INDIVIDUALISMO NA ERA DO COMPARTILHAMENTO: A REDE COMO
TECITURA DE NÓS
Breilla Zanon
Mestranda em Ciências Sociais – UFU
Drª Claudelir Corrêa Clemente
Professora Antropóloga do PPGCS/INCIS/UFU
Resumo: O presente artigo tem como intuito avaliar criticamente o individualismo como conceito ideológico
presente nas novas formatações coletivas conhecidas como rede. As redes serão compreendidas aqui como
conexões de indivíduos, geradoras de sociabilidades mais ou menos intensas, passíveis de serem encontradas em
todas as dimensões da vida social moderna. A preocupação aqui será em relacionar o individualismo – bem como
os conceitos de liberdade e igualdade a ele conectados – como ideologia imbricada nas novas tendências de
construção coletiva, as quais visam a implementação e institucionalização de condições e contextos
flexibilizados por novas tecnologias e rearranjos econômicos e socioestruturais presentes nas sociedades
contemporâneas.
INTRODUÇÃO: A NECESSIDADE DE UMA NOVA LENTE SOBRE OS ESTUDOS
DAS REDES DE SOCIABILIDADE
As categorias indivíduo e individualismo mereceriam atenção desde a fundação das
Ciências Sociais no século XIX. Emile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia,
publicara um texto circunstancial de pouca ressonância na época, mas que pode ser hoje
considerado um dos primeiros a nomear em seu pleno sentido sociológico uma categoria
analítica importante para a compreensão das formas modernas da pessoa: o “individualismo”.1
Na visão de Durkheim a categoria caracteriza a modernidade e portava algo
instaurador e fundamental que corroía a antiga solidariedade social denominada por Durkheim
como solidariedade mecânica. Suas considerações foram pautadas na constatação da crescente
divisão do trabalho social que se firmava na então recente sociedade moderna.
A solidariedade produzida pela divisão do trabalho é totalmente diferente.
Enquanto a precedente (esclarece-se, a solidariedade mecânica) implica que os
indivíduos se pareçam , esta supõe que eles diferem uns dos outros. A primeira
só possível na medida em que a personalidade individual seja absorvida pela
personalidade coletiva; a Segunda os é possível se cada um tiver uma esfera
própria de atuação e, consequentemente uma personalidade. É preciso pois, que a
consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual
(DURKHEIM,1999, p.83)
A humanidade, na concepção moderna, é constituída de homens e, cada um desses
homens é concebido como apresentando em sua particularidade esta essência de humanidade.
Segundo Louis Dumont:
1 Ver o artigo O individualismo e os intelectuais. In Durkheim, E. A ciência social e a ação.
“Este indivíduo é quase sagrado, absoluto; não possui nada acima de suas exigências
legitimas; seus direitos, só são limitados pelos direitos idênticos dos outros indivíduos”.
(DUMONT, 1999:57)
Antes de tudo, o indivíduo é um valor na sociedade moderna.
O ser humano é o homem elementar, indivisível, sob sua forma de ser biológico
e ao mesmo tempo sujeito pensante. Cada homem particular encarna, num certo
sentido, a humanidade inteira... O reino dos fins coincide com os fins legítimos
de cada homem, e assim os valores se invertem... Ontologicamente a sociedade
não existe mais, ela é apenas um dado irredutível ao qual se pede em nada
contrariar as exigências de liberdade e igualdade ». (DUMONT, 1999 p.57)
A nova categoria “indivíduo” refletia um “egoísmo” coletivo moderno, ao mesmo
tempo em que abarcava os melhores valores associados à cidadania republicana, como as
preeminentes liberdade e igualdade.
No entanto, o que pretendemos aqui não é uma tentativa inconsequente de
pormenorizar a subjetividade humana, muito menos sua capacidade de interpretação racional
a respeito do mundo que envolve sua matéria. Ao problematizarmos o individuo participante
das organizações em rede e está ultima como objeto, o que buscaremos desenvolver a partir
de agora é uma análise crítica a respeito dos conceitos de liberdade, igualdade e
colaborativismo a ela articulados, usando como base algumas reflexões da teoria
antropológica. Muitos autores, teóricos das organizações em rede, acreditam que os
componentes acima relacionados são impulsionados pelas redes e pelas novas tecnologias da
informação que em muito as servem como base. Paralelamente, levaremos em conta que esses
conceitos também permeiam formulações a respeito do indivíduo moderno. Por isso, nosso
intuito durante esse percurso é levantar outras perspectivas que aprofundam nas observações
sobre as falhas presentes na construção dos valores acerca da liberdade, igualdade e
colaborativismo do indivíduo contemporâneo mediante seu contexto e as sociabilidades que
constrói. Em nosso caso, as sociabilidades das quais trataremos serão as que se dão em forma
de rede.
