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Dona Antónia, Uma vida singular.

Date post: 08-Jan-2023
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Coordenação Isabel Cluny Natália Fauvrelle Museu do Douro Peso da Régua, 2012
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Coordenação Isabel Cluny Natália Fauvrelle

Museu do DouroPeso da Régua, 2012

2 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

Catálogo Catalog credits Coordenação científica e editorial Scientific and editorial Coordinators Isabel ClunyNatália Fauvrelle

Investigação e Textos Research and TextsCarlos Melo BritoFernando de SousaGonçalo de Vasconcelos e SousaIsabel ClunyNatália FauvrelleSusana Marques

Tradução Translation Linguaemundi Traduções

Fotografia Photography João Paulo Sotto MayorMarco Aurélio Peixoto

Design Gráfico Graphic DesignJoão Machado Design

Execução Gráfica PrintingRaínho & Neves

DistribuidorDistribuitionÂncora EditoraAv. Infante Santo, 52-3º Esq.1350-179 LisboaTel. 213 951 221Fax. 213 951 222Email: [email protected]

www.ancora-editora.pt

©‹ Fundação Museu do Douro e autores

Fundação Museu do Douro, 2012ISBN ???????????????Depósito Legal ???????????

Museu do DouroRua Marquês de Pombal5050-282 Peso da RéguaTel.: +351 254 310 [email protected]

Exposição Exhibition credits

Comissariado Científico Scientific CommissionersIsabel ClunyNatália Fauvrelle

Comissariado Executivo e Projeto Museográfico Executive Commissioners and Museographic ProjectFernando Maia PintoFernando SearaNatália FauvrelleSusana Marques

Investigação e Textos Research and TextsIsabel ClunyNatália FauvrelleSusana Marques

Apoio Geral General AssistantsFilipe BarrosMarco Aurélio Peixoto

Conservação e Restauro Conservation and RestorationCarlos MotaTeresa Lobo Vasconcelos

Apoio à Conservação e Restauro Conservation and Restoration support Andreia GuimarãesCarla TavaresClara CardosoFátima PereiraFernanda FonsecaHelder MacedoJoão DuarteMário TeixeiraVasco Guedes

Montagem Exhibition Set UpHabi PenaguiãoMuseu do Douro

Transporte de Peças TransportMuseu do Douro

Design Gráfico Graphic DesignJoão Machado Marta Machado

Fotografia Photography João Paulo Sotto MayorMarco Aurélio Peixoto

Serviço Educativo Educational DepartmentMarisa AdegasSamuel Guimarães (Coord)Sara MonteiroSusana Rosa

Guias da Exposição Exhibition GuidesBárbara AmaroCláudia MonteiroEnara TeixeiraFernando CardosoGisela MiguelIsabel CardosoLuzia HenriquesMarco Barradas

Serviços Financeiros Financial DepartmentLuís Carvalho (Coord)Sara Teixeira

Comunicação e Marketing Communications and MarketingHelena Freitas

Secretariado SecretariatGisela MiguelSandra José

Seguros InsuranceMDS

Tradução Translation Linguaemundi Traduções

Mecenas da Exposição: Sponsors:

DONA ANTÓNIA UMA VIDA SINGULAR 3

Agradecimentos Acknowledgements

António Bernardo Ferreira, Arnaldo Furtado, Arquivo Distrital de Vila Real, Arquivo Histórico Casa Ferreirinha, Arquivo Municipal do Porto / Casa do Infante, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Real Companhia Velha, Associação para o Estudo, Defesa e Promoção do Artesanato de Freixo de Espada à Cinta, Biblioteca Pública Municipal do Porto, Biblioteca Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca da Academia Real das Ciências de Lisboa, Bombeiros Voluntários de Peso da Régua, Câmara Municipal do Porto, Carlos Alberto Ferreira Teixeira Nogueira, Eduardo da Costa Seixas, Eugénia Sofia Ferreira Avides Moreira, Escola Profissional do Rodo, Francisco Manuel da Mota Monteiro, Francisco Olazabal, Henrique Tiago Pinto & Filhas, Horto Moreira da Silva, Isabel Rosas Ferreira, Isabel Sá Carneiro, Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P, Jorge Barreira, Jorge de Brito e Abreu, Jorge Spratley Ferreira, José Bernardo Ulrich Ferreira, Legado Irene Amélia Viana Pinto, Luis Casal Ribeiro, Luís de Siqueira Castro e Solla, Maria Benedita de Lima de Brito e Cunha Noronha Osório, Maria Sofia Ferreira Salema Reis, Maria Teresa Siqueira Archer de Carvalho, Maria Teresa Siqueira Salema Reis Almeida Garrett, Manuel Guedes, Miguel da Rocha Paulino, Oporto Cricket and Lawn Tennis Club, Palácio Nacional de Mafra / IMC, Padre Sérgio Manuel Correia Tomé, Paróquia de Vila Marim, Pedro Claro da Fonseca, Quinta do Vale Meão, Quinta das Nogueiras, Ruy de Brito e Cunha, Santa Casa da Misericórdia de Peso da Régua, Sociedade Agrícola Quinta do Pego, SA, Sogrape Vinhos, SA, Sophia Tobin (Goldsmiths’ Company, Assay Office), Sogevinus, Symington Family Estates, Tabaqueira Nacional, Taylor, Fladgate & Yeatman, Teresa de Jesus Miranda de Souza Leite Seixas

4 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

Abreviaturas Abbreviations

AAF Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896)ABF I António Bernardo Ferreira (1787-1835)ABF II António Bernardo Ferreira (1812-1844)ABF III António Bernardo Ferreira (1835-1907)ADP Arquivo Distrital do Porto Porto Districtal ArchiveAHCF Arquivo Histórico Casa Ferreirinha Casa Ferreirinha

Historical ArchiveAHRCV Arquivo Histórico Real Companhia Velha

Real Companhia Velha Historical ArchiveANTT Arquivo Nacional – Torre do Tombo

National Archive – Torre do TomboBPMP Biblioteca Pública Municipal do Porto

Public Library of Porto MunicipalityCat. Catálogo da Exposição “D. Antónia, uma vida singular”

Catalog of the exhibition “D. Antónia a life of her own”Rs. Réis

Sumário

Apresentação ??Presentation Elisa Peréz BaboFernando Maia Pinto

Dona Antónia, uma vida singular ??Dona Antónia, a life of her ownIsabel Cluny

As quintas vinhateiras de D. Antónia – um legado para o Douro ??The wine estates of D. Antónia – a legacy for the DouroNatália Fauvrelle

A marca Ferreira ??The Ferreira brand Carlos Melo BritoPaulo Moreira

António Bernardo Ferreira (1835-1907) e a sua casa do largo da Trindade, no Porto ??António Bernardo Ferreira (1835-1907) and his house in largo da Trindade, Porto Gonçalo de Vasconcelos e Sousa

A Companhia do Alto Douro e a Ferreirinha (1857-1873) ??The Companhia do Alto Douro and Ferreirinha (1857-1873)Fernando de Sousa

Catálogo da exposição «D. Antónia, uma vida singular» ??Exhibition catalog «D. Antónia: a life of her own»Isabel ClunyNatália FauvrelleSusana Marques

6 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

Quinta do Vesúvio. Fotografia Emílio Biel. Coleção AHCF/Sogrape (Foto 25)Vesúvio Estate Photograph Emílio Biel. AHCF/Sogrape Collection (Photo 25)

DONA ANTÓNIA UMA VIDA SINGULAR 7

O Museu do Douro entendeu associar-se às comemorações dos 200 anos do nascimento da D. Antónia Adelaide Ferreira com a realização, em 2011, de uma segunda grande exposição na sua sede. Enquadrada dentro de uma política de grandes exposições que o Museu do Douro assume com o objetivo de valorizar e divulgar, nacional e internacionalmente, a história e o património cultural e social da região do Douro, a exposição D. Antónia, uma vida singular representa mais um importante contributo para a concretização da missão deste museu.D. Antónia Adelaide Ferreira é, sem dúvida, uma das personalidades da região do Douro que, pelo seu caráter pessoal e pelo modo como governou a sua vida familiar, empresarial e social, se tornou, tanto na sua época como na contemporaneidade, uma referência para a região e para o País. A sua condição de mulher e de residente, durante praticamente toda a sua vida, fora dos centros de decisão e de cosmopolitismo social e económico, não a limitou na visão e na forma como geriu as relações no campo político, social ou económico. Detentora de uma enorme sensibilidade para o negócio, que aprende e herda do pai, mas que projeta muito para além do seu mundo familiar, a Ferreirinha, como foi conhecida na região, compreendeu bem a importância que a inovação (no produto, mas também na tecnologia e nos modos de produção) e a internacionalização significavam para uma economia regional condicionada pelo predomínio de apenas uma cultura. Hoje encontramos na história desta empresária do século XIX algumas referências de enorme atualidade não só para a região do Douro como para País.A sua posição empresarial e o poder económico que detinha na região, com projeção no País, coexistiam com um nobríssimo sentido social, patente nas relações que estabelecia com quem trabalhava para ela e com a população da região onde possuía um enorme património fundiário e económico, sentido que é ainda hoje percetível na memória dos durienses. Esta consciência de responsabilidade social que possuía enquanto proprietária de inúmeras quintas e enquanto “grande” empresária confere-lhe uma outra dimensão relevante na perspetiva contemporânea.A Fundação do Museu do Douro, consciente da enorme riqueza de ensinamentos e de referências que a vida da D. Antónia Adelaide Ferreira compreende, bem como da atualidade de algumas das suas perspetivas sobre o futuro da região e do seu principal produto – o vinho, decidiu ampliar a exposição realizada com a elaboração de um catálogo, reunindo um conjunto diverso de trabalhos e de interpretações sobre a história desta figura ilustre da região do Douro. Para esse efeito convidou alguns investigadores e peritos para, de forma complementar, se associarem a estas comemorações e nos conduzirem por novas representações da vida e da obra desta duriense. Procuramos criar deste modo, para além do espaço cénico da exposição, que nos faz recuar aos ambientes sociais e familiares da época em que viveu D. Antónia Adelaide Ferreira, um registo escrito onde convergem algumas novas narrativas sobre a singularidade da sua pessoa e da sua vida. Ansiámos mais uma vez, com este novo trabalho coletivo, concorrer, dentro do que é a nossa missão, para o desenvolvimento desta região, favorecendo tanto o encontro das populações com a sua história e com a memória de personalidades que a marcaram decisivamente, como a sua afirmação perante os de fora e quem nos visita, favorecendo junto destes uma maior compreensão das razões da sua singularidade e autenticidade.Aproveitamos para agradecer a colaboração de todos os que se empenharam para viabilizar a exposição D. Antónia, uma vida singular e o seu catálogo, particularmente, as suas duas comissárias, a Drª Isabel Cluny e a Drª Nátália Fauvrelle, o então diretor do Museu do Douro, Arq.to Fernando Maia Pinto, os restantes autores desta publicação, bem como, a Administração da Sogrape Vinhos que se associou e foi um parceiro essencial do Museu na concretização destes projetos.

Elisa Pérez Babo

Presidente do Conselho de Administração

8 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

Quinta de Vila Maior. Alberto Cerqueira. Coleção AHCF / Sogrape (159)Quinta de Vila Maior. Alberto Cerqueira. AHCF / Sogrape collection (159)

DONA ANTÓNIA UMA VIDA SINGULAR 9

Marquês de Pombal, Forrester… todas as grandes figuras que intervieram no Douro e que deixaram a sua marca não estão vivas.D. Antónia Adelaide Ferreira está!Nasceu há 200 anos, no dia 4 de julho, e pulsa ainda neste território.Trinetos, tetranetos, quintanetos… encontram-se amiúde neste território. Uns, enólogos, outros proprietários, outros, sempre atraídos pela magia que flutua aqui. A firma que idealizou está pujante. O seu nome está espalhado em letras “garrafais” em algumas das suas quintas.Comparada com a sua grandeza, esta exposição/homenagem é modestíssima, mas feita com o maior carinho. Viva a “Ferreirinha”!Espero que gostem.

Fernando Maia Pinto

Comissário Executivo da Exposição

D. Antónia Adelaide Ferreira, imagem digitalD. Antónia Adelaide Ferreira, digital image

Dona Antónia, uma vida singularIsabel Cluny

D. Antónia Adelaide Ferreira em 31 de março de 1894, ao pressentir que o seu fim poderia estar próximo e sendo-lhe já difícil escrever chamou à casa do Porto o seu advogado1, a fim de expressar em testamento as últimas vontades.Dois anos passados, às portas da morte, recebeu do núncio apostólico a bênção papal e as palavras de estima das rainhas D. Maria Pia e D. Amélia. Ao pároco da freguesia de Godim, Alberto Teixeira de Carvalho, “que ela muito estimava”, ficou reservado ministrar-lhe os últimos sacramentos. Em 26 de março de 1896, com 84 anos, Antónia Adelaide Ferreira, faleceu na Quinta de Santa Joana das Nogueiras, sua residência habitual, no con-celho da Régua. A sua morte foi noticiada por vários periódicos locais e regionais que lamentavam o desaparecimento da “mãe dos pobres”, designação pela qual era conhecida entre os moradores da região do Douro2.O cortejo que a acompanhou, desde a Quinta das Nogueiras até ao Cemitério da Régua foi, não só uma manifestação de pesar coletivo, mas também de “imponência”, contrariando as disposições testamentárias que a defunta tinha manifestado: «O meu enterro será feito sem pompa nem ostentação, com toda a modéstia»3. Ao coche fúnebre, puxado por cavalos, seguiram-se os carros das personalidades mais destacadas do Douro. Atrás, e a pé, juntaram-se ao préstito, ao longo de quase 4 km, milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças. A homenagem foi em tudo semelhante às que habitualmente se prestavam “aos grandes da terra”, e a comparência na missa de corpo presente de 95 padres transformou aquele último adeus a D. Antónia, numa cerimónia a um tempo tocante, grandiosa e memorável.Por sua vontade expressa ficou a repousar no jazigo da família, que ela própria mandara construir em 1849, no Peso da Régua. Terminava assim a vida singular de Antónia Adelaide Ferreira ao fim de quase um século de existência.A sua longevidade permitiu-lhe assistir às grandes transformações políticas, sociais e económicas que o país e o Douro atravessaram durante o século XIX, tendo ela personificado muitas dessas mudanças.Nascida em 1811, na Quinta de Travassos, freguesia do Loureiro4, Antónia Adelaide Ferreira era a filha única de José Bernardo Ferreira e de Mar-garida Rosa Ferreira.À data do seu nascimento, e desde 1808, as invasões francesas e o estabelecimento da Corte no Brasil tinham deixado o país e as populações expostos à miséria e à desorganização do aparelho produtivo.Na Régua de então verificaram-se sérios confrontos, entre as forças populares e exércitos franceses e, pouco tempo depois, a resistência ao invasor transformou-se em violenta conflitualidade social.Paralelamente, às revoltas rurais típicas de uma sociedade de Antigo Regime, assistiu-se à contestação do Tratado de Comércio e Amizade com In-glaterra de 1810, que abrira os portos do Brasil aos ingleses, agravando ainda mais a situação económica da região, nomeadamente o setor comercial vocacionado para a exportação dos vinhos do Douro. Porém, e paradoxalmente, a entrada dos franceses em Portugal, posteriormente seguida da debandada de muitos dos ingleses fixados no negócio do vinho do Porto, acabaria por beneficiar alguns empresários e lavradores portugueses que, tal como os Ferreira, permaneceram no Douro.A história da família Ferreira, a sua luta pela afirmação no negócio dos vinhos, a defesa intransigente dos valores de uma burguesia empreendedora e independente do Estado, a modernidade pela qual se bateu, confunde-se, até certo ponto, com a história do próprio Douro. Mas, como tantas outras histórias, seria apenas mais uma, se D. Antónia, a “Ferreirinha” como era conhecida, não tivesse protagonizado uma das mais singulares histórias de vida.

