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Improbidade Administrativa e Suspensão dos Direitos Políticos no Contexto
da Preponderância Pragmática do Interesse público
Emerson Gabardo Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná
Professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Advogado
Iggor Gomes Rocha
Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar
Advogado
Sumário: 1. Uma interpretação da categoria “direitos políticos”; 2. A perda e a suspensão dos direitos políticos no regime da Constituição de 1988; 3. As penas decorrentes da Lei de Improbidade e as alterações da Lei da Ficha Limpa; 4. A diferenciação entre as penas de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos; 5. Referências. 1. Uma interpretação da categoria “direitos políticos”
O ideário inerente aos direitos políticos foi um dos pilares da proposta iluminista
que influenciou de forma determinante a Revolução Francesa,1 ou, ao menos, segundo uma
interpretação cultural da história, foi o elemento escolhido pelos revolucionários para
justificar a ruptura almejada.2 Durante os séculos seguintes, este acabou sendo um tema de
absoluta centralidade na discussão a respeito das características do Estado de Direito
moderno.3 Já em meados do século XX, todavia, tal ideário acabou por sucumbir do ponto
de vista de sua importância geopolítica para aquele referente ao Estado e bem-‐estar,
centrado nos direitos sociais.4 Isso não significou o seu enfraquecimento teórico. Por outro
lado, a sua progressiva consolidação nas democracias ocidentais transformou o que outrora
havia sido fundamentalmente uma proposta política em um instrumental jurídico-‐positivo –
1 Ao menos em uma visão tradicional do fenômeno, como a de Ernst Cassirer. Cf.: CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994. 2 CHARTIER, Roger. Origens culturais da revolução francesa. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Unesp, 2009. 3 COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito. Tradução de Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 4 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, p. 179 e ss.
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o que, de fato, não ocorreu com o tema dos direitos sociais, cuja proposta econômica e
política ainda é tratada de maneiras muito mais discrepantes e controvertidas do ponto de
vista da teoria do Direito contemporânea e, mais intensamente, das teorias constitucionais.
A necessidade de positivação dos direitos políticos como direitos fundamentais inerentes ao
Estado constitucional contemporâneo é algo bastante consensual. Já quanto aos direitos
sociais, a regra nos demais Estados e na tradição passada brasileira é a sua não consideração
como direitos fundamentais de mesma categoria e exigibilidade – ainda que, por certo, esta
não seja uma afirmação que possa ser feita a respeito do sistema brasileiro atual.5
A classificação quanto aos direitos fundamentais tornada famosa por intermédio de
Norberto Bobbio, a partir de gerações de direitos, parece explicar bem o fenômeno.6 Ou,
pelo menos, o explica de forma muito mais eficiente que aquela oriunda de sua crítica.
Atualmente, não são poucos os autores que asseveram a existência de dimensões de
direitos e não gerações de direitos.7 Mas a expressão correta parece ser mesmo “gerações”.
A alegação de que seria equivocado o termo, pois os direitos da geração seguinte não
substituiriam os da geração anterior não procede. Certamente que uma geração pode
conviver com a outra e esta é inclusive a regra histórica que denota a passagem do tempo a
partir de momentos de nascimento de direitos, cuja afirmação depende de
amadurecimento. O fato de que os direitos políticos ou mesmo os direitos sociais podem ter
surgido ou antes ou depois, dependendo do respectivo Estado, não afasta a premissa ora
invocada. Quando se pensa em “surgimento” ou “nascimento” de uma geração de direitos,
não se está pensando em sua positivação concreta neste ou naquele sistema – ou mesmo,
na sua efetiva garantia. A proposta das gerações está ligada a um ideário político, cujas
gerações podem ser identificadas, na história das ideias, de forma progressiva no tempo,
independentemente do lugar. Ou seja, a primeira geração de direitos sempre será a dos
direitos políticos, mesmo que em algum determinado lugar, tenham sido antes garantidos os
direitos sociais.
Ademais, o termo dimensões não diz nada que colabore ao entendimento da
questão. Dimensão é tamanho, é medida, é extensão, é grau de potência ou um
5 PANSIERI, Flávio. Eficácia e vinculação dos direitos sociais: relfexões a partir do direito à moradia. São Paulo: Saraiva, 2012. 6 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 7 Como, por exemplo, é a opinião de Dimoulis e Martins: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2 ed., São Paulo: RT, 2009, p 30 e ss.
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determinado lugar a mais, quiçá paralelo. Não parece ser este o caso. A fundamentação dos
direitos políticos e dos direitos sociais parte de pressupostos totalmente diversos e
fundamentos que não possuem uma relação linear de superioridade/inferioridade ou maior
ou menor extensão. São categorias de direitos diversas, que possuem origens teóricas
diferentes, e não meras dimensões de um mesmo fenômeno histórico. A situação lógica de
serem categorizadas como direitos fundamentais não é motivo para condicionar sua
trajetória histórica concreta.
As preocupações teóricas da atualidade têm focado na questão dos direitos sociais,
como a “dimensão” dos direitos fundamentais mais complexa. Em que pese a quantidade
imensa de estudos sobre a relação entre direito e democracia, na sua maioria são pesquisas
que partem do pressuposto de que o grau de maturidade dos direitos políticos retirou-‐lhe
sua problematicidade. O problema remanescente, neste tocante, seria muito mais a sua
implantação nos locais ainda carentes de um Estado de Direito sólido e de uma democracia
procedimental estabelecida. No caso dos direitos políticos, a questão seria inversa àquela
proposta por Norberto Bobbio e, em certa medida, por Francis Fukuyama (ambos, de uma
maneira ou outra, entenderam que havia sido superada a fase do reconhecimento formal,
ou seja, da fundamentação dos direitos).8
Todavia, mesmo em Estados como o Brasil, em que não resta dúvida a respeito da
correspondência entre o ideário consagrado dos direitos políticos e sua positivação
constitucional, muitas discussões podem ser suscitadas a respeito da aplicabilidade das
normas que compatibilizam os direitos e o mundo da vida. 9 Particularmente, merece
destaque a atualíssima questão do embate entre direitos fundamentais e interesse público –
no caso, particularmente, entre direitos políticos e sua restrição por motivos de ordem
coletiva. Cada vez mais caminha-‐se, em Estados de capitalismo tardio e desenvolvimento
renitente como o Brasil, para um problema inverso ao da era dos direitos políticos. Se por
um lado cada vez mais o interesse público cede perante razões inerentes à eficácia dos
direitos sociais, por outro lado, os direitos políticos cada vez mais cedem em função do 8 Uma crítica a esta posição de Bobbio pode ser encontrada em trabalho anterior: GABARDO, Emerson. Os direitos humanos fundamentais em face das reformas constitucionais neoliberais. A & C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, v. 1, n. 03, 2000, p. 75-‐116. Uma crítica à posição de Francis Fukuyama foi realizada também em publicação anterior: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. São Paulo: Manole, 2003. 9 Pedindo vênia para emprestar, descompromissadamente, a expressão consagrada por Habermas. Cf.: HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V. I, Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
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interesse público -‐ notadamente o interesse público sancionatório. Tal situação retrata
evidente paradoxo: certo enfraquecimento dos direitos políticos em face dos direitos sociais
como sustentáculo do Estado constitucional.
