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DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILID ADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ∗
Michele Salles El Kadri1 (Universidade Estadual de Londrina)
Elaine Mateus2
(Universidade Estadual de Londrina)
Taisa Pinetti Passoni3 (Universidade Estadual de Londrina)
RESUMO: Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por dimensões teórico-práticas, o debate no campo da formação de professores na sociedade atual ainda se revela na discrepância entre estes dois âmbitos. Preocupados com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina Prática de Ensino, utilizando do conceito das representações sociais. Contrastamos tais visões com o objetivo de compreender quais e como tais conhecimentos são construídos em dois modelos de estágio utilizados na formação de professores: o modelo chamado de “tradicional” e o modelo “colaborativo”. O primeiro modelo está fundado numa concepção cognitivista de aprendizagem enquanto o outro se organiza a partir de uma concepção sócio-histórico-cultural de conhecimento. Com este estudo, visamos ressaltar as contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos. A análise indicou que ambas as práticas atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino. No entanto, a prática de ensino colaborativo parece possibilitar maiores momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional tanto no aspecto crítico da formação destes professores, quanto pelas possibilidades de se pensar e discutir os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas. PALAVRAS-CHAVE : formação de professores, prática de ensino, identidade profissional. ABSTRACT: Considering that professional identities are constructed by theoretical and practical dimensions, the debate in Teacher Education field in nowadays society is still revealed in the discrepancies between these two scopes Concerned with this issue, we analyze in this paper the representations of four new teachers related to the Knowledge constructed in Teaching Practicum subject, using the concept of social
∗ Tratou-se inicialmente de uma Apresentação Individual realizada no 17° Intercâmbio em Pesquisa de Linguística Aplicada (InPLA), portanto consta no caderno de resumos do mesmo evento. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina. 2Professora da Universidade Estadual de Londrina. 3Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES-DS.
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representation. We contrast both perspectives aiming to understand – by the new teachers’ perspectives which and how knowledge is constructed in two models of trainee used Londrina State University: the models called “Traditional” and “Collaborative”. The first model is based in a cognitive perspective of learning while the other organizes itself based in a social-cultural theory of learning. With this research, we intend to emphasize the contributions and the possibilities of learning that each perspective make possible. KEY-WORDS : Teacher Education, teaching practicum, professional identity. Introdução
Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por
dimensões teóricas e práticas, o debate no campo da formação de professores na
sociedade atual ainda se revela na dicotomia entre estes dois âmbitos. Esta discussão se
torna ainda mais relevante devido à necessidade que os profissionais formados pelas
universidades possuem de ser críticos e preparados para lidar com as diferenças que
constituem o seu próprio ser e o outro, a refletir sobre as práticas discursivas que
naturalizam os diferentes discursos e que possam perpetuar valores ideológicos capazes
de excluir as identidades sociais minoritárias. E isso só será possível nas salas de aula
em que atuam estes profissionais se a formação destes também privilegiar tais
conceitos, pois a estrutura dos cursos ainda está organizada de maneira a apagar as
diferenças sem se dar conta dos embates que estes questionamentos trazem para a
identidade do aluno.
Diante de tal perspectiva somos levados a pensar no conceito bakhtiniano de
“reciprocidade de papéis” que, estendido ao contexto educacional, “nos remete à idéia
de que os modos como nos colocamos diante de nossos alunos, ou seja, os papéis que
assumimos em sala de aula, determinam os modos como nossos alunos se colocam
diante de nós.” (MATEUS; PICONI, 2008, p. 9).
Em outras palavras, trata-se da coerência que se espera de qualquer profissional
em seu ambiente de trabalho. A partir do momento que os cursos de formação prezam
pela formação de professores com capacidades críticas-reflexivas, tais características
serão evidentes no seu agir profissional, o que, consequentemente influenciará
sobremaneira a educação propiciada aos alunos no ambiente escolar.
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Compreendemos que as identidades profissionais são produzidas nas práticas
sociais em que o futuro professor se engaja, seja pelo discurso dos formadores, pelos
modelos teóricos, materiais didáticos adotados ou pela própria sociedade. A esse
respeito, Brunner (apud MOITA LOPES, 2002, p.127) salienta muito bem que uma das
funções dos cursos de formação inicial é a de auxiliar seus futuros profissionais a
encontrar uma identidade dentro da cultura de ensino. Ou seja, a escola é vista como
uma comunidade que possui uma cultura própria, na qual o professor novato deve ser
inserido e, dessa forma, encontrar seu lugar e seu papel através da sua participação para
que possa construir um significado acerca de sua prática.
Se realmente concebermos o sujeito como ser constituído pelas práticas sociais
a que é exposto e levarmos em consideração a necessidade de auxiliar o professor
novato a se identificar com a futura profissão, nosso olhar volta-se para as aulas de
Prática de Ensino nos cursos de licenciatura, as quais têm sido historicamente
conduzidas segundo a perspectiva do modelo que denominamos “tradicional”. A Prática
de Ensino tradicional já tem sido questionada por muitos pesquisadores devido à
necessidade de re-pensar sobre duas questões principalmente: a) a articulação que este
modelo propicia (ou não) entre universidade e escola e b) a valorização (ou não) do
saber escolar neste modelo.
Em relação à distância entre os mundos da teoria e da prática, correspondentes,
respectivamente, aos mundos da universidade e da escola, críticas são feitas ao modelo
tradicional devido à concepção de ensino que ele evoca: os alunos são vistos como
“tabula rasa”, que devem apropriar-se dos conhecimentos proposicionais transmitidos
pela universidade e em seguida aplicá-los na prática. Matusov e Hayes (2002) endossam
esta visão e são incisivos ao criticar ao modelo tradicional de educação, enfatizando sua
característica principal que se trata da mera transmissão de conhecimentos, com
objetivo de moldar os alunos de acordo com habilidades e atitudes preestabelecidas pelo
professor.
O fato dos cursos de formação concederem pouca legitimidade aos saberes
criados e mobilizados através do trabalho do professor é bem salientado por Tardif
(2002, p.235) ao afirmar que “segundo a concepção tradicional, o saber está somente do
lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso
saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc.”.Ora, se
concebermos o sujeito como constituído pelas práticas sociais e ao mesmo tempo um
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sujeito ativo e com agência, devemos considerar a prática também como um espaço de
construção de saberes e não somente como aplicação da teoria.
Assim, a maneira como professor resolve conflitos em sala de aula, como por
exemplo, a falta de disciplina, o gerenciamento do tempo, a repartição de atenção entre
os alunos, o modo como lida com a própria individualidade de cada aluno e a aquisição
da sensibilidade relativa às diferenças entre eles são saberes importantes na profissão.
No modelo Tradicional, muitos professores constroem sua identidade e seus
saberes práticos na tentativa e no erro, pautados, via de regra, em pressupostos teóricos.
É por isso que vários estudos também apontam os anos iniciais de socialização na
profissão como um dos principais aspectos da constituição identitária do professor.
Tardif (2002) afirma que o conhecimento dos profissionais é temporal e que os
primeiros anos de formação e prática são de extrema relevância para construção da
identidade do indivíduo. Outro autor a concordar com esta perspectiva é Matêncio
(2008, p.196):
O fato é que, no processo de socialização que se pretende na universidade, o qual conduz à ruptura com muitas das crenças construídas durante um longo processo anterior de socialização, parece ser essencial considerar que o professor em formação passa pela re(construção)de uma identidade lingüística (e linguageira) que pode habilitá-lo, de forma mais ou menos satisfatória, a agir com, sobre e através da lingua(gem) no processo de ensino/aprendizagem.
Levando em consideração estes aspectos, somos levados a pensar em uma
alternativa para a Prática de Ensino que se diferencia do modelo tradicional. O modelo
de ensino colaborativo se coloca como uma opção que visa a tornar o estágio um espaço
mais seguro e que busca unir os saberes da universidade aos saberes da escola. A Prática
de Ensino mediada pelo ensino colaborativo pode promover a produção de identidades
profissionais mais críticas, seguras e engajadas porque possibilita a produção do
conhecimento dos envolvidos de maneira continuada e integrada, levando em
consideração a experiência de todos os envolvidos. Isso porque o professor regular
(professor colaborador) também assume o papel de co-formador, deixa de ser somente
objeto de pesquisa dentro de sua sala de aula e passa a produzir pesquisa; os estagiários
(professores novatos) têm a chance de iniciar sua socialização juntamente com os
professores colaboradores e o próprio supervisor (professor de professores), adquirindo
os saberes da prática; e o próprio formador (que muitas vezes nunca atuou no sistema
básico) também participa mais ativamente deste contexto.
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Acreditamos na viabilidade dessa perspectiva por concordar com Geisel &
Meijers (2005) quando defendem que o aprendizado de professores não deve ser visto
somente como um processo de construção social, mas também como construção da
auto-identidade e que as mudanças na identidade profissional de professores são
possíveis somente quando a construção social e a auto-identidade se tornam
relacionados um ao outro.
Assim, acreditamos que com outra relação entre saber teórico e saber prático,
estabelecida pelo ensino colaborativo estaremos possivelmente criando novas condições
para o aprendizado do futuro professor que será de grande valia para sua formação
identitária, na medida em que assumimos o pressuposto que a formação é constituída
pelas práticas sociais e também pela agência coletiva e colaborativa dos professores na
sala de aula.
Kleiman (2006, p.79) defende também esta visão ao afirmar que “as práticas
sociais que visam à socialização são elementos centrais nesta construção” e que “as
representações sociais nascidas desse processo de formação identitária na academia
podem, então, em princípio, orientar a prática do professor.” E é por isso que se torna
quase impossível falar de formação identitária de professores sem levar em conta o
impacto que a ausência de integração entre teoria e prática tem na identificação do aluno
com a profissão.
Preocupadas com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de
quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina
Prática de Ensino através de entrevista gravada em áudio, focando nas representações
destas professoras sobre os conhecimentos e saberes adquiridos. A pergunta “O que
você aprendeu com a experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que
mais lhe chamou a atenção e os momentos mais difíceis” foi a escolhida para a análise
em questão, por julgarmos ser representações importantes das professoras novatas sobre
seu próprio aprendizado. Foram escolhidas quatro alunas do último ano de Letras: duas
envolvidas com o chamado modelo tradicional e duas envolvidas com práticas de ensino
colaborativo. Assim contrastamos suas visões com o objetivo de compreender – por
suas próprias vozes e pela percepção de duas alunas mestrandas - quais e como tais
conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade
Estadual de Londrina.
A Prática de Ensino no curso de Letras Estrangeiras Modernas – Inglês da
Universidade de Londrina é desenvolvida nos dois últimos anos da graduação.
