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Improbidade administrativa e suspensão dos direitos políticos no contexto da preponderância...

Date post: 01-Feb-2023
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1 Improbidade Administrativa e Suspensão dos Direitos Políticos no Contexto da Preponderância Pragmática do Interesse público Emerson Gabardo Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná Professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Advogado Iggor Gomes Rocha Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar Advogado Sumário: 1. Uma interpretação da categoria “direitos políticos”; 2. A perda e a suspensão dos direitos políticos no regime da Constituição de 1988; 3. As penas decorrentes da Lei de Improbidade e as alterações da Lei da Ficha Limpa; 4. A diferenciação entre as penas de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos; 5. Referências. 1. Uma interpretação da categoria “direitos políticos” O ideário inerente aos direitos políticos foi um dos pilares da proposta iluminista que influenciou de forma determinante a Revolução Francesa, 1 ou, ao menos, segundo uma interpretação cultural da história, foi o elemento escolhido pelos revolucionários para justificar a ruptura almejada. 2 Durante os séculos seguintes, este acabou sendo um tema de absoluta centralidade na discussão a respeito das características do Estado de Direito moderno. 3 Já em meados do século XX, todavia, tal ideário acabou por sucumbir do ponto de vista de sua importância geopolítica para aquele referente ao Estado e bemestar, centrado nos direitos sociais. 4 Isso não significou o seu enfraquecimento teórico. Por outro lado, a sua progressiva consolidação nas democracias ocidentais transformou o que outrora havia sido fundamentalmente uma proposta política em um instrumental jurídicopositivo – 1 Ao menos em uma visão tradicional do fenômeno, como a de Ernst Cassirer. Cf.: CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994. 2 CHARTIER, Roger. Origens culturais da revolução francesa. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Unesp, 2009. 3 COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 4 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, p. 179 e ss.
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1  

 Improbidade  Administrativa  e  Suspensão  dos  Direitos  Políticos  no  Contexto  

da  Preponderância  Pragmática  do  Interesse  público      

Emerson  Gabardo  Professor  de  Direito  Administrativo  da  Universidade  Federal  do  Paraná  

Professor  de  Direito  Econômico  da  Pontifícia  Universidade  Católica  do  Paraná  Advogado  

 Iggor  Gomes  Rocha  

Mestre  em  Direito  Econômico  pela  Pontifícia  Universidade  Católica  do  Paraná  Especialista  em  Direito  Administrativo  pelo  Instituto  de  Direito  Romeu  Felipe  Bacellar  

Advogado      

Sumário:   1.  Uma   interpretação  da   categoria   “direitos  políticos”;  2.  A  perda  e  a   suspensão  dos  direitos  políticos  no  regime  da  Constituição  de  1988;  3.  As  penas  decorrentes  da  Lei  de  Improbidade   e   as   alterações   da   Lei   da   Ficha   Limpa;   4.   A   diferenciação   entre   as   penas   de  perda  do  cargo  e  suspensão  dos  direitos  políticos;  5.  Referências.      1.  Uma  interpretação  da  categoria  “direitos  políticos”  

 

O   ideário   inerente   aos  direitos  políticos   foi   um  dos  pilares  da  proposta   iluminista  

que  influenciou  de  forma  determinante  a  Revolução  Francesa,1  ou,  ao  menos,  segundo  uma  

interpretação   cultural   da   história,   foi   o   elemento   escolhido   pelos   revolucionários   para  

justificar  a  ruptura  almejada.2  Durante  os  séculos  seguintes,  este  acabou  sendo  um  tema  de  

absoluta   centralidade   na   discussão   a   respeito   das   características   do   Estado   de   Direito  

moderno.3  Já  em  meados  do  século  XX,   todavia,   tal   ideário  acabou  por  sucumbir  do  ponto  

de   vista   de   sua   importância   geopolítica   para   aquele   referente   ao   Estado   e   bem-­‐estar,  

centrado  nos  direitos  sociais.4  Isso  não  significou  o  seu  enfraquecimento  teórico.  Por  outro  

lado,  a  sua  progressiva  consolidação  nas  democracias  ocidentais  transformou  o  que  outrora  

havia  sido  fundamentalmente  uma  proposta  política  em  um  instrumental  jurídico-­‐positivo  –  

1     Ao  menos  em  uma  visão  tradicional  do   fenômeno,  como  a  de  Ernst  Cassirer.  Cf.:  CASSIRER,  Ernst.  A  filosofia  do  iluminismo.  2.  ed.  Campinas:  Unicamp,  1994.  2     CHARTIER,   Roger.   Origens   culturais   da   revolução   francesa.   Tradução   de   George   Schlesinger.   São  Paulo:  Unesp,  2009.  3     COSTA,   Pietro;   ZOLO,   Danilo   (Orgs.).  O   Estado   de   Direito.   Tradução   de   Carlo   Alberto   Dastoli.   São  Paulo:  Martins  Fontes,  2006.  4     NOVAIS,   Jorge  Reis.  Contributo  para  uma   teoria  do  Estado  de  Direito.  Coimbra:  Almedina,  2006,  p.  179  e  ss.  

2  

o   que,   de   fato,   não   ocorreu   com   o   tema   dos   direitos   sociais,   cuja   proposta   econômica   e  

política  ainda  é  tratada  de  maneiras  muito  mais  discrepantes  e  controvertidas  do  ponto  de  

vista  da  teoria  do  Direito  contemporânea  e,  mais  intensamente,  das  teorias  constitucionais.  

A  necessidade  de  positivação  dos  direitos  políticos  como  direitos  fundamentais  inerentes  ao  

Estado   constitucional   contemporâneo   é   algo   bastante   consensual.   Já   quanto   aos   direitos  

sociais,  a  regra  nos  demais  Estados  e  na  tradição  passada  brasileira  é  a  sua  não  consideração  

como  direitos  fundamentais  de  mesma  categoria  e  exigibilidade  –  ainda  que,  por  certo,  esta  

não  seja  uma  afirmação  que  possa  ser  feita  a  respeito  do  sistema  brasileiro  atual.5  

A  classificação  quanto  aos  direitos  fundamentais  tornada  famosa  por  intermédio  de  

Norberto   Bobbio,   a   partir   de   gerações   de   direitos,   parece   explicar   bem  o   fenômeno.6  Ou,  

pelo   menos,   o   explica   de   forma   muito   mais   eficiente   que   aquela   oriunda   de   sua   crítica.  

Atualmente,   não   são   poucos   os   autores   que   asseveram   a   existência   de   dimensões   de  

direitos  e  não  gerações  de  direitos.7  Mas  a  expressão  correta  parece  ser  mesmo  “gerações”.  

A   alegação   de   que   seria   equivocado   o   termo,   pois   os   direitos   da   geração   seguinte   não  

substituiriam   os   da   geração   anterior   não   procede.   Certamente   que   uma   geração   pode  

conviver  com  a  outra  e  esta  é  inclusive  a  regra  histórica  que  denota  a  passagem  do  tempo  a  

partir   de   momentos   de   nascimento   de   direitos,   cuja   afirmação   depende   de  

amadurecimento.  O  fato  de  que  os  direitos  políticos  ou  mesmo  os  direitos  sociais  podem  ter  

surgido  ou  antes  ou  depois,   dependendo  do   respectivo  Estado,  não  afasta   a  premissa  ora  

invocada.  Quando  se  pensa  em  “surgimento”  ou  “nascimento”  de  uma  geração  de  direitos,  

não  se  está  pensando  em  sua  positivação  concreta  neste  ou  naquele  sistema  –  ou  mesmo,  

na   sua   efetiva   garantia.     A   proposta   das   gerações   está   ligada   a   um   ideário   político,   cujas  

gerações   podem   ser   identificadas,   na   história   das   ideias,   de   forma   progressiva   no   tempo,  

independentemente   do   lugar.   Ou   seja,   a   primeira   geração   de   direitos   sempre   será   a   dos  

direitos  políticos,  mesmo  que  em  algum  determinado  lugar,  tenham  sido  antes  garantidos  os  

direitos  sociais.  

Ademais,   o   termo   dimensões   não   diz   nada   que   colabore   ao   entendimento   da  

questão.   Dimensão   é   tamanho,   é   medida,   é   extensão,   é   grau   de   potência   ou   um  

5     PANSIERI,  Flávio.  Eficácia  e   vinculação  dos  direitos   sociais:   relfexões  a  partir  do  direito  à  moradia.  São  Paulo:  Saraiva,  2012.  6     BOBBIO,  Norberto.  A  era  dos  direitos.  Tradução  de  Carlos  Nelson  Coutinho.  Rio  de  Janeiro:  Campus,  1992.  7     Como,   por   exemplo,   é   a   opinião   de   Dimoulis   e   Martins:   DIMOULIS,   Dimitri;   MARTINS,   Leonardo.  Teoria  geral  dos  direitos  fundamentais.  2  ed.,  São  Paulo:  RT,  2009,  p  30  e  ss.    

3  

determinado  lugar  a  mais,  quiçá  paralelo.  Não  parece  ser  este  o  caso.  A  fundamentação  dos  

direitos   políticos   e   dos   direitos   sociais   parte   de   pressupostos   totalmente   diversos   e  

fundamentos  que  não  possuem  uma  relação  linear  de  superioridade/inferioridade  ou  maior  

ou   menor   extensão.   São   categorias   de   direitos   diversas,   que   possuem   origens   teóricas  

diferentes,  e  não  meras  dimensões  de  um  mesmo  fenômeno  histórico.  A  situação  lógica  de  

serem   categorizadas   como   direitos   fundamentais   não   é   motivo   para   condicionar   sua  

trajetória  histórica  concreta.  

