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Tinha que ser você - VISIONVOX

Date post: 10-May-2023
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Sinopse:Ele é o melhor amigo que uma garota pode ter...

Divertido, amoroso, dedicado e intrometido no que se refere a vida amorosa das suas amigas,George leva uma vida feliz ao lado de Ben, seu namorado de longa data. Mas o noivado deDaniel e Julie o deixa pensativo a respeito do próprio passado e de tudo o que ele enfrentou aolado das amigas, Julie e Jo.

Em Tinha que ser você, vamos embarcar na jornada de George, o personagem mais amado dasérie. Nessa novela do universo After Dark, vamos ter a oportunidade de saber mais sobre comoele se transformou no homem que é hoje.

Tinha que ser vocêA. C. MeyerCopyright © 2021 por A. C. MeyerCopidesque: Luizyana PolettoDiagramação: Andréia BarbozaCapa: Fernanda Fernandez

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.Este livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são produtos da

imaginação do autor ou foram usados de forma fictícia e não devem ser interpretados como reais.Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, eventos reais, localidades ou organizações émeramente coincidência.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9610 de 19/02/1998. Exceto para o usode pequenos trechos em resenhas, é proibida a reprodução ou utilização deste livro, no todo ouem parte, de qualquer forma, sem a permissão prévia por escrito do detentor dos direitos autoraisdeste livro.

Nota da autora

Querido leitor(a),Durante anos, uma das perguntas que mais recebi de vocês foi: vai ter livro do George? E

eu sempre disse que não, porque ele conta sua trajetória no decorrer de toda a série. Mas o rumodas histórias que escrevo não é determinado por mim, mas sim pelos personagens. E Georgeresolveu finalmente nos contar um pouco mais da sua jornada.

E por saber que esse é um personagem especial para os leitores, fiquei me perguntandocomo eu conseguiria fazer um livro físico desta novela. A solução encontrada foi realizar umoutro pedido que vocês me fizeram ao longo dos anos: publicar em formato físico os contos dasérie After Dark.

Então, neste livro, você vai encontrar, além de Tinha que ser você, os cinco contos da sérieAfter Dark. Esses contos são cenas extras ou deletadas dos livros originais, que disponibilizeipara que vocês matassem um pouquinho da saudade dos personagens.

Espero que gostem da surpresa, e que se divirtam e se emocionem com a jornada do Georgetanto quanto eu amei escrevê-la!

Beijão,A. C. Meyer

Ordem sugerida de leitura:

Louca por você

Dia dos namorados especial

Tinha que ser você

Surpresa para você

Apaixonada por você

O primeiro natal de Danny e Julie

Depois do felizes para sempre

Fascinada por você

Louco por elas

Encantada por você

Playlist:Can you feel the love tonight – Boyce AvenueI don’t wanna miss a thing – Jake Coco & Savannah OutenCrazy little things called love – QueenGod only knows – Kina Grannis & Imaginary Future100 Years – Five For Fighting

The lazy song – Bruno Mars

“Não há ninguém que eu queira ser além de mim.”Ralph, Detona Ralph

Um

George

— ESTOU EXAUSTO — digo a Ben ao chegarmos em casa após a festa de noivado deJulie. Jogo o paletó sobre o sofá da sala e me sento, recostando sobre uma almofada macia.

— Tomar conta da vida das suas amigas cansa mesmo — Ben fala com um tom divertido eeu dou uma risada alta.

— Não estou tomando conta da vida delas, mi amor. O que você pensa que sou?Fofoqueiro?

Ben segue em direção a cozinha, mas fala por cima do ombro antes de se afastar.— Fofoqueiro? Você? Imagina!Posso ouvir sua risada daqui, mas não me incomodo. Se cuidar das minhas duas garotas

favoritas é ser fofoqueiro, sou com orgulho. O que sinto por elas é maior do que o que sinto porqualquer um. O elo que nos une é muito maior que uma simples amizade. É um amor puro eprofundo, que é completamente recíproco e que não exige nada em troca. Não sei como seria aminha vida se Julie não tivesse me encontrado naquele dia na biblioteca, quando estávamos naquinta série.

Fecho os olhos e sorrio ao me lembrar daquele dia. Eu só tinha onze anos, mas aslembranças continuam muito nítidas na minha memória.

***

5ª série do ensino fundamental

— O que você está fazendo aí? — Ouvi a voz de uma menina por trás de mim e estremeci.Droga, resmunguei para mim mesmo. Achei que tinha conseguido me esconder para não serencontrado por ninguém na hora do intervalo. Pelo visto, vou ter que escolher melhor meusesconderijos, concluí.

Fechei os olhos, respirei fundo e falei em um grunhido, sem nem olhar para trás:— Nada.Não ouvi resposta e suspirei aliviado. Achei que provavelmente a minha resposta

atravessada tinha sido o suficiente para mandar a intrometida embora. Mas ao me virar, dei decara com uma garotinha loira, bem mais baixa que eu, com olhos azuis brilhantes e cenhofranzido.

— Seus olhos são da cor dos meus — ela disse ao olhar para o meu rosto e o franzido natesta foi substituído por uma expressão de surpresa, que era um reflexo da minha própria. Eurealmente não esperava esse comentário.

— Boa parte da população mundial possui olhos azuis — falei em tom baixo e defensivo,dando de ombros. Eu era um garoto inteligente. Os excluídos geralmente o são. Eles mergulhamnos livros para não serem notados. Desde muito cedo aprendi o quanto os colegas de escolapodiam ser maldosos quando eu baixava a guarda.

Para minha surpresa, a garotinha riu, completamente alheia a minha indiferença, e

continuou falando.— Eu sei, bobo. Mas são azuis brilhantes como as estrelas no céu — ela disse com um

sorriso sonhador, o que me deixou ainda mais na defensiva. Eu não estava acostumado aninguém me elogiando, muito pelo contrário. Os adjetivos usados para meninos como eu nãoeram do tipo que alguém se orgulhe de ouvir.

— Olha aqui, garotinha... — comecei a falar, mas ela colocou a mão na cintura e seu olharse transformou em desafiador.

— Ei! Não sou uma garotinha.— É sim — teimei, sem saber por que estava perdendo tempo com a loirinha intrometida

que me deixava desconfortável com aquele papo de olhos da cor das estrelas.— Se eu sou uma garotinha, você também é. Um garotinho, quero dizer.Balancei a cabeça com veemência.— Você deve ser uns três ou quatro anos mais nova do que eu. Uma criança — falei, em

tom de desprezo. Como se eu não fosse uma criança também.Ela riu.— Sou da mesma série que você. Inclusive, fazemos algumas aulas juntos. Provavelmente

temos a mesma idade.— Duvido muito — resmunguei. Meu comentário parecia teimosia, mas não resisti. Não

estava pronto para ser amável com ninguém. Comecei a enfiar o livro que estava lendo dentro damochila para me afastar dali. Eu estava acostumado a passar os intervalos sozinho e toda essaconversa sem sentido começou a me deixar nervoso, na expectativa de quando ela começaria adebochar de mim. Como todos os outros.

— Eu tenho dez anos — ela disse, com um sorriso presunçoso, como se estivesse medizendo que era uma mulher adulta e dona do seu próprio nariz.

— Não disse? Uma garotinha — falei em tom de desafio e comecei a me levantar dacadeira. Então a menina bufou – o que eu não esperava- e eu a olhei, intrigado. — O que foi? Eutenho onze anos. Sou mais velho que você.

— Grande coisa. Tenho quase isso. — Ela deu de ombros. — Podemos muito bem seramigos mesmo você sendo tãooo mais velho — ela falou em tom de deboche e revirou os olhos.

— Amigos? — perguntei, inclinando a cabeça para o lado esquerdo. Isso era uma coisa queeu não tinha. Nenhum. Na verdade, nem sei se até aquele dia alguém já havia usado a palavraamigo para se referir a mim. Afinal, quem ia querer ser amigo de alguém tão diferente de todomundo como eu?

— Aham — ela confirmou, empurrando uma mecha do cabelo loiro para trás da orelha. Emseguida, olhou para os lados, como se estivesse procurando por algo. — Pelo que me parece vocênão tem nenhum. E eu só tenho a Jo. A minha mãe disse que quanto mais amigos, melhor — elaexplicou, como se eu conhecesse a tal Jo ou a mãe dela, e isso fizesse algum sentido.

— E por que você quer que eu seja seu amigo? — Cruzei os braços, me sentindo realmenteintrigado, querendo compreender o motivo pelo qual ela estava insistindo tanto pela minha“amizade”.

— Por que você é novo aqui, parece não ter amigos, tem olhos azuis brilhantes – o que éindicativo de alguém legal – e gosta de ler, assim como eu.

Eu a observei com atenção, tentando captar alguma pontada de maldade em sua expressão epalavras, mas não encontrei nada. Desde muito jovem aprendi a analisar a intenção das pessoas.Eu acreditava que gostariam de mim se eu fosse bom, respeitador, educado e sincero, masaprendi da forma mais dura que as outras crianças eram más com aqueles que não se encaixavam

em suas expectativas. E eu nem entendia muito bem por que não conseguia ser igual a eles... masmeus interesses eram diferentes, assim como o meu comportamento, para desgosto de todos...inclusive do meu pai. É por isso que ficar sozinho era a melhor opção. Assim, ninguém podia memachucar... de forma nenhuma.

Mas essa menina... ela parecia diferente. De alguma forma, pude ver a sinceridade em suaspalavras e não consegui evitar a curiosidade com sua determinação de me convencer a ser seu...amigo.

— Hum... você gosta de ler? — perguntei e ela sorri novamente, assentindo, parecendoiluminar o lugar.

O sinal tocou, indicando que o intervalo havia terminado. Coloquei a mochila no ombro eme afastei da mesa, sendo seguido de perto por ela.

— Eu sou a Juliette Walsh. Mas todo mundo me chama de Julie. E você?Ela passou na minha frente e começou a andar de costas, virada de frente para mim, com

aquele sorriso enorme no rosto, o que me fez sorrir também. E mesmo depois de tantos anos, mefaz sorrir só de lembrar.

— Eu sou o George Preston. Você vai acabar caindo e se machucando assim, garotinha.Pisquei para ela e seu sorriso se ampliou ainda mais. Em seguida, Julie veio para o meu

lado, se virando de frente novamente.— Você tem aula de quê?— Matemática — respondi com um suspiro.— Ótimo, eu também. Vamos lá, vou te apresentar a Jo. Nós três seremos amigos para

sempre — ela falou com tanta certeza, que pela primeira vez em muito tempo me permiti confiarem alguém.

E foi a melhor coisa que fiz na vida.

***

Desde que Julie e Jo se tornaram minhas amigas, não me lembro de um momento que nãotenhamos estado juntos. Todos os momentos marcantes da minha vida, elas estiveram presentes,assim como eu estive nos delas. Nos momentos bons, mas também nos ruins. Dividimos risadas,sonhos, esperanças, lágrimas e tristezas.

***

9ª ano

Quando a diretora da escola apareceu em nossa sala de aula com aquela expressão triste,tive certeza de que algo de muito errado tinha acontecido. Ela pediu licença, chamou a professorade lado e sussurrou algo em seu ouvido. Olhei para Julie, que estava fazendo anotações em seucaderno, parecendo alheia a movimentação, e em seguida para Jo, que encontrou meu olhar. Essaera uma das muitas aulas que fazíamos juntos, já que sempre nos inscrevíamos para as mesmasdisciplinas. Éramos amigos há uns quatro anos e nos conhecíamos tão profundamente, quecostumávamos dizer que éramos como almas trigêmeas e que nos falávamos pelo olhar. E o deJo estava me dizendo que ela estava com a mesma sensação sombria que eu.

— Juliette e Johanna, podem vir comigo, por favor? — a diretora chamou as duas e eu sentium arrepio subir pela base da minha coluna. Jo olhou para a mulher mais velha, intrigada, e Juliea encarou com os olhos arregalados.

— Claro — as duas responderam, soando desconfortáveis. Comecei a guardar meu materialpara segui-las.

— George, é só as duas — a professora falou ao me ver pronto para sair, mas eu já estavame levantando e segui as duas em direção a porta da sala.

— Srta. Andrews, a Julie é a aluna mais comportada dessa escola. E a Jo não fica atrás. Seelas estão sendo chamada pela diretora é por que algo está muito errado e não vou deixá-lasenfrentar seja o que for sozinhas — falei com firmeza, encarando a professora. Desafiar alguémera o tipo de coisa que eu jamais faria antes de conhece-las. Mas agora, eu estava pronto paravirar um leão se alguém mexesse com alguma das minhas meninas.

Quando ela assentiu sem protestar, percebi que era algo realmente grave e segui as duas.Nós três fomos de mãos dadas até a diretoria. Senti os dedos gelados de Julie entre os meus

e apertei sua mão de leve, tentando lhe passar força. Eu não fazia ideia do que estavaacontecendo, mas seja lá o que fosse, eu as defenderia com unhas e dentes. Essas meninas meresgataram da solidão e trouxeram luz para a minha vida, e eu jamais permitiria que algo oualguém as magoasse ou lhes fizesse algum mal.

Quando a diretora me viu chegar junto com elas, pareceu incerta. Mas antes que ela tivessechance de dizer qualquer coisa, eu tomei a inciativa.

— Sra. Morgan, sei que você chamou as duas, mas você sabe que somos como os trêsmosqueteiros. Não vamos deixá-las enfrentar nada sozinha, seja lá o que tenha acontecido. AJulie não fez nada de errado, nem a Jo. Essas meninas são um anjo e... — comecei a defendê-las,mas a diretora me interrompeu.

— Por favor, entrem. — Ela indicou a porta da sua sala e pediu que nos sentássemos. Suaexpressão era extremamente triste. — Em outra circunstância, talvez não permitisse que vocêficasse aqui, mas... — ela fez uma pausa e se inclinou para frente, segurando a mão de Julie. —Querida, os pais da Johanna estão vindo buscar vocês.

— Nos buscar? Mas o que houve? — Julie perguntou.Neste momento, Mary e Paul entraram na sala. Ela estava com os olhos vermelhos e o rosto

inchado, como se tivesse chorado muito. E ele, parecia devastado. Nunca vi ninguém tão tristeassim.

— Mãe? — Jo perguntou. — O que houve?— Querida... — ela murmurou, mas foi interrompida por um soluço.Paul se aproximou de nós, se agachou diante de Julie e segurou suas mãos.— Julie, houve um acidente.Julie o encarou, com a expressão confusa.— Acidente? — ela perguntou em voz baixa.— Sim... seus pais saíram para almoçar no shopping e na volta, um carro os atingiu. O

motorista estava em alta velocidade.Julie abriu e fechou a boca algumas vezes, como se estivesse em choque.— O quê? — ela murmurou, olhando para mim e para Jo, em busca de compreensão do que

estava sendo dito.— Mas eles estão bem, não é? Foram levados para qual hospital? Se machucaram muito? E

o outro motorista? A polícia o prendeu? — questionei, sem fôlego.— Quero ver os meus pais — Julie pediu com os olhos cheios de lágrimas.Paul nos encarou, parecendo não saber como responder as nossas perguntas, enquanto Mary

chorava ainda mais.— Pai, você pode por favor nos dizer exatamente o que está acontecendo? — Estremeci

com a firmeza na voz de Jo. Enquanto eu e Julie sempre fomos totalmente sentimentais, desdemenina ela é a pessoa mais racional que conheço.

Aquela foi a primeira vez que vi a o pai de Jo tão desconcertado. Ele engoliu em seco,parecendo procurar as palavras certas.

— Eles... eles se foram... — a voz de Paul falha e o choro de Mary se torna mais alto. Osdois casais eram muito amigos e os pais de Jo pareciam arrasados.

Nem eu, nem as meninas já havíamos tido contato com a morte antes. Foi um golpe duro,principalmente para Julie. Ela se virou para mim e a puxei para um abraço forte. Enquanto seucorpo estremecia contra o meu e suas lágrimas molhavam meu peito, beijei o topo da sua cabeça,sentindo meus próprios olhos se encherem de lágrimas. Tenho que ser forte, pensei comigomesmo. A Julie vai precisar de mim. E quando Jo se aproximou de mim também, nosenvolvendo em um abraço triplo, prometi a mim mesmo que iria proteger as duas por toda aminha vida. Não importava o que acontecesse, elas sempre me teriam ao seu lado. Sempre.

***

Ser um adolescente gay não foi nada fácil. O mundo é duro demais com quem aqueles queousam ser diferente da maioria. E os adolescentes parecem ser ainda mais cruéis. Demorei muitopara assumir minha sexualidade, pois perdi as contas de quantas vezes fui xingado, hostilizado esofri preconceito por ser gay. Relutei muito a me aceitar. Me achava uma aberração. Como eupodia ser feliz me sentindo atraído por outros garotos?

Desde criança sofri bullying por ser diferente e isso me fez sofrer demais. Além disso, meuspais eram extremamente conservadores. Por isso, só aos dezessete anos me permiti passar pelaexperiência do primeiro beijo. Foi um momento de descoberta, mas de muita culpa também. E,mais uma vez, foram Julie e Jo que me tiraram do fundo do poço da culpa e autorrecriminação.Elas duas foram essenciais para que eu compreendesse o que estava acontecendo comigo e desseos primeiros passos para aceitar quem sou, para que eu me respeitasse e me amasse sem culpa.

***

3ª ano do ensino médio

— O que você está fazendo aí? — Julie perguntou e não pude conter o meu sorriso com acoincidência de suas palavras.

— Sabe que foi exatamente isso o que você me perguntou quando a gente se conheceu,garotinha? — perguntei, me virando para ela com um sorriso.

— Parece que você tem o mal costume de se isolar — ela disse, com uma risadinha e seaproximou de mim, envolvendo os braços na minha cintura. — É seu aniversário. Você deveriaestar lá fora, comemorando com todo mundo e curtindo a sua festa.

Eu a aconcheguei em meus braços, com um sorrisinho que não alcançou meus olhos. Nãoimaginei que aos dezessete anos eu fosse me sentir tão confuso e desamparado. A formaturaestava quase aí e o futuro parecia desafiador demais.

— Eu estava precisando de um tempinho — falei, ainda abraçado a ela.— Aconteceu alguma coisa? — ela perguntou, em um tom de voz preocupado.Fiquei em silêncio por alguns instantes. Minha cabeça estava confusa demais até para mim

mesmo. Os últimos acontecimentos foram estranhos e, ao mesmo tempo reveladores. Como aafirmação de algo que eu tinha dentro de mim, mas que não sabia como nomear. E agora eu

estava com medo. Muito medo, pois era a certeza de que realmente eu era diferente dos outros.Uma aberração, como diria meu pai. Só de pensar nele, meu corpo inteiro estremeceu de pavor.

Julie se afastou um pouquinho de mim, apenas o suficiente para erguer o rosto e olhar emmeus olhos. Vi medo e preocupação em seu olhar.

— O que houve, George? Fala comigo... você sabe que pode confiar em mim, não sabe? —ela perguntou e eu senti meu coração se apertar. Não tem ninguém em quem eu confiasse maisdo que nela e em Jo. Elas eram minhas melhores amigas. Minhas irmãs. A família do meucoração.

— Claro que sei — respondi com um sorriso e a puxei para o sofá no canto da sala.Mary fez questão de que comemorássemos o meu aniversário em sua casa, já que ela sabia

que meu pai jamais permitiria que um bando de adolescentes perturbasse o seu sossego. Masaquela sala era uma área proibida para os participantes da festa, o que a tornou um lugar perfeitopara reflexão... e confidências. Essa não vai ser a nossa melhor conversa de todos os tempos,pensei, me remexendo no sofá, desconfortável.

