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Mapeando a Vigilância Corporativa na Internet Brasileira: privacidade e transparência no Google e...

Date post: 04-Nov-2023
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1 Mapeando a Vigilância Corporativa na Internet Brasileira Privacidade e Transparência no Google e Facebook Vitor Blotta e Bruno Conrado Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós-Graduação apoio: World Wide Web Foundation Resumo dos Resultados da Pesquisa Outubro de 2015
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Mapeando a Vigilância Corporativa na Internet Brasileira Privacidade e Transparência no Google e Facebook

Vitor Blotta e Bruno Conrado

Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós-Graduação apoio: World Wide Web Foundation

Resumo dos Resultados da Pesquisa Outubro de 2015

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Mapeando a Vigilância Corporativa na Internet Brasileira: privacidade e

transparência no Google e Facebook

Vitor Blotta

Escola de Comunicações e Artes da USP

Núcleo de Estudos da Violência da USP

Introdução

Este capítulo resume os resultados da pesquisa “Mapeando a Vigilância Corporativa

na Internet Brasileira: privacidade e transparência no Google e Facebook”, realizada

entre 2013 e 2015 pela Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-

Graduação (ANDHEP), com apoio da World Web Foundation. A pesquisa procurou

analisar os termos de uso e as políticas de privacidade do Google e Facebook no

Brasil, com base em padrões nacionais e internacionais de proteção da privacidade na

internet. Além disso, mapeou os casos judiciais cíveis sofridos pelas empresas desde

seu funcionamento até 2014 no país, e entrevistou profissionais e especialistas no

assunto.

Além dos descompassos das políticas de privacidade com a legislação nacional e

internacional sobre o tema, os dados destacam uma crescente judicialização dos

conflitos entre privacidade, direitos de imagem e liberdade de informação nas

relações entre essas empresas e seus usuários desde sua criação, com aumento

significativo de ações judiciais após a aprovação do Marco Civil da Internet.

Independentemente dos resultados dessas disputas jurídicas, o crescimento do

descontentamento com esses serviços indica que os direitos da privacidade não são

tão desvalorizados pelos usuários da internet como se poderia pensar, e que o uso das

informações privadas pelas empresas tem sido vistos cada vez mais como abusivos

pelos usuários.

Diante desse cenário, além de se propor uma maior adaptação a legislações

internacionais e nacionais, ao considerar as inter-relações da privacidade com a

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transparência, passa a ser justificável demandar uma publicização mais qualificada

dos termos de uso desses serviços de comunicação digital e suas políticas de

privacidade, como forma de compensar sua opacidade em relação aos usuários e

possivelmente contornar essa escalada de conflitos. Cada vez mais o licenciamento

consensuado e claro dos direitos de privacidade e liberdade de informação envolvidos

nesses contratos se tornam essenciais para a manutenção da qualidade dos serviços de

comunicação digital.

Privacidade em tempos de antagonismos entre direitos e liberdades

A inserção crescente da internet no cotidiano do Brasil transformou-a num dos

espaços mais visíveis de uma radicalização das tensões entre público e privado que

vem ocorrendo nas sociedades ocidentais. Nesse cenário, passa a haver uma relação

de antagonismo, ou de exclusão mútua entre direitos e liberdades (Mouffe, 2014). Em

nosso caso, entre aquilo que deveria ser de livre conhecimento de todos e circular nos

espaços públicos - a liberdade de informação -, e aqueles espaços, criações,

elementos e bens pessoais e íntimos que não deveriam ser de interesse ou acesso de

ninguém, a não ser do próprio indivíduo - a privacidade e a vida privada.

A pesquisa aqui resumida utilizou-se de concepções ao mesmo tempo plurais e

pragmáticas de privacidade e vigilância, seguindo leituras contemporâneas nos

campos da sociologia, da teoria política, da comunicação e do direito (Solove, 2008;

Nissenbaum, 2010; Dawes, 2011; Leonardi, 2012; Karanicolas, 2014). Isso significa

que consideramos a privacidade como um conjunto relativo e não hierarquizado de

valores e bens ligados à vida privada e à personalidade como um todo, mas cujos

sentidos e limites mais específicos dependem de contextos e casos concretos, ainda

que sujeitos a tensões permanentes entre interesses públicos e privados. Mesmo com

essa abertura conceitual, buscamos fazer as delimitações necessárias às interpretações

sobre privacidade na internet e as políticas de privacidade do Google e Facebook,

além da análise dos processos judiciais envolvendo as duas empresas.