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Independentemente do modelo escolhido, o estágio deve atender alguns requisitos
obrigatórios, como o cumprimento da carga horária de 200 horas em cada um dos anos,
a qual se distribui na realização de diversas atividades - observações de aula nas escolas,
grupos de estudo, preparação de aulas e materiais, regências, entre outras. Em seguida
descreveremos como se configuram os modelos de estágio tradicional e de ensino
colaborativo, suas semelhanças e diferenças, a fim de delinear suas características, o que
será muito útil para compreensão das representações das professoras novatas, bem como
para o entendimento de nossa análise em relação às suas falas. O segundo modelo está
inserido no Projeto integrado da Universidade Estadual de Londrina “Aprendizagem
Sem Fronteiras: ressignificando os limites da formação inicial e contínua de
professores”. Neste projeto, professores novatos, professores de professores e
professores colaboradores da rede pública se valem dos princípios da Teoria da
Atividade sócio-histórico-cultural (TASHC) - iniciada por Vygotsky no início do século
XX - para orientar suas práticas de ensino. Com este estudo, visamos ressaltar as
contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos.
Dois modelos: tradicional x colaborativo Estágio Tradicional
O modelo de estágio o qual denominamos tradicional é aquele desenvolvido
amplamente no curso de Licenciatura em Letras Estrangeiras Modernas-Inglês da
Universidade Estadual de Londrina. Aqui buscaremos delinear suas principais
características, pois devemos enfatizar que o mundo da Universidade propicia certa
liberdade ao docente responsável pela supervisão de estágio. Isto significa dizer que as
linhas gerais de desenvolvimento deste trabalho não mudam, porém é possível que
diferentes supervisores adotem diferentes encaminhamentos.
O estágio tradicional na UEL ocorre nos 3° e 4° anos da graduação e o nosso
foco será na Prática de Ensino desenvolvida no penúltimo ano. Trata-se de uma carga
horária anual de 200 horas divididas em diferentes atividades consideradas relevantes
para a formação inicial de professores. Seus objetivos estão explicitados no Guia de
Orientação do Estágio Curricular do Curso de Letras Estrangeiras Modernas (UEL,
2009):
I. Vivenciar as realidades educacionais das comunidades escolares e/campos de estágio;
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II. Planejar, executar e avaliar processos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras modernas e suas respectivas literaturas; III. Promover a articulação entre os campos do saber e a práxis investigativa; IV. Articular conhecimentos advindos de atividades de pesquisa, ensino e /ou extensão; V. Lidar de forma crítica com as linguagens nos contextos de ensino-aprendizagem.
No que se refere aos itens I e II, destacamos as atividades de observação e
regência. Os estagiários devem realizar observações em três diferentes contextos:
Escola Pública, Escola Privada e Instituto de Idiomas. Tal prática se justifica em função
da necessidade de oportunizar aos futuros professores experiências em possíveis
contextos de atuação profissional. As observações ocorrem não apenas em sala de aula,
quando os estagiários podem conhecer o trabalho de diferentes professores, mas
também na escola como um todo. Os estagiários devem estar atentos às aulas que
puderem assistir, à estrutura física da escola (salas de aula, biblioteca, quadra de
esportes, refeitório, entre outros), a respeito do quadro de profissionais ali presentes
(professores, coordenadores e diretores), dentre outras especificidades de cada ambiente
(número de alunos, período de aulas, carga horária das aulas, público atendido etc.).
As regências são realizadas em turmas do Ensino Fundamental 2 ou Médio de
escolas públicas da rede Estadual de Educação Básica. Porém estas regências podem
também ser desenvolvidas em outros contextos de ensino público sendo eles escolas da
rede Municipal no Ensino Fundamental 1, creche da Universidade Estadual de Londrina
a qual oferece Educação Infantil, ou ainda aulas em formato de “Mini Curso” – um
curso oferecido aos alunos da Rede Estadual de forma optativa, preparado acerca de um
único conteúdo ou temática a ser desenvolvido em horários diferentes das aulas
regulares, tendo um caráter de “reforço escolar” ou ainda de “atividade extra”, pois não
está condicionado aos conteúdos desenvolvidos na série em que o aluno está
regularmente matriculado.
Ao longo das regências dentro do contexto escolhido, o estagiário desenvolve
outras atividades referentes à vivência escolar, atividades de suporte às aulas e auxílio
ao professor colaborador, como por exemplo, preparação de aulas, materiais, atividades
e provas, além de correção dessas atividades.
Dos objetivos explicitados para o estágio no item III, destacamos as atividades
desenvolvidas em grupos de estudos realizados pelo supervisor com todos seus
estagiários, em número que pode variar enormemente devido à disponibilidade de carga
horária do supervisor dentre suas atividades desenvolvidas na Universidade. Neste
momento são feitas leituras e discussões teóricas a respeito do trabalho do professor,
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sobre processo de ensino/aprendizagem em Língua Inglesa, questões políticas
relacionadas à Educação no Brasil.
Outra atividade realizada, a fim de dar continuidade a esta etapa de estudos, é o
trabalho em espaço virtual, que deve ser realizado ao longo de todo ano letivo. O
supervisor de estágio e seus estagiários selecionam um meio de interação pela internet a
fim de que haja troca de informações, de experiências e opiniões a respeito do estágio.
Os formatos de blog, página na PBWiki, e grupo de e-mails são os mais utilizados.
Os itens IV e V dos objetivos do estágio referem-se à escrita do trabalho final.
Os estagiários devem produzir um relatório crítico englobando todas as atividades
desenvolvidas. Para tanto são destinadas horas para escrita e pesquisa bibliográfica, bem
como horas de orientação individual com o supervisor para auxílio no desenvolvimento
desta tarefa.
Ensino colaborativo
O projeto “ Aprendizagem Sem Fronteiras: ressignificando os limites da
formação inicial e contínua de professores” da Universidade Estadual de Londrina
desenvolve o ensino colaborativo como novo modelo de Prática Ensino. Trata-se de um
projeto de ensino-pesquisa-extensão no qual professores novatos4, professores de
professores e professores da rede pública da matéria de Língua Inglesa buscam
coletivamente promover um embate produtivo de idéias acerca das contradições destes
dois mundos – universidade e escola - por meio de princípios de ensino e trabalho
colaborativos, repensando a divisão social do trabalho e as relações de poder.
Roth e Tobin (2002) afirmam que o ensino colaborativo emerge como uma
solução em potencial para muitos dos problemas identificados nas práticas atuais.
Trabalhar junto, para eles, é essencial porque faz emergir grandes desafios a serem
enfrentados e abre oportunidades para aprender dos outros de maneiras igualitárias e
tácitas. Eles ainda salientam que trabalhar juntos e dividir o trabalho é fundamental
para o aprendizado em muitos campos não somente no aprendizado de iniciantes mas
também dos professores em serviço e dos próprios formadores (por ex: piloto,
enfermeira, carpinteiros – e por que não, professores?).
4Segundo Mateus (2009), a opção pelos termos professor de professores e professor novato ao invés de professor formador e de estagiário, respectivamente, se deve ao fato de que essas noções recriam sentidos de legitimidade mais condizentes com os princípios que orientam as ações no projeto.
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Assim, o ensino colaborativo significa fundamentalmente dividir a
responsabilidade ao ensinar uma sala para promover o aprendizado do aluno. Isso
significa que os professores planejam coletivamente as unidades e lições, ensinam (uma
pessoa lidera enquanto os outros dão suporte), constroem avaliações e tarefas, e se
engajam em sessões de planejamento.
Neste projeto, os indivíduos são convidados a uma prática social emancipatória,
através da qual os diferentes envolvidos podem “trocar de papéis”, ou seja, tendo suas
funções repensadas, uma vez que a todos poderá ser atribuída tanto a função de
pesquisador quanto a de professor e a de aprendiz, buscando de fato vincular a teoria à
prática. O ensino colaborativo fundamenta-se na Teoria da Atividade sócio-histórico-
cultural (TASHC) desenvolvida por Vygotsky e continuada por seus seguidores, sobre a
qual Mello (2004, p.135) discorre:
A teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX. Os autores que autodenominaram sua corrente de pensamento como histórico cultual tinham razões para isso: partiam do pressuposto de que o homem é um ser de natureza social.
Ao relacionarmos tais idéias com o processo de formação de professores, somos
impulsionados a encarar com muito mais atenção a relevância das atividades propostas e
as transformações sociais e individuais delas decorrentes.
Libâneo (2004) afirma que os indivíduos vão à escola não apenas para aprender
conteúdos, mas também para assimilar cultura e meios cognitivos de compreender e
transformar o mundo. Portanto, é relevante nos questionarmos acerca de como as
orientações de estágio, os grupos de estudos desenvolvidos com professores em
processo de formação têm contribuído para a formação social destes profissionais, quais
são as possibilidades de interação proporcionadas aos estagiários a fim de que possam
ser promovidas condições favoráveis para a existência de professores conscientes de seu
papel na sociedade, transformadores ativos do mundo em que vivem.
O ensino colaborativo busca propiciar um espaço seguro para aprendizagem de
seus integrantes. Para Lave e Wenger (1991) a prática social é um fenômeno gerativo,
no qual a aprendizagem é uma de suas características. Ou seja, não há como desvincular
o aprender das interações sociais. Essas autoras conceberam uma visão analítica sobre
ensino na maneira de entender a aprendizagem, a qual foi denominada Participação
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Legítima Periférica (PLP)5 e definida como “ o processo pelo qual novatos tornam-se
parte de uma comunidade de prática”6. Trata-se de compreender o processo de ensino e
aprendizagem como a interação entre indivíduos, que desempenham diferentes papéis,
os novatos sendo envolvidos gradativamente nas práticas de uma comunidade, e
aprender significa estar cada vez mais empenhado neste processo.
Outro conceito de extrema relevância para a nossa embasa o ensino colaborativo
trata-se da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), primeiramente definida por
Vygotsky (1991, p.112):
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sobre a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. De acordo com Gifford and Mullaney (apud KINGINER, 2002), isso significa
dizer que a tarefa deve exigir do aluno um pouco além do seu nível, a fim de ampliar
suas capacidades, e esta exige a presença de um mediador mais proficiente (professor ou
colega). O que nos retoma o conceito de PLP - a questão do novato interagindo numa
comunidade de aprendizagem – e ao conceito fundamental da TASHC definido por
Lantolf (2000, p.1) – a mediação.
Engestrom (1999) é um seguidor de Vygotsky que buscou melhor conceber a
definição de ZDP. Em um de seus trabalhos, Engestrom (1999) cita o potencial criativo
da internalização ignorado por Vygotsky, e elabora uma nova definição para o conceito
de ZDP:
It is the distance between the present everyday actions of the individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in the everyday actions.7
O que podemos destacar entre as duas definições de ZDP - a primeira de
Vygotsky e esta segunda de Engestrom - é a questão da independência individual
enfatizada pelo primeiro e a idéia de trabalho coletivo apresentada pelo segundo. Para
Vygotsky a importância da ZDP está no quão auto-suficiente o indivíduo pode ser em
seu processo de aprendizagem, vindo de uma escala de mais dependente necessitando
da orientação de um adulto ou de companheiros mais capazes, até a solução
5 Tradução nossa para o termo original em Inglês “Legitimate Peripheral Participation”. 6 Nossa tradução de: “the process by which newcomers become part of a community of practice” 7 É a distância entre as ações diárias presentes dos indivíduos e a nova forma histórica de atividade social que pode ser coletivamente gerada como uma solução de um viés potencialmente imerso em nossas atividades cotidianas.
