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Johannes Kepler: o início da ciência moderna.

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HISTÓRIA DA CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO Gilberto L. Fernandes e-mail: [email protected] 27/11/2013 Page 108 of 487 Johannes Kepler: o homem, sua vida e contribuições. Primeira aplicação importante de um instrumento de cálculo “O homem é arrogante à proporção da sua ignorância, e a sua tendência natural é o egoísmo. Na infância do saber, pensa que toda a criação foi feita para ele. Por muitos séculos, viu nos inumeráveis mundos que brilham no espaço, como as borbulhas de um imenso oceano, apenas pequenas velas, que a Providência haviase comprazido em acender com o único fim de tronarnos a noite mais agradável. A astronomia corrigiu esta ilusão da vaidade humana; e o homem, ainda que, com relutância, confessa, agora, que as estrelas são mundos mais vastos e mais formosos do que o nosso mundo, que a terra, sobre a qual os homens se arrastam, é apenas um ponto dificilmente visível no vasto mapa da criação.” Sir E. Bulwer Lytton, Zanoni, 1842 (431) “Na minha opinião, é muito melhor compreender o universo como ele é realmente do que imaginar um universo como gostaríamos que ele fosse.” (380) Carl Sagan, Bilhões e Bilhões Johannes Kepler (1571-1630) é admirado como um dos principais agentes de mudança do pensamento científico, responsável por introduzir o método científico no ocidente e, juntamente com Galileu Galilei (1564 – 1642), de fundamentar a teoria da gravidade, mais tarde formalizada por Isaac Newton (1643 – 1727). Kepler, reformulando paradigmas, alterou profundamente a forma como percebemos o mundo e a nós mesmos. Thomas Kuhn propôs como o marco limítrofe da Idade Média, a elaboração do sistema heliocêntrico por Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que corrigia as idéias de Aristóteles e Ptolomeu (90 – 168), consideradas até então como verdades absolutas. Tal evento alterou o equilíbrio de forças entre religião e ciência, entre dogma e conhecimento, ao destronar a Terra, e por conseguinte o homem, do centro do universo. Kuhn denominou a obra de Copérnico como a Revolução Copernicana. Kepler, tomaria para si a tarefa de comprovar as idéias de seu antecessor, colocando por terra uma crença estabelecida por quinze séculos. Marcelo Gleiser, em seu livro Criação Imperfeita, ilustra brilhantemente um pouco da história das vidas de Copérnico e de Kepler, e como elas se entrelaçaram:
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Johannes  Kepler: o homem, sua vida e contribuições.

Primeira aplicação importante de um instrumento de cálculo

“O   homem   é   arrogante   à   proporção   da   sua   ignorância,   e   a   sua  tendência  natural  é  o  egoísmo.  Na  infância  do  saber,  pensa  que  toda  a  criação   foi   feita   para   ele.   Por   muitos   séculos,   viu   nos   inumeráveis  mundos   que   brilham   no   espaço,   como   as   borbulhas   de   um   imenso  oceano,   apenas   pequenas   velas,   que   a   Providência   havia-­‐se  comprazido   em   acender   com   o   único   fim   de   tronar-­‐nos   a   noite  mais  agradável.  A  astronomia  corrigiu  esta   ilusão  da  vaidade  humana;  e  o  homem,   ainda   que,   com   relutância,   confessa,   agora,   que   as   estrelas  são  mundos  mais  vastos  e  mais  formosos  do  que  o  nosso  mundo,  -­‐  que  a   terra,   sobre   a   qual   os   homens   se   arrastam,   é   apenas   um   ponto  dificilmente  visível  no  vasto  mapa  da  criação.”  

Sir  E.  Bulwer  Lytton,   Zanoni,  1842  (431)  

 “Na  minha  opinião,  é  muito  melhor  compreender  o  universo  como  ele  é  realmente   do   que   imaginar   um   universo   como   gostaríamos   que   ele  fosse.”  (380)  

 Carl  Sagan,  Bilhões  e  Bilhões  

Johannes Kepler (1571-1630) é admirado como um dos principais agentes de mudança do pensamento científico, responsável por introduzir o método científico no ocidente e, juntamente com Galileu Galilei (1564 – 1642), de fundamentar a teoria da gravidade, mais tarde formalizada por Isaac Newton (1643 – 1727). Kepler, reformulando paradigmas, alterou profundamente a forma como percebemos o mundo e a nós mesmos.

Thomas Kuhn propôs como o marco limítrofe da Idade Média, a elaboração do sistema heliocêntrico por Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que corrigia as idéias de Aristóteles e Ptolomeu (≅ 90 – 168), consideradas até então como verdades absolutas. Tal evento alterou o equilíbrio de forças entre religião e ciência, entre dogma e conhecimento, ao destronar a Terra, e por conseguinte o homem, do centro do universo. Kuhn denominou a obra de Copérnico como a Revolução Copernicana. Kepler, tomaria para si a tarefa de comprovar as idéias de seu antecessor, colocando por terra uma crença estabelecida por quinze séculos.

Marcelo Gleiser, em seu livro Criação Imperfeita, ilustra brilhantemente um pouco da história das vidas de Copérnico e de Kepler, e como elas se entrelaçaram:

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“(...)   Copérnico   estava   convencido   de   que,   por   toda   a   história,   dos  babilônios   a   Aristóteles,   do   grande   Ptolomeu   aos   inspirados  astrônomos  islâmicos  que  mantiveram  viva  a  sabedoria  grega  durante  as   trevas   medievais,   literalmente   todo   mundo,   sábio   ou   ignorante,  pensava  de  forma  errada  sobre  o  arranjo  dos  céus.  

(...)  Copérnico  sabia  que  alguns  gregos,  dentre  eles  Heráclito  do  Ponto  e   Aristarco   de   Samos,   haviam   já   proposto   alternativas   ao   modelo  geocêntrico.   Sabia   também   que,   se   as   idéias   desses   filósofos   já   não  foram  aceitas  na  Grécia  Antiga,  a  situação  agora  seria  ainda  pior,  após  quinze  séculos  de   teologia  cristã   terem  pregado  a  Terra  no  centro  da  Criação.  Não  é,  portanto,  surpreendente  que  Copérnico  tenha  esperado  décadas  até  ter  tido  a  coragem  de  denunciar  os  erros  do  mundo.  Sabia  que   sua   obra   teria   sérias   repercussões.   Uma   nova   cosmologia  implicaria  uma  nova  visão  de  mundo;  uma  nova  visão  de  mundo,  por  sua  vez,  implicaria  um  lugar  diferente  para  o  homem  no  cosmo,  numa  nova   explicação   para   quem   somos   e   qual   o   sentido   da   vida.   Se   não  somos  mais  o  centro  da  Criação,  somos  ainda  os  eleitos  de  Deus?  Se  a  Terra   é   um   mero   planeta,   será   que   existem   seres   inteligentes   em  outros?   Será   que   também   são   pecadores   e   precisam   ser   salvos?   Por  quem?  Pelo  nosso  Jesus,  ou  será  que  Deus  teve  muitos  filhos?  Será  que  o  nosso  Paraíso  é  o  mesmo  dos  extraterrestres?  Tirar  a  Terra  do  centro  causava  muita  confusão.  

(...)   Kepler   dedicou-­‐se   à   causa   copernicana   com   um   fervor   religioso.  Estava  convicto  de  que  o  cosmo  heliocêntrico  era  obra  de  Deus.  

(...)  Na  minha  opinião,  nenhum  outro  cientista,  nem  mesmo  Galileu  e  o  seu  famoso  confronto  com  a  Inquisição  Católica,  encarna  de  forma  tão  dramática   o   arquétipo   do   herói   solitário   que   luta   sem   tréguas   pela  verdade.  

 (...)   Ao   tentar   explicar   os  movimentos   planetários   a   partir   de   causas  físicas   –   uma   força   emanado   do   Sol   –   Kepler   transformou  irreversivelmente   a   astronomia,   que   deixou   de   ser   um   mero  mapeamento  dos  movimentos  celestes...  no  Mysterium,  Kepler  sugeriu  que   uma   anima   motrix   emanando   do   Sol   causava   os   movimentos  planetários.   A   idéia   foi   refinada   no   seu   segundo   livro,   Astronomia  nova,   publicado   em   1609,   onde   propôs   uma   força   de   origem  magnética   entre   o   Sol   e   os   planetas.   Essas   primeiras   noções   de   uma  dinâmica  celeste  –  o  estudo  das  forças  responsáveis  pelos  movimentos  dos  objetos  celestes  –  foram  essenciais  para  o  pensamento  de  Newton  que,   em  1687,   irá   apresentar   uma   teoria   quantitativa   da   gravitação.  

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“Apenas  uma  descrição  baseada  nas  causas  físicas  poderá  explicar  os  movimentos  celestes”,  Kepler  escreveu  profeticamente.  