Vê-‐se a clara imposição de razões pragmáticas (por exemplo, a imoralidade e o
patrimonialismo estruturais na sociedade brasileira) em situação de superioridade às razões
de princípio (a força da consagração dos direitos políticos como direitos fundamentais).
Tema, por certo, que merece ser explorado com atenção e parcimônia. A questão da
suspensão dos direitos políticos em razão da proteção da probidade administrativa é
exemplo interessante deste contexto histórico brasileiro – e é a partir deste recorte que se
tentará discutir a temática no presente artigo.
2. A perda e a suspensão dos direitos políticos no regime da Constituição de 1988
Os direitos políticos são comumente descritos como prerrogativas inerentes à
cidadania (ainda que a ideia de cidadania possa ser muito mais abrangente que a de direitos
políticos, pois atualmente está ligada também aos direitos sociais).10 Direitos políticos são
aqueles inerentes à participação direta ou indireta, passiva ou ativa, na administração da res
pública. O voto direto e secreto, o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular, formam o
conjunto básico reconhecido pela Constituição brasileira nesta seara.11
A perda (definitiva) ou a suspensão (temporária) dos direitos políticos só se mostra
viável, no ordenamento brasileiro, nas hipóteses taxativamente arroladas na Constituição da
República. Ou seja, apenas em situações excepcionais, descritas pelo constituinte, é que se
admite que um cidadão seja privado, de forma permanente ou transitória, de algum de seus
mais importantes direitos fundamentais, notadamente, o direito de votar e de ser eleito
para um cargo público.
Há três formas de privação dos direitos políticos segundo o artigo 15 da
Constituição Federal: o impedimento, a perda e a suspensão, retratados em diferentes
10 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. 11 O Ministro Teori Albino Zavaski vai além destes direitos básicos e ainda elenca como efeitos do gozo de direitos politicos: o direito de ser nomeado para alguns cargos não eletivos de caráter especiail, o direito de filiar-‐se a partidos políticos, o direito de assumer cargo público não eletivo, o direito de ser redator-‐chefe ou diretor de jornal e o direito de ser dirigente sindical. Cf.: ZAVASKI, Teori Albino. Direitos politicos: perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Processo. Ano 2, n. 85, jan.-‐mar., 1997, p. 181-‐189.
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hipóteses de incidência em seus incisos de I a V.12 Interessante observar que a Constituição
proíbe a “cassação”, termo utilizado em larga escala durante o período da ditadura militar
brasileira.13 Algumas das hipóteses são de fácil entendimento e aplicabilidade. Outras, no
entanto, geram controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Ademais, exigem colmatação
legislativa para que possam ter seu âmbito de aplicabilidade mais bem definido. De todo
modo, resta consensual que, por definição, os direitos políticos podem ser restringidos não
somente pela Constituição Federal, como também pela atuação legislativa.14
A doutrina aponta uma série de consequências jurídicas possivelmente aplicáveis
quando da perda ou suspensão dos direitos políticos nos termos do sistema jurídico
brasileiro (seja por normatização constitucional ou infraconstitucional): o cancelamento do
alistamento eleitoral (Código Eleitoral, artigo 71, inciso II);15 a proibição da filiação partidária
(Lei 9.096/95, artigo 22, inciso II);16 a perda do mandado eletivo no caso de senadores,
deputados federais e deputados estaduais (Constituição Federal, artigos 55, inciso IV,17 e
artigo 27 § 1o);18 a impossibilidade de investidura em cargo ou função públicos (Constituição
Federal, artigo 37, parágrafo 4o,19 e Lei 8.112/90, artigo 5o, incisos II e III);20 a impossibilidade
12 Em termos específicos seriam estes os casos do artigo 15: I – cancelamento de naturalização por sentença transitada em julgado; II – incapacidade absoluta; III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5o, VIII; e V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37,§ 4o. Embora não fale expressamente em “impedimento”, este parece ser o caso nas situações em que a pessoa nunca teve o direito por não implementar alguma condição necessária (como por exemplo, a capacidade civil). 13 AZEVEDO, Débora Bithiah de; RABAT, Márcio Nuno. Parlamento mutilado: deputados federais cassados pela ditadura de 1964. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. 14 GOMES, José Jairo. Direitos politicos. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 100, p. 103-‐130, jan./jun., 2010, p. 103. 15 Art. 71. São causas de cancelamento: I -‐ a infração dos artigos. 5º e 42; II -‐ a suspensão ou perda dos direitos políticos; III -‐ a pluralidade de inscrição; IV -‐ o falecimento do eleitor; V -‐ deixar de votar em 3 (três) eleições consecutivas. 16 Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-‐se nos casos de: I -‐ morte; II -‐ perda dos direitos políticos; (...) 17 Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I -‐ que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II -‐ cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III -‐ que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV -‐ que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V -‐ quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI -‐ que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. 18 Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. § 1º -‐ Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-‐ sê-‐lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas. 19 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
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de ajuizar ação popular (Constituição Federal, artigo 5o, inciso LXXIII – caso se entenda pela
ausência de cidadania ao sujeito que não detém direitos políticos);21 impedimento para
votar e ser candidato (Constituição Federal, artigo 14, § 3o, inciso II); 22 a vedação à
participação em projetos de iniciativa popular (Constituição Federal, artigo 61, § 2o).23
Observando a interpretação da doutrina a respeito desta matéria, é possível inferir
que apesar de não existir qualquer norma geral a respeito, costuma-‐se entender que a
caracterização das consequências da perda ou suspensão dos direitos políticos é imediata e
independentemente de outro procedimento de implementação. Todavia, não parece ser
esta a posição mais acertada. A falta de uma normatização a respeito da implantação da
pena não implica a presunção de sua eficácia imediata no tocante a todas as suas
consequências. Ademais, mesmo quem compartilha do entendimento da eficácia
automática, reconhece a existência de exceções previstas na legislação brasileira.
