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GEOGRAFIA E SAUDE - sem fronteiras

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Uberlândia (MG)2014

Raul Borges GuimarãesJorge Amancio Pickenhayn

Samuel do Carmo Lima

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Projeto gráfico: Assis EditoraRevisão: Ione Mercedes Miranda Vieira; Lana Ferreira ArantesOrelhas: Raul Borges GuimarãesFotografia de capa: Ivone Gomes de Assis

Guimarães, Raul Borges Geografia e saúde sem fronteiras / Raul Borges Guimarães, Jorge Amancio Pickenhayn, Samuel do Carmo Lima. - Uberlân-dia (MG): Assis Editora, 2014. 160 p. ISBN 978-85-62192-73-9

1. Geografia médica 2. Saúde pública – América latina I. Título II. Pickenhayn, Jorge Amancio III. Lima, Samuel do Carmo.

CDD 614(7/8)CDU 614.8

© Raul Borges Guimarães; Jorge Amancio Pickenhayn; Samuel do Carmo Lima, 2014.

G978

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Angélica Ilacqua CRB-8/7057)

14-0813

Índices para catálogo sistemático:1. Saúde pública – América Latina

Direitos Reservados em Língua Portuguesa àAssis EditoRA LtdA.

Rua José Antônio Teodoro, 76 – AparecidaCEP: 38400-772 – Uberlândia/MG

Telefone: (34) 3222-6033www.assiseditora.com.br / [email protected]

Reprodução proibida sem prévia autorização.Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

2014Impresso no Brasil

Conselho EditorialAdail Ubirajara SobralAdriana Naves SilvaAngela Marcia de SouzaAntonio Bosco de LimaGilberto Mendonça TelesIone Mercedes Miranda VieiraIvone Gomes de AssisJuarez AltafinMaria Inez Resende CunhaThamara de F. Tannús A. dos ReisVera Lúcia Salazar Pessôa

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SUMáriO

ApresentAção ................................................................ 7

CapítUlO 1 espaço e saúde ..................................................................... 15

1.1 Espaço geográfico: forma e conteúdo ........................ 16

1.2 Uma saúde e centenas de definições .......................... 18

1.3 Ecologia e saúde ............................................................ 21

1.4 Fatores físicos e químicos ............................................. 30

1.5 Fatores biológicos .......................................................... 37

1.6 O ser humano e seu entorno tecnocientífico ............. 40

1.7 O fator informacional que se agrega no presente ..... 44

1.8 Uma síntese provisória ................................................. 48

CapítUlO 2 As ideias sobre saúde: de Hipócrates à promoção da saúde ................................................................................ 51

2.1 No princípio, Hygeia e Panaceia................................. 51

2.2 A hegemonia do modelo biomédico .......................... 64

2.3 Epidemiologia e Geografia: o diálogo entre saberes da saúde coletiva ................................................... 72

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2.4 Promoção da saúde e saúde ambiental ...................... 77

2.5 Considerações finais ..................................................... 85

CapítUlO 3 A organização dos serviços de saúde ............................... 87

3.1 Atenção médica e demanda pela saúde ..................... 89

3.2 Geografia dos serviços de saúde ................................. 93

3.3 Organização dos serviços de saúde no Brasil ......... 100

3.4 Em busca de cidades saudáveis e sustentáveis ...... 110

3.5 Considerações finais ................................................... 114

CapítUlO 4 Saúde: uma Geografia aplicada ..................................... 117

4.1 História da Geografia Aplicada ................................ 120

4.2 A Geografia Aplicada no campo da saúde .............. 124

4.3 Classificação da Geografia da Saúde ........................ 128

4.4 Âmbitos de aplicação.................................................. 131

4.5 Recursos da Geografia da Saúde .............................. 133

4.6 As técnicas e os modelos ............................................ 136

4.7 O trabalho do geógrafo e sua relação com outros profissionais ....................................................................... 140

REFERêNCiAS BiBliOGRáFiCAS ............................... 145

SOBRE OS AUtORES ...................................................... 157

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aprESEntaçãO

A saúde coletiva é um tema de interesse crescente na comunidade geográfica latino-americana. Dentre os países, o Brasil tem ocupado lugar de destaque, uma vez que já organizou seis simpósios nacionais de Geografia da Saúde, desde 2003, reunindo, aproximadamente, 400 pesquisadores de vários programas de pós-graduação, institutos de pesquisa e órgãos governamentais municipais, estaduais e federais. A maioria dos participantes desses eventos foi formada por profissionais de saúde, principalmente enfermeiros, biólogos, médicos e farmacêuticos. Os geógrafos representaram cerca de 40% do total de participantes. Esta composição mostra que a Geografia da Saúde é um tema de interesse não só de geógrafos, mas de profissionais de saúde que identificam esta subdisciplina como uma alternativa para enriquecer a abordagem social e ambiental dos problemas de saúde. Esse movimento tem como base a renovação da Epidemiologia, que busca caracterizar os determinantes sociais e ambientais dos problemas de saúde; a preocupação com o desenvolvimento da promoção de saúde, compreendendo o território como estratégia de ação; e a necessidade de regionalizar o sistema e os serviços e ações de saúde, entre outros fatores

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ligados à história recente da saúde coletiva. Por outro lado, a Geografia da Saúde, desde a sua origem, tem sido calcada na resolução de problemas, permitindo a identificação de lugares e situações de risco, o planejamento territorial de ações de saúde e o desenvolvimento das atividades de prevenção e promoção de saúde. Um dos compromissos primordiais da Geografia da Saúde, no Brasil, é contribuir para a consolidação da política nacional de saúde (SUS) e a redução das desigualdades sociais. Analisando-se os trabalhos apresentados nesses eventos, é possível concluir que as pesquisas dos geógrafos brasileiros estão concentradas em duas abordagens principais: o estudo de padrões espaciais de doenças, predominantemente as infectocontagiosas (como a Dengue, a Malária e a Leishmaniose), e o estudo da oferta e demanda de serviços de saúde, desde a atenção básica até os serviços de alta complexidade. Em função desse grande interesse, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) apoiou a formação de um grupo de trabalho, para maior intercâmbio entre os especialistas no tema, em diferentes universidades brasileiras; e a Comissão de Saúde e Ambiente da União Geográfica Internacional (UGI) manifestou a intenção de maior integração com o grupo brasileiro. Além do Brasil, há também importantes iniciativas em outros países latino-americanos, como Argentina, Colômbia, Equador, México e Cuba. O Programa de Geografia Médica da Universidade de San Juan (Argentina) é a iniciativa mais importante no desenvolvimento da iniciação científica na graduação. Sob a coordenação do Prof. Dr. Jorge Amâncio Pickenhayin, o Programa têm formado, nos últimos 10 anos, bacharéis em

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Geografia da Saúde, obtendo o reconhecimento da Sociedade Argentina de Estudos Geográficos (Gaea). Na Colômbia, cabe destaque a participação de geógrafos no Grupo de Epidemiologia e Saúde Populacional da Universidade do Valle (Calle). Trata-se de um grupo de professores e estudantes de Pós-graduação em Epidemiologia, de formação multidisciplinar, preocupados em difundir os resultados das investigações entre os profissionais dos diferentes setores interessados na saúde pública e na comunidade em geral. Neste espaço de trabalho, há o engajamento de geógrafos no desenvolvimento das pesquisas e na aplicação dos conhecimentos no processo de tomada de decisão em programas, planos e políticas de saúde. Da mesma forma, o grupo, sob a liderança do Prof. Dr. Jaime Breilh, diretor da Área de Saúde da Universidade Andina “Simón Bolívar”, em Quito (Equador), é composto por pesquisadores de diversos países sul-americanos, sendo responsável pelo desenvolvimento do “Observatorio Regional en Salud Colectiva y Ambiente”. No México, há pesquisadores em Geografia da Saúde em várias universidades, como em Guadalajara, Cidade do México e Toluca. Nesta última, onde está a Faculdade de Geografia da Universidade Autônoma do Estado do México, a Profa. Dra. Marcela Virgínia S. Juarez realizou o I Congresso Internacional de Geografia da Saúde, em 2007, quando se constituiu uma rede com a participação de pesquisadores do México, Argentina e Brasil. Em 2009, o II Congresso Internacional foi realizado em Uberlândia, concomitante ao IV Simpósio Nacional de Geografia da Saúde, envolvendo um número maior de pesquisadores na agenda comum. Essa iniciativa foi consolidada em 2011, durante a realização do III Congresso Internacional, novamente em Toluca; e em 2012,

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com a realização do IV Congresso Internacional, na UNESP de Presidente Prudente. Geógrafos e epidemiologistas compartilham muitas características em comum. Ambas profissões têm uma longa história, muitas vezes, entrelaçada, que se caracteriza pela necessidade de aplicar os conhecimentos teóricos em problemas práticos. O desenvolvimento da Geografia Médica foi resultado da busca de relações entre as condições ambientais e as doenças, segundo a posição de uma parte dos médicos, ainda preocupados com os fundamentos formulados na Antiguidade por Hipócrates, a respeito da importância do ambiente para a qualidade de vida dos seres humanos. Foi esta perspectiva ecológica que estabeleceu as bases da Geografia Médica, especialmente aquela inspirada na Teoria dos Complexos Patogênicos de Maximilien Sorre, segundo a qual as relações ecológicas entre as enfermidades e os lugares seriam mediadas por agentes biológicos que, influenciados pelo clima e outros fatores geográficos, atuariam como patógenos. As ideias de Sorre mantiveram aberta essa linha de estudo e estão sendo retomadas nos trabalhos mais recentes dos geógrafos latino-americanos, que estudam a saúde. Contudo observa-se a necessidade de uma visão mais global do problema, uma vez que a preocupação em compreender as doenças não é suficiente para o tratamento integral da saúde coletiva. Essa visão global busca valorizar outros conceitos, tais como a promoção, a qualidade de vida e o bem-estar. Dessa forma, nota-se uma tendência de integração entre enfoques eminentemente físico-biológicos e as abordagens da Geografia Social. Para isso, há um grande interesse dos pesquisadores latino-americanos na elaboração de projetos de pesquisa envolvendo escalas mais amplas. Afinal, além de

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muitos problemas de saúde comuns ao continente americano, a compreensão de tais problemas e a capacidade de intervenção exige, cada vez mais, a análise dos processos de determinação social supra-nacionais. No âmbito da Geografia brasileira, destacam-se várias experiências. O Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde da UNESP de Presidente Prudente, coordenado pelo Prof. Dr. Raul Borges Guimarães, foi criado para desenvolver estudos que correlacionam a saúde coletiva e os padrões espaciais de condição de vida. O Laboratório tem o foco em problemas relacionados à saúde ambiental, assim como a distribuição dos serviços de saúde e sua acessibilidade. Desde 2008, os estudos de vetores de doenças infectocontagiosas aproximou a equipe do laboratório das pesquisas em zoogeografia. Com a inserção no Programa Biota da FAPESP e a responsabilidade pelas atividades didáticas da disciplina de Biogeogragia no curso de graduação em Geografia, os objetivos do Laboratório foram ampliados, procurando-se reforçar o suporte ao ensino e às atividades de extensão. Na Universidade Federal de Uberlândia, sob a coordenação do Prof. Dr. Samuel do Carmo Lima, está em funcionamento o Laboratório de Geografia Médica e Vigilância em Saúde, desenvolvendo pesquisas e atividades de extensão em promoção da saúde. Também se localiza na UFU o curso de Graduação em Gestão em Saúde Ambiental, uma experiência inovadora de formação de técnicos de nível superior para o planejamento de ações de vigilância sanitária e de gestão de serviços de saúde. O Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná, sob a coordenação do Prof. Dr. Francisco Mendonça, tem produzido pesquisas sobre a saúde coletiva em diversos níveis,

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mantendo uma proposta de acompanhamento da infestação do mosquito vetor da dengue e da transmissão da doença no Paraná. Trata-se do SACDengue, Serviço de Alerta Climático de Dengue. Outra iniciativa que merece destaque refere-se ao Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira (NEPECAB), do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas. Especialmente, as pesquisas a respeito das cidades amazônicas localizadas na calha do Alto Solimões levaram o grupo a se aproximar dos estudos de Geografia da Saúde, uma vez que as características ambientais e da rede urbana na Amazônia Ocidental exigem maior aprofundamento. Tendo em vista o aumento da circulação entre os territórios nacionais e as características epidemiológicas e sanitárias comuns de povos que foram formados na interação com os outros, tem-se um contexto socioespacial propício à produção de unidades regionais transfronteiriças. Esse processo também se verifica no extremo sul do continente, na região da Patagônia, neste caso, envolvendo cidades argentinas e chilenas da zona de fronteira, o que foi objeto de discussão de geógrafos da saúde da Argentina, do Brasil e de Cuba, em evento organizado em dezembro de 2009, na unidade acadêmica da Universidade da Patagônia Austral, em Rio Turbio. O presente livro é resultado desse esforço coletivo e da busca permanente pela troca de experiências e de diálogo entre campos de saberes, especialmente da Geografia e da Epidemiologia. A obra foi planejada para um público amplo, envolvendo tanto estudantes de Geografia da Graduação e Pós-graduação como estudantes e profissionais de outras áreas de interesse da saúde coletiva.

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No primeiro capítulo, “Espaço e saúde”, estabelecemos conexões entre estes dois conceitos, com enfoque na abordagem ecológica e no fator informacional que se agrega no presente. No capítulo dois, “As ideias sobre saúde – de Hipócrates à promoção da saúde”, percorremos a evolução do pensamento geográfico em saúde, sem perder de vista que ideias são sempre histórica e socialmente contextualizadas. No capítulo 3, “A organização dos serviços de saúde”, discutimos o caminho metodológico de estudo dos serviços de saúde do ponto de vista da Geografia e de suas interfaces com outras áreas das Ciências Sociais, como a Sociologia, a Economia e a História. Nas duas últimas partes deste capítulo, enfocamos o desenvolvimento da política de saúde no Brasil e os novos desafios para o fortalecimento da saúde pública. Por fim, no capítulo quatro “Saúde: uma Geografia aplicada”, analisando o papel do geógrafo na saúde coletiva, enfatizamos que não há barreiras epistemológicas capazes de isolar um campo tão importante como é o da Geografia da Saúde.

Os autores

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CapítUlO 1

ESpaçO E SaúdE

Para os termos Espaço e Saúde, têm-se por referência a frase célebre de Santo Agostinho (Século V): “Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quero explicar-lhe o que me pergunta, eu não sei”¹. De fato, quem não entende o conceito de espaço, se a vida transcorre movendo-nos de um lado ao outro, ocupando diferentes lugares? Quem não sabe o que é saúde, sobretudo se está a ponto de perdê-la? O que parece simples não é. Há muitas ciências que se referem diretamente ao espaço, como a Geografia, a Geometria ou a Astronomia. Praticamente, todas as demais o fazem indiretamente (não se pode falar de História, Biologia, Química ou Física prescindindo do espaço). Contudo cada ciência elabora seus próprios axiomas a respeito da ideia de espaço. Pode-se falar tanto de Região Mesopotâmica como de região torácica. Fala-se da conquista do espaço, em que não há sequer alguma alusão à mesma ideia que usa o matemático, quando diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.

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1.1 Espaço geográfico: forma e conteúdo

Em nosso caso, teremos que fazer um primeiro recorte e dizer: o espaço que agora estamos abordando é o espaço geográfico. Os geógrafos reconhecem o espaço como seu campo de trabalho, como a matéria-prima a partir da qual realizam seus estudos. Por esta razão, Hettner definiria a Geografia como uma ciência do espaço ou Raumwissenschaft (1927). Esse espaço geográfico se caracteriza por possuir múltiplos atributos de distribuição dinâmica e clara diferenciação. Neste contexto, define-se a paisagem como um conjunto de informações situadas que se justifica por sua condição espacial. Quando a paisagem possui coesão e continuidade que a diferenciam de outras unidades espaciais, temos uma região. Finalmente, intervêm fatores de apropriação ou de domínio, fala-se de territórios. A presença humana confere ao espaço traços que o transformam e lhe dão uma historicidade como construção social. Distinguem-se duas formas de conceber o espaço: uma o toma como forma, e se estabelece por meio de parâmetros de localização e contexto; a outra, como conteúdo, e se define pelas conexões que animam seu entorno (Figura 1). No primeiro caso, fala-se de espaço euclidiano, porque o regem as três dimensões básicas, presentes na geometria de Euclides: largura, altura e profundidade (que, em coordenadas esféricas, podem traduzir-se em latitude, longitude e altitude). É conteúdo, porque admite a medição objetiva baseada em distâncias; define limites que marcam localizações objetivas, às vezes, pontuais, outras, lineares, de superfície ou de volume. É genérico, porque admite leis e

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generalizações surgidas da abstração. Patrício Randle o denomina locacional, porque define uma ordem de coexistência entre objetos concretos e localizados (RANDLE, 1977, p. 363).

Figura 1 – Formas de conceber o espaço.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

A alternativa dicotômica para esta concepção é o espaço ecológico, no qual o importante é a forma e os seus processos funcionais de interação. Esta forma de captar o espaço se produz de um golpe, como uma totalidade, que ingressa à mente por meio de uma imagem integral. Por isso, chama-lhe, também, gestáltico, em referência à corrente psicológica que sustenta que a mente é capaz de configurar, pela memória, conjuntos que são mais significativos que a mera soma das partes que os conformam.

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Desse modo, o espaço manifesta-se em sucessivas estruturas relacionadas com formas de ocupação, trânsito e imposição. Aparecem, assim, o espaço vivido, o modelado, o dominado e o planificado, todos eles marcados pela forte influência do homem, como fator de mudança para o entorno.

1.2 Uma saúde e centenas de definições

Assim como a noção de espaço é mais complexa do que parece, com a saúde ocorre algo similar. Produziram-se centenas de definições no decorrer da história. No presente, falar dela ainda é se envolver em controvérsias. Muitas vezes, qualifica-se a saúde como boa, má ou regular. Mas que parâmetros permitem medir e comparar tais níveis? Tampouco são iguais as maneiras de entender a saúde em lugares e tempos distintos. Para diferenciar a qualidade da saúde, pesaram, na história, alguns tabus prementes, como a enfermidade, a miséria e, principalmente, a morte. As formas de alcançar esta ansiada condição, chamada saúde, foram passando por diferentes estágios, desde a magia até a Medicina, para chegar a um último nível, a política, na qual se manifesta a ação social a favor de um bem comum. Desde Hipócrates até a criação da Organização das Nações Unidas, multiplicaram-se as definições, todas elas não só pelos conhecimentos de cada época, senão pelas ideologias. Na tentativa de sistematizar as diferentes abordagens utilizadas no presente para buscar uma definição, Kornblit y Mendes Diz (2000, p. 17-25) classificam-nas em três concepções,

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chamadas “médicas”, e três consideradas “sociais”, alcançando, finalmente, uma síntese que denominam “ideal” (Figura 2).

Figura 2 - Concepções de saúde.

Fonte: kORNBLIT, Ana Lía y Mendes Diz, Ana María.

As primeiras concepções surgem da abordagem dos profissionais médicos e partem da visão objetiva do organismo humano como máquina. Como tal, pode decompor-se, andar mal, tanto por alteração dos materiais que o integram, como porque não se cumprem devidamente as funções para as quais foi concebido. A saúde, neste enfoque, parece-se muito ao velho conceito de “ausência de enfermidade”, a partir do qual o equilíbrio físico se projeta no campo somático-fisiológico. A concepção psicofísica aporta uma visão mais subjetiva, uma vez que reconhece o fator mental. Aqui, saúde é um campo de relações entre a psique e a soma, que influem diretamente no bem-estar dos indivíduos.

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Com inspiração hipocrática e direta relação com a revolução médica do século XX, a concepção sanitarista deixa a questão individual para projetar-se no plano coletivo. Afinal, produz-se um complexo de interações entre o meio e a sociedade. O meio (o ar, a água e os lugares, como diria Hipócrates) funciona como marco de referência, mas nada é se falta quem o ocupe: os homens (considerados como fator coletivo). As três concepções sociais são: a legal (conforme a lei), a econômica e a cultural. No primeiro caso, a saúde é considerada como um bem que as pessoas possuem e que, como tal, requer a tutela jurídica. O Estado deve atuar nesse contexto para preservar o interesse comum e preservar um direito que se refere à integridade dos indivíduos. A partir da concepção econômica, entende-se que a saúde é um bem escasso e acessível que favorece ademais a produtividade. Em consequência, exige sua manutenção e reprodução, por meio da inversão pública e individual. A concepção sociocultural, por último, entende que, para alcançar um desempenho adequado dos papéis sociais, para favorecer a criatividade humana, é necessária a saúde como atitude, como predisposição, como capacidade inicial para poder trabalhar. A definição de saúde concebida pela Organização Mundial de Saúde, desde o momento de sua constituição, recém-terminada a Segunda Guerra Mundial, pode ser considerada uma concepção “ideal”, uma vez que aponta mais o que deveria ser e descuida do que é.² Dentro das críticas que se fizeram a esta concepção, a principal é a que assinala que a saúde é um processo, e não um estado. Há um continuum de

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muitas dimensões, cujo resultado se expressa em um gradiente, assim como se pode ser mais ou menos bom. Mas a bondade, em termos de perfeição absoluta, é inalcançável, em matéria de saúde poder-se-á falar de graus, de níveis, mas nunca de uma realização completa. Chegamos, assim, a uma situação de equilíbrio biostático, em constante mudança e readaptação dinâmica, que, além de buscar a harmonia – sem alcançá-la nunca de forma absoluta –, vai avançando e retrocedendo na magnitude de suas variáveis físicas, psíquicas, sociais e espirituais, baseando-se em uma constante disputa entre fracassos e sucessos. Contrariamente, o equilíbrio estável, nesse contexto, dá por resultado a morte. Esse equilíbrio é parte do que se produz entre a sociedade e seu entorno, com intensos processos de adaptação mútua. É por isso que a relação entre espaço e saúde, que levantamos desde o começo deste capítulo, é atributo e condição do ambiente, concebido como um sistema. O que envolve a saúde é um subsistema que forma parte dele e que será objeto de nossas próximas reflexões.

1.3 Ecologia e saúde

Cada rincão do globo é, sem dúvida, um reflexo da natureza inteira. As mesmas formas orgânicas se reproduzem sem cessar, e se combinam de mil maneiras (HUMBOLDT, 1845/1944, p. 216). Dessa forma, através do Cosmos, esse autor deixa estabelecido uma sucessão de conceitos que são a base da Geografia atual e que, por conseguinte, constituem o

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marco teórico de onde pode construir-se uma relação entre natureza e saúde. A primeira ideia que aparece é a de holismo, como integração de totalidades que, por coexistência em “cada rincão do globo”, se vão unindo em verdadeiros grupos de interação (a palavra humboldtiana mais importante, Zusammenhang, vem literalmente de “colocar todos juntos”). Os organismos estão em constante reprodução e coesão recíproca. Reler este conceito nos leva a pensar nas incontáveis relações que se estabelecem no ambiente. E pensar que foi escrito há tantos anos, quando ainda não se havia acunhado o termo Ecologia!³ É o mundo das relações, das combinações múltiplas entre o animado e o inanimado, o que se oferece ao espírito inquieto dos seres humanos há muito tempo. No começo, sobreviver seguramente consistiu em impor-se às forças naturais, tanto aos elementos – rios, montanhas, desertos e meteoros – como aos agentes biológicos – predadores, parasitas e competidores. Hoje, sobreviver implica controlar variáveis muito mais sutis e complexas, próprias de uma sociedade tecnológica, que maneja (mas nem sempre domina) instrumentos perigosos para a existência integral do planeta. Para isto, é preciso impor uma revolução conceitual para alcançar resultados satisfatórios nestes renovados combates pela Terra, muito diferentes daquelas batalhas campais em que o ser humano do Paleolítico dirimia a sorte singular com o veado ou com a fera. Agora a sorte é plural. Afeta-nos a todos na mesma medida, ainda que, frequentemente, o responsável dessa sorte coletiva seja um só, ou, ao menos, uma só espécie: a humana.