Mesmo  que   seu   sonho  pitagórico  de  uma   solução  geométrica  para  o  cosmo   não   passasse   de   uma   fantasia   que   combinava   cristianismo   e  misticismo  matemático,  foi  tentando  concretizar  a  sua  visão  de  mundo  que   Kepler   descobriu   as   leis   matemáticas   das   órbitas   celestes.   É  irônico,   e   de   extrema   importância   para   nosso   argumento,   que  justamente  o  homem  que  tanto  amava  a  simetria  acabasse  provando  que  o  círculo  –  a  mais  perfeita  das  formas  –  não  tinha  um  papel  central  na   astronomia.   Cada   planeta   tinha   sua   própria   órbita   elíptica,   com  uma  elongação  maior  ou  menor:  a  estrutura  do  cosmo  deixou  de   ser  um  sonho  humano  e  passou  a  ser  uma  realidade  científica,  imperfeita  e  assimétrica.  Kepler  nos  proporcionou  um  cosmo  menos  belo,  mas  uma  ciência  mais   preciosa.   A   lição   que   aprendemos   e   tão   simples   quanto  essencial:   para   nos   aproximar   da   verdade,   muitas   vezes   temos   que  abandonar  nossos  sonhos  de  perfeição.  (332)

 

Johannes Kepler é considerado o protagonista da primeira utilização importante de um instrumento de cálculo, viabilizando a conclusão da obra de sua vida. Caso não tivesse a sua disposição as tabelas de logaritmos de Napier, poderia, talvez, não ter tido tempo suficiente para concluir a elaboração matemática de suas três leis, que regem o movimento planetário e que alteraram profundamente a visão de mundo que se tinha até então.

Kepler é mais conhecido por estas três leis do movimento celeste, tão exatas hoje como há quatrocentos anos quando foram criadas. A Lei das Órbitas e a Lei das Áreas, as duas primeiras, foram publicadas em 1609, no livro Astronomia Nova, e a terceira lei ou Lei Harmônica, deduzida dez anos mais tarde, foi divulgada no ano seguinte a sua descoberta, em 1620, em seu livro Epitome Astronomiae Copernicane. Porém, Kepler fez bem mais que isso, superando as enormes dificuldades e dissabores que precisaria enfrentar ao longo de praticamente toda sua vida.

São vários os exemplos notáveis de sua genialidade, como o fato de ter chegado muito próximo da formulação da lei da gravidade, proposta por Isaac Newton (1634 – 1727) algumas décadas mais tarde. Partindo da suposição de que a gravidade seria um fenômeno baseado no magnetismo, deduziu a existência de

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uma força de atração (“vis motora”) entre todos os objetos, de intensidade proporcional a sua massa e inversamente proporcional à distância entre eles. Deduziu ainda que esta era a força que, emanando do Sol, mantinha a ordenação de nosso sistema planetário. Sua percepção estava correta; a sua matemática é que ainda não possuía o desenvolvimento necessário para chegar ao cálculo exato da força da gravidade, que em realidade diminui proporcionalmente com o quadrado da distância entre os corpos.

Newton deduziria a equação correta da força da gravidade “ao aplicar sua própria lei da força centrífuga à terceira lei do movimento planetário de Kepler”. Esta descoberta seria publicada em sua obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, em geral conhecida apenas como Principia, em 05 de julho de 1687. Entretanto, como tantos outros trabalhos de Newton, este também seria cercado de controvérsias, como nos conta Stephen Hawking: (415)

“Numa  reunião  de  triste  lembrança,  realizada  em  1684,  três  membros  da  Royal  Society,  Robert  Hooke,  Edmond  Halley  e  Chistopher  Wren,  o  famoso  arquiteto  da  Catedral  de  St.  Paul,  envolveram-­‐se  em  exaltada  discussão   sobre   a   relação   do   inverso   do   quadrado   que   rege   o  movimento  dos  planetas.  Em  princípios  da  década  de  1670,  a  conversa  dominante  nos  cafés  e  em  outros  pontos  de  encontro  dos   intelectuais  de   Londres   era   a   de   que   a   gravidade   emanava   do   Sol   em   todas   as  direções   e   se   precipitava   com   intensidade   inversa   ao   quadrado   da  distância,   tornando-­‐se  assim,   cada   vez  mais   difusa   sobre  a   superfície  da   esfera,   à   medida   que   se   expandia   sua   área.   A   reunião   de   1684  marcou,   com   efeito,   o   nascimento   de   Principia.   Hooke   declarou   que  deduzira  da  lei  das  elipses,  de  Kepler,  a  prova  de  que  a  gravidade  era  uma   força   emanante,  mas   que   não   a   revelaria   a   Halley   e  Wren,   até  que   estivesse   pronto   para   torná-­‐la   pública.   Furioso,   Halley   foi   a  Cambridge,  descreveu  para  Newton  as  alegações  de  Hooke  e  propôs  o  seguinte   problema:   “Qual   seria   a   forma   da   órbita   de   um   planeta   ao  redor  do  Sol  se  ela  fosse  atraída  em  direção  ao  Sol  por  uma  força  que  variasse   inversamente   com  o   quadrado   da   distância?   ”A   resposta   de  Newton   foi   surpreendente.   “Seria   uma   elipse”,   respondeu  imediatamente,   e   disse   a   Halley   que   ele   havia   resolvido   o   problema  quatro  anos  antes,  mas  que  não  sabia  onde  guardara  a  demonstração  em  sua  sala.  

A   pedido   de   Halley,   Newton   passou   três   meses   reconstituindo   e  melhorando  a  demonstração.  Então,  num  acesso  de  energia  que  durou  dezoito   meses,   período   em   que   se   envolveu   de   tal   maneira   com   o  trabalho   que   muitas   vezes   se   esquecia   de   comer,   desenvolveu   essas  

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idéias,  até  que  sua  exposição  recheou  três  volumes.  Newton  escolheu  como   título   do   trabalho   Philosophiae   Principia   Mathematica,  deliberadamente   em   contraste   com   Principia   Philosophiae,   de  Descartes.   Os   três   livros   do   Principia,   de   Newton,   forneceram   o   elo  entre  as  leis  de  Kepler  e  o  mundo  físico.”  (421)  

Um dos aspectos sombrios da vida de Newton seria o seu grande interesse por alquimia, teologia e pelas profecias bíblicas sobre o Armagedon, o final dos tempos, assunto sobre o qual teria dedicado, secretamente, cerca de 30 anos de leituras e pesquisas. A partir destes estudos, Newton produziu uma interpretação não ortodoxa da Bíblia, que considerava o seu maior trabalho. Porém, com medo da Inquisição, manteve estes escritos guardados por toda a sua vida, sendo os mesmos publicados somente em 1733, seis anos após a sua morte, em uma obra póstuma sobre as profecias de Daniel e o Apocalipse de São João. Revelando a sua versão para o significado verdadeiro destes textos sagrados, Newton, que considerava-se um autêntico cristão, também deixaria claro a sua revolta com a corrupção existente nas instituições religiosas e com as distorções introduzidas na Bíblia. Segundo o professor William Kolbrener, professor de inglês na Universidade Bar-Ilan, em Israel, uma parte considerável destes textos teriam permanecido ocultos do público até pouco antes da Segunda Guerra Mundial: (461)

 “[...]   os   trabalhos   não-­‐científicos   de   Newton   permaneceram   na  obscuridade  –  primeiro  sob  a  custódia  de  seu  assistente  no  Royal  Mint,  John   Conduitt   (marido   de   sua   sobrinha),   e   depois   sob   a   custódia   da  família   em   Portsmouth.   Os   Papéis   de   Portsmouth   foram   doados   à  Universidade  de  Cambridge,  em  1872  e,  em  1888,  foram  classificados  por  quatro  professores  –  um  físico,  um  químico,  um  medievalista  e  um  astrônomo,  sob  vários  títulos.  Os  papéis  sob  os  títulos,  por  exemplo,  de  “química”,   “história”   e   “miscelânea”   ficaram   para   a   biblioteca;   mas  cinco  partes,  contudo,  foram  devolvidos  à  representação  da  família  de  Portsmouth,  Hurstbourne,   como  de   “pouco   interesse”.  Mas,   sob   uma  oferta   da   casa   de   leilões   Sotheby’s,   o   conteúdo   dessa   coleção,  juntamente   com  obras  de  arte   impressionista,   foram   levados  a   leilão  em  1936,   e   vendidos  por   nove  mil   libras.   John  Maynard  Keynes   ficou  com   a   maioria   dos   manuscritos   referentes   à   alquimia   (doando-­‐os   à  Universidade  de  Cambridge);  Abraham  Yahuda  comprou  todo  o  volume  de   escritos   teológicos,   doando-­‐os   ao   Estado   de   Israel,   em   1961.   A  coleção,   depois   de   uma   seqüência   de   disputas,   finalmente   chegou   à  Biblioteca   Nacional   Judaica   e   Universitária   de   Jerusalém,   em   1969.”  (462)  

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Retornando à vida e obra de Johannes, percebemos que, como a maioria dos grandes gênios de sua época, Kepler interessava-se e trabalhava em várias áreas do conhecimento. Aproveitamos as palavras de David Koch, pesquisador norte-americano da NASA e responsável pela missão espacial Kepler, que tem por objetivo buscar planetas habitáveis semelhantes à Terra, para descrever parte de

suas realizações:* (413)

 “[...]  ele  também  é  considerado  o  fundador  da  óptica  moderna.  Ele  foi  o   primeiro   a   investigar   a   formação   de   imagens   com   uma   câmara  pinhole  (câmara  escura),  o  primeiro  a  explicar  o  processo  de  visão  por  refração  dentro  do  olho,  o  primeiro  a  formular  projetos  de  lentes  para  miopia   e   hipermetropia,   e   o   primeiro   a   explicar   o   uso   dos   dois   olhos  para   a   percepção   em   profundidade,   tudo   isso   descrito   em   seu   livro  Astronomiae  Pars  Optica.  No  seu  livro  Dioptrice  (um  termo  criado  por  Kepler   e   usado   até   hoje),   foi   o   primeiro   a   descrever   imagens   reais,  virtuais,   em   pé,   invertidas   e   a   ampliação   (e   criou   todos   aqueles  diagramas  em  raio  comuns  nos  manuais  de  óptica  atuais),  o  primeiro  a  explicar  os  princípios  do  funcionamento  de  um  telescópio,  e  o  primeiro  a  descobrir  e  descrever  as  propriedades  do  reflexo  interno  total.  Galileu  pode   ter   usado   o   telescópio   que   Johann   Lippershey   havia   inventado  para  descobrir  as  luas  de  Júpiter  e  ver  as  primeiras  sugestões  dos  anéis  de  Saturno,  mas  foi  Kepler  quem  explicou  como  o  telescópio  funciona.  

