+ All Categories
Home > Documents > O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles

O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles

Date post: 06-Feb-2023
Category:
Upload: unicamp
View: 1 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
154
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA O ARAUTO DA CULTURA PARAENSE: UMA HISTÓRIA INTELECTUAL DE VICENTE SALLES Alessandra Regina e Souza Mafra BELÉM/PA 2012
Transcript

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O ARAUTO DA CULTURA PARAENSE: UMA HISTÓRIA INTELECTUAL DE

VICENTE SALLES

Alessandra Regina e Souza Mafra

BELÉM/PA

2012

O ARAUTO DA CULTURA PARAENSE: UMA HISTÓRIA INTELECTUAL DE

VICENTE SALLES

Alessandra Regina e Souza Mafra

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa dePós-Graduação em História do Instituto deFilosofia e Ciências Humanas da UniversidadeFederal do Pará, como requisito parcial para aobtenção do grau de Mestre em História.Orientadora: Prof.ª Dr.ª Magda Maria de OliveiraRicci.

Belém/Pará

2012

O ARAUTO DA CULTURA PARAENSE: UMA HISTÓRIA INTELECTUAL DE

VICENTE SALLES

Alessandra Regina e Souza Mafra

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa dePós-Graduação em História do Instituto deFilosofia e Ciências Humanas da UniversidadeFederal do Pará, como requisito parcial para aobtenção do grau de Mestre em História.Orientadora: Prof.ª Dr.ª Magda Maria de OliveiraRicci.

Data de aprovação: 14/06/2012

Banca Examinadora:

__________________________________________________________Prof.ª Dr.ª Magda Maria de Oliveira Ricci - Orientadora - (PPHIST/UFPA)

__________________________________________________________Prof.ª Dr.ª Silvana Barbosa Rubino - Examinadora Externa - (UNICAMP)

__________________________________________________________Prof. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo - Examinador Interno - (PPHIST/UFPA)

__________________________________________________________Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto - Examinador Suplente - (PPHIST/UFPA)

Belém/Pará2012

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)

Mafra, Alessandra Regina e SouzaO arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles / Alessandra

Regina e Souza Mafra ; orientadora, Magda Maria de Oliveira Ricci - 2012.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2012.

1. Pará - História. 2. Salles, Vicente, 1931 - Vida intelectual. 3. Folcloristas - Pará. 4.Cultura. 5. Literatura brasileira - Pará. Título.

CDD - 22. ed. 981.15

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por ter me concedido saúde, equilíbrio e estímulo para a

realização deste estudo.

Aos meus pais José Ferreira Mafra (in memorian) e Maria Raimunda e Souza Mafra, pela

educação que me deram, e pelas oportunidades que me proporcionaram ao longo da minha

vida. Serei grata eternamente.

Aos meus irmãos, Marcelo, Ricardo e Márcia, agradeço as palavras de motivação que eram

ditas constantemente, principalmente, por saberem exatamente o que representa esse

momento.

Aos meus sobrinhos José Vinícius e Evelyn, que me trouxeram muitas alegrias e a

satisfação de ser tia. Ao meu cunhado Mauro Vieira pelo apoio, e ao meu padrinho

Fernando, pelo exemplo de comprometimento e seriedade com os estudos.

Ao companheiro Daniel Barroso, pelo amor, pela dedicação e pelo respeito pessoal e

profissional que dispensa a mim, todos os dias. Agradeço imensamente a leitura e as

observações feitas a este trabalho.

Agradeço a minha sogra, Rosana Barroso, pelo apoio incondicional. Ao Sr. Jair Barroso

Filho, Rafaela Barroso e Zoé Penna.

As amigas, Elane Gomes e Andréa Pastana, pelo apoio de sempre. A Adriana Coimbra por

ter me encorajado nesta pesquisa. E aos companheiros da turma de mestrado 2010: Nonato,

Helder, Walter, Luizinho, Sheila e Sueny. As amigas de São Paulo: Maria Blassioli e Sônia

Troitiño.

A minha orientadora, Profª Magda Ricci, por ter me direcionado nesta empreitada, sempre

demonstrando elegância e paciência, sem deixar de ser crítica. Sou grata pela atenção,

pelas sugestões, e pela confiança ao longo deste estudo.

Ao Prof. Aldrin Figueiredo por ter acreditado neste estudo quando eram apenas alguns

rabiscos de projeto, e por ter me mostrado caminhos pertinentes para a construção desta

dissertação.

A Profª Silvana Rubino, por ter aceitado ao convite de participar desta banca e por dispor

do seu tempo à leitura deste estudo.

Aos professores da Faculdade de História: Márcio Couto Henrique, Didier Lahon, Mauro

Coelho e José Maia Bezerra Neto. A este último, sou grata pelas considerações e sugestões

feitas no exame de qualificação.

Aos funcionários e estagiários do Museu da Universidade Federal do Pará, especialmente,

a Carmem Afonso (Minô) pelas dicas e orientações “dentro” da Coleção Vicente Salles e a

Raquel, bibliotecária do MUFPA.

Ao Professor Vicente Salles, por ter recebido esta pesquisa de forma carinhosa e atenciosa.

Sou grata pelas entrevistas, pelas conversas que tivemos algumas vezes na biblioteca do

MUFPA, e pelas fontes que foram a mim repassadas pessoalmente. Agradeço a Sra.

Marena Salles, pela atenção dispensada quando dos encontros acima citados.

Ao CNPq que financiou este estudo.

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS

LISTA DE IMAGENS

RESUMO / ABSTRACT

INTRODUÇÃO ......................................................................................... 01

CAPÍTULO I: VICENTE SALLES E A PRÁTICA DO COLECIONISMO.......... 11

1.1 “Momentos-chave” da vida e da obra de Vicente Salles ......................................12

1.2 Vicente Salles e a Revista Brasileira de Folclore .................................................27

1.3 Construindo um acervo... .....................................................................................38

CAPÍTULO II: DO FOLCLORISMO À HISTÓRIA DA CULTURA: O PERCURSO

CONSTRUÍDO POR VICENTE SALLES .....................................................492.1 Salles, seus diálogos e conceitos sobre o folclore ................................................50

2.2 Vicente Salles e sua pesquisa de campo ...............................................................68

2.3 Contos e Mitos Amazônicos: fontes orais a partir da obra de Vicente Salles ......74

2.4 O “encaminhamento” das pesquisas folclóricas para a história cultural............. 83

CAPÍTULO III: PARA ALÉM DO SENSO COMUM: OUTROS ASPECTOS PARA A

COMPREENSÃO DA TRAJETÓRIA DE VICENTE SALLES.......................... 863.1 Situando a produção sobre o negro na Amazônia e no Brasil ..............................88

3.2 História e Narrativa: entre o político e o cultural ...............................................100

3.3 Um diálogo entre Vicente Salles e seus leitores: a recepção da obra O Negro no Pará

sob a ótica das correspondências ..............................................................................108

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... ....... 121

FONTES ...............................................................................................123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................126

ANEXOS ..............................................................................................134

LISTA DE SIGLAS

MUFPA- Museu da Universidade Federal do Pará

CNFL- Comissão Nacional de Folclore

CDFB- Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro

RBF- Revista Brasileira de Folclore

CEDENPA- Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará

APL- Academia Paraense de Letras

IBECC- Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura

ABM- Academia Brasileira de Música

IAP- Instituto de Artes do Pará

IEB- Instituto de Estudos Brasileiros

MEC- Ministério da Educação e da Cultura

CEC/PA- Conselho Estadual de Cultura do Pará

CFC- Conselho Federal de Cultura

SPHAN- Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

FUNARTE- Fundação Nacional de Artes

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1.1 - FOTO DE VICENTE SALLES AOS 21 ANOS (1952)........................................... P. 14

FIGURA 1.2 - VICENTE SALLES DIRIGINDO O MUTIRÃO QUE ORGANIZOU A BIBLIOTECA DO

FOLCLORE (1960).............................................................................................................. P. 16

FIGURA 1.3- CAPA DO ENSAIO “O EXILADO DO RANCHO FUNDO” (DÉCADA DE 1950)...... P. 23

FIGURA 1.4 - INAUGURAÇÃO DA “EXPOSIÇÃO DE ARTE POPULAR” (1965)........................ P. 29

FIGURA 1.5 - EDSON CARNEIRO EXIBINDO PASTAS DE DOCUMENTAÇÃO DA BIBLIOTECA DO

FOLCLORE.......................................................................................................................... P. 33

FIGURA 3.1 - VICENTE SALLES NUMA MANIFESTAÇÃO ESTUDANTIL CONTRA O REGIME MILITAR

(1964)................................................................................................................................. P. 94

FIGURA 3.2 - CAPA DA 1ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (1971)........................................ P. 98

FIGURA 3.3 - CAPA DA 2ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (1988)........................................ P. 99

FIGURA 3.4 - CAPA DA 3ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (2005)........................................ P. 99

RESUMO

Esta dissertação objetiva investigar a trajetória intelectual do pesquisador e folcloristaparaense Vicente Salles. Com esse propósito, procura-se apresentar um panorama geral daprodução intelectual deste pesquisador, partindo da compreensão dos seus estudos, das suaspesquisas, das experiências profissionais e pessoais, das suas influências e linhas depensamento. Trata-se de um intelectual polígrafo que, ao longo da sua vida trabalhou,colecionou e escreveu sobre os mais variados temas, como o negro, o folclore e a música, porexemplo. Este estudo se caracteriza por não apresentar o trajeto de um indivíduo como algopreso a acontecimentos lineares e nem delimitado em uma biografia, na forma usual do termo,mas sim a partir de “momentos-chave” da vida de Vicente Salles.

PALAVRAS-CHAVE: Vicente Salles; Amazônia; Cultura; Folclore, História Intelectual.

ABSTRACT

This dissertation aims to investigate the intellectual trajectory of the Amazonian researcherand folklorist Vicente Salles. For this purpose, we seek to present an overview of theintellectual production of the researcher, based on the understanding of their studies, theirresearch, the personal and professional experiences, their influences and lines of thought. It isan intellectual polygraph that, throughout his life worked, collected and wrote on varioustopics, such as the negro, the folklore and the music, for example. This study is characterizedby not showing the path of an individual as something tied to events or linear and bounded ina biography in the usual form of the word, but from "key moments" of life Vicente Salles.

KEY-WORDS: Vicente Salles; Amazon; Culture; Folklore, Intellectual History.

1

INTRODUÇÃO

A presente dissertação investiga a trajetória intelectual do pesquisador e folclorista

paraense Vicente Salles, partindo da compreensão dos seus estudos, do desenvolvimento

de suas pesquisas, e das suas experiências profissionais e pessoais. Analisamos, sem uma

preocupação cronológica rígida, os caminhos percorridos por Salles, suas influências,

linhas de pensamento, seus conceitos e metodologia de trabalho, e de que maneira esses

aspectos tornaram-se fundamentais para a sua leitura e interpretação histórica.

Este estudo é um desdobramento das nossas atividades de pesquisa, que datam da

graduação, passando por uma especialização. Foi durante as disciplinas da graduação e,

particularmente, da elaboração de nosso trabalho de conclusão de curso, que entramos em

contato com a obra de Vicente Salles. Ao estudar o movimento cabano encetado no Pará

em 1835, dialogamos com uma obra de referência desse autor sobre o tema: Memorial da

Cabanagem.1 Posteriormente, nosso interesse pelo autor e suas obras, assim como, pelo

seu acervo, foram aumentando, na medida em que participamos do projeto da Coleção

Waldemar Henrique2, maestro e compositor paraense, e amigo de Salles.

Neste ínterim, ao realizarmos uma especialização em Organização de Arquivos, no

Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, participamos de um estágio

programado no arquivo da mesma instituição. Essa experiência permitiu-nos o acesso a

alguns fundos e coleções pessoais que se encontram no arquivo do supracitado instituto,

como, por exemplo, os de: Camargo Guarnieri, Mário de Andrade, Caio Prado Júnior,

entre outros. O contato com essa documentação acabou por despertar, ainda mais, nosso

interesse por acervos pessoais.

Foi trabalhando na organização da Coleção Waldemar Henrique que surgiu nosso

interesse pela Coleção Vicente Salles. Em meio a tantos papeis guardados por Waldemar

Henrique, demos início a uma aproximação com os assuntos regionais, versados sobre a

Amazônia, mas especialmente sobre o folclore, tão presente em sua música. Desse modo,

fomos observando sua relação com alguns folcloristas, entre eles, o próprio Vicente Salles.

1 SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem: um esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992.2 A coleção do maestro e compositor paraense Waldemar Henrique, pertencente ao Museu da Imagem e doSom/PA, encontra-se atualmente no Museu de Arte Sacra de Belém, constituindo-se da parte arquivística,bibliográfica e museológica.

2

À época, buscávamos documentos que apresentassem contatos de Waldemar Henrique

com o mestre do folclore brasileiro Câmara Cascudo, no entanto, encontramos poucos

vestígios dessa relação. Percebemos, então, que existia um número considerável de cartas

de Vicente Salles, que mencionavam alguns assuntos como: modinha, folclore e notícias

pessoais e profissionais.

Ao mesmo tempo, passamos a visitar a Coleção Vicente Salles, sob a guarda do

Museu da Universidade Federal do Pará, representada por uma grande massa bibliográfica

e documental sobre a cultura amazônica, especialmente a paraense. A ideia inicial era a de

trabalhar com esses dois indivíduos no campo da música e do folclore, mas logo o acervo

de Salles foi se agigantando, e nossa pretensão inicial tornou-se ampla demais para uma

dissertação de mestrado. Além disso, ao longo das investigações, constatamos que já havia

alguns pesquisas e trabalhos sobre Waldemar Henrique. Então, decidimos trabalhar mais

densamente com o acervo Vicente Salles e sua produção como folclorista, aspecto que até

então, havia sido pouco explorado.3

Procuramos na presente dissertação, traçar um amplo panorama geral da produção de

Salles como intelectual. Este estudo não se prende a acontecimentos lineares e nem se

delimita em uma biografia na forma usual do termo; parte, sim, de alguns “momentos-

chave” que fizeram parte da construção do trajeto intelectual de Salles. Contudo, não se

pode separar uma vida em particular, dos círculos de amigos, dos familiares, dos embates

pessoais nos planos econômicos e políticos pelos quais todos nós passamos. Assim, a

produção intelectual de Salles não foi aqui compreendida como apartada de todas essas

questões. Acreditamos que sua vida é um emaranhado de possibilidades, onde existem

lacunas e momentos ímpares, seus textos e escritos nasceram em diferentes contextos e

envolveram pessoas distintas. Algumas estão em nota de rodapé, outras fizeram parte de

sua vida de maneira próxima e indelével.4

3 Nesse sentido, é importante consultar em especial os seguintes trabalhos: OLIVETO, Karla Aléssio. VicenteSalles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em música. (Dissertação de Mestrado em Música).Brasília: Universidade de Brasília, 2007; SALLES, Vicente. Um retrospecto – memória. Brasília: Micro-Ediçãodo Autor, 2007.4 Procuramos de certa forma, situar a contribuição e a influência do pesquisador e folclorista Vicente Salles àintelectualidade amazônica, como mencionamos anteriormente. Não trabalhamos exclusivamente com osacontecimentos lineares de sua vida, uma vez que nosso interesse recai em perceber os significados associadosao seu percurso de vida. Para uma reflexão mais aprofundada sobre os cuidados e perigos em trabalhar a questãobiográfica, ver: BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta deMoraes (Org.). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, pp.183-191.

3

Giovanni Levi, ao mencionar a obra de Franco Venturi sobre Diderot, ressaltou que

aquele reconstituiu os primeiros anos do seu objeto de pesquisa sem documentação direta,

e que então seria necessário ampliar o número de pessoas e de movimentos com os quais o

enciclopedista francês entrou em contato.5 Nesse sentido, para o caso de Salles, os aspectos

mencionados por Levi, muitas vezes se fizeram necessários. Nem sempre foi possível

contar com cada um dos nomes e pessoas citados ou que estavam relacionados com as

obras e o acervo de Salles. Porém, tivemos o prazer e o privilégio de contar com a própria

narrativa das lembranças de Salles, e isso torna este estudo não apenas mais pleno de

detalhes, como também bem mais complexo.

É importante considerar que nossa intenção não é tornar Salles um biografável que

possa ser verificado por uma linha evolutiva. Como trabalhamos fundamentalmente com

suas obras, as mesmas não podem ser vistas através de um simples sumário cronológico

enunciado pelos seus anos de publicação. A linha cronológica dessas edições é importante,

mas também é certo que devemos ir além dela. As pesquisas de Salles resultam de idas e

voltas, tal como as edições de suas obras. Muitas delas são escritas de forma concomitante.

Outras tantas são reescritas e ampliadas, resultando muitas vezes, em outras obras, como

poderemos observar mais adiante. 6

Além do emaranhado das edições, ainda devemos atentar, igualmente, às diversas

conjunturas políticas pelas quais Salles atravessou: foram momentos de regimes mais

fechados como o Estado Novo Varguista e a Ditadura Militar implantada depois de 1964.

Salles ainda viveu a redemocratização de 1945 e a dos anos 1980. Como desde novo, nosso

intelectual tornou-se marxista, esses revezes políticos marcaram sua vida, e decerto estão

presentes, mesmo que tacitamente, em sua produção.

A partir de uma vida e de sua produção foi possível mapearmos mais detidamente

uma gama diversificada de fontes, localizadas, principalmente, na Coleção Vicente Salles,

mas não só ali. Pesquisando diretamente na coleção, nos concentramos em sua biblioteca,

onde se encontram organizados os livros e periódicos sobre os mais variados temas, que

Salles leu, colecionou ou mesmo publicou. Na parte da documentação Sociocultural,

encontramos a correspondência trocada entre ele e outros folcloristas, e igualmente com

músicos e instituições. Nessa mesma série, procuramos examinar os artigos sobre folclore

5 LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos eabusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 176.6 Salles é autor de inúmeras microedições. Trata-se de edições simples, com pequenas tiragens, e que muitasvezes são prévias de livros, e em outros momentos nunca saíram do seu formato em microedição.

4

e sobre o negro, o material de curso que Vicente Salles utilizou para ministrar aulas sobre a

temática do folclore e as notas de pesquisa sobre o livro O negro no Pará. Concentramos

nossas atividades, também, nos recortes de jornais, organizados a partir de temas

diversificados, apresentando, em termos de quantificação, um considerável volume. Cabe

ressaltar que, algumas informações incompletas dos recortes de jornais encontrados na

Coleção Vicente Salles, foram complementadas com a consulta, na íntegra dos jornais,

localizados na coleção de jornais da Biblioteca Pública do Pará.

Faz-se importante evidenciar o uso do dossiê elaborado no processo de aquisição da

Coleção Vicente Salles, pelo Museu da Universidade Federal do Pará - MUFPA. Nele,

tivemos a oportunidade de analisar a partir dos diagnósticos realizados para a aquisição do

referido acervo, as primeiras informações gerais acerca do mesmo e sua dimensão, assim

como, um arrolamento inicial descrito pelo próprio Vicente Salles. Essas informações,

também, permitiram-nos refletir sobre a prática do colecionismo para este intelectual, sua

dedicação ao ato de colecionar, e principalmente, dialogar com os sentidos desse ato, o seu

valor cultural, econômico, simbólico.7

Vale ainda ressaltar que as próprias obras de Salles, especialmente O Negro no Pará,

Memorial da Cabanagem e A Música e o Tempo no Grão-Pará, também serviram como

fontes para a análise da narrativa em Vicente Salles, e sua perspectiva política. Outrossim,

tornaram-se fontes as edições da Revista Brasileira de Folclore, publicação essa em que

Salles esteve muito envolvido (ora como autor, ora como diretor), contribuindo por mais

de dez anos. Fizemos uso ainda de uma breve narrativa biográfica escrita por nosso próprio

intelectual, intitulada “Retrospecto”. Publicada como microedição, podemos considerá-la

enquanto uma “ferramenta fundamental” para analisarmos e cruzarmos informações a

respeito de Vicente Salles.8

7 O dossiê da Coleção Vicente Salles foi cedido gentilmente pela bibliotecária do MUFPA para acomplementação das análises sobre a perspectiva do colecionismo em Salles. Nesse sentido, acreditamos queseja apropriado, observamos inclusive a preocupação e a organização de Salles com o acervo, uma vez queconstatamos um diálogo amistoso na negociação entre o titular do acervo e a Universidade Federal do Pará,talvez uma forma de evitar a dispersão do acervo. Sobre as implicações de uma dispersão de acervos, e sobre ossentidos de quem vende e de quem compra, cf.: KNAUSS, Paulo. O Cavalete e a Paleta: arte e prática decolecionar no Brasil. In: Anais do Museu Histórico Nacional. Ministério da Cultura/IPHAN: Rio de Janeiro,2001, vol.33, pp. 23-44. Embora o texto verse, especialmente, sobre o “colecionismo de arte”, acreditamos queseja pertinente dialogarmos, igualmente, com o acervo bibliográfico e documental.8 É importante destacar que, tanto a narrativa biográfica realizada pelo próprio autor, assim como o entendimentoda trajetória como experiência social, devem ser considerados como ferramentas fundamentais de análise, namedida em que possibilitam acrescentar temas ausentes em uma abordagem mais exterior ao objeto de pesquisa.Nesse sentido, cf. RUBINO, Silvana Barbosa. Rotas da Modernidade: trajetória, campo e história na atuaçãode Lina Bo Bardi, 1947-1968. Tese de Doutorado – UNICAMP. 2002.

5

Paralela à pesquisa documental escrita, da mesma forma, foram realizadas entrevistas

estruturadas e semiestruturadas com Vicente Salles, a partir de questionários ou de

perguntas decorrente das dúvidas que surgiam durante a pesquisa. O primeiro rol de

questões apresentadas à Salles foi enviado através de email e respondido através de carta, o

que causou certa surpresa, uma vez que estávamos esperando uma resposta por meio

eletrônico. A partir desse momento, percebemos que estávamos diante de um intelectual

que ainda cultiva esse lado da cultura epistolar. E foi no ritmo do nosso autor que

dirigimos nossos outros encontros. Assim, ainda falamos com Salles em outros momentos,

quando foram realizadas entrevistas orais, especificamente no MUFPA.9 Essas “conversas”

foram úteis na medida em que Salles esclarecia alguns pontos que ainda permaneciam

turvos, ao longo da pesquisa, a exemplo de datas que não correspondiam às informações

retiradas de outra fonte.

O cruzamento entre todos os dados recolhidos de todas estas diferentes origens foi

algo indispensável ao longo desta pesquisa. Tratou-se de um processo difícil e crivado por

lacunas. Na busca pela confirmação ou detalhamento de algumas informações que não se

apresentavam suficientemente esclarecidas, fomos para outros documentos. Assim,

consultamos também apresentações, prefácios e pósfácios de algumas obras de Salles e de

outros autores, que pertenciam ao seu círculo de amizades, ou intelectual. Dessa forma, as

cartas trocadas por Salles indicaram, com certa precisão, alguns acontecimentos e relações

pessoais e intelectuais. A partir delas, e das conversas informais com os técnicos

responsáveis pela coleção de Salles no MUFPA, ou mesmo nos momentos com o próprio

Salles, pudemos ampliar nossa pesquisa e detalhá-la. Contudo, nem tudo pôde ser

trabalhado e certamente, este estudo não é definitivo.

O essencial é entendermos que trabalhar com a trajetória pessoal e profissional de um

indivíduo é procurar não ficar preso a uma falsa “ordem lógica dos acontecimentos”,

cronologicamente ordenados, aparentemente. Embora saibamos de sua importância temporal

na vida humana, esta dissertação apresenta um texto para se refletir, com certa intensidade,

sobre os aspectos da vida intelectual de Salles e sua relevância no campo dos estudos sobre

9 Sempre que Vicente Salles vem a Belém para determinados compromissos, é de praxe este pesquisador reunircom professores e pesquisadores no Museu da Universidade, para uma espécie de “colóquio”.

6

cultura e folclore em um contexto paraense e amazônico.10 Talvez possa ir, às vezes, para

além disso, mas é esse, finalmente, nosso principal foco.

Para isso, foi preciso analisar ainda alguns conceitos como o de “intelectual”. Neste

sentido, é importante atentarmos para as inúmeras definições que podem existir para a palavra

“intelectual”. Zygmunt Bauman salientou que, essas definições teriam em comum suas

autodefinições, pois seus autores seriam os membros da espécie que eles tentam definir. 11 Nas

palavras deste sociólogo polonês, quando a palavra “intelectual” foi cunhada no início do

século XX, na realidade, ela se apresentou como: “... uma tentativa de recapturar e reafirmar a

centralidade social e as preocupações globais que estiveram associadas à produção e

disseminação do conhecimento durante o Iluminismo”. 12 Esta palavra esteve, portanto, desde

cedo direcionada a homens que achavam ter responsabilidade moral para interferir no

processo político de determinada nação ou região.

Partindo do sentido polissêmico do termo em foco, e mesmo de um parâmetro

intelectual francês, é pertinente considerarmos que, os diferentes períodos, ao longo do século

XX produziram modelos diferenciados acerca da representação do intelectual. Como destacou

Helenice Silva, a acepção do conceito de “intelectual” perdura, os modelos de representação

do intelectual se transformam, em consequência da mutabilidade histórica. A autora destaca o

reflexo direto que a Primeira Guerra Mundial teve sobre a forma de os intelectuais julgarem a

história, uma vez que, as “simbólicas divisões” esquerda/direita, por exemplo, passaram a se

confundir com um sentimento mais patriótico, a partir desse contexto. A autora ainda salienta

o surgimento de um outro modelo de intelectual: o engajado. Este último levaria em

consideração as mudanças históricas, assim como, uma nova compreensão da história. Ele

surge como um “intelectual legítimo”, que refletiria a “ideologia dominante” de uma época13.

10 Uma vez que, procuramos situar a contribuição e a influência do pesquisador e folclorista Vicente Salles àintelectualidade amazônica, cabe ressaltar que, não pretendemos trabalhar exclusivamente com osacontecimentos lineares da vida de determinado intelectual, no caso, Vicente Salles, nosso interesse recai, emperceber os significados associados ao seu percurso de vida. Para uma reflexão mais aprofundada o trabalho coma questão biográfica Cf.: BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais (Org.).Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006.11BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio deJaneiro: Zahar, 2010, pp. 23-24.12 Ibidem, p. 1513Para uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de intelectual, do seu caráter polissêmico, e darepresentação que o personagem do intelectual vai adquirindo em diferentes épocas Cf: SILVA, HeleniceRodrigues da. Fragmentos da história intelectual: Entre questionamentos e perspectivas. Campinas, SP: Papirus,2002, pp. 14-17.

7

Outro aspecto a ser considerado, para além da semântica do termo intelectual, são as

fronteiras nem sempre claras entre a História das Ideias e a História Intelectual.

Ultrapassando as confusões entre a “noção” de história intelectual e história das ideias,

surgida a partir de uma historiografia americana e europeia, Sônia Lacerda e Tereza

Kirschner, apontam, no que diz respeito à história intelectual e história das ideias, que a

questão mais discutida tem a ver com os debates acerca da nomenclatura, da divisão de

áreas, do enquadramento dos seus objetivos. Dessa forma, devemos levar em consideração,

a grande extensão desse território historiográfico, que, em algum momento, “se designou

unitariamente, quer como história das ideias, quer como história intelectual, comporta hoje

numerosas correntes, mais ou menos diferenciadas por interesses temáticos, opções teóricas

e estratégias metodológicas particulares”. 14

Permanecendo entre a discussão acerca das inquietações, os limites e perspectivas que

cercam a história intelectual, Silva afirma que “Um enorme terreno resta ainda a ser

desbravado”. 15 Segundo a autora, é justamente por conta da ausência de nitidez acerca da

sistematização teórica e metodológica, é que a história intelectual permite o surgimento de

inúmeras “especulações”. Porém, ao esperar essa sistematização, os pesquisadores oscilam

ao que a autora chamou de “práticas distintas”, deste modo os pesquisadores se utilizam de

ensaios, biografias, análises de discurso, história social e política, entre outros. 16

O presente estudo atrela-se no campo da “história intelectual”, principalmente, por se

tratar da história do pensamento informal, e de um determinado indivíduo. Contudo, esta

história está longe de querer segmentar a vida de Vicente Salles à suas obras. A partir de

sua produção intelectual acionamos também, aspectos da história social, história cultural e

da história política. 17 Como veremos mais adiante, Salles se considera um culturalista, que

reconhece seu trabalho nos campos: antropológico, historiográfico e folclorístico. Um

profissional que, apresenta em sua produção de longos anos, a preocupação com a luta

social e políticas dos excluídos, com o pensamento político presente em uma região. Trata-

14 Para uma discussão mais intensa sobre esse aspecto, apontamos inicialmente o texto a seguir: LACERDA,Sônia; KIRSCHNER, Tereza Cristina. Tradição Intelectual e Espaço Historiográfico ou Por que dar atençãoaos textos clássicos. In: LOPES, Marcos Antônio. Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto,2003. A presente coletânea se encontra entre os trabalhos mais completos no que diz respeito a essa discussão,sobre esse campo de estudo no Brasil, o da História Intelectual.15 SILVA, 2002, p.1316 Ibidem, p.2517 Segundo Helenice Silva, a prática serve de condução para uma possível formulação de algumas constataçõesno que se refere à história intelectual, dentre elas, a questão da sua especificidade, pois a mesma difere dahistória das ideias, por esta última quase sempre se limitar a “... uma crônica de ideias e a uma justaposiçãocronológica de resumos de textos políticos ou filosóficos.” Cf. SILVA, 2002, p. 13.

8

se de um intelectual que, pode ser tomado por “engajado politicamente”. Nesse sentido,

não foi possível deixar de relacionar a proposta de seus trabalhos como sendo resultados

precoces (na sua juventude) com pessoas que comungavam da práxis e da teoria marxista

e/ou anarquista, como frutos de seus embates políticos e pessoais em locais como na

Revista Brasileira de Folclore e de tantos outros momentos ímpares de sua vida.

Partindo do objetivo geral desta pesquisa e sua percepção da “politização” da veia

folclorística em Salles, delineamos os três capítulos que constituem essa dissertação. O

primeiro capítulo apresenta uma análise sobre a prática do colecionismo em Vicente Salles.

Ali buscamos interpretar este intelectual a partir da sua vida (pessoal e profissional), de

como ele foi adquirindo o hábito de colecionar, como este hábito ganhou forma e os

principais passos dados rumo ao que se transformaria, tempos depois, na Coleção Vicente

Salles. Igualmente, buscamos situar primeiramente alguns momentos chave da vida de

Salles, a partir da rememoração da sua infância, suas influências, seus círculos intelectuais,

na cidade de Castanhal, em Belém e posteriormente, no Rio de Janeiro. Nesse sentido,

procuramos analisar este intelectual através dos temas diversos que compõe a coleção. Os

livros, as cartas, os folhetos de cordel, e os jornais, constituem algumas das paixões de

Salles, e de sua dedicação como colecionador ao tema do folclore amazônico.

De um modo geral, procuramos demonstrar que esta coleção, está além do valor

simbólico e cultural. Ela preserva também um caráter de resistência, pois Salles colecionou

e escreveu sobre temas politicamente importantes. São temas como o do negro no Pará, ou

a luta socialista associada à Cabanagem. Através deles Salles tem a oportunidade de

escrever a história de povos sociais e politicamente excluídos, ou de relatar sobre algumas

personalidades centrais à construção da identidade e cultura paraense e amazônica, mas

que, em vida, muitas vezes não teriam tido tanta visibilidade. Outrossim, não poderíamos

deixar de mencionar sua atuação na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e na

Revista Brasileira de Folclore, em um período delicado na história do Brasil, o da ditadura

militar no pós 64. Este tema abre caminho para o segundo capítulo.

Este capítulo apresenta-se sob a forma de uma investigação do percurso construído

por Salles que o levou do folclore à história da cultura. Quais os temas que interessaram

inicialmente a este pesquisador? Como construiu sua predileção pelos temas regionais?

Como eram suas pesquisas de campo, e de como ele percebeu a importância de equilibrar

as discussões entre folclore e história para o desenvolvimento do seu trabalho? A partir

dessas indagações e na busca por respostas a elas, procuramos apresentar um diálogo mais

9

“teórico” no que se refere ao conceito de folclore para Vicente Salles. Percebermos seus

diálogos e conceitos sobre este tema, principalmente, a respeito da aplicação prática e da

operacionalização dos conceitos de cultura popular e folclore.

Por fim, o terceiro capítulo analisa outros aspectos para a análise da trajetória de

Salles. Nesse sentido, procuramos nos debruçar em uma de suas obras mais proeminentes

ao longo de sua carreira profissional: O Negro no Pará, sob o regime da escravidão. A

partir da investigação dessa obra, procuramos observar a pesquisa realizada à confecção da

mesma, o contexto em que foi produzida, e principalmente, observar, através da narrativa

do autor, os aspectos políticos e culturais presentes ao longo do texto. Partimos, também,

da análise da correspondência que Salles trocou com algumas personalidades e instituições

culturais, na medida em que essas fontes nos permitiram constatar a recepção desta obra,

em um sentido mais regional.

É importante destacarmos, à guisa de conclusão, que o presente estudo faz parte de

um rol ainda mais amplo de pesquisas acerca da história dos intelectuais e da

intelectualidade amazônica; temáticas que apresentaram considerável desenvolvimento ao

longo das últimas duas décadas. No ano de 2000, ocorreu em Belém, no Pará o II Encontro

Regional Norte de História da ANPUH/PA, os trabalhos originários desse encontro e

publicados em livro em 2002 refletiram uma preocupação com a historiografia paraense

contemporânea, e foram reagrupados em eixos temáticos para tomar forma de livro. Um,

desses eixos temáticos foi intitulado “Historiografia e História Intelectual”, onde alguns

expoentes da história local foram recuperados, como: José Veríssimo, Arthur Vianna e

Theodoro Braga, por exemplo. 18

Na organização do encontro seguinte, podemos observar mais uma vez a preocupação

da ANPUH/PA em fomentar pesquisas sobre o tema. No livro resultante do III Encontro

ocorrido em Belém no ano de 2004, havia também uma seção intitulada Literatos e

Historiadores: Trajetórias, dedicada novamente à intelectualidade amazônica. Aqui os

autores partiram da compreensão de parte da trajetória de alguns intelectuais, no intuito de

observarem a importância destes para a historiografia paraense. Nesse sentido, nomes

como: Bernardo Pereira de Berredo, Euclides da Cunha, Arthur Vianna, Bruno de

18 BEZERRA NETO, José Maia. GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs). Terra Matura: historiografia e históriasocial na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002.

10

Menezes, Henrique Jorge Hurley e Augusto Meira Filho, fizeram-se presentes para alargar

o debate sobre a história desses intelectuais que versaram sobre a Amazônia. 19

Outros trabalhos podem ser destacados nesse sentido, a exemplo do historiador

Aldrin Figueiredo. Em seu estudo sobre a pajelança, feitiçarias e religião afro-brasileiras na

Amazônia, o fez lançando mão de intelectuais como José Veríssimo e Pádua Carvalho, por

exemplo, a partir da compreensão da produção ou observações destas personalidades

enquanto, intelectuais ou etnógrafos. Da mesma forma, desenvolveu sua tese de doutorado

tratando sobre a formação dos intelectuais modernistas no Pará, a partir da história social

da arte e da literatura, nas primeiras décadas do século XX, dessa vez, utilizando-se de

outros expoentes como: o pintor Theodoro Braga e o literato Bruno de Menezes. 20

Partindo dessa visão geral, a respeito dos trabalhos surgidos na Amazônia e, que

estão surgindo nesse campo da história intelectual, é que este trabalho sobre Vicente Salles

ainda pode abrir novos rumos para pesquisa. Primeiramente por se tratar de um intelectual

ainda vivo e que continua a pesquisar, a colecionar e a publicar. Em segundo lugar, e como

podemos perceber ao longo desta pesquisa, por tratar-se de um intelectual que contribuiu

com seus estudos para muitas áreas, mas que, sobretudo, considera-se um historiador da

cultura paraense e amazônica.

19 FONTES, Edilza Oliveira. BEZERRA NETO, José Maia. Diálogos entre história, literatura & memória.Belém: Paka-Tatu, 2007. Devemos ainda mencionar, mesmo com um sentido mais literário o trabalho doAmazonense Anísio Jobim. Cf. JOBIM, Anísio. A Intelectualidade no Extremo Norte: contribuições para ahistória da literatura no Amazonas. Manaus: Livraria Clássica, 1934. O autor apresenta um quadro, ondedispensa atenção às personalidades, independente de terem nascido no Amazonas, mas que por lá passaram, oude certa forma, contribuíram para a história da Amazônia. Cabe ressaltar que várias personalidades paraensesforam arroladas no esboço desse quadro.20 Ver: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: uma história social da arte e da literatura naAmazônia, 1908-1929. Tese de Doutorado, UNICAMP, São Paulo, 2001. & A Cidade dos Encantados:pajelança, feitiçaria e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008.

11

CAPÍTULO I

VICENTE SALLES E A PRÁTICA DO COLECIONISMO

A prática do colecionismo, a partir da trajetória intelectual de um pesquisador e

folclorista como Vicente Salles está atrelada à sua vida; considerando suas influências, seus

interesses de pesquisa, e seu engajamento político e cultural. Nesse sentido, o presente

capítulo procura interpretar este intelectual através da sua coleção, de modo a entender como

ele construiu ou coletou o material que presentemente compõe a Coleção Vicente Salles e de

como esta pode ser apreendida em um diálogo com sua própria história, ou melhor, com a

história da sua trajetória profissional e intelectual, dedicada, principalmente, ao estudo do

folclore da região norte.

Os livros, os recortes de jornais, a correspondência, os folhetos de cordel, entre outros

tipos de documentos presentes nesta coleção, simbolizam não somente o hábito de colecionar

de Vicente Salles, mas representam, sobretudo, a sua preocupação em conservar e compartir

das informações sobre os temas com que Salles se ocupou, a exemplo da cultura popular, do

folclore, da música, e do negro. Como bem destacou Rodrigo Monteiro, ao falar da Coleção

Barbosa Machado, não podemos jamais perder de vista a ação individual do colecionador, ao

organizar o seu acervo, uma vez que nela se expressam suas “expectativas”.21 Logo, são essas

expectativas que procuramos observar em Salles, em “seu sentido” de colecionar, ordenar e

preservar um acervo que foi edificado para a conservação da memória.

Inicialmente, situamos o leitor a partir de alguns momentos chaves da vida (pessoal e

profissional) de Vicente Salles, as “influências” recebidas e seus círculos intelectuais; assim

como, os temas de pesquisa mais significativos ao longo da sua produção. Posteriormente,

trataremos sobre sua atuação na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, especialmente,

quando esteve à frente da Revista Brasileira de Folclore; e, por último, discutiremos alguns

aspectos da Coleção Vicente Salles, por intermédio de uma interpretação histórica, política e

cultural.

21 MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Folhetos em ordem na Coleção Barbosa Machado. In: ALGRANTI, LeilaMezan & MEGIANI, Ana Paula (Orgs.). O Império por Escrito: formas de transmissão da cultura letrada nomundo ibérico, séculos XVI – XIX. São Paulo: Alameda, 2009, pp. 215-216. Procuramos observar aqui a ideiado colecionador que o autor desenvolveu a partir da interpretação da biblioteca que o abade Barbosa Machadoconstruiu em Portugal, tendo vindo esta biblioteca para o Brasil no início do século XIX.

12

1.1. “MOMENTOS-CHAVE” DA VIDA E DA OBRA DE VICENTE SALLES

UMA BREVE INTRODUÇÃO

Ao analisarmos uma obra, ou mesmo várias obras de um determinado autor, alguns

elementos se fazem importantes. Primeiramente, devemos procurar conhecer, detalhadamente,

a sumária biografia de quem a escreveu, atentando para as influências que o autor recebeu e o

contexto histórico de sua produção. Neste sentido, abordar uma produção intelectual requer,

antes de qualquer coisa, um estudo sobre a trajetória pessoal do autor, no sentido de buscar

conhecer suas motivações e experiências, permitindo assim uma compreensão mais densa das

obras analisadas. Em um primeiro momento, é justamente isso o que procuramos fazer, na

medida do possível, com relação a Vicente Salles e parte de sua obra.

O pesquisador e folclorista paraense Vicente Salles nasceu no município de Igarapé-

Açu, no Pará, em 27 de novembro de 1931. Passou boa parte de sua infância percorrendo os

diversos interiores do Estado natalício. Em Castanhal passou mais tempo, de 1937 a 1946.

Sobre esta cidade, Salles rememora que ela não era grande, porém, apresentava um círculo

diversificado de pessoas. Pessoas com as quais seu pai, Clóvis Salles, um dos “intelectuais do

lugar”, estabelecia relações, uma vez que este trabalhava para a prefeitura, na parte cultural.

Surgiram assim personalidades locais, como: o padre italiano Salvador Tracaiolli (fascista),

Paulo Haussler Delgado (comunista) e Francisco de Assis e Silva (músico). 22

Também, foi da relação com as pessoas presentes no círculo de amigos de seu pai que

Salles veio se aproximar do mestre Francisco de Assis e Silva. Com ele, Vicente Salles

iniciou seus primeiros passos com a clarineta e dali se estabeleceu mais seriamente sua paixão

pela música e pelos instrumentos musicais. Sua aproximação com o violino deu-se com o Sr.

José Maria, de quem Salles herdou o violino depois da sua morte, em 1942. Ainda em

Castanhal Salles, posteriormente, passou a apreciar a exibição dos pássaros e de boi bumbá.

E, ao que tudo indica, também ali nasceu seu interesse pelo canto. Ele costumava cantar nas

noites de Castanhal, principalmente nas “cirandas”, além de cantar os responsórios da missa,

aos domingos, na igreja matriz, e também no grupo escolar. 23

Vicente Salles relembra que o seu maior interesse pelo canto cresceu, quando chegou a

Castanhal uma jovem professora de canto orfeônico, filha do tabelião da cidade e formada

22 SALLES, Vicente. Um retrospecto – memória. 2ª edição revista e ampliada. Brasília: Micro-Edição do Autor,2007, p.07.23 Idem.

13

pelo Conservatório Carlos Gomes, em Belém. Junto a essa lembrança, ele destaca uma festa

que viria a marcar o seu interesse pelo canto, ainda menino:

“Um dia chegou a Judith Monarcha Pepes para preparar uma grandefesta. No dia da festa, chegou a superintendente do ensino de música ecanto orfeônico, Margarida Schivazappa, que mostrou para asautoridades – creio que se encontrava o governador, todos chegaramnuma viagem especial – além do Hino Nacional e do Hino à Bandeira,uma canção marcial de Heitor Villa Lobos...”.24

Um dos temas de maior interesse de Salles é a literatura de cordel. Aqui, também, está

presente a relação com o interesse que seu pai já nutria pela mesma. Porém, foi em Belém,

aonde chegou em 1946, que este gosto se fortaleceu, pois o escritório onde Salles começou a

trabalhar, quando aportou nesta cidade, localizava-se próximo a Folheteria Guajarina25, na

Travessa Padre Eutíquio. Nesse momento, Salles trabalhou de “office-boy” e de “auxiliar de

escritório”, e tudo “foi acontecendo naturalmente”, talvez, pelo contato com as leituras

recitadas e cantadas de Castanhal ou talvez, pela facilidade em acessar as publicações da

folheteria.26 Assim, podemos observar que, Salles se enquadrava ainda no papel de leitor,

posteriormente, se firmaria como um pesquisador da literatura popular.

Este intelectual passou a colaborar desde cedo com a imprensa, destacando-se a

influência de duas pessoas na intensificação do interesse de Salles pela literatura popular e

inserção no mundo dos jornais; foram eles, o jornalista paraibano Romeu Mariz27 e o artista

plástico e caricaturista Antônio Ângelo de Abreu Nascimento.28 Por intermédio de Romeu

24 Ibidem, p. 09.25 A Guajarina surgiu no Pará em 1914, por iniciativa do pernambucano Francisco Rodrigues Lopes. SegundoVicente Salles, essa editora fundiu dois campos “aparentemente” opostos: o consumo da literatura sertaneja oucordel (semelhante à nordestina) e a do cancioneiro popular urbano e seresteiro. O período de 1939-1945 trouxedificuldades para a editora, por conta da guerra, tornando a publicação irregular, e voltando a ter intensidade emsua produção nos carnavais de 1946 e 1947. Com a morte de Francisco Lopes, em 1947, esta folheteria passoupara outras mãos. Em 1949 a editora e suas instalações foram incorporadas a firma proprietária da LivrariaVitória, de Raimundo Saraiva Freitas. Os novos donos se desinteressaram pelas publicações, interrompendo-asem definitivo. Cf.: SALLES, Vicente. Guajarina - Folheteria de Francisco Lopes. Revista Brasileira de Cultura.Ano II – jul./set. 1971, nº 09, pp. 87-102.26 SALLES, Vicente. Um retrospecto - memória, op. cit., p. 12.27 Poeta e jornalista, Romeu Mariz nasceu na Paraíba no dia 15 de janeiro de 1877. Mudou-se para o Pará aindajovem, e depois para Manaus. Retornou a Belém, e ingressou na redação do jornal “A Província do Pará”,chegando a ser redator e diretor na fase mais agitada do Jornal de Antônio Lemos. Exerceu intensa atividade naimprensa paraense, publicando, inclusive, diversos ensaios. Foi eleito em 1944 para a poltrona nº 04 daAcademia Paraense de Letras. Faleceu no Rio de Janeiro em 1962. Cf.: ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédiada Amazônia. Belém: Amel, 1967, p. 1079. Para apreciação mais detalhada desse poeta e sua atuação naimprensa paraense Cf.: SALLES, Vicente. Repente e Cordel: literatura popular em versos na Amazônia. Rio deJaneiro, FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1985.28 Foi artista, pintor, desenhista e caricaturista. Nasceu no Maranhão (Turiaçu) em 1895, veio pequeno paraBelém, onde iniciou seus estudos artísticos. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se incorporou no mundo

14

Mariz, Salles publicou seus primeiros trabalhos na imprensa, por volta de 1947. Mariz, amigo

pessoal de seu pai e grande admirador da poesia nordestina, foi autor de inúmeras reportagens

e crônicas sobre poetas e cantadores.