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Dessa maneira, a atitude do homem hodierno perante o ambiente abre um novo espectro de relações: interespecíficas, enquanto a espécie humana assume um papel diferente ante as demais criaturas (porque agora pode definir sua proteção ou seu extermínio com muito mais eficiência que no passado), e intraespecíficas, ao propor uma forma de conduta social com que os indivíduos atuam frente ao meio, organizando-se entre si para alcançar objetivos que derivam da nova responsabilidade comum. Ao mudar os termos da relação, modifica-se também o grande conjunto que é o ecossistema num processo de ajustes, cada vez mais sofisticado, o que vai fazendo com que a espécie dominante padeça de uma nova diferenciação. De um lado, toda a humanidade, considerada como vítima e agressora da situação, de outro, alguns homens (os grupos que produzem contaminação, os que provocam a erosão incontrolada, os que contribuem com a extinção de espécies, mas também os que detêm as catástrofes ecológicas, os que protegem a fauna e a flora, os que alertam a comunidade dos perigos ambientais). Assim, levar a problemática da ecologia (e mais particularmente da ecologia humana) ao campo da saúde supõe um compromisso singular. É necessário, primeiro, dar um olhar analítico às distintas partes em jogo, para, apenas depois, compreender o funcionamento do conjunto. Logo, dever-se-á proceder ao isolamento daqueles aspectos desta unidade dinâmica, que constitui o subsistema da saúde. Começaremos, em consequência, pela classificação mais elementar dos fatores que interatuam em um ecossistema. Aqui, já aparece um fator muito ligado ao campo da saúde, a

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vida. Os elementos não vivos formam os fatores abióticos; os vivos, os bióticos. A eficiência dos primeiros é circunstancial. Os bióticos têm atitudes próprias para alcançar a eficiência e os mais evoluídos entre eles têm vontades, ainda que sejam falíveis. Vejamos alguns exemplos simples: Uma pedra de sal pode combinar-se eficientemente com a água, mas isto dependerá exclusivamente das circunstâncias: deverá ocorrer no momento adequado e no lugar adequado. E isto não depende da pedra de sal! Uma planta, para crescer a expensas desse sal, entre outros fatores, pode estender suas raízes e alcançá-la. O ser humano tem travado batalhas pelo sal, recorrendo a refinadas estratégias. Contudo nem os mais sofisticados atos gerados pela vontade asseguram nenhuma destas duas coisas: o acerto e o êxito da empresa. A saúde está proximamente ligada com este parâmetro de eficiência. Cada um dos fatores de interação no ecossistema cumpre determinados papéis, que requerem adaptação aos restantes. Esta função é independente de sua condição abiótica (que promove mudanças físicas e químicas) ou biótica (na qual as mudanças podem ser biológicas e culturais) de quem as gera. A adaptação depende do êxito de cada vínculo, num processo que aponta a eficiência, visto que, muitas vezes, não a alcança. No clássico manual de ecologia de Clarke, fala-se do ambiente crítico com um argumento parecido: “Nem sempre são favoráveis para os organismos suas relações com o ambiente, e essas ocasiões não podem satisfazer obedientemente as suas necessidades e evitar determinados perigos” (CLARKE, 1971, p. 20). É por isso que, neste

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intercâmbio entre fatores abióticos e bióticos, só em alguns casos os organismos conseguem vencer a feroz concorrência, cujo prêmio, em geral, é sobreviver. As principais ações que os organismos desenvolvem são cinco: perdurar, dominar, compartir, consumir e produzir. Todas estas têm um gradiente que vai desde o sucesso (que está no extremo positivo) até o fracasso (no negativo), ainda que, também, possa registrar-se um estado neutro (em que não há competição) (Figura 3).

Figura 3 - As principais ações dos organismos.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

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O impulso, por perdurar, implica muitas facetas. A primeira delas é a sobrevivência, e também pode completar-se pelo impulso constante dos organismos para melhorar suas oportunidades imediatas de desenvolvimento. Neste caso, encontram-se também as estratégias de procriação e de migração que tratam de evitar a extinção da espécie. Não só é questão de esquivar-se da morte, mas de deixar uma herança para as futuras gerações. Dominar é um ato mais complexo. Supõe alcançar o controle sobre outros organismos e conquistar, assim, benefícios em uma relação desequilibrada. Em ecologia, expressa-se com muita clareza no vínculo predador-presa, assim como pode encontrar-se nas práticas culturais, algumas delas nas quais o homem maneja os animais e as plantas, como na agricultura e na pecuária, transformando-o numa questão interespecífica, como ocorre no caso da escravidão. As formas mais evoluídas de domínio são próprias do gênero humano, mas isto não é absoluto. Melissotarsus insularis, uma pequena formiga de Madagascar, é capaz de manejar outras espécies como gado e fazer delas uma classe servil e apta para a alimentação. Compartir é uma forma de relação muito interessante, visto que pode encontrar-se em todos os níveis, com organismos de uma ou várias espécies. Na simbiose, vínculo definido pelo botânico alemão Anton de Bary no final do século XIX, dois ou mais organismos, chamados simbiontes, associam-se para obter benefícios em comum. Também compartem com mútuo proveito, ainda que numa relação menos estável, as espécies que praticam o mutualismo. Em outras relações, os resultados são negativos

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(–) ou neutros (0), dando lugar a uma série de combinações que se detalham na tabela 1.

Tabela 1 - Relações interespecíficas.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Nem sempre compartir, como se pode ver, é um exercício tranquilo e isento de conflitos. Os êxitos de um, frequentemente, são o fracasso de outros. Para que existam herbívoros, necessariamente, há espécies que perderão parte de seu aparato folhear, seus galhos ou seus frutos. Um atum se move em águas oceânicas depois de haver ingerido 11 vezes seu peso (biomassa) de outros peixes. Ele compartilhou sua mesa (como convidado a comer) com centenas de peixes menores (eles como alimento).

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Resta, agora, o tratamento de duas ações, muito ligadas entre si: produzir e consumir. Os fatores abióticos do ecossistema são os primeiros reservatórios de nutrientes com que conta a natureza. Em ciclos físico-químicos se transformam, a partir das rochas que os contêm, em combinações diferentes de elementos que dão origem a distintos minerais. Estes são modificados, recompostos e transportados pelos grandes agentes, também abióticos, como são o ar e a água (e suas versões planetárias, a atmosfera e a hidrosfera), mobilizados pelos grandes motores energéticos, o Sol, mediante suas radiações, e a Terra, pelos seus movimentos, seus processos internos e a gravidade. Assim sendo, em dinâmico processo de constante transformação, esses fatores são tomados pelos organismos para produzir matéria orgânica. Como é realizada esta mágica conversão? São as plantas verdes, por meio da fotossíntese, as encarregadas de elaborar tecidos orgânicos, uma resultante da combinação de energia proveniente do Sol com os minerais proporcionados pela litosfera. Esta proto matéria biológica, gerada a partir da clorofila, dá lugar às primeiras células da cadeia. Esta produção volta-se para o consumo numa sucessão de etapas na qual distintos conversores orgânicos vão transformando os tecidos vegetais em animais, e estes, em outros tecidos animais, em etapas que vão configurando-se em uma cadeia trófica (chamada assim porque reflete a pirâmide de alimentação centrada em um duplo processo de produção e de consumo). Aqui, intervêm três processos de concentração, que fazem decrescer, desde a base até o vértice, a energia, a matéria e o número de organismos. Produzir e consumir é a grande base da cadeia trófica que se transforma, em uma pedra angular

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para a vida. Isto é evidente no caso da Biologia, bem como na Geografia, dedicada ao homem em sua relação com o meio. Não em vão, uma de suas mais potentes definições simplifica o conceito em poucas palavras: Geografia é a ciência do homem produtor-consumidor (GEORGE, 1969, p. 9). Desse modo, as espécies, cada organismo, os homens, em particular, todos se empenham por participar com eficácia do grande “banquete” de relações que oferece cotidianamente a natureza. Esta eficiência funcional tem muito a ver com a saúde. Um planeta eficiente é um planeta que tem boa saúde. Saúde tem as plantas que respondem com solvência aos desafios ambientais e também os animais que desenvolvem com êxito as cinco ações básicas: perdurar, dominar, compartir, consumir e produzir. Do mesmo modo, o conceito de saúde humana traz consigo esse padrão ambiental que está presente, como um circuito impresso, em todos os processos de adaptação. Desde o átomo ao ecossistema, passando por células, tecidos, organismos, espécies e populações, estes processos definem um equilíbrio que, quando balança seus pesos, resolve de forma harmônica os problemas do habitat, quando evita excessos, pode chamar-se saudável. Frequentemente, atribui-se aos médicos a responsabilidade absoluta pelo controle da saúde. Como demonstrado, esta responsabilidade é muito mais complexa, visto que passa por milhares de contatos simultâneos. A saúde (a humana, com mais razão) é uma resultante do desejo de viver de cada um e de todos, simultaneamente. Completamos: não só de viver, senão de viver bem, de viver melhor, de viver mais.

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1.4 Fatores físicos e químicos

Vimos a importância da interação entre o mundo biótico e abiótico, assim como o valor da energia – principalmente a que provém do Sol –, para mobilizar os ciclos da natureza e a vida, em suas distintas manifestações, em estado ativo. Para que este processo possa cumprir-se, é necessário que se materializem muitas ações e reações, inicialmente, a partir de elementos submetidos a mudanças físicas e químicas. A saúde é muito sensível à distribuição da matéria no espaço e às combinações que ali se encontram. Uma leve alteração circunstancial na composição do ar, da água ou do solo, de onde o ser humano respira, bebe ou obtém seus alimentos, respectivamente, pode terminar com sua saúde (ou ao menos, com o equilíbrio que teria antes dessa mudança). Também poderia ocorrer o contrário. Muitos pacientes com infecções respiratórias contraíram essa patologia por se haver exposto a ambientes contaminados (por exemplo, em minas de calcário, sob os gases de um incêndio ou por influência de emissões de anidrido carbônico). A recuperação, muitas vezes, se alcança “mudando de ares”, migrando-se para ambientes mais secos e sem poluição. O organismo humano (poderíamos falar dos restantes seres viventes, mas nos circunscreveremos aqui à nossa espécie) está condicionado a uma série de limites. Cada um deles atua como uma barreira que é impossível transpor em condições naturais. A engenharia permitiu, com invenções, criar situações artificiais por meio das quais o homem pode superar estas barreiras. Assim, um traje espacial cria um microambiente que imita as condições

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de normalidade, um aquecedor modifica o entorno das pessoas, produzindo temperaturas suportáveis, e um filtro pode fazer da água suja algo bebível. Voltando aos limites físicos e químicos, podemos observar que atuam como extremos, por abundância ou por escassez, colocando o organismo entre dois pontos possíveis. Em condições normais e sem abrigo, o ser humano resiste entre os 45ºC e –2º de temperatura exterior, por exposição contínua. Como todos os limites, este (aparentemente, o menos complicado) tem muitas possibilidades de enfoque. Resistir cinco minutos numa temperatura excessiva é uma situação bem diferente que suportá-la por várias horas. Também muda o parâmetro se o que tomamos em conta é a temperatura interna do corpo (qualquer variante do normal, que é de 27½º, afeta a saúde e os limites se situam entre os 21° e os 43º). Ademais, há uma importante gama de variantes nesses limites se considerarmos a forma que o corpo elimina calor por raios infravermelhos, o que o toma, por exemplo, por meio do exercício ou ingerindo elementos quentes ou de alto teor calórico. Por último, estão os grandes atenuantes que influem no entorno das pessoas, tais como a moradia, a roupa e os artigos tecnológicos de conforto, como o ar-condicionado. Tudo isto apenas corresponde à problemática de um limite: a temperatura. Como nos casos da pressão externa e os níveis de glicose, oxigênio ou Ph nos líquidos internos do corpo, a temperatura tem dois extremos. Há outros casos – particularmente, o de todos os tóxicos – nos quais só há um ponto superior, visto que sua ausência total representa um ideal para a saúde.

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Outros limites dependem da necessidade de alcançar um equilíbrio homeostático, para o qual é necessário cumprir, periodicamente, com determinadas ações regulatórias. É o caso da respiração (uma apneia de dez minutos produz a morte), a satisfação da fome ou da sede, a prática do sono e a faculdade de eliminar as excretas. Também nestes processos há variantes no limite alcançado, segundo sejam abruptos, graduais ou reiterados. Práticas como a interrupção sistemática do sono originam gravíssimos transtornos físicos e psíquicos; o colapso do sistema urinário gera, em pouco tempo, o envenenamento do sangue; um náufrago pode morrer de sede rodeado de água de mar, devido ao efeito da concentração de sal; há – finalmente – formas de fome específica, como manifestava Josué de Castro, que implicam uma alimentação deficitária em determinados nutrientes. Se detalharmos ainda mais a nossa análise, podemos concluir que qualquer elemento da natureza que se apresente em excesso em tempos e lugares determinados, pode considerar-se um limitante da vida (excesso de árvores, de fogo, de água, de exposição solar, de pessoas, de insetos… e segue uma lista interminável). Se tivéssemos que elaborar um quadro completo, não seria suficiente um livro. Haveria que se pensar na resistência a pressões mecânicas, químicas, biológicas, sociais e psíquicas. O que é mais importante para o tema que nos ocupa: das quais terminam sendo patologias. Os homens se localizam no espaço sob um processo de permanente dinamismo, transformando-se, ora muito lentamente, ora com rapidez; às vezes, alguns centímetros, outras

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milhares de quilômetros, seguindo padrões de sobrevivência. Por fim, movem-se perseguindo melhorias econômicas, outras por questões mais pueris, mas igualmente imprescindíveis, como alcançar um copo d’água, sair de uma habitação cujo ar se tem rarefeito ou tomar um medicamento receitado. Cada pessoa transita, permanentemente, por um mapa pessoal que se parece muito com os Sistemas de Informação Geográfica (SIG), que nos oferecem os computadores. Estes programas funcionam como uma base de dados, onde cada informação está georreferenciada segundo coordenadas precisas. O SIG organiza esta informação em mapas que têm uma dupla qualidade: a) podem relacionar dados de distintas categorias e b) se administram segundo camadas (layers) que aparecem ou não, de acordo com as necessidades do usuário. Imaginemos, agora, um “SIG mental” (Figura 4), onde apareçam as localizações e possibilidades de acesso dos distintos fatores físico-químicos necessários para satisfazer a sobrevivência (ou apenas, um saudável conforto). Esta construção também se organizará em camadas – uma para cada fator – e nos permitirá observar as relações. Outra de suas características será a posição: o espaço estará sempre centrado no indivíduo ou na comunidade que o executa. Os limites desse mapa serão o horizonte dessa pessoa ou grupo, horizonte que, ademais, poderá expressar-se em distintas escalas. O seu “SIG mental” pode estar centrado em sua moradia, que é o lugar em que se encontra, mas se moverá à medida que você o faça, acompanhando-o com o horizonte. Se você tem frio (uma reação física), recorre ao layer que

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o conecta com a possibilidade de aumentar a temperatura do ambiente, de onde podem fazer três informações situadas: a cozinha, onde está o fogão; o armário, onde se guardam os agasalhos; e as janelas, por onde entra o vento. Se você decide ir à cozinha, este mapa ad hoc o informa que muito próximos estão as janelas abertas, de modo que, em um só ato, você pode realizar duas ações que lhe permitem recuperar a temperatura corporal.

Figura 4 - SIG Mental.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

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Imaginemos, agora, que você tem um alto índice de cromo no sangue; quando o médico lhe pergunta a respeito de seus hábitos, deverá recorrer a mapas um pouco mais complicados como os que o relacionaram com curtumes de couro, oficinas de produção de aço ou galvanoplastia, indústrias, cujo processo podem contaminar com cromo. Cada fator tem seu layer, estas camadas são combináveis entre si e, além disso, os “horizontes” são modulares e se adaptam aos requerimentos para nos permitir as tomadas de decisão que, em última instância, representam deslocamentos. Os ciclos da natureza, especialmente comandados pelos dois principais, que são o ciclo da energia e o da água, produzem constantes mudanças no espaço geográfico, condicionando a superfície terrestre a uma série de diferenciações. Os elementos se distribuem de forma desigual no planeta e, do mesmo modo, são distintas as alternativas em que o homem tem de ter boa saúde. O fluir de energia, principalmente desde o Sol, dá lugar a diferenças de pressão e temperatura no planeta, que mobilizam os elementos de um lugar a outro – principalmente por meio dos ventos – dando-lhes oportunidade de mesclar-se e produzir reações químicas. Consequência direta do anterior é o ciclo da água, que conduz partículas dissolvidas por nuvens, rios e mares. A cadeia se completa com outros ciclos biogeoquímicos, que arrastam nutrientes. Alguns deles muito abundantes no planeta (e, por isso, denomina-os macronutrientes) e outros muito escassos, denominados de traços. Dentro do primeiro grupo, aparecem elementos como o carbono, o hidrogênio, o oxigênio e o nitrogênio e,

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em segunda linha, o cálcio, o fósforo, o potássio, o magnésio e o enxofre. Entre os traços, que representam apenas 3% dos recursos totais, podemos citar o cobre, o ferro, o cloro, o zinco, o ouro e o iodo. Há muitos mais, tantos como registra a tabela periódica, mas seria pouco importante sua enumeração. Cada um tem sua cartografia, uma vez que suas respectivas camadas, ou layers, podem combinar-se, também podemos reconstruir um interessante mapa de oportunidades, relacionado com a saúde. Este piso biogeoquímico mudou notoriamente através da história da humanidade. Essas mudanças eram quase imperceptíveis na Antiguidade e no Medievo, mas adquiriram uma aceleração prodigiosa com a Modernidade. Nos últimos cem anos, essas localizações se moveram de forma tão rápida que se fez necessário segui-las por meio de modelos dinâmicos. Estas mudanças se devem à ação do ser humano, mediante seus empreendimentos industriais, o que permitiu a acumulação artificial destes elementos com perigo para a saúde individual e coletiva. Há um jogo de ida e volta, quando se produzem tais concentrações. Para isso, teríamos que recorrer ao conceito de dose e resposta. Imaginemos que nos ofereçam chocolate: um, dois e três tabletes podem nos produzir prazer, mas chegará a um ponto em que nos trará um efeito pernicioso ao organismo. Isto ocorre quando a dose supera nossos limites de resistência; a resposta começa a ser negativa e atua como um sinal para nos prevenir. Do mesmo modo, não nos mata o arsênico, que, em pequenas doses, pode curar enfermidades como a leucemia.

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1.5 Fatores biológicos

Uma parte importante da relação espaço e saúde está associada com a Biologia, conforme já abordado. A chave deste vínculo volta a estar na palavra equilíbrio. Quando repassamos os atributos da pirâmide trófica, vimos um espiral ascendente iniciada com os nutrientes, fatores abióticos, que aportam os minerais necessários para construir as primeiras células vivas. Com o processo da fotossíntese, ativado pela energia da luz e motorizado por complexas moléculas de clorofila, as plantas verdes transformam nutrientes minerais em tecidos vegetais, mediante um intercâmbio bioquímico, que requer oxigênio, anidrido carbônico do ar (ainda que exista a variante anoxigênica ou bacteriana) e água com nutrientes que absorvem as raízes e integram a seiva. Em sucessivas etapas, formam-se carboidratos, entre eles, glicose, lipídeos e proteínas. Esse processo maravilhoso é o que habilita o primeiro nível trófico. É por este motivo que a esses organismos, sem os quais a cadeia não poderia estruturar-se, denomina-se produtores. Em realidade, são os únicos que geram matéria orgânica a partir da inorgânica. Como se pode ver neste desenvolvimento, a água, a luz, o ar e os minerais providos no solo são indispensáveis, mas sua ausência ou escassez atuam como limitantes. Os consumidores se escalonam em vários níveis, conforme se alimentam de plantas (herbívoros) ou de outros animais (carnívoros). Há espécies que têm vários níveis de carnívoros detrás (como os golfinhos) e outras, um só (como os jaguares). Há, contudo, algumas exceções,

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como são os onívoros, cuja dieta alterna vegetais e animais (como os ossos ou o homem) e em casos raros, como vegetais que se alimentam circunstancialmente de animais (plantas insetívoras, como a Drosera) e moluscos, que são capazes de realizar, alternativamente, uma forma de fotossíntese. Mas, o que ocorreria se toda a cadeia alimentar se desenvolvesse sem controle? As plantas, seguramente, acabariam com os nutrientes do solo e o planeta terminaria inundado de corpos mortos e dejetos biológicos. Para fechar este circuito, estão os saprófitos (de saphron = pútrido), que são essencialmente bactérias e fungos, mas também animais em uma ampla gama, que vai desde os catadores, como o abutre, o condor ou a hiena – cuja função é favorecer o processo de decomposição dos tecidos orgânicos para transformá-los novamente em nutrientes. Desse modo, o ciclo se mantém em um constante processo autorregulado. A este equilíbrio também se pode chamar “saúde” em termos ambientais. Vejamos, agora, como intervêm estes fatores biológicos na relação espaço-saúde: Em primeiro lugar, devemos partir da condição biológica das pessoas. A saúde está relacionada com a autoecologia do ser humano, entendendo-se como aquela variante, que, em vez de estudar as relações de todos os organismos de uma biocenose entre si e com o meio que habitam, ocupa-se dos organismos de uma só espécie (em nosso caso: Homo sapiens sapiens). A grande maioria dos agentes (quem transmite) e vetores (quem transporta) responsáveis pelos processos infectocontagiosos são parasitas do homem ou de outros organismos que atuam como intermediários. Outras patologias

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se produzem pela interferência ou colapso de relações de simbiose (é o caso da flora intestinal) ou do comensalismo (no caso de alguns fungos). O uso de antibióticos é uma clara mostra do papel do amensalismo na farmacopeia moderna. O lugar e a função de cada espécie dentro do ecossistema (estes conceitos são denominados, tecnicamente, habitat e nicho) são de grande transcendência para a saúde humana. Tanto as localizações como a estratégia de sobrevivência dos organismos são dinâmicas e vão mudando segundo processos de adaptação que, às vezes, se cumprem em lapsos breves, que não excedem a duração da vida de um organismo, e outras em períodos longos, que se transformam em verdadeiras mutações para as espécies. A Etiologia, disciplina biológica que se ocupa do comportamento, define duas grandes modalidades adaptativas dos seres vivos, tanto ao meio como aos outros organismos, chamadas estratégias K e r. No primeiro caso, é muito importante o parâmetro de densidade de saturação, denominado com a letra “K” e, no segundo, é fundamental a taxa de incremento (nomeada como “r”) em seu ciclo vital. As espécies que aplicam a estratégia r são muito pequenas – bactérias, mosquitos – e se reproduzem em forma exponencial. Com este recurso podem superar as mudanças do ambiente, porque, ainda que a maioria morra com o impacto, sempre sobram alguns exemplares que rapidamente podem repor o estoque (RESTREPO, 2007, p. 188). Contrariamente, as de estratégia K são maiores e longevas. Têm grande capacidade de adaptação e estão muito mais bem preparadas para competir. Ainda que tenham menor quantidade de filhos e se desenvolvam com

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lentidão (isto é, porque empregam muito tempo e energia para que suas crias alcancem grande efetividade frente ao meio), são capazes de superar as adversidades ambientais. Os carvalhos, os pardais e as raposas são K. Levando isto ao campo da saúde humana, podemos assinalar que, tanto os mosquitos Anopheles (malária), Aedes (dengue e febre amarela) e os dípteros Phlebotomiae (leishmaniose) são típicos casos de estratégia r; já os triatominos, que transmitem o Mal de Chagas, são K. A forma de combatê-los, em consequência, deve ser muito diferente.

