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Jéssica Aparecida Vianna

Date post: 03-Feb-2023
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1 Jéssica Aparecida Vianna Lastro Vocal: A importância do repertório adequado para o desenvolvimento dos coros infanto- juvenis Monografia apresentada como exigência para obtenção do grau de Bacharelado em Música – Habilitação em Regência do Instituto de Artes da UNESP. Orientador: Profº Dr. Angelo Jose Fernandes
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1

Jéssica Aparecida Vianna

Lastro Vocal: A importância do repertório

adequado para o desenvolvimento dos coros infanto-

juvenis

Monografia apresentada como

exigência para obtenção do

grau de Bacharelado em Música

– Habilitação em Regência do

Instituto de Artes da UNESP.

Orientador: Profº Dr. Angelo

Jose Fernandes

2

São Paulo

2012

INSTITUTO DE ARTES DA UNESP

Música – Habilitação em Regência

Lastro Vocal: A importância do repertório

adequado para o desenvolvimento dos coros infanto-

juvenis

Jéssica Aparecida Vianna

3

São Paulo

2012

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo apresentar o conceito deLastro Vocal, compreendido como a base ou fundamentoadquirido através do repertório. Este por sua vez, deveconter características musicais funcionais que conduzam demaneira eficaz a obtenção do Lastro Vocal. Algumascomposições foram analisadas com a finalidade deexemplificar que os elementos musicais (melodia, harmonia,ritmo, contraponto) e extra musical (texto), quando bemestruturados facilitam a construção do Lastro Vocal.

Palavras-chave: vozes infanto-juvenis, repertório canto

coral, regente, técnica vocal.

4

ABSTRACT

This research aims to present the concept ofBallast Vocal, understood as the basis orfoundation acquired through musical repertoire.This, in turn, must contain functional musicalcharacteristics that lead affectively obtaining thevocal ballast. Some musical compositions wereanalyzed in order to illustrate that the musicalelements (melody, harmony, rhythm, counterpoint)and extra-musical (text) when properly structuredto facilitate construction of vocal backing.

Keywords: juvenile-infant vocal, choral chantrepertoire, conductor, vocal technique.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar ao Maestro e parceiro VitorGabriel pelas belas obras que compuseram este trabalho, portodos os diálogos que me ajudaram a refletir melhor sobre oassunto.

Agradeço ao professor Angelo por ter aceitado me orientarmesmo num momento de tantas mudanças em sua vida.

6

A todos os professores que contribuíram para minha formaçãoe me deram a oportunidade de ser uma profissional melhor.

A minha primeira professora de canto Maria Cecília deOliveira, que com sabedoria me ensinou a prática do ensinare do aprender a arte de cantar.

Às Instituições Bacarelli e Guri Santa Marcelina por medarem a oportunidade de trabalhar com crianças eadolescentes maravilhosos.

Aos meus alunos do Polo Campo Limpo que serviram de baseprincipal para a realização deste projeto.

Ao meu filho João que me ensinou e me ensina a importânciado educar hoje e sempre.

SUMÁRIO

7

Introdução.........................................

...................................................

.........6

Capítulo 1: A ESCOLHA DO REPERTÓRIO PARA COROS

INFANTO-

JUVENIS............................................

.......................................7

1.1 ORepertório .............................

................................................

...........7

1.2 O Repertório como Ferramenta na

Construção do Som do Coro.....11

CAPÍTULO 2: COMPOSIÇÕES PARA COROS INFANTO-

JUVENIS....13

Conclusão..............................................

.......................................................

.30

8

INTRODUÇÃO

Este projeto de pesquisa teve como primeira

etapa, discutir como os regentes de coros infanto-

juvenis escolhem o repertório para seu(s) grupo(s),

e se este de fato é adequado às vozes adolescentes

e a construção do Lastro Vocal, pois uma obra

musical pode conter elementos que tanto beneficiem

a boa produção vocal/artística/expressiva quanto o

contrário.

Apresentamos também que certos tipos de

repertório não são adequados para a construção da

sonoridade coral, como por exemplo, os arranjos de

música popular, onde esta nasceu para ser cantada

9

por uma voz solo masculina ou feminina e geralmente

adulta, sendo que os arranjos que lhe são

atribuídos muitas vezes não são de qualidade e não

contemplam a realidade das vozes infanto-juvenis.

Ao contrário de outros tipos de repertório que são

muito funcionais e muito pouco realizados, como o

uníssono e o cânone.

Foi considerada também a necessidade do

regente ser um bom preparador vocal. E como através

de uma boa preparação vocal juntamente com o

repertório adequado construiremos as ferramentas

necessárias para a obtenção do Lastro Vocal.

Realizamos então um estudo de caso sobre

composições pensadas para o Lastro Vocal, escritas

pelo Maestro Vitor Gabriel para meu grupo infanto-

juvenil do Polo Campo Limpo. Foram realizadas

algumas análises acerca deste repertório que

serviram para demonstrar que, uma composição quando

bem estruturada em seus elementos melódicos,

rítmicos, harmônicos e contrapontísticos,

juntamente com um texto de alto teor literário

podem dar Lastro Vocal, e como este servirá de

herança a repertórios futuros cada vez mais

elaborados e sofisticados.

10

CAPÍTULO 1: A ESCOLHA DO REPERTÓRIO PARA COROS

INFANTO-JUVENIS

1.1 O Repertório

A escolha do repertório é sempre um desafio

para o regente. A literatura coral possui uma

diversa gama de gêneros e estilos. Mas será que os

regentes sempre escolhem o repertório mais adequado

para seus coros? Até que ponto nós, regentes

corais, temos um conhecimento abrangente sobre o

repertório coral?