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independente de problemas. Já para Engestrom a questão se aprofunda, tratando das
novas formas históricas da atividade social geradas coletivamente, as quais são
provenientes das ações dos indivíduos no tempo presente. Isto é, para Engestrom, a
finalidade é a geração coletiva de soluções, e não a independência advinda de um prévio
auxílio de companheiros mais capazes.
A respeito das atividades realizadas no ensino colaborativo, o trabalho
desenvolvido é semelhante ao estágio tradicional em alguns aspectos. Existe a
participação dos professores da escola pública, professores da universidade e os
professores novatos. Há também aprendizagem em espaço virtual com a realização de
um blog e a confecção do trabalho final de conclusão do estágio. Além disso, os
objetivos expressos no manual do estagiário também são contemplados no ensino
colaborativo. As observações são diferentes, pois acontecem apenas no contexto no qual
o professor novato vai atuar e são embasadas no conceito já citado de PLP, ocorrem de
modo com que ele não seja mero espectador da prática do outro. As observações são o
primeiro contato do professor novato com a sala de aula, assim inicialmente ele se
engaja em tipo de participação periférica, que se transforma ao longo das aulas, ele vai
se movendo para o centro, ou seja, para as práticas como professor regente.
Mas podemos dizer que, em linhas gerais, o trabalho realizado no ensino
colaborativo “extrapola” o que é previsto no estágio tradicional, principalmente pelo
número de horas destinado ao estágio. Isso porque ao assumir compromisso com o
grupo de professores, o professor novato se compromete a participar de todas as aulas,
durante todo o ano na escola pública escolhida. Do mesmo modo se comprometem o
professor colaborador, com padrão na educação básica, e o professor de professores,
mais comumente denominado professor-formador.
Além das aulas, toda a ação dos participantes do projeto – que vai da preparação
dos materiais didáticos, intervenções nas salas de aulas e discussões teórico-práticas a
respeito – é fundamentada por meio de planejamento prévio que ocorre coletivamente
em encontros semanais, nos quais idealmente estão presentes todos os professores. Roth
e Tobin (2002) explicam este tipo de reunião entre os professores pelo conceito de
Diálogo Cogenerativo8. Trata-se de encontros em que todos os envolvidos discutem a
sala de aula, seus dilemas e contradições do lugar de quem os vivenciou e de quem está
envolvido na tarefa de transformá-los.
8 Tradução nossa para o termo “Conegerative Dialogue”.
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Referencial teórico de análise
Para realizar as análises das respostas das professoras novatas para a pergunta
“O que você aprendeu na prática de Estágio durante o ano passado?” iremos utilizar
como fundamentação teórico-metodológica a teoria da representação social, a qual tem
origens na antropologia e na sociologia.
O sociólogo Émile Durkheim é o precursor de tais estudos (apud Minayo, 1995,
p.90). Usando o termo “representações coletivas”, Durkheim afirmava que tal conceito
refere-se às categorias de pensamento que levam determinadas sociedades a elaborar e
expressar sua realidade. Essas categorias não seriam universais e nem pré-estabelecidas,
mas sim constituídas através de fatos sociais e de suas transformações. Sendo assim,
através da observação de tais eventos, seria possível conhecer e interpretar essa
sociedade. Trata-se de compreender como os indivíduos pertencentes a um determinado
grupo se apropriam da realidade e fazem sentido dela.
Os conceitos de Durkheim foram retomados e redefinidos por Moscovici (2003).
Este autor usa o termo “representações sociais” o qual indica “um universo de opiniões
próprias de uma cultura, de uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do
ambiente social” (1961, p.166). As adaptações de Moscovici surgiram no sentido de
compreender sociedades modernas e toda sua dinamica volátil, assim as representações
sociais seriam “fenomenos específicos que estão relacionados com um modo particular
de compreender e se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso
comum” (Moscovici, 2003, p.49).
Nesse sentido compreendemos que a matéria-prima para quem busca conhecer e
entender as representações que o outro tem sobre a realidade só pode ser a linguagem.
Mais especificamente no caso desta pesquisa, a linguagem oral das professoras novatas,
através da qual podemos tomar conhecimento, de forma concreta, de suas
representações acerca do que aprenderam no estágio.
Na Linguística Aplicada no Brasil, o conceito de representações sociais foi
revisitado por Celani e Magalhães (2003, p.321) que o redefiniram como:
Uma cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os participantes da interação e das significações, as expectativas, as intenções, os valores e as crenças referentes a a)teorias do mundo físico; b)normas, valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um contexto particular.
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Tal entendimento sobre as representações sociais no que se refere à formação de
professores reafirma a importância da linguagem para as nossas análises. Será por meio
dela que entraremos em contato com os significados que essas professoras novatas
puderam construir sobre si e sobre o outro, no mundo.
Ainda no campo da Linguística Aplicada, Freire e Lessa (2003, p.174) também
abordam o tema, porém com a ressalva de que as representações de um único sujeito
não podem ser generalizadas como pertencentes a todo um grupo. Isso porque cada
indivíduo faz parte de diferentes grupos sociais. Estas autoras definem representações
sociais como:
Maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao da histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo.
Essa visão sobre as representações corrobora o sentido que buscamos nas
análises das respostas das professoras novatas: como e o que elas conseguem expressar
a respeito de seu aprendizado ocorrido através das interações sociais proporcionadas em
seu período de estágio.
Análise Para a coleta de dados, foram utilizadas gravações realizadas com os
participantes do ensino colaborativo, no projeto Universidade Sem Fronteiras, cuja
pergunta feita às professoras novatas era basicamente “O que você aprendeu com a
experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que mais lhe chamou a
atenção e os momentos mais difíceis”. Baseadas nessa gravação, fizemos o mesmo
questionamento para outras professoras novatas, as que tiveram como experiência a
prática de ensino Tradicional, com o intuito de compreender como alguns
conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade
Estadual de Londrina. Contamos com o relato de duas professoras novatas de cada um
dos modelos de estágio, aquelas que se demonstraram interessadas em participar das
gravações.
Os dois trechos abaixo revelam a fala das professoras novatas sobre o que elas
aprenderam nas práticas de estágio: As alunas G e F tiveram experiências com a prática
tradicional; as alunas M e B com a prática de ensino colaborativo.
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Pela fala das professoras novatas, pode-se afirmar que os dois modelos
privilegiam contato com a realidade e fazem com que os alunos sintam como é o ser
professor. Nota-se a relevância do estágio na formação de professores como constituinte
de sua identidade profissional e como esta prática é vista e experimentada pelos alunos.
No trecho da aluna F - integrante do estágio tradicional - ressalta como foi bom ter a
“noção do que é dar aula”: Contudo, esta fala parece expressar que a aluna pôde se
engajar apenas superficialmente na profissão visto que a atividade do professor vai
muito além do que “ter noção” do que é dar aula:
F: “Esta foi minha primeira experiência em sala de aula. Por isso foi muito bom para ter uma noção de como realmente é dar aula. Descobri que eu gosto mais do que eu imaginava”.
Já a aluna M ressalta que tais experiências, mediadas, em seu caso, pela prática
de ensino colaborativo, foram realmente marcantes na sua identidade profissional pelo
fato de conhecer o mundo destes alunos:
M: “O contexto de escola de periferia e EJA foram para mim – essas duas experiências foram muito marcantes porque na escola de periferia eu conheci o mundo daqueles alunos. Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles. No EJA, cada dia que eu estou lá eu tenho me impressionado mais, com que pessoas que já passaram por grandes dificuldades durante toda a vida e agora depois de tanto tempo, tem o interesse de estar ali, muito presente de novo e querendo aprender cada vez mais e com a consciência de que nunca é tarde para aprender.. Então esse projeto para mim tem sido enriquecedor.”
Assim, podemos notar que nas falas de M e de F estão presentes identidades
muito diferentes. Uma experiência permitiu “ter uma noção de como é dar aula” e
“descobrir que gosta mais do que pensava”, o que revela uma identidade ainda insegura,
de quem ainda não sabe dar aula de fato, mas apenas apresenta uma ‘noção’ de como
fazê-lo, o que nos indica que o estágio realizado por F foi uma experiência de
dimensões limitadas no que se refere à sua formação profissional. A outra experiência
revela dimensões “marcantes”, a fala de M indica a construção da identidade de uma
professora que tem no outro a sua satisfação “porque eu conheci o mundo daqueles
alunos”. Pelo relato de M percebemos o seu aprendizado como experiência de vida ao
conhecer as vivências de seus alunos de EJA, isto é, a professora novata expressa que as
dificuldades vividas pelos alunos são uma lição de que “nunca é tarde para aprender”.
Desse modo, por notarmos que algumas diferenças são salientadas e podem ser
percebidas nas experiências destas alunas. Por isso, ressaltamos cinco principais
temáticas recorrentes nos dados coletados com os envolvidos no ensino colaborativo, as
99
quais organizamos nas seguintes categorias de análise: os momentos difíceis, a relação
com os alunos, a preocupação com o papel da universidade e da escola pública e o
trabalho do professor.
Momentos Difíceis
Nos trechos abaixo, as professoras novatas G e B falam sobre os momentos mais
difíceis enfrentados no estágio:
G: “Algumas situações onde os alunos faziam perguntas sobre os textos ou gramática, focando uma perspectiva que não tinha sido analisada por mim até então. Descobrir diferentes modos de fazer explicação do mesmo assunto, e lidar com alunos com diferentes níveis de conhecimento da língua.”
B: “Esse momento totalmente de conflito, onde eu pensei até em trancar a matrícula, vou parar o curso de Letras, não é isso que eu quero para minha vida, porque eu tive que me deparar com o que eu vou me deparar no futuro, em que eu teria que assumir as responsabilidades, eu teria que tomar todas as conseqüências, o porquê de meu aluno não estar aprendendo, não será só culpa dele ou do sistema, ou do que tava em volta, mas também estava em mim, na questão de metodologia, em questão de preparo e tudo mais, então esse foi o momento de choque, onde você tem que sair da sua zona de conforto, ir para a batalha e você se depara com tudo aquilo e você fala ou fico ou saio correndo.... e agora? Então eu vou ter que aprender a lidar com isso, com estes dois momentos de frustração que são eles que vão fazer com que eu cresça, desenvolva cada dia.
Podemos perceber que ambas as práticas suscitam conhecimentos para os
envolvidos e as professoras novatas a vêem como espaço para crescimento profissional.
Na fala da professora G, nota-se que o momento mais difícil foi referente à metodologia
utilizada e a heterogeneidade da sala de aula, aspectos estes importantes para a
profissionalização do professor. Assim, para ela, o maior desafio foi descobrir como
explanar conteúdos de maneiras diferenciadas, de modo a atingir todos os alunos e lidar
com os diferentes níveis de conhecimento existentes, visto que estava acompanhada
somente de uma companheira de classe e de nenhum professor regular ou formador. Em
outras palavras, a dificuldade está no fato de que os alunos faziam perguntas cujas
respostas ela ainda não tinha pensado. Ela “aprendeu” a usar diferentes estratégias e a
lidar com diferentes alunos. Percebe-se também que pela sua fala “ não tinham sido
analisadas por mim” , que ela parece ter que descobrir sozinha como lidar com isso.