Para definir outro conceito importante da pesquisa, entendemos que praticam atos de

vigilância corporativa (corporate surveillance) na internet aquelas empresas ou

instituições privadas que detém, utilizam, invadem ou transmitem, de forma não

consentida ou conhecida informações privadas dos seus usuários. Esses atos podem

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ocorrer por violações de correspondência e invasões feitas por indivíduos ou

pequenos grupos, até sistemas mais sofisticados de controle e administração de

informações pessoais e correspondência de usuários, muitos dos quais pretendem um

uso legítimo dessas informações. Mas mesmo com sua variedade, esses atos parecem

todos resultar de oposições entre interesses de liberdade de informação e privacidade.

Situações de “troca” necessária entre direitos (rights trade-off) são também comuns

nos canais privados de internet. Há diversas situações contratuais de políticas de uso

de serviços de internet nas quais o usuário precisa “optar” por um direito em

detrimento de outros. Para se ter acesso a um canal gratuito, ou mesmo pago de

informação na rede - liberdade de informação na internet -, é necessário dispor de

informações pessoais e abdicar do direito de não ter sua correspondência acessada

parar quaisquer fins, caso não queira - privacidade. O mesmo ocorre nas tensões entre

privacidade e segurança, levando a situações de “tudo ou nada” (Solove, 2007).

É o preço que se paga para um serviço de qualidade e gratuito, o que ninguém

também quer abdicar, dizem representantes das empresas. Alguns usuários

confirmam, mas não há pesquisas que atestam que eles não prefeririam pagar alguma

quantia para não ter suas informações utilizadas, ou não ser expostos a propagandas

comerciais. Isso porque não existe esta opção no mercado mais “popular” da

comunicação na internet, que é composto pelas contas de e-mails, sites de busca e

outros serviços informação e entretenimento e redes sociais, e cuja fonte de

manutenção e capital básica é a publicidade comercial.

Aliás, pesquisa na área da comunicação e psicologia (Baek, 2014) indicou que a

opinião de usuários sobre privacidade na internet só pode ser captada mais

precisamente por meio de relatos em grupos focais, e não por surveys, dado que as

pessoas não estão acostumadas a refletir a respeito daquilo que é comprometido no

uso de ferramentas do espaço digital, especialmente usuários comuns. Isso se

demonstra pelo fato de que aqueles que são muito preocupados com sua privacidade

no cotidiano estranhamente assumem, ou estão dispostos a assumir na internet,

comportamentos que colocam sua privacidade em risco.

É inegável que o uso de ferramentas de comunicação online se tornou extensão

fundamental da liberdade de informação, de expressão e da própria privacidade no

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mundo contemporâneo, sem o que esses direitos não podem mais ser

satisfatoriamente exercidos. Mas quando não há alternativas em canais públicos, os

contratos firmados entre os usuários e as empresas privadas de informação na internet

se tornam contratos de adesão, nos quais as cláusulas não estão em negociação.

Mesmo com algumas opções sobre qual nível de publicidade o usuário quer dar às

suas mensagens, ou se aceita os termos gerais, ou não se utiliza a ferramenta.

Além disso, o grau de publicização e disponibilidade das informações dos usuários às

empresas que prestam esses serviços nunca está em jogo, nem mesmo a licença que os

usuários são obrigados a conceder em relação ao conteúdo que produzem, já que,

afinal, são os detentores dos direitos autorais sobre essas informações. Sem essa

licença as plataformas não poderiam reproduzir, manipular ou comercializar esses

dados sem a sua autorização, em cada uso singular.

Ainda que esse tipo de contrato não seja ilegal - e há outros exemplos de contrato de

adesão nas relações de trabalho, consumo e serviços -, caso ele não se adeque à

legislação ou desrespeite direito fundamental, suas cláusulas podem ser consideradas

nulas pela justiça, bem como aquelas em que o contraente abdica de direito

fundamental. Para contornar essa disparidade entre os indivíduos e empresas no

direito do trabalho e do consumidor, os primeiros são considerados as partes mais

fracas, e por isso recebem proteção jurídica. Então o que dizer no caso do consumo de

serviços de informação na internet? É justo que para acessar de modo gratuito essa

dimensão fundamental do direito à informação, garantida pelos canais corporativos de

comunicação e acesso à informação na internet, os usuários devam necessariamente

abdicar de sua privacidade e se expor à publicidade comercial?

