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Grupo terapêutico com jovens diagnosticados com fobia social

Date post: 19-Nov-2023
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– 269 – GRUPO TERAPÊUTICO PARA JOVENS COM FOBIA SOCIAL THERAPEUTIC GROUP FOR YOUNG PEOPLE WITH SOCIAL PHOBIA Laura Vilela e Souza 1 Manoel Antônio dos Santos 2 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. 2 Professor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Correspondência para: Laura Vilela e Souza, Manoel Antônio dos Santos. Departamento de Psicologia e Educaçao, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Av. Bandeirantes 3900, Monte Alegre. CEP: 14040~901. Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Souza LV, Santos MA. Grupo terapêutico para jovens com fobia social. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2009; 19(2): 269-280. Resumo São escassos os estudos qualitativos que buscaram reconhecer as especificidades do uso da modalidade de atendimento da grupoterapia para pacientes com fobia social. Objetivou-se nesse trabalho compreender o funcionamento de um grupo terapêutico com jovens diagnosticados com esse transtorno, atendidos em um hospital universitário. Por meio da análise dos momentos iniciais desse grupo, buscou-se reconhecer seu processo de formação e princípio, a partir dos comportamentos e interações estabelecidas pelos participantes. A primeira sessão desse grupo foi analisada a partir de um eixo vertical, identificando-se o conteúdo da fala dos participantes e os temas abordados ao longo de cada sessão; e um eixo horizontal, a partir do qual foi ressaltado o contexto de produção desses temas, o clima afetivo da sessão, a interação engendrada a cada momento e a seqüência de acontecimentos e conversas ao longo da sessão. O referencial teórico da Psicanálise embasou a análise do material. Foram percebidos, nessas sessões: a necessidade desses jovens de se comportarem sempre de acordo com a expectativa alheia, a exigência de perfeição, o medo excessivo de falhar ou errar, a necessidade excessiva de controle dos próprios sentimentos, a baixa auto- estima, sentimentos depressivos, sentimentos persecutórios, evitação dos contatos sociais e da intimidade nos relacionamentos. Esses aspectos foram evidenciados no grupo por meio da dificuldade dos participantes de se expressarem, da necessidade de cumprirem com as expectativas dos terapeutas, do receio de serem punidos, dos longos períodos de silêncio e da angústia que estes provocavam. Palavras-chave: transtornos fóbicos; prática de grupo; Psicologia. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2009; 19(2): 269-280 PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH
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Jovens com fobia social Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2009; 19(2): 269-280

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GRUPO TERAPÊUTICO PARA JOVENSCOM FOBIA SOCIAL

THERAPEUTIC GROUP FOR YOUNG PEOPLEWITH SOCIAL PHOBIA

Laura Vilela e Souza 1

Manoel Antônio dos Santos 2

1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,Universidade de São Paulo.

2 Professor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.Correspondência para: Laura Vilela e Souza, Manoel Antônio dos Santos. Departamento de Psicologia e Educaçao, Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Av. Bandeirantes 3900, Monte Alegre. CEP:14040~901. Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

Souza LV, Santos MA. Grupo terapêutico para jovens com fobia social. Rev BrasCrescimento Desenvolvimento Hum. 2009; 19(2): 269-280.

ResumoSão escassos os estudos qualitativos que buscaram reconhecer as especificidades do uso damodalidade de atendimento da grupoterapia para pacientes com fobia social. Objetivou-senesse trabalho compreender o funcionamento de um grupo terapêutico com jovensdiagnosticados com esse transtorno, atendidos em um hospital universitário. Por meio daanálise dos momentos iniciais desse grupo, buscou-se reconhecer seu processo de formaçãoe princípio, a partir dos comportamentos e interações estabelecidas pelos participantes. Aprimeira sessão desse grupo foi analisada a partir de um eixo vertical, identificando-se oconteúdo da fala dos participantes e os temas abordados ao longo de cada sessão; e um eixohorizontal, a partir do qual foi ressaltado o contexto de produção desses temas, o climaafetivo da sessão, a interação engendrada a cada momento e a seqüência de acontecimentose conversas ao longo da sessão. O referencial teórico da Psicanálise embasou a análise domaterial. Foram percebidos, nessas sessões: a necessidade desses jovens de se comportaremsempre de acordo com a expectativa alheia, a exigência de perfeição, o medo excessivo defalhar ou errar, a necessidade excessiva de controle dos próprios sentimentos, a baixa auto-estima, sentimentos depressivos, sentimentos persecutórios, evitação dos contatos sociaise da intimidade nos relacionamentos. Esses aspectos foram evidenciados no grupo pormeio da dificuldade dos participantes de se expressarem, da necessidade de cumpriremcom as expectativas dos terapeutas, do receio de serem punidos, dos longos períodos desilêncio e da angústia que estes provocavam.

Palavras-chave: transtornos fóbicos; prática de grupo; Psicologia.

Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2009; 19(2): 269-280 PESQUISA ORIGINALORIGINAL RESEARCH

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INTRODUÇÃO

A psicoterapia de grupo, com objetivosde promover mudanças na personalidade, nas-ceu nos Estados Unidos no século XX, tendocomo um de seus pioneiros Joseph Pratt, queem 1905 reconheceu os benefícios psicológi-cos auferidos por um grupo de pacientes crô-nicos tuberculosos1. Pratt, que era médicotisiologista, iniciava com uma aula sobre prá-ticas de higiene e tuberculose, e abria a discus-são com perguntas livres dos pacientes.