Para a professora B, o momento mais difícil não está apenas em questões
metodológicas ou linguísticas - embora estes não sejam excluídos -, mas sim na
responsabilidade de sentir parte do sistema e se deparar com os desafios da profissão:
responsabilidade, consequências, aprendizado dos alunos. A problematização que esta
prática trouxe para B foi tão grande que ela pensa até em parar o curso, mas no final
decide que estes são fatores inerentes a profissão e que ela deve saber lidar com isso. A
100
dificuldade está em se deparar com a realidade da responsabilidade pela aprendizagem
dos alunos. Ela “aprendeu” que são os conflitos e as dificuldades que fazem com que ela
se desenvolva.
Podemos dizer também que, pelo fato da aluna B estar inserida na escola em um
longo período de tempo e pelo fato de preparar a maioria das aulas juntamente com as
professoras formadora e colaboradora ela se sente mais segura em relação a questões
metodológicas e linguísticas. No entanto, dimensões do chamado “currículo oculto” 9
podem ser evidenciadas, como por exemplo, fatores como papel do professor, do
sistema de ensino, de resultado de aprendizagem, de responsabilidade com a profissão e
de questionamento dos próprios valores e abordagens, de afetividade, valoração, tomada
de decisões e conceitos institucionais.
Interessante destacar nestas duas falas que identidades diferentes parecem estar
sendo construídas: enquanto as dificuldades para a aluna G residem basicamente nas
suas ações e indicam que seu foco está em si mesmo (sua dificuldade maior parece estar
naquilo que ela não é capaz de fazer), para B a preocupação está naquilo que o aluno
não está aprendendo (e que ela sente como responsabilidade dela).
Relação com alunos
Outro fator salientado nas representações foi a relação com os alunos:
F: “Foi uma relação bem amigável, para tentar construir em sala de aula um ambiente onde eles se sentissem seguros e livres para expressarem suas opiniões, sem medo de errarem. Não foi focada somente a interpretação do texto feita pelo professor, os alunos tinham suas opiniões e o papel do professor era levantar algumas questões acerca do assunto para conduzi-los a uma boa compreensão geral.”
M: “Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles.”
Ambas as alunas relatam bom relacionamento com os alunos, porém de formas
distintas. Para F, a relação amigável é motivada pelo desejo de participação do aluno
nas aulas, enquanto que para M a amizade se estabeleceu entre o aprendizado adquirido
por ela e pelos alunos. A aluna F reforça que o clima foi amigável, que o papel do aluno
9 Este conceito é entendido pela perspectiva crítica do currículo como “normas e valores que são implícitas, porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são mencionadas na apresentação feita pelos professores dos fins ou objetivos” (Apple, 1982, p.127 apud Moreira). “Ainda segundo Moreira (1997, p.14), este conceito aponta para o fato de que o “aprendizado incidental” durante o curso pode contribuir mais para a socialização do estudante que o conteúdo ensinado no curso”. Para Silva e Moreira (1995, p.31), este conceito continua importante na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade.
101
era de construtor de conhecimento, pois eles estavam livres para falar “sem errar” e as
interpretações dos alunos também eram válidas. F reforça o papel do professor como
responsável pelo ensino, pois ela apresenta-se com a função de “conduzi-los”. A
professora M, entretanto, diz “ter uma relação forte” com os alunos, e ressalta que na
verdade ela aprendeu muito mais do que eles através das experiências vivenciadas,
enfatizado que estava na sala de aula não apenas para ensinar, mas também para
aprender. Pelo fato da relação com os alunos ter sido mencionada pelas duas alunas sem
ter sido requisitado esta informação, pode-se notar como este fator também se revela
importante na constituição destes professores novatos, pois, segundo Mateus (1999), o
relacionamento pessoal e amigável entre o professor novato e seus alunos é muito
importante para que ele se sinta acolhido e tire do caminho os entraves do estágio.
Preocupação com papel da escola pública / papel da universidade
Nos trechos abaixo, nota-se a preocupação com as alunas participantes do ensino
colaborativo com os vínculos estabelecidos com a escola e com a universidade - o que
não se verifica na fala das professoras novatas do estágio tradicional.
M: “ E ela tá próxima da comunidade, e acha que esse é o papel da universidade. Se ela não tem esse papel, porque ela ta ali? Porque ela recebe recursos do governo e do cidadão? Porque quem financia a universidade são as pessoas, e é a comunidade e a maioria dela tem filho na escola. (...)” B: “ Ser mais proativo um pouco com a escola pública e com o contexto em que ela está inserida... e dar mais relevância ao que o professor tem preparado e dentro daquilo a gente preparar material, desenvolver nosso trabalho a fundo”.
Percebe-se um engajamento e uma problematização sobre o papel da escola
pública, da universidade e do próprio cidadão. Uma possível razão pela qual as
professoras novatas mencionam tal preocupação pode ser o fato de que discussões são
realizadas nos encontros do projeto acerca deste assunto.
A professora novata M fala sobre o papel desempenhado pela universidade no
ensino colaborativo, a relação de proximidade com a escola, a contrapartida social que
se espera dessa instituição para com a comunidade. Tais características parecem
essenciais diante dos questionamentos levantados pela professora novata.
Já a professora novata B demonstra preocupação com relevância que a
universidade dá ao conhecimento localmente produzido na escola, o quanto a
102
universidade, representada pelos professores novatos e professores de professores,
reconhece como legítimo o trabalho do professor colaborador.
Trabalho do professor
Nas falas abaixo, evidencia-se o trabalho do professor que normalmente é
caracterizado como sendo um trabalho solitário. Devido à própria configuração do
sistema de trabalho, os professores não têm com quem contar, tirar dúvidas ou
simplesmente negociar abordagens de ensino.
G: “ Eu me preocupei com a questão de ter que dar aula sozinha, porque o professor da turma não ficava com a gente lá, ele ia fazer outra coisa.... então a gente tinha que dar conta da turma, (que às vezes era terrível e não respeitava a gente) mas deu tudo certo”.
M: “Nós, como professoras estamos sempre nos reunindo, uma tirando a dúvida da outra, olha a gente poderia melhorar nisso, o que você acha dessa idéia, o que você acha da gente tá fazendo isso, eu, a X (professora regular), a Y (professora-novata) e a W (professora formadora) ali na sala de aula é muito válido, é legal porque a universidade não está distante”.
Nota-se que a professora G preocupou-se como fato de estar sozinha com a
turma devido ao comportamento dos alunos, ou seja, revela um momento de
insegurança vivenciado por ela. Com sua fala, a professora novata G aponta uma prática
comum no estágio tradicional: o professor da escola pública se isenta da função de
colaborador.
A professora novata C ressalta uma situação oposta, relata que elas – todas as
professoras envolvidas no ensino colaborativo - estavam sempre se reunindo, tirando
dúvidas, construindo juntas. Ressalta ainda o fato de a professora formadora estar
também inserido na sala de aula e não ser mero supervisor. Esta configuração de
trabalho parece favorecer as identidades dos professores pelo fato destes terem em quem
se apoiar e dividir responsabilidades, conflitos e também sucessos.
Conclusão Apesar da pequena amostra de dados apresentada neste trabalho, foi possível
notar algumas características nas representações das alunas sobre os dois modelos de
estágio. Em ambas as práticas, podemos notar que as professoras novatas ressaltam o
contato com a realidade, a relação com os alunos e as preocupações com aspectos
metodológicos. Contudo, notamos que na prática de ensino colaborativo, as
preocupações parecem ir um pouco além. Questões morais como a preocupação com o
103
papel da universidade e a responsabilidade para com a escola pública, a valorização e os
desafios de se trabalhar juntos, a segurança de não estarem sozinhos neste primeiro
contato com o trabalho e o fato de se sentirem como parte deste contexto devido ao
longo contato com a realidade.
Assim, de acordo com os dados analisados, acreditamos que ambas as práticas
atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino.
No entanto, acreditamos que a prática de Ensino Colaborativo possibilita maiores
momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional no aspecto crítico
da formação destes professores. O principal fator que justifica este fato é a integração
do aluno de maneira longitudinal no contexto da escola pública e as possibilidades de
pensar criticamente sobre os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas: a do
professor colaborador, do próprio professor novato e do professor formador.
Em outras palavras, acreditamos que a prática de ensino pelo viés do Ensino
Colaborativo pode propiciar a construção de uma identidade profissional mais crítica e
engajada por que objetiva construir o conhecimento dos envolvidos de maneira
continuada e integrada, por buscar levar em consideração a experiência de todos os
integrantes que se encontram em diferentes momentos da carreira. Essa concepção é um
re-significar do conceito de formação de professores: os alunos não mais “aprenderiam
a ensinar”, mas “ensinariam para aprender”, esta re-significação de conceito não se dá
apenas pelo jogo de palavras, mas sim por uma abordagem mais calcada na prática. A
aprendizagem do professor em pré-serviço se daria tanto no próprio ato de ensinar,
juntamente com todas as ações que essa atividade engloba quanto no próprio contexto
de ensino, permitindo a estes a aprendizagem de aspectos importantes da profissão, o
chamado “currículo oculto”. Lave (1991) acredita que como resultado de se aprender
no trabalho, os novos professores constroem uma identidade de pertencer à comunidade
e já se sentirem professores. Há a construção de uma nova identidade porque eles não
são considerados somente “alunos” ou “estagiário”, mas inseridos como sujeito
responsável pelo trabalho diário na escola. Para a autora, a mudança de foco do
“aprender a ensinar” para “ensinar para aprender” é considerada um passo crucial na
remoção das contradições existentes.
A intenção aqui não é colocar o Ensino Colaborativo como uma prática ideal e
sem contradições, até porque esta forma de configurar o trabalho entre os professores
favorece o surgimento de outros embates e algumas contradições ainda não foram
superadas. Sabemos que a atual condição de trabalho do professor brasileiro não
104
favorece a construção coletiva e colaborativa: longas jornadas de trabalho, pouca
porcentagem de hora atividade, políticas educacionais que privilegiam o trabalho
individualizado e a própria concepção ideologizada do trabalho do professor que advoga
que o professor é o detentor de todos os conhecimentos.
O Ensino Colaborativo, a nosso ver, apresenta-se como uma alternativa que deve
ser levada em conta por professores formadores hoje para que todos os envolvidos no
ensino possam, ao menos, levar em consideração essa prática que pode oferecer grandes
benefícios para a formação. Contudo, estamos cientes de que para existir tal mudança, é
necessária primeiramente também uma mudança no sistema de atividade em que o
professor formador está inserido. Salientamos ainda que esta mudança deveria ser
iniciada por políticas educacionais que privilegiem as condições de trabalho dos
professores.
