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SENTIDOS DO OUTRO LADO: Percepção da Mensagem de Notícias do Telejornal Local de TV Aberta...

Date post: 28-Jan-2023
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21/7/2014 REVISTA VIRTUAL DE CULTURA SURDA E DIVERSIDADE http://www.editora-arara-azul.com.br/revista/02/compar2.php 1/23 SENTIDOS DO OUTRO LADO: Percepção da Mensagem de Notícias do Telejornal Local de TV Aberta “Jornal do 10” por Sujeitos Surdos SENSES FROM THE OTHER SIDE: Deaf subjects’ perception from the news’ message of the local open TV newscast program called “Jornal do 10” Por SAULO XAVIER DE SOUZA RESUMO: Neste artigo, apresento o resumo de uma pesquisa que pretendeu identificar como um grupo de sujeitos surdos da cidade de Fortaleza-CE, Brasil, percebe o conteúdo das mensagens de notícias do telejornal local de TV aberta Jornal do 10, quando há e quando não há ferramentas inclusivas. O uso da pesquisa de campo com observação direta, da entrevista coletiva e da aplicação de questionários perceptuais acerca das mensagens dos conteúdos exibidos no telejornal constituiu o método. Os resultados foram divididos em dois grupos: grupo 01, com as percepções dos sujeitos em relação ao conteúdo exibido sem interpretação para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e grupo 02, com relatos perceptuais dos surdos sobre os produtos exibidos com tradução simultânea em Libras. Algumas categorias emergiram durante a pesquisa de campo, sendo que, no grupo 01, verifiquei que apareceram: confabulação, divergência dos discursos, descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional, informação truncada. No grupo 02, surgiram: concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos, indignação, exatidão da informação, unicidade do discurso e maior propriedade nas opiniões. Então, concluí que, entender os sentidos do outro lado, é uma ferramenta que podemos usar, enquanto jornalistas, para compreender o alcance da mensagem dos textos produzidos, humanizando nosso trabalho e enxergando o outro, o telespectador de nossos produtos, para evitar que a TV apareça destruída ou inacessível aos múltiplos públicos que fazem parte da audiência. PALAVRAS-CHAVES: Surdos, percepção, notícias, telejornalismo. ABSTRACT: on this article, I present the summary of a research that had intended to identify how a group of deaf subjects from the city of Fortaleza-CE-Brazil, perceives the contents of the messages from the news of the local open TV newscast program called Jornal do 10, when there are and are not inclusive tools. The usage of the in-field survey with direct observation, collective interview and application of perceptual questionnaires about the messages from the exhibited contents on the newscast TV program quoted, used to be the method. The results were divided in two groups: group 01, with the subjects’ perceptions related to the content shown without the interpretation for the Brazilian Signs Language (Libras) and group 02, with perceptual reports from the deaf ones about the products exhibited with simultaneous translation in Libras. Some categories had emerged during the in-field survey, so that, in group 01, I’ve verified that appeared:confabulation, discourses divergence, displeasure and angry in front of the absence of communicational accessibility and fragmented information. In other hand, in group 02 appeared: concatenation of the ideas into the subjects’ discourses, indignation, information’s exactness, unity of the discourses and more property in the opinions. In conclusion, I found that understanding the senses from the other side is an important tool that, as journalists, we can use to understand the reach of the message from our texts produced, humanizing our daily work and seeing the other, the televiewers of our products, to avoid that TV appears destroyed and inaccessible to multiple publics that are constituent of the audience. KEYWORDS: deaf ones, perception, news, telejournalism. 1. INTRODUÇÃO
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21/7/2014 REVISTA VIRTUAL DE CULTURA SURDA E DIVERSIDADE

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SENTIDOS DO OUTRO LADO: Percepção da Mensagem de Notícias do Telejornal Localde TV Aberta “Jornal do 10” por Sujeitos Surdos

SENSES FROM THE OTHER SIDE: Deaf subjects’ perception from the news’ messageof the local open TV newscast program called “Jornal do 10”

Por SAULO XAVIER DE SOUZA

RESUMO: Neste artigo, apresento o resumo de uma pesquisa que pretendeu identificarcomo um grupo de sujeitos surdos da cidade de Fortaleza-CE, Brasil, percebe o conteúdodas mensagens de notícias do telejornal local de TV aberta Jornal do 10, quando há equando não há ferramentas inclusivas. O uso da pesquisa de campo com observaçãodireta, da entrevista coletiva e da aplicação de questionários perceptuais acerca dasmensagens dos conteúdos exibidos no telejornal constituiu o método. Os resultados foramdivididos em dois grupos: grupo 01, com as percepções dos sujeitos em relação aoconteúdo exibido sem interpretação para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e grupo 02,com relatos perceptuais dos surdos sobre os produtos exibidos com tradução simultâneaem Libras. Algumas categorias emergiram durante a pesquisa de campo, sendo que, nogrupo 01, verifiquei que apareceram: confabulação, divergência dos discursos,descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional, informaçãotruncada. No grupo 02, surgiram: concatenação das idéias dentro dos discursos dossujeitos, indignação, exatidão da informação, unicidade do discurso e maior propriedade nasopiniões. Então, concluí que, entender os sentidos do outro lado, é uma ferramenta quepodemos usar, enquanto jornalistas, para compreender o alcance da mensagem dos textosproduzidos, humanizando nosso trabalho e enxergando o outro, o telespectador de nossosprodutos, para evitar que a TV apareça destruída ou inacessível aos múltiplos públicos quefazem parte da audiência.PALAVRAS-CHAVES: Surdos, percepção, notícias, telejornalismo.

ABSTRACT: on this article, I present the summary of a research that had intended toidentify how a group of deaf subjects from the city of Fortaleza-CE-Brazil, perceives thecontents of the messages from the news of the local open TV newscast program calledJornal do 10, when there are and are not inclusive tools. The usage of the in-field surveywith direct observation, collective interview and application of perceptual questionnairesabout the messages from the exhibited contents on the newscast TV program quoted,used to be the method. The results were divided in two groups: group 01, with thesubjects’ perceptions related to the content shown without the interpretation for theBrazilian Signs Language (Libras) and group 02, with perceptual reports from the deaf onesabout the products exhibited with simultaneous translation in Libras. Some categories hademerged during the in-field survey, so that, in group 01, I’ve verified thatappeared:confabulation, discourses divergence, displeasure and angry in front of theabsence of communicational accessibility and fragmented information. In other hand, ingroup 02 appeared: concatenation of the ideas into the subjects’ discourses, indignation,information’s exactness, unity of the discourses and more property in the opinions. Inconclusion, I found that understanding the senses from the other side is an important toolthat, as journalists, we can use to understand the reach of the message from our texts

produced, humanizing our daily work and seeing the other, the televiewers of our products,to avoid that TV appears destroyed and inaccessible to multiple publics that areconstituent of the audience.KEYWORDS: deaf ones, perception, news, telejournalism.

1. INTRODUÇÃO

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Nos últimos anos, como fruto do relacionamento oriundo da presença da TV na sociedade,todos temos visto acontecer uma segmentação de vários públicos do outro lado da “tela”,na audiência, nos quais estão inclusos os sujeitos surdos que, até possuem televisão, mas,na maioria das vezes, não conseguem obter informações importantes (ZOVICO, 2003). Logo, é importante investigar, por exemplo, como sujeitos surdos de Fortaleza / Brasilpercebem aquilo que assistem em telejornais locais de TV aberta. Segundo BRETAS inCAMPELLO e CALDEIRA et al (2005: 97) “o termo TV aberta designa genericamente asemissoras cujos sinais não são codificados, tornando-os assim disponíveis para o públicoem geral”.

Não se sabe exatamente o número de sujeitos surdos residentes na cidade de Fortaleza,mas pode-se calculá-lo aproximadamente. Segundo informações do Escritório Regional noCeará da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis-CE), em 2005,o número total de deficientes de Fortaleza correspondia a, aproximadamente, 30 milhabitantes. Calculando-se que os surdos devem corresponder a 0,5% dessa população, onúmero de indivíduos com surdez nessa cidade, naquela época, girava em torno de quatroa cinco mil habitantes.

Alternativas inclusivas dessa audiência, como o uso de legendas ocultas, tambémconhecidas por closed caption e a participação de Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais(Libras) têm acontecido de maneira isolada, como em alguns programas da Rede Globo e doSBT. No caso brasileiro, os intérpretes são profissionais ouvintes bilíngües que dominam oPortuguês na modalidade oral e a Língua Brasileira de Sinais – Libras (ROSA, 2003). Nestapesquisa, escolhi para efeito de análise a alternativa inclusiva sócio-audiovisual datradução simultânea em Línguas de Sinais (LS) através de um intérprete.

Na capital cearense, as pessoas surdas tiveram uma oportunidade de experimentar ainclusão audiovisual, mediante a emissora local do SBT – TV Jangadeiro – que permitiuaparticipação de intérpretes em um de seus programas. Esse episódio aconteceu duranteo Debate Político da TV Jangadeiro entre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza, duranteo 2º Turno das Eleições de 2004, em que foi permitida a participação de intérpretesprofissionais de Língua Brasileira de Sinais (Libras), proporcionando a inclusão audiovisual daaudiência surda e configurando um marco significativo na história política do Estado.

Nesse contexto, esta pesquisa objetivou:

Verificar como sujeitos surdos percebem a mensagem de notícias do telejornal localde TV aberta “Jornal do 10”, quando há e quando não há uma ferramenta específicade inclusão audiovisual;Analisar as relações entre Língua Portuguesa (modalidade oral), Libras e linguagemaudiovisual, de forma que seja esclarecida a maneira como é veiculado o conteúdo damensagem da informação jornalística pela TV às pessoas surdas;Investigar como a cultura e a identidade surdas configuram a percepção, por partedos sujeitos surdos, da mensagem do conteúdo da informação jornalística veiculadanas notícias de TV com vistas a caracterizar a singularidade desse segmento daaudiência televisiva;E ainda, observar o comportamento dos sujeitos surdos diante da exibição de notíciasem telejornais locais a fim de apreender características desse grupo social daaudiência televisiva.

Diante disso, chamei este trabalho de “Sentidos do Outro Lado” por acreditar que ossujeitos surdos telespectadores também são alvo dos sentidos midiáticos e podem produzirsignificados a partir do que vêem nos telejornais.

Esclareço que esse artigo é um resumo da pesquisa que desenvolvi para a conclusão domeu curso de graduação em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza-CE (Unifor), a qualrealizei entre Agosto e Dezembro de 2005 e traz uma abordagem cujo foco está na análisedas percepções dos sujeitos surdos entrevistados e não meramente nas minhas impressõespessoais enquanto pesquisador e tradutor-intérprete de Língua de Sinais.

2. REFLEXÕES TEÓRICAS

2.1. O Telejornalismo e a segmentação de públicos “Vi, sim! Deu na TV.” Muitas vezes, só acreditamos que uma notícia é real, que um fatoaconteceu de verdade, quando acompanhamos pela televisão informações sobre o assunto.

A televisão ocupa um lugar privilegiado dentro dos meios de comunicação de massa (MCM). Esse privilégio acontece em vários países do mundo e, mesmo dividindo a atenção dopúblico com o rádio, o jornal, o cinema e a internet, a TV permanece sendo escolhida comoum dos meios mais fiéis de acesso à informação. Segundo REZENDE (2000: 23), “no caso

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brasileiro, a TV (...) desfruta de um prestígio tão considerável que assume a condição deúnica via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da população”. O conteúdo jornalístico das notícias veiculadas pela televisão propõe aos telespectadoresuma escrita audiovisual da realidade. Os MCM são responsáveis por transformar os fatos eoutros eventos que se sucedem em notícias (SILVA, 1998). Esses meios transmitemsignificados que devem ser acessíveis ao público e, para isso, a mídia televisiva abordafatos reais e formata-os de um modo tal, que fiquem adequados à linguagem que usa parainformar os públicos.

A televisão aberta brasileira possui cerca de seis grandes redes e outras quatro menores,todas oferecendo um tipo específico de produto ou informação. Assim, considerando que,em média, dispomos de três produtos telejornalísticos em cada uma das grandes emissoras,teríamos cerca de 25 telejornais sendo oferecidos aos telespectadores, diariamente. Aoobservar os canais da TV aberta, observo que, em algumas redes, há mais produtostelejornalísticos que em outras, pois, ao compararmos as redes Rede TV, Record, SBT, TVCultura e Rede Globo, vemos que é essa última, a Rede Globo, a que mais apresentatelejornais. Incluindo a realidade local de Fortaleza, essa emissora oferece, todos os dias,sete exemplos desses produtos telejornalísticos.