A partir dessa exitosa experiência, a uti-lização da psicoterapia de grupo foi ganhandonovas formas. Em 1930, Louis Wender apli-cou, em pacientes internados, conceitos da psi-cologia de grupo recém-propostos por Freud.Mas coube a um psicanalista, Paul Schilder, opioneirismo da psicoterapia analítica de gru-po. Um outro pioneiro, Jacob L. Moreno, cu-nhou o termo “psicoterapia de grupo” e criouuma técnica que denominou de psicodrama.Um outro autor importante na gênese histórica

da técnica da grupoterapia foi Samuel R.Slavson, que observou que criançasintrospectivas eram beneficiadas pela interaçãogrupal e ampliou seu trabalho também paraadolescentes e adultos. Outros precursores fo-ram Fritz Redl, que introduziu os grupos diag-nósticos e contribuiu para a aceitação da práti-ca grupal no meio psicanalítico, e AlexanderWolf, que iniciou a prática de sessões de gru-po sem a condução de um psicoterapeuta.

Todavia, a expansão da utilização dapsicoterapia de grupo só aconteceria durante aII Guerra Mundial, devido ao baixo número depsiquiatras disponíveis nos hospitais militaresna Europa e na América do Norte. A princípio,a grupoterapia era teoricamente embasada emconceitos psicanalíticos e, posteriormente, emmeados da década de 1950, novas e divergen-tes teorias começaram a permear o cenário,como, por exemplo, a análise transacional, aterapia centrada na pessoa, a Gestalt e a tera-pia existencial, entre outras. É nessa décadaque presenciamos a enorme ampliação de con-

AbstractThere are few qualitative studies that aimed to recognize the use of the group therapy in thetreatment of social phobia. The purpose of this study was to understand the process of a grouptherapy for young adults diagnosed with SAD, attended in a university hospital. The focus ofthe analysis was the group beginning sessions, the participants’ behaviors and interactions.The first session of the group was analyzed through a vertical axle, used to identify the contentsof the participants’ speeches, the subjects that they talked about in each session, the emotionalcontext, and the participants’ interactions. The horizontal axle analysis was used to identifythe process of producing these subjects, the interactions at each moment, and the interactionsthat happened before and after the group. The Psychoanalysis theoretical approach was usedin the analysis. The analysis showed: the need to behave exactly in the way that other peoplewant them to, the demand for perfection, the enormous fear to make mistakes, the need tocontrol their feelings, low self-esteem, depressive feelings, paranoid feelings, social contactavoidance, and intimate relationships avoidance. These aspects could be observed in thegroup in the following aspects: the difficulty of the participants to talk, in their need to fulfillthe therapist needs, in their fear of punishment, in the long periods of silence and in theanxiety felt during these periods of silence.

Key words: phobic disorders; group practice; Psychology.

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textos nos quais a prática grupal é utilizada,sua gradual aceitação como forma válida detratamento psicológico e a sistematização dateoria de grupos.1

O que distingue um grupo de outro nãoseria sua essência, mas a sua finalidade. O gru-po terapêutico tem como objetivo a busca deautoconhecimento de seus participantes e apromoção de mudança da personalidade.2

Segundo teóricos da grupalidade, as va-riáveis que favorecem um bom desempenho dogrupo estariam relacionadas à habilidade do te-rapeuta em atender em grupo, aos objetivospropostos, à composição de seus participantes,às circunstâncias e o contexto de sua realiza-ção e à capacidade do terapeuta e dos demaismembros de trabalhar em grupo, coordenandosuas ações de forma colaborativa.3

Quanto aos objetivos, uma das primei-ras tarefas do terapeuta ao planejar um gruposeria considerar os possíveis benefícios que elese propõe a oferecer, levando-se em conta oestado de saúde, a condição psíquica, os pro-blemas e as dificuldades apresentados pelaspessoas a serem assistidas.4

Com relação aos critérios de composi-ção de grupos, vários autores buscaram reco-nhecer parâmetros mais funcionais em termosde psicodinâmica da população a ser atendida,diagnóstico, idade, gênero e classe social. Acre-dita-se que uma seleção de participantes maiscriteriosa evita a alta taxa de atritos presentesem alguns grupos, além de prevenir algunscomportamentos grupais e diminuir a taxa deabandono do grupo.5

A homogeneidade e heterogeneidadeentre os participantes do grupo influem subs-tancialmente na integração de seus membros eno funcionamento do grupo como recursoterapêutico.6

O contexto de realização do grupo tam-bém influencia no seu bom andamento, le-vando-se em conta, por exemplo, se ele acon-tece dentro de uma instituição hospitalar, quetem suas próprias características e normas de

funcionamento, que podem favorecer ou di-ficultar que o grupo se forme e se mantenhano tempo.1

A análise desses diversos aspectos es-truturais e funcionais do enquadre grupal fa-vorece o reconhecimento daquilo que colabo-ra para que o grupo funcione, considerando-seos objetivos para os quais ele foi proposto.Nesse contexto, as sessões iniciais desempe-nham um papel vital na construção e evoluçãodessas variáveis.

