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Flaviane de Magalhaes Barros - texto livro STF - um balanço versao final

Date post: 06-Feb-2023
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O papel do Supremo Tribunal Federal nas reformas do Código de Processo Penal: a necessidade de revisão da teoria das nulidades Flaviane de Magalhães Barros 1 INTRODUÇÃO Já se tornou repetitivo falar da reforma parcial do Código de Processo Penal, das dificuldades de um texto fragmentado e sem coesão, da matriz inquisitorial que perpassa a tradição do processo penal brasileiro inspirado no Codice Rocco italiano. Por outro lado, o discurso dos pesquisadores do Direito, em especial processualistas como Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Eugenio Pacceli de Oliveira, Aury Lopes Junior, Paulo Rangel, Geraldo Prado, Alexandre de Morais da Rosa e mesmo constitucionalistas como Lenio Streck, vem de forma reiterada asseverando que muitas mudanças são uma aproximação com o princípio acusatório esculpido na Constituição da República. Nesse sentido, viu-se, após 2008, um esforço hermenêutico interpretativo para que as 1 Doutora e mestre em direito processual (PUC Minas). Pós-Doutora (CAPES) junto a Università degli studi di Roma TRE. Professora adjunta da PUC Minas. Professora da UIT. Membro do Conselho Científico do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ). Advogada.
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O papel do Supremo Tribunal Federal nas

reformas do Código de Processo Penal:

a necessidade de revisão da teoria das

nulidades

Flaviane de Magalhães Barros1

INTRODUÇÃO

Já se tornou repetitivo falar da reforma parcial do

Código de Processo Penal, das dificuldades de um texto

fragmentado e sem coesão, da matriz inquisitorial que

perpassa a tradição do processo penal brasileiro inspirado

no Codice Rocco italiano.

Por outro lado, o discurso dos pesquisadores do

Direito, em especial processualistas como Jacinto Nelson de

Miranda Coutinho, Eugenio Pacceli de Oliveira, Aury Lopes

Junior, Paulo Rangel, Geraldo Prado, Alexandre de Morais da

Rosa e mesmo constitucionalistas como Lenio Streck, vem de

forma reiterada asseverando que muitas mudanças são uma

aproximação com o princípio acusatório esculpido na

Constituição da República. Nesse sentido, viu-se, após

2008, um esforço hermenêutico interpretativo para que as1 Doutora e mestre em direito processual (PUC Minas). Pós-Doutora(CAPES) junto a Università degli studi di Roma TRE. Professora adjunta da PUCMinas. Professora da UIT. Membro do Conselho Científico do Institutode Hermenêutica Jurídica (IHJ). Advogada.

reformas perpetradas pelas leis 11.689/08, 11.690/08,

11.719/08, 11.900/09 e 12.403/11 fossem interpretadas na

“melhor luz”, ou seja, a partir do texto constitucional.

Contudo, sabe-se que essas vozes que buscam uma

adequação do processo penal à Constituição, não são a

unanimidade na doutrina, muito menos nos inúmeros livros e

manuais de processo penal que povoam as estantes jurídicas.

Logo, vislumbra-se também um movimento oposto em sentido e

perspectiva que pretende manter tudo como estava, ou seja,

tudo como antes da Constituição de 1988, ou mais ainda,

tudo como a tradição do processo penal brasileiro de matriz

autoritária e inquisitorial estabelecia.

Se nas discussões acadêmicas e doutrinarias, essa

dicotomia é visível, é necessário ainda fazer referência à

dificuldade de implementação, no cotidiano da prática

forense brasileira, das mudanças efetivadas pela reforma

parcial.

Muitos pesquisadores, dentre eles Boaventura Sousa

Santos(ano) já vem advertindo que não basta mudar a lei,

reformar a legislação, mas que é necessário garantir que as

novas leis passem a ser vivenciadas no dia a dia dos

processos criminais, exigindo assim uma atualização

continuada dos operadores do direito envolvidos na questão,

como juízes, promotores, advogados, escrivães, delegados de

policia, peritos e muitos outros.

É justamente no plano da aplicação das novas leis e

seus impactos junto aos processos penais em andamento que a

pesquisa da jurisprudência dos tribunais tem verdadeiro

sentido. Pois, os pontos controversos, em que se exige uma

interpretação constitucionalmente adequada da norma

reformada e das novas situações processuais antes não

discutidas, aparecem na jurisprudência seja por meio da

arguição de uma nulidade seja por meio da arguição da

inconstitucionalidade da lei.

A partir desse cenário é que se busca perquirir qual o

papel do Supremo Tribunal Federal perante a aplicação das

normas reformadas da legislação processual penal,

principalmente quando tais normas buscam justamente uma

aproximação do texto normativo processual às normas

constitucionais. Tais questões são matéria constitucional

e, sendo o Supremo Tribunal Federal o último órgão de

decisão competente para a análise dos casos concretos, seja

por meio de recursos extraordinários2 ou pela via do Habeas

Corpus e ou seu Recurso Ordinário Constitucional, sua

atuação é fundamental, sobretudo como balizador

jurisprudencial. Além disso, lhe cabe como guardião da

constituição julgar a constitucionalidade, por meio dos

processos de controle concentrado ou ainda da extensão dos

efeitos pela sumulas vinculantes e a repercussão geral.

Assim, o Supremo tem importante papel de influenciar os

demais níveis decisórios sejam do Superior Tribunal de

Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, e dos Tribunais

de Justiça dos Estados, até as decisões dos juízes

2 A possibilidade de reconhecimento da repercussão geral nos recursos extraordinários em processo penal deve considerar o direito fundamental de liberdade, que tais questões sempre estão submetidas e o respeito à garantia do processo estabelecida constitucionalmente condição para uma decisão válida no processo penal

criminais de primeira instancia. Tal influencia se da pela

declaração da inconstitucionalidade ou constitucionalidade

das normas processuais reformadas, ou ainda, pelo

reconhecimento de uma nulidade no processo quando a norma

processual reformada tem direta vinculação com as

determinações constitucionais.

Para analisar esse papel do Supremo tomou-se como pano

de fundo uma série de decisões sobre a nova ordem de oitiva

das testemunhas no processo penal decorrente da nova

redação dada ao art. 212 do CPP, já que ela foi objeto

também de acalorados debates no seio acadêmico e na

doutrina. Busca-se, com tal discussão, demonstrar a

necessidade de uma revisão da teoria das nulidades a fim de

que o arcabouço teórico do direito processual penal se

adéque às novas perspectivas hermenêuticas constitucionais.

Nesse ponto, o estudo tem como marco a compreensão

procedimentalista do Estado Democrático de Direito que

reconhece a relação interna entre Direito e democracia

pelas bases do estudo de Habermas (1997) e a noção de

direito como integridade de Dworkin(2010a, 2010b). Para

repensar o processo, parte-se da proposição do processo

como um procedimento em contraditório ( FAZZALARI, 1992),

mas aprimorando-a com uma perspectiva constitucional, em

que o processo é uma garantia de direito fundamentais

( BARROS, 2009).

Para contribuir com o projeto da presente obra tomou-

se como método a analise da jurisprudência, tentando

demonstra o encaminhamento da questão até a primeira

analise do STF sobre o tema do art. 212 do CPP por meio de

casos concretos. O estudo empírico escolheu caso em que o

MP do Distrito Federal e Territórrios apresentou Reclamação

junto ao TJ- DF em razão do não cumprimento pelo juiz da

nova disciplina de produção de prova definida na reforma

parcial de 2008. Após a analise do caso nas diversas

instancias buscou-se analisar todas as decisões do STF

sobre a temática tendo como parâmetros os anos de 2011 e

2012.