O regente tem de estar sempre bem consciente

das qualidades e limitações de seu coro para poder

estabelecer com clareza um repertório que

corresponda às reais possibilidades de

interpretação. A busca pelo repertório adequado

exige, enfim, muita pesquisa.

No caso das vozes infanto-juvenis temos que

compreender que os cantores são adolescentes em

processo de desenvolvimento corporal. Suas vozes

não estão formadas nem do ponto de vista físico,

nem do ponto de vista da técnica vocal. Os regentes

que trabalham com esta faixa etária têm de estar

muito atentos a esta questão, pois será um dos

itens determinantes no processo de escolha do

repertório.

11

Alguns procedimentos, quanto à escolha do

repertório para os coros infanto-juvenis, parecem-

nos ser desfavoráveis:

a) O piano como ferramenta de estudo e escolhado repertório

A seleção do repertório envolve (em boa parte

dos casos) a utilização do piano como ferramenta

para o estudo das peças. Por meio deste o regente

consegue avaliar o resultado melódico/harmônico das

obras escolhidas e verificar se o que ouve o

satisfaz. Trata-se, aqui, do primeiro contato com

determinada composição ou do estudo mais atento de

uma obra já conhecida mais ainda não avaliada.

Por outro lado, a composição e/ou arranjo

vocal podem – quando avaliadas ao piano – oferecer

uma sonoridade esteticamente satisfatória,

principalmente em relação à harmonia. Mas, será que

este resultado sonoro obtido pelo piano contempla

as exigências de condução vocal tão necessária as

vozes infanto-juvenis? Presumivelmente não, pois o

que funciona para um instrumento harmônico, como é

o caso do piano, pode não funcionar vocalmente.

Portanto, o regente ao analisar as peças terá

de identificar quais são suas características

estruturais (melódicas, harmônicas, rítmicas,

contrapontísticas). Deve avaliar o que as obras têm

(ou deveriam ter) para que seu coro obtenha um

12

melhor rendimento vocal, artístico e expressivo.

Aprofundaremos e discutiremos melhor este assunto

no capítulo seguinte.

b) O repertório de referência

É perceptível no convívio com outros regentes

que, muitas vezes, estes escolhem o repertório para

seu(s) grupo(s) assistindo/ouvindo outros coros. É

o que, neste trabalho, chamaremos de repertório de

referência. Ao gostarem de alguma obra que ouviram,

passam a utilizá-la com seu(s) grupo(s). Mas este é

um processo que nem sempre dá certo, pois cada

grupo tem um perfil próprio, e uma obra que serve

para um grupo nem sempre servirá para o outro.

c) O gosto pessoal

Muitas vezes o regente gosta de uma

determinada obra e insiste em realizá-la a qualquer

custo, não levando em consideração se seu coro é,

de fato, capaz de executá-la. Em muitos casos,

quando o regente percebe que as tessituras (por

exemplo) são inadequadas para as vozes que possui,

faz uma adaptação destas, redistribuindo as linhas

melódicas, tornando-as mais confortáveis para cada

uma das vozes de seu coro. Esta opção pode até ser

eficaz no que diz respeito ao conforto vocal, mas a

mudança de uma linha melódica destinada a uma voz

para outra pode gerar problemas de condução vocal.

Se isto ocorrer, também dificultará a construção do

13

som do coro no que tange a sua homogeneidade, ao

seu conjunto timbrístico, à sua afinação e no

resultado artístico-expressivo do coro.

Enfim, impossibilitará a construção do que

chamaremos neste trabalho de Lastro Vocal, isto é,

a base ou fundamento vocal que será alcançado

através da soma dos diversos elementos musicais

como melodia, harmonia, contraponto, tessitura,

forma (estruturação interna das partes) e de um

elemento extra-musical que será o texto. É

importante salientar que o Lastro Vocal não se

restringirá a um componente meramente técnico, mas

que todos estes elementos (musicais e extra-

musical) acima citados, fornecerão ferramentas para

a sua construção e este por sua vez dará o subsídio

necessário para que os coralistas alcancem seu real

potencial vocal/artístico/expressivo.

d) A mutilação

Um grave equívoco cometido pelos regentes é o

de suprimir uma (ou mais que uma) das vozes de uma

composição e/ou arranjo coral. É prática comum

entre muitos regentes de coros infanto-juvenis

retirarem a linha do baixo em obras compostas para

coro misto a quatro vozes (SATB). Em geral, no coro

infanto-juvenil, os meninos não conseguem alcançar

as notas compostas para a voz do baixo e muitas

vezes nem a do tenor. A obra, assim mutilada, não

14

soará adequadamente, oferecendo dificuldades de

afinação, de obtenção de timbre e de conteúdo

expressivo, por exemplo. Tendo em vista a realidade

brasileira, os coros infanto-juvenis deveriam

cantar um repertório a três vozes desiguais (SABr),

composto ou arranjado para três vozes desiguais. A

linha melódica da terceira voz deveria contemplar

as possibilidades vocais (qualidades e limitações)

dos meninos em processo de muda vocal, no momento

em que eles não se definem nem como tenores nem

como baixos.

e) O que é bom para os Estados Unidos é bom

para o Brasil?

A bibliografia que trata do repertório coral

infanto-juvenil é, em sua grande maioria,

estrangeira. Quando os autores escrevem sobre

música coral, eles obviamente escrevem mediante a

realidade coral a que pertencem. Entretanto, alguns

fatores são comuns, independentemente da Cultura a

que pertencem.