As  preocupações  teóricas  da  atualidade  têm  focado  na  questão  dos  direitos  sociais,  

como  a   “dimensão”  dos  direitos   fundamentais  mais   complexa.   Em  que  pese  a  quantidade  

imensa  de  estudos  sobre  a  relação  entre  direito  e  democracia,  na  sua  maioria  são  pesquisas  

que  partem  do  pressuposto  de  que  o  grau  de  maturidade  dos  direitos  políticos  retirou-­‐lhe  

sua   problematicidade.   O   problema   remanescente,   neste   tocante,   seria   muito   mais   a   sua  

implantação  nos  locais  ainda  carentes  de  um  Estado  de  Direito  sólido  e  de  uma  democracia  

procedimental   estabelecida.  No   caso  dos   direitos   políticos,   a   questão   seria   inversa   àquela  

proposta  por  Norberto  Bobbio  e,  em  certa  medida,  por  Francis  Fukuyama  (ambos,  de  uma  

maneira  ou  outra,  entenderam  que  havia  sido  superada  a   fase  do  reconhecimento  formal,  

ou  seja,  da  fundamentação  dos  direitos).8  

Todavia,  mesmo  em  Estados  como  o  Brasil,  em  que  não  resta  dúvida  a  respeito  da  

correspondência   entre   o   ideário   consagrado   dos   direitos   políticos   e   sua   positivação  

constitucional,   muitas   discussões   podem   ser   suscitadas   a   respeito   da   aplicabilidade   das  

normas   que   compatibilizam   os   direitos   e   o   mundo   da   vida. 9  Particularmente,   merece  

destaque  a  atualíssima  questão  do  embate  entre  direitos  fundamentais  e  interesse  público  –  

no   caso,   particularmente,   entre   direitos   políticos   e   sua   restrição   por   motivos   de   ordem  

coletiva.   Cada   vez  mais   caminha-­‐se,   em   Estados   de   capitalismo   tardio   e   desenvolvimento  

renitente  como  o  Brasil,  para  um  problema  inverso  ao  da  era  dos  direitos  políticos.  Se  por  

um   lado   cada   vez   mais   o   interesse   público   cede   perante   razões   inerentes   à   eficácia   dos  

direitos   sociais,   por   outro   lado,   os   direitos   políticos   cada   vez   mais   cedem   em   função   do   8     Uma  crítica  a  esta  posição  de  Bobbio  pode  ser  encontrada  em  trabalho  anterior:  GABARDO,  Emerson.  Os   direitos   humanos   fundamentais   em   face   das   reformas   constitucionais   neoliberais.   A   &   C   –   Revista   de  Direito   Administrativo   &   Constitucional.   Belo  Horizonte:   Fórum,   v.   1,   n.   03,   2000,   p.   75-­‐116.  Uma   crítica   à  posição  de  Francis  Fukuyama  foi   realizada  também  em  publicação  anterior:  GABARDO,  Emerson.  Eficiência  e  legitimidade  do  Estado.  São  Paulo:  Manole,  2003.  9     Pedindo  vênia  para  emprestar,  descompromissadamente,  a  expressão  consagrada  por  Habermas.  Cf.:  HABERMAS,   Jürgen.   Direito   e   democracia:   entre   facticidade   e   validade.   V.   I,   Tradução   de   Flávio   Beno  Siebeneichler.  Rio  de  Janeiro:  Tempo  Brasileiro,  1997.  

4  

interesse   público   -­‐   notadamente   o   interesse   público   sancionatório.   Tal   situação   retrata  

evidente  paradoxo:  certo  enfraquecimento  dos  direitos  políticos  em  face  dos  direitos  sociais  

como  sustentáculo  do  Estado  constitucional.    

Vê-­‐se   a   clara   imposição   de   razões   pragmáticas   (por   exemplo,   a   imoralidade   e   o  

patrimonialismo  estruturais  na  sociedade  brasileira)  em  situação  de  superioridade  às  razões  

de   princípio   (a   força   da   consagração   dos   direitos   políticos   como   direitos   fundamentais).  

Tema,   por   certo,   que   merece   ser   explorado   com   atenção   e   parcimônia.   A   questão   da  

suspensão   dos   direitos   políticos   em   razão   da   proteção   da   probidade   administrativa   é  

exemplo  interessante  deste  contexto  histórico  brasileiro  –  e  é  a  partir  deste  recorte  que  se  

tentará  discutir  a  temática  no  presente  artigo.  

 

2.  A  perda  e  a  suspensão  dos  direitos  políticos  no  regime  da  Constituição  de  1988  

 

Os   direitos   políticos   são   comumente   descritos   como   prerrogativas   inerentes   à  

cidadania  (ainda  que  a  ideia  de  cidadania  possa  ser  muito  mais  abrangente  que  a  de  direitos  

políticos,   pois   atualmente   está   ligada   também  aos   direitos   sociais).10  Direitos   políticos   são  

aqueles  inerentes  à  participação  direta  ou  indireta,  passiva  ou  ativa,  na  administração  da  res  

pública.  O   voto   direto   e   secreto,   o   plebiscito,   o   referendo,   a   iniciativa   popular,   formam  o  

conjunto  básico  reconhecido  pela  Constituição  brasileira  nesta  seara.11

A  perda  (definitiva)  ou  a  suspensão  (temporária)  dos  direitos  políticos  só  se  mostra  

viável,  no  ordenamento  brasileiro,  nas  hipóteses  taxativamente  arroladas  na  Constituição  da  

República.  Ou  seja,  apenas  em  situações  excepcionais,  descritas  pelo  constituinte,  é  que  se  

admite  que  um  cidadão  seja  privado,  de  forma  permanente  ou  transitória,  de  algum  de  seus  

mais   importantes   direitos   fundamentais,   notadamente,   o   direito   de   votar   e   de   ser   eleito  

para  um  cargo  público.  

Há   três   formas   de   privação   dos   direitos   políticos   segundo   o   artigo   15   da  

Constituição   Federal:   o   impedimento,   a   perda   e   a   suspensão,   retratados   em   diferentes  

10     CARVALHO,   José  Murilo  de.  Cidadania   no  Brasil:   o   longo   caminho.  5.  ed.  Rio  de   Janeiro:  Civilização  Brasileira,  2004.  11     O  Ministro  Teori  Albino  Zavaski  vai  além  destes  direitos  básicos  e  ainda  elenca  como  efeitos  do  gozo  de  direitos  politicos:    o  direito  de  ser  nomeado  para  alguns  cargos  não  eletivos  de  caráter  especiail,  o  direito  de  filiar-­‐se  a  partidos  políticos,  o  direito  de  assumer  cargo  público  não  eletivo,  o  direito  de  ser  redator-­‐chefe  ou  diretor   de   jornal   e   o   direito   de   ser   dirigente   sindical.   Cf.:   ZAVASKI,   Teori   Albino.   Direitos   politicos:   perda,  suspensão  e  controle  jurisdicional.  Revista  de  Processo.  Ano  2,  n.  85,  jan.-­‐mar.,  1997,  p.  181-­‐189.  

5  

hipóteses  de  incidência  em  seus  incisos  de  I  a  V.12  Interessante  observar  que  a  Constituição  

proíbe  a  “cassação”,  termo  utilizado  em  larga  escala  durante  o  período  da  ditadura  militar  

brasileira.13  Algumas   das   hipóteses   são   de   fácil   entendimento   e   aplicabilidade.   Outras,   no  

entanto,  geram  controvérsia  na  doutrina  e  na   jurisprudência.  Ademais,  exigem  colmatação  

legislativa   para   que   possam   ter   seu   âmbito   de   aplicabilidade  mais   bem  definido.   De   todo  

modo,  resta  consensual  que,  por  definição,  os  direitos  políticos  podem  ser  restringidos  não  

somente  pela  Constituição  Federal,  como  também  pela  atuação  legislativa.14  

A   doutrina   aponta   uma   série   de   consequências   jurídicas   possivelmente   aplicáveis  

quando   da   perda   ou   suspensão   dos   direitos   políticos   nos   termos   do   sistema   jurídico  

brasileiro  (seja  por  normatização  constitucional  ou   infraconstitucional):  o  cancelamento  do  

alistamento  eleitoral  (Código  Eleitoral,  artigo  71,  inciso  II);15  a  proibição  da  filiação  partidária  

(Lei   9.096/95,   artigo   22,   inciso   II);16  a   perda   do   mandado   eletivo   no   caso   de   senadores,  

deputados   federais   e   deputados   estaduais   (Constituição   Federal,   artigos   55,   inciso   IV,17  e  

artigo  27  §  1o);18  a  impossibilidade  de  investidura  em  cargo  ou  função  públicos  (Constituição  

Federal,  artigo  37,  parágrafo  4o,19  e  Lei  8.112/90,  artigo  5o,  incisos  II  e  III);20  a  impossibilidade  

12     Em   termos   específicos   seriam   estes   os   casos   do   artigo   15:   I   –   cancelamento   de   naturalização   por  sentença   transitada  em   julgado;   II   –   incapacidade  absoluta;   III   –   condenação  criminal   transitada  em   julgado,  enquanto  durarem  seus  efeitos;   IV  –   recusa  de  cumprir  obrigação  a   todos   imposta  ou  prestação  alternativa,  nos   termos   do   art.   5o,   VIII;   e   V   –   improbidade   administrativa,   nos   termos   do   art.   37,§   4o.   Embora   não   fale  expressamente  em  “impedimento”,  este  parece  ser  o  caso  nas  situações  em  que  a  pessoa  nunca  teve  o  direito  por  não  implementar  alguma  condição  necessária  (como  por  exemplo,  a  capacidade  civil).  13     AZEVEDO,   Débora   Bithiah   de;   RABAT,   Márcio   Nuno.   Parlamento   mutilado:   deputados   federais  cassados  pela  ditadura  de  1964.  Brasília:  Câmara  dos  Deputados,  Edições  Câmara,  2012.  14     GOMES,  José  Jairo.  Direitos  politicos.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo  Horizonte,  n.  100,  p.  103-­‐130,  jan./jun.,  2010,  p.  103.  15     Art.  71.  São  causas  de  cancelamento:  I  -­‐  a  infração  dos  artigos.  5º  e  42;  II  -­‐  a  suspensão  ou  perda  dos  direitos  políticos;   III   -­‐  a  pluralidade  de   inscrição;   IV   -­‐  o  falecimento  do  eleitor;  V  -­‐  deixar  de  votar  em  3  (três)  eleições  consecutivas.    16     Art.  22.  O  cancelamento   imediato  da   filiação  partidária  verifica-­‐se  nos  casos  de:   I   -­‐  morte;   II   -­‐  perda  dos  direitos  políticos;  (...)  17     Art.   55.   Perderá   o   mandato   o   Deputado   ou   Senador:   Art.   55.   Perderá   o   mandato   o   Deputado   ou  Senador:   I   -­‐  que   infringir  qualquer  das  proibições  estabelecidas  no  artigo  anterior;   II   -­‐  cujo  procedimento   for  declarado  incompatível  com  o  decoro  parlamentar;  III  -­‐  que  deixar  de  comparecer,  em  cada  sessão  legislativa,  à  terça  parte  das  sessões  ordinárias  da  Casa  a  que  pertencer,  salvo   licença  ou  missão  por  esta  autorizada;   IV   -­‐  que  perder  ou  tiver  suspensos  os  direitos  políticos;  V  -­‐  quando  o  decretar  a  Justiça  Eleitoral,  nos  casos  previstos  nesta  Constituição;  VI  -­‐  que  sofrer  condenação  criminal  em  sentença  transitada  em  julgado.  18     Art.  27.  O  número  de  Deputados  à  Assembleia  Legislativa  corresponderá  ao  triplo  da  representação  do  Estado  na  Câmara  dos  Deputados  e,  atingido  o  número  de  trinta  e  seis,  será  acrescido  de  tantos  quantos  forem  os   Deputados   Federais   acima   de   doze.   §   1º   -­‐   Será   de   quatro   anos   o   mandato   dos   Deputados   Estaduais,  aplicando-­‐   sê-­‐lhes   as   regras   desta   Constituição   sobre   sistema   eleitoral,   inviolabilidade,   imunidades,  remuneração,  perda  de  mandato,  licença,  impedimentos  e  incorporação  às  Forças  Armadas.  19     Art.  37.  A  administração  pública  direta  e  indireta  de  qualquer  dos  Poderes  da  União,  dos  Estados,  do  Distrito   Federal   e   dos   Municípios   obedecerá   aos   princípios   de   legalidade,   impessoalidade,   moralidade,  