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85
DOIS MODELOS DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES E POSSIBILID ADE DE APRENDIZADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ∗
Michele Salles El Kadri1 (Universidade Estadual de Londrina)
Elaine Mateus2
(Universidade Estadual de Londrina)
Taisa Pinetti Passoni3 (Universidade Estadual de Londrina)
RESUMO: Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por dimensões teórico-práticas, o debate no campo da formação de professores na sociedade atual ainda se revela na discrepância entre estes dois âmbitos. Preocupados com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina Prática de Ensino, utilizando do conceito das representações sociais. Contrastamos tais visões com o objetivo de compreender quais e como tais conhecimentos são construídos em dois modelos de estágio utilizados na formação de professores: o modelo chamado de “tradicional” e o modelo “colaborativo”. O primeiro modelo está fundado numa concepção cognitivista de aprendizagem enquanto o outro se organiza a partir de uma concepção sócio-histórico-cultural de conhecimento. Com este estudo, visamos ressaltar as contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos. A análise indicou que ambas as práticas atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino. No entanto, a prática de ensino colaborativo parece possibilitar maiores momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional tanto no aspecto crítico da formação destes professores, quanto pelas possibilidades de se pensar e discutir os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas. PALAVRAS-CHAVE : formação de professores, prática de ensino, identidade profissional. ABSTRACT: Considering that professional identities are constructed by theoretical and practical dimensions, the debate in Teacher Education field in nowadays society is still revealed in the discrepancies between these two scopes Concerned with this issue, we analyze in this paper the representations of four new teachers related to the Knowledge constructed in Teaching Practicum subject, using the concept of social
∗ Tratou-se inicialmente de uma Apresentação Individual realizada no 17° Intercâmbio em Pesquisa de Linguística Aplicada (InPLA), portanto consta no caderno de resumos do mesmo evento. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina. 2Professora da Universidade Estadual de Londrina. 3Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES-DS.
86
representation. We contrast both perspectives aiming to understand – by the new teachers’ perspectives which and how knowledge is constructed in two models of trainee used Londrina State University: the models called “Traditional” and “Collaborative”. The first model is based in a cognitive perspective of learning while the other organizes itself based in a social-cultural theory of learning. With this research, we intend to emphasize the contributions and the possibilities of learning that each perspective make possible. KEY-WORDS : Teacher Education, teaching practicum, professional identity. Introdução
Considerando que as identidades profissionais dos professores se dão por
dimensões teóricas e práticas, o debate no campo da formação de professores na
sociedade atual ainda se revela na dicotomia entre estes dois âmbitos. Esta discussão se
torna ainda mais relevante devido à necessidade que os profissionais formados pelas
universidades possuem de ser críticos e preparados para lidar com as diferenças que
constituem o seu próprio ser e o outro, a refletir sobre as práticas discursivas que
naturalizam os diferentes discursos e que possam perpetuar valores ideológicos capazes
de excluir as identidades sociais minoritárias. E isso só será possível nas salas de aula
em que atuam estes profissionais se a formação destes também privilegiar tais
conceitos, pois a estrutura dos cursos ainda está organizada de maneira a apagar as
diferenças sem se dar conta dos embates que estes questionamentos trazem para a
identidade do aluno.
Diante de tal perspectiva somos levados a pensar no conceito bakhtiniano de
“reciprocidade de papéis” que, estendido ao contexto educacional, “nos remete à idéia
de que os modos como nos colocamos diante de nossos alunos, ou seja, os papéis que
assumimos em sala de aula, determinam os modos como nossos alunos se colocam
diante de nós.” (MATEUS; PICONI, 2008, p. 9).
Em outras palavras, trata-se da coerência que se espera de qualquer profissional
em seu ambiente de trabalho. A partir do momento que os cursos de formação prezam
pela formação de professores com capacidades críticas-reflexivas, tais características
serão evidentes no seu agir profissional, o que, consequentemente influenciará
sobremaneira a educação propiciada aos alunos no ambiente escolar.
87
Compreendemos que as identidades profissionais são produzidas nas práticas
sociais em que o futuro professor se engaja, seja pelo discurso dos formadores, pelos
modelos teóricos, materiais didáticos adotados ou pela própria sociedade. A esse
respeito, Brunner (apud MOITA LOPES, 2002, p.127) salienta muito bem que uma das
funções dos cursos de formação inicial é a de auxiliar seus futuros profissionais a
encontrar uma identidade dentro da cultura de ensino. Ou seja, a escola é vista como
uma comunidade que possui uma cultura própria, na qual o professor novato deve ser
inserido e, dessa forma, encontrar seu lugar e seu papel através da sua participação para
que possa construir um significado acerca de sua prática.
Se realmente concebermos o sujeito como ser constituído pelas práticas sociais
a que é exposto e levarmos em consideração a necessidade de auxiliar o professor
novato a se identificar com a futura profissão, nosso olhar volta-se para as aulas de
Prática de Ensino nos cursos de licenciatura, as quais têm sido historicamente
conduzidas segundo a perspectiva do modelo que denominamos “tradicional”. A Prática
de Ensino tradicional já tem sido questionada por muitos pesquisadores devido à
necessidade de re-pensar sobre duas questões principalmente: a) a articulação que este
modelo propicia (ou não) entre universidade e escola e b) a valorização (ou não) do
saber escolar neste modelo.
Em relação à distância entre os mundos da teoria e da prática, correspondentes,
respectivamente, aos mundos da universidade e da escola, críticas são feitas ao modelo
tradicional devido à concepção de ensino que ele evoca: os alunos são vistos como
“tabula rasa”, que devem apropriar-se dos conhecimentos proposicionais transmitidos
pela universidade e em seguida aplicá-los na prática. Matusov e Hayes (2002) endossam
esta visão e são incisivos ao criticar ao modelo tradicional de educação, enfatizando sua
característica principal que se trata da mera transmissão de conhecimentos, com
objetivo de moldar os alunos de acordo com habilidades e atitudes preestabelecidas pelo
professor.
O fato dos cursos de formação concederem pouca legitimidade aos saberes
criados e mobilizados através do trabalho do professor é bem salientado por Tardif
(2002, p.235) ao afirmar que “segundo a concepção tradicional, o saber está somente do
lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso
saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc.”.Ora, se
concebermos o sujeito como constituído pelas práticas sociais e ao mesmo tempo um
88
sujeito ativo e com agência, devemos considerar a prática também como um espaço de
construção de saberes e não somente como aplicação da teoria.
Assim, a maneira como professor resolve conflitos em sala de aula, como por
exemplo, a falta de disciplina, o gerenciamento do tempo, a repartição de atenção entre
os alunos, o modo como lida com a própria individualidade de cada aluno e a aquisição
da sensibilidade relativa às diferenças entre eles são saberes importantes na profissão.
No modelo Tradicional, muitos professores constroem sua identidade e seus
saberes práticos na tentativa e no erro, pautados, via de regra, em pressupostos teóricos.
É por isso que vários estudos também apontam os anos iniciais de socialização na
profissão como um dos principais aspectos da constituição identitária do professor.
Tardif (2002) afirma que o conhecimento dos profissionais é temporal e que os
primeiros anos de formação e prática são de extrema relevância para construção da
identidade do indivíduo. Outro autor a concordar com esta perspectiva é Matêncio
(2008, p.196):
O fato é que, no processo de socialização que se pretende na universidade, o qual conduz à ruptura com muitas das crenças construídas durante um longo processo anterior de socialização, parece ser essencial considerar que o professor em formação passa pela re(construção)de uma identidade lingüística (e linguageira) que pode habilitá-lo, de forma mais ou menos satisfatória, a agir com, sobre e através da lingua(gem) no processo de ensino/aprendizagem.
Levando em consideração estes aspectos, somos levados a pensar em uma
alternativa para a Prática de Ensino que se diferencia do modelo tradicional. O modelo
de ensino colaborativo se coloca como uma opção que visa a tornar o estágio um espaço
mais seguro e que busca unir os saberes da universidade aos saberes da escola. A Prática
de Ensino mediada pelo ensino colaborativo pode promover a produção de identidades
profissionais mais críticas, seguras e engajadas porque possibilita a produção do
conhecimento dos envolvidos de maneira continuada e integrada, levando em
consideração a experiência de todos os envolvidos. Isso porque o professor regular
(professor colaborador) também assume o papel de co-formador, deixa de ser somente
objeto de pesquisa dentro de sua sala de aula e passa a produzir pesquisa; os estagiários
(professores novatos) têm a chance de iniciar sua socialização juntamente com os
professores colaboradores e o próprio supervisor (professor de professores), adquirindo
os saberes da prática; e o próprio formador (que muitas vezes nunca atuou no sistema
básico) também participa mais ativamente deste contexto.
89
Acreditamos na viabilidade dessa perspectiva por concordar com Geisel &
Meijers (2005) quando defendem que o aprendizado de professores não deve ser visto
somente como um processo de construção social, mas também como construção da
auto-identidade e que as mudanças na identidade profissional de professores são
possíveis somente quando a construção social e a auto-identidade se tornam
relacionados um ao outro.
Assim, acreditamos que com outra relação entre saber teórico e saber prático,
estabelecida pelo ensino colaborativo estaremos possivelmente criando novas condições
para o aprendizado do futuro professor que será de grande valia para sua formação
identitária, na medida em que assumimos o pressuposto que a formação é constituída
pelas práticas sociais e também pela agência coletiva e colaborativa dos professores na
sala de aula.
Kleiman (2006, p.79) defende também esta visão ao afirmar que “as práticas
sociais que visam à socialização são elementos centrais nesta construção” e que “as
representações sociais nascidas desse processo de formação identitária na academia
podem, então, em princípio, orientar a prática do professor.” E é por isso que se torna
quase impossível falar de formação identitária de professores sem levar em conta o
impacto que a ausência de integração entre teoria e prática tem na identificação do aluno
com a profissão.
Preocupadas com esta questão, analisamos neste trabalho as representações de
quatro professoras novatas a respeito dos conhecimentos adquiridos na disciplina
Prática de Ensino através de entrevista gravada em áudio, focando nas representações
destas professoras sobre os conhecimentos e saberes adquiridos. A pergunta “O que
você aprendeu com a experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que
mais lhe chamou a atenção e os momentos mais difíceis” foi a escolhida para a análise
em questão, por julgarmos ser representações importantes das professoras novatas sobre
seu próprio aprendizado. Foram escolhidas quatro alunas do último ano de Letras: duas
envolvidas com o chamado modelo tradicional e duas envolvidas com práticas de ensino
colaborativo. Assim contrastamos suas visões com o objetivo de compreender – por
suas próprias vozes e pela percepção de duas alunas mestrandas - quais e como tais
conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade
Estadual de Londrina.
A Prática de Ensino no curso de Letras Estrangeiras Modernas – Inglês da
Universidade de Londrina é desenvolvida nos dois últimos anos da graduação.
90
Independentemente do modelo escolhido, o estágio deve atender alguns requisitos
obrigatórios, como o cumprimento da carga horária de 200 horas em cada um dos anos,
a qual se distribui na realização de diversas atividades - observações de aula nas escolas,
grupos de estudo, preparação de aulas e materiais, regências, entre outras. Em seguida
descreveremos como se configuram os modelos de estágio tradicional e de ensino
colaborativo, suas semelhanças e diferenças, a fim de delinear suas características, o que
será muito útil para compreensão das representações das professoras novatas, bem como
para o entendimento de nossa análise em relação às suas falas. O segundo modelo está
inserido no Projeto integrado da Universidade Estadual de Londrina “Aprendizagem
Sem Fronteiras: ressignificando os limites da formação inicial e contínua de
professores”. Neste projeto, professores novatos, professores de professores e
professores colaboradores da rede pública se valem dos princípios da Teoria da
Atividade sócio-histórico-cultural (TASHC) - iniciada por Vygotsky no início do século
XX - para orientar suas práticas de ensino. Com este estudo, visamos ressaltar as
contribuições e as possibilidades de aprendizado de cada um dos modelos.