Kepler  provavelmente  foi  o  primeiro  astrofísico  de  verdade,  no  sentido  moderno   que   damos   ao   termo,   usando   a   física   para   explicar   e  interpretar   fenômenos  astronômicos.  Foi  o  primeiro  a  explicar  que  as  marés   são   causadas   pela   lua.   No   seu   livro   Astronomia   nova,   foi   o  primeiro  a  sugerir  que  o  sol  gira  em  torno  do  seu  eixo.  [...]  No  seu  livro  Stereometrica   Doliorum   Vinariorum,   desenvolveu   métodos   para  calcular   o   volume   de   sólidos   irregulares   que   se   tornaram   a   base   do  cálculo   integral.   E   foi   o   primeiro   a   deduzir   o   ano   de   nascimento   de  Cristo  que  agora  é  universalmente  aceito.  

[...]  Como  ele  conseguiu  realizar  tudo  isso?  Na  verdade,  considerando-­‐se   a   época   em   que   viveu   e   os   parcos   recursos   disponíveis,   como   ele  conseguiu  fazer  qualquer  coisa?  

Contexto  é  a  chave  da  compreensão.  Para  compreender  Kepler  e  suas  façanhas,  é  preciso  compreender  a  época  em  que  ele  viveu  –  a  cultura,  as  pessoas,  os  lugares,  a  política,  a  religião  e  a  sua  família.  As  guerras,  

* O ano de 2009 foi instituído pela ONU como o Ano Internacional da Astronomia, celebrando os 400 anos das primeiras observações telescópicas de Galileu Galilei e a publicação do livro Astronomia Nova por Johannes Kepler, que alterariam os paradigmas da ciência. Para mais informações, consultar http://kepler.nasa.gov/education/iya/. (Nota do Autor)

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a  caça  às  bruxas,  as  pestilências  e  a  morte  eram  coisas  comuns  do  dia-­‐a-­‐dia.  [...]  Ele  viveu  à  beira  da  miséria.  Seu  salário  estava  quase  sempre  atrasado.   Seus   únicos   recursos   eram   papel,   pena   e   um   tesouro   de  observações  de  um  único  homem.”    (405)  

Utilizando os dados astronômicos diligentemente coletados durante trinta e oito anos consecutivos pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546 – 1601), Kepler conseguiu comprovar de forma irrefutável o modelo heliocêntrico proposto pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543). Após uma longa sequência de tentativas e erros, procurando e testando modelos que reproduzissem com precisão os movimentos planetários de acordo com as observações de Tycho, Kepler, experenciando um dos saltos mentais descritos por Einstein, deduziu matematicamente que a Terra e os demais planetas se movem em torno do Sol em órbitas elípticas, com o Sol ocupando um dos focos da elipse. Anunciada em 1605, esta descoberta, que ficaria conhecida como a Lei das Órbitas, ou Lei das Elipses, também assegurava que a Terra fica mais próxima do Sol no mês de janeiro e mais distante em julho.

A segunda lei de Kepler, ou Lei das Áreas, estabelece que ao percorrerem suas órbitas elípticas em torno do Sol, os planetas varrem áreas iguais em intervalos de tempo iguais. Esta lei atesta a existência de uma variação na velocidade dos planetas ao longo de suas órbitas, mais lenta quando ele está mais afastado do Sol e mais rápida quando está mais próximo.

t1

ABS=CDS e t1=t2

t2

A forma como Kepler demonstrou sua segunda lei tornou-se clássica, sendo utilizada até hoje nas escolas de nível médio: uma linha traçada de qualquer planeta ao Sol percorrerá áreas iguais em tempos iguais.

Em sua terceira lei, ou Lei Harmônica, Kepler descobriu que quanto mais distante do Sol maior será o tempo necessário para um planeta percorrer toda a sua órbita, estabelecendo a relação matemática entre a distância ao Sol e o tempo para um planeta completar uma revolução:

T2 / D3 = k

A equação acima, descrição matemática da terceira lei de Kepler, nos diz que o cubo do eixo maior da órbita de um planeta é proporcional ao quadrado do seu período de revolução, onde T indica o período de revolução, D é o eixo maior da órbita e k é uma constante. Esta equação permite, por exemplo, calcular a altitude que deverá ser lançado um satélite a ser colocado em órbita Terra, para que ele passe sobre os pontos na superfície com um intervalo de tempo

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previamente determinado ou que permaneça em uma órbita geoestacionária, permitindo a existência de nossos mecanismos de comunicação global e dos dispositivos de localização por GPS (Global Positioning System).

Em conjunto, as leis de Kepler lhe permitiram produzir novas tabelas astronômicas, apontando com precisão a posição dos planetas em qualquer momento do passado, presente ou futuro. Em sua época, não havia um fronteira bem definida entre astronomia e astrologia e, para suprir as necessidades básicas de sua família, ele aplicou estes mesmos conhecimentos à confecção de mapas astrológicos. Ironicamente, Kepler seria mais conhecido e respeitado em seu tempo por suas previsões astrológicas e horóscopos.

Kepler tirou a Terra de sua posição central e colocou-a em movimento, alterou as órbitas dos planetas de círculos perfeitos para eclipses e mostrou como calcular com precisão a posição dos corpos celestes no espaço. Porém, bem mais que a correção de um modelo astronômico, ao tirar definitivamente a Terra de seu

posto no centro do Universo*, Kepler destronaria o ser humano de seu lugar privilegiado na Criação, colocando por terra os dogmas teológicos estabelecidos até então e abriria as portas para a busca pela compreensão das origens e significado da própria existência humana.

O modo de trabalho de Kepler trouxe-nos ainda um benefício adicional, ao

introduzir o uso sistemático do método científico.† Diferentemente de Aristóteles, Kepler tratou em conjunto as observações precisas de Tycho e suas próprias conjecturas mentais. Por ocasião do terceiro centenário de sua morte, em 1939, Albert Einstein faria o seguinte comentário sobre o processo de trabalho de Kepler:

“Aparentemente  a  mente  humana  necessita  criar   independentemente  as  formas  para  depois  identificá-­‐las  nas  coisas.  A  conquista  formidável  de   Kepler   exemplifica   muito   bem   que   o   conhecimento   não   brota  apenas  da  experiência,  mas   também  da   comparação  das   criações  do  intelecto  em  conjunto  com  o  fato  observado.”  (418)  

Para que se tenha uma correta dimensão das contribuições de Copérnico e Kepler, é preciso levar em consideração as crenças religiosas, filosóficas e

* A palavra Universo é derivada da concepção equivocada de que a Terra estava fixa, no centro de toda a criação, e que os demais objetos celestes giravam todos em uníssono ao seu redor. Deste modo, o conjunto dos objetos celestes passou a ser chamado de "aquilo que gira como algo único", ou unus verterem, em latim. (Nota do Autor) † A maioria dos historiadores da ciência creditam a pensadores islâmicos, destacando-se o persa multidisciplinar al-Hasan ibn al-Haytham (965 - ≅ 1040), o pioneirismo no uso de métodos rigorosos de experimentação, de quantificação e de testes controlados, para a verificação de hipóteses teóricas, fundamentando o raciocínio lógico e indutivo. Inspirados por estes predecessores islâmicos, os filósofos britânicos Roger Bacon (1214 – 1294) e Francis Bacon (1561 – 1626) ao lado de René Descartes (1596 - 1650), filósofo e matemático francês, completariam a definição do método científico, orientando a forma de trabalho da ciência atual. (Nota do Autor)

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culturais, assim como as instabilidades políticas daquela época. A mudança de paradigma introduzida por estes dois homens se tornaria fundamental na separação formal entre ciência e religião, alterando definitivamente o equilíbrio de forças pré-existente e determinando o rumo do desenvolvimento científico e tecnológico.