Mas, norteada pela ditadura rígida do lucro, a televisão, bem como os programastelejornalísticos e a linguagem empregada pela TV, têm de se adaptar, na forma e noconteúdo, ao perfil do público a que se dirige. Tudo isso, seguindo uma lógica em que, umamaior audiência, resulta em um faturamento publicitário com mais lucros e gera umarentabilidade mais efetiva às redes de televisão. Esse modelo termina sacrificando o viéscidadão do telespectador e acaba exaltando o lado consumidor, que é, por fim, a base detoda a operação mercadológica em torno da mídia audiovisual (REZENDE, 2000).

Uma empresa de televisão funciona como qualquer outra instituição de caráter comercial,tendo como pauta, a maximização dos lucros. Seus principais produtos são as mensagens,textos e uma variedade de conteúdos apresentados de forma audiovisual, mas, a TV sóexpõe ao público o que lhe interessa.

Segundo essa ótica mercantilista, os textos encontrados nos discursos televisivosfuncionam como mercadorias que, como qualquer produto pronto para ser vendido,disputam um lugar no mercado. É a necessidade de aceitação do público e de audiênciaque sustenta a obtenção dos patrocínios, que são os financiadores das atividadesgeradoras dos produtos televisivos, dentre os quais, encontram-se inseridos ostelejornalísticos (DUARTE, 2004).

Além disso, quando se considera a produção telejornalística no Brasil, noto que é aí, naveia jornalística do meio televisivo, que se encontra a faceta responsável pela tentativa dealcançar, ao mesmo tempo, os vários milhões de brasileiros com informações plurais emtempo real. Dessa forma, cria-se um espaço favorável para o desenvolvimento de umarelação de proximidade entre o conteúdo informativo veiculado, os profissionaisresponsáveis pela comunicação dessas mensagens e o próprio público que vai estar dooutro lado da tela consumindo o material produzido. Nesse espaço, compreendo que cabeao público decidir se aceita ou rejeita a proposta informacional telejornalística que estásendo veiculada.

Em virtude da mentalidade mercadológica da mídia televisiva, a aproximação entre textos,mensagens, profissionais e públicos termina sendo intermediada pela tendência degeneralizar tudo em prol do maior alcance em menor tempo. De acordo com essa idéia,segue-se a concepção de que, mais de 150 milhões de pessoas, estariam, realmente,assistindo à mesma notícia, em todo o Brasil, ao mesmo tempo, não importa onde, nemquando, nem como. Esse compromisso de informar os brasileiros em tempo real termina porinterferir na produção do conteúdo midiático veiculado na TV, gerando uma informaçãomuitas vezes superficial e fincada no “espetáculo”.

Enquanto mídia, a TV oferece discursos à sociedade por meio de seus produtos,materializando-os em textos, os quais constituem seus próprios processos comunicativos.Seguir a fórmula em que há uma combinação de tons que suscitam reações emotivas, comuma produção telejornalística que aproveita bem imagens atrativas – geralmente sem realsignificância jornalística – conectando tudo isso a um conjunto de fatos noticiados, é umperigo à comunicação da mensagem televisual.

Porém, para analisar a relação entre notícia, audiência e mensagens telejornalísticas, deve-se atentar para outros elementos que influenciam a percepção do conteúdo dessa últimapor parte dos telespectadores (GUEDES, 1998: 110). Além disso, a língua materna dosujeito telespectador, a qual, enquanto modelo exemplar de código, atua comodirecionadora do raciocínio cognitivo da percepção da mensagem das notíciastelejornalísticas, também deve ser considerada como elemento pertencente a esse sistema

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simbólico (ECO, 2002).

Além da linguagem propriamente dita, a capacidade perceptual da mensagemtelejornalística é influenciada pelo segmento social da audiência, pela diversidade de grupossociais presentes na grande massa de audiência da televisão, inclusive na capital cearense. Atualmente, tem acontecido um processo de fragmentação considerável dos sujeitos dascamadas de audiência televisivas, como bem sustenta BARBERO e REY (2001) aodeclararem que programas criam audiências-modelo, que são muito mais do queespectadores fortuitos, pois, trata-se de grupos ou de tribos identificáveis, tanto por suaspreferências midiáticas, como por suas decisões vitais.

BARBERO e REY (2001) sugerem ainda que essa renovação dos públicos é seguida demodificações cognitivas, as quais, podem ser compreendidas como sendo as diferentesmaneiras de se interpretar e de se apropriar de um fato televisual e da respectivalocalização contextual no cotidiano dos próprios públicos. Além disso, o autor sugere que oaumento da produção de mensagens televisivas também pode estar acompanhado daelevação do número de formas de relacionamento dos públicos com esses conteúdos. Essesautores acreditam que as modificações cognitivas favorecem as diferentes interpretaçõesdas mensagens televisuais, suscitando verdadeiros exercícios do ver.

No entanto, “a interpretação do discurso produzido em condições particulares deenunciação (contextos específicos) é uma forma privilegiada de conhecer o sujeito”(GUEDES, 1998:111). Qualquer pesquisa sobre a percepção da mensagem de notícias pode,portanto, levar a conhecer melhor as necessidades específicas do público formado porsujeitos especiais, tais como os surdos, e mostrar, na prática, como é grande o alcancedaquilo que é jornalisticamente informado pela televisão à audiência.

A fragmentação da TV termina por suscitar um movimento de outras mediações que giramem torno da recepção televisiva, as quais, são percebidas como as diferentes instânciasculturais em que os públicos dessas mídias produzem e se apropriam dos significados esentidos do processo comunicativo (BARBERO e REY, 2001). Processo esse que éparticular e está diretamente ligado ao fato da televisão possuir uma mensagem própria. Para DUARTE (2004) esse processo se define como sendo a comunicação humana mediadapela mídia televisão e, enquanto tal, possui uma complexidade no tocante às instâncias deprodução e recepção com os sujeitos envolvidos, aos meios técnicos de produção,circulação e consumo de suas mensagens, bem como, no tocante às múltiplas linguagensque expressam o conteúdo televisivo, dentre outros aspectos.

Assim, é possível para um grupo social ter a liberdade de se apropriar dos significados e dossentidos dos processos comunicativos (BARBERO e REY, 2001). Também é possível haverinclusão social na mídia televisiva, pois, no campo da sociedade inclusiva, o principalenfoque é a diversidade humana, o que significa, no exemplo específico dos sujeitossurdos, ultrapassar desafios, vencendo-os, mesmo que sejam permanentes e apareçam desurpresa (ROSA, 2003).

Diante disso, acredito que já é possível encontrar abordagens dentro da própriacomunicação que apreciam a multiplicidade de culturas como um fator essencial para osurgimento de novas tendências – como o jornalismo comunitário participativo, a redaçãode notícias com linguagens mais coloquiais, os textos, hipertextos, dentre outros discursoscomunicativos da Internet – e até mesmo, para o amadurecimento social da práticatelejornalística.

2.2. O mundo das linguagens no discurso telejornalístico

Ao se tratar de telejornais, é importante considerar as linguagens que estão presentes nosdiscursos telejornalísticos. A esse respeito nos deparamos com várias vertentes ouabordagens. Uma delas, por exemplo, envolve a soberania da imagem sobre as palavras,em que, geralmente, encontramos profissionais da mídia televisiva concordando com a idéiado provérbio chinês que afirma que uma imagem vale muito mais que mil palavras. Nessaperspectiva, tratando-se de notícias telejornalísticas, há sempre uma tentativa de unir àimagem uma trilha sonora adequada juntamente com um texto que traduza exatamenteaquilo que está sendo transmitido de modo visual. Tudo isso da maneira mais curta e diretapossível. De outro lado, há um enfoque sobre linguagens em que não há soberania denenhuma das duas, pois, palavra e imagem, seguem juntas em prol da melhor comunicaçãodo fato ao telespectador, selando assim, uma espécie de parceria midiática informativa(REZENDE, 2000).

Parece não ser interessante assumir uma postura de extremos, visto que nem é só aimagem que expõe o fato, nem é apenas o texto que emite a informação telejornalística,nem é unicamente o som que comunica os acontecimentos. Pelo contrário, a combinaçãode cada elemento que pode ser utilizado para se comunicar uma notícia é o que realmente

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atua como aglutinador dos mecanismos de transmissão dos conteúdos jornalísticos.

Dessa forma, entendo que o pensamento minimalista que sombreia as produçõesjornalísticas daqueles que trabalham em TV termina por desencadear um empobrecimentoda apuração completa dos fatos. Esse processo começa desde o deadline (prazo final)típico da mídia televisiva. Na maioria das vezes o profissional de telejornalismo tem umgrande desafio cirúrgico nas mãos, pois, diante de um grande acontecimento, ele tem quefiltrar toda a avalanche de informações que chega até ele em um curto espaço de tempo.

Após essa “filtração”, ele começa a indicar a captura de imagens, sons, fazer a redação dotexto e se preparar para a gravação da passagem, do OFF e de uma proposta de “cabeçada matéria”. Gravação da passagem é o momento em que o repórter de TV faz a leitura deum texto tendo sua própria imagem exibida no vídeo e isso faz uma ligação entre o início eo término do conteúdo do produto telejornalístico que está sendo exibido.

De acordo com BARBEIRO e LIMA (2002: 195), gravação do OFF consiste em “gravar otexto de uma reportagem na fita magnética, sobre o qual, posteriormente, serão inscritasimagens relativas àquela reportagem”. Já a proposta de cabeça da matéria se definecomo sendo a redação textual que é “lida pelo apresentador e dá o gancho da matéria”(BARBEIRO e LIMA, 2002: 193). Durante todo esse processo a informação é picotada deuma forma tal que a notícia chega a ser repassada de um modo tão enxuto que quase nãosuscita uma reflexão crítica no telespectador.

É desse procedimento que vejo surgir as notícias-espetáculo que protagonizam o estiloshow de telejornalismo, em que os fatos são anunciados tais como trailers de um filmesobre acontecimentos cotidianos da sociedade. “Como a maioria dos jornais brasileiros, atelevisão embarcou no “espírito hollywoodiano” proposto pelos norte-americanos...”(ZANCHETTA, 2004: 116). PATERNOSTRO (1999) ressalta que, sempre que o jornalista forescrever para a TV, ele deve lembrar que vai estar contando uma história para alguém,como se estivesse conversando com essa pessoa. É para ela que vai transmitir suasinformações. Com essa idéia na cabeça, sgundo essa autora, fica mais fácil escrever umtexto que dever ser assimilado, instantaneamente, por milhões de telespectadores.

As notícias telejornalísticas são, muitas vezes, governadas pelo pensamento: usarlinguagem coloquial para obter uma percepção mais rápida por parte do telespectador. Essaprática que “enxuga” o conteúdo dos textos jornalísticos de TV, geralmente, é influenciadapela pressão de ter de escrever e enunciar um único texto que seja absorvido por mais de150 milhões de pessoas ao mesmo tempo em todo o país. Afinal, a informação, mesmosendo gravada – como no caso das reportagens, dos stand ups, dos teasers e daescalada, dentre outros itens dos telejornais – é transmitida ao vivo e precisa serabsorvida da melhor maneira possível por uma audiência tão grande.

É relevante ressaltar o cuidado com as estratégias técnicas no instante de se produzir umtexto noticioso telejornalístico, pois há uma disputa pacífica entre palavra e imagemdurante a veiculação de um telejornal. Linguagens verbal e não-verbal se encontram,concomitantemente, durante a exibição das notícias de TV. Acredito que esse encontroaconteça, visto que, em algumas reportagens, depara-se mais com a presença delinguagens visuais, não verbais, artísticas, estéticas, poéticas... que com a de grandesblocos de textos lidos em OFF pelo narrador – repórter, apresentador ou âncora.

Atualmente, manuais de telejornalismo defendem a prática de deixar a imagem falar por si,de fazer de tudo para formatar e editar uma reportagem com uma seqüência lógica deimagens que, sem texto, sejam absolutamente compreensíveis. Para PATERNOSTRO(1999), quando existe uma imagem forte de um acontecimento, essa leva vantagem sobreas palavras e é suficiente para transmitir, ao mesmo tempo, informação e emoção.

Paradoxalmente, do mesmo modo, os mesmos manuais defendem que o repórter, ouqualquer outro profissional que trabalha com redação de textos para a TV, deve ter todoum cuidado técnico durante a escrita, com o intuito de sempre lembrar que o texto deveser rapidamente compreendido e apreendido pelo telespectador, bem como, deve estarfielmente casado com as imagens exibidas na notícia, lembrando da premissa que versa quea imagem naturalmente faz parte da TV e, em telejornalismo, precisamos casar essaimagem com a informação (PATERNOSTRO, 1999).