Proprietária, gestora das suas quintas, manteve-se sempre atenta a todas as iniciativas económicas que pudessem sustentar a empresa. No Douro e no Portugal Liberal a importância da sua atuação foi fundamental para a internacionalização do comércio dos vinhos da região. Duzentos anos depois do seu nascimento, Dona Antónia Adelaide Ferreira, uma vida singular, pretende realçar um percurso de vida que, no século XIX, rompeu com o mito do “eterno feminino”, frágil e dependente do sexo oposto, transformando-se ela própria no mito do Douro, força propulsora do crescimento económico de uma região. D. Antónia, como mulher, viveu de uma forma diferente das mulheres do seu tempo. A sua vida pautou-se pelo desejo de ser e esforço de existir, como ser humano, como filha, como mulher, como mãe e como empresária, inscrevendo-se a sua atuação mais no campo da prática económica, do que na luta política ou cultural, singularizando-se deste modo face às suas contemporâneas.

Os Ferreiras da Régua - A afirmação de uma família de negociantes de vinhos no Final do Antigo RegimeOs Ferreira têm origem no lugar da Torre, freguesia do Loureiro, onde José Ferreira se teria iniciado no comércio dos vinhos por volta de 17515, dando origem a uma das Casas mais promissoras do Douro. Nas adegas de Covinhas em Godim, da qual era proprietário, ou no Romezal, José Ferreira registava em anos diferentes - 1770 e 1797 - a posse de tonéis de vinho. Do casamento com Maria Guedes (1741) nasceria o seu filho Bernardo Ferreira (1747-1808), avô paterno de D. Antónia.Durante os primeiros anos de vida de Bernardo Ferreira a conjuntura económica do reino melhorou, tendo contribuído para isso a determinação do marquês de Pombal ao fundar a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 1756, com o objetivo de recuperar “a reputação dos vinhos do Douro, a cultura das vinhas e beneficiar o comercio do vinho”.

Marquês de Pombal. Coleção Palácio Nacional de Mafra. Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 5)Marquis of Pombal. National Palace of Mafra collection. Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 5)

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Assim, à época da infância de Bernardo Ferreira, entre 1757 e 1761, formalizavam-se as demarcações pombalinas. Ora, o sistema arquitetado por Pombal, atribuiu pela primeira vez à Régua um papel central na produção e regulação do comércio dos vinhos finos, ao mesmo tempo que fomentou a identificação dos moradores com um conceito de “região” cuja denominação ultrapassava a ideia simples de espaço, para implicar a de qualidade de um produto de origem controlada6.É pois natural que passados anos, e já em 1779, quando Bernardo Ferreira procurou Ana Josefa da Fonseca para se casar, o inte-resse pelo Douro tivesse aumentado, dando lugar a frequentes publicações de estudos sobre a vinha e a agricultura entre as quais se destacam a Descripção da Provincia de Tras-os-Montes, suas Comarcas e População, feita no ano de 17967, ou as Memorias economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da industria em Portugal, e suas conquistas8.Entretanto, em 1782, no ano em que falecia o marquês de Pombal, a mulher de Bernardo Ferreira deu à luz um dos seus onze filhos, José Bernardo Ferreira, que viria a ser o pai de D. Antónia. Cinco anos depois, em 1787, nasceria o seu irmão, António Bernardo Ferreira, um dos tios de D. Antónia que mais prestígio alcan-çou, quer pela sua atividade política, quer pela profissional. Na altura do seu nascimento, fruto de uma intensa ação diplomática para diversificar mercados, Portugal assinou o Tratado de Amizade, Navegação e Comércio com Rússia, cujo artigo 6º consagrava vantagens para o comércio dos vinhos portugueses no Império dos czares.Assim, os irmãos Ferreira viveram, nos primeiros anos da sua vida, a pujança comercial do Douro, embora as futuras circunstâncias políticas da Europa, provocadas pelo expansionismo napoleónico, viessem a travar o desabrochar da região duriense. De facto, como atrás se referiu, as invasões francesas foram as grandes responsáveis pelos anos de insegurança, da contração do comércio dos vinhos e da agitação e conflitualidade no Douro9 que, no caso dos Ferreira, teve um desfecho particularmente funesto, já que Bernardo Ferreira, em 1808, durante a primeira invasão, acabou fuzilado, às mãos do exército comandado por Loi-son10, o famoso maneta, que em resposta à rebelião popular praticou “represálias maciças sobre a população civil” implicada ou não na resistência às forças ocupantes.À data da execução do pai, os irmãos José Bernardo e António Bernardo contavam 25 e 21 anos, respetivamente, sendo obrigados a assumir de imediato as rédeas do negócio herdado do progenitor, procurando expandir a firma que o avô fizera nascer e que o pai conseguira conservar e prosperar apesar das dificuldades que enfrentou.

José Bernardo Ferreira, bom senso e espírito conservadorUm ano depois do falecimento do pai, José Bernardo Ferreira procurou na aliança matrimonial com Margarida Rosa Gil (1809), a união que lhe permitiria fortalecer a sua posição como negociante de vinhos. O pai de Margarida, e futuro sogro, Pedro Gil Gargamalla tinha-se estabelecido na Régua em 1783, onde casou com Teresa de Jesus. A sua origem galega viria a ser motivo de alguns comentários depreciativos: «Haverá cincoenta annos que desceu do norte para o ubérrimo torrão do Douro um laborioso carreteiro de S. Thiago de Compostella, que havia nome Pedro Gil»11. Porém, Pedro Gil manteve desde cedo ligações comerciais com a Sandeman e tornou-se arrendatário de adegas no Baixo e Cima Corgo precisa-mente quando José Bernardo se casou com a sua filha.Nos primeiros anos de vida conjugal o jovem casal assistiu aos inconvenientes da ocupação do reino pelos franceses, seguida da tutela política e militar inglesa, bem como à abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional (1808) e à assinatura do Tratado Comercial com Inglaterra em 1810. Assim, quando em 1811 nasceu Antónia Adelaide Ferreira, filha única do casal, vivia-se em Portugal uma conjuntura complexa, pois por um lado a derrota dos franceses não dera lugar ao regresso da Corte do Brasil e por outro a economia do reino apresentava características bastante diferentes daquelas que durante séculos a moldaram, por ter cessado o exclusivo colonial.O nascimento da filha de José Bernardo pode ter determinado a compra em 1812 da Quinta Amarela, em Travassos, local onde o casal fixou residência de família.Entretanto a paz da Europa, acordada em 1815 no Congresso de Viena, não contribuiu para alterar a situação ruinosa do reino, nem da economia duriense, embora tivessem começado a sentir-se algumas melhorias, quer com o renascer da Feitoria Inglesa no Porto, quer com o tímido ressurgir do comércio exportador. Porém, a par desta intensificação da atividade comercial, os protestos contra a entrada de vinhos no Brasil embarcados fora dos portos da metrópole mantinham-se, bem como o clamor contra a elevação do Brasil a Reino, em 1815.As difíceis condições vividas no Douro foram expressas em 1813, na petição contra a liberalização do comércio dos Vinhos do Douro e contra o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A petição alegava ser «hum facto indubitável. […] que desde o tempo em que os principaes Commerciantes Inglezes forão expulsos do Porto pelo inimigo, e impedidos pelo mo-nopolio de exercitarem livremente o seu commercio, tem, crescido consideravelmente o preço do vinho em Portugal»12. Segundo os autores este facto levava-os a questionar a aplicação do Artigo 25 do Tratado, por considerarem não ter «relação alguma com a Instituição, e privilegios da Real Companhia dos Vinhos; e igualmente, que todos os privilegios da Companhia, e as restricções que

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seus Regulamentos impõem ao Commercio, produzem vantagens solidas, e permanentes para a renda, e commercio de ambas as Nações, e são absolutamente necessarias para a existencia, e conservação do Commercio do Vinho do Porto»13.A petição clarificava ainda a mudança que se operara no comércio dos vinhos, primeiro com as invasões e depois com o fim das cam-panhas Napoleónicas na Europa, fazendo notar que esses anos tinham sido marcados pela descida dos preços, devido à dificuldade do seu escoamento para os mercados externos. Ora, as dificuldades expostas na Petição foram em parte ultrapassadas pelos Ferreira da Régua, quando em 1816 José Bernardo se associou com José Alves do Souto, ficando a seu cargo a compra dos vinhos no Douro, tendo sido o sócio encarregado das tarefas relacionadas com o escritório do Porto e os armazéns de Gaia. O sucesso da firma Souto & Ferreira traduziu-se na cifra de exportação de 600 pipas de vinho só no ano de 182114. Paralelamente, José Bernardo Ferreira, deu início a uma outra sociedade com o sogro, tendo fundado a Sociedade Pedro Gil & Ferreira - em 1819 - para negociar diretamente com George Sandeman, um dos poucos ingleses que regressara a Portugal logo em 1814, a fim de se estabelecer no negócio da exportação de vinhos como independente, mantendo todavia acordos pontuais com a Offley. Uma vez sócio do sogro, em 1825, José Bernardo através da Pedro Gil & Ferreira exportou cerca de 1000 pipas de vinho, cujo destino foram as cidades de Londres, Hamburgo e o Brasil. Os lucros obtidos foram canalizados para diversos investimentos entre os quais se destacam a aquisição de vinhas, de adegas ou de vinhos de diferentes lavradores, o arrendamento de armazéns como o da Cruz em Gaia e de outros necessários para o negócio e, seguidamente, o investimento na aquisição de rendas das igrejas e do convento de S. Pedro das Águias (1826). A sociedade com o sogro obrigou José Bernardo Ferreira a permanecer no Porto e em Gaia a fim de administrar os escritórios e os armazéns da firma mas, segundo testemunhos do próprio, as estadias destinavam-se também a evitar os investimentos de risco que o sogro gostava de fazer.A permanência na cidade explica a correspondência mais assídua com a filha, Antónia Adelaide, nos anos de 1829 e de 1830, estreitando-se assim a relação de proximidade afetiva e de interesses entre os dois. A troca epistolar de Antónia Adelaide com o progenitor15 era muito espontânea, mencionava-lhe as novidades da terra, as notícias do progresso dos trabalhos agrícolas, das obras em casa ou, simplesmente, fazia encomendas de pequenas coisas para o dia-a-dia.

Loison-Malmaison (Cat. 15)Loison-Malmaison (Cat. 15)

Conta entre ABF I e Pedro Gil com Köpcke & Cª, 18 julho 1818. Coleção Ruy de Brito e Cunha (Cat. 13)Account between ABF I and Pedro Gil with Köpcke & Co., 18th July 1818. Ruy de Brito e Cunha collection (Cat. 13)

DONA ANTÓNIA UMA VIDA SINGULAR 15

Em 1832 José Bernardo Ferreira adquiriu a Quinta da Ortigueira, enquanto o irmão comprou a Quinta do Rodo (1834). Na altura, a ligação empresarial com o irmão, António Bernardo, foi uma estratégia fundamental, pois permitiu-lhe delegar os negócios no Porto, enquanto permanecia junto da família no Douro.Homem austero e conservador, não se conhece ao pai de D. Antónia qualquer participação política durante os anos em que o país assistiu às profundas mudanças impostas pela Revolução Liberal de 1820, ou nos anos seguintes, durante as confrontações entre vintistas e cartistas (1820-1826), nem mesmo, quando entre 1830 e 1832 o Porto e a Régua foram palco de violentas lutas políticas entre miguelistas e liberais e epicentro de uma Guerra Civil que assolou todo o reino. De facto, José Bernardo, ao contrário do irmão, manteve-se constantemente afastado da ação política. Todavia, enquanto empresário, aproveitou o cerco do Porto para vender os stocks de vinho que detinha em Gaia a George Sandeman e, tal como o irmão, investiu os lucros na compra de vinho duriense que depois exportou pela barra da Figueira da Foz.A equidistância que manteve face ao poder só parece ter sido quebrada uma única vez, talvez mais por interesses económicos, do que por razões políticas. Com efeito, segundo um relato da época, uma vez derrotadas as forças miguelistas e declarada a liberalização do comércio e portanto o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, José Bernardo mostrou o seu desagrado ao participar em grandes festejos em honra de D. Miguel de Bragança. O cortejo parece ter sido organizado pela Junta da Administração da Companhia que se tinha retirado para a Régua durante o cerco do Porto, por determinação do conde de Basto. A descrição dos acontecimentos permite-nos assim conhecer não só as tensões políticas na Régua quando da implantação do regime liberal, mas também a participação e a influência que José Bernardo detinha na sua terra natal, em 1834, precisamente no ano em que o matrimónio da filha, Antónia Adelaide, se realizou.