Contar aquilo em voz alta era assustador.— Vocês dois se juntaram para fofocar sobre alguma coisa e nem me chamaram? — Jo

perguntou da porta, com a mão na cintura e um sorriso no rosto. E eu sorri de volta. Era incrívelcomo ela e Julie sempre foram tão diferentes uma da outra. Enquanto Julie sempre foi toda fofa eromântica, cheia de sonhos e estrelas nos olhos, Jo era determinada e eu diria até ousada demaispara sua idade. Eu a admirava por ela não ter medo de nada.

Dei um tapinha no sofá e ela se aproximou, se sentando entre nós.— E então? — Jo perguntou, olhando de mim para Julie. — O que está rolando?Julie deu de ombros e eu respirei fundo, criando coragem para falar.— Eu beijei alguém. — As palavras saíram emboladas, como se fossem uma só. Jo abriu a

boca, parecendo em choque e Julie bateu palmas, animada. — Mas não é o que vocês estãopensando. — Fechei os olhos, morrendo de vergonha, sem coragem de olhar para elas.

— Como assim, não é o que a gente está pensando? — Jo questionou. — Você beijou ounão beijou alguém?

Assenti, confirmando, mas na sequência, balancei a cabeça de um lado para o outro.— George? O que isso significa? — Julie perguntou, refletindo a sua confusão em seu tom

de voz.— Você beijou ou não alguém? — Jo questionou de novo. Antes que eu tivesse chance de

falar alguma coisa, ela continuou. — Espere. Você foi beijado a força? É isso? Alguém fezalguma coisa com você sem a sua concordância? — A cada pergunta, sua voz se elevava mais.

Ela se levantou de repente, andando de um lado para o outro, como se estivesse pronta paradesvendar um crime.

— Shhhhh! — murmurei, balançando as mãos para que ela diminuísse o tom de voz eparasse de andar pela sala. — Se eu quisesse que todo mundo soubesse, faria essa declaração emum mega fone.

Ouvi a risada de Julie, enquanto Jo parou e cruzou os braços.— Se você contasse logo quem, quando, como e porque você beijou, eu não precisava ficar

tentando adivinhar.Com uma risada. bati novamente no lugar ao meu lado no sofá.— Se acomode aqui, Sherlock. Eu vou contar.Ela bufou, revirou os olhos e se sentou ao meu lado. Fiquei em silêncio alguns instantes, até

criar coragem para falar.

— Eu beijei alguém. Hoje. Atrás das arquibancadas. Por que me senti atraído. Mas... —fechei os olhos e continuei a falar, sentindo meu rosto esquentar. — Não foi uma garota.

A sala ficou em silêncio e eu abri só um olho para ver suas expressões. Será que elasestavam assustadas? Com nojo de mim? Ah, Deus, será que perdi minhas amigas?, mequestionei. Mas quando olhei para as duas, suas expressões estavam serenas. Como se nãoestivessem ouvindo qualquer novidade.

Abri o outro olho e as encarei abertamente.— Vocês me ouviram? Eu beijei...— Um garoto — Jo resume a situação. — Sim, eu ouvi. Você ouviu? — ela perguntou para

Julie, que assentiu com um sorriso.— Muitíssimo bem. Quem é ele? É gato? Como foi? Vocês estão namorando? — Julie

perguntou, ao mesmo tempo que Jo foi mais incisiva em suas questões.— Foi bom? Foi só beijo ou rolou algo mais? Foi um só?Abri a boca e olhei para as duas desconcertado.— O que foi? — Jo perguntou, arqueando a sobrancelha.— A gente nunca beijou, George. Você precisa nos contar como é.Jo olhou para Julie com um ar superior.— Fale por você, por que eu beijei o Jimmy Lewis na festa da primavera.Joguei uma almofada do sofá em cima dela.— Sua cachorra. Nem contou pra gente! — reclamei e ela deu uma risada, dando de

ombros.— Não foi nada demais. Foi só um beijo e nem foi grande coisa. — Ela fechou os olhos e

fez uma careta. — Babado demais.— Ecaaaa — eu e Julie falamos ao mesmo tempo e rimos.— Mas não estamos aqui para falar do meu beijo babado e nojento. Pode terminar de contar

sobre o seu e o que é que aconteceu que não é o que estamos pensando.Julie assentiu várias vezes, parecendo ansiosa para saber da fofoca.Soltei um suspiro e falei:— Não beijei uma garota — repeti, dando ênfase ao aspecto feminino da expressão.— Sim, já compreendemos isso — Julie afirmou. — E qual é o problema?— O que isso faz de mim? — perguntei baixinho e fechei os olhos. — Que tipo de pessoa

beija outro garoto? — Coloquei para fora meu maior temor.— Ah, não... — Jo levou as mãos ao rosto, impaciente. — Não estou acreditando que

vamos seguir por esse caminho.— O quê? — Franzi o cenho, confuso.— George. Você sabe que a gente te ama, não sabe? — ela perguntou e eu concordei. —

Sabe que somos muito sinceras com você, não é? — Assenti mais uma vez. — Não há qualquerproblema em você beijar um garoto. E se alguém disser que tem, me avise que vou mandar omeu irmão dar um soco em quem falar isso. — Dei uma risada, imaginando o estouradinho doDaniel me defendendo por aí.

— Amigo, a gente sabe quem você é. O que você é. Não tem nada de errado com você.Muito menos com o fato de você ter beijado um garoto. Se foi consensual e você gostou, estátudo bem.

— Mas e se as pessoas rirem de mim?— Você vai abrir mão da sua felicidade por causa de gente idiota? — Jo perguntou e Julie

colocou a mão sobre a boca de Jo, fazendo um shhhhhh desesperado. — O quê? — Jo

questionou com a voz abafada pela mão de Julie.— Não fale isso. Idiota é palavrão.Jo empurrou a mão de Julie e revirou os olhos.— Meu Deus, de onde você tirou isso? Idiota já foi incorporado ao dicionário — ela

comentou comenta e Julie franziu o cenho.— De jeito nenhum.— Com certeza.Suspirei enquanto as duas discutiam, até que deixei escapar:— Eu sempre achei que tinha algum problema comigo, mas nunca quis me aprofundar

nessas questões. Deus me livre se meu pai descobrir isso. Ele é o homem mais machista queconheço e vive soltando piadinhas para mim e me tratando com desprezo. Se ele tiver certeza deque sou... não quero nem pensar no que ele pode fazer. Mas quando o Vince me beijou...

— Vince?— Vince Johnson? Você está ficando com o Vince Johnson? O capitão do time de futebol?Concordei e elas soltaram gritinhos.— Ele é um gato. Esquece o seu pai. Desculpa amigo, mas ele é um idiota — Jo falou,

olhando de forma desafiadora para Julie.— É mesmo — Julie concordou, vencida e eu dei uma risada. As duas sabiam bem a forma

como meu pai me tratava. — E o Vince é lindo demais.Nós três rimos.— Vocês estão namorando? — Julie perguntou.— Não. Não sei. Acho que não. Ainda estou um pouco confuso com tudo isso.— Por quê? — ela me questionou. — O que tem para se sentir confuso?— E se você vier com esse papo de que tem algo errado com você de novo, quem vai te

bater sou eu — Jo disse, me fazendo rir.De repente, uma questão me passa pela cabeça:— Você acha que isso é normal? — perguntei a ela, que arqueou a sobrancelha.— Isso o quê?— Beijar outro garoto? Não gostar de meninas. Não me sentir atraído por elas?— E por que não seria? — Jo perguntou. — George, você é um garoto educado, inteligente,

engraçado, carinhoso. Por quem você se apaixona ou se sente atraído não é da conta de ninguém.Quem te ama, não vai te amar menos por isso. Todos nós queremos que você seja feliz. Que vocêame e seja amado, por que você merece toda a felicidade do mundo.

Passei a ponta do dedo no canto dos olhos, enxugando as lágrimas que se formaram comsuas palavras, me sentindo acolhido. Apoiado. Amado.

— Nós nunca vamos te julgar, George. Você é nosso irmão. Nós vamos te apoiar sempre.Tudo o que a gente quer é que você se relacione com alguém que te ame e valorize a pessoamaravilhosa que você é.

— Eu resisti muito... — falei baixinho e as lágrimas começaram a cair. — Não queriaaceitar a minha... natureza. Tive medo... ainda tenho... do que as pessoas vão dizer ou fazer... doque a minha família vai dizer quando souber o que sou... mas ter o apoio de vocês me faz sentirmelhor.

Segurei a mão das duas e as apertei de leve.— As pessoas podem ser cruéis — falei. — Me lembro de que no dia em que a Julie me

encontrou na biblioteca, eu estava fugindo da turma. Tinha entrado há pouco tempo no colégio eos garotos ficavam debochando de mim. Rindo do meu jeito. Apontando o quanto eu era

diferente. Me chamando por apelidos ofensivos.— É por isso que você estava lá? — ela perguntou.— É sim, garotinha. Eu estava me escondendo. Durante todos esses anos, sufoquei meus

sentimentos. Tentei, juro que tentei, me sentir atraído por alguma garota, mas não consegui.— A gente não escolhe por quem se sente atraído, George. Isso não é uma opção. Não é

uma preferência. Ninguém escolhe ou opta conscientemente a sua orientação sexual. Assimcomo eu não escolhi me sentir atraída por garotos, você também não — Jo disse e eu assenti.

— Seria tão mais fácil poder escolher...— Mas não seria quem você é, George. Para que as pessoas respeitem quem você é você

precisa se respeitar primeiro. Não se maltrate, se forçando a seguir um padrão pré-determinadoque não se encaixa em quem você é. Só vai te trazer sofrimento.

— Você tem razão...— Claro que eu tenho — Jo falou, com arrogância.— Convencida — respondi, com uma careta e ela riu.— Será que dá para os dois beijoqueiros me contarem os detalhes? Preciso me aproveitar da

vida amorosa de vocês, já que não tenho uma — Julie resmungou e nós dois rimos.— Não tem por que não quer. O Sam Carlson está louco por você.Revirei os olhos.— Por favor, não — pedi, olhando para Julie. — Você não quer dar o primeiro beijo em

Sam Carlson.— Ele é gatinho — Jo reclamou.— Ele é muito chato. E tem bafo.— Ecaaaaaa — Julie resmungou, colocando a mão no rosto. — Eu queria mesmo é que meu

primeiro beijo fosse com...— A festa mudou de lugar? — Daniel enfiou a cabeça por entre a porta, perguntando. —

Vocês vão ficar escondidos aqui a noite toda?Jo revirou os olhos, Julie se inclinou para frente, apoiou a cabeça entre as pernas e gemeu,

enquanto eu ri.— Já estamos indo — respondi. Ele concordou e saiu. — Acho melhor irmos lá para fora,

antes que transfiram a festa pra cá.Eu e Julie começamos a nos levantar, quando Jo me chamou.— George.— Sim?— Não deixe que ninguém diga o que você pode ou não fazer. Seu coração te pertence para

amar quem você quiser. Sem rótulos.Jo jamais saberia o quanto suas palavras foram importantes para mim. Eu as carrego comigo

até hoje. Olhei para ela e sorri, sentindo como se meu peito fosse explodir de tanto amor pelasduas.

— Como você se tornou tão sábia? — perguntei. Ela riu e deu de ombros.— Faz parte do meu charme.— Amo você. Amo vocês duas. — Eu as puxei para um abraço. — Esse é um amor para

toda a vida, por que vocês são a minha família do coração.Jo tinha razão. Não preciso de rótulos, nem tenho que seguir os parâmetros da vida dos

outros para ser aceito. Me aceitar não foi um caminho fácil, mas pelo menos eu compreendi paraonde deveria ir. E o mais importante disso tudo, é que não estava sozinho. Desde que Julie meencontrou, eu nunca mais estive só.

Dois— GEORGE? ESTÁ TUDO BEM? — Ben pergunta, me trazendo de volta ao presente. Sua

expressão demonstra preocupação, o que é natural, já que ele não está acostumado a me verquieto e pensativo.

— Está, sim... só estava pensando nas meninas... — falo, sem querer me aprofundar noassunto. O passado é cheio de amor, mas tem muita dor também. Algo que procuro não colocarpara fora, pois não quero que as pessoas vejam o quanto já fui machucado. Prefiro que as pessoasme vejam como o homem feliz, divertido e bem-sucedido que sou hoje a me verem lamentandopelo que já passou.

— Você parece estar triste... — ele comenta enquanto se aproxima de mim. Ao se sentar,vejo que está com dois copos de água na mão e oferece um deles a mim.

Sorrio e pego o copo, levando-o aos lábios para tomar um gole enquanto reflito sobre seucomentário.

— Não diria que estou triste... só um pouco melancólico.Toda vez que me lembro da minha infância e adolescência, acabo me sentindo assim. É por

isso que evito pensar no passado, porque detesto esse baixo-astral. Já tive minha cota de tristezapara uma vida toda.

— Hum... está preocupado com a Julie? Você acha que o Daniel pode fazer algum mal aela? — ele me pergunta com o tom de voz suave. Não é uma acusação... ele só está curioso.

— Daniel? OMG! Não! — respondo depressa. — Tenho certeza de que ele a ama deverdade e vai fazer tudo o que puder para que ela seja feliz. Quase tê-la perdido foi um baquepara ele. Não acredito que Danny faria algo ruim depois de todo o trabalho que teve pararecuperá-la.

Ben segura minha mão e entrelaça os dedos nos meus.— Eu concordo... é nítido que ele a ama tanto quanto ela. — Ele faz uma pausa antes de

perguntar: — Mas se não é isso que está te preocupando, o que é? Está com receio que a amizadede vocês mude?

Dou um aperto leve em sua mão e fico em silêncio por alguns instantes, tentando colocar asideias no lugar.

— Um pouco. As coisas estão mudando depressa... a Julie está grávida e vai se casar. Essessão dois grandes acontecimentos na vida de uma mulher. Em breve, o mesmo acontecerá comJo...

— Jo? Mas ela ainda está solteira — Ben afirma e dá uma risada. — Se ela te ouvir falar emcasamento, filhos e o nome dela na mesma frase, vai ficar louca.

Reviro os olhos e coloco o copo na mesa de canto, enquanto rio.— Eu conheço aquelas duas como a palma da minha mão. — Abro a mão livre e mostro a

ele. — Tenho certeza absoluta de que algo está acontecendo com aquela garota. Mas eu voudescobrir o que é.

Ben dá uma gargalhada.— Você é impossível — ele diz, balançando a cabeça. — Mas não é só isso, não é? — ele

pergunta.O fato de Ben me conhecer intimamente a ponto de saber quando não estou bem costuma

ser algo que eu amo. Exceto quando ele percebe coisas que eu não gostaria de falar.

Sabendo que não vou conseguir fugir de sua pergunta, balanço a cabeça e suspiro.— Não quero perdê-las — murmuro, me sentindo egoísta.— Você não vai perdê-las, George.— Minha consciência sabe, mas meu coração...— Seu coração deveria saber que ele é muito grande, assim como o de todos nós. Dá para

amar muitas pessoas ao mesmo tempo — ele fala e sorri como se estivesse dizendo algo muitoóbvio.

Pior que está mesmo.— Estou sendo um péssimo amigo, não estou? — Solto sua mão e me inclino para frente,

apoiando a cabeça nas mãos. Sou conhecido como “a rainha do drama”, mas só faço isso parabrincar com elas. Na verdade, odeio sentir pena de mim mesmo.

— Claro que não, George. — Sinto a mão firme de Ben nas minhas costas. — É natural quevocê se sinta assim. Todo mundo se assusta quando percebe que a vida vai mudar. Mas se vocêparar para pensar... nós moramos juntos há um tempo e a sua relação com elas não mudou. Porque mudaria agora?

Assinto ao ouvir suas palavras. Racionalmente, sei disso. Mas não posso evitar de melembrar do que aconteceu há alguns anos, quando perdi tudo. A minha vida desaboucompletamente e só tive as duas para me segurar. Elas foram a minha força no momento maisdifícil que já passei. E é impossível não temer perdê-las.

— Você tem razão — falo, me virando para ele. — Com sempre.Ben dá de ombros e sorri, me puxando para si.— Eu te amo, George. Não gosto de ver você sofrer assim...Ele se inclina, emoldura meu rosto com as mãos e cobre meus lábios com os seus. O beijo é

doce, tão cheio de carinho e amor que sinto o calor se espalhar pelo meu interior. Com os olhosfechados, relaxo em seus braços e me perco na sensação que me envolve cada vez que estou comBen.

Quando eu era mais jovens, sempre acreditei que o conceito de almas gêmeas era umafantasia romântica, algo lindo nos livros e na tela dos cinemas, mas totalmente inalcançável navida real. Até Ben aparecer e me mostrar que todas aquelas relações horríveis que tive nopassado eram só uma preparação para que eu encontrasse o homem da minha vida.

Aprofundo o beijo e, após alguns instantes, me afasto apenas o suficiente para murmurarcontra sua boca, antes de voltar a beijá-lo:

— Eu também te amo.

Três— TIOOOOO GEEEOOOOORRRRGGGEEEEE! — Sorrio ao ouvir o gritinho animado

de Maggie, a filha de Jenny quando me vê do outro lado do corredor do shopping. A menina éuma fofura e conquistou a todos nós.

Me apresso em sua direção ao perceber que Jenny segura sua mão com firmeza paraimpedi-la de sair correndo, mas me surpreendo com a expressão em seu rosto. Não é o olharimpaciente de uma mãe que tenta conter uma criança levada, mas de pânico. Claro, deve seraterrorizante pensar em perder a filha pequena no meio de um shopping lotado, mas poucosmetros nos separam e tal terror me parece um pouco excessivo.

Hum... estranho. Vou ter que investigar isso com mais cuidado, penso comigo mesmo.Ao me aproximar das duas, me agacho e abro os braços para pegar Maggie no colo. Só

então Jenny solta a mão dela, que corre para mim e se joga em meu abraço.— Eu estava MOR-REN-DO de saudade! — a menina fala, e eu dou uma gargalhada.— Cada dia que passa, ela fala mais e mais como você — Jenny diz, e eu olho para cima

com um sorriso enquanto ela revira os olhos, finalmente com a expressão de diversão.— É porque ela tem bom gosto e se espelha no melhor tio, não é, ursinha?Maggie balança a cabeça para cima e para baixo várias vezes, concordando.— Só tem que ter cuidado para não roubar sua coroa de rainha do drama. — A voz de Jo

soa com malícia divertida atrás de mim. Me levanto com Maggie no colo e me viro para olhá-la.Levo a mão livre ao peito e abro a boca, fazendo a melhor expressão de espanto. Balanço a

cabeça de leve e finalmente digo:— Não posso acreditar que você está chamando o seu melhor amigo, aquele que escolheu

esse vestido ma-ra-vi-lho-so que você está usando, que te acompanha ao shopping lotado parauma maratona de compras bem no período de Natal e te ouve reclamar daqueles gostosões deHollywood que são seus clientes, de rainha do drama.

Maggie balança a cabeça com uma expressão aborrecida em apoio ao seu tio favorito.— Pode acreditar nisso, ursinha?— Hum-hum — ela grunhe, me apoiando. Eu amo essa menina!

Jo se vira para Jenny, que está rindo, e fala antes de se aproximar da médica paracumprimentá-la com um beijo:

— Está vendo só, Jenny? A realeza do drama está reunida e a gente não tem a menor chancecontra eles!