A primeira oportunidade de convivência “concreta” de Salles com a imprensa foi em

O Estado do Pará, onde conheceu o mestre Ângelus que, como mencionamos, trabalhava

como ilustrador para diversos jornais, e tendo sido o principal capista dos folhetos da Editora

Guajarina. Nesses termos, ao colaborar desde cedo com a imprensa, Salles se interessou pela

divulgação dos fatos artísticos ocorridos em Belém. Salles rememora que utilizou uma coluna

em O Estado do Pará intitulada “Sons, tons e outras notas”, e que a mesma servia para

noticiar a música, pintura e literatura, na capital paraense. Para Salles a imprensa ajuda a

apurar o interesse investigativo, uma vez que, quem procura apurar os fatos, acaba por entrar

em contato com as pessoas que os produzem.29

FIGURA 1.1Vicente Salles aos 21 anos

FONTE: SUPLEMENTO LITERÁRIO DO O ESTADO DO PARÁ - 27/11/1952

artístico dessa cidade, posteriormente retornou ao Pará, onde trabalhou nos principais jornais como ilustrador,assim como em revistas. Foi um dos mais entusiastas expositores e organizadores de vários Salões de BelasArtes do Pará. Morreu em Belém, em maio de 1959. Cf.: ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia,op. cit., p.1181; SALLES, Vicente. O Siso e o riso de Mestre Ângelus. Brasília: Micro-Edição do autor, 1998.29 Entrevista concedida à autora através de carta, em maio de 2010.

15

Com o passar do tempo, ainda em Belém, seu interesse pela literatura, música e

folclore da região amazônica aumentava. Chegado a Belém, Salles foi morar no bairro da

Cidade Velha, onde conheceu e se tornou próximo do jornalista e literato modernista Bruno

de Menezes30. Este poeta fora uma das personalidades influentes na vida profissional de

Salles, tendo este sido introduzido, ainda na juventude, no universo dos grupos populares de

Belém por Menezes. Assim, seu contato com os “batuques, pássaros e bois”, assim como, a

literatura sobre o negro, manifestou-se com a contribuição dele. É nesse contexto que Salles

“começa” a se interessar pela expressão “negra” no folclore e na música popular da região

amazônica.31 Muito jovem, Salles procurou por outras emoções, frequentando ambientes em

que se reuniam os intelectuais e boêmios mais antigos de Belém, entre os quais Bruno de

Menezes.

Em 1950, Salles conhece os irmãos Nobre e, nesse momento, já se relacionava com

outros jovens que se interessavam por música clássica, sinfônica e vocal. Lembra Salles que o

contato com a ópera, por exemplo, não era muito simples, pois se tratava de uma época em

que mal se ouvia falar sobre esse tipo de música, com exceção de raros artistas que passavam

por Belém, sob o contrato da Sociedade Artística Internacional, sustentada pelo engenheiro

Augusto Meira Filho. Salles não deixaria de encontrar dificuldades em se dedicar a música em

Belém, e naquela ocasião ainda possuía um interesse muito forte por instrumentos musicais,

em especial pelo violino, paixão que veio desde a sua infância em Castanhal. 32

Em 1954, Salles havia feito um concurso público, promovido pelo governo federal,

para o cargo de datilógrafo. Edison Carneiro, então o aconselhou a transferir-se para o Rio de

Janeiro, o que fez ainda em 1954. Como obteve boa classificação, o diretor do DASP, na

época, permitiu que ele escolhesse o local onde gostaria de trabalhar, e Salles, então, escolheu

o Ministério da Educação e Cultura, onde trabalhou com Gildásio Amado, diretor do

Departamento de Ensino Secundário.33 Em 1958, quando da criação da Campanha de Defesa

30 O paraense Bento Bruno de Menezes foi poeta, romancista e folclorista. Nascido em Belém no dia 21 demarço de 1893. Foi tipógrafo e operário gráfico, funcionário público estadual e diretor do cooperativismo. Éconsiderado um dos introdutores da poesia modernista no Pará. Faleceu em Manaus, em julho de 1963. Cf.:ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia, op. cit., pp. 1118-1119.31 SALLES, Vicente. Edison Carneiro, o folclore do Negro. Palestra pronunciada no Simpósio: Edison Carneiroe a Cultura Afro-brasileira, em 09 de novembro de 1988, no Salão Henrique Oswald, Escola Nacional de Músicano Rio de Janeiro. Iniciativa do Centro de Letras e Artes da Escola de Música da Universidade Federal do Rio deJaneiro. Esta palestra tomou forma de microedição na década de 1990. SALLES, Vicente. Edison Carneiro, e ofolclore do negro. Edição do Autor: Brasília, 1990 [1988].32 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010.33 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010. Aqui, Salles ressalta ser esse o período demaior interesse pela literatura, colaborando em vários jornais e revistas.

16

do Folclore Brasileiro - CDFB, foi providenciada a sua transferência para esse novo órgão,

pelo musicólogo Mozart de Araújo, e posteriormente, foi trabalhar diretamente com o

antropólogo Edison Carneiro34, que propôs o primeiro desafio a Salles: organizar a biblioteca

da CDFB. Carneiro era diretor da campanha e foi responsável pelo lançamento da Revista

Brasileira de Folclore - RBF, no início da década de 1960.

FIGURA 1.2VICENTE SALLES DIRIGINDO O MUTIRÃO QUE ORGANIZOU A BIBLIOTECA DO FOLCLORE

(1960)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

Como veremos mais adiante, pouco tempo depois de ter conhecido Edison Carneiro

em Belém, Vicente Salles travou contato estreito com este, que não demorou a incentivar

Salles a realizar o curso acadêmico em Ciências Sociais, pela Faculdade Nacional de Filosofia

da Universidade do Brasil (hoje, UFRJ), o qual concluiu em 1966. Antes disso, ele teria

desistido da faculdade de Direito. No período de 1958 a 1972, ele trabalhou na CDFB e foi

34 O Etnólogo e folclorista Edison Carneiro nasceu em Salvador na Bahia em 12 de agosto de 1912. Foijornalista, poeta, jurista e folclorista. É considerado um dos maiores estudiosos sobre os cultos afro-brasileiros.Participou da estruturação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, tendo sido nomeado diretor –executivo de 1961 a 1964. Morreu em dezembro de 1972. (http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar). Cf.:SOUTO MAIOR, Mário. Dicionários de Folcloristas Brasileiros. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1999.Cabe apontar o fato de Edison Carneiro ter dado a Salles a incumbência de levantar o rol dos terreiros de cultosafro-brasileiros, então funcionado sob o controle da polícia, ainda em 1954, esse trabalho pareceu ter potencialpara Carneiro, que o incentivou ir para o Rio de Janeiro. Cf. OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetóriapessoal e procedimentos de pesquisa em música. Dissertação de Mestrado em Música. Brasília: Universidade deBrasília, 2007, p. 21.

17

redator da RBF. De 1972 a 1975, Salles trabalhou no Conselho Federal de Cultura,

secretariando a Câmara de Artes, e também, a Revista Brasileira de Cultura. Ainda em 1975,

mudou-se para Brasília, para representar o Departamento de Assuntos Culturais do MEC,

onde colaborou para a criação da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, e onde se

manteve até 1980. A partir 1985, ficou lotado no SPHAN (antigo Serviço de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional), até se aposentar em 1990. 35

A década de 1980 pareceu bem intensa para Vicente Salles, nesse período ele lançou

muitos livros, entre eles, a segunda edição de O Negro no Pará (1988), mas também muitos

outros direcionados para o tema da música. Depois de se aposentar em 1990, passou a se

dedicar exclusivamente à pesquisa e a escrita. Nesse período, Salles iniciou um processo de

negociação com a Universidade Federal do Pará para a venda de seu acervo bibliográfico e

documental, concernente à cultura amazônica, principalmente, o que viria a ocorrer em 1993.

Este acervo foi enviado, somente, em 1996 ao Museu da Universidade Federal do Pará, e

neste mesmo ano Salles foi convidado pela UFPA para dirigir o referido museu,

permanecendo como diretor até o ano de 1997. 36

Em novembro de 2002, a Universidade da Amazônia concedeu o título de Doutor

Honoris Causa em sessão solene. Em 2011, foi a vez da Universidade Federal do Pará se

manifestar quanto a importância dos estudos históricos e culturais de Salles ao Pará,

concedendo-lhe o título de Doutor Honoris Causa. Cabe ressaltar que, esse “historiador da

cultura” é, também, membro da cadeira nº 02 da Academia Brasileira de Música, sucedendo o

maestro paraense Waldemar Henrique; correspondente do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, além de membro efetivo da Comissão Nacional de Folclore. 37

35 Para a construção deste breve resumo biográfico foram consultados: SALLES, Vicente. Um retrospecto..., op.cit.; OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit.36 O retorno de Salles a Belém para dirigir o museu da UFPA foi noticiado através dos principais jornais dacidade com entusiasmo. O Diário do Pará do dia 03 de março de 1996 trouxe a seguinte matéria “O Lixo quevirou história. Vicente Salles volta a morar em Belém e começa a organizar seu vasto arquivo de cultura popular,que hoje faz parte do patrimônio do Museu da UFPa”. O Liberal do dia 12 de março de 1996 apresentou aseguinte chamada “O Museu está Vivo: o escritor paraense Vicente Salles assume o Museu da UFPA disposto adivulgar seu amplo acervo de quadros e livros”. É necessário destacar que, outras informações sobre a aquisiçãodeste acervo foram feitas a partir da consulta ao dossiê sobre a Coleção Vicente Salles, desde a negociação até asua compra definitiva.37 Pela diversificação e seriedade presentes em suas pesquisas, Vicente Salles recebeu vários títulos, símbolo doreconhecimento ao seu trabalho, citemos os prêmios: Com o ensaio O Exilado do Rancho Fundo, sobre o poetaAntônio Tavernard, ganhou o prêmio “Carlos Nascimento” da Academia Paraense de Letras em 1960; O Prêmio“Silvio Romero” com Repente e Cordel , sobre literatura popular em versos na Amazônia, 1981 pelaFUNARTE; e o prêmio “Osvaldo Orico”, da Academia Brasileira de Letras com o livro Memorial daCabanagem:esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará, em 1992.

18

A música, o negro e o folclore são os três principais eixos de análise da obra produzida

por Vicente Salles. Eles são temas que foram exaustivamente abordados pelo autor ao longo

de sua trajetória intelectual e que caminharam em meio a discussões políticas, sobretudo,

dentro do campo de sua militância marxista. A partir destes eixos, e com forte influência de

seu posicionamento político, a obra de Salles embrenhou-se por outros temas da história do

Pará, recuperando personagens e interpretações populares do passado da Amazônia, a

exemplo da presença no negro na região. Atualmente, este intelectual é autor de mais de vinte

obras publicadas (ver a listagem dessas obras no ANEXO 01) e de um considerável número de

microedições.

Possivelmente, este engajamento e o compromisso com a defesa político-cultural, e do

folclore do povo alicerçam-se inicialmente, a partir de sua história de vida. Uma parte de sua

infância que foi vivida na cidade de Castanhal e à proximidade com as comunidades negras

existentes em seu entorno. É importante salientar que Salles ressaltou “história de vida” no

sentido de fazer referência a sua infância, como parte de um “senso comum”, para utilizarmos

uma expressão trabalhada por Pierre Bourdieu38. Cabe ressaltar que, em outro momento de

sua vida essa experiência da infância, se junta com seu interesse, enquanto leitor, e

posteriormente como pesquisador, pela literatura de cordel, por exemplo.

Outro ponto essencial para explicação de seu empenho neste aspecto foram os contatos

e a experiência de pesquisa e de vida recebidas ainda na juventude como as de Bruno de

Menezes e de Dagoberto Lima. Posteriormente, já em sua fase adulta, não há como

desconsiderarmos a forte presença de Edison Carneiro, figura ímpar e decisiva para a carreira

e escolhas intelectuais de Salles.

Estes foram os nomes mais destacados para serem trabalhados neste primeiro

momento, outros nomes inquestionavelmente, expressaram grande valor para o caminho das

pesquisas realizadas por Vicente Salles ao longo de sua trajetória, tais como: Jacques Flores39,

38 Parte deste relato esta presente no documentário O Negro no Pará, cinco décadas depois..., onde VicenteSalles fala sobre as vertentes que o levaram a trabalhar sobre o tema do negro. Nesse sentido, procuramos fazerrelação acerca do termo “história de vida” para Salles e de como a história de vida foi abordada, no sentido deperceber a importância dentro de uma construção biográfica por Pierre Bourdieu, em seu texto A ilusãobiográfica In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos & Abusos da história oral. Riode Janeiro: Editora FGV, 2006, pp. 183-191.39 Luiz Teixeira Gomes um foi poeta e cronista paraense que utilizava o pseudônimo de Jacques Flores. Nascidoem Belém no dia 10 de julho de 1899, este escritor tinha como característica o gênero poético humorístico.Faleceu em Belém, no dia 12 de fevereiro de 1962, deixando algumas obras, como: Cuia Pitinga, SeveraRomana, Berimbau e Gaita e Panela de Barro. Cf.: ROCQUE, 1967, p. 821.

19

Georgenor Franco40 e Levi Hall de Moura41. Contudo, estas e outras personalidades das quais

Salles se aproximou, ele o fez, sobretudo, através do contato que estabeleceu com Dagoberto

Lima, por exemplo. Nesses termos, Salles faz uma consideração geral a respeito da relação

com os amigos da juventude, tanto de Castanhal, como de Belém, mencionando que o lado

mais prático da sua experiência pessoal foi o de ter tido a oportunidade de conviver com

“essas figuras” que vieram determinar e influenciar muitas das linhas de sua pesquisa e do seu

trabalho. 42

REDEFININDO SABERES E PESQUISAS: SALLES, BRUNO DE MENEZES E EDISON CARNEIRO

Com o poeta, escritor e folclorista Bruno de Menezes, Vicente Salles adentrou mais

profundamente no universo da cultura popular. Menezes, desde tenra idade, construiu uma

ligação muito forte com as atividades folclóricas da região e, tornou-se adepto da doutrina

anarquista, envolvendo-se inclusive em questões sindicais. Sua aproximação com o

anarquismo deu-se antes mesmo de seu reconhecimento como poeta e folclorista. Bruno de

Menezes foi também tipógrafo e operário. Seu trabalho como encadernador, embora não

tenha lhe trazido maiores recursos financeiros, possibilitou que Menezes entrasse em contato

com inúmeros livros, aos quais muito dificilmente teria acesso de outra forma. 43

Alonso Rocha, biógrafo de Bruno de Menezes, escreveu algumas “passagens” da vida

deste poeta, tratando não só do seu lado militante, mas sobre sua vida boêmia e de sua ligação

com as festas populares que eram comuns nos subúrbios de Belém, onde seu “grupo” debatia

40 Foi um intelectual paraense ligado à imprensa local, especialmente, ao Jornal “Folha do Norte”, ondedesenvolveu atividades de revisor, redator e noticiarista. Nasceu no dia 17 de novembro de 1919. Destacaram-seseus contos, crônicas e poemas, dentre os quais: “poeira da minha estrada” (contos e crônicas), “Ouro e Lama”(Contos e Crônicas), “Rebeldia” (Poema). Foi também, presidente da Academia Paraense de Letras no períodode 1962-1964 e de 1974-1985. Cf.: ROCQUE, 1967, p. 761 e http://www.apl-pa.org.br/academia.html.41Nascido em Belém, no dia 01 de outubro de 1907, este intelectual tornou-se reconhecido pelos seus trabalhoscientíficos, estudos folclóricos, crônicas, ensaios, crítica literária, política, entre outros. Formou-se em CiênciasJurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Pará, tendo desempenhado algumas outras funções, tais como:Escrivão de Polícia, Promotor Público da Capital, Juiz de Direito e Professor. Cf.: ROCQUE, 1967, p. 1156.42 Entrevista concedida à autora em 05/04/2011.43 A relação de Vicente Salles com uma das principais personalidades modernistas do Estado do Pará, no caso, oescritor Bruno de Menezes – a quem podemos considerar uma das influências mais marcantes na trajetóriaintelectual de Salles – fizemos uso de vários outros autores. Nesse sentido, o leitor pode consultar os autoresseguintes para aprofundar o assunto: ROCHA, Alonso. Bruno de Menezes: traços biográficos. In: Bruno deMenezes ou a sutileza da transição: Ensaios. Belém: CEJUP/Universidade Federal do Pará, 1994, pp. 07-36;FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Arte, Literatura e Revolução: Bruno de Menezes, anarquista, 1913-1923.In: FONTES, Edilza & BEZERRA NETO, José Maia (Orgs.). Diálogos entre História, Literatura e Memória.Belém: Paka-Tatu, 2005, pp. 293-307.

20

acerca de literatura e também sobre “revolução”.44 Marinilse Coelho ao destacar a obra

literária de Bruno Menezes, e especialmente, seu livro Batuque, de 1931, salienta o que

considera um dos aspectos centrais da literatura modernista paraense, a presença do tema das

festas populares dos negros, da influência da cultura afro na cultura amazônica. 45 É nítido por

estes dois autores e por outros que, Bruno de Menezes, represente uma figura ímpar na

introdução de Salles ao universo afro-amazônico.

O amor de Menezes pela causa dos negros e trabalhadores em geral, também era algo

partilhado por Salles, uma vez que literatura e revolução fizeram parte da atuação de

Menezes, e sua militância literária se expressava ao versar sobre os excluídos e oprimidos na

sociedade. 46 Outra figura que marcou a juventude de Vicente Salles foi a do sapateiro

Dagoberto Lima. Comunista, “seu Lima” fornecia os jornais do Partido Comunista, do qual

era membro, a Vicente Salles. Em suas entrevistas, são recorrentes as referências a “seu

Lima”, como podemos verificar através do excerto abaixo:

“... o Dagoberto Lima, seu Lima, comunista, que me fornecia jornaisdo partido e aquela literatura que meu pai, na época, tolerava, mas nãocomungava. Talvez preocupado com a história ainda recente doEstado Novo, e, nessa época, a já intensa propagandaanticomunista...”. 47

No trecho percebe-se a inclinação pelo discurso comunista, que já fazia parte da

trajetória e das escolhas pessoais de Salles, já que seu pai apenas tolerava o caminho

escolhido pelo filho. Salles ao falar do pai recorda que ele se dizia “livre pensador” e que teria

achado mais cômodo ficar na “direita”. Por outro lado ele gostava de se relacionar com

poetas, jornalistas e escritores, os “homens das letras”, entre os principais, estavam Bruno de

Menezes, vizinho da mesma rua e Romeu Mariz, redator de A Província do Pará. Talvez por

isso a “tolerância” do Sr. Clóvis Salles. Além disso, Menezes era anarquista, assim, o

44 ROCHA, Alonso. Bruno de Menezes, op. cit., pp. 10-14.45 COELHO, Marinilse. Memórias Literárias de Belém do Pará: o Grupo dos Novos (1946-1952). (Tese deDoutorado em Teoria Literária). Campinas/SP: UNICAMP, 2003. Nesse sentido, poderíamos falar sobre ainfluência da literatura modernista produzida na Amazônia em Salles, ou seja, no movimento folclórico em queSalles estava inserido, a partir do momento em que Bruno de Menezes, através dos seus escritos aderiu àliberdade poética, consagrando em seus poemas, a cultura afro presente na região amazônica, e principalmente,nos bairros de Belém, como fez no seu Batuque.46 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos modernos: uma história social da arte e da literatura na Amazônia,1908-1929. (Tese de Doutorado em História). Campinas/SP: UNICAMP, 2001. Ao falar do modernismo emBruno de Menezes o autor destaca alguns poemas com teor anarquista, a exemplo de “Chapeleirinhas”, ondeMenezes demonstra o valor do trabalho braçal das mulheres que produzem os chapéus elegantes que, utilizavamas damas da alta sociedade.47 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010.

21

comunismo nasceu em Salles por outros cruzamentos e certamente pela presença e amizade

com Dagoberto Lima. Vicente Salles, sempre faz questão de abordar a amizade com

Dagoberto Lima e relacioná-la com sua militância.

Da militância para o campo intelectual, passagem em que Bruno de Menezes

apresentou Vicente Salles ao antropólogo, folclorista e jornalista baiano Édison Carneiro. À

época em que se conheceram, Carneiro trabalhava com a presença do samba de umbigada no

Brasil, que acreditava estender-se até o Maranhão.48 Segundo o próprio Vicente Salles, o

antropólogo baiano acreditava que no Pará havia apenas a cultura cabocla. Carneiro, desta

forma, comunga com a perspectiva adotada por outros intelectuais. 49

Em 1954, Édison Carneiro visitava a Amazônia pela primeira vez, e ficou hospedado

na casa de Bruno de Menezes, durante o mês de junho. Salles os acompanhou nas visitas

pelos terreiros e parques de Belém, aos batuques, mercados e feiras, chegando a acompanhá-

lo às exibições do “pássaro quati” no tablado, uma espécie de circo que se apresentava na Rua

Humaitá, onde o público lotava a arquibancada.50 Carneiro veio à Amazônia três vezes entre

os anos de 1954 e 1955, e as suas investigações e observações sobre Belém ficaram

registradas em seu livro A Conquista da Amazônia. A partir dessa atenção voltada para

Amazônia, ele não só descreveu a economia e o espaço geográfico da região, mas descreveu a

Belém da década de 1950, seu folclore, sua cultura popular, o ambiente cultural da cidade que

Salles ainda vivia. 51

Destas visitas e do contato pessoal, Carneiro faria uma proposta a Vicente Salles. O

desafio era proceder a um levantamento dos terreiros de cultos afro-brasileiros de Belém.52 O

48 Forma musical de origem africana, mais provavelmente vinda do nome angolano “semba”, o que significariaumbigada, pela forma como era executada a dança. Artigos de Opinião | 2008-01-28,http://www.acorianooriental.pt/noticias/view/93258, acessado em 15/07/2010.49Por exemplo, em Santos e Visagens, Eduardo Galvão praticamente desconsidera a influência negra naconstituição da religiosidade do caboclo amazônico, considerando-a fruto da miscigenação de portugueses eindígenas. Cf.: GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens: um estudo da vida religiosa do Itá, Baixo Amazonas. 2ªEd. São Paulo, Ed. Nacional; Brasília, INL, 1976 [1955].50 SALLES, Vicente. Edison Carneiro, e o folclore do negro. Edição do Autor: Brasília, 1990 [1988].51 CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. Ministério da Aviação e Obras Públicas/ Serviço deDocumentação. Coleção Mauá, 1956. Cabe elucidar que, as visitas de Edison Carneiro à Amazônia na década de1950 foram realizadas a trabalho. Uma vez pela Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES), e outras duas vezes em missão da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia(SPEVEA) e do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC). Nesse período, este intelectual fezobservações bem peculiares da cidade de Belém, sobre seu aspecto cultural. Em uma breve apresentação dolivro, Carneiro destaca que as observações que constituíram esse trabalho foram completadas com informações,dados e estudos que, chegaram ao conhecimento dele antes e depois de aportar nessa região.52 O que viria a ser feito, também, pelo Professor Napoleão Figueiredo e por Anaíza Vergolino.No prefácio de O Negro no Pará, Arthur Cezar Ferreira Reis destaca que, a bibliografia sobre a presençaafricana na Amazônia nunca foi expressiva e nos apresenta algumas como: O Negro na empresa colonial dos

22

interesse era que, a partir desta pesquisa, pudesse-se comprovar a presença e a intensidade da

cultura africana negra na cidade de Belém, o que nos estudos da época representava uma zona

de opacidade. Posteriormente essa perspectiva inicial foi ampliada, indo além da compreensão

dos cultos e da religiosidade afro-brasileira na Amazônia. Doravante, a discussão central seria

a própria presença negra no Pará, objeto de estudo de Vicente Salles em sua especialização e

que veio originar sua principal obra, O Negro no Pará.

Vicente Salles aceitou o desafio, apresentando a Edison Carneiro alguns dos resultados

da pesquisa que realizara em pouco tempo. Surpreso com o material, Carneiro incentivou

Salles a sair de Belém e rumar ao Rio de Janeiro para continuar seus estudos, o que ocorreu

ainda no ano de 1954.53 Em entrevista, Salles destaca que, quando chegou ao Rio de Janeiro

fez contatos com a escritora Eneida de Moraes54, Bráulio do Nascimento55, Edison Carneiro e

Renato Almeida56, sendo que, Eneida foi quem introduziu Salles em alguns ambientes

literários57. Salles salienta que o mais produtivo teria sido o contato com Barbosa Melo, editor

da revista Leitura, uma publicação que reunia intelectuais de esquerda, e que acolheu a

portugueses na Amazônia (1961), de sua autoria; A introdução do negro na Amazônia (1938) e Negros-escravosna Amazônia (1952), de Nunes Pereira; e os estudos dos batuques de Belém realizados por Anaíza Vergolino eNapoleão Figueiredo, divulgados nas atas do simpósio sobre a biota amazônica, no Rio de Janeiro, em 1967.53 No que diz respeito à relevância da influência de Edison Carneiro em sua carreira e no meio cultural, torna-seindispensável conferir o documentário O Negro no Pará, cinco décadas depois..., realizado em setembro de2005. Faz-se necessário esclarecer, também, alguns aspectos quanto a sua chegada ao Rio de Janeiro. Chegandoao Estado da Guanabara com 22 anos de idade, procurou estabelecer contato com a jornalista e escritoraparaense Eneida de Moraes, e através dela com Osório Nunes e Osório Borba, do Diário de Notícias, assimcomo, colaborou com algumas revistas, convivendo com alguns intelectuais de esquerda. Pode ser conferido,também, para esta contextualização, a micro-edição Um retrospecto – memória, já mencionada anteriormente.54 Natural de Belém, a escritora e jornalista Eneida de Morais em sua mocidade, já participava dos movimentosliterários que aconteciam nesta cidade. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1930, onde atuou na imprensa e napolítica. Em 1932, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro, tendo sido presa em 1935. É autora das seguintesobras: Aruanda, O Quarteirão, Cão da Madrugada, Terra Verde. Cf.: ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédiada Amazônia, op. cit., p. 1143.55 Professor e crítico literário, especialista em romances e contos populares, Bráulio Nascimento nasceu no dia22 de março de 1924, em João Pessoa/PB. É autor da Bibliografia Brasileira do Folclore, tendo dirigido aCampanha de Defesa do Folclore na década de 1970, substituindo Renato Almeida. Cf.: SOUTO MAIOR,Mário. Dicionários de Folcloristas Brasileiros, op. cit.56 Renato Almeida foi musicólogo e folclorista, também, atuou como advogado e jornalista. Formou-se emDireito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Este intelectual foi um dos fundadores da ComissãoNacional do Folclore na década de 1940 e membro de inúmeras associações culturais Brasileiras e estrangeiras.Publicou vários livros sobre música e folclore. http://www.dicionariompb.com.br/renato-almeida/biografia.Acesso em: 15/08/2011.57 É importante atentarmos que Eneida de Moraes era militante comunista, e que atuou intensamente nojornalismo e no meio político do Rio de Janeiro, o que possivelmente deve ter ajudado Salles no processo deambientação nesse círculo literário, de imprensa e de política na cidade do Rio.

23

colaboração de Salles por algum tempo58. A partir desse momento, Salles passou a produzir e

trabalhar intensamente no campo da cultura e da literatura, do folclore paraense e amazônico.

Nesse período, ele produz um ensaio sobre Antônio Tavernard59, onde traça o perfil do

jovem poeta e escritor, e aponta a ausência de estudos da crítica literária sobre Tavernard.

Georgenor Franco teria sido um dos poucos que se dedicou a reunir alguns versos do poeta

em 1953 - embora, seus versos tenham sido publicados de forma esparsa em vários jornais e

revistas - o que possivelmente o teria levado a incitar Salles a concorrer com este ensaio no

concurso literário anual da Academia Paraense de Letras, mais adiante. Salles evidencia no

percorrer do ensaio que, este foi elaborado ao longo do transcurso do cinquentenário do

nascimento de Tavernard, o que possivelmente tenha ocorrido por volta de 1958. Em 1960,

Salles ganha o prêmio “Carlos Nascimento” da APL com o seu Exilado do Rancho Fundo.

FIGURA 1.3CAPA DO ENSAIO “O EXILADO DO RANCHO FUNDO” (DÉCADA DE 1950)

Capa de uma das vias entregues aos avaliadores do

concurso literário que ocorria anualmente na Academia

Paraense de Letras - APL, onde Salles, incitado por

Georgenor Franco, concorreu com o ensaio O Exilado do

Rancho Fundo: a vida e a obra, em pequena dimensão do

poeta Antônio Tavernard, em 1960, ganhando o prêmio

Carlos Nascimento. Imagem doada pela APL ao Museu

da UFPA.

FONTE: MUSEU DA UFPA

58 Entrevista concedida em maio de 2010 à autora, e O Liberal, 04 de dezembro de 2011, matéria intitulada“Vicente Salles é a memória viva do Pará”.59 O Poeta, jornalista e teatrólogo, Antônio Nazaré Frazão Tavernard, nasceu em 1908 na Vila de Pinheiro, hojeIcoaraci, município de Belém. Foi diagnosticado com mal de Hansen quando cursava o primeiro ano de Direito,na Faculdade do Pará, afastado da sociedade e da maioria dos amigos, passou a conviver com poucas pessoas.Seus versos se caracterizavam, principalmente, por aspectos folclóricos regionais. Sua obra poética foi reunidapor Georgenor Franco no volume Místicos e Bárbaros. Faleceu no dia 02 de maio de 1936, em Belém. Cf.ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia, op. cit., p. 1655. Tavernard foi um dos parceiros maisassíduos do compositor Waldemar Henrique, juntos compuseram as músicas “Foi boto, Sinhá” e“Matintaperêra”. Cf. SALLES, Vicente. Canções. [Ensaio Introdutório]. Belém: Imprensa Oficial do estado,1996, p.13.

24

Vicente Salles trabalhou na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro de 1958 a

1972. Ali conviveu com Edison Carneiro, um dos mentores do projeto da campanha, mas os

envolvidos tiveram problemas políticos ainda nos primeiros anos da ditadura militar no

Brasil. Carneiro que, também, vinha de uma militância no Partido Comunista, foi destituído

do cargo de Diretor da CDFB. Com a saída de Carneiro durante os anos de chumbo, Salles

desenvolveu atividades ao lado de Renato Almeida até o ano de 1972, quando foi trabalhar no

Conselho Federal de Cultura, secretariando a Câmara de Artes. Nesse último cargo, Salles

substituiu o musicólogo Mozart de Araújo. Nesse momento, o Conselho Federal de Cultura,

recomendou a criação do Departamento de Assuntos Culturais do MEC. Daí surgiu a

Fundação Nacional de Arte - FUNARTE. Em 1975, Salles transfere-se para Brasília, onde

ocuparia o cargo de chefe do escritório de representação do DAC, porém não permanecendo

por muito tempo nesse cargo, de onde foi demitido em 1980. 60

Seria importante retomarmos que, após se aposentar em 1990, Salles continuou a

produzir intensamente, textos, micro-edições, matérias para jornais e publicou diversos livros,

mas também se dedicou a organizar a própria coleção que, representa o resultado da

diversidade temática que ao longo de sua vida, tornaram-se o interesse deste intelectual

polígrafo. Nesse sentido, procuraremos identificar alguns, dos fios condutores da obra de

Vicente Salles.

A MÚSICA, O FOLCLORE E O NEGRO NA OBRA DE VICENTE SALLES

A música, o folclore e o negro foram os principais temas abordados por Vicente Salles

no transcorrer de sua trajetória profissional. Em grande medida, sua aproximação e seu

interesse para com estas temáticas ocorreram por influência de pessoas como Bruno de

Menezes e Edison Carneiro, ou ainda pelo contato com fontes orais e escritas, fruto do seu

trabalho de pesquisador e folclorista.

A contribuição de Vicente Salles para área musical no Pará é representada por um

número expressivo de obras. Além disso, também se nota que o campo musical constituiu-se

em um terreno importante para o seu engajamento político e cultural. Salles publicou os

seguintes livros específicos sobre o assunto: Música e Músicos do Pará (1970); A Música e o

Tempo no Grão-Pará (1980); Santarém: uma oferenda musical (1981); Sociedades de

60 Como o próprio Salles destaca: “O cargo foi disputado na época e acabei demitido, por motivo ignorado e nãosabido, em 1980”. Entrevista concedida a autora, através de carta, em maio de 2010.

25

Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará (1985); A Modinha no Grão-Pará: estudo sobre

a ambientação e (re) criação da modinha no Grão - Pará (2005), dentre outras. Esta

produção também reflete sua ocupação como membro titular da cadeira nº 2 da Academia

Brasileira de Música, em 1995, como sucessor do maestro Waldemar Henrique61. Salles não

se considera um musicólogo, uma vez que seus temas de pesquisa são explorados por um

olhar de folclorista, historiador, antropólogo, e não de musicólogo. 62

Devemos observar que a inclinação de Salles para a música, ou melhor, para os seus

estudos sobre esse tema dependeu da sua escolha enquanto pesquisador, mas não devemos

deixar de considerar que o interesse pela música teve forte influência familiar. Através de sua

mãe, interessou-se pelas modinhas. Sobre este gênero, Karla Oliveto destaca:

“Em seu relato oral, Salles define a modinha como um fenômeno queabarca duas áreas do conhecimento: a música e a literatura. A música,por ser uma interação entre o folclórico e o erudito; a literatura, pelocaráter narrativo das experiências e da história social do homem”. 63

Em seu livro A Música e o Tempo no Grão-Pará, que segundo Karla Oliveto, é

considerada por Salles um dos livros mais importantes de sua produção nesta área, ele

objetivou trabalhar a história da música no Pará e como ela se manifestou nesta região, desde

o período colonial até o período republicano. Observando, por exemplo, que o escravo era um

trabalhador polivalente e que fazia música, alguns senhores, inclusive, tinham o requinte de

formar conjuntos musicais, instrumentais e corais com seus escravos.64 Originalmente, a obra

foi escrita em quatro volumes, com dois deles ainda não editados. Estudo vasto que deu

especial atenção aos gêneros populares e valorizou aspectos musicais que o relacionassem à

cultura popular e ao folclore, com ênfase para a região amazônica.

61 Salles foi eleito para a Academia Brasileira de Música em 1995, cadeira antes ocupada pelo compositorparaense Waldemar Henrique. A indicação de Salles para membro da referida academia, deve-se ao maestroFrancisco Mignone, mas também, pelo reconhecimento das suas obras que tratam sobre a história da música noPará. A ABM, nesse período, atravessava uma época de estagnação, apresentando o seu quadro de membrosincompleto. Posteriormente, a proposta foi reforçada pelo Maestro Marlos Nobre, quem fez a indicação formal, eSalles passou a ocupar a cadeira nº2, vaga após a morte Waldemar Henrique. Estas informações foram obtidasatravés das seguintes fontes: entrevista concedida à autora, em março de 2012 e Coleção Vicente Salles. MaterialHistórico Cultural - Vicente Salles - Correspondência Recebida - Negro e Música. Carta de Wilson Fonseca aVicente Salles. Santarém (PA), 02/08/1995.62 Ver: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em música.(Dissertação em mestrado em Música). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.63 Ibidem, p. 1664 SALLES, Vicente. A Música e o Tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980, p. 46.Salles abordou sobre a evolução da música sacra, sobre a ópera no Pará, não esquecendo de destacar a músicadas ruas, costumes, em geral proibidos, sobre a arte que não entrava no Teatro da Paz, mas que tinha publico detodas as camadas sociais.

26

Embora seja notória sua dedicação e contribuição para os estudos da musicologia

brasileira, Vicente Salles não se considera musicólogo; na realidade, ele se considera mais

como um historiador, pois seus trabalhos no contexto da área musical são mais explorados por

este olhar historiográfico, na medida em que analisa “... a música dentro do contexto histórico

em qualquer outra atividade humana, seja artística, seja artesanal...”, reiterando que “... a

história é fundamental para se entender o caminho da cultura. Eu sou um historiador da

cultura...” 65

Foi como um culturalista que Salles iniciou seus estudos. A obra mais marcante para

se compreender sua formação é O Negro no Pará: sob o regime da escravidão, publicado

originalmente em 1971, pela Fundação Getúlio Vargas, em convênio com a Universidade

Federal do Pará. Esta obra permeia vários campos indo além da história e da sociologia em

voga nos idos de 1960 e 1970. Nela, Salles analisa vários aspectos, da vida, história e,

sobretudo da cultura negra na região. Estuda a dimensão e práticas culturais do negro no Pará;

suas práticas culturais; suas formas de resistências, o seu engajamento nas lutas de classe,

como durante a Cabanagem, e ainda analisa a presença da mão-de-obra negra na economia

agrária e na história social da Amazônia.

A primeira edição foi prefaciada por Arthur Cezar Ferreira Reis66. Segundo Ferreira

Reis, a obra em questão representa uma verdadeira revolução para os estudos amazônicos,

pelo que apresentava, corrigia e afirmava. Para Reis, em tema tradicionalmente marcado pela

presença da cultura indígena, Vicente Salles comprova a influência étnica e cultural do negro,

assim como sua relevante participação demográfica e econômica, em meio aos trabalhos na

lavoura. Ao trabalhar com o lazer do escravo, Salles demonstrou a intensidade da presença da

cultura negra na formação da cultura amazônica; e sobre a fusão das culturas africana,

indígena e européia.

O estudo do negro no Pará proporcionou à Salles a oportunidade de relacionar seus

amplos campos de interesse, juntando a música, a literatura e o folclore, com questões

políticas e sociais, como a resistência negra e a luta de classes. Salles ainda reforça que a

temática do negro no Pará não dificultou em nada os estudos sobre o folclore e a cultura

65 OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit., p. 6066 Destacado intelectual, político e historiador, Ferreira Reis é indispensável aos estudos sobre a AmazôniaColonial, pois seus trabalhos sobre a historiografia da Amazônia abarcam estudos sobre os aspectos da formaçãohistórica desta região, especialmente, a cultura local, a estrutura administrativa, os índios e os interesses políticose econômicos. Em suma, foi uma das personalidades mais engajadas politicamente em defesa da Amazônia. Esteintelectual nasceu em Manaus no dia 08 de janeiro de 1906 e faleceu no dia 07 de fevereiro de 1993. Ver:http://www.revistadehistoria.com.br

27

amazônica em geral. Ele aponta como “... uma das fases mais interessantes da pesquisa

científica – o estudo particular de certas tendências e certas características dos fenômenos

folclóricos. A presença negra, por exemplo, e a lúdica amazônica, no que tem de mais

representativo, é essencialmente africana” 67. Para o autor, os fenômenos folclóricos também

são fenômenos de cultura, e ambos podem ser analisados individualmente. Contudo, esses

fenômenos não são isolados, e sim representam uma realidade concreta, dinâmica, em

constante readaptação às novas formas assumidas pela sociedade. Assim, o folclore, na

realidade, tornou-se o que ele chamou de “Matéria Viva”, devendo ser estudado naquilo que

tem de vivo, a partir de sua mutabilidade no meio social. 68

O folclore e seu estudo na obra de Salles nos remetem mais uma vez, à figura de

Edison Carneiro e à sua ideia de um folclore como algo dinâmico e social.69 Por exemplo,

retomando as discussões sobre a presença negra na Amazônia, e sobre as influências étnicas e

culturais presentes no livro O Negro no Pará, Vicente Salles chama atenção para a presença

de negros músicos e cantores na Amazônia colonial. Para o autor estes músicos e sua ação

social e cultural, por exemplo, resultaria na presença local de um folclore, onde foi moldada a

personalidade do negro, resultando em variados cantos e danças presentes na Amazônia70. É

importante destacar que, o folclore na obra de Salles não se distancia de sua forma de fazer

política e de entender sua ligação com a forma de Salles escrever sobre o passado. Esta forma

de fazer história e de incorporar o folclore a ela pode ser melhor entendida na atuação de

Vicente Salles na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

1.2. VICENTE SALLES E A REVISTA BRASILEIRA DE FOLCLORE

Vicente Salles dedicou-se por mais de dez anos à Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro, especificamente nos anos de 1961 a 197271, inicialmente sob a direção de

67 SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. 2ª Ed. Brasília/Belém: Ministério daCultura/Secretaria de Estado da Cultura do Pará/Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988, p.186.68 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. In: Revista Vozes, Rio de Janeiro, Out./1969, pp.878-888. Nesse artigo, o autor cita alguns folcloristas que se enquadram na defesa da dinâmica do folclore como:Raffaele Corso, Albert Marinus, Iuri Solokov, entre outros, no Brasil: Câmara Cascudo, Renato Almeida eEdison Carneiro.69 Para Carneiro, ao mesmo tempo em que se realiza a pesquisa folclórica, aprofunda-se a análise circundante.70 Cabe aqui salientar outras obras de Vicente Salles sobre a presença negra, que surgiram a partir dosdesdobramentos de seus estudos e pesquisas a partir do Negro no Pará como: Vocabulário Crioulo e O Negro naformação da sociedade paraense.71 A Revista Brasileira de Folclore circulou de 1961 a 1976.

28

Edison Carneiro e depois de sua deposição com a ditadura militar sob a coordenação de

Renato Almeida. Nesse período, esse pesquisador organizou a Biblioteca Amadeu Amaral

e foi redator da Revista Brasileira de Folclore - substituindo Bráulio do Nascimento.

Nestas atividades Salles adquiriu conhecimento amplo sobre a história cultural do Brasil, o

que permitiu a este folclorista especializar-se em bibliografia comentada.

Edison Carneiro na apresentação da primeira edição da Revista Brasileira de

Folclore, em 1961, analisava o propósito de manter um periódico deste porte, ressaltando

que a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro72 estava ligada ao Ministério da

Educação e da Cultura, e este estava empreendendo naquele momento, inúmeras

pesquisas, realizando cursos, publicando livros, organizando exposições, assim como,

realizando o levantamento de diversos tipos de documentação sobre o tema da cultura e

folclore. Desta forma, lembrava Carneiro, a Revista Brasileira de Folclore nascia um

“ambiente propício” para a divulgação científica do folclore. 73

O grupo folclorista do MEC procurava divulgar suas atividades em revistas ou em

exposições como a realizada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Na foto que se

segue, notam-se as autoridades e técnicos no dia de sua inauguração.

72 A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro tinha como objetivo atuar em todo o País por meio de projetosque fossem capazes de realizar as idealizações desta campanha. Criada em 1958, sob a orientação de RenatoAlmeida, sendo nomeado diretor o musicólogo Mozart de Araújo, a campanha precisava de colaboradores,assim, Salles foi transferido do Ministério da Educação e Cultura para o novo órgão. Estas informações foramrecolhidas a partir da entrevista concedida à autora, em maio de 2010.73 O primeiro número da Revista Brasileira de Folclore corresponde aos meses de setembro a dezembro de 1961.Cabe ressaltar que, Edison Carneiro destaca em sua apresentação o “caráter nacional” da revista, com asdiscussões sobre folclore, algo que estava sendo feito aos poucos em algumas regiões do Brasil, ao exemplo deCâmara Cascudo no Rio Grande do Norte.

29

FIGURA 1.4INAUGURAÇÃO DA “EXPOSIÇÃO DE ARTE POPULAR” (1965)

Foto da abertura da exposiçãorealizada pela Campanha deDefesa do Folclore Brasileiro,na Biblioteca Nacional. Essaexposição foi aberta no períodode 23 a 27 de agosto de 1965,reunindo peças folclóricas detodas as regiões do Brasil emcomemoração ao dia doFolclore.

FONTE: REVISTA BRASILEIRA DE FOLCLORE, ANO I, N. 12, MAI./AGO. 1965.

Tanto a exposição mais pontualmente, como a Revista Brasileira de Folclore, de

forma mais regular visavam a criação de um espaço para discutir e divulgar o resultado de

estudos e ideias políticas e sociais relacionados ao folclore. Nesse sentido, como analisa a

historiadora Tânia Regina de Luca, os periódicos também servem como um em

instrumento de luta, tanto quanto também como “polos aglutinadores de propostas

estéticas”. 74 Assim sendo, estudos como os de Tânia de Luca (2006) e o de Ana Soares

(2010), percebem nos periódicos este caráter multifacetado como o que vislumbro na RBF.

Se por um lado, a RBF procurou incentivar as discussões a respeito de uma disciplina

que estava pretendendo se firmar como ciência; por outro lado, os intelectuais envolvidos

na campanha pelo folclore, também, buscaram dar concretude à idealização de uma forma

de pensar o folclore como algo mais ligado a aspectos sociais e políticos. Dessa forma,

cabe ressaltar que buscamos verificar no segundo capítulo a relação entre folclore e os

aspectos político-ideológicos de um dado contexto.

74 LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: Pinsky, Carla Bassanezi (Org).Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 125.

30

Utilizando-me do conceito de “fermentação intelectual”, posso afirmar que a RBF

criava este ambiente.75 No caso de Vicente Salles, a RBF foi um espaço onde fez amigos,

produziu e divulgou de certa forma, o folclore da Amazônia. Também, devemos considerar

que foi o local onde foi gestada a sua obra sobre o negro no Pará.

Vale lembrar que a Revista Brasileira de Folclore circulou entre os anos de 1961 a

1976, exatamente, em um dos períodos mais conturbados da história do Brasil. Mesmo com

a ditadura militar e a saída de Carneiro, vários intelectuais compromissados com a

divulgação dos estudos e discussões sobre o folclore, conseguiram publicar 41 edições.