Considerando esses pressupostos, soma-dos ao fato de que são escassos os estudos qua-litativos que buscaram reconhecer asespecificidades do uso da modalidade de aten-dimento da grupoterapia para pacientes comfobia social, acredita-se que o estudo das ses-sões iniciais de um grupo terapêutico, em diá-logo com a literatura da área, possa contribuirpara o aprofundamento da análise sobre os fe-nômenos que emergem na formação de um gru-po e seus passos iniciais, sobre a postura e opapel do terapeuta nesse processo e sobre asespecificidades desse momento grupal em umgrupo com jovens diagnosticados com FobiaSocial.

Nessa direção, o presente trabalhoteve por objetivo compreender o funciona-mento de um grupo terapêutico com jovensuniversitários diagnosticados com fobia so-cial. De maneira específica, buscou-se re-conhecer o processo de formação e iníciodesse grupo, os comportamentos e intera-ções dos participantes e o clima emocionalpredominante.

MÉTODO

O grupo sob investigaçãoO grupo terapêutico investigado foi pro-

posto como recurso de atendimento aos jovensuniversitários diagnosticados com fobia socialem tratamento ambulatorial em um hospitaluniversitário.

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Os participantes foram entrevistadosindividualmente, antes de serem encaminha-dos para o grupo. Buscou-se reconhecer nes-sas entrevistas a motivação para estar emgrupo e a possibilidade de suportarem emo-cionalmente essa modalidade terapêutica,analisando esse último aspecto a partir doscritérios definidos pelas características ne-cessárias para o atendimento psicoterápicobreve, tais como: força e plasticidade do ego,capacidade de insight e gravidade dos sinto-mas.7 Como base nesses critérios foram se-lecionados oito jovens.

O grupo foi coordenado em esquema deco-terapia. Uma observadora silente esteve pre-sente nos encontros para o registro, em temporeal, das falas dos participantes e dosterapeutas, além de anotar o clima emocionalda sessão, intercorrências e sentimentos que elavivenciou na observação do grupo. Essas ano-tações, feitas no calor da hora do acontecergrupal, forneceram o suporte empírico para aanálise aqui empreendida.

ParticipantesOs nomes aqui apresentados são fictíci-

os, de modo a manter no anonimato a identida-de dos participantes.

Participaram das sessões iniciais dessegrupo: Luciana: 26 anos, estudante de um cur-so de graduação na área da saúde; Marcus: 25anos, também estudante de um curso de gradu-ação na área da saúde; Otávio: 28 anos, estu-dante de pós-graduação na área da saúde;Roberta: 21 anos, estudante de um curso degraduação na área de ciências exatas; Graziela:23 anos, estudante de um curso de graduaçãona área da saúde; Pietra: 20 anos, estudante deum curso de graduação na área da saúde;Gustavo: 20 anos, estudante de um curso degraduação na área de humanas e Josiane: 22anos, estudante de um curso de graduação naárea de exatas. Estavam presentes também asduas terapeutas: Clara e Ana e a observadoraCíntia.

Escolha das sessões para análiseApós a leitura cuidadosa de todas as

transcrições do grupo, optou-se por analisar aprimeira sessão do grupo. A escolha por esserecorte se mostrou necessária, dada a vastidãode conteúdos e de possibilidades de análise.Os critérios que nortearam essa seleção domaterial levaram em consideração, primeiro,o objetivo do presente estudo de focalizar osprimórdios desse grupo, e segundo, a riquezade informações que essa sessão forneceu acer-ca da dinâmica de funcionamento desse grupoe de como os participantes se relacionaram en-tre si e com os terapeutas.

Essa sessão foi considerada pelos pró-prios participantes como desafiadora, sendoque, posteriormente, no desenrolar do proces-so terapêutico, os jovens muitas vezes menci-onavam a superação dos desafios com que sedepararam no início do grupo como “prova”de sua melhora e crescimento.

Análise do material clínicoO referencial teórico da Psicanálise

embasou a análise do material, a partir da con-tribuição de Freud, Klein, Winnicott e Bion,considerados teóricos de referência na cons-trução dos principais conceitos dessa escola depensamento.

As sessões foram analisadas a partir dedois eixos: um vertical (conteúdo) e um hori-zontal (processo). No eixo vertical foram iden-tificados, a partir do conteúdo da fala dos parti-cipantes e das terapeutas, os temas abordadosao longo de cada sessão. Assim, puderam serdestacados os diferentes tópicos abordados nes-sas sessões, buscando-se compreendê-los a par-tir da teoria psicanalítica sobre desenvolvimen-to, personalidade, grupos e fobia social. No eixohorizontal foi ressaltado o contexto de produ-ção desses temas, o processo do grupo, ou seja,o clima afetivo da sessão, a interação engendra-da a cada momento entre os participantes e asequência de acontecimentos e conversas com-partilhadas ao longo da sessão.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todos os participantes estavam presen-tes na sessão. Após a fala da terapeuta Ana so-bre o contrato terapêutico, o grupo ficou emsilêncio e os participantes se mostraram bas-tante ansiosos. Luciana quebrou o silêncio aose apresentar aos demais. Os participantesacompanharam a iniciativa de Luciana e seapresentaram.