Levanto a mão para Maggie, que bate na palma com um gritinho de uhu e depois faço umgesto chamando Jo para um abraço.

— Estou de olho em você, docinho — falo em seu ouvido quando ela encaixa o corpo nomeu.

— Não sei o que tanto você quer olhar em mim — ela responde em tom inocente, sefazendo de desentendida.

Me afasto um pouco e olho para ela com os olhos semicerrados.— Ninguém esconde coisas de George Preston por muito tempo — falo com a mão na frente

do rosto, apontando e girando o dedo indicador para ela, que ri.Vai rindo... penso comigo mesmo. Quem ri por último, sabe mais.— Onde está a grávida do ano? — pergunto, estranhando a ausência de Julie.

— Está a caminho. O Daniel resolveu trazê-la. Ele estava preocupado que ela viesse sozinha— Jo explica.

Reviro os olhos e sorrio.— O Danny Boy a mima demais! — digo em tom de brincadeira. Ele mima mesmo, mas ela

merece todo o amor do mundo.Jenny se aproxima e estende as mãos para pegar Maggie do meu colo. A menina abraça a

mãe e posso ver o amor que existe entre as duas. Talvez por eu não ter esse tipo de vínculo com aminha própria mãe, ver uma relação tão linda quanto a das duas enche ainda mais meu coraçãode amor.

— O que acham de começarmos por aquela loja ali? — As garotas concordam. — Certo.Vou enviar uma mensagem a Julie avisando onde nos encontrar.

Começo a digitar no celular enquanto seguimos para a boutique em busca dos vestidos queelas usariam no Natal.

Eu: Você está atrasada, garotinha. Tsc Tsc.

Julie: Desculpaa! O Daniel chegou mais cedo em casa e acabou me atrasando! >D

Eu: Ahammm. Sei! É óbvio que entre chegar na hora para fazer compras com seus amigose rolar entre os lençóis com seu amor, sua escolha não seria o shopping lotado!

Julie: Ainda bem que você me entende! ��

Eu: Estamos na Lindee’s, aquela boutique nova no primeiro piso do shopping.

Julie: Já já encontro vocês!

Entramos na loja vazia, apesar do shopping lotado, e começamos a olhar as araras de roupas.Aquela é uma boutique especializada em roupas casuais, mas elegantes, perfeitas para uma festade Natal em família. Enquanto Jo e Jenny observam um lindo vestido azul de seda e comentamsobre a estampa, sigo com Maggie, que largou a mãe para ficar com o tio favorito remexendo nasararas.

— Bom dia, meu nome é Susannah. Posso ajudar? — a vendedora pergunta. Olho para ajovem, que deve ter cerca de vinte e cinco anos, e sorrio.

— Olá, Susannah. Pode, sim. Nós vamos querer experimentar esse — retiro um vestido curtoverde, que vai ficar perfeito em Jo, e entrego a ela —, esse daqui... — vou pegando e entregandoas roupas que combinam com cada uma das minhas meninas. Logo, a vendedora tem uma pilhade roupas nos braços.

— Você não está pensando em acabar com o estoque da loja, não é? — Ouço uma voz atrásde mim e me viro para encontrar Julie, que me observa com um sorriso enorme nos lábios.

— Se depender de mim, vocês levam tu-di-nho. Sabe disso — respondo e a puxo para umabraço triplo, já que Maggie continua pendurada em mim.

— Tia Ju parece uma princesa — Maggie fala enquanto acaricia uma longa mecha doscabelos loiros de Julie.

Nós dois nos olhamos e soltamos um awnnnn ao mesmo tempo, o que faz a vendedora rir.— Vamos para o provador!

***

Algumas horas e muitas sacolas de compras depois, seguimos para o nosso restaurantefavorito. Os corredores do shopping parecem ficar mais cheios à medida que as horas passam,algo muito comum nesta época do ano. Estamos virando o corredor em que se localiza orestaurante quando um movimento em uma loja me chama atenção. Ao virar a cabeça para olhar,sinto como se tivesse levado um soco no estômago. Ofego, me inclinando de leve para a frente eum tremor toma meu corpo inteiro.

— George? Você está bem? — Jo, que está ao meu lado pergunta, parecendo preocupada.Abro a boca para falar, mas nada sai. O nó em meu peito parece aumentar e comprimir meus

pulmões, fazendo com que eu quase não consiga respirar. Jo me faz parar para tentar descobrir oque está acontecendo comigo. Mas ficar ali me deixa ainda pior. Com o mínimo de força que meresta, peço:

— Por favor, me tire daqui. — Minha voz sai tão baixa e trêmula que mal a reconheço.Jo arregala os olhos, percebendo que algo realmente sério está acontecendo. Ela abre a boca

para chamar Julie e Jenny. As duas estão mais à frente com Maggie, mas seguro sua mão.— Não... vamos para o restaurante. Não quero chamar atenção — peço, e ela assente,

envolvendo meu corpo com seu braço esquerdo e me conduzindo para o local onde vamosalmoçar.

— Você está suando frio — ela diz e segura minha mão. — O que está sentindo? — elapergunta, mas eu balanço a cabeça, sem conseguir falar. Estou revivendo meu pior pesadelo eodeio me sentir assim. Detesto como eles ainda têm o poder de me fazer mal.

Quando finalmente chegamos ao restaurante, Jenny, Julie e Maggie já estão sentadas emuma mesa no canto. Julie está com um sorriso provocador no rosto e começa a falar quando nosaproximamos da mesa.

— Eu sabia que se deixasse vocês virem atrás de nós, acabariam parando em algum lugar. Oque foi que compraram?

Jo balança a cabeça e a seriedade em seu rosto alerta as duas que algo está errado.— George? Está sentindo alguma coisa? — Jenny pergunta, percebendo que não estou bem.Assinto, mas apesar de sentir como se estivesse tendo um ataque cardíaco, olho para Maggie,

que brinca com uma boneca. Não quero que ela me veja assim. Não quero assustá-la,principalmente porque sei que algo aconteceu para que Jenny viva sempre muito desconfiada.

Julie parece compreender minha apreensão, se levanta e fala para Maggie:— O que acha de irmos brincar no parquinho? — Ela aponta para o espaço infantil que fica

dentro de uma sala de vidro bem perto de onde estamos.— Simmm! — Maggie fala com alegria, mas parece se lembrar de algo. Ela se vira para

Jenny e pergunta baixinho: — Posso ir, mamãe?— Claro — Jenny diz. — Pode, sim. — Ela olha para Julie e murmura um obrigada.Julie pisca para ela e olha para mim, parecendo estar com o coração na mão. Ao mesmo

tempo em que ela está preocupada, sabe que precisa afastar Maggie dali para que a mãe possaverificar minhas condições. Que é exatamente o que ela faz quando as duas se afastam,assumindo seu papel de médica.

— O que está acontecendo? — ela pergunta, tirando um grande estojo de dentro da bolsa decouro que ela carrega.

— Ele ficou pálido de repente, parece estar com dificuldade para respirar. Está suando frio ecom as mãos muito geladas.

Jenny se senta ao meu lado, coloca o aparelho de pressão em meu braço e, enquanto a faixaapertada começa a inchar, me faz uma série de perguntas. Mas a única coisa que consigo fazer é

murmurar, olhando para Jo.— Eu a vi. Pela primeira vez em anos, eu a vi. Achei que nunca mais a encontraria, ainda

mais nos lugares que a gente frequenta. Eu a vi sozinha, mas tenho certeza de que ele estavajunto. Você sabe que ela não sai sozinha.

Jo me encara sem entender, até que arregala os olhos e percebo que a ficha caiu.— Ela? Tem certeza? — ela questiona, e eu assinto.Jenny termina de aferir minha pressão, tira o estetoscópio do ouvido e pergunta, séria:— Vocês podem me contar o que está acontecendo?

Jo me olha, e eu faço um sinal com a cabeça para que ela fale.— O George viu a mãe. Eles não se veem há muitos anos. Desde... — Jo se interrompe,

incerta se pode contar ou não, mas eu consigo completar.— Desde que eles me expulsaram de casa ao descobrirem que sou gay — falo e contorço o

rosto em uma expressão de dor.Jenny franze o cenho.

— Não é à toa que a sua pressão está nas alturas — ela fala. — Você deve ter tido uma crisede ansiedade. Respire fundo algumas vezes... isso — ela murmura com a voz tranquila e faz umsinal para o garçom. — Pode nos trazer uma garrafa de água? — ela pede ao homem, que assentee se afasta.

Franzo o cenho e faço uma careta.— Ugh. E eu que achei que tomaríamos champanhe para comemorar nossa maratona bem-

sucedida de compras.— Vamos deixar o brinde para outro momento, tá? Agora quero que você relaxe. — Eu

assinto, e ela sorri com carinho para mim. — Quer falar sobre isso?— Não... — murmuro, me sentindo fraco. — Odeio falar sobre eles, detesto sequer me

lembrar de tudo o que aconteceu. Foi o momento mais terrível da minha vida. — Me viro paraJo. — Pior do que quando Brian McDougall pichou a porta do banheiro masculino no terceiroano do ensino médio com aquele xingamento a meu respeito — falo e reviro os olhos, melembrando do quanto aquilo me magoou. Demorou um tempo para que eu me sentisse bemcomigo mesmo e aceitasse quem eu realmente era. E o fato de sofrer bullying na escola e de osmeus pais me expulsarem de casa não me ajudou em nada para que isso acontecesse.

— Desse horrível acontecimento, só me lembro do chute que dei no saco dele quandodescobri quem foi o responsável pela pichação — Jo relembra com desdém, e eu rio.

— Foi a primeira vez que você foi suspensa na escola. Tudo para me defender — falo eestendo a mão para segurar a sua.

— E não me arrependo. Faria tudo de novo. Porque você...— É a minha família do coração — completo, e ela sorri, se encostando em mim em um

gesto de carinho.— Deus, eu odeio valentões — Jenny fala com uma expressão sombria e estremece, o que

me faz imaginar que ela já deva ter tido sua cota de valentões no decorrer da vida. Ela respirafundo e balança a cabeça, como se estivesse tentando afastar as memórias. — Gostaria de ir paracasa, George? Pode ajudar sair do shopping cheio e se deitar um pouco...

É a minha vez de respirar fundo. Fecho os olhos e balanço a cabeça. Aqueles dois tirarammuito de mim. E eu não permitiria que me roubassem mais nada. Nem mesmo um almoço comas minhas melhores amigas.

— Não — falo com a voz mais firme e abro os olhos. — Vou ficar bem. Foi só um susto. —Aperto a mão de Jo com mais firmeza e estendo a outra para segurar a de Jenny. — Obrigado,

meninas. Mas ninguém vai roubar meu precioso tempo com vocês. Nem mesmo os fantasmas dopassado, que devem ficar onde pertencem. No passado.

Jo abre um sorriso enorme, parecendo estar orgulhosa das minhas palavras, e Jenny inclina acabeça de leve para o lado.

— Você é um homem corajoso, George — ela murmura e sorri de leve.— Porque eu tenho uma família adorável que me dá toda a força que preciso — respondo,

apertando mais uma vez as mãos das duas, indicando que estou me referindo a elas. Ainda queeu conhecesse Jenny há pouco tempo, já a amava como parte da nossa família. — O que achamde chamarmos aquelas duas para fazermos os pedidos? Estou mor-ren-do de fome!

Jo dá uma risada alta.— Agora sim eu acredito que você está melhor.

Enquanto Jenny se levanta para ir até o parquinho chamar Julie e Maggie, pego o cardápiosobre a mesa, decidido a esquecer os últimos acontecimentos e me concentrar no momento atual,que é muito mais importante para mim.

Quatro— TEM CERTEZA DE QUE vai fazer isso? — Julie pergunta, preocupada.

— Tenho que fazer... não posso continuar vivendo uma mentira — respondo, nervoso. —Não aguento mais me esconder... esconder quem sou.

Ela assente e me abraça.— Eu sei... você tem razão. Só sinto medo das consequências.— Eu também.— Promete que se algo acontecer você vai me procurar?— Garotinha, não posso me impor na casa da Mary — respondo, sabendo exatamente a

que ela está se referindo.— George — ela fala em um tom sério, como jamais a vi falar —, você não vai estar se

impondo. A Mary te ama, assim como o Paul. E nenhum de nós jamais irá te abandonar. Vocêtem que me prometer que vai me procurar se algo der errado.

Fecho os olhos e respiro fundo. Já tivemos essa conversa inúmeras vezes. O medo do queaconteceria é real. Mas lá no fundo, tenho a esperança de que o amor vá vencer. E que vou seraceito e vou ter o apoio deles.

— Tudo bem — digo com um suspiro. — Prometo que vou te procurar se algo der errado.Ela sorri e me abraça com força, parecendo um pouco mais aliviada, se é que isso é

possível, tendo em vista as circunstâncias.— Amo você.— Eu também te amo, garotinha.

***

Durante o jantar, a oportunidade aparece como em um passe de mágica.— O jantar dos McGregor vai acontecer no sábado, a partir das 19h — meu pai, um coronel

reformado da marinha, fala. Apesar de não ser mais militar há alguns anos, ele nunca perdeu aaltivez, nem o hábito de dar ordens. Especialmente à minha mãe, como faz agora. — George,você vai também.

— Mas... — começo a protestar, mas ele me interrompe.— Sem mas. A filha de Spencer Gregory será a sua acompanhante. Está decidido.Ofego com o pensamento de ter que levar mais uma filha dos seus amigos a um evento

social. Já estou cansado de todo esse fingimento.— Não vou, não — falo.— George! — minha mãe exclama, chocada demais com a minha “rebeldia”.

— Não, mamãe. Não vou — me viro para o “coronel” —, nem vou servir de acompanhantepara moças que não conheço. Estou cansado de viver essa mentira.

— Você vai, sim! — A voz do meu pai reverbera pela sala de jantar, me fazendo estremecer.— Eu e Spencer temos conversado sobre o relacionamento de vocês e...

— Relacionamento? Que relacionamento? — pergunto, com o cenho franzido.— Entre você e a filha dele.— Pai, não existe relacionamento entre mim e a filha de ninguém.— Mas vai existir.

— Não, pai. Nunca vai existir um relacionamento entre nós ou qualquer outra garota quevocê escolha...

Ele me interrompe e se levanta da mesa. Bate com as mãos sobre o tampo, fazendo a louçaestremecer.

— Como você ousa me desafiar? — ele pergunta, e eu continuo a falar no mesmo tom de vozbaixo de antes:

— ...porque eu sou gay.A sala fica em um silêncio tão profundo que seria possível ouvir o zumbido de uma mosca

passando ou de uma pluma caindo no chão. Meu pai parece atordoado e minha mãe, assustada.É como se já soubesse o que aquela caixa de pandora estava escondendo e estivesse sentadasobre ela, tentando não deixar que a verdade viesse à tona. Eu não deveria me surpreender como fato de ela já saber. Sempre ouvi dizer que as mães sabem de tudo, e ali estava a prova.

Desvio o olhar de minha mãe e olho para meu pai, cujo rosto começa a ficar mais vermelhoe sua expressão se transforma. Eu já o tinha visto com raiva muitas vezes, afinal ele é umhomem explosivo e autoritário, mas nunca o vi tão descompensado como agora.

Ele empurra a cadeira para trás e antes que eu perceba, vem para cima de mim. Quandovejo que ele está prestes a me agredir, seguro seus braços. Ele é um homem forte, mas além deforça, eu tenho a juventude que lhe falta e consigo conter seu avanço.

— Quero você fora da minha casa! — ele esbraveja e minha mãe ofega. — Não estou aquipara ser envergonhado por um... — ele faz uma breve pausa e me olha com expressão de nojo —por uma coisa como você. Fora!

— Querido... — minha mãe murmura, parecendo intervir, mas ele se vira para ela com fogono olhar.

— Esqueça que você teve filho. Um traste desses não deveria ter nascido! — ele grita eminha mãe chora. — Anda, fora da minha casa.

Ele me empurra em direção à porta e antes que tenha chance de fazer algo comigo, eu saiodepressa, mergulhando na escuridão da noite e sem rumo.

Abro os olhos assustado e pisco algumas vezes para me situar. Quando meu cérebroconsegue registrar que estou na minha casa, em meu quarto, deitado ao lado de Ben, uma ondade alívio me toma e a adrenalina faz meu corpo tremer.

Empurro o lençol e olho para o lado. Ben está em um sono tranquilo, então me levantodevagar para não acordá-lo. Pé ante pé, atravesso o quarto em direção ao corredor e sigo para acozinha.

A água gelada esfria meu corpo coberto de suor. Dou alguns goles, respirando fundoenquanto tento me acalmar e apagar da memória o que o pesadelo trouxe de volta, mesmo quetenha sido uma versão compilada da realidade. Há anos eu não tinha pesadelos como esse, e seique foi desencadeado por tê-la visto no shopping.

Foi extremamente difícil lidar com tudo o que aconteceu depois que ele me mandou embora,e ela não interviu. Ainda que eu saiba que minha mãe era submissa demais, que ele não a deixavanem mesmo ir sozinha ao cabelereiro, quando saí de casa, achei que ela tentaria manter contatocomigo, não que viraria as costas para o seu único filho. Foi decepcionante demais.

Fui acolhido na casa dos Stewart naquela mesma noite. Passei por lá para falar com Julie eJo, decidido a ir para um hotel – que eu pagaria com o dinheiro que estava em uma poupança queminha avó deixou para pagar meus estudos –, mas Mary e Paul não me permitiram sair.Arrumaram o quarto de hóspedes para mim, me compraram roupas e artigos para o dia a dia eme hospedaram em sua casa até que o primeiro semestre na UCLA se iniciasse, e eu pudesse me

mudar para um alojamento.Eu tinha uma dívida de gratidão com essa família por tudo o que fizeram por mim, não só

neste momento tão difícil em que eu perdi meu chão e meus elos familiares – ainda que elesfossem extremamente frágeis –, mas no decorrer de toda a minha vida, desde que Julie meencontrou na biblioteca quando ainda éramos crianças. É por isso que eu dizia que eles eram aminha família do coração. Nosso vínculo não era de sangue, mas nossos laços eram baseados noamor e no respeito mútuo. Eles sempre respeitaram e valorizaram a mim e minhas escolhas, semquerer apagar ou sem se envergonharem de quem sou. E tudo o que conquistei, devo ao carinho,apoio e incentivo dessas pessoas que são tão importantes em minha vida.

— Está tudo bem? — a voz rouca de Ben soa atrás de mim, e eu me viro para encará-lo. Seuscabelos castanhos estão bagunçados, seu peito está nu e a calça do pijama é baixa, deixando seucorpo firme e definido em exibição.

— Tive um pesadelo... — murmuro, bebendo mais um gole de água. — Mas já está tudobem — termino, com um sorrisinho nos lábios.

Ben me observa com aqueles olhos castanhos profundos que parecem enxergar dentro daminha alma.

— Foi o encontro, não é? — ele pergunta, se referindo ao que eu estava chamandode episódio infeliz.

Assinto, mas balanço a mão, descartando o assunto.— Foi, mas já passou. Prometi a mim mesmo que jamais permitiria que aqueles dois

tirassem qualquer coisa de mim novamente e não vai ser agora que vou voltar atrás na minhapromessa.

Ben ri e se aproxima um pouco mais.— Tenho muito orgulho de você — ele diz e estende a mão, procurando a minha.— E eu de você — respondo, entrelaçando os dedos nos seus.

Em seguida, sou puxado para ele, que me abraça com carinho e me faz sentir seguro comosempre acontece. Porque ele é meu lar. O amor da minha vida. O dono do meu coração.