O modelo cosmológico aceito pelos teólogos de então era originário das idéias do pensador grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), descritas em seu livro Do céu (De Caelo). Aristóteles concluiu que a Terra era esférica, a partir da observação de que a sombra que ela projetava na Lua durante os eclipses era sempre redonda, e também pelo fato do casco de um navio desaparecer de vista antes das velas, à medida que ele se afasta da terra, contrariando a crença anterior de que o mundo seria achatado. Estas conclusões acertadas de Aristóteles foram baseadas em suas observações e em um raciocínio indutivo e objetivo.

Já a visão geocêntrica de Aristóteles foi construída a partir de algumas evidências, que ele acreditou estarem corretas, de que a Terra encontrava-se em repouso e que o Sol, a Lua e os demais planetas conhecidos em seu tempo, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, giravam em torno da Terra em órbitas perfeitamente circulares. Não sendo um experimentalista, Aristóteles permitiu que o senso comum o conduzisse a este equívoco, não percebendo que a força que mantém a Terra, a Lua e todos os planetas em suas órbitas é a mesma força que atrai uma maça ao chão e nos mantém presos à Terra. (417)

Em outra ocasião, Einstein nos brindaria com algumas palavras

complementares sobre a importância da experimentação:*

“O  raciocínio  lógico  puro  não  é  capaz  de  nos  munir  de  conhecimentos  sobre  o  mundo  empírico,   todo  o  conhecimento  da   realidade  parte  da  experiência  e  nela  termina.  Conclusões  alcançadas  puramente  a  partir  dos   meios   lógicos   são   totalmente   vazias   do   ponto   de   vista   da  realidade.”  (418)  

Cerca de cinco séculos após Aristóteles publicar sua teoria cosmológica, o astrônomo egípcio Ptolomeu (87 – 150 d.C.), aperfeiçoando o modelo geocêntrico de Aristóteles, criaria um novo modelo que calculava com mais precisão os movimentos planetários. Sem motivos para discordar, o modelo de Aristóteles e Ptolomeu foi adotado pelos teólogos da cristandade ocidental, contribuindo

* Em 1936, Einstein teria dito que "A ciência, como um todo, não é nada mais do que um refinamento do pensar diário", criando um paradoxo com suas próprias afirmações posteriores sobre a metodologia científica. Certamente o comentário mais antigo de Einstein deve ser aplicado apenas às mentes privilegiadas como a dele. (Nota do Autor)

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fortemente para que o mesmo permanecesse praticamente inalterado por cerca de quinze séculos.

Certamente um modelo heliocêntrico já havia sido especulado anteriormente, como o de Aristarco de Samos (310 a.C. – 230 a.C.), astrônomo grego posterior a Aristóteles. Mas foi somente a partir de Copérnico que esta idéia disseminou-se e passou a ser levada a sério, ensinando o homem a ser modesto”, nos dizeres de Einstein, apesar da forte resistência dos adeptos da corrente ortodoxa. Segundo observação do físico teórico inglês Stephen Hawking (1942 - ), a atuação dos responsáveis pela condução política da cristandade ocidental foi determinante para a estagnação da ciência:

“Muitos   estudiosos   modernos   acreditam   que   a   aceitação   universal  dessa   teoria   pelas   autoridades   religiosas   retardou   o   progresso   da  ciência,   uma   vez   que   desafiar   as   teorias   aristotélicas   significaria   pôr  em  questão  a  autoridade  da  própria  Igreja.”  (411)  

Copérnico, para escapar da Inquisição, postergou ao máximo a publicação de seu livro Sobre as revoluções, no qual descrevia o movimento da Terra e dos outros planetas em torno Sol, embora ainda se apegasse à noção antiga de órbitas circulares. Um exemplar da primeira edição, ricamente ilustrada, foi finalizado a tempo de lhe ser entregue no dia em que morreria. Porém, grande deve ter sido o seu pesar ao constatar, em seu leito de morte, a inclusão de um novo prefácio, propositalmente sem assinatura de modo a parecer que era de sua própria autoria, no qual era declarado que as idéias apresentadas naquele livro eram apenas hipóteses matemáticas, pouco representativas da realidade, e que não precisavam ser verdade ou mesmo demonstráveis como tal”. A farsa somente seria desmascarada por Kepler em 1609, ao revelar que o verdadeiro autor do prefácio teria sido o teólogo luterano alemão Andreas Osiander (1498 – 1552), a cargo de quem estava a supervisão da publicação. A motivação de Osiander para alterar o texto de Copérnico sem o seu consentimento, seria aplacar a ira dos defensores da teoria geocêntrica. (406)

Em 1616, sete anos após a publicação das duas primeiras leis de Kepler, ainda tentando bloquear o avanço da ciência e a preservação de dogmas que lhe eram tão caros, a Igreja Católica publicaria um édito proibindo a propagação da doutrina de Copérnico. Comprovando serem fundamentados os temores do astrônomo polonês, noventa anos após sua morte, em 1633, o matemático e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564 – 1642) seria levado a julgamento em Roma, perante a Inquisição, sob a acusação de heresia. Seu crime teria sido a publicação do livro Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo: copernicano e ptolomaico, onde deixava claro sua preferência pelo sistema

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heliocêntrico. Para escapar da fogueira, Galileu foi obrigado a assinar uma confissão de próprio punho, renunciando às suas idéias. (412)

Ao tomar a decisão de renegar sua concepção do universo, Galileu certamente deve ter refletido sobre o destino do frade e astrônomo italiano Giordano Bruno (1548 – 1600), também preso e julgado por heresia pela Inquisição devido ao fato de ter se manifestado publicamente em defesa da tese de um universo infinito e povoado por infindáveis estrelas como o Sol e por outros

planetas.* Considerado um dos pioneiros da filosofia moderna e de ter influenciado fortemente os filósofos Baruch de Espinosa (1632 – 1677) e Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716), Giordano Bruno, ao recusar-se a negar suas crenças, foi condenado e queimado vivo na fogueira, com uma tábua de pregos presa à sua língua. Este último detalhe, talvez tenha sido o preço adicional por ter dito aos seus juízes uma frase histórica, ao ser obrigado, de joelhos, a ouvir sua sentença, em 08 de fevereiro de 1600: (416)

"Talvez  sintam  maior  temor  ao  pronunciar  esta  sentença  do  que  eu  ao  ouvi-­‐la."  

Na opinião de Stephen Hawking, a mais eloquente descrição das contribuições de Copérnico, possivelmente tenha sido produzida pelo filósofo alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832):

“De  todas  as  descobertas  e  opiniões,  nenhuma  pode  ter  tido  um  efeito  maior  sobre  o  espírito  humano  do  que  a  doutrina  de  Copérnico.  Mal  o  mundo  se  tornara  conhecido  como  redondo  e  completo  em  si  mesmo,  pediu-­‐se  que  ele  abrisse  mão  do  enorme  privilégio  de  ser  o  centro  do  universo.  Talvez  nunca  se  haja  pedido  tanto  da  humanidade  –  pois,  ao  admiti-­‐lo,  quanta  coisa  não  desapareceria  na  bruma  e  na  fumaça!  Que  aconteceu  com  o  Éden,  nosso  mundo  de   inocência,  piedade  e  poesia;  como  o  testemunho  dos  sentidos;  com  a  convicção  de  uma  fé  poético-­‐religiosa?   Não   admira   que   seus   contemporâneos   não   hajam   querido  deixar   tudo   isso   ir   embora   e   tenham   oferecido   toda   a   resistência  

* Diferentemente das informações comumente ensinadas nas escolas de ensino fundamental e ensino médio, o Sol não é uma estrela relativamente insignificante. Atualmente presume-se que o Sol seja mais brilhante que 85% das estrelas da Via Láctea e que, entre as 50 estrelas mais próximas do sistema solar, no raio de até 17 anos-luz de distância (a estrela mais próxima de nós é a anã vermelha Proxima Centauri, que dista aproximadamente 4,2 anos-luz de nós), o Sol seja a quarta estrela no quesito massa, com um diâmetro equatorial de 1,392 milhões de quilômetros, ou 109 vezes o diâmetro da Terra e peso de cerca de 2 x 1030 Kg, ou 330.000 vezes o peso da Terra, correspondendo a 99,86% da massa total do Sistema Solar. (349)

Outra estimativa interessante, realizada em outubro de 2010 por cientistas norte-americanos e baseada na análise de 166 estrelas parecidas com o Sol localizadas a uma distância de até 80 anos-luz, considera que planetas semelhantes à Terra, com até duas vezes a sua massa, seriam os mais comuns, podendo ser encontrados em um quarto destas estrelas. (384) (Nota do Autor)

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possível   a   uma   doutrina   que   autorizava   e   exigia   daqueles   a   ela  convertidos   uma   liberdade   de   visão   e   uma   grandeza   de   pensamento  até  então  desconhecidas,  e  mesmo  jamais  sonhadas.”  (410)  

Curiosamente, para comprovar o sistema heliocêntrico de Copérnico, Kepler utilizou-se dos dados de Tycho Brahe, fervoroso partidário do modelo que previa a centralidade da Terra e estava de acordo com os dogmas religiosos do Cristianismo da época. Apesar de suas convicções filosóficas e religiosas, Tycho percebia as disparidades existentes entre suas observações astronômicas e o modelo Ptolomaico e ansiava por melhorá-lo, tornando-o mais preciso e capaz de explicar de forma adequada os movimentos celestes por ele catalogados. E, de preferência, gostaria de realizar sua obra sem criar indisposições com a Igreja. A partir destas premissas, Tycho pretendia criar um novo modelo cosmológico que levasse o seu próprio nome, mas para conseguir realizar esta proeza ele precisava da ajuda de alguém metódico, com conhecimentos simultâneos e profundos de astronomia e matemática, e que não tivesse um nível de nobreza semelhante ao seu, de forma a evitar uma possível competição pelos direitos de autoria do novo modelo.