O início do grupo costuma ser um mo-mento ansiogênico, pois ainda não se conhececomo é o grupo, quem são aquelas pessoas comas quais se compartilha um contexto não fami-liar e, principalmente, como devem se portarali.6 Novo silêncio após a apresentação.Roberta se posicionou e começou a seguinteinteração no grupo:

Roberta: Aquele silêncio é horrível!Luciana: Não sei se vocês tavam espe-

rando isso (que ela iniciasse a apresentação).Algumas matérias que eu tenho têm técnicasde grupo e na aula era para as pessoas se apre-sentarem.

Roberta denunciou o incômodo grupal,mencionando o quanto o silêncio “é horrível”.Já Luciana buscou, para enfrentar o desconhe-cido, um conhecimento anterior, aquilo que elahavia aprendido nas “matérias de técnicas degrupo”. Assim, ela tentou encaixar uma teoriaconhecida em uma situação nova, buscandoamenizar o desconforto em que todos se en-contravam.

Bion8 afirma que só se pode aprenderalgo sobre o mundo se formos capazes de“aprender com a experiência”, ou seja, se for-mos capazes de experimentar o novo e lidarcom as emoções que esse contato desencadeia.O novo assusta, provoca desconforto e incô-modo, pois ameaça romper a ordem jáestabelecida, mas é a única forma de expansãoda mente. Para esse autor o crescimento men-tal se dá a partir da possibilidade das pessoasde experimentarem idéias novas, pontos de vis-ta diferentes, abrandando as defesas psíquicas

que as impedem de entrar em contato genuínocom seus sentimentos, promovendo assimmaior autenticidade e flexibilidade.2 Todos nogrupo estavam sendo convidados a viver essenovo, e a sessão continuou com os participan-tes expressando como eles usualmente se com-portavam em situações novas:

Terapeuta Ana: É interessante! Fica aexpectativa de fazer o que os outros querem.Tem que se adequar à expectativa. Vocês sen-tem isso também?

Roberta: Sim, passa (na cabeça) o queos outros querem de você.

Otávio: Bloqueia o que você quer fazerporque você fica pensando no outro.

Luciana: Atrapalha bastantecorresponder só ao que os outros esperam.

Otávio: Sinto cobranças, insegurança,inferioridade. Me sinto cobrado e inseguro.Boicotado.

Luciana e Otávio apresentaram, nessasfalas, o pavor que sentiam da opinião dos ou-tros. Roberta confirmou a interpretação da te-rapeuta Ana de que eles estavam “na expecta-tiva” de cumprir com o que os “outros queriam”deles.

A necessidade de ter que responder àexpectativa alheia, assunto muito presente nes-se grupo, remete à idéia de Winnicott9 da for-mação do self. Para esse autor, o bebê, em seuestado de total dependência da mãe, precisa teruma experiência de segurança no mundo, queé adquirida por meio de uma maternagem su-ficientemente boa, que é a capacidade da mãe(ou do cuidador principal) de adequar-se àsnecessidades do bebê. Uma mãe suficientemen-te boa é capaz de introduzir a realidade paraseu bebê por meio de frustrações em pequenasdoses, que possam ser suportadas por seu egoprematuro. Com isso, o ego incipiente se for-talece pouco a pouco, podendo caminhar parauma dependência relativa com relação à mãe.

Nesse processo, o bebê vive – e a mãepermite que assim seja – uma relação de oni-potência em relação ao mundo, acreditando que

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tudo o que existe foi por ele criado. Essa expe-riência garante ao bebê uma sensação de serfonte de experiências boas, e é considerada porWinnicott9 como a base para a criatividadehumana e para o desenvolvimento daautoestima. Por meio desse processo seguro deintegração do eu, no qual o bebê vai perceben-do a diferença eu-outro de maneira gradual enão-intrusiva, acontece o desenvolvimento doself. Mais tarde, na medida em que amadure-ce, a pessoa será capaz de agir no mundo, desentir-se potente para a construção dos objetose das relações. Poderá exercer sua criatividadede maneira genuína e ser espontâneo.

Todavia, caso esse momento inicial da vidanão permita esse caminho adequado de cuidadoe crescimento do eu, porque a mãe não foi capazde ser suficientemente boa, ou por alguma mu-dança brusca externa que separou a mãe do bebêou impediu esse cuidado, a criança não chega aadquirir essa experiência de potencialidade e cria-tividade, e sofre ameaça de aniquilamento de seuself. Para se defender dessa experiência, passa areagir ao ambiente. Ou seja, vai se tornar reativaao que lhe acontece, de forma a garantir sua so-brevivência em um ambiente desfavorável ao ple-no desenvolvimento de suas potencialidades. Me-taforicamente falando, é aquele bebê que percebeas inadequações da mãe em seu cuidado e passaele mesmo a cuidar da mãe, em uma inversão depapéis que trará conseqüências danosas ao seuamadurecimento.

Frente a essas condições adversas, acriança desenvolve o que Winnicott9 denomi-nou de falso self, que ocupa o lugar do selfverdadeiro. Sua maneira de ser no mundo pas-sa a ser definida pelo que ela acha que os ou-tros querem dela. Suas atitudes não são es-pontâneas e existe uma persistente sensaçãode vazio interno, pois mesmo o amor das pes-soas vai ser sentido como falso, uma vez queacredita que as pessoas não amam o que ele érealmente, mas sim esse personagem que elaconstruiu para ser aceito no mundo e amadopelo outro.