Exemplo significativo deste fato é exclusão do corpo de eleitores, que não é
automática. Ela depende da realização do contraditório e da ampla defesa (ainda que o
Código Eleitoral tenha uma redação tímida nesta seara). Do mesmo modo, no tocante aos
deputados (federais e estatuais) e senadores também não há exclusão direta do mandato. É
preciso ato da Mesa da Casa Legislativa e deve ser garantido o contraditório e a ampla publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I -‐ os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. 20 Art. 5o São requisitos básicos para investidura em cargo público: I -‐ a nacionalidade brasileira; II -‐ o gozo dos direitos políticos; III -‐ a quitação com as obrigações militares e eleitorais; IV -‐ o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; V -‐ a idade mínima de dezoito anos; VI -‐ aptidão física e mental. 21 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-‐se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) -‐ LXXIII -‐ qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-‐fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; 22 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I -‐ plebiscito; II -‐ referendo; III -‐ iniciativa popular. (...) § 3º -‐ São condições de elegibilidade, na forma da lei: I -‐ a nacionalidade brasileira; II -‐ o pleno exercício dos direitos políticos; III -‐ o alistamento eleitoral; IV -‐ o domicílio eleitoral na circunscrição; V -‐ a filiação partidária; VI -‐ a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-‐Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-‐Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-‐Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. 23 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-‐Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 2º -‐ A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
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defesa, seja no caso do § 2o (em que a decisão cabe ao conjunto dos pares quando o
parlamentar: I – infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo 54; II – faltar como
o decoro parlamentar; e VI – sofrer condenação criminal transitada em julgado); seja no caso
do § 3o (em que se trata de ato de deliberação própria da Mesa, no caso do parlamentar: III
– faltar injustificadamente para além do limite estabelecido; IV – perder ou ter suspensos os
direitos políticos; e V – receber tal pena da Justiça Eleitoral).
Mas o fato é que no tocante aos chefes do Executivo e vereadores, a interpretação
predominante é que a perda do mandato é automática por consequência direta e imediata
da suspensão dos direitos políticos -‐ notadamente por condenação criminal. E não importa a
pena aplicada (se meramente restritiva de direitos, pecuniária, prisão aberta, ou prisão
fechada), nem a natureza ou as características do crime (se doloso culposo). José Jairo
Gomes, por exemplo, afirma que há privação dos direitos políticos mesmo se o sujeito for
“absolvido impropriamente”, sendo aplicada a ele uma medida de segurança. Para o autor,
só não implicariam a suspensão dos direitos políticos os casos da sursis e da transação – pois
nestes casos não haveria “condenação” em sentido estrito. 24 No mesmo sentido há
posicionamentos clássicos do Tribunal Superior Eleitoral.25 Teori Albino Zavaski, entretanto,
não aceita nem mesmo esta ressalva, não fazendo qualquer diferenciação entre as espécies
de penas ou crimes, propondo a incidência da suspensão dos direitos políticos mesmo no
caso da sursis.26 E parece ser realmente esta última a posição definitiva do Supremo Tribunal
Federal.27
Entretanto, toda esta controvérsia parece relevante apenas para os casos de
senadores e deputados. No tocante aos demais, salvo disposição legal (ou na Constituição
Estadual) específica em contrário, deveria ser direta e simplesmente aplicado o que diz a lei,
no caso, o Código Penal. E o Código Penal afirma que a “perda do cargo, função pública ou
24 GOMES, José Jairo. Direitos Políticos. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 100, jan.-‐jun., 2010, p. 125. 25 Por exemplo, no Recurso 11.562-‐SP, decidido em 10.02.1995, e mais recentemente no Recurso Ordinário em Mandado De Segurança 261897-‐MG, decidido em 22.02.2011. 26 ZAVASKI, Teori Albino. Direitos politicos: perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Processo. Ano 2, n. 85, jan./mar., 1997, p. 181-‐189. 27 Como por exemplo, no RE 179502-‐SP, relatado pelo Ministro Moreira Alves, em 31.05.95. Em certa medida, também se inserem no debate (perda do mandato parlamentar que deriva do preceito constitucional que impõe a suspensão ou a cassação dos direitos políticos) decisões do Supremo Tribunal Federal mais recentes, como na AP 396-‐QO, relatada pela Ministra Cármen Lúcia, com julgamento em 26.06.2013, e AP 470, relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa, com julgamento em 17-‐12-‐2012.
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mandato eletivo”, é efeito facultativo da condenação criminal, ressaltando textualmente
que não é automático, “devendo ser motivadamente declarados na sentença”.28
3. As penas decorrentes da Lei de Improbidade e as alterações da Lei da Ficha Limpa
O artigo 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal prevê quatro espécies de
consequências jurídicas para os atos de improbidade administrativa: a) suspensão dos
direitos políticos; b) perda da função pública; c) indisponibilidade dos bens; e d)
ressarcimento ao erário.29 As três primeiras retratam penas que podem ser aplicadas ao
infrator. A última não é pena, é obrigação civil de reparação de dano, em que pese o apego
inexplicável da doutrina e jurisprudência na alocação desta consequência também como
pena. Interessante observar que a improbidade administrativa como pena não-‐criminal
passível de obstar o exercício dos direitos políticos é uma novidade no sistema brasileiro
instituída pela Constituição de 1988; e na falta de densidade teórico-‐doutrinária prévia que
desse sustentação à proposta política inovadora levada a efeito pela constituinte, vários
mitos acabaram sendo desenvolvidos pelo Judiciário na aplicação prática da ideia.
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) é exemplo profícuo de como
é penosa a criação de regimes jurídicos diretamente pelo legislador ou pelos juízes e não
pela doutrina (este último, o espaço realmente permissivo para o debate de ideias,
diferentemente dos dois primeiros – ou seja, diferentemente do Judiciário e, com ênfase, do
Legislativo). Para a aplicação das penas estabelecidas constitucionalmente é preciso que o
ato infrator seja enquadrado em uma das três hipóteses da Lei: enriquecimento ilícito (artigo
9o), prejuízo ao erário (artigo 10), ou atos que atentem contra princípios da Administração
Pública (artigo 11). Esta última categoria de atos seria um caso cômico se não fosse trágico.