Dois modelos: tradicional x colaborativo Estágio Tradicional
O modelo de estágio o qual denominamos tradicional é aquele desenvolvido
amplamente no curso de Licenciatura em Letras Estrangeiras Modernas-Inglês da
Universidade Estadual de Londrina. Aqui buscaremos delinear suas principais
características, pois devemos enfatizar que o mundo da Universidade propicia certa
liberdade ao docente responsável pela supervisão de estágio. Isto significa dizer que as
linhas gerais de desenvolvimento deste trabalho não mudam, porém é possível que
diferentes supervisores adotem diferentes encaminhamentos.
O estágio tradicional na UEL ocorre nos 3° e 4° anos da graduação e o nosso
foco será na Prática de Ensino desenvolvida no penúltimo ano. Trata-se de uma carga
horária anual de 200 horas divididas em diferentes atividades consideradas relevantes
para a formação inicial de professores. Seus objetivos estão explicitados no Guia de
Orientação do Estágio Curricular do Curso de Letras Estrangeiras Modernas (UEL,
2009):
I. Vivenciar as realidades educacionais das comunidades escolares e/campos de estágio;
91
II. Planejar, executar e avaliar processos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras modernas e suas respectivas literaturas; III. Promover a articulação entre os campos do saber e a práxis investigativa; IV. Articular conhecimentos advindos de atividades de pesquisa, ensino e /ou extensão; V. Lidar de forma crítica com as linguagens nos contextos de ensino-aprendizagem.
No que se refere aos itens I e II, destacamos as atividades de observação e
regência. Os estagiários devem realizar observações em três diferentes contextos:
Escola Pública, Escola Privada e Instituto de Idiomas. Tal prática se justifica em função
da necessidade de oportunizar aos futuros professores experiências em possíveis
contextos de atuação profissional. As observações ocorrem não apenas em sala de aula,
quando os estagiários podem conhecer o trabalho de diferentes professores, mas
também na escola como um todo. Os estagiários devem estar atentos às aulas que
puderem assistir, à estrutura física da escola (salas de aula, biblioteca, quadra de
esportes, refeitório, entre outros), a respeito do quadro de profissionais ali presentes
(professores, coordenadores e diretores), dentre outras especificidades de cada ambiente
(número de alunos, período de aulas, carga horária das aulas, público atendido etc.).
As regências são realizadas em turmas do Ensino Fundamental 2 ou Médio de
escolas públicas da rede Estadual de Educação Básica. Porém estas regências podem
também ser desenvolvidas em outros contextos de ensino público sendo eles escolas da
rede Municipal no Ensino Fundamental 1, creche da Universidade Estadual de Londrina
a qual oferece Educação Infantil, ou ainda aulas em formato de “Mini Curso” – um
curso oferecido aos alunos da Rede Estadual de forma optativa, preparado acerca de um
único conteúdo ou temática a ser desenvolvido em horários diferentes das aulas
regulares, tendo um caráter de “reforço escolar” ou ainda de “atividade extra”, pois não
está condicionado aos conteúdos desenvolvidos na série em que o aluno está
regularmente matriculado.
Ao longo das regências dentro do contexto escolhido, o estagiário desenvolve
outras atividades referentes à vivência escolar, atividades de suporte às aulas e auxílio
ao professor colaborador, como por exemplo, preparação de aulas, materiais, atividades
e provas, além de correção dessas atividades.
Dos objetivos explicitados para o estágio no item III, destacamos as atividades
desenvolvidas em grupos de estudos realizados pelo supervisor com todos seus
estagiários, em número que pode variar enormemente devido à disponibilidade de carga
horária do supervisor dentre suas atividades desenvolvidas na Universidade. Neste
momento são feitas leituras e discussões teóricas a respeito do trabalho do professor,
92
sobre processo de ensino/aprendizagem em Língua Inglesa, questões políticas
relacionadas à Educação no Brasil.
Outra atividade realizada, a fim de dar continuidade a esta etapa de estudos, é o
trabalho em espaço virtual, que deve ser realizado ao longo de todo ano letivo. O
supervisor de estágio e seus estagiários selecionam um meio de interação pela internet a
fim de que haja troca de informações, de experiências e opiniões a respeito do estágio.
Os formatos de blog, página na PBWiki, e grupo de e-mails são os mais utilizados.
Os itens IV e V dos objetivos do estágio referem-se à escrita do trabalho final.
Os estagiários devem produzir um relatório crítico englobando todas as atividades
desenvolvidas. Para tanto são destinadas horas para escrita e pesquisa bibliográfica, bem
como horas de orientação individual com o supervisor para auxílio no desenvolvimento
desta tarefa.
Ensino colaborativo
O projeto “ Aprendizagem Sem Fronteiras: ressignificando os limites da
formação inicial e contínua de professores” da Universidade Estadual de Londrina
desenvolve o ensino colaborativo como novo modelo de Prática Ensino. Trata-se de um
projeto de ensino-pesquisa-extensão no qual professores novatos4, professores de
professores e professores da rede pública da matéria de Língua Inglesa buscam
coletivamente promover um embate produtivo de idéias acerca das contradições destes
dois mundos – universidade e escola - por meio de princípios de ensino e trabalho
colaborativos, repensando a divisão social do trabalho e as relações de poder.
Roth e Tobin (2002) afirmam que o ensino colaborativo emerge como uma
solução em potencial para muitos dos problemas identificados nas práticas atuais.
Trabalhar junto, para eles, é essencial porque faz emergir grandes desafios a serem
enfrentados e abre oportunidades para aprender dos outros de maneiras igualitárias e
tácitas. Eles ainda salientam que trabalhar juntos e dividir o trabalho é fundamental
para o aprendizado em muitos campos não somente no aprendizado de iniciantes mas
também dos professores em serviço e dos próprios formadores (por ex: piloto,
enfermeira, carpinteiros – e por que não, professores?).
4Segundo Mateus (2009), a opção pelos termos professor de professores e professor novato ao invés de professor formador e de estagiário, respectivamente, se deve ao fato de que essas noções recriam sentidos de legitimidade mais condizentes com os princípios que orientam as ações no projeto.
93
Assim, o ensino colaborativo significa fundamentalmente dividir a
responsabilidade ao ensinar uma sala para promover o aprendizado do aluno. Isso
significa que os professores planejam coletivamente as unidades e lições, ensinam (uma
pessoa lidera enquanto os outros dão suporte), constroem avaliações e tarefas, e se
engajam em sessões de planejamento.
Neste projeto, os indivíduos são convidados a uma prática social emancipatória,
através da qual os diferentes envolvidos podem “trocar de papéis”, ou seja, tendo suas
funções repensadas, uma vez que a todos poderá ser atribuída tanto a função de
pesquisador quanto a de professor e a de aprendiz, buscando de fato vincular a teoria à
prática. O ensino colaborativo fundamenta-se na Teoria da Atividade sócio-histórico-
cultural (TASHC) desenvolvida por Vygotsky e continuada por seus seguidores, sobre a
qual Mello (2004, p.135) discorre:
A teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX. Os autores que autodenominaram sua corrente de pensamento como histórico cultual tinham razões para isso: partiam do pressuposto de que o homem é um ser de natureza social.
Ao relacionarmos tais idéias com o processo de formação de professores, somos
impulsionados a encarar com muito mais atenção a relevância das atividades propostas e
as transformações sociais e individuais delas decorrentes.
Libâneo (2004) afirma que os indivíduos vão à escola não apenas para aprender
conteúdos, mas também para assimilar cultura e meios cognitivos de compreender e
transformar o mundo. Portanto, é relevante nos questionarmos acerca de como as
orientações de estágio, os grupos de estudos desenvolvidos com professores em
processo de formação têm contribuído para a formação social destes profissionais, quais
são as possibilidades de interação proporcionadas aos estagiários a fim de que possam
ser promovidas condições favoráveis para a existência de professores conscientes de seu
papel na sociedade, transformadores ativos do mundo em que vivem.
O ensino colaborativo busca propiciar um espaço seguro para aprendizagem de
seus integrantes. Para Lave e Wenger (1991) a prática social é um fenômeno gerativo,
no qual a aprendizagem é uma de suas características. Ou seja, não há como desvincular
o aprender das interações sociais. Essas autoras conceberam uma visão analítica sobre
ensino na maneira de entender a aprendizagem, a qual foi denominada Participação
94
Legítima Periférica (PLP)5 e definida como “ o processo pelo qual novatos tornam-se
parte de uma comunidade de prática”6. Trata-se de compreender o processo de ensino e
aprendizagem como a interação entre indivíduos, que desempenham diferentes papéis,
os novatos sendo envolvidos gradativamente nas práticas de uma comunidade, e
aprender significa estar cada vez mais empenhado neste processo.
Outro conceito de extrema relevância para a nossa embasa o ensino colaborativo
trata-se da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), primeiramente definida por
Vygotsky (1991, p.112):
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sobre a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. De acordo com Gifford and Mullaney (apud KINGINER, 2002), isso significa
dizer que a tarefa deve exigir do aluno um pouco além do seu nível, a fim de ampliar
suas capacidades, e esta exige a presença de um mediador mais proficiente (professor ou
colega). O que nos retoma o conceito de PLP - a questão do novato interagindo numa
comunidade de aprendizagem – e ao conceito fundamental da TASHC definido por
Lantolf (2000, p.1) – a mediação.
Engestrom (1999) é um seguidor de Vygotsky que buscou melhor conceber a
definição de ZDP. Em um de seus trabalhos, Engestrom (1999) cita o potencial criativo
da internalização ignorado por Vygotsky, e elabora uma nova definição para o conceito
de ZDP:
It is the distance between the present everyday actions of the individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in the everyday actions.7
O que podemos destacar entre as duas definições de ZDP - a primeira de
Vygotsky e esta segunda de Engestrom - é a questão da independência individual
enfatizada pelo primeiro e a idéia de trabalho coletivo apresentada pelo segundo. Para
Vygotsky a importância da ZDP está no quão auto-suficiente o indivíduo pode ser em
seu processo de aprendizagem, vindo de uma escala de mais dependente necessitando
da orientação de um adulto ou de companheiros mais capazes, até a solução
5 Tradução nossa para o termo original em Inglês “Legitimate Peripheral Participation”. 6 Nossa tradução de: “the process by which newcomers become part of a community of practice” 7 É a distância entre as ações diárias presentes dos indivíduos e a nova forma histórica de atividade social que pode ser coletivamente gerada como uma solução de um viés potencialmente imerso em nossas atividades cotidianas.