1- O debate sobre a nova ordem de oitiva de testemunhas

determinada pelo art. 212 do CPP

A nova redação do artigo 212 do CPP trouxe uma

acalourada discussão sobre a ordem de oitiva das

testemunhas na Audiência de Instrução e Julgamento. Desde a

publicação da Lei nº 11.690/2008, foi possível delinear

duas linhas de interpretação da referida norma, tomando

como base as etapas pré-interpretativas e interpretativas

propostas por Dworkin (2010, p. 82).

Assim, uma primeira linha tomava, na etapa pré-

interpretativa, a nova formulação do texto do art. 212 do

CPP, o qual assevera que as perguntas às testemunhas serão

feitas diretamente pelas partes e que o juiz fará perguntas

de forma complementar sobre pontos não esclarecidos pela

testemunha. Já, na etapa interpretativa, verificava-se uma

mudança na metodologia de inquirição da testemunha que,

pondo fim ao sistema presidencialista, permitia uma maior

aproximação da legislação processual ao princípio

acusatório. Tal modificação estaria, em termos de direito

comparado, aproximando o sistema brasileiro à prática do

direito norte americano do direct examination e da cross-

examination ou ainda a sistemática adotada no Código de

Processo Penal italiano no esame direto e controesame ( art. 498

do CPPit).

Na matriz dworkiana, a etapa interpretativa definida

por uma primeira linha de interpretação analisa a questão

com base no principio acusatório, e uma interpretação com

base em princípios reforça que tal concepção garante a

ampla defesa, a imparcialidade e o devido processo legal.

Já em uma segunda linha de interpretação entende-se,

na etapa pré-interpretativa, que a nova redação do art. 212

do CPP não mudou a ordem tradicional da inquirição das

testemunhas. Assim, o juiz é quem primeiro tem contato com

a testemunha e lhe faz as perguntas pertinentes, tendo a

nova redação apenas determinado que as perguntas das partes

sejam feitas diretamente às testemunhas e não mais por

intermédio do juiz, como no sistema presidencialista.

Assim, o parágrafo único do referido artigo traz apenas um

preciosismo do legislador que determina que o juiz, mesmo

perguntando inicialmente, pode após as perguntas das partes

reinquirir a testemunha. Na fase interpretativa se sustenta

que, pela analise dos demais artigos do Código de Processo

Penal, pode-se inferir que a reforma apenas pretendeu dar

maior celeridade ao processo penal, que manteve e até mesmo

reforçou os denominados poderes instrutórios do juiz como

na nova redação do art. 156 do CPP. Acrescenta-se ainda que

a norma do art. 212 precisa se conformar com a disposição

do art. 473 do CPP, que trata da instrução no tribunal do

júri, mantendo nesse caso a ordem tradicional de inquirição

da testemunha, sendo primeiro o juiz-presidente do Tribunal

do Júri, depois as partes e, por fim, os jurados.

Tanto nos estudos doutrinários como nas decisões

judiciais é possível reconhecer essas duas linhas

interpretativas. Para demonstrar tal questão e a

necessidade de buscar a interpretação a melhor luz que leva

a sério a Constituição, os direitos fundamentais e as

garantias do processo, passa-se a reconstruir a discussão

sobre a aplicação do art. 212 do CPP e as implicações dos

precedentes judiciais nas decisões em seus diversos níveis

recursais, por meio de casos concretos.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

apresentou perante o Tribunal de Justiça do Distrito

Federal e Territórios inúmeras reclamações em face de

juízes de primeiro grau. As reclamações decorriam das

recusas de diversos juízes de primeira instancia como os da

1ª e 2ª Vara Criminal de Ceilândia, 5ª Vara Criminal de

Brasília, 2ª Vara Criminal de Samambaia, e 2ª Vara Criminal

do Tribunal do Júri da Ceilândia. Em específico, ao iniciar

as audiências de instrução e julgamento o juiz iniciava

fazendo as perguntas às testemunhas, após a sua

qualificação e tomada de compromisso, ao invés de dar a

palavra ao Ministério Público para primeiro inquirir a

testemunha da acusação. A indeferir o pedido do MP de

respeitar a nova ordem de inquirição da testemunha definida

pelo art.212 do CPP, fundamentavam que a nova redação não

modificava a ordem das perguntas, apenas permitia a

inquirição direta das partes ( BRASILIA, TJ-DF 2009a,

2009b).

O Ministério Público ante tais decisões apresentou

reclamação perante o Tribunal de Justiça, já que não há

para a situação um recurso previsto. Reclamações como essas

foram submetidas às duas turmas criminais do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal.

Em acórdão da 1ª Turma do Tribunal de Justiça do

Distrito Federal e Territórios, a relatora Desembargadora

Sandra de Sanchis diz que entre a posição de que o juiz

continua a perguntar primeiro e a linha interpretativa que

a nova redação determina a adoção da inquirição direta das

partes e a atividade judicial passa a ser supletiva, ela

como julgadora acompanha a segunda. Entende, contudo,

tratar o desrespeito ao art. 212 de nulidade relativa, que

deve portanto ser reconhecida quando houver prejuízo.

Prejuízo que não foi demonstrado na situação reclamada,

segundo a decisão da Desembargadora. Assim julgou

improcedente a reclamação. Voto esse acompanhado pelo

primeiro vogal. Já o segundo vogal, utilizando-se da linha

doutrinaria traçada por Guilherme Nucci, assevera que a

nova lei não mudou a ordem da oitiva, ou seja, primeiro a

testemunha é inquirida pelo juiz. Conclui que essa

interpretação decorre da matriz inquisitorial-garantista

adotada pelo Código de Processo Penal. Por esses

fundamentos julga improcedente a reclamação(BRASÍLIA, TJ-

DFT, 2009a).

As inúmeras reclamações feitas pelo Ministério Público

junto ao TJDFT, como a ora analisada, deram origem a

processos julgados no STJ. Em verdade, O Ministério Público

usou do Habeas Corpus3 como meio processual para obter a

pretendida anulação das Audiências de Instrução e

Julgamento realizadas em desconformidade com a nova redação

do art. 212 do CPP.

No STJ a discussão sobre a nova ordem de inquirição de

testemunhas gerou controvérsia, pois as duas turmas que

possuem competência criminal, a princípio, divergiam na

interpretação do artigo reformado, tendo consolidado um

único entendimento posteriormente. Logo, pelo marco adotado

nessa pesquisa, é importante reconstruir essa discussão.

Assim, seguindo o caminho da questão levantada pelo

Ministério Público do Distrito Federal, analisou-se três

decisões diferentes, todas tratando de Reclamações do MP

junto ao TJDFT.

A primeira decisão é no HC 121.216 julgado pela 5ª

turma do STJ (BRASÍLIA, STJ, 2009c), com relatoria do Min.

Jorge Mussi. Ao analisar o caso submetido a julgamento, o

Relator salienta que o MP, antes de iniciar a oitiva,

requereu ao juiz que o ato fosse realizado nos termos da

nova redação do art. 212 de CPP. O magistrado negou o

pedido sustentando que cabia a ele a presidência dos atos

procedimentais, logo o sistema se mantem presidencial e

3 Segundo o CPP, o MP tem legitimidade para impetrar ordem de HC em favor dos acusados, mesmo quando ele é o autor do processo penal.

fica mantido o poder/dever de arguir primeiro as

testemunhas. Quando da analise do caso pelo Tribunal de

Justiça, este entendeu tratar-se de erro de procedimento,

não reconhecendo a nulidade. Fundamentando seu voto, o

Relator apresentou posições da doutrina que asseveram que a

mudança do art. 212 do CPP é decorrência do principio

acusatório, devendo o juiz atuar na inquirição presidindo o

ato, indeferindo perguntas e, de forma suplementar, ao

final, fazer perguntas de pontos não esclarecidos.

