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Escavações Arqueológicas no Quarteirão dos Antigos CTT (Braga) - Resultados preliminares

Date post: 30-Jan-2023
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al-madan online I adenda electrónica SUMÁRIO s al-madan online | adenda electrónica adenda electrónica N.º 16 | Dezembro 2008 [http://www.almadan.publ.pt] III Dois Bronzes de Entidades Tutelares da cidade romana de Bracara Augusta | Rui Morais IV Escavações Arqueológicas no Quarteirão dos Antigos CTT (Braga): resultados preliminares | Luís Fontes et al. V A Necrópole Romana da Qtª da Torrinha / Qtª de Stº António: incursão ao universo funerário, paleodemográfico e morfométrico | Sandra Assis e Rui Pedro Barbosa VI Levantamento Arqueológico do Concelho de Tábua | Suzana Pombo dos Santos VII Uma Primeira Leitura da Carta Arqueológica de Avis | Ana Ribeiro VIII A Faiança Portuguesa nas Ilhas Britânicas: um projecto de investigação | Tânia Manuel Casimiro IX A Faiança Portuguesa no Mosteiro de S. João de Tarouca: metodologia e resultados preliminares | Luis Sebastian e Ana Sampaio e Castro X Sepulturas Escavadas na Rocha do Monte do Biscaia | Joana Valdez, Filipa Pinto e João Nisa XI Pertinência da análise bioantropológica em espólio osteológico humano descontextualizado: A Necrópole da Igreja Matriz de Montalvão | António Matias e Cláudia Costa XII A Musalla do Hisn Turrus / / Torrão: uma hipótese de trabalho | António Rafael Carvalho XIII Os Sítios do Paleolítico Médio na Margem Esquerda do Estuário do Tejo | Rui Miguel Correia XIV A Relação entre o Parque Arqueológico do Vale do Côa e a População Local: balanço da primeira década | António Batarda Fernandes et al. XV O Papel da Bioantropologia: violência interpessoal, ritual e guerra primitiva nos restos osteológicos humanos | Luís Faria e Eunice Gomes XVI A Ausência da Análise Etnográfica e Experimental no estudo da cerâmica pré-histórica em Portugal | Gonçalo de Carvalho Amaro XVII A Influência dos Modelos de Importação de Cerâmica Fina nas produções madeirenses do século XVII | Élvio Duarte M. Sousa I Sumário II Editorial | Jorge Raposo Arqueologia Opinião Património XXI Notícias: actividade arqueológica XX Notícias: eventos científicos XIX Livros XVIII Um Passeio Geológico na Almada Oitocentista | José M. Brandão
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I adendaelectrónica

S U M Á R I O sal-madan online | adenda electrónica

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N.º 16 | Dezembro 2008

[http://www.almadan.publ.pt]

III Dois Bronzes de EntidadesTutelares da cidade romana de Bracara Augusta | Rui Morais

IV Escavações Arqueológicasno Quarteirão dos AntigosCTT (Braga): resultadospreliminares | Luís Fontes et al.

V A Necrópole Romana daQtª da Torrinha / Qtª de StºAntónio: incursão ao universofunerário, paleodemográfico emorfométrico | Sandra Assis eRui Pedro Barbosa

VI LevantamentoArqueológico do Concelhode Tábua | Suzana Pombodos Santos

VII Uma Primeira Leitura daCarta Arqueológica de Avis| Ana Ribeiro

VIII A Faiança Portuguesa nasIlhas Britânicas: um projectode investigação | Tânia ManuelCasimiro

IX A Faiança Portuguesa no Mosteiro de S. João deTarouca: metodologia eresultados preliminares| Luis Sebastian e AnaSampaio e Castro

X Sepulturas Escavadas naRocha do Monte do Biscaia| Joana Valdez, Filipa Pinto e João Nisa

XI Pertinência da análisebioantropológica em espólioosteológico humanodescontextualizado: ANecrópole da Igreja Matrizde Montalvão | AntónioMatias e Cláudia Costa

XII A Musalla do Hisn Turrus / / Torrão: uma hipótese detrabalho | António RafaelCarvalho

XIII Os Sítios do PaleolíticoMédio na Margem Esquerdado Estuário do Tejo| Rui Miguel Correia

XIV A Relação entre o ParqueArqueológico do Vale doCôa e a População Local:balanço da primeira década |António Batarda Fernandes et al.

XV O Papel da Bioantropologia:violência interpessoal, ritual eguerra primitiva nos restososteológicos humanos| Luís Faria e Eunice Gomes

XVI A Ausência da AnáliseEtnográfica e Experimentalno estudo da cerâmica pré-histórica em Portugal| Gonçalo de Carvalho Amaro

XVII A Influência dos Modelos de Importação de CerâmicaFina nas produçõesmadeirenses do século XVII| Élvio Duarte M. Sousa

I Sumário

II Editorial | Jorge Raposo

Arqueologia

Opinião

Património

XXI Notícias: actividade arqueológica

XX Notícias: eventos científicos

XIX Livros

XVIII Um Passeio Geológico na Almada Oitocentista | José M. Brandão

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Uma das consequências não despiciendas da extinção do InstitutoPortuguês de Arqueologia (IPA), cujas atribuições e competênciasforam remetidas para o actual Instituto de Gestão do Património

Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), foi a redução do panorama editorialda Arqueologia portuguesa, com os responsáveis da tutela a entenderem “não prioritária” a manutenção da Revista Portuguesa de Arqueologia e da série monográfica Trabalhos de Arqueologia. Ambas haviam sido lançadas ouretomadas pelo IPA, com a primeira a registar 19 edições (duas por ano entre1998 e 2006 e uma última em 2007) e a segunda a chegar ao número 50(atingido com as quatro edições de 2007), materializando a aposta consequenteno fomento da publicação científica, uma das atribuições cometidas a esseInstituto na respectiva Lei Orgânica. É verdade que documento equivalentetambém confere aos IGESPAR a missão de “coordenar, no âmbito do Ministérioda Cultura, a actividade de divulgação editorial e de promoção nas áreas dopatrimónio cultural arquitectónico e arqueológico”. Mas, assumidamente, o seuexercício não é prioridade... pelo menos no que respeita à RPA e aos TA.

