sobre o papel da escola

pública, da universidade e do próprio cidadão. Uma possível razão pela qual as

professoras novatas mencionam tal preocupação pode ser o fato de que discussões são

realizadas nos encontros do projeto acerca deste assunto.

A professora novata M fala sobre o papel desempenhado pela universidade no

ensino colaborativo, a relação de proximidade com a escola, a contrapartida social que

se espera dessa instituição para com a comunidade. Tais características parecem

essenciais diante dos questionamentos levantados pela professora novata.

Já a professora novata B demonstra preocupação com relevância que a

universidade dá ao conhecimento localmente produzido na escola, o quanto a

102

universidade, representada pelos professores novatos e professores de professores,

reconhece como legítimo o trabalho do professor colaborador.

Trabalho do professor

Nas falas abaixo, evidencia-se o trabalho do professor que normalmente é

caracterizado como sendo um trabalho solitário. Devido à própria configuração do

sistema de trabalho, os professores não têm com quem contar, tirar dúvidas ou

simplesmente negociar abordagens de ensino.

G: “ Eu me preocupei com a questão de ter que dar aula sozinha, porque o professor da turma não ficava com a gente lá, ele ia fazer outra coisa.... então a gente tinha que dar conta da turma, (que às vezes era terrível e não respeitava a gente) mas deu tudo certo”.

M: “Nós, como professoras estamos sempre nos reunindo, uma tirando a dúvida da outra, olha a gente poderia melhorar nisso, o que você acha dessa idéia, o que você acha da gente tá fazendo isso, eu, a X (professora regular), a Y (professora-novata) e a W (professora formadora) ali na sala de aula é muito válido, é legal porque a universidade não está distante”.

Nota-se que a professora G preocupou-se como fato de estar sozinha com a

turma devido ao comportamento dos alunos, ou seja, revela um momento de

insegurança vivenciado por ela. Com sua fala, a professora novata G aponta uma prática

comum no estágio tradicional: o professor da escola pública se isenta da função de

colaborador.

A professora novata C ressalta uma situação oposta, relata que elas – todas as

professoras envolvidas no ensino colaborativo - estavam sempre se reunindo, tirando

dúvidas, construindo juntas. Ressalta ainda o fato de a professora formadora estar

também inserido na sala de aula e não ser mero supervisor. Esta configuração de

trabalho parece favorecer as identidades dos professores pelo fato destes terem em quem

se apoiar e dividir responsabilidades, conflitos e também sucessos.

Conclusão Apesar da pequena amostra de dados apresentada neste trabalho, foi possível

notar algumas características nas representações das alunas sobre os dois modelos de

estágio. Em ambas as práticas, podemos notar que as professoras novatas ressaltam o

contato com a realidade, a relação com os alunos e as preocupações com aspectos

metodológicos. Contudo, notamos que na prática de ensino colaborativo, as

preocupações parecem ir um pouco além. Questões morais como a preocupação com o

103

papel da universidade e a responsabilidade para com a escola pública, a valorização e os

desafios de se trabalhar juntos, a segurança de não estarem sozinhos neste primeiro

contato com o trabalho e o fato de se sentirem como parte deste contexto devido ao

longo contato com a realidade.

Assim, de acordo com os dados analisados, acreditamos que ambas as práticas

atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino.

No entanto, acreditamos que a prática de Ensino Colaborativo possibilita maiores

momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional no aspecto crítico

da formação destes professores. O principal fator que justifica este fato é a integração

do aluno de maneira longitudinal no contexto da escola pública e as possibilidades de

pensar criticamente sobre os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas: a do

professor colaborador, do próprio professor novato e do professor formador.

Em outras palavras, acreditamos que a prática de ensino pelo viés do Ensino

Colaborativo pode propiciar a construção de uma identidade profissional mais crítica e

engajada por que objetiva construir o conhecimento dos envolvidos de maneira

continuada e integrada, por buscar levar em consideração a experiência de todos os

integrantes que se encontram em diferentes momentos da carreira. Essa concepção é um

re-significar do conceito de formação de professores: os alunos não mais “aprenderiam

a ensinar”, mas “ensinariam para aprender”, esta re-significação de conceito não se dá

apenas pelo jogo de palavras, mas sim por uma abordagem mais calcada na prática. A

aprendizagem do professor em pré-serviço se daria tanto no próprio ato de ensinar,

juntamente com todas as ações que essa atividade engloba quanto no próprio contexto

de ensino, permitindo a estes a aprendizagem de aspectos importantes da profissão, o

chamado “currículo oculto”. Lave (1991) acredita que como resultado de se aprender

no trabalho, os novos professores constroem uma identidade de pertencer à comunidade

e já se sentirem professores. Há a construção de uma nova identidade porque eles não

são considerados somente “alunos” ou “estagiário”, mas inseridos como sujeito

responsável pelo trabalho diário na escola. Para a autora, a mudança de foco do

“aprender a ensinar” para “ensinar para aprender” é considerada um passo crucial na

remoção das contradições existentes.

A intenção aqui não é colocar o Ensino Colaborativo como uma prática ideal e

sem contradições, até porque esta forma de configurar o trabalho entre os professores

favorece o surgimento de outros embates e algumas contradições ainda não foram

superadas. Sabemos que a atual condição de trabalho do professor brasileiro não

104

favorece a construção coletiva e colaborativa: longas jornadas de trabalho, pouca

porcentagem de hora atividade, políticas educacionais que privilegiam o trabalho

individualizado e a própria concepção ideologizada do trabalho do professor que advoga

que o professor é o detentor de todos os conhecimentos.

O Ensino Colaborativo, a nosso ver, apresenta-se como uma alternativa que deve

ser levada em conta por professores formadores hoje para que todos os envolvidos no

ensino possam, ao menos, levar em consideração essa prática que pode oferecer grandes

benefícios para a formação. Contudo, estamos cientes de que para existir tal mudança, é

necessária primeiramente também uma mudança no sistema de atividade em que o

professor formador está inserido. Salientamos ainda que esta mudança deveria ser

iniciada por políticas educacionais que privilegiem as condições de trabalho dos

professores.