Isso me remete ao fato concreto de que existem várias técnicas que podem ser utilizadaspara incrementar os textos e até mesmo as linguagens que emanam das notíciastelevisivas, como por exemplo: escrever o texto levando em consideração que deve serentendido por vários milhares de telespectadores ao mesmo tempo, ler em voz alta o textoque está sendo produzido no momento da redação do mesmo para checar a sonorização ea leitura desse último, usar palavras que emanam um grau discreto de coloquialismo notexto da notícia, dentre outras ferramentas que visam aproximar o telespectador das

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notícias telejornalísticas. (PATERNOSTRO, 1999).

No caso da linguagem verbal, os profissionais são incentivados a fazerem o uso de frasescurtas, claras, objetivas, com palavras simples escritas na ordem direta, assim como sãoestimulados a evitarem o uso de cacófatos, de ambigüidades, de figuras de linguagemarriscadas, de estrangeirismos, de clichês, dentre outros exemplos. Esses recursosestimulam os profissionais a produzirem textos cada vez mais claros e práticos para oentendimento do telespectador.

No que diz respeito à linguagem não-verbal, os profissionais são, muitas vezes, orientadosou levados a procurarem captar imagens que traduzam aquilo que está sendo visto nacena, no lugar da ocorrência do fato, como também, são incentivados a olhar de modopanorâmico, humano, atento, a fim de perceber detalhes que componham a informaçãovisual de uma maneira que seja possível compreender o fato até mesmo sem nenhum texto. Escolher todo esse material não é uma tarefa fácil.

Por exemplo, em uma situação de guerra, em geral, o repórter é enviado para o local doconflito e deve fazer a produção de conteúdo telejornalístico que englobe tudo o que estáacontecendo em aproximadamente 1 minuto e 30 segundos de duração (1’30’’). Nessecaso, que imagens devem ser escolhidas? Corpos estirados no chão, bombas explodindo,tanques andando, soldados em combate, pessoas desesperadas correndo? Que texto deveser lido em OFF? Um texto humanizado ou um texto não tendencioso para revelar maisobjetividade? Que áudio deve ilustrar o conteúdo informado? Ambiente ou se deve escolheruma trilha sonora que mais se aproxima com a realidade do fato noticiado? São difíceisescolhas a serem feitas pelo profissional de TV e isso exige muito esforço, habilidade epoder de síntese. O objetivo final é levar à construção de notícias que exprimem arealidade dos acontecimentos para quem está assistindo em um tempo curtíssimo.

A partir desse exemplo, questiono como está sendo percebida a mensagem de notíciastelejornalísticas por uma audiência específica formada por pessoas que não escutam. Seráque, para elas, as imagens conseguem informar tudo o que está acontecendo na realidadelocal e global? Como se apresentam os telejornais a esse público específico de sujeitossurdos quando há e quando não há a disponibilidade dos conteúdos em Libras?

Diante disso, faço um convite à reflexão a partir do exemplo abaixo:

Você liga a TV e começa a assistir ao telejornal. Mas, no meio do programa, o telefonetoca e você precisa atender. Para ouvir o telefone, você tem que deixar a televisão semsom. Depois de atender a ligação, você não religa logo o som da TV porque querexperimentar como é assistir a uma notícia sem som algum. Daí, você assiste àquelaseqüência linear de imagens e, depois, liga o som para ouvir a nota pé do apresentador.

O que acontece? Muitas vezes, nós acreditamos que a reportagem estava falando de umassunto e, na verdade, falava de outro completamente diferente.

Por que será que isso ocorre?

ZANCHETTA (2004) propõe que um exercício simples como esse acima para mostrar oquanto as imagens televisivas são polissêmicas e necessitam de uma ancoragem verbal. Talancoragem, no exemplo dos surdos, é viabilizada por meio do código verbal espaço-visualdas Línguas de Sinais. Na verdade, as imagens televisuais contribuem muito pouco para adefinição do assunto abordado na TV, dentro do telejornal.

Dessa forma, no caso dos sujeitos surdos, em que existem apenas 5,7 milhões diante dosaproximadamente 165 milhões de outros brasileiros ouvintes, como seria transmitida ainformação telejornalística? É possível transmitir conteúdos telejornalísticos por meio de umcódigo espaço-visual sem afetar a linguagem não-verbal própria das notícias de TV a umpúblico específico que, só em Fortaleza, gira em torno de cinco a sete mil pessoas?

Ainda é incipiente o uso de alternativas de inclusão nos telejornais brasileiros. Além disso,quando se fala de inclusão, remete-se rapidamente ao fato de já estarem disponíveis aslegendas ocultas (closed caption) em vários telejornais da programação jornalística da TVbrasileira. Diante disso, REZENDE (2000: 29) afirma que:

a despeito do inegável poder expressivo das imagens, a palavra se impõe como suporteimprescindível do visual. Não somente a palavra falada, para milhões de telespectadores,mas também, a palavra escrita para os deficientes auditivos que, por meio de umdispositivo técnico, closed caption, explica o que as imagens dos fatos noticiados namaioria das vezes não conseguem esclarecer, por elas mesmas.

Não quero defender aqui que a palavra é soberana em relação à imagem ou que a imagem ésoberana em relação à palavra. Mas, diante do exemplo, posso ver que as imagens

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ocupam, na televisão, primeiramente, um papel referencial e explicativo ligado ao conteúdoda linguagem verbal. Às vezes informam pouco, servindo de ilustração ao verbal. Apenasem alguns poucos casos, informam mais que a palavra (ZANCHETTA, 2004).

Quando um surdo se coloca diante da TV para assistir a um telejornal e se depara com alegenda de closed caption, ele está assistindo a exibição dos fatos telejornalísticos em umcódigo lingüístico diferente daquele que normalmente utiliza. Alguns surdos fluentes tantoem Libras como em Língua Portuguesa comentam que as legendas auxiliam para mantê-losatentos diante da tela porque a informação está “correndo” diante de seus olhos. Tudobem, isso é fato e até há movimentos como o “Legenda Nacional – legenda para quem nãoouve, mas se emociona” que apóia e defende a inclusão desse recurso.

Porém, acredito que, a grande maioria dos surdos do nosso País, pode até entenderalgumas informações, mas, pelo fato de que há vários graus de fluência em Libras e LínguaPortuguesa entre esses que fazem parte dessa camada segmentada da audiênciatelevisiva, não se pode garantir que a percepção da mensagem dos fatos jornalísticos a eleexibidos será integral, mesmo com o suporte da linguagem não-verbal presente nas imagensexibidas nas notícias. Além disso, trago aqui neste artigo, uma pequena amostra dascontribuições de outros pesquisadores brasileiros que já têm identificado a ocorrência deuma defasagem da percepção plena da mensagem dos conteúdos telejornalísticos diante daexibição de códigos distintos (escrito X audiovisual) concomitantemente. Por isso, nointuito de investigar sobre algo ainda não explorado amplamente pelo mercadotelejornalístico, busquei experimentar uma análise cujo foco estaria na percepção damensagem de notícias com e sem a presença da Libras.

2.3. A percepção de notícias de TV por públicos surdos

Em linhas gerais, é possível definir a percepção como sendo o contato que o organismomantém com o ambiente ao redor, com o estado interno, bem como com o movimento.

No entanto, essa não se define apenas pelo contato com os objetos, mas também, pelocontato com os seus próprios estados internos, dentre outros aspectos. Além disso,também não é algo inerente aos seres humanos, pelo contrário, os animais, desde aquelescom constituição biológica mais simples até aqueles mais evoluídos, precisam estarconectados com eventos que os cercam para garantir a adaptação e a sobrevivência noambiente (DAY, 1972).

Nossos olhos e ouvidos podem capturar informações oriundas de fontes remotas. Essesdois órgãos sensoriais funcionam como radares, pois permitem fazer contato perceptualcom objetos situados a uma distância inalcançável, estendem-nos perceptualmente nomundo para além do contato de nossos outros receptores sensoriais – mãos e nariz – quetêm um limite geográfico de atuação. Tanto a visão como a audição, em geral, abremverdadeiras portas de um mundo que está longe do alcance de nossas mãos (SEKULER eBLAKE, 1994).

Nesse contexto, segundo PIMENTA (apud Salles et al, 2004: 39), a surdez deve serreconhecida como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da diversidadehumana, pois, ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte: é apenas diferente. Aindanesse raciocínio, STRANADOVÁ (2000) defende que, enquanto um dano orgânico, a surdezé algo imutável, mas não traz incômodo algum por si mesma. Segundo a autora, o queincomoda mesmo são as conseqüências dessa “deficiência” que se configuram emdesvantagens, diferentes em várias situações. Algumas são mínimas, outras sãoimportantes. Para ela, é impossível remover a deficiência, mas a inferioridade sim.

SACKS (2002: 15) afirma que “somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez (...)Ignorantes e indiferentes”. SÁ (2002) nos instiga quando afirma que qualquer pessoa quetenha conhecimento da comunidade surda sabe que a definição de surdez pelos surdospassa muito mais pela identidade grupal que por uma característica física que os faz“menos” ou “menores” que os ouvintes. Já para SALLES et al (2004), acabar com oparadigma da deficiência é observar as restrições dos dois grupos: surdos e ouvintes.

QUADROS (2002: 10) define os surdos como aqueles indivíduos que se identificam enquantosurdos. Segundo a autora, surdo é o sujeito que apreende o mundo por meio deexperiências visuais e tem o direito e a possibilidade de apropriar-se da língua brasileira desinais e da língua portuguesa, de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento e garantir otrânsito em diferentes contextos sociais e culturais.

STRNADOVÁ (2000) dispõe de um comentário particular em torno do que é ser surdoquando diz que para pessoas como ela, que não escutam desde a infância, responderàpergunta – “como é ser surdo?” – é tão difícil como ter uma resposta para a perguntacomo é viver. A surdez, segundo a autora, já se tornou parte dela mesma, pois acreditaque, assim como os ouvintes têm adversidades: “o surdo passa pelos mesmos problemas,

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acrescidos de dificuldades específicas. (...) Isso se repete sempre e em diferentesrelações” (STRNADOVÁ, 2000: 36).

DANESI (2001: 169) defende a idéia de que o sujeito surdo não deve ser visto como umapessoa deficiente. Pelo contrário, segundo ela, ele deve ser visto como “membro de umacomunidade lingüística diferente, com hábitos, valores próprios e com uma culturadiferente da comunidade ouvinte”. A autora defende que essa atitude de reconhecer aspotencialidades dos surdos de acordo com idéias sociais e antropológicas influencia nocrescimento da auto-estima do surdo, além de despertar nele a consciência de sua própriacondição de ser bilíngüe e bicultural, pertencendo a duas comunidades.

SEKULER e BLAKE (1994) acrescentam que nos sentiríamos vulneráveis se nos fosse negadoo acesso às informações captadas pelos sentidos sensoriais. Portanto, não é nadasurpreendente o fato de que a cegueira e a surdez – que consistem na perda dos sentidosdistantes – sejam consideradas devastadoras para o ser humano.

É exatamente essa sensação de insegurança que STRNADOVÁ (2000: 41-2) traz à tonaquando ela, que é surda, declara “de vez em quando, sinto falta do controle do ambienteno qual me encontro, através da audição. Não para complementar a realidade dosacontecimentos, mas para minha orientação e sensação de segurança(...)”.

De acordo com essa autora, em algumas situações específicas a surdez é uma diferençaque coloca os sujeitos em uma condição de inferioridade e isso requer dos surdos e surdasuma atenção redobrada em relação ao ambiente em que vivem, bem como, em relação àsações ou eventos pelos quais passam nesse mesmo ambiente.

A percepção dos sujeitos surdos é bastante acurada, visto que, em alguns aspectosperceptuais, esses sujeitos desenvolvem mais receptores ligados à visão e a outrosmecanismos sensoriais. Entre os que são usuários das línguas de sinais como ferramentade comunicação e expressão há uma espécie de fenômeno compensatório, em que há apredominância de uma orientação visual do mundo, bem como, o aumento da velocidade dereação a estímulos visuais (SACKS, 2002).

É na visão que está amparado o nosso senso de direção, a nossa noção de espaço,profundidade, distâncias, entre outras características físicas. Quando falamos sobrepercepção visual, percebemos que há uma grande variedade de campos perceptuais emtorno desse sentido sensorial, pois, cores, movimentos, formas e profundidade são algunselementos ligados à percepção visual.

No caso dos surdos, os campos perceptuais de movimentos, formas e cores são detalhesque se destacam. Normalmente, os sujeitos surdos são conhecidos por serem “pessoasvisuais”, ou seja, por serem surdos, parecem dispor de uma maior acuidade visual.