Há hoje no Estado de São Paulo alguns projetos

sócioculturais, como o Projeto Guri Santa

Marcelina1, a ONG Bacarelli2, que recebem crianças e

1 Projeto Guri Santa Marcelina – Organização Social de Cultura que, temcomo objetivo a educação musical e a inclusão sociocultural decrianças e adolescentes na Grande São Paulo.2 ONG Bacarelli – Programa que atende mais de 1300 crianças e jovens,visando oferecer formação musical e artística de excelência,proporcionando desenvolvimento pessoal e oportunidade deprofissionalização na música.

15

adolescentes na faixa etária de seis á dezoito anos

respectivamente, sendo o canto coral uma atividade

obrigatória para os integrantes destes projetos.

O Projeto Guri Santa Marcelina, por exemplo,

conta com professores de diversos Instrumentos e

Canto. Além destes, os alunos têm de participar das

aulas de Canto Coral. Por ser um projeto

sóciocultural, é de sua natureza procurar abranger

o maior número possível de crianças e adolescentes

na faixa etária dos seis aos dezoito anos. Se uma

criança de nove anos e um adolescente de dezoito

estiverem iniciando seu curso ao mesmo tempo, tanto

a criança de nove quanto o adolescente de dezoito

serão matriculados na mesma turma. Assim posto, não

há como se ter uma distribuição equilibrada frente

à faixa etária na formação das turmas de Canto

Coral, o que gera grupos muito heterogêneos, não

podendo ser classificados estritamente como um

coral infantil, infanto-juvenil ou juvenil.

Nesse aspecto a realidade dos regentes que

participam deste projeto é muito diferente daquela

que encontramos no material bibliográfico em língua

estrangeira. Em alguns países a atividade coral faz

parte da grade curricular das escolas, o que

propicia o agrupamento coerente e equilibrado de

cantores, em acordo com a faixa etária das crianças

e dos adolescentes, na prática da atividade de

canto coral.

16

Apesar das diferenças culturais e estruturais

entre a atividade coral proposta pelos projetos

sociais acima citados e a realidade coral exercida

em outros países, descritas bibliograficamente,

faremos uso de alguns critérios de escolha de

repertório levantados na bibliografia utilizada

neste trabalho que nos serão bastante úteis.

Henry Leck, regente norte-americano, aponta

algumas questões com relação à escolha do

repertório adequado às vozes infantis, infanto-

juvenis e juvenis, afirmando3:

“Com os jovens, comece pelotexto. Qual seu significado? Éapropriado? Os desafiará? Evite textoscom duplo sentido. A música está deacordo com suas capacidades vocais?Procure obras com tessiturasapropriadas. Se for um grupo bemjovem, a parte de tenor é apropriada?E a do baixo? Olhe a linha melódica eas mudanças de intervalos. Há saltosestranhos. É cantável? É importanteoferecer uma variedade de estilos paraencorajar o crescimento musical dascrianças. Procure obras que desafiemos cantores a explorar novos estilos.

3 With young people, start with text. What does it means? Isit appropriate? Will it challenge them? […] Avoid a text thatcould create difficulties because of secondary meanings. […]Is the music within their vocal capability? Look for pieceswith an appropriate range. If it is a young ensemble, is thetenor part placed well? What about the bass part? […] Look atthe voicing and the challenge of intervals. Are there oddleaps? Is it singable? It is important to offer a variety ofstyles to encourage children’s musical growth. Look forpieces that challenge the singers to explore new musicalstyles. Singers need to sing the best of every style.

17

Os cantores precisam cantar o melhorde cada estilo. (LECK, 2009, p.72-74).

1.2 – O Repertório como Ferramenta na Construção do

Som do Coro

Esta secção do trabalho se propõe a discutir a

relação do repertório com a busca pelo Lastro

Vocal. Isto é, que tipos de composições e/ou

arranjos corais – quando bem estruturados (melodia,

harmonia, contraponto, ritmo, acompanhamento,

texto), fornecerão ferramentas para o aprimoramento

da musicalidade do coro e melhoria de sua

sonoridade enquanto conjunto: timbre,

homogeneidade, precisão rítmica, afinação, aumento

de tessitura e em seu desenvolvimento artístico-

expressivo.

Em primeiro lugar é importante ressaltarmos as

etapas de um ensaio coral, ou seja, antes de

iniciarmos o trabalho com o repertório, é

fundamental aquecermos as vozes, prepararmos o coro

vocalmente para o que está por vir.

Será papel do regente, caso este não tenha o

apoio de um preparador vocal, conduzir os

exercícios vocais o mais eficientemente possível.

Para tanto é necessário que o regente não só

conheça alguns exercícios vocais, mas que tenha um

bom conhecimento sobre o instrumento vocal, e que

18

tipo de exercício será mais funcional mediante o

repertório a ser cantado. Fernandes (2009, p.197)

comenta a importância do regente também ser um bom

preparador vocal:

Conseguir uma sonoridade adequadano processo de interpretação de umaobra coral vai exigir do regente e doscantores um domínio e umaflexibilidade vocais capazes depossibilitar a melhor emissão, um bomentendimento do texto a ser executado,além do conhecimento sobre práticasinterpretativas. Regentes atentos aorefinamento histórico/estilístico naperformance coral costumam enfatizar aimportância do conhecimento técnicoque viabilize os resultados buscados.Conhecendo a pedagogia vocal, osregentes corais podem trabalharefetivamente para desenvolver noscantores uma maior habilidade vocal,facilitando a tarefa de interpretaçãode repertórios diversificados. Com umatécnica vocal eficaz, o cantor podeaprender a variar a sonoridade da vozem todos os registros, atingindogrande quantidade de “cores sonoras”;desenvolver um amplo espectro dedinâmicas; e adquirir a habilidade deexecutar passagens melismáticas comgrande agilidade e leveza.