Pode, inclusive, existir uma fantasia deser alguém muito ruim, pois se até a mãe, dequem é esperado amor e aceitação incondicio-nal, não conseguiu gostar dele, então deve serporque ele é muito repulsivo, portanto, devemesmo se esconder atrás de um falso self. Ou-tra fantasia comum é a de que, se as pessoas seaproximarem demais, vão perceber que ele éum engodo, uma falácia, então deve ser mantidauma confortável distância emocional das pes-soas, o que acaba por gerar isolamento huma-no e carência afetiva.

O indivíduo fóbico, quando está no meiode outras pessoas, não se sente bem, fica alheioaos acontecimentos e busca maneiras de esca-par da situação.7 Não é possível agir, ser es-pontâneo, é necessário reagir conforme o quese acredita que é esperado de si.9 No grupo,Roberta, Otávio e Luciana descreveram esseselementos de falso self: a excessiva preocupa-ção com a expectativa alheia, a pressão quesentiam para responder a essas expectativas, aimpossibilidade de serem espontâneos e teremque esperar para saber o que o outro esperadeles, antes de falarem ou fazerem algo.

A terapeuta Ana interpretou a transfe-rência presente no grupo até o momento:

Terapeuta Ana: Vocês não estão falan-do isso à toa! É o começo do grupo e estão seperguntando: “O que elas (terapeutas) espe-ram de nós?”.

Com essa fala, a terapeuta parecia iden-tificar, para os participantes, que as exigênciasque eles relatavam viver em sua rotina fora dogrupo provavelmente encontravam-se presen-tes também ali dentro. Portanto, eles tambémestariam vivenciando essa cobrança com rela-ção às terapeutas, buscando responder à expec-tativa que elas teriam com relação ao que elesdeveriam fazer no grupo.

Os silenciosos até então eram Marcus,Graziela, Pietra, Gustavo e Josiane. ParaZimerman6, a pessoa com severas inibiçõesfóbicas pode ficar em silêncio no grupo emrazão de suas dificuldades, mas ainda que em

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silêncio, pode estar participando da tarefa grupal,estando atenta e integrada ao que está aconte-cendo no grupo. O silêncio, todavia, pode teroutras funções no grupo, por exemplo, quandoum participante monopoliza a atenção dos de-mais para si por meio do excessivo silêncio, ouquando significa uma atitude de hostilidade eindiferença com relação aos demais participan-tes e grupoterapeutas. Pode também ser umadefesa contra sentimentos difíceis que estão cir-culando no grupo, e a pessoa em silêncio podeser porta-voz da resistência do grupo de abor-dar esses assuntos espinhosos.6

A sessão continou com Luciana, Otávioe Roberta falando das cobranças que sentiam.Logo após algumas falas – sempre permeadaspor momentos de silêncio – aconteceu a se-guinte interação:,

Terapeuta Clara: E tem como fugir defalar a respeito daqui (grupo)?

Otávio: Sim, podia não ter falado nada.Você tem mil artifícios para fugir.

Terapeuta Ana: O que te fez vir hoje?Otávio: Isso me prejudica muito (sinto-

mas). Me tira a segurança desde os 14 anos.Preciso resolver.

Até então o grupo falava dos mecanis-mos evitativos que eram utilizados para nãoter que enfrentar o medo de lidar com o outro.No grupo, esses mecanismos, segundo Otávio,também poderiam aparecer por meio de “milartifícios para fugir” desse enfrentamento. To-davia, se por um lado vinha a vontade de res-ponder com evitação – ficando em silêncio ouaté não vindo ao grupo – por outro apareceu avontade de não ter mais que responder semprea esses confrontos recorrendo à conhecida es-tratégia da evitação, ou seja, de não experimen-tar mais a ansiedade ou fobia social. Na falade Otávio foi possível perceber essaambivalência, ou seja, ele tinha a vontade de“resolver”, pois vivia esse sofrimento “desdeos 14 anos”, e por outro lado, teria que lidarcom o sofrimento gerado pelo confronto deseus próprios medos.

O estar no grupo parecia ser representa-tivo desse conflito, pois eram pessoas que ha-bitualmente evitavam os relacionamentos e quese propuseram a participar de uma modalidadede psicoterapia que iria colocá-los em relaçãocom várias pessoas. Zimerman6 afirma que essetipo de paciente “costuma regular a distânciaque deve manter das pessoas; nem longe de-mais, para não se perder do outro, e nem pertodemais, para não se perder no outro” (p. 123).

Foi a intervenção da terapeuta Ana, apre-sentada acima, que favoreceu com que Otáviopudesse entrar em contato com seu desejo deenfrentar suas dificuldades. Ao perguntar “oque te fez vir hoje”, Ana apontou para Otávioque, ainda que ele estivesse enfatizando a suamaneira repetitiva de funcionar predominan-temente com evitação, existia também um as-pecto nele que buscava uma direção alternati-va. Ou seja, o fato de ele ter ido para o grupoevidenciava sua capacidade de ocupar um pa-pel mais ativo na vida.