6  

de  ajuizar  ação  popular  (Constituição  Federal,  artigo  5o,  inciso  LXXIII  –  caso  se  entenda  pela  

ausência   de   cidadania   ao   sujeito   que   não   detém   direitos   políticos);21  impedimento   para  

votar   e   ser   candidato   (Constituição   Federal,   artigo   14,   §   3o,   inciso   II); 22  a   vedação   à  

participação  em  projetos  de  iniciativa  popular  (Constituição  Federal,  artigo  61,  §  2o).23  

Observando  a  interpretação  da  doutrina  a  respeito  desta  matéria,  é  possível  inferir  

que   apesar   de   não   existir   qualquer   norma   geral   a   respeito,   costuma-­‐se   entender   que   a  

caracterização  das  consequências  da  perda  ou  suspensão  dos  direitos  políticos  é  imediata  e  

independentemente   de   outro   procedimento   de   implementação.   Todavia,   não   parece   ser  

esta   a   posição  mais   acertada.   A   falta   de   uma   normatização   a   respeito   da   implantação   da  

pena   não   implica   a   presunção   de   sua   eficácia   imediata   no   tocante   a   todas   as   suas  

consequências.   Ademais,   mesmo   quem   compartilha   do   entendimento   da   eficácia  

automática,  reconhece  a  existência  de  exceções  previstas  na  legislação  brasileira.  

Exemplo   significativo   deste   fato   é   exclusão   do   corpo   de   eleitores,   que   não   é  

automática.   Ela   depende   da   realização   do   contraditório   e   da   ampla   defesa   (ainda   que   o  

Código  Eleitoral   tenha  uma  redação  tímida  nesta  seara).  Do  mesmo  modo,  no  tocante  aos  

deputados  (federais  e  estatuais)  e  senadores  também  não  há  exclusão  direta  do  mandato.  É  

preciso   ato   da   Mesa   da   Casa   Legislativa   e   deve   ser   garantido   o   contraditório   e   a   ampla   publicidade  e  eficiência  e,  também,  ao  seguinte:  I  -­‐  os  cargos,  empregos  e  funções  públicas  são  acessíveis  aos  brasileiros  que  preencham  os  requisitos  estabelecidos  em  lei,  assim  como  aos  estrangeiros,  na  forma  da  lei.    20     Art.  5o    São   requisitos   básicos   para   investidura   em   cargo   público:   I  -­‐  a   nacionalidade   brasileira;   II  -­‐  o  gozo  dos  direitos  políticos;  III  -­‐  a  quitação  com  as  obrigações  militares  e  eleitorais;  IV  -­‐  o  nível  de  escolaridade  exigido  para  o  exercício  do  cargo;  V  -­‐  a  idade  mínima  de  dezoito  anos;  VI  -­‐  aptidão  física  e  mental.    21     Art.   5º   Todos   são   iguais   perante   a   lei,   sem   distinção   de   qualquer   natureza,   garantindo-­‐se   aos  brasileiros  e  aos  estrangeiros  residentes  no  País  a  inviolabilidade  do  direito  à  vida,  à  liberdade,  à  igualdade,  à  segurança  e  à  propriedade,  nos  termos  seguintes:  (...)  -­‐  LXXIII  -­‐  qualquer  cidadão  é  parte  legítima  para  propor  ação  popular  que  vise  a  anular  ato   lesivo  ao  patrimônio  público  ou  de  entidade  de  que  o  Estado  participe,  à  moralidade   administrativa,   ao   meio   ambiente   e   ao   patrimônio   histórico   e   cultural,   ficando   o   autor,   salvo  comprovada  má-­‐fé,  isento  de  custas  judiciais  e  do  ônus  da  sucumbência;  22     Art.  14.  A  soberania  popular   será  exercida  pelo  sufrágio  universal  e  pelo  voto  direto  e  secreto,  com  valor  igual  para  todos,  e,  nos  termos  da  lei,  mediante:  I  -­‐  plebiscito;  II  -­‐  referendo;  III  -­‐  iniciativa  popular.  (...)  §  3º   -­‐   São   condições   de   elegibilidade,   na   forma  da   lei:   I   -­‐   a   nacionalidade  brasileira;   II   -­‐   o   pleno  exercício   dos  direitos  políticos;  III  -­‐  o  alistamento  eleitoral;  IV  -­‐  o  domicílio  eleitoral  na  circunscrição;    V  -­‐  a  filiação  partidária;  VI   -­‐   a   idade  mínima  de:   a)   trinta  e   cinco  anos  para  Presidente  e  Vice-­‐Presidente  da  República  e   Senador;   b)  trinta   anos   para   Governador   e   Vice-­‐Governador   de   Estado   e   do   Distrito   Federal;   c)   vinte   e   um   anos   para  Deputado  Federal,  Deputado  Estadual  ou  Distrital,  Prefeito,  Vice-­‐Prefeito  e   juiz  de  paz;  d)  dezoito  anos  para  Vereador.  23     Art.   61.  A   iniciativa  das   leis   complementares  e  ordinárias   cabe  a  qualquer  membro  ou  Comissão  da  Câmara  dos  Deputados,  do  Senado  Federal  ou  do  Congresso  Nacional,  ao  Presidente  da  República,  ao  Supremo  Tribunal  Federal,  aos  Tribunais  Superiores,  ao  Procurador-­‐Geral  da  República  e  aos  cidadãos,  na   forma  e  nos  casos  previstos  nesta  Constituição.  §  2º   -­‐  A   iniciativa  popular  pode  ser  exercida  pela  apresentação  à  Câmara  dos  Deputados  de  projeto  de   lei   subscrito  por,  no  mínimo,  um  por   cento  do  eleitorado  nacional,  distribuído  pelo  menos  por  cinco  Estados,  com  não  menos  de  três  décimos  por  cento  dos  eleitores  de  cada  um  deles.  

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defesa,   seja   no   caso   do   §   2o   (em   que   a   decisão   cabe   ao   conjunto   dos   pares   quando   o  

parlamentar:  I  –  infringir  qualquer  das  proibições  estabelecidas  no  artigo  54;  II  –  faltar  como  

o  decoro  parlamentar;  e  VI  –  sofrer  condenação  criminal  transitada  em  julgado);  seja  no  caso  

do  §  3o  (em  que  se  trata  de  ato  de  deliberação  própria  da  Mesa,  no  caso  do  parlamentar:  III  

–  faltar  injustificadamente  para  além  do  limite  estabelecido;  IV  –  perder  ou  ter  suspensos  os  

direitos  políticos;  e  V  –  receber  tal  pena  da  Justiça  Eleitoral).  

Mas  o  fato  é  que  no  tocante  aos  chefes  do  Executivo  e  vereadores,  a  interpretação  

predominante  é  que  a  perda  do  mandato  é  automática  por  consequência  direta  e  imediata  

da  suspensão  dos  direitos  políticos  -­‐  notadamente  por  condenação  criminal.  E  não  importa  a  

pena   aplicada   (se   meramente   restritiva   de   direitos,   pecuniária,   prisão   aberta,   ou   prisão  

fechada),   nem   a   natureza   ou   as   características   do   crime   (se   doloso   culposo).   José   Jairo  

Gomes,  por  exemplo,  afirma  que  há  privação  dos  direitos  políticos  mesmo  se  o  sujeito   for  

“absolvido  impropriamente”,  sendo  aplicada  a  ele  uma  medida  de  segurança.  Para  o  autor,  

só  não  implicariam  a  suspensão  dos  direitos  políticos  os  casos  da  sursis  e  da  transação  –  pois  

nestes   casos   não   haveria   “condenação”   em   sentido   estrito. 24  No   mesmo   sentido   há  

posicionamentos  clássicos  do  Tribunal  Superior  Eleitoral.25  Teori  Albino  Zavaski,  entretanto,  

não  aceita  nem  mesmo  esta  ressalva,  não  fazendo  qualquer  diferenciação  entre  as  espécies  

de  penas  ou   crimes,  propondo  a   incidência  da   suspensão  dos  direitos  políticos  mesmo  no  

caso  da  sursis.26  E  parece  ser  realmente  esta  última  a  posição  definitiva  do  Supremo  Tribunal  

Federal.27    

Entretanto,   toda   esta   controvérsia   parece   relevante   apenas   para   os   casos   de  

senadores  e  deputados.  No   tocante  aos  demais,   salvo  disposição   legal   (ou  na  Constituição  

Estadual)  específica  em  contrário,  deveria  ser  direta  e  simplesmente  aplicado  o  que  diz  a  lei,  

no  caso,  o  Código  Penal.    E  o  Código  Penal  afirma  que  a  “perda  do  cargo,  função  pública  ou  

24     GOMES,  José  Jairo.  Direitos  Políticos.  Revista  Brasileira  de  Estudos  Políticos.  Belo  Horizonte,  n.  100,  jan.-­‐jun.,  2010,  p.  125.  25     Por   exemplo,   no   Recurso   11.562-­‐SP,   decidido   em   10.02.1995,   e   mais   recentemente   no   Recurso  Ordinário  em  Mandado  De  Segurança  261897-­‐MG,  decidido  em  22.02.2011.  26     ZAVASKI,   Teori   Albino.   Direitos   politicos:   perda,   suspensão   e   controle   jurisdicional.   Revista   de  Processo.  Ano  2,  n.  85,  jan./mar.,  1997,  p.  181-­‐189.  27     Como  por  exemplo,  no  RE  179502-­‐SP,   relatado  pelo  Ministro  Moreira  Alves,   em  31.05.95.   Em  certa  medida,  também  se  inserem  no  debate  (perda  do  mandato  parlamentar  que  deriva  do  preceito  constitucional  que   impõe   a   suspensão   ou   a   cassação   dos   direitos   políticos)   decisões   do   Supremo   Tribunal   Federal   mais  recentes,  como  na  AP  396-­‐QO,  relatada  pela  Ministra  Cármen  Lúcia,  com  julgamento  em  26.06.2013,  e  AP  470,  relatada  pelo  Ministro  Joaquim  Barbosa,  com  julgamento  em  17-­‐12-­‐2012.  