Enfim, é necessário entender que nem os

exercícios vocais, nem o repertório a ser cantado

agirão isoladamente um do outro, mas que tanto um

quanto o outro, devem se beneficiar mutuamente. A

importância de um aquecimento eficiente e adequado

antes de se cantar é uma das etapas importantes

19

para a construção da sonoridade de um coro. A

próxima etapa cabe ao repertório.

Devido a minha atividade pedagógica como

regente coral e professora de canto, há muito tenho

pensado sobre o repertório e em como este afeta

positiva ou negativamente a sonoridade dos coros.

Por que determinadas obras, em detrimento de

outras, fazem com que os coros timbrem, ganhem

conjunto, expressividade, cantem mais e afinem

melhor?

Um dos fatores observados é como as obras a

serem cantadas se estruturam musicalmente. A

bibliografia utilizada neste trabalho salienta que

tipo de repertório seria mais adequado para os

coros infanto-juvenis, principalmente, o que seria

mais adequado para os meninos, que requerem uma

especial atenção quanto às tessituras, devido ao

processo da muda vocal. Sublinham que: obras em

uníssono, cânones, a duas e três vozes formam um

repertório adequado. Alguns chegam até a fazer

indicações de algumas obras e quais seriam as

dificuldades encontradas em cada uma delas:

20

Leck (2009, p.73) – sugestão de repertório adequado a

cada faixa etária

Entretanto, é difícil encontrar na

bibliografia apontada uma abordagem que indique

quais elementos musicais são benéficos para a

melhoria do coro e por que. Há, a nosso ver,

necessidade de discutir a estrutura, os elementos

que compõe uma obra e sua relação intrínseca com o

desenvolvimento vocal, artístico e expressivo dos

coros infanto-juvenis.

CAPÍTULO 2: COMPOSIÇÕES PARA COROS INFANTO-JUVENIS

Já há algum tempo, venho observando a

qualidade das composições e/ou arranjos realizados

pelos coros infanto-juvenis e qual a funcionalidade

destes para o desenvolvimento vocal, artístico e

expressivo de um coro.

De modo geral, em grande parte (quando não em

sua totalidade) os corais amadores brasileiros

privilegiam em seu repertório os arranjos de música

21

popular. Ocorre algo similar com os coros infanto-

juvenis. Existe uma preferência pela música popular

brasileira que alguns presumem ser ‘facilitadora’,

por trabalharmos com a nossa língua e nossa

cultura, partindo de algo familiar.

Fernandes (2009, p. 182 e 183), comenta sobre

os arranjos e os arranjadores de música popular:

Ao lado de Marcos Leite eCozzella, surgiu, no movimento coralbrasileiro, um número sem fim dearranjadores de canções da músicapopular. Boa parte desses arranjadoresseguiu os passos dos arranjadorescitados e escreveram arranjos degrande qualidade artística, adequadosà sonoridade coral e à natureza da vozhumana. Outros, porém, pordesconhecimento dos elementos dacomposição musical e/ou daspossibilidades vocais, produziram umimenso número de arranjos corais depequena qualidade artística, muitasvezes inadequados à natureza da voz eineficazes no tocante à sonoridadecoral. Infelizmente, apesar daprodução contínua de arranjos coraisde qualidade inquestionável adequadosaos mais diferentes níveis de coros, aexecução de arranjos de baixaqualidade é bastante frequente em todoBrasil, levando uma grande quantidadede coros brasileiros a limitar seusrepertórios inteiros a tais arranjos.

Lembramos, ainda, que a composição de uma

música popular nasce para ser cantada por uma voz

solo, sendo que sua melodia pode encaixar-se

22

perfeitamente tanto em uma voz masculina quanto

feminina, geralmente adultas. Mas, quando se produz

um arranjo coral com estas melodias, nem sempre o

resultado vocal é de qualidade, especialmente para

as vozes infanto-juvenis. Um dos problemas é que

estas melodias atuam numa região médio-grave para

as mulheres e médio-aguda para os homens, não

contemplando a realidade das vozes infanto-juvenis.

Dando exclusividade aos arranjos corais de

música popular, trabalhamos muito pouco com outros

tipos de música vocal polifônica que são

extremamente funcionais para a construção da

sonoridade coral. De fato, do ponto de vista da

textura vocal, mal trabalhamos o uníssono (como

categoria de conjunto) e os cânones (como categoria

de monodia que se transforma em polifonia). Leck

(2009. Pág. 171)4 cita que, dentre os benefícios de

se trabalhar com obras em uníssono:4 Inexperienced singers all ages need to hear every-onetrying to “sound the same. Adults and youth need to hear andunderstand the octave displacement that occurs when men andwomen are singing together. The key to a beautiful sound isvocal blend. A cappella unison singing allows the instructorto focus the choir on accurate pitch matching skills, todevelop consistent vowel formation without the distraction ofharmony, and to teach and clarity rhythm and form. Unisonsinging allows the singer to focus on vocal technique. Theycan clearly concentrate on the shape of the lips, placementof the tongue, jaw, teeth and soft palate as well as thequality of the sound they are hearing from themselves andothers. Clarity of what the choir hears is important inunison singing. A cappella singing focuses on the voice.Invoke this vital tool as often as possible in warm-ups,repertoire choices, and group and solo evaluations.

23

a) É necessário ‘cantar o mesmo’ para ouvir e

compreender a oitava que difere homens e mulheres,

sendo o segredo deste cantar a ‘mistura vocal’;

b) O uníssono a capela permite ao regente

buscar uma afinação acurada, consistência no canto

das vogais, (sem a ‘distração’ da harmonia) e

ensinar a compreensão e clareza do ritmo e da

forma;

c) Os cantores podem se concentrar no bom uso

do aparelho fonador e na qualidade da emissão

vocal, deles próprios e dos outros cantores. O

objetivo final é clareza do que se escuta;

d) O canto uníssono a capela tem seu foco

exclusivamente na voz; possui uma força vital no

aquecimento, na escolha do repertório e na

valorização do grupo e de solistas.

