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Governar por meio da liberdade: Controle difuso e normalização das subjetividades na medida de...

Date post: 13-Nov-2023
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205 Introdução O objetivo deste artigo é descrever, analisar e discutir a forma específica de governo da delinquência juvenil 1 exercida pela medida de Liberdade Assistida. Entre as seis medidas socioeducativas que um juiz brasileiro pode aplicar a um adolescente entre os 12 e os 18 anos 2 que come- teu um ato infracional, a Liberdade Assistida (LA) representa a mais coercitiva em meio aberto 3 . Essa medida consiste em fazer com que o jovem seja acompanhado por um técnico, ge- ralmente formado em psicologia ou serviço social. O acom- panhamento se realiza através de atendimentos semanais ou bimensais no centro social mais próximo do lugar de mora- dia do jovem. A medida de LA dura, no mínimo, seis meses e não pode exceder três anos. A duração não é determinada no momento do julgamento; é o juiz, baseando-se nos relatórios periódicos elaborados pelos técnicos, que decide colocar um termo à medida, ou, pelo contrário, prorrogá-la 4 . Governar por meio da liberdade: Controle difuso e normalização das subjetividades na medida de liberdade assistida no Brasil Géraldine Bugnon Doutoranda das Universités de Genève et Lille 1 Recebido em: 13/10/2013 Aprovado em: 13/10/2013 O trabalho analisa as políticas voltadas à delinquência juvenil referentes ao programa brasileiro Liberdade Assistida, com foco nas práticas de regulamentação e sua implementação no cotidiano dos profissionais do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Na ausência de confinamento ou constrangimento físico, o principal instrumento do governo parece ser o discurso. As palavras dos profissionais são as verdadeiras ferramentas para disciplinar e controlar os jovens no programa Liberdade Assistida, que são, paradoxalmente, como sugere Nikolas Rose, “obrigados à liberdade”. Palavras-chave: sistema socioeducativo, liberdade assistida, regulação da delinquência juvenil, normalização, controle DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Edição Especial n o 1 - 2015 - pp. 205-234 The article Governing Through Freedom: Diffuse Control and Normalization of Subjectivity in Pro- bation Measures in Brazil analyses the government of juvenile delinquency specific to probation programs in Brazil. It focuses on the concrete features of regulation and its implementation on a daily basis by the profession- als in Rio de Janeiro and Belo Horizonte. In the absence of any wall or physical constraint, the main instrument of government appears to be the act of speaking. Words pronounced by the professionals are indeed tools to nor- malize and control the young offenders. Paradoxically, the young offenders in Assisted freedom program seem to be – as Nikolas Rose suggested – “obliged to be free”. Keywords: Juvenile justice system, assisted freedom, government of juvenile delinquency, normalization, control 1 Neste artigo, utilizamos “de- linquência juvenil” quando falamos do “problema social” que o Sistema de Justiça Juvenil tem como objetivo resolver e “jovem infrator” quando designamos os indi- víduos categorizados como alvos desse sistema. 2 Em alguns casos, uma medida pode ser prolonga- da além dos 18, mas nunca depois dos 21 anos. 3 As outras medidas são a advertência, a reparação de dano, a prestação de servi- ços à comunidade, a semili- berdade e a internação. As duas últimas pertencem à categoria de medidas “res- tritivas de liberdade”. 4 Ver Bugnon (2011).
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205

Introdução

O objetivo deste artigo é descrever, analisar e discutir a forma específica de governo da delinquência juvenil1 exercida pela medida de Liberdade Assistida. Entre

as seis medidas socioeducativas que um juiz brasileiro pode aplicar a um adolescente entre os 12 e os 18 anos2 que come-teu um ato infracional, a Liberdade Assistida (LA) representa a mais coercitiva em meio aberto3. Essa medida consiste em fazer com que o jovem seja acompanhado por um técnico, ge-ralmente formado em psicologia ou serviço social. O acom-panhamento se realiza através de atendimentos semanais ou bimensais no centro social mais próximo do lugar de mora-dia do jovem. A medida de LA dura, no mínimo, seis meses e não pode exceder três anos. A duração não é determinada no momento do julgamento; é o juiz, baseando-se nos relatórios periódicos elaborados pelos técnicos, que decide colocar um termo à medida, ou, pelo contrário, prorrogá-la4.

Governar por meio da liberdade: Controle difuso e normalização das subjetividades na medida de liberdade assistida no Brasil

Géraldine BugnonDoutoranda das Universités de Genève et Lille 1

Recebido em: 13/10/2013 Aprovado em: 13/10/2013

O trabalho analisa as políticas voltadas à delinquência juvenil referentes ao programa brasileiro Liberdade Assistida, com foco nas práticas de regulamentação e sua implementação no cotidiano dos profissionais do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Na ausência de confinamento ou constrangimento físico, o principal instrumento do governo parece ser o discurso. As palavras dos profissionais são as verdadeiras ferramentas para disciplinar e controlar os jovens no programa Liberdade Assistida, que são, paradoxalmente, como sugere Nikolas Rose, “obrigados à liberdade”. Palavras-chave: sistema socioeducativo, liberdade assistida, regulação da delinquência juvenil, normalização, controle

DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Edição Especial no 1 - 2015 - pp. 205-234

The article Governing Through Freedom: Diffuse Control and Normalization of Subjectivity in Pro-bation Measures in Brazil analyses the government of juvenile delinquency specific to probation programs in Brazil. It focuses on the concrete features of regulation and its implementation on a daily basis by the profession-als in Rio de Janeiro and Belo Horizonte. In the absence of any wall or physical constraint, the main instrument of government appears to be the act of speaking. Words pronounced by the professionals are indeed tools to nor-malize and control the young offenders. Paradoxically, the young offenders in Assisted freedom program seem to be – as Nikolas Rose suggested – “obliged to be free”.Keywords: Juvenile justice system, assisted freedom, government of juvenile delinquency, normalization, control

1 Neste artigo, utilizamos “de-linquência juvenil” quando falamos do “problema social” que o Sistema de Justiça Juvenil tem como objetivo resolver e “jovem infrator” quando designamos os indi-víduos categorizados como alvos desse sistema.

2 Em alguns casos, uma medida pode ser prolonga-da além dos 18, mas nunca depois dos 21 anos.

3 As outras medidas são a advertência, a reparação de dano, a prestação de servi-ços à comunidade, a semili-berdade e a internação. As duas últimas pertencem à categoria de medidas “res-tritivas de liberdade”.

4 Ver Bugnon (2011).

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O nosso propósito ancora-se em uma tradição de pes-quisa, clássica nas ciências sociais, que busca apreender “o que fazem as instituições”, seu modo de emergência, de legitima-ção e de exercício do poder no cotidiano (DARMON, 2010; DOUGLAS, 1999). A medida de Liberdade Assistida, como instituição do sistema socioeducativo, exerce do ponto de vis-ta macrossociológico uma função de regulação social, e mais especificamente de regulação da delinquência juvenil. Nesse âmbito, iremos indagar, neste artigo, as formas concretas que assume a regulação tal como é aplicada na medida de Liberda-de Assistida ou, em outras palavras, “o que faz a Liberdade As-sistida com os adolescentes que lhe estão submetidos”. Iremos nos inspirar em alguns trabalhos de obediência foucaultiana (LABORIER E LASCOUMES, 2005) a fim de revelar os instru-mentos, os procedimentos e as racionalidades próprias a essas formas de regulação. No entanto, estas análises tratarão exclusi-vamente dos mecanismos institucionais e de sua concretização pelos técnicos, e não dos efeitos produzidos nos adolescentes.

Nosso objeto de pesquisa, a medida de Liberdade Assisti-da, permite uma reflexão sociológica interessante sobre as for-mas atuais de respostas penais à delinquência juvenil. Os estu-dos recentes sobre as mutações dos sistemas de justiça juvenil dos diferentes países europeus (BAILLEAU, CARTUYVELS e DE FRAENE, 2009) apontam para uma repressão crescente dos jovens infratores, devida, principalmente, a uma trans-ferência de responsabilidades do Estado para o jovem e para a comunidade (justiça comunitária) e a uma preocupação maior pelas vítimas de infração. Ora, no Brasil, as tendências históricas são, à primeira vista, bastante diferentes: enquanto o encarceramento foi a norma até o final do século vinte, a legislação em vigor desde 1990 deu a prioridade às medidas em meio aberto. No entanto, algumas lógicas transnacionais operam em paralelo, tais como a “responsabilização” do jovem infrator, que provêm – de modo paradoxal – da retórica dos direitos da criança: como sujeito de direitos, o menor de idade torna-se também responsável pelos seus atos (BAILLEAU et alii, 2009). Baseando-nos em nossa investigação, tentaremos então situar a Liberdade Assistida no panorama atual das respostas à delinquência juvenil; o contexto da pesquisa, em contraste com a realidade europeia, permitirá ampliar e tornar mais complexas as análises até hoje produzidas sobre o tema.