Reconheceu que os dispositivos do art. 212 visam a garantia

do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual o

respeito à determinação legal fere o devido processo legal,

ensejando assim nulidade absoluta. Admitiu que, a despeito

da nulidade ser absoluta ou relativa, houve no caso

prejuízo por desrespeito ao devido processo legal, já que o

acusado foi condenado em primeiro grau. Assim, decidiu o

Relator pela anulação do processo desde a audiência de

instrução. Os demais ministros da 5ª turma seguiram o voto

do Relator.

Já na 6ª Turma do STJ, foi julgado caso semelhante,

proveniente de reclamação do Ministério Público submetida

ao TJDFT, por meio do HC nº 121.215 - DF. A Relatora do

processo, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, após

apresentar o caso, asseverou que o HC 121.216 julgado pela

5ª turma deve ser seguido, considerando-o um leading case.

Com base nos argumentos do parecer do Ministério Público,

pelo Sub Procurador Juarez Tavares, ressaltou que a questão

esta colocada na compreensão da nulidade absoluta ou

relativa, sendo a nulidade absoluta aquela que decorre de

violações diretas ou reflexas dos princípios

constitucionais, e as relativas aquelas que tratam de

interesses privados. Ressaltou que a questão do cumprimento

do art. 212 do CPP decorre do princípio acusatório.

Analisando o caso concreto em exame, asseverou que a recusa

do juiz em seguir a ordem definida do art. 212 do CPP,

assumindo a ordem presidencialista, compromete a acusação,

fragilizando o principio da imparcialidade, do devido

processo legal e da presunção de inocência. Por fim, no seu

voto a, Relatora aduziu que a mudança de ordem não se trata

de mero preciosismo como argumenta o magistrado que

determinou a manutenção da ordem anterior, mas sim de

respeito às garantias constitucionais. Ainda, que a nova

ordem valoriza a imparcialidade, já que o juiz, de produtor

da prova, em uma matriz inquisitiva, passa a destinatário.

Concluiu o voto, concedendo a ordem para anular o processo

desde a audiência de instrução.

O voto da Relatora não foi seguido pelos demais

Ministros. Ficou a cargo do Ministro Og Fernandes a

produção do voto vencedor. No seu voto, referido Ministro

estabeleceu que a discussão debruça na seguinte indagação:

a determinação do parágrafo único do art. 212 inverteu a

ordem de formulação das perguntas às testemunhas ou ela

continua a mesma? Ou seja, quem tem o poder de inquirir

primeiro é o juiz ou a reforma inverte a ordem de

inquirição com objetivo de garantir a imparcialidade?

Ao analisar o caso, o Relator sustenta que, se o juiz

de primeiro grau tivesse impedido as partes de perguntarem,

seria caso de nulidade absoluta. Mas isso não ocorreu na

hipótese, o juiz permitiu a inquirição das testemunhas

pelas partes de forma direta, somente mudando a ordem e as

inquirindo primeiro. Entendeu o Relator que, a partir de

uma interpretação sistêmica, a mudança da ordem pode gerar

nulidade relativa, se houver prejuízo, já que se trata

apenas de uma inversão, pois a redação do art. 212, da ao

juiz a possibilidade de fazer perguntas, subsidiariamente,

para esclarecer a verdade real, e assim o interesse a ser

protegido é exclusivamente das partes. Concluiu assim o

voto denegando a ordem de Habeas Corpus..

No voto do Ministro Celso Limongi, este apresentou sua

visão pessoalmente em razão da experiência como juiz de

primeiro grau que presidiu audiências de membros de

organização criminosa na década de 70. Defendeu que o juiz

não é uma estátua de pedra e que a presidência da audiência

pelo juiz que preside toda a prova, é permitida pelo CPC,

que tem mais cientificidade que o CPP. Assim argumenta:

Concluiu seu voto com uma critica ao legislador penal

e processual penal, dizendo que este devia preocupar-se com

questões importantes, ao invés de reformar esse tema. Por

fim, foi proferido voto-vista pelo Ministro Nilson Naves.

Em seu voto disse que, após inclusive uma consulta à

doutrina, esta é ainda incipiente, estando convencido que a

inobservância da nova ordem de inquirição do art.212 do CPP

não altera o sistema acusatório. Justificou que no modelo

brasileiro o juiz não é mero espectador, possui

participação ativa, no processo civil e mais ainda se

justifica no processo penal, no qual se discute liberdade e

se exige a verdade real. Reforçou a questão citando a

doutrina de Nucci e a redação do art. 473 do CPP que se

refere ao Tribunal do Júri. Concluiu que, seja o juiz

perguntando primeiro ou depois, num ou noutro procedimento,

o caráter acusatório esta preservado. Asseverou ainda que a

nulidade somente pode existir se houver prejuízo para a

defesa. Assim, Concluiu o julgamento denegando a ordem,

como voto vencido da relatora.

O terceiro acórdão referente à reclamação julgada pelo

TJDF, em caso semelhante, é da lavra do Ministro convocado,

Celso Limongi, na 6ª Turma do STJ. Em seu voto ( BRASILIA,

STJ, 2010b) reconhece a divergência de posicionamento dessa

Sexta Câmara com a Quinta Câmara, faz referencia a decisões

de sua própria Câmara, bem como do julgamento do Supremo

Tribunal Federal, no HC 103.5265/PE.

Com base na definição na consolidação do entendimento

pela Sexta Câmara, nessa vez por votação unanime, decide-se

pela denegação da ordem, já que no presente caso não houve,

pela parte, demonstração de prejuízo, sobretudo porque

argumentava-se que, por se tratar de nulidade absoluta,

aquele era presumido.

Cabe ressaltar que a posição acima ficou consolidada

com precedente a ser seguido não só pela Sexta Câmara, mas

também pela Quinta Câmara. Assim, na pesquisa

jurisprudencial realizada nesse estudo, verifica-se uma

mudança diametral entre as primeiras decisões do STJ,

vinculadas à primeira linha interpretativa definida no

inicio do presente trabalho, e as decisões mais recentes

que consolidou no Tribunal a segunda linha interpretativa

definida nesse trabalho. Atualmente o STJ, órgão do poder

judiciário responsável constitucionalmente pela

uniformização da jurisprudência brasileira em matéria

infraconstitucional, entende que o não respeito à ordem do

art. 212 do CPP, gera nulidade relativa, devendo ser

demonstrado o prejuízo.

Logo, há de se ressaltar a mudança, portanto, da linha

interpretativa da Quinta Câmara do STJ. Na pesquisa, a

referida Câmara indica que seu novo posicionamento se deu

no caso do HC 180.787, relatado pela Ministra Laurita Vaz.

Em julgados posteriores, da mesma turma, verifica-se a

manutenção do referido alinhamento jurisprudencial como no

acórdão relatado pelo Ministro Jorge Mussi, em outubro de

2011.

A diametral mudança de linha interpretativa se

deve,grande parte, em razão de um especifico julgado do

STF, que é o precedente referenciado por todos os acórdãos

do STJ decididos posteriormente. Trata-se do julgamento

ocorrido na primeira turma do STF, no HC 103.525/PE, da

relatoria da Ministra Carmen Lucia, datado de agosto de

2010. Como o presente estudo visa justamente analisar o

papel do Supremo, busca-se antes da analise dessa questão

apresentar a argumentação especifica do caso submetido a

julgamento pela Corte máxima brasileira.