1.6 O ser humano e seu entorno tecnocientífico

A saúde é um bem precioso para o ser humano. A civilização acompanhou seu processo evolutivo com o crescimento da ciência e da técnica, mas à medida que ia alcançando sucesso, aplicou parte desses resultados para melhorar seu quadro sanitário. Nesse processo, como em tantos outros que liderou o homem, mais que se adaptar ao ambiente, produziu mudanças para se adaptar a ele. O percurso tecnológico é tão antigo como a civilização. Os primeiros instrumentos – um pau, uma pedra – já podem se inscrever na história da tecnologia. Entre estas primitivas ferramentas, houve algumas que estiveram ligadas com a saúde. Contudo, durante milênios, o impacto desses apetrechos materiais não foi significativo para o ambiente. Foi a partir dos últimos duzentos anos, que essa influência começou a se fazer notória, cada vez com maior intensidade.

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Dos primitivos paus cavadores e arados, a agricultura passou aos tratores pesados, debulhadoras e outros elementos pesados que resultassem letais para essa tênue camada de húmus e minerais que se chama solo. As comunicações se fizeram rápidas e eficientes, a custa de um forte efeito contaminante gerado por ruído, gases e ruptura de ecossistemas, passando por vias e caminhos. As guerras já não são mais um simples enfrentamento entre couraças e lanças; agora, os titãs são porta-aviões, tanques e bombas de destruição em massa. As cidades adquiriram um tamanho tal que já podem ser consideradas estruturas próprias de uma Geografia física monumental, com montanhas – os arranha-céus –, redes de drenagem – ruas e avenidas por onde circula a água depois da chuva –, e até uma climatologia própria – as chamadas ilhas urbanas de calor. Desse sistema tecnológico, completo de máquinas e instrumentos, depreende-se um subsistema dedicado à saúde. Este subsistema tem entradas diversas de energia e matéria que, por um lado, afetam o ser humano e, por outro, liberam-no. Como todo sistema, este tem a finalidade de processar estas entradas para gerar um produto que, aqui, aponta o ser humano, em sua dupla condição: individual e social. Há, neste processo, um jogo dialético entre negativos e positivos, entre morte e vida, entre enfermidade e resistência. Também o cenário é duplo, ainda que os conceitos se interpenetrem: ambiente e sociedade. A organização deste sistema constitui o filtro principal que separa os aspectos próprios à condição que perturba a saúde (e que pode vir da herança, ser adquirida pela ação de um

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transmissor, resultar do processo degenerativo motivado, principalmente pela idade ou por lesões) e a intervenção que procura detê-la (aqui aparecem as atividades profissionais, por meio da prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a cirurgia). O processo próprio do sistema toma todos os dados surgidos das instâncias mencionadas para canalizar a resposta ao entorno. Para isso, fazem-se necessários os recursos de diversos tipos, entre os quais se destacam a infraestrutura construtiva, os aparatos que controlam a bioengenharia, a farmacopeia e, vinculando todos estes elementos, a gestão humana que recai, geralmente, nas mãos dos médicos. O feedback desse sistema retroalimenta as entradas, a partir dos resultados, e seu impacto na saúde dos seres humanos, proporcionando nova informação a respeito da saúde que modifica o ingresso de matéria e energia do entorno (Figura 5). Um exemplo do sistema funcionando, é uma ilha imaginária, o sistema de saúde (subsistema do sistema ambiental) recebe, do entorno, energia e matéria. A primeira provém, inicialmente, do Sol e dos ciclos que este mobiliza e que produzem mudanças no tempo local, intercâmbio de elementos devido à circulação de água (chuvas) e outras formas de intemperismo. Neste contexto, organiza-se a pirâmide trófica, onde a energia se alterna com a matéria (passando de elementos abióticos a bióticos e vice-versa). Estes processos naturais se complementam com outros humanos, de importância crucial. Há ingressos à ilha que podemos contabilizar como imigração e que representam entrada de pessoas, mercadorias e dinheiro (este é, em última instância, energia).

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De todos estes elementos que ingressam – como dizia von Bertalanffy, em forma desordenada, de acordo com a segunda lei da termodinâmica4 (1976, p. 39) –, a maioria tem relação indireta com a saúde. Uma parte é diretamente responsável: entre os fatores negativos, pelo ingresso de germes patógenos transmissíveis, estimulantes perigosos e armas; entre os positivos, pela chegada de médicos, recursos para a prevenção, medicamentos, equipamentos médicos, instrumental etc.

Figura 5 - Sistema tecnológico.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Uma triagem inicial – em nosso caso, os organismos administrativos e os centros de saúde da ilha – organiza as entradas, definindo aspectos positivos, relacionados com a vida, o bem-estar e as possibilidades de resistir a aspectos negativos, como as enfermidades e incapacidades dos moradores da ilha. Organizam-se, assim, os dados de afecção e intervenção mediante um processo que apela aos recursos com que contam

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os habitantes, tanto no âmbito social como no individual, em forma de ajuda comunitária, em clubes, instituições benéficas, sanatórios etc. A eficiência desse processo se verá na saúde da população. Neste ponto, há mecanismos de retroalimentação que voltam à entrada para favorecer a proliferação de práticas exitosas, evitar o ingresso de enfermidades transmissíveis, ordenar a construção de hospitais naqueles lugares onde sua presença seja estratégica, ou convidar profissionais que venham à ilha para melhorar as práticas de promoção, prevenção ou atenção sanitária.

1.7 O fator informacional que se agrega no presente

Para abordar esta questão, será conveniente voltar um pouco à teoria. Com a evolução própria da civilização humana, a ciência e a técnica passaram a ser além de um elemento de sua história, para transformar-se na chave do presente. Milton Santos observaria que sua definição de espaço, como “conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações, só é inteligível se considerarmos o meio geográfico como um meio técnico – e agrega– informacional” (SANTOS, 1997, p. 23). Sistemas de objetos e sistemas de ações colidem numa faixa que não é o presente, mas se parece muito com este. Milton Santos o chama “presente estendido”, referindo-se a essa rede de localizações cambiantes de tempo limitado, na qual se faz visível a paisagem como um entrecruzamento de informações e tecnologias.

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O espaço adquire, assim, uma estrutura técnico-informacional. Os dados se transformam, nesse presente estendido, numa chave sem cuja interpretação não há possibilidades de integração. Esta é a nova ferramenta de controle da natureza; quem não pode decifrar as informações (e muito particularmente aquelas que estão situadas e mudam de localização) não pode se encaixar no mundo. Essa questão pode aplicar-se aos processos de adaptação e mutação que produzem os agentes e vetores biológicos dentro de seus complexos patógenos. Neste caso, existe um constante processo de ida e volta entre a sociedade e os vetores e agentes patógenos. O fundamental neste modelo são as informações, o intercâmbio de dados que a tecnologia promove e manipula mediante novos inseticidas, condutas cambiantes dos parasitas potenciais, resistência a estratégias de prevenção de enfermidades, medicamentos mais efetivos, mudanças nas estratégias de promoção da saúde. Desse modo, o meio geográfico informacional gera como resposta a proliferação de técnicas promovidas pelo desenvolvimento científico. No presente, a saúde tem uma influência transcendente por parte do Sistema Informacional, que gera alterações tanto no coração do modelo como no âmbito mais específico de atenção da saúde. Paralelamente, vivemos uma mudança paulatina do paradigma biomédico, que, todavia, é dominante, para o paradigma contra-hegemônico da saúde coletiva (Figura 6). Para chegar a esta ideia integral de saúde como centro, foi necessário passar, alternativamente, por modelos centrados em outros fatores, como o ambiente, as ciências

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médicas e a população. Este aspecto da história se verá no capítulo 2, por isso, vamos nos concentrar apenas nas influências entre esses fatores, a partir de um modelo inicial, dominado pelo ambiente, onde o ser humano teria poucos recursos técnicos para sobreviver aos complexos patogênicos que o rodeiam. Em uma segunda etapa, a Medicina se inspira no ambiente para apropriar-se de uma tecnologia capaz de realizar uma prática que, até esse momento, só realizavam os magos: curar. Na etapa seguinte, a Medicina passa a dominar a população como grupo social, adicionando à tecnologia um apoio muito mais sólido desde as ciências básicas. Nesse ponto, o conhecimento começa a abrir-se a uma série de campos de investigação, que ampliam o espectro de ação dos médicos, para projetar-se numa saúde de melhor qualidade, maior alcance e melhores resultados. Entram em cena, em suas facetas aplicadas, a Psicologia, a Biologia, a Geografia, a Sociologia, a Antropologia e também a Química, a Física, e até mesmo a Cibernética. Isto não foi uma novidade; já ocorria antes. Agora, a inovação que consistiu o centro do modelo se definiu pelo problema, ou seja, a saúde. A outra grande novidade é que a influência maior passou dos enfermos, dos médicos e da tecnologia ao que chamaremos sistema informacional. Por isso, fez-se uma revisão dos conceitos de Milton Santos antes de entrar no desenvolvimento deste tema. O sistema de saúde é como um grande espetáculo a laser, onde cada raio tem um sentido e contribui para a visão de conjunto. Tudo está em movimento e, como em nossa comparação, a posição relativa no espaço de cada informação, assim como seu alcance e atributos, contribuem para compor uma situação

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sanitária que, perfeitamente, pode expressar-se por meio de um mapa. É nesta tarefa em que se encontram os geógrafos da saúde, atuais membros dessa comunidade de cientistas, cujo estatuto epistemológico radica na compreensão de um problema que lhes é comum. Assim como a saúde já não está presa, como era no passado, à trágica ideia da enfermidade e sua sombra aterradora, a morte, do mesmo modo, as distintas ciências convergem para um problema comum para fornecer sua abordagem ao entrecruzamento tecnológico em um meio que se desdobra em um “presente estendido”, como anuncia Milton Santos, e só se explica pela interação de informações situadas no espaço.

1.8 Uma síntese provisória

Este primeiro capítulo nos permitiu abordar dois conceitos: o de espaço e o de saúde. A princípio, parecia simples, mas nem tudo é tão simples o quanto parece! Encontramos-nos com várias perspectivas para compreender que o espaço (particularmente, na Geografia) é, ao mesmo tempo, forma e conteúdo. Por sua parte, a saúde tem muitas formas de abordagem. Podemos concebê-la como forma de equilíbrio ou como um bem; é uma harmoniosa relação entre os seres humanos e seu entorno ou, como a O.M.S. considera, “um completo estado de bem-estar”. Também a considerou como uma atitude para o vínculo social. É, em última instância, um processo para o qual convergem aspectos vitais que o indivíduo comparte com seus congêneres atitudes

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físicas e mentais em um continuum, que admite bons e maus momentos, bem-estar e conflito interior, situação que se vai regulando, tanto no plano individual como no social, definindo-se o equilíbrio homeostático próprio da vida em todas as suas manifestações. Recorremos, também, a aspectos da ecologia (e, em particular, da autoecologia humana), para entender as relações entre saúde e espaço, ou intra e interespecíficas. Por esse caminho, analisamos a pirâmide trófica e vimos o ser humano em distintas situações, às vezes, atuando como onívoro; outras, como predador, afetado por outras espécies que, atuando como agentes ou vetores, condicionam sua saúde. Por esse caminho, ingressamos no estudo de fatores físicos, químicos e biológicos que, permanentemente, atuam no organismo humano e na trama social. Estes se distribuem no ambiente e geram localizações que, interpretadas como se fossem saídas cartográficas de um S.I.G., nos permitem concluir a grande importância da Geografia da Saúde para captar a essência das questões sanitárias. Por que concebemos a saúde como um sistema? Voltamos a adentrar na teoria para compreender as relações de um sistema – suas entradas, suas saídas, seu processo interior e o feedback que aporta sua retroalimentação – com o entorno, a transformação de entropia em ordem e a relação entre matéria e energia. Em um sistema de saúde, intervêm aspectos negativos e positivos, todos em conjunto para alcançar a finalidade do equilíbrio. Adentrados já nos fatores humanos, conhecemos, da mão de Milton Santos, por que a saúde se insere em um complexo científico

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tecnológico e, mais recentemente, informacional. Este modelo, baseado em uma nova concepção de saúde, influenciado pelo paradigma centrado na ideia de saúde coletiva, participa deste entrecruzamento informacional por meio de dados e ações situados no espaço. Esse centro é, finalmente, algo recente. Modelos anteriores tiveram como foco o ambiente, as ciências médicas e a população. Estes dependem do estado de avanço da técnica que se destacaram distintos fatores, próprios de cada época. Uma vez mais, reconhecemos que a saúde é um processo dinâmico, um presente estendido através do qual se manifesta o espaço. Seria demasiado inocente pensar que o que hoje vemos e entendemos por espaço e saúde é definitivo. Pelo contrário – e afortunadamente –, a historicidade que estes conceitos encerram fazem-nos supor – num grau muito próximo à certeza – que aguardam muitas surpresas aos investigadores do futuro. A saúde é um sistema em evolução, em que se reafirma dia a dia a problemática da existência e que, consequentemente, redefine-se em forma constante.

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CapítUlO 2

As idEiAs sObrE sAúdE: dE HipóCratES à prOMOçãO

da SaúdE

Muitas doenças associadas ao mundo moderno já eram conhecidas na Grécia Clássica, tais como a sífilis, a lepra, a tuberculose, o paludismo e a febre tifoide. A compreensão dessas doenças, bem como suas terapêuticas, convergia para uma visão de natureza universal e una, dinâmica e em equilíbrio. Terra, fogo, água e ar eram os componentes fundamentais da natureza. A doença era o resultado do desequilíbrio entre esses elementos e, ao mesmo tempo, um movimento da natureza no sentido de um novo equilíbrio. A cura dependia muito da alimentação e de condições ambientais favoráveis ao rearranjo do todo por meio da mobilização das forças contrárias do organismo, tais como: o quente e o frio, o seco e o úmido.

2.1 No princípio, Hygeia e Panaceia

Na tradição grega clássica, a enfermidade se manifestava quando os fluidos internos do

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organismo humano (humores) encontravam-se em desequilíbrio. O processo de cura era resultado da eliminação dos fluidos que estivessem em excesso ou em estado de putrefação. Não havia a ideia de contágio. Era inconcebível que a doença pudesse ser transmitida de uma pessoa para outra. Os médicos gregos concentravam-se na descrição dos sintomas e no desenvolvimento das doenças, procurando apresentar alternativas terapêuticas para cada uma. Dessas preocupações, decorria a tensão original entre os médicos gregos preocupados com a saúde individual ou a saúde coletiva, o que se retratava na mitologia pelas divergências de Panaceia e Hygeia, as filhas de Asclépio, o deus da arte e da cura. Panaceia era a guardiã dos medicamentos e dos poderes de cura dos medicamentos aplicados nos indivíduos doentes. Hygeia carregava consigo a sabedoria da restauração do equilíbrio das ações humanas nos ambientes coletivos. Daí se origina o termo higienismo (hygieinós) para referir-se às práticas que podiam manter ou restaurar a saúde (hygeia). Essa compreensão higeica da relação entre saúde e ambiente foi sistematizada, em termos racionais e metódicos, na obra “Ares, águas e lugares”, por Hipócrates (460 a.C. - 377 a.C.). Hipócrates dizia que o médico, ao entrar em uma cidade, deveria considerar sua situação em relação aos ventos e ao nascer do Sol. Deveria considerar também se a cidade estaria posicionada em relação ao norte ou ao sul, para o nascente ou ao poente, assim como a qualidade de suas águas. Se as águas são pantanosas e suaves, ou se saem de rocha e de partes elevadas, se salobras e impróprias para cozinhar. Se a terra está nua e deficiente em água, ou arborizada e

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bem regada, e se está em uma depressão ou em partes elevadas. Hipócrates considerava a saúde como resultado da relação das populações com o lugar onde viviam. Considerava os aspectos do meio físico, biológico e climático, e também o estilo de vida. Para ele, entender o ambiente era fundamental, mas este não era somente o físico e o climático, era o das relações humanas, do trabalho, da cultura e do cotidiano. Assim, igualmente era o estudo das estações do ano e os efeitos sobre os lugares; assim como o modo em que os habitantes viviam, quais eram suas atividades, se gostavam de beber e comer em excesso, ou gostavam de exercício e de trabalho. O que Hipócrates dizia era que o médico deveria reconhecer o contexto ambiental que explica as doenças (HIPPOCRATES, 1999). Desse modo, para referir-se ao início da saúde na Geografia, ou, quem sabe, da Geografia na Saúde, é preciso estudar Hipócrates. A Medicina hipocrática era médica porque buscava as causas da saúde e da doença nos fatores geográficos. A própria cura deveria ser buscada na natureza, e não na magia e nos espíritos. A influência dessas ideias hipocráticas perdurou por muitos séculos e ainda era predominante na Europa até o século XVIII. O mundo moderno teve acesso a esses conhecimentos por intermédio dos árabes, que traduziram os manuscritos gregos e os transmitiram à filosofia escolástica, no período de domínio muçulmano mantido na Europa Mediterrânea, entre os séculos VIII e XI. Córdoba, na Espanha, foi o principal centro de difusão desses conhecimentos. Sua biblioteca, organizada pelos árabes, possuía mais de 60 mil

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volumes, dentre os quais as obras de Homero, Platão, Sócrates e Aristóteles. Além de inúmeros textos poéticos, jurídicos e históricos, os estudos hipocráticos testemunhavam os conhecimentos médicos dos gregos clássicos e representavam a maior referência das práticas médicas daquela época. Foi daí que surgiu a Teoria dos Miasmas, segundo a qual alguns lugares eram insalubres porque emanavam miasmas, ou seja, substâncias que eram originadas não apenas nos pântanos, mas de todas as coisas estragadas e podres, que eram difundidas nos lugares, pelo ar e pelas águas (SCLIAR, 2007; CzERESNIA, 1997). De acordo com a Teoria Miasmática, as doenças se estabeleciam em uma relação hipocrática da saúde com o meio ambiente, sobretudo quando se atribuía este contato às condições de vida e trabalho das populações. Neste caso, a compreensão era bastante holística, e o ambiente não aparecia como um simples elemento que influenciava a saúde. Na Europa do século XVIII, a limpeza corporal e das roupas era precária, porque o sabão era caro e o frio intenso. As cidades eram muito sujas. Havia, também, a ideia de que os perfumes podiam combater os efeitos nocivos dos miasmas. Como os perfumes também eram caros, somente os mais ricos podiam utilizá-los, em substituição aos banhos. Então, alguns começaram a dizer que seria preferível eliminar os odores, em vez de escondê-los. Este pensamento foi a base para a doutrina do Higienismo na Europa do século XVIII e, até a metade do século XIX, orientou diversas medidas de proteção sanitária nas cidades, como o enterro dos mortos em cemitérios fora das

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áreas urbanas, a coleta de lixo e a drenagem de pântanos. Nessa época, algumas cidades da Inglaterra, da Alemanha e da França passaram por transformações sociais e econômicas profundas, decorrentes da Revolução Industrial. A partir da implantação de unidades fabris na área urbana, ampliou-se a oferta de empregos nas cidades, o que atraiu a população rural e intensificou a urbanização. Assim, essas cidades industriais cresceram rapidamente e tornaram-se ainda mais insalubres (MENEGHEL, 2004). Inicialmente, a atividade industrial implantou-se fora das cidades, nas proximidades das áreas fornecedoras de matéria-prima, como o carvão mineral e os grandes mananciais de água. As cidades resistiam ao domínio da máquina fabril, mantendo-se sob o controle do capital comercial. Contudo, dada a enorme reserva de mão de obra que representava, a cidade transformou-se num lugar bastante atrativo para a atividade industrial. Os altos fornos e chaminés passaram cada vez mais a dividir a linha do horizonte com as torres das catedrais e a ocupar os espaços vazios entre as habitações dos operários. A presença das fábricas subverteu a ordem urbana, deteriorando rapidamente as condições de vida dos moradores das cidades. A crescente densidade de edifícios, a redução da área de pomares e jardins, a poluição dos rios resultaram de uma apropriação predatória do espaço urbano, com índices alarmantes de insalubridade, o que logo se refletiu nas taxas de mortalidade. Denunciam essa situação os dados de várias cidades da Grã-Bretanha, berço da Revolução Industrial. Entre 1831 e 1844, em Birmingham,

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o número de mortes por mil habitantes subiu de 14,6 para 27,2. Em Bristol não foi diferente: a taxa de mortalidade subiu de 16,9 para 31; a de Liverpool, de 21 para 34,8; a de Manchester, de 30,2 para 33,8 (ROSEN, 1994, p. 158). As epidemias, que antes se manifestavam em meio rural com baixa densidade demográfica, agora eram urbanas e se espalhavam muito e com muito mais rapidez. Doenças sexuais, tuberculose e muitas moléstias pestilentas, como o cólera, colocaram em risco toda a população, obrigando as autoridades a voltar-se pouco a pouco para a questão da saúde. Na Inglaterra, diversas comissões de inquérito realizaram levantamentos estatísticos, que formaram uma base importante para o conhecimento da saúde coletiva e trouxeram a público um quadro completo das condições sanitárias nos bairros de trabalhadores. Manchester, por exemplo, possuía mais de 2 mil porões com camas divididas por várias pessoas. Em Bristol, 46% das famílias viviam em habitações com apenas um aposento. Da população de 223.054 habitantes de Liverpool, 18% moravam em porões e 27%, em pátios com pouca iluminação e precária circulação de ar (ROSEN, 1994, p. 160). Essa situação não existia apenas na Inglaterra. França, Prússia, Estados Unidos e onde mais houvesse se desenvolvido o sistema fabril, as condições dos bairros dos trabalhadores eram igualmente alarmantes. Os cortiços de Nova Iorque apresentavam condições de moradia tão perversas quanto as descritas nas cidades britânicas, com cômodos iluminados precariamente e dezenas de pessoas dividindo poucos metros quadrados. Em Manhattan, no ano de 1895, 75% da população de dois milhões vivia

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em apenas 43 mil casas de cômodos insalubres, numa média de 35 pessoas por imóvel (ALLAN, 1992). As cidades industriais eram assoladas por sujeira, mau cheiro e epidemias. Havia a poluição das fábricas; falta de coleta de lixo, de esgotamento sanitário, de água potável e as moradias eram inadequadas. Soma-se a isso, a miséria dos trabalhadores das fábricas, mendicância, vadiagem, roubos e alcoolismo; cadáveres espalhados pelos cantos da cidade (cemitério dos inocentes). A pressão das ruas e das fábricas clamando por direitos, a partir das ideias iluministas que impulsionavam a Revolução Francesa, assustava as elites políticas, que cobravam do Estado uma intervenção. Contudo, apesar dessas enormes mudanças sociais e dos contrastes do espaço urbano, marcado pela distância entre os ricos e os pobres, a explicação para as doenças e epidemias, em pleno século XIX, ainda se relacionava à Teoria dos Miasmas e aos humores corporais. Os miasmas podiam ser originados no próprio corpo ou em coisas apodrecidas, e eram difundidos pelo ar, como também diretamente, de coisa a coisa, de pele a pele. Assim, os higienistas neo-hipocráticos não acreditavam que as doenças eram passadas de pessoa a pessoa e defendiam a Teoria da Constituição Epidêmica, que considerava que as doenças estavam relacionadas ao meio ambiente e eram difundidas pelo ar. A origem da doença não era buscada no indivíduo, mas no ambiente, identificando os lugares insalubres, que deveriam ser evitados ou transformados. Diziam que era preciso melhorar as condições de vida e trabalho, nas casas e nas fábricas e, também, nos

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espaços públicos, para controlar as epidemias, considerando o território e as condições de vida das populações como determinantes das condições de saúde. As medidas prescritas eram o saneamento ambiental, com coleta do lixo, esgotamento sanitário, retirada dos matadouros e cemitérios do centro da cidade, levando-os para a periferia, como também o alargamento das vias públicas e a reforma de casas e edifícios para maior arejamento. Daí nasceu a Medicina Social, que tinha como objetivo entender a doença dos indivíduos e das populações na relação com o lugar. Portanto, em sua origem, a Medicina Social relacionava a saúde e a doença aos aspectos ambientais, referindo-se às condições objetivas de existência, o modo de vida das populações com fatores importantes para a saúde e a doença. Considerava-se que a causa da maioria das doenças estava no ambiente, que não seria somente o natural, mas o ambiente da produção social e das condições de vida e trabalho (GUTIERREz; OBERDIEK, 2001). A análise que Foucault (2000) faz sobre o nascimento da Medicina Social, em Microfísica do Poder, mostra que a medicina no medievo era individual, com “dimensões coletivas discretas e limitadas” e que a Medicina moderna e científica, em fins do século XVIII, tornou-se Medicina Social na Alemanha (Medicina de Estado), na França (medicina urbana) e na Inglaterra (Medicina da Força de Trabalho). Na Alemanha, a construção de um Estado-Nação forte chamava a atenção para a necessidade de indivíduos sadios e de políticas de saúde por meio da polícia médica. O Estado precisava ter o controle completo sobre a condição de saúde

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da população, por isso, a Medicina se constituiu como parte do aparato estatal e administrativo, para acompanhar e intervir sobre os eventos epidêmicos e endêmicos. Na França, essa nova abordagem surge das preocupações burguesas com a higiene urbana, em cidades que estavam sendo unificadas sob uma mesma ordem política, para favorecer a produção e as relações comerciais. Também, havia revoltas sociais que deveriam ser controladas, e a saúde pública fazia parte deste projeto de reorganização e unificação da cidade, pelo controle político-científico do território e das populações. Esta medicina urbana era uma Medicina Social porque não era destinada à atenção individual, mas à população, com medidas preventivas que visavam ao controle sanitário das coisas e dos lugares. Na Inglaterra, as experiências da Alemanha e da França foram levadas em consideração, mas a intensidade da Revolução Industrial e o consequente êxodo rural, que aglomerou nas cidades uma grande população operária, em condições de higiene precária, ambientes poluídos e habitações insalubres, configurou um higienismo voltado ao ambiente do trabalho, das fábricas e das moradias dos operários. Assim, podemos asseverar que a “Medicina de Estado”, a “Medicina Urbana” e a “Medicina da Força de Trabalho”, identificadas por Foucault, sempre estiveram combinadas na origem do pensamento hegemônico, que tornou a ação dos médicos como sinônimo de ação em saúde. O Estado passou a ser, cada vez mais, cobrado para que realizasse políticas públicas de saúde para assistência, proteção e controle da saúde da população. Foi assim que, na Inglaterra, a Lei dos

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Pobres, promulgada muito antes, foi retomada, não para o cuidado médico, mas para o controle médico da população. Complementando o sistema de saúde público. No final do século XIX, foram criados mais de 1.000 postos de saúde, que, segundo Foucault (2000), tinham a finalidade de:

1. controle da vacinação, obrigando os diferentes elementos da população a se vacinarem;

2. organização do registro das epidemias e doenças capazes de se tornarem epidêmicas, obrigando as pessoas à declaração de doenças perigosas;

3. localização de lugares insalubres e eventual destruição desses focos de insalubridade.