207DILEMAS - Edição Especial no 1 - 2015 - pp. 205-234Géraldine Bugnon

Por outro lado, esta pesquisa irá permitir uma refle-xão mais geral sobre a questão do controle social, e mais especificamente sobre o controle penal exercido pelas instituições contemporâneas do Estado. Enquanto al-guns salientam uma criminalização da pobreza (WAC-QUANT, 2004) e o regresso de uma tendência de reforço dos dispositivos de segurança e repressão nas socieda-des ocidentais (GARLAND, 2001), outros descrevem a emergência de formas mais discretas mas não menos eficientes de governo das populações, que assentam seu poder na participação dos indivíduos nos dispositivos que os governam (ROSE, 1999). Iremos discutir alguns elementos dessas diferentes teorias tendo como base a nossa análise do dispositivo de Liberdade Assistida. Além disso, as instituições sofreram evoluções notáveis desde a “instituição social total” descrita por Goffman nos anos 1960. A literatura realça os fenômenos de frag-mentação e de hibridação (LAFORGUE, 2009), a natu-reza dinâmica e muitas vezes imprecisa das fronteiras institucionais (AEBY e BERTHOD, 2011), assim como as parcerias sempre mais numerosas entre a esfera pú-blica e a sociedade civil. A medida de Liberdade Assis-tida parece representar de vários modos a instituição contemporânea descrita pela literatura, pois é o fruto de uma hibridação entre a esfera social e a esfera pe-nal – pronunciada por um juiz, é executada nos cen-tros de assistência social. Ademais, não se encontra em um local físico determinado; pelo contrário, aplica-se por intermédio de uma rede de parceiros institucionais (varas da infância e juventude, centros de assistência social, escolas públicas etc.), o que contribui para o as-pecto mutável e impreciso das fronteiras institucionais. Por fim, a ausência de paredes para reter os adolescen-tes implica, inevitavelmente, que a medida de Liberdade Assistida se adapte e leve em consideração as lógicas ur-banas circundantes. Ora, as metrópoles brasileiras onde levamos a cabo a pesquisa caracterizam-se por uma taxa de criminalidade alta e uma segregação social e espacial muito acentuada. Interessa-nos indagar até que ponto a configuração institucional da medida de Liberdade As-sistida explica as formas de regulação observadas.

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Nossa abordagem considera os dados empíricos como ponto de partida5, e por essa mesma razão, não definimos conceitos a priori (tais como: controle, socialização, pro-teção, reinserção etc.) para designar os mecanismos que operam; partimos do postulado que esses mecanismos irão emergir a partir das análises empíricas. Na linha de pesqui-sas que buscam compreender as instituições “de baixo para cima” (BONNET, 2009; LIPSKY, 1980; WELLER, 1999), pensamos que somente uma análise fina das práticas nos permitirá ultrapassar – ou pelo menos precisar e tornar mais complexas – as categorias dicotômicas que estruturam o campo da justiça juvenil (punir ou educar, criança objeto de uma política paternalista ou criança sujeito de direitos, lógica social ou lógica penal etc.). Utilizaremos assim, de modo provisório, o conceito de “governo”, que possui para nós várias vantagens: essa noção implica uma dimensão de poder – neste caso, trata-se do poder do Estado – exerci-do sobre grupos ou indivíduos; por outro lado, abrange um conjunto de mecanismos e de práticas mais amplas e menos conotadas como negativas do que a noção de controle social, que remete diretamente à ideia de coerção, de repressão. En-fim, o conceito de governo, de inspiração foucaultiana, nos dá a possibilidade de pensar o poder em suas consequências tanto restritivas como habilitadoras.

Este artigo se divide em três partes distintas: em uma primeira fase, evocamos alguns elementos contextuais da história legal e institucional das medidas em meio aberto no Brasil, das configurações institucionais locais da Liber-dade Assistida nas duas metrópoles contempladas neste estudo (Rio de Janeiro e Belo Horizonte), e do trabalho concreto dos técnicos no dia a dia. Em seguida, desen-volvemos nossas análises em duas vertentes, que consti-tuem duas características salientes do governo dos jovens infratores em Liberdade Assistida: a primeira vertente diz respeito ao principal instrumento de regulação utilizado pelos técnicos: a palavra. A segunda vertente trata das es-tratégias dos técnicos para inserir os jovens na escola e no mercado de trabalho, outra dimensão importante da sua atividade. Na última parte, prolongamos a discussão sobre as formas de regulação exercida introduzindo dados sobre as percepções dos jovens interessados.

5 Fundamenta estas análi-ses um campo etnográfico de nove meses no Brasil, que nos permitiu coletar uma série de dados, múlti-plos e complementares: 115 entrevistas (com técnicos da medida de LA e diversos protagonistas da justiça ju-venil no Brasil, assim como com adolescentes em cum-primento de LA), 74 dossiês sóciojudiciais, assim como observações in situ (centros sociais, audiências na Vara da Infância e Juventude, reuniões de trabalho etc.).

209DILEMAS - Edição Especial no 1 - 2015 - pp. 205-234Géraldine Bugnon

‘Uma aposta na liberdade?’6: História e configurações institucionais locais da implementação da medida de Liberdade Assistida

A medida de LA deve se aplicar, no direito brasileiro, sempre que constitui “a medida mais adequada para acompanhar, aju-dar e orientar o adolescente” (art. 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente). A Liberdade Assistida consta entre as medidas em meio aberto, e deve ser aplicada pelo juiz prioritariamente em relação às medidas restritivas de liberdade em que prevalecem os princípios jurídicos de brevidade e excepcionalidade. A “res-socialização” é de fato um dos principais objetivos das medidas socioeducativas, desde a instauração do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Essa reforma legislativa, aclamada pelo Unicef, fez do Brasil o primeiro país da América Latina a adaptar sua legislação às normas internacionais de proteção dos direitos da criança (MARTIN-CHENUT, 2008). De fato, a grande maio-ria dos jovens (73,7%) sujeitos a medidas socioeducativas as cum-prem em meio aberto (MIRAGLIA, 2007), dentre os quais 49,2% se encontram em LA (os restantes 24,5% cumprem a “Prestação de Serviços à Comunidade”). A prioridade dada ao meio aberto distingue claramente o Brasil dos sistemas de justiça juvenil na Europa, caracterizados por uma criminalização crescente dos jo-vens infratores e por um fortalecimento das políticas penais de gestão da delinquência juvenil (BAILLEAU et alii, 2009).

A Política Nacional de Assistência Social, instaurada em 2004, determinou que as medidas socioeducativas em meio aberto seriam doravante executadas pelos Centros Municipais de Assistência Social (Creas). Esta escolha política revelou a vontade explícita de considerar esses adolescentes a partir de sua vulnerabilidade social e colocar, assim, em um segundo plano sua identidade de “infrator”. Essa decisão demorará, todavia, a concretizar-se: em 2007, somente 11,4% dos muni-cípios brasileiros possuíam um programa de medidas socioe-ducativas em meio aberto (MIRAGLIA, 2007). Nossa pesquisa de campo desdobrou-se em duas metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O dispositivo Liberdade Assistida é, em cada cidade, o resultado de uma história específica, que deu lugar a configurações institucionais diferenciadas. Descrever essa implementação distinta nos parece importante para com-preender as análises empíricas que se seguirão.

6 Essa expressão refere-se à frase seguinte, recorrente no parágrafo de conclusão dos relatórios escritos pe-los técnicos a respeito dos jovens que eles acompa-nham: “Estamos apostando que a medida possa trazer benefícios na vida deste adolescente.”

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A cidade do Rio de Janeiro faz parte das capitais “tar-dias” na implementação das medidas em meio aberto em nível municipal: a aplicação das medidas de Liberdade As-sistida e de Prestação de Serviços à Comunidade se tornou a missão dos Centros sociais municipais apenas em 2009, ano em que começamos o trabalho de campo. Portanto, nossos dados dizem respeito a uma política pública que se encontra em construção, cujas modalidades ainda estão em evolução e sujeitas a inúmeras interrogações. No Rio de Janeiro, os Creas estão relativamente isolados na execução das medidas em meio aberto; os técnicos constatam muitas vezes com amargura que o trabalho “em rede”, lema da política de Li-berdade Assistida, adquire na maioria dos casos um signifi-cado bastante unilateral. Os Creas tentam construir ligações com uma série de parceiros (escolas, programas profissio-nais) que, por outro lado, não se preocupam tanto com os desafios associados à execução da Liberdade Assistida.