Tal caso, diversamente dos analisados até então, não

se originou de uma reivindicação do Ministério Público para

que a audiência seguisse o novo tramite estabelecido pela

reforma de 2008. Trata-se de um julgamento em crime de

tráfico de entorpecentes, que possui legislação específica

( Lei 11.343/2006). Pelas informações no acórdão, o

paciente foi denunciado pela conduta tipificada nos art. 33

e 34 da Lei 11.343/2006. Narra que, na audiência de

instrução e julgamento, a juíza monocrática não seguiu a

ordem prevista no art. 212 do CPP para oitiva de

testemunhas. Em sentença a juíza condenou o acusado. Foi

impetrado Habeas Corpus junto ao TJ de Pernambuco, que

denegou a ordem, entendendo se tratar de nulidade relativa,

já que a parte tinha se insurgido tardiamente, operando-se

a preclusão e que não havia prejuízo. Os impetrantes do HC,

então, formularam outro pedido de Habeas Corpus junto ao

STJ, tendo sido decidido pela 6ª turma. O relator Ministro

Nilson Naves, em seu voto, repete a fundamentação

apresentada no voto vista do HC 121-215 DF, já analisado

nesse trabalho. Assim, denega a ordem pelos mesmos

fundamentos: a mudança da ordem não afeta o caráter

acusatório e tal alteração acarreta prejuízo para a defesa.

Impetrado outro HC, agora junto ao STF, teve liminar

indeferida. O Ministério Público Federal lançou parecer

pela denegação da ordem.

Em seu voto, a relatora Ministra Carmen Lucia disse

que os fundamentos fáticos e jurídicos não afastaram do que

foi decidido pela Sexta Turma do STJ. Assim, reproduz a

fundamentação do voto vista do Ministro Nilson Naves do HC

121.215 DF, que tinha sido a base para fundamentação da

denegação da ordem do HC do presente caso de Pernambuco.

Após reafirmar que não há novos fundamentos jurídicos para

não manter a decisão do STJ, reforça que a questão se trata

de nulidade relativa, que deveria ser arguida nas alegações

finais, o que não ocorrera no caso, já que a questão fora

suscitada apenas em sede de apelação ao Tribunal de

Justiça. Ademais, independente da sanção prevista ser

decorrente nulidade absoluta ou relativa, não se declara

nulidade por presunção do prejuízo. Logo, afirmou a

Ministra, o prejuízo deve ser concreto, em decorrência do

caráter instrumental do processo. Concluiu, após analisar

os demais pedidos dos impetrantes, pela denegação da ordem.

No julgamento ainda votou o Ministro Marco Aurélio,

apresentando seu entendimento que o processo é liberdade em

sentido maior. Considerou que a forma prevista no art. 212

do CPP é essencial à valia do ato. Reconheceu que o juízo

no caso “se empolgou” ao iniciar seus questionamentos às

testemunhas sem aguardar as partes. Concluiu avaliando que

o prejuízo esta demonstrado pela sentença condenatória, mas

que, como a questão encerra uma nulidade relativa, no caso

em pauta não houve o insurgimento da defesa em momento

próprio. Assim, concluiu pela denegação da ordem. O

julgamento foi finalizado com decisão unanime de denegação

da ordem.

A partir da referida decisão do STF no ano de 2010,

até o final do ano de 2012 foram proferidas mais 10

decisões de ambas as Câmaras. Em 2011, um único Habeas

Corpus foi julgado com esse tema, sendo que seu mérito não

foi analisado haja vista a ausência de liquidez, pela não

comprovação documental da inversão da ordem de oitiva de

testemunhas alegada pelo impetrante ( HC 108.834/PE).

Somente em 2012 a Segunda Turma do STF analisou a

questão da inversão da ordem de oitiva de testemunhas pelo

juiz, nos termos da nova redação do art. 212 do CPP. O

acórdão da lavra do Ministro Relator Ricardo Lewandowski,

usando o leading case julgado na Primeira Turma ( HC

103.525/PE) aduz que a nulidade para ser reconhecida exige

a demonstração do prejuízo, que não foi demonstrado no caso

em apreço.

Em 2012, temos então mais nove decisões do STF sobre o

tema da lavra de diversos Ministros, que ao analisar a

questão tem posicionamentos e fundamentos diferentes mas

que partem de uma mesma premissa, que a demonstração de

prejuízo concreto para o reconhecimento da nulidade, seja

essa absoluta ou relativa.

Seguindo o termos do leading case do HC de Pernambuco, o

Ministro Lewandoski, no HC 112.21.2 reconhece que a

questão é de nulidade relativa e o exige a demonstração do

prejuízo. Entendeu que os argumentos do impetrante que

demonstram que as provas testemunhais obtidar pela atuação

do juiz na instrução foram utilizada na defesa e que na AIJ

o paciente foi patrocinado por defensor ad hoc, ante a

ausência do defensor constituído. Na conclusão do julgado o

Relator decidiu que a defesa não tinha se desimcumbido do

ônus de demonstrar o prejuízo, e assim denegou a ordem.

Em 2012, foi julgado pelo STF, por acórdão da

Relatoria da Ministra Carmen Lucia no Recurso Ordinário em

Habeas Corpus proveniente do STJ, caso concreto que tinha

como origem a Reclamação do Ministério Público do Distrito

Federal, analisada anteriormente. No voto unanime ( RHC

113.382/DF) confirmou-se mais uma vez que a nulidade para a

presente questão é relativa e o prejuízo deve ser concreto.

O STF ainda julgou mais dois Habeas Corpus em que a

ilegalidade apresentava subsistia na inversão da ordem de

oitiva de testemunha pelo juiz. No HC 110.936/RS, da

relatoria da Ministra Carmen Lucia, a ordem é requerida

para anular audiência na qual o promotor de justiça não

estava presente, e que o juiz atuou perguntando primeiro.

Na decisão que denega a ordem, assevera a Relatora que a

defesa do acusado, na audiência não protestou pela ausência

do órgão do Ministério Público. Assim, sustenta que as

alegações finais não seriam mais momento processual

adequado para arguir a nulidade, por se tratar de hipótese

de nulidade relativa. Decidindo pela imprescindibilidade do

protesto em audiência.

Nos julgados de relatoria da Ministra Rosa Weber ( HC

112.446/SP, HC 107.318/SP, tambem se reconhece que a

nulidade no caso de inversão é relativa, necessita a

demonstração do prejuízo. Mesmo que o juiz ao realizar as

perguntas em primeiro lugar descumpra a norma reformada, o

prejuízo somente se evidencia ao princípio da celeridade.

Apresenta ainda entendimento da necessidade de verificação

se no termo da audiência há o protesto da defesa, pela

inversão.

Cabe destacar dois votos do Ministro Marco Aurélio, no

HC 103.525/PE e no HC 107.318/SP, que sustenta o

reconhecimento da nulidade em razão do desrespeito ao

principio acusatório, a distribuição das funções de

acusação e defesa e a equidistância do juiz com as partes.

Reforçando que a negação ao procedimento e a demonstração

do prejuízo fica estampado nos documentos da Audiência. Ao

passo que no voto proferido pelo mesmo Ministro, no HC

105.538/GO, analisando a mesma temática sustenta que a

inversão não atrai vicio de procedimento capaz de ensejar

nulidades, demonstrando assim divergente com a posição

apresentada.

No ultimo caso decidido em 2012 pelo STF sobre a

matéria (HC 112.217/SP), o Ministro Relator Gilmar Ferreira

Mendes reconhece que o entendimento da Corte é que se trata

de nulidade relativa. No caso submetido a julgamento o

advogado do paciente abandonou a causa, e em audiência o

juiz fez as perguntas inicialmente. Na decisão conclui-se

que o prejuízo no caso não foi demonstrado.

Nesse momento vale a pena relacionar todos os pontos

apresentados nessa série de julgados delineando as duas

linhas interpretativas definidas no inicio do estudo,

conjugando o uso da teoria das nulidades.

As interpretações possíveis para o descumprimento do art.