Se aplicada ao pé da letra, a lei não deixaria escapar uma única autoridade pública fora do
polo passivo judicial. Uma lei rigorosíssima, mas impraticável e que permite uma mistura
absolutamente indesejável entre o administrador corrupto e o incompetente. Na sua 28 Art. 92 -‐ São também efeitos da condenação: I -‐ a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (...) Parágrafo único -‐ Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. 29 Literalmente: “Os atos de improbidade administrativa importarão suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação pena cabível.”
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aplicação, a doutrina e parte da jurisprudência muitas vezes acaba por criar mecanismos de
equilíbrio (por vezes forçado) a fim de evitar injustiças. Todavia, este equilíbrio almejado não
tem conseguido evitar o aplicação da lei de forma mais intensa do que deveria para os
incompetentes e de forma mais branda do que deveria para os corruptos. Ademais, não tem
conseguido evitar que a própria propositura da ação civil pública de apuração de
improbidade seja, por si só, uma pena, ainda que não tipificada.
Parte da problemática deriva do fato da lei ter aceitado, de forma confusa e
imprecisa, a possibilidade de atos de improbidade culposos; como não poderia deixar de ser,
isso gerou uma discussão sem fim no contexto nacional. Nada obsta que seja possível a
tipificação de crimes culposos – dependendo obviamente do fato institutivo e da natureza
da ação. Por vezes é possível apenar criminalmente um sujeito pela sua atuação imprudente,
imperita ou negligente. Todavia, não faz sentido afirmar que alguém agiu com má-‐fé, com
desonestidade e, ao mesmo tempo, sem dolo. É totalmente irracional imaginar um ato
ímprobo por culpa. Por certo que quando a lei assim estabelece, seu âmbito de aplicação
acaba por ser mais abrangente do que seu escopo inicial. A LIA não trata só da improbidade
e sim, trata de condutas indesejáveis e que serão punidas mediante mecanismos não-‐
criminais de apuração e execução. E se for considerado que ela deve tratar só de atos
ímprobos, como em tese deveria ser, então parte da lei deve ser desconsiderada, pois trata
de temas que não lhe são afetos.
A conceituação feita por alguns juristas, tais como Juarez Freitas, que propõe
identificar a improbidade como o ato decorrente da intenção desonesta que “viola ao senso
médio superior da moralidade vigente numa determinada comunidade”,30 infelizmente mais
dificulta que facilita a compreensão e resolução do problema. Afirmar, como faz o autor, que
seria exigível a “intenção desonesta”, mas depois aceitar que seja possível aplicar a pena de
improbidade para casos de “culpa grave” – excluindo, portanto, outras duas categorias, a
“leve” e a “levíssima”, é algo no mínimo “pós-‐moderno”. Só se presta a deixar ao talante do
julgador estabelecer, a partir de seus pressupostos totalmente pessoais e subjetivos, quando
deve ou não condenar o sujeito, e em que termos. Ademais, ao contrário do que defende o
próprio professor Juarez Freitas,31 tal interpretação subjetivista (que infelizmente domina a
30 FREITAS, Juarez. O princípio jurídico da moralidade e a lei de improbidade administrativa. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 136. 31 Assevera o autor: “(…) imperioso que o ônus da prova não se perceba como tecnicamente invertido.” FREITAS, Juarez. O princípio jurídico da moralidade e a lei de improbidade administrativa. Op. cit., p. 146.
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prática jurisprudencial) acaba por inverter o ônus da prova. Diga o que disser a teoria
doutrinária e o texto literal das decisões judiciais e suas ementas, o fato é que, atualmente,
o ônus da prova foi invertido na generalidade dos casos. Os requeridos em ações civis de
improbidade têm que provar que são inocentes haja vista a sua implícita presunção de
culpabilidade – reforçada pela correspondente presunção de candidabilidade ministerial.
E há também o problema do bis in idem. Quanto a lei prevê duas penas, é possível
aplicá-‐las cumulativamente. Todavia, na ausência de sua cominação expressa em decisão
judicial ou administrativa, o correto seria inibir a possibilidade de sua aplicação, pois neste
caso haveria uma duplicação da pena sem respaldo jurídico. A possível reprovabilidade
“moral” não pode ser relevada pelo Direito de forma tal a que faça sucumbir a racionalidade
tipicamente jurídica dos direitos fundamentais positivados constitucionalmente. A exaltação
desmedida do princípio da incomunicabilidade de instâncias acaba por permitir um concurso
de sanções absolutamente irrazoável (e que, infelizmente não é eficiente no combate às
ações para as quais são destinadas). Veja-‐se que as hipóteses do artigo 9o da LIA também
constituem crime. Muitas das hipóteses do inciso 10 estão previstas também na Lei de
8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos), na Lei Complementar 101/00 ou na Lei 4.717/65
(Lei de Ação Popular). E algumas delas são crimes também. E para completar existe um
conjunto impressionante de códigos de ética para os agentes públicos, além da recente Lei
Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/13) – a qual, por sua vez, repete vários dos tipos
antes enunciados, ou então estabelecidos em outras leis, como, por exemplo, a Lei Brasileira
Antitruste (Lei 12.529/11). É notável a crença brasileira na imputação de tipos como o
mecanismo social moralizador. Infelizmente, é duvidosa a eficiência deste modelo – além de
redundar em um sistema também de duvidosa constitucionalidade.
O Código Penal, que talvez melhor seria denominado de Código “Criminal”,32
disciplina em seu artigo 92 a respeito dos efeitos da condenação, e já arrola em seu primeiro
inciso três hipóteses distintas, mas com idênticas consequências jurídicas em se tratando de
decisão condenatória: a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo.33 Todavia, como
não poderia deixar de ser, neste caso há condenação pela existência de crime, o que não
32 Conforme posição clássica do professor Luis Alberto Machado. Cf.: MACHADO, Luiz Alberto. Direito Criminal. 2. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 33 Art. 92 -‐ São também efeitos da condenação: I -‐ a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos;
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ocorre com o caso da condenação por improbidade, que somente pode ser administrativa
ou penal (não criminal – em geral chamada, equivocadamente, de civil).