A situação em Belo Horizonte contrasta bastante com a do Rio de Janeiro. A municipalidade de Belo Horizonte é de fato uma das cidades pioneiras na implementação das medidas em meio aberto em nível municipal (em 1997); é frequentemente citada como exemplo em nível nacional, e foi premiada pelo Unicef em 1999 devido à excelência de seu programa de Liberdade Assistida. A grande coerência conceitual e prática que fundamenta a execução das me-didas em meio aberto de Belo Horizonte explica em parte essa legitimidade: o serviço se inscreveu, desde o início, em uma tradição de intervenção social oriunda da psicanálise. Portanto, é uma política pública com grande legitimidade, fortemente institucionalizada e rotineira, que pudemos ob-servar durante a pesquisa.

Os técnicos trabalham em Centros Municipais de Assistência Social (Creas), distribuídos por todo o terri-tório do município. Esses centros oferecem programas de “proteção social especial” (que difere da proteção social básica), cujo público são indivíduos “em situação de risco pessoal” e “cujos direitos foram violados ou ameaçados”. A medida de Liberdade Assistida é assim uma missão dos Creas, tal como os programas de luta contra a exploração infantil ou de apoio às pessoas em idades vulneráveis. Os técnicos da Liberdade Assistida se dedicam em Belo Ho-

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rizonte à execução dessa medida, enquanto que no Rio executam também as medidas de Prestação de Serviços à Comunidade e assumem outras tarefas associadas às atribuições dos Creas. Em geral, um técnico acompanha cerca de vinte dossiês de jovens em LA. Seu cotidiano se divide em atividades heterogêneas: atendimentos aos jo-vens nos centros sociais municipais; reuniões semanais de supervisão com especialistas da psicanálise para dis-cutir os casos considerados mais difíceis (unicamente em Belo Horizonte); reuniões semanais com todos os técni-cos municipais sobre temáticas diversas – workshops de redação de relatório, debate sobre as relações entre os Creas e a escola pública, apresentação de novos textos ju-rídicos –, que contam muitas vezes com a presença de um convidado – promotor, professor de psicanálise (apenas em Belo Horizonte) –, reuniões mensais com a coordena-ção municipal das medidas em meio aberto e os represen-tantes da vara da infância e juventude para realizar um balanço dos dossiês entre o Creas e a vara (apenas no Rio de Janeiro). Os atendimentos são para os técnicos o cerne e a razão de ser da sua profissão, no entanto, representam uma escassa parte de seu tempo de trabalho. Isso se ex-plica pela quantidade de reuniões obrigatórias a que de-vem assistir durante a semana (principalmente em Belo Horizonte), pela série de tarefas anexas que os técnicos devem assegurar no Rio de Janeiro, mas também, e so-bretudo, pelo aspecto imprevisível da presença dos jovens nos atendimentos marcados. Além desse tempo dedicado a atendimentos e reuniões, os técnicos redigem relatórios para que o juiz tome conhecimento da evolução da me-dida – os “progressos” atingidos, a ausência do jovem no atendimento, a alteração da situação familiar etc. –, pas-sam tempo ao telefone com os jovens e os pais – tentan-do convencê-los a ir ao atendimento, conversando sobre um problema particular com os pais etc. –, como também com funcionários de vários serviços públicos (escolas, serviços de saúde mental, centros de proteção social bá-sica) e técnicos de cursos profissionalizantes. Raramente deixam os Creas e participam de reuniões nas escolas, na Vara da Infância e da Juventude, e, excepcionalmente, efetuam visitas domiciliares aos jovens atendidos.

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Se levarmos em consideração o que os técnicos dizem, é impossível categorizar suas práticas de acompanhamento dos jovens em Liberdade Assistida ou até isolar princípios gerais. De fato, durante as entrevistas, os técnicos disseram várias ve-zes que a intervenção é sempre individualizada, adaptada às necessidades e às capacidades de cada adolescente, seguindo a lógica de “case work” que se encontra hoje amplamente di-fundida no âmbito da assistência social. Se examinarmos as práticas dos técnicos, a heterogeneidade das formas de acom-panhamento, nas diferentes medidas de Liberdade Assistida, mas também numa mesma medida, temos de dar razão, à primeira vista, ao que eles nos dizem. O acompanhamento do jovem em Liberdade Assistida pode, efetivamente, levar ora a uma discussão com este sobre as vantagens da poupança, ora à colocação de emergência em um abrigo, ora a uma busca de vaga disponível em escolas públicas do bairro.

Contudo, uma compreensão sociológica do governo dos jovens em Liberdade Assistida necessita a identificação de princípios subjacentes às práticas de regulação exercidas pelos técnicos. Partindo de algumas características salientes dessas práticas cotidianamente de acompanhamento dos jovens em medida de Liberdade Assistida, iremos evidenciar os princi-pais mecanismos de regulação existentes, distinguindo os ob-jetivos (o que a prática tende a regular) e os meios utilizados pela instituição com essa finalidade. Evidentemente, tivemos que simplificar as práticas para esclarecer o nosso propósito; além disso, esta reflexão não tem como objetivo compreender os efeitos da regulação nos jovens, mas sim compreender os mecanismos institucionais implementados.

Governar pela palavra: da verbalização como instrumento de transformação à justificação como meio de controle

Os técnicos mobilizam um largo leque de esquemas explicativos para apreender as trajetórias e as situações dos jovens em Liberdade Assistida. No entanto, eles dispõem de meios relativamente restritos para intervir nos “problemas” detectados. Vamos evocar, nesta parte, a principal ferramen-ta de intervenção dos técnicos: a palavra. De fato, contraria-

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mente às instituições em meio fechado, que têm a capacidade de recriar as condições de uma vida coletiva entre paredes e, logo, de tentar “corrigir” no cotidiano o comportamento dos jovens detidos, o cerne da intervenção socioeducativa em Li-berdade Assistida se encontra fundamentado nas interações verbais semanais entre jovens e técnicos. Por essa razão, os técnicos consideram que o intercâmbio, a troca verbal com o jovem, é condição sine qua non para o acompanhamento em Liberdade Assistida. Desenvolvem, então, diferentes estraté-gias para “criar um vínculo” com os adolescentes e “fazê-los falar”, como menciona uma técnica:

Na verdade é o seguinte, nesse período onde o adolescente é... não tava respondendo às intervenções eu fui tentando, eu fui buscando caminhos, por exemplo, ele chegou muito tímido, falava muito pouco, aí eu comecei a pôr ele pra desenhar, pra ver se através do desenho se ele fala alguma coisa, eu fui bus-cando alternativas de construir um vínculo com esse menino … E foi muito interessante, entendeu, porque ele começou a verbalizar, ele começou a falar mais, ele começou a se expres-sar mais, começou a ficar mais à vontade. Então a partir desse momento que você cria esse vínculo o adolescente …, ele es-tabelece uma confiança com você, aí fica mais fácil de fazer as intervenções. (Paula)7

Estes propósitos ilustram bem o fato de que na con-cepção dos técnicos a capacidade do jovem em falar, se ex-pressar, verbalizar, constitui não só a prova da relação de confiança que se constrói, mas também a condição de possi-bilidade de intervenção.