— Vem, vamos dormir — ele sussurra em meu ouvido, e eu concordo. — Amanhã teremosum longo dia.

Eu sorrio e coloco o copo sobre a pia antes de seguir com ele para o quarto.— Um dia muito especial — comento e vejo as bochechas de Ben ficarem vermelhas com a

lembrança do seu aniversário. Sua timidez foi uma das coisas que me encantou nele... tãodiferente de mim.

Ben se deita ao meu lado e me puxa contra o calor do seu corpo. Ele beija meus cabelos,coloca o braço ao redor da minha cintura, entrelaça a mão na minha e sussurra:

— Boa noite, meu amor. Afaste essas lembranças ruins e sonhe comigo.Sorrio com o tom carinhoso. Ao contrário do que imaginei, rapidamente caio em um sono

tranquilo.

CincoDO LADO DE FORA, já é possível ver que a casa de Daniel e Julie em Santa Monica está

cheia. Todos os nossos amigos estão lá para a reunião em comemoração ao aniversário do Ben.Mal levanto a mão para tocar a campainha quando a porta se abre e me deparo com Julie dooutro lado. Seu sorriso parece iluminar o lugar.

— Que bom que vocês chegaram! — ela diz, me puxando para um abraço. Envolvo os braçosem seu corpo, mais arredondado pela gravidez, e beijo o topo da sua cabeça. — Como você está?— ela pergunta com o tom de voz preocupado. Eu sabia que ela estava apreensiva por causa doepisódio de ontem no shopping.

— Estou bem, garotinha. Melhor agora que estou com as pessoas que amo — falo e piscopara ela, que sorri para mim. E é verdade. Só de saber que teremos uma noite divertida ao ladodos nossos amigos, já me sinto feliz.

Julie me solta e abraça Ben, que retribui o gesto com carinho.— Parabéééééénnnnsss! — ela fala, e ele agradece, corado pelo constrangimento.Ben é londrino e além daquele sotaque britânico maravilhoso, tem uma característica que eu

acho muito fofa: a sua timidez. Adoro vê-lo com as bochechas coradas quando alguém o elogiaou a sua expressão sem jeito quando se torna o centro das atenções. Nesse aspecto, somostotalmente diferentes, já que eu A-DO-RO estar no meio da diversão.

— Obrigado por nos receber hoje — ele fala com um sorrisinho e os olhos brilhando dealegria enquanto Julie balança a mão como se não fosse nada e abre espaço para nos deixarentrar.

— Não tem nada a agradecer. Você sabe que a gente adora uma festa. Vamos, entrem — elanos empurra para dentro da casa —, está todo mundo lá nos fundos.

Damos a volta pela varanda e seguimos para o jardim onde todos os nossos amigos estão.Mal chegamos à entrada do jardim e Maggie corre na nossa direção através do deck de madeiracom vista para a praia.

— Tioooo Bennnnnnnnnnnnnn — ela grita, com os braços abertos e se joga no colo de Ben.Ele precisa agir rápido antes que o furacão caia – ou o derrube – no chão. —Parabééééééééénnnnnssss!

— Obrigado, meu amor — ele diz e a abraça.— Quantos anos você está fazendo? — ela pergunta com uma expressão curiosa.— Vinte e seis — Ben responde sorrindo, e ela franze o cenho.

Ainda no colo dele, Maggie se inclina na minha direção e sussurra alto o suficiente para quetodos possam ouvir.

— Tio George, ele está ficando muito velho.— Também acho, querida — respondo em um murmúrio e rio, abrindo os braços para pegá-

la no colo. — Venha dar um beijo no seu tio favorito.Ela se joga para mim, e eu a abraço com firmeza.— Quantos anos você tem, tio George? Você não é tão velho quanto ele, é? — ela pergunta.

Abro a boca e faço a melhor expressão surpresa.— Claro que não, ursinha! — respondo, e ela ri. — Sou muito jovem — falo, tocando o seu

narizinho com a ponta do dedo, sem dizer que estou quase lá.Pisco para Ben, que ri e segue em direção ao grande grupo que está conversando e bebendo.

Coloco Maggie no chão, e ela corre de volta para perto de Jude, o irmão de Alan. Ele estásentado à mesa de jantar com um lápis na mão e um caderno diante de si. Jude se vira paraMaggie quando ela fala alguma coisa. Sorrio ao ver a cena. Ele é um menino sério e muitoretraído, e acho linda a amizade que vem se formando entre os dois. Ainda que ele seja uns seisanos mais velho, sinto que Maggie faz bem a ele. Não é bom que um menino da sua idade sejatão sozinho.

Sigo logo atrás de Ben e Julie e observo com atenção a dinâmica do grupo. Mary estáconversando com Jenny enquanto Rafe as observa e conversa com Daniel e Zach, cujos olhosazuis estão voltados na direção de Jo, Alan e Paul. Arqueio a sobrancelha, intrigado com essatroca de olhares suspeita. Ben se vira para me chamar e, antes que fale alguma coisa, pareceperceber minha expressão intrigada.

— George! — sua voz é um sussurro, mas seu tom é de repreensão.— O quê? — Me faço de desentendido. Mas é óbvio que ele não compra minha

“inocência”. Isso que dá namorar com alguém que te conhece bem demais.— Deixe os seus amigos em paz — ele fala e para, esperando que eu chegue ao seu lado.

Entrelaço o braço no seu e quando voltamos a andar pelo deck, murmuro:— Claro que vou deixá-los em paz... e amor. Com um empurrãozinho, se for preciso — falo.

Pisco para ele, que ri e balança a cabeça.— Você não toma jeito...Dou de ombros e aperto seu braço de leve, indicando que já estamos muito próximos do

grupo.Depois que cumprimentamos a todos, Julie entrega uma taça de vinho tinto na mão de Ben, e

ele se junta a Danny e os outros rapazes, assim como Paul e Alan.Enquanto me sirvo de uma taça de vinho branco, vejo Jo cruzar o deck e vir na minha

direção. Ela sorri para mim ao se aproximar, e eu estendo a garrafa em sua direção para enchersua taça vazia.

— Obrigada, querido — ela fala enquanto sirvo a bebida. Então ela se inclina e me dá umbeijo no rosto. — Como você está? — ela pergunta, levando a taça aos lábios.

— Bem. — Eu suspiro. — Foi uma noite difícil. Muitas lembranças... — murmuro, e elaassente. — Mas já passou. Você sabe que não me dou ao luxo de ficar me lamentando.

— A vida é curta demais para chorar por coisas que não podem ou não valem a pena serconsertadas — ela repete o que costumo dizer para elas.

— Exatamente — respondo, erguendo a taça em um brinde silencioso.Tomo um gole do vinho gelado quando um par de olhos azuis encontram os meus e desviam

rapidamente. É como se ele estivesse sido pego no flagra.— O que está rolando? — pergunto para Jo. Ela franze o cenho.— O quê? — ela pergunta e bebe mais um pouco.— O que está rolando entre você e o bonitão de olhos azuis?Ela se engasga com o vinho e começa a tossir. Reviro os olhos enquanto dou batidinhas em

suas costas. Os olhos azuis estão de volta. Preocupados dessa vez.— Você cismou com isso, George! — ela resmunga quando finalmente consegue falar.

— Na, na, ni, na, não. Você sabe muito bem que não “cismo” — falo, fazendo aspas no arcom uma das mãos. — Eu tenho dois olhos azuis da cor do céu estrelado, lindos de morrer e queenxergam muito bem, graças a Deus. Porque eu acho que não ficaria muito bem de óculos. Nãocombina com a linha do meu maxilar — explico, apontando para a área do meu queixo.

— Aff, George. Não há nada entre mim e Zach, entendeu? Nada — ela protesta com

veemência... até demais.— Não falei no nome dele.— O único com olhos azuis aqui, além de você, é o Zach.— Está bastante atenta à cor dos olhos dele, hein?— George, você é irritante!Eu rio.

— Mas você me ama — falo, e ela dá de ombros — e sabe muito bem que eu não meengano. Assim como tenho notado uma certa troca de olhares entre nossa doutora e o MagicMike.

— Oi? — ela pergunta, boquiaberta.— Oi, tudo bem? — debocho, e ela ri. — Já notou como o Rafe parece uma versão

melhorada do Channing Tatum?Ela se vira para olhar na direção de Rafe, que está se agachando para ver algo que Maggie

está mostrando a ele em um pedaço de papel.— Eu nunca tinha notado, mas parece mesmo. Acho que é o porte dele — Jo comenta.— Lindo, bem-sucedido, muito educado e atencioso com crianças... — relaciono os

atributos de Rafe. — Pode ser uma boa combinação.Jo volta a me olhar:— George, não começa a implicar com a Jenny por causa disso como você faz comigo. Ela

não me parece... disposta se relacionar com alguém.Desvio os olhos de Rafe para Jenny. Ela está observando atentamente a filha enquanto ela

corre de volta para onde Jude está.— Ela parece ter sido magoada... — comento.

— Também acho... mas tenho a sensação de que é mais que isso. Ela me parece retraída earisca demais para ter sofrido uma mágoa apenas. Parece algo mais sério.

— Ela comentou alguma coisa? — pergunto, preocupado. Tenho a mesma sensação que Jo...como se algo de muito sério tivesse ocorrido para que uma moça tão jovem fosse tão fechadapara o mundo.

— Nada... ela leva o termo discrição a outro nível.Assinto, ainda olhando para Jenny, que continua a conversar com Mary, mas sempre de

olho na filha.— Tenho certeza de que quando ela nos conhecer melhor, vai nos permitir entrar...— E se não permitir, você arromba a porta, né? — Jo pergunta, em tom de deboche.— Ah, florzinha, você me conhece tãoooo bem!

Nós dois rimos, e eu tomo um gole do vinho.

***

Algum tempo depois, Julie nos chama para sentar à grande mesa que ela arrumou ao ar livre.Daniel está acomodado em uma das pontas, com ela ao seu lado. Em seguida vem Rafe, Maggie- que está muito animada por estar sentada ao lado de Jude -, Alan, Mary e Paul, na outra ponta.Ao lado dele vem Ben, seguido por mim, Jenny, Jo e Zach.

Enquanto comemos o delicioso filé com especiarias que foi preparado por Zach, nosso “chef”oficial, dou uma olhada ao redor com atenção e sorrio ao notar a dedicação de Julie com osdetalhes para nos proporcionar uma noite agradável.

A mesa de madeira escura está decorada com pequenos arranjos de gerânios vermelhos quedão um tom alegre à louça bege sobre os jogos americanos de couro marrom. As crianças

ganharam versões da louça em acetato. As taças altas de vinho e água estão espalhadas sobre amesa, bem como diversas garrafas para que possamos nos servir enquanto comemos. Ao lado,em uma mesa da mesma madeira igualmente escura, mas um pouco menor, estão dispostos osdiversos pratos que Zach preparou para esta noite. Dessa forma, cada um pode se servir àvontade, dando espaço na mesa principal.

O céu está limpo e repleto de estrelas que parecem cintilar ainda mais com a decoração deJulie fez no deck: inúmeras luzes de fada espalhadas pelo lugar. Ao longe, é possível ver o vai evem do mar e ouvir o som das ondas quebrando sob a música suave que toca nos alto-falantes.

Quando a voz doce do vocalista do Boyce Avenue começa a cantar uma linda versão de Canyou feel the love tonight, uma das minhas músicas favoritas de Elton John, sinto um calor pordentro, como se eu realmente pudesse sentir o amor essa noite ao meu redor.

Sinto a mão de Ben cobrir a minha, chamando minha atenção.— Ei... — ele murmura — Está tudo bem?

Assinto, olhando para ele e sorrio.— Está, sim. Estou só... — faço uma breve pausa, procurando a palavra certa

— absorvendo tudo ao nosso redor.Ben sorri e passa um braço ao redor dos meus ombros, me puxando contra si. Recosto a

cabeça contra seu peito firme, sentindo seu calor me envolver. Ben é a minha rocha, a âncora quemantém meus pés no chão e que me ajuda a enfrentar qualquer coisa que apareça diante de mim.Sei que tive a sorte de encontrar minha alma gêmea com mais rapidez do que a maioria daspessoas, mas quando se perde a base da sua vida se aprende a não desperdiçar as chances deencontrar a felicidade, algo que Ben me proporciona desde o primeiro minuto em que nossosolhos se cruzaram no campus da UCLA.

— Vocês são tão unidos... — Jenny comenta com a voz baixa, mas que todos ao nosso redorconseguem ouvir e assentem, concordando. — Como se conheceram? — ela pergunta olhandopara Ben.

Inclino a cabeça para cima e olho para ele, que desvia os olhos para mim e sorri de formaamorosa.

— Na universidade — ele responde. — Eu tinha chegado há poucos meses de Londres paracursar engenharia na UCLA. Vim transferido da Imperial College em busca de uma experiênciano exterior.

— Você saiu de Londres, de uma das principais universidades do Reino Unido, e veio pararna California? — Jo pergunta, sorrindo. Ela está cansada de ouvir essa história, mas pareceadorar a forma impulsiva com que Ben escolheu mudar seu destino.

Ele ri.— Eu estava cansado da chuva, do frio e toda aquela coisa de chá inglês — ele diz, com

aquele sotaque charmoso e todos nós rimos. Então se vira para Jenny — A verdade é que euresolvi agir por impulso pela primeira vez. Acho que estava numa fase meio rebelde, em buscade aventura... peguei o grande globo terrestre que havia no escritório do meu pai – um professoraposentado de Oxford – e o girei com firmeza. Quando ele estava prestes a parar, apontei o dedo,decidido que iria para onde quer que a impulsividade me levasse.

Jenny abriu a boca e arregalou os olhos.— E você apontou direto para a California?Ben riu.— Na verdade, não. Apontei para o Tajiquistão, um país da Ásia Central que faz fronteira

com o Afeganistão... mas achei que era aventureiro demais e decidi vir para os EUA. — Todos

nós rimos. — Aproveitando a inspiração do clima quente do Tajiquistão, decidi que queria ficarlonge do frio e da neve e decidi vir para a California.

Ben sorriu e pegou a taça de vinho, levando aos lábios e tomando um gole, antes decontinuar.

— Ele era o nerd do curso de engenharia — Julie fala para Jenny e todos nós rimos.— É verdade. Eu estava a caminho da aula de Estruturas metálicas e de madeiras — ele

começa a explicar e eu faço uma careta. Até hoje, não consigo entender como alguém podegostar disso —, e fui atropelado por um estudante afobado, que estava correndo para chegar auma festa universitária — ele conclui, apontando para mim.

Me recosto na minha cadeira e falo:— Não era uma festa qualquer. Era a festa da irmandade mais badalada do campus.Ben ri e seus olhos parecem ficar sonhadores, como se estivesse se lembrando dos

acontecimentos.— Ele me derrubou no chão...— Eu estava apressado!

— Com força — Ben complementa com voz de riso. — O caderno repleto de folhas soltascom a matéria que eu precisava estudar para um exame no dia seguinte voou das minhas mãos...

— E toda aquela papelada foi parar por todos os lados — falo, com um sorriso, melembrando daquele momento como se fosse ontem. — Mas eu o ajudei a pegar...

— Depois de resmungar que eu estava no seu caminho...— E estava mesmo!— Depois que catamos tudo, olhei pela primeira vez nesses olhos azuis brilhantes e senti

como se tivesse levado um soco no estômago.Me viro para Jenny e seguro seu antebraço, falando baixo como se estivesse contando um

segredo:— Ninguém resiste aos meus olhos azuis, meu bem. — Pisco e ela dá uma risadinha.— E o convite para jantar escapou dos meus lábios antes mesmo que eu pudesse pensar no

que estava fazendo.— Viu a ousadia? — pergunto a Jenny, piscando um dos olhos, fazendo todos na mesa

rirem.— Você foi jantar com o tio Ben, tio George? — Maggie pergunta, me fazendo notar que a

menininha está muito atenta ao nosso papo.— Fui — respondo a ela. — Ele me levou para comer pizza!A menina ergue as mãos e bate palmas. Ela adora pizza.— Quando ele abriu a boca para falar e as palavras soaram com esse sotaque britânico, me

esqueci da festa e simplesmente fui. — Rio, com a lembrança. Parecia que tinha sido há umavida, mas ao mesmo tempo... como se fosse ontem.

— Saímos do campus direto para o restaurante...— Uma cantina super romântica nos arredores do Hammer Museum...— Conversamos a noite inteira... acho que nunca falei tanto quanto naquele dia.— Fiz muitas perguntas, só para ouvir o sotaque.— Quando a noite acabou e seguimos para o campus, para que eu pudesse acompanhá-lo ao

seu dormitório...— Sempre cavalheiro — comento para Jenny, que assente.

— Eu o beijei antes que ele entrasse no prédio e não consegui soltá-lo — Ben conclui e dá deombros, sorrindo. Vejo as bochechas coradas e retribuo o sorriso.

— Ele me levou para sua casa, um pequeno loft próximo do campus, e não me deixou maispartir.

Ben entrelaça os dedos nos meus e leva minha mão aos lábios, dando um beijo gentil.— É que eu soube que tinha encontrado o amor da minha vida — ele fala, olhando em meus

olhos, fazendo meu estômago dar uma pirueta. — E sim, eu estava me sentindo ousado — elefala para nossos amigos, rindo. — O George ainda ficou um tempo indo e vindo do dormitóriono campus, até que consegui convencê-lo a ser ousado como eu — todos nós rimos — e virmorar de vez comigo.

— E estamos juntos desde então... — completo, com um sorriso enorme no rosto.— Vivendo felizes para sempre! — Maggie completa, fazendo todos gargalharem.Algum tempo depois, nossos amigos começam a se levantar da mesa, se espalhando pelo

deck em pequenos grupos. Então, Jenny se vira para mim e comenta:— Obrigada por dividir conosco a história de vocês. Fico muito feliz que vocês tenham se

encontrado e que o destino tenha sido bom... a grande maioria das relações não termina assim.Observo os olhos castanhos de Jenny por alguns instantes, tentando enxergar nas

profundezas do seu olhar aquilo que ela não está contando.— É verdade... nem sempre a nossa jornada é fácil, mas a gente ganha certos presentes.

Olhe o seu caso... — faço uma breve pausa e ela me observa, incrédula. — O destino te deu umagarotinha maravilhosa que ilumina os seus olhos a cada vez que te vê... algo que muitos de nósnão tem. — Ela assente e eu sorrio. — E assim é a vida, meu amor. Cheia de altos e baixos,muita dor e tristeza, mas também muitos momentos lindos como esta noite. O importante é nãodeixarmos que os momentos dolorosos se sobreponham aos felizes. Muitas pessoas passam pornossa vida todos os dias e precisamos estar atentos para não deixar que aquelas que sãorealmente especiais, como o Ben é para mim, ir embora.

Ela desvia os olhos, mas não antes que eu consiga ver um brilho dolorido.— Admiro o que vocês dois têm, mas não quero me relacionar com ninguém.Sigo o seu olhar e vejo Rafe com Maggie no colo, fazendo cócegas na barriga da

menininha.— E você não precisa, se realmente não quiser... mas se estiver pronta para aceitar que o

amor pode vir de várias formas, não só o amor puro entre mãe e filha, mas também entre amigosque podem se tornar a sua família se você permitir, a jornada da vida pode ser mais fácil de serenfrentada.

Ela me olha, pensativa, e depois de alguns instantes, assente.— Vou pensar a respeito de tudo o que você me falou... — ela faz uma pausa, como se

estivesse buscando as palavras certas, mas parece desistir de concluir o pensamento ao selevantar e sorrir para mim. — Acho que vou para casa. Tenho consultas agendadas amanhã bemcedo.