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mandato   eletivo”,   é   efeito   facultativo   da   condenação   criminal,   ressaltando   textualmente  

que  não  é  automático,  “devendo  ser  motivadamente  declarados  na  sentença”.28  

 

3.  As  penas  decorrentes  da  Lei  de  Improbidade  e  as  alterações  da  Lei  da  Ficha  Limpa  

 

O   artigo   37,   parágrafo   4o,   da   Constituição   Federal   prevê   quatro   espécies   de  

consequências   jurídicas   para   os   atos   de   improbidade   administrativa:   a)   suspensão   dos  

direitos   políticos;   b)   perda   da   função   pública;   c)   indisponibilidade   dos   bens;   e   d)  

ressarcimento   ao   erário.29  As   três   primeiras   retratam   penas   que   podem   ser   aplicadas   ao  

infrator.  A  última  não  é  pena,  é  obrigação  civil  de  reparação  de  dano,  em  que  pese  o  apego  

inexplicável   da   doutrina   e   jurisprudência   na   alocação   desta   consequência   também   como  

pena.   Interessante   observar   que   a   improbidade   administrativa   como   pena   não-­‐criminal  

passível   de   obstar   o   exercício   dos   direitos   políticos   é   uma   novidade   no   sistema   brasileiro  

instituída  pela  Constituição  de  1988;  e  na  falta  de  densidade  teórico-­‐doutrinária  prévia  que  

desse   sustentação   à   proposta   política   inovadora   levada   a   efeito   pela   constituinte,   vários  

mitos  acabaram  sendo  desenvolvidos  pelo  Judiciário  na  aplicação  prática  da  ideia.  

A  Lei  de  Improbidade  Administrativa  (Lei  8.429/1992)  é  exemplo  profícuo  de  como  

é  penosa   a   criação  de   regimes   jurídicos  diretamente  pelo   legislador  ou  pelos   juízes   e  não  

pela   doutrina   (este   último,   o   espaço   realmente   permissivo   para   o   debate   de   ideias,  

diferentemente  dos  dois  primeiros  –  ou  seja,  diferentemente  do  Judiciário  e,  com  ênfase,  do  

Legislativo).  Para  a  aplicação  das  penas  estabelecidas  constitucionalmente  é  preciso  que  o  

ato  infrator  seja  enquadrado  em  uma  das  três  hipóteses  da  Lei:  enriquecimento  ilícito  (artigo  

9o),  prejuízo  ao  erário  (artigo  10),  ou  atos  que  atentem  contra  princípios  da  Administração  

Pública  (artigo  11).  Esta  última  categoria  de  atos  seria  um  caso  cômico  se  não  fosse  trágico.  

Se  aplicada  ao  pé  da  letra,  a  lei  não  deixaria  escapar  uma  única  autoridade  pública  fora  do  

polo   passivo   judicial.   Uma   lei   rigorosíssima,  mas   impraticável   e   que   permite   uma  mistura  

absolutamente   indesejável   entre   o   administrador   corrupto   e   o   incompetente.   Na   sua   28     Art.  92  -­‐  São  também  efeitos  da  condenação:  I  -­‐  a  perda  de  cargo,  função  pública  ou  mandato  eletivo:  a)  quando  aplicada  pena  privativa  de  liberdade  por  tempo  igual  ou  superior  a  um  ano,  nos  crimes  praticados  com   abuso   de   poder   ou   violação   de   dever   para   com   a   Administração   Pública;   b)   quando   for   aplicada   pena  privativa  de  liberdade  por  tempo  superior  a  4  (quatro)  anos  nos  demais  casos.  (...)  Parágrafo  único  -­‐  Os  efeitos  de  que  trata  este  artigo  não  são  automáticos,  devendo  ser  motivadamente  declarados  na  sentença.    29     Literalmente:  “Os  atos  de   improbidade  administrativa   importarão  suspensão  dos  direitos  políticos,  a  perda   da   função   pública,   a   indisponibilidade   dos   bens   e   o   ressarcimento   ao   erário,   na   forma   e   gradação  previstas  em  lei,  sem  prejuízo  da  ação  pena  cabível.”  

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aplicação,  a  doutrina  e  parte  da  jurisprudência  muitas  vezes  acaba  por  criar  mecanismos  de  

equilíbrio  (por  vezes  forçado)  a  fim  de  evitar  injustiças.  Todavia,  este  equilíbrio  almejado  não  

tem   conseguido   evitar   o   aplicação   da   lei   de   forma   mais   intensa   do   que   deveria   para   os  

incompetentes  e  de  forma  mais  branda  do  que  deveria  para  os  corruptos.  Ademais,  não  tem  

conseguido   evitar   que   a   própria   propositura   da   ação   civil   pública   de   apuração   de  

improbidade  seja,  por  si  só,  uma  pena,  ainda  que  não  tipificada.  

Parte   da   problemática   deriva   do   fato   da   lei   ter   aceitado,   de   forma   confusa   e  

imprecisa,  a  possibilidade  de  atos  de  improbidade  culposos;  como  não  poderia  deixar  de  ser,  

isso   gerou   uma   discussão   sem   fim   no   contexto   nacional.   Nada   obsta   que   seja   possível   a  

tipificação  de  crimes  culposos  –  dependendo  obviamente  do  fato   institutivo  e  da  natureza  

da  ação.  Por  vezes  é  possível  apenar  criminalmente  um  sujeito  pela  sua  atuação  imprudente,  

imperita  ou  negligente.  Todavia,  não  faz  sentido  afirmar  que  alguém  agiu  com  má-­‐fé,  com  

desonestidade   e,   ao   mesmo   tempo,   sem   dolo.   É   totalmente   irracional   imaginar   um   ato  

ímprobo  por   culpa.  Por   certo  que  quando  a   lei   assim  estabelece,   seu  âmbito  de  aplicação  

acaba  por  ser  mais  abrangente  do  que  seu  escopo  inicial.  A  LIA  não  trata  só  da  improbidade  

e   sim,   trata   de   condutas   indesejáveis   e   que   serão   punidas   mediante   mecanismos   não-­‐

criminais   de   apuração   e   execução.   E   se   for   considerado   que   ela   deve   tratar   só   de   atos  

ímprobos,  como  em  tese  deveria  ser,  então  parte  da  lei  deve  ser  desconsiderada,  pois  trata  

de  temas  que  não  lhe  são  afetos.  

A   conceituação   feita   por   alguns   juristas,   tais   como   Juarez   Freitas,   que   propõe  

identificar  a  improbidade  como  o  ato  decorrente  da  intenção  desonesta  que  “viola  ao  senso  

médio  superior  da  moralidade  vigente  numa  determinada  comunidade”,30  infelizmente  mais  

dificulta  que  facilita  a  compreensão  e  resolução  do  problema.  Afirmar,  como  faz  o  autor,  que  

seria  exigível  a  “intenção  desonesta”,  mas  depois  aceitar  que  seja  possível  aplicar  a  pena  de  

improbidade  para   casos   de   “culpa   grave”   –   excluindo,   portanto,   outras   duas   categorias,   a  

“leve”  e  a  “levíssima”,  é  algo  no  mínimo  “pós-­‐moderno”.  Só  se  presta  a  deixar  ao  talante  do  

julgador  estabelecer,  a  partir  de  seus  pressupostos  totalmente  pessoais  e  subjetivos,  quando  

deve  ou  não  condenar  o  sujeito,  e  em  que  termos.  Ademais,  ao  contrário  do  que  defende  o  

próprio  professor  Juarez  Freitas,31  tal   interpretação  subjetivista  (que  infelizmente  domina  a  

30     FREITAS,   Juarez.   O   princípio   jurídico   da   moralidade   e   a   lei   de   improbidade   administrativa.   In:  BACELLAR  FILHO,  Romeu  Felipe.  Direito  Administrativo  Contemporâneo.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2004,  p.  136.  31     Assevera  o  autor:  “(…)  imperioso  que  o  ônus  da  prova  não  se  perceba  como  tecnicamente  invertido.”  FREITAS,  Juarez.  O  princípio  jurídico  da  moralidade  e  a  lei  de  improbidade  administrativa.    Op.  cit.,  p.  146.  

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prática   jurisprudencial)   acaba   por   inverter   o   ônus   da   prova.   Diga   o   que   disser   a   teoria  

doutrinária  e  o  texto  literal  das  decisões  judiciais  e  suas  ementas,  o  fato  é  que,  atualmente,  

o  ônus  da  prova   foi   invertido  na  generalidade  dos   casos.  Os   requeridos  em  ações   civis  de  

improbidade   têm   que   provar   que   são   inocentes   haja   vista   a   sua   implícita   presunção   de  

culpabilidade  –  reforçada  pela  correspondente  presunção  de  candidabilidade  ministerial.  

E  há  também  o  problema  do  bis  in  idem.  Quanto  a  lei  prevê  duas  penas,  é  possível  

aplicá-­‐las   cumulativamente.   Todavia,   na   ausência   de   sua   cominação   expressa   em   decisão  

judicial  ou  administrativa,  o  correto  seria   inibir  a  possibilidade  de  sua  aplicação,  pois  neste  

caso   haveria   uma   duplicação   da   pena   sem   respaldo   jurídico.   A   possível   reprovabilidade  

“moral”  não  pode  ser  relevada  pelo  Direito  de  forma  tal  a  que  faça  sucumbir  a  racionalidade  

tipicamente  jurídica  dos  direitos  fundamentais  positivados  constitucionalmente.  A  exaltação  

desmedida  do  princípio  da  incomunicabilidade  de  instâncias  acaba  por  permitir  um  concurso  

de   sanções   absolutamente   irrazoável   (e   que,   infelizmente   não   é   eficiente   no   combate   às  

ações  para  as  quais   são  destinadas).  Veja-­‐se  que  as  hipóteses  do  artigo  9o  da  LIA   também  

constituem   crime.   Muitas   das   hipóteses   do   inciso   10   estão   previstas   também   na   Lei   de  

8.666/93   (Lei   de   Licitações  e  Contratos),   na   Lei   Complementar   101/00  ou  na   Lei   4.717/65  

(Lei   de   Ação   Popular).   E   algumas   delas   são   crimes   também.   E   para   completar   existe   um  

conjunto  impressionante  de  códigos  de  ética  para  os  agentes  públicos,  além  da  recente  Lei  

Anticorrupção   Empresarial   (Lei   12.846/13)   –   a   qual,   por   sua   vez,   repete   vários   dos   tipos  

antes  enunciados,  ou  então  estabelecidos  em  outras  leis,  como,  por  exemplo,  a  Lei  Brasileira  

Antitruste   (Lei   12.529/11).   É   notável   a   crença   brasileira   na   imputação   de   tipos   como   o  

mecanismo  social  moralizador.  Infelizmente,  é  duvidosa  a  eficiência  deste  modelo  –  além  de  

redundar  em  um  sistema  também  de  duvidosa  constitucionalidade.  