A partir do momento em que o jovem aceita se ex-pressar nos atendimentos, o que ele diz se transforma num instrumento de trabalho precioso para os técnicos; estes mobilizam as informações, as emoções e as preocupações compartilhadas pelo jovem nos atendimentos para prosse-guir os objetivos fixados para sua intervenção. Uma técnica avalia, por exemplo, que um jovem deve mudar de escola, pois, segundo ela, ele tira proveito de seu papel como líder da gangue da escola e tem uma má influência sobre os outros alunos, todos mais jovens devido atraso escolar. No dia em que esse adolescente se queixou durante um atendimento

7 Todos os nomes são fictí-cios.

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de ser sempre injustamente acusado de cometer atos infra-cionais na escola, a técnica responde: “Olha, se a escola tá falando uma coisa que você não fez, [porque] você ainda quer continuar estudando na escola, vamos tentar construir uma outra escola.” (Paula). Aparece aqui claramente o jogo duplo da técnica, que não se deixou enganar sobre o envolvimento do jovem nos atos infracionais, mas que ouve sem questio-nar suas queixas e usa de uma retórica de justiça para con-vencê-lo de mudar de escola. A mesma técnica conta sobre outro jovem de 13 anos, que vive sozinho em um barraco, a quem ela tentou convencer a ir para um abrigo:

Eu fui intervindo, né, de acordo com a fala que ele tinha, ele chegava com queixa, ele chegava preocupado, falando que não tinha condições de se alimentar direito, não tava dormindo direi-to, não tava não sei o quê, aí eu comecei a intervir, e falei assim:” A gente tem que começar a pensar, é no seu futuro, não é na sua necessidade de agora, de hoje não, vão pensar no seu futuro, se você for pro abrigo, eles vão poder viabilizar pra você uma vaga na escola, num posto, aí você vai conseguir um emprego, aí você vai conseguir se estabilizar e se manter, e não vai passar por es-sas dificuldades que você ta passando. (Paula)

Portanto, a palavra é vista pelos técnicos como um ins-trumento destinado a “fazer pensar” o adolescente, a fazê--lo “tomar consciência” de certas realidades para que ele, baseando-se nessa nova maneira de pensar, transforme sua maneira de atuar. Cristina explica, por exemplo, a respeito de um jovem usuário de droga e envolvido com o tráfico:

O sofrimento do crime organizado, a gente começou a refletir nisso, que o crime organizado, né, ele é organizado mesmo, quando tem que matar eles não ficam sabendo, eles matam mesmo, existe uma traição muito grande. [Refletimos sobre] a própria sequela que a droga traz, né, pra ele. (Cristina)

Esse modo de intervenção junto aos jovens sujeitos à medida de Liberdade Assistida assenta in fine em um ideal de conversão identitária (DARMON, 2011), em que a toma-da de consciência provocada pela troca verbal aparece como uma condição de possibilidade de mudança. Essa tomada de

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consciência pode também ser provocada por um aconteci-mento externo aos atendimentos, como é o caso de Fabiano, que foi buscar, seguindo os conselhos de sua técnica, a car-teira de identidade – até os 15 anos seu único documento de identidade fora a certidão de nascimento. A técnica o con-venceu a regularizar sua situação, para que pudesse encon-trar um trabalho no mercado formal:

Isso faz com que ele repense, ele fala assim: “Agora eu tenho uma identidade, eu não posso ser qualquer um, eu não pos-so fazer qualquer coisa, eles pegaram todas as digitais dos meus dedos.” Isso dá um impacto pra ele dizendo assim, olha, que agora ele é o Fabiano, ele tá marcado, ele tá marcado enquanto cidadão, né, ele tem uma identidade agora, ele não é qualquer um. (Sofia)

Aqui, o elemento instigador é uma carteira de identida-de (não é um discurso). Encontramos, porém encontramos no discurso da técnica o papel central da verbalização, que possibilita a tomada de consciência de Fabiano. É interessante ressaltar também a defasagem entre a interpretação da técni-ca em termos de inclusão cidadã e o discurso de Fabiano, que se refere, principalmente, ao controle potencial que o controle que o detentor de uma carteira de identidade pode sofrer.

Essa maneira de conceber, tanto o papel da palavra quanto os mecanismos da ação, está diretamente ligada aos conheci-mentos profissionais oriundos da psicanálise predominantes em Belo Horizonte8. Os técnicos recorrem, nessa cidade, a vá-rias categorias nativas que encarnam o know-how descrito mais acima: a noção de gancho significa o ponto de engate (forne-cido pelo próprio jovem) a partir do qual poderão construir sua intervenção; o verbo vacilar se refere ao questionamento do jovem, motor da transformação; a reviravolta remete à con-versão total de identidade, ideal buscado pela intervenção dos técnicos. Além do know-how proveniente da psicanálise, tam-bém encontramos nesse universo relacional instaurado entre o jovem e o técnico o conceito de jovem-sujeito, que o técni-co incentiva a agir, estimulando sua reflexão. Esse conceito encontra-se hoje frequentemente nas novas políticas de gestão da delinquência juvenil, que se afastam dos antigos modelos paternalistas e veem o jovem infrator como um indivíduo res-

8 Vale ressaltar que no Rio de Janeiro os saberes psica-nalíticos não são ausentes das práticas profissionais – os técnicos formados em psicologia frequentemen-te recorrem a eles –, mas a política oficial não institui a psicanálise como base teórica.

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ponsável e sujeito de direitos. Em estudo realizado na França, Chantraine (2011) afirma que o “trabalho biográfico”, que con-siste em instaurar uma relação de confiança visando compre-ender a situação do jovem em suas múltiplas facetas – o delito sendo considerado somente como o sintoma de uma situação particular –, representa uma modalidade de intervenção típica das medidas em meio aberto.

Tal modo de regulação dos comportamentos desvian-tes, no entanto, depende em grande parte da participação dos jovens sujeitos à medida de Liberdade Assistida, como afirma esta técnica:

Eu acho que a liberdade assistida é só um instrumento, o resto, assim, o trabalho é do adolescente. Porque eu já dediquei, assim, a atender um adolescente durante um mês, todos os dias, e o adolescente ma-tou, depois morreu. Tentei sensibilizar de tudo quanto é forma, pega-va supervisão todo dia, atendia o menino todo dia… (…) e ele che-gou e falou assim: “Eu matei!” Aí eu falei: “Sai de lá que você vai morrer!” ele falou: “Eu morro lá!” E aí, ele morreu lá, porque é uma escolha do adolescente, é muito claro quando o adolescente escolhe a morte, (…) O do Fabiano é claro que ele tem uma sacada na vida dele, que ele fala assim: “Eu vou usar da Liberdade Assistida, pra eu conseguir sair.” Mas foi um movimento dele, ele usou o liberdade assistida, pra poder se movimentar, pra poder sair dessas práticas assim. (Sofia)

Esses propósitos remetem diretamente a uma categoria na-tiva central na política de Liberdade Assistida: a noção de ade-são. Um adolescente adere à sua medida se ele se compromete de modo proativo na realização dos objetivos de “ressocialização” pregados pela medida. Por isso, ir regularmente aos atendimen-tos não é em si uma prova de adesão, pois o jovem ainda tem que mostrar sua vontade de “ter uma vida melhor” e “responder” de maneira adequada às expectativas do técnico, aceitando as mo-dalidades da troca verbal. A noção de adesão está intrinsecamen-te ligada à noção de oportunidade, que faz também parte do voca-bulário cotidiano dos juízes e dos técnicos: a Liberdade Assistida é uma oportunidade que o jovem deve aproveitar, e somente os jovens que aderem à medida são capazes de fazê-lo. Nota-se aqui claramente uma transferência da responsabilidade da instituição (do Estado) para o jovem, que se torna o protagonista central de sua “ressocialização” (o discurso de Sofia o comprova).

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Logo, a palavra é mobilizada pelos técnicos como ferra-menta de transformação das subjetividades, através dos dife-rentes mecanismos acima citados, embora assuma também a forma de uma ferramenta de vigilância dos comportamentos do jovem (e de sua família). A questão do controle raramente é evocada de modo explícito pelos técnicos: as medidas so-cioeducativas, principalmente em meio aberto, são de fato sempre apresentadas como dispositivos que almejam a “auto-nomia”, a “cidadania” e a “responsabilização” dos jovens. Essa retórica tende a dissimular as práticas de controle que os téc-nicos consideram pouco legítimas. Contudo, essas práticas de vigilância são bem visíveis nos atos cotidianos dos técnicos9. Elas transparecem, em primeiro lugar, na constante demanda de justificações por parte do técnico ao jovem: se vai regular-mente à escola, e se não vai, por que razão? Se vai, onde está sua ficha de frequência escolar? Inscreveu-se no curso profis-sionalizante, como combinado? Então, Por que não trouxe o recibo da matrícula? É interessante constatar que a palavra do jovem, apesar de central nas tomadas de consciência descritas mais acima, não pesa muito quando ele tem de justificar suas ações concretas. Todo procedimento administrativo (matrí-cula na escola, solicitação de carteira de identidade etc.) deve ser provado pelo jovem, que deve apresentar um documen-to oficial ao técnico. A concepção holística da intervenção compartilhada pelos técnicos (BUGNON, 2011) os faz exigir explicações sobre todas as esferas da vida social e íntima do jovem (amizades, família, sexualidade etc.). Nesse sentido, um técnico conta:

Às vezes ele chega todo machucado. Eu falo: o que foi isso aí? Ah, é que eu caí, tava andando de bicicleta, andando de moto. Aí no fundo eu pergunto à mãe, depois a mãe fala: “Não, isso é confusão dele lá com os caras lá de cima, os caras tão pegando ele porque ele é de outra facção.” (Pedro)

Em outro caso, um adolescente chega com uma ferida nos lábios e a técnica lhe pergunta o que houve. Ele responde que uma garota o mordeu quando se beijavam. No próximo atendimento, a técnica volta com mais perguntas sobre essa garota, querendo saber se é namorada oficial ou “ficante”. Às vezes, a exigência de justificações chega até os membros da

9 Vale lembrar que em uma perspectiva sociológica mais abrangente sobre a socia-lização (DARMON, 2006), o controle é uma das dimen-sões centrais do processo de socialização.