Os cânones oferecerão os mesmos benefícios do

uníssono, pois todo o grupo aprenderá a melodia

conjuntamente, ou seja, depois de ter a melodia bem

trabalhada por todo grupo, é que o regente começará

a trabalhar o processo de imitação a duas, três ou

mais vozes. Os cânones oferecerão um excelente

desenvolvimento para a escuta dos coralistas: em

primeiro lugar eles terão uma maior segurança

quanto à melodia; em segundo lugar, devido ao

processo de imitação, eles já estarão trabalhando

sua percepção para a polifonia. Após este processo

24

com os cânones, o grupo estará mais habilitado a

cantar o repertório polifônico, no qual cada voz

tem sua própria melodia.

O Polo Campo Limpo

Trabalho com grupos infanto-juvenis no Projeto

Guri Santa Marcelina desde 2010. Venho desde então

buscando selecionar um repertório que contemple a

realidade das vozes juvenis e que, ao mesmo tempo,

pudesse ajudá-los a se desenvolver, não somente na

parte vocal, mas que pudesse também contribuir para

uma percepção/formação musicalmente mais ampla.

Em 2011 comecei a trabalhar como professora de

canto coral no Polo Campo Limpo. O Projeto Social

Santa Marcelina recebe crianças e adolescentes com

idades entre seis e dezoito anos, sendo o canto

coral uma atividade oferecida a partir dos nove

anos.

Um dos coros deste referido Polo, contava em

2011 com um grupo de dezesseis adolescentes (por

oito meninas e oito meninos), entre 15 e 16 anos,

com uma sonoridade equilibrada, boa musicalidade e

expressividade.

Realizar com este grupo um repertório a três

vozes com a formação SABr tornaria a sonoridade de

conjunto muito desequilibrada, visto que são oito

meninas que teriam de ser dividas para os naipes de

25

soprano e contralto, e oito meninos cantando em um

único naipe, ou seja, as vozes masculinas

‘cobririam’ as vozes femininas. A solução

encontrada foi fazer um repertório a duas vozes

desiguais. Tive, então, dificuldades em encontrar

‘obras brasileiras’, compostas especificamente para

coros infanto-juvenis, principalmente a duas vozes

desiguais. Assim sendo, tomei a decisão de

encomendar peças que pudessem satisfazer a

realidade de meu grupo.

Naquele momento pude conhecer algumas peças

compostas pelo maestro Vitor Gabriel, considerando-

as muito funcionais quanto ao aspecto da condução

vocal, de uma construção musical bastante elaborada

e que vinham de encontro as minhas idéias sobre o

Lastro Vocal. Fiz um convite ao maestro Vitor

Gabriel para que ele compusesse algumas obras para

este meu grupo do Pólo Campo Limpo. Deste convite

surgiu o ciclo intitulado Lunares – 9 partículas

compreendidas como nove mini-peças para coro a duas

vozes desiguais e piano. Todos os textos escolhidos

para Lunares têm a lua como temática central, sendo

escritos em forma de Haicais – tipo de poesia de

origem japonesa do século XVII, curto, sintético e

muito expressivo. Sua forma original constitui-se

de 17 sílabas distribuídas em três versos, sendo o

primeiro verso composto por 5 sílabas, o segundo

com 7 e o terceiro com 5. Foi com o passar do tempo

26

adaptado de diferentes modos aos padrões

ocidentais. No Brasil, é praticado de acordo com

concepções formais diversas.

Destas 9 partículas de Lunares, escolhi duas para

serem analisadas neste trabalho: a de número I –

Lua Crescente; e a de número V – Na Poça da Rua.

A primeira peça do ciclo A Lua Crescente tem o

texto escrito pelo poeta Oldegar Vieira (1915-

2006). O texto segue assim:

I – A lua crescenteUma foice corta

o matagal no poentea lua crescente

Para o compositor Vitor Gabriel este texto

sugere uma sensação não muito agradável, causada

pela imagem de “Uma foice corta”. Assim sendo, ele

criou para esta peça, uma ambiência mais escura em

modo menor; a articulação da mão esquerda do piano,

logo quando o coro inicia, é realizada com staccato

e tratino, dando um efeito pesante no registro

grave:

Exemplo 1 Lunares: I - Lua Crescente c. 08-12

27

A vozes vêm em processo de imitação não

estrita, pois os meninos fazem um salto de 4ªJ para

em seguida descerem em grau conjunto e realizar um

movimento contrário à melodia cantada pelas

meninas, criando um efeito de onda entre as vozes

[c.8-9]. Quando a expressão ‘lua crescente’

aparece, a articulação do piano muda para legato

[c.15] e a melodia se beneficia da movimentação do

compasso binário composto, num belo crescendo. A

imitação agora se dará entre a mão direita do piano

e a linha das meninas:

Exemplo 2 Lunares: I - Lua Crescente c. 13-17

28

A harmonia, segundo o compositor, é sempre

pensada em função das tessituras e do texto. No

Exemplo 1 ela move-se de um acorde menor para um

acorde maior e segue assim até o c.13 (primeiro

compasso do Exemplo 2); logo após [c.14], há um

grupo de acordes diminutos e/ou aumentados seguido

por um acorde maior, como podemos ver no c.14 (La

diminuto com sétima) e c.15 (Fa maior com sétima

menor); depois no c.16 (Fa aumentado com sétima) e

c.17 (Sib maior com sétima). O acompanhamento do

piano como podemos perceber, não aparece como

elemento coadjuvante, mas sim como um comentarista

daquilo que o texto sugere. As tessituras estão

numa região bem confortável para ambas as vozes,

indo de um Do3 até um Re4 para as meninas (uma 9ª

maior de extensão) e de um Re2 até um Do3 para os

meninos (uma 7ª de extensão). Os saltos melódicos

vêm quase sempre precedidos de grau conjunto em

movimento contrário; acontecem no âmbito de uma 6ª

para os meninos e de uma 8ª para as meninas, mas

estes saltos acontecem num único momento da peça;

tanto para uma voz quanto para outra, a melodia é

escrita em sua maior parte por grau conjunto. É

importante salientar que os saltos melódicos que

ocorrem nesta peça são totalmente factíveis devido

à fórmula de compasso em 6/8 e o seu andamento,

sendo que as notas mais agudas não necessitam de

muita sustentação. Melodias com notas muito longas

29

(principalmente se acontecerem nos picos graves ou

agudos) e melodias que contenham mais saltos do que

graus conjuntos (essencialmente se os saltos não

forem ‘bem preparados’) não fornecerão uma boa

condução vocal, conseqüentemente não ajudarão na

construção do Lastro Vocal.

A próxima peça a ser analisada é Na poça da rua

sobre texto de Millôr Fernandes:

V – Na poça da rua’Na poça da ruaO vira lataLambe a lua

Esta peça está escrita na tonalidade de Re

maior que reflete um colorido brilhante, já que o

texto tem uma característica bem humorada. A

melodia em legato e compasso ternário (que, devido ao

andamento, deve ser regido em 1) gera uma ambiência

de movimento de dança. O ritmo do piano contrasta

com a melodia em legato das vozes; as colcheias em

movimento descendente e a acentuação do primeiro

tempo bem marcado (c.6-9) faz com que a peça ganhe

fluência e leveza. A partir do c.10 o ritmo fica um

pouco mais ‘quebrado’, reforçando a característica

de uma peça alegre e altiva. O processo de imitação

também esta presente nesta peça. O maior salto

melódico é o de 8ª, logo no início da peça, sempre

seguido de repetição de nota e/ou grau conjunto.

30

Para as vozes femininas a tessitura é de uma 10ª

(Re3 - Fa#4) e vozes masculinas uma 9ª (Re2 – Mi3).

Exemplo 3 Lunares: V – Na Poça da Rua c. 05-15

31

A característica melódica ‘em movimento de

onda’ destas duas peças propicia uma excelente

condução vocal. Schoenberg (2004, p.25) diz que:

Uma boa melodia irá combinarsaltos e movimentos por grau conjuntoe não seguirá por muito tempo em umasó direção. A mudança de direção éobtida por salto ou pelo movimento degrau conjunto na direção oposta.Mover-se em “ondas”, para cima e parabaixo, é, em geral, o melhorprocedimento.

Vemos então que tanto A lua crescente quanto Na

poça da rua, seguem as linhas de condução vocal dadas

pelas regras de contraponto.

Quando se escreve para duas vozes desiguais,

levando em consideração as tessituras de uma 8ª

para os meninos e um pouco mais estendida para as

meninas, existe a dificuldade do preenchimento

harmônico e o espaçamento entre as vozes tem que

ser controlado. Portanto, escrever utilizando o

processo de imitação foi o meio encontrado pelo

compositor para contornar o problema do espaçamento

entre as vozes, sem criar um vazio harmônico devido

à ausência de uma voz interna. As 9 partículas de

Lunares propiciaram um excelente crescimento aos

coralistas do Ceu Campo Limpo. Em primeiro lugar

eles se sentiram muito prestigiados, pois pela

primeira vez estavam cantando um repertório que

32

havia sido escrito para eles. Isso fez com que eles

se unissem mais enquanto grupo.

A escrita das peças, embora dentro de um

contexto tonal, trouxe a eles um novo tipo de

sonoridade. Eles tiveram que trabalhar bastante a

escuta, pois os encadeamentos harmônicos não são

realizados de maneira óbvia. E isso forneceu um

grande subsídio quanto à afinação, pois para

realizarem as notas corretamente, eles tiveram que

ficar muito atentos, principalmente para a parte do

piano. As linhas melódicas estavam dentro dos

parâmetros adequados às vozes juvenis e foram muito

funcionais para o desenvolvimento técnico-vocal do

grupo. Os textos em forma de Haicais são curtos, mas

de grande valor literário, e muito contribuíram

para o resultado artístico/expressivo do coro.

Lunares foi a primeira de uma série de composições

de Vitor Gabriel, escrita para o coral infanto-

juvenil do Campo Limpo. Mais duas obras foram

compostas: Cantiga de Amores e Epifania das Estrelas para

Galileo Galilei.

Cantiga de Amores é uma obra escrita para coro a

duas vozes desiguais e piano, cujo texto foi

extraído do Cântico dos Cânticos. Após assistir a

audição de Lunares, Vitor Gabriel considerou que:

1. Seria interessante se houvessemais uníssonos por voz – só meninos ousó meninas, mas não juntos – com

33

tessituras médias e idéias musicaisque pudessem (com o apoio do piano)‘dar lastro’ ao coro, isto é, formaruma sonoridade de conjunto dentro decada naipe. Depois poderiam unir-se empolifonia.

2. Um texto ‘em diálogo’facilitaria a prática desta proposta.Uns (umas) cantam; outros (outras)cantam; então se unem. Os naipesfuncionam e o tutti também. (VitorGabriel, 2012, introdução de Cantigade Amores)

O texto do Cântico dos Cânticos contém o

diálogo entre a Amada e o Amado e exprime o

sentimento recíproco de amor e admiração. Cantiga de

Amores compõem-se de VIII movimentos: I. Prelúdio;

II. Amada; III. Amado; IV. Exortação; V. Indagação;

VI. Revelação; VII. Indagação e VIII. Conclusão.

Utilizaremos para análise somente o IV (Exortação)

movimento.