Sucede isto numa altura em que se agravam as condições de sobrevivênciapara outros projectos editoriais de continuidade, sejam estes de naturezaestritamente científica ou de âmbito mais geral, direccionados para a divulgaçãoe promoção da cultura científica junto de públicos diversificados, enquantoinstrumentos de mediação, partilha e sociabilização do conhecimentoarqueológico e da sua interacção crescente com outras áreas do saber. Face ao alheamento da administração pública central, à situação vão resistindo,melhor ou pior, revistas e seriados produzidos em contexto universitário, com apoios da administração local ou resultantes de estratégias de afirmaçãoempresarial. Porém, a resistência é mais difícil quando o suporte assenta emestruturas organizativas independentes e de recursos económicos e financeirosmais frágeis.

É o caso da Al-Madan e do Centro de Arqueologia de Almada, que sedebatem com uma evidente contradição. Por um lado, é crescente o número deautores que procuram a revista como meio de divulgação dos seus trabalhos,quer na edição impressa quer na complementar Al-Madan Online - AdendaElectrónica (http://www.almadan.publ.pt). Por outro, avolumam-se osconstrangimentos orçamentais decorrentes da subida dos custos de produção e da diminuição das receitas − reduzem-se as vendas, não porque a revista percainteresse junto dos potenciais leitores, mas porque crescem as dificuldades dedistribuição, reduzem-se os postos de venda e aumenta o número dos que nãopagam a tempo os materiais facturados; diminuem as receitas de publicidadeporque a crise afecta as instituições potencialmente interessadas; por fim, com honrosa excepção dos municípios de Almada e do Seixal, diminuemtambém os apoios institucionais que vêm contribuindo para o equilíbriosustentado do projecto.

Enfim... veremos o que o futuro nos reserva.

Jorge Raposo

f i c h a t é c n i c a

Capa Jorge Raposo

Vale do Côa e Quinta da Ervamoira.

Fotografia © António Martinho Baptista / PAVC

E D I T O R I A L eal-madan online | adenda electrónica

II al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (16) | Dezembro 2008C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D Aadenda

electrónica

al-madan IIª Série, n.º 16, Dezembro 2008

al-madan online / adenda electrónica

PropriedadeCentro de Arqueologia de AlmadaApartado 603 EC Pragal2801-601 Almada PORTUGAL

Tel. / Fax 212 766 975E-mail [email protected] de imprensa 108998

Http://www.almadan.publ.pt

ISSN 0871-066X Depósito Legal 92457/95

Director Jorge Raposo ([email protected])

Conselho Científico Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Redacção Rui Eduardo Botas, Ana Luísa Duarte, Elisabete Gonçalves e Francisco Silva

Colunistas Mário Varela Gomes, Amílcar Guerra, Víctor Mestre,Luís Raposo, António Manuel Silva e Carlos Marques da Silva

Colaboram na edição em papel Ass. Prof. Arqueólogos, MilaAbreu, Alexandrina Afonso, Mª José Almeida, Miguel Almeida,Clementino Amaro, Thierry Aubry, A. Martinho Baptista, PatríciaBargão, Lília Basílio, José Bettencourt, Francisco Caramelo,Guilherme Cardoso, António Chéney, Com. Org. 1º CPAE, MónicaCorga, Dalila Correia, Miguel Correia, Virgílio H. Correia, EugéniaCunha, Lino T. Dias, Ana L. Duarte, José d’Encarnação, CarlosFabião, Luís Faria, A. Batarda Fernandes, Mª Teresa Ferreira, AntónioFialho, Jorge Freire, Mauro Frota, Eunice A. Gomes, M. Varela Gomes,António Gonzalez, Raquel Granja, Amílcar Guerra, Martine Guindeira,Rosa Jardim, António Jerónimo, Patrícia Jorge, Miguel Lago,Alexandra C. Lima, Luís Luís, Isabel Luna, Ludovino Malhadas,Andrea Martins, Isabel Mateus, Simão Mateus, Henrique Mendes,Marta Mendes, Víctor Mestre, Mário Monteiro, Elena Móran, NunoNeto, César Neves, Mª João Neves, José Norton, Luiz Oosterbeek,Rui Parreira, Rodrigo M. Pereira, João Pimenta, Mª João Pina, FilipeS. Pinto, J. Carlos Quaresma, Sara Ramos, Jorge Raposo, LuísRaposo, Paulo Rebelo, Aldina Regalo, Fabian Reicherdt, Anabela P. Sá,Jorge D. Sampaio, André T. Santos, Raquel Santos, António M. Silva,Carlos M. da Silva, André Teixeira e António C. Valera

Colaboram na Adenda Electrónica Elisa Albuquerque, MiguelAlmeida, Gonçalo C. Amaro, Sandra Assis, Thierry Aubry, Rui P.Barbosa, Pedro Barros, Lília Basílio, Delfina Bazaréu, Cristina VilasBoas, José Braga, José M. Brandão, António R. Carvalho, Com. Org.1º CPAE, J. Muralha Cardoso, Bárbara Carvalho, Tânia M. Casimiro,Ana Sampaio e Castro, Dalila Correia, Rui Miguel B. Correia,Cláudia Costa, Eugénia Cunha, Fernando Dias, José d’Encarnação,Luís Faria, A. Batarda Fernandes, Mª Teresa Ferreira, Luís Fontes,Eunice Gomes, Sérgio Gomes, Amílcar Guerra, Vítor O. Jorge,Ângela Junqueiro, Mª Fernanda Lourenço, Luís Luís, FernandaMagalhães, Jaime J. Marques, Andrea Martins, Manuela Martins,António Matias, Samuel Melro, Marta Mendes, Rui Morais, CésarNeves, Mª João Neves, Lurdes Nieuwendam, Susana Nunes, FilipaPinto, Pedro Pinto, João Nisa, Ana Ribeiro, Jorge Sampaio,Constança G. Santos, Raquel Santos, Susana P. Santos, LuísSebastian, José Sendas, Francisco Silva, Élvio Duarte M. Sousa, JoanaValdez, Ana M. Vale e Gonçalo Leite Velho