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família do jovem: aproveitando a presença da mãe de um dos jovens durante um atendimento, a técnica tenta com-preender por que a família vive de aluguel. A mãe responde que já receberam duas vezes propostas de ajuda para aqui-sição da casa própria, mas que recusou porque a moradia se encontrava numa zona distante do centro da cidade. As anotações da técnica no dossiê após esse atendimento evi-denciam claramente que ela desaprova a escolha da mãe. As conversas entre jovens e técnicos durante os atendimentos funcionam então como um dispositivo de monitoramento dos comportamentos do jovem (e de sua família). Nos dos-siês dos jovens, que integram as anotações de trabalho dos técnicos e os relatórios enviados aos juízes, as expressões “justificou-se”, “esclareceu-se” aparecem com muita frequ-ência. Se o técnico não consegue observar o comportamen-to do jovem no dia a dia, pode cruzar várias fontes de in-formação para detectar eventuais mentiras ou informações omitidas pelo jovem. Por exemplo, a técnica de Joana sabe por outra jovem que acompanha em LA que Joana foi indis-ciplinada e grosseira no dia de seleção do programa Jovem Aprendiz. Quando a técnica vê Joana, pede-lhe explicações sobre sua atitude inadequada.

A palavra dos técnicos é também um instrumento de ameaça ou de advertência. Essa função é obviamente ainda menos legítima, do ponto de vista da instituição, que os me-canismos de monitoramento já mencionados. Os jovens são ameaçados por meio de um relatório que informa o juiz em caso de descumprimento da medida. Os jovens são amea-çados com uma medida mais severa (semiliberdade ou in-ternação) eventual se não cumprirem de modo correto sua Liberdade Assistida, ou se cometerem novos atos infracio-nais. De modo ainda mais drástico, os jovens quase maiores de idade são lembrados que irão acabar na cela superlotada e insalubre de uma cadeia para maiores de idade se con-tinuarem envolvidos com o crime; às vezes, o risco de ser morto pelas balas da polícia ou de uma facção inimiga é evo-cado. Essas ameaças são geralmente apresentadas ao jovem sob a forma de avisos benevolentes. O objetivo é mostrar ao jovem que não é o técnico que irá adotar uma atitude repres-siva em relação a ele, mas que serão suas próprias ações que o levarão a um impasse. Nesse sentido, quando um jovem

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falta muito aos atendimentos, o técnico menciona que “vai ser obrigado a enviar um relatório de descumprimento se ele não colaborar mais”. Contudo, os técnicos possuem uma margem de manobra considerável na gestão das informa-ções que comunicam aos juízes, tanto no conteúdo como nos prazos impostos (alguns esperam vários meses – em vez de um mês, como está indicado nas diretrizes – para comu-nicar o descumprimento ao juiz).

De fato, os jovens que não cumprem sua medida de Li-berdade Assistida – porque não vão aos atendimentos e/ou porque recusam responder às expectativas do técnico – cor-rem poucos riscos de sanção direta pela justiça. Apesar de o juiz poder, em teoria, pronunciar um mandado de busca e apreensão do jovem que se recusa a cumprir sua medida em meio aberto, é raro que tome uma decisão tão drástica, pois para isso teria que mobilizar a polícia para forçar o jovem a comparecer perante a justiça. Em Belo Horizonte, os juízes convocam os jovens recalcitrantes a uma “audiência de jus-tificação” para que eles expliquem porque não cumprem sua medida em meio aberto. A presença do jovem na audiência depende, no entanto, de sua vontade em colaborar com a justiça. Durante essas audiências, o juiz escuta as explica-ções do jovem, tenta resolver o problema, se for possível – por exemplo, transferindo-o para outro centro social de re-ferência, se esse for demasiado afastado de sua moradia –, e avisa o jovem das consequências possíveis caso ele se recuse a colaborar. A sanção mais repressiva que pode ser dirigida contra um jovem que não cumpre sua medida de Liberdade Assistida é a internação-sanção, ou seja, um período de três meses em um centro de internação. Essa medida só é toma-da em casos extremamente graves (reincidências múltiplas, atos infracionais cada vez mais graves etc.). Com exceção desses casos, relativamente raros, as consequências penais do descumprimento de uma medida de LA são na maioria das vezes indiretas. Por exemplo, em caso de reincidência, se o juiz tem o sentimento de que o jovem não “levou a sé-rio” a medida anterior de Liberdade Assistida, aplicará uma medida mais repressiva (semiliberdade ou internação). É frequente, nesse tipo de situação, que o juiz diga ao jovem: “A gente te deu uma oportunidade, mas você não quis.” Cons-tatamos mais uma vez a centralidade da palavra e a respon-

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sabilidade que recai no jovem sujeito à medida de Liberdade Assistida: mesmo perante o juiz, a capacidade de justificar seus atos com palavras continua sendo uma competência exi-gida ao jovem, assim como um recurso importante para ele.

Resumindo, a palavra é, como vimos, um instrumento central no governo dos jovens infratores exercido pela me-dida de Liberdade Assistida. Existe claramente uma tensão entre dois polos quando tentamos apreender o modo de ope-rar dessa palavra, como instrumento de regulação: de um lado, um polo que almeja a transformação das subjetivida-des e se assenta em uma concepção dos jovens como sujeitos em porvir, capazes de fazer mostras de responsabilidade, de reflexão e de agency; por outro lado, um polo de monito-ramento e de normalização dos comportamentos, baseado em uma concepção paternalista do acompanhamento, e que ocupa uma função mais latente, embora onipresente.

A relação entre o jovem e o técnico se constrói, no pri-meiro polo, de modo horizontal: o técnico não deve dizer ao jovem o que deve fazer, mas suscitar, através do diálogo, to-madas de decisão, como comprovam os propósitos de uma técnica com um jovem muito envolvido no tráfico de drogas:

Eu disse pra ele assim: “Dessa forma, não é possível você cum-prir a Liberdade Assistida, você só pode cumprir a Liberdade Assistida se você tem liberdade, você não tá em liberdade, você tá preso. (…) Eu acho que tem um ponto seu que você precisa construir aí.” (Sofia falando do caso de Fabiano)

Essa concepção da intervenção transfere a responsabili-dade do sucesso da medida institucional para o jovem, pois o jovem deve “aderir à medida”, “aproveitar a oportunidade”, “construir um projeto de vida”, “fazer escolhas” etc. Em ter-mos gerais, encontramos expressas, neste primeiro polo, as novas exigências de integração na sociedade contemporâ-nea (GIDDENS 1991; SOULET 2005; CAIATA ZUFFEREY 2005): reflexão exacerbada, autonomia, capacidade em re-criar a coerência nos discursos e em se projetar no futuro.

No segundo polo, a intervenção é mais paternalista, ou vertical: o técnico indica ao jovem tudo o que ele deve fazer e como deve se comportar (com respeito aos códigos de ves-tuário, pontualidade, escolha das amizades) e monitora sua

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conduta (com todos os limites que isso implica devido à liber-dade total de circulação do jovem durante o dia). Esse concei-to de intervenção coloca a ênfase na inserção em dispositivos escolares ou profissionais (voltaremos a falar do assunto), defendendo que a integração social passa pela adesão a estas instituições (e menos pela reflexão, a coerência do discurso). Portanto, um modo de intervenção típico do segundo polo é preparar o adolescente para que passe com sucesso nos testes de seleção dos programas Jovem Aprendiz (indicando-lhe, por exemplo, como se vestir, ou treinando o jovem a escrever um ensaio sobre seu “projeto de vida”).

Se esses dois polos são relacionados a conjuntos de sa-beres profissionais distintos – oriundos, por um lado, da psicanálise e, por outro, do serviço social –, convém, no en-tanto, evitar reificar realidades heterogêneas e complexas. A realidade institucional local (por exemplo, a hegemonia da psicanálise em Belo Horizonte) ou a formação inicial do técnico (psicologia ou serviço social) não são indicadores suficientemente fiáveis para predizer as práticas adotadas. Esses dois polos, na realidade, coexistem e se misturam no dia a dia do técnico de forma muitas vezes complementar.