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85

DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILID ADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ∗

Michele Salles El Kadri1 (Universidade Estadual de Londrina)

Elaine Mateus2

(Universidade Estadual de Londrina)

Taisa Pinetti Passoni3 (Universidade Estadual de Londrina)

RESUMO: Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por dimensões teórico-práticas, o debate no campo da formação de professores na sociedade atual ainda se revela na discrepância entre estes dois âmbitos. Preocupados com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina Prática de Ensino, utilizando do conceito das representações sociais. Contrastamos tais visões com o objetivo de compreender quais e como tais conhecimentos são construídos em dois modelos de estágio utilizados na formação de professores: o modelo chamado de “tradicional” e o modelo “colaborativo”. O primeiro modelo está fundado numa concepção cognitivista de aprendizagem enquanto o outro se organiza a partir de uma concepção sócio-histórico-cultural de conhecimento. Com este estudo, visamos ressaltar as contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos. A análise indicou que ambas as práticas atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino. No entanto, a prática de ensino colaborativo parece possibilitar maiores momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional tanto no aspecto crítico da formação destes professores, quanto pelas possibilidades de se pensar e discutir os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas. PALAVRAS-CHAVE : formação de professores, prática de ensino, identidade profissional. ABSTRACT: Considering that professional identities are constructed by theoretical and practical dimensions, the debate in Teacher Education field in nowadays society is still revealed in the discrepancies between these two scopes Concerned with this issue, we analyze in this paper the representations of four new teachers related to the Knowledge constructed in Teaching Practicum subject, using the concept of social

∗ Tratou-se inicialmente de uma Apresentação Individual realizada no 17° Intercâmbio em Pesquisa de Linguística Aplicada (InPLA), portanto consta no caderno de resumos do mesmo evento. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina. 2Professora da Universidade Estadual de Londrina. 3Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES-DS.

86

representation. We contrast both perspectives aiming to understand – by the new teachers’ perspectives which and how knowledge is constructed in two models of trainee used Londrina State University: the models called “Traditional” and “Collaborative”. The first model is based in a cognitive perspective of learning while the other organizes itself based in a social-cultural theory of learning. With this research, we intend to emphasize the contributions and the possibilities of learning that each perspective make possible. KEY-WORDS : Teacher Education, teaching practicum, professional identity. Introdução

Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por

dimensões teóricas e práticas, o debate no campo da formação de professores na

sociedade atual ainda se revela na dicotomia entre estes dois âmbitos. Esta discussão se

torna ainda mais relevante devido à necessidade que os profissionais formados pelas

universidades possuem de ser críticos e preparados para lidar com as diferenças que

constituem o seu próprio ser e o outro, a refletir sobre as práticas discursivas que

naturalizam os diferentes discursos e que possam perpetuar valores ideológicos capazes

de excluir as identidades sociais minoritárias. E isso só será possível nas salas de aula

em que atuam estes profissionais se a formação destes também privilegiar tais

conceitos, pois a estrutura dos cursos ainda está organizada de maneira a apagar as

diferenças sem se dar conta dos embates que estes questionamentos trazem para a

identidade do aluno.

Diante de tal perspectiva somos levados a pensar no conceito bakhtiniano de

“reciprocidade de papéis” que, estendido ao contexto educacional, “nos remete à idéia

de que os modos como nos colocamos diante de nossos alunos, ou seja, os papéis que

assumimos em sala de aula, determinam os modos como nossos alunos se colocam

diante de nós.” (MATEUS; PICONI, 2008, p. 9).

Em outras palavras, trata-se da coerência que se espera de qualquer profissional

em seu ambiente de trabalho. A partir do momento que os cursos de formação prezam

pela formação de professores com capacidades críticas-reflexivas, tais características

serão evidentes no seu agir profissional, o que, consequentemente influenciará

sobremaneira a educação propiciada aos alunos no ambiente escolar.

87

Compreendemos que as identidades profissionais são produzidas nas práticas

sociais em que o futuro professor se engaja, seja pelo discurso dos formadores, pelos

modelos teóricos, materiais didáticos adotados ou pela própria sociedade. A esse

respeito, Brunner (apud MOITA LOPES, 2002, p.127) salienta muito bem que uma das

funções dos cursos de formação inicial é a de auxiliar seus futuros profissionais a

encontrar uma identidade dentro da cultura de ensino. Ou seja, a escola é vista como

uma comunidade que possui uma cultura própria, na qual o professor novato deve ser

inserido e, dessa forma, encontrar seu lugar e seu papel através da sua participação para

que possa construir um significado acerca de sua prática.

Se realmente concebermos o sujeito como ser constituído pelas práticas sociais

a que é exposto e levarmos em consideração a necessidade de auxiliar o professor

novato a se identificar com a futura profissão, nosso olhar volta-se para as aulas de

Prática de Ensino nos cursos de licenciatura, as quais têm sido historicamente

conduzidas segundo a perspectiva do modelo que denominamos “tradicional”. A Prática

de Ensino tradicional já tem sido questionada por muitos pesquisadores devido à

necessidade de re-pensar sobre duas questões principalmente: a) a articulação que este

modelo propicia (ou não) entre universidade e escola e b) a valorização (ou não) do

saber escolar neste modelo.

Em relação à distância entre os mundos da teoria e da prática, correspondentes,

respectivamente, aos mundos da universidade e da escola, críticas são feitas ao modelo

tradicional devido à concepção de ensino que ele evoca: os alunos são vistos como

“tabula rasa”, que devem apropriar-se dos conhecimentos proposicionais transmitidos

pela universidade e em seguida aplicá-los na prática. Matusov e Hayes (2002) endossam

esta visão e são incisivos ao criticar ao modelo tradicional de educação, enfatizando sua

característica principal que se trata da mera transmissão de conhecimentos, com

objetivo de moldar os alunos de acordo com habilidades e atitudes preestabelecidas pelo

professor.

O fato dos cursos de formação concederem pouca legitimidade aos saberes

criados e mobilizados através do trabalho do professor é bem salientado por Tardif

(2002, p.235) ao afirmar que “segundo a concepção tradicional, o saber está somente do

lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso

saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc.”.Ora, se

concebermos o sujeito como constituído pelas práticas sociais e ao mesmo tempo um

88

sujeito ativo e com agência, devemos considerar a prática também como um espaço de

construção de saberes e não somente como aplicação da teoria.

Assim, a maneira como professor resolve conflitos em sala de aula, como por

exemplo, a falta de disciplina, o gerenciamento do tempo, a repartição de atenção entre

os alunos, o modo como lida com a própria individualidade de cada aluno e a aquisição

da sensibilidade relativa às diferenças entre eles são saberes importantes na profissão.