WRIGHT (apud SACKS, 2002: 113) ilustra bem essa realidade quando afirma:eu não percebo mais do que antes, porém percebo de um modo diferente. [...] Porexemplo, assim como alguém que espera impacientemente um amigo terminar uma conversatelefônica com outra pessoa sabe quando ela está prestes a terminar pelas palavras ditas epela entonação da voz, assim também um surdo (...) deduz o momento em que se fazem asdespedidas ou em que se formou a intenção de devolver o fone ao gancho. Ele nota amudança da mão que segura o instrumento, a mudança de postura, a cabeça afastando-seum milímetro do receptor, um ligeiro mexer dos pés e aquela alteração de expressão queindica uma decisão tomada. Isolado das pistas auditivas, ele aprende a ler os mais tênuesindícios visuais.

Os sujeitos surdos, na maioria dos casos, são consideravelmente prejudicados pelo fato denão conseguirem estar completamente ligados no ritmo do fluxo do discurso social que oscerca. Segundo SEKULER e BLAKE (1994), a análise perceptual do mundo passa a sersubstancialmente menor quando o indivíduo perde a audição.

Particularmente, acredito que os sujeitos surdos não são menos capazes de perceber oseventos que acontecem no mundo ao redor deles só porque não escutam. O que endossocomo algo coerente é o fato de que a limitação físico-sensorial causada pela surdez, namaioria das vezes, coloca essas pessoas em situações de inferioridade que são confundidascom deficiências cognitivas (STRNADOVÁ, 2000).

Diante disso, em uma pesquisa que fiz com surdos da Escola na qual trabalhava comoIntérprete Profissional de Língua de Sinais durante o mês de abril de 2005 sobre apercepção de quatro notícias do Jornal Nacional, notei que, quando as notícias sãotransmitidas com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), há umapercepção completamente diferente daquela que ocorre quando esse recurso não édisponibilizado.

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Com a presença da tradução em Libras, as notícias foram percebidas melhor pelos sujeitos,revelando opiniões concatenadas com o assunto da notícia. Já as notícias que não tiveramacompanhamento pela LS, tiveram sua apreensão afetada pela concepção pessoal de quecada sujeito possuía sobre a idéia do fato que estava sendo exibido visualmente. Porexemplo, uma notícia sobre explosão próxima a um gasoduto da Petrobrás na Bolívia foiassociada a uma guerra que estaria acontecendo naquele País.

Essa percepção acerca desse fato aconteceu assim, truncada, por não ter sido viabilizadaa informação na primeira língua dos sujeitos surdos telespectadores, e ainda, pelo fato dossujeitos investigados não serem fluentes o bastante em Língua Portuguesa paraacompanharem as legendas, bem como, não simpatizarem com esse mesme recurso, eainda pelo fato da seqüência de imagens não ter sido suficiente para informar, visualmente,o que tinha acontecido naquele país, visto que, foram mostradas uma imagem em planoparado do gasoduto com duração de apenas alguns segundos e, logo em seguida, umaimagem de um mapa da América do Sul destacando com caracteres textuais o país Bolívia ea capital La Paz, a qual permaneceu no ar durante o restante do tempo de exibição danotícia.

No caso dos surdos que assistiram a notícia e que, por exemplo, não tiveram a alternativada Libras, restou uma percepção superficial do fato, em que apenas sabiam que algo haviaacontecido na Bolívia, mas não sabiam precisar o fato com clareza, porque não tiveramacesso ao conteúdo verbal da notícia.

Assim, a linguagem audiovisual das informações telejornalísticas possui percepçõesdiferenciadas dependendo do público e da forma de emissão. Ou seja, se assistirmos a umareportagem telejornalística apenas ouvindo o áudio do conteúdo informado porque nomomento da exibição não pudemos acompanhar a TV, mas apenas pudemos ouví-la, vamoster uma percepção diferente daquela pessoa que ouviu e viu a mesma notícia.

A presença da televisão na sociedade e sua importância atual torna necessário oentendimento de que também se encontram do outro lado da “telinha”, na audiência,sujeitos surdos. ZOVICO, surdo congênito paulista declara que “muitos surdos possuemtelevisão, mas o maior problema é que não conseguem obter informações importantes (...)”(Zovico, 2003:22).

O telespectador surdo, muitas vezes, não consegue apreender simultaneamente o visualdas imagens e o texto das legendas de closed caption. Isso acontece com a maioria dossurdos brasileiros, que não têm vivências diárias profundas com a modalidade escrita daLíngua Portuguesa, visto que a Libras é o código lingüístico mais utilizado por eles(SANTIAGO, 2004).

No que concerne a mensagem televisiva, ECO (2002) acredita que a individuação do códigoe dos léxicos adequados é favorecida pelo contexto comunicativo em que é emitida amensagem. Ou seja, a aplicação da Libras como código lingüístico primordial de acesso aossurdos desde o processo comunicativo de emissão da notícia telejornalística, torna muitomais ágil e direta a percepção da mensagem por parte desses sujeitos.

Os manuais sobre TV afirmam que “toda vez que um telespectador ouve uma palavra ouuma frase, ela é processada e conectada – associada – a algo já conhecido. É ligada ourelacionada a alguma coisa que já está na memória dele” (PATERNOSTRO, 1999, p.78).Outros autores afirmam que “as imagens podem levar à síntese informativa, sobretudo seamparadas no texto verbal, mas também, contribuem para a dispersão das informações,dado o fluxo contínuo de cenas, recortadas e justapostas umas às outras”. (ZANCHETTA,2004, p.113).

Como a maioria dos telespectadores brasileiros é formada por ouvintes, é provável queexistam algumas barreiras comunicativas e lingüísticas que impedem os sujeitos surdos deterem uma percepção completa dos fatos veiculados na TV.

A falta de acessibilidade, visto que, as notícias são exibidas apenas em uma língua, odesconhecimento lingüístico da maioria dos ouvintes dos parâmetros ligados à Libras, odesconhecimento por parte dos surdos das regras ligadas à Língua Portuguesa, dentreoutros exemplos, podem se constituir como fatores que dificultam as relações entreouvintes e surdos.

Os intérpretes de línguas de sinais podem, a princípio, ser agentes importantes paraatenuar essas dificuldades. Segundo ROSA e DALLAN (apud ROSA, 2003: 237) o intérpreteé uma pessoa ouvinte bilíngüe que domina o português na modalidade oral e a Língua deSinais. Para QUADROS (2002) eles, além de ter esse duplo domínio lingüístico são aquelaspessoas que interpretam uma dada língua de sinais para outra língua, ou dessa outra línguapara uma determinada língua de sinais.

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Para a surda STRNADOVÁ (2000: 70) os intérpretes não são apenas os tradutores.Representam a ponte entre dois “mundos diferentes”, entre o mundo dos surdos e o mundodos ouvintes. Essa autora descreve bem o trabalho desses profissionais: intenso,simultâneo e bastante exaustivo, porém gratificante. Segundo ela, o intérprete avaliarapidamente toda a frase, prioriza o que o cliente quer dizer, muda a ordem das palavrasobedecendo à gramática da língua oral e, às vezes, interpreta um sinal que não pode sertraduzido por uma palavra apenas. Tudo isso, instantaneamente e, enquanto fala, prestaatenção nos sinais seguintes (STRNADOVÁ, 2000).

QUADROS (2002) expressa que o intérprete está totalmente envolvido na interaçãocomunicativa, tanto no aspecto social como no aspecto cultural, dos sujeitos surdos com omundo ouvinte. Historicamente, o surgimento das atividades de interpretação se deu apartir de atividades voluntárias que foram sendo valorizadas enquanto atividade profissionalna medida em que os surdos foram conquistando a sua cidadania. A participação dossurdos nas relações sociais incentivou e suscita a profissionalização dos que atuam comointérpretes de línguas de sinais.

Para STRNADOVÁ (2000) a maioria dos surdos não tem idéia sobre a importância e adificuldade do trabalho de interpretação. Segundo ela, os surdos desconhecedores dalíngua oral e, conseqüentemente, da modalidade escrita, dificilmente conseguiriam serentendidos pelos outros sem o auxílio do intérprete de Língua de Sinais (LS).

O intérprete desempenha o papel de mediador das relações sociais entre ouvintes e surdos,atenuando as barreiras comunicativas e lingüísticas entre esses dois grupos e atuandocomo construtor de pontes entre esses dois mundos culturalmente diferentes. Além disso,o trabalho desses profissionais pode ser enquadrado como um modelo de ferramentainclusiva sócio-audiovisual.

Portanto, reafirmo ao final dessas reflexões teóricas na interface do Telejornalismo, daSurdez, da Libras e da ferramentas de acessibilidade comunicacional, que toda essapesquisa sobre a qual pormenorizo neste artigo, foi fundamentada em uma análise a partirdas percepções dos surdos quanto às notícias exibidas com e sem o recurso dainterpretação simultânea em Língua de Sinais (LS). Dessa forma, reitero que não pretendodescartar aqui os outros recursos de acessibilidade já existentes, mas tenho o intuito dehierarquizar a interpretação simultânea em LS como meu recorte fundamental destaanálise, cujo método esclareço a seguir.

3. MÉTODO

3.1. Os sujeitos participantes

A escolha dos sujeitos foi influenciada pelos resultados obtidos em projetos anteriores àpesquisa os quais já apresentei aqui e na minha experiência profissional como IntérpreteProfissional de Língua de Sinais.

Com isso, busquei dentro do universo de alunos surdos devidamente matriculados no ensinomédio do turno da noite da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof. RenatoBraga (EEFMRB), formar um grupo de sujeitos que, voluntariamente, estivessem dispostos acolaborar com a pesquisa. Pelo fato de trabalhar com tradução-interpretação na escolapública mencionada, houve uma maior facilidade para consultar os indivíduos. Inicialmente,tinha um interesse de formar um grupo de dez pessoas com diferentes graus de fluência naLibras, a ser dividido em dois subgrupos os quais, respectivamente, passariam por testesperceptuais diferenciados. No entanto, algumas adversidades ligadas a aspectos pessoaisdos indivíduos surdos, assim como, outras ligadas a assuntos voltados às atividadescurriculares e extracurriculares da própria Escola, tais como semana cultural, comemoraçãodo Dia do Professor, entre outras, fizeram com que a escolha final do grupo fosseseriamente afetada.

Por fim, consegui formar um grupo de cinco sujeitos surdos que concordaram em participarda pesquisa. Esse mesmo foi formado por três homens e duas mulheres, sendo que, naépoca, todos alunos estavam devidamente matriculados na Escola. Dos três homens, umestudava na turma especial da 2ª série do Ensino Médio no período noturno (HS1) e doiseram alunos de uma das turmas especiais da 1ª série noturna do Ensino Médio (HS2 eHS3). Entre as mulheres, uma era aluna da mesma turma especial da 1ª série do EnsinoMédio em que estudavam HS2 e HS3 e a outra estudava na mesma sala de HS1. Domesmo modo que os homens, as mulheres foram categorizadas em mulher surda um (MS1),que era esposa de HS3 e mulher surda dois (MS2), que era colega de turma de HS1.

O grau de conhecimento diferenciado da Libras apresentado pelos sujeitos da pesquisa foium fator preponderante para a escolha. Nessa perspectiva, tive a intenção de reunirsurdos com total fluência nessa língua com outros medianamente fluentes e alguns com um

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nível básico de fluência. Mediante a experiência profissional com a Libras, verifiquei queessa diferença de graus de fluência surge naturalmente entre os indivíduos surdos, vistoque alguns têm mais contato com a Libras que outros, gerando mais versatilidadecomunicativa em uns e em outros menos.

3.2. O material da pesquisa

Uma outra etapa importante da pesquisa foi a escolha do material a ser utilizado. Foramescolhidas notícias do “Jornal do 10” – um telejornal local, exibido em rede de TV abertapela TV Verdes Mares, que é a afiliada da Rede Globo na capital do Ceará, cujo focoeditorial está principalmente em notícias da cidade de Fortaleza e de outras localidadescearenses e cuja apresentadora era, até então, a jornalista Cíntia Lima. Escolhi o “Jornaldo 10” por ser o que, dentro de seu horário de exibição, é mais conhecido pelo grupo desurdos que foi formado para a pesquisa. Para efeito de análise, foi escolhida a edição dodia 11/08/05, exibida das 18h50min às 19h10min.

O “Jornal do 10” apresenta, em média, 20 minutos de duração, possui em torno de quatrointervalos – incluindo o tempo da vinheta de abertura do programa, além de estarorganizado de uma maneira que, logo nos primeiros 10 minutos de telejornal, já é possívelacompanhar todas as últimas notícias sobre Fortaleza e Estado que aconteceram naqueledia até aquela edição. Esse programa também mescla a exibição de notícias quentes efrias durante o decorrer do programa, o que confere momentos de tensão e leveza em umcurto espaço de tempo.

Na edição escolhida, foi veiculada uma notícia que causou um grande impacto na Capital noinício do segundo semestre daquele ano: o assalto ao Banco Central de Fortaleza. Esseevento deixou a edição do “Jornal do 10” com um grande bloco quente completamentetomado pelas últimas notícias com dados sobre o assalto, com informações “ao vivo”, assimcomo, contou com blocos frios de notícias sobre temas variados.