O   Código   Penal,   que   talvez   melhor   seria   denominado   de   Código   “Criminal”,32  

disciplina  em  seu  artigo  92  a  respeito  dos  efeitos  da  condenação,  e  já  arrola  em  seu  primeiro  

inciso  três  hipóteses  distintas,  mas  com  idênticas  consequências  jurídicas  em  se  tratando  de  

decisão  condenatória:  a  perda  de  cargo,  função  pública  ou  mandato  eletivo.33  Todavia,  como  

não  poderia  deixar  de   ser,  neste   caso  há   condenação  pela  existência  de   crime,  o  que  não  

32     Conforme  posição   clássica  do  professor   Luis  Alberto  Machado.  Cf.:  MACHADO,   Luiz  Alberto.  Direito  Criminal.  2.  Ed.,  Rio  de  Janeiro:  Lumen  Juris,  2008.  33     Art.  92  -­‐  São  também  efeitos  da  condenação:  I  -­‐  a  perda  de  cargo,  função  pública  ou  mandato  eletivo:  a)  quando  aplicada  pena  privativa  de  liberdade  por  tempo  igual  ou  superior  a  um  ano,  nos  crimes  praticados  com   abuso   de   poder   ou   violação   de   dever   para   com   a   Administração   Pública;   b)   quando   for   aplicada   pena  privativa  de  liberdade  por  tempo  superior  a  4  (quatro)  anos  nos  demais  casos;  

11  

ocorre  com  o  caso  da  condenação  por   improbidade,  que  somente  pode  ser  administrativa  

ou  penal  (não  criminal  –  em  geral  chamada,  equivocadamente,  de  civil).  

Cumpre   salientar   que   a   decisão   que   aplica   a   sanção   de   suspensão   dos   direitos  

políticos  só  poderá  ser  executada  quando  do  trânsito  em  julgado  (como  preceitua  o  artigo  

20  da   Lei  de   Improbidade).34  Desse  modo,  não  há  que   se   falar  na   sua  execução  provisória  

(por  exemplo,  utilizando-­‐se  do  artigo  475-­‐O  do  Código  de  Processo  Civil).  Conduto,  após  a  

aprovação  da  Lei  da  Ficha  Limpa,  a  condenação  à  suspensão  de  direitos  políticos  por  órgão  

colegiado  (basicamente  o  segundo  grau  de  jurisdição)  pode  levar  a  causa  de  inelegibilidade  

mesmo   antes   do   trânsito   do   julgado,   impossibilitando   o   agente   de   obter   sua   candidatura  

(artigo   1º,   I,   l,   da   LC   nº   64/90). 35  Nesse   ponto,   diz   Marcos   Ramayana,   “executa-­‐se  

provisoriamente  parte  da  decisão  que  projeta  seu  efeito  especial,  ou  seja,  a   inelegibilidade  

por   improbidade.”36  Mas   só.   E   mesmo   esta   espécie   de   eficácia   estabelecida   pela   lei   é  

considerada  por  alguns  autores  como  inconstitucional.37  

Por  outro  lado,  o  Superior  Tribunal  de  Justiça,  por  decisão  de  sua  primeira  turma  na  

Medida   Cautelar   n.   16.932-­‐PE,   firmou   o   entendimento   de   que   é   possível   suspender   os  

efeitos  da  sanção  de  suspensão  dos  direitos  políticos  decorrentes  da  prática  de  improbidade  

por   exclusiva   afronta   a   princípios.   Isso   ocorre   justamente   em   razão   do   advento   da   Lei  

Complementar   135/2010   (desde   que,   portanto,   não   tenham   produzido   enriquecimento  

ilícito  ou  dano  ao  erário).    

Esta   decisão   foi   criticada   por   parcela   da   doutrina.   Luciana  Magalhães   Teixeira   da  

Silva,  por  exemplo,  defende  que  as  penas  da  Lei  de  Improbidade  Administrativa  e  da  Lei  da  

Ficha   Limpa   devem   ser   cumuladas   e   totalmente   independentes   (ou   seja,   se   o   sujeito   foi  

condenado  a  3  anos  pela  LFL  e  mais  3  anos  pela  LIA,  então  deverá  cumprir  6  anos  de  pena),  

34     Art.  20.  A  perda  da  função  pública  e  a  suspensão  dos  direitos  políticos  só  se  efetivam  com  o  trânsito  em  julgado  da  sentença  condenatória.  35     Art.   1º   São   inelegíveis:   I   -­‐   para   qualquer   cargo:   (...)   -­‐   l)   os   que   forem   condenados   à   suspensão   dos  direitos  políticos,  em  decisão  transitada  em  julgado  ou  proferida  por  órgão  judicial  colegiado,  por  ato  doloso  de  improbidade   administrativa   que   importe   lesão   ao   patrimônio   público   e   enriquecimento   ilícito,   desde   a  condenação  ou  o  trânsito  em  julgado  até  o  transcurso  do  prazo  de  8  (oito)  anos  após  o  cumprimento  da  pena;  36     RAMAYANA,  Marcos.  A   inelegibilidade  que  decorre  da   improbidade  administrativa  sancionada  como  causa  de  suspensão  dos  direitos  políticos.  Paraná  Eleitoral.  Curitiba,  v.  I,  p.  299-­‐300.  37     É   o   caso   da   posição   de   Gina   Copola.   Cf.:   COPOLA,   Gina.   A   suspensão   dos   direitos   políticos:   Lei   de  Improbidade  Administrativa  e  Lei  da  Ficha  Limpa.  Fórum  Administrativo.  Belo  Horizonte:  Fórum,  jun.,  2012,  p.  43-­‐47.  

12  

ainda  que  decorrentes  do  mesmo   fato.38  Tal   interpretação  da   autora  parece   caminhar   em  

sentido  oposto  ao  da  racionalidade  que  deveria  servir  de  substrato  para  uma  interpretação  

constitucional  da  questão.  

 

4.  A  diferenciação  entre  as  penas  de  perda  do  cargo  e  suspensão  dos  direitos  políticos  

 

A  interpretação  majoritária  da  doutrina  e  jurisprudência  nacional  acaba  por  coligar  

de   forma   peremptória   a   pena   de   suspensão   dos   direitos   políticos   com   a   perda   de   cargo  

chamado  de  “político”.  Exemplo  que  bem  demonstra  este  posicionamento  é  o  do  Ministro  

Teori  Albino  Zavaski,  que  distingue  cargos  de  governo  dos  cargos  públicos  administrativos  –  

para  os  primeiros,  a  suspensão  por  si  só  acarretaria  perda  do  cargo;  mas  os  outros,  somente  

a  perda  dos  direitos  políticos  (e  não  a  sua  suspensão)  implicaria  a  perda  do  cargo.39  

Entretanto,  esta  diferenciação  entre  cargos  de  natureza  administrativa  e  cargos  de  

natureza  política  não  tem  respaldo  no  sistema  positivo.  Trata-­‐se  de  classificação  doutrinaria  

oriunda   dos   tempos   em   que   também   eram   distintos   os   atos   políticos   dos   atos  

administrativos.   E   tal  diferenciação   fazia   sentido,  pois  os  atos  políticos  eram  considerados  

fora  da   jurisdição  do  Poder   Judiciário.40  Atualmente,  considerando  o  disposto  no  artigo  5o,  

inciso  XXXV,  da  Constituição  Federal,  que  estabelece  de   forma  peremptória  o  princípio  da  

jurisdição  una;41  e,  ainda,  considerando  a  ideologia  fortemente  pós-­‐positivista  prevalecente  

na  prática  ativista  dos  atuais  juízes  brasileiros  capitaneados  pelo  STF,42  não  parece  razoável  

supor  que  existam  atos  oriundos  de  qualquer  Poder  Público  que  estejam  imunes  ao  controle  

judicial.   Desta   forma,   a   classificação   também   perdeu   seu   sentido.   Todos   os   ditos   atos  

políticos   também  são  atos  administrativos  e  podem  ser   controlados  como   tal.   E  em  assim  

sendo,   seus   agentes   não   possuem  motivo   suficiente   para   desejarem   ser   categorizados   de  

forma  distinta.  O  fato  de  sua   investidura  ocorrer  por  diferentes  mecanismos   legitimatórios  

38     SILVA,   Luciana  Magalhães  Teixeira  da.  A   sanção  de   suspensão  dos  direitos  politicos  para  os   atos  de  improbidade.  De  Jure  –  Revista  Jurídica  do  Ministério  Público  de  Minas  Gerais.  v.  10,  n.  17,  jul./dez.,  2011,  p.  524-­‐528.  39 ZAVASKI,   Teori   Albino.   Direitos   politicos:   perda,   suspensão   e   controle   jurisdicional.   Revista   de  Processo.  Ano  2,  n.  85,  jan./mar.,  1997,  p.  181-­‐189. 40         E   isso   não   é   nenhuma   novidade.   Sobre   o   assunto   é   clássica   e   eluciadora   a   lição   de   Hely   Lopes  Meirelles:  MEIRELLES,  Hely  Lopes.  Direito  Administrativo  Brasileiro.  21  ed.,  São  Paulo:  Malheiros,  1996,  p.  612.  41     “a  lei  não  excluirá  da  apreciação  do  Poder  Judiciário  lesão  ou  ameaça  a  direito;”  42     VALLE,  Vanice  Regina  Lírio  do  (Org.).  Ativismo   jurisdistional  e  o  Supremo  Tribunal  Federal.  Curitiba:  Juruá,  2009.  

13  

não  impacta  nas  formas  de  controle  e  sancionamento.  Muito  menos  permite  propor  que  os  

detentores   de   “cargos   políticos”   teriam   menos   proteção   que   os   ocupantes   de   “cargos  

meramente  administrativos”.  Aliás,  isso,  por  si  só,  parece  ser  um  contrassenso.  

Mas  o  fato  é  que  a  maioria  da  doutrina  não  pensa  assim.  Autores  como  Arthur  Luis  

Mendonça   Rollo   asseveram   que   “quem   tem   suspensos   os   direitos   políticos   no   curso   do  

mandato  poderá  perdê-­‐lo.  De  outra  parte,  o  desaparecimento  de  qualquer  das  condições  de  

elegibilidade  ou  a  incidência  nas  situações  de  inelegibilidade  não  tem  potencial  de  afetar  o  

mandato   em   curso,   muito   embora   implique   em   restrições   a   futuras   candidaturas.”43  No  

mesmo  sentido,  Adriano  Soares  da  Costa  afirma  que  na  suspensão  dos  direitos  políticos  há  

restrição   total   ao   exercício   de   tais   direitos,   na   inabilitação  o   cidadão  pode   votar   e   propor  

ação  pública,  mas  não  ocupar  cargo,  função  ou  emprego  público  nem  mandato  eletivo,  e  na  

inelegibilidade  pode  votar,  propor  ação  pública  e  ocupar  cargo,  função  ou  emprego  público.  