A categoria de indivíduo, bem como o conceito de individualidade, tomam força como
conteúdo presente no pensamento burguês capitalista. Não nos interessa aqui analisar as
origens da passagem de sociedades concebidas como holistas para outras que ascenderam um
novo tipo que veio a contradizer a concepção daquilo que seria comum entre seus membros.
O nosso objetivo é trazer tal conceito para o contexto atual das teorias das sociedades em
rede, onde os indivíduos, pelas maiores oportunidades conectivas de seu tempo, relacionam-se
entre si mediante suas capacidades e interesses individuais. A partir disso, faremos pontuações
sobre a qualidade da sociabilidade/rede que se forma, com o intuito de observar se essa
construção promove um implemento dos conceitos de liberdade, igualdade e colaborativismo
como prática. O trabalho que pretendemos desenvolver aqui considera o fato de que temos
atualmente um indivíduo construído conceitualmente e reflexivamente a partir da própria
dimensão da modernidade, e consecutivamente, da ideologia capitalista (DUMONT, 1999).
Por isso, assim como a vulnerabilidade de conceitos ideais como os de liberdade e igualdade,
queremos levantar questões consequentes sobre a natureza da sociabilidade aqui constituída.
Não se trata apenas de avaliar criticamente a formação dos conceitos colaborativistas, em
voga na época dos “compartilhamentos”, mas os analisar – como antes já fora feito com
determinação em relação a conceitos e aplicações da liberdade e autonomia no ambiente de
modernidade radical – através de um prisma que visa reavaliar a existência palpável dessas
categorias nas relações entre os indivíduos situados em rede.
Diferentes das análises políticas e sociais que exaltam a teoria das redes como uma
nova organização capaz de desvincular o indivíduo de preceitos duais, uma análise teórico-
antropológica nos ajudará a organizar e, eventualmente classificar, catalisadores e obstáculos
que afirmam ou negam as potencialidades que dão corpo aos conceitos de liberdade,
igualdade e colaborativismo dentro do plano macro da sociedade e micro da rede.
Entendemos aqui que esses catalizadores e obstáculos se relacionam ao indivíduo no que diz
respeito não só às oportunidades tecnológicas agora embutidas ao jogo, mas principalmente
em relação ao contexto desse indivíduo, ou seja, sua integração ao ambiente em que vive em
paralelo com uma maior ou menor acessibilidade desses novos atributos colocados como
potencializadores de suas liberdades. Uma análise antropológica social com essa interface tem
como intuito não somente avaliar a proeminência das relações em rede como um novo tipo de
organização em nível social capaz de transcender a perspectiva individual metodológica ou
holística, mas também deixar evidente o jogo, de certa forma dialético entre essas dimensões,
micro/ macro, indivíduo/sociedade, no sentido das avaliações e práticas que se dão em meio a
esse campo, visando deixar evidente em que medidas se estabelecem em decorrência da
realidade concreta do indivíduo e a reflexividade acerca de si mesmo ao usufruir da
acessibilidade e organizar os links, estratégias e estruturas diante do outro.
O INDIVÍDUO COMO IDEOLOGIA E COMO MORAL
O individualismo, tal como somos familiarizados nos dias de hoje, tem como principal
substrato a sociedade capitalista. Nela está entranhada a ideologia do consumo, onde a
diferenciação, ou seja, identidade que confere individualidade, se garante através da aquisição
material e simbólica que o sistema vigente propõe. Dessa forma, aquilo que consume que
confere individualidade ao homem.
Essa concepção de indivíduo na contemporaneidade desmantela as virtudes que antes
eram atreladas a ideia moderna de indivíduo. Valores e ideais como liberdade, igualdade e
colaborativismo/coletividade preconizados na formatação do indivíduo moderno se constrói a
partir de perspectivas diferentes no momento atual. Podemos dizer, portanto, que a construção
do indivíduo e da individualidade, apesar de ter em seu cerne a mesma essência da busca pela
autonomia do homem no mundo, se polarizou mediante as transformações ocorridas por
através da história das sociedades. Nesse panorama, encontramos contrapostos o então
individualismo moderno, advindo das ideias iluministas, onde a liberdade do homem é
buscada através do princípio da consciência de sua ação, da sua presença e realização dentro
de um mundo até então guiado por leis que o deixava ausente. Um indivíduo cuja
subjetividade, sua capacidade de agir no mundo e se fazer presente estava dada e não seriam
mais dogmas instituídos que definiriam as oportunidades. A ciência lança a luz a todos os
homens e estes, agora munidos da igualdade que ela propõe, tornam-se indivíduos passíveis
de subjetividade e ação. Em contraposição, o individualismo contemporâneo, pós-moderno,
proveniente de um contexto cada fez mais fragmentado e reconfigurado conforme as
preponderâncias do sistema econômico. No individualismo contemporâneo, a liberdade e a
igualdade se conquista pelo próprio sistema econômico. O consumo agora é quem traz as
oportunidades de se tornar único em meio a sociedade, de se sentir liberto das estruturas
massificadas e instituições rotinizadas e de, além disso, de garantir igualdade perante os
antagonismos e diversidades da vida em sociedade.