Além disso, a situação do jovem, ou, mais exatamente, o modo como se constrói a narrativa sobre sua situação, é um fator determinante dos modos de intervenção. Assim, os jovens muito envolvidos no tráfico de drogas provocam, independentemente da cidade, intervenções que buscam induzir novas formas de agency nos jovens, no âmbito de uma relação relativamente horizontal. Podemos aqui traçar a hipótese de que os jovens que ocupam cargos de poder no tráfico são considerados capazes de fazer escolhas, de ser autônomos, e que sua permanência no mundo do crime é o resultado de uma decisão tomada pelo próprio jovem. Pe-rante esses jovens, os técnicos têm escassos recursos argu-mentativos – as opções acessíveis no mercado de trabalho legal pesam pouco ao lado do prestígio e do dinheiro obti-dos graças ao tráfico de drogas. Assim, o acompanhamento do jovem muitas vezes consiste em colocá-lo perante uma escolha explícita: sair do tráfico ou ficar. O técnico só pode continuar a fazer seu trabalho com a primeira opção. No outro extremo, os técnicos atendem às vezes jovens conside-rados extremamente vulneráveis, por exemplo, jovens com

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trajetória de rua, ou jovens considerados vítimas de uma configuração familiar “nociva”. Essas situações são tratadas segundo uma visão mais “sócioassistencial”, na medida em que os técnicos recorrem a outras instituições para proteger o jovem e até sua família.

Escolarizar, profissionalizar: passando responsabilidades às instâncias socializadoras tradicionais

Juntamente com a palavra como meio de regulação, uma segunda dimensão importante do governo da delinqu-ência juvenil em Liberdade Assistida surge com o encami-nhamento dos jovens a instituições socializadoras tradicio-nais: a escola e o trabalho. Ao facilitar a inserção dos jovens nessas instituições, os técnicos “passam a responsabilidade” a outras instâncias, delegando, ou pelo menos comparti-lhando, sua missão de regulação (em termos de socialização comportamental, vigilância etc.) dos jovens infratores. A afiliação do jovem ao universo do trabalho ou da escola tem também um efeito de rotulagem positivo (BECKER, 1985), pois os jovens adquirem uma nova identidade de “estudante” ou de “trabalhador” que os protege das identidades social-mente desviantes de “traficante” ou “bandido”10. Diogo, um jovem que acabou de cumprir a medida de Liberdade Assis-tida e trabalha no âmbito de um programa Jovem Aprendiz, me explica que durante as operações da polícia (frequentes na favela onde vive) ele mostra sua carteira de trabalho ex-clamando “Sou um trabalhador!”. Essa afirmação funciona como um ritual protetor contra policiais, que não o con-sideram mais suspeito. Além da atividade laboral propria-mente dita, a carteira de trabalho carrega uma importância simbólica, já que garante a cidadania dos seus detentores e leva aqueles que não a possuem a se tornarem “cidadãos de segunda categoria” (OLIVEIRA e IRIART, 2008, p. 443).

A (re)escolarização dos jovens sujeitos a uma medida de Liberdade Assistida é um dos eixos centrais da política públi-ca como é definida em termos oficiais. Uma grande parte dos jovens que lhe são sujeitos não está escolarizada11. Dentre os jovens que vão à escola, muitos são os que não a frequentam

10 A questão do valor mo-ral superior atribuído à categoria de “trabalhador” (em oposição às figuras de “vagabundo” ou “bandido”) foi desenvolvida em traba-lhos anteriores por Zaluar (1985).

11 Dados quantitativos que sejam fiáveis são relativa-mente raros. Segundo um estudo realizado no estado de Minas Gerais, 60% dos jovens que cumprem uma medida em meio aberto (N=405) afirmaram não estar escolarizados (COUTO MA-RINHO, 2009). Outro estudo, realizado no estado de São Paulo junto a 491 jovens cumprindo uma medida em meio aberto, indica que 33% não estavam inscritos em nenhuma escola (há uma média de 2,4 anos) no início da medida (INSTITUTO UNIEMP, 2006). Além disso, segundo um estudo nacio-nal realizado em jovens em meio aberto, 50% deles che-garam ao ensino fundamen-tal, enquanto menos de 10% atingiram o ensino médio (MIRAGLIA, 2007).

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com assiduidade. Geralmente, a grande maioria dos jovens em LA tem um atraso escolar considerável e uma trajetória escolar ritmada por rupturas e repetências. Os técnicos so-frem muita pressão por parte da hierarquia, mas principal-mente da Vara da Infância e da Juventude, a respeito desse imperativo de escolarização. Em cada relatório que enviam ao juiz, devem anunciar a situação atual do jovem e justifi-car os fracassos de “escolarização”. De fato, conseguir escola-rizar um jovem em Liberdade Assistida é muitas vezes uma proeza, visto os obstáculos que os técnicos devem enfrentar no cotidiano. O caso de Felipe ilustra de modo típico essas dificuldades: Felipe tem 14 anos e não está matriculado em nenhuma escola; seu nível escolar corresponde ao de um me-nino de dez anos. Sua técnica pede uma vaga na escola à Co-ordenação Regional de Educação (CRE). A CRE propõe duas opções que não convêm à situação de Felipe: a primeira é uma turma especial para jovens adultos que retomam os estudos, mas reservada do ponto de vista legal a jovens maiores de 15 anos; a segunda é uma escola localizada em uma favela con-trolada por uma facção inimiga daquela que domina a favela onde Felipe mora. A técnica decide então enviar uma carta à CRE insistindo na necessidade de encontrar uma solução adaptada às necessidades de Felipe. Mas para isso tem que omitir algumas informações (a recusa da diretora da escola anterior de reintegrar Felipe e a questão do conflito entre fac-ções criminosas) que realçam o perfil “desviante” de Felipe. A carta termina com uma referência à Vara da Infância e da Juventude, indicando que a escolarização de Felipe faz parte de uma decisão judicial e que ela terá de prestar contas peran-te um juiz. Na sequência desse procedimento, o CRE atribui por fim uma vaga a Felipe em uma escola do seu bairro, onde será escolarizado com meninos quatro anos mais novos. A técnica pensa que é um mal menor, mas ainda não sabe como irá convencer Felipe e sua família disso.

Esse relato resume de maneira sintética e quase cari-catural as dificuldades enfrentadas pelos técnicos quando buscam escolarizar os jovens em LA. Em primeiro lugar, os técnicos devem enfrentar as lógicas territoriais do crime organizado com vista a proteger o jovem das violências às quais fica sujeito se entrar no território de uma facção ini-miga. Em segundo lugar, devem levar em consideração a re-

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alidade estrutural da escola pública no Brasil (falta de vagas disponíveis, falta de turmas adaptadas aos jovens que apre-sentam atraso escolar importante etc.). Por fim, o próprio perfil dos adolescentes em Liberdade Assistida, que muitas vezes já foram rotulados como “desviantes” pela instituição escolar, complica ainda mais os procedimentos dos técnicos. A esse respeito, os técnicos adotam uma posição firmemente protetora para com o jovem e suspeitam, de forma sistemáti-ca, que a instituição escolar tenha mostras de má vontade e de que discriminem os jovens sujeitos a medidas socioeducati-vas. Por essa razão, evitam informar logo a escola da situação judicial do jovem, e só usam a referência ao universo judi-cial como meio de exercer pressão sobre a instituição escolar quando todos os procedimentos anteriores falham.

Finalmente, os procedimentos só podem ter êxito se o jovem colaborar. Mais uma vez, a “adesão” do jovem às inter-venções do técnico é uma condição de possibilidade de suces-so dos procedimentos levados a cabo. Pudemos constatar du-rante a pesquisa que os técnicos adotam uma estratégia muito pragmática para convencer o jovem a retomar os estudos: invocam tanto a necessidade de ir à escola, para que o juiz pronuncie o fim da medida de Liberdade Assistida, quanto a obrigação de ser escolarizado, para beneficiar-se dos progra-mas Jovem Aprendiz. A predominância desses argumentos de tipo instrumental faz sobressair, em segundo plano, a falta de interesse e de sentido que têm os estudos como tal para os jovens, que sabem, provavelmente, que a escola pública só lhes poderia atribuir um diploma “de segunda categoria” (em relação às escolas particulares), não profissionalizante e insu-ficiente para lhes dar acesso à universidade.