Após algumas falas que se seguiram àmanifestação de Otávio, Luciana afirmou:Luciana: O que é natural para os outros, paraa gente é complexo. Eu procuro me excluirdo que enfrentar a situação. Prefiro às vezesficar em casa do que ir em uma reunião deamigos.

Utilizando um critério subjetivo,Luciana separou as pessoas que não possuemfobia social (“os outros”) e as que possuem (“agente”). Ao fazer essa diferenciação, ela defi-niu as características que são próprias do gru-po das pessoas com ansiedade social, ou seja,“procurar se excluir” ao invés de “enfrentar asituação”, ou preferir “ficar em casa a sair comos amigos”. Além disso, Luciana entendia queas pessoas com fobia social achavam “comple-xos” os acontecimentos que seriam naturaispara as demais pessoas, como sair e participarde uma “reunião de amigos”.

Se por um lado a busca por entender asespecificidades das pessoas que apresentamfobias pode favorecer a estruturação de uma

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compreensão do fenômeno e de uma propostade intervenção profissional, por outro pode le-var à construção de uma personalidadedesviante aprisionada em seus sintomas – umapersonalidade anormal, no sentido de estar ex-cluída da normalidade. A classificação médicado Transtorno de Ansiedade Social – nomen-clatura atual que substitui a Fobia Social – e adescrição psicanalítica da personalidade fóbicapodem gerar discursos que são verbalizados,direta ou indiretamente, pelos participantescomo formas de comprovação da fantasia deserem mesmo anormais, estranhos, justifican-do assim sua tendência ao isolamento ou amanutenção de um falso self.

O uso dessas intelectualizações foi mui-tas vezes percebido nas falas de Luciana, que,ainda que desejasse profundamente internalizaro bom recebido no grupo10 dizia não acreditarque fosse boa, que pudesse vir a receber algode bom da vida ou oferecer algo de bom a al-guém. Nessa mesma sessão ela afirmou que“até elogios vindo do professor eu não acredi-to”, o que, transferencialmente, pode ser en-tendido como expressão de sua desconfiançade que, na experiência do grupo, não acredita-ria nos elogios que poderia ouvir das terapeutasou dos demais participantes.

Posteriormente, nessa mesma sessão,Graziela se colocou no grupo:

Graziela: O problema é você ir para oseminário, no começo. Depois flui. Começarque é o problema.

Ao falar de como se comportava frenteaos seminários que tinha que apresentar na fa-culdade, Graziela se referia também ao aqui-e-agora da situação grupal, dizendo que para elao “começar que era o problema”, mas que “de-pois fluía”; então, a dificuldade ali seria porser o primeiro dia do grupo, o seu começo, masacreditava que depois o grupo fluiria. Neri11

afirma que o primeiro encontro grupal, no qualos participantes se confrontam pela primeiravez, expressa a dificuldade que as pessoas têmde participar de grupos terapêuticos. Para esse

autor, apenas após algumas sessões os partici-pantes são capazes de mostrar mais de si mes-mos, passando a se sentirem mais seguros nogrupo.

Em uma grupoterapia estão presentesansiedades que podem ser depressivas,persecutórias, de aniquilamento, perda de amor,dentre outras, que podem mobilizar mecanis-mos de defesa, em cada participante e no gru-po como todo.6 A terapeuta Clara buscou inter-pretar a ansiedade persecutória presente nasessão até esse momento:

Terapeuta Clara: A pergunta de vocêsparece ser: “Será que nesse grupo vou sentiransiedade? No que vai dar esse grupo?”

A sessão inicial de uma grupoterapiapode gerar fantasias e ansiedades que são pró-prias do novo que esse momento representa.6

São pessoas que se encontram pela primeiravez para iniciar um caminho juntas.

Logo após essa fala, a terapeuta Ana tam-bém tentou explicitar os questionamentos pre-sentes no grupo:

Terapeuta Ana: Vocês se perguntam se oque vocês sentem é normal, se todo mundo sen-te isso.

Roberta: É para saber se tá todo mundono mesmo nível.

Otávio: Buscar solidariedade no sofri-mento.

Luciana: Tem gente que não entende esseproblema. Uma amiga minha queria estar den-tro de mim para depois me ajudar. Mas elanunca sentiu ansiedade.

Terapeuta Ana: É forte isso, uma vonta-de de ser entendido.

Essa interação, que aconteceu nessemomento da sessão, mostrou de maneira mui-to sensível o movimento de aproximação queos participantes puderam fazer nesse primeiroencontro, a partir das identificações que esta-beleceram entre si. Ana entendeu que os parti-cipantes estavam buscando perceber se as ou-tras pessoas (do grupo e fora dele) tambémsentiam o que eles sentiam. A normalidade pa-

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recia referir-se à igualdade de experiências, aocompartilhamento das características mencio-nadas até então no grupo: de cobrança, difi-culdade de se relacionar, se sentir pressionadofrente à expectativa de outrem.

A interpretação de Ana pareceu ter sidoexitosa em expressar o sentimento de Roberta,Otávio e Luciana, a vontade deles de conheceras pessoas com quem iriam partilhar aspectospessoais, com quem dividiriam uma terapia,espaço considerado de extrema intimidade.Eles queriam saber quem eram essas pessoas,se eram “como eles”, seguindo a fala anteriorde Luciana, ou se eram pessoas que “não en-tendiam” a dificuldade. A igualdade no grupofavoreceria com que eles se identificassem unscom os outros.