O IV movimento é onde, pela primeira vez, as

personagens da Amada e do Amado se encontram. As

vozes femininas (Amada) começam cantando a partir

do c.11 em uníssono:

Exemplo 4 Cantigas IV - Exortação c. 11-18

34

Como podemos perceber a melodia conserva o

‘delineamento de onda’ como em Lunares, porém, as

notas são mais longas e sustentadas e as frases

mais cantabile. A melodia vem crescendo

paulatinamente, criando um efeito muito expressivo

entre texto e música. O piano apresenta uma escrita

temática para cada personagem. Neste movimento em

especial, Vitor Gabriel faz duas citações à ópera

Don Carlo de Verdi. O tema que o piano traz para a

entrada das vozes femininas no c.10 é referente ao

último dueto da ópera entre os personagens Don

Carlo e Elisabeta. A escolha por este tema foi mais

do que pertinente, já que se trata de um dueto de

amor.

35

As vozes masculinas têm início na anacruse do

c.35; a estruturação melódica segue o mesmo padrão

das vozes femininas: notas longas dentro de um

fraseado cantábile e expressivo. O tema apresentado

pela condução do piano é marcante e decidido, como

que em resposta a proposta feita pela Amada: “Vem

meu amado, vamos ao campo, lá te darei meu amor”. A

tonalidade também muda, indo para Ré menor:

Exemplo 5 Cantigas: IV - Exortação c. 34-38

No próximo exemplo, a Amada e o Amado se

encontram pela primeira vez, cantando juntos em

uníssono o tema apresentado pela amada no c.10:

36

Exemplo 6 Cantiga: IV - Exortação c. 48-57

Para Cantiga o compositor pensou em escrever

mais uníssonos por voz, quando a Amada e o Amado

cantam isoladamente. Mas neste trecho (c.52-57) o

uníssono reforça a intenção de união entre os

enamorados.

No próximo exemplo (c.58-64), os personagens

deixam de cantar em uníssono. Agora é um dos temas

do Amado que surge no piano a partir do c.58. Esse

tema aparece pela primeira vez no c.40 deste

movimento. É com este tema do Amado que o

compositor faz sua segunda citação da ópera Don

37

Carlo de Verdi que, na ópera citada, aparece na

introdução orquestral do último ato:

38

Exemplo 7 Cantiga IV - Exortação c. 58-64

Neste exato momento o diálogo (iniciado no

c.52, Ex.4) não se estabelecerá somente pelo texto,

mas também pelas sobreposições dos temas de cada

personagem que vem se amalgamar neste primeiro

encontro.

Diferente de Lunares, aqui o compositor não se

utilizou do processo de imitação entre as vozes; a

solução foi escrever mais uníssonos, como já

mencionado, para se trabalhar melhor a sonoridade

dentro dos naipes e quando as vozes se encontram,

eles cantam num espaçamento de terças e sextas:

Exemplo 8 Cantigas IV - Exortação c. 66-76

39

O movimento desfecha de maneira cíclica (como

uma forma ABA), pois ele se inicia com a temática

da Amada e termina com a mesma.

A parte vocal de Cantigas foi bastante

simplificada quando comparada àquela de Lunares.

Todavia, o texto em forma de diálogo criou mais

espaço para a interpretação e a expressividade. A

parte mais elaborada ficou por conta do piano que

comenta os temas dos personagens, fortalecendo as

relações entre música e texto. Embora vocalmente

mais simples Cantigas só surgiu devido a herança

deixada por Lunares.

Cantigas foi apresentada no primeiro semestre

deste ano de 2012. Para o segundo semestre iremos

apresentar a obra inédita ‘Epifania das Estrelas para

Galileu Galilei (1564-1642)’.

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Epifania é uma obra composta para narrador,

solista, coro e piano. E assim como ‘Cantigas’ vem

dividida em VIII movimentos, intitulados: I-

Introitus; II-O Mensageiro das Estrelas; III-O Céu

Imutável; IV-O Universo Surdo; V-O Sol Soberano;

VI-A Abjuração; VII-A Nave Sonda Galileu; VIII-A

Dança dos Astros. Para análise utilizaremos alguns

trechos do movimento VII-A Nave Sonda Galileu.

Em Epifania o compositor manteve as mesmas

soluções que encontrou para escrever Cantigas, com

algumas pequenas modificações:

1. Os uníssonos continuam, só que desta vez

juntos (meninos e meninas) – com tessituras médias

e idéias musicais que pudessem (com o apoio do

piano) ‘dar lastro’ ao coro, isto é, formar uma

sonoridade de conjunto misto.

2. Um texto ‘em diálogo’ facilitou a prática

desta proposta.

3. Para enriquecer as sonoridades e ampliar a

expressividade, introduziu-se uma voz solo, que, de

acordo com o ‘libreto’ só poderia ser Galileu.

Em Lunares, o coro cantou 9 mini-peças que

tinham um tema central (a lua), mas as peças não

eram musicalmente relacionadas umas com outras, ou

seja, cada peça tinha sua identidade própria.

Cantigas é uma obra escrita em movimentos, que

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contém toda uma estrutura de inter-relação entre as

partes, sendo os meninos e as meninas os próprios

personagens. Epifania assim como Cantigas, também é

escrita em movimentos que se inter-relacionam, mas

agora o coro não será mais o personagem (s) da

obra, mas o comentador/narrador de uma história.