Cumpre salientar que a decisão que aplica a sanção de suspensão dos direitos
políticos só poderá ser executada quando do trânsito em julgado (como preceitua o artigo
20 da Lei de Improbidade).34 Desse modo, não há que se falar na sua execução provisória
(por exemplo, utilizando-‐se do artigo 475-‐O do Código de Processo Civil). Conduto, após a
aprovação da Lei da Ficha Limpa, a condenação à suspensão de direitos políticos por órgão
colegiado (basicamente o segundo grau de jurisdição) pode levar a causa de inelegibilidade
mesmo antes do trânsito do julgado, impossibilitando o agente de obter sua candidatura
(artigo 1º, I, l, da LC nº 64/90). 35 Nesse ponto, diz Marcos Ramayana, “executa-‐se
provisoriamente parte da decisão que projeta seu efeito especial, ou seja, a inelegibilidade
por improbidade.”36 Mas só. E mesmo esta espécie de eficácia estabelecida pela lei é
considerada por alguns autores como inconstitucional.37
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, por decisão de sua primeira turma na
Medida Cautelar n. 16.932-‐PE, firmou o entendimento de que é possível suspender os
efeitos da sanção de suspensão dos direitos políticos decorrentes da prática de improbidade
por exclusiva afronta a princípios. Isso ocorre justamente em razão do advento da Lei
Complementar 135/2010 (desde que, portanto, não tenham produzido enriquecimento
ilícito ou dano ao erário).
Esta decisão foi criticada por parcela da doutrina. Luciana Magalhães Teixeira da
Silva, por exemplo, defende que as penas da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei da
Ficha Limpa devem ser cumuladas e totalmente independentes (ou seja, se o sujeito foi
condenado a 3 anos pela LFL e mais 3 anos pela LIA, então deverá cumprir 6 anos de pena),
34 Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. 35 Art. 1º São inelegíveis: I -‐ para qualquer cargo: (...) -‐ l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; 36 RAMAYANA, Marcos. A inelegibilidade que decorre da improbidade administrativa sancionada como causa de suspensão dos direitos políticos. Paraná Eleitoral. Curitiba, v. I, p. 299-‐300. 37 É o caso da posição de Gina Copola. Cf.: COPOLA, Gina. A suspensão dos direitos políticos: Lei de Improbidade Administrativa e Lei da Ficha Limpa. Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, jun., 2012, p. 43-‐47.
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ainda que decorrentes do mesmo fato.38 Tal interpretação da autora parece caminhar em
sentido oposto ao da racionalidade que deveria servir de substrato para uma interpretação
constitucional da questão.
4. A diferenciação entre as penas de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos
A interpretação majoritária da doutrina e jurisprudência nacional acaba por coligar
de forma peremptória a pena de suspensão dos direitos políticos com a perda de cargo
chamado de “político”. Exemplo que bem demonstra este posicionamento é o do Ministro
Teori Albino Zavaski, que distingue cargos de governo dos cargos públicos administrativos –
para os primeiros, a suspensão por si só acarretaria perda do cargo; mas os outros, somente
a perda dos direitos políticos (e não a sua suspensão) implicaria a perda do cargo.39
Entretanto, esta diferenciação entre cargos de natureza administrativa e cargos de
natureza política não tem respaldo no sistema positivo. Trata-‐se de classificação doutrinaria
oriunda dos tempos em que também eram distintos os atos políticos dos atos
administrativos. E tal diferenciação fazia sentido, pois os atos políticos eram considerados
fora da jurisdição do Poder Judiciário.40 Atualmente, considerando o disposto no artigo 5o,
inciso XXXV, da Constituição Federal, que estabelece de forma peremptória o princípio da
jurisdição una;41 e, ainda, considerando a ideologia fortemente pós-‐positivista prevalecente
na prática ativista dos atuais juízes brasileiros capitaneados pelo STF,42 não parece razoável
supor que existam atos oriundos de qualquer Poder Público que estejam imunes ao controle
judicial. Desta forma, a classificação também perdeu seu sentido. Todos os ditos atos
políticos também são atos administrativos e podem ser controlados como tal. E em assim
sendo, seus agentes não possuem motivo suficiente para desejarem ser categorizados de
forma distinta. O fato de sua investidura ocorrer por diferentes mecanismos legitimatórios
38 SILVA, Luciana Magalhães Teixeira da. A sanção de suspensão dos direitos politicos para os atos de improbidade. De Jure – Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais. v. 10, n. 17, jul./dez., 2011, p. 524-‐528. 39 ZAVASKI, Teori Albino. Direitos politicos: perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Processo. Ano 2, n. 85, jan./mar., 1997, p. 181-‐189. 40 E isso não é nenhuma novidade. Sobre o assunto é clássica e eluciadora a lição de Hely Lopes Meirelles: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 612. 41 “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” 42 VALLE, Vanice Regina Lírio do (Org.). Ativismo jurisdistional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009.
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não impacta nas formas de controle e sancionamento. Muito menos permite propor que os
detentores de “cargos políticos” teriam menos proteção que os ocupantes de “cargos
meramente administrativos”. Aliás, isso, por si só, parece ser um contrassenso.
Mas o fato é que a maioria da doutrina não pensa assim. Autores como Arthur Luis
Mendonça Rollo asseveram que “quem tem suspensos os direitos políticos no curso do
mandato poderá perdê-‐lo. De outra parte, o desaparecimento de qualquer das condições de
elegibilidade ou a incidência nas situações de inelegibilidade não tem potencial de afetar o
mandato em curso, muito embora implique em restrições a futuras candidaturas.”43 No
mesmo sentido, Adriano Soares da Costa afirma que na suspensão dos direitos políticos há
restrição total ao exercício de tais direitos, na inabilitação o cidadão pode votar e propor
ação pública, mas não ocupar cargo, função ou emprego público nem mandato eletivo, e na
inelegibilidade pode votar, propor ação pública e ocupar cargo, função ou emprego público.