Sobre o controle dos focos de insalubridade, havia uma preocupação com os cemitérios, os matadouros e os hospitais, que aumentava sempre que ocorriam epidemias, porque por eles as doenças poderiam estar sendo disseminadas. Da mesma forma, não eram os médicos que tratavam os doentes nos hospitais. Aliás, enquanto esperavam a morte, não eram tratados, mas consolados por religiosas e prostitutas arrependidas, que, com isso, esperavam obter o perdão dos pecados e a salvação de suas almas. Desde o século XVII, os médicos trabalhavam em suas próprias casas ou na casa dos clientes, que eram ricos. Os hospitais não eram lugares de cura, eram depósitos de doentes e inválidos pobres que dependiam da caridade, ao mesmo tempo em que tinham a função de isolamento dos doentes para se evitar o contágio (FOUCAULT, 2000). Os hospitais começaram a ser reestru-turados, primeiramente não para convertê-los

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em lugares de cura, mas para evitar que fossem lugares de disseminação de doenças. Com o maior desenvolvimento da anatomia e da cirurgia, já sob a influência do desenvolvimento da mecânica e das ideias de René Descartes, que ressignificavam o corpo como máquina, passaram a ser centros de pesquisa e de ensino médico. Só então, em princípios do século XIX, os hospitais ganharam a função da terapêutica (SCLIAR, 2007). As experiências urbanísticas dos higienistas neo-hipocráticos conviveram, durante todo o século XIX, com uma série de investigações que ajudaram a compreender melhor o modo de transmissão das doenças e revelaram a existência de vetores ou intermediários na transmissão (ASIMOV, 1993). A microbiologia descortinava um novo mundo para os cientistas. Antoine Donné, em 1836, confirmava a presença de micro-organismos na secreção de algumas doenças venéreas. Félix Pouchet, em 1849, identificava-os como vibriões coléricos (corpúsculos vibratórios), nas fezes de doentes de cólera. Rudolph Virchow, em 1858, fundava a patologia celular ao comprovar que células anormais, características de certas doenças, surgiam de células normais. Igualmente, Charles-Louis-Alphonse Laveran, em 1880, identificava o protozoário causador da malária; Karl Joseph Eberth, no mesmo ano, o bacilo causador da febre tifoide; Koch, em 1882, o bacilo da tuberculose; Edwin Klebs, em 1885, a bactéria responsável pela difteria; enquanto Shibasaburo Kitasato, em 1889, descobria o bacilo causador do tétano; e Martinus Willen Beijerinck, em 1898, comprovava a existência de um agente menor que as bactérias – o vírus. Esta última permitiu a identificação de vários tipos de vírus associados à gripe, à catapora, à caxumba e à poliomielite.

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As pesquisas de animais vetores de doenças também avançavam muito. Em 1893, Theobald Smith provou que os carrapatos, que se alimentavam do sangue do gado infectado por um protozoário, transmitia para o gado sadio este micro-organismo. Desde então, inúmeros outros estudos comprovaram a responsabilidade de vetores animais na transmissão de doenças humanas (ASIMOV, 1993). Em 1884, Friedrich Loeffler registrava a presença dos bacilos virulentos de difteria em indivíduos não enfermos, provando que pessoas sadias podiam servir de portadores de organismos patogênicos. O desenvolvimento da imunologia também viera se somar a estes enormes avanços. Já em 1798, o médico inglês Edward Jenner havia divulgado seus estudos a respeito do controle da varíola pela vacinação. Os estudos da equipe de Pasteur, a partir da década de 1860, desenvolviam mecanismos de prevenção de doenças infecciosas por meio de vacinas produzidas com micro-organismos de virulência atenuada. Apesar da Teoria dos Miasmas encontrar-se enfraquecida com tal desenvolvimento técnico-científico nas mais diversas áreas de pesquisa, havia divergências sobre que medidas seriam mais adequadas para combater as doenças e controlar as epidemias, dividindo os higienistas em contagionistas e não contagionistas. Alguns fatos permaneciam sem explicação. Como explicar o fato de indivíduos não serem infectados mesmo em contato direto com os enfermos? Ao término do século XIX, ainda se acreditava que as infecções eram causadas por inflamações no estômago e no intestino. Inúmeras terapêuticas antigas eram aceitas, como o uso

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de sanguessugas e jejum para o tratamento das infecções. Os higienistas da Teoria do Contágio, que, até o século XIX, também acreditavam nos miasmas, buscavam a origem das doenças não no ambiente, mas nos indivíduos, entendendo que, durante as epidemias, as doenças se disseminavam de pessoa a pessoa, por isso, as medidas prescritas eram isolamentos, quarentenas e desinfecção das casas, roupas e objetos (CzERESNIA, 1997). À proporção que se identificavam os micro-organismos e seus modos de ação, abria-se um novo caminho para a prevenção das doenças infecciosas, superando-se os preconceitos e enfraquecendo-se as teorias miasmáticas. Quanto mais a teoria do germe se desenvolvia, sob o paradigma da unicausalidade, mais avançavam as pesquisas, e a medicina hospitalar tornava-se mais importante. Com o avanço dos procedimentos terapêuticos realizados nos hospitais, a Medicina tornava-se cada vez mais biológica e individual. Mas, por causa da preocupação com as epidemias, a Medicina Biomédica ainda mantinha os olhos sobre o território. O foco da atenção das autoridades de saúde pública ainda estava sobre a salubridade dos lugares e, como a Medicina da Teoria Miasmática, propunha a reforma urbana e o saneamento ambiental para recuperar a salubridade do meio ambiente. Ambas, a Medicina Social da Teoria Miasmática e a Medicina Biomédica, preconizavam normas de hábitos e comportamentos, tinham o objetivo de controlar os lugares e as pessoas, sobretudo as mais pobres, eram consideradas como a causa das epidemias. Isto resultou em revoltas populares.

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Quando a Medicina Social aportou no Brasil, em fins do século XIX, colocavam-se em debate as ideias higienistas apropriadas das experiências europeias. Pari passu as transformações econômicas e sociais pelas quais passavam as cidades, os intelectuais debatiam as correntes higienistas. Em fins do século XIX, a Teoria do Germe já prevalecia. Implantaram-se postos de saúde que tinham funções mais de polícia médica do que de assistência. Também se criaram laboratórios que davam “autoridade científica” para as decisões políticas sobre saneamento, vacinação e controle dos vetores das doenças, no Rio de Janeiro, sob o comando de Osvaldo Cruz, e em São Paulo, de Emilio Ribas. No Brasil, também a Medicina Social era autoritária e produziu revoltas populares, sendo que a mais importante delas ficou conhecida como a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, em 1904. A concepção miasmática que considerava, mais que os indivíduos, as populações e os lugares, estava definitivamente derrotada. A Teoria do Germe e a unicausalidade tinham prevalecido sobre a concepção de saúde como produção social, e o modelo biomédico se tornava hegemônico.

2.2 A hegemonia do modelo biomédico

A metáfora da natureza (e também do corpo humano) como uma máquina, que funciona segundo as leis da mecânica, tornou-se o paradigma da ciência e foi rapidamente assimilada pela Medicina. Poderíamos dizer que o modelo biomédico de saúde funda-se no paradigma cartesiano, que separou o homem da natureza e reduziu a vida ao corpo, representado por

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estruturas mecânicas, que devem ser conhecidas separadamente. Para Descartes, a doença impedia o bom funcionamento da máquina biológica. O homem doente era como um relógio com defeito. Nas palavras de Capra:

As consequências adversas dessa falácia reducionista tornaram-se especialmente evidentes na medicina, onde a adesão ao modelo cartesiano do corpo humano como um mecanismo de relógio impediu os médicos de compreender muitas das mais importantes enfermidades da atualidade (CAprA, 1982).

Os avanços da microbiologia foram determinantes para a consolidação dessa visão do corpo como uma máquina, produzindo uma profunda mudança no pensamento e nas ideias sobre saúde. Uma nova concepção de saúde surgia. Deslocava-se o foco das ações da população para o indivíduo, do território para o corpo. Com a Teoria dos Germes, o ambiente da saúde passou a ser o mundo dos micróbios, visto pelas lentes do microscópio, sob a égide das explicações unicausais: para cada doença, uma causa. Segundo Rosen (1994), foi na cidade de Nova Iorque que, pela primeira vez, foram aplicados os novos conhecimentos à prática de saúde pública. A ênfase das ações de saúde pública mudou do controle ambiental para o controle das doenças específicas. A divisão de bacteriologia e desinfecção, do Departamento de Saúde Pública novaiorquino, instalou um laboratório de diagnóstico contra o cólera em 1892. Passado o risco de uma epidemia dessa doença, o laboratório aplicou os conhecimentos da bacteriologia no combate à

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difteria, transformando-se, rapidamente, em um centro de pesquisa que também trabalhava com a tuberculose, a disenteria, a pneumonia, a febre tifoide e a escarlatina (ROSEN, 1994, p. 244). O seu sucesso estimulou a abertura de novos laboratórios de saúde pública em outras cidades do país, colocando os Estados Unidos em lugar de destaque na vanguarda das políticas de saúde pública. Com a revolução microbiológica, podiam-se ver os micro-organismos e identificar aqueles que seriam incriminados como agentes etiológicos. Inaugurava-se a era em que o enigma do adoecer e morrer estava “decifrado”. Bastava olhar para a lente do microscópio para descobrir a causa das doenças. Bastava descobrir o micro-organismo patógeno para eliminá-lo. Estava formatado o modelo biomédico de saúde, que logo tornou-se hegemônico, e com ele a Teoria da Unicausalidade. Eram tempos de “Panaceia”, a filha de Asclépio. Os micróbios que produziam as doenças infecciosas e parasitárias, e assolavam o mundo, estavam sendo atacados. A esperança era que, em breve, a saúde estaria ao alcance de todos. As descobertas bacteriológicas permitiriam melhor definição dos programas de ação para impedir que doenças infectocontagiosas fossem transmitidas. Por outro lado, o modelo biomédico reduziu o campo de visão dos profissionais da saúde que, antes, olhavam para o meio ambiente para entender as complexas relações que há entre os lugares e as doenças. Reduziu-se a escala de observação. Mas não demorou muito para que a unicausalidade fosse contestada, porque restava entender por que algumas pessoas adoeciam enquanto outras não, mesmo quando estavam

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infetadas pelo mesmo patógeno. Ainda, era preciso saber como os patógenos infectavam. Em pouco mais de dez anos depois da descoberta dos agentes etiológicos das principais doenças, descobriram-se os vetores: dos plasmódios, os anófeles; das leishmanias, os flebotomíneos; do vírus amarílico, o Aedes aegypti. Novamente, era preciso olhar para o meio ambiente para ver os vetores das doenças. Foram essas descobertas que orientaram as estratégias utilizadas para controlar as epidemias que assolavam as cidades de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro, no início do século XX. Emílio Ribas e Osvaldo Cruz tornaram-se heróis nacionais porque conseguiram controlar as epidemias de febre amarela em São Paulo e no Rio de Janeiro, combatendo os mosquitos vetores das doenças. Em 1907, Carlos Chagas foi enviado por Osvaldo Cruz, Diretor Geral de Saúde Pública, para combater uma epidemia de malária, que paralisava as obras da construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Lassance, Minas Gerais. Enquanto combatia a malária, realizou pesquisas que ajudaram a descobrir a doença que seria conhecida pelo seu nome, Doença de Chagas. Mais que isso, descobriu a doença, o patógeno e o vetor, fato inédito na história da Medicina (DIAS et al., 2002). A mesma estratégia foi empregada para controlar as epidemias de malária ocorridas durante a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, de 1907 a 1912, em Rondônia, na fronteira entre Brasil e Bolívia. A obra tinha sido interrompida muitas vezes por causa das mortes por malária, “um cadáver para cada dormente”. Foi, então, que, em 1910, Osvaldo Cruz e Belizário Penna foram até lá para tentar resolver a situação

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(KATSURAGAwA et. al., 2008). Na construção do Canal do Panamá (1905-1910), ocorria a mesma situação. As obras foram interrompidas várias vezes por causa da morte dos trabalhadores por febre amarela e malária. Em 1906, havia cerca de 26 mil trabalhadores e, em algum momento, 21 mil estiveram hospitalizados por causa da malária. Graças aos esforços de um programa integrado de combate aos insetos, que permitiu a eliminação da febre amarela e o controle da malária, a obra foi concluída5. Os procedimentos usados na guerra contra as doenças e seus vetores consistiam em uma série de medidas que iam desde a prescrição terapêutica e profilática de quinina ao uso de mosquiteiros e telas nas casas; da eliminação de mosquitos adultos nas habitações à destruição das larvas de mosquito e pupas, pelo uso de petróleo e outros larvicidas, até a eliminação de criadouros com drenagem da água parada. Hoje, o programa de controle de dengue baseia-se nesta mesma estratégia de combate ao vetor. Campanha, combate e guerra são as palavras que definem essa estratégia. Funcionou muito bem no princípio, mas hoje não funciona mais. Desde o início da década de 1980, temos epidemias de dengue todos os anos. Logo, apoiado pelos estudos microbiológicos e de vetores, o campo da saúde, dominado pelo paradigma biomédico, consentiu em aceitar a Teoria da Tríade Causal. Tentava-se, assim, explicar as doenças infecciosas e parasitárias a partir de uma relação entre o patógeno, o vetor e o ambiente em lugar da unicausalidade. O modelo biomédico evoluiu. Novamente, amplia-se o foco da visão, e então, volta-se a olhar para o meio ambiente

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para entender a ecologia dos vetores. Daí derivou o modelo da História Natural das doenças de Leavel e Clark (1958), que passou a considerar a multicausalidade, ainda buscando o agente etiológico e os aspectos biológicos, que continuavam sendo protagonistas (Figura 7).

Figura 7 – Modelo da tríade causal.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

A História Natural da Doença (Figura 8) é um modelo teórico que visou à compreensão global dos processos interativos entre o agente, o suscetível e o ambiente, desde o início até a sua resolução, na ausência de intervenção. O início deste processo seria a exposição de um hospedeiro suscetível a um agente causal, tendo como desfecho a recuperação do doente, a sua deficiência ou óbito. Em vista desse processo, Level e Clark também propuseram três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária. A prevenção primária deveria ocorrer no período pré-patogênico (antes da doença), por meio de ações

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de promoção à saúde e de proteção específica. A prevenção secundária e a terciária deveriam ocorrer durante o período patogênico, no curso da doença. Neste caso, a prevenção secundária envolveria o diagnóstico precoce e o tratamento imediato, visando à limitação do dano. A prevenção terciária envolveria as atividades de reabilitação dos pacientes.

Figura 8 - História Natural da doença.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Ainda que a História Natural das Doenças seja uma tentativa de apreender de forma global o conjunto de processos interativos, o conhecimento gerado por este modelo teórico

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contribuiu decisivamente para o aprofundamento dos estudos em clínica médica, fortalecendo a chamada “medicina baseada em evidências”. O modelo não colocava em xeque o paradigma biomédico, e os serviços de saúde continuavam organizados, privilegiando os serviços curativos e as tecnologias de diagnóstico e cura das doenças manifestadas nos indivíduos. Ou seja, o modelo biomédico continuou hegemônico, o que pode ser visto pelo deslocamento do interesse que, tradicionalmente, sempre foi o estudo das doenças em suas formas epidêmicas para o estudo das doenças endêmicas. Deixa-se de lado, assim, a determinação da incidência para se concentrar em estudos de caso, tira-se o foco principal na população e coloca-se no indivíduo. Por isso, também, esta nova abordagem é chamada de Epidemiologia Clínica (BARRETO, 1998). No início do século XXI, a Biologia Molecular foi a última revolução que deu novo impulso ao modelo biomédico. Os instrumentos científicos são mais poderosos que os microscópios de Pasteur e Koch e, agora, podem-se ver coisas muito menores que o micro-organismo, menores que a célula, pode-se ver o DNA. A nova panaceia nos informa que o mapeamento genético nos permitirá conhecer e curar qualquer doença. Apesar do inegável avanço dessas inovações tecnológicas e do uso de uma diversificada gama de procedimentos diagnósticos para a adoção de medidas preventivas contra inúmeras doenças (por exemplo, os exames de rotina para o controle da pressão arterial e de taxas de triglicérides e de colesterol, entre outros exames de análise clínica, são parâmetros para a prevenção de doenças cardiovasculares), observa-se um esforço de muitos epidemiologistas para retomar o rumo das

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pesquisas de base populacional. Daí, o interesse crescente pela Geografia.

2.3 Epidemiologia e Geografia: o diálogo entre saberes da saúde coletiva

Assim como a Geografia, a Epidemiologia desenvolveu-se, em meados do século XIX, sob forte influência positivista no que se refere às potencialidades de leitura da realidade. Dessa forma, tanto uma como a outra disciplina tinham como postulado a neutralidade científica e a busca da descrição dos fatos em si, como critério de verdade. Para isto, tanto o método geográfico quanto o método epidemiológico preconizavam o distanciamento crítico do sujeito diante do objeto de estudo, visando a obtenção de resultados claros e completamente corretos. Neste processo analítico, seria preciso a fragmentação do objeto em quantas partes fossem necessárias para a sua compreensão exata. Não por acaso, essas jovens ciências se depararam, desde cedo, com inúmeros dilemas científicos. O principal deles diz respeito às dicotomias geradas pelo processo analítico (sociedade/natureza, corpo anátomo-fisiológico/corpo social), o que torna o debate epistemológico da Geografia e da Epidemiologia muito parecidos. Como considerar nas explicações a realidade em movimento? Como entender a doença por meio de determinantes, ao mesmo tempo, sociais e naturais? No princípio, a Epidemiologia baseava-se na Teoria dos Miasmas, relacionando as epidemias à salubridade dos lugares e das populações. O método era indutivo, baseado na estatística, para

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analisar separadamente cada fator envolvido na transmissão: doentes, locais e tempo, ou seja, distribuição, determinantes e frequência (SILVA, 1985). Seus precursores procuravam compreender o surgimento das doenças em vista das condições de vida das comunidades, como John Graunt (1620-1674), que estudou padrões da natalidade, mortalidade e ocorrência de doenças, que foram relacionados ao sexo e local de residência dos indivíduos. Podemos destacar ainda William Farr (1807-1883), que trabalhou com estatísticas de mortalidade, relacionando-as com as condições de desigualdades dos distritos, considerados “sadios” e “não sadios”; e Louis René Villermé (1782-1863), que também estudou taxas de mortalidade em Paris, associando-as ao nível de renda (SCLIAR, 2007). Segundo Barreto (1998), a Epidemiologia se distinguiu das outras disciplinas que estudam população, primeiramente, por seu objeto de estudo, as relações entre população e saúde; depois, pelas teorias causais e pelos modelos de causalidade das doenças, e pelas teorias do erro, que passaram a definir o desenho, análise e interpretação dos estudos epidemiológicos. Mas, logo, a Epidemiologia se rendeu à hegemonia do paradigma microbiológico, que obscureceu sua natureza social, atendo-se aos métodos explicativos rigidamente biológicos. Dentro desta óptica positivista, a determinação da doença é sempre biológica, cabendo à sociedade apenas papel de modulador dos processos de distribuição e da intensidade (SILVA, 1985). Todavia o ressurgimento, no mundo atual, de doenças banidas há um século de nosso meio social – como o cólera, a febre amarela e a dengue, amplamente disseminados no

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ambiente urbano – acrescido da emergência das doenças crônico-degenerativas, da violência e da AIDS, impuseram novos desafios. Assim, o insucesso do combate a diversas moléstias, mesmo contando com procedimentos de controle biologicamente corretos, trouxe a necessidade de explicações alternativas do processo saúde-doença. Foi preciso avançar na compreensão de um conceito totalmente novo de saúde para o combate não apenas da violência, da desnutrição e da tuberculose, mas que também promova a vida dos cidadãos. Essas são questões que o positivismo enfrenta para resolver e que a comunidade geográfica, de um lado, e a comunidade da Medicina Social, de outro, tentam superar. Desde então, a Geografia tem sido chamada para o enfrentamento do debate teórico-metodológico suscitado pela crise epistemológica da Epidemiologia, contribuindo para a evolução conceitual da disciplina. Como entender a dimensão social das doenças? Como ponderar os processos sociais na explicação do perfil da saúde coletiva? A interpretação dessas questões resultou em diferentes perspectivas ontológicas, epistemológicas e metodológicas, e aproximaram ainda mais a Geografia do campo temático da saúde. A contribuição da Geografia não podia mais se limitar apenas ao campo da distribuição e das causas das doenças (Geography of diseases). Assim, a Geografia acompanhou a tendência que, pouco a pouco, deslocou o conceito de doença para o de saúde. Esta nova visão foi reforçada, desde o início da década de 1960, pela emergência da noção de “ambiente” e de seu corolário, a qualidade de vida. Nesse contexto, o crescimento exponencial dos custos

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e de investimentos no setor saúde, além da necessidade de redução das disparidades espaciais e das desigualdades sociais, forçaram os Estados-nações a considerar a saúde como um objeto do campo político. Em poucas décadas, a temática da saúde se tornou tão ampla que extrapolou o âmbito da ação e do poder médico. Entraram em cena novos atores (sociólogos, economistas, historiadores, antropólogos, juristas e, o mais significativo do ponto de vista político, os movimentos sociais). Esta nova visão da saúde pública procurou redirecionar o olhar da Epidemiologia para os fatores sociais, considerando a influência dos lugares e do ambiente na saúde, em uma dimensão mais coletiva que individual. Surgiu, então, outra Epidemiologia, a Epidemiologia Social, apoiada na investigação dos determinantes sociais do processo saúde-doença (MACINTyRE et al., 2002). Nesse contexto, o diálogo entre a Geografia e a Epidemiologia tornou-se ainda mais fértil. A ideia do espaço como um acúmulo desigual de tempos (SANTOS, 1978) foi empregada na busca da compreensão do perfil de problemas de saúde associados às posições ocupadas pelos grupos sociais no espaço social (PAIM et al., 1995). Da mesma forma, diversas pesquisas constituíram-se em estudos da formação da própria cidade (BARRETO, 1982), recuperando processos sociais de urbanização estudados por Milton Santos. Estudos realizados no Brasil (PAIM et al., 1995; LIMA, 1991) demonstraram a importância da pesquisa da produção do espaço urbano para a identificação de relações entre as condições de vida e saúde e a estrutura social. Também foram analisadas as associações entre os diferentes riscos de adoecer e morrer e a estruturação

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urbana (SILVA, 1985). Contudo, conforme reforçam Barreto (2000) e Rojas (2003), ainda existe muito a ser feito na interface entre os conhecimentos da Geografia e da Epidemiologia. Não se trata de propor uma metodologia pronta e acabada, mas avançar no debate teórico e no desenvolvimento de instrumentais de análise dos novos e complexos padrões de distribuição espaço-temporal das doenças, assim como da capacidade de resposta da sociedade aos problemas de saúde da população. Tendo em vista o interesse crescente dos geógrafos e outros profissionais no estudo das enfermidades e da distribuição espacial da mortalidade, uma nova agenda de investigações está em pleno desenvolvimento, centrada na polaridade entre as oportunidades de viver com saúde e as ameaças de morrer precocemente. Cabe também destacar a preocupação com o uso de aplicativos em sistemas de informação e os múltiplos recortes territoriais que superpõem o perfil epidemiológico ao espaço geográfico, desde os impostos pela gestão do setor da saúde até os percebidos pelos diversos grupos populacionais. É preciso considerar ainda os estudos a respeito da vulnerabilidade às enfermidades e aos processos de adoecer e morrer, segundo os componentes, tais como: o ambiente físico e psicossocial, a condição de vida, o acesso físico e social aos serviços de saúde, dentre outros. O rumo desse debate aponta para uma nova abordagem da saúde coletiva que integre conhecimento, interpretação e intervenção, tendo em vista a valorização da vida e a promoção da saúde.