José Bernardo Ferreira. Coleção AHCF / Sogrape. Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 19)José Bernardo Ferreira. AHCF / Sogrape collection. Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 19)

D. Miguel. Coleção particular. Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 20)D. Miguel. Private collection. Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 20)

16 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

“[…]. Em reunião magna no Joaquim da Botica (como então designavam uma farmácia pertencente a Joaquim Fer-reira, estabelecida à rua Nova, em frente da casa da Companhia), Joaquim Jovita Máximo Gomes, José Luiz Neves, Joaquim Monteiro Maia, Joaquim Amorim, José Jacinto, João Botelho de Sequeira, Bernardo Ferreira e alguns que depois foram vereadores municipais e empregados da Companhia, projectaram comemorar a aclamação de D. Miguel, com um préstito e outras demonstrações de regozijo, cuja imponência reboasse longe e atravessasse os séculos. Realizando os festejos, o préstito, muito numeroso e luzidio, seguia rua Nova abaixo, muito paulatinamente; porque estava colocado em uma das janelas da casa da Companhia o retrato do seu monarca, sob a qual alguns indivíduos, representando alegorias, tinham de discursar e recitar poesias expressamente escritas para esse fim por Joaquim Máximo Gomes, António de Macedo […].Nesta situação João Nanqueiro, que contemplava todas estas cenas, muito repimpado na varanda da sua casa, quási de-fronte do retábulo do rei, começou a despejar sobre eles, com tal frenesim, um cesto vindimo de pedras de antemão preparado, que num momento Rei, Vassalos, Restauração, Vitória e mais figuras desataram a fugir, estabelecendo-se uma confusão medonha. Joaquim Macedo e outros correram imediatamente a arrombar a porta da casa do agressor, mas este evadindo--se pelas traseiras e seguindo pela quinta de Gaspar Teixeira, desapareceu de sorte que ninguém mais viu. Só mais tarde houve conhecimento de ele se encontrar no Rio de Janeiro.[…]Tudo isto dera péssimo resultado para os empregados da Companhia, muitos dos quais foram demitidos. José Bernardo Ferreira (Ferreirinha) tivera de empregá-los no comércio da sua casa, que já nesse tempo era importantíssimo […]”.

SOARES, Afonso — História da Vila e Concelho de Peso da Régua. Régua: Imprensa do Douro, 1936, p. 106-108.

Antónia Adelaide, a educação da “boa doméstica”Passadas as vindimas, em outubro de 1834, aos 23 anos, Antónia Adelaide, desposou o primo direito António Bernardo, de 22 anos (ABFII), filho de António Bernardo (ABFI) e Josefa Gertrudes e, tal como ela filho único.A proximidade entre as famílias determinou este enlace dos primos. Todavia, parece legítimo encarar esta união também como uma estratégia social e regional de fortalecimento económico dos Ferreira da Régua. Estes, à semelhança do que acontecia com o anti-go morgadio, recorreram à endogamia, característica das elites aristocráticas, como forma de concentrarem a riqueza e reforçarem o negócio do vinho do Porto em que estavam envolvidos.Antónia Adelaide e António Bernardo conheciam-se e estimavam-se desde sempre e possivelmente não lhes foi penoso acei-tarem o que as respetivas famílias tinham “concertado” para eles: “Éramos muito amigos”, teria confidenciado anos mais tarde D. Antónia16.Mas, as diferenças de caráter e de educação dos cônjuges eram evidentes.Antónia Adelaide crescera e fora educada na Régua, na Quinta de Travassos. Gostava da vida no campo, dos trabalhos agrícolas e interessava-se pelo negócio do pai ao qual escrevia a pedir conselhos: «se me pedir (José Vitorino) mais alguma coisa mande nos dizer sequer q’se lhe empreste ou não para a semana que bem se forma tenção de sir [sic] fazer a madeira o Pinhal, e cortar se o pedasso que deixou detreminado mas cavalo agora, dis minha May, que hade ser mto costoso, […] q’irá portanto se lhe parecer será milhor cavarse no Feb.º que faz mais antão hum Home q’agora três pois quá enda não choveo este brão […] Sua filha, que muito o estima e a vida lhe deseja. AAFPS. Remeto este escrito que he do Mestre Inácio, fará o favor de me fazer recomendar a meu Tio, Qta 13 de Agosto de 1830.»17.Antónia Adelaide Ferreira tal como muitas mulheres da sua geração e, na província mais acentuadamente, gozou de uma instrução rudimentar. Não havendo registos da frequência de colégios depreende-se que a sua educação teria ficado a cargo do ensino doméstico. A jovem Antónia Adelaide é pois um bom exemplo do que se entendeu por um ensino para o cumprimento dos futuros deveres de esposa, de mãe e de dona de casa e, embora José Bernardo tivesse pela filha enorme afeto, mimando-a sempre que podia, a sua educação foi mais ditada pelas regras da mãe, do que por instrução escolar, como relata um documento anónimo que ficou nas mãos da família. Antónia Adelaide aprendeu a talhar e a consertar os vestidos, a passar a ferro e a fiar, a fazer renda e a cozinhar, a confecionar marmelada e compotas. Enfim, longe da escola, aprendeu a governar o lar e a tirar dessa tarefa a sua justificação social.

DONA ANTÓNIA UMA VIDA SINGULAR 17

Ao pai, muitas vezes ausente, a filha dedicou profunda admiração, tendo sido com ele que dialogou e se identificou e teria sido também nele que sempre confiou. Pelo contrário, com a mãe manteve, desde criança, uma relação mais difícil e essa conflitualidade verificou-se mais tarde em idade adulta, na qualidade de esposa, de mãe, mesmo depois de viúva e de novo como mulher casada.Para Antónia Adelaide que desde criança, e até ao seu casamento, se habituara a ver a casa e a Quinta de Travassos como o seu mundo, um mundo limitado, mas onde podia circular livremente, a vida ir-se-ia modificar profundamente.O seu quotidiano até aí preenchido por visitas à igreja aos domingos, conversas ao serão, leituras ou jogos de cartas com parentes e vizinhos, mas também por caminhadas a fim de contactar, quer trabalhadores rurais, quer empregados dos escritórios, ou mesmo serviçais, esse dia-a-dia estava a terminar.O ano de 1834, ano do casamento com o primo António Bernardo (ABFII), seu primeiro ma-rido, deu início a novas vivências que poriam termo à sua vida despreocupada de juventude.

António Bernardo I e a ascensão da burguesia liberalO marido de D. Antónia era, como já referimos o filho de António Bernardo I e de Josefa Gertrudes Silva Pereira. O avô materno, José Henriques da Silva Pereira, fora um respeitado lavrador e comissário da Offley na Régua, cuja experiência teria sido ajuda preciosa para o genro, quando este iniciou a sua atividade empresarial.As primeiras referências a António Bernardo I, como comerciante de vinhos, datam de 1809. Em 1812, por altura do nascimento do único filho, António Bernardo II, sediou-se no Porto num prédio da rua dos Ingleses, no Porto, local da cidade escolhido para se fixarem as ca-sas comerciais mais bem-sucedidas e imortalizada numa fantástica aguarela da autoria de Joseph James Forrester18.No prédio adquirido por António Bernardo I a disposição dos andares correspondia à vulgar hierarquia social das cidades do início do século XIX, quando a coabitação entre vários es-tratos sociais ainda era possível. Assim, o escritório dos Ferreira situava-se no rés-do-chão, havendo também uma cave e um armazém. O 1º andar e o 2º abrigavam as residências reservadas a António Bernardo e ao irmão, José Bernardo, o pai de D. Antónia, quando este se deslocava à cidade. O 3º andar e o 4º destinavam-se ao administrador e demais serviçais dos irmãos e da firma. A partir de 1816 António Bernardo I deu início à experiência inédita de exportar os seus vinhos diretamente para Londres. O comissário escolhido foi o autor da obra «A Biblia da natureza, ou a Religião Catholica demonstrada pela Natureza e Razão», Joaquim Máximo Virginiano Gomes. Porém, a pouca eficácia do agente iria pôr fim à iniciativa pouco tempo

GOMES, Joaquim Máximo Virginiano — A biblia da natureza ou a Religião Catholica demonstrada pela Natureza e Razão. 2ª edição. Porto: Casa de Cruz Coutinho, 1864. (Cat. 28)GOMES, Joaquim Máximo Virginiano — The bible of nature or the Catholic Religion demonstrated by Nature and Reason. 2nd edition. Porto: Casa de Cruz Coutinho, 1864. (Cat. 28)

““Naquela quinta, e sob o cuidado de sua Mãe, passou toda a infância, não no meio de carinhos, pois a Mãe, Senhora de temperamento um tanto ríspido, de grande força de vontade, muito económica, e muito temente a Deus, - embora a tivesse no coração e procurasse que nada lhe faltasse, entendia que não devia dar-lhos”. […] Antónia “Ajudava a lavar a roupa, punha e levantava a mesa e mais serviços. […] do que mais gostava era de lavar: - então cantava, corria à volta do tanque, ria com as creadas, que salpicava de água… mas quando a Mãe aparecia paravam as brincadeiras. Por vezes seu chorado Pae disia: Não obrigues a pequena a varrer! Tens ahi creadas! Não vês que a desgostas, que está a chorar;Tem paciencia; Varrer não mata ninguem! […] É preciso habitua-la a tudo, pois não sabemos ao que será chegada. Para mandar bem, se de futuro puder mandar, precisa de saber fazer; se não puder mandar fica habilitada para ganhar a vida”.

Anónimo, s/ d., p.1-2 (datilografado). Coleção Ruy de Brito e Cunha.

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depois. O desaire negocial não faria terminar a relação de confiança entre os dois homens, pois em 1829, quando o filho foi estudar para Londres, António Bernardo I voltaria a recorrer aos serviços de Máximo Virginiano Gomes, incumbindo-o de orientar o jovem António Bernardo II, quer nos estudos, quer na atividade comercial.A tentativa fracassada da exportação direta dos vinhos não desanimou António Bernardo I que se manteve firme no propósito de consolidar a sua posição no Douro. A partir de então investiu muito dos lucros obtidos na venda dos vinhos na aquisição de propriedades como a Quinta do Valado (1818) e, após a revolução liberal de 1820, tornou-se proprietário das quintas de Vilar Maior e das Figueiras (Vesúvio em 1830). Foi nessas propriedades que introduziu inovações curiosas e muito polémicas para a época, sendo de destacar o engenho de moagem que vizinhos e trabalhadores acabariam por sabotar em ações semelhantes ao luddismo inglês.Teria sido também essa visão arrojada de inovação e investimentos que o levou a transformar a “Quinta das Figueiras” numa pro-priedade a um tempo magnífica e dispendiosa. Para António Bernardo I o objetivo não era de curto prazo. Pretendia obter do poder político saído da Revolução, o direito de pro-duzir vinhos fora da região demarcada e para isso necessitava demonstrar, através da produção no Vesúvio, a bondade da inclusão do Douro Superior na demarcação.Seria Joseph James Forrester, amigo de sua nora D. Antónia que, quase quarenta anos depois, durante a crise do Douro definiria o Vesúvio como “quinta das quintas – uma das maravilhas do mundo” e acrescentaria que lá ombreavam, lado a lado, engenho e natureza, defendendo por essa razão, tal como havia feito António Bernardo I, muitos anos antes, a mesma proposta para a região: «Em nome da rasão, e porque não hade o governo actual ter coragem, sem a mais pequena demora, e neste momento crítico em que os habitantes do Douro se acham ameaçados com a ruína total das suas vinhas, e o paiz com a perca da jóia mais brilhante da sua coroa, para decretar que haja plena liberdade para cultivar livremente em toda a parte, para que o vinho possa ser embarcado sem mais alcavalas, provas e pêas, que por um século tem arrazado o paiz, maneatado os lavradores, fazendo até criminosa toda e qualquer innovação que se encaminhe a progresso?»19.Destas ideias expressas por Joseph James Forrester, António Bernardo I tinha sido o precursor pois defendera, antecipadamente, o alargamento da demarcação.

Vista da Quinta do Vesúvio. Coleção Symington Family Estates. Fotografia MD – João Paulo Sotto Mayor. (Cat. 17)View of Quinta do Vesúvio. Symington Family Estates collection. Photograph MD – João Paulo Sotto Mayor (Cat.17)

António Bernardo Ferreira. Foro de Fidalgo Cavaleiro. PT-TT-RGM-F-144691. Imagem cedida pelo ANTT (Cat. 36)António Bernardo Ferreira. Foro de Fidalgo Cavaleiro. PT-TT-RGM-F-144691. Courtesy of ANTT (Cat. 36)

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Negociante e lavrador audacioso, ao contrário do irmão, António Bernardo I manteve algum protagonismo na nova ordem política e social saída da revolução. Enquanto defensor da ação da Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, participou ativamente nas Representações elaboradas pelos lavradores às Cortes Gerais e Extraordinárias. A legislação saída das Cortes Vintistas (21.5.1822) acabaria por lhe dar razão, mantendo o papel da Companhia nos arrolamentos, na fiscalização das adegas e na organização da feira dos vinhos na Régua, diminuindo os privilégios precisamente nos «aspectos que mais favoreciam os lavradores»20. Foi José Ferreira Borges, antigo Secretário da Junta da Companhia21 em 1818 e mais tarde advogado no Porto especializado em direito comercial que, como deputado às Cortes Vintistas, defendeu muitas das ideias do seu amigo e cliente António Bernardo I, ideias que aliás também perfilhava.Passados dois meses sobre a aprovação da legislação nas Cortes António Bernardo I foi agraciado com a mercê de Hábito de Cristo, seguida do título de Fidalgo da Casa Real22, promoção que também se estendeu ao filho, António Bernardo II, que em 1824 desfrutou das mesmas mercês23, consagrando-se assim o percurso ascensional deste ramo da família Ferreira no Portugal Liberal.Por essa altura, António Bernardo I foi também um dos subscritores dos socorros aos emigrados no Brasil, sendo a sua contribui-ção uma das mais altas (300$000 réis), suplantada apenas pela de António Esteves Costa24 (1000$000 réis) e muito superior à de Luís Teixeira de Sampaio25 (10$000 réis). Mantendo-se ativo durante o Cartismo, em 1828, António Bernardo I – quando D. Miguel se fez aclamar rei absoluto, desencadean-do uma violenta repressão interna que culminaria na guerra civil de 1832-1834 – antecipou-se à guerra e às suas consequências. Em conjunto com o irmão vendeu à Sandeman todo o vinho que possuíam e colocou a salvo os armazéns que detinham em Gaia cedendo-os à firma inglesa.Assim, quando a Junta da Administração da Companhia recebeu ordens de D. Miguel (5.8.1833) para inutilizar 14.000 pipas de vinho26 ou vender os vinhos a Tomás Sandeman, já os irmãos Ferreira o tinham feito.As precauções dos Ferreira colocaram-nos a salvo do incêndio ateado em Gaia no dia 15 de agosto junto dos armazéns de Francisco Alves de Oliveira Araújo27 e que se propagou rapidamente aos armazéns limítrofes, perante a complacência das tropas miguelistas, que apenas protegeram os armazéns dos comerciantes ingleses.