Os institutos mostram-‐se como círculos concêntricos, sendo a suspensão dos direitos
políticos o mais amplo e a inelegibilidade a mais restrita.44
Seguindo esta linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal tradicionalmente
vincula a pena de perda do mandato com a de suspensão dos direitos políticos. Observe-‐se o
aresto jurisprudencial do STF que descreve situação em que ocorreu a perda do mandato do
parlamentar:
“Extinção de mandato parlamentar em decorrência de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu, por seis anos, os direitos políticos do titular do mandato. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda do mandato, sob alegação de inocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial. 2. Em hipótese de extinção de mandado parlamentar, a sua declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a determina, cuja realidade ou não o interessado pode induvidosamente submeter ao controle jurisdicional. 3. No caso, comunicada a suspensão dos direitos políticos do litisconsorte passivo por decisão judicial e solicitada a adoção de providências para a execução do julgado, de acordo com determinação do Superior Tribunal de Justiça, não cabia outra conduta à autoridade coatora senão declarar a perda do mandato do parlamentar. 4.Mandado de segurança: deferimento.” 45
43 ROLLO, Arthur Luis Mendonça. Condições de elegibilidade. In: ROLLO, Alberto (Org.). Elegibilidade e inelegibilidade. Caxias do Sul: Plenum, 2008, p. 41-‐79, p. 42-‐43. 44 COSTA, Adriano Soares da. Inabilitação para Mandato Eletivo: aspectos eleitorais. Belo Horizonte: Ciência Jurídica, 1998. 45 MS 25461/DF -‐ DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE -‐ Julgamento: 29/06/2006 Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
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Há, finalmente, decisão recente do STF neste sentido, proferida pelo Ministro Carlos
Ayres Britto quando do exercício da Presidência:
“É que o Poder Executivo do Município de São Vicente do Sul/RS está sob o comando de pessoa condenada por ato de improbidade administrativa, em sentença transitada em julgado. Sentença que expressamente suspendeu os direitos políticos do Prefeito. Noutras palavras, a gestão dos interesses públicos, no âmbito daquele Município, está entregue, por efeito da liminar/segurança cuja suspensão ora se requer, a agente que não reúne, temporariamente, as condições do exercício pleno da cidadania. Isto por haver atentado, exatamente, contra os interesses públicos pelos quais lhe cabia zelar. Por fim, ainda que o instrumento processual da suspensão de segurança não se preste para análise de mérito, é mister frisar que este Supremo Tribunal Federal já decidiu que a suspensão dos direitos políticos, salvo a hipótese do § 2º do art. 55 da Constituição Federal, acarreta a perda do mandato eletivo (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim; RE 418.876, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). 6. Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da liminar/segurança concedida nos autos do Mandado de Segurança nº 70046335204, até o trânsito em julgado do processo. “ 46
O que o então Ministro Carlos Ayres Britto parece querer destacar é a contradição
moral da situação – moral no sentido comum do termo e não como significante de
“moralidade administrativa”. 47 Segundo o Ex-‐presidente do Supremo, a gestão dos
interesses públicos não pode ser entregue a quem não reúne, ainda que temporariamente,
as condições do exercício pleno da cidadania, justamente por ter ofendido, na visão do
Poder Judiciário (e não necessariamente do eleitor), interesses públicos pelos quais lhe cabia
zelar. 48 Nestes termos, a mera inelegibilidade, impossibilidade de ser candidato a um
46 Suspensão de Liminar 570-‐RS -‐ STF -‐ 28/08/2012 -‐ Publicação, DJE , Rel. Min. Carlos Ayres Britto – sem grifo no original. 47 Esta diferenciação, antes muito fácil de ser compreendida, atualmente vem implicando farto conjunto de confusões. A “moralização” do Direito e particularmente do Direito administrativo, vem transformando os juízes em “paladinos da moralidade pública”, muitas vezes apenas mediante a transferência de suas concepcões pessoais em decisões jurídicas. A hermenêutica fluida e subjetivista vem se alastrando na interpretação juridical brasileira em detrimento do que deveria ser uma novo paradigma de racionalidade. Cabe aqui relembrar o professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho: “A moral juridical não é uma mera moral de costumes personalizados ou sociais. Vai além de conjecturas particulares ou de preconceitos pessoais. Cf.: OLIVEIRA SOBRINHO, Manoel de. O princípio constitucional da moralidade administrativa. Curitiba: Gênesis, 1993, p. 19. 48 Particularmente neste caso, o Prefeito foi condenado em decorrência da ação civil pública na qual ele foi acusado de autorizar pessoalmente que moradores de baixa renda comprassem em farmácia privada medicamentos que estavam em falta na farmácia municipal. Conforme depoimentos, antes de assinar a autorização de compra, os moradores precisavam apresentar ao prefeito três orçamentos. O prefeito alegou que essa foi a solução encontrada para garantir que a população de baixa renda recebesse os medicamentos.
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mandato eletivo, dá lugar à impossibilidade do próprio exercício de mandado eletivo. A
partir desse entendimento, ter os direitos políticos suspensos seria uma das formas de perda
de função pública. Esta visão é uma demonstração típica da hermenêutica moral-‐
perfeccionista que vem sendo cada vez mais comumente aplicada na interpretação do
Direito constitucional brasileiro.49
Todavia, esta posição “moralizadora” não é unânime e, certamente, merece
reflexão, por não ser tão óbvia quanto muitos autores parecem entender – ao menos
quando se procura uma interpretação jurídica com base na proteção dos direitos
fundamentais como trunfos contra a maioria.50 O Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal
Regional Eleitoral de Minas Gerais e o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por
exemplo, já se posicionaram diferenciando as sanções de perda da função pública e
suspensão dos direitos políticos.51 Merece destaque a ementa do acórdão do TSE:
“Registro. Candidato. Prefeito. Direitos políticos. Suspensão. 1. As causas de inelegibilidade e as condições de elegibilidade são aferidas no momento da formalização da candidatura. 2. A imposição da pena de suspensão de direitos políticos em se de ação civil pública, cuja sentença foi proferida após o pedido de registro, não causa óbice ao registro da candidatura.”
Ou seja, a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública foram
consideradas sanções autônomas, a serem aplicadas de acordo com a gravidade do fato. Há
que se compreender a opção do legislador infraconstitucional na Lei de Improbidade
Administrava por duas sanções independentes: um agente público pode ser condenado à
perda da função pública, porém mantida a plenitude de seus direitos políticos; e pode ter
seus direitos políticos suspensos temporariamente, sem que a essa sanção se some à perda
de função pública.