Os   institutos   mostram-­‐se   como   círculos   concêntricos,   sendo   a   suspensão   dos   direitos  

políticos  o  mais  amplo  e  a  inelegibilidade  a  mais  restrita.44  

Seguindo  esta   linha  de  pensamento,  o  Supremo  Tribunal  Federal  tradicionalmente  

vincula  a  pena  de  perda  do  mandato  com  a  de  suspensão  dos  direitos  políticos.  Observe-­‐se  o  

aresto  jurisprudencial  do  STF  que  descreve  situação  em  que  ocorreu  a  perda  do  mandato  do  

parlamentar:    

 

“Extinção  de  mandato  parlamentar  em  decorrência  de  sentença  proferida  em  ação  de   improbidade  administrativa,  que  suspendeu,  por  seis  anos,  os  direitos  políticos  do   titular   do  mandato.   Ato   da  Mesa   da   Câmara   dos   Deputados   que   sobrestou   o  procedimento  de  declaração  de  perda  do  mandato,   sob   alegação  de   inocorrência  do  trânsito  em  julgado  da  decisão  judicial.  2.  Em  hipótese  de  extinção  de  mandado  parlamentar,   a   sua   declaração   pela   Mesa   é   ato   vinculado   à   existência   do   fato  objetivo   que   a   determina,   cuja   realidade   ou   não   o   interessado   pode  induvidosamente   submeter   ao   controle   jurisdicional.   3.   No   caso,   comunicada   a  suspensão   dos   direitos   políticos   do   litisconsorte   passivo   por   decisão   judicial   e  solicitada   a   adoção   de   providências   para   a   execução   do   julgado,   de   acordo   com  determinação  do  Superior  Tribunal  de  Justiça,  não  cabia  outra  conduta  à  autoridade  coatora   senão   declarar   a   perda   do   mandato   do   parlamentar.   4.Mandado   de  segurança:  deferimento.”  45  

43     ROLLO,  Arthur  Luis  Mendonça.  Condições  de  elegibilidade.   In:  ROLLO,  Alberto   (Org.).  Elegibilidade  e  inelegibilidade.  Caxias  do  Sul:  Plenum,  2008,  p.  41-­‐79,  p.  42-­‐43.  44     COSTA,   Adriano   Soares   da.   Inabilitação   para  Mandato   Eletivo:   aspectos   eleitorais.   Belo  Horizonte:  Ciência  Jurídica,  1998.      45     MS  25461/DF  -­‐  DISTRITO  FEDERAL  MANDADO  DE  SEGURANÇA  Relator:  Min.  SEPÚLVEDA  PERTENCE  -­‐  Julgamento:  29/06/2006  Órgão  Julgador:  Tribunal  Pleno.  

14  

 

Há,  finalmente,  decisão  recente  do  STF  neste  sentido,  proferida  pelo  Ministro  Carlos  

Ayres  Britto  quando  do  exercício  da  Presidência:  

 

“É   que   o   Poder   Executivo   do   Município   de   São   Vicente   do   Sul/RS   está   sob   o  comando   de   pessoa   condenada   por   ato   de   improbidade   administrativa,   em  sentença   transitada   em   julgado.   Sentença   que   expressamente   suspendeu   os  direitos  políticos  do  Prefeito.  Noutras  palavras,  a  gestão  dos  interesses  públicos,  no  âmbito   daquele  Município,   está   entregue,   por   efeito   da   liminar/segurança   cuja  suspensão  ora  se  requer,  a  agente  que  não  reúne,  temporariamente,  as  condições  do  exercício  pleno  da  cidadania.   Isto  por  haver  atentado,  exatamente,  contra  os  interesses  públicos  pelos  quais   lhe   cabia   zelar.  Por   fim,  ainda  que  o   instrumento  processual   da   suspensão   de   segurança   não   se   preste   para   análise   de   mérito,   é  mister   frisar  que  este   Supremo   Tribunal   Federal   já   decidiu   que   a   suspensão   dos  direitos   políticos,   salvo   a   hipótese   do   §   2º   do   art.   55   da   Constituição   Federal,  acarreta   a   perda   do   mandato   eletivo   (RE   225.019,   Rel.   Min.   Nelson   Jobim;   RE  418.876,   Rel.  Min.   Sepúlveda   Pertence).  6.  Ante  o  exposto,  defiro  o  pedido  para  suspender   a   execução  da   liminar/segurança   concedida  nos   autos  do  Mandado  de  Segurança  nº  70046335204,  até  o  trânsito  em  julgado  do  processo.  “  46    

O  que  o  então  Ministro  Carlos  Ayres  Britto  parece  querer  destacar  é  a  contradição  

moral   da   situação   –   moral   no   sentido   comum   do   termo   e   não   como   significante   de  

“moralidade   administrativa”. 47  Segundo   o   Ex-­‐presidente   do   Supremo,   a   gestão   dos  

interesses  públicos  não  pode  ser  entregue  a  quem  não  reúne,  ainda  que  temporariamente,  

as   condições   do   exercício   pleno   da   cidadania,   justamente   por   ter   ofendido,   na   visão   do  

Poder  Judiciário  (e  não  necessariamente  do  eleitor),  interesses  públicos  pelos  quais  lhe  cabia  

zelar. 48  Nestes   termos,   a   mera   inelegibilidade,   impossibilidade   de   ser   candidato   a   um  

46     Suspensão  de  Liminar  570-­‐RS  -­‐  STF  -­‐  28/08/2012  -­‐  Publicação,  DJE  ,  Rel.  Min.  Carlos  Ayres  Britto  –  sem  grifo  no  original.  47     Esta  diferenciação,  antes  muito  fácil  de  ser  compreendida,  atualmente  vem  implicando  farto  conjunto  de  confusões.  A  “moralização”  do  Direito  e  particularmente  do  Direito  administrativo,  vem  transformando  os  juízes   em   “paladinos   da   moralidade   pública”,   muitas   vezes   apenas   mediante   a   transferência   de   suas  concepcões   pessoais   em   decisões   jurídicas.   A   hermenêutica   fluida   e   subjetivista   vem   se   alastrando   na  interpretação   juridical   brasileira   em   detrimento   do   que   deveria   ser   uma   novo   paradigma   de   racionalidade.  Cabe  aqui  relembrar  o  professor  Manoel  de  Oliveira  Franco  Sobrinho:  “A  moral  juridical  não  é  uma  mera  moral  de  costumes  personalizados  ou  sociais.  Vai  além  de  conjecturas  particulares  ou  de  preconceitos  pessoais.  Cf.:  OLIVEIRA  SOBRINHO,  Manoel  de.  O  princípio  constitucional  da  moralidade  administrativa.  Curitiba:  Gênesis,  1993,  p.  19.  48     Particularmente  neste  caso,  o  Prefeito  foi  condenado  em  decorrência  da  ação  civil  pública  na  qual  ele  foi   acusado   de   autorizar   pessoalmente   que   moradores   de   baixa   renda   comprassem   em   farmácia   privada  medicamentos   que   estavam   em   falta   na   farmácia   municipal.   Conforme   depoimentos,   antes   de   assinar   a  autorização  de  compra,  os  moradores  precisavam  apresentar  ao  prefeito   três  orçamentos.  O  prefeito  alegou  que  essa  foi  a  solução  encontrada  para  garantir  que  a  população  de  baixa  renda  recebesse  os  medicamentos.  

15  

mandato   eletivo,   dá   lugar   à   impossibilidade   do   próprio   exercício   de   mandado   eletivo.   A  

partir  desse  entendimento,  ter  os  direitos  políticos  suspensos  seria  uma  das  formas  de  perda  

de   função   pública.   Esta   visão   é   uma   demonstração   típica   da   hermenêutica   moral-­‐

perfeccionista   que   vem   sendo   cada   vez   mais   comumente   aplicada   na   interpretação   do  

Direito  constitucional  brasileiro.49    

Todavia,   esta   posição   “moralizadora”   não   é   unânime   e,   certamente,   merece  

reflexão,   por   não   ser   tão   óbvia   quanto   muitos   autores   parecem   entender   –   ao   menos  

quando   se   procura   uma   interpretação   jurídica   com   base   na   proteção   dos   direitos  

fundamentais   como   trunfos   contra   a   maioria.50  O   Tribunal   Superior   Eleitoral,   o   Tribunal  

Regional   Eleitoral   de  Minas   Gerais   e   o   Tribunal   Regional   Eleitoral   do   Rio   de   Janeiro,   por  

exemplo,   já   se   posicionaram   diferenciando   as   sanções   de   perda   da   função   pública   e  

suspensão  dos  direitos  políticos.51  Merece  destaque  a  ementa  do  acórdão  do  TSE:  

 

“Registro.   Candidato.   Prefeito.   Direitos   políticos.   Suspensão.   1.   As   causas   de  inelegibilidade   e   as   condições   de   elegibilidade   são   aferidas   no   momento   da  formalização   da   candidatura.   2.   A   imposição   da   pena   de   suspensão   de   direitos  políticos  em  se  de  ação  civil  pública,  cuja  sentença  foi  proferida  após  o  pedido  de  registro,  não  causa  óbice  ao  registro  da  candidatura.”    

Ou   seja,   a   suspensão   dos   direitos   políticos   e   a   perda   da   função   pública   foram  

consideradas  sanções  autônomas,  a  serem  aplicadas  de  acordo  com  a  gravidade  do  fato.  Há  

que   se   compreender   a   opção   do   legislador   infraconstitucional   na   Lei   de   Improbidade  

Administrava   por   duas   sanções   independentes:   um   agente   público   pode   ser   condenado   à  

perda  da   função  pública,  porém  mantida  a  plenitude  de  seus  direitos  políticos;  e  pode  ter  

seus  direitos  políticos  suspensos  temporariamente,  sem  que  a  essa  sanção  se  some  à  perda  

de  função  pública.    