Desigualdades estruturais e democratização do acesso à internet no Brasil

Outra situação de vulnerabilidade de direitos de informação na internet que, apesar de

não ser foco desta pesquisa, vale registrar, é a questão da inclusão digital. Os níveis

nacionais e as desigualdades regionais de acesso à rede ainda são marcantes quando

comparadas com países da Europa e América do Norte. No entanto, com o

barateamento da tecnologia, o aumento do acesso à rede mundial por meio da

telefonia móvel e o Plano Nacional da Banda Larga, o crescimento do acesso à

internet no território brasileiro tem sido exponencial.

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Os informes logo ficam desatualizados. Em estudo publicado no início de 2014 pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ligado à Secretaria de Assuntos

Estratégicos da Presidência da República, 49% dos domicílios brasileiros tinham

acesso à banda larga, sendo 52% a percentagem de acesso na Região Sudeste, 43% na

região Sul, 41% na Região Centro-Oeste, 29% na Região Nordeste e 21% na Região

Norte.

Já dados de setembro de 2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)

do IBGE mostram que mais da metade dos brasileiros têm acesso à internet em suas

residências. Na nova avaliação, as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste superam a

média nacional, com respectivamente 58%, 55% e 54%. Note-se, no entanto, que as

regiões Norte e Nordeste, com respectivamente 39% e 38% de acesso demonstram

crescimento mais expressivo do que as do Sudeste e Sul neste curto período.

A internet móvel também é um dos serviços que mais aumentou nos últimos tempos.

De acordo com a mesma pesquisa do Pnad, entre 2012 e 2013 houve crescimento de

6% neste acesso, atingindo 51% dos domicílios acessam à internet por telefone

celular, o que significa 34,6 milhões de domicílios atendidos.

Obviamente, não se pode esquecer que essa democratização do acesso não significa

uma democratização de provedores e empresas de internet ou de telecomunicações e

informática. Estudos como a Economia política da internet, de César Bolaño et. al.

(2003), demonstram que são cada vez mais concentrados os mercados de provimento

de conexão, com a American Online nos EUA e a Universo Online no Brasil, as

empresas de software e hardware, como a Apple e a Microsoft e as plataformas de

comunicação social e interpessoal na internet, nas quais têm grande destaque o

Google e o Facebook. Ambas têm crescido por meio da compra de outros serviços,

como o Whatsapp pelo Facebook e o Youtube pelo Google, e a diversificação de seus

produtos, buscando se tornar plataformas de convergência de redes sociais e de acesso

e compartilhamento de informação (Solomon, 2014).

O Brasil é o quinto país no mundo com mais usuários de internet, e um dos países nos

quais as pessoas mais usam redes sociais no mundo, sendo só não maior

proporcionalmente do que a percentagem de acesso nos Estados Unidos (99% contra

99,7%). Ainda assim, o número de acessos a essas redes por mês no Brasil é maior do

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que nos EUA (30,6 contra 30,3). A plataforma de busca do Google tem no Brasil 82%

dos acessos a buscadores, enquanto que o Facebook tem 89 milhões de usuários

mensais, o que representa em torno de 80% dos usuários de internet no país.

Mundialmente, no entanto, o Google perde para o Facebook em número de acessos

únicos (836,7 X 782,8 milhões por dia), com o Youtube (também do Google) em

terceiro lugar (721,9 milhões)

Não existe privacidade na internet? processos judiciais e consentimento não

informado

No meio desse panorama, como fica então a questão do controle das informações

pessoais? Daniel Solove (2008) indica que esta é a liberdade fundamental atrelada à

privacidade, a de se controlar o fluxo de informações privadas para espaços públicos.

Quais dados são ou não usados, consentidamente ou não, pelos serviços de

comunicação online? O que são, afinal, essas tais “políticas de privacidade”? Afinal,

quase nenhum usuário comum desses serviços lê suas políticas e os “termos de uso”,

mas as aceitamos mesmo assim.

As constatações de que muito poucos lêem os contratos, de que os sites não têm como

saber com certeza se os usuários de fato o fazem, e até mesmo de que a leitura de

todos os termos consumiria um tempo exorbitante levantam várias questões, algumas

das quais procuramos responder na pesquisa em relação Brasil. A primeira delas é se

há uma relativização da privacidade no espaço digital, e se sim, quais são suas

características e possíveis impactos sobre essa liberdade moderna no mundo

contemporâneo. O que ficou claro é que fazer esta pergunta está longe de dizer que

ninguém mais se importa com sua privacidade, ou que não existe privacidade no

ciberespaço.