Contudo, os envolvidos nesta tarefa viviam em uma relação que se apresentou como tensa,

mas que em alguns momentos, também, se apresentou como favorável, para a própria

sobrevivência da revista, a exemplo, indicação de Renato Almeida. 76 No que diz respeito ao

perfil dos leitores da RBF, poderíamos destacar que, encontravam-se entre os que

frequentavam as livrarias da cidade do Rio de Janeiro até as instituições públicas que foram

agraciadas pela distribuição. Assim, a revista estaria presente nos principais pontos políticos

e intelectuais que se constituíam nos anos de 1960-70. A partir de 1965 passou, também, a

ser comercializada em bancas de revista, visando alcançar um maior número de leitores. 77

Um dos aspectos que garantiu a continuidade da RBF foi a saída de Edison Carneiro.

Renato Almeida foi seu substituto. Ele seria outro membro do grupo e um dos fundadores

75 O historiador francês Jean François Sirinelli intensificou um pouco mais essa discussão, especialmente quandotrata sobre as “estruturas elementares da sociabilidade” daqueles considerados intelectuais. Assim, ao falar sobreo meio intelectual, este autor cita o exemplo da revista, como espaço onde ocorre essa espécie de “fermentação”,uma vez que este espaço torna-se um lugar propício para a análise do movimento das ideias, assim como, derelações afetivas. O autor, inclusive, vai um pouco mais além, ao dizer que todo grupo de intelectuais organiza-se, inclusive em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural e de afinidades que, não seriamnecessariamente as mesmas, mas igualmente determinantes. O que faz com que essas pessoas tenham vontade emotivação para conviver em determinado espaço, seriam as chamadas “estruturas de sociabilidade” que, ohistoriador não pode ignorar. Esta colocação de Sirinelli nos permite esclarecer algo importante, no caminhardeste trabalho, uma vez que não pretendemos aqui, iniciar um estudo prosopográfico, mas sim levar emconsideração um grupo social (da revista), para entendermos o contexto de Salles na CDFB, econsequentemente, na RBF. Cf.: SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Poruma história política. 2003, pp. 248-249.76 Para uma leitura mais aprofundada sobre este tema e sobre a relação entre o grupo de intelectuais daCampanha de Defesa do Folclore Brasileiro - através da RBF - e os militares cf.: SOARES, Ana Lorym. RevistaBrasileira de Folclore: intelectuais, folclore e políticas culturais (1961-1976). (Dissertação de Mestrado emHistória Social da Cultura). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2010.77 Sobre o perfil dos leitores da RBF cf.: SOARES, Ana Lorym. Revista Brasileira de Folclore, op. cit. p.40;Salles, também nos deu algumas pistas sobre a circulação da RBF. Através de depoimento, o pesquisadorressalta que, a revista desde o seu primeiro número foi direcionada aos “especialistas da matéria” para reforçar omovimento folclórico no Brasil. As bibliotecas públicas foram as primeiras instituições a serem beneficiadas,assim como as Comissões Estaduais de Folclore, em quase todos os Estados que realizavam trabalho local. Noperíodo em que Edison Carneiro estava à frente da RBF instituiu o sistema de assinatura, mas depois de 1964,ela passou a ser distribuída gratuitamente aos “velhos assinantes”. Entrevista concedida à autora, através deemail, em março de 2012.

31

da Comissão Nacional de Folclore.78 Salles rememora que Renato Almeida substituiu

Edison Carneiro em 1964, na CDFB, quando se instituiu a ditadura militar no Brasil, uma

vez que Carneiro era militante do Partido Comunista, tendo sido exonerado. Dessa forma,

Salles procurou destacar as qualidades de Renato Almeida:

“Renato Almeida era intelectual conhecido, com obra consolidada,homem do Itamarati e da UNESCO, amigo dos folcloristas, e naqualidade de Secretário Geral da Comissão Nacional do Folclore,instalou o Conselho Nacional de Folclore, criado pelo decreto nº50438, de 11 de abril de 1961.”79

Salles ainda analisa que, Renato Almeida não teria sido golpista, mas talvez tenha

sido a figura “necessária” aos militares “golpistas”, para se manter na defesa do folclore. A

frase curta de Salles é bastante objetiva, afinal, devemos partir da ideia de que, o folclore,

mesmo aquele proposto por Carneiro, também respirava nacionalismo. Ele seria necessário

ao novo governo militar que se estabelecia, porém não poderia ser dirigido por um

comunista como Carneiro. Contudo, um militante comunista menos visível ao sistema,

como era o caso de Salles, poderia permanecer no órgão. Sua ação, entretanto, estava mais

vigiada e, assim é perceptível que a política e a militância de Salles no período tornava-se

mais clara em sua obra, a exemplo do Negro no Pará, bem como na seleção de textos e

artigos para a RBF. Uma estratégia utilizada para a publicação de textos na Revista

Brasileira de Folclore era o anonimato. Como destacou Salles:

“[...] muitas matérias da revista (principalmente resenhasbibliográficas) eram redigidas por Edison Carneiro e publicadasanonimamente. 64 não conseguiu portanto frear o trabalho dosfolcloristas, que, afinal, não eram perturbadores da ordem.80

Nesse sentido, é importante observamos como Salles procurou exprimir suas

discussões políticas, em meio às suas obras e outras publicações, no momento conturbado

em que se encontrava o país com a ditadura militar. Ele continuou sendo militante através

da sua produção sobre o folclore, sobre o negro e sobre a história. Era possível, então,

78 Cf.: http://www.dicionariompb.com.br/renato-almeida/biografia (Dicionário Cravo Albin da Música PopularBrasileira). Acessado em: 16/11/2011.79 Excerto da entrevista concedida, através de carta à autora, em maio de 2010.80 Entrevista concedida à autora, através de email em março de 2012.

32

criticar o sistema sem falar explicitamente a respeito do presente político, usando o

passado e o folclore como “arma política”. 81

A ESTRUTURA DA RBF E OS CARGOS E FUNÇÕES DE SALLES

A Revista Brasileira de Folclore apresentava a seguinte estrutura: apresentação,

textos ou artigos, noticiários, bibliografia (livros comentados sobre folclore) e revistas e

periódicos (revistas e periódicos comentados sobre folclore), e a partir do nº 17, surgiu a

seção “Documentário”. Esta estrutura significava um esforço para abarcar os vários

debates sobre o tema, e inserir o folclore tanto no Brasil como em um contexto mais amplo

e internacional. O diálogo dentro do campo dos estudos sobre folclore e a divulgação do

tema são o foco da revista, revelados em sua estrutura. De antemão, destacamos que

Vicente Salles apareceria com mais frequência nas seções de “artigos” e “bibliografias”,

em especial na última, pois com a tarefa de organizar uma biblioteca especializada fez com

que Salles voltasse seu olhar para o material que processava.

No exemplar número nº1 que, corresponde aos meses de setembro a dezembro de

1961, por exemplo, o nome de Vicente Salles aparece com destaque na inauguração da

biblioteca especializada em folclore “Amadeu Amaral”, por ter atuado com competência e

seriedade em sua organização. Fato este devido ao acervo com mais de mil livros, folhetos,

separatas e revistas sobre o folclore brasileiro e de outros países.82 Assim, estava claro que

a presença de Salles significava ali um suporte importante na manutenção e ampliação de

obras sobre a temática, bem como a pessoa que operacionalizava sua divulgação, no que

concerne à Exposição acima citada.

Salles iniciou sua carreira na CDFB realizando algumas tarefas que a ele foram

delegadas por Edison Carneiro. A primeira foi a organização da biblioteca deste órgão que,

até o momento da inauguração não tinha um volume muito grande de material, e como

descreve o próprio Salles “...mal enchia três estantes de aços coladas nas paredes do

81 Thompson, ao analisar a literatura inglesa do século XVIII, através da produção literária de poetas comoSamuel T. Coleridge, por exemplo, destaca a militância revolucionária desse escritor, assim como, por outrolado, menciona a presença de uma “certa” ambiguidade intelectual de apostasia. Nesses termos, o autor nosremete à ideia de que a militância nem sempre é expressa de forma explícita para todos. Cf. THOMPSON, E.P. Os Românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002,p. 204.82 Proposta ao Conselho Técnico de Folclore em abril de 1959, por Edison Carneiro. Foi somente depois de doisanos que a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro pode dispor de uma biblioteca especializada.

33

pequeno órgão. Contava com apenas 174 livros e 249 folhetos de literatura de cordel...”.

Contudo a mesma biblioteca logo se expandiu consideravelmente, pois foi acrescida de

doações de Renato Almeida, Eneida de Moraes e de vários folcloristas membros do então

Conselho Nacional de Folclore. Posteriormente, a repartição veio a se mudar para um

espaço mais amplo, na Rua Pedro Lessa, no Rio de Janeiro, tendo sido a biblioteca

inaugurada com o nome do folclorista Amadeu Amaral. Nesse momento, é possível que,

tenha surgido em Salles o entusiasmo de trabalhar com bibliografias comentadas a partir da

organização do que estava sendo coletado. 83

FIGURA 1.5EDSON CARNEIRO EXIBINDO PASTAS DE DOCUMENTAÇÃO DA BIBLIOTECA DO FOLCLORE

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

Para além do trabalho na organização do acervo da Biblioteca, ainda antes do período

da ditadura, Salles passou a ocupar um primeiro cargo. Na revista de nº3, que corresponde

aos meses de maio a agosto de 1962, Vicente Salles aparece como chefe da Divisão de

Documentação - Setor Biblioteca, da CDFB.84 Somente na revista de nº8, correspondente

aos meses de janeiro a dezembro de 1964, é que Salles aparecerá como secretário desta

83 Sobre os trabalhos inicias com a biblioteca da CDFB Cf.: Revista Brasileira de Folclore, Ano I, n. 01, set./dez.1961. Outras informações foram obtidas a partir da entrevista à autora em maio de 2010.84 Sobre a estrutura e eficiência da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, cf.: Revista Brasileira deFolclore nº 04, set./dez. 1962.

34

revista. Assim, no ano de 1965, Salles permaneceu como diretor da RBF, mas até então

não temos notícias de publicação de trabalhos desse intelectual nas edições deste ano. Foi

somente em 1966 que, Salles assumiu o posto de “redator” da RBF, especificamente, na

edição de nº 14, correspondente aos meses de janeiro a abril de 1966. Ainda em 1966, na

edição nº 15, Vicente Salles torna-se “redator-chefe” da RBF - cargo que era ocupado por

Bráulio do Nascimento - permanecendo neste cargo até 1972.

Pela leitura e pesquisa na RBF percebe-se que foi após a exoneração de Edison

Carneiro, em 1964, que Salles assumiu alguns “papéis” na direção da revista, continuando,

nesse sentido a defesa pela causa do folclore no Brasil, como podemos perceber o mesmo

caminho em um trecho de sua entrevista, que revela detalhes deste crucial momento:

Renato Almeida substituiu Edison Carneiro em 1964, quando seinstituiu a ditadura militar. Edison foi destituído por força de suamilitância no Partido Comunista – a repartição apareceu no diaseguinte do golpe lacrada com um cartaz que dizia: “Fechada por serum antro de comunistas”. Nesse dia fui o primeiro a chegar ao localde trabalho. Retirei cuidadosamente o cartaz, abri a repartição, eguardei o estranho documento num armário de aço. Edison foidemitido, assim como sua secretária, Heloísa Ramos, viúva deGraciliano Ramos. Mauro Vinhas, o editor da revista, suicidou-se.Bráulio do Nascimento, o imediato de Edison Carneiro, também sedemitiu. Segui o conselho de Edison para ficar e “defender”, essa“trincheira do Folclore”. 85

Além de revelar o momento de grande tensão no trecho percebe-se que Vicente

Salles, não foi demitido e nem pediu demissão. Ele procurou fazer aquilo que Edison

Carneiro havia lhe solicitado: continuar a defender a causa do folclore, mesmo que para isso

Salles houvesse que dialogar com os indicados pelos militares em determinado momento.

Esta tarefa fica mais clara ao analisarmos as atividades de Salles como diretor e redator da

RBF. Faz-se importante retomar que nesse contexto muitas matérias produzidas para a

revista, principalmente, as resenhas bibliográficas, foram redigidas por Edison Carneiro e

publicadas anonimamente, e como destacou Salles, o ano de 1964 não conseguiu “frear” o

trabalho dos folcloristas da campanha. 86

Sua atuação dentro da CDFB, especialmente, no espaço da RBF, revela um autor

preocupado, sobretudo, com a divulgação de textos sobre o tema do folclore. Sua experiência

adquirida a partir da organização de uma biblioteca especializada permitiu que Salles

85 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010.86 Entrevista concedida à autora, através de email, em março de 2012.

35

transmitisse inúmeras informações sobre autores, obras e sobre a organização de acervos que

tinham como centro o tema do folclore, ou que poderiam ser úteis a este estudo. Salles

trabalhou com bibliografias comentadas, algo que, embora não fosse visto com muita

importância por alguns intelectuais, era parte essencial do trabalho de divulgação da

produção sobre o assunto.

Os textos produzidos por Vicente Salles na RBF, principalmente os anos de 1967 a

1969 esclarecem um pouco melhor essa preocupação. Talvez por conta do período delicado

no mundo político, os trabalhos deste momento começam revelando um trabalho de fora do

Brasil. Na edição de nº 17 da RBF, Salles se dedica a figura de Zoltán Kodály e sua

contribuição como folcmusicista. Sendo este autor de inúmeras composições musicais,

considerado como “o cientista” que revelou ao mundo contemporâneo a variedade do

folclore musical da Hungria, através de suas pesquisas etnomusicológicas.87

Embora o “enfoque” de Salles estivesse na trajetória de Kodály e das suas pesquisas

sobre o folclore Húngaro, o autor faz uma associação “discreta” entre cultura e as

transformações sociais pelas quais passava a Hungria. Foi com a morte de Stalin, em 1953

que, iniciou-se o desmoronamento político soviético, sobretudo por conta dos ataques

oficiais à era stalinista em geral, em pouco tempo surgiram campanhas para um comunismo

reformista, como na Polônia, e a revolução na Hungria em 1956. 88 Nesse sentido, é possível

que Salles tenha se dedicado à análise dessa biografia com a intenção de refletir sobre

política também, uma vez que o autor apontou que a revolução e as transformações ocorridas

no país, ao se processarem, desenvolveram necessidades urgentes, e que naquele momento a

reforma das ideias teria sido inevitável. 89

Salles ainda rendeu homenagens a outro estrangeiro, Albert Marinus, na edição de nº

18 da referida revista. A homenagem foi feita em comemoração ao octogésimo aniversário

do folclorista belga que, dedicou-se não ao folclore, mas a campanha em defesa de uma

ciência do folclore. Marinus se destacou por considerar os fatos folclóricos como fatos

sociais, reflexão que, segundo Salles, condensa o que foi exposto no trabalho de Marinus

87 O texto foi intitulado Zoltán Kodály, tendo sido publicado na edição de n. 17, de jan./abr. de 1967, pp. 41-50.88 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914 -1991. São Paulo: Companhia das Letras,1995, pp. 386-387.89 À época da publicação do texto de Salles ocorria no Brasil a transição do primeiro governo militar. Em marçode 1967, Costa e Silva é empossado na presidência, no lugar de Castelo Branco. Nesse sentido, seriainteressante observarmos o endurecimento do regime militar nos primeiros anos da ditadura, imposto de formapaulatina. Cf.: FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio deJaneiro: Record, 2004.

36

“Folklore et Sociologie”.90 Aqui, mais uma vez, Salles une o estudo do folclore com a

política e a militância, visto que “biografou” alguém que propõe um estudo mais sociológico

do folclore.91

Além de recuperar vidas que julgava centrais ao tema do folclore - literatura -

música, Salles também se dedicou à divulgação de obras e à pesquisa, seleção e divulgação

de bibliografia temática. Em 1968, Salles deu impulso há outros textos sobre a questão da

bibliografia e, na edição de nº 20 da RBF, Salles publica o texto intitulado Bibliografia

Crítica do Folclore Brasileiro – Bumba meu Boi, em parceria com Sênia Sampaio

(responsável pelo setor de documentação da CDFB). A bibliografia extensa foi toda

levantada, organizada e disponibilizada em ordem alfabética nas páginas da RBF. 92

Na edição de nº 21 da revista, Salles e Sênia Sampaio deram continuidade à

publicação da Bibliografia Crítica do Folclore Brasileiro - Bumba meu Boi. Na edição de nº

22, podemos observar a referência ao poeta e folclorista Bruno de Menezes e ao jornalista

Romeu Mariz.93 Em 1969, Vicente Salles apresentou aos leitores da revista, a última

publicação da “Bibliografia Crítica do Folclore Brasileiro”, sobre Capoeira, a qual assinou

sozinho. O autor justificou seu esforço em uma apresentação na qual ressaltava que a

importância da publicação da bibliografia comentada sobre a capoeira assentava-se no fato

que este assunto estava entre os mais consultados na Biblioteca Amadeu Amaral.

Observamos que essa ideia de preservar os acervos e divulgar obras sobre a cultura popular

fazia parte, também, de uma militância de Salles pelo acesso universal e irrestrito às fontes e

às obras, da mesma forma possuía um papel político.

No ano de 1971, Salles escreveria seu último texto para a RBF intitulado José

Veríssimo e o Folclore. Neste texto, Salles fala um pouco sobre a trajetória e o trabalho de

José Veríssimo como folclorista e crítico literário. Salles procurou compreendê-lo, como um

90 RBF. N. 18, maio/ago. 1967.91 Ibidem. Marinus sempre defendeu a tese de o fato folclórico ser um fato social, considerando-o objeto dasociologia e destacando sua importância dentro de uma sociologia geral. Trata-se de uma sociologia pura,“geral”, onde haveria igualmente uma sociologia “especial”, que agrupa pontos de vista particulares, onde osfatos sociais são reunidos segundo as analogias e caracteres considerados secundários, o que não veem a tirar-lhea importância. Ou seja, Marinus, dentro do seu esquema adéqua o folclore no quadro das Ciências Sociais.92 Salles destaca nesta primeira publicação sobre a bibliografia crítica do folclore brasileiro a justificativa parasua importância, pois o objetivo seria oferecer ao pesquisador e ao leitor interessado alguns elementos básicospara uma tomada mais rápida de determinado assunto. RBF, nº 20, jan./abril de 1968. p. 9393 De Bruno de Menezes: Boi bumbá (auto popular). Belém [H.Barra] 1958; Os Concursos Joaninos e aComissão de Folclore. A Província do Pará, Belém, 30 de jul. 1952; Folclore Junino. A Província do Pará,Belém, 23 de jun. 1963. Transcrição. A gazeta de São Paulo, 17 de set. 1960. De Romeu Mariz: Chronicassertanejas. Lendas, tradições e costumes dos sertões do meio-norte. Belém, Imprensa Official do Estado do Pará,1908.

37

escritor e um estudioso que comete “erros”, como por exemplo, os julgamentos de valores,

presentes em seus escritos sobre raça, religião e mito, porém, sem deixar de destacar o

pioneirismo de seus estudos sobre folclore, que independentemente de seus “julgamentos”

fez das raças cruzadas seu objeto permanente de estudo. 94 Cabe salientar o retorno de Salles

ao trabalho com textos que aborda, de certa forma, a biografia de personalidades ligadas ao

tema do folclore, algo, também, constante em sua coleção.

Constatamos que Salles, em 1971, retoma a vida de Veríssimo em um contexto

bastante difícil no cenário político do Brasil, mas rico para a Amazônia, com o “milagre

brasileiro”. É nesse período que também se verifica a transição do mandato de reitor da

Universidade Federal do Pará, onde José Rodrigues da Silveira Neto dava lugar a Aloysio da

Costa Chaves. Em 1969, a Universidade Federal do Pará, e junto dela Arthur Cezar Ferreira

Reis, inauguram uma coleção chamada “José Veríssimo”, onde foram reeditadas obras como

Motins Políticos, de Domingos Antônio Raiol, e Ensaio Corográfico, de Antônio Baena.

Nesse contexto, Ferreira Reis estava à frente do Conselho Federal de Cultura, e tinha uma

relação bastante amistosa com a intelectualidade paraense. 95

Sua permanência na Revista Brasileira de Folclore foi considerável. O suficiente,

para analisarmos parte da trajetória de Vicente Salles como intelectual que, procurou

socializar suas pesquisas e seus trabalhos, assim como, divulgar seus estudos folclóricos, e

que acima de tudo contribuiu dinamicamente para o funcionamento do periódico em questão.

Depois da primeira edição da revista no ano de 1971, da qual Salles ainda contribuiu,

observamos a ausência dos escritos deste pesquisador nas edições que foram publicadas no

mesmo ano. Os números publicados em 1972 seriam os últimos em que Salles continuaria

com o posto de Redator-Chefe da RBF.

Saindo do universo de autoria para uma analise mais detida da atuação de Salles

como diretor em exercício da RBF, quando das ausências de Renato Almeida, há aqui outros

trabalhos importantes a serem mencionados, os quais desenvolvidos paralelamente na

94 RBF, nº29, jan./abr. de 1971.95 Seria nesse ambiente que Salles publicaria o texto sobre José Veríssimo, assim como, O Negro no Pará, emparceria com a Universidade Federal do Pará, que tinha como meta apoiar o desenvolvimento da região. Parauma observação mais apurada sobre esse contexto Cf.: MORAES, Cleodir da Conceição. O Pará em festa:política e cultura nas comemorações do Sesquicentenário da “Adesão” (1973). (Dissertação de Mestrado emHistória). Belém: PPHIST/UFPA, 2006. É oportuno, também, observarmos que antes da publicação de O Negrono Pará, Salles havia publicado em 1970 o livro Música e Músicos do Pará, pelo Conselho Estadual de CulturaCEC/PA, o que configura um trânsito aparentemente bom por este conselho, ou, mesmo já possuía uma boarelação com Ferreira Reis (Presidente do CFC nos anos de 1969 - 1972), que por sua vez, mantinha uma ligaçãointensa com a intelectualidade paraense.

38

CDFB. Assim, Salles editou a coleção Folclore Brasileiro e a coleção Documentário Sonoro

do Folclore Brasileiro. No início da década de 60, ao mesmo tempo em que desenvolvia os

trabalhos solicitados por Edison Carneiro, contribuía com Renato Almeida que fazia parte do

Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura - IBECC, órgão da UNESCO - ligado à

Comissão Nacional de Folclore. Neste órgão internacional ajudava na produção do Boletim

Bibliográfico e Noticioso. Este encargo começou a partir de 1961, e foi uma função que

Salles realizou até a entrega do último número em 1970. Este boletim, segundo Salles, era

distribuído de forma simples, ainda mimeografado, chegando ao último número (nº580).

Nele Salles também publicou como foi o caso, em 1970, um texto sobre a “pioneira” de

estudos folclóricos no Brasil, a Senhora Alexina de Magalhães Pinto.

Percebemos que Salles desempenhou diversas tarefas ao longo de sua permanência

na CDFB, iniciada com o mutirão para a organização da biblioteca do folclore. Tanto no

Boletim Bibliográfico e Noticioso do IBECC quanto na RBF, Salles especializou-se em

pesquisa bibliográfica e biográfica no campo da cultura popular e do folclore. Com este

perfil de trabalho, ele editava e escrevia para um público que não poderia ser pouco letrado.

Como destacamos anteriormente, a RBF, inicialmente foi direcionada aos especialistas da

matéria, aos que se dedicavam ao estudo do folclore no Brasil. Contudo, Salles estava

sempre trabalhando com o folclore e a cultura popular.

1.3 CONSTRUINDO UM ACERVO...

Segundo o dicionário de terminologia arquivística, Coleção, seria a reunião

“artificial” de documentos que, na realidade não precisam manter uma relação orgânica

entre si, ou seja, não precisa necessariamente refletir a estrutura (funções e atividades) de

certa entidade acumuladora.96 Nesse sentido, o folclorista e pesquisador Vicente Salles

acumulou em seu acervo, o produto de uma vida inteira de pesquisa, uma vez que este

96CAMARGO, Ana Maria de Almeida. BELLOTO, Heloísa Liberalli. (Coord.). Dicionário de TerminologiaArquivística. São Paulo: Associação dos Arquivistas Brasileiros: Secretaria de Estado da Cultura, 1996.Utilização dos verbetes de coleção e organicidade. Empregado mas para arquivos institucionais, porém, achamosimportante chamar atenção para o tipo de acervo que estamos tratando. Pessoal e profissional. No que dizrespeito a palavra “Colecionismo”, foi um termo nascido na Inglaterra do Século XVII, com o propósito dedesignar um conjunto de objetos vegetais que foram coletados. Cf.: HERRERA, Antônio Urquízar.Colecionismo y Nobleza: signos de distinción social em La Andalucía del Renascimento. Madrid: Marcial Pons,2007.

39

intelectual preservou não só o que ele escreveu ou utilizou para a sua escrita, mas também,

aquilo que foi e é produzido a partir de seu acervo. 97

O acervo foi adquirido pela Universidade Federal do Pará, em 1993, e hoje constitui

a Coleção Vicente Salles. Esta coleção, no sentido descrito por arquivistas como Heloísa

Belloto, deve ser entendida primeiramente por sua importância às pesquisas com arquivos

pessoais. 98 Podemos encontrar nesta coleção uma biblioteca com aproximadamente 15.000

livros e periódicos; algo em torno de 70.000 recortes de crônicas cotidianas de jornais e

revistas; 3000 partituras; 573 Publicações da Editora Guajarina; 1.311 folhetos de cordel,

assim como, estão presentes na coleção as fichas bibliográficas e analíticas; filme super

8mm; fitas cassete; cartões postais; fotografias, estampas e desenhos, entre outros. Dentre

as obras raras, é proeminente a coleção completa da Revista Brasileira de Folclore, a qual

foi editada pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, em parte sob coordenação de

Vicente Salles. 99

No diagnóstico preliminar desta coleção, elaborado pelo historiador Geraldo Mártires

Coelho, o acervo foi referendado como um dos mais importantes, completos e originais

que possam eventualmente existir. Dessa forma, este historiador reforça a importância da

Universidade Federal do Pará em adquirir a massa documental, que representou o

trabalho de Salles realizado de forma criteriosa e não aleatória, no transcorrer de várias

décadas. A presente coleção neste momento era chamada de Acervo Vicente Salles de

97 É importante destacarmos que, contam nessa coleção, separadamente, tudo o que foi produzido pelo titular,sobre ele, e o que ele coletou, além de outros trabalhos relacionados ao acervo. Faz-se importante, também,destacar, o grau de organização que se encontra esta coleção, pois a partir de uma observação geral, encontramosos títulos (os livros), a documentação sociocultural, a hemeroteca, as partituras, em uma organização maiscompleta.98 BELLOTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo. T.A.Queiroz, 1991.Ao falar de arquivos pessoais, a autora apresenta algumas variantes de como a documentação de um arquivopessoal pode ser utilizado como fonte de pesquisa: Documentação Básica; Documentação Alternativa;Documentação Subsidiária e Documentação Paralela. Contudo, para o fim desta pesquisa, ela representa aoportunidade de perceber a ligação entre a vida do autor, suas obras e aquelas que ele adquiriu, leu e trabalhouao longo da sua vida. A coleção significa mais do que um acervo pessoal, ela esclarece sobre a relação entre avida de Vicente Salles e suas pesquisas no campo da cultura popular.99 Em uma conversa informal com a bibliotecária do Museu da Universidade Federal do Pará, foi destacado que,a parte da Biblioteca da Coleção Vicente Salles, está “totalmente” organizada, assim como, a hemeroteca.Considerando que, Salles continua a enviar material em grande quantidade ao acervo, justifica-se as aspasutilizadas na palavra totalmente. A parte musical desta coleção foi completamente organizada através do projeto“Recuperação e Difusão do Acervo Musical da Coleção Vicente Salles da Biblioteca Museu da UFPA”,finalizado em 2008. Cabe ainda ressaltar a existência de peças museológicas em seu acervo, peças que Salles foipresenteado, ou mesmo compradas pelo pesquisador. Segundo Salles, este acervo vai da documentação gráfica aoral.

40

Cultura Paraense. Nesse sentido, acreditamos que seja relevante destacarmos esta

informação, de forma a preservar e garantir o histórico desta coleção. 100

Quando Vicente Salles chegou a Belém, em 1946, foi trabalhar com o Sr. Erandy

Lobato, pracista, representante de uma firma no Rio de Janeiro (Extinta Casa Rand), e

como já falamos em outro momento, tendo sido neste escritório, como auxiliar, que Salles

sentiu a necessidade de guardar as cópias de tudo o que produzia, principalmente nas horas

vagas, as quais eram preenchidas pelos escritos de poemas, seus primeiros ensaios de

literatura e crônicas.

Nesse contexto, Salles também adquiriu um enorme interesse pelos folhetos de

cordel, pois o escritório em que trabalhava ficaria situado próximo a Editora Guajarina,

situada na travessa Padre Eutíquio, em Belém; facilitando desta forma, o contato com a

poesia popular, e naturalmente, já iniciaria o processo de construção de uma das séries

mais ricas de sua coleção, o da “Literatura de Cordel”. Além disso, Salles já colecionava

selos, cartões postais e revistas diversas, o que motivou as trocas de correspondências entre

pessoas interessadas no Brasil e no exterior. 101

Como podemos observar no contexto que apresentamos até aqui, foi ainda menino e

no seu primeiro emprego que Salles contraiu o hábito de colecionar, prática que se

estendeu até o início de suas coletas de material como folclorista.102 Em 1953, Salles

estava investigando a respeito de uma temporada lírica no Teatro da Paz, em Belém,

organizada por um italiano chamado Nino Gaione, quando se deparou com um amontoado

de papéis retirados dos armários do Teatro da Paz, assim, este pesquisador apanhou

programas, cadernos de anotações feitos por um antigo funcionário do teatro chamado

Alcebíades Nobre, dando início à coleta do material sobre o Teatro da Paz, e

100 Fonte: dossiê sobre os tramites e compra da Coleção Vicente Salles. Os documentos deste dossiê têm comodata-limite os anos de1991-1993.101 Cabe ressaltar a influência pelo gosto da literatura de cordel, uma vez que foi fortemente influenciado pelopai, que era admirador e leitor desse tipo de poesia, talvez um gosto hereditário. E também do contato com ojornalista paraibano Romeu Mariz, que era amigo de seu pai, e tinha certa familiaridade com este tipo deliteratura que, como o próprio Salles destaca: era um poeta admirador da poesia nordestina, tendo sido autor dereportagens e de crônicas sobre poetas e cantadores, publicou, inclusive, muitos folhetos sob o pseudônimo de“Mangerona - Assu”. (Entrevista à autora, em maio de 2010).102 Falaremos melhor sobre suas pesquisas de campo e a coleta de material dessas pesquisas, assim como, atrajetória de Salles do folclore para uma história da cultura, no segundo capítulo desta dissertação. Sendoimportante salientarmos que, o próprio Salles em entrevista aponta que foi dessa forma, diga-se o primeiromomento de organização do material que hoje compõe a Coleção Vicente Salles.

41

consequentemente sobre a história da música no Pará, uma das temáticas de maior

representatividade em suas pesquisas e, por conseguinte, dentro de seu acervo. 103

Nesse período, Salles iniciou a coleta de partituras musicais, visitando algumas

famílias de músicos que, como ele apontou: “alguns remanescentes de um passado rico de

produção artística no Pará”. Na verdade, foi a partir da morte do compositor e cantor lírico

Ulysses Nobre que, Salles iniciou sua coleta de dados sobre música lírica, uma vez que a

irmã do músico e companheira de atuação, Helena, doou algum material que tinha

guardado, resultado do trabalho que desenvolveu ao lado do irmão no mundo da música.

O material recolhido no Teatro da Paz e o material do acervo dos Irmãos Nobre

acabaram por se complementar. Parte desse material encontra-se no Museu da UFPA.

Sobre outra parte desse material, nos diz Salles que resolveu dedicar maior atenção, e no

sentido de complementar essa “pequena coleção de partituras musicais”, e partiu em busca

de obter mais material por compra ou doação.104 O pesquisador chegou a comprar muitas

“partes” de acervos de músicos do Pará, sendo que em outros momentos, só foi

“permitida” sua pesquisa através de consultas. Muitas partituras foram, também,

adquiridas em “sebos” localizados na capital paraense, a exemplo de um que ficava ao lado

da “Capela Pombo”, na travessa Campos Salles, no centro de Belém. Como rememora

Salles, muito próximo ao sebo mencionado, encontrava-se a oficina de Tó Teixeira onde

Salles encadernava suas partituras adquiridas. 105

Bastante envolvido pelo tema da música, no início do ano de 1954, Salles embarcou

em uma peregrinação pelos interiores do Pará, no intuito de coletar material sobre bandas

de música, o carimbó, enfim, sobre o folclore na Região do Salgado. Esta, na realidade foi

sua primeira coleta de material de campo, retornando ao Pará em 1958, para dar

continuidade a esse trabalho, pelos interiores do Estado. Nesse sentido, Karla Oliveto, ao

abordar sobre as pesquisas de campo realizadas por Salles, destaca que, nos trabalhos sobre

folguedos folclóricos e bandas de música, a primeira regra estabelecida por Vicente Salles

foi a de ir aos locais escolhidos, para obter informações e realizar suas observações, no

sentido de completar o levantamento histórico, sobre determinado assunto.

O diálogo com outras ciências, a exemplo da história, fez de Salles um pesquisador

raro, no sentido de dialogar com várias disciplinas, bastando para isso observarmos, no

103 No que tange ao estudo da música em Salles, ver: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit.104 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio, 2010.105 Entrevista concedida à autora, em 30/11/2011.

42

geral, a diversidade de sua coleção. Nesse aspecto, como analisa a antropóloga Sônia

Dorta: “o importante a considerar é que o colecionador, a época e a forma de

colecionamento têm importância crucial para a avaliação de uma coleção e suas

possibilidades de estudo”. 106

Desse modo, ao analisarmos esta coleção, percebemos este acervo envolvido em uma

perspectiva histórica, para a preservação da memória daquilo que foi resultado do seu

trajeto de pesquisa. Na Hemeroteca, por exemplo, encontramos as séries: Amazônia,

Arquitetura, Literatura, Folclore, Negro, entre outras. Podemos observar que estão

presentes nessa parte, recortes de jornais e revistas que vão, principalmente, da década de

1940 até o presente momento, uma vez que, Salles continua a alimentar o seu acervo. Vale

ressaltar, que Salles não focou em colecionar objetos, mas principalmente, documentos

manuscritos, impressos e audiovisuais, interesse que se apresentou ainda em sua juventude

e no início de sua carreira como pesquisador, como já mencionamos. 107

A Hemeroteca desta coleção se destaca pelo leque de possibilidade de estudo a

respeito da cultura negra, por exemplo. Continuando por esse viés da interpretação

histórica da coleção, faz-se necessário destacar que Salles guardou diversos “artigos” 108,

que falam, entre outras coisas, sobre a influência da música africana no Brasil; sobre a

influência negra no folclore amazonense; sobre a herança da dor e da brutalidade que

foram dispensados aos escravos. Estes artigos apresentam um recorte desde a década de

1940 até 1990, apresentando autores diversificados, dentre os conhecidos, podemos citar

Renato Almeida e Darcy Ribeiro.

Seria pertinente, lembrarmos ao leitor que, até o presente momento da realização

deste trabalho, a coleção Vicente Salles ainda se encontra “parcialmente” organizada, por

se tratar - como já falamos - de um acervo volumoso. Um desses “grupos” que se destaca,

chama-se “Documentação Sócio - Cultural. Esta documentação até o momento, apresenta-

106 DORTA, Sônia Ferraro. Coleções Etnográficas: 1650-1955. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.).História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992.p. 501.107 No acervo ainda podemos encontrar desenhos, caricaturas, negativos de vidro e objetos museológicos. Sobreuma discussão a respeito do Colecionismo, mesmo que em um contexto europeu, no sentido de refletir a respeitodo hábito de adquirir e manter objetos, e de como o ato de colecionar foi se modificando ao longo dos séculos,permitindo a percepção do ato de colecionar ligado ao status (e ao dinamismo do comercio) até a disseminaçãodesse hábito entre o meio popular cf.: BLOM, Philipp. Ter e Manter: uma história intima de colecionadores ecoleções. Rio de Janeiro: Record, 2003. Igualmente, para um contexto amazônico, vale a pena cf.:FIGUEIREDO, Aldrin. Quimera Amazônica: arte, mecenato e colecionismo em Belém do Pará, 1890-1910.In: CLIO – Revista de Pesquisa Histórica. Nº 28.1 (2010). Dossiê Memória, Narrativa, Política, pp. 71-93.108 Estamos nos referindo ao que foi organizado dentro da hemeroteca como: pasta “Negro”, série “Artigos”.

43

se na forma de vinte e nove subdivisões, e dentre elas, a que mais nos concentramos foi a

pasta “Vicente Salles”, na qual encontramos, em sua maioria, o material produzido por ele,

como as notas de pesquisa para a confecção de O Negro no Pará, de 1964, além de cartões

e cartas, documentação típica de se encontrar em um arquivo pessoal ou dentro de uma

coleção.

Como podemos perceber, aqui, o pessoal e profissional naturalmente se misturam, a

partir do momento em que um intelectual como Salles, se preocupa em preservar a história

que ele construiu: guardando, coletando e escrevendo. A partir do contato com a vasta

literatura presente na biblioteca da Coleção Vicente Salles, verificou-se em vários livros o

carimbo Fundo Coleção Vicente Salles. O que, possivelmente, representa a preocupação

deste intelectual em preservar a documentação e o produto de suas pesquisas quando ainda

não tinha em mente onde seu acervo iria parar. Para aprofundar, é preciso estudar a

biblioteca de Salles, no sentido de observarmos a relação “de um colecionador e os seus

pertences”, neste caso, os livros, como nos apresentou Walter Benjamim ao expor seu

discurso sobre o autentico colecionador e a arte de colecionar. 109

A PERSPECTIVA POLÍTICA NO ATO DE COLECIONAR

No início deste capítulo abordaremos sobre duas personalidades que influenciaram,

de forma direta, a trajetória de Salles como intelectual, trata-se de Bruno de Menezes e

Edison Carneiro. Buscamos, dessa forma, retomar o nome desses intelectuais para

tratarmos a questão do colecionismo através de uma perspectiva política, inclusive. É

necessário, levarmos em consideração, a militância de esquerda de ambos, a influência que

exerceram sobre Salles, para podermos realizar uma interpretação através da Coleção

Vicente Salles, a partir do engajamento político do titular do acervo e do seu compromisso

com a cultura da região Amazônica.

Nesse sentido, coletar material sobre o folclore, o negro, a música, entre outras

temáticas foi, antes de tudo, para Vicente Salles, uma forma de coletar um material que,

permitisse discutir a respeito da luta social e da política dos excluídos no norte do Brasil. O

material coletado sobre o negro, por exemplo, que constituiu o material para o livro O

Negro no Pará, sob o regime da escravidão e de outros livros de Salles que tratam sobre a

109 BENJAMIN, Walter. Desempacotando minha biblioteca. In: Rua de Mão Única, Obras Escolhidas, vol. II.São Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 227-235.

44

presença da cultura negra na Amazônia110, refletiram essas discussões, mesmo que de

forma “discreta”, em determinado momento, como o período da ditadura no Brasil. Afinal,

falar de folclore, do negro, de cultura popular, na década de 60 apresentava-se, também,

como forma de resistência.

Autores como Ridentti destacam que, certos partidos e movimentos de esquerda e

seus, intelectuais e artistas valorizavam a ação política para mudar a história, apostando em

um “novo homem” inspirado em Karl Marx ou Ernesto Che Guevara. Porém, esse “novo

homem” não poderia ser contaminado pela modernidade capitalista. 111

Mas o que Salles guardava em seu acervo que pudesse nos levar a crer que ele

admirava homens chaves do comunismo? Levando em consideração a formação de sua

militância política, adentramos em sua biblioteca. No que diz respeito ao “socialismo”,

deparamo-nos com algumas publicações estrangeiras, traduzidas e publicações brasileiras.

Obras como de Antônio Gramsci, a exemplo do livro Sobre a Democracia Operária e

Outros Textos, com publicação de 1976, onde este intelectual trata especificamente sobre a

situação da Itália e da explosão das lutas de classe, sendo que, as partes grifadas por Salles

referem-se ao êxito da Revolução Russa, e como o operário europeu viu o modelo

historicamente realizado de uma sociedade que teria capacidade de eliminar a opressão, a

miséria, e sobre as condições para eliminação do capitalismo na Rússia. 112

Do mesmo modo, encontramos o livro intitulado Obras Escolhidas para a tradução

de Karl Marx e Friedrich Engels, com publicação brasileira da segunda edição de 1961. 113

Segundo algumas informações constantes no livro, a edição das obras escolhidas de Marx e

Engels foi feita de acordo com a edição soviética preparada pelo instituto Marx-Engels-

Lênin e publicadas pelas edições em Línguas Estrangeiras. No que diz respeito a esta

edição, foram utilizados (traduzidos) basicamente os textos soviéticos em inglês e

espanhol, confrontados com algumas edições francesas. A segunda edição, constante na

Coleção Vicente Salles foi dividida em três volumes, mas estão presentes no acervo

somente os dois primeiros.

110 Sobre a narrativa em seu livro O Negro no Pará, considerando as discussões a partir de seu engajamentopolítico, sobre tudo, dentro do campo de militância marxista ver outro capítulo da dissertação, além de levar emconsideração o período que estava sendo escrito.111 RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política brasileira: enterrar os anos 60? In: Intelectuais: Sociedade ePolítica. São Paulo: Cortez, 2003, p.198.112 GRAMSCI, Antônio. Sobre a democracia operária e outros textos. Lisboa: ULMEIRO, 1976.113 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas, v. 2. Rio de Janeiro. Vitória. 1961 [1956].

45

O “Prefácio” à edição russa de 1883 foi escrito por Engels para a edição alemã do

Manifesto do Partido Comunista. Publicado em Gottingen, Zurich, em 1883. Neste

prefácio, a parte grifada diz respeito, principalmente, ao pensamento dominante e essencial

do Manifesto Comunista, ou seja, sobre a produção econômica e a estrutura social que

decorre dele, constituem em cada época histórica a base da história política e intelectual

dessa época, especialmente na página dezessete. Na página vinte e seis, Salles destacou,

principalmente, o último parágrafo que trata sobre o desenvolvimento da burguesia,

consequentemente do capital, o desenvolvimento do proletariado, a classe dos operários

modernos, e como estes operários apresentam-se como mercadorias, artigo de comércio

como qualquer outro, sujeitos a concorrência e flutuações do mercado.

Ainda percorrendo o primeiro volume, a parte que mais se ressalta, seria página

cinquenta e quatro, por conter grifos e uma única observação. O destaque feito por Salles,

diz respeito ao pioneirismo de Marx em ter sido o primeiro a estudar profundamente a

propriedade. E que todo trabalho necessário à produção de uma mercadoria, nem sempre

incorpora a esta mercadoria um valor correspondente à quantidade de valor despendido.

Quanto à única observação feita por Salles ao lado do parágrafo é a seguinte: “ver mais

valia”.

Sobre a literatura do líder do partido comunista russo Vladimir Ilitch Lênin presente

na Biblioteca, constam três livros, La enfermedad infantil del "izquierdismo" en el

comunismo (1961); Matérialisme et Empiriocriticisme (1962); Sobre a grande revolução

socialista de outubro (1987), onde podemos chamar a atenção para muitas partes grifadas,

possivelmente, por Vicente Salles.

Apesar da presença destas obras chaves, Salles, contudo não se limitava a elas para

entender a realidade brasileira da Amazônia. Longe de se tornar um teórico do comunismo

ou do socialismo, sua trajetória de vida revela momentos de maior ação política direta e

outros em que sua forma de fazer política ganhou outros mecanismos como, por exemplo,

a militância na divulgação de acervos sobre a cultura popular. Salles, contudo não ficou

conhecido por nenhuma obra mais teórica. Por outro lado, ao que parece, ao lado de

Guevara e Marx, Salles incluía outros heróis e mitos. Havia aqueles do presente, como seu

mentor Dagoberto Lima e, intelectualmente Bruno de Menezes e Edison Carneiro.

A proposta de trabalho de pesquisa e o colecionismo em Salles são, em boa parte,

resultado do contato, ainda na sua juventude com pessoas que comungavam com as

correntes políticas de esquerda. Segundo Blom, por exemplo, colecionar livros seria uma

46

atividade “multifacetada” e ambígua.114 No caso de Salles, existem mesmo várias facetas.

A ideia seria de, principalmente, preservar a história daquilo que ele construiu através de

suas leituras e pesquisas realizadas. Para Salles, colecionar e preservar são uma das bases

de seu pensamento político. Através do conhecimento e preservação das práticas culturais

na Amazônia se esclarecia as lutas de classe, dos menos favorecidos, sua resistência ao

longo do tempo. 115

Para comprovar esta ideia de prática política atrelada ao colecionismo em Salles,

analisamos parte importante do material de literatura presente na Coleção Vicente Salles.