É nesse contexto de inúmeras diversidades e fragmentações que o debate sobre as
redes de sociabilidades retorna. No retorno desses debates e construções teóricas autores
passam a definir as redes como novas plataformas de ação do indivíduo na
contemporaneidade, plataformas as quais esses indivíduos constroem maiores oportunidades
de implementarem seus interesses, desejos e ações diante do contexto macro em que se vê
inserido. As organizações em rede na atualidade são promovidas e também, em grande
medida, ajudam a promover as novas tecnologias da informação, permitindo que um fluxo
maior de capital informacional seja distribuído entre os membros dentro da rede e,
consecutivamente, a partir dela. Nessa condição que as redes colocam em jogo, os indivíduos
teriam maiores oportunidade de articular suas individualidades/subjetividades em torno de
uma convergência coletiva sem que isso tirasse a possibilidade de garantir através das redes
implementar interesses e desejos singulares. Trata-se, portanto, de ações individuais que são
articuladas de maneira coletiva e recíproca através da troca de informações materiais ou
simbólicas. Essa troca de informações que configura a rede acontece mediante a convergência
a um objetivo, um valor, um interesse material ou simbólico compartilhado e permite que os
indivíduos conectados a essa convergências construam tenham ganhos no que diz respeito a
esse objetivo, valor ou interesse coletivo ao mesmo tempo em que abre oportunidades de
incrementar atributos individuais. Nesse sentido, a matéria que une os indivíduos, ou seja,
configura os nós da rede é em grande medida construída em torno de um elemento
compartilhado, coletivo, no entanto, isso não restringe a individualidade dos que fazem parte
da rede, pois, essa individualidade, singularidade ainda é entendido como o componente
principal que possibilita a formação da malha da rede em si, pois é ela que permite que as
ligações, os nós da rede se estabeleçam (MARTELETO, 2001).
Manuel Castells, um dos primeiros teóricos sociais que visualizam a era atual na qual
vivemos como um período de transformações elencadas principalmente pelas inovações
tecnológicas e informacionais, entendida como Revolução Informacional, compreende que
nós encontramos em uma situação que nunca antes foi dimensionada no período da
modernidade do homem em sociedade. Na sociedade em rede2, como classifica o autor, o que
se torna mais surpreendente e relevante em relação a esse momento segundo Castells (1999),
é fato de que as novas técnicas desenvolvidas a partir do uso da tecnologia da informação
permite agora que o indivíduo potencialize sua conectividade com o outro e assim, aumente
consequentemente sua capacidade de participação política em meio a sociedade em que vive.
Juntamente com a revolução tecnológica, a transformação do capitalismo e a
derrocada do estatismo, vivenciamos no último quarto do século o avanço de
expressões poderosas de identidade coletiva que desafiam a globalização e o
cosmopolitismo em função da singularidade cultural e do controle das pessoas
sobre suas próprias vidas e ambientes. Essas expressões encerraram acepções
múltiplas, são altamente diversificadas e seguem os contornos pertinentes a cada
cultura, bem como as fontes históricas de formação de cada identidade.
(CASTELLS, 1999)
2 Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista
estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e
individualização da mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia
onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e
o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades
e elites dominantes. Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os
níveis da sociedade, está sendo difundida em todo mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu
inimigo univetelino, o estatismo industrial, fora disseminados no século XX, abalando instituições,
transformando culturas, criando riqueza e induzindo a pobreza, incitando a ganância, a inovação e a esperança, e
ao mesmo tempo impondo o rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se na verdade de um mundo
novo. (CASTELLS, 1999)
Apesar dos pesares elencados pelo autor, o momento contemporâneo nos traria a
receita fundamental para a potencialização da perspectiva e interação autônoma do indivíduo
em sociedade. Seria este, portanto, o espaço e o tempo o qual encontramos os elementos
necessários para o fortalecimento dos valores de liberdade, singularidade e igualdade tão
reverenciados na construção das identidades modernas. Neste momento então, o homem
estaria como nunca, mais próximo às possibilidades que dizem respeito ao ganho de sua
autonomia.
Como nossa análise se trata de uma análise antropológica que visa observar o tema em
uma perspectiva mais microscópica do que telescópica – sem deixar de relacionar e
compreender a influência da perspectiva macro sobre a micro –, e assim, inferir
questionamentos não a uma teoria universalizante, mas à sua aplicação prática em relação a
contextos particulares, recorremos à Louis Dumont e suas construções analíticas a respeito do
indivíduo e do ideal individual posto pela modernidade em sua obra O individualismo: uma
perspectiva antropológica da ideologia moderna.