Afirmou  que  a  prática   resultou  em  redução  nos  gastos  da  prefeitura.  O   juízo  de  primeiro  grau   ressaltou  que  não   houve   comprovação   de   acréscimo   no   patrimônio   do   prefeito,   razão   pela   qual   aplicou   parcialmente   as  penas  previstas  no  artigo  12  da  LIA.  Contudo,  pena  suficiente  para  que  o  STF  entendesse  que  ele  não  reunia  condições  morais  de  permanecer  no  cargo  –  ademais  de  ter  atentado  contra  o  interesse  público.  A  decisão  do  Supremo   foi   proferida   no   âmbito   de   pedido   de   suspensão   de   liminar   deferida   nos   autos   do   Mandado   de  Segurança  nº  70046335204  do  Tribunal  de  Justiça  do  Rio  Grande  do  Sul.  49     Uma   crítica   a   este   perccionista   pode   ser   encontrada   no   trabalho   de   Clèmerson   Merlin   Clève.   Cf.:  CLÈVE,  Clèmerson  Merlin.  Jurisdição  constitucional  e  paternalismo:  considerações  sobre  a  lei  da  ficha  limpa.  In:  ______.  Temas  de  Direito  Constitucional.  2.ed.,  Belo  Horizonte:  Fórum,  2014.  50     NOVAIS,  Jorge  Reis.  Direitos  fundamentais:  trunfos  contra  a  maioria.  Coimbra:  Coimbra,  2006.  51     O  TSE,  em  acórdão  do  Ministro  Arnaldo  Versiani:  AgR-­‐REsp  n.  33.683,  de  26.11.2008;  o  TRE  de  MG,  no  RE  –  29094,  de  01.10.2012;  e  o  TRE  do  RS,  no  acórdão  n.  70046985149,  de  04.04.2012.  

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E  é  importante  ressaltar  que  em  outros  casos  de  restrição  a  direitos  políticos  o  STF  

tem   sido   muito   mais   renitente   em   admitir   a   identificação   de   penas   não   expressamente  

previstas.  É  o   caso,  por  exemplo,  da  decisão  a   respeito  da  desincompatibilização  do  cargo  

para   a   reeleição.52  Então,   no   Brasil   atual,   considera-­‐se   razoável,   moral   e   perfeitamente  

compatível   a   situação   em   que   os   chefes   do   Executivo   que   pretendam   se   reeleger   não  

precisam  deixar  o  cargo;  mas  se  quiserem  disputar  outro  cargo,  deverão  deixar  o  atual  (seis  

meses  antes).  Defendida  a  restrição  implícita  por  via  de  ação  direta  de  inconstitucionalidade,  

o   Judiciário   afastou   a   existência   da   limitação   ao   exercício   do   direito   político   –   mesmo   o  

resultado   tendo   sido   criticado,   pela   sua   total   irracionalidade,   por   parcela   considerável   da  

doutrina. 53  A   questão   é   que   o   Supremo   possuía   um   argumento   fortíssimo   para   a  

manutenção  desta   irracionalidade  criada  pelo   legislador  reformador  –  a   impossibilidade  de  

restrição  não  expressa  a  um  direito  político  de  caráter  fundamental.  A  mera  interpretação,  

no  caso,  não  poderia  ser  causa  da  limitação  pretendida.    

Cabe  ser  questionado:  qual  é  o  motivo  pelo  qual  tal  razão  não  se  aplica  ao  caso  da  

perda   do   mandato   pela   suspensão   dos   direitos   políticos.   De   fato   a   Constituição   Federal,  

quando  quis  impor  tal  vinculação  às  penas,  o  fez  expressamente.  E  o  fato  de  não  ter  feito  a  

vinculação   aos   demais   casos   (como   dos   chefes   do   executivo),   ainda   que   possa   ser  

considerado   algo   “irracional”,   não   parece   ser   uma   situação   diversa   da   anterior   (a   da  

desincompatibilização   para   a   reeleição).   O   STF   parece   ter   deixado   totalmente   lado,   no  

52     ADInMC  1.805-­‐DF,  rel.  Min.  Néri  da  Silveira,  26.3.98:  “Em  seguida,  o  Tribunal,  por  maioria,  indeferiu  a  medida   liminar   em   que   se   requeria   fosse   concedida   interpretação   conforme   à   Constituição   Federal   ao  mencionado  §  5º,  do  art.  14,  da  CF,  pretendendo  a  aplicação,  aos  casos  de  reeleição  para  o  mesmo  cargo,  da  renúncia   do   mandato   prevista   no   §   6º   do   mesmo   art.   14,   da   CF   ("Para   concorrerem   a   outros   cargos,   o  Presidente  da  República,  os  Governadores  de  Estado  e  do  Distrito  Federal  e  os  Prefeitos  devem  renunciar  aos  respectivos   mandatos   até   seis   meses   antes   do   pleito.").   À   primeira   vista,   entendeu-­‐se   não   ser   possível  interpretar  a  CF  de  modo  a  criar  cláusula  restritiva  de  direitos  políticos  não  prevista,  expressamente,  no  texto  constitucional.   Considerou-­‐se,   ainda,   que   a   tese   sustentada   pelos   autores   da   ação   -­‐   ofensa   aos   princípios  constitucionais  da  razoabilidade,  da  proporcionalidade,  da  isonomia  e  da  moralidade  na  administração  (CF,  art.  60,   §  4º,   IV   c/c  §  2º,  do  art.   5º)   -­‐   não  possuía  a   relevância   jurídica  necessária  para   justificar   a   concessão  de  medida   liminar,  uma  vez  que  não   restou  comprovada  a  ofensa  direta  a  nenhuma  das   cláusulas  pétreas  pelo  mencionado  §  5º,  do  art.  14,  da  CF,  porquanto  não   se  declara  a   inconstitucionalidade  de  ato  normativo  por  violação  ao  sistema  da  CF,  mas  apenas  a  dispositivo  expresso  desta.  Vencido  o  Min.  Marco  Aurélio,  que  deferia  a  cautelar  por  entender  que  não  se  poderia  emprestar  alcance  ao  §  5º  do  art.  14,  da  CF,  de  modo  a  que  os  candidatos   à   reeleição   permanecessem   nos   seus   respectivos   cargos   sem   a   necessidade   da  desincompatibilização,  sob  pena  de  conflito  com  o  sistema  constitucional  em  vigor  (...).”  53     Sobre  o  assunto,  merece  referência  a  posição  de  Eneida  Desiree  Salgado:  “Nesse  ponto,  vale  ressaltar,  o   texto   constitucional   presente  macula-­‐se   de   inconstitucionalidade:   o   parágrafo   quinto   do   artigo   14,   com   a  redação  dada  pela  Emenda  Constitucional  16/97,  é  inconstitucional.  Inconstitucionalidade  potencializada  pela  leitura  respeitosa  e  tímida  do  Poder  Judiciário  em  face  de  sua  incoerência  com  o  parágrafo  sexto,  que  impõe  o  afastamento  definitivo  dos  chefes  do  Poder  Executivo  para  concorrer  a  outros  cargos.”  Cf.:  SALGADO,  Eneida  Desiree.  Princípios  Constitucionais  Eleitorais.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2010,  p.  20.  

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conjunto  de  seus  julgamentos,  o  brocardo  romano  que  assim  asseverava:  ubi  idem  ratio,  ibi  

idem  jus  (onde  houver  a  mesma  razão,  aplica-­‐se  o  mesmo  direito).  

Nesta   seara,   deve-­‐se   levar   em   consideração  o   argumento  de  que   a   suspensão  de  

direitos  políticos  constituiria  impedimento  para  a  investidura  no  cargo  público,  conforme  se  

depreende  do  que  expressa  o  art.  8º,  inciso  II,  da  Lei  Complementar  Estadual  nº  68/1992.  E  

em   assim   sendo,   também   impediria   o   exercício   do   mandato.   Entretanto,   o   evento  

investidura   já   teve   lugar   quando   ocorreu   a   nomeação   e   posse   do   agente   e   se   naquela  

ocasião   ele   envergava   as   condições   legais   para   tanto,   não   poderão   estes   requisitos   de  

investidura  ser  reapreciados  em  momento  posterior.  A  própria  legislação  eleitoral  utiliza-­‐se  

deste   raciocínio   quando   regula   de   forma   discrepante   as   formas   de   impugnação   da  

candidatura,  por  um  lado,  e  do  mandato  eletivo,  por  outro.54  

Disto  resta  concluir  que  qualquer  sancionamento  que  venha  a  resultar  na  perda  do  

cargo   político   (eletivo   ou   por   nomeação)   somente   poderá   advir   de   previsão   legal   que  

ampare   tal   decisão   (como   no   caso   de   pena   de   caráter   criminal),   ou   resultar   de   efeito  

específico  da  decisão  condenatória  proferida  pelo  Poder  Judiciário  em  decisão  transitada  em  

julgado  (meramente  penal  –  não  criminal),  ou  em  virtude  de  processo  administrativo  aberto  

em   vista   de   fatos   infracionais   posteriores   à   sua   investidura   no   cargo   –   nos   termos   da  

legislação   regente   específica.   Não   é   possível   imaginar   a   pena   de   perda   do   cargo   apenas  

como   uma   consequência   direta,   inexorável   e   “implícita”   de   outra   pena:   a   suspensão   dos  

direitos   políticos.   Até   porque,   a   própria   Constituição   Federal   de   1988   também   prevê   de  

forma   clara   no   seu   artigo   5o,   inciso   LXVI,   que   “a   lei   regulará   a   individualização   da   pena   e  

adotará,   entre  outras,   a   seguintes:   (...);   e)   suspensão  ou   interdição  de  direitos.”   Portanto,  

sem  intermediação  legal  expressa  não  é  possível  interditar  um  direito  político.  

Nestes   termos,   é   importante   referir   que   se   uma   lei   municipal   estabelecer   que   a  

suspensão   dos   direitos   políticos   do   prefeito   ou   do   vereador   implica   a   perda   do   cargo,  

54     Com  a  suspensão  dos  direitos  políticos,  a  capacidade  eleitoral  passiva  fica  restrita,  ou  seja,  o  agente  não  pode   ser  escolhido  em  convenções  partidárias  objetivando  pré-­‐candidaturas  eletivas,  e  o   seu  pedido  de  registro  de  candidatura  será  indeferido  (caso  contrário,  caberá  o  ajuizamento,  pelos  legalmente  legitimados,  de  Impugnação  de  pedido  de  registro  de  candidatura  -­‐  artigo  3°  da  Lei  Complementar  nº  64/1990).  Por  outro  lado,  se   o   candidato,   no   momento   do   deferimento   do   registro   de   sua   candidatura,   não   estava   com   os   direitos  políticos   suspensos,  mas   de   forma   superveniente   à   eleição   em  que   foi   eleito   emergiu   a   inelegibilidade  ou   a  suspensão,  ele  responderá  por  recurso  contra  sua  diplomação,  sendo  anulado  o  mandato  eletivo.  No  entanto,  é   necessário   que   o   Recurso   Contra   a   Expedição   do   Diploma   (artigo   262   do   Código   Eleitoral)   tenha   sido  interposto   dentro   do   prazo   de   três   dias   para   que   Justiça   Eleitoral   possa   aplicar   a   hipótese   legal.   Cf.:  RAMAYANA,  Marcos.  A  inelegibilidade  que  decorre  da  improbidade  administrativa  sancionada  como  causa  de  suspensão  dos  direitos  políticos.  Paraná  Eleitoral.  Curitiba,  v.  I,  p.  299.  