212 do CPP e sua vinculação com a teoria das nulidades

Fica bem claro que ambas linhas interpretativas

inicialmente apresentadas nesse estudo foram utilizadas nos

diversos casos analisados e que sobrepõem a discussão. Bem

como, é possível vislumbrar em alguns julgados a adoção de

uma linha interpretativa intermediária, que se aproxima ou

da primeira linha interpretativa que propõe uma

interpretação com base em princípios ou da segunda linha

realiza uma interpretação sistêmica do Código de Processo

Penal (CPP).

A atuação do Ministério Público do Distrito Federal e

o Ministério Público Federal por seus órgãos junto ao STJ

adotaram a primeira linha interpretativa. Sendo importante

ressaltar que, como os titulares da atribuição

constitucional de órgão de acusação no processo penal,

outra não deveria ser sua posição institucional. Afinal, ao

permitir que o promotor de Justiça faça as perguntas

primeiro às testemunhas de acusação, aquele assume de forma

concreta o seu lugar no processo penal. Assim, terminar-se-

ia com uma pratica recorrente nas instruções processuais

penais brasileiras em que o juiz começa fazendo as

perguntas, depois quando da a palavra à parte acusatória,

esta não tem mais perguntas relevantes a serem formuladas,

pois todas já forma feitas pelo juiz. Logo, deve-se

ressaltar a atuação do Ministério Público em requerer antes

do inicio da inquirição o cumprimento da norma do art. 212

do CPP, como ocorreu de forma reiterada no Distrito

Federal, após a mudança da lei, bem como, a atuação em

apresentar a reclamações junto ao Tribunal de Justiça e por

fim impetrar Habeas Corpus no STJ. Tal atuação esta

vinculada ao seu papel constitucional no processo penal.

Assim, exigir o cumprimento de tal norma não se trata

apenas de dever da defesa do acusado, mas de direito das

partes.

O voto do Ministro Jorge Mussi no HC 121.216 DF também

adota a primeira linha interpretativa. Sustentando toda a

sua fundamentação no respeito aos princípios

constitucionais, desde o principio acusatório, passando

pelo devido processo legal. No que se refere à compreensão

da teoria da nulidade, percebe-se a adoção, por parte de

referido Ministro, da distinção entre nulidade absoluta e

relativa, entendendo ser direito das partes o cumprimento

do devido processo legal, que é garantia para uma decisão

justa. Assim, reconheceu a nulidade como absoluta. Mesmo

considerando tratar-se de nulidade absoluta, não deixou de

analisar a questão do prejuízo, reconhecendo-o em razão da

existência de sentença condenatória fundada em provas

produzidas ao arrepio do devido processo legal. No mesmo

sentido, o voto vencido da Ministra Maria Thereza de Assis

Moura também seguiu a primeira linha interpretativa

construindo a fundamentação da decisão com base no

principio acusatório, no papel do juiz como destinatário da

prova e sua importante função de garantir a imparcialidade

do julgador. Reconheceu a nulidade como absoluta por

contrariar os ditames constitucionais.

A tônica do voto do Ministro Og Fernandes, que foi

estabelecido como voto vencedor do HC 121-215, labora em

uma linha interpretativa intermediária, mas aproximando

ainda mais na segunda linha interpretativa que entende que

o juiz continua perguntando primeiro. Sua fundamentação não

aduz às questões constitucionais, fica ancorado em parte da

doutrina que sustenta justamente que os limites da cross

examination no Brasil permitir que as partes perguntem

diretamente às testemunhas, e não mais passe pela

sistemática anterior que o juiz é quem se dirigia à

testemunha para fazer a pergunta requerida pelas partes.

Assim, conclui que, se o juiz não permitisse às partes

fazer perguntas diretas à testemunha, essa nulidade seria

absoluta, mas se o juiz perguntasse antes das partes ai se

trataria de nulidade relativa, pois atingiria interesse

exclusivo das partes. Utiliza-se, portanto, a teoria das

nulidades, fazendo uso da distinção clássica entre nulidade

absoluta e relativa, em que a primeira é de interesse

público e a segunda de interesse privado. Portanto, não

chega a afirmar categoricamente que nada mudou, mas contudo

chega à mesma conclusão da segunda linha interpretativa,ou

sejam caso o juiz pergunte primeiro, tal atitude não gera

prejuízo algum .

Também adota uma posição intermediária o voto do

Ministro Marco Aurélio quando analisa o leading case do HC de

Pernambuco, mas se aproximando da primeira linha

interpretativa quando reconhece o processo penal como uma

garantia constitucional e entende que se deve cumprir o

art. 212 do CPP, com a atuação preponderante das partes.

Contudo, ao usar as bases da teoria das nulidades sem

vinculação com os princípios, reconhece a questão como

nulidade relativa, exigindo a arguição no tempo oportuno.

Já o voto do Ministro Celso Limongi se enquadra na

segunda linha interpretativa que entende que o juiz deve

sempre perguntar primeiro, justificando que nada mudou

porque os juízes não são estátuas de pedra, são sempre

imparciais, não havendo lesão a interesse público algum

quando ele pergunta primeiro.

O voto do Ministro Nilson Naves também segue a segunda

linha interpretativa pois considera que, se o juiz

perguntar primeiro ou depois, isso não violará a lei, pois

o caráter acusatório é o mesmo em um ou noutro

procedimento. Mesmo fazendo uma referencia a princípio, a

faz para manter o reconhecimento que se desdobra da

legislação processual anterior à Constituição. Usa a teoria

da nulidade, reconhecendo a nulidade relativa, mas de forma

irônica, pois duvida que se possa demonstrar algum prejuízo

pelo fato do juiz perguntar primeiro.

Já o voto apresentado no Supremo Tribunal Federal pela

Ministra Carmen Lucia, por se subsidiar na analise do voto

do Ministro Nilson Naves, segue também a segunda linha

interpretativa, pois diz que não há mais fundamentos a

incluir na decisão que os pontos já apresentados no STJ.

Assim, não se pode obter nesse voto uma análise da questão

que enfrente as questões constitucionais negadas por essa

linha interpretativa. O voto ainda utiliza-se da teoria da

nulidade para afastar a necessária análise da questão

constitucional inserta na discussão. Ao reconhecer que a

nulidade é relativa e que portanto deve ser arguida em

momento oportuno, que seria as alegações finais, não

debruça sobre as questões constitucionais.

Do leading case do STF analisado até as ultimas decisões

do STF4 sobre o tema, não há nos acórdão analise a questão

em termos de princípios constitucionais, perpassando todas

elas no uso da teoria da nulidade. Dessa feita, todas elas

sustentam que o caso enseja nulidade relativa e que

precisam da demonstração do prejuízo. Há sutis diferenças

entre os julgados do STF, mas que demonstram que é na

teoria da nulidade, no recurso ao argumento da existência

de uma nulidade relativa que se sustentam a maioria dos

votos.

Nessa linha interpretativa o dissenso em termos da

etapa interpretativa se apresenta apenas quanto aos limites

e possibilidades do juiz complementar a prova produzida

diretamente pelas partes de forma inicial. Uma

interpretação imparcial, nos termos de Dworkin,seria aquela

que sustenta a não interferência do juiz no depoimento das

testemunhas, já que assim ele passaria a gestor da prova,

4 Em termos metodológicos, foi realizada pesquisa no sitio do STF,utilizando-se como marcos de pesquisa a referencia ao art.212 do CPP ea data de publicação. No ano de 2012, foram 9 decisões sobre o temaRHC 110.623/DF, HC 105.538/GO, HC 112.466/SP, HC 107.318/SP, RHC111.414/DF, HC 112.212/SP, RHC 113.382/DF , HC 110.936/RS, HC112.217/SP. Nos anos anteriores, apenas duas decisões do STF: HC108.834/PE, HC 103.525/PE.

como no sistema inquisitorial, e portanto estaria quebrada

sua imparcialidade. Nesse sentido, o juiz estaria cruzando

os braços aos abusos e/ou omissões das partes que

prejudicariam a melhor compreensão do fato probatório.