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2.4 Promoção da saúde e saúde ambiental

O modelo biomédico é hospitalocêntrico e medicalizante, com foco no indivíduo, e considera o corpo biológico e suas partes, em uma concepção cartesiana. Quando travestido de Epidemiologia Clínica, assume uma postura de prevenção, prescrevendo “comportamentos saudáveis”, ainda que pouco efetivos (CzRESNIA; FREITAS, 2003). Numa visão contra-hegemônica, a Nova Saúde Pública procura aproximar os serviços de saúde da Hygeia, com uma concepção que coloca o processo saúde-doença na relação dos indivíduos e grupos sociais com o ambiente, considerando a saúde como produção social, com estratégias de promoção da saúde. Efetivamente, há muita confusão que se estabelece entre o conceito de prevenção, apropriado hegemonicamente pela chamada Epidemiologia Clínica, e o conceito de promoção da Nova Saúde Pública. Tesser et al. (2001) apontaram isso, quando estudavam os agentes comunitários de saúde da Estratégia Saúde da Família em municípios da região metropolitana de Florianópolis. Os agentes de saúde entendiam promoção de saúde como prevenção de doenças, e sua atuação era baseada em termos de práticas assistenciais, com orientações individuais e familiares, voltadas para a educação em saúde, centrada na transmissão de conhecimentos. Pensavam que, instruindo os indivíduos a se comportar adequadamente, prevenindo as doenças, estariam realizando a promoção da saúde. Neste ponto, seria útil apresentar as diferenças básicas entre prevenção, da Epidemiologia Clínica, e promoção da Nova Saúde

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Pública. Enquanto o objetivo da prevenção, na Epidemiologia Clínica, é evitar o surgimento das doenças, a promoção da Nova Saúde Pública busca estabelecer o bem-estar (saúde) dos indivíduos e comunidades. Nestes termos, a prevenção é da doença e a promoção é da saúde. A prevenção baseia-se na concepção de risco e da probabilidade do indivíduo adoecer. As estratégias de prevenção da doença da Epidemiologia Clínica são fortemente marcadas por normas e prescrições de controle do comportamento e da vida dos indivíduos, em nome do bem-estar da população. Dessa maneira, considera-se que os comportamentos e o modo de vida dos indivíduos (sedentarismo, dietas alimentares incorretas, tabagismo etc.) são as principais causas da falta de saúde. Nestes casos, a falta de saúde fica associada a uma falha moral e é relacionada a escolhas pessoais. É por isso que as campanhas de educação para a saúde, baseadas em prescrições médicas, são destinadas a informar os indivíduos para que tenham escolhas saudáveis, focando a prevenção da doença e a responsabilização individual. Conclui-se daí que as medidas de prevenção da Epidemiologia Clínica são autoritárias e intervencionistas, dirigidas, exclusivamente, ao indivíduo, para o cuidado do corpo biológico, sem considerar o contexto social no qual este corpo se insere. Quando o indivíduo não adere às normas e prescrições de comportamento indicadas, o serviço de saúde é isentado de responsabilidades, e aquele é culpabilizado por não cuidar da própria saúde e colocar em risco a saúde da coletividade. De outro modo, a promoção da Nova Saúde Pública tem como pressuposto que a saúde é produzida socialmente, portanto, deve ser

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estabelecida como forma de superar as práticas de saúde centradas na atenção médica individual e curativa, para buscar atuar sobre os fatores que determinam a saúde. Quando Chadwick (1948), publicou o “General Report on the Sanitary Conditions of the Laboring Populations of Great Britain”, demonstrou que havia maior incidência de doenças nas populações pobres que nas populações abastadas, e que a insalubridade do ambiente, nas casas e nas fábricas, era a causa dessa situação de saúde (NOVICK; MORROW, 2008). Então, propôs uma reforma sanitária para conter as epidemias e prevenir as doenças infecciosas, com medidas de fornecimento de água limpa à população, rede de esgoto e disposição adequada do lixo. Nessas propostas, já se vê o embrião da ideia de promoção da Nova Saúde Pública. Essa ideia também era vista em Wislow (1920), que defendia que promoção da saúde era parte da saúde pública, que teria como objetivos prevenir doenças, prolongar a vida e promover a saúde por meio de esforços comunitários organizados para o saneamento básico e ambiental, educação dos indivíduos, organização dos serviços de saúde para o diagnóstico precoce, o tratamento preventivo de doenças e o desenvolvimento de equipamentos sociais que garantiriam aos indivíduos um padrão de vida adequado à manutenção da saúde na comunidade. Também Sigerist (1946), médico sanitarista francês, tinha compreensão semelhante, quando considerava, em seu artigo “The place of the phisician in modern society”, que a promoção da saúde estaria relacionada às condições de vida e trabalho, educação, cultura física, lazer e descanso, sendo a principal tarefa

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que a Medicina deveria cumprir, vindo, depois, a prevenção da doença, a recuperação dos enfermos e a reabilitação (VERDI; CAPONI, 2005). É verdade que os conceitos evoluem e estão em construção permanente. Em Lalonde (1974), por exemplo, a promoção da saúde era uma estratégia com prescrição aos indivíduos para a mudança de estilos de vida. Considerava, também, a possibilidade de redução do custo dos serviços de saúde, tendo em vista um contexto de crise econômica e o reconhecimento de que o modelo de atenção à saúde, de base tecnológica e medicamentosa, que exauria todas as possibilidades de financiamento público, não chegava à maior parte da população. A partir da publicação das cartas de Alma-Ata (wHO, 1978) e de Otawa (WHO, 1986), considerada a primeira conferência internacional sobre a promoção da saúde, este conceito de promoção da saúde se ampliou, passando-se a levar em conta, além de comportamentos saudáveis, o ambiente saudável. Nessas conferências internacionais, a saúde foi discutida a partir do que seriam os seus pré-requisitos fundamentais: paz, habitação, educação e renda, alimentação, ecossistema estável, conservação dos recursos naturais e a equidade. Neste sentido, a proteção do meio ambiente, a conservação dos recursos naturais e a construção de ambientes saudáveis seriam estratégias de promoção da saúde, tendo em vista que há uma relação indissociável entre a população e o ambiente em que vive (BRASIL, 2002). Novamente em Ottawa (2002), ministros de meio ambiente e de saúde dos países das Américas assumiram o compromisso de construir um meio ambiente mais saudável para melhorar a saúde, diminuir a iniquidade e a pobreza, por

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um desenvolvimento sustentável (SCHüTz et all., 2008). No Brasil, foi realizado o 1º Seminário Nacional de Saúde e Ambiente com Controle Social, organizado pela Comissão Intersetorial de Saneamento e Meio Ambiente (CISAMA), do Ministério da Saúde. A discussão sobre o modelo de saúde conduziu os debates, permitindo concluir que seria fundamental superar o paradigma biomédico pela adoção de um modelo “ecossociossanitário que considera as lógicas da natureza e da sociedade, em sua complexidade”. Segundo o documento oficial desse seminário:

[...] repensar os modelos teóricos para poder construir um marco conceitual abrangente sobre as relações existentes entre a saúde e o ambiente”, tendo em vista que já se percebia certa “dificuldade histórica dos governos, em todos os setores, em trabalhar a interface saúde e ambiente, na perspectiva de uma compreensão integrada dos problemas que são identificados como responsáveis pelo perfil epidemiológico, pelos riscos ambientais para a saúde e pela baixa qualidade de vida. (BRASil, 2003).

Dessa forma, o ambiente, em suas dimensões física e social, passa a ser o lócus para as ações de promoção da saúde, porque é na relação dos indivíduos e da coletividade com o ambiente que se estabelecem os processos de produção social da saúde, o que significa dizer determinação social da saúde. O conceito de saúde ambiental que sai desta compreensão estabelece uma abordagem holística e sistêmica, considerando que o processo saúde-doença resulta de interações complexas dos sujeitos com o seu ambiente físico, socioeconômico e cultural.

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Se o objetivo das ações de promoção da saúde é mudar os contextos de vida que afetam as pessoas, não é possível pensar em promoção sem pensar em saúde ambiental. Assim,

[...] saúde ambiental compreende a área da saúde pública afeta o conhecimento científico e a formulação de políticas públicas relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antrópico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade. (teixeirA, 1996).

Então, a saúde ambiental, que importa à promoção da Nova Saúde Pública, se faz com a transformação do meio ambiente para a construção de territórios saudáveis; ambiente, ao mesmo tempo, físico e social, espaço de relações, no qual se manifesta a vida cotidiana dos indivíduos e das populações; é o lugar de acumulação de situações históricas, ambientais, sociais, que promove condições particulares para a produção da saúde e das doenças (MONKEN; BARCELLOS, 2005). Para desenvolver competências pessoais e reforçar a ação comunitária para a saúde, deve-se trabalhar com ações que favoreçam o empoderamento das comunidades e grupos sociais, com atuação em rede e o emprego de metodologias interdisciplinares e participativas, que visem à interação e à mobilização social, para que não esperem, simplesmente, pelo poder público, mas sejam capazes de agir com organização e autonomia, além de cumprir papel relevante no controle social das instituições e do governo. Portanto, na perspectiva da Nova Saúde Pública, a educação para a saúde é apenas

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um dos aspectos relacionados às cinco ações fundamentais que conformam o conceito de Promoção, que não se faz com transmissão de informações e prescrição de normas, mas na busca de capacitação dos indivíduos e da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde, desenvolvendo competências pessoais e comunitárias para o autocuidado (WHO, 2009). Ponderando as condições de vida, a Nova Saúde Pública valoriza as estratégias de Promoção, uma vez que considera os determinantes sociais da saúde, nos quais se distinguem como fatores preponderantes a pobreza, o desemprego, a habitação precária e outras desigualdades econômicas e sociais (HEIDMANN et al. 2006). Para promover a saúde, é preciso, então, intervir sobre os determinantes da saúde (Figura 9).

Figura 9 – Modelo de determinantes sociais da saúde.

Fonte: Buss e Pellegrine Filho (2007), adaptado de Dahlgren e Whitehead (1991).

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O modelo de determinantes da saúde de Dahlgren e Whitehead (1991) pode ser muito útil para a compreensão das relações ambientais que afetam o processo saúde-doença. Ele é apresentado em camadas concêntricas. Na camada mais interna, estão os fatores individuais de idade, sexo e fatores genéticos que influem sobre a saúde. No nível externo seguinte, estão os fatores relacionados ao comportamento pessoal e modos de vida, que são fortemente influenciados pelos padrões culturais dos grupos sociais. A próxima camada corresponde à organização comunitária e às redes de apoio social e de solidariedade. No próximo nível, estão os fatores que expressam as condições de vida e de trabalho, ou seja, ambiente de trabalho, educação, disponibilidade de alimentos, desemprego, saneamento ambiental, acesso a serviços de saúde e habitação. Na camada mais externa, estão os fatores estruturais relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, exercendo grande influência sobre todas as camadas subjacentes. Nessa altura, então, convém retomar a discussão sobre comportamentos e ambientes saudáveis, a partir do conceito de “modo de vida”, como a instância fundamental e determinante dos processos saúde-doença, que, para Possas (1989), é mediado por duas dimensões intervenientes: estilo de vida e condições de vida. Condições de vida são as condições materiais necessárias à subsistência no lugar onde se vive: saneamento ambiental, moradia, alimentação, educação, cultura, lazer; enquanto que estilo de vida refere-se às formas sociais e culturalmente determinadas de viver, que se expressam em condutas, tais como a prática de

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esportes, dieta, hábitos, consumo de tabaco e álcool (POSSAS, 1989). Se o estilo de vida é uma produção cultural e social, não se pode esperar que fosse possível mudá-lo por meio de campanhas educativas direcionadas aos indivíduos, para informar e prescrever normas de comportamento e conduta. Para o estabelecimento de ações de promoção da saúde, torna-se necessário considerar não só as condições da vida material das populações, mas também as rede sociais, a produção social e a relação cultural e afetiva com o lugar. Tendo em vista a complexidade do processo saúde-doença e que a saúde é resultado da produção social, a saúde representa as condições de vida dos indivíduos e da coletividade, nos lugares onde se vive e trabalha, no lugar do lazer e, também, o trajeto entre esses lugares (NAKAMURA et al., 2009). Nesta visão, saúde ambiental é mais que saúde do meio ambiente, é o contexto geográfico, informado pelas condições e estilos de vida.

2.5 Considerações finais

Discorrer e analisar as ideias sobre saúde desde Hipócrates faz-nos compreender como pensamos a saúde, atualmente, e por que agimos desta ou de outra maneira. As ideias são sempre histórica e socialmente contextualizadas. Refletem um tempo e um lugar. Outro fato a considerar é que as ideias podem evoluir dentro de um mesmo paradigma, mas evoluem, principalmente, quando os paradigmas são quebrados. A construção de territórios saudáveis faz-se com o estabelecimento de políticas públicas

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urbanas, voltadas à melhoria da qualidade de vida. Cada território possui particularidades e diversidades, econômica, cultural ou social. Não se pode fazer uma política única para lugares que possuem características e necessidades diferentes. É preciso conhecer, em cada lugar, a população, seus costumes, hábitos, necessidades para que se possa contribuir para a construção de ambientes saudáveis. Por fim, a promoção da saúde é a estratégia de ação intersetorial que operacionaliza a ideia de territórios saudáveis. Não é possível fazer promoção da saúde sem considerar os indivíduos e os grupos sociais como sujeitos. É preciso construir territórios saudáveis com políticas públicas intersetoriais, inclusão social e, sobretudo, com a participação das redes sociais de solidariedade. De outra parte, há que se levar em conta que o Estado não pode ser visto como a única força capaz de intervir no território. E, ainda, as determinações econômicas nem sempre prevalecem sobre as sociais e culturais que se estabelecem nos lugares.

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CapítUlO 3

a OrGanizaçãO dOS SErviçOS dE SaúdE

Ao caminharmos pelas cidades, a distribuição dos serviços de saúde apresentam-se aos nossos olhos com um certo caráter anárquico (o que não quer dizer caótico). Mascates, restaurantes, enorme oferta de transporte coletivo, pontos de táxi, enfim, toda uma gama de serviços são criados e existem nos arredores dos hospitais, dos centros de apoio diagnóstico e terapêutico, dos centros de saúde. Por aí, convivem pacientes que são encaminhados de um serviço para o outro. É a cidade das filas, das dificuldades, das carências, da demora na marcação de consultas, do consumo de recursos médicos. Conforme nos ensina Olivera (1993), a demanda pelo atendimento médico, praticamente, é uma demanda sem fim, uma vez que se adoece mais porque se vive mais, assim como os controles periódicos e as campanhas preventivas incrementam as ações curativas. Se a distribuição destes serviços obedecesse apenas à racionalização dos processos de circulação – hipoteticamente, apenas, tratando-se de uma rede hierarquizada e regionalizada–, estes serviços

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poderiam ser, extraordinariamente, reduzidos. Pelo contrário, observa-se, no momento atual, um acentuado dinamismo de expansão dos serviços de saúde, gerando uma intensa vida urbana, com força capaz de produzir a própria cidade (GUIMARãES, 1994). É comprovadamente mais lucrativo para os médicos utilizar de tecnologias sofisticadas do que estabelecer um contato mais longo com seus pacientes, o que afeta a organização dos serviços e a natureza da atenção médica. O trabalho desenvolvido por Showstack (1981), sobre o uso da endoscopia gastrointestinal, já comprovava esta tendência desde o final da década de 1970. Mais que uma valorização da informação resultante de equipamentos de diagnósticos sofisticados, os honorários por procedimentos tecnológicos refletem uma alta valoração da tecnologia em si. Por causa desses fortes interesses econômicos, a organização dos serviços de saúde caminha na direção de maior proliferação de instituições especializadas (radiológicas, cardiológicas etc.) ou de estabelecimentos de alta complexidade em diagnóstico e terapêutica (laboratórios, medicina nuclear etc.) de tipo de atividade capital-intensiva (BANTA et all, 1988). Cada vez mais, estabelece-se a necessidade de redução de escala ou a implementação dos chamados serviços multi-hospitalares, para que se mantenham rentáveis, dividindo, entre vários estabelecimentos, os serviços comuns de processamento de dados, serviços de apoio, manutenção, cozinha, lavanderia, entre outros. Estas mudanças sustentam uma demanda formada pela rede prestadora de serviços médicos, indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, constituindo-se em força social, que

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estabelece uma relação sinonímica, amplia-se maior entre o “direito à saúde” e o “direito à assistência médica”.

3.1 Atenção médica e demanda pela saúde

A imagem profissional médica que está desenvolvendo, progressivamente, mais a tecnologia, é a de um trabalho altamente complexo, prestigiado e de um baixo nível de falibilidade. O usuário dos serviços busca o especialista que mecaniza gradativamente sua prática, dando ao usuário a imagem de um suposto nível de excelência, muitas vezes, não necessário. Verifica-se com isto que, entre o queixoso que procura os serviços e os trabalhadores de saúde, há uma cadeia de mediações cada vez maior, preenchida por procedimentos controlados pelo chamado “complexo médico-industrial”, que é uma extensa e crescente rede de corporações privadas comprometida com o negócio da oferta de atenção médica a pacientes, com finalidade lucrativa (hospitais privados, clínicas privadas e outros), bem como os serviços de apoio diagnóstico (RELMAN, 1980). Apesar de não haver um colapso cardíaco, um problema respiratório ou renal, que, ao menos em teoria, não possa ser superado ou amenizado com o auxílio de máquinas deste “complexo”, é importante reconhecer que muitas dessas tecnologias, introduzidas na medicina, possuem um custo muito elevado em relação aos benefícios produzidos e não provocam nenhuma alteração significativa nos perfis de morbimortalidade dos países (LANDMANN, 1986). Por outro lado,

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a complexidade tecnológica crescente dos equipamentos incorporados às práticas médicas faz com que não haja condições de produzi-los no nível local, criando demandas de consumo que pressionam o Estado a um esforço de expansão dos seus serviços e sistemas de controle, a partir de parâmetros técnicos dados pela tecnologia importada ou pela atuação direta de grandes grupos econômicos que detêm o seu domínio. Pelo exposto, é possível analisar a inovação tecnológica por que passa a prática médica, a partir das exigências de altos investimentos e lucros das grandes firmas. A demanda por novos equipamentos e processos é induzida por quem produz essas novas tecnologias, tornando, prematuramente, obsoletas as técnicas de produção e podendo afetar padrões de comportamento e a própria estrutura social. É nesta perspectiva que o trabalho de Donnangelo (1979) pode ser considerado um marco, uma vez que buscou a construção do objeto do campo que podemos designar de “Saúde e Capitalismo”6. Pretendendo analisar a especificidade assumida pela prática médica na sociedade de classes, essa autora centrou sua análise nas possibilidades de consumo de serviços médicos na sociedade capitalista. Desvendou, com isso, a suposta neutralidade, na medida em que conclui que o cuidado médico se generalizou amplamente, quer pela necessidade de reprodução da força de trabalho, quer pelo nível político resultante dos antagonismos de classes. Neste processo, analisou criticamente o privilégio de grupos sociais fundamentais ao processo de produção econômica. Concretamente, isto pode ser verificado na diferenciação das instituições médicas voltadas para diferentes tipos de ações e

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diferentes clientelas. A ampliação quantitativa e qualitativa da assistência médica está relacionada com as pressões do consumidor, o que não implica dizer que, ao mesmo tempo, o setor comporta formas de privilegios ao produtor privado e de suas modalidades de serviços de saúde. A tudo isto, está ligada a ideia de que a incorporação dos frutos do desenvolvimento tecnológico às práticas de saúde é o caminho para a melhora da saúde da população, tornando mais frequente o recurso aos medicamentos e exames laboratoriais e a incorporação de equipamentos e instrumentos médico-hospitalares, como exigência da boa atenção médica. Ao se centrar a atenção na assistência médica, recria-se a sua necessidade em planos de complexidade tecnológica mais sofisticados. Esta tendência responde ao avanço do conhecimento médico com suas repercussões imediatas nos meios de diagnóstico e terapêutica e gera uma expectativa de acesso a essa tecnologia na população. Com isso,

[...] a extensão da prática médica não correspondeu a um fenômeno simples e linear de aumento de um consumo específico, e sim que ela se deu através de uma complexa dinâmica econômica e política na qual se expressaram os interesses e o poder de diferentes classes sociais. (DONNANGElO; FERREiRA, 1979, p. 33).