Publicidade Elisabete Gonçalves

Apoio administrativo Palmira Lourenço

Resumos Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Modelo gráfico Vera Almeida e Jorge Raposo

Paginação electrónica Jorge Raposo

Tratamento de imagem e ilustração Jorge Raposo

Revisão M.ª Graziela Duarte, Fernanda Lourenço e Sónia Tchissole

Impressão A Triunfadora, Artes Gráficas Ld.ª

Distribuição CAA | http://www.almadan.publ.pt

Tiragem da edição em papel 1000 exemplares

Periodicidade Anual

Apoios Câmara Municipal de Almada e Câmara Municipal do Seixal

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r e s u m o

Resultados de intervenção de Arqueo -logia urbana realizada em 2008 na áreada cidade romana de Bracara Augusta(Bra ga), onde se identificou parte dotra çado da Via XVII, importante eixoviá rio de ligação a Asturica Augusta (As -torga, Espanha).Associado a esse troço de via, está pre-sente uma necrópole de incineração ede inumação com utilização entre os sé -culos I e VII, bem como uma área arte-sanal que inclui um forno de fundição devidro, em pleno funcionamento nos sé -culos V-VI.

p a l a v r a s c h a v e

Época romana; Período Suevo-Visi gó ti -co; Necrópole; Cremação; Vidro.

a b s t r a c t

Results of the urban archaeology inter-vention carried out in 2008 at theBracara Augusta (Braga) Roman city site,where it was possible to identify part ofthe Via XVII route, an important roadconnection to Asturica Augusta (Astorga,Spain).A cremation and inhumation necropolisused between the I and VII centurieswas found in the vicinity, as well as acrafts area which includes a glass fusingkiln used in the V-VI centuries.

k e y w o r d s

Roman times; Suevo-Visigothic Times;Necropolis; Cremation; Glass.

r é s u m é

Résultats de l’intervention d’Archéo lo -gie urbaine réalisée en 2008 dans la zonede la cité romaine de Bracara Augusta(Braga), où a été identifiée une partie dutracé de la Voie XVII, important axerou tier de liaison avec Asturica Augusta(As torga, Espagne).Associée à ce tronçon de voie, se trou-ve présente une nécropole d’incinéra-tion et d’inhumation utilisée entre le Ieret le VIIème siècle, ainsi qu’une zoneartisanale qui inclut un four de fonderiede verre, en plein fonctionnement auxVème et VIème siècles.

m o t s c l é s

Époque romaine; Période Suevo-visigo -thique ; Nécropole; Crémation; Verre.

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Escavações Arqueológicasno Quarteirão dosAntigos CTT (Braga)resultados preliminares

por Luís Fontes e Manuela Martins (*), Cristina Vilas Boas, José Braga, José Sendas e Fernanda Magalhães (**)

(*) Arqueólogos directores.

(**) Arqueólogos co-responsáveis.

A R Q U E O L O G I A aal-madan online | adenda electrónica

De entre os vestígios romanos mais significati -vos destacam-se um troço da via romana que revelavárias repavimentações, dois sectores da necrópolesituados, respectivamente, a Norte e a Sul da via evários elementos associados a uma área artesanal deprodução de vidro.

Este artigo pretende dar a conhecer alguns dos re -sultados mais relevantes da intervenção ainda em cur -so, particularmente daqueles que se associam à via,à necrópole e ao complexo artesanal identificado.

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1. Introdução

Em Janeiro de 2008 foram ini-ciados traba lhos arqueológi-cos no quarteirão dos an ti gos

Correios de Portugal (CTT), situado naAvenida da Liberdade, em Braga (Fig.1),os quais têm por objectivo a sua esca -vação integral, uma vez que o mesmovai ser objecto de um projecto imobiliá -rio de grande envergadura, que contem-pla a constru ção de caves.

Considerando as condicionantes ar -que o lógicas existen tes para esta zona deBraga, onde desde os anos 40 do séculopassado foram re ferenciados vários acha - dos relacionados com a necrópole ro ma -na da Via XVII, a Unidade de Arqueo lo -gia da Universi da de do Minho (UAUM)assumiu a responsabilidade científica dasescavações, que se inserem no âmbitodo Projecto de Sal vamento e Estudo deBracara Au gus ta.

As áreas intervencionadas até ao momento(Fig. 2) permitiram identificar vários vestígios ro ma -nos, bem como estruturas modernas e contemporâ -neas, associadas estas quer à Cerca do antigo Con -vento dos Re médios, quer aos jardins que se situa -vam a Poente das casas que bordejavam a antiga Ruad’Agoas, de ori gem medieval, destruída na primeirametade do sé cu lo XX para a abertura da actual Av. daLiberdade.

Figura 1

Localização do quarteirão dos antigos CTT, Avenida da Liberdade, Braga (Folha 70; escala 1: 25000).