Partindo de sua predileção pela literatura, verificamos o que ele colecionou e classificou

tais gêneros literários.116 Em obras como o Negro no Pará e em outras fica claro que Salles

também percebe a literatura, os romances, contos, novelas, como fontes que ajudam a

compreender as contradições de uma sociedade, o comportamento de determinada classe,

ou no caso de uma afinidade de pesquisa, que determinada leitura expresse uma

contribuição cultural a uma região ou país. 117

A mesma ideia ainda está presente em outro texto de Salles. Ao “pósfaciar” a 2ª

edição do romance Marajó, do escritor paraense Dalcídio Jurandir, Salles demonstra muito

bem essas funções, ao destacar que, uma das lições que se pode tomar a partir da leitura

deste romance “é a presença marcante dos negros e mulatos”, ao indicar a contribuição

cultural através do extenso vocabulário de origem africana que se apresenta na obra, que

segundo Salles, ainda é corrente e tradicional no Pará. Trata-se de um romance que gira em

torno de uma fazenda no Marajó, no início do século XX, onde o papel do fazendeiro

transita entre o campo e cidade, apresentado essas duas realidades. Nesse sentido, Salles

destaca que, não há o que poderíamos chamar de “personagens principais”, mas sim uma

114 O autor salienta que existem aqueles colecionadores que, tratam os livros apenas como objetos, ou aquelesque colecionam para conferir alguma data, lugares ou datas de impressão e edição, ou seja, sobre a história dolivro ou do papel. Cf.: BLOM, Philipp. Ter e Manter: uma história íntima de colecionadores e coleções. Rio deJaneiro: Record, 2003.115 Nesse sentido, faz-se relevante refletirmos sobre o valor da memória e sua evolução na sociedade, e destacomo propriedade de conservação das informações, pois a memória como elemento de identidade, individual oucoletiva, serve como instrumento de poder para reivindicações, e também, de resistência. Cf.: LE GOFF,Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2003.116 Na biblioteca podemos encontrar literatura brasileira (José Veríssimo, Silvio Romero, Mario de Andrade,entre outros. Estrangeira (principalmente, Franz Kafka) e regional (literatura amazônica, com José Veríssimo,José Eustáquio de Azevedo, Bruno de Menezes, Dalcídio Jurandir, entre outros). Igualmente, na Hemeroteca,teremos, material sobre o negro, na parte de literatura. Matérias editados entre as décadas de 1970 a 1990,principalmente, sobre o poeta Bruno de Menezes, coletados por Salles.117 Como aponta Antônio Ferreira, toda ficção está enraizada na sociedade, a partir do momento em que se levaem consideração, determinado espaço, tempo, cultura e relações sociais, é a partir de determinado contexto, queo autor constrói sua imaginação. Cf.: FERREIRA, Antônio Celso. A Fonte Fecunda. In: In: PINSKY, CarlaBassanezi & LUCA, Tânia de. O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 67.

47

narrativa em que se apresentam opressores e oprimidos, possibilitando, dessa forma

analisarmos as contradições de uma sociedade local. 118

Nesse sentido, podemos ainda observar outra produção de Salles, onde o mesmo

romance de Dalcídio Jurandir é utilizado para demonstrar uma discussão mais densa acerca

da relação do homem com o meio natural e da economia. Intitulada Memória sobre a rede

de dormir: que fazem as mulheres índias e negras no Grão-Pará, conforme anotações de

cronistas antigos e modernos - nos permite adentrar no universo amazônico das tradições

culturais em meio aos aspectos socioeconômicos desta região, a partir dos olhares dos

cronistas que percorreram a região amazônica nos séculos XVIII e XIX, assim como pelos

olhares dos romancistas “modernos”. 119

Ao tratar especificamente sobre este costume da utilização da rede, Salles aponta

mais uma vez as anotações dos naturalistas e viajantes Spix e Martius em Santarém no ano

de 1820, onde estes descrevem que, em vez da utilização de sofá, as pessoas penduram

redes de algodão branco, com desenhos delicados e não abertos.120 Sobre o mesmo assunto,

Vicente Salles também utiliza as descrições do romancista Dalcídio Jurandir para

demonstrar a habilidade das negras descendentes de escravos na fabricação das redes no

município de Cachoeira, na região do Marajó. 121

Continuando pelo viés da literatura paraense, ainda em meio ao pósfácio de Marajó,

Salles cita o livro de poemas de Bruno de Menezes, intitulado de Batuque, de 1931, como

exemplo de um tipo de literatura que, destaca a influência negra na Amazônia. Também, no

universo dos recortes de jornais e periódicos, podemos encontrar muitas citações sobre

Bruno de Menezes. Todos classificados por Salles ao tema do negro, mas correspondente à

“Literatura”, e muitos aparentemente vinculados a uma função “política” ou histórica,

servindo para que se compreenda melhor a realidade e a cultura amazônica.

A possibilidade de perceber a biblioteca de um intelectual como Vicente Salles, nos

faz refletir sobre alguns aspectos. Entre eles, o ensejo de observar o que o titular do acervo

118 JURANDIR, Dalcídio. Marajó. Romance. 2ª ed. Pref. de Fausto Cunha. Post-fácio de Vicente Salles. Rio deJaneiro: Cátedra; Brasília: INL, 1978. [1947]119 SALLES, Vicente. Memória sobre a rede de dormir: que fazem as mulheres índias e negras no Grão-Pará,conforme anotações de cronistas antigos e modernos Brasília: Micro – Edição do autor, 1994. Este texto foipublicado, posteriormente, em: SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense: textosreunidos. Belém: Paka-Tatu, 2004.120 SALLES, Vicente. Memória sobre a rede de dormir, op. cit., p.15.121 Ibidem, pp. 19-20. Salles cita Dalcídio Jurandir e o Romance Marajó, onde o último descreve sobre o labordas negras com a matéria prima em questão.

48

leu durante seu trajeto pessoal e profissional, ou grande parte dele. A biblioteca possui um

significado especial para Salles, não só por assegurar que é fundamental ao pesquisador em

geral, mas por ter tido a oportunidade de ter usufruído e de ter se intelectualizado a partir

da biblioteca do seu pai. Ainda criança, Salles entrou em contato com leituras clássicas da

literatura internacional como Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, e com escritores

nacionais, como José de Alencar.122 Sobre as possibilidades da biblioteca Salles nos

permite outras acepções, pois como ele iniciou seu trabalho em uma biblioteca, ele acabou

por entrar em uma área que não era a sua, e como autodidata acabou incorporando o

trabalho de bibliotecário, publicando, dessa forma, várias bibliografias comentadas.

O folclore, a história, a música, a arte, a literatura, tudo tende a se mesclar neste

acervo organizado por Salles. Contudo, o sentido geral desta mistura reside,

fundamentalmente no seu interesse pelo tema do folclore e em sua militância política em

torno das classes menos favorecidas, e como se “existisse” um comprometimento em

retornar ao “povo” aquilo que foi coletado sobre ele. O colecionismo de Salles se aproxima

da ideia tecida por Sirinelli sobre a história dos intelectuais. Para este, esse campo tornou-

se autônomo, não se fechando sobre si mesmo. Trata-se de um campo aberto “situado no

cruzamento das histórias política, social e cultural”. 123

122 SALLES, Vicente. Um retrospecto, op. cit. e Entrevista concedida à autora, no dia 30/11/2011.123 SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais, op. cit., p. 232.

49

CAPÍTULO II

DO FOLCLORISMO À HISTÓRIA DA CULTURA: O PERCURSO CONSTRUÍDO POR

VICENTE SALLES

Neste capítulo a discussão recai sobre a investigação de como surgiu e se intensificou

o interesse de Vicente Salles pelo folclore regional. Buscamos discutir seu percurso que foi

do folclore para a história ou para a história da cultura, uma vez que Salles procurou

equilibrar e aliar as discussões entre folclore e história. Para tal empreitada, exploramos

neste capítulo aspectos sobre o conceito de folclore para Vicente Salles, além da discussão

em torno das “interseções” entre folclore e da cultura popular. Analisamos como Salles

trabalhou com estes conceitos (suas aproximações e distanciamentos) ao longo de sua

trajetória intelectual, quais foram suas influências, o que fez ele se considerar um

“historiador da cultura” 124. Nesse sentido, partimos do diálogo com outros historiadores,

procurando, na medida do possível, destacar as diferenças entre folclore e cultura popular, a

partir de conceitos e definições que por muitas vezes acabam por se confundir.

Cabe salientar que, o regionalismo em Salles desenvolve-se pela predileção desse

pesquisador ao folclore amazônico, e dentro dele o paraense, o que pode ser justificado pela

própria experiência de vida local, aspecto que já mencionamos no primeiro capítulo. Para

tanto, devemos destacar que ele se denominou como um “folclorista em essência”, mas não

nacionalista, pois o que Salles buscou defender, e ainda defende, é a ideia de uma

“identidade social” 125, ligada, essencialmente, às discussões de classe, tendo feito isso a

partir de seu trabalho como folclorista. Nesse sentido, buscamos esclarecer estes aspectos via

a realização de entrevistas, correspondência, juntamente com o cruzamento de sua produção

intelectual.

Também, não cabe, em nossa pesquisa, destacar as técnicas do trabalho etnográfico

em Salles. Sua ampla e complexa “pesquisa de campo” (que engloba vários procedimentos),

a partir da música e da literatura, é característica considerável dentro da produção de Salles.

124 Embora Salles tenha contribuído imensamente para a musicologia brasileira, ele se vê mais como umhistoriador da cultura, do que como musicólogo Cf.: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoale procedimentos de pesquisa em música. (Dissertação de Mestrado em Música). Universidade de Brasília, 2007,p. 60.125 Ibidem, p. 59.

50

Não nos cabe esta pesquisa, primeiramente porque o assunto foi amplamente desenvolvido

em um estudo específico.126 Por outro lado, temos como objetivo observar a relevância da

técnica em meio à trajetória de suas pesquisas com a música, a literatura, a história e o

folclore. Nesses termos, buscamos verificar como Salles recuperou, por exemplo, a história

das bandas de música do Pará, que trata o seu livro Sociedade de Euterpe, uma vez que o

autor utilizou as informações coletadas em campo, na década de 1950, pelos interiores do

estado do Pará. 127

Outrossim, é objetivo deste capítulo, demonstrar a importância e comprometimento

político-cultural de Salles com o folclore na Amazônia e no Brasil, uma vez que este

intelectual “providencia” o encontro de inúmeros escritores, etnógrafos e folcloristas que

versaram sobre a cultura da região amazônica, sendo que muitos, ainda são pouco

mencionados como “folcloristas”. Através de edições simples, que lembram em sua forma

física os “folhetos de cordel”, as micro-edições do autor (no caso, as que foram direcionadas

aos contos populares da região norte) “permitiram” que a pesquisa sobre esses intelectuais e

a relação destes com o folclore amazônico, fossem externados. Contudo, apresentaremos

aqui duas personalidades que trataram sobre o folclore na Amazônia (José Veríssimo e

Pádua Carvalho), e que foram objetos das micro-edições do autor.

2.1. SALLES, SEUS DIÁLOGOS E CONCEITOS SOBRE O FOLCLORE

Para Salles, os fenômenos ditos folclóricos, podem ser considerados fenômenos de

cultura, e nesses termos, ambos podem ser analisados separadamente. Esses fenômenos

representam uma realidade concreta e dinâmica, que permanecem em constante

readaptação às novas formas assumidas pela sociedade. O folclore tornou-se o que ele

chamou de “matéria viva”, devendo ser estudado naquilo que tem de vivo, a partir de sua

mutabilidade.128 Logo, o folclore, para Vicente Salles, pode ser entendido como o produto

126 A dissertação de Karla Olivetto teve como foco tratar sobre a trajetória pessoal de Vicente Salles sob o viésda música, concentrando-se na análise metodológica de sua produção como pesquisador nessa área, e de ummodo geral, demonstrar a contribuição de Salles para a área da musicologia. Por outro lado, nossa pesquisa partedo objetivo de ampliar as análises sobre este intelectual, uma vez que ele focou seu trabalho nos mais variadostemas, como o folclore, a literatura, o negro e a música, por exemplo, sempre amparado pela historicidade dosfatos.127 Salles buscou juntar o material coletado em campo com as pesquisas históricas, no sentido de complementara “informação histórica”, que para ele é fundamental. Compreendemos que esse seja o diferencial de Sallescomo folclorista.128 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. In: Revista Vozes, Rio de Janeiro, out./1969, pp.878-888.

51

da cultura, em um sentido geral129, uma vez que este intelectual aponta que, a sociedade

como um todo participa na criação e na manutenção do folclore, embora afirme que,

somente o “povo” dele se sirva. 130

Nacionalmente, podemos observar uma clara aproximação das concepções de

folclore para Edison Carneiro nos estudos de Salles. Salles destaca que, para Carneiro, ao

mesmo tempo em que se realiza a pesquisa folclórica, aprofunda-se a análise da sociedade.

Neste cenário, podemos perceber a permanência de condições gerais, econômicas, sociais e

políticas, que condicionariam e favoreceriam a sobrevivência das concepções dos usos e

dos costumes de que se nutre o folclore, ou seja, a partir dessa dinâmica.131 Esta concepção

de Carneiro, pode ser mais bem compreendida em seu próprio livro Dinâmica do Folclore,

onde o autor assegura ser o folclore, uma das expressões mais significativas, justamente

por apresentar a permanência dessas condições gerais (econômicas, sociais e políticas) “...

que favorece a sobrevivência das concepções de uso e costume que se nutre o folclore”. 132

Consequentemente, seria fundamental pensar o folclore dentro dessa sociedade de classes.

A preocupação com esta dinâmica permeia o pensamento de todo folclorista, e faz parte

das análises de Salles.

Vicente Salles percebe o folclore como algo que é criado e mantido pela sociedade,

porém é utilizado apenas pelo povo. Para o autor, todos os fatos folclóricos dizem respeito

a uma sociedade, mas se uma parte de uma sociedade nega, omite, ou rebaixa um fato

folclórico, consequentemente não está contribuindo para a manutenção do mesmo, por

mais que dele a sociedade se sirva. Essa parte da sociedade, segundo Salles, pode ser

identificada como a “elite”. Dessa forma, o folclore se apresenta a partir de um processo

dinâmico e de forma circular, onde estão presentes as relações constantes entre todos os

membros da sociedade, ou seja, seria o domínio coletivo do conhecimento, uma vez que

ele interage com todas as camadas sociais. 133

129 Coleção Vicente Salles. Material Histórico - Cultural - Vicente Salles - Correspondência Expedida. Carta deVicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília, 25/05/1988.130 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 882.131 Cf.: SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit.132 CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1965, pp. 07- 08133 Cabe esclarecer que, no texto resposta ao Questionamento teórico do Folclore, Salles, entre outras palavras,trabalhou, com o sentido de “circularidade cultural” proposto por Bakhtin, e citado por Carlo Ginzburg noprefácio à edição italiana de O Queijo e os Vermes. Salles esclarece que a mobilidade do folclore pode se dartanto no sentido vertical, como no horizontal (na sequência: erudito-popular e difusão), desenvolvendo em umdado conjunto, os processos dinâmicos de forma circular.

52

Em texto – resposta ao questionamento teórico do folclore, Salles refletiu, sobre o

folclore como “fenômeno de cultura”, situando-o dentro de uma sociedade de classes,

dentro de uma sociedade de consumo e nas “sociedades” que vivem em constantes

modificações. Mais uma vez se ressalta o “dinamismo” do folclore, como salientou Edison

Carneiro, uma vez que, a pesquisa folclórica permitiria analisar a sociedade em “geral”,

como mencionamos anteriormente.134 Dessa forma, partindo da ideia de “circularidade”,

ou seja, embora os chamados “fenômenos de cultura” se processem em determinados

níveis ou categorias (erudito, popular, primitivo), a essência do folclore permaneceria a

mesma, pois podemos observar no folclore mudanças qualitativas, as quais se apresentam

em uma realidade concreta, dinâmica, em constante readaptação às formas que a sociedade

venha a assumir. 135

Nesse texto resposta de Salles, ainda não é possível “definir e conceituar certas

proposições”. O autor busca, dentro de suas possibilidades, esclarecer as “confusões” sobre

esses conceitos, ressaltando que nas Ciências Sociais nem sempre, os conceitos conseguem

obter uma determinada precisão, uma vez que, segundo o autor, esse problema não se

resolveria apenas com a adoção de nomenclaturas estabelecidas e entendidas pelos

especialistas, mas apresentando-se de forma obscura aos leigos. 136

Em linhas gerais, o folclore, conforme defendido pela CDFB, apresenta maior

amplitude e romantismo, em relação àquele até aqui trabalhado, a partir de Carneiro e

Salles. Nesses termos, para Maria de Lourdes Ribeiro, folclore “é o estudo da própria alma

de um país, é o estudo do modo de ser da gente do povo, das suas maneiras de pensar, de

agir e de sentir, é o estudo da feição nacional nas suas bases mais profundas e mais

características.” Segundo a autora, o folclore em si apresenta uma série de características

próprias, tais como: Anonimato; Aceitação Coletiva; Transmissão Oral; Tradicionalidade;

Funcionalidade. 137 Nesse sentido, podemos perceber nas palavras da autora a questão da

nacionalidade, e mais que isso, a associação entre o folclore e um discurso politizado, pois

para ela, assim como para os folcloristas da Campanha de Defesa do Folclore, o folclore

deveria ser um estudo como forma de proporcionar melhores condições de vida para o

134 Fonte: texto - resposta ao questionamento teórico do folclore. Este texto está localizado na documentaçãoSociocultural, da coleção e trata-se de uma resposta aos questionamentos de Rossini Tavares.135 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 879.136 Fonte: texto - resposta ao questionamento teórico do folclore.137 RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é Folclore? Rio de Janeiro. Campanha de Defesa do FolcloreBrasileiro, 1969, p. 06. (Cadernos de Folclore). Procuramos observar aqui, o posicionamento de Maria deLourdes Ribeiro enquanto integrante da missão pela defesa do folclore brasileiro.

53

povo, e isso não poderia ser feito sem, de fato, conhecer os costumes característicos desse

povo138. Certamente, compartilhava dos ideais de transformação do folclore em ciência

acadêmica, posicionamento idealizado pela CDFB, sendo esta uma das aspirações dos

intelectuais que compunham esta campanha, porém, não conseguindo chegar ao seu

objetivo, a conquista de um status acadêmico.139

Nesta discussão que gira em torno do mundo do folclore em Salles, o papel de

folclorista é bem delimitado por este pesquisador, uma vez que ele afirma que, o seu

trabalho como tal, consiste em lidar com os “falares de povo” da maneira mais simples e

direta, forma que é recomendada aos folcloristas, e que seus leitores de poderiam perceber

na leitura de suas obras. Para Salles, seria essencial que o folclorista tivesse essa concepção

da dinâmica do folclore, uma vez que o folclore “transpassaria” por todos os seguimentos

da sociedade. 140 O folclorista, assim como o antropólogo, pode estabelecer o critério de

povo, e assim incluí-lo na utilização de seus conceitos. 141

Podemos, também, observar outras informações relevantes a respeito do folclore

brasileiro, através de um plano de aula construído por Vicente Salles para o curso de férias

direcionado para professores, intitulado Pesquisa e Documentação do Folclore, realizado

através da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro na década de 1970. Este texto

preparado para aula não somente discorre sobre a prática da coleta de dados, mas também

reflete as aspirações da campanha em elaborar e publicar o Atlas Folclórico Brasileiro.

Salles enfatiza este trabalho como sendo “antiga aspiração de nossos folcloristas”. O autor

afirma sobre o folclore de forma geral, que este seria “produto histórico de conhecimento”.

Nesses termos, em seu material utilizado para seus cursos existem evidências sobre esse

aspecto:

“O Folclore existe em toda a sociedade e compreende o conjuntoorgânico das maneiras de pensar, agir sentir e reagir dos homens,produto histórico de conhecimentos e experiências acumuladas e dainteração mútua dos indivíduos na mesma convivência,independentemente de sua posição de classe e de origens étnicas.Considerado o folclore como cultura de massa, em que toda asociedade participa da sua criação e manutenção, o conceito éabrangente, insere-se no conceito geral de cultura, e inclui, por isso

138 Ibidem, p. 08139 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010.140 Coleção Vicente Salles - Correspondência Expedida: Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília,25/05/1988.141 Texto – resposta ao questionamento teórico do folclore.

54

mesmo, os conceitos particulares de cada grupo passível de análisepela posição social, econômica, profissional, etc.”.142

É interessante perceber que a compreensão de Salles para o folclore, a partir das

mudanças em diferentes momentos e em seus contextos. É claro que existe uma essência

ou matriz na amplitude de certa explanação do conceito de folclore. O autor sempre

procura superar, a partir de textos e entrevistas, aquilo que possa, de repente, não ter se

apresentado como suficientemente claro em outras exposições do conceito. Por exemplo,

no excerto há pouco utilizado, Salles nos apresenta, até então, um conceito que se alinha

com os outros momentos em que o autor procura definir o folclore, porém, deixando de

lado a complexidade de uma discussão sobre o conceito de cultura, ele se posiciona

dizendo que o conceito de folclore é abrangente, e que se insere em um amplo conceito de

cultura, além de destacar, o folclore como sendo produto de um conhecimento histórico.

DO FOLCLORE À CULTURA POPULAR

Para alguns intelectuais, os conceitos de folclore e cultura popular podem se

apresentar com o mesmo sentido ou sentidos similares, e para outros, como conceitos

diferentes.143 Sem entrarmos em méritos, procuramos partir da observação a respeito da

produção de Vicente Salles, adentrar em uma discussão que busca, esclarecer a utilização

da palavra folclore na produção deste intelectual, enquanto folclorista ou “historiador da

cultura”. Acreditamos que seja pertinente travar esse diálogo, uma vez que o próprio Salles

concluiu que boa parte do que ele produziu como pesquisador estaria ligado ao folclore e a

cultura popular. 144

Salles, através das palavras de Edison Carneiro destaca que o Folclore é produto de

um “intenso intercâmbio cultural” entre vários estratos sociais, resultado de vários tipos de

relações como: a pessoal, de produção, de nacionalidade, de educação, entre outros,

resumindo, da “matéria viva” sobre a qual falamos anteriormente. No entanto, destaca que,

142 Fonte: Material do “Curso de férias para professores” da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Rio deJaneiro, 1975.143 Cf.: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore? Editora: Brasiliense, 1984. Dentre a abordagem sobreas aproximações dos conceitos, o autor destaca que, para muitos o folclore seria visto como algo mais“conservador” e a “cultura popular” algo mais progressista, porém servindo a mesma realidade. p. 24. Seriainteressante atentarmos, também, para a apresentação de: ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas. São Paulo:Olho d’água, 1992. No sentido de percebemos a discussão que tem se estabelecido a respeito da “culturapopular”, e a pertinência sobre essa discussão.144 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010.

55

é somente o “povo” que pode atualizar reinterpretar e readaptar seu modo de pensar e agir

em relação aos fatos sociais e aspectos culturais do tempo, e que, somente, estabelecido o

critério de povo e, amparado por conceitos precisos, é que poderá ser evitado a confusão

entre as palavras, ou melhor, entre o folclórico e o popular.145

Nesse sentido, podemos perceber claramente que Salles problematiza a relação entre

os gêneros, e procura estabelecer a diferenciação pelo que ele chamou de elemento comum

“o povo”. Para ele a característica do folclore é ser patrimônio cultural do povo, e que

talvez a cultura popular fosse o que ele chamou de “acréscimo de característica” para

configurar algo preciso, no sentido de diferenciação de algo. O que se faz importante é o

desenvolvimento do folclore como forma de relacionamento entre as pessoas.146 Logo, o

folclore existe, e se existe pode ser conhecido cientificamente, pois sua existência

independe das concepções, dos interesses e de conceitos “eruditos”. 147

Para analisar o “popular”, Salles apresenta o modelo da famosa pirâmide da

“Sociologia Acadêmica”, modelo pelo qual era apresentado, simbolicamente, os

estamentos sociais. Ao que podemos extrair do texto a respeito do “popular”, Salles aponta

que este termo seria igual à cultura dos estamentos sociais inferiores, estando situado em

qualquer tipo de sociedade civilizada. Em outro momento, Salles acrescenta algo mais,

para compreensão deste conceito, enunciando que: “Cultura popular é um conceito que só

existe na sociedade de classes”, é um termo restrito em posição ao erudito. 148 Entretanto,

já falamos sobre a interação entre os conceitos, e podemos apresentar entre outros, o

exemplo da produção musical do compositor paraense Waldemar Henrique, que associava

a música clássica aos aspectos folclóricos de sua terra.

145 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 883. Essa questão seria mais complexaainda, pois além das confusões envolvendo o conceito de “folclore” e “cultura popular”, ainda existem asceleumas causadas por diferentes interpretações para o conceito de “cultura popular”. Segundo Renato Ortiz,essa polêmica oscila entre dois polos. O primeiro, que compreende a cultura popular como uma culturasubalterna (em um sentido classista), uma vez que há a separação entre o popular e o erudito, e o segundo queestá ligado a acepção de “povo”, que é utilizada enquanto um sinônimo. Ver: ORTIZ, Renato. Românticos eFolcloristas, op. cit.; Para uma discussão mais aprofundada sobre os debates em torna das definições de culturapopular Cf.: CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. In: RevistaEstudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 08, n.16, 1995, pp. 179-192.146 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., pp. 882-883.147 Coleção Vicente Salles: Material Histórico-Cultural/Vicente Salles. Texto de Vicente Salles, intitulado: Uma(re) visão do folclore. Brasília, 20/08/1987.148 Para uma explicação sobre cultura popular para Salles, foram utilizados alguns textos que, aparentemente nãoforam publicados, mas que se encontram no acervo documental de Salles, no MUFPA, além de entrevistas, quaissejam: Questionamento teórico do folclore (texto-resposta); Uma (re) visão do folclore; entrevista realizada nodia 25/11/2011.

56

Thompson, ao trabalhar com a historicidade dos conceitos, como, os de folclore, de

tradição e de cultura popular, já nos falaria sobre essa separação entre as culturas plebéias e

patrícias no século XVIII e XIX, indicando ser “difícil” não ver essa dissociação em

termos de classe.149 Para Salles, o folclore é o domínio coletivo do conhecimento, e como

mencionamos em outro momento, é o produto da cultura em um sentido geral, sendo,

portanto, identificado na sociedade de classes como cultura popular. 150 Dessa forma,

Salles esclarece que os termos que estabelecem uma relação de antagonismo são a “Cultura

Popular” e a “Cultura Erudita”, como remontou Thompson, e não o folclore, pois ficou

suficientemente esclarecido que, o termo cultura popular está ligado a um conceito de

classe, para poder existir, enquanto o folclore interage com todas as camadas de uma

sociedade, ou seja, o folclore permeia todos os seguimentos da sociedade, e se manifesta

independentemente de conceitos e de concepções produzidas pela elite, no caso de uma

sociedade de classes. 151

Em um contexto brasileiro, na medida em que adentramos na discussão sobre

“conceitos”, podemos dialogar a historiadora Martha Abreu ao problematizar o conceito de

“cultura popular”, principalmente, no sentido de fazer com que os profissionais de história

atentem para a historicidade desse conceito, dos significados políticos e teóricos que

vieram se incorporando ao longo do tempo. Nesse sentido, a autora procura compreender o

conceito de “cultura popular” como uma “perspectiva”, como se fosse mais um meio de se

observar a sociedade e tudo o que ela produz culturalmente, considerando-a como um

“instrumento” que apresenta os problemas, fruto de uma realidade sociocultural.152

Acreditamos que seja interessante o posicionamento de Abreu, na medida em que

dialogamos com uma historiadora que põe em questão a importância de se recuperar o

sentido histórico do termo, o que consequentemente implicaria na ausência de

determinadas “confusões” entre os conceitos já expostos.

149 THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.16.150 Texto de autoria de Vicente Salles, intitulado “Folclore”, cedido à autora, pelo próprio Vicente Salles, emnovembro de 2011.151 A partir da realização de algumas leituras do historiador E. P. Thompson percebemos que ele utiliza e criticaos folcloristas ingleses, pois na medida em que ele constatou ser o folclore necessário para se estudar a culturapopular, por outro lado, o autor aponta que é indispensável reexaminar o material folclórico há muito recolhidona Inglaterra. Cf.: THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Campinas, São Paulo:Editora da Unicamp, 2001, p, 234.152 ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. X Encontro Regional de História – ANPUH -Rio de Janeiro – História e Biografias – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.

57

Cabe salientar que, Salles não exclui a possibilidade da aplicação do termo “cultura

popular”, mas ao que parece, quando este termo é utilizado por ele, aproxima-se de um dos

polos em que esse termo oscila: a acepção de povo (sinônimo). Salles admite utilizar o

termo “cultura do povo” ou “cultura popular”, no sentido de defini-la como sendo “o

domínio coletivo do popular”, ao contrário da “cultura erudita” (texto resposta, p. 2). Em

Sociedade de Euterpe, por exemplo, ao falar sobre a tradição musical do Baixo Tocantins,

no Pará, Salles aponta Cametá como “celeiro” de artistas e intelectuais, e busca ressaltar a

tradicionalidade do teatro na região, porém, a música se apresenta como sua atividade

preferida. Nesse sentido, ele destaca que o folclore dessa região e as festas populares, a

exemplo: São João e o Carnaval, conservam, segundo Salles, a influência dos folguedos

dos negros e dos caboclos. Como podemos observar, Salles aplicou separadamente os

conceitos de folclore e cultura popular nesse livro. 153

Através da leitura de seus livros, percebemos que Salles faz uso, em grande parte,

da palavra folclore, não se isentando da utilização do termo “popular” como já

mencionamos anteriormente. É necessário destacar aqui, que estamos tratando de um

intelectual comprometido com a cultura, com as lutas sociais e políticas dos menos

favorecidos, um intelectual engajado politicamente, que vê no folclore, inclusive, uma

forma de resistência. Dessa forma, podemos mencionar como exemplo, o folclore negro

que, se mantêm até hoje nos costumes da Amazônia e do Brasil, e que tanto foi trabalhado

em seu livro O Negro no Pará, sob o regime da escravidão, assim como, em outras obras

suas, que resultaram do desdobramento dos seus estudos sobre a presença negra na

Amazônia.

Em seu Marxismo, Socialismo e Militantes Excluídos, Salles nos apresenta uma

reflexão essencialmente política, onde a questão do folclore é ressaltada, por exemplo, logo

no primeiro texto que constitui o livro, que diz respeito ao pensamento político na

Cabanagem. Nesse sentido, Salles destaca que, em uma sociedade onde a maioria das

pessoas se constituem por analfabetos “... a história vive e se transmite por processos

dinâmicos e essencialmente folclóricos...”, e que as ideologias se alimentam das lutas e

experiências sociais, e que podem ajudar a outros povos a partir da transmissão oral ou de

processos gráficos, por exemplo.154 O exemplo mais pertinente para demonstrarmos o

valor das palavras de Salles, seria a introdução de ideias revolucionárias na Amazônia,

153 SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: As bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor,1985, p.147.154 SALLES, Vicente. Marxismo, Socialismo e os Militantes Excluídos. Belém, Paka-Tatu, 2001, p. 14.

58

presentes nos escritos de O Negro no Pará, sob o regime da escravidão e Memorial da

Cabanagem, um esboço do pensamento político - revolucionário, por exemplo.

Em outro livro de Salles, A Música e o Tempo no Grão-Pará, o autor analisou uma

história da música na região amazônica em meio ao erudito e o popular.155 Esta perspectiva

de entrecruzamento entre o popular e o erudito é indicada por Lacapra como um aspecto

favorável de trabalho, o que ele chamou de “relações efetivas e desejáveis entre cultura

popular e alta cultura”, relação cada vez mais dificultada pela mercantilização da cultura.156

“Folguedos de cunho religioso foram impostos aos negros e aosíndios. E o folclore amazônico ainda hoje é rico dessas tradições.Mestre Martinho foi o mais famoso festeiro de Belém de outrora... Suabiografia é bem conhecida: Preto, ou melhor, mulato escuro, nasceuna cidade de Óbidos a 12 de outubro e veio pequeno para Belém. Eramenino quando promoveu a primeira festa do Divino Espírito Santo, a12 de agosto de 1848, na antiga Rua Nova de Santana, hoje ManuelBarata...”.157

Neste trecho é possível observar, como Salles resume em sua narrativa, a relação das

influências e o amalgamento das culturas no Grão-Pará, e a permanência do resultado desta

fusão em meio a nossa tradição folclórica. É importante destacar, na obra em questão, a

presença marcante da ideia de “circularidade, ou seja, um relacionamento circular entre as

classes dominantes e subalternas, sendo caracterizado pelas influências recípocras”, o que se

faz presente na obra em questão. 158

Mas o que seria o autenticamente o “popular”? Michel de Certeau indicou que há

vários sistemas de explicações para essa pergunta, e assim, esse historiador faz uma

importante referencia a Marc Soriano e a G. Bollème sob essa perspectiva. Para Bollème a

“Cultura Popular” seria o resultado de uma degradação da literatura de elite. Enquanto que

para Marc Soriano, a literatura popular, aquela considerada tradicional, “... enraizada nas

origens da história e transmitida por uma tradição oral...”, emergiria de uma literatura

clássica, ou seja, ela remontaria de uma tradição popular até chegar às obras consideradas

clássicas. 159

155 SALLES, Vicente. A Música e o Tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.156 LACAPRA, Dominick. História e Romance. In: Revista de História. Campinas, 2(3), set./1991, p. 123157 SALLES, Vicente. A Música e o Tempo no Grão-Pará, op. cit., p.164.158 Fonte: Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore.159 CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995, p. 67

59

Peter Burke, em seu clássico estudo sobre cultura popular, falaria desta como uma

redescoberta da cultura do povo, sendo que o conceito de “cultura popular” fora sendo

ampliado na medida em que os historiadores e outros intelectuais alargaram seus interesses

pelo exótico, pelas tradições populares160. Se no final do século XVIII o povo já era

considerado interessante e exótico para alguns intelectuais, no início do XIX esse interesse

irá se acentuar. Portanto, algumas razões merecem ser destacadas para podermos entender

este caloroso interesse: 1) Intelectualmente. A valorização da cultura popular não deixou de

ser uma reação ao Iluminismo, que não era aceito em todas as regiões. Na Espanha, por

exemplo, o gosto pela cultura popular no século XVIII, foi uma espécie de reação/oposição à

França, mas precisamente à sua “hegemonia intelectual”. 2) Politicamente. A cultura popular

estaria intimamente ligada à ascensão do nacionalismo. 161

Sobre a questão do nacionalismo, digo da identidade nacional, no Brasil, que se

apresenta intimamente ligada às reflexões sobre “cultura popular”, Ortiz apresenta algumas

considerações relevantes, que nesse contexto, valem a pena mencionar. Primeiramente, ao

destacar que as análises sociológicas, históricas e antropológicas têm contribuído bastante

para essas discussões; e que alguns termos como identidade, nação, popular foram termos

presentes na história do pensamento latino-americano. Porém, a esses termos foram

associados a outros, como: atraso, desenvolvimento e modernidade, ou seja, os intelectuais

do século XIX enfrentaram a contradição entre a “sensibilidade romântica” de apontar a

civilização, e as condições reais e materiais que negariam tudo isso. 162 Nesse sentido,

percebemos, por exemplo, que, ao valorizar a recuperação das tradições, esses “folcloristas”

se voltariam para uma análise mais conservadora, e consequentemente não acompanhariam o

desenvolvimento do país e assim sendo, sua modernização.

A preocupação com a construção de uma “identidade cultural” no Brasil remonta ao

final do século XIX, preocupação esta que estaria presente no discurso intelectual de

folcloristas, sociólogos, antropólogos, entre outros, a partir das contradições entre os termos

apresentados acima. E seria somente, a partir de meados do século XX, que a cultura popular

assumiria uma perspectiva populista nos países latino-americanos, ou seja, esses governos

160BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.161Idem. É interessante destacar o exemplo dos Finlandeses, que escaparam dos suecos, mas temiam a Rússia porvolta de 1809, no sentido de não perderem sua identidade para o Império Russo. Eles começaram a estudar sualiteratura no final do séc. XVIII, sendo que um dos primeiros estudos sobre folclore foi a dissertação em latim deH.G. Phortam sobre a poesia finlandesa (1776), e que depois de 1809 acabou assumindo um lado mais político.162 ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas, op. cit., pp. 76-77.

60

procurariam oficializar a imagem do “popular” às identidades nacionais. 163 Em outro

momento, Abreu (1999) ao analisar a Festa do Divino no Rio de Janeiro, ao longo do século

XIX, ressalta que o contato com alguns escritores memorialistas do século XX demonstram

que, as tradicionais festas religiosas ficariam determinantemente associadas ao costume

popular, à mistura de classes, etnias e culturas, ou seja, ligada, de fato, a uma identidade

nacional. 164

Sem exageros, insistimos no fato de que grande parte do que Vicente Salles produziu

como pesquisador está ligado ao folclore. E mesmo tendo defendido a cientificidade dessa

disciplina ou ciência, o estudo do folclore, pelo menos no Brasil, não alcançou status

acadêmico165, exerceu sua atividade à margem do ofício do historiador. Percebemos no

desenrolar da escrita desse capítulo que, a dificuldade do folclore em se afirmar enquanto

ciência, não apresentou muitas diferenças entre as aspirações no Brasil e na Europa, pois

como destacou Abreu (2002), foi seguido um caminho semelhante na trajetória do folclore,

entre Brasil, na América Latina e na Europa, tendo como principal ponto de confluência, a

recuperação da identidade do passado. Indiscutivelmente, ligado a uma ideologia política.

Entre outros trabalhos que nos possibilitam estender essa discussão está o de

Leonardo Ferreira. Este autor aponta que a CDFB buscou compreender Amadeu Amaral

separando o político do folclorista. Contudo, sua figura política teria sido muito forte em São

Paulo, e ele mencionou claramente ser fundamental ter o folclore como um “aliado” no

sentido político, no sentido de conquistar uma maior possibilidade de intervenção aos

costumes da população. 166

Ao entrarmos nessa discussão da relação entre folclore e política, faz-se necessário

retomarmos a militância política de Vicente Salles, uma vez que o folclorista recupera Marx,

ao destacar que a arte em todas as suas manifestações, seria sempre uma prova palpável da

existência do homem em si, no sentido de mostrar sua capacidade criadora desse homem.

163 ABREU, Martha Cultura popular, festas e ensino de história, op. cit. Cabe destacar, que a autor a se estendea década de 1960, quando menciona a utilização do conceito pelas “esquerdas”, quando acaba sendorelacionados a um sentido de resistência de classe ou de uma forma de resistência dos oprimidos, aspectos queforam mencionados no primeiro capítulo desta dissertação, quando tratamos sobre a atuação de Vicente Salles naCDFB.164 ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Riode Janeiro: Nova. Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999, p. 131. Nesse caso, como destaca a autora esse é o casoda presença de versões sobre a festa do Divino que tratavam de um presente que se mostrava “integrador” dasdiferenças sociais e raciais.165 Entrevista concedida à autora, através de carta, em maio de 2010166 Cf. FERREIRA, Leonardo da Costa. Memória, Política e Folclore na obra de Amadeu Amaral (1916 e 1928).(Dissertação de Mestrado em História). Niterói/RJ: Universidade Federal Fluminense, 2007, p. 44.

61

Nesses termos, o sistema capitalista seria o maior responsável pela criação de condições que

não parecem favorecer o “florescimento” da arte popular, uma vez que esse sistema

claramente parece limitar o seu espaço, e consequentemente impondo restrições à criação

dessas iniciativas populares. Salles, na realidade, quis trabalhar com essa ideia de

problematizar a questão: o sistema não consegue ou não se permite enxergar o “homem

criador” enquanto ser social, mas somente como indivíduo. 167

Na Inglaterra do início do século XX, as fontes folclóricas coletadas, tais como: as

canções, as danças e os costumes, passaram a ser do interesse dos intelectuais de esquerda,

porém esse interesse perdeu as forças ainda nos ano 30. Como nos exemplifica E. P.

Thompson, a ascensão do fascismo propiciou uma ligação com os estudos folclóricos, mas

com um sentido “reacionário ou racista”. Dessa forma, os intelectuais de esquerda,

mencionados anteriormente, ou melhor, “os historiadores de esquerda” teriam que buscar

outro tipo de “suporte”:

“Enquanto isso, os historiadores de esquerda se voltaram paramovimentos inovadores e racionalistas, fossem seitas puritanas ou osprimeiros sindicatos, deixando a Sir Arthur Bryant e seus sequazes acelebração da “Alegre Inglaterra” e suas festividades de maio(maypoles) e paroquiais, bem como suas relações de paternalismo edeferência.”168

Nesses termos, podemos perceber o folclore constantemente envolvido com os

aspectos políticos e ideológicos presentes em uma sociedade, considerando o dinamismo

desta sociedade. O folclore, como destacou Salles seria algo criado e mantido por esta

“sociedade”, porém, dentro de uma sociedade de classes, por exemplo, não seria somente a

“elite” que poderia omitir ou negar um fato folclórico, como observamos a partir das

considerações de Thompson.

A MATÉRIA VIVA DO FOLCLORE

Destacamos anteriormente que, o folclore para Salles transformou-se no que ele

chamou de “Matéria Viva”, levando em consideração as formas folclóricas e sua dinâmica.

Porém, o autor salienta que, por muito tempo o folclore foi considerado como “Matéria

167 SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos/O folclore em face do direito deautor. Brasília: Micro-Edição do Autor, 1999.168 THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos, op. cit., p. 233.

62

Morta”, pois o interesse nos fenômenos folclóricos dependia diretamente da sua

antiguidade. Nesse segundo pensamento, esses fenômenos seriam voltados para um

passado remoto, somente. Segundo Salles, avesso aos folcloristas que chegavam ao

folclore através da história (nesse sentido, passou-se a confundir folclore com tradição,

uma vez que os folcloristas “cultivam” a tradição.169) voltados para esse passado remoto,

posicionavam-se aqueles folcloristas que consideravam o folclore como matéria viva, no

sentido de ser analisado em seu dinamismo. 170

Segundo Ortiz, a criação do folclore se deu na medida em que foi amparado pelo

pensamento que estava se formando nas Ciências Sociais no século XIX. As idéias dos

pensadores positivistas, como Comte e Spencer, apresentaram-se sob forma influente para

a compreensão dos “fenômenos sociais”, pois a partir do momento em que se tem a

possibilidade de fundar uma ciência positiva, temos os folcloristas “chamando” a

responsabilidade de levarem o esclarecimento científico ao “popular”.171 E seria, no limiar

do XIX que se apresentaria essa “manifestação romântica”, no sentido de tornar algo

“morto”, em algo que apresentasse um teor mais “positivo”, onde se pudesse ver essas

classes e costumes populares com outros olhos, apresentava-se, então, certa inclinação para

uma “nova sensibilidade”.172

Vicente Salles, a partir dos ensinamentos de Edison Carneiro sobre o folclore,

salienta que, o folclore é resultado de um intenso produto cultural entre os “strata sociais”,

produto da relação “da comunicação pessoal, das relações de produção, da comunidade de

língua, de sentimento religioso e nacional, da educação e da cidadania” 173,

consequentemente, todos participam da criação e da manutenção do folclore, seja a cultura

popular ou de elite. No entanto, Salles destaca que, o folclorista deve saber fazer tal

diferenciação, pois destaca que “... embora o folclore se deva, por ação e por omissão, a

169 Em A Invenção das Tradições, podemos observar uma densa discussão sobre o processo de construção dastradições e o modo pelas quais essas “tradições” são reinventadas. Assim, logo na introdução escrita por EricHobsbawm, é destacado que, as “tradições” que parecem ou são consideradas antigas, são na verdade, por muitasvezes atuais ou/recentes, isso quando não são inventadas. Cf.: HOBSBAWM, Eric. Introdução: A Invençãodas Tradições. In: HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (Orgs). A Invenção das Tradições. Paz e Terra,1997, p. 09.170 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 881.171 Ver: ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas, op. cit.172 Ibidem. pp. 17-20.173 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 882. Já mencionamos e refletimos arespeito dessa ideia, mas acreditamos que seja interessante, retomarmos a ideia central de Salles, no sentido dedestacar juntamente com a ideia central outras reflexões. É como se o sentido principal fosse o mesmo, mas eleutiliza outras palavras para se faze esclarecer.

63

toda a sociedade, dele apenas o povo se serve. E sublinhando esse processo comporta-se o

desenvolvimento do folclore como forma de relacionamento entre as pessoas”. 174

A partir da reflexão feita até o momento sobre o folclore, faz-se necessário

pensarmos sobre algo a mais, algo que o próprio Salles problematizou em seu texto sobre o

questionamento teórico do folclore. Partindo da premissa que, cabe à história ter a função

de trabalhar com as pesquisas do passado, passaria a história ter o caráter de auxiliar de

todas as ciências175, porém este intelectual salienta que, o folclore é da mesma forma,

auxiliar de qualquer ciência social, assim como pode ser considerado como auxiliar da

história. Salles acaba por justificar o termo “auxiliar” direcionado à História, pois não

significaria, nesse sentido, reduzir a importância desta ciência, assim, ao que parece, o

autor está mais preocupado em mostrar o sentido da reciprocidade das “disciplinas”.

Permanecendo nesse raciocínio a respeito do folclore, deparamo-nos com uma

trajetória de desfavorecimento do folclore entre os intelectuais. Das acusações de possuir

uma “inconsistência teórica”, passando pelo fato de não conseguir comprovar sua

cientificidade e, consequentemente, não conseguindo se firmar como disciplina acadêmica,

percebemos, ainda, certa desconfiança e algumas limitações quanto ao folclore.176 No que

se refere à aspiração do Folclore no rol das ciências, Salles destaca, a partir das colocações

de Renato Almeida que, a ação de o fato folclórico ser tratado “por diversos processos

científicos”, é o que vem dificultar a construção de sua metodologia e, consequentemente a

autonomia do folclore entre as ciências.177 Ortiz apresenta um posicionamento bastante

crítico a respeito desse assunto, dessa forma, ele destaca que, a seu ver, a suspeita dessa

“inconsistência” advém da dificuldade dos folcloristas em delimitar sua área do

conhecimento.178

A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, criada em 1958, viveu um momento

de intensa produção a cerca dos estudos sobre o folclore no Brasil, após alcançar o “auge”,

174 Ibidem, pp. 882-883175 Ibidem, p. 881176 Como aponta Magda Ricci em seu artigo: Folclore, Literatura e História: a trajetória de Henrique JorgeHurley, a história ainda continua “de costas” para a literatura e para o folclore. Em meio a esta discussão, torna-se essencial dialogar com o papel do historiador e do folclorista. O historiador Aldrin Figueiredo, ao falar sobre aprodução dos literatos Pádua Carvalho e Juvenal Tavares, acaba por fazer uma discussão interessante acercadeste assunto, uma vez que, destaca a figura do folclorista, e o relaciona com o ofício do historiador. Cf.:FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileirasna Amazônia 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008.177 SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore, op. cit., p. 882.178 ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas, op. cit., p.50.