José Ferreira Borges. Coleção Biblioteca Nacional de Portugal (630467) (Cat. 29)José Ferreira Borges.National Library of Portugal collection (630467) (Cat. 29)

Alegoria a António Bernardo Ferreira. Coleção AHCF / Sogrape. Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 18)Allegory to António Bernardo Ferreira. AHCF / Sogrape collection. Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 18)

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Na Crónica dos Açores, folha oficial da regência de D. Pedro, sediada em Angra do Heroísmo, podemos rever o drama que se abateu sobre os proprietários de vinhos em Gaia:«Parecia que a perversidade havia esgotado todos os recursos; mas o génio do mal soube ainda inventar outro attentado, que he também sem exemplo na Historia dos mais abomináveis verdugos do género humano.Em Villa Nova de Gaia, na tarde de dezasseis de Agosto de mil oitocentos trinta e três, os servidores da Usurpação Nacionaes, e Estrangeiros, tendo minado Armazéns cheios de Vinhos da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro os fizerão voar com terrível explosão de pólvora, e bombas, cujo estrago foi horroroso: – antigos e preciosos Vinhos, e Agoasardentes, a base inestimavel do principal ramo d’Agricultura, e Comercio Portuguez – o património de muitas famílias – e o mais importante fundo da riqueza Nacional – tudo desapareceu a hum aceno dos tyrannos. – Saiba o Mundo civilisado esta vertiginosa barbaridade, para que instruído da força de nossos singulares motivos, reconheça os sólidos fundamentos com que V. M. I. procede»28.A derrota das forças miguelistas e a Convenção de Évora-Monte (1834) consolidaram definitivamente o liberalismo português apoiado pela Quádrupla Aliança.Por esta altura o país e a cidade do Porto começaram a viver dias mais tranquilos. Foi então que o poder de António Bernardo I se reforçou tornando-se um dos grandes fornecedores de empresas como a Butler. Cuidadoso, apesar de não investir capitais nas firmas inglesas, o empresário duriense concedia-lhes vinho a crédito sempre que os exportadores o solicitavam. Esta constante atividade comercial foi bem sucedida permitindo-lhe em 1835, quando faleceu, legar ao filho António Bernardo II, uma considerável fortuna, mas também um estilo de vida e um título de que se poderia orgulhar.

António Bernardo II, um espírito cosmopolitaAntónio Bernardo II, ao contrário da prima, Antónia beneficiou de uma educação liberal. O pai transmitiu-lhe todos os valores da nova ordem económica, política e social existente em Portugal: fortuna, ensino e os títulos nobiliárquicos.Em criança foi educado por precetores e aos 12 anos ingressou no Colégio de José Rodrigues, no Porto, altura em que, como referimos, lhe foi concedido o título de Fidalgo Cavaleiro, bem como a mercê de Hábito da Ordem de Cristo29. Com 16 anos frequentava o Colégio dos Órfãos, no Porto, tendo a seu pedido viajado para Londres em 1829 a fim de aperfeiçoar a sua instrução, precisamente na altura em que Almeida Garrett acabara de publicar a sua obra sobre educação na ordem liberal30.O jovem Ferreira, uma vez instalado numa das mais cosmopolitas cidades da Europa, foi educado por um Mestre, escolhido por Joaquim Máximo Virginiano Gomes31, opção menos onerosa que a frequência de um colégio interno inglês. As informações que à

Edifício da Reitoria da Universidade do Porto, local do primitivo Colégio dos Órfãos. Fotografia João Paulo Sotto Mayor (Cat. 34)Rectory Building of Porto University, formerly the Orphans’ College. Photograph João Paulo Sotto Mayor (Cat. 34)

António Bernardo Ferreira. Coleção Quinta das Nogueiras. Fotografia João Paulo Sotto Mayor (Cat. 38)António Bernardo Ferreira. Quinta das Nogueiras collection. Photograph João Paulo Sotto Mayor (Cat. 38)

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época Virginiano Gomes enviou sobre o jovem Ferreira, revelam o pouco interesse que ele tinha pelo estudo, mas atribuíam-lhe já um gosto invulgar pela política, atitude que não o abandonaria mais ao longo da vida.Quando em 1832, António Bernardo II voltou a Portugal, em plena guerra civil, o seu regresso apareceu envolto num certo mistério, por constar ter-se envolvido na cidade londrina numa vida demasiado boémia que desagradara ao pai. Seria este jovem rico, culto, viajado, boémio e bem-parecido, que a prima Antónia Adelaide iria desposar.

O casamento esperado e a consolidação do património dos FerreiraFindas as vindimas, decorria ainda o ano de 1834, quando alguns dos habitantes da Régua do círculo de amizades dos Ferreira assistiram na capela de Travassos, na quinta do pai da noiva, ao casamento entre o jovem António Bernardo II e Antónia Adelaide, um ano mais velha.António Bernardo II habituado à vida urbana e futuro herdeiro de uma fortuna considerável tinha uma vida desafogada. Tendo optado então por residir no Porto, na Casa de Vilar devidamente apetrechada para receber o jovem casal, aí mandou construir um teatro «onde conviveram intelectuais e jovens das famílias mais prestigiadas da cidade.».Um ano mais tarde, em 1835, nasceu o primeiro filho do casal António Bernardo III. Por essa altura, os periódicos da época noticia-vam os bailes onde pontuavam como anfitriões, António Bernardo II e Antónia Adelaide32. Outros relatos referem a «residência do opulento capitalista António Bernardo Ferreira […]» como palco de recepções e «principescas festas». A mais emblemática destas festas terá sido a representação de uma tragédia em cinco atos de Casimiro Delavigne, intitulada Luis XI, cujo programa impresso para o evento nos permite conhecer os participantes. Para além do próprio António Bernardo II entre os atores destacavam-se os seus amigos José Gomes Monteiro, proprietário da livraria Moré33, Alexandre Monteiro, secretário da Alfândega34, o médico José Pereira Reis, Carlos Kendall35, José Maria da Silva Sousa Lobo36, ajudante do procurador Régio, Manoel António Malheiro, cujo irmão era o chefe de contabilidade do Banco União, Henrique d’Oliveira Maia cunhado de Bernardo Leitão37, António Filipe e Souza Cambiasso, juiz de arrematações e membro da administração do Depósito Público, Francisco Ribeiro Vieira de Castro, Manoel Theotonio Vieira de Castro38, oficial do Governo Civil do Porto, Albano Anthero da Silveira Pinto39, José do Couto Guimarães, empresário do Teatro S. João, António do Couto Guimarães, escrivão da Fazenda, João Ferreira dos Santos Silva, barão de Santos, Joaquim Augusto Köpke, barão de Massarelos, Maria José Machado e as irmãs, filhas de um empregado do Contrato do Tabaco, Manuel Ferreira Borges, irmão de José Ferreira Borges, António Bernardo Brito e Cunha40, escrivão da Alfândega do Porto, António Ferreira Pinto Basto41, os irmãos Archer42, José Joaquim Costa Carvalho, irmão do barão de S. Lourenço, diretor da Alfândega do Porto, José Joaquim de Figueiredo, irmão do presidente do Banco Comercial do Porto, António Baldaque Carneiro43 e João Nogueira Gandra44, empresário tipógrafo.

Baile em VillarEste baile, sem duvida uma das funcções deste género que tem havido nesta cidade, teve logar em a noite de 26 do passado, em Villar, na bela casa do Illm.o Sr. António Bernardo Ferreira. O concurso foi immenso, excedendo a 500 pessoas de ambos os sexos, no maior asseio e riquesa. A casa se achava rica e sumptuosamente adereçada; e a ordem, a regularidade, e a delicadeza com que a Exm.a Snr.a D. Antonia Adelaide Ferreira recebeu os illustres convidados, penhorarão todos os corações. Acabado o chá que foi servido com magestosa profusão, foi a companhia convidada a entrar na sala do theatro, cuja vista surpreendeu: o theatro é bello, grande, e se achava ricamente ornado. Representou-se o Luiz II […].Acabada a peça, retirou-se a companhia para os salões, em quanto se preparava a sala do baile, que magicamente foi no mesmo theatro. Então o do Illm.o Sr. António Bernardo Ferreira appareceu aos seus hospedes, e tanto elle como sua estimável e digna Esposa rivalisárão em obsequios, convidando de novo […] a entrar no salão do Baile, que causou nova surpresa por seu maquinismo, luxo e galantaria. Começou-se a dança, que terminou às sete horas da manhã seguinte.Nada faltou para que a funcção fosse grande em luxo, riquesa, variedade, e bom desempenho, reinando em toda a noite a mais interessante harmonia entre os convidados, os quaes, notámos com prazer, erão de diversas côres politicas: alli estavão todas as notabilidades mais sobresalientes por seos cabedais e empregos: alli estavão todas as opiniões em decente familiari-dade. Muito bem andou o Sr. Ferreira na escolha do convite: oxalá que seu nobre exemplo tenha imitadores[…].

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Registo paroquial de casamento de D. Antónia e António Bernardo. Coleção Arquivo Distrital de Vila Real (PT/ADVRL/PRQ/PPRG04/001/058) (Cat. 38)Parish wedding register of D. Antónia and António Bernardo. Vila Real District Archive collection (PT/ADVRL/PRQ/PPRG04/001/058) (Cat. 38)

Este conjunto de nomes dá a conhecer a rede social de António Bernardo II durante o período da vigência do Setembrismo. Aparentemente privava com empresários e funcionários públicos do Porto, que emergiram com a nova ordem social e económica liberal. Alguns amigos, tal como ele, eram portadores de títulos, que todavia, não excediam o baronato. Do leque de atores apenas quatro eram do sexo feminino, raparigas solteiras e filhas de um empregado do Contrato do Tabaco. A sua mulher, D. Antónia e senhoras com mesmo estatuto familiar, social e económico estiveram ausentes da festa. As ligações a deputados ou a figuras mais ou menos relevantes do poder político só viriam a consolidar-se, anos mais tarde, durante a oposição ao Cabralismo.Mas quem era realmente António Bernardo II?A sua história é no mínimo tão cativante como a da sua mulher e prima D. Antónia, sendo no entanto muito menos admirada. Falecido aos 32 anos foi olhado pelos contemporâneos, e apresentado por certa historiografia, como um dissoluto, boémio, irres-ponsável e perdulário. A descrição de António Bernardo II foi sempre sombria e bem distinta da que foi transmitida sobre a sua mulher e prima, D. Antónia, que deixou viúva com 33 anos.Porém, como salienta Gaspar Martins Pereira, uma análise atenta da sua vida, na dupla perspetiva de empresário e de político defensor da causa liberal, rapidamente esclarece qual a importância do seu legado na construção do “império” que D. Antónia ergueu no Douro. De facto, ao falecer os bens de António Bernardo II foram avaliados em 650 contos e foi essa herança que permitiu a D. Antónia prosperar, quando ainda não dispunha dos bens que o seu pai lhe legaria pouco tempo depois. António Bernardo II foi sem dúvida uma figura controversa como demonstra um estudo comparado da sua intervenção política e da sua atividade empresarial.

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Ao viajar regularmente para Londres e Paris, em negócios, aos quais possivelmente aliava os prazeres mundanos, António Bernardo II diversificou os investimentos, colocando-se ao nível de atuação dos capitalistas de países europeus mais desenvolvidos. Assim se explica a compra de ações em múltiplos setores como a Warre Brothers, Banco Comercial do Porto, Banco de Lisboa, Companhia de Segurança, Sociedade de Pescarias Setubalense, Companhia de Artefactos de Seda, Algodão e Lã, Companhia de Seguros Bonança, Empresa Portuense de Navegação por Vapor, Companhia de Navegação do Tejo e Sado, Empresa do Vapor de Valença, Empresa da Estrada do Porto a Coimbra, Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Ao mesmo tempo adquiriu o navio Quinta do Vesúvio e as Casas de Vilar e da Trindade. Investiu nas instalações de novas máquinas de destilação e encanamento de águas na Quinta do Vesúvio, bem como num stock de 5000 pipas de vinho. Paralelamente fundou, com o então Ministro da Fazenda, Manuel Gonçalves de Miranda45 a Assembleia Portuense e foi acionista dos teatros S. João e Santa Catarina. A pintura que adquiriu estava a ser restaurada por Luis Tivinnanvi, quando a morte o surpreendeu em Paris.Sabe-se que possuiu uma biblioteca, mas o seu conteúdo é desconhecido, pois no inventário do leilão, feito após seu falecimento, não constavam os títulos, conforme a informação transmitida por José João de Azevedo à viúva D. Antónia. No mesmo documento também há referência sobre a venda de um bilhar, de carruagens, de objetos do teatro e de outros bens46.António Bernardo II era um comprador requintado e após o seu falecimento foram listados alguns bens que possuía: tapeçarias, mobiliário de estilo, espelhos, pratas, casquinhas, uma baixela em bronze dourado47, adornos de toilette masculina como botões de punho em ouro, os quais hoje ainda podemos admirar pela modernidade do seu desenho.Uma das mais surpreendentes aquisições de António Bernardo II foi a custódia e a píxide do Convento de São Bento de Ave-Maria48, joias que foram a hasta pública em 1840, em leilão realizado para angariar fundos de sobrevivência para as freiras do convento49. Numa atitude magnânime, após a compra dos objetos, António Bernardo II cedeu o usufruto destes ao convento mandando gravar «oferecido ao Mosteiro das religiosas Beneditinas na cidade do Porto, 7 de Novembro de 1840, ABF, Fidalgo da Casa Real». Com efeito as peças ficaram depositadas no Convento até falecer a última freira, em 1888, altura em que regressaram à família Ferreira, na pessoa de D. Antónia50.O percurso político de António Bernardo II passou pelo apoio ativo ao Setembrismo, do qual esperava a defesa do comércio do vinho do Douro e a reativação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.Em 1837 integrou a Cavalaria da Guarda Nacional com o posto de Tenente. Leitor atento da realidade nacional e internacional assinou vários jornais dos quais se destacam: Noticiador Comercial Portuense [1835.45]; Periódico dos Pobres no Porto [1834-1858]; O Recreio: Jornal das Famílias [Lisboa 1835-1842]; O Cosmopolita [Porto, 1843]; Ilustrated London News [1842]. Após a sua morte D. Antónia apressou-se a cancelar todas as assinaturas.Na oposição ao Cabralismo, em 1842, foi um dos proponentes do Manifesto da Coalisão51 da oposição que reunia setembristas, miguelistas e cartistas dissidentes. A participação no motim na Praça Nova, em 1843, valeu-lhe a ordem de prisão52 e uma fiança por crimes políticos, cujo montante importou em 1.400$00 réis. Amnistiado em abril do mesmo ano financiou a oposição entregando ao conde das Antas53 uma letra de 20 contos de réis que obteve, junto de sua mãe, Josefa Gertrudes, depois de ter contraído um empréstimo de 17 contos54.Entretanto teve nova ordem de prisão em fevereiro de 1844 mas, por estar gravemente doente, foi-lhe permitido ficar em prisão domiciliária. Em março de 1844 embarcou no navio «Liverpool» e abandonou o país a pretexto de procurar possível cura no estrangeiro para a doença que o minava55. De regresso ao Douro em junho do mesmo ano, fez-se acompanhar pelo filho, voltando a partir para Inglaterra um mês depois, em agosto, goradas as tentativas de rever a sua mulher e prima D. Antónia. Em novembro faleceu em Paris, na rua Lafitte, em casa do conde de Bonfim, amigo que o acompanhou até ao último momento.