No modelo Tradicional, muitos professores constroem sua identidade e seus

saberes práticos na tentativa e no erro, pautados, via de regra, em pressupostos teóricos.

É por isso que vários estudos também apontam os anos iniciais de socialização na

profissão como um dos principais aspectos da constituição identitária do professor.

Tardif (2002) afirma que o conhecimento dos profissionais é temporal e que os

primeiros anos de formação e prática são de extrema relevância para construção da

identidade do indivíduo. Outro autor a concordar com esta perspectiva é Matêncio

(2008, p.196):

O fato é que, no processo de socialização que se pretende na universidade, o qual conduz à ruptura com muitas das crenças construídas durante um longo processo anterior de socialização, parece ser essencial considerar que o professor em formação passa pela re(construção)de uma identidade lingüística (e linguageira) que pode habilitá-lo, de forma mais ou menos satisfatória, a agir com, sobre e através da lingua(gem) no processo de ensino/aprendizagem.

Levando em consideração estes aspectos, somos levados a pensar em uma

alternativa para a Prática de Ensino que se diferencia do modelo tradicional. O modelo

de ensino colaborativo se coloca como uma opção que visa a tornar o estágio um espaço

mais seguro e que busca unir os saberes da universidade aos saberes da escola. A Prática

de Ensino mediada pelo ensino colaborativo pode promover a produção de identidades

profissionais mais críticas, seguras e engajadas porque possibilita a produção do

conhecimento dos envolvidos de maneira continuada e integrada, levando em

consideração a experiência de todos os envolvidos. Isso porque o professor regular

(professor colaborador) também assume o papel de co-formador, deixa de ser somente

objeto de pesquisa dentro de sua sala de aula e passa a produzir pesquisa; os estagiários

(professores novatos) têm a chance de iniciar sua socialização juntamente com os

professores colaboradores e o próprio supervisor (professor de professores), adquirindo

os saberes da prática; e o próprio formador (que muitas vezes nunca atuou no sistema

básico) também participa mais ativamente deste contexto.

89

Acreditamos na viabilidade dessa perspectiva por concordar com Geisel &

Meijers (2005) quando defendem que o aprendizado de professores não deve ser visto

somente como um processo de construção social, mas também como construção da

auto-identidade e que as mudanças na identidade profissional de professores são

possíveis somente quando a construção social e a auto-identidade se tornam

relacionados um ao outro.

Assim, acreditamos que com outra relação entre saber teórico e saber prático,

estabelecida pelo ensino colaborativo estaremos possivelmente criando novas condições

para o aprendizado do futuro professor que será de grande valia para sua formação

identitária, na medida em que assumimos o pressuposto que a formação é constituída

pelas práticas sociais e também pela agência coletiva e colaborativa dos professores na

sala de aula.

Kleiman (2006, p.79) defende também esta visão ao afirmar que “as práticas

sociais que visam à socialização são elementos centrais nesta construção” e que “as

representações sociais nascidas desse processo de formação identitária na academia

podem, então, em princípio, orientar a prática do professor.” E é por isso que se torna

quase impossível falar de formação identitária de professores sem levar em conta o

impacto que a ausência de integração entre teoria e prática tem na identificação do aluno

com a profissão.

Preocupadas com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de

quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina

Prática de Ensino através de entrevista gravada em áudio, focando nas representações

destas professoras sobre os conhecimentos e saberes adquiridos. A pergunta “O que

você aprendeu com a experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que

mais lhe chamou a atenção e os momentos mais difíceis” foi a escolhida para a análise

em questão, por julgarmos ser representações importantes das professoras novatas sobre

seu próprio aprendizado. Foram escolhidas quatro alunas do último ano de Letras: duas

envolvidas com o chamado modelo tradicional e duas envolvidas com práticas de ensino

colaborativo. Assim contrastamos suas visões com o objetivo de compreender – por

suas próprias vozes e pela percepção de duas alunas mestrandas - quais e como tais

conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade

Estadual de Londrina.

A Prática de Ensino no curso de Letras Estrangeiras Modernas – Inglês da

Universidade de Londrina é desenvolvida nos dois últimos anos da graduação.

90

Independentemente do modelo escolhido, o estágio deve atender alguns requisitos

obrigatórios, como o cumprimento da carga horária de 200 horas em cada um dos anos,

a qual se distribui na realização de diversas atividades - observações de aula nas escolas,

grupos de estudo, preparação de aulas e materiais, regências, entre outras. Em seguida

descreveremos como se configuram os modelos de estágio tradicional e de ensino

colaborativo, suas semelhanças e diferenças, a fim de delinear suas características, o que

será muito útil para compreensão das representações das professoras novatas, bem como

para o entendimento de nossa análise em relação às suas falas. O segundo modelo está

inserido no Projeto integrado da Universidade Estadual de Londrina “Aprendizagem

Sem Fronteiras: ressignificando os limites da formação inicial e contínua de

professores”. Neste projeto, professores novatos, professores de professores e

professores colaboradores da rede pública se valem dos princípios da Teoria da

Atividade sócio-histórico-cultural (TASHC) - iniciada por Vygotsky no início do século

XX - para orientar suas práticas de ensino. Com este estudo, visamos ressaltar as

contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos.

Dois modelos: tradicional x colaborativo Estágio Tradicional

O modelo de estágio o qual denominamos tradicional é aquele desenvolvido

amplamente no curso de Licenciatura em Letras Estrangeiras Modernas-Inglês da

Universidade Estadual de Londrina. Aqui buscaremos delinear suas principais

características, pois devemos enfatizar que o mundo da Universidade propicia certa

liberdade ao docente responsável pela supervisão de estágio. Isto significa dizer que as

linhas gerais de desenvolvimento deste trabalho não mudam, porém é possível que

diferentes supervisores adotem diferentes encaminhamentos.

O estágio tradicional na UEL ocorre nos 3° e 4° anos da graduação e o nosso

foco será na Prática de Ensino desenvolvida no penúltimo ano. Trata-se de uma carga

horária anual de 200 horas divididas em diferentes atividades consideradas relevantes

para a formação inicial de professores. Seus objetivos estão explicitados no Guia de

Orientação do Estágio Curricular do Curso de Letras Estrangeiras Modernas (UEL,

2009):

I. Vivenciar as realidades educacionais das comunidades escolares e/campos de estágio;

91

II. Planejar, executar e avaliar processos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras modernas e suas respectivas literaturas; III. Promover a articulação entre os campos do saber e a práxis investigativa; IV. Articular conhecimentos advindos de atividades de pesquisa, ensino e /ou extensão; V. Lidar de forma crítica com as linguagens nos contextos de ensino-aprendizagem.