Pelo contrário. Foram identificados na pesquisa altos e crescentes números de

processos judiciais cíveis sofridos pelo Google e o Facebook no Brasil, especialmente

após a aprovação do Marco Civil da Internet. A grande maioria é de autoria de pessoa

física e referente à indenização por dano moral, direito de imagem e obrigação de

retirar informação. Isso torna claro que há muitas pessoas que se sentem lesadas em

sua privacidade por serviços de empresas de internet no Brasil. Para se ter uma ideia,

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no Estado de São Paulo, onde há o maior número de processos do país, esta é sua

evolução até o final de 2014:

Processos judiciais cíveis 1a instância registrados dos sites dos Tribunais de Justiça do

Estado de São Paulo.

Procs cíveis TJSP

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 total

Google 5 31 30 50 49 90 86 87 160 588

Facebook 7 76 234 310 617

O crescimento do número de processos do Facebook é realmente impressionante, pois

passa o número total do Google, apesar de ter a metade do tempo como réu em

processos ligados à privacidade, imagem e direito à informação.

Foi feito também um levantamento do número de todos os processos cíveis da

primeira instância sofridos pelas duas empresas no Brasil, segundo os sites dos

Tribunais de Justiça de 26 Estados. Com uma média do número de processos por

região, temos a seguinte situação até 20131:

                                                                                                               1  Agradeço   a   Altay   Souza   pelo   estabelecimento   das   médias   por   região   e   pela   montagem   dos  gráficos  aqui  presentes.  

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Ainda que esses números possam ser reflexo da inserção e crescimento dessas

empresas no mercado nacional, e elas de fato se popularizaram nos mesmos anos em

que passaram a ser processadas (Google desde 2006 e Facebook desde 2011), ou

mesmo desse fenômeno social mais amplo de antagonismo entre as liberdades

públicas e privadas mencionado acima, esses casos de violação da privacidade por

canais digitais nos obrigou a enfrentar a indagação sobre se as políticas de privacidade

do Google e o Facebook estão adequadas aos marcos normativos nacionais e

internacionais sobre privacidade.

Ao relacionar as políticas de privacidade dessas empresas com normas internacionais,

constitucionais e agora especiais que vigoram no Brasil, como a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, o Charter for Human Rights and Principles for the Internet,

promovido pelo Fórum pela Governança da Internet das Nações Unidas, e sobretudo o

Marco Civil da Internet, que colocou o Brasil ao posto de primeiro país do mundo a

aprovar uma consolidação específica de normas sobre internet, começa a ficar claro

que há sim, apesar das melhoras nos termos e sua publicidade, situações de violação

de determinações internacionais e locais sobre privacidade nesses contratos, como

licenças irrecuperáveis, transmitidas a “parceiros confiáveis”, a violação do princípio

da privacidade como padrão e a não retirada de conteúdos após a saída do usuário.

Nessa perspectiva mais jurídica e normativa da pesquisa, perguntamos também qual é

a natureza da autonomia da vontade que se dá no momento da “assinatura” desses

contratos com canais de comunicação na internet. Essa pergunta é fundamental para

podermos distinguir se se tratam de consentimentos informados ou não informados, o

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que, se não vicia juridicamente a manifestação da vontade, comprova a ausência de

um de seus elementos fundamentais: o conhecimento das cláusulas contratuais, sem o

qual a relação contratual pode mesmo acabar em violações de direitos e ações

judiciais.

Relativização ou extensão da privacidade na internet? transparência e novos direitos

Nossa proposta central para amenizar essas tensões entre liberdade de informação e

privacidade - e alguma coisa já tem sido feita gradativamente nesse sentido por

empresas como Google e Facebook - é compensar a relativização da privacidade e o

desconhecimento dos termos dos contratos com iniciativas de transparência e

comunicação das políticas de uso e privacidade, seja por meio de tutoriais com

formatos atraentes, avisos regulares, informes de mudanças, ou mesmo participação

dos usuários na discussão, e porque não, nas decisões pontuais e estruturais sobre as

políticas de privacidade e termos de uso.

Esse tipo de trabalho poderá não só diminuir as tensões e ações judiciais entre

usuários e as plataformas, mas também melhorar as relações de confiança e entre eles,

e consequentemente, a própria rentabilidade das empresas. Nesse momento, a

publicidade no sentido de transparência contratual, ou de publicização adequada das

informações relativas às políticas de privacidade e termos de uso, poderá ser, ao final,

um outro insumo para essas empresas de internet, além da publicidade comercial.