Jazigo dos Ferreira em Peso da Régua. Fotografia João Paulo Sotto Mayor (Cat. 86)Ferreira Tomb at Peso da Régua. Photograph João Paulo Sotto Mayor (Cath. 86)

24 DONA ANTÓNIA A LIFE OF HER OWN

Em carta datada de 1844 e redigida em Lisboa, no Palácio Flor da Murta, D. Antónia agradeceu-lhe56:«[…] Tenho a honra de accusar a recepção de favor de V.Exª com data de 18 do mez passado, acompanhando huma copia autentica do Acto a que V.Exª na qualidade de Consul Geral de Portugal em França, por proceder, em consequência do falecimento do meu prezado Primo e Marido o Srº António Bernardo Ferreira.[…] cumprindo-me agradecer especialmente a cooperação de V.Exª para o funeral e mais suffragios que ahi fizeram celebrar e que são a melhor das consolações que eu tenho recebido na justa magoa que me oprime pela tão lamentável como prematura morte de meu amado Esposo[…] expressar o meu agradecimento ao Exmo Sr. Visconde da Carreira e conde do Bonfim.[…]»57.O corpo de António Bernardo Ferreira II em 1845 regressou ao Porto, ficando em depósito na Igreja de S. Francisco, até ser transladado para o jazigo dos Ferreira, no Cemitério da Régua, mandado construir para o efeito por D. Antónia.

Antónia Adelaide e António Bernardo, a vida conjugal: “amor e desamor”Ao longo dos dez anos em que foram casados as relações entre Antónia Adelaide e António Bernardo foram complicadas. O casal teve três filhos. Primeiro António Bernardo III em 1835. Seguiu-se Virgínia em 1836, que viria a falecer em 1841, com apenas seis anos. Posteriormente nasceu Maria da Assunção, em 1842.Nos dois primeiros anos de casada D. Antónia viveu no Porto, na Casa de Vilar, tentando integrar-se na vida social e mundana que o marido apreciava e que era muito diferente daquela que a ocupara em solteira na Régua.A relação conjugal viria a ser afetada pelo falecimento em 1835 de António Bernardo I, sogro e tio de D. Antónia. O património herdado pelo marido permitiu-lhe ter uma vida ainda mais desafogada e boémia, que a mulher não aprovava e da qual se foi distanciando progressivamente.

AAF agradece ao Cônsul de Portugal em França. Coleção AHCF / Sogrape (UI 845) (Cat. 81)AAF thanks the Portuguese Consul in France. AHCF / Sogrape collection (UI 845) (Cat. 81)

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Copos de higiene pessoal de criança. Coleção particular. Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 46)Child’s tooth mugs. Private collection. Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 46)

De igual modo agiu a mãe de António Bernardo II e sogra de D. Antónia, Josefa Gertrudes. No mesmo ano em que ficou viúva Josefa Gertrudes contratou Joseph James Forrester para lhe resolver os assuntos de natureza financeira e lhe gerir a herança que recebera do marido, pondo-a a salvo das aventuras políticas do filho, bem como dos riscos assumidos por este em matéria de investimentos.As primeiras desavenças entre o casal ocorreram no ano de 1839 tendo sido a sogra de D. Antónia quem tentou resolver o problema. Em 1841, quando faleceu a segunda filha a dor, aparentemente, uniu de novo o casal Ferreira permitindo uma reaproximação, da qual resultou o nascimento da terceira filha um ano depois. Contudo, em 1843, quando a doença58 de António Bernardo II se declarou o casal separou-se e não há notícia de qualquer reconciliação posterior.Durante a primeira infância a educação dos filhos ficou a cargo de D. Antónia.Em 1843, enquanto o marido era perseguido pelas forças de Costa Cabral, bem como minado pela doença o filho, António Bernardo III, ingressou, por opção provável de sua mãe, no Colégio da Formiga, então frequentado pelos filhos das famílias miguelistas. Um ano depois, o pequeno António Bernardo III ficaria órfão. A sua mãe, já na qualidade de viúva e por conselho de João Almeida e Sousa59, recorreu aos serviços do deputado António Felisberto da Silva Cunha60, para lhe ser concedido um título, o que se viria a concretizar em 184661. Por seu turno, a irmã, Maria da Assunção62, que contava apenas dois anos quando o pai faleceu, permaneceria na Quinta de Travassos, por mais uns anos aos cuidados da mãe e avós.

Antónia Adelaide Ferreira (a Ferreirinha), a viuvez e a afirmação de um espírito singularEm novembro de 1844 Antónia Adelaide Ferreira, então com 33 anos, recebeu a notícia do falecimento do marido. Apesar de não ter sido uma surpresa, pois a gravidade do seu estado de saúde era do seu conhecimento, não foi certamente sem mágoa que a recebeu, pese embora a relação conflituosa existente.

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Conselho de Família. Coleção AHCF / Sogrape (UI 248-1) (Cat. 93)Family Council. AHCF / Sogrape collection (UI 248-1) (Cat. 93)

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Sabe-se pelas cartas que se encontrava, na altura, hospedada no Palácio Flor da Murta63 em Lisboa.Em abril do ano seguinte reuniu o Conselho de Família, sendo por este nomeada como cabeça de casal situação que viria a ser determinante no seu futuro próximo, uma vez que lhe permitiu deter um papel ativo no mundo empresarial, ao contrário do que era costume na época.Os filhos menores tinham à data dez e três anos, respetivamente, sendo o subtutor o avô paterno José Bernardo Ferreira. Os bens herdados foram, como referimos, avultados porém as dívidas tiveram de ser assumidas pela viúva que se deparou com notas do seguinte teor: «Eu abaixo assinado confesso ser devedor a minha Mai e senhora D. Josefa Gertrudes Ferreira da quantia de seis contos»64.Para fazer satisfazer os vários credores D. Antónia vendeu ou arrendou grande parte dos bens móveis e imóveis acumulados, com exceção dos vinhos em stock65. Todavia, em pouco tempo Antónia Adelaide Ferreira conseguiu saldar as dívidas e aumentar o património dos Ferreira. A forma enérgica e corajosa como assumiu a gestão dos negócios da AA Ferreira (como já era conhecida) marcaria não só um novo estilo empresarial, mas também uma outra opção de vida, associada a uma cultura nacional provinciana e em contraste com o modelo cosmopolita adotado pelo seu falecido marido e primo. O projeto de vida que D Antónia Adelaide Ferreira abraçou viria a potenciar a afirmação de um espírito singular que a irá caracterizar ao longo do resto da vida.A partir de então aos negócios que herdou D. Antónia Adelaide Ferreira aplicou os princípios da boa gestão doméstica que aprendeu na casa paterna, aproveitando os ensinamentos, conselhos e experiência que adquiriu no convívio familiar. A sua grande preocupação foi concentrar-se apenas na área que conhecia, ou seja, na produção e comercialização dos vinhos, abandonando os investimentos diversificados que o marido até então realizara.Os anos seguintes foram-lhe penosos!Em 1851 perdeu a sogra de quem era muito próxima e que sempre a apoiou, mesmo quando sobrevieram os conflitos com o filho.Um ano depois, em 1852, tentou impedir o matrimónio do filho com Antónia Plácido Braga, jovem que este conhecera nas Caldas das Taipas. Os periódicos da época fizeram eco da controversa união: «Antónia Cândida Plácido66, filha de António José Plácido Braga, casa com o elegante António Bernardo Ferreira, uma das maiores fortunas do Porto e do Douro, filho de D. Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, que processou o padre que casou os jovens»67.A escolha do filho não agradou a D. Antónia por vários motivos, por um lado, porque os jovens tinham respetivamente 17 e 15 anos, por outro, porque pelo casamento António Bernardo Ferreira III atingia a maioridade, podendo exigir partilhas e herdar a legítima do pai e da avó paterna e da qual D. Antónia, como cabeça de casal, não desejava abrir mão, por entender que essa opção enfraquecia a AA Ferreira. A consulta da documentação revela que o filho, António Bernardo Ferreira III pediu dispensa para o matrimónio e esta foi-lhe concedida68. Porém, D. Antónia, não se absteve de processar o padre que o casou, alegando precisamente a falta da referida licença, como publicou o Periódico dos Pobres, datado de 4 de março de 1852. O jornal referia ainda a suspensão do abade de Vitória, acusado de ter recebido dinheiro para realizar o matrimónio do jovem António Bernardo, sem a devida autorização.Perdida a contenda com o filho, em julho de 1853, e perante a aproximação da morte do pai, D. Antónia tomou a decisão de comprar a Quinta das Nogueiras. A sua opção era abandonar a Quinta de Travassos, onde nasceu, cresceu e onde regressou após a rutura com o marido. Aproveitava para se afastar do convívio diário com a mãe, Margarida Gil, com a qual mantinha uma difícil relação e preparava-se para assumir sozinha a condução da empresa.Quando em agosto de 1853 presenciou o falecimento do pai69 que tanto admirava, sentindo-se cada vez mais só, D. Antónia poderia ter afirmado tal como Madame de Staël70 “Eu tinha nascido sob os raios da glória do meu pai e descobri que fazia frio na sombra”, ela que tinha sido como Garrett preconizara: «A mulher que no seio da família e longe dos aplausos do Mundo dirigiu a educação dos seus filhos, velou no pae decrépito […] governou sua casa com honra e arranjo»71. Mas Antónia, ao contrário da virtuosa mulher de Garrett, não tinha sido a mulher que “cuidara ao marido enfermo”. A sua vontade não se limitava a ser a doméstica útil preconizada pelo pensamento liberal dominante, razão pela qual reuniu de novo, em setembro de 1853, o Conselho de Família. Na altura, António Bernardo III completara 18 anos, estava casado e na posse da legítima do pai. Porém, a filha, Maria da Assunção, apenas tinha 11 anos. O objetivo do Conselho de Família era defender os interesses da menor. Nesta reunião D. Antónia apresentou um requerimento para dispor da quantia dos 15 contos 736 mil e 576 réis que o filho devia dar de tornas à irmã, Maria da Assunção, por conta da herança do pai e dos avós. Como tutora da filha D. Antónia alegava haver vantagem para a menor nessa transferência, uma vez que esta viria a auferir as referidas tornas da mão de sua mãe e tutora e não do irmão. D. Antónia apresentou como garantia do empréstimo a Quinta do Vesúvio, uma das mais prósperas da herança. Foi também nesta reunião que foi substituído o subtutor falecido, José Bernardo Ferreira, por Manoel António Francisco Cerdeira. Além deste estiveram ainda presentes Manuel Joaquim Gonçalves Lanhoso72, Francisco Mesquita e Seixas, enquanto Luis Bernardo Ferreira alegou estar ausente por doença.No final de 1853 parecia finalmente estar resolvida a questão das heranças no seio da família Ferreira.

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Alvará de licença de casamento de António Bernardo Ferreira com Antónia Cândida Plácido Braga. PT/TT/RGM/H/200264. Imagem cedida pelo ANTT (Cat. 88)Licence to marry. Marrige between António Bernardo Ferreira Antónia Cândida Plácido Braga. PT/TT/RGM/H/200264. Courtesy of ANTT (Cat. 88)

Entretanto António Bernardo III instalado na rua da Boavista dispunha ao seu serviço de 14 criados. Amigo próximo de Ricardo Clamouse Browne e de Camilo Castelo Branco seria na sua casa que o escritor conheceu a mulher da sua vida, Ana Plácido, paixão cujo desfecho seria dramático, terminando com uma condenação por adultério.O filho de D. Antónia mantinha na época uma vida de prodigalidade que sua mãe reprovava, mas da qual ele nunca se pretendeu privar. Um pouco à semelhança do pai, António Bernardo III cultivou a elegância e o luxo como imagem de marca e imortalizou a sigla ABF em monograma impresso nos convites para jantares, no papel de carta, nas louças, nos copos e nos talheres, bem como nas letras em prata que mandou executar para colocar nos reposteiros de sua casa.

Enfrentar o poder político, internacionalizar a Marca AAF “Episódios de uma novela romântica”Em 1853, como salientamos, a acumulação da herança dos sogros, do marido e do pai, nas mãos de D. Antónia tornou a filha Maria da Assunção cobiçada pelas principais casas da aristocracia portuguesa. A condessa de Rio Maior revelava em carta ao filho datada de 1850: «Excelente partido como fortuna» era a «menina Ferreira»73.O mesmo deve ter pensado o duque de Saldanha, mas ao contrário da condessa de Rio Maior, que confessava não ter talento para casamenteira, presumiu “saber manejar o negócio”. Inspirado talvez na atuação do duque de Palmela, que “escondera” em sua casa a filha do falecido conde da Póvoa, a fim de a casar com o seu filho Domingos, o duque de Saldanha, em 1854, resolveu ser tempo de ajustar o casamento do filho com uma herdeira rica e, para o efeito, elegeu Maria da Assunção Ferreira.A recusa do pedido por parte de D. Antónia, alegando ter a filha apenas 11 anos, daria azo a um dos episódios mais “românticos” do século XIX português.Em agosto de 1854 o filho do duque de Saldanha acompanhado por António Bernardo III, irmão de Assunção, e outros amigos, entre os quais se destacavam Eduardo Pinto Soveral74, D. Rodrigo de Almeida75 e o padre Lereno76, dirigiram-se à Quinta de Tra-vassos, onde Maria da Assunção devia estar na companhia da avó Margarida Rosa. O objetivo do grupo era “raptar” a jovem. Mas Assunção, por mero acaso, ou por ter constado a intenção do rapto, encontrava-se já na Régua, protegida pela mãe.