2. A Via XVII

Sob um corredor situado no interior do quartei -rão dos antigos CTT, que ligava o parque de estacio -namento da Portugal Telecom (PT) e o quintal deuma das casas com fachada para a Rua de S. Lázaro,foram identificados os vestígios de uma via, obser-vada numa extensão de cerca de 24 metros (Fig. 3).A sua orientação O/E e a sua localização, no pro-longamento do que seria o eixo do decumanus má -ximo da cidade romana, permitem considerar que es -tamos perante os vestígios da Via XVII do Itineráriode Antonino, que saía de Bracara Augusta pela por-ta Nascente, fazendo a ligação a Asturica Augusta(Astorga, Espanha) por Aquae Flaviae (Chaves).

Através das evidências fornecidas pelas escava -ções, sabemos agora que a Via XVII passava na zonacorrespondente ao centro do quarteirão dos CTT,traçado já sugerido pela análise da cartografia antigada cidade. Com efeito, o troço da via agora descober-to encontra-se representado em diferentes plantas,designadamente, no Mapa de Braga Primas de 1755,na planta topográfica de Francisco Goullard, datadade 1883-1884, e na planta de José Teixeira, de 1910,onde está representada a Cangosta das Águas.

Estas representações demonstram que a via foifossilizada como caminho usado ao longo dos tem-pos, tendo-se mantido até ao século XX. Os traba -lhos arqueológicos em curso permitiram identificar alonga utilização deste eixo viário, traduzida em su -ces sivas repavimentações.

Tendo por base os dados obtidos na escavação,parece possível apontar três grandes fases de reorga-nização deste importante eixo viário, datadas daÉpo ca Romana, materializadas em alterações signi-ficativas ao nível da largura, assim como em subs -tanciais aumentos da cota do piso, particularmentevisíveis na parte Nascente da via. A sucessão de pa -vimentações identificadas parece resultar da necessi-dade de manutenção periódica que uma estruturadesta natureza naturalmente exigiria.

A primeira fase construtiva da via sugere umaengenharia relativamente simples, mas suficiente-mente robusta e funcional para suportar a circulação.Constatou-se a existência do statumen, que se situa-va no eixo da via, correspondente a um nível de pe -dras graníticas de diversas dimensões, integradas emsedimentos areno-limosos. Sobre o statumen dispõe--se o rudus, constituído por níveis de areão granítico,muito homogéneos e compactados, alternados comdepósitos de sedimentos areno-limosos que integramraras pedras. A disposição do conjunto configurauma morfologia abaulada ao centro da via, garantin-do o necessário escoamento das águas para as valaslaterais.

A largura média do pavimento inicial deveriaapro ximar-se dos 15 pés, não tendo sido detectadosquaisquer vestígios de calçada.

Não foram identificadas margines na parte Nortedo pavimento, que permanece por escavar. Em con-trapartida, no seu limite Sul foram identificados ves -tígios de muros que podem ter servido para susten-tação lateral da via, recurso habitual para evitar alui-mentos pela força da água, causa fundamental dades truição das calçadas romanas. Contíguo ao murocorria um valado para drenagem das águas prove-nientes do pavimento.

A segunda grande fase de reorganização da viacorresponde a um substancial aumento dos enchi -men tos de preparação do rudus, observando-se vá -rios níveis arenosos, sobrepostos e dispostos de for-ma a regularizar a superfície. Sobre estes foi aplica-da uma camada de saibro, com a espessura máximade 0,30 m, provavelmente misturada com cal e muitocompactada. Nesta fase, a via conheceu uma pri mei -ra deslocação para Norte, mantendo a mesma largu-ra, registando-se a presença de um valado contíguona parte Sul.

O eixo longitudinal, zona abaulada da via, so bre -põe-se ao anterior, não tendo igualmente sido identi-ficados quaisquer vestígios de calçada associada.

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Figura 2

Localização das áreasintervencionadas do quarteirão dosantigos CTT / Arquivo UAUM.

3. A necrópole

3.1. Antecedentes

A localização de uma necrópole nas imediaçõesdo quarteirão dos antigos CTT de Braga era já co -nhecida anteriormente à realização das actuais esca -vações. Entre os numerosos achados sugestivos daexistência de uma necrópole romana neste sector dacidade podem referir-se várias inscrições funeráriase sepulturas, ou espólio associado.

Assim, nas obras realizadas para a construção dopróprio edifício dos CTT, foram identificadas, ante-riormente a 1952, três estelas funerárias (CUNHA

1953; LE ROUX e TRANOY 1973: 186-191). Em fren -te à fachada Nascente do referido quarteirão, pertodo Largo do Rechicho, foram encontradas, em 1967,quatro sepulturas de incineração, três das quais emcova e uma em caixa, feita de material laterício. Nomesmo ano e nos alicerces do prédio que faz gavetoentre a Av. da Liberdade e o Largo João Penha, foiencontrada uma outra sepultura com restos de cre-mação que forneceu um significativo espólio votivo.Nas suas imediações foi igualmente encontrada umaestela funerária (SOUSA 1973: 13; LE ROUX e TRA -NOY 1973: 185).

A bibliografia arqueológica refere ainda o acha-do de lucernas associadas a presumíveis sepulturasprocedentes da Rua do Raio, rua que limita o supra -citado quarteirão, a Sul (SOUSA 1966; 1973: 14).

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A terceira fase corresponde a uma re -estruturação profunda da plataforma viária,ten do-se registado uma deslocação da viapa ra Norte. A nova plataforma foi realizadaatravés da sobreposição de vários aterros denivelamento de matriz arenosa, misturadoscom blocos graníticos de diversas dimensões,que serviram para nivelar o terreno, en tre osquais se detectou um fragmento de uma este -la funerária. Sob o pavimento foi identifica-da uma espessa camada de preparação cons -tituída por fragmentos de quartzo de diversasdimensões, consolidados por meio de argilae areia fina. O recurso ao quartzo prende-secer tamente com as características desta ma -té ria-prima, nomeadamente a sua dureza, queseria suavizada pelo ligante em argila, forman -do uma camada elástica, suficientemente du -ra para sustentar a pressão sobre o pavimen-to. Este nível específico pode corresponder aonucleus, ou seja, ao nivelamento de reforçoque era aplicado sempre que a génese do ter-reno o exigia, tendo em vista o reforço dasolidez da via. Essa parece ter sido a situaçãono caso vertente, uma vez que o nível de quart -zos apenas se detecta na parte da via que sesobre pôs a enchimentos menos compactos, situadosa Norte do anterior traçado.