A partir daí, o entendimento da Medicina, como prática social no contexto da estrutura capitalista, é o ponto de referência mais amplo para a análise da organização dos serviços de saúde, porque desvenda como se articulam suas inovações com o processo de acumulação ou da reprodução das condições econômicas e político-ideológicas da produção. Os interesses

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financeiros diretos dos médicos em hospitais e clínicas privadas, laboratórios clínicos, unidades de diálises, são visíveis. Médicos integram conselhos diretivos e consultivos governamentais e, em muitas das maiores corporações, efetuam avaliações de novas tecnologias (medicamentos, dispositivos, provas diagnósticas e procedimentos terapêuticos). Expressam opiniões em artigos, conferências e informes. Enfim, não é por acaso que, na grande imprensa, haja tantos artigos sobre os progressos médicos. Daí resulta o grande peso desses atores nas decisões omitidas, como evidenciam, já no final da década de 1970, as estimativas de Relman (1980): 70% do gasto total da atenção médica é resultado de decisões emitidas pelos médicos. O seguro de saúde, por sua vez, converte os pacientes em consumidores, que demandam atenção médica, sem se importar com o preço. É cada vez maior o número dos que recebem atenção médica e aqueles que possuem dificuldade de acesso levantam esta bandeira como direito básico de todos os cidadãos. Já as corporações multinacionais monopolizam as funções inovadoras, porque estas só influem, significativamente, no montante de lucro quando operam em grande escala, além de exigirem investimentos iniciais e um alto grau de certeza quanto à estabilidade do mercado de consumo. A modernização tecnológica tende, desse modo, a criar novas demandas, alargando o espectro desse mercado de serviços. É por causa disso que a compreensão geográfica da organização dos serviços de saúde não pode ficar circunscrita ao ato médico. É preciso ampliar a nossa visão.

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O atendimento aos pacientes pelos médicos desencadeia uma série de outros serviços, sejam de apoio diagnóstico ou terapêutico, assim como a produção de informações de interesse epidemiológico. Tal visão fica ainda mais completa se ponderarmos que a atenção à saúde não inclui apenas a medicina científica ocidental. É preciso também considerar os sistemas alternativos, às vezes, fundamentais nas comunidades camponesas e nas periferias urbanas pobres, como o curandeirismo, a acupuntura e outras terapias populares. Evidentemente, estes serviços respondem às necessidades da população em função da estrutura demográfica (distribuição da população por idade e sexo) e de múltiplos fatores socioeconômicos (OLIVERA, 1993). O fato é que a exigência social pela atenção à saúde é gradativamente maior, e a oferta de serviços também se amplia em função da inovação tecnológica, o aumento dos recursos orçamentários e pessoal técnico e especializado. Por causa disso, o estudo dos serviços de saúde é um campo rico para identificarmos o jogo de grupos de interesse e como estes grupos põem em circulação concepções de técnica e ciência com conteúdos bem diferenciados. Cabe perguntar de que modo a Geografia pode contribuir para compreender este conjunto de relações.

3.2 Geografia dos serviços de saúde

Para traçar os possíveis caminhos do estudo geográfico dos serviços de saúde, o primeiro passo é observar o modo como estes serviços se distribuem pelo espaço. Isto não se trata apenas da identificação dos equipamentos

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pela superfície (dimensão geométrica do espaço), mas da compreensão da tensão estrutural criada pela localização destes equipamentos em determinados pontos em detrimento de outros, o que implica a visibilidade das diferenças sociais dos lugares e de sua influência no sistema social (MOREIRA, 2001). Ao estudar a distribuição dos serviços de saúde, é preciso ir adiante, relacionando a oferta de serviços com o processo de valorização do espaço (MORAES; COSTA, 1984). A análise resultante daí se coloca em dois planos: num primeiro nível, horizontal e, num segundo, vertical. No plano horizontal, a análise recai no modo singular de produção dos serviços de saúde em cada lugar, levando em consideração as estruturas sociais específicas e as explicações de suas conexões com os fluxos de inovações e de modernização global, como nos ensinou o Prof. Milton Santos, em algumas de suas principais obras publicadas no Brasil, entre 1978 e 19827. Pensarmos a relação entre espaço e saúde, nestes termos, remete-nos à análise do modo como diferentes elementos de uma dada organização espacial podem vir a variar em sua distribuição espacial, assim como avaliar o impacto das inovações em cada lugar. No plano vertical, procura-se identificar, na estruturação territorial dos serviços de saúde, a ponta da cadeia produção-circulação-consumo, sendo possível desvendar as articulações entre o nível institucional materializado nos serviços de saúde com a cidade – lugar da produção e do consumo dos serviços de saúde – e com os processos globais de produção do espaço capitalista (Figura 10).

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Figura 10 – Abordagem geográfica da organização dos serviços de saúde.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Como explica Singer (1978), os serviços de saúde, à medida que contribuem para a realização de um valor de uso, produzem valor, contribuem para a extração da mais-valia, o que justifica o seu enquadramento no setor mercantil da sociedade. Como uma variedade do capital mercantil, os serviços de saúde, seus produtos e processos interessam à análise da realização da circulação. Por sua sorte, estes serviços contribuem para a acumulação capitalista, adiantando o dinheiro que irá novamente funcionar no ciclo produtivo, ao agir como promotores imediatos da circulação de valores, orientando os usuários no sentido de consumir certos produtos, para ampliar o mercado de bens de saúde, que propicia uma acumulação em seu próprio setor, por intermédio de empresas capitalistas de serviços de saúde, e possibilita alternativas de investimentos produtivos mediante a criação de demanda por novas tecnologias8. Apesar de ser incapaz de gerar

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valor e mais-valia, sendo na perspectiva do capital social um dispêndio improdutivo de capital, do ponto de vista particular, trata-se de investimento e trabalho produtivo capaz de proporcionar lucro aos empresários que atuam no setor. Enfim, os arranjos e rearranjos do território da atenção médica não se sucedem, meramente. Correspondem e fundamentam, como já propunha Donnangelo (1979, p. 18), para o seu estudo sobre medicina comunitária, “modalidades de articulação entre o trabalho médico, seu objeto, seus produtos e a forma de seu consumo”. Dessa forma, a leitura dos serviços de saúde, via base territorial, nos orienta para a análise das condições locais e das características espaciais resultantes do processo de inovação tecnológica. Privilegia, também, o entendimento da tecnologia em saúde como produto ou resultante das estruturas sociais concretas, e como um fator capaz de produzir, reproduzir e de alterar estas mesmas estruturas, ao articular diferentes escalas geográficas. Vejamos a organização dos serviços de saúde na cidade de Uberlândia (MG), como exemplo desse tipo de análise. De acordo com Silva e Ramires (2009), esta cidade mineira se destaca no território nacional na condição de um polo de saúde. Essa centralidade em Uberlândia teve sua gênese na década de 1950, quando alguns hospitais privados começaram a atrair para seus arredores outros serviços do setor, como clínicas médicas, serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, e farmácias. É esse processo de aglomeração desses agentes numa parcela do território que explica a distribuição espacial dos serviços de saúde em Uberlândia (Figura 11).

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Figura 11 – Uberlândia: distribuição dos serviços de saúde na área central.

Fonte: SILVA, k. N. da; RAMIRES, J. C. de L. in: RAMIRES (Org.), 2009, p. 32.

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É visível o impacto gerado por esses serviços de saúde (principalmente privados) no nível local. Além de atrair empresas e recursos humanos altamente qualificados, essas atividades favorecem a ampliação de cursos técnicos e de nível superior na área da saúde, além de interferir na valorização do espaço, uma vez que essa aglomeração se desenvolveu na zona central da cidade, superpondo-se a outros usos. Essas transformações, que alteraram a estrutura social local, também contribuíram para a maior conectividade de Uberlândia com os circuitos globais de produção e consumo de insumos médico-hospitalares. Esse exemplo citado demonstra claramente o enorme desafio que deve ser enfrentado pelos geógrafos na análise da organização dos serviços de saúde. Para isso, três conceitos são importantes: região, território e lugar. Ainda que, em nossa matriz mental, seja forte a ideia de região como um subespaço entre o município e a Unidade Federada ou o País, nesse mundo globalizado em que vivemos, com a ampliação e o aprofundamento da divisão internacional do trabalho e o aumento exponencial da circulação e intercâmbio entre os lugares, aceleraram-se os arranjos e rearranjos espaciais, transformando-se as formas e conteúdos das regiões por meio da intensificação à valorização do espaço (MORAES; COSTA, 1984). Da mesma forma, o território da saúde não é simplesmente uma área demarcada para adscrever uma clientela para os serviços de saúde, mas é o contexto da vida dos indivíduos e das coletividades inscritas no espaço geográfico. O território é o lugar das relações, da construção da vida cotidiana e de sua conexão com outras escalas.

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Assim, os subespaços ganham mais capilaridade, fruto da combinação de diferentes vetores de verticalidade e da horizontalidade. Em razão disso, há um ganho de espessura em cada unidade espacial, tendo em vista que o tempo de cada lugar é resultado da tensão com o tempo social global, em um jogo, simultaneamente, sincrônico e diacrônico (SILVA, 1991). Em síntese, fica mais difícil imaginar as unidades regionais como superfícies sobre as quais se instalam os objetos técnicos ou desenvolvem-se as ações de saúde. Mais do que isso, os níveis hierárquicos, que insistem em congelar nossas matrizes cognitivas, estão corrompidos, e a delimitação entre esses conceitos cada vez mais tênue. Um bom exemplo é a diferença entre região e lugar. Não é verdade que o primeiro conceito diz respeito a unidades espaciais maiores do que o segundo. É possível identificar no espaço intraurbano de São Paulo certas unidades regionais, assim como, da mesma forma, uma extensa região fronteiriça da Amazônia Ocidental pode ser compreendida como um lugar com identidade cultural própria. Assim, o que mais importa é não perder de vista a finalidade de nossa reflexão. Como argumenta Santos (1996), não são as categorias e os conceitos uma finalidade em si, mas a capacidade que desenvolvemos ao manuseá-los para construir um conhecimento da realidade em movimento. Considerando os pressupostos citados, a distinção entre região e território passa a ser menos relevante, desde que a compreensão da totalidade não perca de vista que a organização dos serviços de saúde é um “acontecer solidário”, nos termos postos por Milton Santos (1996), chamando a atenção para a realização

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compulsória de tarefas comuns em torno da atenção à saúde. Ou seja, mediante essa abordagem, é uma ilusão pretender trabalhar a partir de conceitos puros. O mais importante é considerar a relação indissociável entre a representação e o real que se quer decifrar, que está em permanente movimento. É com base nessas referências que passamos a pensar a organização dos serviços de saúde no Brasil.

3.3 Organização dos serviços de saúde no Brasil

A inovação tecnológica, na área médica, é um vetor que atrela fortemente o setor da saúde aos interesses lucrativos do mercado. Essa característica do período atual afeta a organização dos serviços e a natureza da atenção médica. A tendência mundial, segundo Banta (1988, p. 45), caminha na direção da maior proliferação de instituições especializadas (radiológicas, cardiológicas etc.) ou de estabelecimentos de alta complexidade em diagnóstico e terapêutica (laboratórios, medicina nuclear etc.) de tipo capital-intensiva. Da mesma forma, gradativamente se estabelece a necessidade de redução de escala ou a implementação dos chamados serviços multi-hospitalares, para que se mantenham rentáveis, dividindo, entre vários estabelecimentos, os serviços comuns de processamento de dados, serviços de apoio, manutenção, lavanderia, entre outros. Além disso, a complexidade tecnológica crescente dos equipamentos incorporados às práticas médicas faz com que não haja condições de produzi-los no nível local, criando demandas de consumo que

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pressionam o Estado a um esforço de expansão dos seus serviços e sistemas de controle, a partir de parâmetros tecnológicos importados ou pela atuação direta de grandes grupos econômicos que detêm o seu domínio. Ora, a demanda por novos equipamentos e processos é induzida por quem produz essas novas tecnologias, tornando, prematuramente, obsoletas as técnicas de produção e podendo afetar os padrões de comportamento e a própria estrutura social. Resulta daí um culto à coisa, ao saber-fazer, à técnica. Saúde se compra à prestação, escolhendo o produto pela qualidade, pelo preço e pelo modo de atendimento. O Estado apresenta-se, desse modo, como instância institucional imprescindível para disciplinar a reprodução ampliada do capital por meio da administração das contradições capital-trabalho e capital-capital. Cumpre o seu papel, deslocando estes conflitos para o espaço do mercado, territorialmente demarcado e governado por relações contratuais, encobrindo as desigualdades sociais pela desigualdade da distribuição de renda e pelas relações de poder materializadas no Estado. O fundamental, portanto, nesta perspectiva de entendimento espaço e serviços de saúde, é saber de que estatização se trata, pois estatizada a saúde já está, seja no Brasil, na Argentina ou qualquer outro país capitalista. Sobretudo, sem perder de vista o estudo dos processos de atribuição de significados, dos modos de articulação e complementaridade entre os serviços públicos e privados e de suas diferenças manifestadas em termos dos mecanismos de acessibilidade.

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Para pensar sobre isto, com base na realidade brasileira, é preciso considerar a implantação do Sistema Único de Saúde – SUS. A Carta Magna Brasileira, de 1988, estabeleceu o direito universal à saúde e à organização de um sistema único, descentralizado e regionalizado dos serviços de saúde no território nacional. Desde a publicação da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de 1990), o esforço político foi de promoção da descentralização, tendo como estratégia a municipalização de serviços sob comando federal e estadual, assim como o aprimoramento das formas de gestão integrada das ações e a complementaridade dos prestadores de serviços privados. Nos primeiros 10 anos do SUS, o grande debate que se colocou foi a territorialização do sistema, havendo empenho do Ministério da Saúde, com o apoio da OPAS, para a realização das chamadas “Oficinas de Território”. Por meio de amplo debate, com envolvimento da comunidade local, as unidades básicas de saúde do SUS foram delimitando suas áreas de abrangência e, a partir daí, definindo seu planejamento estratégico. Apesar de tal iniciativa poder ser considerada como uma estratégia de regionalização, ainda que o termo utilizado fosse “território”, a emergência da questão da regionalização na agenda política do Ministério da Saúde ocorreu no começo da década de 2000. Para isso, o marco institucional foi a Norma Operacional de Assistência à Saúde (BRASIL, 2002). Há várias implicações teóricas e práticas no modo como o processo de regionalização foi efetuado desde então. Ainda que o Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006) tenha representado um

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enorme avanço em termos de garantias para a consolidação da política de regionalização da saúde brasileira, chama a atenção o fato de que nenhuma unidade regional estabelecida recentemente considera a possibilidade de outros recortes territoriais, além dos limites jurídico-administrativos das unidades federadas. Ponderando os aspectos destacados acima, Pessoto (2008) trabalha com a hipótese de que tal interesse pela regionalização da saúde brasileira é um movimento conservador, cujas forças políticas podem ser localizadas ao redor dos governadores, que tiveram o seu papel enfraquecido com os avanços da gestão plena do sistema pelos municípios. Isso nos remete a um interessante debate de Geografia Política, o que implica reflexão do pacto federativo e dos rumos da democracia brasileira, e não será objeto de análise neste texto. Para os propósitos da nossa discussão, seria interessante apontarmos alguns avanços que as políticas territoriais do SUS propiciaram para a organização dos serviços de saúde. O território tem se constituído em uma das principais categorias da estratégia espacial na implantação do Sistema Único de Saúde – SUS. Em primeiro lugar, o processo de descentralização, desencadeado pela reforma sanitária brasileira, adotou como estratégia a municipalização dos serviços de saúde e a integração das ações, com comando único em cada nível de governo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o SUS teve como pressupostos básicos a regionalização e a territorialização da saúde (BRASIL, 2006), como eixo estruturante da pactuação e a descentralização do sistema, que permite organizar a rede de serviços, que deve operar pautada em diagnósticos territoriais de condições

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de vida e situações de saúde (TEIXEIRA et all, 1998). Esse fato torna a experiência da reforma sanitária brasileira num exemplo interessante, uma vez que estabeleceu a constituição do território como um trunfo da luta política pelo comando do setor de saúde pelo Estado. É por causa dessas características que o território concebido e, ao mesmo tempo, em processo de construção pela política nacional de saúde de países latino-americanos, como o Brasil, é muito mais do que a extensão territorial dos municípios. Várias outras estratégias espaciais, que apresentam a territorialização como um trunfo político, poderiam ser enumeradas – como a delimitação das áreas de abrangência das unidades de saúde, os distritos sanitários ou os programas de saúde da família. Em todas essas experiências, o processo de territorialização do SUS está produzindo uma diferenciação entre espaços da vida cotidiana, que poderia ser reconhecida como um processo de regionalização em diferentes escalas. No Brasil, as regiões de saúde têm sido estabelecidas pela união de municípios contíguos, criando a necessidade de inserção de um novo nível hierárquico no Sistema Único de Saúde (SUS), com recursos próprios, equipe técnica e infraestrutura administrativa. Contudo o processo de regionalização revelou uma questão mais essencial, visto que as regiões de saúde, de fato, não podem ser avaliadas como áreas homogêneas, separadas das outras por linhas imaginárias. Pelo contrário, as regiões de saúde são entes muito mais dinâmicos do que se possa imaginar, e as diversas formas regionais são definidas pelos próprios brasileiros, em seu cotidiano.

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Essas conjeturas se fazem necessárias, visto que o conceito de região dos serviços de saúde não é de fácil apreensão. Engana-se quem imagina que, para isso, bastaria a leitura direta dos documentos oficiais, como a Norma Operacional de Assistência à Saúde (BRASIL, 2002) ou o Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006a), sem alguns parâmetros da análise do discurso. De fato, o que é e o que pode vir a ser as regiões de saúde, é algo em aberto e em disputa por diversos atores políticos, conforme Guimarães (2005) pôde mapear a partir das diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Saúde em vigor no Brasil. Podemos identificar, nesse processo de significação do conceito de região, uma tensão entre duas abordagens. A primeira delas compreende a região como unidade de planejamento e, por isso, entendida como um recorte territorial instituído pelos gestores para a intervenção na realidade local. A segunda abordagem, não menos importante, compreende a região como um ente histórico, resultado das múltiplas determinações da vida social, o que conforma a ideia de uma realidade em produção, que se organiza no caminhar da própria prática política. Poderíamos, desse modo, identificar, no campo do planejamento das políticas brasileiras de saúde, vários programas e ações que evidenciam essas diferentes abordagens. Apenas para citar dois exemplos, seria interessante a discussão do modelo de regionalização, proposto pelo Departamento de Apoio à Descentralização da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, claramente empenhado na definição de recortes territoriais que facilitem o trâmite administrativo e o repasse mais efetivo de recursos para o nível local. Por outro lado, várias ações da Secretaria de Gestão Estratégica do mesmo ministério

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fomentam os atores locais no estabelecimento de seus próprios recortes regionais. O SIS-Fronteira é um bom exemplo disso, uma vez que reconhece a existência de uma realidade social em movimento na zona de fronteira internacional, jogando luz para as práticas de saúde coletiva, tecidas por laços de solidariedade entre os povos vizinhos, que, até então, não apresentavam visibilidade nos dados oficiais. Quando nos referimos à capilaridade das regiões, chamamos a atenção para os seus limites e fronteiras. Tradicionalmente, definimos uma cadeia sinonímica entre essas duas ideias, visto que a delimitação territorial do Brasil foi marcada por uma série de tratados internacionais, que procuraram estabelecer os limites jurídico-administrativos do domínio português na América do Sul, levando-nos a confundir o segundo pelo primeiro. Já a formação territorial do Brasil também é resultado do alargamento desses limites institucionais por meio da expansão de fronteiras, o que ainda é um processo em andamento (MACHADO, 2006). Somente considerando essa dimensão histórica, podemos concluir que, apesar das regiões de saúde criadas pelo SUS apresentarem limites demarcados pelas unidades jurídico-administrativas da república federativa brasileira, o que separa uma unidade da outra, a ideia de fronteira revela uma realidade muito mais permeável, uma zona de contato entre unidades vizinhas, o que Santos (1996) denomina de vetores da horizontalidade. Mas a capilaridade também é fruto de determinações e de processos de tomada de decisão cada vez mais distantes do espaço próximo, constituindo vetores de verticalidade com força de transformar diferentes lugares

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conectados em rede. Isso produz uma sincronia entre os lugares com profundas implicações na mobilidade populacional, no fluxo de informações e nos padrões espaciais de morbimortalidade. Do ponto de vista da produção de informações e da organização das bases estatísticas para a organização dos serviços de saúde, não resta dúvida de que tivemos nos 20 anos de existência do SUS um enorme avanço técnico. Isso somente seria possível com as unidades espaciais de análise bem definidas e com a expansão dos serviços de atenção básica, porta de entrada do usuário no sistema e fonte primeira dos dados processados nas diversas bases de dados existentes. Começando com o Sistema de Informação da Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC), é impressionante a diversidade de sistemas com razoável qualidade e consistência, disponibilizados, gratuitamente, no portal do DATASUS para os usuários, os gestores e os profissionais da saúde (BRASIL, 2006b). Apesar desse avanço, novos desafios se impõem. Se a política de saúde do Brasil é dotada de um enorme aporte de dados espaciais para subsidiar o planejamento territorial das ações do Estado, há uma enorme dificuldade para transformar esse volume de dados em informação relevante para o processo de tomada de decisão entre os atores envolvidos nesta política pública. Entre as várias dificuldades, como de capital humano com capacidade técnica para pensar a realidade brasileira, com bases nesses dados espacializados, os próprios sistemas de informação apresentam problemas de origem, à medida que tiveram dificuldade de incorporar outras dimensões do marco conceitual acerca da

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região no fluxo e relacionamento das informações. Assim, há uma dificuldade clara de encontrar parâmetros para a contextualização espacial dos dados (BARCELLOS, 2008). Conscientes desses problemas, os gestores da vigilância em saúde ambiental empenharam-se no desenvolvimento de novas matrizes. Com certeza, o aprimoramento e a disseminação das ferramentas dos sistemas de vigilância em saúde (BRASIL, 2005), especialmente a Vigilância Ambiental em Saúde relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano (VIGIÁGUA), a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (VIGISOLO), e a Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição do Ar (VIGIAR), abrem novas perspectivas de cruzamento com outras bases de informação em diferentes formatos (raster, vetorial) do IBGE e do INPE, dentre outros. Podemos acreditar que, a partir daí, os estudos epidemiológicos ganharão maior centralidade no uso das regiões como unidades de análise, transformando-se na principal ferramenta do planejamento territorial da saúde no país. Quando isso ocorrer, novos desafios estarão portados, como o uso do mapeamento e da análise regional, não apenas para estudos ecológicos, que agregam os indivíduos a partir das unidades espaciais preestabelecidas. Mas é perfeitamente possível, tecnicamente, redesenhar os sistemas de informações para incorporar aspectos multidimensionais do conceito de região e de lugar, o que abriria a possibilidade do uso das informações espaciais para estudos longitudinais ou de coorte. Com isso, não estaremos mais falando apenas de uma Geografia dos territórios, sem vida e sem gente. Podemos sonhar não com

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uma Geografia da saúde, mas uma Geografia para a saúde, preocupada com a vida das pessoas. É a Geografia dos sujeitos sociais. Na verdade, a territorialização não é a panaceia e não resolve todos os problemas do SUS, mas uma abordagem que expressa a compreensão de que a saúde é uma produção social que se expressa no território. Efetivamente, o SUS têm diretrizes muito claras de territorialização e regionalização da saúde, que são pressupostos da organização dos processos de trabalho e das práticas de saúde. De outra parte, há que se considerar que o Estado não pode ser visto como a única força capaz de intervir no território para atenuar os efeitos da ordem econômica das corporações econômicas. Ainda, há dinâmicas sociais e culturais que se estabelecem nos lugares que não estão contidos por determinações econômicas. Por isso, Proietti (2008) reafirma a ideia do lugar como a escala de abordagem mais importante para a saúde coletiva e para intervenções multissetoriais, na perspectiva da promoção à saúde, quando afirma: “onde você mora é importante para sua saúde, para além de quem você é”. Portanto, não é suficiente conhecer os eventos relativos à saúde que afetam os indivíduos, é preciso conhecer os contextos ambientais dos lugares, para promover estratégias consequentes e eficazes de promoção da saúde. A partir dessas definições, precisamos discutir o lugar como uma unidade territorial intrínseca que representa o indivíduo e a vizinhança no contexto de seu cotidiano, cujos limites podem ser o setor censitário, o bairro, a área de abrangência de uma unidade de saúde, ou a área da “vizinhança percebida” pelos

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moradores do lugar (PICKETT; PEARL, 2001; PROIETTI et al., 2008). Seguindo este caminho, os estudos geográficos dos serviços de saúde podem contribuir para a construção de territórios saudáveis, onde a vida humana pode encontrar qualidade e justiça social.