95
independente de problemas. Já para Engestrom a questão se aprofunda, tratando das
novas formas históricas da atividade social geradas coletivamente, as quais são
provenientes das ações dos indivíduos no tempo presente. Isto é, para Engestrom, a
finalidade é a geração coletiva de soluções, e não a independência advinda de um prévio
auxílio de companheiros mais capazes.
A respeito das atividades realizadas no ensino colaborativo, o trabalho
desenvolvido é semelhante ao estágio tradicional em alguns aspectos. Existe a
participação dos professores da escola pública, professores da universidade e os
professores novatos. Há também aprendizagem em espaço virtual com a realização de
um blog e a confecção do trabalho final de conclusão do estágio. Além disso, os
objetivos expressos no manual do estagiário também são contemplados no ensino
colaborativo. As observações são diferentes, pois acontecem apenas no contexto no qual
o professor novato vai atuar e são embasadas no conceito já citado de PLP, ocorrem de
modo com que ele não seja mero espectador da prática do outro. As observações são o
primeiro contato do professor novato com a sala de aula, assim inicialmente ele se
engaja em tipo de participação periférica, que se transforma ao longo das aulas, ele vai
se movendo para o centro, ou seja, para as práticas como professor regente.
Mas podemos dizer que, em linhas gerais, o trabalho realizado no ensino
colaborativo “extrapola” o que é previsto no estágio tradicional, principalmente pelo
número de horas destinado ao estágio. Isso porque ao assumir compromisso com o
grupo de professores, o professor novato se compromete a participar de todas as aulas,
durante todo o ano na escola pública escolhida. Do mesmo modo se comprometem o
professor colaborador, com padrão na educação básica, e o professor de professores,
mais comumente denominado professor-formador.
Além das aulas, toda a ação dos participantes do projeto – que vai da preparação
dos materiais didáticos, intervenções nas salas de aulas e discussões teórico-práticas a
respeito – é fundamentada por meio de planejamento prévio que ocorre coletivamente
em encontros semanais, nos quais idealmente estão presentes todos os professores. Roth
e Tobin (2002) explicam este tipo de reunião entre os professores pelo conceito de
Diálogo Cogenerativo8. Trata-se de encontros em que todos os envolvidos discutem a
sala de aula, seus dilemas e contradições do lugar de quem os vivenciou e de quem está
envolvido na tarefa de transformá-los.
8 Tradução nossa para o termo “Conegerative Dialogue”.
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Referencial teórico de análise
Para realizar as análises das respostas das professoras novatas para a pergunta
“O que você aprendeu na prática de Estágio durante o ano passado?” iremos utilizar
como fundamentação teórico-metodológica a teoria da representação social, a qual tem
origens na antropologia e na sociologia.
O sociólogo Émile Durkheim é o precursor de tais estudos (apud Minayo, 1995,
p.90). Usando o termo “representações coletivas”, Durkheim afirmava que tal conceito
refere-se às categorias de pensamento que levam determinadas sociedades a elaborar e
expressar sua realidade. Essas categorias não seriam universais e nem pré-estabelecidas,
mas sim constituídas através de fatos sociais e de suas transformações. Sendo assim,
através da observação de tais eventos, seria possível conhecer e interpretar essa
sociedade. Trata-se de compreender como os indivíduos pertencentes a um determinado
grupo se apropriam da realidade e fazem sentido dela.
Os conceitos de Durkheim foram retomados e redefinidos por Moscovici (2003).
Este autor usa o termo “representações sociais” o qual indica “um universo de opiniões
próprias de uma cultura, de uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do
ambiente social” (1961, p.166). As adaptações de Moscovici surgiram no sentido de
compreender sociedades modernas e toda sua dinamica volátil, assim as representações
sociais seriam “fenomenos específicos que estão relacionados com um modo particular
de compreender e se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso
comum” (Moscovici, 2003, p.49).
Nesse sentido compreendemos que a matéria-prima para quem busca conhecer e
entender as representações que o outro tem sobre a realidade só pode ser a linguagem.
Mais especificamente no caso desta pesquisa, a linguagem oral das professoras novatas,
através da qual podemos tomar conhecimento, de forma concreta, de suas
representações acerca do que aprenderam no estágio.
Na Linguística Aplicada no Brasil, o conceito de representações sociais foi
revisitado por Celani e Magalhães (2003, p.321) que o redefiniram como:
Uma cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os participantes da interação e das significações, as expectativas, as intenções, os valores e as crenças referentes a a)teorias do mundo físico; b)normas, valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um contexto particular.
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Tal entendimento sobre as representações sociais no que se refere à formação de
professores reafirma a importância da linguagem para as nossas análises. Será por meio
dela que entraremos em contato com os significados que essas professoras novatas
puderam construir sobre si e sobre o outro, no mundo.
Ainda no campo da Linguística Aplicada, Freire e Lessa (2003, p.174) também
abordam o tema, porém com a ressalva de que as representações de um único sujeito
não podem ser generalizadas como pertencentes a todo um grupo. Isso porque cada
indivíduo faz parte de diferentes grupos sociais. Estas autoras definem representações
sociais como:
Maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao da histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo.
Essa visão sobre as representações corrobora o sentido que buscamos nas
análises das respostas das professoras novatas: como e o que elas conseguem expressar
a respeito de seu aprendizado ocorrido através das interações sociais proporcionadas em
seu período de estágio.
Análise Para a coleta de dados, foram utilizadas gravações realizadas com os
participantes do ensino colaborativo, no projeto Universidade Sem Fronteiras, cuja
pergunta feita às professoras novatas era basicamente “O que você aprendeu com a
experiência de estágio realizada? Descreva o seu estágio, o que mais lhe chamou a
atenção e os momentos mais difíceis”. Baseadas nessa gravação, fizemos o mesmo
questionamento para outras professoras novatas, as que tiveram como experiência a
prática de ensino Tradicional, com o intuito de compreender como alguns
conhecimentos são construídos nos dois modelos de estágio utilizados na Universidade
Estadual de Londrina. Contamos com o relato de duas professoras novatas de cada um
dos modelos de estágio, aquelas que se demonstraram interessadas em participar das
gravações.
Os dois trechos abaixo revelam a fala das professoras novatas sobre o que elas
aprenderam nas práticas de estágio: As alunas G e F tiveram experiências com a prática
tradicional; as alunas M e B com a prática de ensino colaborativo.
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Pela fala das professoras novatas, pode-se afirmar que os dois modelos
privilegiam contato com a realidade e fazem com que os alunos sintam como é o ser
professor. Nota-se a relevância do estágio na formação de professores como constituinte
de sua identidade profissional e como esta prática é vista e experimentada pelos alunos.
No trecho da aluna F - integrante do estágio tradicional - ressalta como foi bom ter a
“noção do que é dar aula”: Contudo, esta fala parece expressar que a aluna pôde se
engajar apenas superficialmente na profissão visto que a atividade do professor vai
muito além do que “ter noção” do que é dar aula:
F: “Esta foi minha primeira experiência em sala de aula. Por isso foi muito bom para ter uma noção de como realmente é dar aula. Descobri que eu gosto mais do que eu imaginava”.
Já a aluna M ressalta que tais experiências, mediadas, em seu caso, pela prática
de ensino colaborativo, foram realmente marcantes na sua identidade profissional pelo
fato de conhecer o mundo destes alunos:
M: “O contexto de escola de periferia e EJA foram para mim – essas duas experiências foram muito marcantes porque na escola de periferia eu conheci o mundo daqueles alunos. Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles. No EJA, cada dia que eu estou lá eu tenho me impressionado mais, com que pessoas que já passaram por grandes dificuldades durante toda a vida e agora depois de tanto tempo, tem o interesse de estar ali, muito presente de novo e querendo aprender cada vez mais e com a consciência de que nunca é tarde para aprender.. Então esse projeto para mim tem sido enriquecedor.”
Assim, podemos notar que nas falas de M e de F estão presentes identidades
muito diferentes. Uma experiência permitiu “ter uma noção de como é dar aula” e
“descobrir que gosta mais do que pensava”, o que revela uma identidade ainda insegura,
de quem ainda não sabe dar aula de fato, mas apenas apresenta uma ‘noção’ de como
fazê-lo, o que nos indica que o estágio realizado por F foi uma experiência de
dimensões limitadas no que se refere à sua formação profissional. A outra experiência
revela dimensões “marcantes”, a fala de M indica a construção da identidade de uma
professora que tem no outro a sua satisfação “porque eu conheci o mundo daqueles
alunos”. Pelo relato de M percebemos o seu aprendizado como experiência de vida ao
conhecer as vivências de seus alunos de EJA, isto é, a professora novata expressa que as
dificuldades vividas pelos alunos são uma lição de que “nunca é tarde para aprender”.
Desse modo, por notarmos que algumas diferenças são salientadas e podem ser
percebidas nas experiências destas alunas. Por isso, ressaltamos cinco principais
temáticas recorrentes nos dados coletados com os envolvidos no ensino colaborativo, as
99
quais organizamos nas seguintes categorias de análise: os momentos difíceis, a relação
com os alunos, a preocupação com o papel da universidade e da escola pública e o
trabalho do professor.
Momentos Difíceis
Nos trechos abaixo, as professoras novatas G e B falam sobre os momentos mais
difíceis enfrentados no estágio:
G: “Algumas situações onde os alunos faziam perguntas sobre os textos ou gramática, focando uma perspectiva que não tinha sido analisada por mim até então. Descobrir diferentes modos de fazer explicação do mesmo assunto, e lidar com alunos com diferentes níveis de conhecimento da língua.”
B: “Esse momento totalmente de conflito, onde eu pensei até em trancar a matrícula, vou parar o curso de Letras, não é isso que eu quero para minha vida, porque eu tive que me deparar com o que eu vou me deparar no futuro, em que eu teria que assumir as responsabilidades, eu teria que tomar todas as conseqüências, o porquê de meu aluno não estar aprendendo, não será só culpa dele ou do sistema, ou do que tava em volta, mas também estava em mim, na questão de metodologia, em questão de preparo e tudo mais, então esse foi o momento de choque, onde você tem que sair da sua zona de conforto, ir para a batalha e você se depara com tudo aquilo e você fala ou fico ou saio correndo.... e agora? Então eu vou ter que aprender a lidar com isso, com estes dois momentos de frustração que são eles que vão fazer com que eu cresça, desenvolva cada dia.
Podemos perceber que ambas as práticas suscitam conhecimentos para os
envolvidos e as professoras novatas a vêem como espaço para crescimento profissional.
Na fala da professora G, nota-se que o momento mais difícil foi referente à metodologia
utilizada e a heterogeneidade da sala de aula, aspectos estes importantes para a
profissionalização do professor. Assim, para ela, o maior desafio foi descobrir como
explanar conteúdos de maneiras diferenciadas, de modo a atingir todos os alunos e lidar
com os diferentes níveis de conhecimento existentes, visto que estava acompanhada
somente de uma companheira de classe e de nenhum professor regular ou formador. Em
outras palavras, a dificuldade está no fato de que os alunos faziam perguntas cujas
respostas ela ainda não tinha pensado. Ela “aprendeu” a usar diferentes estratégias e a
lidar com diferentes alunos. Percebe-se também que pela sua fala “ não tinham sido
analisadas por mim” , que ela parece ter que descobrir sozinha como lidar com isso.