Então, quando Tycho Brahe, residindo na cidade de Praga, para onde havia se mudado em junho de 1599 ao aceitar o posto de matemático imperial, convidou Kepler para trabalhar com ele, alguns meses após assumir o novo cargo, certamente tinha em mente utilizar as habilidades matemáticas de Kepler na análise de suas observações astronômicas para ajudá-lo a alcançar o seu intento de construir um novo modelo cosmológico. Tycho estava então com quase 54 anos de idade e já devia sentir o peso da corrida contra o tempo. Entretanto, o início deste relacionamento foi bastante conflituoso e, talvez por perceber as convicções de Kepler, frontalmente opostas às suas, Tycho Brahe liberava a Kepler apenas uma pequena parte de suas anotações, conforme comenta o escritor e professor de inglês James A. Connor, em seu livro A Bruxa de Kepler:

“Não  havia  dois  homens  mais  diferentes  do  que  eles.  Tycho  era  nobre,  acostumado   com   riquezas   e   privilégios,   com   freqüência   desconfiando  dos  outros  e  temeroso  de  que  alguém  lhe  roubasse  as  descobertas,  lhe  mascateasse  a  fama  no  meio  da  noite.  [...]  Kepler,  por  outro  lado,  era  franco,   a   ponto   de   ser   ingênuo.   Ele   podia   ser   desconfiado,   sovina   e  irascível,  mas  não   imaginava   ficar   remoendo   suas   idéias   como  Tycho  havia   feito.   [...]   Tycho   era   um   consumado   extrovertido,   sempre  rodeado   pela   família,   pelos   amigos   e   criados.   Vivia   numa   grande  mansão   em   estilo   dinamarquês,   barulhenta,   e   apreciava   refeições  intermináveis   temperadas   com   conversas   sobre   ciência,   filosofia,  religião   e   as   notícias   do   dia.   Kepler,   por   outro   lado,   preferia   a   sua  

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própria  companhia  e  a  tranquilidade  de  seu  estúdio,  onde  recalculava  seus  números  e  exercitava  suas  idéias.  

[...]   Tycho   protegia   as   suas   observações   como   uma   loba   guarda   os  filhotes,  e  mostrava  a  Kepler  apenas  aquelas  que  eram  pertinentes  ao  trabalho   que   esperava   dele.   Essa   mesquinharia   era   um   sintoma   da  idade.  Kepler  tinha  a  mente  mais  aberta  do  que  a  maioria  e,  de  certa  forma,   era  mais  moderno.   Ficava   furioso   porque   outros   astrônomos,  inclusive   o   seu   professor  Michael  Mästlin,   se   recusavam   a   colaborar  uns   com   os   outros,   guardavam   suas   próprias   observações   como  dragões  e  escondiam  seus  dados  como  se  fossem  tecidos  de  ouro.  Ao  longo   de   toda   a   sua   carreira,   Kepler   incentivou   outros   astrônomos   a  compartilharem   os   seus     trabalhos,   a   promoverem   o   conhecimento  geral,  mas  teve  poucas  respostas.  Cada  astrônomo  estava  preocupado  demais  com  a  sua   reputação,  o   seu   lugar  na  corte  e  com  as  opiniões  dos  seus  patronos,  como  se  um  único  homem  pudesse  ser  dono  de  todo  o   conhecimento.   Tycho  era   típico  de   sua  época,  mais   interessado  em  promover  a  sua  própria  fama  do  que  a  disciplina.  

[...]   Tycho   rejeitava   Copérnico   baseando-­‐se   na   teologia,   enquanto  Kepler   o   adotava   apoiando-­‐se   também   em   fundamentos   teológicos.  Tycho  acreditava  que  se  os  homens  foram  criados  à  imagem  de  Deus,  então  o  seu  pequeno  lugar  no  Universo  tinha  de  ser  o  centro.  Deus  os  colocou   ali   para   que   pudessem   ter   uma   boa   visão   do   grande  espetáculo   cósmico  e,  por   conseguinte,   louvar  e  honrar  a  Deus  ainda  mais.   [...]   Kepler   concordava   em   princípio,   mas   o   sistema   de   Tycho  ainda  parecia  excessivamente  complexo  e  difícil  de  manejar  para  ele,  uma  acomodação  tipo  colcha  de  retalhos  que  não   levava  em  conta  a  elegância  do  plano  de  Deus.  O  plano  de  Deus  tinha  de  ser   racional,  e  racional   significava   geométrico,   e   geométrico   significava  elegantemente   simples.   E,   portanto,   enquanto   Tycho   pensava   como  um  astrônomo,  Kepler  pensava  como  um  matemático.”  (404  e  407)  

Além da influência teológica, Kepler orientava seu raciocínio indutivo pelas soluções mais simples e elegantes, seguindo a Lei da Parcimônia, ou Navalha de Ockham, por ele adotada como fator de refinamento de seu trabalho. Esta ferramenta da lógica, criada pelo teólogo e filósofo inglês William de Ockham (1285-1349), estabelece a premissa de que ao existirem várias formas de explicação para algo, a mais simples deverá ser a correta, pregando ainda que a menos que seja necessário, não se deve introduzir complexidades ou suposições em um argumento porque não só o resultado será menos elegante e convincente, como também terá maiores probabilidades de estar errado. (204 e 205)

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Por vários meses os desentendimentos entre Tycho e Kepler foram uma constante. Mas, após quase um ano de convivência, passaram a se entender bem e Kepler pensou que finalmente teria um período de paz em sua vida.

“[...]   Tycho   o   apresentou   ao   imperador,   que   recebeu   Kepler   com  generosidade   e   o   designou  para   colaborar   com  Tycho  na   compilação  de   novas   tabelas   astronômicas   baseadas   em   suas   observações.   [...]  Kepler   foi   incluído   no   projeto   como   colaborador,   não   como   um  assistente  ou  empregado.   [...]  Tycho  também  fez  algo  que  havia  feito  com  muito  pouca  gente  antes.  Sabendo  que  só  Kepler  poderia  provar  as  suas  teorias  tychônicas,  Tycho  confiou-­‐lhe  seus  preciosos  dados,  as  chaves   para   o   seu   reino   celeste.   Kepler   de   repente   tinha   tudo   que  precisava.”  (408)  

No entanto, paz não era algo que estava previsto existir na vida de Kepler. Pouco tempo depois de apresentá-lo ao imperador, Tycho contrairia a doença que

o levaria à morte em poucos dias, falecendo em 24 de outubro de 1601.* Dois dias após a morte prematura do astrônomo dinamarquês, o imperador Rudolf II (1552 - 1612) nomeou Kepler como seu matemático imperial e confiou aos seus cuidados todos os instrumentos e anotações de Tycho. Assim, Kepler, antecipando-se aos familiares e legítimos herdeiros, com quem passaria a ter problemas a partir de então, tomou posse dos preciosos dados que lhe permitiram conquistar um lugar na história.

Os anos vividos em Praga, entre 1600 e 1612, certamente, foram os mais tranquilos na atribulada vida de Kepler, porém, a permanência na corte imperial da família Kepler terminaria com a morte do imperador Rudolf II. Considerado um bom católico, Rudolf II promovia o trabalho de jesuítas e capuchinhos, enquanto, possuidor de uma personalidade tolerante, esforçava-se por manter a paz com os luteranos. Interessado em esclarecer os mistérios da vida, Rudolf II patrocinou e reuniu em Praga grandes mentes da Europa, tornando o seu castelo um lugar onde a presença de cientistas como Tycho e Kepler, além de artistas, pintores, filósofos e místicos era uma constante.

Em 1611, após desentendimentos internos de cunho político-religioso entre os membros da família Habsburgos, herdeira do Sacro Império Romano, Rudolf II foi forçado a abdicar por seu irmão mais novo, o arquiduque Matthias (1557 – 1616). De temperamento radical, Matthias considerava condescendente demais a política de seu antecessor com os protestantes, sendo este o principal motivo da * Oficialmente, Tycho Brahe teria sido vitimado por uma infecção urinária. Entretanto, testes realizados com amostras de seu cabelo e bigode, por ocasião de uma exumação realizada em 1901, teriam detectado elevados níveis de mercúrio, levantando suspeitas de envenenamento. Em novembro de 2010, sua tumba tornou a ser aberta e um novo estudo poderá esclarecer as causas de sua morte. (Nota do Autor)

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discórdia familiar. Apesar de ter deposto o irmão mais velho, Matthias permitiu que ele mantivesse o título de imperador e continuasse vivendo em seu palácio imperial, próximo aos seus tesouros e brinquedos com que havia equipado parte do palácio em Praga, transformada em espécie de museu. Entretanto, abatido pela perda efetiva do poder e com a saúde fragilizada, Rudolf II sobreviveria apenas um ano após sua deposição. Com a morte de seu protetor e o recrudescimento das ações contra os luteranos, após Matthias assumir oficialmente o império, Kepler sentiu-se forçado a deixar Praga.