Eu me levanto e a abraço com carinho, mas os braços de Jenny continuam caídos contra aslaterais do seu corpo, que tensiona ao meu toque. Essa reação me diz que ela não estáacostumada ou não se sente à vontade em ser tocada.

— Cuidado no trânsito... — falo, ao soltá-la, e ela assente. Antes que ela possa se afastar, eucompleto: — E Jenny... — Ela se vira de volta para mim. — Você não está sozinha, viu? Nãomais. — Pisco para ela com um sorriso e me afasto da mesa, sabendo que ela precisa de espaço.

Seis— QUER DAR UMA caminhada na praia? — Ben me pergunta ao sairmos da casa de

Daniel e Julie.Sorrio para ele e assinto. Já faz muito tempo que não fazemos isso.— Claro. Estava mesmo com saudades de sentir a areia fria nos meus pés.Deixamos o carro onde estava e caminhamos de mãos dadas até o calçadão ali perto. A brisa

fresca envolve meu corpo e o cheiro da maresia alcança minhas narinas, o que me faz fechar osolhos e respirar fundo.

— Não sei como consegui viver tanto tempo longe do mar — Ben comenta. Abro os olhos eo vejo encarando o mar.

— Mas tem algumas praias nos arredores de Londres, não?Ele balança a cabeça e se vira para mim.

— As mais próximas ficam há pouco mais de uma hora e meia de distância. E nem secomparam a isso aqui.

Ben se inclina para desamarrar o cadarço do tênis, e eu imito seus movimentos. A mão livrede Ben procura a minha, entrelaçando os dedos nos meus.

Começamos a caminhar, e eu pergunto:— Você não sente falta? — As palavras escapam dos meus lábios e me repreendo por soar

tão inseguro. Não costumo me sentir assim com relação a ele, mas o que Jenny disse sobrerelacionamentos que não costumam ter finais felizes parece ter me afetado mais do que euimaginava.

— Do quê? — Ele arqueia a sobrancelha.— De Londres. Da sua família... da sua casa.Eu o vejo umedecer os lábios e sinto sua mão apertar a minha de leve.

— Claro que sim. Sinto saudades do lugar em que vivi por mais de vinte anos eprincipalmente dos meus pais. — Suas palavras fazem meu estômago afundar. — Mas, George,aqui é a minha casa. É onde minha família está.

Olho para ele, sentindo os olhos úmidos e sem entender porque estou tão emotivo.— Você é o meu lar, George. E eu não te trocaria por nada nesse mundo. Nem mesmo pelas

praias horríveis do meu país — ele fala baixinho, e eu rio. Paramos de andar e ele se aproxima,ficando de frente para mim. Ele solta o calçado, estende a mão para que eu faça o mesmo. Emseguida, solta a outra mão e a leva ao meu rosto, acariciando a minha bochecha. Ficamos algunsinstantes olhando um para o outro bem de perto. Mesmo no escuro, posso ver as pequenas sardasque cobrem seu nariz, os cílios longos que emolduram os olhos cor de âmbar e a curva do sorrisoem seus lábios.

— Eu te amo — falo em um sussurro.Seu sorriso aumenta, a mão alcança minha nuca, os dedos se enroscam em meus cabelos, e

ele me dá um beijo apaixonado. Quando nossas bocas se afastam, ele encosta a testa na minha.— Eu também te amo. Muito. Eu poderia ter escolhido qualquer lugar no mundo inteiro, mas

o destino me trouxe até aqui. Porque tinha que ser você, George. Você é a única pessoa que podeme completar e me fazer feliz de verdade. É o meu lar.

Ele move a mão de volta para meu rosto e acaricia a minha bochecha com a ponta dopolegar. Depois de me dar mais um beijo suave nos lábios, Ben se agacha para pegar nossos

sapatos e voltamos a caminhar pela areia.— O que achou da noite? — ele pergunta.— Produtiva.

— Hã? — ele questiona, me olhando com o cenho franzido.— Interceptei vááááááááriaaassss trocas de olhares.

Ben revira os olhos e dá uma gargalhada.— O que foi? — pergunto, me fazendo de desentendido.— Você não toma jeito.

— Prefiro tomar vinho. É mais saboroso.— E tomar conta da vida das suas amigas.Dessa vez, sou eu quem solta uma gargalhada.— Você está ficando debochado...— É a companhia — ele responde e pisca para mim.

— Tenho que ajudá-las, senão essas trocas de olhares nunca vão se tornar algo mais.— Sei...— Eu já tenho um plano de ação formado.— Por que isso não me surpreende? — ele pergunta, rindo.— Porque você me conhece muito bem. Sou George, o conselheiro amoroso.— Está mais para fofoqueiro amoroso.

— Bennnn! — protesto de brincadeira. Adoro quando ele implica comigo. — Eu só queroajudá-las!

— Mesmo que elas não queiram. — Ele assente.Dou de ombros.— Mas vamos lá, me ilumine com seus planos.

Rio com seu tom debochado.— Vou começar pela Jo. Ainda preciso fazer um estudo de caso no que diz respeito a

Jenny...— Estudo de caso?— Helllooooooo!?? Claro. Antes de decorar o lar de alguém, tenho que estudar os

ambientes, personalidades, gostos pessoais...— Você está comparando os possíveis relacionamentos das suas amigas com decoração de

interiores?— Claro. É basicamente a mesma coisa. Preciso mergulhar nos sentimentos do cliente para

encontrar aquilo que ele realmente precisa. E é exatamente isso que preciso fazer com elas.Tenho que me certificar de que o Rafe é o que ela precisa.

— Rafe? Mas você não disse que a Jo estava trocando olhares com o Zach?— E está! O Rafe não é para a Jo. É para a Jenny.É a minha vez de revirar os olhos. Ben me olha e ri.— Me desculpe se não consigo acompanhar os planos, ou melhor, seu estudo de caso de

forma apropriada.Dou um empurrãozinho em seu ombro e continuo a falar.

— Como eu disse, vou começar pela Jo. O negócio entre esses dois... — Olho para ele, queestá atento acompanhando minhas palavras — Zach e Jo... — explico para me certificar de queele está entendendo — está pegando fogo!

— E você vai... — ele deixa em aberto para que eu continue a falar.— Dar um jeito nessa situação, é claro! Essa troca de olhares vai se tornar uma linda história

de amor. Ou eu não me chamo George Preston!

Sinopse

Daniel e Julie estão namorando. Será que nesta data tão importante vai ter comemoraçãoespecial?

Confira neste conto de dia dos namorados.Atenção: essa história se passa no decorrer de Louca por você.

Um

Julie

HOJE É O DIA DOS NAMORADOS. Daniel anda tão carinhoso agora que voltamos aficar juntos, que espero que a qualquer momento ele fale sobre os nossos planos para esse dia.Sei que vai ser complicado fazer muita coisa porque o dia dos namorados cai exatamente em umdia de apresentação no After Dark, mas pelo menos um jantarzinho romântico a gente poderiater, certo? Pois é, mas eu não poderia estar mais enganada. Ele não falou nada, não fez planos enem mesmo as “dicas” que eu dei no decorrer da semana pareceram situá-lo a respeito da data.

Tentei com todas as forças não me abater. Diariamente, falava para mim mesma que eleestava comigo e isso é o que importava. Estar com ele era suficiente. Tinha que ser... Mas é tãodifícil estar com alguém que se ama com todo o seu coração, e essa pessoa não corresponder aosentimento como você espera. Sim, eu sei que Danny gosta de mim, mas amor verdadeiro?Daqueles que te deixa sem fôlego só de olhar para o outro? Acho que não. Ele nunca falou emamor, e eu... bem, a vida toda eu fui apaixonada por ele.

Respirando fundo e separo a minha roupa para a noite. Já que é dia dos namorados, voucolocar um vestido vermelho justo, de um ombro só, com meus cabelos soltos e um peep toenude.

Fico pensando... será que eu ligo para o Danny? Ele sumiu o dia inteiro, não parece estar emcasa e também não me ligou para avisar que vinha me buscar como sempre faz. Que estranho.Pego o celular para ligar para George e pedir a ele que venha me buscar e vejo uma mensagemde texto.

Baby, não vou poder buscá-la. O George vai te levar, ok? Já está combinado. Bjs

Pelo menos já sei que ele está vivo, né? Droga. Eu não queria ficar com o astral ruim numdia tão significativo. Foco, Julie, foco! Balanço a cabeça numa tentativa de espantar essespensamentos melancólicos e entro no chuveiro, cantarolando uma das músicas da playlist dehoje.

Termino o banho e começo a me arrumar. Me sento na cadeira em frente ao espelho, jávestida, para começar a arrumar o cabelo e me maquiar quando a campainha toca. Vou até aporta, imaginando quem pode ser.

— Oi, garotinha! Uau! Vermelho? Sexy! Gostei — George fala, parecendo umametralhadora verbal e sem me dar chance de sequer dizer oi. — Vamos arrumar esse cabelo parairmos ao AD.

— Eu estava começando a fazer isso — respondo e sorrio para meu amigo tão querido. —Hum, George, Danny falou algo com você hoje? — pergunto, me sentando na cadeira enquantoGeorge pega o secador.

— Ele me pediu para levá-la ao AD, pois tinha um compromisso.— Você não achou estranho? — pergunto, e ele liga o secador.— Estranho? Por quê? Não é a primeira vez que eu te levo ao AD — ele fala alto, sua voz

se sobressaindo ao barulho do secador.— Porque hoje é dia dos namorados, e ele deveria ter me ligado? Ou mandado flores? Ou

uma mensagem romântica?— Garotinha. — George desliga o secador e me vira para ficar de frente para ele. — Não

crie expectativas, eu já te falei. Viva um dia de cada vez com Danny Boy. Acho que ele nuncasequer comemorou o dia dos namorados — ele fala, sorri e aperta a minha bochecha como seestivesse falando com uma garotinha de verdade. — Agora, vire-se que eu quero arrumar essecabelo. Hoje o visual será outro.

— Outro?— Sim, hoje vamos deixá-la com cara de top model.George seca, puxa e estica meu cabelo, me deixando com a sensação de que estou quase

ficando careca. A única desvantagem de ser cantora é ter que passar por esses tratamentos detortura para subir no palco. Seria tão mais fácil se eu pudesse apenas fazer um rabo de cavalo evestir minhas calças de yoga confortáveis... bom, se George imaginar que eu estou pensandonisso, vai me fazer passar por mais tortura feminina só para que eu aprenda a não pensar assim.Droga.

Quando acabamos a produção da noite, ele me leva até o After Dark. Chegando lá,encontramos com Rafe na porta. Ele nos recebe com um sorriso constrangido no rosto. Oh,droga... não parece bom...

— George! Julie! Ehh... Oi.— Oi, Rafe. Meninos, vou deixar vocês, porque eu preciso encontrar o Alan para pass... —

Rafe me interrompe.— Eh... Julie, você não vai cantar hoje — ele fala de uma vez, e eu paro, olhando para ele

chocada.— Não vou? Não vou cantar? Como assim? — Já disse que estou chocada? CHO-CA-DA.— É que hoje teremos um convidado especial, e ele vai... cantar... no seu lugar.— Ohhh.— Garotinha, vamos para o bar beber um pouco.— George me puxa, acenando para Rafe, e eu o acompanho, ainda perdida com a notícia.Chegamos ao bar, e Jason abre um grande sorriso para mim.— Oi, gata! Quer beber alguma coisa?— Oi, gato! Duas tequilas, por favor — George responde, piscando o olho para ele. Todos

nós rimos. Jason nos serve os shots de tequila e abre um sorriso para mim.— Jason, você viu o Danny por aqui? — Eu não consigo segurar a pergunta.— Não, gata, não vi. Você deveria largá-lo e ficar comigo. Seríamos um casal quente!— Ah, sim, como dois gatos no cio — George fala, e Jason ri. — Circulando, Don Juan.

Deixa Danny saber que você está dando em cima da garota dele. — Jason coloca a mão nocoração, como se tivesse sido atingido, e nós três rimos.

— George, o que vou fazer com ele? — eu pergunto quando Jason se afasta.— Com Jason? Oh. My. God — George fala, parecendo chocado. — Espero que nada. Mas

eu poderia... — Ele abre um grande sorriso.— Não! — falo, rindo da sua confusão. — Com o Danny. Depois de tudo, ele se esqueceu

do dia dos namorados. E simplesmente sumiu. — Solto um grande suspiro.— Bom, garotinha. Acho que você vai ter que agradecê-lo — ele fala com um sorriso,

indicando o palco. A luz diminui, e a The Band aparece com o tal convidado da noite. AH, MEUDEUS! É Danny!

— O que o Danny está fazendo no palco? — pergunto para mim mesma, mas Georgeresponde.

— Vamos descobrir.

Dois

Daniel

ESTE SERÁ O NOSSO primeiro dia dos namorados juntos, e eu queria fazer algo especialpara a Julie como forma de me redimir por ter esquecido a nossa comemoração de seis mesesjuntos. Minha garota é toda romântica, e eu faço tudo para agradá-la, inclusive ter que ficar ladoa lado com esse imbecil do Alan.

Conversei com George, e ele me sugeriu a surpresa. E meu coração doeu por ter que sumiro dia todo. Imagino que ela esteja aborrecida, mas espero que ela me perdoe quando souber oporquê.

Faltam poucos minutos para entrar no palco quando Alan começa a provocação.— Não acredito que hoje vou ter que te aturar no show — ele fala, com ar de desprezo.— Levando em conta que sou eu que pago seu salário, você deveria manter a boca fechada.

— Além de idiota, é abusado.— Levando em conta que a The Band é disputada pela maioria das casas noturnas de L.A.,

seria um péssimo negócio para você.— Merda — eu resmungo e pego o violão.— A Julie merece coisa melhor que você.— Jura? Alguém como você, por exemplo? — Me viro para ele, contando até 50, porque se

eu contasse até 10, voaria em seu pescoço.— Ela estaria muito melhor comigo — ele fala e abre um sorriso cretino.— É mesmo? Ela não deve achar isso, já que largou você para ficar comigo — falo e abro

um grande sorriso. Ele fecha a cara. Daniel, o fodão, 1 x 0 Alan, o imbecil.— Caras, está na hora — Rafe fala. — Por favor, não se matem no palco.Nós dois olhamos para ele e depois um para o outro. Alan estende a mão primeiro.— Trégua? Pela Julie?— Tudo bem, trégua. — Apertamos as mãos e subimos para o palco, ouvindo o suspiro

aliviado de Rafe.As luzes diminuem, e me encaminho para a cadeira no centro do palco. Depois de me

acomodar e posicionar o violão, levanto o olhar para a plateia e falo:— Boa noite, pessoal! Hoje é uma noite muito especial. Estou vendo vocês com seus

namorados, e eu gostaria de fazer uma homenagem para a minha garota. Ju, baby, essa é paravocê. — O público começa a aplaudir, e meu olhar é atraído para a linda mulher de vestidovermelho que está sentada no bar. Vendo sua cara de surpresa, eu pisco para ela, sorrio e começoa tocar os primeiros acordes de I'm yours, de Jason Mraz. A The Band me acompanha, e eu fechoos olhos, cantando a música romântica com todo o meu coração.

Não sou um cantor profissional, mas também não desafino. Não precisa olhar para mimcom essa cara. Eu sou afinado, graças a Deus!

Enquanto canto, me vem à mente vários momentos bons que passamos juntos: nossasgargalhadas, fins de tarde em nosso balanço, beijos sem fim cheios de carinho, noites emadrugadas de amor. Essas imagens reforçam a ideia de que eu escolhi a música certa, que falaque sou dela. Sim, eu sou. Ela fez uma bagunça completa em mim, mas que faz todo o sentido domundo.

Abro os olhos e vejo casais cantando junto, sorrindo e se beijando. Lá no bar, minha lindagarota está estupefata, com lágrimas caindo e um sorriso bobo no rosto. Sorrio para ela. Continuocantando e, olhando em seus olhos, afirmo que sim, sou dela. Julie abre um sorriso ainda maior.

Nem espero a banda terminar de tocar. Me levanto da cadeira, deixando meu violão lá emcima e desço do palco num pulo. Vou até Julie, ouvindo a plateia nos aplaudir. Paro em frente aela com um grande sorriso no rosto. Lentamente, me aproximo ainda mais do seu corpo. Ela estálinda, com um vestido vermelho sedutor e o cabelo solto e liso, do jeito que eu gosto. Estendo amão, colocando uma mecha dele para trás da orelha, e ela levanta o olhar para mim, com umbrilho nos olhos que me deixa atordoado e excitado. Tudo o que eu posso pensar é em estendê-lano balcão do bar e extravasar meu desejo. Esqueço completamente onde estou, quem sou e quemestá ao meu redor. Meu foco está completamente nela. Seus lábios se abrem, e eu não resisto.Puxo-a para um beijo apaixonado. Minha mão direita segura seu cabelo e a esquerda envolve suacintura, puxando-a ainda para mais perto de mim.

Só quando ouço seu gemido baixo, me lembro de que estamos no meio do bar, cercados poruma grande plateia que suspira com a nossa demonstração de desejo. Eu me afasto,interrompendo o beijo, e o público aplaude. Olho ao redor e vejo a plateia de pé. Agradeço ademonstração de carinho e pego Julie pela mão.

— É hora de irmos, baby.— Ir? Para onde?— Comemorar o nosso dia dos namorados — explico sorrindo, e o rosto dela se ilumina.

Seguimos em direção à porta, mas George nos detém.— Não esqueça a mochila, Danny Boy. — Pego a mochila, agradeço, e ele completa, rindo.

— Façam tudo o que eu faria.Saímos pela porta da frente, e eu a levo em direção à moto. Uma noite romântica estava

planejada para nós. Se você acha que eu sou um ogro completo, se deu mal, pessoa de pouca fé.Posso, sim, ser um cara romântico e sedutor.

Subo na moto, pego os capacetes e entrego um a ela, junto com a mochila que George medeu. Ela os coloca e sobe atrás de mim. Seus braços envolvem meu corpo num abraço apertado.À flor da pele como estou, se não arrancar com essa moto agora, vou transar com ela no meio doestacionamento do After Dark. E então, adeus noite romântica. Droga.

Três

Julie

A BRISA DA PRAIA envolve meu corpo abraçado a Danny em cima da moto assim quechegamos em Santa Monica. O cheiro da maresia atinge minhas narinas no momento em queviramos na Route 66. Ele segue com a moto em direção ao Píer de Santa Monica enquanto nósdois continuamos em silêncio. Nossa roda gigante está iluminada, e a minha cabeça está umturbilhão.

O corpo duro de Danny contra meu peito me aquece e me desperta lembranças dosmomentos mais incríveis que passamos juntos. Eu o aperto ainda mais contra mim e minhasmãos correm por seu peito e sua cintura até que o sinto respirar fundo. Minha mão esquerdadesce até o cós da sua calça, e meus dedos percorrem o caminho para baixo da sua camiseta,sentindo o contorno daquele corpo definido.

— Oh, baby. Se você continuar assim, serei obrigado a parar a moto no meio do caminho etomar você em cima da moto — ele fala, elevando a voz para que eu consiga ouvi-lo mesmo como capacete. Solto uma risada ao perceber seu ar desesperado, e ele continua. — Não estoubrincando, Julie. Tire esses dedos daí ou eu paro aqui mesmo, no meio do nada, e te curvo contraa moto para você aprender que não se provoca um homem no limite.