No que se refere aos itens I e II, destacamos as atividades de observação e

regência. Os estagiários devem realizar observações em três diferentes contextos:

Escola Pública, Escola Privada e Instituto de Idiomas. Tal prática se justifica em função

da necessidade de oportunizar aos futuros professores experiências em possíveis

contextos de atuação profissional. As observações ocorrem não apenas em sala de aula,

quando os estagiários podem conhecer o trabalho de diferentes professores, mas

também na escola como um todo. Os estagiários devem estar atentos às aulas que

puderem assistir, à estrutura física da escola (salas de aula, biblioteca, quadra de

esportes, refeitório, entre outros), a respeito do quadro de profissionais ali presentes

(professores, coordenadores e diretores), dentre outras especificidades de cada ambiente

(número de alunos, período de aulas, carga horária das aulas, público atendido etc.).

As regências são realizadas em turmas do Ensino Fundamental 2 ou Médio de

escolas públicas da rede Estadual de Educação Básica. Porém estas regências podem

também ser desenvolvidas em outros contextos de ensino público sendo eles escolas da

rede Municipal no Ensino Fundamental 1, creche da Universidade Estadual de Londrina

a qual oferece Educação Infantil, ou ainda aulas em formato de “Mini Curso” – um

curso oferecido aos alunos da Rede Estadual de forma optativa, preparado acerca de um

único conteúdo ou temática a ser desenvolvido em horários diferentes das aulas

regulares, tendo um caráter de “reforço escolar” ou ainda de “atividade extra”, pois não

está condicionado aos conteúdos desenvolvidos na série em que o aluno está

regularmente matriculado.

Ao longo das regências dentro do contexto escolhido, o estagiário desenvolve

outras atividades referentes à vivência escolar, atividades de suporte às aulas e auxílio

ao professor colaborador, como por exemplo, preparação de aulas, materiais, atividades

e provas, além de correção dessas atividades.

Dos objetivos explicitados para o estágio no item III, destacamos as atividades

desenvolvidas em grupos de estudos realizados pelo supervisor com todos seus

estagiários, em número que pode variar enormemente devido à disponibilidade de carga

horária do supervisor dentre suas atividades desenvolvidas na Universidade. Neste

momento são feitas leituras e discussões teóricas a respeito do trabalho do professor,

92

sobre processo de ensino/aprendizagem em Língua Inglesa, questões políticas

relacionadas à Educação no Brasil.

Outra atividade realizada, a fim de dar continuidade a esta etapa de estudos, é o

trabalho em espaço virtual, que deve ser realizado ao longo de todo ano letivo. O

supervisor de estágio e seus estagiários selecionam um meio de interação pela internet a

fim de que haja troca de informações, de experiências e opiniões a respeito do estágio.

Os formatos de blog, página na PBWiki, e grupo de e-mails são os mais utilizados.

Os itens IV e V dos objetivos do estágio referem-se à escrita do trabalho final.

Os estagiários devem produzir um relatório crítico englobando todas as atividades

desenvolvidas. Para tanto são destinadas horas para escrita e pesquisa bibliográfica, bem

como horas de orientação individual com o supervisor para auxílio no desenvolvimento

desta tarefa.

Ensino colaborativo

O projeto “ Aprendizagem Sem Fronteiras: ressignificando os limites da

formação inicial e contínua de professores” da Universidade Estadual de Londrina

desenvolve o ensino colaborativo como novo modelo de Prática Ensino. Trata-se de um

projeto de ensino-pesquisa-extensão no qual professores novatos4, professores de

professores e professores da rede pública da matéria de Língua Inglesa buscam

coletivamente promover um embate produtivo de idéias acerca das contradições destes

dois mundos – universidade e escola - por meio de princípios de ensino e trabalho

colaborativos, repensando a divisão social do trabalho e as relações de poder.

Roth e Tobin (2002) afirmam que o ensino colaborativo emerge como uma

solução em potencial para muitos dos problemas identificados nas práticas atuais.

Trabalhar junto, para eles, é essencial porque faz emergir grandes desafios a serem

enfrentados e abre oportunidades para aprender dos outros de maneiras igualitárias e

tácitas. Eles ainda salientam que trabalhar juntos e dividir o trabalho é fundamental

para o aprendizado em muitos campos não somente no aprendizado de iniciantes mas

também dos professores em serviço e dos próprios formadores (por ex: piloto,

enfermeira, carpinteiros – e por que não, professores?).

4Segundo Mateus (2009), a opção pelos termos professor de professores e professor novato ao invés de professor formador e de estagiário, respectivamente, se deve ao fato de que essas noções recriam sentidos de legitimidade mais condizentes com os princípios que orientam as ações no projeto.

93

Assim, o ensino colaborativo significa fundamentalmente dividir a

responsabilidade ao ensinar uma sala para promover o aprendizado do aluno. Isso

significa que os professores planejam coletivamente as unidades e lições, ensinam (uma

pessoa lidera enquanto os outros dão suporte), constroem avaliações e tarefas, e se

engajam em sessões de planejamento.

Neste projeto, os indivíduos são convidados a uma prática social emancipatória,

através da qual os diferentes envolvidos podem “trocar de papéis”, ou seja, tendo suas

funções repensadas, uma vez que a todos poderá ser atribuída tanto a função de

pesquisador quanto a de professor e a de aprendiz, buscando de fato vincular a teoria à

prática. O ensino colaborativo fundamenta-se na Teoria da Atividade sócio-histórico-

cultural (TASHC) desenvolvida por Vygotsky e continuada por seus seguidores, sobre a

qual Mello (2004, p.135) discorre:

A teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX. Os autores que autodenominaram sua corrente de pensamento como histórico cultual tinham razões para isso: partiam do pressuposto de que o homem é um ser de natureza social.

Ao relacionarmos tais idéias com o processo de formação de professores, somos

impulsionados a encarar com muito mais atenção a relevância das atividades propostas e

as transformações sociais e individuais delas decorrentes.