Sete anos após Kepler ter partido de Praga, agora sob o império de Ferdinand II (1578 – 1637), sucessor de Matthias, falecido três anos antes, um incidente entre católicos e protestantes, ocorrido no palácio imperial tantas vezes frequentado pelo matemático imperial de Rudolf II, daria início a Guerra dos Trinta Anos que dizimaria a Alemanha e a Áustria. Este conflito tornaria Kepler um virtual exilado, forçando-o a abandonar várias cidades e empregos, e o perseguiria até o túmulo.

Kepler nasceu em 27 de dezembro de 1571, na cidade alemã de Weil der Stadt e durante sua vida colecionou uma série de infortúnios marcantes. Em sua infância, precisou conviver com um pai mercenário que passava grandes períodos fora de casa lutando como soldado em guerras que não lhe pertenciam. De temperamento grosseiro, quando permanecia em casa maltratava a família, chegando até mesmo a tentar vender como escravo o irmão caçula de Johannes. Aos três anos de idade, Kepler quase morreu de um ataque de varíola, doença que lhe desfigurou as mãos e prejudicou sua visão, causando-lhe miopia e estrabismo.

Sentindo-se limitado em suas opções profissionais por causa dos problemas físicos contraídos na infância, Kepler tencionava seguir uma carreira religiosa, ambicionando lecionar na faculdade de teologia em Tubingen, local de sua formação. Entretanto, desentendimentos entre os membros daquela universidade levaram-no a aceitar um posto de professor de matemática e astronomia em uma escola protestante na cidade de Graz, na Áustria. Foi desse modo que aos 22 anos de idade, Kepler ingressaria em uma carreira profissional dedicada à ciência. Sendo um homem profundamente religioso, tornaria-se também obcecado por entender com precisão o funcionamento do universo criado por Deus.

Devido às suas crenças, Kepler partiria de premissas falsas em busca das respostas que procurava. Neste caminho, assombrado pelos resultados obtidos por meio de árduo trabalho, testando os dados das observações astronômicas de Tycho Brahe em diversos modelos matemáticos, Kepler precisaria confrontá-los com suas crenças e arquitetar um universo que abarcasse a ambos. Precisaria abandonar a perfeição do círculo pela realidade das elipses. Kepler conseguiria o

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seu intento, e morreria pensando que desvendara os mistérios da criação. Destruiu dogmas que perduravam por mais de mil e quinhentos anos, mas foi iludido por suas próprias crenças. Ainda assim, apesar de enganado, Kepler mudaria o mundo. Tal proeza é descrita por Marcelo Gleiser:

“(...)   Foi   durante   uma  aula   para   um  grupo   de   alunos   sonolentos   que  Kepler   teve   a   visão   que   mudaria   a   sua   vida.   Quando   explicava   os  movimentos  dos  planetas   Júpiter   e   Saturno,  percebeu  algo  que  antes  não  dera  o   significado  devido:  o   fato  de  Saturno  ser  duas  vezes  mais  distante  do  Sol  que  Júpiter  não  podia  ser  uma  coincidência.  Dentro  da  ideologia  pitagórico-­‐cristã,  se  Deus  era  o  arquiteto  cósmico,  o  arranjo  dos  céus  não  podia  ser  ao  acaso.  Deveria,  por  exemplo,  haver  alguma  explicação  para  o   número  de  planetas   ser   seis,   e   não   três   ou   vinte   e  cinco.   E   o   que   determinava   as   suas   distâncias   em   relação   ao   Sol?  Kepler   sabia   que,   de   alguma   forma,   a   resposta   tinha   que   envolver   a  geometria.  

Passou  semanas  trabalhando,  procurando  por  um  modelo  geométrico  do  cosmo.  Tentou  diversas  possibilidades,  mas  nada  parecia  funcionar.  Sua   frustração  aumentava  a   cada  dia.  De   repente,  num  momento  de  grande   intuição,  entendeu.  Como  suspeitara,  era  mesmo  a  geometria  que  determinava  a  estrutura  do  cosmo,  isto  é,  o  número  de  planetas  e  as  distâncias   entre   eles   e  o   Sol.   Kepler   sabia  que,   em   três  dimensões  espaciais,  existiam  apenas  cinco  sólidos  perfeitos,  os  chamados  sólidos  platônicos:   nenhum   outro   sólido   tridimensional   fechado   pode   ser  construído   a   partir   de   apenas   um   objeto   bidimensional   (triângulos,  quadrados  e  pentágonos).  Os  dois  mais  familiares  são  o  cubo  (feito  de  seis  quadrados)  e  a  pirâmide   (feita  de  quatro   triângulos  equiláteros).  Os   outros   três   são   o   octaedro   (oito   triângulos   equiláteros),   o  dodecaedro   (doze   pentágonos)   e   o   icosaedro   (vinte   triângulos  equiláteros).   [...]   Kepler   imaginou   que   os   cinco   sólidos   deveriam   se  encaixar   um   dentro   do   outro,   como   num   quebra-­‐cabeça   (as   bonecas  russas).   Entre   cada   dois   sólidos,   uma   esfera   imaginária   localizava   a  órbita   planetária...   O   surpreendente   era   que   cinco   sólidos   permitem  apenas  seis  esferas  entre  eles,   isto  é,  apenas  seis  planetas...  Ademais,  as  distâncias  entre  as  esferas  eram  determinadas  precisamente  pelas  leis   da   geometria.   Após   experimentar   com   alguns   arranjos   para   os  cinco   sólidos,   Kepler   encontrou   um   que   coincidia,   com   uma   precisão  surpreendente,   com   as   distâncias   entre   os   planetas   medidas   pelos  astrônomos.  

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Com   essa   sacada   genial,   Kepler   “resolveu”   o   maior   mistério   da  astronomia,   explicando   a   priori   não   só   por   que   existiam   apenas   seis  planetas,  mas   também   as   suas   distâncias   em   relação   ao   Sol.   Jamais  seria  o  mesmo  após  essa  revelação.  Morreu  acreditando  ter  decifrado  a   estrutura   do   cosmo,   que   a   matemática   permitiu-­‐lhe   vislumbrar   a  mente   de   Deus.   Como   afirmavam   os   filósofos   pitagóricos   da   Grécia  Antiga,  a  solução  ocultava-­‐se  na  geometria  (...)  

Com   apenas   26   anos,   Kepler   acreditou   ter   desvendado   o   mapa   da  Criação.   Deus   havia   mesmo   usado   a   geometria   para   construir   o  mundo.  Cabia  aos  homens  usar  a  razão  para  estudar  a  Natureza.  Essa  era  a  verdadeira  devoção  religiosa,  louvar  a  Deus  através  da  Sua  obra,  fazer  preces  das  equações.  

[...]   Rodeei   o  modelo   cósmico  de  Kepler   algumas   vezes,   admirando  a  sua   beleza.*   Ali   estava   a   visão   de   um   homem   brilhante,   a   primeira  versão  concreta  da  Teoria  final,  a  suposta  solução  a  priori  da  estrutura  do  universo,   baseada  apenas   em  proporções   geométricas:   um   cosmo  criado   pela   mente   humana.   Para   Kepler,   a   ordem,   as   proporções  perfeitas,  a  simetria  refletiam  a  glória  de  mente  de  Deus.  Mesmo  após  ter   revolucionado   a   astronomia,   provando   que   as   órbitas   eram  elípticas  e  não  circulares,  Kepler  continuou  acreditando  no  seu  modelo  geométrico   (...)   A   busca   por   uma   harmonia   cósmica   era   o   que   dava  significado  a  sua  vida.  

[...]  Como  alguém  tão  errado  poderia  estar  tão  convicto  de  estar  certo?  Temos  muito  o  que  aprender  com  o  erro  de  Kepler.  A  partir  da  nossa  perspectiva  moderna,   é   fácil   ridicularizar   a   sua   criação,   chamá-­‐la   de  delirante.   Afinal,   são   oito   planetas   no   sistema   solar,   e   não   seis.   Se  Kepler   pudesse   vê-­‐los   todos   a   olho   nu,   não   haveria   proposto   o   seu  modelo,  e  sua  carreira  teria  tomado  um  outro  rumo.  Sua  visão  limitada  da   realidade   foi   sua   benção.   Na   época,   todos   acreditavam   que   só  existiam   seis   planetas;   seu   modelo   refletia   esse   fato.   Mesmo   que   a  ciência   tenha   avançado   enormemente   nos   últimos   quatro   séculos,   o  que   ocorreu   com   Kepler   continua   a   ocorrer   nos   dias   de   hoje:  construímos   nossa   visão   de   mundo   com   os   dados   que   temos   no  momento.   Em   outras   palavras,   nossa   visão   de   mundo   depende  fundamentalmente   do   que   podemos   medir.   O   erro   de   Kepler   foi   ter  acreditado  que  sua  criação  era  tão  perfeita  que  transcendia  os  limites  

* Em suas pesquisas para o romance A harmonia do mundo, publicado em 2006, Marcelo Gleiser esteve em Praga e visitou a casa em que viveu Kepler, atualmente um museu, onde há uma réplica em bronze do modelo cósmico de Kepler para o sistema solar. (Nota do Autor)

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mundanos   da   realidade.   Para   ele,   a   ordem   que   vislumbrou   era   bela  demais  para  não  ser  verdadeira.  