— Ohhh... — eu murmuro para mim mesma enquanto imagino a cena na cabeça. Não, eunão era adepta ao exibicionismo, mas imaginar Danny fazendo amor comigo em cima daquelamoto era, no mínimo, o suficiente para me sentir queimar por dentro.

Puxo o ar algumas vezes, respirando fundo para tentar acalmar a minha libido que está amil. Olho ao redor e vejo que estamos quase chegando na roda gigante. Não posso segurar osorriso. Como eu amo esse lugar!

De repente, Danny diminui a velocidade e vai para o acostamento, em direção a uma vaga.— Chegamos? — eu pergunto, surpresa uma vez que o calçadão está deserto por causa da

hora.— Sim — Danny responde, parecendo esconder algo. Nós descemos da moto e mal tenho

chance de tirar o capacete. Danny me puxa para um beijo apaixonado, repleto de desejo e paixão.Sua boca cobre a minha, e eu não consigo deixar de pensar no quanto seu gosto e seu cheiro metiram do sério. Seu perfume masculino me envolve, e minha vontade é de correr o nariz por todoaquele corpo, aspirando o perfume inebriante e sentindo o gosto da sua pele com a língua. Oh,Deus. Acho que Alan havia sido uma influência ainda maior do que eu poderia imaginar. Ouçoum gemido, e quando Danny se afasta, para meu espanto, percebo que fui eu.

— Julie, você está me matando, baby.— Ah, me desculpe — peço, constrangida. Oh. Meu. Deus. Eu que não dormia, ouvindo os

gemidos da casa ao lado quando Danny não estava comigo, passei a soltar meus própriosgemidos altos e constrangedores, porque não sou capaz de segurar o desejo pelo homem dosmeus sonhos.

— Não se desculpe. Apenas guarde esses gemidos para mais tarde. Quero ouvi-los em alto ebom som quando estivermos em casa. — Ele sorri e se abaixa para tirar meu peep toe, medeixando descalça. Danny tira a mochila das minhas costas, me dá a mão e me leva em direção àareia da praia, com meus sapatos na mão livre.

— O que tem aí dentro? Onde estamos indo? — pergunto. Ele me olha e sorri. Seus olhosverdes estão ainda mais brilhantes.

— A curiosidade matou o gato. Já estamos chegando. — Seguimos pela faixa de areia atéque paramos em uma parte onde estamos relativamente próximos da água, mas longe o suficientepara não sermos atingidos pelas ondas. Danny tira a mochila das costas, e eu o observo comcuriosidade. Tira de dentro dela uma manta azul e a estende na areia. — Mademoiselle, sente-sepor favor — ele fala, fazendo uma reverência para mim, e nós dois rimos. Dizer que estoucuriosa é pouco. Estou quase morrendo de tanta ansiedade. Ele se senta ao meu lado, guarda meusapato na mochila e me puxa para seus braços, nos deitando na manta, com os olhos voltadospara o céu.

— A noite está tão linda, com tantas estrelas — falo, quebrando o silêncio e meaconchegando ainda mais a ele. — É uma sensação incrível estarmos aqui, com a praia calma esilenciosa, vendo todas essas estrelas no céu.

— É verdade, baby. Está vendo a Ursa Maior ali? — Ele aponta em direção a umaglomerado de estrelas, mas eu não consigo identificar nada.

— Onde?— Preste atenção naquela direção. — Ele volta a apontar para o céu. — Tem sete estrelas

mais brilhantes que as demais. Se você observar com calma, elas formam uma espécie dequadrado e uma cauda.

— Oh, meu Deus! Eu consegui ver! — falo, animada. Ele continua a apontar as estrelas docéu.

— Naquela direção, exatamente no mesmo formato, está a Ursa Menor e, na ponta dacauda, está a Estrela Polar.

— Nossa, ela é muito mais brilhante do que as outras.— Sim, e ela é a estrela que indica a direção do Polo Norte — ele explica e ri.— Legal!— Foca o olhar naquela estrela da Ursa Maior.— Ele aponta para uma das estrelas. — Agora, se a gente traçar uma linha reta imaginária,

passaremos pela Estrela Polar e, seguindo essa linha, chegaremos à Cassiopeia.— Eu não sabia que você conhecia tanto sobre as estrelas, Danny.— É, quando eu fui para a faculdade, pensei em fazer astronomia, mas conheci os caras e

começamos a falar sobre abrir o bar. Então achei que um diploma na área de negócios seria maisimportante. — Ele sorri e continua a falar. — Mas eu ainda gosto de ler sobre as estrelas,constelações e tudo mais.

— Ahh, Danny, que lindo. Você tem tantos lados que eu ainda não conheço... apesar de nosconhecermos a vida inteira.

— Aos poucos, você vai conhecer. Isso não é algo que eu costumo sair falando por aí — eleresponde, e eu volto meu rosto para ele, que ri, parecendo envergonhado. — Baby, eu trouxeuma coisa para você.

— Para mim? — pergunto, surpresa. Ele não parou de me surpreender a noite inteira.— Sim, para você. Eu nunca comemorei um dia dos namorados com ninguém. Para mim,

esse dia nunca teve muita importância, já que eu nunca fui um cara de relacionamentos — elecomeça a explicar, e eu balanço a cabeça, concordando. — Mas esse ano, achei que tinhamotivos para comemorar, já que estamos juntos e, oficialmente, somos um casal.

— Sim... — eu murmuro, já sentindo o nó de emoção se formar em minha garganta.— Eu pensei muito sobre essa noite e sobre o que poderia fazer para que fosse uma noite

especial. Então, primeiro quis cantar para você.— E eu adorei. Fiquei tão surpresa ao te ver no palco...— Eu queria que você sentisse o mesmo que eu quando te vejo cantar no AD.— Oh...— Sinto como se você cantasse só para mim. — Ele abre um sorriso de menino. — Depois

de cantar, eu a trouxe para Santa Monica, porque sei que você adora esse lugar.— Danny, eu amo tanto essa praia... é um lugar repleto de recordações importantes e

felizes. Meu sonho é um dia poder morar aqui. A sua escolha foi perfeita — explico, e ele sorripara mim.

— Bom, então eu fiz mais duas coisas. Não tem valor financeiro, baby. Eu não queriacomprar algo só por comprar. Queria que fosse algo que tivesse um significado para você.

— O que você fez?— Bom, você sabe como ver você cantando Come away with me naquele vídeo no You

Tube mexeu comigo de uma forma que não sei explicar. Mas te ver cantar naquele show quandoeu cheguei de viagem, foi uma das coisas mais sensuais que já presenciei.

— Ohh...— Então — ele prossegue — eu pedi ao Max, o DJ do After Dark, para fazer uma coisa

para mim. — Ele se vira para a mochila, retira um iPod de dentro dela e coloca um dos fones deouvido, mexendo no aparelho até que encontra o que está procurando. Ele abre um sorriso eestende o outro fone para mim, me puxando de volta para me deitar ao seu lado, aconchegada aele.

Os acordes de Come away with me começam a tocar, e eu espero Norah Jones começar aderramar sua voz rouca em nossos ouvidos, mas, para minha surpresa, ouço a minha própria voz.

— Danny...— Shh... vamos ouvir. — Seu sorriso é ainda maior. Ouvimos em silêncio aquela canção,

que era tão representativa para nós dois, cantada por mim. Eu me sentia feliz e emocionada aomesmo tempo. Nunca havia me ouvido cantar e saber que Danny havia feito um esforço para mefazer algo especial enchia meu coração de amor.

A música acaba, e eu não consigo segurar as lágrimas de emoção. Ele se vira para mim,sorri enxuga as lágrimas com a ponta do dedo e então beija o caminho que elas fizeram.

— Não chore, baby. Gosto de ver você sorrindo, não chorando — ele fala, e eu abro umsorriso entre as lágrimas que teimam em cair.

Daniel me puxa para seus braços e me segura enrolada nele até que eu consiga abrandarminha emoção.

— E como agora você já sabe, eu gosto muito de tudo que se refere ao céu, estrelas eplanetas. Então, fui até o planetário e consegui fazer uma coisa para você.

— Para mim? No planetário? — Eu já estava imaginando que poderia ser uma visita guiadaou algo assim.

— Sim, deixe-me pegar. — Ele se afasta um pouco de mim, se sentando para mexer maisuma vez na mochila e retira um envelope preto de material resistente. Eu me sento ao seu lado, eele estende o envelope para mim. — Abre, baby.

Faço o que ele pede e abro o grande envelope, que guarda uma espécie de certificado,impresso em papel especial.

Este, é o certificado de registro da estrela denominada Julie Walsh, com magnitude 8.70,tipo F5, localizada nas coordenadas RA 19H 45M 2.57S, com declínio a 15º 50M 30.99S

Leio e me viro para ele.— Danny! Você... oh, meu Deus... você registrou uma estrela! Para mim? — Eu realmente

não posso acreditar! Ele não para de me surpreender.— Ah, baby, não é nada demais... — Ele sorri, sem jeito. — É apenas uma forma de dizer

que você é importante para mim. — Continuo lendo o documento e, logo abaixo, há um recadodele.

Julie,

Você é a estrela que ilumina meus dias e noites.

Seu, Danny

— Nem sei o que dizer... — falo, e ele ri.— Aqui atrás tem uma foto de satélite da sua estrela — ele fala e puxa um outro papel, que

está atrás do certificado e exibe uma foto de satélite da bela estrela azulada.— Uau! Em comparação com as demais, ela parece grande. — O sorriso não abandona o

meu rosto em momento algum.— Sim, parece mesmo. Você gostou?— Se eu gostei? Danny, é a coisa mais incrível que alguém poderia me dar. — Ele sorri,

parecendo aliviado, e eu pulo para seu colo, passando minhas pernas ao redor de sua cintura eficando frente a frente com ele. Danny me puxa para ainda mais perto e me abraça apertado. Suasmãos grandes correm pelas minhas costas, provocando arrepios por todo o corpo.

Meu vestido vermelho sobe um pouco, expondo as pernas nuas, e ele move sua mão direitapara minha coxa, explorando a extensão de pele exposta. Nos beijamos intensamente e ele segurameus cabelos com uma das mãos, puxando firme, mas sem machucar. Ele morde meu lábioinferior, olhando nos meus olhos. Todo o desejo que estamos sentindo estão refletidos naquelemar verde que é o seu olhar.

— Não vou resistir a você, baby.— Não resista. Eu preciso de você, Daniel. Só de você. — Ele nos vira na manta e me

coloca deitada embaixo de seu corpo. Então volta a me beijar com urgência, suas mãospercorrendo meu corpo e despertando as sensações mais incríveis em mim.

— Você é linda — ele fala antes que eu tenha a chance de puxar sua camiseta. — Linda pordentro e por fora, e eu me sinto orgulhoso de ser seu namorado.

Eu olho ao redor, pensando no trabalho que ele teve para proporcionar uma noite incrível einesquecível. Ouço o barulho do mar, com suas ondas indo e vindo; vejo no céu o tapeteestrelado e penso que minha estrela está ali em cima em algum lugar. Ao fundo, atrás de Danny,está a nossa roda gigante. Sim, ela já era nossa. Toda iluminada, proporcionando uma das maislindas vistas da cidade. E ali, à minha frente, estava o homem que eu amei a vida toda. Seu corpoquente pesa sobre o meu, me estimulando e despertando os sentimentos mais intensos que jásenti na vida.

— Eu me sinto ainda mais orgulhosa de ser sua namorada — falo e o puxo para mais umbeijo. Antes de nossos lábios se encontrarem, Danny para no meio do caminho, me olha nosolhos e abre um sorriso lindo. Ele coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e roça os

lábios contra os meus. Então eu falo: — Feliz dia dos namorados, querido.— Feliz dia dos namorados, baby. — Sua boca cola na minha num beijo repleto de carinho

e desejo, até que ele se afasta apenas o suficiente para falar. — Prepare-se, pois agora a nossanoite ficará ainda mais feliz.

É, senhoras e senhores, Daniel sabe realmente como comemorar em grande estilo.Feliz dia dos namorados!

SinopseDia 04 de outubro é o aniversário do Danny. Vamos conferir como ele comemorou esse dia especial?

Um

Danny

DEPOIS DE UMA NOITE... hummm... divertida, para dizer o mínimo, acordo bem maistarde do que o normal, despertado pelos raios de sol que atravessam a grande janela. Eu e Julie jáhavíamos mudado para a casa nova, apesar do casamento ainda não ter sido marcado. A casaestava com poucos móveis ainda. No nosso quarto só tinha uma grande cama de casal, mas eramaravilhoso acordar todos os dias ao lado da minha garota, com aquela vista da praia de SantaMonica. Por falar em minha garota, acho que vou...

— Baby? Cadê você? — Levo um susto quando me viro na cama para puxar a Ju para maisperto de mim, mas ela não está mais lá. Me sento, me sentindo um pouco confuso. Desde que aJulie ficou grávida, nossas manhãs são muito mais preguiçosas, já que ela sente sono quase que odia todo. Olho ao redor, procurando um relógio quando me dou conta de que dia é hoje. Meuaniversário! Com certeza ela se levantou para me fazer uma surpresa e trazer o café na cama. Sópode ser isso.

Ouço passos na escada e a voz de Julie. Ela deve estar conversando com Pepper e trazendoo café. Me deito novamente, me cubro e fecho os olhos, fingindo que estou dormindo para nãoestragar sua surpresa. Ah... eu amo meu aniversário! Sou beijado, abraçado, presenteado emimado. E ainda ganho surpresa!

A porta do quarto se abre, e Julie entra. Como imaginei, está acompanhada de Pepper. Elase aproxima da cama e quando eu me preparo para fazer cara de surpresa, é ela que consegue mesurpreender, jogando um travesseiro na minha cabeça.

— Acorda, preguiçoso!— Ai, Ju! — Me levanto em um pulo, mas não vejo meu café da manhã na cama. Olho para

ela, que está arrumada para sair e está longe arrumando a bolsa. ― Baby, aonde você vai?— Programa de garotas. Vou ao salão com a Jo e depois, o George vai nos levar para fazer

compras. Preciso de um vestido novo para o show da próxima semana — Ela olha para mimenquanto fala, abre um sorriso e volta a atenção para a grande bolsa, onde carrega o mundo todo.Ela termina a arrumação e entra no banheiro da suíte.

Fico parado, de boca aberta. Nem um “Parabéns”. Nadinha. Não me conformo.— Ju, você não está se esquecendo de nada? — pergunto, indo até o banheiro. Ela está

linda, com um vestido estampado floral azul e um casaquinho branco. A barriga está começandoa aparecer, e ela parece um anjo. Ela me olha através do espelho enquanto passa batom e sorri.

— A gente ficou de fazer algo hoje? Não me lembro de termos combinado nada, amor —Ela me olha, parecendo confusa, e eu balanço a cabeça. Ela vem até mim, abre aquele sorriso quechega aos olhos e me abraça, aconchegando seu corpo macio contra o meu. Sinto o cheiro docedo seu perfume, e tudo que eu penso é em jogá-la em meu ombro e levá-la de volta para a cama.Ogro, né? Eu sei, eu sei. Estou tentando melhorar. Abro meu melhor sorriso sedutor e, enquantominhas mãos passeiam pelo seu corpo, eu falo, tentando não dar a ela chance de pensar.

— Achei que a gente ia aproveitar a manhã. Na cama — beijo sua orelha —, você por cima.— Desço para o pescoço. — Depois eu vou... — Antes que eu consiga seduzi-la, ela se afasta umpouco, fica na ponta dos pés e me dá um beijo no nariz. No nariz? — Atchimmmm!

— Hoje não dá mesmo, amor. Sua irmã já deve estar chegando. Tenho que ir. — Ela me dá

um beijo leve e volta para o quarto.— Mas... mas... baby...— Mais tarde eu volto, querido — ela fala para mim e se abaixa para brincar com Pepper.

— Cuida do papai, Pepper.Então ela se levanta, vira na minha direção, joga um beijo no ar e vai embora. Fico ali,

parado de boca aberta. Não acredito que ela me deixou naquela situação. E no dia do meuaniversário!

— Vem cá, Pepper — chamo o nosso Golden Retriever. Ele olha em minha direção, late esai pela porta do quarto. Até meu cachorro me abandonou no meu aniversário. Será que eu estavapassando por uma daquelas besteiras de inferno astral da qual as meninas falam?

Ainda chocado com o esquecimento de Julie, sigo para o banheiro para tomar um banhorápido. Nunca, nesses anos todos, ela se esqueceu do meu aniversário. E nós nem éramosnamorados! Agora que estamos juntos, ela não me dá nem um beijinho? E presente? Que espéciede aniversário não tem presente? Humpf! Injusto é pouco.

Saio do chuveiro e enquanto seco o cabelo, ligo para a única pessoa no mundo que jamaisirá esquecer do meu aniversário.

— Mãe!— Oi, filho, tudo bem? Quase que você não me pega em casa — ela fala, apressada.— Oi, mãe. Achei que você ia querer falar comigo hoje... — eu falo, fazendo um grande

bico. Por que ninguém está me dando atenção?— Eu sempre quero falar com você, filho. Mas preciso ir agora, Danny. Seu pai já está

buzinando lá fora — ela fala, se despedindo. Aquilo me deixa estupefato. — Amanhãconversamos com calma, querido. Beijos.

Ela se despede e desliga, me deixando boquiaberto segurando o telefone. O que ela quisdizer com amanhã fala comigo? Eu não ganharia nem um parabéns?

Um pensamento me vem à cabeça. Será que eu estou confundindo as datas? Corro até ocelular e abro o calendário. Está certo! É hoje! Não consigo acreditar que todo mundo esqueceu.Droga. Ligo para o Zach. Recebo um SMS em resposta:

Reunião com fornecedores. Nos falamos mais tarde.

Então, ligo para o Rafe. Caixa postal.Pepper se aproxima, esfregando a cabeça em minha perna. Me abaixo para fazer um

carinho, e ele corre até a coleira, trazendo-a para mim, pedindo para passear.— Tá bom, amigo. Vamos para a praia — Visto uma bermuda e uma camiseta, calço o

chinelo e levo o que parece ser meu único amigo para a praia.Ando pelo calçadão com Pepper pulando ao meu lado. Ele ainda é um filhote e é cheio de

energia. Olho em direção ao mar, pensando sobre as mudanças pelas quais minha vida passou.Primeiro, ser arrebatado pelo sentimento mais poderoso que eu já senti: me apaixonarprofundamente por uma mulher que se tornou a pessoa mais importante da minha vida. Julie eraquem me completava e me fazia feliz. Ela me mostra diariamente o que é ser amado por alguém.

Meu pensamento recai sobre o presente que ela estava me dando: ser pai. Ser responsávelpor um ser tão pequeno... às vezes, eu olhava para ela e me perguntava se seria capaz de darconta de tudo...

Passo a manhã na praia, com Pepper correndo pra lá e prá cá enquanto eu penso na vida.Estou sentado e distraído quando duas mãozinhas meladas seguram meu braço, me tirandodaquele momento reflexivo.

— Tio — a garotinha ruiva que mais parecia um bife à milanesa de tão suja que estava mechama —, me leva no chuveirinho para tirar a areia?

Ah, Deus, e agora? Devo entrar em pânico?— Hum... onde está a sua mamãe?— Está ali — ela aponta para uma moça ruiva, com mais três crianças em idades próximas.— E aqueles são seus irmãos? — Ela assente em concordância. Céus! Quantos filhos! Não é

à toa que a moça nem percebeu que a garotinha saiu de perto dela.— Você não deveria ter pedido a sua mamãe antes de vir aqui falar comigo? — pergunto,

preocupado. E se eu fosse um maníaco? Um sequestrador de criancinhas? Um... bicho papão, seilá!