64

inclusive, por chegar ao status de Instituto Nacional do Folclore, passou posteriormente

para a condição de coordenadoria, e hoje como “centro” utiliza folclore e cultura popular

para a sua denominação179, algo que para Salles parece ser redundante, levando em

consideração os questionamentos e discussões sobre os conceitos que foram realizados

anteriormente.180 Como antropólogo Salles passou a encarar o folclore como o domínio

coletivo do conhecimento, e admite que, trata-se de “uma panela que muitos mexem”.

Assim, Salles enquadra o folclore como matéria de interesse da mídia e lucrativo para a

exploração das indústrias que impõem seus produtos, diante dessa situação é que surge o

movimento de “defesa” do folclore, levado à frente pela CDFB, sobre a qual trabalhamos

no primeiro capítulo desta dissertação, dentro do contexto da trajetória de Vicente Salles.

LEITURAS SOBRE O FOLCLORE: DO MODERNISMO A ESCOLA PAULISTA DE SOCIOLOGIA

Autores como Cavalcanti & Vilhena, Ortiz e Abreu, destacam o percurso do

folclore no Brasil. 181 O final do século XIX marcou-se pelo interesse sobre os estudos

folclóricos, tendo como um dos ícones deste período, Silvio Romero (1851-1914). No

século XX, observamos a produtividade de autores como Amadeu Amaral (1875-1929) e

Mário de Andrade (1893-1945), que consolidam o campo folclórico demonstrando uma

forma de organização nessa área de atuação, a exemplo da proposta de associações ligadas

ao folclore pelos dois últimos. 182

A nosso ver, as “missões” de defesa do folclore brasileiro, marcadas pela criação de

uma Comissão Nacional de Folclore (1947), e posteriormente, pela Campanha de Defesa

do Folclore (1958), devem ser compreendidas à luz de seu contexto intelectual precedente,

com o objetivo de percebermos a “proposta” das “missões”, e no caso da campanha, a

relação de Salles com a aspiração da mesma. Nesse sentido, faz-se necessário tecer

179 O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular está atualmente ligado ao Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional – IPHAN. Em 1980, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foiincorporada à FUNARTE como o nome de Instituto Nacional de Folclore, que em 1991, passa a ser intitulado deCoordenadoria de Folclore e Cultura Popular, e finalmente em 1997, esta coordenadoria passa a ser o atualcentro. Cf. www.portaliphan.gov.br180 SALLES, Salles. Não tem autor não tem direito..., op. cit., p. 07.181 CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro & VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. TraçandoFronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.3,n.5, 1990, pp. 75-92. ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992. ABREU,Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. X Encontro Regional de História – ANPUH - Rio deJaneiro – História e Biografias – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.182CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro & VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. TraçandoFronteiras, op. cit., p.76.

65

algumas considerações a respeito do que hoje denominamos de “modernismo”. Esse

movimento, gestado nas primeiras décadas do século XX, foi marcado pelas aspirações dos

homens que participaram desse momento, em busca de uma nova proposta para a

identidade nacional, a exemplo de Mário de Andrade que, como folclorista, queria

apresentar a origem e o fundamento de uma “tradição” brasileira, essa seria, então, a

missão dos modernistas. 183

Destacamos Mario de Andrade por ser considerado um dos expoentes dos estudos

sobre o folclore e um dos ícones do movimento modernista, o qual ajudou a criar, e

consequentemente a divulgar e defender a “moderna” proposta para a cultura brasileira, ou

seja, no sentido de compreender o folclore ou a cultura popular, para conhecer de fato o

“povo brasileiro”. Como destacou Margarida Neves, o seu “comprometimento” em

descobrir o Brasil e os brasileiros foi para Mario a suposição de uma “... diluição da

diversidade regional num todo unívoco, uma vez que sua busca era, como a de parte dos

modernos, a de definir o caráter brasileiro.” Mesmo que, a partir de algumas contradições

sobre “as coisas populares” do Brasil e pela atribuição a sua pessoa, a “investigação” pela

consciência da nacionalidade. 184

A peregrinação por diversos pontos do Brasil, inclusive, passando por Belém na

década de 1920 fez Mário de Andrade dar vida ao livro O Turista Aprendiz, com as

crônicas de registro das suas pesquisas etnográficas. Posteriormente, na década de 1930,

era a vez da Missão Pesquisa Folclórica organizada pelo Departamento de Cultura do

Estado de São Paulo, sob a direção deste intelectual, aportar em Belém. Essas ações,

independente de qualquer coisa, demonstram o desejo se “sair” daquele sentimento de

limitação, no que se refere às tradições e ao folclore brasileiro nesse momento. 185

183 NEVES, Margarida. Da Maloca do Tiete ao Império do Mato Virgem. Mario de Andrade: Roteiros eDescobrimentos. In: CHALHOUB, Sidney, PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A História contada:capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 279. Dentre outrostrabalhos específicos sobre Mário de Andrade e suas “andanças” pelo Brasil, em busca de registrar essastradições, destacamos: LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo, 1972;MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978;CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Cultura Popular e Sensibilidade Romântica: as dançasdramáticas de Mário de Andrade. In: RCBS, vol.19, n. 54, fev. 2004, pp. 57-78; e ANDRADE, Mário de. OTurista Aprendiz. Paulo: Duas Cidades/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.184 NEVES, Margarida. Da Maloca do Tiete ao Império do Mato Virgem, op. cit., pp.285-292.185 Notícias mais pontuais sobre a atuação dos intelectuais dentro do Departamento de Cultura de São Paulo -dentre eles, Mário de Andrade - e a interseção entre a academia e administração publica. Cf. RUBINO, Silvana.Clubes de pesquisadores: a Sociedade de Etnografia e Folclore e a Sociedade de Sociologia. In: MICELI,Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil, v. 2, São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP, 1995, pp.479-521. Sobre a visita de Mário a Amazônia no final da década de 1920 e, posteriormente da Missão Pesquisa

66

É importante não perdermos em mente que Mário de Andrade fazia parte de um

movimento maior, denominado modernismo, que tinha como proposta uma nova e

moderna identidade nacional. Nesses termos, observamos a propagação dos estudos sobre

o folclore nas décadas de 20 e 30, demonstrando as preocupações dos intelectuais

brasileiros em difundir o folclore nacional, como pode ser percebido em revistas como

Lanterna Verde, Festa e América Latina.186 No Pará, por exemplo, verificamos que nesse

período as idéias desse movimento já estavam agitando a intelectualidade paraense através

das reuniões ocorridas no terraço do Grande Hotel, em Belém, que propunham essa

“renovação literária”. 187

Se no século XX, os estudos folclóricos apresentaram certa “projeção”, ao exemplo

da criação da Comissão Nacional de Folclore (1947) e da Campanha de Defesa do

Folclore Brasileiro (1958), ao mesmo tempo passariam a receber críticas severas de

intelectuais como Florestan Fernandes. O problema aqui era o “teor” científico destes

estudos. Nesse sentido, os folcloristas foram estigmatizados por atuarem de forma mais

descritiva que interpretativa, e por exercerem uma ligação tomada como “conservadora” da

sociedade. Para Abreu, eles foram por isso “... sendo marginalizados nas universidades e

esquecidos pela intelectualidade e esquerda.”. 188

Caberia aqui, ressaltar o interesse “possível” de ambos os lados. A Comissão

Nacional de Folclore foi criada em 1947, por Renato Almeida, e ligada ao Instituto

Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (órgão da UNESCO). Devemos levar em

consideração que, no Pós-Guerra, o folclore irá se enquadrar nas aspirações da UNESCO,

pela paz mundial, na medida em que é encarado como “instrumento” de compreensão entre

os povos, permitindo, assim, a construção de identidades diferenciadas entre eles. Nesse

sentido, Cavalcanti destaca: “O Brasil de então se orgulhava de ser o primeiro país a

Folclórica cf. ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz, op. cit.; FIGUEIREDO, Aldrin. A Cidade dosEncantados, op. cit., pp.227-228.186 GOMES, Ângela de Castro. Essa Gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo. Rio de Janeiro: FundaçãoGetúlio Vargas, 1999. A autora analisou especialmente o espaço da intelectualidade carioca nas décadas iniciasdo século XX e os ideais modernistas e nacionalistas.187 INOJOSA, Joaquim. Modernismo no Pará. In: ROCHA, Alonso et al. (Orgs.) Bruno de Menezes ou asutileza da transição. Belém: CEJUP, 1994, pp. 109-133.188 ABREU, 2002.

67

atender à recomendação da UNESCO no sentido da criação de uma comissão para tratar do

assunto.” 189 Com o interesse maior em divulgar o folclore brasileiro.

Por outro lado, temos o pensamento sociológico da década de 1950 e 1960,

expressada pela Escola Paulista de Sociologia, tendo como expoente Florestan Fernandes

que passou a ver as culturas populares no contexto da moderna sociedade capitalista, ou

seja, no âmbito das desigualdades sociais.190 Fernandes, discutia a posição do folclore no

quadro das Ciências Sociais, e como aponta Cavalcanti & Vilhena, é notório neste

intelectual, mais do que em qualquer representante da escola paulista de sociologia, a

preocupação em “demarcar as fronteiras da sociologia em relação às demais ciências”. 191

O período que diz respeito a criação da CNFL, e posteriormente a CDFB, foi

marcado por “tensos” debates sobre a “posição” do folclore na sociedade. Um dos aspectos

interessante de ressaltarmos é o teor da palavra “povo”. A autora destaca um dos aspectos

fundamentais da definição de folclore para os integrantes da comissão e da campanha que,

“o folclore se encontra em diferentes seguimentos sociais” e que somente no “povo” pode

ser encontrado o folclore de forma autêntica e pura, mesmo influenciado pela cultura

moderna. 192 Observamos aqui, a tese central sobre o que seria folclore para Salles, como já

mencionado, inclusive o sentido dinâmico aplicado ao conceito.

Embora não tenha conquistado sua “autonomia” e um teor científico, vale destacar a

empreitada dos “folcloristas” para o despertar e para a valorização do folclore nacional, e

de toda a atuação que tiveram em território brasileiro. Dos embates travados com a escola

paulista de sociologia, apresenta-se parte da história do folclore no Brasil, da sua trajetória,

representados pelas “missões” folclóricas, e pelas dificuldades ou “fragilidades” em se

estabelecer dentro da academia. De modo geral, podemos observar que, houve uma

preocupação dos intelectuais modernistas ou mesmo dos folcloristas da CDFB, em

valorizar a cultura do povo em sua essência, no sentido de buscar desvendar as

particularidades de cada região e de cada estado. Mesmo que essa observação, não seja

nenhuma novidade, procuramos aqui atentar para este percurso, na medida do possível,

189 CAVALCANTI, Maria L. V. de Castro & VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando Fronteiras:Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. p. 76. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 5,1990, pp. 75-92.190 Nesse sentido, ver: ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A Sociologia de Florestan Fernandes.Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v.22, n.1. junho, 2010, pp. 09-27.e ABREU, Martha. Culturapopular, festas e ensino de história, op. cit.191 , Maria L. V. de Castro & VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando Fronteiras, op. cit., p. 81.192 Ibidem, p.83

68

com o sentido de situarmos a leitura sobre o folclore, no período das missões e ao contexto

precedente a estas.

2.2. VICENTE SALLES E SUA PESQUISA DE CAMPO

Um aspecto que poderia ser ressaltado em meio a trajetória de Salles seria a questão

da “pesquisa de campo”, técnica característica do trabalho de Salles como pesquisador.

Retomando a questão da ausência de inventário das manifestações folclóricas no Brasil,

Salles faz questão de destacar em seu material de curso para a CDFB que, isso só poderia

ser levado adiante com “... o grande esforço da pesquisa de campo e a longo tempo...” para

identificar o estágio, que no momento se encontrava o folclore. Podemos observar a

transferência dos anseios da CDFB para o contexto do plano de aula apresentado por

Salles, no sentido de fortalecer, defender, e principalmente, esclarecer essa “matéria” que

segundo ele, é de interesse de muitos, igualmente, de “amadores”. 193

Em seu Um retrospecto, podemos extrair uma breve narrativa a respeito de suas

“andanças” e sobre as pesquisas realizadas pelos interiores do estado do Pará. Em 1954 -

ano em que este folclorista se mudaria para o Rio de Janeiro - foi o momento em que Salles

iniciou sua jornada, e como ele mesmo aponta: pesquisando bandas de música, o carimbó e

outras manifestações culturais da região do Salgado/PA. Salles acabou por descrever com

certo saudosismo, sua passagem pela ilha de Algodoal:

“Detive-me no Algodoal, atraído pela estória de Maiandeua, a cidadeencantada, de que tanto me falava Levi Hall de Moura. Guardomemória dessa vivência, do carimbó na casa do velho Oxalá. Acomunidade de pescadores guardava seus mistérios e encantarias.Maiandeua estava no fundo da lagoa entre as dunas, como os lençóisdo Maranhão, em cujas beiradas um velho caboclo, de nomeAtanásio, fazia suas preces e invocações dos caruanas. Atanásio erapajé do Algodoal...”.194

O excerto acima reflete uma descrição, com certa minuciosidade, da experiência de

Salles nesse local, embora aponte que, tenha guardado muito pouco dessa “primeira”

experiência de campo, talvez por ter feito poucas anotações, no sentido de ter tido

dificuldade em entender a fala de um mestre que atendia por nome de Atanásio em uma

193 Fonte: Material de Curso Para Professores/Campanha de Defesa Brasileira, Rio de Janeiro, 1975.194 SALLES, Vicente. Um retrospecto – memória. 2ª edição revista e ampliada. Brasília: Micro-Edição do Autor,2007, p. 15.

69

sessão de pajelança, onde este velho caboclo segurava um caximbo de tauari (espécie de

fibra para enrolar cigarros) na boca, enquanto defumava a mesa, e posteriormente vibrava

o maracá. Salles registrou o canto de abertura de uma sessão:

“Abre-te mesaAbre-te ajucá!

Abre-te cortina,Cortina reá!”.195

E com certa dificuldade em entender a voz do mestre Atanásio, uma vez que sua voz

surgia com estranha impostação, Salles obteve algo com sentido completo:

“Tontom é belaCortei o pau,Fiz a gamela,

E depois vendi,Fiquei sem ela.

Santo Antônio de LisboaMorador de Portugal,

Ai, depois vendi,Fiquei sem ela”.196

Neste primeiro momento, a pesquisa de Salles enfrentou diversas dificuldades.

Muitas pesquisas foram realizadas por conta própria, Salles rememora, inclusive, que

contou com a solidariedade dos amigos, ao exemplo, do músico santareno Wilson

Fonseca.197 No ano de 1957, Salles expressou todo seu entusiasmo em reunir material para

“futuras realizações” no campo da história da música no Pará. Nesse contexto, ele

explanava sobre um plano de aproveitamento do folclore amazônico, plano este que

contaria, também, com a presença do Maestro Waldemar Henrique.198 Para o

desenvolvimento deste plano há pouco mencionado, Salles demonstrou a importância da

colaboração de Wilson Fonseca, no sentido de reunir farto material folclórico da região de

195 Ibid. loc. cit.196 SALLES, Vicente. Um retrospecto, op. cit., pp. 15-16.197 Salles apresenta uma breve biografia sobre esse músico em seu livro Sociedades de Euterpe: as bandas demúsica no Grão-Pará, destacando a trajetória de suas composições, principalmente ao que diz respeito a músicasacra.198 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural - Vicente Salles - Correspondência Expedida - Música.Carta de Vicente Salles a Wilson Fonseca. Rio de Janeiro, 21/12/1957. O Maestro e compositor WaldemarHenrique, nasceu em Belém no dia 15 de fevereiro de 1905, na chamada rua Nova de Santana (atual ManoelBarata). Iniciou seus estudos musicais em Belém. Percorreu o Brasil e outros países difundindo o folclore daregião amazônica, apresentando-se com a irmã Mara, interprete das músicas de Waldemar Henrique. Em 1943,conheceu Mário de Andrade, um dos incentivadores de sua obra. Cf. HENRIQUE, Waldemar. Canções. Ensaiode Vicente Salles. Belém: Secretaria de Estado de Educação/Fundação Carlos Gomes, 1996.

70

Santarém, como as cirandas cantadas pelas crianças dessa região; cantos do “Sairé”,

Lundus; Cateretês; cantos de “pajés”, entre outros. A realização desse trabalho seria

desenvolvida em parceria com os músicos em questão, e ficaria divido da seguinte forma:

O Cancioneiro urbano e sobre a região do Marajó, ficaria sob a responsabilidade de

Waldemar Henrique. Ao que diz respeito à região do Baixo Amazonas ficaria sob-

responsabilidade de Wilson Fonseca; e a Zona Brangantina, assim como, a pesquisa

histórica ficaria sob a incumbência de Vicente Salles. 199

Em meio à correspondência escrita ao amigo Wilson Fonseca em 1957, Salles

adiantaria sobre a sua possível visita ao Pará no ano seguinte, com o objetivo de ir até à

cidade de Cametá, no interior deste Estado. O pesquisador já teria tido notícias sobre um

determinado músico e compositor que, poderia lhe ajudar a reunir o material sobre a zona

do Tocantins. De fato, Salles foi a Cametá, e está registrado em sua memória200, a

referência a duas pessoas que contribuíram com seu trabalho de campo, em Cametá:

Raimundo Penaforte e mestre Castro. 201

Exatamente no ano de 1958, temos notícias da primeira pesquisa de campo, mais

ampla e com um bom material de apoio, realizada por Vicente Salles, no Pará. Como ele

próprio descreve: “... com um gravador de fitas emprestado por Mozart de Araújo,

gravando o ritual do baborixá Miguel Silva, e a folia de São Sebastião, de Tó Teixeira.

Também fui a Cametá colher os frutos da terra com Raimundo Penafort e mestre Castro.”202·. Observamos que, nesse momento Salles se refere aos dois últimos, de fato. Dessa vez,

ao que pareceu, a estrutura para a realização da pesquisa se apresentava de uma forma mais

favorável para o desempenho de seus estudos.

Em 1971, ano da publicação do clássico de Vicente Salles O Negro no Pará, sob o

regime da escravidão, encontramos registrado o entusiasmo de Salles pela pesquisa de

campo, que agora se voltava para a presença negra na Amazônia. Nesse sentido, este

folclorista destacava a importância de se estudar os mocambos existentes na região norte,

199 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural - Vicente Salles - Carta de Vicente Salles a WilsonFonseca. Rio de Janeiro, 21/12/ 1957.200 SALLES, Vicente. Um retrospecto, op. cit., p. 18.201 As cartas trocadas com Wilson Fonseca apontam para uma visita de Salles a Belém neste ano de 1957, nosentido de realizar pesquisas folclóricas nesta cidade, a partir da coleta de gravações de melodias. Esse materialiria ser utilizado posteriormente nos programas folclóricos na Rádio MEC, no Rio de Janeiro. Salles expõe aoamigo sobre o resultado de sua coleta, onde obteve um total de 07 jornadas de um pastoril, uma ladainha emlouvor a São Sebastião e uma coleção onde constam 31 cirandas. Carta de Salles a Wilson Fonseca, Belém, 19de janeiro de 1957.202 SALLES, Vicente. Um retrospecto, op. cit., p.18

71

como: o da região do Gurupi; o bairro chamado Loanda, em Alenquer; a Vila de Curuá,

entre outros locais. O pesquisador chegou até mesmo a se desculpar com a antropóloga

Anaíza Vergolino, pela sua preocupação excessiva com o Folclore. 203. Nesse sentido, o

livro de Salles apresenta-se como um trabalho, permeado de “possibilidades”, uma vez que

muito ainda teria que ser trabalhado nesse aspecto, seria possível que o Negro no Pará se

apresentasse em alguns outros volumes, ou melhor, em outros trabalhos extensivos. Dessa

forma, percebemos que Salles “desvia-se” da pesquisa com a música, nesse momento, para

se concentrar nos estudos sobre o negro e sua cultura.

O FOLCLORE E A HISTÓRIA DA MÚSICA NA AMAZÔNIA

Ao tema da música, Vicente Salles dedicou boa parte de suas pesquisas. Seu primeiro

livro, Música e Músicos do Pará, publicado em 1970, foi gerado a partir do seu interesse

pelo tema. Esse livro acabou por tomar corpo de uma enciclopédia, apresentando algumas

personalidades que se destacaram no meio musical no Pará, através de breves biografias,

assim como informações sobre partituras, instrumentos musicais e folguedos folclóricos.204

A respeito do livro citado, existem algumas particularidades que merecem ser destacadas.

Foi o primeiro livro de Salles sobre música paraense a ser publicado, além de o mesmo

livro ter proporcionado a amizade entre Salles e o jornalista Lúcio Flávio Pinto. Foi a partir

das criticas direcionadas a essa obra que o jornalista se tornou amigo e grande admirador

de Salles.205 Das respostas as críticas feitas por Lúcio Flávio, observamos uma certa

“fragilidade”, admitida por Salles em responder tais questões, principalmente, a partir da

203 Correspondência Expedida: Carta de Vicente Salles a Anaíza Vergolino. Rio de Janeiro, 26 de março de1971.204 Nesse sentido, o desenvolvimento de suas pesquisas a partir da música, possibilitou a Salles, apresentar umacompreensão da história do teatro, de músicos e de fatos folclóricos na Amazônia e no Brasil, uma vez que amúsica se apresenta como um dos componentes dentro de uma análise cultural. Nesses termos, e por existir umtrabalho específico sobre o assunto (ver: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit.), não iremosnos estender a todas as obras de Salles que tem como tema a “música”, mas versaremos, a seguir, a respeito dealguns desses livros, dentro de uma perspectiva histórica e folclorística. O livro teve a 2ª edição lançada em2002, com uma versão corrigida e ampliada, aparecendo como uma miocro-edição do autor, porém destoa daestrutura apresentada de suas micro-edições, pois a presente publicação foi apresentada em capa dura e numformato maior. Existe também, uma publicação pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará como 2ª edição,no ano de 2007, onde Vicente Salles foi homenageado na Feira Pan-Amazônica do Livro, como patrono damesma.205 Resposta de um email dirigido à autora em 01/11/2011.

72

“reavaliação” de alguns conceitos, o que não permitiram ao folclorista responder certas

questões naquele momento, conceitos esses referentes a uma perspectiva folclórica.206

Dessa forma, Salles se via envolvido em uma rede de questionamentos,

principalmente, no que se referia aos “conceitos” 207, tensão esta que se apresenta tanto em

seu diálogo com o jornalista Lúcio Flávio Pinto, como no texto – resposta ao

questionamento teórico do folclore que vimos anteriormente, e como podemos considerar,

em parte, no teor da carta citada há pouco. Em carta direcionada a Lúcio Flávio, Salles

demonstrava suas inquietações através de perguntas, por exemplo, como definir “música

colonial”? Seria denominada música colonial aquela que o europeu impôs? E a “música

popular” como seria definida? Seria então necessário excluir a contribuição européia?

Seria possível que o “provocador” do debate estivesse encaminhando ou sugerindo a Salles

um estudo comparativo entre culturas? Além disso, Salles demonstra um contexto

amplamente confuso ao fazer referencia à música popular, pois não se tinha uma definição

clara e precisa ao se comparar à música folclórica. 208

Em A Música e o Tempo no Grão-Pará, por exemplo, publicado em 1980, Salles

abordou sobre a história da música no Pará, especialmente através do teatro, assim como,

destacou personalidades importantes em seus devidos contextos, que fizeram parte da

história da música na Amazônia. Utilizando-se das descrições de alguns missionários,

como o Padre Bettendorf (Séc.XVII) que, em seus relatos, falaria a respeito da música que

era praticada nos engenhos do Pará.209 Vicente Salles ao destacar o “Teatro Missioneiro”,

retoma a discussão sobre a influência das práticas destes missionários sobre os negro e

índios da região, ou seja, de como estimulavam ou instituíam os “cortejos que se

folclorizavam”. 210

Outro aspecto relevante a ser mencionado sobre a presente obra é a forma como ele

descreve a evolução da música sacra, e a ligação desta evolução com as oscilações políticas

e consequentes mudanças no meio cultural no século XIX. Observemos:

206 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28/03/1974.207 Algo que Salles se preocupa é com a questão dos conceitos, pois se trata de uma análise delicada, uma vezque uma palavra possa se tornar matriz de “polêmicas infindáveis”, apenas, em vez de esclarecer algo. (TextoResposta).208 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28/03/1974.209 SALLES, Vicente. A Música e o Tempo no Grão-Pará, op. cit., p. 154.210 Ibidem, p. 150

73

“O corpo artístico do bispado paraense sofreu alterações em diferentesépocas, reduzindo-se ou aumentando. Esteve sempre à mercê dasoscilações políticas. Depois de d. frei Caetano Brandão, que elevou amúsica da Catedral ao melhor nível que o ambiente permitia, nãohouve continuadores mais entusiastas. [...] Quando mais se acentuavaa decadência artística da Sé, com seu pessoal desorganizado e porvezes envolvido nos acontecimentos políticos, vêmo-lo pastoreandoseu rebanho e compondo seus próprios hinos. [...] A música naCatedral entrou naturalmente em colapso, com a conseqüentedesorganização de seu pessoal artístico, durante a Cabanagem.”211

Em Sociedade de Euterpe: As bandas de música no Grão-Pará, publicado em 1985,

Vicente Salles trata a respeito da origem, evolução e atividade das bandas de música no

Estado do Pará, concluído em 1982, este livro, na verdade, seria uma extensão da obra A

Música e o Tempo no Grão-Pará. Objetivando esclarecer as origens tanto das bandas

militares da capital, como das interioranas, o autor aborda sobre a trajetória da música

desde o Brasil Colônia. E, ao que tudo indica, este livro resultaria da pesquisa de campo

realizada no início da década de 1950, quando o pesquisador percorreu os interiores do

Estado do Pará, coletando informações, dentre outras coisas, a respeito das bandas de

músicas, como já foi mencionado.

Acreditamos que seja relevante atentarmos aos “primeiros” interesses de pesquisa de

Vicente Salles - algo que foi observado no primeiro capítulo - a respeito da música e da

literatura. Sobre essas duas temáticas, Salles menciona que por muito tempo ficou disperso

“querendo fazer música e literatura”, e ao se referir ao contato com alguns professores do

Departamento de Antropologia da UFPA, que somente se iniciou quando da fase final dos

escritos de Salles para O Negro no Pará, sob o regime da escravidão, menciona: “... Mas

da música cheguei ao folclore e deste à antropologia...”. Com esse pequeno fragmento de

frase, Salles nos apresentaria, em certa medida, a possibilidade de compreensão de “parte”

ou apenas o início do que representaria a sua trajetória. 212

Observamos que a partir do seu interesse pela música, Salles necessitou ir para

campo, porém percebeu que seria necessária a realização de um levantamento histórico

para um embasamento mais denso de seu trabalho. Oliveto menciona que nos trabalhos

desenvolvidos por Salles sobre folguedos folclóricos e bandas de música, foi essencial para

211 Ibidem, pp. 124-126212 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida - Folclore.Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Rio de Janeiro, 01/07/1970.

74

ele ir aos locais para obter as informações, no sentido de completar o levantamento

histórico de suas pesquisas (complementação entre história e folclore). De tal forma

poderíamos falar sobre alguns exemplos dessa relação, a partir das constatações realizadas

através das correspondências existentes na Coleção Vicente Salles. Observamos dentre a

troca de correspondência com músicos, uma quantidade considerável de cartas trocadas

com o músico Wilson Fonseca, de Santarém no Pará, e com o Maestro Waldemar

Henrique, de Belém. Ambos, considerados personalidades que, contribuíram para as

pesquisas de Salles, no anseio de desvendar a música e o folclore da região amazônica,

primando pela importância da pesquisa de campo.

Além da contribuição de músicos e compositores, dentre outros amigos, para o

desenvolvimento das pesquisas de campo a respeito da música na Amazônia e no Brasil,

não devemos deixar de mencionar o auxílio de sua esposa Marena Salles. Violinista

profissional, e filha do violinista e compositor Marcos Salles, Marena participou de muitas

pesquisas ao lado do marido, tendo sido responsável por diversas transcrições musicais do

que era coletado por Salles, a exemplo da pesquisa de campo na Ilha do Mosqueiro, no

Pará, em 1972, onde marido e mulher registraram as manifestações folclóricas do local. 213

Em 2008, Salles publicou o Livro de Marena, onde foram reunidos alguns poemas

escritos nas décadas de 1950 e 1960, em Belém e no Rio de Janeiro, e logo na apresentação

da referida obra, Salles faz questão de externar a cumplicidade existente entre o casal tanto

pelo lado pessoal, como pelo lado profissional, uma vez que o mesmo assinala que suas

vidas foram unidas a partir de um ideal de amor e respeito, e que buscaram sempre lutar

pela igualdade social através da pesquisa histórica. 214

2.3. CONTOS E MITOS AMAZÔNICOS: FONTES ORAIS A PARTIR DA OBRA DE VICENTE

SALLES

Acreditamos que, o diferencial em Vicente Salles como folclorista e historiador

seria o de justamente trabalhar em equilíbrio com as duas disciplinas em questão. Ao longo

de sua trajetória, ele procurou realizar seu trabalho de folclorista fundamentando os

213 OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit., p. 165.

214 Cf.: SALLES, Vicente. Livro de Marena. Brasília: Thesauros, 2008.

75

aspectos históricos, e realizando um trabalho sobre o “povo”, mas sempre comprometido

para que esse trabalho retornasse ao povo. Nesse sentido, Salles deu origem a uma vasta

bibliografia de edições, sobre os mais variados temas, produzida em computador, com

quantidade mínima de exemplares as quais o autor denominou de “Micro - Edições”.

Acreditamos que, essa postura de Salles tenha sido tomada com o objetivo de “garantir” a

circulação do seu trabalho, uma vez que este tipo de edição lembra em sua forma, um

aspecto artesanal, assemelhando-se ao folheto de cordel (Ver imagem ANEXO 02).

As micro-edições, em um primeiro momento representariam a falta de um

patrocinador para publicar determinada pesquisa, muitas dessas micro-edições, ao longo do

tempo, geralmente se transformam em livro, ou em textos que compõem um livro. Essas

micro-edições nos chamaram atenção em um primeiro momento, por se dedicarem ao

trabalho de pesquisa sobre a literatura oral, uma vez que Salles apresentou uma série de

publicações sobre os contos populares na área amazônica, onde o autor se dedica a

apresentar aos leitores os etnógrafos e folcloristas da Amazônia desde o século XIX. De

antemão, ressaltamos que, não nos limitaremos às micro edições, mas nos remeteremos, a

outros textos e obras do autor.

O interesse de Vicente Salles em coletar as narrativas populares na Amazônia, deu-se

sob orientação etnográfica. Segundo Salles, as primeiras obras importantes a respeito do

assunto datam da segunda metade do século XIX, onde estão registrados materiais de

procedência negra, cabocla e indígena. Nesse sentido, esses etnógrafos não se limitaram

apenas nas narrativas, mas foram mais além, observando a música, a dança, a poesia, a

linguagem, os artefatos em geral, os usos e costumes, superstições, além, obviamente, dos

registros sobre a fauna e flora das regiões brasileiras. No balanço sobre essa “literatura

etnográfica” do XIX, Salles destaca a abordagem sobre o registro da vida social e cultura

vista por Spix e Martius, na Amazônia (1820), A “Viagem Filosófica” de Alexandre

Rodrigues Ferreira, as descrições dos padres Bettendorf e João Daniel, assim como, as dos

naturalistas Henry Bates e Alfred Wallace. Estes últimos, chegados à Amazônia, em

1848.215

Podemos constatar que a terceira parte do livro O Negro no Pará é destinada à

análise do negro na sociedade escravocrata. Nesta parte, Vicente Salles observa a inserção

215 SALLES, Vicente. Contos Populares na área Amazônica. Trabalho apresentado no II Encontro de Folcloreda Paraíba, João Pessoa, Nov. de 1988, promovido pela Universidade Federal da Paraíba. Brasília: Micro-Ediçãodo autor, 2000.

76

do negro tanto em ambientes urbanos, quanto rurais, ao destacar, por exemplo, sua

presença nas cidades, nos engenhos e nas fazendas. Segundo Salles, embora os limites que

distinguiam a escravidão nos meios urbanos e rurais fossem bastante vagos, a verdade é

que ambos os espaços submetiam o negro a condicionamentos, relações e práticas sociais

específicas,216 de certa forma, condicionadas por diferenças forjadas por condições de

produção e, por conseguinte, de trabalho, distintas.

O estudo de Vicente Salles sobre a presença do negro nestes espaços foi realizado a

partir das representações construídas por viajantes naturalistas que cruzaram a Amazônia

durante o século XIX, a exemplo dos germânicos Spix & Martius e do americano Alfred

Russell Wallace. Sobre estes viajantes oitocentistas, gostaríamos de fazer duas

considerações. Em primeiro lugar, no Oitocentos sua produção foi de natureza bastante

heterogênea, uma vez que a prática dos registros de viagem estava em voga neste momento

e o pensamento naturalista europeu estava fortemente ligado ao gênero literatura de viagem

e ao pensamento dos intelectuais deste período.

Em O Negro no Pará, Vicente Salles utilizou os relatos de viajantes de forma bem

ampla, com o intuito de observar as relações sociais, as relações de produção e as relações

culturais, associadas à relação entre o homem e a natureza, como apontamos

anteriormente. É importante ressaltarmos que, embora Vicente Salles utilize os viajantes

para perceber a presença do negro nos espaços citados anteriormente, ele não o faz sem a

devida criticidade. Por exemplo, em outro de seus livros, Memorial da Cabanagem, em

relação aos indígenas, Salles acredita e julga que os cronistas do passado fizeram certa

confusão ao tentarem classificar as populações nativas, por exemplo.

Os principais viajantes utilizados por Vicente Salles, Spix & Martius e Alfred

Wallace, abordaram o aspecto de alguns engenhos e de senzalas. Spix e Martius, por

exemplo, escreveram sobre a propriedade de Ambrósio Henriques, no que diz respeito à

produção de cana, aos aproveitamentos da cana plantada e à produção de aguardente.217

Segundo Salles, a geografia física em que se instalou a lavoura da cana de açúcar foi um

dos mais ricos elementos culturais na Amazônia, uma vez que, esta lavoura ocupou

inclusive certa área da Ilha do Marajó. Nesta ilha, se estabeleceu um tipo de sociedade

colonial com características da região da pecuária tendo a presença do vaqueiro; além

216 SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Cultura:Secretaria de estado da Cultura; Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988, p.113.217 Ibidem, p. 119

77

disso, aponta o autor que a ilha se divide tanto sob o ponto de vista ecológico, como o

social e o econômico. Nesse sentido, Vicente Salles destaca que o que lhe chama mais

atenção é o fato da sociedade ser gerada em torno das fazendas, assim como do “instituto

da escravidão”. 218 Assim, o autor procura compreender a ocupação do espaço da ilha não

se limitando a defini-la em campo e fazenda, mas também sob um aspecto ecológico. As

características ambientais são apresentadas pelo autor como um fator que condicionou a

própria colonização do espaço marajoara, contribuindo também para dar novos contornos a

relações sociais, práticas culturais e relações de produção presentes naquele espaço.

Retornando à discussão em torno das fazendas, Salles destaca que Wallace

observara na Ilha Mexiana alguns aspectos referentes à administração da fazenda e aos

costumes desta. O rancho dos vaqueiros localizava-se perto da casa grande, próximo aos

currais. Aos escravos e trabalhadores livres era permitido a produção de farinha e cultivar

cereais e vegetais. Vejamos, em seguida, um excerto de Alfred Wallace transcrito e

analisado por Vicente Salles:

“O tipo peculiar de atividade na zona do criatório desenvolveucertamente usanças igualmente peculiares e inconfundíveis, algumasdas quais permaneceram até hoje nas relações entre vaqueiros esenhores. O vestuário, a alimentação, o folclore também ali sedistinguem das demais zonas por suas características próprias.” 219

Desta forma Wallace, percebeu a relação entre os aspectos econômicos, culturais,

entre os segmentos sociais e como estes aspectos refletiram em um folclore presente ainda

hoje, neste espaço. Como outrora mencionado, o lazer dos escravos não se concentrou

apenas nas lúdicas, mas se estenderam a literatura oral. E, segundo Vicente Salles, o

naturalista Alfred Russel Wallace foi o primeiro quem coletou contos de origem africana,

embora, como esclarece Salles, estes contos muito possivelmente não tenham sido

narrados por escravos.220 De forma crítica, Vicente Salles alerta sobre a ausência de

estudos sobre a mitologia amazônica (alerta este, feito no contexto da produção deste livro,

na década de 1970), e principalmente sobre o perigo de confundirem os mitos e lendas de

origens africanas e indígenas.

218 Ibidem, p.124219 Ibidem, p. 129220 Salles utilizou dois contos colhidos por Alfred Russel Wallace, em seu livro O Negro no Pará, quais sejam: OMarido Ingênuo (1848) e a Lenda da Morte (1852). Cf. SALLES, Vicente. O Negro no Pará,op. cit., pp. 196-199.

78

Segundo a classificação do Folclore à época da Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro, cada categoria apresentaria um desdobramento de seu assunto, no caso da

Literatura Oral, esta reuniria o conto, a lenda, o mito, as adivinhações, provérbios, entre

outros. Ou seja, todas as manifestações culturais, de fundo literário, que sejam transmitidas

por processos não gráficos. Como apontou José Veríssimo, o conto seria uma das formas

mais importantes de manifestação da poesia popular, principalmente por revelar seu estado

primitivo, ou melhor, da formação do “pensamento primitivo”.221 Adentremos, agora, aos

contos e narradores que Vicente Salles selecionou, para levar o leitor ao encontro desses

escritores que contribuíram para o registro dos aspectos culturais da região amazônica.

Dentre tantos “narradores”, optamos por destacar José Veríssimo e Pádua Carvalho, uma

vez que, ao trabalhar com todos os “etnógrafos” ou “folcloristas” eleitos por Salles tornaria

este capítulo exaustivo, mas não menos interessante.

Indiscutivelmente, ao longo da produção de Salles sobre folclore, encontramos aqui

e ali algumas críticas a respeito de José Veríssimo. Em meio às obras como O Negro no

Pará ou em Repente e Cordel, por exemplo, percebemos constantes referências a José

Veríssimo, este que é considerado um importante “crítico literário” do Brasil. Na

introdução de Repente e Cordel, datada de 1981, Salles destaca a análise crítica que

Veríssimo dispensou à poesia popular no Brasil, especialmente na Amazônia, uma vez que

este escritor se precipitou ao apontar a “imensa pobreza” da poesia brasileira, algo que

escritores como Antônio Pádua Carvalho e Luís Demétrio Juvenal Tavares, provaram o

contrário. Mesmo assim, Salles não ignorou em nenhum momento, a importância de

Veríssimo como folclorista, uma vez que se trata de uma personalidade que se ocupou, no

Pará, com a poesia popular.

A respeito de José Veríssimo “folclorista”, procuramos destacar dois trabalhos de

Vicente Salles direcionados a esse crítico: José Veríssimo e o Folclore, de 1971, e II

Jornada do Conto Popular Paraense – Narrador José Veríssimo, Pará – 1879, de 2000. O

primeiro publicado na Revista Brasileira do Folclore, e o segundo tendo sido publicado

através de Micro – Edição do autor. Nascido em Óbidos no Pará, José Veríssimo vivenciou

uma Amazônia pós Cabanagem, em uma fase “eufórica” do desenvolvimentismo.

221 VERÍSSIMO, José. Estudos Brasileiros. 1ª série (1877-1885). Belém: Tavares Cardoso, 1889, pp.15-16.

79

Considerando a fase pioneira de sua trajetória, Salles destaca seus estudos voltados para a

etnografia, que seria a causa de tornar-se celebridade na província e fora dela. 222

Ao realizar uma breve biografia deste que foi considerado o “pioneiro dos estudos

folclóricos na Amazônia e no Brasil”, Salles destaca uma parte relevante da trajetória de

Veríssimo:

“Da etnografia ao folclore, a passagem não se fez bruscamente, muitoembora, com o correr dos tempos, tenha-se ele fixado mais nomagistério e na crítica literária. Mas nunca deixou de contribuirconstrutivamente para o estudo da cultura popular. A etnografiadomina grande parte de seus estudos científicos. O folclore aparecetão somente no campo da chamada <<literatura oral>>, segundo aindao critério de Paul Sébillot que então fora adotado pelos nossosfolcloristas...” 223

Em uma análise geral, Salles destaca que, os estudos desenvolvidos por Veríssimo

sobre raça, religião e mito, são na realidade, as questões mais frágeis de seus trabalhos,

porém exibindo relevância ímpar, quando associado às análises críticas, uma vez que se

pode perceber a manifestação desse escritor por uma determinada discussão e de seu

diálogo com os conceitos difundidos em sua época224, manifestando, sempre, seus “juízos

de valor”, algo recorrente em seus escritos. Nesse sentido, Salles nos remete ao

pensamento de Veríssimo sobre o “indígena brasileiro”, onde parecia para ele, ser uma

raça muito pouco poética, triste e indiferente. Ao mencionar a respeito do material

folclórico sobre a “poesia popular” na Amazônia, na verdade, sobre a Ilha do Marajó, no

Pará, talvez, não tenha tido tanta desenvoltura na coleta de material para esse fim, mas não

deixou, Veríssimo, de registrar a influência da raça e o estilo de vida dos habitantes da

Amazônia. 225

Posteriormente, Salles direciona, novamente, atenção a José Veríssimo, a partir de

uma micro – edição do autor, com uma tiragem de 20 exemplares, apenas, no ano de 2000.

A estrutura desta micro - edição corresponde a Introdução; O Conto, José Veríssimo;

Cronologia e Fontes Bibliográficas. Na introdução, como é de praxe Salles apresentar um

breve perfil do “narrador”, nesse caso, José Veríssimo, onde procura ao longo de seus

222 SALLES, Vicente. José Veríssimo e o Folclore. In: RBF, nº29, jan./abr. 1971.223 Ibidem, p. 91224 Ibidem, p. 92.225 Cf.: Ibidem, p.93 e ARAÚJO, Sônia Maria da Silva. José Veríssimo: vida, obra e personalidade. In:ARAÚJO, Sônia (Org.). José Veríssimo: Raça, Cultura e Educação. Belém: EDUFPA, 2007. p, 97

80

escritos, destacar algumas de suas obras ou ensaios mais relevantes, como por exemplo, o

seu ensaio “As Raças Cruzadas do Pará, sua linguagem, suas crenças e seus costumes”,

que esteve presente pela primeira vez, no livro Primeiras Páginas de 1878, e

posteriormente, na primeira edição de “Scenas da Vida Amazônia”, em 1886, com o título

“As Populações Indígenas e Mestiças da Amazônia, sua linguagem, suas crenças e seus

costumes”, assim como, “A Pesca na Amazônia”, que encerrou a atuação de Veríssimo

como etnógrafo. 226

Salles, além de fazer um apanhado geral da trajetória, dos trabalhos, das influências

desse escritor, ou seja, da relação desse escritor com o conto popular, para posteriormente

informar sobre a apresentação da narrativa reescrita por José Veríssimo, colhida

originalmente por Couto de Magalhães, chamada “A lenda da velha gulosa” ou “Ciuci”,

ele transcreve o texto de José Veríssimo intitulado O Conto Popular, publicado

originalmente nos Estudos Brasileiros (1877-1885). 227 No sentido de problematizar o

conto em questão, Salles nos apresenta algumas possibilidades de aproximação com alguns

contos universais ou outras “variantes da literatura universal”, um aspecto interessante para

se pensar a questão da “originalidade”. Nesses termos, ao transcrever o texto de Veríssimo,

ele busca recuperar o posicionamento deste escritor perante a coleta realizada por Couto de

Magalhães, uma vez que, este último nos permitiu, através de seu registro, a possibilidade

de observar os hábitos dos animais e dos costumes indígenas presentes na extensa narrativa

coletada por ele.

Salles apresenta “O Conto, José Veríssimo”, a narrativa reescrita do conto coletado

por Couto de Magalhães, como situamos anteriormente, assim como, os comentários e

problematizações sobre as várias versões de um mesmo conto, ou seja, no sentido de tentar

recuperar a originalidade do mesmo.228 Na parte da cronologia, Salles situa de uma forma

mais pontual, a trajetória de José Veríssimo, para por fim, apresentar uma vasta

bibliografia dos que versaram sobre esse autor.

226 SALLES, Vicente, Contos Populares na área Amazônica, op. cit., p.12.227 Salles, novamente ressalta a relevância dos estudos de Veríssimo, embora direcione suas críticas jáconhecidas ao escritor. Na introdução desta micro-edição, Salles destaca que Veríssimo manteve sua fidelidadeaos estudos da cultura popular, sem ser um especialista no assunto ou em desenvolver pesquisas mais extensas,porém, pode ser considerado como um dos primeiros defensores do folclore na Amazônia e no Brasil. Nessesentido, o interesse de Veríssimo seria o de “evidenciar” o popular como orientação da literatura brasileira.228 O conto fala sobre a perseguição de uma velha, que utilizou inúmeras estratégias na floresta, para capturar ecomer um rapaz, ao final, chega-se a pensar que a velha poderia ser a mãe do rapaz. Esta lenda acaba pordescrever os hábitos dos animais, os costumes indígenas, além de dar um ar melancólico ao final.