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nenhum   óbice   haverá   para   a   sua   destituição.   O   argumento   da   simetria   ao   Presidente   da  

República  (no  caso  de  prefeitos  e  governadores)  é  frágil  no  contexto  constitucional.  Ocorre  

que  quanto  aos  governadores,  as  Constituições  Estaduais  costumam  expressar  esta  simetria  

literalmente.  Neste  caso,  é  possível  sustentar  a  equiparação  da  sua  situação  à  do  presidente.  

Mas   este   fenômeno   nem   sempre   se   repete   nas   legislações  municipais,   que  muitas   vezes  

acabam  repetindo  a  regra  aplicável  a  deputados  e  senadores  tanto  para  os  prefeitos  quanto  

para  os  vereadores.55  

De   todo   modo,   a   conexão   entre   as   duas   penas,   nos   casos   em   que   ausente   a  

previsão  constitucional  ou  legal  expressa,  é  uma  restrição  inconstitucional  ao  direito  político  

do  cidadão  –  um  direito  de  natureza  fundamental  e  que  não  se  esgota  na  elegibilidade,  mas  

sim   implica   a   própria   representação   como   elemento   subjetivo   também   de   caráter  

jusfundamental.   A   posição   de   autores   como   Lucia   Regina   Esteves   de   Magalhães,   que  

sustentam   sempre   prevalecer   o   interesse   da   coletividade   em   detrimento   dos   direitos  

fundamentais,   quando   eles   entram   em   conflito,   não   tem   cabimento   no   ordenamento  

brasileiro.56    

Ademais,  quando  em  conflito,  por  exemplo,  o  princípio  da  presunção  de  inocência  e  

o  princípio  da  proteção  do  erário  (se  é  que  este  último  é  um  princípio),  não  é  possível  saber  

a  priori  qual  será  o  resultado  hermenêutico,  pois  a  decisão  em  concreto  deverá  considerar  

sempre  as  peculiaridades  do  caso.  O  que  se  sabe  é  que  não   tem   lógica   imaginar  que  uma  

ideia  errônea  a  respeito  do  princípio  da  supremacia  do  interesse  público  ou  do  princípio  da  

moralidade   administrativa   possam   justificar,   de   pronto,   uma   restrição   total   de   um  direito  

fundamental  ou  de  um  princípio  que   lhe  dê  supedâneo.  Sobre  o  assunto,   já  se  pronunciou  

com  objetividade  Clèmerson  Merlin  Clève:  “Aliás,  calha  nesta  oportunidade  lembrar  que,  ao  

contrário   dos   direitos,   o   princípio   da   moralidade   não   substancia   um   ‘trunfo’   no   sentido  

proposto  por  Ronald  Dworkin.”57  

55     É  importante  frisar  que  esta  repetição  não  é  obrigatória.  Diferentemente  do  caráter  cogente  do  artigo  27,   §   1o   da   Constituição   Federal   no   tocante   aos   deputados   estaduais,   o   artigo   29,   inciso   IX,   estende   as  proibições  e  incompatibilidades  ao  vereador:  “no  exercício  da  vereança,  similares,  no  que  couber,  ao  disposto  nesta  Constituição  para  os    membros  do  Congresso  Nacional  e,  na  Constituição  do  respectivo  Estado,  para  os  membros  da  Assembléia  Legislativa.”  56     MAGALHÃES,  Lúcia  Regina  Esteves  de.  Inelegibilidade  e  probidade  administrativa  –  a  LC  135/2010  na  doutrina   e   jurisprudência   do   Supremo   Tribunal   Federal   e   do   Tribunal   Superior   Eleitoral.   In:   –   ESCOLA   DA  MAGISTRATURA  DO  ESTADO  DO  RIO  DE  JANEIRO.  1º  Seminário  de  direito  eleitoral:  temas  relevantes  para  as  eleições  de  2012.  Rio  de  Janeiro:  EMERJ,  2012,  p.  186.  57     E   continua   o   autor:   “A   presunção  de   inocência,   ao   contrário,   pode   ser   vista   como  um   ‘trunfo’,   não  sendo   tolerável   a   sua   integral   compressão,   no   processo   eleitoral,   em   nome   de   um   suposto   interesse   da  

19  

Os   direitos   fundamentais   possuem,   por   conseguinte,   uma   natureza   híbrida,  

situando-­‐se   entre   o   público   e   o   privado.   Esta   constatação   retrata   a   defesa   do   que   Carlos  

Santiago  Nino  denomina  de  “cidadania  moral”;  uma  noção  decorrente  da  teoria  política  e  da  

alocação  dos   princípios   como   fundamento   categórico  do   sistema   constitucional   agregador  

do  público  e  do  privado.  A  decisão  de  prevalência,  neste  caso,  em  que  se  coloca  a  questão  

do   interesse   público   tanto   em   face   dos   direitos   fundamentais   quanto   de   outro   interesse  

público,  somente  pode  ser  extraída  da  ponderação  de  valores  no  caso  concreto,  assim  como  

no   próprio   conflito   entre   direitos   fundamentais,   em   que   se   estabelece   uma   relação   de  

prioridade  condicionada.  Cabe  salientar,  contudo,  que  tanto  no  caso  dos  interesses  públicos  

como   no   dos   direitos   fundamentais   não   há   uma   eleição   discricionária;   não   há   uma  

“atribuição  de  peso”  a  ser  efetuada  pelo  intérprete.  Há,  ou  “deveria  haver”  a  obediência  a  

um  critério  convencionalmente  predeterminado  (um  “reconhecimento”  do  peso).58    

E,   ainda,   a   resposta   para   estes   casos   complexos   deve   considerar   que   o   Estado   e  

mais   acentuadamente   a   Administração   Pública   estão   submetidos   a   uma   estrutura   de  

equilíbrio  entre  a  supremacia  e  a  indisponibilidade  dos  interesses.59  O  que  não  se  traduz  em  

uma  solução  fácil  aos  problemas  concretos  que  decorrerão  desta  situação.    

Consideradas  estas  premissas,  a  solução  exigirá  recorrência  ao  ordenamento  e  pode  

pender  para  um  lado  ou  para  outro,  dependendo  das  condições  reais  identificáveis  no  caso  

concreto.  Este  raciocínio,  apesar  de  denotar  certa  banalidade,  é  extremamente  importante,  

pois  recusa  o  equívoco  dos  detratores  do  princípio  da  supremacia  do  interesse  público  e,60  

ainda,  afasta  o  entendimento  majoritarista  que  parece  estar  escondido  em  posições  fracas  

de  defesa  dos  direitos,  como  esta  que  se  estabeleceu  a  respeito  da  perda  do  mandato  como  

consequência  inexorável  da  suspensão  dos  direitos  políticos.  

 

 

 

comunidade.”  Cf.:  CLÈVE,  Clèmerson  Merlin.  Jurisdição  constitucional  e  paternalismo:  considerações  sobre  a  lei  da  ficha  limpa.  Op.  cit.,  p.  119.  58     BAYÓN,   Juan  Carlos.  Derrotabilidad,   indeterminación  del   derecho   y   positivismo   jurídico.   In:   ______.  RODRÍGUEZ  Jorge.  Relevancía  normativa  en   la   justificación  de   las  decisiones   judiciales.  Bogotá:  Universidad  Externado  de  Colombia,  2003,  p.  202.  59     Sobre   o   assunto   remeto   à   tratativa   mais   complete   realizada   em   trabalho   anterior:   GABARDO,  Emerson.  Interesse  público  e  subsidiariedade.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2009.    60     Equívocos  estes  já  refutados  com  perfeição  por  Daniel  Wunder  Hachem.  Cf.:  HACHEM,  Daniel  Wunder.  Princípio  constitucional  da  supremacia  do  interesse  público.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2011.  

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5.  Referências    

AZEVEDO,   Débora   Bithiah   de;   RABAT,   Márcio   Nuno.   Parlamento   mutilado:   deputados  federais  cassados  pela  ditadura  de  1964.  Brasília:  Câmara  dos  Deputados,  Edições  Câmara,  2012.    BAYÓN,  Juan  Carlos.  Derrotabilidad,   indeterminación  del  derecho  y  positivismo  jurídico.   In:  ______.   RODRÍGUEZ   Jorge.   Relevancía   normativa   en   la   justificación   de   las   decisiones  judiciales.  Bogotá:  Universidad  Externado  de  Colombia,  2003.    BOBBIO,  Norberto.  A  era  dos  direitos.  Tradução  de  Carlos  Nelson  Coutinho.  Rio  de  Janeiro:  Campus,  1992.    CARVALHO,   José  Murilo  de.  Cidadania   no   Brasil:   o   longo   caminho.   5.   ed.,   Rio  de   Janeiro:  Civilização  Brasileira,  2004.    CASSIRER,  Ernst.  A  filosofia  do  iluminismo.  2.  ed.,  Campinas:  Unicamp,  1994.    CHARTIER,  Roger.  Origens  culturais  da  revolução  francesa.  Tradução  de  George  Schlesinger.  São  Paulo:  UNESP,  2009.    CLÈVE,  Clèmerson  Merlin.  Jurisdição  constitucional  e  paternalismo:  considerações  sobre  a  lei  da  ficha   limpa.   In:  ______.  Temas  de  Direito  Constitucional.  2.ed.,  Belo  Horizonte:  Fórum,  2014.    COPOLA,  Gina.  A  suspensão  dos  direitos  políticos:  Lei  de  Improbidade  Administrativa  e  Lei  da  Ficha  Limpa.  Fórum  Administrativo.  Belo  Horizonte:  Fórum,  jun.,  2012,  p.  43-­‐47.    COSTA,   Adriano   Soares   da.   Inabilitação   para   Mandato   Eletivo:   aspectos   eleitorais.   Belo  Horizonte:  Ciência  Jurídica,  1998.      COSTA,  Pietro;  ZOLO,  Danilo  (Orgs.).  O  Estado  de  Direito.  Tradução  de  Carlo  Alberto  Dastoli.  São  Paulo:  Martins  Fontes,  2006.    DIMOULIS,  Dimitri;  MARTINS,  Leonardo.  Teoria  geral  dos  direitos  fundamentais.  2  ed.,  São  Paulo:  RT,  2009.      FREITAS,  Juarez.  O  princípio  jurídico  da  moralidade  e  a  lei  de  improbidade  administrativa.  In:  BACELLAR   FILHO,   Romeu   Felipe.  Direito   Administrativo   Contemporâneo.   Belo   Horizonte:  Fórum,  2004.    GABARDO,  Emerson.  Eficiência  e  legitimidade  do  Estado.  São  Paulo:  Manole,  2003.    ______.  Interesse  público  e  subsidiariedade.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2009.      

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