Assim, o “Jornal do 10” escolhido foi exibido no dia da comemoração do Dia do Estudante,no Brasil. Contou, além da escalada, com um grande primeiro bloco informativo sobre oassalto ao Banco Central de Fortaleza e com um segundo com notícias policiais, comacontecimentos da cidade, com notas-pé enunciadas pela apresentadora, além de notíciasmais frias sobre o uso de cartões de crédito, sobre empréstimos consignados e uma notíciasobre uma tentativa de assalto seguida de morte que aconteceu em Fortaleza naquele dia. O quarto bloco foi dedicado às últimas informações sobre o assalto ao Banco Central alémdas notícias de esporte.

3.3. A preparação do material

A primeira fase de preparação do material consistiu na gravação, na íntegra, da edição dojornal escolhida. Em seguida, foi feita a gravação, em estúdio, da interpretação simultâneade todo telejornal por parte de um intérprete profissional de Libras e uma edição não-lineardos conteúdos escolhidos e a composição com o que foi interpretado simultaneamente.

Uma cópia de todo o “Jornal do 10” foi exibida para o intérprete a fim de proporcionar umaaferição inicial do conteúdo. Em seguida, em busca do equilíbrio cromático-visual daimagem do intérprete no vídeo, escolhi o fundo azul e posicionei o profissional dentro doestúdio. Logo após, foi exibida novamente a fita com a cópia do telejornal e gravada ainterpretação simultânea de todo o “Jornal do 10” do dia 11 de agosto de 2005. Depois dagravação, o intérprete ordenou as notícias sinalizadas de acordo com a qualidade da suainterpretação. Conjuntamente foram escolhidos os quatro momentos do jornal melhorinterpretados e mais interessantes para os propósitos da pesquisa.

Foram escolhidas: a “escalada” – ou seja, o resumo rápido do que vai ser apresentadotelejornal feito segundos antes de sua apresentação completa, a primeira notícia, queversava sobre o assalto ao Banco Central, a notícia sobre empréstimos consignados e anotícia sobre esportes. Logo após, elas passaram pela pós-produção. Ou seja, na ilha deedição não-linear foram feitos os ajustes finais da fita que deveria ser apresentada aossujeitos surdos. Na fita, o intérprete de Libras foi inserido em um ambiente quadrangularcom uma área espacial de aproximadamente quatro polegadas no canto inferior esquerdodo vídeo. Assim, as janelas foram sobrepostas de modo que, levemente, em primeiro plano,os surdos veriam o intérprete e, logo atrás, ao fundo, o conteúdo do telejornal. É claro quena composição, foi preciso suprimir alguns caracteres textuais (créditos) ou informaçõesgráficas.

Assim, das quatro notícias escolhidas, duas são quentes e duas frias. Adotei essa divisãopara melhor apreender as estratégias perceptuais dos sujeitos surdos no caso de notíciasfactuais e quando esses se deparam com informações menos factuais, mas com dadosrelevantes dentro do conteúdo do telejornal. Nesse sentido, o material produzido tinha a

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duração de aproximadamente 10 minutos e foi formatado no padrão digital (DVD). Nesse,tem-se a gravação das quatro notícias fielmente pós-produzidas com tecnologia digital esimultaneamente interpretadas. Além disso, mantive em um outro DVD, uma cópia desegurança, contendo a edição completa “bruta” do telejornal escolhido para análise.

3.4. O procedimento

A coleta de dados foi realizada na Sala de Multimeios da escola pelo fato de ser o únicoespaço da instituição com televisor e DVD disponíveis e, também, por ser um localapropriado para se realizar trabalhos em grupo.

Ao grupo de participantes foram explicados os objetivos da pesquisa com bastanteantecedência, marcando a hora e o local que deveriam comparecer para a coleta dosdados.

Na Sala de Multimeios as cadeiras foram colocadas na forma de platéia com o intuito dedeixar os sujeitos totalmente voltados para a direção do televisor. Inicialmente, foiexplicado aos sujeitos o procedimento.

Primeiramente, às 20h30min do dia 14 de outubro, cada um dos sujeitos assistiu à escaladado “Jornal do 10” sem interpretação simultânea e, logo após essa primeira exibição,responderam duas perguntas sobre aquilo que viram na TV:• Qual era o assunto da reportagem?• O que você percebeu?

Em seguida, os sujeitos assistiram ao conteúdo da escalada com interpretação eresponderam às mesmas duas perguntas e a uma terceira sobre a diferença entre ver anotícia com e sem interpretação.

Esse processo se repetiu com os outros três conteúdos telejornalísticos selecionados,sendo que, em relação ao conteúdo sobre empréstimos consignados, exibimosseqüencialmente o material sem e com acesso a Libras. Dessa forma, não fizemos duasentrevistas coletivas, mas sim, um debate geral, englobando as percepções dos sujeitossobre o que assistiram com e sem tradução simultânea.

Além disso, quanto ao último conteúdo, que versava sobre o esporte local, exibimos apenasa versão com tradução simultânea em Libras e comparamos as respostas perceptuaisreferentes a esse conteúdo com as que foram emitidas sobre a exibição sem Libras doassunto esportivo que estava contido na escalada do “Jornal do 10”.

As perguntas foram feitas coletivamente e solicitamos que cada sujeito fornecesse umaresposta e a sessão experimental durou aproximadamente 90 minutos, sendo concluído porvolta das 22 horas.

Toda a pesquisa de campo foi documentada por meio de uma filmadora digital. Além disso,foram feitas fotografias enquanto os sujeitos assistiam às notícias. As imagens capturadascontinham detalhes do espaço da sala, bem como a distribuição dos sujeitos no espaço eas reações deles à exibição das notícias, com e sem interpretação. O vídeo e o áudioresultantes dessa gravação se constituíram nos dados analisados.

4. RESULTADOS

Obteve-se um vídeo de aproximadamente 40 minutos contendo as reações dos sujeitosdiante da exibição das noticias. Essas foram expostas por meio do código lingüístico daLibras. Em seguida, esse material foi apresentado a um outro intérprete profissional delíngua de sinais diferente de mim, que por sua vez, falou – traduzindo da Libras para amodalidade oral da Língua Portuguesa – os discursos dos sujeitos surdos pesquisados. Essaseção foi gravada em áudio e posteriormente transcrita.

Dividi os resultados em dois grupos, sendo que, no primeiro (grupo 01), enquadrei aspercepções dos sujeitos em relação ao conteúdo exibido sem interpretação para a Línguade Sinais (Libras). No segundo grupo (grupo 02), reuni os relatos perceptuais dos surdossobre as produções telejornalísticas exibidas com o recurso inclusivo da traduçãosimultânea para a Libras.

Algumas categorias emergiram dentro desses dois agrupamentos de dados durante apesquisa de campo com os sujeitos. De dentro do grupo 01, verificamos o aparecimentodas seguintes categorias: confabulação, divergência dos discursos, descontentamento eraiva diante da falta de acessibilidade comunicacional e informação truncada. SegundoSASSAKI (2005), essa acessibilidade acontece quando não há “barreiras na comunicaçãointerpessoal (face-a-face, língua de sinais), escrita (jornal, revista, livro, carta, apostilaetc., incluindo textos em braile, uso do computador portátil), virtual (acessibilidade

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digital)”. No grupo 02 surgiram: concatenação das idéias dentro dos discursos dossujeitos, indignação diante da indisponibilidade do recurso de tradução simultânea para aLibras do conteúdo telejornalístico exibido, exatidão da informação transmitida, unicidadedo discurso, maior propriedade nas opiniões sobre os assuntos veiculados.Além disso, foram percebidos também, através das observações e do discurso dosparticipantes, algumas categorias gerais comuns aos dois grupos. Todas as categoriasencontradas estão esquematizadas no Quadro 1, abaixo:

QUADRO 1: Categorias que emergiram dos discursos dos participantes e das observaçõesrealizadas.

Categorias semsinalização em Libras

Categorias comtradução simultânea

Categorias gerais

Confabulação

Divergência dos discursos

Descontentamento e raivadiante da falta deacessibilidadecomunicacional

Informação truncada

Concatenação das idéiasdentro dos discursos dossujeitos

Indignação diante daindisponibilidade do recursode tradução simultânea

Exatidão da informaçãotransmitida

Unicidade do discurso

Maior propriedade nasopiniões sobre os assuntosveiculados

Motivação

Hierarquização

Debate

Libras e percepção plenado conteúdo exibido

4.1. Categorias sem sinalização em Libras4.1.1. Confabulação

Pode ser definida como uma estratégia perceptual dos sujeitos caracterizada pelo uso deuma complementação da informação que eles assistiram com outros dados próprios darealidade de vida de cada um. Percebi durante as respostas dos surdos às questõesreferentes ao conteúdo sem Libras que a confabulação surgiu mediante a tentativa dosmesmos de darem sentido lógico ao que estavam acompanhando por meio da seqüênciaimagética dentro dos produtos telejornalísticos exibidos. Nessa tentativa, os sujeitosterminavam confabulando um discurso discordante do real sentido do que foi a eles exibido,buscando informações na subjetividade que cada um tem para satisfazer o entendimentode algo que não estava sendo comunicado mediante o uso do seu próprio códigolingüístico.

Nos discursos de um dos sujeitos, por exemplo, essa categoria apareceu na seguinte fala:... Tinha um caminhão... Foi possível observar no Jornal... Algum problema que tinha queeles estavam... Supervisionando esses problemas que havia... Algumas pessoasvoltaram... E... Passaram alguma documentação que foi legislada... E estavam esperandoassim no caso...O Banco... Mas só que é difícil... Porque tem que haver um treinamento...Para que haja algum progresso... Porque, por exemplo, no caso do motor... Pro motorvoltar a funcionar... (HS2).

Nessa fala, HS2 comenta o que ele percebeu da escalada do “Jornal do 10” sem traduçãosimultânea em Libras. Nesse momento, enquanto a apresentadora fez a leitura do texto:“Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao Banco Central...Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadorano Ceará levava parte do dinheiro dos ladrões...”, foi exibida uma imagem de um“caminhão-cegonha” completamente lotado de carros na sua carroceria, o qual foi usadopelo empresário para transportar parte do dinheiro roubado do Banco Central de Fortalezapela quadrilha. Nesse caso, especificamente, vejo a confabulação surgir no discurso deHS2 pelo fato de aparecer na fala desse sujeito um motor inexistente no discurso veiculadoa ele sem Libras. Essa categoria também permeou os discursos de HS2 em outrosmomentos da pesquisa.

Outro exemplo forte da presença da confabulação também aconteceu após a exibição daescalada do “Jornal do 10”, quando se confere as falas dos sujeitos referentes ao assunto

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esporte:E outro assunto é justamente sobre Futebol...Conseguir uma vitória no jogo...Isso foi oque eu percebi... (MS1).

E a outra coisa que eu vi diz respeito ao esporte... Que seria dois times que iriam seenfrentar... No caso seria Fortaleza e Ceará... Só que as pessoas pensam: – quem é quevai ser o campeão? – quem vai ser o melhor? Alguns pensam assim: - Ah!... O meu time ébom porque tem certos jogadores de futebol que eu já conheço... Que é famoso... Mas,não... Eu acho que deve ser união entre todos... (MS2).

E ainda com respeito ao futebol... No caso... O Fortaleza e... Acho que era o Ceará... É!Era o Ceará... E aquela dinâmica que nós estávamos observando...O que as pessoassentiam...Quem era realmente que iria ganhar...Qual era o seu time favorito... Se eraesse ou se era o outro... Então havia aquela discussão entre as pessoas... Isso é umcostume que as pessoas têm... Eu acho que é por aí... (HS1).

E a outra coisa... É com respeito ao Fortaleza e ao Ceará... Os dois times que iriam seenfrentar... Então as pessoas... Elas estavam... Os torcedores estavam querendo assim abriga, né?... Brigando... Por querer saber qual era o melhor time... Alguns pareciam serbrincadeira... Mas isso é uma brincadeira perigosa... E pelo que mais foi explicado... É quealguns do Ceará estavam fazendo algumas reclamações... Estavam com raiva...Chateados... Também assinaram alguns documentos... E o governo se reuniu para fazerum treinamento para saber o que é que poderia ser observado nisso... (HS2).

Também o futebol... Fortaleza e Ceará... Os torcedores... Eles estavam realmentefazendo aquela discussão sobre qual era o time que iria ganhar... (HS3).