[...]   Como   explicar   então   o   sucesso   de   Kepler?   Em   uma   palavra,  “busca”.  Acreditar  numa  idéia  é  a  condição  básica  para  tentar  prová-­‐la  correta.  Tal  como  o  viajante  que  acredita  na  Terra  Prometida  e  sai  pelo  mundo   buscando   por   ela,   descobrindo   novos   lugares   pelo   caminho,  muitas   das   descobertas   importantes   da   ciência   ocorreram   durante   a  busca   por   objetivos   que   nunca   foram   atingidos.   Vemos   a   visão  suspensa   ao   longe,   como   uma   miragem,   e   fazemos   de   tudo   para  chegar   a   ela.   Kepler   ilustra   bem   esse   ponto.   Usando   os   dados  astronômicos  de  Tycho  Brahe  com  o  intuito  de  comprovar  a  estrutura  cósmica  que  propôs  no  Mysterium,  Kepler  acabou  por  descobrir  as  três  leis   que   regem   os   movimentos   planetários   em   torno   do   Sol,   as  primeiras  leis  matemáticas  da  astronomia  moderna.  

Hoje   sabemos  que  as   leis  de  Kepler  não   se   limitam  ao  nosso   sistema  solar:   qualquer   sistema  estelar  pode   ser  descrito  por   suas   leis.  Muito  provavelmente,  ficaria  chocado  se  alguém  lhe  revelasse  que  o  sistema  solar  tem  oito  e  não  seis  planetas  e  que,  portanto,  o  seu  sistema  com  cinco   sólidos  platônicos   é   inviável.   Por  outro   lado,   sem  dúvida   ficaria  muito   feliz   em   saber   que   as   suas   três   leis   são   válidas   em   todo   o  cosmo.”  (332)  

Retornando à vida pessoal de Kepler, encontramos grandes dificuldades, presentes praticamente em toda a sua vida. De seu primeiro casamento, devido às enfermidades e pestes daquela época, perdeu dois filhos recém nascidos, em um espaço de menos de dois anos, deixando-o arrasado. Mais tarde, em 1611, perderia outro filho aos seis anos de idade e, logo em seguida, a esposa. De seu segundo casamento, em 1613, teve seis filhos, dos quais três morreram em sua primeira infância. Em 1617, perderia a enteada de seu primeiro casamento, a quem adorava e criara como se fosse sua própria filha. Sua própria saúde também não era das melhores, obrigando-o por diversas vezes a manter-se recolhido ao leito por longos períodos.

Constantemente, Kepler viu-se obrigado a fugir de uma cidade após a outra, abandonando o emprego, devido a revoltas religiosas e rebeliões políticas. Por causa da Contra-Reforma, em 1619, Kepler foi excomungado por sua própria igreja, a luterana, a quem seria fiel até o final de sua vida, sendo por este motivo perseguido simultaneamente por católicos e protestantes. Naquele mesmo ano de 1619, Katherine, a excêntrica mãe de Kepler, conhecida por produzir poções de ervas para diversos propósitos, seria acusada de bruxaria e brutalmente torturada, exigindo grande esforço, dispêndio de recursos e longa dedicação de sua parte para livrá-la da fogueira. Kepler ficaria preso à causa de sua mãe até o

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encerramento do processo, em novembro de 1621, quando ela seria finalmente libertada. Entretanto, debilitada pelos maus tratos recebidos na prisão, viria falecer cerca de um ano mais tarde. (414)

Diferentemente de Copérnico, em quem se inspirava na condução de seu trabalho, a vida de Kepler não foi nada tranqüila. Para alcançar o status de pai da mecânica celeste, Kepler precisou enfrentar os familiares de Tycho Brahe, que dificultaram de vários modos, inclusive com ações judiciais, a publicação de suas obras que mencionavam os dados do astrônomo dinamarquês. Apesar de suas realizações, Kepler não recebeu em vida o devido reconhecimento, aparentando ele próprio não ter a exata dimensão da importância de seu trabalho. Sempre com pouco dinheiro, precisava com frequência recorrer à publicação de calendários astrológicos e horóscopos para complementar seus rendimentos.

Mas afinal, que força moveu Kepler a realizar sua obra lutando contra tantos obstáculos? Possivelmente o sentimento que o guiou em sua jornada tenha sido sua profunda religiosidade, termo empregado aqui com o mesmo significado da religiosidade professada e descrita pelo físico Albert Einstein, trezentos anos mais tarde, em alguns de seus pensamentos, transcritos a seguir:

“A  condição  dos  homens  seria   lastimável  se  tivessem  de  ser  domados  pelo  medo  do  castigo  ou  pela  esperança  de  uma  recompensa  depois  da  morte.“  

“A   característica   do   homem   religioso   consiste   no   fato   de   ter   se  libertado  das  algemas  do  seu  egoísmo,  construindo,  por  seu  modo  de  pensar,   sentir   e   agir,   um   mundo   de   valores   suprapersonais,  aprofundando  e  ampliando  cada  vez  mais  o  seu  impacto  sobre  a  vida.”  

 “A  percepção  do  desconhecido  é  a  mais  fascinante  das  experiências.  O  homem   que   não   tem   os   olhos   abertos   para   o   mistério   passará   pela  vida  sem  ver  nada.”  

“O   mecanismo   do   descobrimento   não   é   lógico   e   intelectual,   é   uma  ilusão  subcutânea,  quase  um  êxtase.”  

“A   mente   avança   até   o   ponto   onde   pode   chegar;   mas   depois   passa  para   uma   dimensão   superior,   sem   saber   como   lá   chegou.   Todas   as  grandes  descobertas  realizaram  esse  salto.”  

“Sem  a   convicção  de  uma  harmonia   íntima  do  Universo,  não  poderia  haver  ciência.”  

“Eu  quero  saber  como  Deus  criou  este  mundo.  Não  estou   interessado  neste  ou  naquele   fenômeno,  no  espectro  deste  ou  daquele  elemento.  Eu  quero  conhecer  os  pensamentos  Dele,  o  resto  são  detalhes.”  

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 “O  mistério  da  vida  me  causa  a  mais  forte  emoção.  É  o  sentimento  que  suscita   a   beleza   e   a   verdade,   cria   a   arte   e   a   ciência.   O   homem   que  desconhece  esse  encanto,   incapaz  de  sentir  admiração  e  estupefação,  esse  já  está,  por  assim  dizer,  morto  e  seus  olhos  se  cegaram.  Aureolada  de   temor,   é   a   realidade   secreta   do   mistério   da   religião.   Homens  reconhecem   então   algo   de   impenetrável   a   suas   inteligências,  conhecem  porém  as  manifestações  desta  ordem  suprema  e  da  Beleza  inalterável.   Homens   se   confessam   limitados   e   seu   espírito   não   pode  apreender  esta  perfeição.  E  este  conhecimento  e  esta  confissão  tomam  o   nome   de   religião.   Deste   modo,   mas   somente   deste   modo,   sou  profundamente  religioso,  bem  como  estes  homens.”  

Apesar de todos os problemas enfrentados por Kepler, ele manteve-se produtivo, pesquisando e escrevendo prolificamente por quase toda a sua vida adulta. Complementando os pensamentos de Einstein, James A. Connor ressalta o exemplo de grande força moral que foi a vida deste matemático e astrônomo alemão:

“Grandes  personalidades  aparecem  de  repente  neste  mundo.  O  que  as  faz   serem   grandes   é   complicado.   Alguns   dizem   que   Kepler   foi   um  gênio,  o  que  certamente  ele   foi,  mas  a   sua   inteligência  científica  não  foi   a   fonte   da   sua   grandeza.   Johannes   Kepler   foi   uma   das   mentes  científicas  mais  poderosas  do  seu  século  –  ele  foi  páreo  para  Galileu  em  quase   todos   os   aspectos,   um   precursor   de   Newton,   um   homem   que  havia   desbravado   o   caminho   para   a   maioria   das   descobertas  importantes   que   definiram   a   ciência   do   século   dezessete.   E,   no  entanto,   Kepler   também   foi   grande   do  modo   como  Gandhi   e  Martin  Luther   King   Jr.   Foram.   Ele   foi   um   homem   que   lutou   pela   paz   e   pela  reconciliação  entre  as  igrejas  cristãs,  mesmo  quando  isso  por  pouco  lhe  custava  a  vida.  Algumas  pessoas  nascem  para  serem  grandes;  algumas  se  tornam  grandes  pelos  acontecimentos  de  sua  época.  Outras,  como  King,   Gandhi   e   Kepler   tornam-­‐se   grandes   porque   fazem   escolhas  repletas  de  coragem  moral.”  (409)  

Johannes Kepler faleceu em 15 de novembro de 1630, aos 58 anos, por causa do agravamento de um resfriado contraído quando encontrava-se em meio a uma viagem para resgatar os lucros de algumas ações e cobrar o pagamento de uma dívida. Uma vez mais ele encontrava-se em dificuldades financeiras. Kepler foi enterrado no cemitério protestante de São Pedro, na cidade de Regensburg, na Bavária, Alemanha. Mesmo morto e enterrado, continuou a ser perseguido pela Guerra dos Trinta Anos: dois anos depois de sua morte, uma batalha entre católicos e protestantes destruiria o seu túmulo. Até a presente data se desconhece a localização dos restos mortais de Kepler. No local do cemitério foi

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construído um parque e erigido um memorial em sua homenagem. A lápide de seu túmulo, também perdida, trazia a seguinte inscrição, redigida pelo próprio Kepler:

“Eu  costumava  medir  os  céus,  Mas  agora  meço  as  sombras  da  terra.  Embora  minha  alma  fosse  dos  céus,  A  sombra  do  meu  corpo  aqui  jaz.”    