Epifania, conta resumidamente através de um

Poema/Homenagem, escrito por Álvaro Pacheco (1933),

a história do ‘pai’ da Ciência Moderna, Galileu

Galilei, cujas observações no campo da Física deram

impulso à construção de novas explicações sobre a

Natureza, num momento histórico particularmente

complexo. As propostas de Galileu puseram abaixo

séculos de aristotelismo e confrontaram os dogmas

da Igreja. Galileu foi julgado pela Inquisição pelo

‘erro’ e ‘heresia’ de defender o copernicanismo.

Condenado em 1633, ficou em prisão domiciliar até

sua morte em 1642.

Galileu teve seu nome dado a uma nave sonda

espacial, lançada em 18 de outubro de 1989 para

explorar Júpiter. Essa foi uma homenagem prestada

ao grande cientista, por ele ter sido um grande

estudioso de Júpiter e ter descoberto as quatro

maiores luas daquele planeta: Io/ Europa/ Calixto/

Ganimedes.

42

O texto descreve brevemente o percurso da nave

sonda que foi lançada para excursionar em direção a

Júpiter, como vemos a seguir:

[...]para excursionar pelo Cosmos,

Júpiter e suas luas,Vênus e a Lua

E as nuvens vermelhas de hidrogênio Onde deveria queimar-se.

Exemplo 9 Epifania VII - A Nave Sonda Galileu c. 49-64

43

Como em todas as peças escritas por Vitor

Gabriel, as relações de música e texto são

intrínsecas. O compositor tentou criar a atmosfera

de uma nave no espaço. A tonalidade é de Mi menor,

o coro inicia no c. 50 num registro médio grave em

dinâmica de piano com notas longas e repetidas,

sempre subindo por grau conjunto. O piano também

começa no registro grave; repetitivo, vai crescendo

juntamente com a voz lentamente. Toda condução

melódica e de acompanhamento neste exemplo criam de

fato o ‘efeito’ de uma nave percorrendo o espaço.

Depois da chegada ao ponto culminante da frase (c.

57 – Ex.9), a melodia desce também por grau

conjunto, e finaliza com uma grande nota longa em

44

decrescendo, simbolizando o esfacelamento da nave

no espaço após o cumprimento da missão.

Percebemos uma maior simplificação melódica e

harmônica, se comparada com Lunares e Cantigas. Mas é

de enorme funcionalidade técnica e musical, pois, a

ferramenta mais imprescindível para o estudo vocal

(de qualquer faixa etária), especialmente para

vozes infanto-juvenis, é a sustentação do som em

legato por grau conjunto. As notas longas

trabalharão a resistência da coluna de ar; através

da nota longa e grau conjunto o cantor consegue

perceber melhor a afinação.

Este trabalho não pretende colocar que os

coros infanto-juvenis têm de cantar somente

repertório em uníssonos e/ou grau conjunto. Mas,

trabalhar uníssonos e grau conjunto servem para

desenvolver o som do coro numa primeira etapa, e

este é o sentido do Lastro Vocal, ou seja,

construir através do repertório adequado às vozes

infanto-juvenis, ferramentas que possibilitarão a

evolução do próprio repertório para algo mais

complexo e sofisticado.

Lunares, Cantigas e Epifania foram pensadas para o

Lastro Vocal. Elas contêm todos os elementos que

contribuem eficazmente para às vozes infanto-

juvenis, como demonstramos na análise dos exemplos.

Entretanto, é importante notar que as peças também

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são providas de elementos desafiadores. As melodias

são simples, mas contêm muita falsa relação e nem

sempre são fáceis de realizar com o acompanhamento,

pois o piano produz em alguns momentos certa

instabilidade harmônica. Isso demonstra que o

repertório para ser funcional e adequado não tem

que necessariamente ser fácil, mas tem que propor

graus de dificuldade que sejam superados ao longo

do trabalho. Um repertório adequado dará suporte

para a formação do Lastro Vocal, e este por sua vez

contribuirá como herança aos futuros repertórios.

Conclusão

Minha experiência como cantora coral e regente coral

fez com que eu entrasse em contato com diversos gêneros e

estilos de composição e/ou arranjos corais. Esta

experiência me possibilitou diagnosticar que: algumas

composições e arranjos contêm elementos que são muito

funcionais para o desenvolvimento vocal e que outras

composições e arranjos, ao contrário, dificultam este

processo.

Nota-se que uma parte do repertório praticado pelos

coros infanto-juvenis carece de conteúdo que possibilite o

desenvolvimento vocal, musical e artístico adequado de seus

integrantes. Acredito que o Lastro Vocal, ou seja, a base,

o fundamento, adquirido através do repertório adequado,

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venha fornecer subsídio

técnico/musical/artístico/expressivo, que serão deixados de

herança para repertórios futuros.

É necessário que os regentes que trabalham com coros

infanto-juvenis estejam mais atentos à escolha do

repertório, e analisem melhor os elementos musicais contido

nas peças, e que tenham a consciência se estes elementos

são factíveis e benéficos às vozes juvenis, e à construção

da sonoridade do coro.

As peças analisadas para este trabalho vem expor de

maneira clara e pontual, os elementos musicais e extra

musical (texto), que são essenciais para a obtenção do

Lastro Vocal.

Conclui-se com este projeto a total eficácia do

repertório apresentado, pois possibilitou aos cantores do

Polo Campo Limpo se aperfeiçoarem musicalmente, vocalmente

e artisticamente.

Referências Bibliográficas

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47

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VERTAMATTI, Leila Rosa Gonçalves. Ampliando o repertório do coroinfanto-juvenil: Um estudo de repertório inserido em uma novaestética. São Paulo: Unesp, 2008.

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ASSINATURAS

São Paulo, 23 de outubro 2012.

Prof. Dr. Angelo Jose Fernandes

Prof. Dr. Fabio MiguelProfessor convidado para a banca examinadora


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