Na verdade, o que Cíntia Lima leu durante esse momento da escalada foi: “Futebol!Fortaleza joga à noite contra o Fluminense no Rio de Janeiro”. Mas, como as imagens quecobriram a leitura desse texto mostravam os jogadores do Fortaleza trajando o uniformeoficial tricolor e jogando com outros jogadores que estavam trajando uniforme de corbranca, entendi que, sem o recurso esclarecedor da interpretação simultânea em Libras, ossujeitos surdos associaram a informação telejornalística exibida a um confronto clássicoentre os times de futebol Fortaleza e Ceará.

Por isso, pelo fato de não haver amparo lingüístico adequado ao código usual dos sujeitossurdos pesquisados, eles buscaram associar a imagem que estavam vendo com algumconhecimento pré-adquirido sobre o assunto veiculado. Dessa forma, nesse instanteassociativo, a estratégia perceptual da confabulação interferiu no entendimento pleno doreal assunto noticiado.

4.1.2. Divergência dos discursosComprovei que essa categoria emergiu a partir das respostas dos sujeitos surdos logo apósa exibição das informações mais atualizadas sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza.Isso porque, em relação a um único assunto, encontrei respostas totalmente divergentes,como ilustram os trechos de fala a seguir:

(...) Um outro assunto que eu pude observar é os carros importados que tambémestavam um ao lado do outro... (...) (MS1).

(...) É pra comprar algumas coisas com respeito aquilo que houve no Banco Central... Oroubo que houve... Que nos deixou realmente assustados... (MS2).

(...) E também vimos... Com respeito ao homem no caso do Banco do Brasil... Ou melhor,do Banco Central... Alguns também estavam organizando algumas coisas pra... Estudandomeios de fazer venda de algumas lojas... E até mesmo fazer a construção de mais outrascoisas... Que realmente precisava de verba... De dinheiro... Algumas pessoas já atésumiram com esse dinheiro...(...) (HS1).

(...) Também o que eu lembro... É com respeito a mostrar a seriedade de algumasinvestigações... Que eles estavam fazendo...O Governo responsável das investigações...Estava fazendo algumas reclamações... (...) (HS2).

(...) Quatro pessoas foram presas... E haviam comprado alguns caminhões... Queestavam sobre algum lugar... Eles compraram esse caminhão... Mas a investigaçãoencontrou e os prendeu... (...) foi o que a gente viu no Jornal essas pessoas sendopegues em flagrante...(...) (HS3).

No discurso de HS3, encontrei dados que mais se aproximam do real conteúdo apresentadodurante a escalada do telejornal sobre esse assunto especificamente. Isso porque, o textolido, em relação ao assalto, foi esse:Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao banco central...

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Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadorano ceará levava parte do dinheiro dos ladrões... Quadrilha comprou carros nesta loja epagou à vista quase um milhão de reais... (Cíntia Lima).

Nesse contexto, vi que, ao relatar que “quatro pessoas foram presas”, HS3 se aproxima doconteúdo exibido, mas, quando notamos outros sujeitos informarem que o “dinheiro erapara comprar coisas a respeito daquilo que houve no banco central”, como fez MS2, ouafirmarem que alguns estavam “estudando meios de fazer a venda de algumas lojas”, comono caso de HS1, deparei-me com o surgimento dessa categoria de divergência. Assim,comprovei que um mesmo assunto, quando foi exibido sem acesso em Libras, foi percebidode modos totalmente diferentes pelos sujeitos surdos pesquisados.

4.1.3. Descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional

Percebi que nos discursos dos sujeitos surgiu essa categoria de descontentamento e raivadiante da falta de acessibilidade nos produtos exibidos. Todos eles emitiram opiniõesrevelando em seus relatos algum grau de desaprovação da ausência de Libras. Por fim,nessa pesquisa, isso terminou ressaltando a importância da viabilidade desse recurso para oentendimento pleno deles em relação ao assunto que foi veiculado. Em um desses casos, ocomentário foi bem enérgico e intempestivo. Pude conferir isso nas falas que se seguem:... Eu entendi o quê pela reportagem? O que será que estava tendo ali? Como eu nãoescuto... Não dava para eu entender porque não tinha um intérprete... Quando se colocaum intérprete... Fica bem melhor... Mas, sem ele não... É bem difícil a gente poderentender... A gente tem mais é que batalhar... Se esforçar... Para conseguir essas coisasque é própria dos surdos... O intérprete dentro da janelinha na televisão...(HS3).

(...)... Na reportagem... O que é que tá havendo ali?... Eu sou surdo e então eu nãoentendi o que é que tava tendo... Eu fiquei com alguma dúvida do que eles estavamfalando... (...) (HS1).

... Bem, quando começou a reportagem, pensei: – o que era que tava passando?... Eunão entendi direito... São coisas importantes... Mas, o que era aquilo?... Alguns riscos?Alguns perigos?... Eu num entendi... Eu sou surda... (...) (MS2).

4.1.4. Informação truncadaConsegui identificar o surgimento dessa categoria também durante as respostas ao que foivisto sem o acesso viabilizado pela Libras, tanto no que diz respeito à Escalada como noque foi falado sobre o assalto ao Banco Central em Fortaleza.

Quando não houve interpretação simultânea para a Libras, os sujeitos surdos apresentaramem seus discursos algumas informações truncadas, ou seja, as idéias contidas nos relatosdos mesmos estavam desconexas, confusas, chegando a ficar completamente divergentesdo verdadeiro assunto daquilo que estava sendo exibido. Os trechos a seguir ilustram esseaspecto:(...) A reportagem... O que é tava acontecendo ali?... Algumas pessoas do governo... Sãoos deputados que estavam fazendo algumas reclamações... E num entendi muito bemnão... Eu não vi direito... (HS2).

(...) Mas seria, por exemplo... Parece que a Polícia Federal... Como é que ela foi... Pegoualgumas pessoas... Se já pegaram algumas pessoas... Mas o que é que estavaacontecendo?... (HS1).

(...) Eu vi parece que tinha, no caso, a Polícia Federal... Ela parece que tava organizandoalgumas coisas... Aí depois que eu vim entender... Mas, na verdade... Eu não estavaentendendo bem por ser surda... (MS2).

4.2. Categorias com Tradução Simultânea4.2.1. Concatenação das idéias dentro dos discursosPercebi que a concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos teve umapresença marcante durante as respostas aos testes perceptuais no grupo 02. Isso porque,no caso dos surdos, quando eles tiveram acesso a Libras durante a exibição das noticias do“Jornal do 10”, notei que eles apresentaram respostas com idéias mais organizadas emrelação aos relatos no grupo 01. Alguns trechos dos relatos seguem como exemplo:(...)... Agora, quando teve intérprete... Ah! Agora sim... Eu pude entender, né?...Aconteceu em Belo Horizonte... Quatro pessoas foram presas... Algumas coisas estavamescondidas dentro do pneu do carro que tava dentro do caminhão... E, agora sim, quandoeu vi com interpretação... Agora eu pude entender melhor... Essas pessoas passaramcinco dias, enquanto eram analisadas algumas coisas pela justiça... Foi uma prisão quedurou cinco dias... E também o responsável pelos carros... Prenderam ele lá... Mesmotendo algumas dúvidas antes, quando teve intérprete, foi isso, é isso que eu percebi,ok?... (MS1).

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(...) Eu pude observar que quatro pessoas foram presas e que em Brasília... Já estavasendo feita uma investigação sobre o assunto... Só isso... Obrigado... (HS3).

4.2.2. Indignação diante da indisponibilidade do recurso de tradução simultâneaEssa categoria esteve presente nas respostas dos sujeitos aos questionamentosperceptuais logo após a escalada do “Jornal do 10” ter sido exibida com a traduçãosimultânea para a Libras.

Nesse contexto, entendi que os sujeitos surdos apresentam elevados graus de indignaçãodiante da indisponibilidade desse recurso de inclusão audiovisual, pois acredito que, pelofato deles terem comprovado as vantagens de assistir a um telejornal “adaptado” emLibras, houve essa revolta indignada sobre esse aspecto.

Isso porque, uma vez sendo possível tornar o conteúdo telejornalístico acessível, notei queeles, enquanto sujeitos telespectadores, aparentam ter vontade de dispor dessaferramenta mais vezes, como ilustram os trechos de alguns dos discursos a seguir:...Como a gente é surdo... A gente não consegue entender o que está sendo dito natelevisão...Quando... Se tem um intérprete de língua de sinais no cantinho da tela... Eusinto que é bem melhor... A gente tem mais interesse em saber o que é que está sendodito ali... (MS1).

... O intérprete de Língua de Sinais é bem melhor... Quando ele está no cantinho datela...Porque isso tem tudo a ver com o surdo... O surdo...Como é ele tem a sua próprialíngua que é a língua de sinais... Quando tem intérprete de língua de sinais... A genteentende melhor e aprende melhor... (HS3).

... Nós que somos surdos e não ouvimos...Quando existe a sinalização... Estando nasredações... A gente fica bem mais satisfeito com isso... Que os surdos... Como jásabemos... Eles não escutam... E é diferente dos ouvintes... E quanto à sinalização... Issoé próprio dos surdos... (HS2).

... Na TV quando tem a conversação em Língua de Sinais... Nós que somos surdos... Eufico pensando: – Puxa vida! Como é que pode! A família às vezes tenta nos ajudar paraentender o que está sendo dito... (...) E a gente fica tão feliz quando vê um intérprete nocantinho da tela porque a gente fica mais assim interessado em saber o que é que estáse passando... (MS2).

4.2.3. Exatidão da informação transmitida Essa categoria esteve presente quando terminamos de exibir o conteúdo telejornalísticoque tratava sobre acontecimentos do esporte local. Nesse instante, percebi que todos ossujeitos surdos homens pesquisados, que foram os que opinaram nesse momento, tiveramdentro de suas respostas idéias exatamente adequadas ao que antes fora a eles exibido.

Ou seja, quando os sujeitos assistiram a esse conteúdo tendo a interpretação simultânea,suas respostas contiveram dados que também foram enunciados pelo repórter durante aveiculação. Comprovamos esse aspecto nos discursos que se seguem:(...) E o time do Fortaleza conseguiu vencer o outro time... E o Romário, quando foi dar aentrevista...O microfone bateu na boca dele e ele não quis falar, né?... Só que... Játinham vencido já... (HS3).

(...) E o Romário quando foi ele dar a entrevista, o microfone bateu na boca dele... E eleacabou decidindo não comentar mais nada a respeito do assunto... (HS1).

... E no caso, do Romário que... Já bateu o microfone bateu na boca dele... Vou ficar comsaudade... E, vamos assim... Vimos que o Fortaleza já venceu... Isso é o que éimportante... (HS2).

Essa exatidão diz respeito ao momento textual do OFF do repórter FÁBIO PIZZATO em quese encontravam as seguintes informações: “E naquela oportunidade... Romário eraatacante do Flu... Além de perder o jogo... O Baixinho perdeu a fala...” Nesse caso, aimagem foi bem clara, mostrando o atacante do Fluminense sendo atingido por ummicrofone em seus lábios. Esse fato foi percebido e descrito pelos sujeitos surdos deacordo com o que foi apresentado pelo repórter.

4.2.4. Unicidade do discursoCom a participação do intérprete na “janelinha 44” durante a exibição dos conteúdostelejornalísticos, percebi que os sujeitos apresentaram uma unicidade de discurso em suasrespostas, comentando o mesmo assunto apenas com algumas idéias diferentes. Issoaconteceu especialmente logo depois que o conteúdo sobre o assalto ao Banco Central deFortaleza foi apresentado aos sujeitos com o recurso da interpretação simultânea, comopodemos conferir em alguns trechos dos discursos abaixo:Quando teve intérprete de língua de sinais, aí eu pude sim entender realmente o que

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estava sendo dito, né?... Que tinham quatro pessoas escondidas... E já foram presas...Foram pegues já... E lá em Brasília... Foi feita uma investigação... E encontrou isso...(HS1).

Como já teve um intérprete de língua de sinais, já foi colocado um intérprete, eu pensei:– Puxa vida! Agora deu pra eu ter uma compreensão melhor!... Porque já estava ali sendousando a língua de sinais que é a que eu entendo... Eu pude observar que quatro pessoasforam presas e que em Brasília... Já estava sendo feita uma investigação sobre oassunto... (HS3).

4.2.5. Maior propriedade nas opiniões sobre os assuntos veiculados Depois de terem se deparado com a interpretação simultânea daquilo a que estavamassistindo, os sujeitos surdos revelaram uma maior propriedade nas opiniões acerca dosassuntos veiculados.

Esse aspecto comprovou a hipótese de que se um telespectador tem acesso ao que estásendo a ele apresentado completamente dentro do código com o qual ele está maishabituado a utilizar, o mesmo vai conseguir dispor de opiniões mais sólidas a respeito doque foi exibido, conseguindo ainda ir além da informação noticiosa em si, propondo novasidéias que gerariam outras reportagens e até mesmo ilustrando seus discursos comaplicações praticas e próximas de suas próprias realidades.