As falas desses três participantes trou-xeram à tona as dúvidas, inseguranças e dese-jos que experimentavam ali no grupo. Estavapresente a suspeita de que alguém no grupopoderia “não entender esse problema”, comoacontecia em algumas circunstâncias da vidade Luciana, que afirmava que somente quemsentiu “a ansiedade” que ela sentia, consegui-ria de fato ajudar. Roberta mostrou sua vonta-de de saber “se estavam no mesmo nível”, bus-cando reconhecer suas similaridades ediferenças. Otávio queria saber se as pessoasiriam ser “solidárias no seu sofrimento”.

Zimerman6, a partir da conceituação dosvínculos feita por Bion12, afirma que na expe-riência emocional entre as pessoas existe o vín-culo do reconhecimento, que seria a necessi-dade inata dos seres humanos de seremreconhecidos por alguém, de existirem a partirdo reconhecimento do outro.

Da literatura de grupos é possível res-gatar a idéia de que os grupos homogêneos pro-porcionam uma maior identificação entre osparticipantes e, portanto, maior coesãogrupal.5,13 Essa coesão favoreceria a tolerânciade aspectos hostis no grupo, uma maior influên-cia de um participante sobre o outro14, e a for-

mação de redes de apoio e socialização entreos participantes.15

A busca pelos “iguais” no grupo é a bus-ca pela construção de um grupo no qual os de-mais vão compreender a experiência individu-al, portanto, atribuindo uma identidadesemelhante a todos. Todavia, existe uma dife-rença entre poder se identificar com o outro, eassim poder se sentir próximo, afeiçoado, e seconfundir com o outro, em um envolvimentodo tipo fusional.

Klein16 pontuava que a identificaçãoprojetiva faz parte da vida de todos os sereshumanos. Precisamos projetar algo de nósmesmos nos outros para nos identificarmos,criarmos laços, investirmos libido e criarmosligações objetais. Assim, toda relação incluiessa identificação, que é a base para o desen-volvimento do amor entre as pessoas. Porém,o excesso de identificação projetiva impede quea pessoa reconheça o outro como um ser dis-tinto, na sua alteridade, e passe a tratá-lo comouma extensão de si, em um tipo de vinculaçãosimbiótica que cria a ilusão de fusão e que levaà profunda confusão de limites.

A fala de Luciana pareceu remeter a essaexperiência, a amiga teria que “estar dentro delapara ajudar”, ou seja, precisaria “ser ela” parapoder compreender o que ela está passando.Pode-se apreender nessa fantasia de incorpo-ração a influência de mecanismos de identifi-cação projetiva maciça, bem como outros ele-mentos próprios da posição esquizoparanóidedescrita e nomeada por Klein16. Nessa posição,há dificuldade de perceber a separação eu-ou-tro, o bebê não é capaz de perceber-se diferen-te da mãe e, não entendendo a existência deum dentro e um fora (realidade externa), não écapaz de negociar com o meio aquilo de quenecessita para nutrir seu mundo interno. Noadulto isso se expressa na atitude de não per-ceber que o outro é uma pessoa separada de si,que não tem os mesmos pensamentos e nãopode adivinhar os desejos e anseios que o ou-tro sente.

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Pessoas que funcionam predominante-mente nessa posição mantêm uma postura deexpectativa de que o outro saiba exatamente oque elas querem, sem ter que pedir, ou que ooutro se comporte conforme elas imaginaram(e projetaram) que ele deveria se comportar. Omedo de perceber-se separado da mãe, no casodo bebê, é pela perda da onipotência e pela acei-tação de sua condição de ação sempre limitadano mundo, ou seja, ter que perceber que a rea-lidade não vai se comportar sempre como elegostaria ou desejaria. A adaptação à realidadeexige do bebê, assim como do adulto, a matu-ridade para aceitar a frustração de perder esselugar do “tudo posso”, e inclusive ter que lidarcom as possíveis perdas dos objetos – se a mãenão é uma criação sua, mas uma pessoa sepa-rada de sua realidade psíquica, então ela podeir embora a qualquer momento, pode deixá-lo.

Assim, o funcionamento esquizopara-nóide, próprio dessa posição, remete aos mo-mentos nos quais, mesmo na vida adulta,regredimos para uma condição de esperar dooutro uma compreensão própria desse momen-to de ilusão simbiótica com a mãe. Para umbebê que não viveu essa experiência de formasatisfatória, pode existir uma negação dessamargem de diferença existente entre as pessoas,com mecanismos de defesa que tentam con-vencer a mente de que são todos iguais, no sen-tido de que o outro é tomado por minhas pro-jeções. Luciana fala de “entrar dentro dela”,em uma fusão que proporcionaria a sensaçãode estar sendo entendida e cuidada. Ou seja,só serviria a mãe que não a frustrasse com adura realidade de ser uma pessoa separada, fa-lha, limitada e, portanto, humana.