As observações de Dumont são pertinentes para a análise do individualismo em uma
sociedade cuja diversidade de interesses têm a oportunidade e o intuito de se conectarem a
despeito da drástica complexificação e diferenciação dada pela desigualdade imanente da
reestruturação capitalista no final do século XX. Como já levantamos anteriormente, levamos
em consideração que o pensamento a respeito do indivíduo e da sociedade, em paralelo, tal
qual compreendemos em nossas sociedades modernas se relacionam essencialmente na forma
de uma dicotomia cujo o berço é o próprio pensamento ocidental3. Como salientou Dumont
(1985) “algo do individualismo moderno está presente nos primeiros cristãos e no mundo que
os cerca, mas não se trata exatamente do individualismo que nos é familiar”.
Compreendemos aqui que empreender uma análise acerca do indivíduo, e
consequentemente do individualismo, como categoria pela qual perpassam ideologias a
respeito da organização social contemporânea, nos possibilita colocar em análise não só a
diversidade de ideais e interesses que este toma para si de maneira diversamente
particularizada, mas também nos dá possibilidade de analisarmos tais átomos como resultante
3 Visando estruturar as compreensões acerca desse tema, Dumont considera necessário o contraste da ideia que
corresponde ao indivíduo em outras culturas. Nas sociedades orientais como a Índia, segundo Dumont, o
indivíduo desconectado das interdependências impostas pela própria cultura é considerado aqui como
renunciante, ou seja, aquele que renuncia o mundo e ao qual é permitido a plena independência para a escolha de
seus caminhos. É importante salientar para termos de comparação que, o renunciante é considerado como fora do
mundo, ou nas palavras do próprio autor, “o homem que busca a verdade última abandona a vida social e suas
restrições para consagrar-se ao seu progresso e destino próprios.
necessária para a uma organização social que incremente em si não só uma dimensão
particularizada, mas também passível de interconexão, uma vez que às considerações a
respeito da diversidade é unidade suprema capaz de dar força a um sistema que necessita ao
mesmo tempo de uma organização estrutural presente, no entanto flexível; e de uma
pulverização de valores e interesses, os quais são componentes elementares do fortalecimento
identitário e consequentemente do caráter individual em meio a sociedade contemporânea.
Nessa orientação, Dumont nos aponta que:
Assim, quando falamos de “indivíduo”, designamos duas coisas ao mesmo
tempo: um objeto fora de nós e um valor. A comparação obriga-nos a distinguir
analiticamente esses dois aspectos: de um lado o sujeito empírico que fala, pensa
e quer, ou seja, a amostra individual da espécie humana, tal como a encontramos
em todas as sociedades; do outro, o ser moral independente, autônomo e, por
conseguinte, essencialmente não-social, portador dos nossos valores supremos, e
que se encontra em primeiro lugar em nossa ideologia moderna do homem e da
sociedade. Deste ponto de vista, existem duas espécies de sociedade. Quando o
indivíduo constitui o valor supremo, falo de individualismo; no caso oposto, em
que o valor se encontra na sociedade como um todo, falo de holismo.
(DUMONT, 1985)
O que busco salientar nesse ponto é que em uma organização social que se dá em
forma de rede de relações entre os indivíduos, perpassam em suas conexões não somente a
dimensão individualista, mas também a holista, ambas, como projetos ideais e morais,
ideologias necessárias para a organização e institucionalização do ambiente flexível não só
em seu conteúdo, mas também em sua forma, e consequentemente, no que diz respeito a
interação em nível político desses indivíduos, seus desenvolvimentos benéficos e falácias a
respeito de uma verdadeira potencialização da liberdade.
INDIVÍDUO – REDE – SOCIEDADE: UMA ESTRUTURAÇÃO SIMÉTRICA?
Após referenciarmos as considerações a respeito das relações sociais que se organizam
em nossos dias e de pontuarmos as críticas acerca da principal ideologia que a sustenta,
vamos lançar olhares sobre a rede. Para tal categorização, salientamos as análises de dois
teóricos das sociedades em rede na antropologia.
A partir dos estudos de Marteletto (2001):
Nas redes sociais, há valorização dos elos informais e das relações, em detrimento
das estruturas hierárquicas. Hoje, o trabalho informal em rede é uma forma de
organização humana presente em nossa vida cotidiana e nos mais diferentes
níveis de estrutura das instituições modernas. O estudo das redes coloca assim em
evidência um dado da realidade social contemporânea que ainda está sendo pouco
explorado, ou seja, de que os indivíduos, dotados de recursos e capacidades
propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em função de
socializações e mobilizações suscitadas das redes. Mesmo nascendo em uma
esfera informal de relações sociais, os efeitos das redes podem ser percebidos fora
de seu espaço, nas interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições
representativas. Decisões micro são influenciadas pelo macro, tendo a rede como
intermediária. (MARTELETTO. 2001. p. 72).