Libâneo (2004) afirma que os indivíduos vão à escola não apenas para aprender

conteúdos, mas também para assimilar cultura e meios cognitivos de compreender e

transformar o mundo. Portanto, é relevante nos questionarmos acerca de como as

orientações de estágio, os grupos de estudos desenvolvidos com professores em

processo de formação têm contribuído para a formação social destes profissionais, quais

são as possibilidades de interação proporcionadas aos estagiários a fim de que possam

ser promovidas condições favoráveis para a existência de professores conscientes de seu

papel na sociedade, transformadores ativos do mundo em que vivem.

O ensino colaborativo busca propiciar um espaço seguro para aprendizagem de

seus integrantes. Para Lave e Wenger (1991) a prática social é um fenômeno gerativo,

no qual a aprendizagem é uma de suas características. Ou seja, não há como desvincular

o aprender das interações sociais. Essas autoras conceberam uma visão analítica sobre

ensino na maneira de entender a aprendizagem, a qual foi denominada Participação

94

Legítima Periférica (PLP)5 e definida como “ o processo pelo qual novatos tornam-se

parte de uma comunidade de prática”6. Trata-se de compreender o processo de ensino e

aprendizagem como a interação entre indivíduos, que desempenham diferentes papéis,

os novatos sendo envolvidos gradativamente nas práticas de uma comunidade, e

aprender significa estar cada vez mais empenhado neste processo.

Outro conceito de extrema relevância para a nossa embasa o ensino colaborativo

trata-se da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), primeiramente definida por

Vygotsky (1991, p.112):

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sobre a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. De acordo com Gifford and Mullaney (apud KINGINER, 2002), isso significa

dizer que a tarefa deve exigir do aluno um pouco além do seu nível, a fim de ampliar

suas capacidades, e esta exige a presença de um mediador mais proficiente (professor ou

colega). O que nos retoma o conceito de PLP - a questão do novato interagindo numa

comunidade de aprendizagem – e ao conceito fundamental da TASHC definido por

Lantolf (2000, p.1) – a mediação.

Engestrom (1999) é um seguidor de Vygotsky que buscou melhor conceber a

definição de ZDP. Em um de seus trabalhos, Engestrom (1999) cita o potencial criativo

da internalização ignorado por Vygotsky, e elabora uma nova definição para o conceito

de ZDP:

It is the distance between the present everyday actions of the individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in the everyday actions.7

O que podemos destacar entre as duas definições de ZDP - a primeira de

Vygotsky e esta segunda de Engestrom - é a questão da independência individual

enfatizada pelo primeiro e a idéia de trabalho coletivo apresentada pelo segundo. Para

Vygotsky a importância da ZDP está no quão auto-suficiente o indivíduo pode ser em

seu processo de aprendizagem, vindo de uma escala de mais dependente necessitando

da orientação de um adulto ou de companheiros mais capazes, até a solução

5 Tradução nossa para o termo original em Inglês “Legitimate Peripheral Participation”. 6 Nossa tradução de: “the process by which newcomers become part of a community of practice” 7 É a distância entre as ações diárias presentes dos indivíduos e a nova forma histórica de atividade social que pode ser coletivamente gerada como uma solução de um viés potencialmente imerso em nossas atividades cotidianas.

95

independente de problemas. Já para Engestrom a questão se aprofunda, tratando das

novas formas históricas da atividade social geradas coletivamente, as quais são

provenientes das ações dos indivíduos no tempo presente. Isto é, para Engestrom, a

finalidade é a geração coletiva de soluções, e não a independência advinda de um prévio

auxílio de companheiros mais capazes.

A respeito das atividades realizadas no ensino colaborativo, o trabalho

desenvolvido é semelhante ao estágio tradicional em alguns aspectos. Existe a

participação dos professores da escola pública, professores da universidade e os

professores novatos. Há também aprendizagem em espaço virtual com a realização de

um blog e a confecção do trabalho final de conclusão do estágio. Além disso, os

objetivos expressos no manual do estagiário também são contemplados no ensino

colaborativo. As observações são diferentes, pois acontecem apenas no contexto no qual

o professor novato vai atuar e são embasadas no conceito já citado de PLP, ocorrem de

modo com que ele não seja mero espectador da prática do outro. As observações são o

primeiro contato do professor novato com a sala de aula, assim inicialmente ele se

engaja em tipo de participação periférica, que se transforma ao longo das aulas, ele vai

se movendo para o centro, ou seja, para as práticas como professor regente.

Mas podemos dizer que, em linhas gerais, o trabalho realizado no ensino

colaborativo “extrapola” o que é previsto no estágio tradicional, principalmente pelo

número de horas destinado ao estágio. Isso porque ao assumir compromisso com o

grupo de professores, o professor novato se compromete a participar de todas as aulas,

durante todo o ano na escola pública escolhida. Do mesmo modo se comprometem o

professor colaborador, com padrão na educação básica, e o professor de professores,

mais comumente denominado professor-formador.

Além das aulas, toda a ação dos participantes do projeto – que vai da preparação

dos materiais didáticos, intervenções nas salas de aulas e discussões teórico-práticas a

respeito – é fundamentada por meio de planejamento prévio que ocorre coletivamente

em encontros semanais, nos quais idealmente estão presentes todos os professores. Roth

e Tobin (2002) explicam este tipo de reunião entre os professores pelo conceito de

Diálogo Cogenerativo8. Trata-se de encontros em que todos os envolvidos discutem a

sala de aula, seus dilemas e contradições do lugar de quem os vivenciou e de quem está

envolvido na tarefa de transformá-los.

8 Tradução nossa para o termo “Conegerative Dialogue”.

96

Referencial teórico de análise

Para realizar as análises das respostas das professoras novatas para a pergunta

“O que você aprendeu na prática de Estágio durante o ano passado?” iremos utilizar

como fundamentação teórico-metodológica a teoria da representação social, a qual tem

origens na antropologia e na sociologia.

O sociólogo Émile Durkheim é o precursor de tais estudos (apud Minayo, 1995,

p.90). Usando o termo “representações coletivas”, Durkheim afirmava que tal conceito

refere-se às categorias de pensamento que levam determinadas sociedades a elaborar e

expressar sua realidade. Essas categorias não seriam universais e nem pré-estabelecidas,

mas sim constituídas através de fatos sociais e de suas transformações. Sendo assim,

através da observação de tais eventos, seria possível conhecer e interpretar essa

sociedade. Trata-se de compreender como os indivíduos pertencentes a um determinado

grupo se apropriam da realidade e fazem sentido dela.