Em um vértice transferencial, Lucianatambém estava falando da mãe-grupo, que pre-cisaria cuidar dela de forma harmônica e efici-ente, funcionando como um útero, onde o bebêrecebe tudo o que precisa para manter suahomeostase, sem ter que fazer esforços. Essaforma de entender a fala de Luciana deriva tam-bém de outras sessões posteriores, nas quais

ela parecia se ressentir de que no grupo essetipo de apoio não viesse de forma tão precisa epronta com relação às suas necessidades, comose expressasse a sua raiva por uma mãe quenão pôde realizar todas suas projeções; umamãe que exige dela o reconhecimento e aceita-ção da alteridade.

No momento final dessa sessão, Robertaquestionou, após um período maior de silên-cio:

Roberta: Por que tá silêncio de novo?Luciana: Para ela descansar um pouco

(refere-se à observadora).Terapeuta Ana: Será que vocês tão

achando que são pesados?Terapeuta Clara: O receio de vocês é:

“Será que vamos suportar esses seis mesesaqui, juntos?”

Roberta quis entender por que o silên-cio voltou a aparecer no grupo. Luciana res-pondeu que era para que a observadora pu-desse “descansar um pouco”. A observadoratranscrevia manualmente, em tempo real, to-das as falas dos participantes, e para Lucianao fato de eles ficarem em silêncio faria comque a observadora pudesse “descansar umpouco” de sua função. Ana interpretou a fan-tasia presente nessa fala de Luciana, ou seja,a de que os participantes seriam cansativos epesados e, dessa forma, teriam causado algummal à observadora, que precisaria parar paradescansar.

A partir dessa interpretação, a terapeutaClara indagou aos participantes se a perguntalatente no grupo não seria a de se “é possívelsuportar o grupo”, ou se o grupo não seria pe-sado demais para eles (e, contratransferencial-mente, para as terapeutas).

Essa fantasia de “ser mau” pode serentendida à luz da teoria kleiniana da posiçãoesquizoparanóide. Nessa posição, o bebê nãoé capaz de perceber os objetos como totais epor isso relaciona-se com o mundo de formamaniqueísta, recorrendo à divisão parcial dosobjetos, definindo-os como bons ou maus. Bons

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seriam aqueles que lhe fazem bem e maus aque-les que o frustram. Assim, o bebê é incapaz deperceber que a mãe que o satisfaz – dá cari-nho, conforto, segurança, elimina sua dor esacia sua fome – é a mesma que em muitosmomentos o deixa só e insatisfeito, assoladopor suas ansiedades paranóides.

Para Klein17 o bebê só irá superar essacisão bom/mau quando alcançar a posição de-pressiva e puder perceber o objeto como total,introjetando-o como bom e mau ao mesmo tem-po, tendo, doravante, que suportar a ambiva-lência entre amor e ódio, presente em todas asrelações humanas. Para ocorrer essa passagemde posições, essa autora afirma que deve terpredominado nos primeiros meses de vida dobebê a experiência do objeto bom, de formaque ele foi capaz de introjetar esse bom crian-do a confiança nos objetos.

Quando o bebê tem a vivência do objetomau, ainda na posição esquizoparanóide, elesente intensa raiva desse objeto, podendo ten-tar destruí-lo em fantasia. Ao perceber que oobjeto “destruído” por seu ódio é o mesmoobjeto que ele ama e idealiza, o bebê experi-menta a culpa depressiva, que leva a tentativade reparar o dano infligido ao objeto. Uma mãeque consiga mostrar ao bebê que foi capaz desobreviver ao seu ataque fantasioso diminui afantasia inconsciente de ter sido terrível. To-davia, se a mãe mostra-se destruída por esseódio – supondo, por exemplo, que algo exter-no tenha acontecido que tenha feito com que amãe se afastasse concretamente do cuidado dobebê, ou uma mãe que por razões emocionaisnão conseguiu cuidar da criança – reforça nobebê a fantasia de ser terrível, de ter destruídoo objeto amado e de merecer punição por suadestrutividade.

Portanto, esse parecia ser o desafio des-se grupo. Suportar essas angústias iniciais eoferecer um espaço de reconstrução da pró-pria história, redescrevendo as defesas e an-siedades que geraram a psicopatologia eaprendendo a reconhecer e administrar suaslimitações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise aprofundada da sessão grupalrevelou aspectos importantes sobre o funcio-namento do grupo e sobre as características deseus participantes. Puderam ser percebidos oselementos ressaltados pela literatura da áreacomo próprios do início de um grupoterapêutico, tais como: a dúvida sobre comodeveriam se comportar em uma grupoterapia;o receio de se expor e a angústia frente ao des-conhecido.

E também apareceram elementos descri-tos na literatura psicanalítica como próprios daspessoas com ansiedade ou fobia social: a ne-cessidade de se comportar de acordo com aexpectativa alheia, a exigência exagerada deperfeição, o medo excessivo de falhar ou er-rar, a necessidade de controlar os próprios sen-timentos, a baixa auto-estima, sentimentospersecutórios, evitação dos contatos sociais eda intimidade nos relacionamentos.

Esses aspectos estavam presentes nogrupo e puderam ser evidenciados na dificul-dade dos participantes de se expressarem es-pontaneamente, na necessidade de cumpriremcom as expectativas dos psicoterapeutas, noreceio de serem punidos e nos longos perío-dos de silêncio, bem como na angústia queestes desencadeavam.

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Artigo recebido em: 30 de junho de 2009.Artigo modificado em: 15 de agosto de 2009.

Artigo aceito em: 28 de agosto de 2009.


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