Nessa conceituação Marteleto, assim como propôs Castells em sua análise, argumenta-
se sobre a nova estrutura que se organiza a partir das transformações principalmente
tecnológicas provenientes da restruturação econômica. No entanto, ainda são opacas suas
considerações a respeito dos nós dessas redes, ou seja, dos próprios indivíduos e a formulação
de seus interesses para a participação de uma organização de sociabilidade que se dê em
forma de rede mediante suas capacidades e aptidões, relacionando-os aos contextos e valores
imbricados em suas trajetórias de vida. O que podemos observar é que muitos teóricos dessa
nova transformação e organização social não observam o indivíduo inserido no contexto
social e cultural, e consequentemente dotado de mais ou menos capacidades para efetivar sua
participação em rede, ou como se prefere dizer, portadores de atributos necessários para o
desenvolvimento de sua autonomia. Mas, assim como a própria autora relata nesse trecho,
ainda são poucos os estudos e pesquisas acerca do tema e talvez o indivíduo como objeto da
pesquisa ainda seja algo a ser explorado pela abordagem antropológica a essa temática.
Como observou o economista Amartya Sen (2008), a capacidade de participar de um
ambiente público, e consecutivamente, de garantir sociabilidades, vai além dos interesses e
pré-disposições, mas condizem diretamente com as liberdades substantivas e políticas
oferecidas e passíveis de serem adquiridas concretamente por cada indivíduo de acordo com
seu contexto social, cultural e econômico4. Dessa maneira, podemos dizer que tais liberdades,
entendidas como relativas, só podem se realizar em rede quando em jogo com as dimensões
sociais, culturais, políticas e econômicas e não correspondem apenas à vontade individualista
de seus nós. Podemos dizer que essas liberdades substantivas e políticas corresponde às
variabilidades relacionais, as quais o que pesquisador de redes de sociabilidade Eduardo
Marques chama de economia dos vínculos, em sua obra Redes Sociais, segregação e pobreza:
As redes sociais são padrões complexos de relações de diferentes tipos
acumuladas ao longo de trajetórias de vida e em constante transformação. Elas
são heterogêneas – variam de indivíduo para indivíduo –, são intrinsecamente
dinâmicas e podem ser mobilizadas por eles de diversas maneiras dependendo da
mesma situação. Mesmo o sentido e o uso dessas redes podem variar para
indivíduos de grupos sociais distintos. (…) Consequentemente, as redes devem
ser consideradas simultaneamente relacionais (no sentido de serem constituídas
de relações) e relativas (no sentido de que a sua mobilização pode variar
dependendo da situação). Para conseguir essas dimensões plenamente, os estudos
devem capturar ao mesmo tempo a sua estrutura (as próprias redes e suas
características) e a sua mobilização na sociabilidade cotidiana. (MARQUES,
2010, p. 16)
4 SEN, A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2008.
O ponto fundamental que Eduardo Marques salienta e avança em relação a estudos que
levam em consideração apenas a estrutura como mecanismo de mudança, é a existência de
inúmeras variáveis em jogo quando se trata da possibilidade ou não de inserção em uma rede,
bem como a posição de cada indivíduo na rede. Essas variáveis, muitas das vezes podem
funcionar de maneira restritiva, incluindo indivíduos que compartilham de atributos desejados
e excluindo outros que não se garantem através desses atributos.
O acesso às três esferas do bem-estar (mercado, Estado e solidariedade), portanto,
depende de contatos sociais e pode ser influenciado pela conformação dos
padrões relacionais dos indivíduos. Esses padrões foram construídos ao longo da
trajetória de vida dos indivíduos, embora sejam reconstruídos cotidianamente, e
são mobilizados de maneira corriqueira pelos indivíduos, tanto consciente quanto
inconscientemente. (MARQUES, 2010, p. 155)
O que podemos compreender a partir das contraposições de Castells, Marteleto e
Marques é a composição dialética e em grande medida, recíproca, que se faz presente em meio
as três dimensões as quais estamos abordando: indivíduo, rede, sociedade. Dumont nos ajuda a
compreender mais sobre a formação de vínculos e suas coerências entre o plano micro e
macro, mas quando nos propomos a reavaliar estruturalmente a organização em rede nos é
fundamental recorrermos à Marcel Mauss e suas considerações a respeito dos laços recíprocos.
Sobre as considerações de Mauss (2003) sobre liberdade e igualdade que a rede como
tipo de organização e sociabilidade pode originar e levando em conta que a dinâmica do
indivíduo vinculado à rede se dá mediante as capacidades e atributos que a ela dispõe,
podemos tomar conceituações a respeito de sua teoria da reciprocidade para nos ajudar na
análise. Em seus Ensaios de Sociologia, ao colocar sob análise sociedades que tomavam a
troca como substrato regulador da totalidade de suas instituições sociais e morais5, Mauss nos
traz caracterizações sobre a reciprocidade entre as sociedades cujo os indivíduos trocam não
só bens materiais, mas também valores imateriais entre si e salienta que “a reciprocidade não
quer dizer sempre igualdade. Da geração 1 à geração 2, como da geração 2 à 3, há
reciprocidade, mas não igualdade; da mesma maneira entre homem e mulher” (Mauss, 1968-
1969 [1931a], p. 301, tradução do autor).