Os conceitos de Durkheim foram retomados e redefinidos por Moscovici (2003).

Este autor usa o termo “representações sociais” o qual indica “um universo de opiniões

próprias de uma cultura, de uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do

ambiente social” (1961, p.166). As adaptações de Moscovici surgiram no sentido de

compreender sociedades modernas e toda sua dinamica volátil, assim as representações

sociais seriam “fenomenos específicos que estão relacionados com um modo particular

de compreender e se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso

comum” (Moscovici, 2003, p.49).

Nesse sentido compreendemos que a matéria-prima para quem busca conhecer e

entender as representações que o outro tem sobre a realidade só pode ser a linguagem.

Mais especificamente no caso desta pesquisa, a linguagem oral das professoras novatas,

através da qual podemos tomar conhecimento, de forma concreta, de suas

representações acerca do que aprenderam no estágio.

Na Linguística Aplicada no Brasil, o conceito de representações sociais foi

revisitado por Celani e Magalhães (2003, p.321) que o redefiniram como:

Uma cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os participantes da interação e das significações, as expectativas, as intenções, os valores e as crenças referentes a a)teorias do mundo físico; b)normas, valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um contexto particular.

97

Tal entendimento sobre as representações sociais no que se refere à formação de

professores reafirma a importância da linguagem para as nossas análises. Será por meio

dela que entraremos em contato com os significados que essas professoras novatas

puderam construir sobre si e sobre o outro, no mundo.

Ainda no campo da Linguística Aplicada, Freire e Lessa (2003, p.174) também

abordam o tema, porém com a ressalva de que as representações de um único sujeito

não podem ser generalizadas como pertencentes a todo um grupo. Isso porque cada

indivíduo faz parte de diferentes grupos sociais. Estas autoras definem representações

sociais como:

Maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao da histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo.

Essa visão sobre as representações corrobora o sentido que buscamos nas

análises das respostas das professoras novatas: como e o que elas conseguem expressar

a respeito de seu aprendizado ocorrido através das interações sociais proporcionadas em

seu período de estágio.

Análise Para a coleta de dados, foram utilizadas gravações realizadas com os

participantes do ensino colaborativo, no projeto Universidade Sem Fronteiras, cuja

pergunta feita às professoras novatas era basicamente “O que você aprendeu com a

experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que mais lhe chamou a

atenção e os momentos mais difíceis”. Baseadas nessa gravação, fizemos o mesmo

questionamento para outras professoras novatas, as que tiveram como experiência a

prática de ensino Tradicional, com o intuito de compreender como alguns

conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade

Estadual de Londrina. Contamos com o relato de duas professoras novatas de cada um

dos modelos de estágio, aquelas que se demonstraram interessadas em participar das

gravações.

Os dois trechos abaixo revelam a fala das professoras novatas sobre o que elas

aprenderam nas práticas de estágio: As alunas G e F tiveram experiências com a prática

tradicional; as alunas M e B com a prática de ensino colaborativo.

98

Pela fala das professoras novatas, pode-se afirmar que os dois modelos

privilegiam contato com a realidade e fazem com que os alunos sintam como é o ser

professor. Nota-se a relevância do estágio na formação de professores como constituinte

de sua identidade profissional e como esta prática é vista e experimentada pelos alunos.

No trecho da aluna F - integrante do estágio tradicional - ressalta como foi bom ter a

“noção do que é dar aula”: Contudo, esta fala parece expressar que a aluna pôde se

engajar apenas superficialmente na profissão visto que a atividade do professor vai

muito além do que “ter noção” do que é dar aula:

F: “Esta foi minha primeira experiência em sala de aula. Por isso foi muito bom para ter uma noção de como realmente é dar aula. Descobri que eu gosto mais do que eu imaginava”.

Já a aluna M ressalta que tais experiências, mediadas, em seu caso, pela prática

de ensino colaborativo, foram realmente marcantes na sua identidade profissional pelo

fato de conhecer o mundo destes alunos:

M: “O contexto de escola de periferia e EJA foram para mim – essas duas experiências foram muito marcantes porque na escola de periferia eu conheci o mundo daqueles alunos. Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles. No EJA, cada dia que eu estou lá eu tenho me impressionado mais, com que pessoas que já passaram por grandes dificuldades durante toda a vida e agora depois de tanto tempo, tem o interesse de estar ali, muito presente de novo e querendo aprender cada vez mais e com a consciência de que nunca é tarde para aprender.. Então esse projeto para mim tem sido enriquecedor.”

Assim, podemos notar que nas falas de M e de F estão presentes identidades

muito diferentes. Uma experiência permitiu “ter uma noção de como é dar aula” e

“descobrir que gosta mais do que pensava”, o que revela uma identidade ainda insegura,

de quem ainda não sabe dar aula de fato, mas apenas apresenta uma ‘noção’ de como

fazê-lo, o que nos indica que o estágio realizado por F foi uma experiência de

dimensões limitadas no que se refere à sua formação profissional. A outra experiência

revela dimensões “marcantes”, a fala de M indica a construção da identidade de uma

professora que tem no outro a sua satisfação “porque eu conheci o mundo daqueles

alunos”. Pelo relato de M percebemos o seu aprendizado como experiência de vida ao

conhecer as vivências de seus alunos de EJA, isto é, a professora novata expressa que as

dificuldades vividas pelos alunos são uma lição de que “nunca é tarde para aprender”.

Desse modo, por notarmos que algumas diferenças são salientadas e podem ser

percebidas nas experiências destas alunas. Por isso, ressaltamos cinco principais

temáticas recorrentes nos dados coletados com os envolvidos no ensino colaborativo, as

99

quais organizamos nas seguintes categorias de análise: os momentos difíceis, a relação

com os alunos, a preocupação com o papel da universidade e da escola pública e o

trabalho do professor.

Momentos Difíceis

Nos trechos abaixo, as professoras novatas G e B falam sobre os momentos mais

difíceis enfrentados no estágio:

G: “Algumas situações onde os alunos faziam perguntas sobre os textos ou gramática, focando uma perspectiva que não tinha sido analisada por mim até então. Descobrir diferentes modos de fazer explicação do mesmo assunto, e lidar com alunos com diferentes níveis de conhecimento da língua.”