Ilustro essa categoria com um trecho da fala de um dos sujeitos depois da exibição emLibras de um dos conteúdos:... No começo da reportagem... Eu pude observar que tinha um perigo muito grande... Eeu fiquei assim surpresa de ver aquilo... Puxa vida! Aqui em Fortaleza... Eu nunca tinhaouvido falar... É vergonhoso... A situação que se tem hoje aqui... Nossa! Como é que podeter tanto roubo?... A gente fica assim espantando com esse tipo de coisa... É umabsurdo... Sinceramente... (MS2).

4.3. Categorias gerais comuns aos dois grupos da pesquisaAlém dessas categorias específicas, outras também emergiram após o processo de coletade dados com os sujeitos surdos e foram comuns aos dois grupos, tais como: motivação ehierarquização.

4.3.1. Motivação Depois de observar as reações dos sujeitos diante da exibição dos conteúdos,respectivamente, sem e com acesso em Libras, compreendi que, até por uma questãocultural, os sujeitos surdos se sentiram motivados a participarem dessa pesquisa.

Acredito que, no intuito de aproveitar um espaço de participação que muitas vezes nãolhes é disponibilizado, os surdos pesquisados se sentiram à vontade para conhecer melhoros detalhes dessa pesquisa em torno de estratégias perceptuais.

Nesse contexto, vi emergirem discursos enérgicos que, embora discordantes da ausênciade Libras quando se entedia ser possível incluir esse recurso, evidenciam a vontade dessessujeitos em emitir opiniões acerca daquilo que estavam acompanhando via TV e nosapresenta uma nova identidade desses surdos, que é a de telespectadores ativos diantedos discursos televisivos que até eles chegam diariamente.

Trechos de algumas das falas dos surdos pesquisados ilustram essa categoria:... Quando eu fui ver a sinalização... Aí sim!... Foi esclarecido o que realmente eu estavaentendendo... Pude aprender... Foi bem melhor... É muito importante... E seria bemmelhor se sempre tivesse o intérprete de língua de sinais na janelinha no canto... (MS2).

... Eu entendi o quê pela reportagem?O que será que estava tendo ali? Como eu nãoescuto... Não dava para eu entender porque não tinha um intérprete... (HS3).

... Na reportagem... O que é que tá havendo ali?... Eu sou surdo e então eu não entendi oque é que tava tendo... (HS1).

(...)... O intérprete de Língua de Sinais é bem melhor... Quando ele está no cantinho datela...Porque isso tem tudo a ver com o surdo...(...) (HS3).

(...) Se tem um intérprete de língua de sinais no cantinho da tela... Eu sinto que é bemmelhor... (...) (MS1).

Diante desses trechos, posso comprovar como os sujeitos se mostraram interessados emparticipar emitindo opiniões durante a entrevista. Isso é tanto que não houve participaçãounânime somente dois momentos da pesquisa de campo, a saber: exibição da escalada comLibras e exibição dos conteúdos sobre empréstimos consignados.

4.3.2. Hierarquização

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Como toda pesquisa em que há entrevista coletiva, comprovei a existência da categoriahierarquização ao me deparar com as respostas dos sujeitos aos questionários perceptuais. Essas evidenciavam que, um único assunto era comentado diferentemente pelos cincosujeitos, ou seja, em algum dos relatos, um surdos dava mais importância a um elementoque já não foi tão citado no discurso de uma das surdas entrevistadas.

Isso me indica que os sujeitos surdos deram relevâncias diferentes para tópicos comunsaos assuntos que todos assistiram ao mesmo tempo, caracterizando uma hierarquizaçãodiferenciada daquilo que foi exibido. Comprovo esse aspecto ao ver alguns trechos dosrelatos dos sujeitos sobre o que viram na escalada quando foi apresentada sem Libras:... Pelo que eu pude observar na escalada, vi vários caminhões enfileirados como se fosseum engarrafamento... (...)... Outro assunto que eu vi também era as pessoas curiosaspara saber qual era o assunto, para ver sobre o que era...(...) (MS1).

... Pude observar primeiramente o que estava acontecendo de alguns caminhões estaremem um engarrafamento... E o que seria aquilo?... (...) Também teve o caso da CPI...Deputados... O voto... Para saber o que é que decidia... Com respeito às pessoas queforam apanhadas realmente no flagra... (...) (MS2).

... Pelo que se estava explicando... No jornal... Tinham alguns caminhões...Que estavamum atrás do outro... Organizando... Não se sabe o quê... (...) Falou-se também sobre aCPI dos deputados... As investigações que eles estavam fazendo para poder seremapresentadas essas explicações (...) (HS1).

(...)... Também o que eu lembro... É com respeito a mostrar a seriedade de algumasinvestigações... Que eles estavam fazendo...O Governo responsável das investigações...Estava fazendo algumas reclamações... (...) (HS2).

... A gente vê a respeito das informações aqui do Brasil... Quatro pessoas foram presas...E haviam comprado alguns caminhões... Que estavam sobre algum lugar... (...)... Que foio que a gente viu no Jornal essas pessoas sendo pegues em flagrante... No flagra... (...)(HS3).

Nesses trechos, por exemplo, comprovo as diferentes maneiras de se hierarquizar o textolido por CÍNTIA LIMA durante a escalada do “Jornal do 10” e também de comentar o que foipercebido a partir dele, o qual se confere logo a seguir:Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao Banco Central...Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadorano Ceará levava parte do dinheiro dos ladrões... Quadrilha comprou carros nesta loja epagou à vista quase um milhão de reais... Deputado do PT tem que apresentar novadefesa para evitar cassação... Ladrão é morto depois de tentar roubar o carro de umadvogado... Futebol! Fortaleza joga à noite contra o Fluminense no Rio de Janeiro. Agora!No “Jornal do 10” (Cíntia Lima).

4.3.3. Debate Logo após a exibição do terceiro assunto, o qual tratava sobre os empréstimos consignadosaos aposentados e pensionistas do INSS, foi solicitado aos sujeitos que debatessem entresi sobre o que assistiram. Contudo, nesse debate, deveriam estar presentes aspercepções de cada um sobre o conteúdo jornalístico a que assistiram.

Como se pôde conferir, houve a primeira exibição sem Libras e, em seguida, apresentei omesmo assunto com o recurso da interpretação simultânea. Depois disso, obtive umaseqüência de discursos ilustrada pelos trechos que se seguem:... Tem gente que fica pensando... Algumas pessoas que ficam na praça... Percebem queestão sem dinheiro... Vão ao INSS... Alguns ficam falando assim que eles precisam dodinheiro do empréstimo... (...) Porque... Infelizmente só a família que dá esse subsídio queajuda essas pessoas a fazerem isso... (MS2).

... Agora, eu acho complicado assim... É que parece que eles tratam os idosos como unsbobos, né?... (...) Só que assim... Algumas pessoas... Alguns idosos, principalmente... Elessão realmente ingênuos... Eles ficam sem saber de nada do que está acontecendo... E euacho que até existe alguma roubalheira com respeito a isso, esse dinheiro de INSS, aesses empréstimos, essas coisas assim... (...) (MS1).

... Isso! ... O problema é que não há divulgação ainda com respeito a isso... O Governotem que se esforçar... Realmente... Pra poder batalhar para que as famílias... As famíliasde idosos... E tudo... Eles possam realmente conseguir... (...) A gente vê que osproblemas estão aumentando ainda mais, mas têm que diminuir... E isso éresponsabilidade dos governos... (HS3).

4.3.4. Libras e percepção plena do conteúdo exibido Ao final, notei a profundidade dos discursos dos sujeitos quando a Libras os ajudou a

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alcançar o entendimento pleno de tudo aquilo que foi exibido, como pude comprovar apartir desse trecho da participação de um dos surdos no debate:(...) por exemplo, lá no campo... Os trabalhadores rurais que não sabem nada assim...Ficam por lá e, para pegar o benefício de aposentado, vão e dizem: “- Ah! É porque eumoro longe!” (...) Então surge uma pessoa que se prontifica para ajudá-los que diz: “- Ah!Num tem problema não! Você me dá o seu cartão com seus dados e o de todo mundoassim... E eu ajudo vocês... Vou lá por vocês, pego o benefício de vocês e depois, quandoeu voltar, eu distribuo para cada um de vocês!...” Aí essa pessoa chega ao Banco epensa: “- Não... É pesado! É muito difícil fazer tudo isso!...”. Daí começa a fazer umacoisa bem safada de pegar e dar menos do que as pessoas deveriam receber... E aspessoas não percebem nada... Ficam caindo nessa conversa, nessa ladainha... Ficam quenem bobos sem fazer nada diante disso... E isso vai passando ao longo dos anos (...) Opessoal tem que lutar pra expulsar esse tipo de coisa... Acabar com esse negócio dosatravessadores lá no interior... Tem que acabar com esse tipo de coisa... A pessoa temque ir sozinha... Direto no Banco... Num tem que pedir ajuda a ninguém... (...) (HS2).

Diante desse comentário de HS2, percebi que, mesmo havendo arbitrariedade no que dizrespeito às relações lingüísticas entre Libras, Português e linguagem audiovisual, quando ossujeitos surdos têm acesso à interpretação simultânea de um conteúdo telejornalístico, apercepção é plena, totalmente diferente e pode ser aprofundada, chegando até a serpassível de ilustrações e exemplificações subjetivas.

5. DISCUSSÃO

O objetivo dessa pesquisa foi verificar como o sujeito surdo percebe a mensagem dasnotícias de um telejornal quando há e quando não há nenhuma ferramenta específica deinclusão.

Nesse contexto, também pretendía investigar como a cultura e a identidade surdasconfiguram a percepção, por parte dos sujeitos surdos, da mensagem do conteúdo dainformação jornalística veiculada nas notícias de TV com vistas a caracterizar asingularidade desse segmento da audiência televisiva e observar o comportamento dessesmesmos sujeitos diante da exibição de notícias em telejornais locais a fim de apreendercaracterísticas desse grupo social da audiência.

Percebi que os surdos apresentam uma percepção completamente diferenciada do realassunto veiculado quando esse não dispõe do recurso inclusivo da Libras. Agora, quandoesses sujeitos são contemplados com uma acessibilidade comunicacional mediante ainterpretação simultânea em Libras do conteúdo exibido, os mesmos alcançam umentendimento pleno das informações noticiadas.

Isso me remete à idéia defendida por ZANCHETTA (2004) que nos mostra o quanto asimagens televisivas são polissêmicas e necessitam de uma ancoragem verbal. Talancoragem, no exemplo dos surdos, é viabilizada por meio do código lingüístico espaço-visual da Libras. Na verdade, notamos pelos próprios discursos dos sujeitos que as imagenstelevisuais contribuem muito pouco para a definição do assunto abordado dentro do “Jornaldo 10”, especificamente.

PATERNOSTRO (1999) ao defender que, quando existe uma imagem forte de umacontecimento, essa leva vantagem sobre as palavras e é suficiente para transmitir, aomesmo tempo, informação e emoção, legitima uma tendência que, muitas vezes, domina aprática telejornalística nas redações de TV: deixar a imagem falar por si e fazer de tudopara preparar uma reportagem com uma seqüência lógica de imagens que, sem texto,sejam absolutamente compreensíveis.

No entanto, ao me deparar com os discursos dos sujeitos surdos pesquisados nessetrabalho, entendi ser necessário haver mudanças nesse aspecto, pois, no caso dos surdos,a linguagem imagética audiovisual não é suficiente para a percepção plena da notíciaquando não há o amparo lingüístico do código verbal desses sujeitos.

Além disso, compreendi que há arbitrariedade na relação entre Libras, linguagem audiovisuale a modalidade oral da Língua Portuguesa depois de me deparar com respostas divergentesem torno de um mesmo assunto quando esse foi repassado sem Libras. Ainda que haja oacesso a esse recurso lingüístico, essa arbitrariedade permanece, configurando umarelação conflituosa entre esses três parâmetros e que merece cautela no momento em quese transcorre a produção de um material telejornalístico.

Nesse contexto, a partir do que DUARTE (2004) explica sobre a existência de uma espéciede contrato comunicativo subentendido entre os enunciadores televisivos e o grupo sociala que se destinam os produtos, vi que nem sempre as partes saem atendidas quando em

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uma delas se encontram sujeitos surdos.

Assim, segundo a autora, quando os enunciadores televisivos propõem um discurso, elesconvocam a vontade da outra parte, que é o grupo social. No entanto, a esse último – queé quem controla o discurso televisivo – cabe aceitar ou rejeitar essa proposta. O que élevado em consideração pelos enunciadores é a veiculação, credibilidade e aceitação doseu discurso em particular. Porém, na maioria das vezes, por não haver a disponibilidadedo recurso inclusivo da Libras, aos surdos nem sequer se configura essa opção de controledo discurso midiático telejornalístico exibido.