— Eu disse que vinha tomar banho. Já sou uma mocinha, tenho cinco anos — ela memostra quatro dedos, o que me leva a crer que ela não é tão mocinha quanto pensa. A garotinhasorri para mim, e eu a levo até o chuveiro ali ao lado. Ela brinca na água, e Pepper se aproxima,pulando ao seu redor e tentando fugir dos pingos d’agua. Fico olhando aquela cena tão inocente eme dou conta de que em pouco tempo estarei presenciando aquilo com nosso bebê.

A menina acaba de tomar banho, sacode a cabeça igual ao Pepper e se despede de nós,correndo de volta para a mãe que a recebe com um beijo e ouve atentamente o que ela falaenquanto as outras crianças rolam na areia.

— Vamos, Pepper, já está tarde — chamo meu amigo e volto para casa, os pensamentossobre meu aniversário já muito distantes diante da grandeza dos sentimentos que fervilhamdentro de mim.

Dois

Julie

EU ESTAVA EXAUSTA! Depois de um dia inteiro trabalhando com nossos amigos paraorganizar a festa surpresa de Danny, tudo que meu corpo queria era um banho e cama. Mas hojeera um dia especial, e cama era algo que eu teria só mais tarde e acompanhada do meu amor. Obanho eu consegui, por cortesia de Jo, que me levou até sua casa para que eu pudesse me arrumarpara a nossa grande noite.

Olho ao redor do jardim dos Stewart e me sinto orgulhosa. O jardim florido de Mary haviarecebido uma decoração especial. Uma grande mesa redonda, decorada com flores coloridas evelas ao centro. Na varanda da casa havia uma faixa presa no alto com a frase:

Feliz Aniversário, Danny

O jardim era uma confusão de cores com as flores que o enfeitavam e os balões. E no cantodireito, uma grande mesa com presentes o esperava. Eu tinha certeza de que ele ficaria feliz.

— Garotinha, o Zach disse que você pode ligar. Ele já deve estar a caminho do After Dark— George me fala, e eu sorrio, imaginando a cara que ele vai fazer quando chegar ali.

Pego o celular e ligo para ele. Um, dois, três toques.— Oi, baby! Está tudo bem? — ele pergunta, preocupado.— Ah, Danny, eu queria pedir a você para vir me buscar na casa dos seus pais ― meu

coração se aperta por deixá-lo preocupado. — Saí com o George e a Jo, e depois vim até aquitrazer umas coisinhas que comprei para a Mary, mas estou tão cansada...

— Não saia daí, querida. Eu estava indo para o bar, mas vou te buscar.— Tem certeza? Não quero atrapalhar... — falo, e George sorri para mim com ar malicioso.— Chantagista — ele murmura, e eu aceno com a mão, rindo.― Claro que não, Julie! Você é a minha prioridade. Daqui a pouco estou chegando aí.Ficamos todos no jardim, aguardando a chegada dele: meus sogros, Zach, Rafe, George,

Ben, Jo, Alan e eu. Conversamos baixinho para não alardear nossa presença, até que ouço passose Danny chamando.

— Julie? Baby? Onde você está? — ele chama ao longe, e nós ficamos em silêncio, comapenas as velas iluminando ao nosso redor. De repente, ele abre a porta e...

— Surpresa! — nós todos gritamos e começamos a cantar parabéns enquanto ele pareceatordoado.

— Nossa... — ele fala, passando a mão no cabelo, exatamente como faz quando estáconfuso. — Vocês fizeram uma festa para mim? — Me aproximo dele e o abraço.

— Feliz aniversário, amor. Sim, é uma festa para você. Achou que tínhamos nos esquecido?— pergunto rindo, e seu ar confuso vira um sorriso malicioso.

— Sabe que vai ter troco, né?— Humm... você pretende me punir?— É uma boa ideia — ele fala baixinho quando nossa família se aproxima para

cumprimentá-lo.

Três

Danny

PASSAMOS A NOITE RINDO na companhia dos nossos amigos e família como há muitotempo não fazíamos. Eu tinha começado o dia frustrado, achando que ninguém tinha se lembradode mim mas, no fim das contas, tive um dos melhores aniversários dos últimos tempos. Acho queprincipalmente pelo fato de eu me sentir mais maduro para aceitar o amor das pessoas ao meuredor com o coração aberto. Eu não era mais aquele cara frívolo de algum tempo atrás.

Bem mais tarde, vamos para casa e ainda ficamos conversando um pouco. Quando Julieparece muito cansada, eu a mando subir enquanto fecho a casa para que a gente possa se prepararpara dormir. Na verdade, achei que aproveitaríamos a banheira e faríamos amor, mas mal entrono quarto e vejo minha garota deitada na cama, ainda vestindo a roupa da festa, dormindo. Elatem sentido muito sono, e anda com desejo de comer as coisas mais estranhas que se possaimaginar. Eu nem discuto quando ela me pede algo bizarro como outro dia: bolo de chocolatecom batata chips e manteiga de amendoim. Vocês sabem, nós homens temos que ser maisinteligentes e não discutir com a “lógica sem lógica” feminina. Se eu fosse falar que bolo dechocolate com batata chips e manteiga de amendoim era algo nojento, ela me colocaria para forado quarto em cinco segundos. Então, eu seguia aquela velha máxima: estamos aqui para servir!

Chego perto da cama para ver o quão pesado está seu sono. Ela dorme com um sorriso leveno rosto, como se estivesse sonhando com alguma coisa boa. Não resisto à vontade de estar pertodela e me deito na cama por trás, puxando-a de encontro ao meu peito e colocando as mãos emsua barriga para sentir o bebê. Tenho certeza de que vai ser um menino, e eu vou ensiná-lo ajogar futebol e basquete.

Ela se mexe um pouco, e sinto seu corpo se esfregar contra o meu, como se fosse um gato,ou melhor, uma gata a procura do meu calor. Ela se vira de repente, abre os olhos e parecesurpresa ao me ver ali, olhando para ela.

— Oh, Danny... eu dormi muito? — ela pergunta, parecendo sonolenta.— Não, amor, nem quinze minutos. Eu estava aqui, admirando a mãe do meu filho, porque

eu estava com saudades dela. — Pisco, e ela sorri.— Hummm... que delícia. A mãe do seu filho ou filha também estava com saudades. — Ela

passa os braços ao redor do meu pescoço, e eu tenho certeza de que, agora sim, a coisa vai ficarboa.

— Filho. Tenho certeza de que o bebê é um menino. Eu estava lá embaixo, muito sozinho esofrido. Sentindo falta do seu abraço, do seu beijo, do seu carinho, entre outras coisas — falo,beijando seu pescoço. Sinto seu corpo se arrepiar. Nunca me canso de tê-la em meus braços.

— Só disso que você estava com saudades? — ela pergunta baixinho, já antecipando o quevirá pela frente.

— Não. Estava com saudades de fazer amor com a minha mulher — falo e a beijo,puxando-a para cima de mim.

Nosso beijo fica mais exigente e é incrível como eu nunca me canso de fazer amor com aJulie. Solto seu cabelo, que está preso num coque frouxo, e aquela cortina de cabelos loiros caipor cima de mim. Olho para ela tentando memorizar cada pedaço daquela mulher. Ela está linda

com o rosto corado, os olhos brilhantes, e aquela expressão que antecede o momento em quecomeçamos a fazer amor.

Nós nos beijamos novamente, minhas mãos passeando por seu corpo enquanto ela soltagemidos baixinhos. A gravidez a deixou ainda mais sensível, e um beijo quase a leva ao clímax.Isso chega a ser assustador.

Puxo sua camiseta para cima e toco em seus seios, que já estão maiores e também maissensíveis. Fico impressionado com as mudanças pelas quais seu corpo está passando e, aocontrário do que ela às vezes demonstra pensar, não acho que ela esteja gorda ou qualquer coisaassim. Ela está muito mais feminina, com suas curvas e formas arredondas. E isso me deixaainda mais louco por ela.

Julie se afasta um pouco e puxa a minha camiseta, jogando-a no chão. Então ela começa afazer uma trilha de beijos, partindo do meu pescoço e indo para o sul. Eu a observo, e ela percebeque algo me preocupa.

— Danny, está tudo bem? — ela pergunta depois de dar um beijo ao lado do meu umbigo.— Você está bem? Está confortável? A barriga não está atrapalhando? — faço todas essas

perguntas de uma vez, e ela ri.— Estamos bem, e a barriga não está atrapalhando. Ela ainda é muito pequena. Relaxa,

amor. Me deixa cuidar de você — ela fala e abre o cinto que prende a minha calça. Prendo arespiração quando ela corre as mãos suaves pelo meu abdômen.

— Você está bem? Está confortável? — ela repete minhas perguntas e ri, quase medesafiando a castigá-la por ser tão impertinente. Antes que ela perceba, eu a viro ao contrário,colocando seu corpo embaixo do meu, mas tomando cuidado para não amassar o bebê. —Danny! — ela fala, surpresa.

— Me deixa cuidar de você, baby. — Pisco para ela e puxo sua calça de malha para baixo,deixando-a só de calcinha, ou melhor, uma calça alta, de uma malha gostosa que cobre boa parteda sua barriga arredondada. Uma das coisas que eu mais estranhei depois que a Julie ficougrávida, foi a mudança na roupa íntima. Antes ela usava calcinhas de renda pequenas. Agora, asua roupa íntima aumentou consideravelmente de tamanho e quando questionei, ela me explicouque aqueles pequenos pedacinhos de renda que eu adorava, machucavam o bebê. Desde então,nunca mais reclamei da sua roupa íntima.

Me afasto um pouco para tirar a minha roupa. Eu já estava pronto para tomar aquele corpo,que era só meu. Volto a beijá-la, minhas mãos correndo pela sua costela, chegando na calcinha ecomeçando a puxá-la para baixo. Separamos nossos lábios, e ela geme baixinho no meu ouvido:

— Quando seus olhos ficam ainda mais verdes que o normal, antecipando o prazer que estápor vir, eu fico louca.

— Você é que me deixa louco, baby — falo em seu ouvido e finalmente tiro sua lingerie.Volto a beijá-la, e meu corpo se une ao seu. Nossos movimentos estão em sintonia, e o desejoque sentimos um pelo outro é tão grande que sei que não vamos resistir muito tempo.

Não paro de beijá-la e de dizer em seu ouvido o quanto ela é linda e perfeita e o quanto eu aamo enquanto fazemos amor. Sei que isso tem o poder de deixá-la ainda mais excitada, como seo fato de reafirmar meus sentimentos tivesse ligação direta com seu desejo.

Nossos movimentos ficam mais rápidos, e sinto seu corpo se arrepiar e estremecer em meusbraços, atingindo o orgasmo, seguido do meu.

Ficamos assim: moles, suados e abraçados. Nossas respirações ainda estão alteradas.Quando me lembro que ela está deitada de bruços, eu a puxo para mais perto de mim, fazendo-aficar de barriga para cima e com o corpo apoiado em meu peito. Ela sorri. Corro minha mão pelo

seu corpo até chegar em seu ventre para fazer carinho nele.— Está tudo bem, amor? — ela pergunta, parecendo preocupada.— Não poderia estar melhor, baby. — Dou um beijo em seus cabelos. — Minha mulher

está aqui nos meus braços, de onde nunca deveria ficar longe, comemorando o meu aniversárioda melhor forma possível, e o nosso bebê está aí, na sua barriga.

— Amor, e se for uma bebê e não um bebê? — ela pergunta, parecendo preocupada.— Julie, amor, deixa eu te explicar uma coisa... — eu começo a falar, e ela se vira para

olhar para mim, parecendo interessada na minha explicação. — O destino não brinca. A palavradestino é do gênero masculino... e homens não sacaneiam homens. Ele não se vinga dos caras,entende? — começo aquela explicação e antes mesmo que eu termine, ela está às gargalhadas. —E agora, senhorita barriguda, vamos tomar um banho para que eu possa colocar minha noiva paradormir. — Ela segura meu braço e abre um sorriso leve para mim.

— Você realmente gostou do seu aniversário? Fiquei com medo de você ter ficadoaborrecido.

— Eu amei, baby. No início, eu fiquei chateado, pensando que ninguém me amava mais —ela ri. — Mas então, eu tive um dia muito significativo com Pepper na praia. Pensei muito navida... na nossa vida. E no fim das contas, percebi que não podia reclamar. Porque você já medeu o melhor presente de todos quando aceitou voltar para mim. Você faz de mim um homemmelhor, baby — os olhos dela brilham com lágrimas não derrubadas. — E então, quando vocême chamou, eu fiquei preocupado, achando que poderia ter acontecido algo, mas quando vi todosvocês reunidos lá na casa dos meus pais... foi simplesmente maravilhoso. Se isso não é ter umbom aniversário, eu não sei o que poderia ser — termino o meu discurso e sorrio para ela,puxando-a para um beijo leve. — Vamos tomar banho? — Ela assente, concordando.

Nós nos levantamos da cama e, quando ela menos espera, a pego no colo, fazendo-a dar umgritinho de surpresa. Levo-a até o banheiro para tomarmos um belo banho de banheira. Enquantoando pelo quarto com ela em meus braços, faço um agradecimento mental a Deus por me dadoessa mulher maravilhosa de presente. Peço que ele nos mantenha sempre assim, unidos e felizes.

Sinopse

Ele era o amor da vida dela...Julie conseguiu realizar seu sonho e conquistar o grande amor da sua vida. Agora, com a

família sendo formada, tudo que ela quer é estar ao lado das pessoas que ela mais ama.Ela era tudo que ele precisava para ser feliz...Daniel mudou de vida. O mulherengo e conquistador, se tornou homem de uma mulher só,

apaixonado e, o mais importante, feliz.Julie lhe deu o melhor presente que ele jamais imaginou receber, e agora ele quer retribuir

toda a felicidade que ela lhe proporciona diariamente, com um presente de Natal especial,romântico e único.

* Este não é um livro. São cenas extras do natal de Daniel e Julie, disponibilizadas para osfãs da série After Dark, para que possam acompanhar um pouquinho mais da intimidade docasal de Louca por você.

Um

Daniel

Antes da festa de Natal...

ME LEVANTO COM CUIDADO para não acordar Julie, que estava dormindo em nossacama king-size. Ela andava cansada e eu queria deixá-la descansar ao máximo nessa manhã, jáque ficaríamos acordados até mais tarde. Estávamos animados, pois receberíamos nossa família eamigos para passarem a noite de Natal em nossa casa, pela primeira vez.

Desde que eu e Julie nos mudamos para a casa de Santa Monica, não paramos um minutosequer. Colocar uma casa em ordem era mais complicado do que eu podia imaginar. Julie fezuma maratona, procurando móveis e escolhendo o que traria das nossas casas antigas para anova.

Além disso, precisávamos esvaziar as casas em Melrose, para alugá-las. Rafe estavaprecisando de um local mais próximo do After Dark. Ele morava em Bel-Air, dividindoapartamento com David, um antigo colega nosso de faculdade. David estava prestes a se casar eRafe achava que o apartamento era muito grande para ele viver sozinho. Oferecemos a ele a casade Julie, que era um pouco menor que a minha e seria ideal para um homem solteiro.

Alguns dias depois, alugamos a minha casa para Jennifer Steel, a médica que ajudou Julie adescobrir que estava grávida. Desde que voltamos de Nova York, as duas se aproximaram muito.Jennifer é uma médica muito competente e tem nos dado muito apoio. Ela tem um jeito especialde falar sobre a gravidez e acho que isso se deve ao fato de ela ser mãe de uma garotinhaencantadora chamada Maggie. O apartamento vai ser perfeito para as duas e o balanço da Juliefoi motivo de amor à primeira vista para a menininha.

Vou devagarzinho até o banheiro para tomar um banho rápido. Queria fazer o café damanhã antes que ela se levantasse da cama. Visto uma calça jeans escura e camiseta branca, efaço sinal para que Pepper, nosso filhote, me acompanhe até a cozinha. Porém, ele apenas meolhou e voltou a se deitar aos pés da nossa cama, esperando que a “mamãe” se levantasse. Osdois se apaixonaram à primeira vista e são inseparáveis. Saio do quarto descalço e desço asescadas com cuidado, indo até a cozinha para fazer o nosso café da manhã.

Desde que descobriu que estava esperando o mini-mim, como eu costumo chamar o bebê,minha Ju trocou o cappuccino — que ela tomava todos os dias — por leite desnatado, além desubstituir sua alimentação por coisas mais saudáveis, para que o nosso bebê cresça bem. Tenhoquase certeza de que teremos um menino e, por isso, o chamo de mini-mim. O destino nãobrincaria comigo dessa forma, me dando uma filha mulher para criar nesse mundo cheio decafajestes, safados e mulherengos como eu fui. Nãoooo, senhoras e senhores! O destino não erauma fêmea vingativa na TPM, tanto que se chama “O” destino, no masculino. Ele, o destino, éum cara legal que não sacaneia os pais de primeira viagem, ceeeertooo?

Começo a arrumar a bandeja com as coisas do café da manhã para levar ao quarto. Sirvo umcopo de leite desnatado, cereal com iogurte de frutas e um sanduíche para mim, já que a obstetrada Julie cortou o pão da sua dieta. Enquanto preparo meu café, sorrio ao lembrar da minha

garota. Desde que eu soube da gravidez, sei que estou muito mais superprotetor com ela, masnão consigo ficar longe. Me sinto feliz e realizado em mimá-la e fazer o meu máximo paraagradá-la. Todos os dias agradeço a Deus pela oportunidade de tê-la de volta em minha vida,pois não saberia o que fazer se não conseguisse o seu perdão.

Ouço o barulho da cafeteira avisando que o café está pronto. Não consigo tirar o sorriso dorosto quando me lembro das coisas que planejei com a ajuda de George e da minha irmã, Jo, parao nosso primeiro Natal “juntos”. E o último que passaremos sozinhos, porque, ano que vem,nesta mesma data, seremos uma família completa de verdade, com nosso mini-mim no colo efinalmente casados.

Sei que o próximo ano será difícil, com a gravidez em estágio avançado e todos ospreparativos do casamento. Até me ofereci para levá-la de carro até Vegas, mas quase fuilinchado. Ei, não me olhe assim! Só queria me casar com a Ju, sem que ela precisasse passar peloestresse dos preparativos e nem ter que vê-la se transformar numa bridezilla, mas não funcionou.

Coloco a caneca na bandeja e subo as escadas, levando a refeição até o quarto. Abro a portae ao ver que ela ainda está dormindo, não consigo segurar meu sorriso. Ela está linda e parecemuito serena, deitada com a mão protetoramente sobre a barriga já aparente. Até há algumassemanas, ela quase não parecia estar grávida. Agora, num passe de mágica, já consigo ver suabarriguinha, o que me enche de orgulho. Julie não faz ideia, mas me sinto como se ela estivesseme dando um presente, trazendo meu filho ao mundo.

Deixo a bandeja sobre a cômoda e vou até a cama acordá-la com beijos. Humm... possoacordá-la fazendo outras coisas também. Começo dando beijinhos no seu rosto, indo até a orelha,que ganha uma mordidinha de leve, descendo pelo pescoço, até que...

— Danny, amor... humm — ela geme baixinho, enquanto continuo distribuindo mais beijospelo seu pescoço. Desse jeito, vou ter que descer para fazer outro café, mas será por um ótimomotivo.