B: “Esse momento totalmente de conflito, onde eu pensei até em trancar a matrícula, vou parar o curso de Letras, não é isso que eu quero para minha vida, porque eu tive que me deparar com o que eu vou me deparar no futuro, em que eu teria que assumir as responsabilidades, eu teria que tomar todas as conseqüências, o porquê de meu aluno não estar aprendendo, não será só culpa dele ou do sistema, ou do que tava em volta, mas também estava em mim, na questão de metodologia, em questão de preparo e tudo mais, então esse foi o momento de choque, onde você tem que sair da sua zona de conforto, ir para a batalha e você se depara com tudo aquilo e você fala ou fico ou saio correndo.... e agora? Então eu vou ter que aprender a lidar com isso, com estes dois momentos de frustração que são eles que vão fazer com que eu cresça, desenvolva cada dia.

Podemos perceber que ambas as práticas suscitam conhecimentos para os

envolvidos e as professoras novatas a vêem como espaço para crescimento profissional.

Na fala da professora G, nota-se que o momento mais difícil foi referente à metodologia

utilizada e a heterogeneidade da sala de aula, aspectos estes importantes para a

profissionalização do professor. Assim, para ela, o maior desafio foi descobrir como

explanar conteúdos de maneiras diferenciadas, de modo a atingir todos os alunos e lidar

com os diferentes níveis de conhecimento existentes, visto que estava acompanhada

somente de uma companheira de classe e de nenhum professor regular ou formador. Em

outras palavras, a dificuldade está no fato de que os alunos faziam perguntas cujas

respostas ela ainda não tinha pensado. Ela “aprendeu” a usar diferentes estratégias e a

lidar com diferentes alunos. Percebe-se também que pela sua fala “ não tinham sido

analisadas por mim” , que ela parece ter que descobrir sozinha como lidar com isso.

Para a professora B, o momento mais difícil não está apenas em questões

metodológicas ou linguísticas - embora estes não sejam excluídos -, mas sim na

responsabilidade de sentir parte do sistema e se deparar com os desafios da profissão:

responsabilidade, consequências, aprendizado dos alunos. A problematização que esta

prática trouxe para B foi tão grande que ela pensa até em parar o curso, mas no final

decide que estes são fatores inerentes a profissão e que ela deve saber lidar com isso. A

100

dificuldade está em se deparar com a realidade da responsabilidade pela aprendizagem

dos alunos. Ela “aprendeu” que são os conflitos e as dificuldades que fazem com que ela

se desenvolva.

Podemos dizer também que, pelo fato da aluna B estar inserida na escola em um

longo período de tempo e pelo fato de preparar a maioria das aulas juntamente com as

professoras formadora e colaboradora ela se sente mais segura em relação a questões

metodológicas e linguísticas. No entanto, dimensões do chamado “currículo oculto” 9

podem ser evidenciadas, como por exemplo, fatores como papel do professor, do

sistema de ensino, de resultado de aprendizagem, de responsabilidade com a profissão e

de questionamento dos próprios valores e abordagens, de afetividade, valoração, tomada

de decisões e conceitos institucionais.

Interessante destacar nestas duas falas que identidades diferentes parecem estar

sendo construídas: enquanto as dificuldades para a aluna G residem basicamente nas

suas ações e indicam que seu foco está em si mesmo (sua dificuldade maior parece estar

naquilo que ela não é capaz de fazer), para B a preocupação está naquilo que o aluno

não está aprendendo (e que ela sente como responsabilidade dela).

Relação com alunos

Outro fator salientado nas representações foi a relação com os alunos:

F: “Foi uma relação bem amigável, para tentar construir em sala de aula um ambiente onde eles se sentissem seguros e livres para expressarem suas opiniões, sem medo de errarem. Não foi focada somente a interpretação do texto feita pelo professor, os alunos tinham suas opiniões e o papel do professor era levantar algumas questões acerca do assunto para conduzi-los a uma boa compreensão geral.”

M: “Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles.”

Ambas as alunas relatam bom relacionamento com os alunos, porém de formas

distintas. Para F, a relação amigável é motivada pelo desejo de participação do aluno

nas aulas, enquanto que para M a amizade se estabeleceu entre o aprendizado adquirido

por ela e pelos alunos. A aluna F reforça que o clima foi amigável, que o papel do aluno

9 Este conceito é entendido pela perspectiva crítica do currículo como “normas e valores que são implícitas, porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são mencionadas na apresentação feita pelos professores dos fins ou objetivos” (Apple, 1982, p.127 apud Moreira). “Ainda segundo Moreira (1997, p.14), este conceito aponta para o fato de que o “aprendizado incidental” durante o curso pode contribuir mais para a socialização do estudante que o conteúdo ensinado no curso”. Para Silva e Moreira (1995, p.31), este conceito continua importante na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade.

101

era de construtor de conhecimento, pois eles estavam livres para falar “sem errar” e as

interpretações dos alunos também eram válidas. F reforça o papel do professor como

responsável pelo ensino, pois ela apresenta-se com a função de “conduzi-los”. A

professora M, entretanto, diz “ter uma relação forte” com os alunos, e ressalta que na

verdade ela aprendeu muito mais do que eles através das experiências vivenciadas,

enfatizado que estava na sala de aula não apenas para ensinar, mas também para

aprender. Pelo fato da relação com os alunos ter sido mencionada pelas duas alunas sem

ter sido requisitado esta informação, pode-se notar como este fator também se revela

importante na constituição destes professores novatos, pois, segundo Mateus (1999), o

relacionamento pessoal e amigável entre o professor novato e seus alunos é muito

importante para que ele se sinta acolhido e tire do caminho os entraves do estágio.

Preocupação com papel da escola pública / papel da universidade

Nos trechos abaixo, nota-se a preocupação com as alunas participantes do ensino

colaborativo com os vínculos estabelecidos com a escola e com a universidade - o que

não se verifica na fala das professoras novatas do estágio tradicional.

M: “ E ela tá próxima da comunidade, e acha que esse é o papel da universidade. Se ela não tem esse papel, porque ela ta ali? Porque ela recebe recursos do governo e do cidadão? Porque quem financia a universidade são as pessoas, e é a comunidade e a maioria dela tem filho na escola. (...)” B: “ Ser mais proativo um pouco com a escola pública e com o contexto em que ela está inserida... e dar mais relevância ao que o professor tem preparado e dentro daquilo a gente preparar material, desenvolver nosso trabalho a fundo”.