Esta viria a ser sempre a versão dos acontecimentos transmitida por D. Antónia e pelo núcleo dos seus apoiantes, nomeadamente o Periódico dos Pobres! Segundo afirmou, depois do incidente, quando tomou conhecimento das intenções dos alegados “raptores”77 dirigiu-se para La-mego, acompanhada da filha, a fim de se refugiar no Convento das Chagas. Porém, perante as hesitações da prioresa, que não se responsabilizou pela segurança das duas mulheres, voltou à Régua.Uma vez aí e sentindo a insegurança que a rodeava, resolveu abandonar o país. Em 5 de setembro chegou a Vila Real, de onde partiu para a Galiza. Seis dias depois reuniu-se com Francisco Silva Torres em Vigo e na sua companhia viajou para Londres. Antes de partir (20.09.53) fez publicar na imprensa um protesto contra o duque de Saldanha, cuja divulgação teve uma forte reper-cussão social e política. D. Antónia afirmava abandonar o país para evitar a perseguição da família Saldanha. Ora, perante a gravidade da acusação, o Duque resolveu processar o diretor do Periódico dos Pobres por difamação. Em tribunal este acabaria por ter a sua defesa assegurada por um advogado a expensas de D. Antónia.Assistiu-se então ao que designamos por episódios de uma novela romântica ou seja, uma luta travada na imprensa entre os apoiantes de D. Antónia por um lado, e os que acreditavam na inocência de Saldanha, por outro. Os primeiros identificavam-se com o Periódico dos Pobres e os outros com os jornais O Nacional e O Português.Segundo a imprensa afeta a Saldanha, a veracidade das acusações de D. Antónia contra o Duque foram postas em causa não só pelo filho, António Bernardo III, como também por Margarida Rosa Ferreira, sua mãe. Os mesmos jornais sugeriam que ambos acreditavam ter sido Silva Torres o autor da “manobra” que conduziu D. Antónia ao “exílio”, a fim de melhor a “controlar”. No final do julgamento o duque de Saldanha seria ilibado, enquanto o diretor do Periódico dos Pobres foi condenado por difama-ção. Este, considerando-se injustiçado, publicou a peça processual78 para dar a conhecer ao mundo as irregularidades que achava terem sido cometidas.

António Bernardo Ferreira e Cândida Plácido com os filhos. Coleção Ruy de Brito e Cunha (Cat. 158)António Bernardo Ferreira and Cândida Plácido with their children. Ruy de Brito e Cunha collection (Cat. 158)

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A leitura do processo que intitulámos “novela do rapto” é elucidativa, não só porque esclarece vários aspetos da mentalidade e da atuação política da época, como também faz luz sobre a rede social que envolvia D. Antónia.Se por um lado assistimos à defesa de Saldanha considerando-se alvo de um ataque político por parte da oposição que aproveitou o caso para questionar sua honorabilidade, por outro, verificamos que o Periódico dos Pobres alegou em sua defesa a liberdade de imprensa, para a publicação do protesto de D. Antónia e repudiou a intenção de um ataque político do qual Saldanha se consi-derava vítima. É de notar que em 1853 o governo constitucional era presidido justamente por Saldanha.Para se defender o diretor do Periódico dos Pobres revelou que na altura em que o duque de Saldanha pretendeu casar o filho com Assunção Ferreira, o irmão desta recebeu a Comenda da Ordem de Cristo e viu renovada a graduação como adido das embaixa-das no Norte. Alegou ainda ter sido prometido a D. Antónia, caso anuísse com o matrimónio, o título de condessa do Vesúvio, o que encarou como um “abuso” de poder, um roubo, uma vez que os títulos eram propriedade do Estado e não deviam servir para “mercadejar” interesses particulares. Outro aspeto que referiu foi ter sido prometido a D. Antónia a inclusão da Quinta do Vesúvio na Região Demarcada do Douro. Ao longo do processo não foi debatido o caso da tentativa de rapto, dado como provado, estando apenas em causa averiguar se o Duque tinha sido, ou não, conivente nessa prática. Uma das questões interessantes para entender este caso é precisamente conhecer o que, à época, se ajuizava sobre o “rapto”, ato tipificado no código penal de 185279, como atentado contra o pudor80. Com efeito o código aprovado durante o governo chefiado por Saldanha não condenava o facto em si, a não ser que o fim fosse desonesto ou violento, acabando por «excluir e por consequencia a deixar impune o mesmo facto se for praticado para fim onesto, como para cazamento.»81.Ora, como no caso em apreço a ação não era punível, pois a intenção era casar Assunção com o Saldanha (filho), o próprio Duque não entendia a razão do alarido.

Duque de Saldanha. Coleção Oporto Cricket and Lawn Tennis Club (Cat. 94)Duke of Saldanha. Oporto Cricket and Lawn Tennis Club collection. (Cat. 94)

Carta do Duque de Saldanha para AAF. Coleção Ruy de Brito e Cunha (Cat. 95)Letter from the Duke of Saldanha to AAF. Ruy de Brito e Cunha collection (Cat. 95)

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Maria da Assunção. Coleção Quinta do Vale Meão (Cat. 47)Maria da Assunção. Quinta do Vale Meão collection (Cat. 47)

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A leitura do processo remete-nos ainda para o que podemos definir como a matriz da ação e do pensamento de D. Antónia.A sua linha de atuação insere-se na mentalidade de uma burguesia regional, pouco interessada em depender dos favores do Estado Liberal e das famílias políticas a ele associadas.Uma carta de Manoel F. Cerdeira apresentada em tribunal esclarece que D. Antónia não quis o casamento por não ver nele qualquer vantagem e acrescenta: «longa foi a conversa para a final vir à necessidade de cazar quanto antes a sua filha e disse-lhe que considerava de muita vantagem que ela não desprezasse o cazamento proposto pelo amigo Pacheco […]. Fallou-me, é verdade com interesse, e fez-me ver as vantagens que havia, porém os cavalheiros da côrte são todos muito gastadores, e importão-se tão pouco com as suas propriedades, que para lhe fallar com franqueza não me inclino muito a isso.»82. Por último, Cerdeira terminava referindo que D. Antónia invocara também a pouca idade da filha. O desenlace do incidente levou, como referimos, D. Antónia e a filha a refugiarem-se durante dois anos em Londres, acaso que mudaria o rumo da vida não só de Assunção, mas também, e fundamentalmente, a de D. Antónia.

Da Régua para Londres. D. Antónia Adelaide Ferreira, a união com Silva Torres:“Contrariar a velha doutrina da incapacidade singular da mulher”83

Chegada a Londres D. Antónia instalou-se no centro da cidade. Passado tempo mudou-se para Brentwood, onde travou amizade com o Padre José S. Tavares84 exilado, desde o fim do miguelismo e da extinção das ordens religiosas em Portugal.A filha, Maria da Assunção ingressou no Colégio do Sagrado Coração Roehampton em Londres85, mudando em pouco tempo hábitos de vida e usufruindo de uma educação muito superior à que poderia ter aspirado em qualquer colégio feminino em Portugal86.A correspondência de Assunção para a mãe revela uma afetividade consolidada pelas circunstâncias que as obrigaram a partir. Em 22 de fevereiro escreveu-lhe a agradecer as cartas dela e da tia: «pesso minha maizinha que não esteja triste por eu o estar, pois a minha alegria não pode voltar até eu gozar da sua companhia»87. A jovem Ferreira não apreciou particularmente o colégio onde os costumes diferiam daqueles que eram hábito em Portugal e expressava esses sentimentos em cartas para a família.Entretanto os objetivos de D. Antónia estavam a cumprir-se. Afastada do país, geria o seu próprio destino. Ainda no ano de 1855 deslocou-se à Exposição Universal de Paris, onde internacionalizou os vinhos que produzia.

José da Silva Tavares. Coleção Biblioteca Nacional de Portugal (BN 607106) (Cat. 97)José da Silva Tavares. National Library of Portugal collection (BN 607106) (Cat. 97)

Francisco José da Silva Torres. Coleção Santa Casa da Misericórdia de Peso da Régua (SCMPR 0159). Fotografia MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 109)Francisco José da Silva Torres. Peso da Régua Santa Casa da Misericórdia collection (SCMPR 0159). Photograph MD – Marco Aurélio Peixoto (Cat. 109)

Certidão de casamento de D. Antónia com Francisco Silva Torres. Coleção Ruy de Brito e Cunha (Cat. 110)Wedding certificate for D. Antónia and Francisco Silva Torres. Ruy de Brito e Cunha collection (Cat. 110)

Na altura, foi entrevistada por jornais franceses, tendo explicado a razão do abandono do Reino. As suas palavras deixaram claro que a motivara não só enfrentar o poder em Portugal, mas também internacionalizar a marca AAF.Foi 1856 o ano de viragem na vida de D. Antónia!A firma apresentava os resultados mais lucrativos de sempre, beneficiando de uma catástrofe natural que assolava o Norte do país. De facto, o alastrar do oídio permitiu valorizar os vinhos que AAF tinha em reserva.Em julho Saldanha foi afastado do poder e o duque de Loulé assumiu a presidência do Conselho de Ministros. No mesmo ano, no mês de setembro de 1856 em Londres, D. Antónia uniu-se em matrimónio discreto com Silva Torres. A capacidade de casar, por vontade própria, sem consultar o Conselho de Família, sem ouvir a opinião da mãe, ou do filho, libertou-a da condição de viúva. Paralelamente, D. Antónia assumiu o protagonismo na internacionalização da marca dos vinhos AAF88, tornando-se ela própria, o símbolo do sucesso da empresa. Por seu turno, Silva Torres, enquanto segundo marido, declinou qualquer protagonismo na firma, aceitando que Antónia Adelaide continuasse a manter o sobrenome Ferreira, herança familiar prestigiada nos meios que frequentava.

Francisco José da Silva TorresFrancisco José da Silva Torres89 começou por trabalhar nos escritórios da Régua da Casa Ferreira, cuja direção integrou em 1835, juntamente com Joaquim Monteiro Maia. Em 1840 acompanhou António Bernardo Ferreira II a Inglaterra. Em 1844, era o guarda- -livros dos escritórios do Porto da Companhia do Tabaco, Sabão e Pólvora.A sua projeção enquanto homem de negócios iniciou-se na segunda metade da década de 1850, altura em que foi residir para Londres. Depois de casar com D. Antónia, em 1857, surgiu como testa de ferro de um empréstimo que esta fez à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, no valor de 200 contos90. Por essa altura há também referência a um empréstimo seu ao duque da Terceira91.

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Carta do Padre Tavares para Francisco Torres. Coleção AHCF / Sogrape (UI 217.1) (Cat. 98)Letter from Fr. Tavares to Francisco Torres. AHCF / Sogrape collection (UI 217.1) (Cat. 98)

O reconhecimento da contribuição de Silva Torres para a consolidação da Casa Ferreira é fundamental para entender o sucesso desta.Homem ponderado, com o sentido burguês de honorabilidade associado ao de trabalho, entendia que um “homem valia pelo que era”.Ao regressar a Portugal, depois da estadia em Londres, Silva Torres enfrentou rumores de ter aproveitado a situação incómoda em que a viúva se encontrava, por estar em sua companhia em Inglaterra, para com ela se casar.O filho de D. Antónia, António Bernardo Ferreira III e a mãe, Margarida Rosa Ferreira, foram os mais críticos do enlace92 embora, algum tempo depois, esta procurasse atenuar essa impressão. Silva Torres, por seu turno, afastaria qualquer suspeita de aprovei-tamento da fortuna da mulher com quem casou, uma vez que nunca usou os meios desta em proveito pessoal.Uma carta do padre Tavares, de Brentwood, a Silva Torres, datada de 4 de fevereiro de 1857, revela precisamente a anuência da futura sogra: «A carta de D. Margarida para a neta pareceu-me excelente em todo o sentido. O que desagradou a VS agradou-me a mim […] A explanação da suas queixas e confrontos contra D. Antónia, porque por ela convenceu a neta de que o seu confronto não foi por ela ter casada com VS ª a quem especificamente designa = muito boa pessoa e muito temperado(?) na veromiliação =».Do mesmo teor foi a carta enviada por Margarida Rosa a Silva Azevedo em 1857, onde afirmava querer manter com a filha e com o marido “boa harmonia”93.A correspondência entre Silva Torres e o padre Tavares demonstra a amizade e confiança que os unia pois, quando se colocou a questão do futuro casamento de Assunção, foi ele que aconselhou Silva Torres no tocante à forma de proceder:«[…] 5º passado ao ponto delicado, empregar as mais finas artes para que a avó e muito mais o irmão, apresentem as listas dos seus candidatos e se poder ser, antes da Srª apresentar a sua por inteiro […] Nesta, o ponto cardeal da Srª D.Antª seja = a colegial he sua neta, he minha filha, he tua irmã; o mesmo empenho portanto não pode ser outro o objecto se não a felicidade della; e para

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ela ser feliz não precisa que o marido seja rico; mas sim que, pelo seu comportamento, se perceba que a há de tratar bem, que não lhe há de ser infiel, que há de dissipar a sua fortuna […] e que (seja ele ou não fidalgo) pertença a uma família de carácter e costumes; 6º chegando ao ponto da decisão da escolha, guarde-se a regra de contentar com o bom ou mesmo o só tolerável, para evitar não cahir nas garras do péssimo por se ter aspirado ao óptimo. […] o que he mais razoável e natural he que haja mais de que hum candidato approvado e deixar-lhe a ela a escolha. […]»94.Silva Torres terá seguido os conselhos avisados do padre Tavares e o cuidado que sempre demonstrou ao tratar os assuntos particulares da família Ferreira, valeu-lhe a admiração da mulher, dos trabalhadores da firma e da própria enteada95, que no seu testamento deixou expressa a vontade de serem ditas missas por sua alma.