No troço escavado da via verificou-se que ames ma foi dotada de um dreno transversal, que per-mitia a circulação da água de Norte para Sul, a favorda pendente. Trata-se de uma estrutura constituídapor paredes irregulares, coberta com grandes lajesgraníticas, que drenava directamente para o vallumexistente a Sul.

Reduzindo a largura da fase anterior, a via pas-sou a possuir um pavimento em calçada (summumdorsum), constituído por pedras graníticas de váriasdimensões, compactadas em saibro e, presumivel-mente, em cal. O pavimento identificado revelou ves -tígios de uso, correspondentes ao desgaste longitudi-nal dos rodados. Com esta terceira reestruturação, avia passou a corresponder a uma plataforma per-feitamente horizontal, no sentido E/O, com mais de1,20 m de altura relativamente ao solo original.

Sobre a plataforma correspondente ao piso dater ceira fase da via foram sucessivamente sobrepos-tos outros pavimentos, circunstancialmente observa-dos, que registam restos de calçada. Estes últimospavimentos encontram-se bastante mal conservadosdevi do aos rebaixamentos realizados no terreno porcons truções recentes. No entanto, é possível indi vi -dua li zar mais três calçadas. Uma corresponderá auma fase tal vez datada da Antiguidade tardia, sendoa seguinte pre sumivelmente medieval e a mais re -cente já da Época Moderna.

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Figura 3

Perspectiva da Via XVII na Área 1 / Arquivo UAUM.

Tam bém a Norte da Rua Gonçalo Sampaio, quecons titui o limite setentrional do quarteirão, foramencontradas duas estelas funerárias, uma procedentedo muro da cerca do Convento dos Remédios (CIL2425) e outra presumivelmente da própria cerca, co -nhecida desde o século XVIII (CIL 2431).

Nos inícios dos anos 80 do século passado, quan -do se procedeu ao desaterro dos terrenos para a cons -trução do Centro Comercial de Santa Cruz (MARTINS

e DELGADO 1989-90: 91), foram destruídas numero -sas sepulturas, tendo sido apenas possível escavaruma delas, que se encontrava no limite do terreno.Trata-se de uma sepultura em caixa feita de tijoleirasque ofereceu um rico espólio votivo, datado dos iní-cios do século II (DELGADO 1984).

Também em 1994, quando se procedeu à abertu-ra do túnel de ligação à Avenida Central, foram iden-tificadas e escavadas algumas sepulturas na parteLes te da Av. da Liberdade.

Outros achados que podem ser articulados comesta necrópole são as várias inscrições funeráriasdes cobertas em diferentes momentos nos terrenosen volventes do Hospital de S. Marcos (VAS CON -CELOS 1918: 360; SOUSA 1973: 14; OLIVEIRA 1978:28; CIL 2442), que se encontram mais próximos doslimites da cidade romana e da sua porta Nascente,que deveria situar-se perto do limite actual da Ruados Falcões, que assinala o traçado do sector Nas -cente do decumanus máximo (MARTINS 2004).

As escavações realizadas pela Unidade de Ar -que ologia, em 1987, nos terrenos adjacentes à cha -mada “Cangosta da Palha” permitiram identificarum conjunto significativo de sepulturas associadas aesta necrópole, sendo de destacar algumas de inci -neração e um grupo bastante mais significativo desepulturas de inumação datadas da Antiguidade tar-dia (MARTINS e DELGADO 1989-90: 104-142).

O conjunto dos achados supracitados permitiaantever o interesse arqueológico da área correspon-dente ao quarteirão dos antigos CTT onde se pre-sumia ser possível encontrar vestígios conservadosda necrópole da Via XVII, hipótese que veio a sercomprovada pelas escavações já realizadas.

3.2. Resultados da intervenção em curso

Os trabalhos de escavação arqueológica realiza-dos até ao momento colocaram a descoberto umaárea de necrópole com cerca de 480 m², permitindoregistar uma grande concentração de sepulturas nametade Poente do quarteirão, quer a Norte, quer aSul do troço identificado da Via XVII.

A grande maioria das sepulturas encontrava-seimplantada na área de alteração granítica, a qualparece ter sofrido um processo de regularização paraobtenção de uma área nivelada, cuja superfície fun-cionaria como solo de circulação da necrópole.

Do conjunto das sepulturas detectadas até aomomento cabe destacar as que se articulam com oritual da cremação, que apareceram em maior quan-tidade, sendo possível, todavia, assinalar a existênciade algumas inumações em caixa, quer de forma rec-tangular, quer com cobertura de duas águas, cons -truídas com material laterício, as quais se localizamtodas na parte Norte do troço identificado da via ro -mana.

3.2.1. Sepulturas associadas ao ritual de cremação

As áreas escavadas até ao momento permitiramdetectar um total de 17 urnas funerárias associadasao ritual de cremação, depositadas em covas sim-ples, maioritariamente de perfil em U, com profun-didade, largura e comprimento variáveis.

Apesar do estado de relativa destruição de algu-mas das sepulturas identificadas, foi possível detec-tar alguns enterramentos bem conservados, que pre -servaram as urnas, predominantemente em cerâmicade fabrico comum, que continha restos ósseos cre-mados.