Percebe-se um engajamento e uma problematização sobre o papel da escola

pública, da universidade e do próprio cidadão. Uma possível razão pela qual as

professoras novatas mencionam tal preocupação pode ser o fato de que discussões são

realizadas nos encontros do projeto acerca deste assunto.

A professora novata M fala sobre o papel desempenhado pela universidade no

ensino colaborativo, a relação de proximidade com a escola, a contrapartida social que

se espera dessa instituição para com a comunidade. Tais características parecem

essenciais diante dos questionamentos levantados pela professora novata.

Já a professora novata B demonstra preocupação com relevância que a

universidade dá ao conhecimento localmente produzido na escola, o quanto a

102

universidade, representada pelos professores novatos e professores de professores,

reconhece como legítimo o trabalho do professor colaborador.

Trabalho do professor

Nas falas abaixo, evidencia-se o trabalho do professor que normalmente é

caracterizado como sendo um trabalho solitário. Devido à própria configuração do

sistema de trabalho, os professores não têm com quem contar, tirar dúvidas ou

simplesmente negociar abordagens de ensino.

G: “ Eu me preocupei com a questão de ter que dar aula sozinha, porque o professor da turma não ficava com a gente lá, ele ia fazer outra coisa.... então a gente tinha que dar conta da turma, (que às vezes era terrível e não respeitava a gente) mas deu tudo certo”.

M: “Nós, como professoras estamos sempre nos reunindo, uma tirando a dúvida da outra, olha a gente poderia melhorar nisso, o que você acha dessa idéia, o que você acha da gente tá fazendo isso, eu, a X (professora regular), a Y (professora-novata) e a W (professora formadora) ali na sala de aula é muito válido, é legal porque a universidade não está distante”.

Nota-se que a professora G preocupou-se como fato de estar sozinha com a

turma devido ao comportamento dos alunos, ou seja, revela um momento de

insegurança vivenciado por ela. Com sua fala, a professora novata G aponta uma prática

comum no estágio tradicional: o professor da escola pública se isenta da função de

colaborador.

A professora novata C ressalta uma situação oposta, relata que elas – todas as

professoras envolvidas no ensino colaborativo - estavam sempre se reunindo, tirando

dúvidas, construindo juntas. Ressalta ainda o fato de a professora formadora estar

também inserido na sala de aula e não ser mero supervisor. Esta configuração de

trabalho parece favorecer as identidades dos professores pelo fato destes terem em quem

se apoiar e dividir responsabilidades, conflitos e também sucessos.

Conclusão Apesar da pequena amostra de dados apresentada neste trabalho, foi possível

notar algumas características nas representações das alunas sobre os dois modelos de

estágio. Em ambas as práticas, podemos notar que as professoras novatas ressaltam o

contato com a realidade, a relação com os alunos e as preocupações com aspectos

metodológicos. Contudo, notamos que na prática de ensino colaborativo, as

preocupações parecem ir um pouco além. Questões morais como a preocupação com o

103

papel da universidade e a responsabilidade para com a escola pública, a valorização e os

desafios de se trabalhar juntos, a segurança de não estarem sozinhos neste primeiro

contato com o trabalho e o fato de se sentirem como parte deste contexto devido ao

longo contato com a realidade.

Assim, de acordo com os dados analisados, acreditamos que ambas as práticas

atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino.

No entanto, acreditamos que a prática de Ensino Colaborativo possibilita maiores

momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional no aspecto crítico

da formação destes professores. O principal fator que justifica este fato é a integração

do aluno de maneira longitudinal no contexto da escola pública e as possibilidades de

pensar criticamente sobre os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas: a do

professor colaborador, do próprio professor novato e do professor formador.

Em outras palavras, acreditamos que a prática de ensino pelo viés do Ensino

Colaborativo pode propiciar a construção de uma identidade profissional mais crítica e

engajada por que objetiva construir o conhecimento dos envolvidos de maneira

continuada e integrada, por buscar levar em consideração a experiência de todos os

integrantes que se encontram em diferentes momentos da carreira. Essa concepção é um

re-significar do conceito de formação de professores: os alunos não mais “aprenderiam

a ensinar”, mas “ensinariam para aprender”, esta re-significação de conceito não se dá

apenas pelo jogo de palavras, mas sim por uma abordagem mais calcada na prática. A

aprendizagem do professor em pré-serviço se daria tanto no próprio ato de ensinar,

juntamente com todas as ações que essa atividade engloba quanto no próprio contexto

de ensino, permitindo a estes a aprendizagem de aspectos importantes da profissão, o

chamado “currículo oculto”. Lave (1991) acredita que como resultado de se aprender

no trabalho, os novos professores constroem uma identidade de pertencer à comunidade

e já se sentirem professores. Há a construção de uma nova identidade porque eles não

são considerados somente “alunos” ou “estagiário”, mas inseridos como sujeito

responsável pelo trabalho diário na escola. Para a autora, a mudança de foco do

“aprender a ensinar” para “ensinar para aprender” é considerada um passo crucial na

remoção das contradições existentes.

A intenção aqui não é colocar o Ensino Colaborativo como uma prática ideal e

sem contradições, até porque esta forma de configurar o trabalho entre os professores

favorece o surgimento de outros embates e algumas contradições ainda não foram

superadas. Sabemos que a atual condição de trabalho do professor brasileiro não

104

favorece a construção coletiva e colaborativa: longas jornadas de trabalho, pouca

porcentagem de hora atividade, políticas educacionais que privilegiam o trabalho

individualizado e a própria concepção ideologizada do trabalho do professor que advoga

que o professor é o detentor de todos os conhecimentos.

O Ensino Colaborativo, a nosso ver, apresenta-se como uma alternativa que deve

ser levada em conta por professores formadores hoje para que todos os envolvidos no

ensino possam, ao menos, levar em consideração essa prática que pode oferecer grandes

benefícios para a formação. Contudo, estamos cientes de que para existir tal mudança, é

necessária primeiramente também uma mudança no sistema de atividade em que o

professor formador está inserido. Salientamos ainda que esta mudança deveria ser

iniciada por políticas educacionais que privilegiem as condições de trabalho dos

professores.

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