Afirmou que a prática resultou em redução nos gastos da prefeitura. O juízo de primeiro grau ressaltou que não houve comprovação de acréscimo no patrimônio do prefeito, razão pela qual aplicou parcialmente as penas previstas no artigo 12 da LIA. Contudo, pena suficiente para que o STF entendesse que ele não reunia condições morais de permanecer no cargo – ademais de ter atentado contra o interesse público. A decisão do Supremo foi proferida no âmbito de pedido de suspensão de liminar deferida nos autos do Mandado de Segurança nº 70046335204 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 49 Uma crítica a este perccionista pode ser encontrada no trabalho de Clèmerson Merlin Clève. Cf.: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Jurisdição constitucional e paternalismo: considerações sobre a lei da ficha limpa. In: ______. Temas de Direito Constitucional. 2.ed., Belo Horizonte: Fórum, 2014. 50 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006. 51 O TSE, em acórdão do Ministro Arnaldo Versiani: AgR-‐REsp n. 33.683, de 26.11.2008; o TRE de MG, no RE – 29094, de 01.10.2012; e o TRE do RS, no acórdão n. 70046985149, de 04.04.2012.
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E é importante ressaltar que em outros casos de restrição a direitos políticos o STF
tem sido muito mais renitente em admitir a identificação de penas não expressamente
previstas. É o caso, por exemplo, da decisão a respeito da desincompatibilização do cargo
para a reeleição.52 Então, no Brasil atual, considera-‐se razoável, moral e perfeitamente
compatível a situação em que os chefes do Executivo que pretendam se reeleger não
precisam deixar o cargo; mas se quiserem disputar outro cargo, deverão deixar o atual (seis
meses antes). Defendida a restrição implícita por via de ação direta de inconstitucionalidade,
o Judiciário afastou a existência da limitação ao exercício do direito político – mesmo o
resultado tendo sido criticado, pela sua total irracionalidade, por parcela considerável da
doutrina. 53 A questão é que o Supremo possuía um argumento fortíssimo para a
manutenção desta irracionalidade criada pelo legislador reformador – a impossibilidade de
restrição não expressa a um direito político de caráter fundamental. A mera interpretação,
no caso, não poderia ser causa da limitação pretendida.
Cabe ser questionado: qual é o motivo pelo qual tal razão não se aplica ao caso da
perda do mandato pela suspensão dos direitos políticos. De fato a Constituição Federal,
quando quis impor tal vinculação às penas, o fez expressamente. E o fato de não ter feito a
vinculação aos demais casos (como dos chefes do executivo), ainda que possa ser
considerado algo “irracional”, não parece ser uma situação diversa da anterior (a da
desincompatibilização para a reeleição). O STF parece ter deixado totalmente lado, no
52 ADInMC 1.805-‐DF, rel. Min. Néri da Silveira, 26.3.98: “Em seguida, o Tribunal, por maioria, indeferiu a medida liminar em que se requeria fosse concedida interpretação conforme à Constituição Federal ao mencionado § 5º, do art. 14, da CF, pretendendo a aplicação, aos casos de reeleição para o mesmo cargo, da renúncia do mandato prevista no § 6º do mesmo art. 14, da CF ("Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito."). À primeira vista, entendeu-‐se não ser possível interpretar a CF de modo a criar cláusula restritiva de direitos políticos não prevista, expressamente, no texto constitucional. Considerou-‐se, ainda, que a tese sustentada pelos autores da ação -‐ ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia e da moralidade na administração (CF, art. 60, § 4º, IV c/c § 2º, do art. 5º) -‐ não possuía a relevância jurídica necessária para justificar a concessão de medida liminar, uma vez que não restou comprovada a ofensa direta a nenhuma das cláusulas pétreas pelo mencionado § 5º, do art. 14, da CF, porquanto não se declara a inconstitucionalidade de ato normativo por violação ao sistema da CF, mas apenas a dispositivo expresso desta. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a cautelar por entender que não se poderia emprestar alcance ao § 5º do art. 14, da CF, de modo a que os candidatos à reeleição permanecessem nos seus respectivos cargos sem a necessidade da desincompatibilização, sob pena de conflito com o sistema constitucional em vigor (...).” 53 Sobre o assunto, merece referência a posição de Eneida Desiree Salgado: “Nesse ponto, vale ressaltar, o texto constitucional presente macula-‐se de inconstitucionalidade: o parágrafo quinto do artigo 14, com a redação dada pela Emenda Constitucional 16/97, é inconstitucional. Inconstitucionalidade potencializada pela leitura respeitosa e tímida do Poder Judiciário em face de sua incoerência com o parágrafo sexto, que impõe o afastamento definitivo dos chefes do Poder Executivo para concorrer a outros cargos.” Cf.: SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais Eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 20.
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conjunto de seus julgamentos, o brocardo romano que assim asseverava: ubi idem ratio, ibi
idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-‐se o mesmo direito).
Nesta seara, deve-‐se levar em consideração o argumento de que a suspensão de
direitos políticos constituiria impedimento para a investidura no cargo público, conforme se
depreende do que expressa o art. 8º, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 68/1992. E
em assim sendo, também impediria o exercício do mandato. Entretanto, o evento
investidura já teve lugar quando ocorreu a nomeação e posse do agente e se naquela
ocasião ele envergava as condições legais para tanto, não poderão estes requisitos de
investidura ser reapreciados em momento posterior. A própria legislação eleitoral utiliza-‐se
deste raciocínio quando regula de forma discrepante as formas de impugnação da
candidatura, por um lado, e do mandato eletivo, por outro.54
Disto resta concluir que qualquer sancionamento que venha a resultar na perda do
cargo político (eletivo ou por nomeação) somente poderá advir de previsão legal que
ampare tal decisão (como no caso de pena de caráter criminal), ou resultar de efeito
específico da decisão condenatória proferida pelo Poder Judiciário em decisão transitada em
julgado (meramente penal – não criminal), ou em virtude de processo administrativo aberto
em vista de fatos infracionais posteriores à sua investidura no cargo – nos termos da
legislação regente específica. Não é possível imaginar a pena de perda do cargo apenas
como uma consequência direta, inexorável e “implícita” de outra pena: a suspensão dos
direitos políticos. Até porque, a própria Constituição Federal de 1988 também prevê de
forma clara no seu artigo 5o, inciso LXVI, que “a lei regulará a individualização da pena e
adotará, entre outras, a seguintes: (...); e) suspensão ou interdição de direitos.” Portanto,
sem intermediação legal expressa não é possível interditar um direito político.