É preciso ressaltar que Mauss, em artigo sobre “a noção de pessoa” publicado em 1938
assume radicalmente o papel formador que as categorias coletivas de uma sociedade exercem
sobre a organização e pratica concretas desta sociedade. Assume, ainda, a impossibilidade de
se tomarem noções particulares, como a de Individuo, na compreensão de outros universos
5 Análises sobre as sociedades de Fiji e da Austrália. Mauss, M. (1968-1969 [1931a]), Essais de sociologie.
paris, Éditions de Minuit (tomos 1 e 2 de Oeuvres).
socioculturais, sua perspectiva analítica considerava as categorias nativas como definidoras de
pessoa ou individuo. Radcliffe-Brown, um dos expoentes desta antropologia social britânica,
expôs com muita nitidez a forma mais simples da oposição entre as categorias “pessoa” e
“indivíduo” em 1940, em um artigo sobre “a estrutura social”:
Todo ser humano vivendo em sociedade tem dois aspectos: ele é indivíduo, mas
também pessoa. Como indivíduo, ele é um organismo biológico, um conjunto
muito vasto de moléculas organizadas em uma estrutura complexa em que se
manifestam, enquanto ele persiste, ações e reações fisiológicas e psicológicas,
processos e mudanças. (...) O ser humano como pessoa é um complexo de
relações sociais. (RADCLIFFE-BROWN, 1973).
Nessa fórmula, o indivíduo se apresenta em sua condição de instância infra social,
como mero substrato concreto para a imposição do estatuto social.
A antropologia clássica não tinha referências sobre as organizações e sociabilidades
que estariam por vir, mas já argumentava que “pessoa” e individuo” são categorias erigidas em
diferentes tempos e espaços, o mesmo cabe aos preceitos recíprocos que fundam as
sociedades. Na atualidade, as formas sociais de tipo, organização e sociabilidade, no entanto, a
reciprocidade entre os indivíduos que se conectam em meio a essa troca, radicaliza a não
garantia de igualdade. Mauss, em uma de suas argumentações a respeito da consciência do
indivíduo ao tratar de suas ações recíprocas em relação ao meio em que vive, salienta que:
Convém que o cidadão não seja nem demasiado bom e subjetivo demais, nem
demasiado insensível e realista demais. É preciso que ele tenha um senso agudo
de si mesmo, dos outros e da realidade social (e haverá, nesses fatos de moral
uma outra realidade?). Ele deve agir levando em conta a si, os subgrupos e a
sociedade. Essa moral é eterna; é comum às sociedades mais evoluídas, às do
futuro próximo, e às sociedades menos educadas que possamos imaginar!
Tocamos a pedra fundamental. Nem mesmo falamos mais em termos de direito,
falamos de homens e de grupos de homens, porque são eles, é a sociedade, são os
sentimentos de homens de carne, osso e espírito que agem o tempo todo e agiram
em toda parte (MAUSS, 2003, p. 299).
Em congruência as observações de Mauss (2003), devemos salientar que a formação de
organizações sociais em rede têm como substrato a informalidade e isso não no sentido da não
adequação às regras e condutas que estabelecem para a sua formatação, mas como
consequência da flexibilização posta pelos ambientes políticos em vista das transformações
econômicas e tecnológicas. As redes não são instituições pois admitem e preconizam sua
flexibilidade, supondo a cada indivíduo uma mobilidade maior ou menor mediante as
capacidades e interesses que imprime na sua construção. Dessa forma, quanto mais o
indivíduo disponibiliza dentro da rede, maior sua participação em relação aos vínculos e
conexões, e portanto, maior sua sensação de liberdade e autonomia.
Mas a individualidade moderna, como salientou Dumont, tem como seus principais
componentes a busca pela liberdade, e em caráter atualizado e neoliberal, a igualdade. Não se
trata de um indivíduo-fora-do-mundo como havia classificado o renunciante de outrora. Por
isso, ao revelar a importância desses componentes na construção de uma ideologia moderna,
não é de se surpreender que o indivíduo-no-mundo progride com o Iluminismo.
O indivíduo está agora no mundo, e o valor individualista reina sem restrições
nem limitações. Temos diante de nós o indivíduo-no-mundo. (…) É possuído pela
vontade de agir no mundo e rechaça por raciocínios coerentes as ideias recebidas
que o impediram disso” (DUMONT, 1985, p. 63-64)
Por isso, invocamos para pensarmos a rede como um mecanismo potencializador de
atributos autônomos, a mesma pergunta de Dumont sobre o indivíduo-no-mundo: “Poderemos
verdadeiramente afirmar que o valor individualista reina agora sem contradição nem
limitação?” (DUMONT, 1985, p. 68). Em conexão a essa mesma pergunta, poderíamos dizer
que a rede – e todas as tecnologias virtuais e sociais que aborda – seria um novo mecanismo
ou plataforma capaz de colocar o indivíduo para agir no mundo?