Sob uma das sepulturas de inumação em caixa,foi identificada a Sep. II, implantada no saibro, quese destaca das demais. Na verdade, tudo leva a con-siderar que o enterramento dos restos da cremaçãofoi feito em caixa de madeira, da qual se identifi ca -ram as ferragens, juntamente com um conjunto voti-vo bastante rico, constituído por um pequeno pote decerâmica comum, três amuletos em faiança egípcia,uma conta de madeira, uma medalha de bronze euma lucerna de produção centro-itálica. Este enterra-mento foi datado dos inícios do século I.

Digna de destaque é a sepultura individualizadacomo Sep. XX, também ela com matérias ósseascremadas, em cova simples, em forma de U alonga-do. Possuía uma urna selada por um bloco graníticode talhe e forma irregulares, sistema que é bastanterecorrente neste núcleo da necrópole (Fig. 4). Após aremoção do bloco foi possível observar a presençade uma taça de vidro canelada, de cor verde azulado,bastante fragmentada, que fechava o topo da urna.Esta albergava no seu interior restos de cremação eum pequeno unguentário.

Paralelamente, foi identificada uma extensaman cha de cinzas, misturadas com fragmentos decarvão e vestígios de material osteológico cremado(Sep. XIII). Este enterramento destaca-se pelo es pó -lio votivo que forneceu, que compreende duas lucer-nas inteiras e uma outra fragmentada, associadas auma moeda onde se identifica o busto do imperadorTrajano com a seguinte legenda [IMP CAES NER-VA] TRAIAN AVG GERM. Tendo em conta o con-junto votivo identificado, é possível sugerir para estasepultura uma cronologia em torno dos finais doséculo I-inícios do século II.

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de uma urna de pedra, de forma oval, seccionada ameio da sua altura e selada por quatro grampos deferro, colocados a uma distância de 0,35 m entre si(Fig. 6). A peça tem uma altura de 0,55 m e um diâ -metro aproximadamente com 0,45 m. Embora pos-sua uma tipologia rara, esta urna possui paralelos nacidade de Uxama, onde foram encontradas três peçassemelhantes com uma cronologia júlio-claudiana(ABÁ SOLO ALVAREZ 2002: 152).

Até ao momento não foram encontrados elemen -tos epigráficos, ou qualquer outro sistema de sinaliza -ção em conexão com os enterramentos observados.

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Nas imediações dos enterramentos anterioresassi nalámos a presença de uma outra sepultura,Sep. XVII, correspondente a uma fossa com cerca de0,45 m de profundidade, que se encontrava preenchidapor um enchimento homogéneo composto por abun -dantes carvões, cinzas e restos ósseos cremados, quese dispunham sobre uma urna, em cerâmica comum,selada por uma massa endurecida (Fig. 5).

O enterramento assinalado como Sep. XXI pos-sui a particularidade da urna cerâmica ter sido colo-cada no interior de uma estrutura muito tosca, com-posta por quatro lascas de granito dispostas vertical-mente, que formavam uma espécie de caixa de pe -dra. Nas imediações da sepultura foi descoberta umaurna em vidro, depositada numa fossa simples, ajus-tada à medida do vaso.

Dignas de referência são ainda algumas estrutu -ras identificadas que parecem articular-se com a uti-lização da necrópole. Uma delas caracteriza-se porum conjunto de três sapatas de muros, com os res -pectivos alicerces, que parecem definir um recintofunerário, onde foram reconhecidos os vestígios dapreparação de um pavimento que deveria definir oespaço interior do presumível recinto.

Foi ainda assinalada a presença de outras duassapatas, com cerca de 4 x 1,80 m, admitindo-se quepossam pertencer a uma outra construção de funcio -nalidade desconhecida. No entanto, não seria estranhoque a mesma pudesse estar relacionada com a monu -mentalização do espaço funerário (CAETANO 2002:315), podendo corresponder ao suporte de um altarou de uma edícula, completamente destruídos.

No espaço contíguo a estas estruturas, foi identi-ficado um enterramento em que o ossilegium (SILVA

2007: 25) foi depositado directamente numa fossapou co profunda, que revelou, para além dos restosósseos da cremação, abundantes cinzas e carvões.Neste enterramento não foi exumado qualquer tipode espólio votivo, sendo, contudo, possível balizá-locronologicamente nos finais do séc. I, tendo em con-ta a datação do nível que sobrepõe o enterramento.

Digna de referência é ainda a urna identificada naparte Sudeste do quarteirão, na sondagem 3. Trata-se

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Figura 4

Urna cinerária (Sepultura XX) / Arquivo UAUM.

Figuras 5 e 6

Em cima, urna cinerária em fossa(Sepultura XVII) / Arquivo UAUM.

Em baixo, urna em pedraencontrada na Sondagem 3 /Arquivo UAUM.

3.2.2. Sepulturas de inumação

Na área situada na parte Noroeste do quarteirão,correspondente à sondagem 1, foram descobertasquatro sepulturas em caixa de duas águas. Deste con-junto merecem destaque três delas, devido às suasparticulares condições de conservação, bem comoaos materiais que incorporaram.

Duas destas estruturas (Sep. I e VI), com orien-tação E/O, formadas por paredes e lastro de tégulas,com juntas fechadas com ímbrices e pedras, permiti-ram exumar dois esqueletos inteiros, em mau estadode conservação (Esqueletos n.ºs 5 e 6), correspon-dentes a um indivíduo adulto e a um outro jovem(Figs. 7 e 8).

Uma outra sepultura, presumivelmente uma cai -xa de duas águas, com orientação N/S (Sep. III), in -corporou na composição do lastro um conjunto de ti -jo leiras trapezoidais, que apresentavam na parte maisestreita uma decoração ondulada. Este facto permitesupor que podemos estar na presença de elementosarquitectónicos em material laterício reaproveitados,os quais formariam parte do arco de uma porta de umpossível mausoléu. Neste enterramento, atestou-se apresença de restos de matéria orgânica (não identifi-cada), à mistura com restos de material osteológico(Esqueleto n.º 3).