81

Em 1996, Salles nos apresentou uma micro - edição sobre Antônio de Pádua

Carvalho, em que procurou expor através de um texto curto, mas com uma densa reflexão

sobre a relação deste intelectual e o folclore da região Amazônica.229 A vida de Pádua

Carvalho teria sido ligada fortemente ao Diário de Notícias230, e igualmente, a influência

de Juvenal Tavares, seu companheiro de redação. Desde muito jovem, mostrou sua

inclinação para as letras, e essa inclinação se expressaria com vigor no “Diário de

Notícias”, sob o pseudônimo de Sgnarello. Através deste jornal, Pádua Carvalho,

manifestou seu empenho pela defesa de sua causa política, dos discursos abolicionistas e

das causas proletárias, como bem destacou Vicente Salles. 231

Para Salles, parte da cultura popular paraense foi anotada por este intelectual, em

uma época em que “nossos” escritores brasileiros não se interessavam por esse assunto. Foi

sob a influência de Juvenal Tavares que, Pádua Carvalho se colocou à disposição dos

estudos sobre cultura popular. Mais uma vez, Salles destaca a questão do “romantismo”

associada aos escritores do XIX, uma vez que o folclore foi revelado entre nós pelos

“românticos do século XIX”, uma espécie de “suporte” do nacionalismo, tendência dos

intelectuais progressistas, dessa forma, seria pertinente considerá-lo como um “defensor”

do folclore na região. Nascido no bojo do nacionalismo, o folclore, como disciplina

auxiliar, contribuiu para a formação desse sentimento de nacionalidade, e

consequentemente para os desdobramentos políticos e ideológicos, considerados

inevitáveis por Salles. 232

No intuito de percorrermos, na medida do possível, a produção de Pádua Carvalho,

devemos inicialmente considerar a atuação deste como jornalista e folclorista. 233Salles

destaca que Pádua Carvalho, não teve tempo de reunir e sistematizar seu trabalho, porém

deixou organizado um roteiro que reuniu temas específicos, como os contos populares,

229 SALLES, Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, pioneiro dos estudos de folclore no Grão – Pará. Belém:Micro-Edição do Autor, 1996.230 Gazeta fundada em 1879, em Belém, de propriedade e fundação de Costa & Campbell. Cf. FIGUEIREDO,Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados, op. cit., p. 71.231 Para além das pesquisas realizadas por Salles sobre Pádua Carvalho, podemos ainda mencionar o trabalho deAldrin Figueiredo, sobre a produção dos relatos folclóricos pelos literatos da Amazônia, principalmente, aquelesque, de certa forma, estavam relacionados ao movimento modernista no início do século XX em Belém. Cf.FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras Insulares: Leituras e formas da história no modernismo brasileiro.In: CHALHOUB, Sidney, PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Orgs.). A história contada: capítulos dehistória social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 301-331.232 SALLES, Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, op. cit., pp. 5-6.233 Nesses termos, devemos destacar a contribuição do historiador Aldrin Figueiredo, ao dedicar sua análise àfigura deste intelectual, no sentido de observá-lo como literato, da sua produção como jornalista e folclorista,dentro de determinado círculo de intelectuais do XIX para recuperar a história dos pajés na Amazônia.

82

folguedos tradicionais, lendas e mitos.234 Salles escreveu isso na primeira parte intitulada

“O Folclorista Antônio de Pádua Carvalho”. Mas para além dos textos sobre o folclore,

Salles destaca a produção de Pádua Carvalho em meio às crônicas, enfocando “tipos e

coisas populares”, a exemplo disso temos os versos que traçam o perfil de Mestre Zeferino

(de 1888), onde o poeta traça o perfil de um velho negro, possivelmente, um curandeiro.

Cabe destacar que, os versos sobre o mestre Zeferino foram apresentados por Salles e por

Aldrin Figueiredo em meio aos seus respectivos trabalhos. 235

Salles, ainda nos permite apreciar a exposição de dois contos extraídos por ele do

Diário de Notícias, quais sejam: O Ferreiro e A Estátua de Mármore, apresentando

considerações suas ao final de cada um, sobre suas pesquisas, principalmente, da

realização dos confrontos com outros contos, coletados por outros folcloristas. Igualmente,

Salles trata sobre as referências que encontrou sobre o Boi - Bumbá, no mesmo jornal, e

aqui reproduziremos uma parte, que foi destacada por Salles: “E quem quiser gozar uma

noite feliz e apreciar como sabe divertir-se o povo miúdo, vá gozar uma noite de S. João

nas nossas estradas, onde o Boi-Bumbá anda de casa em casa a dançar e a fazer rir os

apreciadores”. 236

Pádua Carvalho, em uma perspectiva de folclorista, certamente se destaca por atuar

como um intelectual que se preocupou com as manifestações culturais existentes na região

amazônica, e principalmente, o de utilizar o Diário de Notícias para a divulgação desses

“assuntos folclóricos”. Como destacou Figueiredo (2008), o engajamento político e sua

atividade como folclorista foram características que marcaram a atuação de Pádua

Carvalho. Este intelectual foi fruto do período em que surgem os “românticos”,

mencionado no decorrer deste capítulo, e relembrado por Salles ao longo de seus escritos,

percebemos em sua personalidade, a necessidade de conservar o folclore regional e suas

origens.

Seria possivelmente cansativo, porém, muito valoroso, a apresentação de um trabalho

mais extenso sobre os etnógrafos, folcloristas e escritores que versaram sobre a Amazônia

e seu folclore, a partir das micro-edições do autor, no caso Vicente Salles. Optamos nesse

caso, por destacar dois “narradores” apresentados por Salles, para de forma mais

234 SALLES, Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, op. cit., p. 05235 Sobre os registros realizados por Pádua Carvalho a respeito do preto que tinha fama de pajé Cf.: SALLES,Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, op. cit.; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados, op.cit., pp.65-71.236 SALLES, Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, op. cit., p. 08.

83

consistente realizarmos algumas observações do empenho deste intelectual para a reunião

desse material, mas principalmente, extrair algumas anotações a respeito do trabalho de

Salles com a questão da oralidade.

Nesse sentido, percebemos em Salles um pesquisador que juntou seu autodidatismo

inicial com a pesquisa de campo, com a formação em Ciências Sociais, assim como, sua

especialização em antropologia, posteriormente. Formação esta influenciada por Edison

Carneiro que, percebeu no pesquisador um “perfil” para antropólogo e folclorista. Segundo

Karla Aléssio, Salles não saberia, exatamente, apontar o início de suas pesquisas sobre a

região norte, porém, o próprio Salles através de entrevista afirma que, as mesmas foram

resultantes da sua convivência no local, ou melhor, da sua ligação com a região, uma vez

que aos poucos ”foi bebendo a cultura da região”. 237

2.4. O “ENCAMINHAMENTO” DAS PESQUISAS FOLCLÓRICAS PARA A HISTÓRIA CULTURAL

Para além dos embates entre história e sociologia, é interessante atentarmos para a

redescoberta (na década de 1970), da história cultural e sua multidisciplinaridade, e assim

fazermos algumas considerações. Algumas observações a respeito das décadas de 1960 e

1970 tornam-se relevantes para compreendermos as oscilações de interesse pelos

historiadores, pois nessa contextura, os historiadores “abandonaram” os relatos históricos

sobre os grandes acontecimentos políticos e seus líderes, e direcionaram suas atenções para

os estudos sobre a composição e da vida de pessoas “comuns”. 238

A partir das considerações realizadas acima, outro aspecto interessante destacado

por Hunt, seria que, os modelos que, de certa forma, colaboraram para a “elevação” da

história social, passaram por significativas mudanças, no que diz respeito à relevância de

seus interesses. Dessa forma, o interesse de historiadores, adeptos do marxismo ou dos

Annales, estavam se voltando para a história da cultura. Esse desvio já poderia ser

percebido em trabalhos, como o do historiador E. P. Thompson, sobre as particularidades

exploradas em seu estudo acerca do operariado inglês.

Segundo Peter Burke, foi, também, a partir da década de 1960 que, muitos, desses

historiadores, considerados “culturais” direcionaram seus olhares para a antropologia, em

237 OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles, op. cit., p. 51.238 HUNT, Lynn. Apresentação: história, cultura e texto. In: A Nova História Cultural. São Paulo: MartinsFontes, 2001, p.02.

84

busca de uma maneira de vincular cultura e sociedade, o que veio a resultar no

questionamento do esquema marxista de base e superestrutura.239 Sobre o questionamento

do esquema mencionado, o livro de Lynn Hunt, que trata a respeito da Revolução

Francesa, publicado em 1984, pode ser considerado um, entre os diversos exemplos, uma

vez que a autora em seu prefácio aborda sobre a interpretação de seu estudo, ressaltando

que: “... Minha interpretação não apresentou nem uma história política, nem uma história

cultural no sentido usual desses termos, e sim uma análise dos padrões sociais e suposições

culturais que moldaram a política revolucionária...”. 240

Nesses termos, observa-se então um interesse maior pela cultura popular, a partir do

momento em que antropologia se torna cada vez mais relevante para os historiadores. E

além da antropologia, o dialogo com outras disciplinas (que se mantinham distantes),

fizeram com que os historiadores culturais começassem a focar em outros objetos de

interesse, e assim, passando a dialogar com possibilidades que antes, “não eram vistas”

com tanta seguridade. Dentre as disciplinas próximas da história cultural que se situa nesse

contexto, está o folclore. 241 Nesse sentido, seria apropriado relembrarmos a questão do

equilíbrio entre algumas disciplinas, característico dos estudos de Salles, principalmente,

quando este intelectual procura equilibrar a relação entre folclore e história.

Dessa forma, podemos nos remeter a Thompson ao explanar sobre a utilização de

materiais folclóricos por historiadores, e a partir do seu contato com o material descritivo,

recolhidos por folcloristas. Por exemplo, o material que constituiu as observações desse

historiador a respeito ao ritual das vendas das esposas na Inglaterra do século XVIII e XIX,

se compõem por notas de jornais, e por registro de folcloristas. Assim, a partir dessa

interpretação sobre a discussão da moral presente em Costumes em Comum, podemos

perceber um diálogo não só com o folclore, mas também com a antropologia, com o direito

e com a economia. Embora Thompson utilize esse “material folclórico”, ele o faz ao

mesmo tempo em que critica os folcloristas ingleses.

No caso de Salles, ao retomarmos sua produção marcada pela interdisciplinaridade,

percebemos mais a questão da interação entre as disciplinas, no sentido de haver

reciprocidade. Talvez, surgido pela sensibilidade de perceber que o seu trabalho de

folclorista, coletando informações a partir do trabalho de campo, necessitava de um

239 Cf.: BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2008.240 HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classes na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007,p. 11.241 BURKE, Peter. O que é História Cultural?, op. cit., p. 172.

85

embasamento maior, para ser analisada dentro de um determinado contexto. É nesse

sentido que, compreendemos o diferencial em Salles, enquanto folclorista e em sua atuação

como historiador.

86

CAPÍTULO III

PARA ALÉM DO SENSO COMUM: OUTROS ASPECTOS PARA A COMPREENSÃO DA

TRAJETÓRIA DE VICENTE SALLES

Para intensificar a compreensão da trajetória de Vicente Salles, este capítulo

concentra-se em alguns tópicos sobre a vida deste intelectual. Focamos em uma de suas obras

mais proeminentes ao longo de sua trajetória profissional: O Negro no Pará, sob o regime da

escravidão. Procuramos trabalhar com pesquisas e a produção dos estudos a respeito do negro

na Amazônia e no Brasil. Em seguida, abordamos a confecção e publicação da mesma obra e

apresentamos sua narrativa, a partir das perspectivas política e cultural e sua recepção durante

suas edições.

Vicente Salles, em sua primeira edição de O Negro no Pará analisa a “desvalorização”

do tema do negro na Amazônia. Só poucos intelectuais se preocuparam, em realizar estudos

ou balanços do que teria sido produzido sobre este assunto, antes da publicação da obra de

Salles (em 1971). Um destes precursores foi o antropólogo Napoleão Figueiredo. Este último,

juntamente com a professora e antropóloga Anaíza Vergolino desenvolveram importantes

estudos referentes à presença negra na Amazônia, em certa medida, pari passu as pesquisas

desenvolvidas por Salles para O Negro no Pará, sob o regime da escravidão (iniciadas por

Salles, ainda na década de 1950).

Faz-se relevante destacar aquilo que se produziu nacionalmente, principalmente as

tendências e “rumos” pelos quais os estudos sobre o negro se enveredam, no período de

pesquisa e publicação da obra de Salles. Em grande medida, a produção sobre essa temática

no Brasil, ao longo das décadas de 1950 e 1960 – os anos de formação inicial de Salles e o

momento de gestação dos primeiros esboços de compreensão acerca da presença negra no

Pará –, foi fortemente marcada e influenciada pela chamada Escola Paulista de Sociologia.

Liderada por Florestan Fernandes e contando com grande presença de seus discípulos na

Universidade de São Paulo, a Escola consubstanciou “... um estilo próprio de produção das

ciências sociais no país” 242, tendo o “negro” sob o regime do escravismo enquanto um dos

seus temas de pesquisa privilegiados.

242 ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A Sociologia de Florestan Fernandes. In: Tempo Social:Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 22(1), jun./2010, p. 15.

87

O termo “escravismo” é essencial para a leitura feita pela Escola Paulista sobre o

“negro”. Em linhas bem gerais, interessava ao grupo de pesquisadores a ela vinculados,

escrever uma economia política da escravidão, ou seja, o objetivo desses intelectuais era o de

compreender a repercussão do escravismo a partir do desenvolvimento geral da economia.

Criticando veementemente a perspectiva defendida por Gilberto Freyre, acusado de propalar

uma visão pretensamente “benevolente” da escravidão em muito influenciada pela

Antropologia Cultural Americana de Franz Boas. Segundo Schwartz, a nova historiografia da

escravidão brasileira é caracterizada por compreender a importância da organização da

escravidão a partir do seu funcionamento como forma de trabalho, tal qual como sistema

social e cultural. 243

Nesse sentido, observamos que em O Negro no Pará, Vicente Salles caminhou pelo

viés da escravidão e do escravismo, uma vez que o autor se preocupou em analisar a natureza

da escravidão no espaço amazônico, examinando a “condição” do escravo, a partir da vida e

da cultura desse escravo, mas que, também, foi consideravelmente influenciado pela

concentração dos estudos em voga nos anos de 1950 e 1960 (escravismo) - aqui devemos

levar em consideração a formação de Salles em Ciências Sociais - ao demonstrar em seu livro

uma percepção do negro em uma sociedade escravocrata no norte do Brasil. Dessa maneira,

verificamos na obra, em termos gerais, a “integração” dessas perspectivas.

Nesses termos, procuramos contextualizar as pesquisas, a confecção e publicação do

livro de Salles, sob o foco do que já estava sendo produzido no Brasil sobre o negro, assim

como, sobre o negro na Amazônia, para a primeira publicação. Igualmente, procuramos situar

as outras edições, para assim, adentrarmos em uma análise acerca da narrativa histórica em O

Negro no Pará, observando sua forma de escrita e suas colocações ideológicas ao longo do

texto. Assim sendo, buscamos levar em consideração o contexto político, suas influências

teóricas e sua formação em Ciências Sociais e sua especialização em Antropologia, para

analisarmos sua narrativa e compreendermos a recepção desta obra a partir das

correspondências.

Destacamos, ainda, neste capítulo, para além da obra em questão, e das

correspondências, a utilização de entrevistas realizadas com Vicente Salles, recortes de jornais

(matérias), que se tornaram importantes para as discussões sobre o contexto das publicações,

como, por exemplo, a recepção da obra por grupos e movimentos negros no Brasil. Sobre

243 SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru/SP: EDUSC, 2001, p. 29.

88

esses últimos, não poderíamos deixar de dispensar nossa atenção, pois a segunda e a terceira

edições foram publicados com a ajuda dessas entidades que defendem os direitos do negro,

especificadamente o Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará - CEDENPA e o Programa

Raízes, nessa ordem.

3.1. SITUANDO A PRODUÇÃO SOBRE O NEGRO NA AMAZÔNIA E NO BRASIL

Abordamos no primeiro capítulo, a respeito de uma, entre várias temáticas que

marcaram a trajetória de Vicente Salles como pesquisador: O Negro. Igualmente, falamos

sobre a consolidação de O Negro no Pará, sob o regime da escravidão, como um clássico da

historiografia amazônica, uma vez que ele, a partir de suas pesquisas, comprovou a influência

étnica e cultural do negro, no sentido de complementar a análise econômica tradicional. Em

outro momento, mencionamos as palavras de Arthur Cezar Ferreira Reis, no tocante a

inexpressividade dos estudos sobre a presença negra na Amazônia.

Assim como Ferreira Reis, os antropólogos Anaíza Vergolino e Napoleão Figueiredo,

em um contexto amazônico, analisariam a “ausência” do negro, sob o aspecto cultural na

historiografia local, uma vez que, podemos encontrar informações importantes sobre os

negros nos relatos de naturalistas viajantes que na Amazônia estiveram, mesmo que esses

naturalistas houvessem se silenciado enquanto ao culto dos negros. Porém, omissão maior

deveria ser cobrada da historiografia clássica da Amazônia, uma vez que, nenhum historiador

“clássico” fez referencia ao assunto, mostrando e reduzindo a participação do negro à

economia regional. 244

Igualmente, Vicente Salles na primeira edição de O Negro no Pará apontava a

“diminuição” com que a contribuição cultural do negro na Amazônia era tratada. Abordou

sobre a literatura etnográfica, em que a cultura indígena se apresentou como o centro das

atenções. Assim, Salles destacou a ausência da presença negra em obras de folcloristas como:

José Veríssimo e Santa - Anna Nery. Porém, destaca a presença do negro, mestiço e mulato,

em obras literárias como as de Inglês de Souza, Juvenal Tavares e Dalcídio Jurandir. Além

disso, Salles complementaria a introdução sobre o tópico a respeito do negro e a composição

244 Cf. FIGUEIREDO, Napoleão & VERGOLINO E SILVA, Anaíza. Alguns Elementos Novos para o estudodos batuques em Belém. In. ATAS DO SIMPÓSIO DA BIOTA AMAZÔNICA. Rio de Janeiro, 1967. Vol. 2.Antropologia, p. 102. Cf.: BEZERRA NETO, José Maia. Do vazio africano à presença negra. Historiografia,fontes e referências sobre a escravidão africana na Amazônia. 2010 (mimeo). Uma vez que o autor cita nomestradicionais da historiografia paraense, como Arthur Vianna, Jorge Hurley e Ernesto Cruz.

89

étnica no Pará, ressaltando os nomes de pesquisadores que estavam em “evidência”, no que

diz respeito ao estudo do folclore africano na Amazônia, tais como: Nunes Pereira, Gentil

Puget, Bruno de Menezes, Jorge Hurley e Levi Hall de Moura, assim como, os antropólogos

Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino. 245

A partir das considerações feitas acima sobre o assunto, verificamos a importância de

situarmos a obra de Salles no contexto da “produção” sobre o tema do negro na Amazônia,

mais especificadamente, no Pará, a partir da produção de historiadores e antropólogos. Em

1976, ao tratar acerca da presença africana na Amazônia, o Antropólogo Napoleão Figueiredo

falaria sobre alguns estudos direcionados a essa região.246 Igualmente, o historiador José Maia

Bezerra Neto, nos apresenta a trajetória dessa produção, tanto na Amazônia, como no Brasil,

inclusive, ao mencionar, por exemplo, o pioneirismo de Nunes Pereira. 247

O antropólogo Manuel Nunes Pereira, por exemplo, poderia ser considerado

“precursor”, ao que se refere à introdução do negro na Amazônia, porém devemos levar em

consideração, um episódio que ocorreu em Belém, em 1938, que junto a Nunes Pereira,

estiveram alguns intelectuais como Bruno de Menezes, Dalcídio Jurandir, Eustachio de

Azevedo, Paulo Euleutério Filho, entre outros. Em dezembro de 1938, um grupo de

intelectuais liderados pelo compositor e folclorista Gentil Puget fez-se presente ao Palácio do

Governo para entregar ao Interventor Federal, Jose Carneiro da Gama Malcher, um

documento no qual se solicitava a liberdade dos cultos afro-brasileiros, que tinham sido

proibidos pela polícia, pois estes intelectuais defendiam que os batuques ainda tinham um

caráter religioso.248 Cabe ressaltar que essas agitações da década de 30, especialmente, o ano

de 1938, tenham se desenvolvido, também, por conta dos 50 anos da abolição da escravidão.

245 SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: Ministério da Cultura, Belém:Secretaria de Estado da Cultura do Pará/Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988, pp.67-68.246 Cf.: FIGUEIREDO, Napoleão. A Presença Africana na Amazônia. In: Revista Afro-Ásia, Salvador, 12,1976, pp. 145-160. Aqui, Napoleão Figueiredo aponta os estudos realizados sobre o elemento negro no Brasil ena Amazônia. Através da exposição das bibliografias que buscaram analisar as sobrevivências culturais dosafricanos no Brasil, a partir das notícias históricas; a integração do elemento negro e seus descendentes nasociedade; o estudo de religiões a partir da sobrevivência africana; chegando até o que se estava sendoproduzido, no momento, sobre o contingente africano na Amazônia.247 BEZERRA NETO, José Maia. Do vazio africano à presença negra, op. cit.248 Ver O Negro no Pará, onde Salles trata o assunto de forma mais apurada. Cf., também, A Modinha no GrãoPará, onde o autor fala sobre Gentil Puget. Nunes Pereira, embora maranhense, sempre esteve muito ligado aspesquisas no Pará. Em uma das cartas presentes na Coleção Vicente Salles, Napoleão Figueiredo comenta sobrea passagem de Nunes Pereira por Belém, tendo de regressar ao Maranhão, onde estava desenvolvendo umapesquisa no interior. Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – CorrespondênciaRecebida – Folclore. Carta de Arthur Napoleão Figueiredo a Vicente Salles. (Belém, 10/06/1970). Temosnotícias que o texto de Nunes Pereira, A Introdução do Negro na Amazônia, foi publicado no BoletimGeográfico do Rio, em 1949. Embora, Ferreira Reis direcione o ano de 1938 na apresentação de O Negro no

90

Outros acontecimentos devem ser rememorados nas primeiras décadas do século XX

em Belém. Antes de ocorrer o movimento pela liberdade de culto em 1938, houve a visita de

Mário de Andrade a Belém, na década de 1920, e posteriormente, a visita da Missão

Folclórica Paulista, na década de 1930, como foi mencionado no capítulo anterior.

Acreditamos que seja pertinente lembrarmos novamente esses fatos, e dessa forma relacioná-

los com os manifestos ocorridos em Belém, nesses anos iniciais, uma vez que existia um

movimento cultural nacional, que queria penetrar e conhecer a essência cultural do País e suas

particularidades.249 É provável que essas visitas possam ter sido tomadas com um “incentivo”

para a luta pela liberdade culto dos negros em Belém.

Do mesmo modo, devemos levar em consideração os acontecimentos da década de

1930, uma vez que reflete diretamente na produção e discussão sobre os trabalhos que foram

confeccionados antes e ao tempo da obra de Salles, uma vez que muitas, das personalidades

que participaram do movimento destacado, foram responsáveis por demonstrar acerca do

espaço que, o negro conquistou, por exemplo, em meio ao quadro urbano de Belém. É

necessário salientarmos que, nesse período, intelectuais, pintores, músicos e artistas já

andavam em sintonia com essa discussão, a exemplo da Exposição de Belas Artes, ocorrida

em 1938, em Belém, comemorativa ao cinquentenário da abolição dos escravos no Brasil, que

soou mais com caráter de manifestação.

Nesse sentido, acreditamos que a exposição em questão expressou bem o interesse

desses intelectuais. Realizada em um 13 de maio, em Belém, a exposição de Belas Artes de

1938 não teve, por assim dizer, um caráter “oficial”, mas apresentou-se de forma ímpar, uma

vez que não se limitou a exposições de obras visuais, mas apresentou-se extensiva a forma

escrita, através de poemas e de outros textos, que expressaram o sofrimento da escravidão e a

representatividade da cultura afro no costume amazônico.250 Assim, acreditamos que seja

pertinente rememorarmos essas manifestações da década de 1930, em Belém, pois essas

Pará. Acreditamos que, este texto, possivelmente, tenha sido publicado anteriormente de forma fragmentada noJornal “A Folha do Norte”.249 Sobre a questão de desvendar as particularidades culturais do Brasil, pelos intelectuais do início do séculoXX, é importante atentarmos à preocupação em desvendar o folclore africano na Amazônia, uma vez que nesseperíodo esse assunto, atraia atenção tanto local, como nacional. Figueiredo destaca a recepção do livro de EdisonCarneiro: Religiões Negras, em 1938, pela Guajarina, por exemplo. Cf. FIGUEIREDO, Aldrin. A Cidade dosEncantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia (1870-1950). Belém: EDUFPA,2008, pp.227-228.250 Sobre essa exposição que, agitou o meio intelectual paraense, ver: SILVA, Caroline Fernandes. O modernoem aberto: O mundo das artes em Belém do Pará e a pintura de Antonieta Santos Feio. (Dissertação deMestrado em História Social). Niterói/RJ: Universidade Federal Fluminense, 2009.

91

reflexões fizeram parte dos ideais daqueles intelectuais que participaram desse contexto, e

consequentemente, incentivando inúmeros estudos sobre o tema no espaço amazônico.

No intento de obtermos uma descrição mais detalhada sobre a produção historiográfica

brasileira a respeito da escravidão, podemos apontar o trabalho do historiador Stuart Schwartz

em Escravos, roceiros e rebeldes, onde o autor, inicialmente, procura propiciar ao leitor o

contato com a produção recente, sobre tal assunto. No entanto, Schwartz procura esclarecer

que, seu objetivo está em apresentar uma descrição e uma análise das tendências na

historiografia, e não uma listagem que contenha os autores e suas publicações sobre o assunto.

Assim, o autor inicia suas análises a partir do clássico Casa Grande e Senzala de Gilberto

Freyre, de 1933, apontando que, foi depois desse livro que, de fato, a escravidão e os

africanos ganharam destaque na história do Brasil, embora, a partir da concepção da ideia de

“democracia racial”. 251

Segundo Schwartz, na década de 1950, os acadêmicos brasileiros se lançaram em um

“rumo revisionista”, reagindo, dessa forma, às dinâmicas intelectuais e sócio-políticas de dada

realidade, dessa forma, o autor ressalta que, as críticas feitas a Gilberto Freyre, no Brasil, nas

décadas de 1950 e 1960, vinham de “jovens sociólogos” de São Paulo, influenciados pelo

marxismo e pela percepção materialista da sociedade. Estes intelectuais estavam mais

preocupados em analisar o sistema escravista no desenvolvimento da economia brasileira,

geralmente a partir da perspectiva das relações raciais. Nesse sentido, o autor procura

demonstrar o rumo que esses trabalhos acadêmicos tomaram nas décadas de 1950 e 1960.252

Dessa forma, nas décadas seguintes (1970 e 1980) o autor nos situa sobre o

direcionamento desses estudos na historiografia brasileira, destacando que, nesse período os

métodos quantitativos passaram a ser bastante utilizados pelos estudiosos no assunto, que,

igualmente, continuam sendo ainda hoje, e sobre o estudo do escravismo e da escravidão, e

dos trabalhos que buscam integrar ambas as perspectivas. Nesses termos, a nova historiografia

da escravidão, compreende a forma de trabalho e seu aspecto social e cultural. É nesse

contexto que a obra de Salles se enquadra, pois em O Negro no Pará, o autor apresenta uma

análise, onde examina ambas as perspectivas, pois, assim como Salles se utilizou dos

251 SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes, op. cit., p. 22.252 Ibidem, p. 26. Como já salientamos os intelectuais da escola paulista de sociologia concentraram-se,principalmente nos estudos sobre o escravismo no sul do Brasil e no século XIX, estes trabalhos contribuíram,principalmente, para os estudos comparativos da escravidão, e segundo o autor, intensificou-se o interesse peloestudo da escravidão no Brasil.

92

recenseamentos antigos, foram também utilizadas as anotações de cronistas que, registraram

os costumes dos negros na Amazônia. 253

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS EDIÇÕES DA OBRA O NEGRO NO PARÁ, SOB O REGIME DA

ESCRAVIDÃO

Escrito na década de 1960, época em que trabalhava com Edison Carneiro e finalizava

sua especialização em Antropologia na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do

Brasil, a primeira edição de O Negro no Pará seria publicada somente em 1971. O período de

produção e publicação do livro de Salles se deu em um momento bastante conturbado na

história do Brasil com o regime militar, uma vez que os valores democráticos foram

derrotados em 1964.254 Em Um retrospecto, Salles aborda sobre a militância do amigo Edison

Carneiro destacando que, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foi visitada algumas

vezes por Luís Carlos Prestes255. O grupo “esquerdista” que Salles frequentava deveria

dificultar a publicação de sua obra sobre o negro. Contudo, mesmo no período da ditadura

militar as edições poderiam ser publicadas por outros mecanismos.

Sucintamente, Salles, em uma entrevista ao Jornal de Brasília, aborda sobre o

contexto de produção e dedicação à obra em questão. Nesse sentido, o folclorista esclarece

que, o trabalho realizado sobre o levantamento da participação do negro na história amazônica

foi iniciado ainda em Belém, por volta de 1952, estendendo-se por mais de dez anos. Salles

destaca, inclusive, que o projeto de tese foi diluído em 1964, tendo O Negro no Pará, sob o

253 SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes, op. cit., pp.28-29. É importante salientar as formas quetomavam os estudos sobre o negro no Brasil ao longo das décadas mencionadas, uma vez que a “novahistoriografia” permite que se compreenda a escravidão (seu sistema e funcionamento) como forma de trabalho,e enquanto sistema social e cultural, no sentido de alargar a compreensão da história do Brasil e de suaeconomia. A análise, a partir dessa perspectiva não foi muito bem aceita por alguns intelectuais como JacobGorender, por exemplo.254 Para uma contextualização mais completa sobre a ditadura militar no Brasil e sobre o papel das esquerdas noBrasil. Cf.: REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2000.255 Em sua memória autobiográfica, o autor faz um breve apanhado sobre alguns acontecimentos nesse períodoconturbado da história do Brasil, como, por exemplo, a sua reação no dia seguinte ao golpe militar de 1964, aochegar ao seu local de trabalho, e a utilização de algumas estratégias para burlar as perseguições. SALLES,Vicente. Um retrospecto – memória. 2ª edição revista e ampliada. Brasília: Micro-Edição do Autor, 2007, p. 19.Foi neste ambiente que Vicente Salles conviveu com um grupo intelectual de esquerda, figuras como: AstrogildoPereira, Eneida de Moraes, Dalcídio Jurandir, Heloísa Ramos. Cf: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles:trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em música. (Dissertação de Mestrado em Música). Brasília:Universidade de Brasília, 2007, p.25.

93

regime da escravidão sido refeito e publicado somente em 1971.256 Produto do diálogo com

uma densa documentação, Salles percorreu instituições de pesquisa como o Arquivo Público

do Pará, Arquivo Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Biblioteca Nacional.

Este folclorista descreveu, em uma de suas cartas, presentes na coleção, sobre o que é

fazer pesquisa por conta própria e sem “incentivo”, mesmo assim, o autor apontou na

apresentação da primeira edição do livro que, o mesmo, “também pretende ser uma

interpretação”, a partir da bibliografia que considerou importante e disponível à época, assim

como, os documentos coletados, entre os quais estão: relatórios, jornais, revistas, sensos, entre

outros.

Vicente Salles fez questão de destacar a importância do político e historiador Arthur

Cezar Ferreira Reis para a publicação da primeira edição deste livro.257 Nesses termos, seria

praticamente impossível não refletirmos a respeito de como Salles conseguiu burlar sua

narrativa carregada pela ideologia marxista em O Negro no Pará, uma vez que, conseguindo

publicar um livro imbuído de passagens que demonstraram o sentido ideológico, da

politização dos negros em meio à luta cabana que ocorreu no extremo norte do Brasil, não

chamou a atenção de toda uma vigilância que se estabeleceu no País. Ferreira Reis era um

intelectual conservador, que estava ligado à nova ordem estabelecida em 1964, mas apoiava,

sobretudo, o desenvolvimento cultural do País, especialmente o da Amazônia.258 É possível

que por conta disso, Ferreira Reis tenha deixado passar a postura marxista de Salles, e como

evidenciou o mesmo “... E aceitou minha postura marxista, mal disfarçada no livro, me

brindou com o prefácio e ainda foi o principal intermediário da publicação em convênio com

a Fundação Getúlio Vargas e a UFPA.” 259

Nesse contexto, Arthur Cezar Ferreira Reis se apresentava como um historiador que

mantinha um bom relacionamento com o regime militar instaurado, e como presidente do

Conselho Federal de Cultura, intermediou a reedição de Motins Políticos de Domingos

256 Entrevista: “De uma Amazônia lúdica, o lixo revelador da Antropologia” / por Claver Filho. Jornal deBrasília, Sábado, 21 de agosto de 1982.257 Podemos perceber o destaque que Salles direciona à Ferreira Reis, tanto na apresentação da 2ª edição de Onegro no Pará, como no documentário sobre o livro, no sentido de ter acreditado e apadrinhado o livro. Ele foi oresponsável por negociar a publicação com a Universidade Federal do Pará para a primeira edição. Cabe ressaltarque, a primeira edição de O Negro no Pará foi coeditado pela Universidade Federal do Pará com a FundaçãoGetúlio Vargas, em 1971.258 Ver: BURNS, Bradford. A report from Brazil: recent publishing in Amazonas. In: Luso-Brazilian Review,IV(1), june/1967, pp. 111-116.259 Entrevista concedida à autora, através de e-mail, em março de 2012.

94

Antônio Raiol260, em 1970 (reeditado pela Universidade Federal do Pará), e “apadrinhou” no

ano posterior O Negro no Pará, sob o regime da escravidão, de Vicente Salles.261 É

importante situarmos que, à altura da confecção e publicação desse último, deu-se o golpe

político-militar e governaram nesse ínterim Castelo Branco, posteriormente, Costa e Silva, e

em 1969, assume o general Garrastazu Médice, considerado um dos governos mais

repressivos do período militar.

Foi nesse cenário de violência, repressão e intolerância com as pessoas que

contestavam o governo militar que se estabelecia e se fortalecia a cada dia, que o livro foi

produzido, desse modo, não poderíamos deixar de destacar os aspectos mencionados. O exílio

foi uma, entre tantos exemplos de punição para os subversivos. Como demonstra a

historiadora Denise Rollemberg em seu texto Nômades, sedentários e metamorfoses:

trajetórias de vidas no exílio.262 Salles não chegaria a ser punido com ferocidade após o

golpe, mas se viu envolvido em alguns inquéritos, embora não tenha se envolvido em maiores

complicações “pela pouca militância partidária”, como o próprio salientou.263 Sua militância,

também, se deu no movimento estudantil, pois era universitário na época do golpe militar.

FIGURA 3.1VICENTE SALLES NUMA MANIFESTAÇÃO ESTUDANTIL CONTRA O REGIME MILITAR (1964)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

260 Para uma observação mais apurada do perfil de Domingos Antônio Raiol (Barão de Guajará) Cf. LIMA,Luciano. Os Motins Políticos de um Ilustrado Liberal: história, memória e narrativa na Amazônia em fins doséculo XIX. (Dissertação de Mestrado em História). Belém: PPHIST/UFPA, 2010.261 Para uma percepção sobre o aspecto da recepção e reedição dos Motins Políticos, fonte clássica aos estudosdo Movimento Cabano Cf.: LIMA, Luciano. Os Motins Políticos de um Ilustrado Liberal, op. cit., pp, 72-103.262 A autora destaca que, embora o exílio não tenha chegada a ser um fenômeno de massa, como no caso doChile, a maior parte das pessoas atingidas com esse tipo de punição foram pessoas da classe média, escolarizadase intelectuais, participando, também, pessoas com baixo nível de instrução. ROLLEMBERG, Denise. Nômades,sedentários e metamorfoses: trajetória de vidas no exílio. In: REIS, Marcelo Ridenti et al (Orgs.). O golpe e aditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, /SP: Edusc, 2004, p.285.263 Salles destaca que atuava na retaguarda redigindo e imprimindo panfletos mimeografados. Cf. SALLES,Vicente. Um retrospecto – memória, op. cit., pp. 20-21.

95

No aspecto pessoal, o casamento seria adiado por conta do golpe militar de 1964,

tendo vindo a casar-se somente em 1965 com Marena Isdebski. Como foi destacado em

capítulo anterior, Salles trabalhou no período de 1961 a 1972 na Campanha de Defesa do

Folclore Brasileiro, sob a direção de Edison Carneiro que, como já mencionamos, foi

militante do partido comunista do Brasil. 264

Permanecendo, no que tange aos reflexos da primeira edição de O Negro no Pará, no

contexto de um regime ditatorial, faz-se relevante abordar sobre os centro e organizações

negras no Brasil, para compreendermos melhor a ligação entre esses movimentos e a obra em

questão. Como consequência dos atos repressivos dos governos militares, muitas

organizações negras tiveram que se camuflar através de entidades culturais e de lazer.

Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006), no final da década de 1960, por exemplo, um

grupo de intelectuais fundou o “Centro de Cultura e Arte Negra”, no bairro do Bexiga, em

São Paulo265, demonstrando, dessa forma que essas organizações não se deixaram intimidar

pela repressão da ditadura instalada no Brasil.

Dialogando com um contexto amazônico, seria apropriado destacar que, a antropóloga

Anaíza Vergolino em sua dissertação sobre a Federação Espírita Umbandista e dos Cultos

Afro do Pará (SILVA, 1976), salientou que, até o ano de 1964, em Belém, existia um grande

número de casas de culto que funcionavam sob licenças especiais outorgado pela polícia, em

virtude das “agitações” que envolviam esses estabelecimentos. Sobre o governo militar que se

instalou no Pará em 1964, a autora destaca que este, considerava os batuques como ato de

desordem, dessa forma, estabeleceu-se uma “guerra” contra os terreiros, uma vez que, as

licenças ficariam cada vez mais difíceis de serem obtidas, daí o surgimento para a proposta da

criação de uma “Federação”. Nesses termos, compreendemos os esforços para o não

fechamento das casas de cultos em Belém, possivelmente, a partir de certas “estratégias”.

Ao passarmos para a década seguinte (1970), verificamos a preocupação em mostrar a

importância do negro na história do Brasil, principalmente, no aspecto cultural, a década de

1980 seria uma extensão, caracterizada pela criação de diversas organizações negras e

comissões para a formulação de políticas de inclusão dos negros na sociedade 266 Igualmente,

264 Nesse sentido, Salles provavelmente atuou de forma bastante astuta para despistar certa vigilância, uma vezque seu circulo intelectual no Rio de Janeiro era composto por intelectuais, jornalistas, escritores, enfim pessoasque apresentavam o perfil de possíveis subversivos e que foram perseguidos pelo governo dos militares.265 ALBUQUERQUE, Wlamira & FRAGA FILHO, Walter. Uma História do Negro no Brasil. Salvador: Centrode Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006, p. 281.266ALBUQUERQUE, Wlamira & FRAGA FILHO, Walter. Uma História do Negro no Brasil, op. cit., p.290.Entre outras considerações, os autores destacam a década de 1970, como o período onde os militantes negros

96

percebemos o fortalecimento desses movimentos sociais, ao longo da produção e das

publicações do livro de Vicente Salles. Nesse sentido, seria importante ressaltarmos essa

ligação da obra de Salles entre grupos e entidades de movimentos negros no Brasil e a ligação

que se estabeleceu com o livro267, uma vez que, após a publicação da obra, muitos grupos

passaram a debater o assunto de forma intensa. 268

No Pará, o livro interessou diretamente ao Centro de Estudos e Defesa do Negro no

Pará – CEDENPA, tendo a oportunidade de discuti-lo diretamente com o autor,

posteriormente, em pleno momento do centenário da abolição da escravidão no Brasil, , esse

centro contribuiu para a tiragem da segunda edição em 1988.269 O momento do centenário foi

marcado pelo “calor” das discussões sobre a identidade racial e sobre a marginalização do

negro no Brasil. No que se refere a Belém, podemos destacar, por exemplo, a notícia sobre a

“Semana de História” ocorrida na Universidade Federal do Pará, em maio de 1988, com o

tema Centenário da Abolição: o negro na formação da sociedade brasileira, evento para qual

Vicente Salles foi convidado a participar. O objetivo do evento foi o de apresentar para

discussões as diversas visões do racismo na área da História, Sociologia, Filosofia e

Antropologia. 270

Desse modo, é importante lembrarmos que, tratava-se de um momento oportuno para a

retomada dessas discussões, assim como o de destacar as denuncias sobre a problemática da

inclusão do negro na sociedade. Assim, as discussões que ocorreram na sociedade brasileira

ao centenário da abolição, caracterizaram-se, principalmente com “ares” de protesto, e não de

comemoração.

Nesse contexto, deu-se o relançamento da segunda edição da obra, exatamente no dia

1º de dezembro de 1988, a partir do veículo de comunicação impresso com o seguinte título:

passaram a dar forma às articulações de suas ações numa entidade nacional. O Movimento Negro Unificado, porexemplo, contestava a ideia que se vivia em uma democracia racial, ideia compartilhada pelos militares.Igualmente, a questão racial não tinha espaço nas organizações de esquerda, que encaravam a questão dopreconceito e da desigualdade, como processo de exploração da sociedade capitalista.267 O comentário sobre essa repercussão está presente na apresentação da segunda edição de O Negro no Pará.268 Sobre essa ligação desses movimentos e “afinidade” com a obra, seria pertinente dialogarmos com algunsposicionamentos apresentados por Chartier e Bourdieu, no que diz respeito às “práticas de leitura”. Cf.CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. Bourdieu, por exemplo,aponta que, entre os fatores que predispõe alguém a ler alguma coisa ou a ser influenciado, é preciso que sereconheça as afinidades entre, as disposições do autor e do leitor (inclinação). É interessante, também,chamarmos atenção para algo que ele destacou como “revolução dos costumes”, no sentido de se constituir umefeito simbólico sobre algo que não poderia ser publicado.269 A segunda edição de O Negro no Pará fez parte de um programa realizado em comemoração ao centenário daabolição da escravatura no Brasil e de um convênio entre o Ministério da Cultura, Secretaria de Cultura do Paráe da Fundação Cultural do Pará.270 O Liberal. Belém, 3 a 10 de maio de 1988.

97

Vicente Salles relança seu livro mais vendido, observamos algumas percepções do autor

sobre seu livro. Segundo a matéria, Vicente Salles apontou que, esta edição foi um fac símile

da primeira edição, e que o autor apresentou como acréscimo, somente, uma nota explicativa

sobre a reedição da obra. Salles ressaltou que, a segunda edição foi editada com verbas do

Ministério da Cultura, atendendo a indicação feita pelo CEDENPA. No corpo da entrevista,

Vicente Salles reafirma a grande repercussão que teve o livro em 1971, principalmente, pela

obra ter sido considerada um documento concreto, onde se comprova que existiu, de modo

efetivo, a escravidão negra no Pará. Ainda, na mesma entrevista, o autor assegura que, a

tentativa dos brancos em escravizar os índios no Pará, resultou em um verdadeiro genocídio,

pois inúmeras tribos se negaram a ser submetidas à escravidão, razão pela qual a necessidade

de recorrer à mão de obra escrava. 271

Em 2005, a terceira edição de O Negro no Pará, sob o regime da escravidão foi

editado pelo Instituto de Artes do Pará - IAP, através do Programa Raízes.272 Em nota à

terceira edição Salles destaca que, o texto que constitui o livro foi revisto e ampliado e que

contém acréscimos de notas e documentos, contudo, esse procedimento não foi realizado de

forma profunda. Esta terceira edição demonstra como a pesquisa sobre a presença negra na

Amazônia se ampliou constantemente, pois Salles já teria destacado desde a primeira edição,

sobre as possibilidades de alargamento do estudo acerca do tema do negro na Amazônia e

deixou para fazer os acréscimos em dois livros complementares: O Negro na Formação da

Sociedade Paraense e Vocabulário Crioulo.

Sobre esta terceira edição, seria concernente destacarmos algumas observações feitas

por Bezerra Neto. Ao resenhar a obra, o autor aponta interessantes considerações sobre as

edições anteriores, entre outros aspectos, salientando a necessidade dessa publicação após

dezessete anos da segunda edição. Estabelecendo uma breve comparação entre as publicações,

o autor destaca ser perceptível o “cuidado” editorial e gráfico que foi dispensado a esta

terceira edição, que viria a ser editada na condição de clássico da historiografia brasileira.273

271 O Liberal, Belém, 1º de Dezembro de 1988. Na mesma entrevista, Salles resume as fases da escravidão,apresentando um panorama geral do livro. Mencionamos anteriormente a respeito da recepção do livro entre omovimento negro no Brasil.272 Programa Raízes foi criado pelo Governo do Estado do Pará através da lei 4.054, tendo como missão articularno âmbito do governo estadual o atendimento aos povos indígenas, e as comunidades quilombolas, recebendosuas reivindicações, avaliando-as, para posteriormente encaminhá-las ao órgão competente, entre outros projetos,está o de valorização da cultura dos quilombolas.http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/pa/pa_conquistas_raizes.273 BEZERRA NETO, José Maia. A presença negra no Pará: resenha de um trabalho pioneiro. In: RevistaEstudos Amazônicos, Belém, III(1), 2008.

98

Cabe ressaltar que a partir da publicação desta terceira edição foi produzido um

documentário sobre o processo de pesquisa do livro de Salles intitulado O Negro no Pará:

cinco décadas depois, uma vez que foi levado em consideração as pesquisas iniciadas na

década de 1950. Este documentário foi constituído por alguns depoimentos, como o da

antropóloga Anaíza Vergolino e de integrantes do movimento negro no Brasil, assim como,

do próprio Vicente Salles, onde este aborda sobre as pesquisas desenvolvidas para O Negro

no Pará, e igualmente, o contexto de publicação do livro.

Seria válido, na ocasião das discussões entre o político e cultural da obra de Salles,

atentarmos para as capas que caracterizaram as edições de O Negro no Pará, após falarmos

sobre o contexto da produção, publicação e reedição deste livro. A capa da primeira edição

dessa obra se apresenta de forma neutra, fazendo alusão a Amazônia, a partir do desenho das

vitórias régias, foi a capa padrão da Coleção Amazônica, editada pela UFPA. A segunda

edição veio a apresentar uma capa mais “forte”, a cor preta em predominância a branca, e ora

essas cores se “misturando”, a partir da cor “chave”. Por fim, temos a terceira edição, onde o

cabelo afro aparece em sua essência, dominando a capa do livro. Ao que parece, as capas

representam “seus momentos”, a fase de discrição e posteriormente de afirmação daquilo que

se tratava.