Para a professora B, o momento mais difícil não está apenas em questões
metodológicas ou linguísticas - embora estes não sejam excluídos -, mas sim na
responsabilidade de sentir parte do sistema e se deparar com os desafios da profissão:
responsabilidade, consequências, aprendizado dos alunos. A problematização que esta
prática trouxe para B foi tão grande que ela pensa até em parar o curso, mas no final
decide que estes são fatores inerentes a profissão e que ela deve saber lidar com isso. A
100
dificuldade está em se deparar com a realidade da responsabilidade pela aprendizagem
dos alunos. Ela “aprendeu” que são os conflitos e as dificuldades que fazem com que ela
se desenvolva.
Podemos dizer também que, pelo fato da aluna B estar inserida na escola em um
longo período de tempo e pelo fato de preparar a maioria das aulas juntamente com as
professoras formadora e colaboradora ela se sente mais segura em relação a questões
metodológicas e linguísticas. No entanto, dimensões do chamado “currículo oculto” 9
podem ser evidenciadas, como por exemplo, fatores como papel do professor, do
sistema de ensino, de resultado de aprendizagem, de responsabilidade com a profissão e
de questionamento dos próprios valores e abordagens, de afetividade, valoração, tomada
de decisões e conceitos institucionais.
Interessante destacar nestas duas falas que identidades diferentes parecem estar
sendo construídas: enquanto as dificuldades para a aluna G residem basicamente nas
suas ações e indicam que seu foco está em si mesmo (sua dificuldade maior parece estar
naquilo que ela não é capaz de fazer), para B a preocupação está naquilo que o aluno
não está aprendendo (e que ela sente como responsabilidade dela).
Relação com alunos
Outro fator salientado nas representações foi a relação com os alunos:
F: “Foi uma relação bem amigável, para tentar construir em sala de aula um ambiente onde eles se sentissem seguros e livres para expressarem suas opiniões, sem medo de errarem. Não foi focada somente a interpretação do texto feita pelo professor, os alunos tinham suas opiniões e o papel do professor era levantar algumas questões acerca do assunto para conduzi-los a uma boa compreensão geral.”
M: “Durante o ano eu fui pegando uma amizade, uma relação forte e na verdade eu aprendi muito mais do eu passei um aprendizado, um conteúdo pra eles.”
Ambas as alunas relatam bom relacionamento com os alunos, porém de formas
distintas. Para F, a relação amigável é motivada pelo desejo de participação do aluno
nas aulas, enquanto que para M a amizade se estabeleceu entre o aprendizado adquirido
por ela e pelos alunos. A aluna F reforça que o clima foi amigável, que o papel do aluno
9 Este conceito é entendido pela perspectiva crítica do currículo como “normas e valores que são implícitas, porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são mencionadas na apresentação feita pelos professores dos fins ou objetivos” (Apple, 1982, p.127 apud Moreira). “Ainda segundo Moreira (1997, p.14), este conceito aponta para o fato de que o “aprendizado incidental” durante o curso pode contribuir mais para a socialização do estudante que o conteúdo ensinado no curso”. Para Silva e Moreira (1995, p.31), este conceito continua importante na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade.
101
era de construtor de conhecimento, pois eles estavam livres para falar “sem errar” e as
interpretações dos alunos também eram válidas. F reforça o papel do professor como
responsável pelo ensino, pois ela apresenta-se com a função de “conduzi-los”. A
professora M, entretanto, diz “ter uma relação forte” com os alunos, e ressalta que na
verdade ela aprendeu muito mais do que eles através das experiências vivenciadas,
enfatizado que estava na sala de aula não apenas para ensinar, mas também para
aprender. Pelo fato da relação com os alunos ter sido mencionada pelas duas alunas sem
ter sido requisitado esta informação, pode-se notar como este fator também se revela
importante na constituição destes professores novatos, pois, segundo Mateus (1999), o
relacionamento pessoal e amigável entre o professor novato e seus alunos é muito
importante para que ele se sinta acolhido e tire do caminho os entraves do estágio.
Preocupação com papel da escola pública / papel da universidade
Nos trechos abaixo, nota-se a preocupação com as alunas participantes do ensino
colaborativo com os vínculos estabelecidos com a escola e com a universidade - o que
não se verifica na fala das professoras novatas do estágio tradicional.
M: “ E ela tá próxima da comunidade, e acha que esse é o papel da universidade. Se ela não tem esse papel, porque ela ta ali? Porque ela recebe recursos do governo e do cidadão? Porque quem financia a universidade são as pessoas, e é a comunidade e a maioria dela tem filho na escola. (...)” B: “ Ser mais proativo um pouco com a escola pública e com o contexto em que ela está inserida... e dar mais relevância ao que o professor tem preparado e dentro daquilo a gente preparar material, desenvolver nosso trabalho a fundo”.
Percebe-se um engajamento e uma problematização sobre o papel da escola
pública, da universidade e do próprio cidadão. Uma possível razão pela qual as
professoras novatas mencionam tal preocupação pode ser o fato de que discussões são
realizadas nos encontros do projeto acerca deste assunto.
A professora novata M fala sobre o papel desempenhado pela universidade no
ensino colaborativo, a relação de proximidade com a escola, a contrapartida social que
se espera dessa instituição para com a comunidade. Tais características parecem
essenciais diante dos questionamentos levantados pela professora novata.
Já a professora novata B demonstra preocupação com relevância que a
universidade dá ao conhecimento localmente produzido na escola, o quanto a
102
universidade, representada pelos professores novatos e professores de professores,
reconhece como legítimo o trabalho do professor colaborador.
Trabalho do professor
Nas falas abaixo, evidencia-se o trabalho do professor que normalmente é
caracterizado como sendo um trabalho solitário. Devido à própria configuração do
sistema de trabalho, os professores não têm com quem contar, tirar dúvidas ou
simplesmente negociar abordagens de ensino.
G: “ Eu me preocupei com a questão de ter que dar aula sozinha, porque o professor da turma não ficava com a gente lá, ele ia fazer outra coisa.... então a gente tinha que dar conta da turma, (que às vezes era terrível e não respeitava a gente) mas deu tudo certo”.
M: “Nós, como professoras estamos sempre nos reunindo, uma tirando a dúvida da outra, olha a gente poderia melhorar nisso, o que você acha dessa idéia, o que você acha da gente tá fazendo isso, eu, a X (professora regular), a Y (professora-novata) e a W (professora formadora) ali na sala de aula é muito válido, é legal porque a universidade não está distante”.
Nota-se que a professora G preocupou-se como fato de estar sozinha com a
turma devido ao comportamento dos alunos, ou seja, revela um momento de
insegurança vivenciado por ela. Com sua fala, a professora novata G aponta uma prática
comum no estágio tradicional: o professor da escola pública se isenta da função de
colaborador.
A professora novata C ressalta uma situação oposta, relata que elas – todas as
professoras envolvidas no ensino colaborativo - estavam sempre se reunindo, tirando
dúvidas, construindo juntas. Ressalta ainda o fato de a professora formadora estar
também inserido na sala de aula e não ser mero supervisor. Esta configuração de
trabalho parece favorecer as identidades dos professores pelo fato destes terem em quem
se apoiar e dividir responsabilidades, conflitos e também sucessos.
Conclusão Apesar da pequena amostra de dados apresentada neste trabalho, foi possível
notar algumas características nas representações das alunas sobre os dois modelos de
estágio. Em ambas as práticas, podemos notar que as professoras novatas ressaltam o
contato com a realidade, a relação com os alunos e as preocupações com aspectos
metodológicos. Contudo, notamos que na prática de ensino colaborativo, as
preocupações parecem ir um pouco além. Questões morais como a preocupação com o
103
papel da universidade e a responsabilidade para com a escola pública, a valorização e os
desafios de se trabalhar juntos, a segurança de não estarem sozinhos neste primeiro
contato com o trabalho e o fato de se sentirem como parte deste contexto devido ao
longo contato com a realidade.
Assim, de acordo com os dados analisados, acreditamos que ambas as práticas
atingem seus objetivos de propiciar aos alunos contato com o contexto real de ensino.
No entanto, acreditamos que a prática de Ensino Colaborativo possibilita maiores
momentos de aprendizagens se comparados com a prática tradicional no aspecto crítico
da formação destes professores. O principal fator que justifica este fato é a integração
do aluno de maneira longitudinal no contexto da escola pública e as possibilidades de
pensar criticamente sobre os eventos da sala de aula por diferentes perspectivas: a do
professor colaborador, do próprio professor novato e do professor formador.
Em outras palavras, acreditamos que a prática de ensino pelo viés do Ensino
Colaborativo pode propiciar a construção de uma identidade profissional mais crítica e
engajada por que objetiva construir o conhecimento dos envolvidos de maneira
continuada e integrada, por buscar levar em consideração a experiência de todos os
integrantes que se encontram em diferentes momentos da carreira. Essa concepção é um
re-significar do conceito de formação de professores: os alunos não mais “aprenderiam
a ensinar”, mas “ensinariam para aprender”, esta re-significação de conceito não se dá
apenas pelo jogo de palavras, mas sim por uma abordagem mais calcada na prática. A
aprendizagem do professor em pré-serviço se daria tanto no próprio ato de ensinar,
juntamente com todas as ações que essa atividade engloba quanto no próprio contexto
de ensino, permitindo a estes a aprendizagem de aspectos importantes da profissão, o
chamado “currículo oculto”. Lave (1991) acredita que como resultado de se aprender
no trabalho, os novos professores constroem uma identidade de pertencer à comunidade
e já se sentirem professores. Há a construção de uma nova identidade porque eles não
são considerados somente “alunos” ou “estagiário”, mas inseridos como sujeito
responsável pelo trabalho diário na escola. Para a autora, a mudança de foco do
“aprender a ensinar” para “ensinar para aprender” é considerada um passo crucial na
remoção das contradições existentes.
A intenção aqui não é colocar o Ensino Colaborativo como uma prática ideal e
sem contradições, até porque esta forma de configurar o trabalho entre os professores
favorece o surgimento de outros embates e algumas contradições ainda não foram
superadas. Sabemos que a atual condição de trabalho do professor brasileiro não
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favorece a construção coletiva e colaborativa: longas jornadas de trabalho, pouca
porcentagem de hora atividade, políticas educacionais que privilegiam o trabalho
individualizado e a própria concepção ideologizada do trabalho do professor que advoga
que o professor é o detentor de todos os conhecimentos.
O Ensino Colaborativo, a nosso ver, apresenta-se como uma alternativa que deve
ser levada em conta por professores formadores hoje para que todos os envolvidos no
ensino possam, ao menos, levar em consideração essa prática que pode oferecer grandes
benefícios para a formação. Contudo, estamos cientes de que para existir tal mudança, é
necessária primeiramente também uma mudança no sistema de atividade em que o
professor formador está inserido. Salientamos ainda que esta mudança deveria ser
iniciada por políticas educacionais que privilegiem as condições de trabalho dos
professores.
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