Nestes termos, é importante referir que se uma lei municipal estabelecer que a
suspensão dos direitos políticos do prefeito ou do vereador implica a perda do cargo,
54 Com a suspensão dos direitos políticos, a capacidade eleitoral passiva fica restrita, ou seja, o agente não pode ser escolhido em convenções partidárias objetivando pré-‐candidaturas eletivas, e o seu pedido de registro de candidatura será indeferido (caso contrário, caberá o ajuizamento, pelos legalmente legitimados, de Impugnação de pedido de registro de candidatura -‐ artigo 3° da Lei Complementar nº 64/1990). Por outro lado, se o candidato, no momento do deferimento do registro de sua candidatura, não estava com os direitos políticos suspensos, mas de forma superveniente à eleição em que foi eleito emergiu a inelegibilidade ou a suspensão, ele responderá por recurso contra sua diplomação, sendo anulado o mandato eletivo. No entanto, é necessário que o Recurso Contra a Expedição do Diploma (artigo 262 do Código Eleitoral) tenha sido interposto dentro do prazo de três dias para que Justiça Eleitoral possa aplicar a hipótese legal. Cf.: RAMAYANA, Marcos. A inelegibilidade que decorre da improbidade administrativa sancionada como causa de suspensão dos direitos políticos. Paraná Eleitoral. Curitiba, v. I, p. 299.
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nenhum óbice haverá para a sua destituição. O argumento da simetria ao Presidente da
República (no caso de prefeitos e governadores) é frágil no contexto constitucional. Ocorre
que quanto aos governadores, as Constituições Estaduais costumam expressar esta simetria
literalmente. Neste caso, é possível sustentar a equiparação da sua situação à do presidente.
Mas este fenômeno nem sempre se repete nas legislações municipais, que muitas vezes
acabam repetindo a regra aplicável a deputados e senadores tanto para os prefeitos quanto
para os vereadores.55
De todo modo, a conexão entre as duas penas, nos casos em que ausente a
previsão constitucional ou legal expressa, é uma restrição inconstitucional ao direito político
do cidadão – um direito de natureza fundamental e que não se esgota na elegibilidade, mas
sim implica a própria representação como elemento subjetivo também de caráter
jusfundamental. A posição de autores como Lucia Regina Esteves de Magalhães, que
sustentam sempre prevalecer o interesse da coletividade em detrimento dos direitos
fundamentais, quando eles entram em conflito, não tem cabimento no ordenamento
brasileiro.56
Ademais, quando em conflito, por exemplo, o princípio da presunção de inocência e
o princípio da proteção do erário (se é que este último é um princípio), não é possível saber
a priori qual será o resultado hermenêutico, pois a decisão em concreto deverá considerar
sempre as peculiaridades do caso. O que se sabe é que não tem lógica imaginar que uma
ideia errônea a respeito do princípio da supremacia do interesse público ou do princípio da
moralidade administrativa possam justificar, de pronto, uma restrição total de um direito
fundamental ou de um princípio que lhe dê supedâneo. Sobre o assunto, já se pronunciou
com objetividade Clèmerson Merlin Clève: “Aliás, calha nesta oportunidade lembrar que, ao
contrário dos direitos, o princípio da moralidade não substancia um ‘trunfo’ no sentido
proposto por Ronald Dworkin.”57
55 É importante frisar que esta repetição não é obrigatória. Diferentemente do caráter cogente do artigo 27, § 1o da Constituição Federal no tocante aos deputados estaduais, o artigo 29, inciso IX, estende as proibições e incompatibilidades ao vereador: “no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e, na Constituição do respectivo Estado, para os membros da Assembléia Legislativa.” 56 MAGALHÃES, Lúcia Regina Esteves de. Inelegibilidade e probidade administrativa – a LC 135/2010 na doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. In: – ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 1º Seminário de direito eleitoral: temas relevantes para as eleições de 2012. Rio de Janeiro: EMERJ, 2012, p. 186. 57 E continua o autor: “A presunção de inocência, ao contrário, pode ser vista como um ‘trunfo’, não sendo tolerável a sua integral compressão, no processo eleitoral, em nome de um suposto interesse da
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Os direitos fundamentais possuem, por conseguinte, uma natureza híbrida,
situando-‐se entre o público e o privado. Esta constatação retrata a defesa do que Carlos
Santiago Nino denomina de “cidadania moral”; uma noção decorrente da teoria política e da
alocação dos princípios como fundamento categórico do sistema constitucional agregador
do público e do privado. A decisão de prevalência, neste caso, em que se coloca a questão
do interesse público tanto em face dos direitos fundamentais quanto de outro interesse
público, somente pode ser extraída da ponderação de valores no caso concreto, assim como
no próprio conflito entre direitos fundamentais, em que se estabelece uma relação de
prioridade condicionada. Cabe salientar, contudo, que tanto no caso dos interesses públicos
como no dos direitos fundamentais não há uma eleição discricionária; não há uma
“atribuição de peso” a ser efetuada pelo intérprete. Há, ou “deveria haver” a obediência a
um critério convencionalmente predeterminado (um “reconhecimento” do peso).58
E, ainda, a resposta para estes casos complexos deve considerar que o Estado e
mais acentuadamente a Administração Pública estão submetidos a uma estrutura de
equilíbrio entre a supremacia e a indisponibilidade dos interesses.59 O que não se traduz em
uma solução fácil aos problemas concretos que decorrerão desta situação.
Consideradas estas premissas, a solução exigirá recorrência ao ordenamento e pode
pender para um lado ou para outro, dependendo das condições reais identificáveis no caso
concreto. Este raciocínio, apesar de denotar certa banalidade, é extremamente importante,
pois recusa o equívoco dos detratores do princípio da supremacia do interesse público e,60
ainda, afasta o entendimento majoritarista que parece estar escondido em posições fracas
de defesa dos direitos, como esta que se estabeleceu a respeito da perda do mandato como
consequência inexorável da suspensão dos direitos políticos.
comunidade.” Cf.: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Jurisdição constitucional e paternalismo: considerações sobre a lei da ficha limpa. Op. cit., p. 119. 58 BAYÓN, Juan Carlos. Derrotabilidad, indeterminación del derecho y positivismo jurídico. In: ______. RODRÍGUEZ Jorge. Relevancía normativa en la justificación de las decisiones judiciales. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 202. 59 Sobre o assunto remeto à tratativa mais complete realizada em trabalho anterior: GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 60 Equívocos estes já refutados com perfeição por Daniel Wunder Hachem. Cf.: HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
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5. Referências
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