Então, como entendo que o telespectador pôde e pode ser comparado com um consumidordo que é noticiado, pelo fato de que, segundo JOST (2004), ele consome as informaçõesprestadas pelo veículo televisivo a partir do momento em que pára diante da televisão ereserva minutos do próprio tempo para acompanhar o que está sendo exibido, percebo queos surdos, na maioria das vezes, estão em desvantagem e saindo prejudicados nessarelação contratual, visto que, poucos dispõem de contato com ferramentas inclusivas queviabilizem a percepção plena daquilo que estão assistindo.

Comprovei ainda, que a cultura e a identidade surdas atuam como elementosconfiguradores da percepção da mensagem de notícias telejornalísticas por sujeitos surdos,quando vi que esses desenvolviam uma apropriação das mesmas a partir do momento emque tinham acesso a elas por meio do código lingüístico que lhes era usual, no caso, aLibras.

Esse aspecto nos mostra a concretização daquilo que sustentam BARBERO e REY (2001)quando declararam que programas criam audiências-modelo, que são muito mais do queespectadores fortuitos, pois, tratam-se de grupos ou de tribos identificáveis, tanto porsuas preferências midiáticas, como por suas decisões vitais. No caso dos surdos, essaspreferências puderam ser conhecidas a partir do momento em que foi possível a elesencontrar alternativas inclusivas dentro dos produtos que assistiram.

Foi essa segmentação que vi emanar também nos discursos dos sujeitos surdospesquisados, a qual, termina por suscitar um movimento de outras mediações que giram emtorno da recepção televisiva, que, segundo BARBEIRO e REY (2001), são percebidas comoas diferentes instâncias culturais em que os públicos dessas mídias produzem e seapropriam dos significados e sentidos do processo comunicativo.

Assim, percebo que é realmente possível para um grupo social ter a liberdade de seapropriar dos significados e dos sentidos dos processos comunicativos (BARBERO e REY,2001). Isso porque, quando disponibilizei experimentalmente um momento de inclusãosócio-audiovisual em conteúdos de um produto telejornalístico da mídia televisiva abertalocal, respeitando assim, as necessidades específicas deles enquanto pessoas comdeficiência, consegui viabilizar a esse público surdo pesquisado, a chance de poder teracesso a produtos telejornalísticos que são, por base, tidos como de acesso público.

De fato, comprovo, pelos resultados dessa pesquisa, serem plausíveis as idéias de ROSA(2003) de que, no campo da sociedade inclusiva, o principal enfoque é a diversidadehumana, o que significa, no exemplo específico dos sujeitos surdos, ultrapassar desafios,vencendo-os, mesmo que sejam permanentes e apareçam de surpresa.

Resta-nos agora, portanto, estarmos dispostos a estabelecer “parcerias midiáticasinformativas” que forneçam aos surdos maneiras de superar as dificuldades impostas pelasurdez em prol de uma melhor percepção daquilo que é também a eles veiculado.

6. CONCLUSÃO

Com base nas experiências vivenciadas durante a realização dessa pesquisa, posso dizerque etapas teóricas como pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e leiturascomplementares atuaram como aspectos fundamentais para que conseguisse finalizar asetapas dessa investigação. Além do mais, elementos como identificação com o temainvestigado por parte do pesquisador, busca exaustiva pelo desenvolvimento de diálogoscom autores que já escreveram sobre o mesmo tema pesquisado, criatividade no momentode selecionar o questionamento principal que vai mobilizar toda a pesquisa, entre outros,constituem ingredientes essenciais para o sucesso de outras investigações em torno dapercepção de mensagem de produtos telejornalísticos por sujeitos específicos da audiência.

Isso porque, realizar uma pesquisa dentro do universo da cultura surda de qualquerlocalidade não é complicado, pelo contrario, é convidativo, emocionante, repleto decuriosidades e especificidades e ainda gratificante por sabermos que, ao lidarmos com essepúblico, estaremos nos deparando com o cerne do Jornalismo – a comunicação.

No entanto, é necessário atentar para o fato de que, não somente essa, mas qualquer

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pesquisa precisa dispor de uma exeqüibilidade adequada, ou seja, não basta apenasacreditar que tenho um bom projeto, é preciso ter certeza de que ele vai ser útil para oque se propõe a investigar. No caso de investigações em torno de sujeitos surdos, osprojetos devem trazer questões que levem reflexões à sociedade em geral, sugerindo novosolhares sob novos pontos de vista sobre esse grupo social minoritário que, muitas vezes,não é visto como um conjunto de pessoas capazes, com identidades sólidas e,naturalmente multiculturais.

Será a partir dessas pesquisas, que outros terão condições de compreender que ospúblicos específicos de quaisquer produtos midiáticos também dispõem de contribuições tãorelevantes quanto aquelas que encontramos nas mais variadas camadas populares. Nessecontexto, depois de caminhar pelos sentidos do outrolado, consegui inferir idéias que meestimularam a desenvolver um novo olhar sobre a audiência televisiva e a enxergar otelespectador surdo como um ser humano com total potencial de percepção da mensagemcontida nos conteúdos exibidos pela TV.

Nesse ínterim, busquei considerar as capacidades desses sujeitos em vez de tratá-los apartir do referencial da deficiência e concordei com a idéia apresentada por MOURA (2000)a qual sugere que o surdo não é mudo, não é deficiente, nem tampouco alienado mental ouuma cópia mal feita do ouvinte. Esse sujeito é humano, capaz de expressar o que sente,às vezes até de maneira oral e também é uma pessoa diferente numa diferença socialimportante que, se não for compreendida e atendida nas especificidades que dispõe, podelevá-lo, a ser considerado de acordo com as mais variadas maneiras pejorativas jámencionadas durante essa pesquisa.

Agora, considerar esses sujeitos, no instante em que se pensa uma produção de umtelejornal, como público-alvo das notícias, reportagens, notas, dentre outros produtosexibidos pela TV, é um desafio para todos nós jornalistas. Não tenho, por meio dessa idéia,a intenção de julgar quaisquer práticas editoriais contidas no “Jornal do 10” ou de sugerirmudanças estruturais no fazer jornalístico desse telejornal, pelo contrário, pretendo, pormeio da constatação da existência de uma audiência segmentada surda, suscitar umareflexão crítica sobre o tipo de jornalismo que estamos, enquanto profissionais de mídia,disponibilizando aos múltiplos públicos tanto de Fortaleza como do Brasil afora. Issoporque, se parto do pressuposto de que a comunicação é voltada para o social, acreditoque preciso ponderar as técnicas que estou utilizando nesse processo de mediação.

Será que nossos formatos televisivos, na verdade, não estão nos distanciando daquelesque deveriam ser o alvo de nossos produtos, os telespectadores? Estamos realmentehumanizando nossos textos apenas com o uso de linguagem coloquial, a prática de umadinâmica mais leve e teatral em nossos telejornais locais de TV aberta, aqui exemplificadospelo “Jornal do 10”?

Enquanto comunicador social cujas práticas laborais estão voltadas para o jornalismo,acredito que é preciso parar e pensar um pouco em questões como essas.

Todos nós sabemos que, dentro da sociedade da informação e das novas tecnologias emque vivemos, os mercados se expandem, as inovações tecnológicas surgem praticamente atodo instante e nos estimulam, enquanto jornalistas, a estarmos sempre abertos paraassimilarmos aquilo que é apresentado como novo, as novas tendências, assim como novastécnicas e novas linguagens.

Então, porque ainda não paramos para pensar em adaptações estruturais de nossasproduções midiáticas para aqueles que não podem escutar o áudio de nossas informaçõeseminentemente visuais? Já temos acompanhado transformações experimentais para essepúblico em produtos publicitários institucionais, bem como em informes eleitorais doGoverno Federal, e ainda, em pronunciamentos oficiais, mas, será que, enquantoprofissionais da mídia televisiva, não vamos atentar para as necessidades específicasdesses públicos?

Reconhecemos que os sujeitos surdos não dispõem de tanta visibilidade nos Media como jápossuem as crianças carentes, os adolescentes abandonados, aqueles que sofrem com afome, dentre outros. Mas, como podem ser vistos aqueles cujo acesso à informação énegado por conta da ausência do código lingüístico que utilizam?

Precisamos ver melhor as vozes desses sujeitos que se comunicam de maneira espaço-visual e os sentidos do outro lado nos incomodam e nos levam a pensar em mudanças eessas, na maioria das vezes, não são fáceis de serem viabilizadas.

Compreendo que não é tão simples mudar, mas pelos resultados dessa pesquisa, comprovoser gratificante a sensação de ver pessoas que não têm um contínuo acesso às notícias dodia-a-dia que são veiculadas em telejornais como o “Jornal do 10”, conseguindo perceber eouvir com os próprios olhos as informações sobre os fatos que acontecem na cidade em

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que vivem. Tudo isso sendo possível, quando ao lhes serem viabilizado o acessocomunicacional por meio da Língua Brasileira de Sinais.

Com a esperança de ver uma comunicação verdadeiramente social, enquanto jornalista,tomo por base o discurso de MS2:

(...) Eu acho que seria bem melhor que as empresas batalhassem para conseguirintérpretes... E isso é possível!... E a gente fica tão feliz quando vê um intérprete nocantinho da tela porque a gente fica mais assim interessado em saber o que é que estáse passando... (...).

De fato é possível fazer adaptações técnicas para viabilizar a interpretação simultânea,pois, como acompanhei no decorrer dessa pesquisa, já tivemos inserções experimentaiscomo essa em outros produtos de emissoras locais cearenses. Mas, observei que issoaconteceu de maneira esporádica, visto que ainda não há a participação de intérpretes delínguas de sinais como regra natural das transmissões dos telejornais locais tanto emFortaleza como em outras cidades. Por isso, insisto que o jornalista deve estar atento aoque pode acontecer do outro lado daquilo que veicula.

De acordo com o que propõe RIBEIRO (2004:105), esse profissional deve evitar alinguagem indignada. Deve, enfim, desconfiar da unanimidade, que é inimiga da reflexão. Para esse autor, a missão do jornalista contém forte elemento ético. Ele desfruta de umasérie de liberdades ou privilégios (...), mas nunca em seu nome pessoal, e sim no de seupúblico.

Diante disso, acredito que precisamos refletir sobre o tipo de trabalho que estamosprestando à sociedade alvo de nossos produtos. Isso porque, se dispomos de taisprivilégios no que diz respeito à ética ou à pragmática do exercício profissional jornalístico,devemos exercer a profissão conciliando a linha editorial do veículo em que trabalhamoscom as necessidades do público a quem informamos.

Mesmo assim, acredito, assim como RIBEIRO (2004), na boa notícia de que estádesaparecendo da consciência popular a crença de que seria legítima a enormedesigualdade que existe aqui no Brasil. E, como nunca se falou tanto em inclusão socialcomo tem sido visto ultimamente nessa primeira década do Século XXI, defendo queentender os sentidos do outro lado, é uma das ferramentas que podemos usar, enquantojornalistas, para compreender o alcance da mensagem de nossos textos, humanizandonosso trabalho e, por fim, enxergando o outro, o telespectador de nossos produtos.

Portanto, a partir desses diálogos investigativos com surdos que desenvolvi aqui, querodeixar aberto o espaço para fomentar discussões acerca do fazer jornalístico local deFortaleza e por que não do Brasil, no intuito de estimular um trabalho cada vez maiscomprometido com o público telespectador, evitando que a TV apareça destruída ouinacessível aos múltiplos públicos que fazem parte da audiência. De fato, esse é umtrabalho que está apenas começando e deve ser feito, inclusive, por várias mãos.

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SAULO XAVIER DE SOUZA - Jornalista & Tradutor-Intérprete deLínguas de Sinais e Orais. Graduado pela Universidade de Fortaleza,Unifor (2005). Intérprete Profissional pela Federação Nacional deEducação e Integração dos Surdos, Feneis/CE (2004) com Grau deProfeciência em Tradução-Interpretação de Libras/Português/Librasna categoria “ouvintes fluentes em Libras com escolaridade de NívelSuperior”, obtido pelo êxito no Exame Nacional de Profeciência emLibras, PROLIBRAS (2006). Mestrando do Programa de Pós-Graduaçãoem Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina,UFSC, com uma pesquisa sobre práticas interpretativas em produtos

de ensino (DVDs) do curso de Letras-Libras da UFSC, sob orientação da Profa. Dra. RoniceMüller de Quadros. Voluntário do Movimento Jovens Com Uma Missão, Jocum, na área deComunicação, tradutor literário da Editora Jocum Brasil, voluntário docente em workshopsda Universidade das Nações, UofN. Jornalista responsável, editor e revisor voluntário naCentral Mídia Jocum Brasil. E-mail: [email protected]


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