No tocante à inserção dos jovens no mercado de traba-lho, que constitui igualmente uma das missões centrais da medida de Liberdade Assistida, constatamos que os elemen-tos já descritos, principalmente o baixo nível escolar dos jo-vens e sua identidade desviante, representam obstáculos ao acesso a formações profissionais e ao mercado de trabalho legal. Quer seja no Rio de Janeiro, quer seja em Belo Hori-zonte, a grande maioria dos jovens em Liberdade Assistida encontra-se excluída das formações existentes devido a seu nível escolar (em geral, tais formações implicam ter iniciado o ensino médio). Outros obstáculos vêm complicar ainda

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mais essa restrição inicial, como estigmas visíveis de envol-vimento no “mundo do crime” (sobrancelhas raspadas, ta-tuagens, expressões verbais); a dificuldade em circular em certos territórios, já mencionada; o consumo, às vezes abu-sivo, de substâncias tóxicas; ou simplesmente a dificuldade em se projetar em um trabalho legal para os jovens cuja fa-mília vive essencialmente de atividades ilícitas12.

Em resumo, os jovens que cumprem a medida de Li-berdade Assistida acumulam muitas desvantagens sociais, o que os torna desfavorecidos até mesmo diante de dispo-sitivos especialmente concebidos para jovens considerados “vulneráveis”. Somente alguns programas Jovem Aprendiz que visam especificamente à população de jovens oriundos de medidas socioeducativas permanecem acessíveis aos jo-vens em Liberdade Assistida. Não entraremos aqui em de-talhes sobre o funcionamento de cada um desses programas ou as modalidades de acesso a eles, mas falaremos do modo como os técnicos preparam os jovens para se apresentarem nos concursos de entrada em um desses programas no Rio de Janeiro. A intervenção dos técnicos consiste em aconse-lhar o jovem sobre a roupa que deve ser usada no dia da seleção. Os códigos socioculturais próprios da juventude das favelas são condenados: minishort que as meninas usam para ir aos bailes funk, expressões linguísticas próprias do mundo do tráfico etc. Constatamos, igualmente, que os jo-vens que residem fora das favelas têm, segundo os técnicos, mais oportunidade de serem admitidos nos programas Jo-vem Aprendiz. Mas esses aspectos comportamentais não bastam para conseguir uma vaga em um programa: o jo-vem tem de ser capaz de afirmar sua vontade de “mudar de vida” e verbalizar suas aspirações futuras conforme as ex-pectativas. De fato, uma das provas principais do concurso de admissão consiste em escrever em um papel seu “projeto de vida”. A esse respeito, os jovens são aconselhados a apre-sentar, durante a seleção, objetivos considerados “louváveis” (adquirir uma casa, construir uma família) e a dissimular aspirações menos legítimas (usar roupa de marca, comprar uma moto etc.). E, se atentarmos às redações selecionadas pelo responsável do programa, constatamos que foram es-colhidos os jovens que produziram e reproduziram discur-sos extremamente normalizados, que expressaram de modo

12 Um estudo quantitativo (N = 491) realizado no es-tado de São Paulo consta-ta que 35% dos jovens em meio aberto têm alguém de sua família (mais frequente-mente o irmão, o pai, o tio ou o primo) que já foi con-denado pela justiça penal (INSTITUTO UNIEMP, 2006).

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estereotipado a vontade de “reconversão” (“quero voltar ao caminho certo”, “quero ser uma pessoa digna, andar de ca-beça erguida”) e que deram mostra de motivação individual e de perseverança (“vai ser difícil, mas com minha força de vontade vou conseguir”), ou até de objetivos bastante im-prováveis, visto as condições socioeconômicas dos jovens (“meu sonho maior é poder fazer uma faculdade de medici-na”). Nota-se que os jovens que obtêm vaga nesse programa representam de certo modo a elite da população sujeita à medida de Liberdade Assistida, particularmente em termos de nível escolar.

Em termos gerais, a grande maioria dos jovens em Liberdade Assistida não tem acesso a esses programas Jovem Aprendiz –; suas primeiras experiências profissio-nais ocorrem, em geral, no mercado de trabalho informal, onde trabalham como ajudante de pedreiro ou em esta-belecimentos de “lava-a-jato”, por exemplo. Tais atividades profissionais são geralmente ilegais do ponto de vista da lei do trabalho infantil, e os técnicos não podem comunicar essas informações nos relatórios periódicos que enviam ao juiz. Adotam, por isso, várias estratégias para informar o juiz dos “progressos” efetuados pelo jovem (é melhor que o jovem trabalhe num posto de gasolina do que no trá-fico de drogas) usando eufemismos quanto às condições de trabalho do jovem – quem trabalha como ajudante de pedreiro aparece, por exemplo, como “estagiário na cons-trução civil”.

Portanto, podemos constatar uma ausência de prag-matismo na definição oficial dos objetivos seguidos pela medida de Liberdade Assistida: enquanto 57,6% dos traba-lhadores brasileiros estão no mercado de trabalho informal (HALLAK, NAMIR, e KOZOVITS, 2007), e somente 47% dos jovens entre 15 e 17 anos estão escolarizados no ensi-no médio (ANDRADE SILVA e GUERESI 2003), a medida de Liberdade Assistida tem como objetivos oficiais levar os jovens até o fim do ensino médio (ou até a universidade) e inseri-los no mercado de trabalho formal. O peso dessa “hi-pocrisia institucional” (BRUNSSON, 1986) recai nos técni-cos, que devem preservar as expectativas do mundo judicial e acompanhar os jovens no cotidiano levando em conside-ração as possibilidades efetivas.

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Para concluir, gostaríamos de lançar a hipótese de que os técnicos ocupam uma função de mediação e de tradução entre os diferentes sistemas institucionais que operam no dispositivo de Liberdade Assistida, mas também, e princi-palmente, entre os sistemas e o mundo vivido (HABERMAS, 1985) dos jovens sujeitos à medida.

O técnico ora traduz o funcionamento do sistema so-cioeducativo ao jovem e a sua família (por exemplo, quando avisa o jovem de que será sancionado por uma medida mais severa se não cumprir sua medida), ora transmite ao juiz, numa linguagem inteligível a ele (relatórios periódicos), in-formações sobre a realidade cotidiana do jovem13. Eviden-temente, existem disparidades de poder entre os diferentes sistemas, e, mais ainda, entre os sistemas e os indivíduos que lhes estão sujeitos. A assistência social, como instituição en-carregada de executar essas medidas, está, de certa forma, submetida às expectativas da Vara da Infância e da Juventu-de. No entanto, a margem de manobra considerável que os técnicos possuem no cotidiano compensa o poder exercido pelo judicial, pois desenvolvem várias estratégias (que não temos espaço para evocar aqui) a fim de contornar ou até de inverter as regras e lógicas instauradas pela esfera judicial.

Perante outros sistemas, como a instituição escolar, a assistência social se vê obrigada a agir como parceiro, em uma relação relativamente horizontal, e, se necessá-rio, é capaz de exercer um poder de imposição à escola recorrendo ao judicial como meio de pressão. Perante os programas Jovem Aprendiz, a intervenção dos técnicos consiste essencialmente em normalizar os jovens para que correspondam às expectativas dos programas. Por fim, convém constatar a assimetria de poder entre o disposi-tivo de Liberdade Assistida e o jovem que lhe é sujeito. O técnico tem, de fato, o poder de exigir informações que lhe pareçam pertinentes e formular uma nova interpreta-ção da situação do jovem, negligenciando por vezes a visão do principal interessado e de seus próximos; tem também o poder de “escolher” os jovens que lhe convém apresen-tar como candidatos ao concurso de primeiro emprego; ou ainda levar o juiz a pronunciar o fim de uma medida (ou, pelo contrário, a sua prorrogação), baseando-se em elementos que o técnico apresenta no relatório periódico.

13 A questão específica da relação, sob a forma de envio de relatórios perió-dicos, instaurada entre os técnicos e o juiz foi aborda-da em um trabalho anterior (ver BUGNON, 2011).

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Jovens infratores ‘forçados a ser livres

Defendemos nesse artigo a ideia de que a palavra re-presenta o principal instrumento de governo dos jovens infratores na medida de Liberdade Assistida, e detalha-mos seus diferentes usos e funções. A palavra é ora pen-sada e mobilizada como instrumento de transformação e responsabilização, ora se torna meio de vigiar e ameaçar. Por outro lado, abordamos, por meio dos procedimentos dos técnicos para escolarizar e profissionalizar os jovens, a questão das relações entre esses últimos e os outros ato-res do dispositivo de Liberdade Assistida. O técnico surgiu na pesquisa exercendo uma função de mediador-tradutor entre os diferentes sistemas institucionais, por um lado, e entre o jovem e esses sistemas, por outro. Ele se encarrega de traduzir as expectativas do juiz para com os jovens e as outras instituições parceiras, mas também de traduzir a realidade do mundo vivido pelos jovens para o mundo judicial e aos outros parceiros da rede. Essa função repre-senta de um lado um peso para o técnico, constantemente forçado a reduzir as defasagens entre o ideal da política e a realidade no campo das possibilidades; por outro lado, esse papel de intermediário confere ao técnico um certo poder, assim como margens de manobra importantes, pois determina o conteúdo e a forma das informações enviadas ao juiz, podendo o técnico instrumentalizar o poder judi-ciário para exercer pressão nas outras instituições.