FIGURA 3.2CAPA DA 1ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (1971)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

99

FIGURA 3.3CAPA DA 2ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (1988)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

FIGURA 3.4CAPA DA 3ª EDIÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ (2005)

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE VICENTE SALLES

100

Como mencionamos em outro momento, objetivo desse livro foi de reunir e

comprovar, através de documentação, a contribuição dos africanos no meio social, cultural e

econômico no extremo norte do Brasil, particularizando as lutas de classes, assim como, o

aspecto culturalista. Dessa forma, cada capítulo vem contextualizando o negro na Amazônia,

desde o início da introdução do trabalho escravo nesta região até as lutas pela sua libertação.

3.2. HISTÓRIA E NARRATIVA: ENTRE O POLÍTICO E O CULTURAL

Seria oportuno, antes de entrarmos à análise direta acerca da narrativa histórica da

obra de Salles, abordarmos sobre a compreensão do que poderíamos considerar uma narrativa.

Partimos então, de algumas considerações iniciais feitas por Lawrence Stone em seu texto O

Ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova história, onde o autor destaca que,

“[...] A narrativa aqui designa a organização de materiais numa ordem de seqüências

cronológicas e a concentração do conteúdo numa única estória coerente, embora possuindo

sub-tramas. [...]”, ressaltando a narrativa como uma modalidade de escrita histórica, que pode

vir a afetar e a ser afetada pelo conteúdo e pelo método.274

Ademais, as considerações feitas por Hayden White sobre o assunto merecem ser

mencionadas, uma vez que ao se avaliar a narrativa dentro do campo dos estudos históricos,

ela não está sendo vista, nem como produto de uma teoria e nem como a base para um

método, mas exatamente como uma forma de discurso que poderá ou não ser utilizada para

representar os eventos históricos. Sendo que, isto dependerá do objetivo do historiador, como

por exemplo, ao descrever uma situação ou produzir um relato.275

Não procuraremos aqui, entrar no mérito das discussões sobre a prática da utilização

da narrativa, mas sim destacar alguns aspectos que vieram junto a esse “retorno”. Segundo

Burke (2008), acompanhando esse retorno, poderia ser salientado a preocupação com as

pessoas comuns, e a forma pela qual essas pessoas dão sentido as suas experiências, e em uma

percepção mais ampla, às suas vidas. Por conseguinte, o autor, também destaca que o atual

interesse histórico pela narrativa, seria àquele pela “prática narrativa”, tomando como ponto

274 STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. In: Revistade História. Campinas, 2(3), set./1991, p. 13.275 Cf. WHITE, Hayden. A questão da narrativa na teoria histórica contemporânea. In: NOVAIS, FernandoA. & SILVA, Rogério Forastiere da (Orgs.). Nova História em perspectiva. São Paulo: Cosac-Naify, 2011, p.441.

101

de partida, a observação das particularidades de uma cultura. Essas narrativas culturais

oferecem pistas importantes ao historiador, a partir dessa análise.

Como destacamos no início deste capítulo, torna-se fundamental o cruzamento entre o

universo do mundo político e do cultural para desenvolvermos estudo sobre intelectuais

polígrafos como Salles, de sua atuação política e suas diversas dimensões no campo

intelectual, cultural e social. A narrativa de Salles pauta-se, sobretudo na descrição e análise

de documentos, encadeando-os e organizando-os de modo a harmonizar os estudos dos

acontecimentos (cronologicamente ordenados) com as lutas políticas, sociais e culturais do

povo paraense. Este método está visível em obras como O Negro no Pará.

A seguir, iremos tratar da forma narrativa em Vicente Salles, no sentido de

desvendarmos o quê e como o autor procurou passar aos seus leitores. Uma história que,

tornou-se não só um clássico da historiografia, mas também o símbolo da representação das

vozes dos excluídos na história da Amazônia. Salles procurou expor através de seus escritos,

análises mais aprofundadas a respeito da presença negra nessa região, desenvolvendo uma

escrita discreta e ao mesmo tempo “revolucionária”, produto do seu engajamento político.

A NARRATIVA EM O NEGRO NO PARÁ

Vicente Salles desenvolveu sua narrativa de forma analítica, mas bastante acessível,

sem a presença de uma escrita rebuscada, o que possivelmente, tenha vindo a ser um dos

motivos para o livro ter se tornado referência não somente entre historiadores profissionais,

porém, como já falamos, entre diversas áreas de conhecimento, assim como, pelo público em

geral. Notadamente, permeadas por críticas que exporemos adiante. Nesse sentido, caberia

aqui, um breve diálogo entre a narrativa em Salles com o texto de Dominick Lacapra276, na

medida em que Lacapra toma como exemplo Montaillou (1975), para fazermos refletir sobre

as obras que, mesmo apresentando uma narrativa “altamente convencional”, não perdem sua

densidade intelectual e sua abrangência na academia. Embora a preocupação com uma

narrativa mais acessível dê ensejo à aceitação da obra para um público maior, não a

restringindo apenas aos círculos intelectuais.

276 LACAPRA, Dominick. História e Romance. In: Revista de História. Campinas, 2(3), set./1991. Em umcontexto amazônico, damos ênfase a uma significativa aceitação das obras de Salles, em meio as suas discussõescríticas e políticas.

102

Certamente, a presença das criticas constantes nos trabalhos de Salles se mostram

valorosas, principalmente se considerarmos seu engajamento político, sobretudo, dentro do

campo de uma militância marxista. Como podemos perceber pelo excerto que segue:

“A literatura etnográfica, antropológica e sociológica que os cientistasdo passado nos legaram tangencia, e de alguma forma apresentaalgumas conclusões, o problema que tratamos neste livro. Aabundância de conceitos estereotipados que nela encontramos devepassar pelo crivo da crítica não tanto pela maior ou menor importânciacientífica com que se revestem, mas por se haverem generalizadoimerecidamente”.277

Ainda no sentido de criticar a ausência do negro nos trabalhos relativos à região

amazônica, Vicente Salles acrescenta que:

“A literatura regional não oferece muitos subsídios ao estudo dainteração social do negro. Também poucos trabalhos poderão serlevados em conta, quando se pretende conhecer a presença do negrono Pará. Encontramos freqüentemente enfoques distorcidos e de talmodo eivados de preconceitos que tornam difícil a inclusão numabibliografia especializada...”.278

Neste sentido, a partir dos escritos acima, podemos perceber esta obra de Salles como

referência, não só por tudo o que ela se propõe a fazer, mas, sobretudo, como um espaço para

criticar a falta de comprometimento de cientistas, estudiosos e escritores sobre o tema do

negro na região; alguns destes, sob influência das teorias racialistas que influenciaram parte

da intelectualidade brasileira entre o final do XIX e primeira metade do XX. 279

O fato de Vicente Salles ter comungado com uma visão não vitimizadora do negro é

outro ponto destacável em sua obra. O autor apresenta de maneira clara em sua obra, muitas

formas de lutas, formas de resistências, e da formação dos quilombos. Apresenta ainda suas

práticas culturais sendo amalgamadas, mas também apresenta estas formas sendo cultivadas e

permanecendo até os dias contemporâneos. Salles trata tanto de temas mais clássicos, como

de outros, tais como, o lazer dos escravos, onde devemos considerar sua ligação com

Antropologia, e lembra que:

277 SALLES, Vicente. O Negro no Pará, op. cit., p. 86.278Ibidem, p. 87.279 Cf.: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil,1870 -1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Racismo e Racistas:trajetória do pensamento racista no Brasil. São Paulo: Humanistas/ FFLCH – USP, 2001.

103

“O índio, como o negro, tinha seus usos e costumes, seu próprioconceito de lazer e as maneiras de utilizá-lo. Mas os contactosinterétnicos determinaram mudanças qualitativas apreciáveis no meiode cada um desses elementos. A ação dos missionários foi sem dúvidadecisiva para extirpar os lastros mais berrantes do paganismo eatribuir à lúdica, às crenças, às usanças desses povos certo caráterreligioso...” 280

E segue:

“Isto, porém não impede – e constitui até uma das fases maisinteressantes da pesquisa científica – o estudo particular de certastendências e certas características dos fenômenos folclóricos. Apresença negra, por exemplo. E a lúdica amazônica, no que tem demais representativo, é essencialmente africana.” 281

Cabe ressaltar que, os trechos acima estão inseridos em uma discussão mais

aprofundada sobre a teoria do folclore282. Como o próprio Vicente Salles destacou, o lazer do

escravo e dos negros, em geral, não ficou limitado às atividades lúdicas, sua influência foi

estendida à literatura oral. Ao pensar a cultura popular e o folclore como mecanismos de

análise social e de denúncia histórica, de uma dívida com o povo paraense e brasileiro, Salles

destacou-se como um “intelectual engajado”. Porém, mesmo militante, seu estudo mostrou-se

sempre pautado e documentado. O Negro no Pará se apresenta tanto como um livro de

sociologia, como de história cultural, justificando-se, pela sua formação acadêmica, assim

como, pelos embates das discussões sobre a participação do negro em uma sociedade de

classe. O mesmo aconteceu em outras de suas obras.

Como já destacamos anteriormente, este livro que apresentou a contribuição do negro

no meio social, cultural e econômico no norte do Brasil, caracterizando-se por destacar as

lutas de classe. No que diz respeito ao movimento cabano no Pará (1835-1840), Salles

salientou em um primeiro momento que, seria indispensável para a análise desse movimento,

perceber a participação das classes populares (tanto do campo, como da cidade) no destino

político do Grão – Pará. O autor, então, parte das análises sobre as influências da Revolução

280 SALLES, Vicente. O Negro no Pará, op. cit., p. 186.281 Idem.282 Ver: SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. In: Revista Vozes, Rio de Janeiro, Out./1969,pp. 878-888.

104

Francesa que penetraram no Pará no final do século XVIII, para poder entrar nas discussões

sobre o movimento Cabano.283

Vicente Salles, como fez em O Negro no Pará, não só demonstra, mas também critica,

através de sua narrativa, a ausência de discussões sobre algumas personalidades que

participaram de forma expressiva no desenvolvimento das ideias revolucionárias que vieram a

influenciar no desencadeamento da Cabanagem. Assim, destacamos: “Outro fato que ligamos

à Revolução Paraense, mas irrelevante para alguns historiadores, é a passagem de Luis

Zagalo, agitando ideias da Revolução Francesa e tentando sublevar os escravos...”.284 Salles,

nesse aspecto, deixa muito claro, a influência das ideias liberais características da Revolução

Francesa.

Para Vicente Salles, a participação da “massa” escrava é um dos pontos mais

relevantes no estudo do movimento cabano, uma vez que o engajamento do negro ao

movimento não foi feito de forma “anárquica”, principalmente, sem nenhum tipo de

orientação. Desse modo, o autor destaca um ofício de Afonso Albuquerque e Melo, onde

constam as ordens do Presidente Machado de Oliveira para dispersar os escravos com “ideias

partidárias”, tal eram as manifestações vindas dos escravos em meio à luta cabana.285 Assim,

Salles levanta outros questionamentos provocativos à época da publicação de O Negro no

Pará e, após problematizar sobre toda a “contradição” a respeito dos estudos direcionados a

Cabanagem, principalmente, ao que foi narrado por Domingos Antônio Rayol, ele destaca:

“As insinuações para o desvio deste enfoque são inúmeras, a partirmesmo de seus começos. Mas ele se torna claro à medida queaprofundamos a análise do movimento e do contexto que o abrangeu.Como o caboclo identificou na luta armada um meio de reformulaçãodas estruturas básicas da sociedade é um ponto que merece estudo ereflexão, da mesma forma como, por outro lado e vez, o negro –escravo ou liberto – identificou a idéia da liberdade e da igualdadeentre as raças através da integração nessa luta”.286

283 SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem: um esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992.284 Sobre as ideias revolucionárias do Franciscano Luis Zagalo e sua atuação na Amazônia, podemos nos reportarao Negro no Pará, mas especificadamente, na 5ª parte intitulada “A Luta contra a Escravidão”. Para uma melhorreflexão Cf.: SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem, op. cit., pp.16-20. Uma vez que o autor examina arevolução, seu conteúdo ideológico e seus efeitos para, num segundo momento, abordar sobre o desdobramentodas consequências da Revolução Cabana, destacando as ideias republicanas.285 SALLES, Vicente. O Negro no Pará, op. cit., pp. 265-266.286 Idem, p. 261

105

Dessa forma, Salles traz à tona, a discussão sobre um movimento, em um aspecto da

luta de classes, comprovando que o negro não ficou apagado na história do movimento

cabano287, mas sim, apresentando um negro que não só teve contato com armas e munições,

mas sabia o porquê e para quê estava lutando, ou seja, demonstrando, claramente o “choque”

entre opressores e oprimidos, principalmente, a partir da perspectiva dos “excluídos” da

história.

RESULTADO DE UMA ANÁLISE “INICIADA” COM A CABANAGEM, OS ESCRAVOS, OS ENGENHOS

As pesquisas de Vicente Salles sobre a participação do negro na Cabanagem tomaram

forma de texto no ano de 1968. Nesse ano foi publicado o texto A cabanagem, os escravos, os

engenhos, na Revista Brasil Açucareiro. Este texto trataria da concentração de escravos

negros na Amazônia, sobre a participação ativa desses escravos na Cabanagem, e,

principalmente, sobre a vida dos negros nos engenhos. Acreditamos que este seja o primeiro

trabalho publicado de Salles sobre o tema, uma vez que Salles faz menção a um trabalho seu

sobre o negro na época da cabanagem em uma carta direcionada ao antropólogo Napoleão

Figueiredo, em 1968.288 Posteriormente, intensificou o assunto em O Negro no Pará, tratando

sobre os aspectos já mencionados acima, assim como sobre a politização do negro no contexto

do Movimento Cabano.

O reflexo dos trabalhos mencionados anteriormente faz parte do livro Memorial da

Cabanagem que, apresenta-se em forma de um libelo político e está estruturada em dois

momentos. No primeiro, o autor examina a revolução cabana de 1835, seu conteúdo

ideológico e seus efeitos; no segundo momento, ele aborda sobre o desdobramento das

consequências da revolução cabana, destacando a continuidade das ideias socialistas gestadas

no movimento cabano. A partir dessa breve apresentação, consideramos a relevância da obra,

no sentido do autor ter dispensado atenção ao tema da participação do negro na Cabanagem -

como uma extensão do que se propôs em O Negro no Pará - presente em uma análise intensa

sobre o tema.

O estudo de Salles atribui vinculo entre o movimento cabano e os ideais

revolucionários presentes na Europa do século XVIII, especialmente a Revolução Francesa.

Trata-se de um estudo sobre a gestação e a circulação de ideias revolucionárias e socialistas

287 Sobre os levantes de escravos ocorridos no interior da província, a exemplo da região do Acará, ver:SALLES, Vicente. O Negro no Pará, op. cit., pp. 267-268.288 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida - Folclore.Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo, Rio de Janeiro, 08/07/1968.

106

na Amazônia. Assim, como fez em O Negro no Pará, Salles não só demonstra, mas também

critica, em sua narrativa, a ausência de discussões sobre algumas personalidades que

participaram de forma expressiva no desenvolvimento das ideias revolucionárias no Pará.

Valorizando ideólogos como Batista Campos e outros líderes. Salles também critica a

escolha historiográfica da literatura sobre a Cabanagem, e destaca: “Outro fato que ligamos à

Revolução Paraense, mas irrelevante para alguns historiadores, é a passagem de Luis Zagalo,

agitando idéias da Revolução Francesa e tentando sublevar os escravos...”.289 É indiscutível a

presença do franciscano com seus discursos sublevadores na Província do Pará, mesmo que

essa presença ideológica não tenha chegado, de forma mais pontual, a abalar os alicerces da

estrutura social paraense, certamente, despertou o desassossego no meio social da capital e de

seu interior, uma vez que Zagalo tendo acesso aos púlpitos das igrejas chegou a realizar

pregações revolucionárias.290 Ao valorizar personagens, Salles usou como critério sua

“politização” e relação com ideais revolucionários e socialistas.

Intensificando as discussões políticas, Salles acaba tecendo sua opinião: “... A

Cabanagem devolve aos índios e mestiços, escravos e servos da gleba, sua identidade perdida;

é a guerra dos esfarrapados colonizados contra a minoria de colonos detentora do poder e dos

meios de produção.” 291 Nesta passagem, podemos identificar um estilo diferente em sua

escrita, no que diz respeito às lutas de classes. De uma forma mais intensa, podemos destacar

“os esfarrapados colonizados” no trecho acima, assim como, o uso constante de excluídos,

oprimidos ou mesmo, a expressão “a luta dos nossos caboclos”, no decorrer deste livro.

Podemos perceber claramente, neste excerto, a influência política do marxismo em Vicente

Salles, através de sua argumentação.

Outro aspecto interessante nesta obra, que provavelmente o leitor já percebeu, são as

inúmeras referências ao Negro no Pará, na medida em que Salles procura demonstrar que os

escravos constituíam parte considerável da população, e principalmente para destacar a

organização do negro no levante cabano.

“... Na Cabanagem, o negro foi atraído para o levante geral pelos seuslíderes. Alguns atuavam na cidade, outros nos campos e sempre lado alado com os líderes do movimento. Houve portanto um princípio de

289 Sobre as ideias revolucionárias do Franciscano Luis Zagalo e sua atuação na Amazônia, podemos nos reportarao Negro no Pará, mas especificadamente, na 5ª parte intitulada “A Luta contra a Escravidão”, assim como naspáginas 16 e 20 do Memorial da Cabanagem.290 SALLES, Vicente. O negro no Pará, op. cit., pp. 240-242.291 SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem, op. cit., p. 66.

107

organização. Percebendo que os negros não agiam anarquicamente,mas que havia entre eles certa organização, o governo baixousucessivos atos, proibindo ajuntamentos e quaisquer atitudes políticasdos escravos. Atraídos pelo partido de Batista Campos, os escravoscomeçaram a se manifestar perigosamente como ativistas e passarammesmo a usar ostensivamente os distintivos vermelhos daquelepartido...” 292

Com o fim do parágrafo de onde foi extraído o trecho acima, o autor reitera, com uma

nota, que o assunto já fora tratado anteriormente em O Negro no Pará. Mais adiante, o autor

diz: “Creio ter deixado claro ou suficientemente provada, no livro O Negro no Pará, a

participação do negro na Cabanagem. Reuni aquela documentação que andava dispersa nos

livros, nos jornais e nos manuscritos que pude manipular...”. 293

Ao fazer referências constantes a sua obra específica sobre o negro, percebemos, em

sua escrita, a necessidade de destacar algo que já foi trabalhado, mas com certo teor de

interação entre as obras: uma peculiaridade de Salles, ou seja, ao mesmo tempo em que o

autor retoma discussões realizadas anteriormente, ele ressalta a dose de ineditismo do trabalho

em questão.

Outro ponto relevante a ser percebido na obra Memorial da Cabanagem é a forma pela

qual os cabanos foram representados no folclore regional. Com o fim da revolução, as

autoridades adotaram a política dos corpos de trabalhadores para regular o trabalho dos

escravos, dos assassinos, dos baderneiros, do cabano cruel e sanguinário presentes nos

documentos oficiais. Desta forma, Salles destaca:

“[...] Na Bahia, as mucamas amedrontavam o guri com a imagemfantástica do tutu. Na Amazônia, os filhos de sinhara adormeciam coma imagem sóbria do cabano. Ficou no folclore que se estendeu atéPernambuco, onde Pereira da Costa (Folclore Pernambucano) coletoua seguinte quadrinha:

Eu não sou cabana lá do Pará,

Sou menina boa

Gente Sinhá”.294

Entendemos que, a partir do trecho acima, embora o Memorial da Cabanagem trate,

em linhas gerais, do pensamento político de determinada região, o autor nos permite adentrar

292 SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem, op. cit., p. 124.293 Ibidem, p. 136.294 Ibidem, p.141

108

em temas diversos, assim como no possível diálogo entre o político e o folclore, característico

ao desenvolvimento do trabalho realizado por Salles ao longo de sua trajetória intelectual.

Temos conhecimento, também, que outros de seus trabalhos podem ser considerados extensão

de suas pesquisas iniciadas com O Negro no Pará, porém, nesse momento procuramos focar o

movimento cabano como luta de classe, onde o negro que estava presente tinha consciência de

sua politização. 295

3.3. UM DIÁLOGO ENTRE VICENTE SALLES E SEUS LEITORES: A RECEPÇÃO DA OBRA O

NEGRO NO PARÁ SOB A ÓTICA DAS CORRESPONDÊNCIAS

Antes de passarmos à análise das cartas, é importante observarmos a recepção da obra

de Salles no contexto nacional, após a publicação da primeira edição de O Negro do Pará, em

1971. Quando de sua publicação inicial, a obra foi bem recebida não apenas no contexto local,

como também em outras regiões do Brasil. Exemplo disso foi a boa acolhida pela crítica

bibliográfica de Luiz Mott, em 1973, onde o autor classifica O Negro no Pará como obra

básica, exemplo de trabalho sério e bem documentado.296 Além disso, a obra em questão foi

citada no livro de Ciro Flamarion Cardoso Economia e Sociedade em áreas Coloniais

Periféricas: Guiana Francesa e Pará (1750 - 1817), no ano de 1984. Igualmente, a mesma

foi também referida por Stuart Schwartz, em seu livro Escravos, roceiros e rebeldes, em um

balanço historiográfico sobre os estudos da escravidão no Brasil. Assim, como podemos

perceber, trata-se de um estudo considerado importante para a compreensão da economia, da

sociedade e da cultura da região norte, dentro de um contexto nacional.297

Após falarmos brevemente a respeito da importância desta obra de Salles sobre o

negro no Pará, como contribuição para o estudo da escravidão brasileira, buscaremos

trabalhar com as correspondências expedidas e recebidas presentes na Coleção Vicente Salles,

localizada na biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, com o objetivo de

295 Sobre as “problematizações” a respeito no movimento cabano ao longo de suas pesquisas, veremos umadiscussão mais apurada em outro momento, a partir da interlocução entre Vicente Salles e o jornalista LúcioFlávio Pinto.296 MOTT, Luiz. Crítica Bibliográfica: a propósito de três livros sobre o negro no Brasil. Revista de História,USP, nº96, 1973.

297 É importante considerarmos o período das publicações mencionadas. Dessa forma, temos o texto de Mott(1973); o de Cardoso (1984), e o de Schwartz (2001). Sendo que este último teve o texto: A historiografiarecente da escravidão brasileira, publicado em uma versão anterior, em 1988. Logo, estes autores utilizaram aprimeira edição de O Negro no Pará, confirmada em suas referências bibliográficas.

109

percebermos a recepção de sua obra O Negro no Pará sob o regime da escravidão, a partir da

análise do conteúdo dessas cartas, especialmente, através das cartas que Vicente Salles trocou

com o antropólogo e professor Arthur Napoleão Figueiredo298 e o jornalista Lúcio Flávio

Pinto299. Exporemos uma análise da recepção local da obra de Salles, para darmos

continuidade à perscrutação de sua trajetória.

Para este estudo foram consultadas, cerca de setenta cartas, no geral, localizadas no

grupo: Documentação Sócio - Cultural/Vicente Salles, série: correspondências expedidas e

recebidas300, que foram trocadas entre folcloristas, jornalistas, professores universitários,

enfim, intelectuais que procuramos selecionar por uma certa relação de afinidade com a

produção do historiador e folclorista Vicente Salles, partindo do acompanhamento da obra por

esses intelectuais, ou seja, das críticas e dúvidas, e do reconhecimento do trabalho de

Salles301. Caminhando por esse viés, devemos levar em consideração, principalmente, o olhar

sobre essas correspondências, pois, a troca de cartas deve ser percebida como um local onde

as ideias são reveladas, entre outros interesses. 302

Na perspectiva de trabalho com um acervo pessoal e de suas possibilidades, a

historiadora Ângela de Castro Gomes, em seu texto Escrita de si, escrita da história: a título

de prólogo, aborda sobre a explosão de publicações de caráter biográfico e autobiográfico nos

298 Arthur Napoleão Figueiredo é considerado uma das maiores referências no que diz respeito aos estudosantropológicos na Amazônia. Este antropólogo assumiu a cadeira de Etnologia e Etnografia do Brasil naFaculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará, a partir de 1960. Sua trajetória profissional foi marcadapelo pioneirismo da pesquisa de campo, tendo atuado como pesquisador e professor – orientador. Este intelectualfaleceu em 1989, para mais detalhes Cf.: MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra “invenção” da Amazônia:religiões, histórias, identidades. Belém: Edições CEJUP, 1999, pp. 25-54. DIAS, Antônio Maurício. PesquisasAntropológicas Urbanas no “paraíso dos naturalistas”. In: Revista de Antropologia, São Paulo, 52(2), 2009,pp. 735-761.299 Lúcio Flávio Pinto é um jornalista e sociólogo, redator do Jornal Pessoal - quinzenário individual – quecircula em Belém desde 1987. Foi professor do curso de jornalismo da Universidade Federal do Pará ecorrespondente do Jornal O Estado de São Paulo. Nasceu em Santarém (PA) no dia 23 de setembro de 1949. Éautor de vários títulos sobre a Amazônia e ganhador de prêmios internacionais. www.lucioflaviopinto.com.brAcessado em: 28/02/2011.300 Cabe destacar que esta série está constituída em um total de aproximadamente trezentas correspondências queSalles trocou com inúmeras personalidades, assim como diversas instituições culturais.301 Procuramos perceber o livro como um produto cultural, e levando em consideração seu aspecto econômico,assim como, destacar o poder que um livro pode exercer mesmo à distância, no sentido de poder transformar omodo de agir e de pensar, e desta forma, evidenciar o poder do intelectual, na verdade o poder que pode exercerum intelectual, como aponta Bourdieu Cf.: BOURDIEU, Pierre & CHARTIER, Roger. A leitura uma práticacultural. Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. SãoPaulo: Estação Liberdade, 1996, pp. 229-253. Buscaremos ao longo do texto, apresentar um diálogo entre,uma obra e a reação que esta obra causou em determinados leitores. Para uma profunda discussãosobre a relação do intelectual e a sua obra, compreensão dos níveis de reconhecimento da exclusão ouda consagração. Cf.: BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009,p. 165.302 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela deCastro (Org.). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro, FGV, 2004. pp, 51-52

110

últimos dez anos, assim, destaca o surgimento de um maior interesse dos leitores nos últimos

tempos por determinado gênero de escrita, como: diários, biografias, correspondências,

apontando uma maior atenção pelo indivíduo. 303

Trabalhar com correspondência pode parecer tarefa simples à primeira vista, e até

podemos acreditar que seja, porém, faz-se necessária certa cautela, pois, trabalhar com as

mesmas, significa abrir um leque de possibilidades, cabendo ao historiador decidir o seu foco.

Neste sentido, trabalhamos as correspondências como fonte, assim, elas devem sempre ser

comparadas com outras fontes, no intuito de buscarmos alargar as considerações sobre o

intelectual em questão, neste caso, Vicente Salles.304 O próprio autor faz algumas

considerações sobre esta fonte, ao ressaltar que se trata de um “documento primoroso”, uma

vez que as cartas revelam facetas muito pessoais de quem as escreve. 305

Cabe destacar que, Vicente Salles é um intelectual polígrafo, que mesmo distante de

sua terra natal, manteve intenso contato com a imprensa paraense, assim como, com os

intelectuais paraenses. Neste caso, poderíamos citar alguns nomes como: Lúcio Flávio Pinto,

Arthur Napoleão Figueiredo, Waldemar Henrique, Anaíza Vergolino, entre outros, que estão

entre os correspondentes de Salles, presentes em sua coleção. 306

Primeiramente, esta análise dar-se-á por intermédio das cartas trocadas entre Vicente

Salles e o antropólogo Arthur Napoleão Figueiredo, uma vez que essa interlocução foi

principiada no contexto de finalização (no aguardo da publicação) de O Negro no Pará e de

produção de outros trabalhos sobre a presença do negro na Amazônia, notadamente daqueles

desenvolvidos sob orientação de Napoleão Figueiredo. Posteriormente, observaremos um

303Ibidem. Neste texto a autora aborda sobre os trabalhos que vem sendo desenvolvido a partir dascorrespondências e outros tipos de documentos que comumente constitui um acervo pessoal, assim como autilização destes como fontes ou objeto histórico. Em um texto anterior, a autora já falaria do “boom” dosarquivos privados, das possibilidades e dos encantamentos que este tipo de acervo pode encaminhar opesquisador, assim como, da revalorização do indivíduo na história, da lógica de suas ações, trabalhando com osconceitos da nova história cultural, nesses termos, Cf. GOMES, Ângela de Castro. Nas Malhas do Feitiço: OHistoriador e os Encantos dos Arquivos Privados. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 11(1), 1998,pp. 121-127.304 MALATIAN, Teresa. Cartas: Narrador, registros e arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi & LUCA,Tânia de (Orgs.). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, pp.195-221. Entre outros aspectos aautora aborda acerca de como alcançar um quadro analítico mais alargado para o seu objetivo com a fonte,inclusive, destacando o exemplo do trabalho com as correspondências ativas e passivas entre dois indivíduos, oque permite uma análise bem mais ampla, a partir da possibilidade de unir os dois tipos de correspondências.305 Entrevista concedida à autora, em 30/11/2011.306 Cabe salientar que, estão presentes no acervo correspondências que Vicente Salles trocou com músicos,intelectuais e instituições culturais diversas, totalizando 10 pastas consultadas. Justificamos a predileção portrabalharmos com um jornalista e com um professor universitário, pelo fato de estes se encontrarem no contextoda finalização do livro de Salles, ou por estarem diretamente ligados às discussões sobre O Negro no Pará.

111

breve diálogo entre Salles e Anaíza Vergolino, para por fim, passarmos à análise das

correspondências que foram trocadas com o Jornalista Lúcio Flávio Pinto, considerando o fato

– a partir de um exame geral das cartas presentes na coleção – de ser o principal crítico da

obra de Salles, principalmente quanto à documentação utilizada nesta obra.

MUITO EM COMUM: DIÁLOGOS ENTRE ARTHUR NAPOLEÃO FIGUEIREDO E VICENTE SALLES

O professor Arthur Napoleão Figueiredo está entre os intelectuais que mantiveram um

considerável contato através de cartas com Vicente Salles. Professor da Universidade Federal

do Pará, este antropólogo veio assumir a cadeira de Etnologia e Etnografia do Brasil nesta

instituição em 1960307. Com relação às correspondências existentes na coleção, temos notícias

das trocas de cartas suas com Salles desde 1968 até 1988, um ano antes de seu falecimento.

As considerações que serão feitas a seguir, a partir da percepção da recepção de O

Negro no Pará sob o regime da escravidão por intermédio da correspondência trocada com

Napoleão Figueiredo, tornam - se essenciais, uma vez que, trata-se de um diálogo com um dos

pioneiros sobre os estudos antropológicos na região norte do Brasil. Procuraremos apresentar

através destas correspondências o tipo de diálogo que estes intelectuais travavam, na época

em que a obra de Salles já tinha sido finalizada, e perceber como foi sua aceitação no meio

acadêmico após a publicação de O Negro no Pará.

No prefácio da primeira edição da obra O Negro no Pará, Arthur César Ferreira Reis

apontava que, a bibliografia sobre a presença africana na Amazônia era inexpressiva. Desta

forma, ele procurou destacar que, a bibliografia acerca da presença negra na Amazônia se

apresentava inexpressivamente, pois poucos trabalhos chegaram a ser apresentados como: O

Negro na empresa colonial dos portugueses na Amazônia, de sua autoria (1961); A

introdução do negro na Amazônia e Negros Escravos na Amazônia de Nunes Pereira, o

primeiro tendo sido divulgado no Boletim Geográfico, Rio de Janeiro, 1938, e o segundo nos

Anais do X Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, 1952; Alguns elementos novos

para o estudo dos batuques de Belém, de Anaíza Vergolino e Arthur Napoleão Figueiredo,

307 Cf. DIAS, Antônio Maurício. Pesquisas Antropológicas Urbanas no “paraíso dos naturalistas”, op. cit.Consideráveis informações sobre a trajetória docente e de pesquisador de Arthur Napoleão Figueiredo poderãoser consultas neste texto, uma vez que o autor busca traçar um percurso acerca da história das pesquisasantropológicas na Amazônia.

112

pesquisa que foi propagada nas Atas do Simpósio sobre a Biota Amazônica, no Rio de Janeiro

em 1967. 308

Em uma carta datada de 10 de junho de 1970, enviada a Vicente Salles, o antropólogo

Arthur Napoleão Figueiredo comenta sobre o trabalho de Anaíza Vergolino acerca de notícias

históricas dos negros no Pará, estando o trabalho finalizado e aguardando publicação, pois se

tratava de um trabalho volumoso e consequentemente, com um orçamento elevado 309.

Embora o autor desta carta não apresente o título do trabalho de Vergolino, partimos da ideia

de considerarmos que ele esteja se referindo ao início de seus estudos sobre os batuques de

Belém, iniciados na metade da década de 60, pois este trabalho - levando em consideração a

interpretação das correspondências – parece ter sido realizado por partes, ou intensificado por

partes. 310

Partindo da observação sobre a produção do trabalho de Salles, acerca da presença

negra na Amazônia, em geral, destacamos em correspondência direcionada ao professor

Napoleão Figueiredo, o fato de Salles lamentar não ter conhecido antes o trabalho de

Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino. Nesse sentido, ele destaca que: “Uma das coisas

que lamento, quando aí estive foi constatar que durante muito tempo caminhamos por vias

paralelas, dispersando esforços. Para mim teria sido extremamente útil ter conhecido a mais

tempo o seu trabalho e o da Dra. Anaíza”.311 E dá prosseguimento na mesma correspondência,

falando sobre o Negro no Pará:

“Meu ensaio sobre o negro no Pará, há muito concluído (em termos detrabalho imediato, claro) e aguardando publicação, é resultado depesquisa histórica em arquivos por onde me meti. E portanto, sem osaber, eu e Dra. Anaíza viajamos no mesmo barco. Verdade que não

308 No prefácio da primeira edição de O Negro no Pará: sob o regime da escravidão, Arthur César Ferreira Reismenciona a inexpressividade da bibliografia a respeito de estudos sobre o negro na Amazônia. Nesse sentido,poderíamos citar como exemplo, o livro Santos e Visagens de Eduardo Galvão, que praticamente desconsidera ainfluência negra na constituição da religiosidade do caboclo amazônico, considerando-a fruto da miscigenaçãode portugueses e indígenas. Cf.: GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens: um estudo da vida religiosa do Itá,Baixo Amazonas. 2ª Ed. São Paulo, Ed. Nacional; Brasília, INL, 1976 [1955].309 Notícias sobre a trajetória docente e de pesquisa da antropóloga Anaíza Vergolino cf.: DIAS, AntônioMaurício. Pesquisas Antropológicas Urbanas no “paraíso dos naturalistas”, op. cit., pp. 743-745.310 Devemos levar em consideração o trabalho sobre os batuques de Belém que foi apresentado em 1967; otrabalho intitulado “Alguns elementos para o estudo do negro na Amazônia”, de 1968, assim como, o seu texto“O Negro no Pará - a notícia histórica”, que viria a ser publicado em 1971. Nesse contexto, vale Cf.: DIAS,Antônio Maurício. Pesquisas Antropológicas Urbanas no “paraíso dos naturalistas”, op. cit., p. 755. Onde oautor aborda em nota sobre a pesquisa de Vergolino e Figueiredo acerca da presença africana na Amazônia, esobre a publicação de O Negro no Pará: sob o regime da escravidão, logo após o levantamento realizado pelospesquisadores.311Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida - Folclore.Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo, Rio de Janeiro, 01/07/1970.

113

contei com a experiência e dedicação de um mestre na matéria. ... Senos encontrarmos em alguns pontos, de qualquer forma espero quedois ensaios sôbre o mesmo tema possam despertar a atenção deoutros estudiosos brasileiros que vêem cultura negra apenas nas áreastradicionais da lavoura extensiva e da mineração”.312

O excerto acima evidencia certa preocupação de Salles em ter realizado o mesmo

trabalho que a professora Anaíza Vergolino, porém, ele esclarece que, mesmo que esses

trabalhos viessem a se encontrar em algum momento, dois trabalhos sobre um mesmo tema só

viria a ser benéfico, uma vez que estes incentivariam outros estudiosos ou pesquisadores a

focarem a cultura negra a partir de novas perspectivas. Salles, ainda complementa seus

escritos demonstrando o respeito acadêmico pelo amigo Napoleão Figueiredo, onde destaca a

experiência e dedicação deste. Nessa mesma carta, observamos Salles incitando a “troca de

ideias” sobre o assunto em questão, uma vez que muita coisa poderia ser “aprendida” a partir

dessa troca de ideias.

Em contrapartida, Napoleão Figueiredo se posiciona a respeito da aproximação dos

trabalhos apontando que, tratava-se de problemas diferentes. E fez questão de salientar essas

diferenças e aproximações, como poderemos perceber claramente a seguir:

“Pessoalmente acho que são problemas diferentes – a parte do negrona colônia, império e republica, envolvendo assim o aspecto sócio –político – cultural e a ascensão desse negro numa sociedade de classese a outra, o quadro atual dos cultos com sobrevivências africanas. 313

E intensifica:

“No primeiro, além do tratamento das fontes primárias e dolevantamento bibliográfico imenso de cronistas, missionários,naturalistas viajantes, a enfase a ser dado nêsse estudo seria voltadopara o fenomeno do “plantation”... Ao lado disso a participação dobraço escravo nos diversos ciclos econômicos na Amazônia e suaintegração na sociedade atual – urbana, rurbana ou rural”.314

312 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida - Folclore.Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Rio de Janeiro, 01/07/1970.313Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Recebida – Folclore.Carta de Arthur Napoleão Figueiredo a Vicente Salles. Belém, 12/08/1970.314 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Recebida – Folclore.Carta de Arthur Napoleão Figueiredo a Vicente Salles. Belém, 12/08/1970.

114

Desta forma, o antropólogo procura afastar qualquer tipo de tensão que poderia vir a

existir por conta da aproximação dos temas do trabalho de Salles e Anaíza Vergolino, e, na

verdade, procura destacar que, grande parte do material que engloba este assunto foi

levantado no trabalho de Anaíza, no de Nunes Dias e no trabalho de Vicente Salles.

Acreditamos que, Figueiredo, assim como Salles, procurou demonstrar os benefícios de vários

estudos sobre o mesmo tema, em um espaço como a Amazônia, onde Ferreira Reis - como já

abordamos anteriormente - já falaria da escassez de estudos sobre a presença negra no espaço

amazônico.

Ao analisarmos as correspondências entre Salles e Figueiredo, percebemos que, além

da relação de amizade, que resultou em troca de cartas desde o final da década de 1960 até o

final da década de 1980, é perceptível o comprometimento de ambos com o trabalho científico

cultural na Amazônia. As cartas, de uma forma mais geral, nos permitiram observar um

intenso diálogo, através de posicionamentos perante o trabalho de Vicente Salles, em O Negro

no Pará, sobre indicações de trabalhos, favores pessoais, indicações de leituras, mas

principalmente o respeito profissional entre dois intelectuais que procuraram ultrapassar as

barreiras da distância em benefício da cultura amazônica. 315

Nesse sentido, conseguimos perceber, como o Negro no Pará foi inicialmente

recebido por intelectuais como o professor Napoleão Figueiredo, seu posicionamento perante

a obra e o autor316, a partir da utilização do livro de Salles, em suas aulas na Universidade

Federal do Pará. Desse modo, Figueiredo demonstrou a importância de uma obra como O

Negro no Pará, a partir da inserção desta nas discussões dentro do programa de antropologia

desta universidade. Salles, em outra oportunidade, responde que lhe é grato pela utilização de

seu trabalho nas aulas da universidade. Dessa forma, percebemos nesse momento a ligação

que a obra teria com a academia, principalmente, no contexto da UFPA.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRABALHOS DESENVOLVIDOS POR ANAÍZA VERGOLINO,

NO CONTEXTO DA ESPERA E DA PUBLICAÇÃO DE O NEGRO NO PARÁ

Seria relevante darmos seguimento ao diálogo desta parte do texto, analisando as

correspondências que Salles tenha vindo a trocar com a Professora Anaíza Vergolino. As

315 Cabe ressaltar que Vicente Salles deixou Belém ainda jovem com destino ao Rio de Janeiro em 1954, ondefixa residência até 1975, mudando – se posteriormente para Brasília, onde vive até o momento.316 Em carta de 13/07/1972 Napoleão Figueiredo escreve a Vicente Salles, noticiando que, está utilizando o seulivro “O Negro no Pará: sob o regime da escravidão” em suas aulas na Universidade Federal do Pará.

115

correspondências que tivemos acesso, infelizmente, não nos foram suficientes para

trabalharmos acerca da recepção da obra de Salles a partir de cartas trocadas com a

antropóloga, pois foram bem poucas (digo presentes na parte de correspondências pessoais na

coleção). A interlocução sobre O Negro no Pará, e de modo geral, sobre os estudos da

presença negra na Amazônia foram feitas de forma mais intensa com o Professor Napoleão

Figueiredo, pelo menos ao que conseguimos ter acesso nesta coleção. 317

A partir do exame das quatro cartas localizadas, contudo, procuramos perceber alguns

posicionamentos de Salles quanto ao trabalho desenvolvido por Anaíza Vergolino, a partir das

correspondências trocadas à época da finalização de O Negro no Pará e da publicação deste.

Em outra carta, por exemplo, Salles agradece Vergolino por ter enviado o trabalho intitulado

O Negro no Pará, uma notícia histórica, escrito especialmente para a Antologia de Carlos

Rocque.318 Salles destaca a questão da representatividade deste trabalho para os estudos do

negro no Brasil, onde o Pará tinha pouca expressão. Ele ainda comenta a respeito do mesmo

trabalho que, Anaíza estaria indo no “caminho certo”, e que teria muito mais a revelar, e que

possibilidades maiores se apresentariam, estando ela em Belém, principalmente, no que

concerne à parte histórica. 319

Nesse sentido, permanecendo na análise da correspondência acima, percebemos o

entusiasmo de Salles perante o trabalho desenvolvido no Pará por Anaíza Vergolino e

Napoleão Figueiredo, indicando as possibilidades e novidades que as pesquisas desenvolvidas

em Belém poderiam gerar. Assim, nessa carta do ano de 1971, Salles aponta que existe muita

coisa a ser trabalhada dentro de uma perspectiva histórica sobre o negro no Pará, destacando o

fato de não se ter realizado até aquele momento, um levantamento da imprensa paraense sobre

o regime escravocrata, e da legislação do século XIX, assim como, sobre um trabalho com os

mocambos que ainda existiam no Estado.

317 Ao todo, foram encontradas três correspondências expedidas e uma recebida, mas nada realmente direcionadoa obra de Salles, no contexto de uma análise mais intensa sobre a recepção de O Negro no Pará. Porém, seriaimportante abordarmos sobre uma carta escrita por Vicente Salles a Anaíza Vergolino, onde Salles comunica orecebimento do trabalho da Antropóloga intitulado “Alguns Elementos Para o Estudo do Negro na Amazônia”, efala sobre o encantamento por este texto, justificado pelo fato de ignorar o trabalho que o Prof. NapoleãoFigueiredo e sua assistente, na época, Anaíza Vergolino, estariam realizando. Coleção Vicente Salles. MaterialHistórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida – Negro. Carta de Vicente Salles a AnaízaVergolino. Rio de Janeiro, 10/07/1968.318 VERGOLINO, Anaíza. O Negro no Pará, uma notícia histórica. In: ROCQUE, Carlos (Org.). Antologia daCultura Amazônica, vol. VI, 1971, pp. 17-33. Trata-se do resultado das pesquisas de Vergolino sobre aproporcionalidade do contingente negro em relação à população total da Amazônia, especialmente no Pará,desde a introdução da mão de obra negra nessa região até o grau dessa miscigenação.319 Coleção Vicente Salles. Material Histórico – Cultural Vicente Salles – Correspondência Expedida – Carta deVicente Salles a Anaíza Vergolino. Rio de Janeiro, 26/03/1971.

116

Percebemos, em meio à análise dessas cartas que, independentemente do fato de

ambos terem caminhado na mesma direção, em algum momento, o mais importante para os

pesquisadores mencionados aqui, seria de fato, incentivar a pesquisa sobre este tema na

Amazônia. Nesses termos, Salles apresenta alguns pontos que soariam a favor de Anaíza,

como a proximidade de fontes expressivas para se trabalhar a parte histórica ao tema do

negro, assim como, usufruindo da orientação Napoleão Figueiredo, considerado um dos

grandes nomes da história da Antropologia na Amazônia.

Após termos apresentado uma breve análise das correspondências trocadas entre Salles

e Napoleão Figueiredo, e em parte, com Anaíza Vergolino, no sentido de extrairmos a

recepção da obra em evidência, passaremos a análise das cartas trocadas entre Salles e o

jornalista Lúcio Flávio Pinto, no que diz respeito ao último, talvez tenha este propiciado um

debate maior, regado a críticas mais acentuadas, como veremos a seguir.