Pelo que vemos através das observações de Sen (2008) e Marques (2010), que de certa
forma se completam, não é o simples fato de estar conectado a uma rede que os indivíduos
aumentariam o seu grau de liberdade, potencializariam sua individualidade e a coletividade em
jogo. Como já observamos, o ideal de indivíduo buscado na contemporaneidade é um produto
que pode ser comprado mediante a reprodução do sistema econômico que este se insere. Dessa
forma, podemos dizer que o próprio indivíduo, sua subjetividade e interesses quanto ser único
se pauta em um modelo proposto, o qual tem como objetivo a constante manutenção do
consumo, e consequentemente, de um sistema de produção e reprodução econômica e social.
Sua subjetividade perpassa constantemente pelo apelo de uma ordem objetiva, que no caso da
sociedade contemporânea, é impresso em ideais capitalistas. Dessa maneira, ao tratarmos
sobre questões do individualismo e do indivíduo em meio a construção de coletividades como
o caso das redes, devemos ter em mente que em grande medida estamos tratando de uma
individualidade que mais do que nunca está contrária à subjetividade real, singularidade e
liberdade do homem em relação ao contexto em que está inserido.
O indivíduo se organiza em rede pelas condições flexíveis que agora lhe são colocadas
como realidade, mas os objetivos que permeia seus interesses na vinculação ainda sim
remontam à sua individualidade, ou por melhor dizer, esculpem seus projetos individuais, que
por sua vez sofrem constantes influências das modelizações capitalísticas. Este é o motivo
pelo qual podemos dizer que a rede é uma plataforma de sociabilidade que pode ser exaltada
como benefício não só para o progresso do indivíduo, mas também para o próprio
desenvolvimento comportamental de uma sociedade cuja economia se pauta em uma
restruturação e acumulação flexibilizada (HARVEY, 2012, p. 117).
Em suma, esses sentimentos provenientes de homens de carne, osso e espírito nos
permitem entender tanto a perspectiva individual quanto holística dada na estruturação das
redes como forma de organização, interação e sociabilidade. São, paralelamente os atributos
do espírito – vontade, valores, interpretações e interesses – e da carne e do osso – capacidade,
necessidades, atributos materiais – que devem ser cogitados quando estabelecemos uma
análise a respeito de uma dimensão social onde os laços se dão pelas concatenações e relação
recíproca de artifícios individuais na formatação de uma plataforma de uso comum como a
rede. O que vale estarmos cientes aqui é que as liberdades e igualdades nessa dimensão não
devem ser evocadas apenas a partir das vantagens que a estrutura possibilita compartilhar, mas
relacionam-se direta e primariamente com as trajetórias de vida dada a cada contexto
individual de maneira dialética ao ambiente macro.
CONCLUSÃO
Antropólogos como Mauss, Dumont e mais recentemente, Marques, nos ajudam a
elucidar as falácias que podemos encontrar em um sistema de sociabilidade pautado na
flexibilidade e exaltadores de ideologias que remontam aos mais fundamentais ideais
humanos. Não quisemos exaltar o individualismo como uma ideologia ou objetivo individual a
fim de garantir a realização dessas vontades, mas como uma ideologia onde a liberdade e a
igualdade só podem ser alcançadas para além do comum, por meio do consumo e
aquisição/vinculação material e simbólico. Sendo assim, a diferenciação exaltada como
fundamento primordial para as sociabilidades desse novo mundo, e portanto, sendo igualmente
proporcionado a esse ao homem moderno inúmeros artifícios e estratégias de colocá-las em
prática, como por exemplo, por através das redes. Como pudemos ver, a noção de liberdade se
desenvolve em paralelo e concordância com a noção de indivíduo no mundo moderno. Em
concordância a isso, como primordialmente salientou Mauss em seu texto Categorias
coletivas de pensamento e liberdade, datado de 1921, podemos usar sua citação a respeito da
relação entre liberdade e indivíduo:
A noção de liberdade – possibilidade de escolha – não aparece desde o início na
História. Ela só se purifica na ocasião do desenvolvimento do direito e da noção
de responsabilidade civil e criminal; é estranha até mesmo às primeiras fases do
direito romano. (…) É ao desenvolvimento da noção do indivíduo, como sujeito
do direito, da moral e da religião, que se vincula a noção de liberdade
propriamente dita. Ora, uma das razões pelas quais as noções de individualidade e
de liberdade levaram tanto tempo para aparecerem é que era preciso o
desenvolvimento das sociedades e talvez até das nações modernas para que a
noção de liberdade cívica, política, religiosa e econômica impusesse à
consciência individual a noção de liberdade pura. Umas e outras destas formas da
noção de liberdade exprimem apenas a crença considerável do número das ações
possíveis oferecidas à escolha do indivíduo, do cidadão em nossas nações. Foi a
realidade e o número das contingências que deu o sentido de contingência.