3.4 Em busca de cidades saudáveis e sustentáveis

A proposta de cidades saudáveis teve como referência a I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em 1986, no Canadá, cujos princípios norteadores foram expressos na “Carta de Otawa”, reconhecendo como requisitos fundamentais para a saúde: a paz, a educação, a habitação, a renda, um ecossistema estável, a justiça social e a equidade. Nesses termos, a saúde deixou de ser um objetivo a ser alcançado, tornando-se um recurso para o desenvolvimento da vida, o que situou a “Carta de Otawa” como um marco de uma nova tendência de política pública no rumo da construção de um novo paradigma sanitário. Este novo paradigma representou um avanço em termos de compromisso político em relação à retórica genérica da Conferência de Alma-Ata (1977), que estabelecera a expansão da atenção primária como estratégia básica para alcançar a “saúde para todos no ano 2000”. Com uma rede inicial de 11 cidades, que teve o apoio da Organização Mundial da Saúde para implantação de experiências concretas de desenvolvimento urbano, o programa Cidades Saudáveis expandiu-se rapidamente, constituindo-se num movimento social mais

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amplo. Teve a adesão de diversos países europeus, do Canadá, dos Estados Unidos e da Austrália e, no início da década de 1990, chegou à América Latina, junto com os processos de descentralização da saúde e com a implantação de Sistemas Locais de Saúde (SILOS), promovidos com o apoio da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). De acordo com Barton e Tsourou (2000), as práticas de gestão de Cidades Saudáveis têm demandado um novo tipo de planejamento urbano, denominado de planejamento urbano saudável, que necessita mais envolvimento, participação da comunidade e construção de redes sociais sustentadas por contínuos processos de troca de informação, experimentação, diálogo, negociação e compromisso coletivo. Evidentemente, relações sociais com tais características implicam intensos processos de percepção e criação de uma memória compartilhada. Nesse sentido, a experiência de implementação de Cidades Saudáveis tenderia a transformar as estruturas sociais das comunidades, fortalecendo e criando redes sociais, definidas como sistemas de relações entre pessoas e instituições em função de valores e objetivos comuns. O poder público seria apenas um dentre vários outros atores sociais que agiriam em conjunto. Cidade saudável é aquela que produz qualidade de vida para os seus cidadãos, buscando o bem-estar dos indivíduos e a satisfação de suas necessidades materiais básicas de habitação, alimentação, educação, cultura, segurança, lazer e outras necessidades humanas imateriais relacionadas à vida social e religiosa. Destarte,

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Uma cidade saudável é aquela que está continuamente a criar e a desenvolver os seus ambientes físico e social, e a expandir os recursos comunitários que permitem às pessoas apoiarem-se mutuamente nas várias dimensões da sua vida e no desenvolvimento do seu potencial máximo. (GOlDStEiN; KiCKBUSCH, 1996).

Para medir o nível de desenvolvimento individual e coletivo das populações, alguns desses atributos da qualidade de vida e do bem-estar têm sido avaliados por indicadores sociais, para além dos econômicos. Alguns desses indicadores podem ser avaliados por parâmetros quantitativos; outros, porém, nos remetem a avaliações subjetivas que podem variar de pessoa a pessoa. Como a tendência mundial aponta que as populações estão cada vez mais se concentrando nas cidades, demandando serviços, buscando a satisfação de necessidades e aspirações, num espaço de grandes desigualdades sociais e conflitos de interesses, torna-se tarefa hercúlea governar os municípios para oferecer melhor qualidade de vida aos cidadãos. Tendo em vista a complexidade dos problemas urbanos e a intenção de se implantar uma gestão urbana democrática, preocupada com qualidade de vida dos cidadãos, o gestor público precisa ter como projeto de governança o ideal de uma cidade saudável e sustentável. Ainda considerando a complexidade das relações entre os fatores ambientais que podem promover a saúde e a doença, interdisciplinaridade, intersetorialidade e participação social devem ser os fundamentos de uma gestão municipal que não esteja alinhada com a lógica de uma gestão predominante

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verticalizada, setorial e dicotômica (WESTPHAL; MENDES, 2000). Mendes et all. (2004) dizem que o estabelecimento de políticas públicas urbanas voltadas à melhoria da qualidade de vida é o objetivo do movimento Cidades Saudáveis, que surgiu no começo dos anos de 1980, no Canadá, inspirado no Relatório Lalonde (1974) e nos documentos das principais conferências internacionais sobre a saúde, como a Declaração de Alma-Ata e a Declaração de Ottawa, que se difundiram por todo o mundo, posteriormente. O modelo de Cidades Saudáveis corresponde a uma estratégia de alcance de padrões sanitários que consideram o indivíduo na sua totalidade e em relação ao meio em que vive e a sua coletividade, numa permanente inter-relação. Utiliza a intersetorialidade como instrumento de promoção da saúde mediante uma visão compartilhada das várias dimensões da realidade: política, econômica, ambiental, cultural e social. Segundo Westphal e Mendes (2000), os projetos de Cidades Saudáveis fazem parte das estratégias de promoção da saúde e intentam responder às mudanças decorrentes da crescente urbanização e de suas consequências para a saúde e a qualidade de vida das populações. Cidade saudável é uma estratégia de promoção da saúde que, em verdade, promove a vida nos espaços cotidianos, do trabalho e da gestão intersetorial (OPAS, 1997). Para construir uma cidade saudável, é necessário mais do que controlar a poluição e a degradação ambiental; para isso é fundamental

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[...] ambiente físico limpo e seguro, um ecossistema estável e sustentável, alto suporte social, sem exploração, alto grau de participação social, necessidades básicas satisfeitas, acesso a experiências, recursos, contatos, interações e comunicações; economia local diversificada e inovativa, orgulho e respeito pela herança biológica e cultural, serviços de saúde acessíveis a todos e alto nível de saúde. (WHO, 1995).

Por tudo isso, a construção de cidades saudáveis passa pela operacionalização dos conceitos de justiça social, de sistemas de produção sustentáveis, de redução de consumo, de acesso universal aos sistemas de atenção à saúde, além de sistemas de vigilância em saúde, epidemiológica, sanitária e saúde ambiental, articulando políticas intersetoriais e ações sociais para a melhoria de condições de vida da população (TEIXEIRA; COSTA, 2003). Desenvolvimento local integrado sustentável, Agenda 21 e Habitat são programas que se alinham bem com o ideal da cidade saudável, porque representam o esforço de interação entre governo, sociedade civil e cidadãos para buscar o bem-estar das populações em territórios específicos, em nível local; e envolvem uma ação integrada e articulada de todos os setores da vida pública, com governança baseada na ação intersetorial (WESTPHAL, 2000).

3.5 Considerações finais

O estudo da consolidação dos sistemas de saúde, como o SUS no Brasil, tem provocado a necessidade de articulação de diferentes conceitos geográficos, como território, região e lugar. O SUS, focado na esfera municipal, é um modelo de gestão estratégica de serviços essenciais para uma

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grande parcela da população. Contudo um dos grandes problemas da implementação do modelo que o SUS propõe é, sem dúvida, a desinformação e a falta de conhecimento do território vivido por parte de quem governa. Estabelece-se, assim, uma distinção cada vez maior entre o território da norma e o território vivido e apropriado pela população (DANTAS; ARANHA, 1999). Este é um tema em que a Geografia deverá se aprofundar nos próximos anos. Uma temática relevante para a investigação é a da questão da fragilidade e desarticulação dos programas municipais de saúde e suas dificuldades de articulação com as políticas públicas que estão sendo implementadas, tanto na esfera municipal como na federal. É lógico que o aumento no número de consultas médicas, ou, até mesmo, a construção de alguma unidade básica de saúde em um bairro carente, para comunidades que lutam para sua implantação, é um avanço e uma melhoria no serviço de saúde. Contudo o aumento de gastos com saúde per capita não tem uma relação direta com a melhoria da condição de saúde e a diminuição das iniquidades intraurbanas. Tais conclusões têm implicações imediatas na forma de se pensar políticas públicas de saúde, porque indica a necessidade de estabelecer relações criativas entre a produção do espaço, as matrizes conceituais da política e as experiências práticas. Dessa forma, a reprodução do espaço urbano recria, constantemente, as condições a partir das quais se organizam as respostas aos problemas de saúde da população. A cidade aparece como um bem material, consumida de acordo com as leis de reprodução do capital. Mas, por outro lado, a cidade não é simples condição objetiva de vida, ela supõe condições

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de direção, gestão, atividades sociais, políticas e religiosas, conforme as necessidades das pessoas concretas, que vivem em cada lugar. Nesse sentido, experiências como as “Cidades Saudáveis e Sustentáveis” podem ser consideradas como alternativas no sentido da promoção à saúde. Enfim, a organização dos serviços de saúde é um tema que impõe muitos desafios teóricos e metodológicos para os geógrafos. O papel do geógrafo no campo da saúde será discutido no próximo capítulo.

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CapítUlO 4

sAúdE: UmA GEOGrAFiA APliCAdA

A mais popularizada das classificações da ciência diferencia as chamadas puras das aplicadas. A primeira se desenvolve com um afã teórico. A segunda está preocupada em resolver problemas práticos, o que a aproxima da tecnologia e indústria. A universidade atual é um sistema – talvez isto seja mais um defeito do que uma virtude – que favorece e aceita este caminho a partir da missão – esta sim, uma grande virtude – de gerar conhecimentos novos. Algumas carreiras universitárias – tomemos como exemplo a Engenharia, a Medicina, a Arquitetura ou o Direito – propõem que seus egressos estejam capacitados para resolver problemas práticos: construir pontes, curar, edificar ou julgar. Lançam ao mercado profissionais liberais. Outras se instalam em algum campo de interesse que requeira dos pesquisadores a resolução de problemas com competência: é o caso de carreiras como “Gestão Ambiental”, “Turismo” ou “Engenharia Ambiental e Sanitária”. Finalmente, existem carreiras que levam consigo o nome de uma ciência plena,

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como História, Biologia, Matemática, Geografia ou Física. Como se pode observar, há distintos graus de influência do puro e do aplicado, em cada caso. Ainda que haja muitos engenheiros ou médicos, o que se pode afirmar é que são teóricos, na sua grande maioria. Quando concluem seu curso, dedicam-se à sua profissão e retomam, apenas circunstancialmente, as fontes puras do conhecimento para especializar-se, seja por meio de congressos, cursos ou outro tipo de atividade acadêmica. O mesmo ocorre com os graduados do segundo grupo. Esse não é o caso do grupo descrito no final. As possibilidades de fazer ciência pura são muito grandes, mais ainda se se trata de ciências “duras”, como a Matemática, a Lógica – as denominadas formais – e algumas empíricas, como a Física e a Química (Figura 12). Qualquer ciência pode projetar-se até a aplicação. Não há exceções. De fato, desde tempos imemoráveis, isto vem ocorrendo. Basta olhar para os sábios como Ptolomeo, Leonardo da Vinci ou Max Planck, passando de um a outro campo com a naturalidade de quem atravessa a sala para ir ao dormitório ou vice-versa. O advento da Revolução Industrial representou um novo desafio para a ciência, vinculando-a à obrigação de contribuir sem trégua para o progresso tecnológico. A universidade, ante a necessidade de ampliar sua oferta, começou a subdividir seus departamentos clássicos, o que alterou bastante a formação de seus alunos no uso da razão e da reflexão (de fato, a palavra teoria provém da ideia de contemplar, como é com Theo, Deus).

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Figura 12 - Relação entre as ciências e as profissões.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Surgiram múltiplos atalhos para se chegar, rapidamente, às soluções práticas para os problemas. Os inventores começaram a abrir seu caminho entre os descobridores. Os práticos entre os sábios. Antes de adentrarmos no núcleo deste capítulo, destinado a mostrar a Geografia como ciência aplicada e, particularmente, no campo da saúde, é oportuno recordar: para que a ciência aplicada exista, é necessário que a ciência pura lhe aporte conteúdos.

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4.1 História da Geografia Aplicada

O conhecimento geográfico surgiu – sem dúvida – antes das cidades, antes da escrita, antes do fogo. E, seguramente, foi assim porque os homens primitivos necessitaram resolver problemas práticos, como a possibilidade de se deslocar para a busca de ambientes propícios para viver. Era preciso encontrar um abrigo, próximo da água para beber, e da caça, assim como de plantas medicinais. A Geografia mais remota surgiu aplicada (e, não raras vezes, relacionada com problemas de saúde). Na Antiguidade – período em que seria mais adequado se falar da sabedoria do que da ciência – a Geografia foi tomando forma nas elites da classe sacerdotal. Também aqui a inspirava uma razão prática: conhecer o céu para conhecer os itinerários na terra, saber acerca dos rios para aproveitar-se da capacidade fertilizadora de seus sedimentos. Quando Estrabão começou a escrever sua Geografia, que alcançaria os 17 tomos, disse, a modo de introdução: “[…] é absolutamente necessário que esta obra esteja adaptada ao homem de estado e seja igualmente útil ao público” (GRANERO; ROIG, 1980, p. 25) Em síntese, havia uma finalidade prática, aplicada à política. O Barão Alexander von Humboldt, no princípio do século XIX, também encontraria importantes aplicações àqueles fenômenos da natureza, estudados em suas viagens pela América Equinocial. Segundo ele, “o homem não tem ação sobre a natureza nem pode apropriar-se de nenhuma de suas forças – dirá – contanto que aprenda a medi-las com precisão, a conhecer as

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leis do mundo físico” (HUMBOLDT, 1843/1944, p. 46). Também entre os românticos, havia um fim último consistente em dominar, usar as forças naturais. Este relato pode tornar-se muito extenso, se recorrermos à história do pensamento geográfico. Por isso, passemos a analisar o momento em que esta denominação, a Geografia Aplicada, alcançou a institucionalização. Isto ocorreu pouco depois da crise de 1929, no período entre-guerras, quando a Grã-Bretanha realizou um trabalho muito precioso sobre avaliação dos recursos. Dudley Stamp, organizador do que seria o registro da utilização da terra, valeu-se, para executá-lo, de jovens estudantes de nível médio em um trabalho de serviço voluntário. “Eu fiz – diz ele – com a ideia de encontrar exatamente qual uso se lhe dava a cada hectare da Inglaterra, Gales e Escócia” (STAMP, 1965, p. 40). O que primeiro se pode estranhar é que uma tarefa tão específica, como é o levantamento de usos do solo, fora sugerida por um professor de Geografia Social da Universidade de Londres. O segundo é observar como esta tarefa pioneira foi inspiradora do planejamento como tarefa própria dos geógrafos. Tempos depois, com o fim da guerra, o mundo – e primeiro, naturalmente, os Países Aliados – enfrentou o grande desafio da reconstrução de cidades, rodovias, aeroportos e represas devastados pelos bombardeios. Os gastos em armamento e manutenção de tropas haviam diminuído, e, por isso, era necessário mobilizar os capitais ociosos. Arquitetos, engenheiros, urbanistas e estes novos geógrafos tinham compromissos práticos, como o planejamento

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territorial, levando-se em conta os meios existentes para se alcançar os objetivos. Isso ocorria no mundo capitalista, onde os geógrafos aplicados começaram a participar de consultorias e licitações de serviços. Paralelamente, os países socialistas, sujeitos à órbita do que fora a União Soviética, envolveram-se com as mesmas necessidades. Para isso, recorreram a estratégias promovidas pelo Estado, constituído em agente promotor e executor de planos e programas. Os geógrafos de esquerda não quiseram chamar esta forma de trabalho de “Geografia Aplicada”, ainda que se tenham desenvolvido escolas muito valiosas na Polônia, Checoslováquia, yugoslávia e Hungria. Pierre George contornou esta polêmica, sugerindo a “Geografia Ativa” como alternativa conceitual. Caberia perguntar por que a chamou assim. A resposta está relacionada com sua posição política, o que gerou um tabu que foi compartilhado por grande parte dos geógrafos críticos daquela época, não partidários da profissão liberal. Em seu livro, relembra alguns antecedentes obscuros da Geografia Aplicada, como é a Geografia Colonial (destinada a proporcionar os dados comerciais para a exploração das terras colonizadas) ou a Geopolítica (dedicada a justificar reivindicações territoriais). Desse modo, Pierre George propõe a substituição da palavra:

[...] o objeto da Geografia ativa consiste em perceber as tendências e as perspectivas de evolução a curto prazo, medir em intensidade e em projeção as relações entre as tendências de desenvolvimento e seus antagonistas, definir e avaliar a eficiência dos freios e dos obstáculos. É através destes aspectos

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que a Geografia pode dirigir-se à aplicação. (GEORGE, 1980, p. 35).

Os geógrafos quantitativos, da década de 1960, prolongaram o bom momento pelo qual a Geografia aplicada estava passando. Fazia-se cada vez mais necessário basear os argumentos emitidos pelas consultorias geográficas em números e modelos para “impressionar” o cliente. O instrumentalismo, a essas horas, já tinha eliminado a ciência. Esta concepção utilitária pôde conceber-se como um processo de apropriação da realidade, por parte da ciência, como se vê na Figura 13.

Figura 13 - Instrumentalismo como processo.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

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Em primeiro lugar, o pesquisador trata de reduzir a realidade a elementos que lhe permitam operar. Para isso, ele haverá de modelá-la, simplificando-a. Por um procedimento heurístico – a analogia –, usará o modelo como uma ferramenta de prova, permitindo um trabalho mais eficiente. Os passos seguintes são como um ato de magia: primeiro, trata-se o modelo como se fora a realidade e de imediato se transformam os papéis no sentido inverso. Assim, chegamos ao último nível operativo, o que provoca a mudança na realidade.

4.2 A Geografia Aplicada no campo da saúde

Este processo de instrumentalização potencializou ainda mais o campo da Geografia Aplicada. Os desafios, além do planejamento territorial, foram muito diversos. Os geógrafos opinaram sobre a oportunidade e o itinerário das linhas de alta tensão, a distribuição e o ritmo dos semáforos, a prevenção de crimes nas zonas críticas da cidade, e muitas outras coisas. Um dos campos de aplicação foi a saúde, âmbito que, curiosamente, transcende a esse processo iniciado no começo do século XX, remonta-se, como já vimos no capítulo 2. O que ocorreu para que a velha Geografia Médica se transformasse em Geografia da Saúde, adquirindo, assim, um status especial no firmamento da moderna Geografia Aplicada? Trataremos de olhar para a Geografia da Saúde como um campo de aplicações em crescimento. Seguramente, o paulatino aumento de trabalhos sobre o assunto se deve a maior

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consciência da gravidade das questões que esperam solução na intersecção de três conjuntos básicos: espaço, saúde e sociedade. Utilizemos a metáfora do campo de aterrissagem para entender melhor essa questão. Quando o piloto enfrenta a pista, há uma dupla preocupação em sua mente: deve conhecer suas características – dimensões, condições de manobra, dados recebidos da torre –, mas somente à medida que essas características o auxiliem na tarefa principal, que acontece o procedimento de pouso. Ademais, tem que atender a outra questão, o contexto, quer dizer, o processo por meio do qual um avião pousa na terra. Nesse plano, aparecem o universo das companhias aéreas, dos serviços de manutenção, dos controladores de voo, luzes e sinalizações, equipamentos, sensores… em uma só frase, tudo aquilo que responde à necessidade primordial que é o transporte aéreo de passageiros e cargas. O campo da Geografia da Saúde se desenvolve entre duas “preocupações”: a episteme, que é em essência o lugar a partir do qual se observa um produto; e o método, que prefigura o caminho para alcançá-lo. Mas ambas não teriam sentido se faltasse o contexto operacional que justifica a ciência em ação. Tanto o produto como o procedimento faz parte de um sistema de ideias em evolução. Para compreender o campo da Geografia da Saúde, é necessário rever este processo que se sucede a partir de vários marcos teóricos, alguns complementares, outros contraditórios, que se definem na trama complexa de associações entre médicos e geógrafos. A velha nosologia, envolvida na relação entre patologias e território, respondia a um

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paradigma que começou a falhar, isto é, a não dar respostas, a não resolver os problemas. Um novo modelo começou a substituir o antigo. A Geografia da Saúde (ou melhor, “para” a saúde, como se a definiu no X Encontro de Geógrafos de América Latina, reunidos em São Paulo, em 2005) não só está dotada de novos instrumentos, mas também consiste de uma forma integral de captar os sistemas sanitários espacializados. Foi Gerald Pyle o primeiro a enfatizar que esse campo responde à Geografia Aplicada, aquele que havia iniciado Dudley Stamp no pós-guerra. Sua preocupação também é a análise espacial, neste caso, orientada a resolver problemas da saúde humana. Segundo ele,

[...] enquanto haja variações geográficas no tempo e no espaço, sejam relacionadas a ambientes naturais ou artificiais, há uma necessidade definida pelas aplicações geográficas. (PylE, 1979, p. 9).

Pouco depois, autores como Torsten Hägerstrand, Andrew Cliff e Peter Haggett incorporaram a análise da saúde na vertente quantitativa (HäGERSTRAND, 1968; CLIFF y HAGGETT, 1989), tendo em vista o tratamento dos problemas demográficos e epidemiológicos. Por último, a Geografia Crítica imprimiu o conteúdo social que se tornava imprescindível para compreendê-la como resultado das desigualdades mais aberrantes. Todos os trabalhos atuais levam isso em conta. Com o fim do século XX, termina-se de produzir a “aterrissagem” da Geografia da Saúde, num campo que contém – tanto em episteme como em método e contexto – uma síntese da evolução. As alternativas de desenvolvimento da Geografia Aplicada na saúde ocorreram como no

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comando de avião. Investigar é um exercício do qual a ciência se vale para conectar interrogações com hipóteses, e a estas com respostas, mais ou menos sólidas, na medida em que podem confrontar-se com a realidade. Nesse processo, o pesquisador segue um caminho que lhe permite avançar, em passos sucessivos, desde as afirmações hesitantes até os argumentos mais consistentes. Na Geografia da Saúde, estas alternativas evoluíram desde um modelo descritivo, baseado na observação meticulosa, até os que Almeida–Filho chama de “paradigmas da investigação epidemiológica” (ALMEIDA, 2000, p. 222). Outro modelo histórico é o da causalidade linear, na qual cada efeito se remete aos motivos que os dão origem. Os dois seguintes respondem à problemática atual: um modelo multicausal, no qual os riscos são diferentes para cada caso, e um fractal – instável e caótico –, que depende da complexidade de redes que evoluem com indeterminação pela influência de fatores sensíveis (Figura 14). Cada vez o trabalho voluntário dos pesquisadores do campo da Geografia da Saúde, para transformar a realidade, é mais complexo. Já não se trata somente de explicar causas múltiplas que vão definindo as características dos fenômenos. Os problemas do presente requerem que se detectem focos de atração e rejeição que ativam um verdadeiro tráfico de influências, reais e virtuais, no espaço. É a partir deste marco de referência que se move a Geografia da Saúde como Geografia Aplicada.