Gostaríamos de concluir com uma discussão mais ge-ral sobre os modos de regulação e de controle14 da Liberda-de Assistida, que abrirá novas pistas para futuras análises. Como salientamos várias vezes, a regulação exercida sobre os jovens encontra-se sujeita à condição de sua “adesão”, ou seja, à sua participação na medida socioeducativa. Foucault já dizia, durante uma palestra nos anos 1970, que uma das novas características do sistema penal era “fazer o indiví-duo punido participar dos próprios mecanismos de sua pu-nição” (BRODEUR, 1993). A Liberdade Assistida é, nesse sentido, quase um tipo ideal (no sentido de Weber): sem a participação do jovem, a medida simplesmente não ocorre. Ainda segundo Foucault, as alternativas à prisão constituem meios de “difundir, fora da prisão, as funções de vigilância”

14 Vale notar que o poder exercido pela instituição é objeto de resistências e de formas de agency por parte dos jovens. Por outro lado, em uma perspecti-va foucaultiana, o poder não é só constrangedor, mas também habilitador (LABORIER e LASCOUMES, 2005), e observamos que os mecanismos de regula-ção exercidos pela medida abrem igualmente novos campos de possibilidades para certos jovens. Esses elementos não serão, no entanto, abordados aqui.

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(BRODEUR, 1993, p. 13). No caso da Liberdade Assistida, essa vigilância se realiza não apenas sobre todos os aspec-tos da vida cotidiana do jovem, mas também se aplica aos membros de sua família. Esses elementos não são novos, mas pensamos, todavia, que as exigências de normalidade e de integração social evoluíram consideravelmente desde que Foucault realizou essa conferência.

De fato, a injunção de autonomia, de reflexividade (GIDDENS, 1991) e de coerência do discurso sobre si pró-prio (CAIATA ZUFFEREY, 2005), competências esperadas nos jovens sujeitos à medida de Liberdade Assistida, são exigências novas de integração na sociedade contemporâ-nea. Rose (1999) afirma que liberdade e governo não são conceitos antagônicos, pelo contrário: a liberdade é uma invenção e um recurso dos governos contemporâneos, que, citando Rose, “forçam os sujeitos a ser livres”. Parece ser a condição paradoxal na qual se encontram os jovens sujeitos à medida de Liberdade Assistida: o juiz e os téc-nicos os “forçam” a “aproveitar oportunidades”, a elaborar discursos coerentes sobre suas trajetórias de vida e a se mostrarem “autônomos” e “responsáveis” no processo que os levará à “ressocialização”.

Apesar de a medida de Liberdade Assistida ser apresen-tada aos jovens como uma “oportunidade”, ou até como uma “última chance” (em um sistema socioeducativo que repre-senta já em si uma oportunidade, em relação ao sistema pe-nal para adultos), muitos jovens se recusam, no entanto, “a aderir”15 a essa medida. Essa constatação empírica pode se compreender e explicar seguindo duas pistas. Em primeiro lugar, a “oportunidade a aproveitar” deve parecer, para mui-tos jovens, completamente inacessível. Mesmo que o mito do “self-made man” continue a ser alimentado, principal-mente pelas novelas brasileiras, os jovens têm consciência de seu campo de possibilidades objetivo em uma socieda-de profundamente estratificada e segregada, e os sonhos de promoção social promovidos por alguns atores do disposi-tivo lhes parecem uma ilusão. Sem capacidade real de rein-serção social, a medida de Liberdade Assistida é, sobretu-do, vista pelos jovens como um dispositivo de vigilância e normalização de seus comportamentos. Além disso, alguns jovens salientaram em entrevistas que a liberdade “imposta”

15 A taxa de descumpri-mento é elevada (não exis-tem estatísticas oficiais, mas esta parece, segundo as nossas observações e o que dizem os profissionais, rondar os 50%) e o número de jovens que, apesar de irem aos atendimentos, re-cusam responder às expec-tativas da medida (silêncio nos atendimentos, recusa em voltar para a escola etc.) é considerável.

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pela medida os tornou vulneráveis, pois estavam constante-mente confrontados com o universo social de suas práticas delinquentes (amigos que propõem fazer um assalto, trafi-cantes que oferecem um “bico” etc.), enquanto estavam sen-do vigiados pela justiça e sob a ameaça de uma sanção mais severa se houver reincidência. Alguns jovens afirmaram que a medida de internação tinha ao menos a vantagem de im-pedir, de modo temporário, a reincidência. Por outro lado, a centralidade da “palavra”, assim como todas as ferramentas conceituais oriundas da psicanálise que a acompanham, pa-rece fazer pouco sentido para muitos jovens que entrevista-mos16. Eles contemplam a palavra como meio de vigilância, ou se sentem simplesmente sem recursos perante a injunção de verbalização, a que resistem com o silêncio (ou a menti-ra) durante os atendimentos. Segundo os jovens, o acesso ao trabalho seria uma ajuda muito mais preciosa que os nume-rosos discursos dos técnicos17. Em termos gerais, por fim, a resposta penal promovida pela Liberdade Assistida parece pouco inteligível do ponto de vista dos jovens que lhe são sujeitos, contrariamente à pena de prisão (a medida socio-educativa de internação), que representa o castigo judicial por excelência, assim como um rito de passagem reconheci-do entre os jovens. Esse elemento transpareceu de modo cla-ro nas entrevistas com os jovens, que falavam longamente e com detalhes de sua experiência de internação (às vezes por somente alguns dias, em internação provisória, por exem-plo) e resumiam os longos meses passados em Liberdade Assistida em apenas algumas frases.

Finalizamos com uma breve reflexão sobre a capaci-dade do dispositivo de Liberdade Assistida em exercer um controle efetivo sobre os adolescentes. Segundo Foucault, o controle panóptico se caracteriza por exercer um mo-nitoramento descontínuo, mas que deixa a impressão de continuidade aos indivíduos monitorados. Transparece claramente, no final deste artigo, que a Liberdade Assis-tida tem dificuldades em fazer com que os jovens acredi-tem que estão vigiados ou controlados. Basta comprovar o número de jovens que deixam de ir aos atendimentos, ou os propósitos dos jovens, recorrentes nas entrevistas, que falam da possibilidade de “trapacear” (ou seja, conti-nuar a cometer delitos) enquanto cumprem sua medida.

16 Temos que relativizar essa afirmação: uma parte dos jovens vê nos aten-dimentos com o técnico um espaço de escuta, de confiança recíproca e de reflexão.

17 Por este motivo, são os jovens que foram incluí-dos nos programas Jovem Aprendiz durante a medida de LA que ressaltam mais explicitamente os benefí-cios trazidos pela medida.

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Os técnicos tentam, mesmo assim, recriar uma impressão de vigilância “global e contínua” descrita por Foucault, por exemplo, quando dizem ao jovem que seu professor ou sua mãe os informou de seu comportamento. Esse tipo de es-tratégia funciona em alguns jovens, sobretudo aos que têm ainda pouca experiência com o sistema judicial e acredi-tam na coerência e eficiência de seu funcionamento. É o caso, por exemplo, de Alex, que nos diz que “sua técnica sabe de tudo o que ele faz e que informa o juiz”. Em termos gerais, podemos concluir dizendo que o controle é exerci-do, essencialmente e de modo mais eficiente, nos jovens que colaboram com as expectativas da medida de Liberda-de Assistida. Os jovens que aceitam falar durante os aten-dimentos, os que voltam à escola e integram os programas Jovem Aprendiz (e ficam então sujeitos à vigilância de seu professor, de seu patrão e dos técnicos desses programas). Esses “bons alunos” do sistema socioeducativo aproveitam as vantagens de sua “adesão” (medida mais curta, acesso ao emprego etc.), mas devem igualmente ter uma alta capaci-dade de tolerância para aceitar o monitoramento de seus atos e gestos cotidianos.18

18 Este artigo se baseou em uma pesquisa realizada com o apoio do projeto Space Control da Agência Nacio-nal de Pesquisa Francesa (ANR-10-ESVS-001-01) e do Instituto das Américas (IDA – Institut des Amériques).

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GÉRALDINE BUGNON ([email protected]) é doutoranda em sociologia pela Uni-versidade de Genebra (Suiça) e de Lille 1 (França), e mestre pela Universidade de Genebra.

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