(MAUSS, 1921, p. 156)
No entanto, tal como é pretendida hoje – por meio do consumo e integração ao sistema
econômico – essa busca leva a um maior aprisionamento do indivíduo a modelos tolhidos de
subjetividade e singularidades reais.
É considerável que, com o desenvolvimento das sociedades contemporâneas, o
individualismo aqui perdeu seu caráter obtuso em relação às sociabilidades, ultrapassou sua
categorização como resultado das artimanhas, feitos e desenvolvimento dos conhecimentos
tecnológicos e psicossociais e passa cada vez mais a ser evocado como um ideal passível de
ser conquistado mais através do plano econômico. Aqui, o individualismo, transvestido de
diversidade, passa a se relacionar diretamente com o conceito de identidade e,
consequentemente, liberdade e igualdade.
A sociedade liberal (…) é igualitária e recorre às leis de troca mercantil e à
“identidade natural dos interesses”, a fim de assegurar a ordem e a satisfação
geral. Quanto à sociedade socialista, ela mantém a negação da hierarquia – pelo
menos em princípio e inicialmente – mas reintroduz uma preocupação certa do
todo social. Combina assim um elemento do individualismo e do holismo; é uma
nova forma, híbrida. No conjunto de doutrinas e movimentos socialistas e
comunistas, a igualdade tem em suma, um lugar secundário, deixando de ser um
atributo do indivíduo para passar a ser da justiça social. (DUMONT, 1985, p. 92)
O interessante a ser visível é o quanto a rede pela forma como se estabelece vem ao
encontro das novas tendências do pensamento neoliberal, as quais eliminam direcionamentos e
evocam preceitos relacionados às individualidades e identidades construídas pelo consumo e
não à consciência singular, sociopolítica em comum. Tal formatação não poderia abrir
precedentes para o esfacelamento de uma análise crítica voltada para a observação dos
obstáculos encontrados por toda uma gama de indivíduos no que diz respeito a sua capacidade
de formulação de demandas verdadeiramente singulares e objetivas? Devido a densidade de
uma pergunta como essa, nossas conclusões devem ser feitas em outro momento. O que nos
interessa salientar é que uma maior ou menor habilidade para tal formulação pode aqui ser
relacionada às identidades e vontades, consequentemente relacionadas à deficiências,
assimetrias e consequências no que diz respeito ao poder e às liberdades políticas e
substantivas entre em jogo nessas considerações. Assim como já constatou Dumont,
A partir do momento em que não mais o grupo mas o indivíduo é concebido
como o ser real, a hierarquia desaparece e, com ela, a atribuição imediata da
autoridade a um agente de governo. Nada mais nos resta senão uma coleção de
indivíduos, e a construção de um poder acima deles só pode ser justificada
supondo-se o consentimento comum dos membros da associação. Há um ganho
em consciência, em interioridade, mas há uma perda em realidade, pois grupos
humanos têm chefes independentemente de um consenso formal, sendo a sua
estruturação uma condição de existência desses grupos como todos. (DUMONT,
1985, p. 93)
Não nos interessa aqui criticar ou até mesmo eliminar a existência e importância da
subjetividade humana. Muito menos estabelecer parâmetros para ela. O que se torna
importante nesse ponto, quando tratamos de uma nova organização política e social, é pontuar
com clareza e sem juízo de valores questões a respeito dos caminhos de avaliação possíveis
acerca das condições em que são formados as respectivas consciências individuais e como
estas se relacionam diretamente com as capacidades e acessibilidades, e consequentemente
geram um melhor ou pior posicionamento em um sistema formatado em rede.
Dado que a criação e manutenção de vínculos envolvem diversos processos que
importam em custos, espera-se uma relação entre as redes e o rendimento dos
indivíduos. Segundo essa hipótese, as redes de grupos sociais distintos estariam
submetidas ao que poderíamos denominar 'economia dos vínculos' diferentes. De
acordo com esse mecanismo, pessoas com menores recursos econômicos teriam
maior dificuldade não apenas de construir, mas também de manter vínculos em
esferas distintas, gerando uma tendência ao abandono de parcelas inteiras da rede
ao longo do tempo. Como consequência, indivíduos mais pobres teriam redes
menores e menos variadas em termos de sociabilidade. (MARQUES, 2010, p.
107)
O que se pretendeu até aqui portanto, não corresponde a uma tentativa de eliminar essa
nova condição como meio de novas possibilidades e desenvolvimentos em torno das
sociabilidades e potencialidades autônomas do homem em sociedade, mas avaliá-la de
maneira breve, porém crítica, os caminhos que percorre e os resultados que imprime.
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