Foram ainda detectadas duas caixas de secçãorectangular. Uma delas, identificada no limite dason dagem 1 (Sep. XXXII), não foi ainda escavada.Uma outra, bastante destruída por uma extensa vala(Sep. VII), forneceu apenas os vestígios de uma man -díbula humana (Esqueleto n.º 4).

Uma das inumações identificadas corresponde aum enterramento feito em cova simples (Sep. VIII),com a deposição feita directamente sobre o solo.Nes ta sepultura foi possível detectar os membros in -feriores de um esqueleto em mau estado de conser-vação (Esqueleto n.º 1).

Nenhum dos enterramentos referidos forneceuqualquer tipo de espólio que permitisse definir a suacronologia. Todavia, atendendo às características ti -po lógicas das sepulturas e à cerâmica associada aosenchimentos que as rodeiam, é possível admitir queestamos perante um nível de utilização da necrópoleque pode ser balizado entre os séculos IV-V e o sécu-lo VII.

4. A área artesanal

Na zona escavada até ao momento no quadranteSudeste do quarteirão foi possível identificar umcon junto de vestígios que sugerem a existência deuma área artesanal, situada a Sul da via, onde pare-cem estar ausentes os enterramentos.

Os vestígios exumados, que contemplam vestí-gios de muros, dois tanques, a base de um forno de

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Figuras 7 e 8

Sepultura de inumação em caixa de duas águas e respectivo enterramento /Arquivo UAUM.

fun dição de vidro. No interior deste espaço foramidentificados alguns embasamentos, feitos comgran des blocos graníticos, predominantemente qua -drangulares, que serviam para assentar silhares, umdos quais se encontrava in situ, presumivelmentedes tinados a sustentar elementos de pedra ou de ma -deira que suportariam uma cobertura.

Nesta fase regista-se uma expansão da área arte-sanal para Norte, ocupando parte da via. Este factoencontra-se assinalado pela implantação de grandessilhares, de forma quadrangular, para criação daqui-lo que julgamos poder corresponder a um pórtico,que resguardaria a zona de entrada da oficina. Pa ra -lelo ao alinhamento dos silhares encontra-se um mu -ro, orientado E/O, de características semelhantes aosanteriormente referidos, identificado no perfil da son -dagem 5. Torna-se claro que o volume de constru -ções implantadas sobre as preparações da via elevouo nível de circulação da mesma, fazendo-a avançarpara Norte, naquela que foi considerada a terceira re -modelação deste eixo viário.

Na parte Poente da sondagem 5 foram encontra-dos os vestígios de um forno de fundição de vidro detipologia romana, composto por uma câmara de fun -dição circular, com cerca de um metro de diâmetro,ligada a uma câmara de alimentação de calor, de for-ma trapezoidal, com cerca de 1,50 m de comprimen-to (Fig. 9).

Na parte melhor preservada da estrutura per -cebe-se um arranque da parede abobadada de cober-tura da câmara, formada por tijoleiras sobrepostas,revestidas de argila, tanto no interior, como no exte-rior. Este revestimento destinava-se a isolar a câmarae a garantir a conservação das altas temperaturas ne -cessárias à fundição do vidro.

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fundição de vidro, bem como restos de fabrico, de -signadamente fragmentos de lingotes de vidro e depeças acabadas, permitem afirmar que estamos pe -rante um estabelecimento artesanal, localizado extra-muros, anexo à via e contíguo a uma área da necró-pole onde se registam apenas incinerações.

As estruturas que poderão estar relacionadascom a ocupação inicial da área artesanal encontram--se reduzidas praticamente às fundações.

Salvaguardando o facto de não se ter concluídoainda a escavação da totalidade deste espaço arte-sanal, podemos admitir que a primeira fase de ocu-pação está relacionada com a construção de um con-junto delimitado por um forte muro com aparelho detipo opus vittatum, com cerca de 0,60 m de largura,orientado N/S, reforçado por uma sapata de arga-massa muito consolidada. Este muro serve de limitea dois pequenos tanques que se desenvolvem paraNascente, apenas parcialmente escavados.

O reforço do muro, bem como a separação dostanques utilizam paredes de tijoleira, consolidadaspor uma boa argamassa de cal e areia. Os tanquesapresentam dois tipos de revestimento: o da base,constituído por uma argamassa bastante semelhanteao opus signinum, ainda que mais friável, e o das pa -redes, constituído por uma argamassa de opus signi -num mais depurada e consolidada.

Ainda não se encontra definido o conjunto de es -truturas que pode ser enquadrado numa segunda fasede utilização desta área artesanal, pese embora aiden tificação de alguns muros que podem ser atribuí-dos a este momento construtivo. Entre eles desta-cam-se os vestígios de dois muros paralelos, orienta-dos E/O, com cerca de 0,52 m de largura, que regis-tam uma técnica construtiva bastante semelhante,recorrendo a argamassas de argila idênticas. É desupor que fechassem um compartimento, já que dei -xam adivinhar uma relação de contemporaneidadenão só pela semelhança formal dos aparelhos, mastambém pelo facto de assentarem directamente emcima das estruturas precedentes, reaproveitando, numdos casos, parte da parede de um dos tanques.

Paralelamente foram identificados pavimentos eaterros de enchimento que fornecem os fragmentosde “casco” de fundição de vidro, constituído por vi -dros partidos, pingos, escórias e peças imperfeitas(CRUZ 2001: 36). Deste modo, é provável que os doismuros representem o que inicialmente começou porser a área artesanal já dedicada à produção de vidro,embora esta hipótese tenha que ser confirmadaaquando do alargamento da área de escavação paraNascente.

Uma fase posterior de utilização deste espaçoprende-se com a construção de dois grandes muros,com orientação E/O, com aparelho composto porblocos regulares e material de construção. Estes doismuros parecem definir os lados Norte e Sul de umagrande área onde se terá instalado uma oficina de

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Figura 9

Base de um forno de fundição devidro / Arquivo UAUM.