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Figura 14 - Modelos epidemiológicos de Almeida-Filho.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

4.3 Classificação da Geografia da saúde

Quando Max Sorre falou, pela primeira vez, dos complexos patogênicos e as influências recíprocas entre o ambiente, os vetores e os enfermos, o homem era o centro de suas preocupações. Ele argumentou que estamos sob ataque já dentro do ambiente uterino; o ar que respiramos, os alimentos que ingerimos, tudo aquilo que entra em contato com nossa epiderme é veículo de gérmens invisíveis, sem falar dos inimigos perceptíveis aos nossos sentidos, que engatinham, andam ou voam (SORRE, 1947, p. 330).

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Contudo duas coisas ainda estavam para evoluir: a) o homem era uma entidade coletiva e não um integrante do tecido social; b) todos os fatores intervenientes – o ar, os alimentos, os gérmens, como ele disse – eram integrados a partir do ponto de vista de síntese do geógrafo. Hoje, os problemas médicos são apenas uma parte do enfoque da Geografia da Saúde, que abarca questões individuais e sociais; próprios dos lugares ou mesmo de grandes espaços continentais, articulados por complexos de base natural ou por instituições humanas. Essa evolução traz consigo novas formas de classificação. A Geografia da Saúde adotava, assim, o instrumental e os métodos da Geografia Aplicada. Também incorporava uma visão interdisciplinar mais ampla. A clássica tinha relações com a Biologia e a Medicina e trabalhava, predominantemente, com base no perfil da Geografia Física. A nova – a Geografia Aplicada – compartilha o arco das ciências aplicadas e suas tecnologias vinculadas. Rais Akhtar produziu uma classificação interessante, cujos delineamentos principais, reproduzimos na figura 15. Nela, mostram-se as distintas formas de aplicação que surgem desde as relações iniciais com a ecologia e chegam ao período tecnológico informacional. A tradicional Geografia Médica Ecológica tinha vínculos com as ciências biomédicas e com a parasitologia, associando-se com a cartografia, toda vez que, por meio dos mapas e sua interpretação, os especialistas pudessem alcançar sua melhor forma de expressão. No enfoque tradicional, foi a estatística médica a vedete que possibilitava estudar as distintas formas de associação espacial e a integração em complexos. Os modelos mais

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utilizados foram os que representavam os ecossistemas, os processos de difusão e os problemas sociais regionais.

Figura 15 - Geografia da Saúde enquanto Geografia Aplicada.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

A nova Geografia da Saúde está associada com outros campos disciplinares, como são a Sociologia Médica, a Economia do Bem-estar, a Administração Social e o Planejamento dos serviços de saúde, e foca sua atenção no estudo da conduta. É necessário esclarecer que a classificação de Rais Akhtar é de 1991, e, por causa disso, não considera os avanços relacionados com a aplicação de Sistemas de Informação Geográfica e o uso específico de imagens obtidas por sensores remotos.

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4.4 Âmbitos de aplicação

Há duas grandes razões pelas quais se justifica a presença das teorias em uma ciência: a primeira é explicar melhor a realidade; a segunda, obter melhores diagnósticos e predições. A ciência aplicada se vale destas razões para afirmar-se na instabilidade do desconhecido. E na vontade do pesquisador de resolver problemas concretos. Para isso, serve-se de uma série de procedimentos metodológicos que estão presentes na heurística (intuição, experiência, abstração, determinação, análise, síntese, indução, dedução) e aplica a hermenêutica para alcançar a compreensão, a interpretação dos fatos. Dois grandes campos epistemológicos se cruzam neste recorte da Geografia da Saúde, que se ocupa de resolver os problemas espaciais que surgem no âmbito da saúde. Referimo-nos, obviamente, à Medicina e à Geografia (Figura 16). Tanto uma como a outra se colocam à disposição deste corpus de dois perfis, que se utilizam de diferentes enfoques. Na Medicina, as principais são a Epidemiologia e a Higiene, assim como são importantíssimas a Clínica e a Administração hospitalar. Na Geografia, são fundamentais a Geografia Histórica e a Regional, destacando-se, também, a Geografia urbana, a Rural, a da População, e a Social. É fundamental evidenciar um conceito: muitas vezes, pensa-se que os geógrafos da saúde são cientistas sociais que entendem de problemas estritamente humanos. Ainda que esta preocupação com os problemas humanos seja um problema central, seria uma grande surpresa se consultássemos a respeito deste assunto àqueles que praticam a disciplina. A maioria deles tem uma formação de origem na

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Geografia Física e se especializaram em questões práticas, como a análise de larvas em águas paradas, a busca de agentes patógenos no sangue por meio de um microscópio, o estudo de efeitos climáticos no ambiente, a detecção de fatores contaminantes no ar ou a análise de impactos.

Figura 16 - Campos epistemológicos da Geografia da Saúde.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Próximo desse campo comum encontram-se outros, como o da Biologia, da Química, da Geologia, da Ecologia, da Antropologia, da Sociologia, da Economia e das ciências da Administração. É evidente que a saúde e o espaço congregam especialidades a partir de todos os ângulos da ciência. A especificidade, em última instância, reside no problema que a aplicação está pedindo.

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Desse modo, encontramos-nos com problemas tão diversos como a pobreza, a transição epidemiológica, o contágio em fronteiras internacionais, a espacialização dos complexos patogênicos ou o funcionamento dos sistemas sanitários. O que torna estas questões próprias da Geografia da Saúde é a vinculação da saúde com a produção do espaço. Dessa forma, é importante destacar que este tipo de aplicação torna os geógrafos especialistas. Muitos anos dedicados a qualquer desses problemas terminam formando um profissional geógrafo em um especialista insubstituível.

4.5 recursos da Geografia da saúde

O tema dos recursos da Geografia da Saúde tem sido poucas vezes objeto de debate. Mais ainda se analisamos o contexto latino-americano. Os recursos destinados para este tipo de investigação são escassos e, não raro (temos que também reconhecer), não chegam a ser utilizados de forma completa. As aplicações levadas a cabo por profissionais geógrafos no campo da saúde não se têm desenvolvido senão recentemente, em países como Cuba, México, Brasil e Argentina. Nos últimos vinte anos, o crescimento foi muito rápido. Este grande avanço se deveu à realização de simpósios, cursos e congressos da especialidade nos quais houve oportunidade de troca de experiências. Isto não só permitiu o surgimento de fontes de financiamento, senão que favoreceu o aumento exponencial dos recursos humanos, formados nos níveis de graduação, pós-graduação e especialização.

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A necessidade de contar com recursos e apoio institucional, geralmente, é um problema para os geógrafos da saúde, por dois motivos: o primeiro é que a maioria dos problemas que se abordam está relacionada com a pobreza, o que não dá lugar a retribuições de nenhum tipo; o segundo, proximamente associado com o anterior, está ligado com a informação, visto que, como usualmente se diz, “a miséria não tem boa notícia”. A saúde, este estado de equilíbrio apontando o bem-estar, mostra, na prática, sua pior cara, aquela que a associa com a enfermidade, a fome e a morte. Como obter fundos para algo assim, se não é pelo temor da sociedade de perder esse equilíbrio? O exemplo da AIDS é interessante: ainda que seja verdadeiro que, desde os primeiros registros da enfermidade até o presente, tenham morrido quase 30 milhões de pessoas, igualmente é notável como diminuíram os índices de morbidade e mortalidade. Também foram mudando os espaços, com registros de prevalência e os grupos de risco. Contudo os interesses políticos marcaram, em cada década, a intencionalidade científica para resolver o problema. Em um trabalho publicado por Smallman-Raynor y Cliff, em 1990, analisa-se o peso das publicações dedicadas no Index Medicus a essa patologia, comparada à literatura relacionada à gripe, ao sarampo, à raiva e à poliomielite. A investigação considerou o quinquênio que vai de 1983 a 1987. Desde 1984, a quantidade de papers sobre AIDS se desprende das enfermidades restantes (concentradas no intervalo de 300 a 500 artigos), para crescer exponencialmente, multiplicando-se por 10. Pode observar-se, na figura 17, o quadro logarítmico

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e, à direita, o pico exponencial do caso AIDS na escala normal.

Figura 17 – AIDS e outras doenças transmissíveis.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Os autores atribuem o fenômeno ao que denominam “The AIDS Era” (1990, p. 167). No começo, houve medo, especialmente promovido pelas classes dominantes, que observavam que, desta vez, não eram os pobres os primeiros a cair. Mas passou essa etapa, e os principais grupos de risco começaram a descender o estrato social e a incluir as mulheres e crianças (hoje, a mortalidade na África Subsahariana representa mais de 70% do mundo inteiro). Novamente, estabilizou-se o pico de publicações da AIDS. Os fundos para a investigação, seja em Geografia, em Medicina ou em qualquer outro campo da ciência, são gerados a partir da sociedade e, mais particularmente,

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a partir de sua gestão. Também as equipes de investigação, como sugeria Lakatos (1978 apud JOHNSTON, 1986, p. 15), são sensíveis a essas formas de lobby, uma vez que, em última instância, dependem de subsídios ou de outras formas de financiamento que se definem por meio de políticas. Como mostra o exemplo, a política é de transcendental importância para o desenvolvimento das investigações na área de saúde e, particularmente, no campo da Geografia Aplicada da Saúde, principal fonte de administração de recursos para a investigação (não só falamos de política pública, mas também das que realizam as grandes empresas).

4.6 As técnicas e os modelos

O primeiro ponto a se esclarecer é que as técnicas são como as receitas de cozinha: estabelecem passos precisos, para que, quem as execute, tenha altas probabilidades de obter um tipo de resultado. Esta seguridade que oferecem as técnicas têm sua contrapartida: aplicá-las são uma forma de submissão. Não é preciso pensar; apenas aplicar a técnica. Busquemos um exemplo simples: para obter uma média aritmética, é necessário somar n dados e dividir esse resultado por n. Esta técnica nos permitiria somar os anos de sobrevida dos pacientes tratados com quimioterapia num sanatório oncológico, desde seu primeiro ingresso a consultórios externos até sua morte, dividindo-os pelo número de pacientes. O resultado é muito interessante, pois nos possibilita conhecer a expectativa de vida destes pacientes. A técnica,

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contudo, tem que se depurar: se os pacientes são estudados num lapso demasiado próximo do presente, quantos anos serão atribuídos aos que ainda estão vivos? Ademais, como saber se os que morreram foi pelo efeito da enfermidade de que se estavam tratando? Não é possível, por acaso, que algum dos pacientes já havia realizado tratamentos parecidos antes de ingressar nesse nosocômio? Como se vê, há muitas perguntas, que, à medida que se formulam, vão obrigando a técnica a adaptar-se. Se isto não ocorre, poderíamos chegar a absurdos, tais como obter a esperança de vida de todas as espécies de um bosque (incluindo as efêmeras mariposas, formigas, aves e mamíferos superiores, todos eles com expectativas muito diferentes). Neste caso, uma onça valeria igual a uma mosca (mas poderíamos registrar três ou quatro onças na floresta e mais de 10 milhões de moscas). O problema das técnicas é que entusiasmam o pesquisador, oferecendo-lhe resultados que, se não se planeja com cuidado, podem ser frágeis. Também é necessário deixar claro que nem todas as técnicas são tão elementares e rígidas como a do exemplo. Os geógrafos da saúde utilizam modelos como base para aplicar suas técnicas e logo ajustam seus resultados, usando de um recurso metodológico indispensável: a validação, que permite certificar a correção da técnica empregada depois de haver constatado sua concordância com a realidade. Dessa maneira, vão calibrando suas técnicas de trabalho para alcançar melhores resultados. A maioria das técnicas é analítica e, quase sempre, estão diretamente relacionadas com teorias que lhes dão sustentação. Entre elas,

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podemos encontrar as taxonomias, superposição de áreas, distribuição de resíduos numéricos, estudos gravitacionais, análise gráfica, busca a partir do vizinho mais próximo, conectividade de redes, análise matricial e fatorial, assim como uma gama de estratégias de entrevistas e de captação de dados qualitativos. Para tornar mais simples a realidade e poder manipulá-la, utilizam-se modelos. O mais familiar aos geógrafos é o icônico. Os mapas evoluíram na história ao ponto que hoje os modelos da cartografia já não são uma elaboração artesanal do pesquisador, mas a saída do computador por intermédio de um Sistema de Informação Geográfica. Uma das classificações de modelos mais conhecida pelos geógrafos é a de Chorley. Interessa-nos especialmente, por sua aplicabilidade em Geografia da Saúde, a que realiza tomando em conta tipo e forma de construção dos modelos. (HAGGETT; CHORLEy, 1971, p. 15-16) (Figura 18). Os modelos descritivos enunciam aspectos da realidade, agregando elementos de determinação. Fazer um modelo deste tipo seria descrever as características de um sistema de saúde, organizando os dados obtidos da administração oficial de saúde, hospitais, centros sanitários e consultórios. Outro nível é o dos taxonômicos, que implicam a tarefa descritiva da classificação. A classificação de triatomíneos, estudadas para conhecer sua incidência como insetos vetores da Doença de Chagas, é uma mostra deste caso. São modelos de desenho experimental aqueles que possibilitam planejar uma observação ou desenhar uma experiência.

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Figura 18 - Tipologia de modelos.

Fonte: GUIMARãES, R. B.; PICkENhAyN, J. A.; LIMA, S. do C., 2014.

Poderia tomar-se como referência um modelo que propicie planejar pesquisas de saúde em um módulo espacial (distrito, bairro, setor censitário etc.). O descritivo histórico recorre ao passado para seguir um tema até o presente. É o caso dos estudos de epidemias no espaço e tempo. Os modelos normativos são aqueles que permitem a predição, seguindo um caminho que vai desde o conhecido até o desconhecido. São normativos porque se guiam por uma pauta, norma ou lei que se detecta no que já ocorreu para olhar até o porvir, considerando que essa pauta se manterá vigente. As projeções de índices bioestatísticos até o futuro são exemplificações deste tipo (anos potenciais perdidos, esperança de vida, índices de mortalidade, morbidade etc.). Os modelos experimentais icônicos, como o mapa, são os que mantêm as proporções. Os

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analógicos – como comparar a rede de distribuição de vacinas com uma pirâmide ou uma cascata – estabelecem semelhanças entre o que desejamos estudar e outro objeto da realidade, mais acessível. Os modelos simbólicos determinísticos nos marcam o caminho exato a proceder, como no protocolo médico, para confirmar ou descartar uma enfermidade. Finalmente, os estocásticos (do grego, estocada) são como os golpes a escuras de um espadachim, tratando de alcançar o seu oponente que não pode ver. Espera-se que se lancem muitos golpes no ar, com a esperança que um acerte o alvo. Os modelos de Monte Carlo, baseados na repetição de números aleatórios gerados por computador, podem ilustrar este caso.

4.7 O trabalho do geógrafo e sua relação com outros profissionais

A era de aplicação das ciências terminou com o tempo da luta entre especialistas, quando cada um defendia seu campo de ação como se fosse uma parcela própria, inviolável. Já não são épocas propícias para debates como os que protagonizaram, no princípio do século XX, Ratzel e Durkheim, ambos em disputa pelo campo do que o geógrafo chamava Geografia Humana, e o sociólogo, Morfologia Social. Um defensor dos geógrafos opinava: “[…] o interesse dos sociólogos pela antropogeografia não é passivo. Isto os leva à submissão, senão à reação”. (FEBVRE, 1955, p. 23). O panorama atual é muito diferente. Os pesquisadores não se associam mais apenas pelo

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fato de pertencer a uma mesma disciplina. Muito pelo contrário: é o problema o que os convoca. Se há muitas especialidades, melhor. A prática demonstrou, ao longo dos anos, que a “sociedade” entre médicos é muito boa e frutífera. Faz tempo que Dudley Stamp10 expressou, ante um fórum de geógrafos ingleses, que a chamada Geografia Médica poderia tratar-se em quatro níveis – o mundial, o nacional, o regional e o local –, dando exemplos de profissionais para cada um deles (BROWN, 1985, p. 131). Poderia esperar-se que Stamp, falando ante geógrafos, não buscasse exemplos fora de sua profissão. Contudo não foi assim: no primeiro nível, citou os trabalhos realizados em equipe com financiamento da American Geographical Society dirigidos por Jacques May (um médico francês, radicado nos Estados Unidos); no nível nacional, destacou o trabalho do geógrafo A. T. H. Learmoth, na Índia e Paquistão. No nível nacional, Stamp se referiu a seus próprios trabalhos sobre as regiões saudáveis e insalubres da Birmânia. Por último, deu como exemplo local o conhecido caso do Dr. John Snow, médico, e seu estudo da epidemia de cólera em 1854, quando descobriu que os enfermos do bairro del Soho (Londres) eram, predominantemente, aqueles que era habitual utilizar a água da bomba localizada em Broad Street. Como se pode ver, a integração de médicos e geógrafos os leva a um plano no qual praticamente se confundem. Também é valiosa a integração de especialistas de outras profissões. A investigação em Geografia da Saúde é o resultado da aplicação dos científicos a problemas concretos, algumas vezes mais relacionados com o homem,

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outras, com o ambiente. Em geral, as profissões tradicionais ficam para trás, junto com os estatutos epistemológicos que lhes deram sua estrutura e densidade acadêmica. Quando um problema é importante, tem a possibilidade de convocar pesquisadores de distintas especialidades que, à medida que se incorporam, deixam de ser aqueles estritos “representantes” de uma ou outra disciplina para criar um campo transdisciplinar, algo assim como uma nova especialidade que já não responde a velhas disciplinas, senão que conforma um estatuto epistemológico independente. Mediante o exposto, conclui-se que não há barreiras epistemológicas capazes de isolar um campo tão importante como é o da Geografia da Saúde. Tampouco há fronteiras. À medida que se levantam estes bastiães mesquinhos, é a ciência a que ganha, porque amplia seus limites. A realização de trabalhos em equipe aumenta as possibilidades de obter recursos financeiros, acesso ao instrumental e insumos e, o que é, todavia, mais importante, de ampliar o aporte de pesquisadores, oriundos de distintas vertentes do conhecimento. Esta é a tendência que faz crescer a pesquisa aplicada de hoje. Acabaram-se os cérebros isolados capazes de “pensar por todos os demais”. O imperativo do presente nos ensina: “pensemos todos”. Isto só favorece o debate enriquecedor porque contém o gérmen do vínculo, da associação criativa. É a melhor maneira de crescer sem barreiras que frustrem as iniciativas: uma geografia sem fronteiras!

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Notas:

¹ Si nemo a me quaerat, scio, si quaereti explicare velim, nescio.

² Referimos-nos à versão oficial de 1946, “é o completo estado de bem-estar físico, mental e social e não somente à ausência de agravos ou enfermidades”.

³ O termo foi divulgado por Ernst Haeckel (1834–1919) quando tinha 35 anos de idade.4 Ludvig von Bertalanffy afirma que a entropia, que os físicos aplicam aos sistemas fechados, também pode aplicar-se naqueles que, como o sistema de saúde, são semiabertos. Quando a energia e a matéria ingressam no sistema o fazem de forma desordenada, que são processadas por este para alcançar um estado de equilíbrio. Quando o equilíbrio é alcançado, a finalidade interna se cumpre e o sistema expulsa o produto através das saídas. Imaginemos que organizamos um sistema para classificar maçãs em grandes e pequenas. Ingressam desordenadas, mas um enigma que se coloca na esteira de produção deixa cair as pequenas em uma bolsa e transporta as maiores (que não passam pela grade) em um recipiente posterior. A finalidade foi alcançada. Já não haverá maçãs, porque estão ordenadas cada uma em sua bolsa. Aqui, termina a missão do sistema.5 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. The History of Malaria, an Ancient Disease. Disponível em: <http://www.cdc.gov/malaria/about/history/>. Acesso em: 23 abr. 2012.6 Esta expressão foi empregada pelo Prof. Luiz Pereira na qualidade de membro da comissão examinadora da tese defendida em agosto de 1976, por Maria Cecília Ferro Donnangelo, junto ao Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.7 Referimo-nos às seguintes obras: 1. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1978; 2. Economia espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Hucitec, 1979; 3. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F Alves, 1979; 4. Pobreza urbana. São Paulo: Hucitec, 1979; Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1982. 8 No que se refere ao aprofundamento teórico sobre a natureza da acumulação do capital nos serviços de saúde e da natureza do trabalho médico, Nogueira (1979) e Gonçalves (1979) fornecem um roteiro interessante de análise e leitura dos fenômenos.

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9 A citação pertence aos Prolegómenos da “Geografía” (1.I.22) de Estrabón de Amasea, escrita no Século I depois de Cristo. 10 Uma curiosidade: além de institucionalizador da Geografia Aplicada Contemporânea, ele também foi especialista em Geografia da Saúde.

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SOBrE OS aUtOrES

RAUL BORGES GUIMARãES. Professor e Geógrafo formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desenvolveu as pesquisas de mestrado e doutorado em Geografia da Saúde na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP desde 1990, teve a oportunidade de aprofundar os estudos de política de saúde no pós-doutoramento no Centro de Pesquisas de Planejamento Urbano e Cidades Saudáveis da University of West of England (Bristol, Reino Unido). Criou o Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde no campus da UNESP de Presidente Prudente para o desenvolvimento de estudos de saúde ambiental e desenvolvimento regional. Defendeu sua tese de Livre docência em 2008, quando realizou um programa de pós-doutoramento no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.

JORGE AMANCIO PICKENHAYN. Professor titular da Universidad Nacional de San Juan (Argentina), obteve o título de professor e doutor em Geografia na Universidad de Buenos Aires, instituição que também atuou como docente. Desde 2000 é membro da Academia Nacional de Geografia da Argentina. Dirige o Programa de Geografia Médica de San Juan, onde realiza projetos plurianuais de graduação. Obteve vários prêmios de mérito científico, dentre eles, destacam-se os obtidos pela Sociedad Argentina de Estudios Geográficos (a primeira vez pelo seu livro “Nueva didáctica de

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la geografía” e, a segunda vez, pela organização e autoria de vários capítulos da obra “Implicancias espaciales de las patologías del aislamiento”. No Brasil, recebeu o Prêmio Josué de Castro da Comissão Científica do III Simpósio Nacional de Geografia da Saúde pela relevante contribuição para o desenvolvimento deste novo campo do conhecimento científico no Brasil.

SAMUEL DO CARMO LIMA. Geógrafo formado pela Universidade Federal Fluminense, desenvolveu o mestrado em Geociências pela mesma instituição e o doutorado em Geografia Física pela USP. Foi professor da Universidade Estadual de Londrina e é professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia desde 1986, onde realizou relevantes atividades acadêmicas: foi editor e fundador das revistas “Sociedade e Natureza”, “Caminhos da Geografia” e “Hygeia – Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde”; coordenou o curso de graduação e de pós-graduação em Geografia, foi diretor da instituição e um dos propositores do inovador curso de gestão em saúde ambiental. Ao criar o Laboratório de Geografia Médica e Vigilância Ambiental em Saúde da UFU, aglutinou ao seu redor inúmeras pesquisas a respeito da saúde, ambiente e promoção da saúde. Com bolsa do CNPq, realizou programa de pós-doutoramento na UNESP de Presidente Prudente.

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Obra preparada pela Assis Editora Ltda. (34) 3222-6033 (MG)

Impresso (RS) CNPJ: 95.602.942/0016-32em 6 de novembro de 2014.Tiragem: 500 exemplares

Formato: 14x21cm. Capa 4x0, cartão 300g/m² verniz UV (high Gloss), com orelhas. Miolo off set 90 g/m² 1x1 cor. Lombada quadrada.

AE.2008-06.11.2014(73)-14-0048(N)

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