Retornando ao tema que gerou este capítulo, a importância dos dispositivos de cálculo, resolvemos finalizá-lo com algumas palavras de Isaac Asimov (1920 - 1992), norte-americano de origem russa, Ph.D. e professor de bioquímica, conhecido principalmente por suas obras de ficção e de divulgação científica. Segundo Asimov, os computadores, descendentes diretos dos primeiros instrumentos de calcular, contribuem para tornar o ser humano verdadeiramente humano. A história parcialmente transcrita a seguir, publicada em 1977, ilustra o impacto causado por um simples instrumento de cálculo na vida e obra de Kepler:

“Nos   anos   de   1620,   o   astrônomo   alemão   Johannes   Kepler   estava  procurando   elaborar   tabelas   que   pudessem   predizer   a   posição   dos  vários  planetas  no  céu,  em  qualquer  tempo  determinado,  no  futuro.    

Não   era   uma   tarefa   nova.   Os   antigos   babilônios   haviam   preparado  tabelas  dessa  espécie;  o  mesmo  haviam  feito  os  gregos,  e  também  os  eruditos  medievais.  Alguns  deles  estiveram  interessados  no  problema,  porque   tinha   significação   astrológica;   outros,   porque   permitia   lançar  uma  vista  de  olhos  na  mecânica  que  fazia  o  Universo  funcionar.  

Kepler  estava  interessado,  de  coração,  pelos  dois  aspectos,  e  também  teve   pela   frente   uma   tarefa   enormemente   difícil.   Sem   dúvida,   ele  possuía   o   registro   de   cuidadosas   observações   em   torno   das   posições  planetárias,   do  passado.   Tinha,   igualmente,   uma  nova   teoria   que   ele  mesmo  elaborara  –  a  de  que  os  planetas  não  se  moviam  em  círculos  ao  redor  do  Sol,  e  sim  em  elipses.  

Os   cálculos,   pois,   teriam  de   ser   feitos   na   base   da   nova   teoria,   e   não  eram,  de  forma  alguma,  parecidos  com  os  que  haviam  sido  feitos  por  astrônomos  anteriores.  Kepler  estava  trabalhando  em  terreno  novo,  e  tinha  de   fazer   certa   quantidade  de  multiplicações   e   divisões.   Isso   lhe  tomaria  um  tempo  enorme,  e  a  cada  passo  haveria  a  oportunidade  de  erros   aritméticos,   de   modo   que   ele   se   via   obrigado   a   controlar   e  recontrolar.  Já  contava  com  50  anos  de  idade,  e  a  duração  da  vida  não  era   longa  naqueles   tempos.  Viveria  ele  o  suficiente  para  ver  o   fim  do  seu  trabalho?  

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Felizmente,  um  matemático  escocês,  John  Napier,  havia  concebido  um  sistema   daquilo   que   ele   denominou   “logaritmo”.   Em   1614,   produziu  longas  tabelas  em  que  cada  número  tinha  outro  número  –  o  logaritmo  –  alistado  para  ele.  Se  se  somassem  os  logaritmos  de  dois  números,  o  resultado   seria   o   logaritmo   do   produto   dos   números.   Somando   (e  fazendo  uso  da  tabela),  fazia-­‐se  o  trabalho  da  multiplicação.  

De   igual   maneira,   se   se   subtraísse   o   logaritmo   e   um   número   do  logaritmo   de   outro   número,   o   resultado   seria   o   logaritmo   do  quociente.  Subtraindo,  fazia-­‐se  o  trabalho  da  divisão.  

É   mais   fácil   somar   do   que   multiplicar,   e   mais   fácil   subtrair   do   que  dividir.   Deste   modo,   o   uso   dos   logaritmos   proporcionava   um   atalho  tremendo  no  campo  dos  cálculos  aritméticos.  

Com  grande  alívio,   Kepler   agarrou  a   tábua  de   logaritmos,   e   pô-­‐la  no  primeiro  uso  importante  da  História.  A  tarefa,  ainda  assim,  lhe  tomou  longo  tempo;  mas,  então,  ele  pôde  concluir  o  trabalho  dentro  daquilo  que   lhe  restou  de  vida.  Suas  tabelas  planetárias  foram  publicadas  em  1627,   e   foram   as   melhores   produzidas   até   àquele   tempo.   Kepler  morreu  em  1630.  

Entretanto,   os   logaritmos   são   um   dispositivo   de   computação,   nada  mais.   Eles   não   acrescentaram   idéia   alguma   à   cabeça   de   Kepler.   A  noção   de   traçar   órbitas   planetárias   em   eclipses,   em   lugar   de   em  círculos,  de  colocar  o  Sol  em  uma  posição  particular  dentro  da  órbita,  de  fazer  com  que  os  planetas  se  movessem  com  velocidades  diferentes,  de  acordo  com  as  suas  distâncias  cambiantes  em  relação  ao  Sol,  estas  foram  as   idéias  de  Kepler.  Elaborar  as  conseqüências  desta   idéia,  por  meio   de   computação   aritmética,   foi   meramente   um   detalhe,   um  detalhe  tedioso  e  consumidor  de  tempo.  

Mesmo   com   logaritmos,   a   tarefa   de   Kepler   levou   anos,   e   enquanto  Kepler,   com   sua   mente   de   primeira   classe,   andava   ocupado  resmungando   seus   números,   não   tinha   tempo   de   pensar   em   idéias  adicionais  também  de  primeira  classe.  

Pode-­‐se   ser   criativo,   ou   pode-­‐se   passar   o   tempo   todo   somando   e  subtraindo;  o  que  não  se  pode  é  fazer  as  duas  coisas  juntas.  

Imagine-­‐se,  porém,  que  Kepler  pudesse   recorrer  a  dispositivos  que   se  encontravam  a  três  séculos  no  seu  futuro.  Suponha-­‐se  que  ele  pudesse  fazer  uso  de  um  computador  eletrônico  –  um  computador  com  súbitas  correntes  elétricas,  movendo-­‐se  com  a  velocidade  da  luz,  reproduzindo  as  normas  da  aritmética  mas  obedecendo  a  essas  normas  cem  milhões  

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de  vezes  mais  rapidamente  do  que  o  possa  fazer  a  mente  humana  –  e  isso  sem  errar.  

Um  par  de  anos  atrás,  os  dados  sumários  de  Kepler  foram,  com  efeito,  postos   num   computador   eletrônico;   o   computador,   a   seguir,   foi  programado   para   fazer   a   tarefa   da   aritmética   que   exigira   de   Kepler  vários   anos   para   ser   feita,   mesmo   com   logaritmos.   O   computador  completou  a  tarefa  em  oito  minutos!  

O  computador  era  mais  inteligente  do  que  Kepler?  Naturalmente,  não.  Ele  não  era  mais  intelectual  do  que  uma  tábua  de  logaritmos,  mas  era  tremendamente  mais  complicado  que  ela.  O  computador  eletrônico  é  muito   mais   capacitado   que   uma   tábua   de   logaritmos   para   realizar  essas  tarefas  mentais,  que  são  tediosas,  repetitivas,  estultificadoras  e  degradantes,  deixando  para  os  seres  humanos  o  trabalho  muito  mais  importante  do  pensamento  criativo  em  todos  os  campos,  desde  a  arte  e  a  literatura  até  a  ciência  e  a  ética.  

O   aparecimento   do   computador   eletrônico,   nos   anos   de   1940,  introduziu  uma   revolução  na  história  da  mente  humana.  Trata-­‐se,  de  certa   maneira,   de   uma   revolução   atemorizante,   uma   revolução   que  retira,   dos   seres   humanos,   o   fardo   com   o   qual   temos   estado  acostumados   por   tão   longo   tempo,   que   parece   que   se   tornou   quase  que   parte   da   condição   humana.   Sem   ele,   muitos   temem   que  definhemos...  Mas  isto  não  pode  ser  assim,  porquanto  não  equivale  a  desumanizar   o   ato   de   deixar   as   máquinas   fazerem   o   trabalho  desumanizador.  Deixá-­‐las  fazer  isso,  ao  contrário,  torna  o  ser  humano,  finalmente,  verdadeiramente  humano.”  (329)


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