As unidades sedimentares identificadas comoater ros de lixo da oficina ou aterros de demoliçãofor neceram elementos que se ligam inequivocamen -te à produção vidreira. Entre eles contam-se algunsfragmentos de tijoleira com pasta de vidro, fragmen-tos de cadinhos, escórias, espuma, fragmentos deani lhas, pingos e repuxados, bem como canas e pon-téis de vidreiro e inúmeros fragmentos de “casco”,ou seja, uma amálgama de pequenos fragmentos quenão foram alvo de reciclagem (CRUZ 2001: 37). En treo material recolhido foram ainda descobertos frag -mentos de lingotes de vidro (vidro em bruto), factoque permite considerar que esta oficina não reali -zaria a produção primária de vidro, que exigiria umainstalação artesanal mais elaborada (FUENTES et al.2001: 161).

O estabelecimento artesanal identificado pareceter estado em pleno funcionamento ainda durante osséculos V-VI, ocupando uma área de construção ex -tensa, numa das principais saídas da cidade.

A última fase construtiva deste espaço surge re -presentada pela implantação de muros, provavel-mente na época medieval ou moderna, que compar-timentam a área oficinal, obliterando completamentea organização daquele amplo espaço. O que restoudessas estruturas foram apenas os enchimentos dasvalas de saque, os negativos das valas de fundação e,por vezes, alguns elementos do lastro e das sapatasdos muros que escaparam ao saque.

5. Considerações finais

Pese embora o facto das escavações realizadasaté ao momento terem permitido identificar algumasestruturas reportáveis ao período moderno e contem-porâneo, que se sobrepõem à ocupação tardo antigadesta zona de Braga, os vestígios mais significativosque foram encontrados são os que se reportam à uti-lização do espaço suburbano da Braga romana e tar-do antiga.

A identificação de um troço da Via XVII, asso-ciado a um sector da respectiva necrópole e a umaárea artesanal, com uma longa ocupação, represen-tam um inestimável contributo, não só para o estudodos vestígios referidos, como também para o conhe -cimento do modo como se organizava e evoluiu umespaço periférico da cidade romana, cruzado por umimportante eixo viário que ligava Bracara a Astu ri -ca, articulando igualmente a cidade com a rica veigado rio Este.

A escavação da via permitiu verificar as suas ca -racterísticas construtivas e a sua longa permanênciacomo eixo viário, conseguida com sucessivas repa -vi mentações. Estas, permitiram ir subindo a cota davia, diminuir-lhe a pendente E/O, horizontalizando-ae, finalmente, deslocá-la para Norte.

As escavações permitiram ainda testemunhar autilização do espaço anexo à via, quer como área denecrópole, quer como área artesanal.

No que respeita à necrópole é possível admitir,face aos dados disponíveis, que as áreas de enterra-mento tenham variado ao longo dos tempos. Comefeito, a maioria dos enterramentos que se associamao ritual de cremação concentram-se na parte a Sulda via, enquanto as inumações surgem apenas aNorte da mesma, algo que parece confirmado pelaescavação do núcleo de sepulturas de inumação da“Cangosta da Palha”, realizada em 1987, o qual seinscreve na mesma necrópole (MARTINS e DELGADO

1989-90). Neste sentido, parece possível admitir que no

Alto Império os enterramentos se fizeram de ambosos lados da via, enquanto na Antiguidade tardia elespassam a privilegiar a parte Norte. Este facto poderáestar relacionado com a utilização artesanal de al -guns dos espaços anteriormente usados como necró-pole.

Os dados obtidos nesta intervenção são bastanterelevantes no que respeita ao conhecimento da evo -lu ção dos rituais funerários em Bracara Augusta.Por outro lado, merece destaque o facto do sector es -ca vado da necrópole revelar vestígios de cremação,que incluem abundantes fragmentos de ossos, situa -ção que nunca havia sido registada nas escavaçõesanteriormente realizadas nas diferentes necrópolesde Bracara Augusta (MARTINS e DELGADO 1989-90).O bom estado de conservação dos restos de crema -ção, grande parte dos quais depositados em urnas, irápermitir realizar estudos antropológicos que se con-figuram susceptíveis de fornecer dados relativos aori tual de cremação, bem como às populações ali en -terradas. Neste contexto, importa referir também a im -portância da detecção de material osteológico asso -ciado ao ritual de inumação, datado da Antiguidadetardia, o que constitui uma novidade no quadro dosco nhecimentos relativos aos espaços funerários co -nhecidos até ao momento.

Resultado não menos importante é o que se rela-ciona com a identificação de uma área artesanal liga -da à produção do vidro, contígua à necrópole. Tra -tando-se do primeiro espaço deste tipo escavado emBraga, ele vem confirmar a convivência dos espaçosde enterramento com zonas fabris, à semelhança doque acontece noutras cidades, designadamente emMérida, onde foram identificadas várias oficinas decerâmica e de vidro nas áreas periféricas da cidade,junto a necrópoles (NOGALES BASARRATE e MAR -QUEZ PÉREZ 2002: 114-115).

Por outro lado, o registo deste espaço fabril pa -rece documentar um processo característico das ci -da des romanas relacionado com o progressivo afas-tamento das actividades artesanais para a periferiaur bana, quer por razões de se gurança, quer devido à

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Se considerarmos que os vestígios detectados selocalizam na proximidade do santuário da Fonte doÍdolo (ELENA et al. 2008) e perto de um presumívelbal neário, identificado a Sudoeste, na zona dos Gran -jinhos, vemos ainda mais reforçado o carácter pluri-funcional desta área suburbana de Bracara Augusta,que regista um grande dinamismo desde o Alto Im -pério até à Antiguidade tardia.

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