ALGUMAS CRÍTICAS MAIS ACENTUADAS: AS CARTAS TROCADAS ENTRE LÚCIO FLÁVIO PINTO E

VICENTE SALLES

“[...] se situe no meu ponto de vista – que é o de profundo respeito aocrítico. Uma literatura sem críticas – e vou agora me derramar emconceitos? – não pode ter vitalidade, tampouco expressão. Toda obra épara ser discutida. Só podemos acrescentar alguma coisa noconhecimento a partir do questionamento do que foi estabelecido”. 320

O excerto destacado acima evidencia claramente o posicionamento crítico de Salles

perante a produção escrita e da leitura em geral. Trata-se de parte de sua resposta às críticas

do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto a pesquisa de Salles, principalmente, quanto a sua

metodologia. O que o jornalista procurou passar a Salles, foram as angústias de um leitor

perante o resultado de um estudo, e desta forma, ele expõe suas razões a partir da leitura de O

Negro no Pará, como poderemos perceber a seguir: “Como você mesmo diz, há “pouca

abundância” documental. Aceita essa premissa, acho que as mais estimulantes “pistas” estão

no seu “O Negro no Pará” e foi justamente nele, como você deve ter notado que centrei o meu

trabalho sobre a Cabanagem”. 321

320 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Brasília, 19/12/1978.321 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Recebida –Comunicação. Carta de Lúcio Flávio Pinto a Vicente Salles. Belém, 11/12/1978.

117

Desta forma, a partir de uma leitura geral das cartas de Lúcio Flávio a Vicente Salles,

percebemos que, suas críticas constantes ao livro de Salles partiram do seu interesse pelo tema

da revolução cabana. Nesse sentido, a partir de seu diálogo com Salles, podemos assinalar a

produção de um trabalho sobre a Cabanagem que, este jornalista desenvolveu ou estava

desenvolvendo no final da década de 1970. Mas sua opinião sobre a parte direcionada ao

movimento cabano, dentro do livro O Negro no Pará foi bastante direta, porém, sempre

reconhecendo a importância da interpretação desenvolvida por Salles. Para Lúcio Flávio

apesar de “episódico” o trabalho de Salles se apresentou com densidade, inclusive, em

comparação as pesquisas que, o próprio Lúcio Flávio vinha desenvolvendo na época.

No sentido de justificar sua avaliação crítica direcionada à Cabanagem perante o

amigo, diz ver - à época da leitura do livro de Salles, e do desenvolvimento sobre o seu

trabalho - a Cabanagem com a curiosidade de um jornalista, e claro, pela questão da

informação, diferentemente de Vicente Salles, que a viu como historiador. Assim, Lúcio

Flávio, descreve sobre o desenvolvimento do trabalho do amigo historiador, uma vez que

nesse contexto, Salles “tem desenvolvido um trabalho lento, parcelado, difícil, mas

sistemático ... Respeito-o não por interpretações bibliográficas, mas por uni-las ao trabalho de

revelação documental ...”, mesmo considerando que alguns fenômenos e fatos referente ao

movimento, talvez, nunca viessem a ter uma “base documental definitiva”. E continua na

mesma correspondência:

“Não considero, como você também não deve considerar, que seja aresposta definitiva. Mas mesmo sem abrir muito o referencialdocumental, você foi o que levou mais adiante a interpretação daCabanagem, quem ordenou melhor a documentação, quem leu melhoros interpretadores... Situou o problema numa condição de classe. Edesmistificou a liderança “citadina” do movimento, abrindo os nossosolhos para os líderes populares... você levantou aspectos importantes,como a da transmissão oral e não escrita da ideologia. Essa é umaobservação vital...”.322

Percebemos, então, não só no fragmento acima destacado, mas como no início desta

carta, a valorização e o respeito pelo trabalho de Salles, pelos ensinamentos e informações

históricas – destacando a parte direcionada ao movimento Cabano - resultado de um intenso e

prolongado trabalho de pesquisa desenvolvido por Salles. Lúcio Flávio, inclusive faz uma

observação a respeito da metodologia de Salles, destacando que, o folclorista trabalha com

322 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Recebida –Comunicação. Carta de Lúcio Flávio Pinto a Vicente Salles. Belém, 11/12/1978.

118

aspectos importantes como a transmissão oral da ideologia. Porém, em carta anterior, Salles já

se justificaria através de O Negro no Pará perante a crítica de Lúcio Flávio, onde o jornalista

apontou que, suas análises resultariam mais em deduções teóricas. Na carta de 26 de

novembro de 1978, a respeito disso, Salles apontou:

“Na cabanagem a idéia da abolição da propriedade privada esteve nacabeça de caboclos e de negros, como demonstro em O Negro noPará, considerando mesmo – não intuitivamente, como v. observou –mas com os documentos que me foram dados examinar, que os ideaisque impulsionavam os rebeldes tiveram expressão ideológica efetiva,concreta, principalmente nas lideranças populares, esmagadas, afinal,pelos chefes cabanos.”323

No contexto da mesma carta, Salles se defende falando que, sempre trabalhou sobre os

documentos e que se fossem tiradas as transcrições da obra em questão, ela se apresentaria

com um valor escasso324. No intuito de alargarmos as discussões sobre este diálogo,

percebemos que há um leitor ferozmente atento e crítico e um escritor procurando aprimorar

cada vez mais o seu trabalho perante os seus leitores, diga-se de passagem, um escritor que

sempre procura lembrar-se das suas dificuldades no que concerne ao desenvolvimento de

pesquisas em seu tempo, e, sempre esclarecendo as fontes que foram possíveis de se alcançar.

No sentido de percebermos os debates entre escritor e leitor que presenciamos a partir da

leitura das cartas, seria pertinente destacarmos que, a leitura é na realidade, uma ativa

elaboração de significados dentro de um sistema de comunicação, como bem aponta o

historiador Robert Darnton325.

Como enfatizamos acima, através das próprias palavras de Salles, o autor procurou

analisar em O Negro no Pará, acerca do engajamento do negro no movimento cabano,

comprovando através de documentação a politização dos escravos em meio à luta cabana,

como podemos observar no ofício que foi citado por Domingos Antônio Rayol, e utilizado

por Salles. Segundo Vicente Salles, as ideias que foram lançadas pelo frei Luís Zagalo, Filipe

Patroni e Batista Campos tiveram uma abrangente reverberação entre os escravos, porém,

323 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Brasília, 26/11/1978.324 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Brasília, 26/11/1978.325 Para uma melhor apreciação do diálogo entre escritor e leitor, Cf.: DARNTON, Robert. O Grande Massacrede Gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. No texto intitulado “Osleitores repodem a Rosseau: A fabricação da sensibilidade romântica”, Darnton acaba por definir o significadoda leitura, na busca por procurar entender como os franceses liam os livros no século XVIII, como pensavamestes leitores, como participavam da transmissão do pensamento pelos símbolos impressos, a partir de seu estudocom as correspondências que foram enviadas a Rousseau, para o estudo da recepção de La nouvelle Héloise.

119

ressaltou que, houve outros líderes populares que exerceram considerável influência entre

eles, e que as ideias de emancipação não foram contempladas pelos “chefes supremos” da

revolução, foram, na verdade, reprimidas. 326

Partimos dessas colocações expostas acima, para apresentarmos a justificativa de

Salles perante as críticas de Lúcio Flávio Pinto, no que diz respeito à documentação utilizada

na obra em questão. Nesse sentido, Salles destaca que: “Concluí, em O Negro no Pará, que os

ideais da Cabanagem foram traídos por seus próprios líderes, isto é, aqueles que controlaram a

massa. O grande desafio, para o historiador, é a identificação das lideranças populares. Foi o

que tentei fazer em O Negro no Pará”.327 Explicou Salles em seu livro que, nesse período a

população escrava tinha um volume significativo, e que sua mobilização exigia diversos

líderes. Observamos que para a citação dos nomes de negros que atuaram como líderes em

algum momento nesse motim, Salles se utiliza, principalmente, pelo que ele chamou de “via

indireta” como Os Motins Políticos, de Rayol.

Ainda sobre a questão das “deduções” presente no livro de Salles, especialmente no

que diz respeito a Cabanagem, Lúcio Flávio diria que talvez tenha sido mal interpretado, pois

sua angústia se reportaria ao fato de existir “... muita frase de efeito sem explicitação factual”,

e para isso destaca as referencias ao estudo do movimento cabano, como, por exemplo, o de

Jorge Hurley, uma vez que este intelectual aponta que, a ideologia do movimento terminou

com a morte de Batista Campos, não problematizando a questão.328 Logo, Lúcio Flávio,

referia-se a questões mais específicas como a mencionada a pouco, e não a algo generalizado,

uma vez que, o jornalista era conhecedor da escassez dos documentos e sobre as incógnitas a

respeito da Cabanagem, visto que, como mencionamos anteriormente, ele estava trabalhando

intensamente neste tema.

Lúcio Flávio Pinto está entre as personalidades que mantiveram contato considerável

com Vicente Salles. A correspondência expedida – na verdade – as cópias ou rascunhos delas

são da década de 1970, assim como as recebidas - embora, o jornalista não datasse a maior

parte delas (pelo menos as que constam no acervo) - período em que O Negro no Pará foi

326 SALLES, Vicente. O Negro no Pará, op. cit., pp. 266-267.327 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Brasília, 26/11/1978.328 Henrique Jorge Hurley está situado entre os principais narradores do movimento cabano. Foi militar eformou-se em Direito em 1910. Como intelectual dedicou-se aos estudos históricos e ao folclore paraense, éautor de A Cabanagem e Traços Cabanos. Cf. RICCI, Magda. Folclore, Literatura e História: a trajetória deHenrique Jorge Hurley. In: FONTES, Edilza J. de O. & BEZERRA NETO, José Maia (Orgs). Diálogos entrehistória, literatura e memória. Belém: Paka-Tatu, 2007, pp. 309-328. Ver, também: Carta de Lúcio Flávio Pintoa Vicente Salles. Belém, 11/12/1978.

120

publicado pela primeira vez. No geral, as cartas que foram manuseadas, nos permitiram fazer

algumas considerações. As críticas de Lúcio Flávio eram vistas por Salles como “provocações

que animam a gente” 329, embora, alguns diálogos apareçam com certa tensão. Assim como

outros amigos, Lúcio Flávio Pinto foi responsável por amenizar a falta de notícias a respeito

do meio cultural de Belém, do Pará, e da região norte, uma vez que, aqui e ali surge um

agradecimento pela atualização das notícias da “terrinha” 330.

Procuramos ao longo deste capítulo apresentar passos mais específicos acerca da

trajetória intelectual de Vicente Salles, buscando situar este intelectual em seu espaço e seu

tempo. Entrevistas, correspondências, livros, foram as principais fontes, que utilizamos, tendo

em vista obtermos uma análise mais intensa na execução deste trabalho. Demonstramos, por

exemplo, como algumas personalidades se tornaram essenciais para a compreensão do

engajamento político e cultural de Vicente Salles, como Bruno de Menezes, Dagoberto Lima

e Edison Carneiro.

Em continuidade aos estudos sobre este intelectual, lançamos mão das

correspondências expedidas e recebidas, que devemos destacar, e até mesmo celebrar a velha

prática de guardar duplicatas, pois através das correspondências podemos enxergar várias

possibilidades de abordagens, principalmente por levarmos em consideração o ato particular

da escrita, onde extravasamos nosso sentimento e nossas críticas. Juntamente à análise das

cartas procuramos sempre cruzar as informações com as apresentações, prefácios, introduções

e notas presentes em O Negro no Pará, sob o regime da escravidão.

As apresentações escritas por Salles na presente obra se mostram como fonte de

significativas informações. Nesse sentido, podemos aproximar algumas considerações sobre

os prefácios, no caso de Vicente Salles, sobre suas apresentações escritas para o seu livro.

Uma vez que “prefácio” é considerado como um texto breve feito pelo o próprio autor ou por

outra pessoa, geralmente ligada ao autor, chamamos atenção para o “possível” teor das

informações contidas nos “pré-textos” de uma obra, no sentido de nos depararmos com

informações para determinado cruzamento desses informes, assim como, com algum vestígio

sobre determinado assunto.

329 Coleção Vicente Salles. Material Histórico Cultural – Vicente Salles – Correspondência Expedida –Comunicação. Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Brasília, 09/11/ 1978.330 A partir das cartas podemos falar sobre os intelectuais e sua rede de sociabilidade (no caso, parte dela), sobreo entendimento da circulação das ideias, compreensão de determinada dinâmica e de seus posicionamentos.

121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória intelectual do folclorista e historiador paraense Vicente Salles serviu de fio

condutor a este estudo. Sem a pretensão de apresentar uma narrativa linear que dispusesse os

muitos eventos que marcaram esse percurso de maneira sequencial, buscamos refletir acerca

dos aspectos da vida intelectual de Salles e da relevância do autor para os estudos a respeito

da História e do Folclore paraense e amazônico, em particular, e para a cultura regional, em

geral. Lançando mão de uma gama variada de fontes documentais, que iam desde recortes de

jornais a suas próprias obras, passando, por entrevistas e cartas pessoais, a trajetória de

Vicente Salles foi por nós analisada a partir de três eixos centrais: a prática do colecionismo, a

concepção e as suas contribuições ao Folclore, e a narrativa e a recepção de algumas de suas

obras, especialmente do clássico O Negro no Pará.

Com o propósito de compreendermos a trajetória de um intelectual polígrafo como

Vicente Salles, acabamos por percorrer um caminho amplo, por se situar no cruzamento das

histórias política, social e cultural, e pela amplitude das fontes trabalhadas. Observando o

nosso intelectual a partir de suas leituras, de suas pesquisas e da sua produção, percebemos

que seria impraticável tentar interpretá-lo sem dialogar com os campos acima citados, pois

seu engajamento político está ligado com a sociedade e com seus aspectos culturais, bastando

para isso, adentrar em sua coleção. Nesse sentido, ao falar de folclore ou em cultura popular,

acabamos por associar essa temática ao conceito de cultura em âmbito geral, mas também, à

resistência ou militância. Esse é só um exemplo da variedade de discussões que se pode retirar

de um texto sobre folclore, no caso de Vicente Salles.

Acreditamos que tenha sido válida a iniciativa de buscar interpretar, em um primeiro

momento, a trajetória intelectual de Salles a partir da sua coleção, uma vez que podemos ter

ideia do que este intelectual lia e colecionava, e principalmente, a ideia de preservar a história

da “massa documental” resultado das suas leituras e pesquisas. A partir dessa interpretação

podemos ir ainda mais longe, e perceber a partir dos recortes de jornais, as temáticas mais

expressivas para Salles, como no caso do negro, do folclore, da literatura, entre outros. Esse

seria somente o início da busca pela sua interpretação histórica.

Permanecendo neste caminho, procuramos investigar o que levou Salles a querer ir

além da coleta de dados, e das pesquisas sobre folclore. A busca pela parceria com a história,

a necessidade de fundamentar suas pesquisas, a preocupação em retomar alguns etnógrafos,

122

fez de Salles um pesquisador ímpar, na medida em que ele buscou equilibrar a relação entre

história e folclore, principalmente, se levarmos em consideração a sua formação acadêmica.

Assim sendo, consideramos importante conduzir a discussão sobre folclore e cultura popular,

para situarmos seus conceitos, e perceber, na medida do possível, seu posicionamento. Para

esse fim, é importante registrar a execução das entrevistas realizadas ao longo deste trabalho,

pois sem elas teria sido bem difícil verificar certos conceitos para este autor.

Ademais, analisamos uma das fontes mais comuns encontradas nos arquivos pessoais

ou em coleções dessa ordem, as cartas. Como o próprio Vicente Salles ressaltou, trata-se de

um documento primoroso, e que permite ao pesquisador ter em suas mãos um leque de

possibilidades. A partir das cartas pudemos confirmar algumas datas, alguns posicionamentos;

observamos o círculo intelectual com que Salles se correspondia, enfim, estávamos diante de

uma fonte “rica”, mas não menos “perigosa” de ser interpretada, pois muitos assuntos se

imiscuem ao pessoal, e muitas vezes podem ser tratados ao calor da emoção. Contudo, elas

permitiram analisar de forma única, a recepção do livro mais proeminente de Salles, O Negro

no Pará. Desse modo, procuramos sempre cruzar as informações com a análise da narrativa

de Vicente Salles, no sentido de dialogar com sentido político e cultural dos seus escritos.

Esperamos ter contribuído, com este estudo, para as discussões no campo da história

intelectual na Amazônia e no Brasil, a partir do estudo acerca de um dos intelectuais de maior

representatividade no Pará. Procuramos apresentar um texto que expusesse certa densidade na

análise da trajetória deste intelectual, assim como sua relevância para o campo da cultura e do

folclore. Dessa forma, foi também nosso objetivo atentar para as várias “identidades” que um

indivíduo pode apresentar ao longo do seu trajeto, pois aqui falamos do Salles folclorista,

historiador, pesquisador, funcionário público, pai, amigo, dentre muitas outras faces, mas

principalmente como um culturalista que mesmo “distante” da sua terra natal, empenhou-se

em desvendar a Amazônia ao longo de várias décadas até o presente.

123

FONTES UTILIZADAS

ENTREVISTAS:

Entrevistas concedidas à Karla Oliveto. In: OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles:trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em música. (Dissertação de Mestrado emMúsica). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

Entrevista concedida à Alessandra Mafra, através de carta em maio de 2010.

Entrevista concedida à Alessandra Mafra, em abril de 2011.

Entrevista concedida à Alessandra Mafra, em novembro de 2011.

Entrevista concedida à Alessandra Mafra, através de email em março de 2012.

DOCUMENTÁRIO:

O Negro no Pará, cinco décadas depois... Instituto de Artes do Pará - IAP, 2005.

FASCÍCULO DE JORNAL:

Personalidades Históricas: Bruno de Menezes. Fascículo do Jornal “Diário do Pará”, de08/10/2009.

AUTOBIOGRAFIA

SALLES, Vicente. Um retrospecto – memória. 2ª edição revista e ampliada. Brasília: Micro-Edição do Autor, 2007.

MUSEU DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - COLEÇÃO VICENTE SALLES -DOCUMENTAÇÃO SOCIOCULTURAL:

Correspondências Expedidas e Recebidas;

Curriculum Vitae (1986);

Material de Curso de Férias para Professores/Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Riode Janeiro: Julho de 1975;

Textos diversos mimeografados produzidos por Vicente Salles, como: (Uma (re)visão dofolclore, Bruno de Menezes era o folclore, Questionamento teórico do Folclore).

HEMEROTECA

Pastas utilizadas: “Vicente Salles”, “Negro”, “Música”, “História”, “Folclore”.

124

PERIÓDICOS

Coleção da Revista Brasileira de Folclore, editada pela Campanha de Defesa do FolcloreBrasileiro a partir de 1961. Do nº 01 ao nº 34.

JORNAIS:

Diário do Pará. Belém, 03 de março de 1996.

O Liberal. Belém, 12 de março de 1996.

A Província do Pará. Belém, 31 de maio 1998.

O Liberal. Belém, 3 a 10 de maio de 1988.

O Liberal. Belém, 01 de dezembro de 1988.

O Liberal. Belém, 04 de dezembro de 2011.

OBRAS:

SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. 2ª Ed. Brasília/Belém:Ministério da Cultura/Secretaria de Estado da Cultura/Fundação Cultural do Pará “TancredoNeves”, 1988.

SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. 3ª Ed. rev. ampl. - Belém:IAP; Programa Raízes, 2005.

SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. In: Revista Vozes, Rio de Janeiro,Out./1969, pp. 878-888.

SALLES, Vicente. A Música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura,1980.

SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem: esboço do pensamento político-revolucionáriono Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992.

SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: As bandas de música no Grão-Pará. Brasília:Edição do Autor, 1985.

VERGOLINO, Anaíza. O Negro no Pará, a notícia histórica. In: ROCQUE, Carlos.Antologia da Cultura Amazônica, vol. VI 1971, pp. 17-33.

VERGOLINO E SILVA, Anaíza. Alguns elementos para o estudo do negro na Amazônia.Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1958. (Publicações avulsas nº8).

FIGUEIREDO, Napoleão & VERGOLINO E SILVA, Anaíza. Alguns Elementos Novospara o estudo dos batuques em Belém. In. ATAS DO SIMPÓSIO DA BIOTAAMAZÔNICA. Rio de Janeiro, 1967. Vol. 2. Antropologia, pp, 101-122.

FIGUEIREDO, Napoleão. A Presença Africana na Amazônia. In: Revista Afro – Ásia.Salvador, UFBA, 1976, nº 12, pp.145-160.

125

GRAMSCI, Antônio. Sobre a democracia operária e outros textos. Lisboa: ULMEIRO, 1976.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Rio de Janeiro. Vitória. 1961 [1956]. 2vol.

JURANDIR, Dalcídio. Marajó. Romance. 2ª ed. Pref. de Fausto Cunha. Post-fácio de VicenteSalles. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1978. [1947].

126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro,1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999.

ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. X Encontro Regional deHistória - ANPUH - Rio de Janeiro - História e Biografias - Universidade do Estado do Riode Janeiro, 2002.

ALBUQUERQUE, Wlamira & FRAGA FILHO, Walter. Uma História do Negro no Brasil.Salvador. Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

ANDRADE, Mário. O Turista Aprendiz. São Paulo: Duas Cidades/Secretaria de Cultura,Ciência e Tecnologia, 1976.

ARAÚJO, Sônia Maria da Silva. José Veríssimo: vida, obra e personalidade. In: ARAÚJO,Sônia (Org.). José Veríssimo: Raça, Cultura e Educação. Belém: EDUFPA, 2007, pp. 19-69.

ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A Sociologia de Florestan Fernandes. TempoSocial. Revista de Sociologia da USP, v.22, n.1. junho, 2010, pp. 09-27.

BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade eintelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

BELLOTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo.T.A.Queiroz, 1991.

BENJAMIN, Walter. Desempacotando minha biblioteca. In: Rua de Mão Única, ObrasEscolhidas, vol. II. São Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 227-235.

BEZERRA NETO, José Maia. GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs). Terra Matura:historiografia e história social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002.

BEZERRA NETO, José Maia. Do vazio africano à presença negra. Historiografia, fontes ereferências sobre a escravidão africana na Amazônia. 2010. (mimeo).

BEZERRA NETO, José Maia. A presença Negra no Pará: Resenha de um trabalhopioneiro. In: Revista Estudos Amazônicos. Programa de Pós - Graduação em História Socialda Amazônia. Vol. III, nº1, 2008, pp. 167-172.

BLOM, Philipp. Ter e Manter: uma história intima de colecionadores e coleções. Rio deJaneiro: Record, 2003.

BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta deMoraes (Org.). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, pp.183-191.

_________________A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.

BOURDIEU, Pierre & CHARTIER, Roger. A leitura uma prática cultural. Debate entrePierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. SãoPaulo: Estação Liberdade, 1996, pp. 229-253.

127

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore? Editora: Brasiliense, 4ª edição. 1984.

BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Tradução: Denise Bottman. 2ª ed. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1989.

BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2008.

BURNS, E. Bradford. A Report from Brazil: Recent Publishing in Amazonas. Luso –Brazilian Review, vol. IV nº 01, June 1967, pp.111-116.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. BELLOTO, Heloísa Liberalli. (Coordenação).Dicionário de Terminologia Arquivística. São Paulo: Associação dos Arquivistas Brasileiros:Secretaria de Estado da Cultura, 1996.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: GuianaFrancesa e Pará, 1750-1817. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1984.

CARNEIRO, Edison. A Conquista da Amazônia. Ministério da Aviação e Obras Públicas/Serviço de Documentação. Coleção Mauá, 1956.

__________________. Dinâmica do Folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

CARVALHO, José Murilo de. História Intelectual no Brasil: a retórica como chave deleitura. Topoi, Rio de Janeiro, nº01, pp. 123-152.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro & VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão.Traçando Fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. EstudosHistóricos, Rio de Janeiro, vol.3, n.5, 1990, pp. 75-92.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Cultura Popular e SensibilidadeRomântica: as danças dramáticas de Mário de Andrade. RCBS, vol.19, nº 54, fev. 2004,pp.57-78.

CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995.

CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. RevistaEstudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 08, nº16, 1995, pp. 179-192.

CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

CHARTIER, Roger (Org.). História da Vida Privada, vol. 3: da Renascença ao Século das

Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel

(Tradução portuguesa, 1990).

COELHO, Marinilse. Memórias Literárias de Belém do Pará: O Grupo dos Novos (1946-1952). Tese de Doutorado. UNICAMP, 2003.

DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos, e outros episódios da história culturalfrancesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

128

DARTON, Robert. O Beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise

Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

DIAS, Antônio Maurício. Pesquisas Antropológicas Urbanas no “paraíso dosnaturalistas”. In: Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2009, v. 52, nº2, pp. 735-761.

DORTA, Sônia Ferraro. Coleções Etnográficas: 1650-1955. In: CUNHA, Manuela Carneiroda (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/SecretariaMunicipal de Cultura/FAPESP, 1992, pp. 501-528.

FALCON, Francisco. Pluralidade disciplinar e conceitual. Da história das idéias àhistória intelectual e/ou cultural, In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo(Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier,1997.FERREIRA, Antônio Celso. A Fonte Fecunda In: PINSKY, Carla Bassanezi & LUCA,Tânia de. O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, pp. 61-91.

FERREIRA, Leonardo da Costa. Memória, Política e Folclore na obra de Amadeu Amaral(1916 e 1928). Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em História daUniversidade Federal Fluminense, 2007.

FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Riode Janeiro: Record, 2004.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras Insulares: Leituras e formas da história nomodernismo brasileiro. In: CHALHOUB, Sidney, PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda(Orgs.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 301-331.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: uma história social da arte e daliteratura na Amazônia, 1908-1929. Tese de Doutorado, UNICAMP, São Paulo, 2001.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Arte, Literatura e Revolução: Bruno de Menezes,anarquista, 1913-1923. In: FONTES, Edilza & BEZERRA NETO, José Maia (Orgs.).Diálogos entre História, Literatura e Memória. Belém: Paka-Tatu, 2007, pp. 293-307.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelança, feitiçaria e religiõesafro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Quimera Amazônica: arte, mecenato e colecionismo emBelém do Pará, 1890-1910. In: CLIO – Revista de Pesquisa Histórica. Nº 28.1 (2010).Dossiê Memória, Narrativa, Política, pp. 71-93.

FIGUEIREDO, Napoleão. A Presença Africana na Amazônia. In: Revista Afro – Ásia.Salvador, UFBA, 1976, nº 12, pp. 145-160.

FONTES, Edilza Oliveira. BEZERRA NETO, José Maia (Orgs.). Diálogos entre história,literatura & memória. Belém: Paka-Tatu, 2007.

GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens: um estudo da vida religiosa do Itá, Baixo Amazonas.2ª Ed. São Paulo, Ed. Nacional; Brasília, INL, 1976 [1955].

129

GALVÃO, Walnice Nogueira & GOTLIB, Nádia Battella (Orgs.). Prezado senhor, prezada

senhora: estudo sobre cartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

GOMES, Ângela de Castro. Essa Gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo. Rio deJaneiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.

GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In:GOMES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro, FGV,2004, pp. 07-24.

______________________. Em família: a correspondência entre Oliveira Lima e

Gilberto Freyre. In: In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da História.

Rio de Janeiro: FGV, 2004, pp. 51-76.

GOMES, Ângela de Castro. Nas Malhas do Feitiço: O Historiador e os Encantos dosArquivos Privados. In: Revista Estudos Históricos. Vol. 11, nº21, 1998, pp. 121-127.

HERRERA, Antônio Urquízar. Colecionismo y Nobleza: signos de distinción social em LaAndalucía del Renascimento. Madrid: Marcial Pons, 2007.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. São Paulo:Companhia das Letras, 1995.

HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (Orgs). A Invenção das Tradições. Paz e Terra,1997.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

HUNT, Lynn. Apresentação: história, cultura e texto. In: A Nova História Cultural. SãoPaulo: Martins Fontes, 2001, pp. 01-29.

HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classes na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia dasLetras, 2007.

INOJOSA, Joaquim. Modernismo no Pará. In: ROCHA, Alonso et al. Bruno de Menezes oua sutileza da transição. Belém: CEJUP, 1994, pp. 109-133.

JOBIM, Anísio. A Intelectualidade no Extremo Norte: contribuições para a história daliteratura no Amazonas. Manaus: Livraria Clássica, 1934.

KNAUSS, Paulo. O Cavalete e a Paleta: arte e prática de colecionar no Brasil. In: Anaisdo Museu Histórico Nacional. Ministério da Cultura/IPHAN: Rio de Janeiro, 2001, vol.33.pp. 23-44.LACAPRA, Dominick. História e Romance. In: Revista de História. Campinas, 2(3),set./1991, pp. 107-124.

130

LACERDA, Sônia; KIRSCHNER, Tereza Cristina. Tradição Intelectual e EspaçoHistoriográfico ou Por que dar atenção aos textos clássicos. In: LOPES, Marcos Antônio.Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, pp. 25-39.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2003.

_______________. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes(Org.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, pp. 183-191.

LIMA, Luciano. Os Motins Políticos de um Ilustrado Liberal: História, Memória e Narrativana Amazônia em fins do século XIX. Dissertação de Mestrado – PPHIST/UFPA, 2010.

LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminhos. Duas Cidades: SãoPaulo, 1972.

LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: Pinsky, CarlaBassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, pp.111- 153.

MALATIAN, Teresa. Cartas: Narrador, registros e arquivos. In: PINSKY, CarlaBassanezi & LUCA, Tânia de. O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, pp.195-221.

MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra “invenção” da Amazônia: religiões, histórias,identidades. Belém: Edições CEJUP, 1999.

MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Folhetos em ordem na coleção Barbosa Machado. In:ALGRANTI, Leila Mezan & MEGIANI, Ana Paula (Orgs). O Império por Escrito: formas detransmissão da cultura letrada no mundo ibérico, séculos XVI – XIX. São Paulo: Alameda,2009, pp. 215-216.

MORAES, Cleodir da Conceição. O Pará em festa: política e cultura nas comemorações doSesquicentenário da “Adesão” (1973). Dissertação de Mestrado – PPHIST/UFPA, 2006.

MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio deJaneiro: Graal, 1978.

MOSCATELI, Renato. História Intelectual: a problemática da interpretação dos textos.In: LOPES, Marco Antônio (Org.). Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo:Contexto, 2003, pp. 48-59.

MOTT, Luiz. A propósito de três livros sobre o negro brasileiro. In: Revista de História,USP, nº 96, 1973.

NEVES, Margarida. Da Maloca do Tiete ao Império do Mato Virgem. Mario de Andrade:Roteiros e Descobrimentos. In: CHALHOUB, Sidney, PEREIRA, Leonardo Affonso deMiranda (Org.). A História contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 265-300.

OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa emmúsica. (Dissertação de Mestrado em Música). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

131

ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992.

PEREIRA, Manoel Nunes. A Introdução do Negro na Amazônia. In: Boletim Geográfico,

Rio de Janeiro, 1949, 7 (77): 509-515.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. O Negro na empresa colonial dos portugueses na Amazônia.

Lisboa: Papelaria Fernandes, 1961. 11 p. (Folheto).

REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEditor, 2000.

RÉMOND, René. Les intellectuels et la politique. In : Revue Française de SciencePolitique, 9(4), 1959.

RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é Folclore? Rio de Janeiro. Campanha de Defesado Folclore Brasileiro, 1969.

RICCI, Magda. Folclore, Literatura e História: a trajetória de Henrique Jorge Hurley. In:FONTES, Edilza Oliveira. BEZERRA NETO, José Maia. Diálogos entre história, literatura& memória. Belém: Paka-Tatu, 2007, pp. 309-328.

RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política brasileira: enterrar os anos 60? In: Intelectuais:Sociedade e Política. São Paulo: Cortez, 2003, pp. 197-212.

ROCHA, Alonso. Bruno de Menezes: traços biográficos. In: Bruno de Menezes ou asutileza da transição: Ensaios. Belém: CEJUP/Universidade Federal do Pará, 1994, pp. 07-36.

ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia. Belém: Amel, 1967.

RODEGHERO, Carla Simone. Contribuições para o estudo do anticomunismo sob oprisma da recepção. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org.). História Cultural:experiências de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, pp. 25-36.

ROLLEMBERG, Denise. Nômades, sedentários e metamorfoses: trajetória de vidas noexílio. In: REIS, Marcelo Ridenti et al. (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anosdepois (1964-2004). Bauru, São Paulo: Edusc, 2004, pp.277-296.

RUBINO, Silvana Barbosa. Rotas da Modernidade: trajetória, campo e história na atuaçãode Lina Bo Bardi, 1947-1968. Tese de Doutorado – UNICAMP, 2002.

RUBINO, Silvana. Clubes de pesquisadores: A Sociedade de Etnografia e Folclore e aSociedade de Sociologia. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. vol. 2,São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP, 1995, pp. 479-521.

SALLES, Vicente. Guajarina – Folheteria de Francisco Lopes. Revista Brasileira de Cultura.Ano II – jul./set. 1971, nº 09, pp. 87-102.

SALLES, Vicente. José Veríssimo e o Folclore. In: RBF, nº29, jan. a abr. 1971, pp. 85-102.

SALLES, Vicente. Repente e Cordel: Literatura popular em versos na Amazônia. PrêmioSílvio Romero 1981. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1985.

132

SALLES, Vicente. Edison Carneiro, e o folclore do negro. Edição do Autor: Brasília, 1990[1988].

SALLES, Vicente. Memória sobre a rede de dormir: que fazem as mulheres índias e negrasno Grão-Pará, conforme anotações de cronistas antigos e modernos Brasília: Micro – Ediçãodo autor, 1994.

SALLES, Vicente. Canções. [Ensaio Introdutório] Belém: Imprensa Oficial do estado, 1996.

SALLES, Vicente. Bibliografia Brasileira de Antônio Carlos Gomes. Belém: Prefeitura deBelém/Fundação Cultural do Município/FUMBEL, 1996.

SALLES, Vicente. Antônio de Pádua Carvalho, pioneiro dos estudos de folclore no Grão –Pará. Belém: Micro-Edição do Autor, 1996.

SALLES, Vicente. O Siso e o riso de Mestre Ângelus. Brasília: Micro-Edição do autor, 1998.

SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos/O folclore em facedo direito de autor. Brasília: Micro-Edição do Autor, 1999.

SALLES, Vicente. II Jornada do Conto Popular Paraense. Narrador: José Veríssimo.Brasília: Micro-Edição do Autor, 2000.

SALLES, Vicente. Contos Populares na área Amazônica. Trabalho apresentado no IIEncontro de Folclore da Paraíba, João Pessoa, Nov. de 1988, promovido pela UniversidadeFederal da Paraíba. Brasília: Micro-Edição do autor, 2000.

SALLES, Vicente. Marxismo, socialismo e os militantes excluídos. Belém: Paka – Tatu,2001.

_______________. Vocabulário Crioulo: contribuição do negro ao falar regionalamazônico. Belém: IAP – Programa Raízes, 2003.

_______________. O Negro na formação da sociedade paraense. Belém: Paka – Tatu, 2004.

_______________. A Modinha no Grão-Pará. Belém: IAP, 2004. [Acompanha o CDModinhas Paraenses da SECULT – PA].

_______________. Livro de Marena. Brasília: Thesauros, 2008.

_______________. Catálogo de obras. Rio de Janeiro: o autor, 2009.

SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Racismo e Racistas: trajetória do pensamento racista noBrasil. São Paulo: Humanistas/ FFLCH – USP, 2001.

SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2001.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racialno Brasil, 1870 -1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

133

SILVA, Anaíza Vergolino e. O Tambor das Flores: uma análise da Federação EspíritaUmbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Pará (1965-1975). Dissertação deMestrado/Programa de Pós-Graduação em Antropologia. UNICAMP, 1976.

SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da história intelectual: Entre questionamentos eperspectivas. Campinas, SP: Papirus, 2002.

SILVA, Caroline Fernandes. O moderno em aberto: O mundo das artes em Belém do Pará ea pintura de Antonieta Santos Feio. Programa de Pós-Graduação em História Social da UFF,2009.

SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política.2003, pp 231-269.

SOARES, Ana Lorym. Revista Brasileira de Folclore: intelectuais, folclore e políticasculturais (1961-1976). Dissertação de Mestrado: Pontifícia Universidade Católica do Rio deJaneiro. 2010.

SOUTO MAIOR, Mário. Dicionários de Folcloristas Brasileiros. Recife: 20-20Comunicação e Editora, 1999.STONE, Lawrence. O Ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velhahistória. In: Revista de História. Campinas, 2(3), set./1991, pp. 13-37.

THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Campinas, São Paulo:Editora da Unicamp, 2001.

THOMPSON, E. P. Os Românticos: A Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2002.

VERÍSSIMO, José. Estudos Brasileiros. 1ª série (1877-1885). Belém: Tavares Cardoso, 1889.

WHITE, Hayden. A questão da narrativa na teoria histórica contemporânea. In:NOVAIS, Fernando A. & SILVA, Rogério Forastiere da (Orgs.). Nova história emperspectiva. São Paulo: Cosac Naify, 2011, pp. 438-483.

134

ANEXOS

135

ANEXO 01

LISTAGEM DAS OBRAS PUBLICADAS PELO AUTOR331

O Exilado do Rancho Fundo (a vida e a obra, em pequena dimensão, do poeta AntônioTavernard). Prêmio Carlos Nascimento da Academia Paraense de Letras. Belém: APL, 1960.

Música e Músicos do Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1970.

O Negro no Pará, sob o regime da escravidão. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas emconvênio com a Universidade Federal do Pará, 1971. [2ª edição] Belém: CEJUP/FundaçãoCultural do Pará – Tancredo Neves, 1988.

A Música e o Tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.

Santarém: uma oferenda musical. Belém: UFPA / Imp. Universitária, 1981.

Paulino Chaves (Centenário do pianista e compositor). Belém: Conselho Estadual de Cultura,1983.

Bibliografia analítica do artesanato brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacionaldo Folclore, 1984.

Sociedades de Euterpe. As bandas de músicas no Grão-Pará. Brasília: Edição do autor, 1985.

Repente e Cordel. Literatura popular em versos na Amazônia. Prêmio Sílvio Romero 1981.Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1985.

Memorial da Cabanagem. Esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará.Prêmio Osvaldo Orico, da Academia Brasileira de Letras 1993. Belém: CEJUP, 1992.

Épocas do teatro no Grão-Pará ou introdução ao teatro de época. Belém: UFPA/ImprensaUniversitária, 1994. 2vol.

Waldemar Henrique – Canções. [Ensaio introdutório] Belém: Imprensa Oficial do Estado,1996.

Bibliografia Brasileira de Antônio Carlos Gomes. Belém: Prefeitura de Belém/FundaçãoCultural do Município/FUMBEL, 1996.

A. Carlos Gomes, os compositores do Pará. Belém: Prefeitura Municipal de Belém/FundaçãoCultural do Município/FUMBEL, 1996.

Zé Vicente – Poeta popular. São Paulo: Hedra, 2000.

Marxismo, socialismo e os militantes excluídos. Belém: Paka-Tatu, 2001.

331 Procuramos apresentar neste anexo a listagem que o próprio Vicente Salles expôs em sua Micro-Edição Umretrospecto – memória, feita em 2004, e com 3ª tiragem atualizada em 2007. Porém, faz-se necessárioapresentarmos a inclusão de algumas obras que foram lançadas no período de 2005 a 2010, ou seja, as quatroúltimas obras foram por nós adicionadas.

136

Música e Músicos do Pará. 2ª ed. Corrigida e ampliada. Brasília: Micro-Edição do autor,2002. [10 exemplares encadernados e destinados a bibliotecas públicas especializadas na áreada música].

Vocabulário Crioulo: contribuição do negro ao falar regional amazônico. Belém: IAP –Programa Raízes, 2003.

O Negro na formação da sociedade paraense. Belém: Paka-Tatu, 2004.

A Modinha no Grão-Pará. Belém: IAP, 2004. [Acompanha o CD Modinhas Paraenses daSECULT – PA]

Maestro Gama Malcher – a figura humana e artística do compositor paraense. Belém:Editora Universitária – UFPA; Secult – PA, 2005.

Livro de Marena. Brasília: Thesauros, 2008.

Catálogo de obras. Rio de Janeiro: o autor, 2009.

Marcos Salles, uma vida. Brasília: Thesauros, 2010. (Esta em parceria com Marena Salles).

Estórias do Eldorado nos tempos calamitosos da devastação contadas pelo Cidadão-de-arco-e-flexa e escritas pelo folclorista e historiador Vicente Salles. Brasília: Thesauros, 2010.

137

ANEXO 02

CAPA DA MAIS RECENTE MICRO-EDIÇÃO DO AUTOR

138

ANEXO 03

CRONOLOGIA (VICENTE SALLES)

27/11/1931 - Nasce Vicente Juarimbu Salles, em Igarapé – Açu, no interior do Estado doPará, filho de Clóvis de Melo Salles e Maria Cristina Salles.

1934 a 1935 - Morou em Anhangá (atualmente, São Francisco do Pará), que na época eradistrito de Castanhal.

1937- Transfere-se para Castanhal, cidade localizada a cerca de 70K de Belém, onde fazseu curso primário.

1946 - Muda-se com a família para Belém, onde morou até 1954.

1952- Contribuiu com o suplemento literário do jornal O Estado do Pará, até o ano de1954.

1953 - Encontrou vasta documentação no lixo, retirado das velhas salas do Teatro da Paz,em Belém, tornando-o o maior pesquisador da história da música no Pará.

1954 - Em janeiro, iniciou uma peregrinação pelo interior do Pará pesquisando Em junhode 1954, conheceu o Antropólogo Edison Carneiro, por intermédio do poeta paraenseBruno de Menezes. Mudou-se para o Rio de Janeiro nesse mesmo ano.

1958 - Realizou a sua “primeira” pesquisa de campo pelo interior do Pará, e ingressa naentão criada Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro – CDFB.

1960 - Ganha o prêmio “Carlos Nascimento” da Academia Paraense de Letras, com oensaio O Exilado do Rancho Fundo: a vida e a obra em pequena dimensão, do poetaAntônio Tavernard.Foi assistente de Edison Carneiro em pesquisas de campo, até 1964.

1961/1972 - Chefe da Secção e Documentação e Publicações da CDFB. Neste período,também foi Redator, Secretário, Redator-Chefe da RBF.

1963 - Foi redator de programas radiofônicos na Rádio MEC, até o ano de 1964.

1965 - Casa-se com Marena Isdebski, filha de Marcos Salles e Anna Katarina Isdebski.

1966 - Forma-se em Ciências Sociais pela Universidade do Brasil

1970 - Nasce o primeiro filho do casal, Marcelo Isdebski Salles. É lançado o livro Musicae Músicos do Pará, pelo Conselho Estadual de Cultura.

1971 - Foi eleito membro do Conselho de Música popular do Museu da Imagem e doSom/Rio de Janeiro, sucedendo a escritora Eneida de Moraes. Neste ano, também,desempenhou atividades de professor da disciplina “Cultura Popular” no Instituto Villa-Lobos, onde permaneceu até 1973. Ministra aulas da disciplina “Folclore”.

1971 - Publica sua obra O Negro no Pará, através de um convênio entre a Universidade doPará e a Fundação Getúlio Vargas.

139

1972 - Ingressa no Conselho Federal de Cultura, onde permanece até 1975

1973 - Nasce a filha Mariana Isdebski Salles.

1974 - Nasce a segunda filha do casal, Márcia Isdebski Salles.

1976 - Integra a comissão de estudos da instituição da FUNART

1977 - Membro do Conselho da Fundação Cultural do Distrito Federal

1978 - Torna-se membro do conselho do SPHAN.

1979 - Torna-se representante do MEC no Programa Nacional de Desenvolvimento doArtesanato/Ministério do Trabalho.

1980 - Lança o livro A Música e o Tempo no Grão – Pará, também, pelo ConselhoEstadual de Cultura.

1981 - É publicado o livro Santarém: uma oferenda musical.

1983 - Publica pelo Conselho Estadual de Cultura: Paulino Chaves (Centenário dopianista e compositor).

1984 - Neste ano publica a Bibliografia Analítica do Artesanato Brasileiro.

1985 - É lançado o livro Repente e Cordel: literatura popular em versos na Amazônia eSociedade de Euterpe: As bandas de música no Grão-Pará.

1988 - Vicente Salles lança a segunda edição de O Negro no Pará.

1992 - Memorial da Cabanagem: esboço do pensamento político-revolucionário no GrãoPará.

1994 - É lançado o livro Épocas do Teatro no Grão-Pará ou Introdução ao Teatro deÉpoca.

1996 - Vicente Salles é nomeado membro do Conselho Estadual de Cultura. É convidadopela Universidade Federal do Pará para dirigir o museu da mesma Universidade. Nestemesmo ano lança mais três obras: Waldemar Henrique – Canções [Ensaio Introdutório];Bibliografia Brasileira de Antônio Carlos Gomes; A Carlos Gomes, os compositores doPará.

2000 - Lança o livro Zé Vicente - Poeta Popular.

2001 - Publica Marxismo, Socialismo e os Militantes Excluídos.

2002 - A Universidade da Amazônia concede o título de Doutor Honoris Causa a VicenteSalles.

2003 - Publicação do livro Vocabulário Crioulo.

2004 - Lança dois livros: O Negro na formação da sociedade paraense e A Modinha noGrão-Pará.

2005 - Chega ao público o livro sobre o Maestro Gama Malcher.

140

2008 - Apresenta ao público o seu lado poético, publicando o Livro de Marena, compoemas feitos em Belém e no Rio de Janeiro.

2009 - É publicado seu Catálogo de Obras.

2010 - Este ano é bastante movimentado em publicações para Salles. Ele lança: MarcosSalles, uma vida; Estórias do Eldorado nos tempos calamitosos da devastação contadapelo Cidadão-de-arco-e-flexa e escrita pelo folclorista e historiador Vicente Salles.

2011 - É concedido o título de Doutor Honoris Causa a Vicente Salles pela UniversidadeFederal do Pará.

141

ANEXO 04

NOTAS DE PESQUISA PARA O NEGRO NO PARÁ I (1964)

FONTE: COLEÇÃO VICENTE SALLES

142

ANEXO 05

NOTAS DE PESQUISA PARA O NEGRO NO PARÁ II (1964)

FONTE: COLEÇÃO VICENTE SALLES

143

ANEXO 06

NOTAS DE PESQUISA PARA O NEGRO NO PARÁ III (1964)

FONTE: COLEÇÃO VICENTE SALLES


Recommended