Seria, assim, uma interpretação nos termos do liberalismo

processual, fundado no principio dispositivo.

Em outro sentido, esta a proposição de uma

interpretação radical, que estabelece limites claros para a

atuação do juiz na inquirição das testemunhas, que permite

então fazer perguntas que esclareçam o tema já proposto

pelas partes em suas perguntas, permitindo assim a produção

de uma prova mais fidedigna com o relato da testemunha.

Essa interpretação deve levar em conta a advertência de

Cordeiro (1986) sobre o primado da hipótese sobre o fato,

de modo que, quando o juiz formula alguma pergunta para

esclarecer a questão, ele desde já apresenta mentalmente

uma projeção da sua compreensão sobre o fato e, portanto,

age direcionado a um sentido pré-compreendido. Assim, seria

uma interpretação voltada ao socialismo processual, que

sustenta o protagonismo do juiz no processo, não se

vinculando tal protagonismo à quebra da imparcialidade.

O núcleo da questão está exatamente em analisar se a

inversão da ordem de inquirição das testemunhas se trata de

violação de um direito decorrente de um princípio

constitucional, ou seja, uma hipótese de nulidade a ensejar

uma repetição do ato processual. Conforme já demonstrado,

as questões constitucionais não foram enfrentadas pelos

juízes de primeira instância no DF, nem tampouco pelo STJ e

STF, sobretudo porque as decisões proferidas desconsideram

tal questão encobrindo-as com uma teoria das nulidades em

desarmonia com a Constituição.

Para se pretender uma interpretação conforme a

Constituição para a questão, sem fugir do marco proposto,

precisa-se primeiro pensar em uma teoria das nulidades

conforme a Constituição, segundo analisar as questões

constitucionais que estão por de traz das reformas parciais

contrapondo-as com a tradição do processo penal brasileiro.

2 – POR UMA TEORIA DAS NULIDADES ADEQUADA AO MODELO

CONSTITUCIONAL DE PROCESSO

Para se reconstruir uma teoria das nulidades adequada

à Constituição e ao seu modelo constitucional precisa

afastar das bases liberais da teoria das nulidades, fundada

na rigidez das partes. As bases liberais ainda são

reconhecidas no texto original do CPP de 1941, como o art.

564, que define um elenco de hipóteses de nulidades para

deveriam ser aplicadas pelo juiz acriticamente.

Por outro lado as bases da teoria das nulidades

fundada exclusivamente socialismo processual, construída a

partir da instrumentalidade das formas definida pelo

prejuízo a ordem publica ou ao interesse das partes. Tal

medida visa obter a maior eficiência dos atos processuais,

no sentido de uma economia processual. Mais do que isto, as

nulidades em termos processuais passam a ser reconhecidas

de ofício pelo magistrado, sem a provocação das partes. Ela

passa a ser hipótese de não aplicação do princípio

dispositivo, por se tratar de questão de ordem pública.

Estas características aproximam a teoria das nulidades às

influências do socialismo processual, que tem como

importante característica a atuação ativa do juiz no

processo, ou seja, o protagonismo judicial (NUNES, 2008),

inclusive no sentido de suprir as deficiências

argumentativas das partes.

Há, portanto, necessidade de se rediscutir a teoria

das nulidades, no sentido de garantir uma interpretação

adequada ao Estado democrático de direito e coerente com a

própria noção de processo, como garantia de direitos

fundamentais, ou ainda, à noção de modelo constitucional de

processo (BARROS, 2009a; 2009b).

Assim, na perspectiva do Estado Democrático de Direito

a nulidade não pode ser reconhecida como vicio, como um

defeito intrínseco ao ato, mas sim uma sanção ao

desrespeito aos princípios constitucionais de processo.

A necessidade de que a nulidade processual seja

reconhecida e declarada judicialmente já é compreendida por

diversos autores, desde Grinover(2007) a Gonçalves(2000,

2012), mesmo que em determinadas expressões legais tal

noção não seja verificada. Ao se construir a noção de que o

processo se vincula aos princípios constitucionais, deve o

ordenamento prever uma sanção para o seu desrespeito, ou

seja, as nulidades5. O ato processual não nasce nulo por

5 Ou ainda, na doutrina estrangeira: Ocorre ben distinguire tra il dovere delgiudice di garantire il contraddittorio – e la correlativa affermazione di diritti delle parti – dalla

faltar um de seus requisitos, mas a nulidade é vista de

forma externa, a partir das consequências do ato processual

no interior do processo.

Nos termos de uma reflexão sobre a teoria das

nulidades adequada à noção de processo como garantia,

aquelas devem ser consideradas como forma de controle dos

atos processuais, de sua regularidade e conformidade com o

modelo constitucional de processo. Assim, a nulidade

somente pode ser considerada como uma consequência do

reconhecimento pelo órgão julgador da desconformidade do

ato frente ao modelo constitucional de processo, gerando,

como consequência, a necessidade de se refazer o respectivo

ato, declarando-o nulo. Ou seja, a nulidade é uma sanção

decorrente da desconformidade do ato face à Constituição.

Portanto, a cognição sobre a nulidade se dá em duas

fases. Em uma primeira fase, deve-se perquirir se o ato é

regular ou irregular. Isto é, se o ato é desconforme o

modelo normativo de processo como se refere Gonçalves

(2000, p. 62), o que significa desconformidade com as

normas processuais. Em uma visão mais adequada à noção de

processo como garantia de direitos fundamentais, própria do

Estado Democrático de Direito, discute-se se o ato é

desconforme ao modelo constitucional de processo. Pois, um

ato processual desconforme às normas processuais afeta a

garantia do processo e, portanto, é um ato irregular.

conseguenza della sua violazione: non si può ridurre il significato della garanzia a quest’ultimoaspetto, poichè la zanzione di nullità non è affatto “inutile”, se opera come sanzione deterrenteossia per indurre il giudice a rispettare il contraddittorio prime di dicidere.(FERRI, 1988,p. 782)

Na segunda fase, se discute argumentativamente se o

ato irregular deve ser reconhecido como nulo, devendo-se

demonstrar que o ato não cumpriu sua finalidade, gerando,

portanto, prejuízo.Gonçalves ( 2000, p58) critica a adoção

dos princípios da instrumentalidade das formas, da

causalidade, do interesse e da economia processual como

critérios para discussão das nulidades. Assim, Gonçalves

(2000) propõem a substituição dos referidos princípios

pelos critérios da finalidade e do prejuízo, para

demonstração da nulidade. Ou, dizendo de outra maneira, se

o ato for irregular, mas cumprir sua finalidade e não gerar

prejuízo, não haverá razão para anulá-lo.

Finalidade do ato significa “construir o procedimento

válido” (GONÇALVES, 2000, p. 61). Ou seja, o ato processual

deve cumprir seus fins, no sentido de garantir as bases do

processo constitucional, logo, que respeite o

contraditório, a ampla argumentação, a imparcialidade do

julgador e a fundamentação racional da decisão (BARROS,

2009a, p.17-18).

Ausência de prejuízo significa que a irregularidade do

ato não prejudicou as garantias do processo. Isto é, o ato

garante a participação dos afetados por meio do

contraditório, garante o tempo para que as partes possam

apresentar os argumentos e fatos relevantes para a formação

do processo. E, ainda, que o processo seja dirigido por um

juiz imparcial e que a decisão tenha uma fundamentação

adequada e apresente aceitabilidade racional, levando em

consideração o esforço reconstrutivo e argumentativo das

partes.

A análise da sanção, que é a declaração da nulidade,

passa então por uma dupla ambivalência, pois a

argumentação se pauta pela discussão do cumprimento de

finalidade e não geração de prejuízo, ou do não cumprimento

de finalidade e ocorrência de prejuízo. Ou seja, o binômio

finalidade e prejuízo são indissociáveis.