Ao mesmo tempo, novas legislações sobre internet, privacidade e proteção de dados

resultantes de movimentos anti-vigilância e ações judiciais contra experiências de

violação de direitos no ciberespaço, têm dado condições para o surgimento de novos

direitos, ou antes, novas expressões dos direitos que compõem a privacidade na

internet: a possibilidade de remoção de conteúdos em caso de violação da imagem ou

honra a partir do direito de ser esquecido, como extensão do direito de ser deixado em

paz; o anonimato na internet, que é reconhecido pela ONU como uma das conquistas

da privacidade e da liberdade de informação na internet, mas que ainda sofre grande

ameaças, como no caso do polêmico aplicativo Secret. Isso significa que a cultura da

vigilância conseguiu tornar o anonimato uma “escusa para se cometer delitos sem ser

identificado”, mesmo que na internet seja sempre possível rastrear responsáveis em

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caso de investigação criminal com autorização judicial, como na quebra de sigilo

bancário.

O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), que consolida essas novas dimensões dos

direitos da privacidade, também se associa a outros institutos jurídicos importantes,

como o direito do consumidor, que obriga os serviços a apresentar informações claras

e compreensíveis sobre seus produtos, e considera o consumidor - neste caso o

consumidor informacional - a parte a ser protegida em processos judiciais.

Também são importantes nesse sentido alguns remédios constitucionais, como o

habeas data, que é o direito de se obter de órgãos públicos informações sobre a sua

pessoa, que poderia ser aplicado de maneira análoga com empresas de internet. O

direito à informação é invocado em algumas ações analisadas na pesquisa, bem como

se pode propor a promoção de ações coletivas na área, uma vez que muitos

consumidores podem ser lesados de uma vez, ou por diversas ações semelhantes.

Nesses casos, caberia ao Ministério Público Federal representar a sociedade, como já

o fez em Termo de Ajustamento de Conduta com o Google em 2008, para o auxílio da

empresa no fornecimento de dados sobre suspeitos de pedofilia na internet.

Num mundo de ultra publicidade, tanto comercial quanto de exposição da

privacidade, mas também de imposição de vontades privadas sobre interesses

públicos, colocamos em risco dimensões fundamentais da formação de nossas

personalidades. Enquanto reclamamos dos graves problemas de transparência das

instituições públicas, esquecemos de nos atentar também para como estão sendo

publicizadas nossas informações pessoais e comunicações virtuais em canais privados

de comunicação na internet. Por isso há movimentos sociais e institucionais, no Brasil

e em outros países, para a aprovação de leis de proteções de dados não somente em

relação ao Estado, mas também das empresas que os detém.

Quanto mais a sociedade toma consciência de problemas como a vigilância privada

ou corporativa na internet, menos será necessário apelar para a via da desconfiança e

do litígio com essas empresas, e mais se poderá trabalhar no campo da prevenção de

conflitos, com maior equilíbrio e conciliação de interesses entre privacidade e

liberdade de informação, de indivíduos, grupos ou empresas de comunicação. Este

parece ser o melhor caminho, ou ao menos um que evite que esse antagonismo entre

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liberdades e direitos tão fundamentais e complementares da democracia de massa, não

prejudicando ambas na administração desses crescentes conflitos de comunicação.

Bibliografia BAEK, Y. M. Solving the privacy paradox: A counter-argument experimental approach. Computers in Human Behavior 38 (2014) 33–42 BOLAÑO, C. HERSCOVICI, A. CASTAÑEDA, M. VASCONCELOS, D. Economia Politica da Internet. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2003. DAWES, S. Privacy and the Public/Private Dichotomy. Thesis Eleven. vol. 107 no. 1. November 2011, p. 115-124. DAWES, S. Privacy and the Freedom of the Press: A False Dichotomy. In Media and Public Shaming: Drawing the Boundaries of Disclosure, edited by Julian Petley. London: I.B. Taurus, 2003.

KARANICOLAS, M. Travel Guide to the digital world: Surveillance and International Standards. Centre for Law and Democracy. London: Global Partners Digital, 2014. LEONARDI, M. Tutela e Privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012. MOUFFE, C. Democracy, human rights and cosmopolitanism: an agonistic approach. In: The meaning of rights: the philosophy and social theory of human rights. Cambridge University Press, Cambridge, 2014, pp. 181-192. NISSENBAUM, H. Privacy in Context: Technology, Policy, and the Integrity of Social Life. Stanford: Stanford University Press, 2010. SOLOVE, D. “I’ve got nothing to hide” and other misunderstandings of privacy. San Diego Law Review, Vol. 44, p. 745, 2007 SOLOVE, D. Understanding Privacy. Boston: Harvard, 2008.

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