Uma aliança entre elites: O matrimónio de Maria da Assunção Ferreira com o conde de AzambujaA negociação do casamento de Assunção é particularmente curiosa. Quando em 3 de junho de 1856 o marquês de Loulé foi no-meado presidente do conselho de ministros, D. Antónia e Silva Torres regressaram a Portugal, depois de dois anos de ausência em Londres. No ano seguinte iniciou-se a discussão em torno do casamento da jovem Assunção.A escolha recaiu sobre o conde de Azambuja96, filho do duque de Loulé97. Este era neto de D. João VI. A sua mãe, princesa Ana de Jesus Maria de Bragança, filha de D. João VI e da rainha D. Carlota Joaquina tinha casado com Nuno José Severo de Mendonça Rolim de Moura Barreto, membro destacado da causa liberal e opositor do partido Regenerador chefiado por Saldanha. Assim, quando no dia 5 de maio de 1860, no Paço Patriarcal de S. Vicente de Fora, Maria da Assunção Ferreira e o conde de Azambuja casaram, os preparativos para o matrimónio foram cuidadosamente planeados entre D. Antónia e o duque de Loulé, mas também por Silva Torres. Os recibos das despesas para o jantar que antecedeu o casamento, os trajes mandados confecionar para a cerimónia, as joias adquiridas e finalmente a aquisição do palácio de Palhavã, para moradia do casal, dão-nos uma ideia do investimento feito pela Casa Ferreira neste enlace.A união das famílias Azambuja/Ferreira concretizar-se-ia durante a vigência do governo do marquês de Loulé (1860 e 1865) e revelar-se-ia proveitosa para ambas as famílias.Para os Ferreira da Régua, o enlace matrimonial significou o reforço do ponto de vista social, mas também político. Assim, o irmão da jovem Maria da Assunção, António Bernardo III foi eleito no ano seguinte, pela Régua, para a legislatura 1861-6498. Seria aliás esta súbita participação nas eleições que o tornou alvo de um ataque cerrado por parte de Camilo Castelo Branco antigo companheiro de tertúlia: «o Sr. António Bernardo Ferreira, eleito representante pelo Douro, vocação apanhada de surpreza […] há-de agrupar em volta de si, no parlamento, as sympathias do génio, e o apoio dos espíritos cordatos. […] O Sr. Carlos Bento,

Pedro Rolim de Mendoça, duque de Loulé. Coleção Quinta do Vale Meão. Fotografia João Paulo Sotto Mayor (Cat. 101)Pedro Rolim de Mendoça, Duke of Loulé. Quinta do Vale Meão collection. Photograph João Paulo Sotto Mayor (Cat. 101)

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ministro sério e modesto, renuncia de certo a sua cadeira de secretario de estado em favor do mancebo predestinado a fenecer-lhe os louros. […] o ministério […] deve levantar o deputado da Regoa à esphera que lhe fadaram os talentos precoces e os estudos incansaveis sobre administração publica […]»99.As críticas contundentes a António Bernardo III eclodiram na altura em que o escritor estava a contas com a justiça sendo a sua repercussão limitada. Assim, em 1865, António Bernardo assumiria um prestigiado lugar na direção da Associação Comercial de Lisboa. Mas não foi só António Bernardo o beneficiado com a união matrimonial de sua irmã. A Casa Azambuja também retirou proveito, uma vez que lhe garantiu uma sólida fortuna, alicerçada em investimentos diversificados e independente do poder do Estado. Por outro lado, Silva Torres consolidou um percurso pessoal, como empresário e como político, nomeadamente com a promoção no partido Regenerador que, paradoxalmente, era o opositor do partido Histórico a que pertencia o representante da Casa de Loulé.

Augusto de Mendoça, conde de Azambuja. Coleção Quinta do Vale Meão (Cat. 100)Augusto de Mendoça, Count of Azambuja. Quinta do Vale Meão collection (Cat. 100)

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Recibos de despesa para o casamento de Maria da Assunção. Coleção AHCF / Sogrape (Cat. 104)Expenses receipts for Maria da Assunção’s marriage. AHCF / Sogrape collection (Cat. 104)

Na verdade, a partir do casamento de Maria da Assunção, Silva Torres adquiriu maior protagonismo na vida nacional.Em 1861 integrou a Comissão Reguladora da Agricultura e Comércio dos Vinhos do Douro, onde se distinguiu por apoiar a repre-sentação à Câmara dos Pares contra a liberalização da barra do Douro, por se tratar de uma «pretensão [que] manifesta sobeja-mente, que o fim principal que se tem em vista é fazer introduzir nos depósitos do Porto vinhos de todas as procedências». No mesmo ano figurou, embora involuntariamente, no célebre “episódio do naufrágio” de Joseph James Forrester, amizade antiga dos Ferreira. O inglês regressava de uma das suas visitas à Quinta do Vesúvio, quando o mau tempo apanhou desprevenido o barco em que seguia, juntamente com Antónia Adelaide Ferreira, Silva Torres, a filha e o genro, conde de Azambuja. No Cachão da Valeira naufragaram e Joseph James Forrester foi uma das vítimas mortais do acidente. Silva Torres escapou ileso e em 1863 ao mesmo tempo que fundava na Régua, o periódico regenerador O Douro, integrava a dire-ção da Associação Agrícola do Douro e do Banco Aliança, cuja assembleia geral presidia, dez anos depois, em 1873, subscrevia já os títulos do empréstimo nacional e investia em fundos estrangeiros.Em 1874 chegava a nomeação de Par do Reino, por Carta Régia de 16 de maio de 1874 e jurada a 11 de março de 1875. Em 1876 o nome de Silva Torres surge como um dos financiadores do Banco União com mais de 260 contos de réis e, a par das atividades tradicionais, procurou diversificar investimentos, comprando imóveis como o Palácio Farrobo, em Vila Franca, casas em Murça e nas Caldas de Moledo, bem como armazéns no Douro ou prédios rústicos como a Quinta da Torre, casal de Moncorvo e vinhas. Por fim em 1877 foi agraciado com a Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa100. Respeitado pelo poder, algumas figuras destacadas da política nacional solicitavam-lhe conselhos, nomeadamente em 1877 quando o partido Regenerador se demitiu e o marquês de Ávila foi chamado a formar gabinete até 1878101. Amigo de Fontes Pereira de Melo recebeu em 1879 o agradecimento pela forma empenhada que tivera durante a campanha do partido Regenerador em Vila Real «cumpre-me agradecer a V.Exª […] a dedicação, energia com que pôs ao serviço da nossa causa com toda a sua poderosa influencia»102. Quando em 1880 faleceu os jornais elogiaram-lhe as virtudes, bem como o talento empresarial. Todavia a sua maior admiradora foi sem dúvida D. Antónia que por ele manifestou afeto, respeito, admiração, mas acima de tudo gratidão, por ter proporcionado viver o seu segundo matrimónio com grande tranquilidade.«Deixo para fundo do Hospital da Regoa, trinta contos de reis […] Este legado será inscrito […] com a denominação - Legado Silva Torres – para perpetuar a memória de meu segundo marido […]”. Mais adiante acrescentou “rogo a meus filhos e descendentes,

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tenham sempre na mais profunda veneração a memoria de Francisco José Silva Torres, trabalhador infatigável no engrandecimento d’esta casa, tão felizmente iniciada por seus avós e paes, e por elle continuada e extraordinariamente acrescentada, por ser incomparável espírito de ordem e economia […] que oxalá todos imitem. Honrem sua memória e sirvam-lhe para exemplo as nobres qualidades d’aquella grande alma»103.

A segunda viuvez e a consagração da AA FerreiraCom a morte de Silva Torres D. Antónia ficou numa posição mais vulnerável, não porque em vida o marido lhe tivesse retirado qualquer protagonismo na gestão da firma, mas porque em Silva Torres D. Antónia tinha encontrado não só o apoio para os novos empreendimentos que desejava lançar, como também o suporte afetivo nas desavenças com os filhos, que se tornaram mais intensas à medida que as dívidas contraídas por estes aumentavam.Herdeira dos bens pessoais do segundo marido, D. Antónia, que nos últimos vinte anos de sua vida pouco tinha saído do Douro, visitava amiúde as quintas que fora adquirindo. Continuou também firme à frente dos negócios, investindo quer em títulos e obrigações do tesouro, quer em fundos estrangeiros104. Porém foi na terra, no Douro, que os seus esforços se concentraram. No final dos anos setenta quando a filoxera deixou toda a região devastada, D. Antónia, foi uma adversária tenaz do abandono da lavoura. Tomou todas as medidas ao seu alcance para combater a moléstia, adotou nas suas quintas novas castas e novas técnicas de cultivo, como a enxertia. Por outro lado, foi-se apropriando das quintas que muitos lavradores arruinados, ou desanimados com a doença da vinha, iam hipotecando e vendendo a preços baixos, fazendo crescer continuadamente o seu património rural. Nos anos oitenta D. Antónia, já viúva, lançou-se no seu último grande desafio, a Quinta do Vale de Meão. A paisagem granítica, as terras escassas, os grandes penhascos e o mato áspero e bravo assim é descrito o monte do Meão no Archivo rural105, mas D. Antónia conseguiria ainda arrancar ali com mais uma vinha, apostando na produção vitícola do Douro Superior, à revelia do que acontecia até então.

Cachão da Valeira. Coleção Symington Family Estates (Cat. 117)Cachão da Valeira. Symington Family Estates collection (Cat. 117)

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Enquanto lavradora e exportadora procurou sempre evitar expor-se quando os interesses dos lavradores do Douro se opuseram aos dos exportadores de vinho. Assim, em 1889, manteve uma estrita neutralidade na discussão que opunha livre-cambistas e proteccionistas. Os últimos anos de vida foram passados na Quinta das Nogueiras, na Régua, cuja “casa principal” fora “construída na segunda metade do século XVIII e ampliada no final do século XIX”, dispondo de uma capela que ela sempre apreciara.Foi aí que em 1896 a morte a colheu, pondo fim à sua vida em poucos dias, surpreendendo todos os que lhe reconheciam uma enorme tenacidade face à doença, bem como a sua recusa em se vergar ao avanço dos seus 84 anos.Os jornais que noticiaram o seu falecimento chamavam-lhe a “mãe dos pobres”, pelas inúmeras obras de caridade que apoiou, bem como pelos atos de caridade individual que manteve ao longo da vida.O seu testamento, que salvaguardava a justa repartição dos seus bens pelos dois filhos e numerosos netos, contemplou o Hospital da Régua, o Asilo da Infância Desvalida de Villa Real e outras duas confrarias religiosas.O amor que tinha à Casa Ferreira, onde nascera e pela qual ao longo da vida sempre se bateu, levou-a também a salvaguardar a coesão familiar mesmo depois de morta.«Quero e imponho a meus filhos a obrigação de não levantarem um contra o outro questão alguma judicial sobre os inventários e partilhas que se fizerem por morte de seus pães e avós. Quero que até se ultimarem as partilhas da minha herança continuem a administrar a minha casa comercial […] meus empregados António José Claro da Fonseca e Francisco Corrêa Monteiro e Santos […]. Declaro que se ambos ou qualquer dos meus filhos se não conformar com todas e cada uma das minhas disposições e vontades conteúdas n’este testamento, o que as impugnar perderá todo o benefício que n’elle lhe deixo»106.

D. Antónia, uma vida singular! Uma vida singular sobretudo porque soube afirmar-se como mulher independente, dos homens com quem casou, do poder político com que se relacionou, dos filhos que amou. A firma e a casa AA Ferreira que tanto defendeu em vida prolongaram-se no tempo.Com a exposição D. Antónia, uma vida singular, o Museu do Douro associou-se à comemoração do 2º centenário do nascimento de D. Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, como afetuosamente a designavam.

Isabel Cluny

Doutorada em História, investigadora do CHC, UNL.

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NOTAS

1 Francisco José Coutinho. O testamento de 2 de agosto de 1889 viria a sofrer um aditamento em 1894 e depois em 1896. Testamentos com que falleceu D. Antónia Adelaide Ferreira, aos 26 de Março de 1896. Porto, Typ. Arthur e Irmão.

2 O Primeiro de Janeiro, 1896.3 Testamentos com que falleceu D. Antónia Adelaide Ferreira, aos 26 de Março de 1896. Porto, Typ. Arthur e Irmão. 4 A Quinta “estruturada em patamares, marcadamente duriense, e distingue-se pelos seus muros de xisto em grandes blocos maciços. Também os ornamen-

tos são talhados em xisto, revelando uma grande perícia artística, sendo uma pedra difícil de trabalhar, em contraposição com o granito” in, Arte Paisagista no Norte de Portugal, refª VRPR0302, http://www.arquitecturapaisagista.utad.pt. Consultado a 12 de maio 2011.

5 PEREIRA, Gaspar Martins; OLAZABAL, Maria Luísa — Dona Antónia. Porto: Ed. Asa, 1996, p. 11.6 PEREIRA, Gaspar Martins — História do Douro e do Vinho do Porto. Porto: Afrontamento, p.12.7 CASTRO, Columbano Ribeiro de CASTRO, Columbano Ribeiro de - Descripção da Provincia de Tras-os-Montes, suas Comarcas e População, feita no anno

de 1796. Manuscrito 186 da BPMP.8 Memorias economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa para o adiantamento da agricultura, das artes, e da industria em Portugal, e suas conquis-

tas. Lisboa: Na Officina da Academia Real das Sciencias, 1790, V. 2.9 VALENTE, Vasco Pulido — “Ir pró Maneta”. Lisboa: Aletheia, 2007, p.67-68.10 Grande enciclopédia Portuguesa, Brasileira, Lisboa, 1940, vol XI p, 20. Louis-Henri Loison, conde do Império, nascido em 1772 em Damvillers.11 Pedro Gil Gargamalla, Pontevedra (1750-1838) ver CASTRO, J. V. — Camillo Castello Branco. Noticia da sua vida e obras. Porto: A. Teixeira, 1862, p 139.12 Relação dos factos praticados pela comissão dos comerciantes de Vinhos em Londres. Correspondentes da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas

do Alto Douro, no Porto. Lisboa: Imprensa régia, 1813, p.15.13 Idem, p. 33.14 PEREIRA, Gaspar Martins, OLAZABAL, Maria Luísa l, Op. cit., p. 28.15 AHCF, Cartas de AAF a José Bernardo Ferreira, agosto de 1829 e agosto de 1830.16 Dactilografado, Anónimo; s/ d, p.2 (col. Ruy de Brito e Cunha).17 AHCF, Cartas de AAF a José Bernardo Ferreira, 1830.18 AA VV — Barão de Forrester, Razão e Sentimento, 1831-1861. Peso da Régua: Museu do Douro, 2008, p 48-50 e p. 97.19 BENNETT, Norman — Joseph J. Forrester’s viagem para o Douro. Douro Estudos & Documentos, 20 (2005) p. 260-261.20 Carta de lei de 21 de Maio 1822. Sobre assunto: PEREIRA, Gaspar Martins, OLAZABAL, Maria Luísa, op. cit., PEREIRA, Gaspar Martins, 2010.21 José Ferreira Borges In Dicionário do Vintismo e do Primeiro Cartismo. Porto: Ed. Afrontamento, 2002, vol. I , p. 241 e seg. BORGES, Ferreira — Memoria Biogra-

fica […]. Revista litteraria: Periodico de litteratura, philosophia, viagens sciencias e, bellas-artes, Tomo I, ano 1º, Porto: Typ. Comercial Portuense, 1838, p. 153. 22 ANTT/RGM, D. João V, liv. 16, fl .181 v Carta de Profissão de hábito de Cristo, 04.09.1822; ANTT/RGM, D. João VI, liv.18, fl.85 Alvará Foro de Fidalgo

Cavaleiro, 11.11.1823.23 ANTT/ RGM, D. João VI, liv.19, fl.155 Alvará de Fidalgo Cavaleiro, 02.09.1824. ANTT/RGM, D. João VI, liv.16, fl.181v Carta de Profissão. Hábito da Ordem

de Cristo, 02.09.1824.24 António Esteves da Costa, 1º visconde das Picoas, 1764, Título criado em 07.12.1831.25 Luís Teixeira de Sampaio, fidalgo da Casa Real, major de milícias no termo de Lisboa.26 Sobre o assunto ver SOUSA, Fernando de — O arquivo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1960). Porto: Real Companhia

Velha / CEPSE, 2003, p. 61-64.27 Francisco Alves, perdeu 585 pipas no incêndio no valor estimado por Luz Soriano de 80.972$00.Ver, MEIRELES, Conceição — ACGAVD, no confronto entre

o Absolutismo e Liberalismo. Porto: CEPSE, 2008.28 Chronica dos Acores. Nº 42, 27 de outubro de 1833.29 ANTT/RGM, D. João VI, liv.19, 27 de novembro de 1824.30 Da Educação. Londres: Sustenance & Strech, 1829.31 GUIMARÃES, Gonçalves — Um português em Londres: cartas de J.M. Virginiano, correspondente dos Ferreiras da Régua, no período pós-napoleónico.