O ponto da revisão da nulidade voltada ao Estado

Democrático de Direito deve precipuamente vincular a sanção

ao desrespeito dos princípios constitucionais de processo.

Logo a nulidade não pode ser usada para encobrir uma

analise sobre uma interpretação conforme a Constituição,

mas ao contrario exige que uma fundamentação fundada em

princípios.

Nesse sentido, no instrumentalismo a teoria das

nulidades é estruturada a partir de quatro características

(denominadas de princípios), propostos inicialmente por

Dinamarco, Grinover e Cintra (2005, p. 352-353), que são a

instrumentalidade das formas, o interesse, a causalidade e

a economia processual. No presente estudo, adota-se posição

diversa, que sustenta a discussão apenas na finalidade do

ato e na ocorrência de prejuízo, como já apresentado. Mas

esse binômio se vincula ao modelo constitucional de

processo, sustentado pelos princípios do contraditório,

ampla argumentação, imparcialidade e fundamentação da

decisão, e no caso do processo penal, seus princípios que o

identificam, como a presunção de inocência, o princípio

acusatório e as garantias individuais do cidadão,

descriminadas na Constituição.

Quando se distingue as nulidades entre absolutas e

relativas, seja pelo critério do socialismo processual em

que as primeiras objetivam garantir a ordem pública e as

segundas o interesse das partes, ou, então, pelo critério

da atipicidade constitucional que as primeiras desrespeitam

normas constitucionais e as segundas normas

infraconstitucionais (GRINOVER, FERNANDES, GOMES FILHO,

2007) está se graduando as nulidades.

Ao se discutir as nulidades sob o binômio finalidade e

prejuízo não se admite uma gradação da nulidade, no sentido

da existência de uma nulidade relativa ou absoluta. Tomada

a noção de processo como garantia tem-se que: ou os

princípios constitucionais foram garantidos e o ato não

será irregular ou, se foram desrespeitados, discutir-se-á

se houve, então, prejuízo. Logo, não se pode admitir

gradação de nulidade, pois ou o ato é nulo ou foi

convalidado. Não há que se falar em “meia” nulidade, em ato

mais ou menos certo. Em especial, no processo penal em que

o processo é garantia do direito de liberdade do acusado

não se pode dizer que a norma processual cumpriu

parcialmente sua finalidade ou gerou parcial prejuízo.

Nesse sentido a teoria do Estado Democrático de

Direito se aproxima do entendimento do STF que não existe

prejuízo presumido e que para decretação da nulidade deve-

se verificar um prejuízo concreto6. Tal prejuízo não se

evidencia tão somente pela analise do resultado final do6 Ver HC 73099, HC 74.356, HC 74.671, HC 81.510, todos do STF.

processo, no sentido de condenar ou absolver o acusado. No

binômio finalidade/prejuízo o que se busca é verificar se

as garantias do processo penal no referido caso concreto em

razão de um ato irregular foram ou não cumpridas.

Assim a partir das premissas aqui apresentadas para a

compreensão das nulidades, é possível questionar se o

tratamento dado até então pelo STF ao tema do art. 212 do

CPP, subsidiado pela noção de que tal irregularidade gera

uma nulidade relativa, se sustenta em bases

constitucionais. Por fim, refletir sobre o importante papel

que o STF deve cumprir de conformador das praticas

judiciais às reformas processuais realizadas pelo processo

legislativo, influenciando ou não uma mudança dessa

prática.

A história institucional do Supremo Tribunal Federal

em matéria processual penal, em decisões dos últimos 10

anos, reconhece a importância da garantia do processo penal

como um dos pontos da interpretação da Constituição. Nesse

sentido, vale ressaltar as duas súmulas vinculantes

relacionadas ao uso de algemas e ao acesso aos autos do

inquérito policial pelo advogado do investigado, o

reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 595 do CPP,

o novo direcionamento da ordem pública como critério para

decretação da preventiva, bem como a exigência de

fundamentação que analise os fatos ensejadores da prisão.

Retroceder nessa historia é ressuscitar o Estado de

Policia(MOHL, 1844) e ignorar o Estado de Direito,

reconhecendo um retrocesso civilizatório.

Quando nos acórdãos analisados das instancias

inferiores se faz referencia ao entendimento consolidado do

STF, que a inversão da ordem de oitiva de testemunhas entre

a acusação e defesa é nulidade relativa, chancela uma

pratica de que o juiz pode não cumprir as normas

processuais, que teria caráter procedimental7. Ficando ao

alvedrio do “livre convencimento do juiz” aplicar ou não a

norma reformada.

Nos casos analisados que originaram as Reclamações ao

TJDF o juiz iniciava perguntando à testemunha por entender

que o art. 212 se trata de mero preciosismo. Não analisava

a questão como uma excepcionalidade. Também não declarava

inconstitucional a norma do art. 212 do CPP, para

fundamentar o não cumprimento da determinação. Certamente,

não se esta aqui a justificar a rigidez interpretativa

própria do positivismo jurídico, mas também não se pode

autorizar o juiz a descumprir a determinação de uma

garantia especifica do processo penal, bem como não se pode

admitir que seu descumprimento gere uma nulidade relativa,

pois essa interpretação não se vincula aos princípios

constitucionais. É nesse sentido que se pode concluir que

para a formação continuada dos juízes no sentido de

aprimoramento das praticas judiciais a partir das reformas

processuais a posição do STF tem sim um sentido pedagógico,

7 O termo procedimental se refere a noção de que o procedimento é aforma com a qual o processo se exterioriza, não se sustenta na noçãofazzalariana (FAZZALARI, 1992) de que o processo e um procedimentorealizado em contraditório, ou mesmo na noção proposta por ScaranceFernandes(2005) de que o procedimento garante os direitosfundamentais.

de estimular a correção das decisões a uma interpretação da

Constituição em sua melhor luz.

Já na perspectiva teórica o uso da teoria da nulidade

relativa pelo Supremo demonstrou que a questão

constitucional inserida do debate, sustentada pelo devido

processo penal, pela garantia da imparcialidade e pelo

princípio acusatório não foi até então apreciada. Nos

votos analisados não há debate ou esforço hermenêutico

específico em interpretar a norma do art. 212 do CPP

conforme a Constituição e seus princípios. Ademais, há

oscilações nos votos dos Ministros ou mesmo incorreções na

forma de aplicar as nulidades no processo penal, pelo uso

não fundamentado de noções do processo civil ou do trabalho

nessa seara.

Nesse sentido, é emblemático o primeiro posicionamento

do Ministro Marco Aurélio( voto no HC 103.525-PE) que

entendia que o processo penal era uma garantia, mas no caso

em exame por ser nulidade relativa operou a preclusão pela

não arguição no momento processual oportuno.

Posteriormente, no HC 105.528/GO apresenta entendimento que

a inversão é um vício de procedimento, e de difícil

demonstração do prejuízo. Por fim, no voto vencido no

julgamento do HC 107.318/SP analisa a questão a partir do

princípio do contraditório e da garantia da equidistância

do juiz para com as partes, ou seja, uma nulidade absoluta.

Logo, se a questão for analisada a partir dos princípios

certamente a interpretação da norma e a consequente

fundamentação da decisão anulará o processo por prejuízo

aos princípios constitucionais. Mas se analisar como

nulidade relativa invariavelmente ensejará o não

reconhecimento de nulidades.

Nesse sentido, verificando um dos casos concretos

submetidos ao STF tal assertiva fica demonstrada. No

julgamento do HC 110.936/RS, ficou demonstrado que estava

ausente o Promotor de Justiça na Audiência quando foram

ouvidas as testemunhas policiais. Na audiência, o juiz

primeiro fez perguntas e depois deu-se a palavra à defesa

para fazer as suas. Segundo a decisão do STF, a nulidade no

referido caso deve ser considerada relativa, exigindo que a

defesa apresenta-se um protesto em Audiência. Na conclusão

do julgamento a ordem denegada, por não existir prejuízo.

Pelo relato do caso verificou-se que o MP não estava

presente, a defesa e o MP no interrogatório dos acusados

não perguntaram nada, mas não se reconhece existência de

prejuízo as partes.

Ora a ausência do Ministério Público em ação penal

publica sempre foi causa de nulidade absoluta, mesmo antes

da nova redação do art.212 do CPP (GRINOVER, FERNANDES,

GOMES FILHO, 2007). Como que agora ao se analisar um caso

que consoante a ausência o MP também se argui a inversão da

ordem de oitiva de testemunha, tal nulidade se torna

relativa. Mais ainda, se decide pela ausência de prejuízo.

Como se a Constituição e seu art. 129 não determinasse a

separação entre a acusação e a função jurisdicional.

Ao se relativizar a nulidade não foi a questão

constitucional analisada, qual seja no referido caso o juiz

ao substituir o órgão de acusação não desrespeita o

princípio da imparcialidade e o princípio acusatório?

Verifica-se o não desvelamento da questão constitucional

pelo uso da teoria da nulidade relativa.

Ademais, quanto à preclusão temporal os julgados do

supremo analisados demonstraram o uso inadequado das

disposições do processo civil e do processo trabalho ao

processo penal. Ora, preclusão é sanção processual, e como

tal deve ser expressamente prevista em norma processual.

Logo se pergunta, quando se deve arguir a ocorrência de ato

irregular que enseja nulidade relativa no processo penal? A

previsão legal estabelecida no art. 571 em um esforço de

interpretação sistêmico8 estabelece as alegações finais com

marco final preclusivo.

Contudo, ao se analisar a sistemática da reforma de

2008 com a introdução da audiência de instrução e

julgamento verifica-se a opção pela oralidade e

concentração de atos de instrução e julgamento. Quando se

utiliza de tal técnica de concentração de atos, como

consequência, as decisões interlocutórias tomadas em

audiência são irrecorríveis, como assevera Ovídio Baptista

da Silva e outro (2006, p 54). Nesse caso a impugnação da

decisão ou será feita em preliminar no recurso de apelação,

ou em recurso de agravo, que não há no processo penal. Ao

se apoiar na teoria da nulidade relativa a questão da

preclusão foi decidida de forma diversa pelo STF quando se

8 O artigo 571 do CPP mantem ainda com a redação de 1941. Se eles foremadaptados às mudanças decorrentes da reforma parcial de 2008, pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, seriam as alegações finais orais no procedimento ordinário o momento para a sua arguição

compara os julgados de 2012, e utilizando-se de institutos

processuais estranhos ao processo penal, como a figura do

protesto antipreclusivo, definido a partir do art. 795 da

CLT, ou ainda, do art. 202, II do Código Civil, ou do art.

245 do CPC.

No leagin case do STF, entendeu-se que a defesa deveria

arguir o desrespeito ao art. 212 do CPP em alegações finais

orais.Ja no HC 107.318/SP de relatoria da Ministra Rosa

Weber e no HC 110.936/RS de relatoria da Ministra Carmen

Lucia cria-se a exigência do protesto em audiência para

impedir a preclusão. Exigir tais atos processuais

antipreclusivos é impedir a demonstração do prejuízo, pois

antes da sentença não sabe como a prova testemunhal será

avaliada na fundamentação da decisão. O prejuízo não é

demonstrável nem mesmo presumível, pois não se sabe como as

perguntas feitas pelo juiz antes das partes serão

consideradas pelo próprio juiz na sentença. Logo, seria

mais adequado reconhecer a possibilidade de arguir a

nulidade na preliminar de apelação em razão da concentração

da instrução e julgamento, bem como para se permitir a

argumentação da nulidade pelo binômio finalidade e

prejuízo. Ademais, protesto não é uma figura da técnica do

processo penal, não há previsão legal, bem como não é

considerado na doutrina e na jurisprudência até então.

Verifica-se aqui o amparo em normas e praticas judiciais do

processo do trabalho, que não podem ser admitidas no

processo penal, ante aos princípios que fundam as garantias

desse microsistema.

Conclusão

Assim, ao se analisar os julgados do Supremo Tribunal

Federal sobre a questão verificou-se que as decisões se

fundaram exclusivamente na analise de requisitos para se

reconhecer a nulidade relativa, sem discutir a matéria

constitucional implicada na questão processual do caso

concreto. Ao se optar pelo uso da nulidade relativa, toda e

qualquer questão constitucional fica subjugada e encoberta

por um procedimentalismo descomprometido com o Estado

Democrático de Direito e em bases técnicas incompatíveis

com o processo penal.

Mais que um interesse teórico, a revisão da teoria das

nulidades, notadamente por parte do Supremo Tribunal

Federal, no sentido de convergência com o modelo

constitucional de processo é medida imperiosa, para a

formação continuada dos juízes, para a revisão das praticas

judiciais autoritárias e, sobretudo para equalizar o atual

momento legislativo, de reformas processuais.

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JULGADOS

BRASÍLIA, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios. Reclamação n.2008.00.2.012057-9 do Ministério

Publico do distrito Federal e DF. Primeira Turma. Relatora

Sandra de Santis. Julgado em 29 de janeiro de 2009a.

BRASILIA, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios. Reclamação n. 2009.00.2.009543-4 do

Ministério Publico do distrito Federal e DF. Segunda Turma.

Relator Roberval Casemiro Belinati. Julgado em 22 de

outubro de 2009b.

BRASILIA, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus

n.121.216- DF. Relator Ministro Jorge Mussi. Publicado no

Diário da Justiça Eletrônico: 01/09/2009c.

BRASILIA, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.

121.215- DF. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis

Moura. Relator para o Acórdão Ministro Og Fernandes.

Publicado no Diário da Justiça Eletrônico:22/02/2010a.

BRASILIA, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.

180.787. Relatoria Laurita Vaz. Publicado no Diário de

Justiça Eletrônico: dezembro de 2010b.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.103.525

PE. Relatora Carmen Lúcia. Publicado no Diário de Justiça

Eletrônico em 27/08/2010c.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.108.834

PE. Relator Celso de Mello. Publicado no Diário de Justiça

Eletrônico em 18/10/2011a.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas

Corpus n.110623 DF. Relator Ricardo Lewandowski. Publicado

no Diário de Justiça Eletrônico em 13/03/2012a.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus

n.105.538/GO. Relator Marco Aurelio. Publicado no Diário de

Justiça Eletrônico em 10/04/2012b.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus

n.112.446/SP. Relatora Rosa Weber. Publicado no Diário de

Justiça Eletrônico em 08/05/2012c.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.107.318

SP. Relatora Rosa Weber. Publicado no Diário de Justiça

Eletrônico em 05/06/2012d.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas

Corpus n.111.414 DF. Relator Gilmar Mendes. Publicado no

Diário de Justiça Eletrônico em 14/08/2012e.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.112.212

SP. Relator Ricardo Lewandowski. Publicado no Diário de

Justiça Eletrônico em 18/09/2012f.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas

Corpus n.113.382. Relatora Carmen Lúcia. Publicado no

Diário de Justiça Eletrônico em 25/09/2012g.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.110.936

RS. Relatora Carmen Lúcia. Publicado no Diário de Justiça

Eletrônico em 25/09/2012h.

BRASILIA, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus

n.112.217/SP. Relator Gilmar Mendes. Publicado no Diário de

Justiça Eletrônico em 13/11/2012i.


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