Vila Nova de Gaia: AUTOR Ferreira SA – Arquivo Histórico, 1988, p.145. 32 Periódico dos Pobres no Porto. Porto: [s.n.], 1836.33 Porto, 1807, frequentou curso de Leis e Cânones, editor de Camilo Castelo Branco. Foi provavelmente quem vendeu os livros que compunham a livraria de ABF II.34 Porto, 1816, escritor, “Camões, em quatro actos”. Typ. da Revista, 1848.35 Provavelmente, Charles Treadgold Kendall, casado com Maria Emília de Meireles (escritor).36 Casado com Matilde Júlia Köpke, irmã de Joaquim Augusto Köpke Schwerin de Sousa, 1º barão de Massarelos.37 Bernardo Pereira Leitão Poiares, fidalgo da Casa Real. Um dos maiores contribuintes do Porto, possuidor de uma vasta biblioteca. Ver, CRUZ, Antonieta —

Bernardo Pereira Leitão - Um notável dia Porto. Douro, Estudos & Documentos. Vol I n.º 3 (2007).38 Porto, 1820, filho de José Manuel Ribeiro de Casto e de Maria de Carmo Araújo, casado com Maria da Glória Uruculluy Allen.39 Albano Anthero da Silveira Pinto [visual gráfico. – s.l.: s.n., ca 1845?] [Lisboa]: Lith. de M.el Luiz PINTO, Albano Anthero da Silveira — Resenha das familias

titulares e grandes de Portugal. Lisboa: Imprensa Editora de Francisco Arthur da Silva, 1991. 40 Porto, 1808, casado com Guilhermina Pereira Gomes da Silva, filha do 1º barão de Fornelos, cuja Casa de Santiago se situava em Vila Real, Mesão Frio,

Vila Marim e foi titulada no reinado de Maria II. Membro da Junta de Governo provisória em 1828, nomeada em nome de D. Pedro IV.41 Porto, Fidalgo da Casa Real, RGM, D. Maria, 12 de março de 1828.42 Provavelmente Tomás Archer.43 Antónia Maria Baldaque Carneiro e Sá.44 João Nogueira Gandra, abriu a tipogafia em 1821, conforme noticia o Diário do Governo, de 27 de março. Publicou entre outras obras de sua autoria: Me-

moria sobre a forma com que se devem fazer as eleições dos membros de que se compõe a illustrissima Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, 1828; Soneto à primeira actriz contemporanea no theatro portuguez de declamação Emilia das Neves e Sousa, 1851.

45 Manuel Gonçalves de Miranda, bacharel em matemática, deputado no Vintismo, emigrado em França, durante a Vila Francada, regressou em 1826. Exilado em Inglaterra em 1828, Conselheiro de Estado em 1835 e par do reino, ministro das finanças antes da revolução de setembro de 1836; ministro da fazenda em 1841.

46 AHCF, Copiador Particular, 1844-1849, 5 de agosto e 6 de fevereiro, de 1845. Descrição de peças deixadas em Londres por António Bernardo II. 47 Baixela em bronze dourado da segunda metade do séc. XIX, constituída por 43 peças (floreiras, candelabros e fruteiras), adquirida pela autarquia portuense

aos herdeiros de António Bernardo Ferreira. Propriedade da CMP.48 Com o liberalismo foi extinta a ordem religiosa, confiscados os seus bens para o Estado. Atualmente no lugar do mosteiro existe a Estação de S. Bento. 49 Segundo PINHO, Isabel R. Tavares de — Duas Peças de ourivesaria pertencentes ao Mosteiro de S.Bento de Avé Maria. Atas do 2º Congresso Internacional

“Barroco”. Porto: [FLUP], 2001, p. 149. ABF II teria desembolsado pelas peças a quantia de 270$410 réis.50 Uma das peças foi comprada, em 1916, num leilão dos bens existentes no Palácio de Palhavã que pertenceram à filha de D. Antónia, Maria da Assunção.

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51 Coalisão, título dado ao jornal que ajudou a fundar. 52 Periódico dos Pobres do Porto. Porto: [s.n.] (8 fevereiro 1844). 53 Francisco Xavier da Silva Pereira, vintista, emigrado em Londres em 1828 e depois em França. Militar, aderiu ao Setembrismo, em 1837. Foi governador

da Índia em 1842-43.Opositor de Costa Cabral assumiu a chefia do exército rebelde durante a Patuleia.54 AHCF, 292, Dívidas copiador (diversos 1844-1850), 7 dezembro 1844.55 Possivelmente a sífilis.56 AHCF, 1844.57 O conde das Antas, Francisco Xavier da Silva Pereira; conde do Bonfim, José Lúcio Travassos Valdez.58 O diagnóstico apontou para sífilis.59 A residir em Londres foi depositário do espólio de ABF II. AHCF, Copiador Particular, 1844-1849, 29 janeiro e 17 fevereiro 1846.60 Proprietário, formado em direito, deputado em 1842 e 1845. A sua nomeação terá contribuído para o Cartismo dominar no Norte do país, uma vez que assu-

miu um «compromisso abrangendo as sensibilidades nos setembristas, pois não tinha marcada orientação, sendo basicamente um defensor dos interesses da região vinhateira do Alto Douro». TELES, Manuel Tavares — Correspondências do Periódico dos Pobres, Camilo Castelo Branco. Cadernos Culturais. IV Serie nº 7. Vila Real: Ed. Grémio Literário (maio 2011).

61 ANTT, RGM; Alvará de Cavaleiro. Fidalgo Casa Real, 10.09.1846.62 AHCF, Pasta Assunção, Testamento - Batizada na freguesia de S. Faustino – capela do Cruzeiro, Peso da Régua.63 O Palácio da Flor da Murta situava-se na rua Poço dos Negros, 158, Santa Catarina, Lisboa.64 AHCF, nota de divida de ABFII, 22.06.1844 - Nesta nota deixa como hipoteca os vinhos de novidade de 1843 e os futuros de1844, exceto as 200 pipas de

1843 já contratadas com G. Sandeman & Cª. Também há referência à viajem a Paris a fim de tratar da saúde.65 AHCF, Inventário dos vinhos de ABFII, 13.12.1846.66 Irmã de Ana Plácido viveu com Camilo Castelo Branco uma história romântica, que inclui processo por adultério da mulher e a prisão do escritor.67 CRUZ, Bento — O rapto de Patrícia Emília. Revista de Cultura Transmontana e Duriense, 2007, p.1. 68 ANTT/RGM, D. Maria II, liv. 37, fl 37, Alvará de licença para casar com D. Antónia Adelaide Plácida, filha de António José Plácido, 21.01.1852.69 AUGUSTO, Guilhermino — Discurso fúnebre recitado em 25 de Agosto de 1853 nas exéquias do Illustrissimo senhor José Bernardo Ferreira. Porto: Typo-

graphia de Sebastião José Pereira, 1853. 70 [Balayé, 1979: 19].71 GARRETT, Almeida — Da Educação. Carta X. Porto: Casa da Viúva Moiré, 1829, p. 221.72 ANTT/RGM, D. Maria II, liv.15, fl.148-148v, Carta. Escrivão o Administrador do concelho de Peso da Régua, 1.09.1841.73 VAQUINHAS, Irene — História da Vida Privada em Portugal. [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2011, p. 13774 Eduardo Pinto Soveral, fidalgo da Casa Real; comendador da ordem de Cristo, grã-cruz da ordem de Isabel a Católica, de Espanha; visconde de S. Luís.

Ministro plenipotenciário de Portugal em Constantinopla e proprietário da Quinta do Cidrô.75 Sobrinho do duque de Saldanha.76 António Manoel de Souza Lereno, reitor de Seixo de Anciães.77 AHCF, Doc. 242. Carta anónima sobre o rapto.78 Hoje publicado online. 79 Artº 391 e seg. Código Penal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1852.80 CASTRO, Helena de Fátima Gonçalves de — Emancipação da Mulher e Regeneração Social no Século XIX segundo Lopes Praça.Dis. mestrado UL, FFL, 2000.81 Idem. 82 Sessões do tribunal na querela do duque de Saldanha contra o editor do Periódico dos Pobres. Porto: Typ. Comercial, 1955, p. 23.83 No Código Civil de 1867 artº 1237: “A mulher que contrair segundas núpcias depois de completar cinquenta anos, não poderá alhear por título algum, desde o dia

em que há contraído o segundo matrimónio, a propriedade das duas terças partes dos bens mencionados no artigo 1235º, enquanto tiver filhos e descendentes, que os possam haver.”. Neste artigo, segundo Lopes Praça, “manifestando-se ao mesmo tempo a quase total inferioridade dos interesses da mulher sobre os mesmos bens. Esta discriminação […revela] no que toca ao usufruto dos bens familiares: primeiro o pai, depois os filhos, depois a mãe […]”. Lopes Praça deno-minou “a velha doutrina da incapacidade singular da mulher” estende-se de facto a todas as mulheres, […] o resultado de uma mentalidade que procurou, delibe-radamente, separar a mulher do usufruto da sua liberdade, criatividade e até mesmo da sua afectividade […]”.CASTRO, Helena de Fátima Gonçalves de, Op. Cit.

84 José da Silva Tavares ou José da Sacra Família. Agostinho descalço, exilado na França, Alemanha e Inglaterra, secularizou-se. Fundou um colégio em Paris. Em Inglaterra residiu na comunidade católica de Santa Helena, em Brentwood, onde faleceu em 1858. O funeral foi custeado por F. J. da Silva Torres e D. Antónia Adelaide Ferreira.

85 Convento do Sagrado Coração (1842) mudou para Roehampton, Londres, em 1850.86 AHCF, Copiador Particular, 22 de Fevereiro de 1853.87 O Archivo Pitoresco publicou sobre a Exposição de Paris, 1867: “[…] nomes d’esses expositores, que são: Com a medalha de oiro: - Rebello Valente &

Thomaz Archer, D. Antónia Adelaide Ferreira, […] Com a medalha de prata: -Antonio Bernardo Ferreira, Antonio Ferreira Menezes.[…]”.88 MARTINS, Conceição Andrade Martins — Silva Torres. Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910). Coord., Maria Filomena Mónica. Lisboa: Imprensa

das Ciências Sociais / Assembleia da República, 2006, vol. 3, p. 921-922.89 AHCF, Reconhecimento da dívida e condições de pagamento da CGVADM. 14.11.1857.90 Naturalmente quando este em 1858, precisou de custear as despesas para se deslocar à Alemanha, como representante do rei, para receber a futura rainha

de Portugal, D. Estefânia. Cartas inéditas da Rainha D. Estefânia. Lisboa: Academia das Sciências, 1922.91 Em abril 1857 Margarida Rosa faz partilha amigável com a filha.92 AHCF, 658, abril de 1857.93 AHCF, Cartas do Padre Travassos a Silva Torres, 7 de maio de 1860.94 AHCF, 556, Testamento de Maria Assunção. 1927.95 D. Augusto Pedro de Mendóça Rolim de Moura Barreto (1835-1914), 3º conde da Azambuja, filho do 1º duque de Loulé.96 Nuno José Severo de Mendonça Rolim de Moura Barreto (1804-1875), 2º marquês de Loulé (1º duque de Loulé – 1862). Ligações à Maçonaria desde 1829.

Em 1852 foi eleito Grão-Mestre da Confederação Maçónica Portuguesa. 97 Não há documento de tomada de posse, mas assinou um projeto de decreto-lei para um estabelecimento de um quartel e hospício para expostos em Elvas.98 CASTRO, J.G Vieira de — Camillo Castelo-Branco, Noticia da sua vida e obra. Porto: Tip. A. J. Teixeira, 1862. Vieira de Castro era amigo de Camilo, bem como ABF

III, a eleição decorreu na mesma altura em que Camilo foi perseguido por amor adúltero com a irmã da mulher de ABF III, situação que o deve ter incomodado.99 ANTT/RGM, D. Luís, liv.31, fl 179 e liv. 30, fl 176 v. Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.100 AHCF, Carta do Marques de Ávila para Silva Torres, 1 dezembro 1877.101 AHCF, Carta de F. Pereira de Melo A silva Torres, 28 outubro 1879.102 Testamentos com que falleceu D. Antónia Adelaide Ferreira. Porto: Typ. Arthur e Irmão, 26 de março de 1896.103 Ver PEREIRA; OLAZABAL, Op, Cit, p. 128. 104 Archivo Rural. Vol. 8 (1865) p. 8.105 Testamentos com que falleceu D. Antónia Adelaide Ferreira, aos 26 de Março de 1896. Porto, Typ. Arthur e Irmão.


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