— Bom dia, baby — eu a cumprimento, puxando seu corpo para perto do meu, até queouvimos o som do celular tocando. Eu o ignoro, já que estamos muito ocupados.

— Danny, o telefone. — Julie fala, com os lábios ainda colados aos meus.— Quem quiser falar, vai ligar de novo.— Amor, pode ser algo importante. Esse toque não é o da sua mãe? — Droga. É melhor

atender antes que a família inteira comece a ligar preocupada com a Julie. Ela me deixa tão semrumo que esqueço até do toque que programei para a minha mãe no celular.

— Tá bom, tá bom, vou atender. — Afasto-me dela fazendo uma carranca. Pego o telefonee, realmente, é minha mãe. — Oi, mamãe. Está tudo bem? — pergunto, tentando colocar umsorriso no rosto, antes que minha mãe descubra que está “empatando” o momento.

— Oi, meu filho. Vocês estão bem? E o bebê? A Julie está enjoando? — ela me fazmilhares de perguntas, que mal tenho tempo de registrar.

— Está tudo bem, mãe. O que houve?— É só para avisá-los que chegaremos aí daqui a pouco. Estamos saindo de casa. — Droga.

Teríamos que tomar café e nos levantar correndo para não correr o risco de sermos pegos pelaminha mãe na hora H. Mer... cadoria! Agora que vou ser pai, um homem respeitável, de família,estou tentando diminuir os palavrões.

— Certo, mamãe. Estamos tomando café da manhã. Podem vir sim — falo, fazendo para aJu a mesma cara que o Pepper faz quando quer carinho. Ela ri para mim, e eu sorrio de volta. Éincrível como ela me deixa tão feliz, só de abrir esse sorriso lindo para mim.

— Então, até daqui a pouco, meu filho. Beijo.

— Tchau, mamãe, beijo. — Desligo o telefone e me viro para Julie.— Bom dia, sr. Stewart. Nossas visitas estão chegando?— Bom dia, futura sra. Stewart. Estão saindo de casa agora. Estava planejando incluí-la no

menu do café da manhã, mas eles cortaram meu barato — falo, fazendo um bico, que sei que vaifazê-la rir, e é exatamente isso que acontece.

— Bobo! Vamos tomar café, então? Estou morrendo de fome. — Se tem algo que ficochocado com essa história de gravidez é o apetite da Julie. Parece que nunca tem fim. Ela estásempre com fome. Parece uma trabalhadora braçal que gasta todas as suas energias e precisacomer em grandes porções, mas não falo isso para ela, ou sofrerei greve de sexo.

Me levanto para pegar nossa bandeja e a coloco em cima da cama, para que possamos tomarnosso café, já que a outra programação teve que ficar para depois.

***

Passamos o dia rindo, na companhia dos amigos e da nossa família, como há muito temponão fazíamos. A única pessoa que ainda não tinha chegado era Jennifer, que viria somente nohorário da ceia de Natal.

Um pouco mais tarde, vejo Alan voltar do quarto com o estojo da guitarra pendurado noombro. Ele se aproxima da Julie e fala alguma coisa. Ela sorri e dá um abraço nele. Tento aomáximo não sentir ciúme, mas sinto um frio no estômago quando vejo a troca de carinho entre osdois. Ela já me disse, inúmeras vezes, que Alan é apenas um amigo, que ela sente um carinho porele de irmão e ele o mesmo por ela, mas não consigo evitar.Meus olhos não se desgrudam dos dois e eu os vejo indo para perto da varanda. Ju se senta numacadeira, apoiando as mãos no ventre arredondado enquanto Alan abre o estojo e tira um violão, enão a guitarra vermelha que estou acostumado a vê-lo tocar. Ele se acomoda perto dela e começaa tocar uma canção no violão.Olho ao redor e todos começam a se acomodar para ouvi-los. Volto a olhar para Julie e ela estácom o olhar fixo em mim. Ela sorri, ainda com a mão sobre o “mini-mim”, e vejo tanto amornaquele olhar que esqueço que estava sentindo ciúmes dela com Alan.Quando menos espero, ela começa a cantar, olhando nos meus olhos, do jeito que fez no AfterDark, quando aceitou ficar comigo.

You are my sunshineMy only sunshineYou make me happy when skies are greyYou'll never know, dear, how much I love youPlease don't take my sunshine away

Quando a música acaba, todos aplaudem, ela se levanta e vem na minha direção, os olhoscheios de lágrimas, assim como os meus.

Acho que os hormônios dela estão pegando em mim, como uma gripe, porque ando muitomais emotivo que o normal. Nos abraçamos e, antes de beijá-la, eu digo o quanto a amo e ela ri,feliz.

Alan volta a tocar o violão, dessa vez uma versão de Jingle Bells Rock. Olhamos ao redor emeus pais estão dançando, assim como Jenny e Jude que, pela primeira vez na noite, está àsgargalhadas com algo que Jenny está falando com ele, Zach está dançando com a bebê Maggie eRafe com Jo, que está olhando de um jeito estranho para Zach. Será que eles se desentenderam?

— Amor? — Julie me chama, interrompendo meus pensamentos.— Oi, baby.— Acho que estou com desejo.— Desejo? Agora? Tomara que seja de algo bizarro, mas que a gente tenha em casa — falo maispara mim do que para ela.— Sim, estou com desejo de ir para a banheira. Agora. — Ela fala no meu ouvido e dá umamordida na minha orelha.Caral...mbola! Os hormônios dela andam em ebulição! Acho que ela deveria ficar grávida parasempre porque está sempre animada para fazer amor.— Agora? Claro! Vamos nos despedir de todo mundo. Ei, pessoal! — chamo e todos me olham.— Minha noiva está cansada e nós vamos dormir. Boa noite! — Eu falo e a pego no colo, semesperar que eles respondam e sigo em direção ao nosso quarto, porque desejo de grávida tem queser satisfeito. Deus nos livre o “mini-mim” nascer com cara de banheira!

Dois

Julie

DEPOIS DE UMA NOITE de Natal mágica, ao lado das pessoas que mais amo nesse mundoe de ter meu “desejo” realizado pelo Danny, fomos dormir muito tarde. E eu, que já costumavadormir demais, acordei quase duas da tarde.Me assusto ao ver a hora e Pepper se levanta rapidamente ao perceber que algo havia meperturbado.

— Está tudo bem, garoto — falo, acariciando seu pelo macio, para tranquilizá-lo. — Só meassustei com a hora, mas está tudo bem.Me levanto, para tomar um banho, mas, antes, olho pela janela. Apesar do frio que está fazendo,o dia está claro e lindo, perfeito para um dia de Natal.Após uma chuveirada rápida, vou até o closet escolher uma roupa, quando ouço uma batida naporta. Ao abrir, George e Jo entram pelo quarto rindo e carregando roupas e a famosa maleta demaquiagem do George.— Vamos nos arrumar, garotinha? — George pergunta, mas nem me deixa responder. Ele mecoloca sentada na cadeira, abre a maleta e começa a fazer sua magia.— George, por que você está me maquiando para tomar café?— Porque hoje é Natal e você tem que estar linda. Já cuidei da Jo, que deixou um certo rapaz deolhos azuis babando...— George! — Jo protesta, cortando o comentário de George.— Quem estava babando por ela? Zach? — pergunto, curiosa.— Ninguém estava babando por ninguém, Julie. O George é que cismou com isso.— Meu bem, posso ter cara, mas não sou trouxa. Você pode continuar negando, mas está rolandoum clima entre vocês dois. Ouvi o Zach te chamar de princesa ontem à noite, quando vocês doisestavam na cozinha. Ninguém enrola George Preston — ele fala, sem perder a concentração namaquiagem.— Ele chama todo mundo assim... — Jo começa e George rebate rapidamente.— Não chama, não. Eu o vejo chamar de linda ou de gata, mas princesa é só com você.— George, você está vendo coisa onde não existe e me deixando constrangida. Não há nadaentre S... Zach e mim. — Abro os olhos e percebo que Jo está completamente desconcertada. Elaia chamá-lo de outro nome e mudou de ideia. O que será que eles estão escondendo? Resolvointervir, com medo do clima azedar e nosso passeio ser cancelado.— George, deixa a Jo. Se ela diz que não tem nada acontecendo, é porque não tem. — Elebalança a cabeça, como se não concordasse com o que eu estava dizendo.— Aham... sei... sei... depois não venha dizer que não avisei.— Onde está a Jenny? — pergunto, pensando em nossa nova amiga e sua garotinha fofa.

— O Rafe deu uma carona a ela para casa. Parece que ela tinha plantão hoje.— Pena que ela não poderá ir conosco.

Jo vai até meu guarda-roupa e pega um vestido azul marinho de seda, com decote V e mangascompridas para eu vestir.— Jo, esse vestido é um pouco demais para um café na beira da praia — protesto, mas ela nãome dá a menor importância.

— Você se lembra do que George falou? É Natal. — Ela continua pegando o vestido do armárioe sapatos baixos, já que quase não tenho usado salto alto, com medo de cair e machucar o bebê.Depois de estender o vestido sobre a cama, ela procura uma echarpe estampada com fundovermelho, que combina perfeitamente com o vestido e tira um casaco mais quentinho.Nesse momento, George acaba a maquiagem e seca meu cabelo rapidamente, mandando que euvá me vestir. Quando acabo de me arrumar, olho no espelho e tenho a nítida impressão de queestou bem-vestida demais para um café na Starbucks, mas desisto de reclamar porque sei que nãovai adiantar nada.Saímos do quarto e estranho ao não ver Daniel.— Onde está o Danny?

— Foi até o píer com Zach.— E a Mary e o Paul?

— Foram embora cedo, com o Alan e o Jude. Parece que alguns amigos do Paul vão até a casadeles mais tarde e o Alan disse que tinha show, hoje à noite, em um bar.— Ah... que pena. — Fico um pouco triste porque não conseguir me despedir de ninguém, masentendo que eles não podiam esperar que eu acordasse para fazer suas coisas.

Meus amigos me abraçam e seguimos em direção à porta para irmos, finalmente, ao nossocafé especial. Eu amo esses momentos e mal posso esperar para nos sentarmos juntos parafofocarmos.

Três

Daniel

OLHO NO RELÓGIO e vejo que está quase na hora deles voltarem para casa. Nemacredito que conseguimos fazer tudo a tempo.Zach saiu daqui ainda há pouco, junto com a empresa que veio montar o cenário, e eu mal tivetempo de tomar um banho, vestir um terno e arrumar Pepper. Tenho certeza de que ela vai ficarfeliz quando o vir. Ele está com um gorro de Papai Noel e leva uma caixinha da Tiffany, nacoleira.Vou até a cozinha, olhar mais uma vez se está tudo certo com a comida. Encomendei o jantar norestaurante francês de Malibu que ela adora. Estou estranhamente nervoso, como se fosse aprimeira vez que vou levá-la para jantar. Nem parece que ela já mora comigo e é a mãe do mini-mim.Volto para a sala, checando a decoração, tirando um pelo imaginário da toalha de mesa e sorrioao me lembrar do empenho dos meus amigos e minha família, para que eu conseguissepresentear minha garota do jeito que eu queria, especialmente George. Com sua experiênciacomo decorador de interiores, ele entendeu perfeitamente o que eu queria e construiu em nossasala o cenário exato para o que eu tinha sonhado. Tenho certeza de que, pelo menos surpresa, elavai ficar.Ouço o barulho de passos do lado de fora, sinal de que eles chegaram. Ligo o som e a vozromântica de Shania Twain cantando From this moment enche a sala. Diminuo a luz, nomomento exato em que ouço a porta se abrir. Ela entra, linda, com aquele vestido azul quecompramos em uma das muitas idas ao shopping para comprar móveis para nossa casa e que elaacabou se desviando no caminho e indo parar na loja de roupas femininas. Ela se vira e olha aoredor, com a boca aberta e completamente sem palavras. Bingo!— Bienvenue à Paris, Mademoiselle! — Bem-vinda à Paris, senhorita!, digo em francês.Chocada é a palavra perfeita para descrever sua expressão.— Daniel... oh, nossa... Daniel, o que é tudo isso?— Puisque tu ne peux pas aller à Paris, je t'emmène Paris à toi. Já que você não pode ir a Paris,eu trouxe Paris até você — falo, em francês e em seguida traduzo para o nosso idioma, sorrindopara ela.— Daniel... — ela repete meu nome, olhando ao redor, e vejo as lágrimas escorrerem por seurosto.— O que foi, baby? Não gostou? — Eu me aproximo e seguro sua mão, preocupado que elaesteja chateada.— Ah, meu amor, como eu poderia não gostar. Olha tudo isso que você fez. — Ela faz um gesto,apontando ao redor da sala, abre um sorriso, por entre as lágrimas e se aproxima para me dar umbeijo. Eu a aperto em meus braços e a beijo, feliz por ela estar emocionada.— Feliz Natal. É o meu presente para você.— Eu não poderia imaginar um presente melhor — ela responde com um sorriso no rosto e osolhos brilhantes. Tenho certeza de que essa será uma noite verdadeiramente feliz.

Quatro

Julie

JO E GEORGE ME DEIXAM em casa, dizendo que precisam ir embora. A casa pareceestar às escuras, o que é bastante estranho, já que Danny deveria estar de volta. Será queaconteceu alguma coisa?Abro a porta e o som da música de Shania Twain inunda o ambiente. Quando olho ao redor, aimagem que vejo me deixa de boca aberta: nossa casa, na beira da praia de Santa Monica, virouParis. Nossa sala está decorada como se fosse um autêntico bistrô parisiense à luz de velas. Olhaem direção a varanda, esperando ver o mar e tudo que vejo é a Torre Eiffel. Meu Deus! Comoserá que ele fez isso?— Bienvenue à Paris, Mademoiselle! — ele me fala, em um francês fluente. Dizer que estouchocada é muito, mas muito pouco, para o sentimento que tenho neste momento.— Puisque tu ne peux pas aller à Paris, je t'emmène Paris à toi — ele continua, com aquelesorriso que eu amo.— Daniel... — Mal consigo completar uma frase inteira, ao olhar, mais uma vez, ao redor e aslágrimas escorrem livremente pelo meu rosto.— O que foi, baby? Não gostou? — Ele se aproxima de mim e segura minha mão, parecendopreocupado.— Ah, meu amor, como eu poderia não gostar. Olha tudo isso que você fez. — Tentotranquilizá-lo, fazendo um gesto para a sala. Sorrio, apesar das lágrimas que continuam caindo,me aproximo para beijá-lo e ele me aperta em seus braços.— Feliz Natal. É o meu presente para você.— Eu não poderia imaginar um presente melhor — respondo, com um sorriso no rosto.Sinto algo em meus pés e é Pepper, com um gorro de Papai Noel.

— Ah, Daniel! O Pepper está vestido para o Natal! — Eu me abaixo para fazer umcarinho no cachorrinho e vejo algo pendurado em sua coleira. É uma caixa pequena e... OMG!Uma caixa da Tiffany! — Daniel, o que é isso aqui?Ele se agacha, fazendo uma cara de inocente, como se não soubesse do que eu estava falando.

— O que, baby?Dou um tapinha em seu braço e ele solta uma gargalhada, me fazendo rir também. Me sento nochão e solto a caixinha da coleira de Pepper, que se senta ao meu lado e encosta a cabeça no meucolo. Ele é tão carinhoso. É o melhor cão do mundo!Desamarro o laço branco e quando abro a caixinha volto a chorar. Vou ficar horrível, com onariz vermelho e o rosto inchado, mas não consigo segurar as lágrimas. Puxo a corrente de ourobranco de dentro da caixa e vejo os quatro berloques que estão presos nela.— Cada um desses berloques representa algo que é importante na sua vida, baby. — Daniel sesenta ao meu lado e começa a descrever. — O primeiro é uma clave de sol, que representa aimportância que a música tem para você. — O berloque de ouro branco, com pequenosdiamantes incrustados, é lindo e delicado. — O cachorrinho é o Pepper, que sei que vocês sãoapaixonados um pelo outro.

Passo a mão em seu pelo macio e balanço a cabeça concordando.— O sapatinho de bebê é o nosso mini-mim que vai nascer. — Ele acaricia meu ventre

enquanto fala. — E por último, esse eu tive que mandar fazer, porque eles nunca tinham feitonada parecido. É uma roda gigante, para representar o nosso amor. Sei que vamos ter altos ebaixos, mas espero que tenhamos muito mais altos do que baixos.O berloque de roda gigante é a coisa mais linda que já vi. Também em ouro branco, ascadeirinhas eram representadas por pequenas pérolas.

Sonhei por toda a minha vida em ser feliz para sempre com Daniel, mas a realidade éinfinitamente melhor do que os meus sonhos.— Me ajuda a colocar, amor? — pergunto, tirando a echarpe do pescoço.— Claro. Gostou? — Ele me olha com olhos de menino. Aqueles olhos tão verdes que eu tantoamo.— É perfeito, Danny. É o melhor presente de Natal que eu poderia ganhar. — Ele me dá a mão,para me ajudar a levantar. Entrego o colar para ele e levanto meu cabelo, para que ele possafechar o colar em meu pescoço. — É tão lindo... não quero tirá-lo nunca mais. — Ele ri,aproveita meu pescoço livre e distribui beijos por ele e me abraça.— Você que é linda. Eu te amo.— Eu te amo mais.Daniel ri e me dá a mão no momento exato em que começa a tocar How to touch a girl, de JoJo.— Amor, onde você conseguiu essas músicas românticas? — Não consigo conter a curiosidade,pois essas baladas românticas não são o estilo de música preferido dele.— O Alan fez a seleção da noite.— Alan? Vocês estão se dando bem, agora, é? — Ele assente, confirmando. — Fico tãoorgulhosa de você. Isso demonstra que você está amadurecendo e que confia em mim.— Baby, você tem meu coração nas mãos desde que te vi cantar pelo YouTube. Se eu nãoconfiar em você, me jogue pela varanda! — Nós dois rimos e ele me leva pela sala. Agora queparei de chorar, olho atentamente os detalhes da decoração. Nossos móveis sumiram, sendosubstituídos por pequenas mesas redondas, com cadeiras estofadas em vermelho no estilo dosanos 1920, me fazendo lembrar dos bistrôs parisienses que visitei com Jo em uma viagem deférias que fizemos na época de escola.— Gostou da Torre Eiffel, amor? — ele me pergunta, fazendo um gesto para a varanda, onde sevê a bela torre. É inacreditável. Sei que é impossível que ele tivesse mandado construir algocomo a Torre Eiffel em nossa varanda, mas ao mesmo tempo é muito real.— Como eu poderia não gostar. Como você fez isso, parece de verdade...— É um painel em 3D. — Ele me leva até mais perto, para que eu possa ver. — O Georgemandou fazer, como se fosse um cenário de TV, por isso que parece de verdade.É incrível. Até a “noite” do painel parece real. Ele me leva até uma outra janela, que é ondetemos a vista da roda gigante. O caminho até lá está todo iluminado por pequeninasluzes de fada em um tom azulado, como as luzes da arvore de Natal.

— Sabe onde estamos, baby? — ele me pergunta e eu nego, balançando a cabeça, muitoimpressionada para conseguir falar qualquer coisa. — La Grande Roue.Imediatamente, me vem a imagem de uma foto que tenho em frente a grande roda gigante deParis, que normalmente é montada nessa época de Natal na Place de La Concorde. O caminhoaté a roda gigante é todo iluminado, fazendo uma referência ao nome Cidade Luz, o qual Paris éconhecida.— Daniel, é incrível. Está tudo tão lindo.— E ainda não acabou.— Não?

— Não. Vamos voltar para a sala. Você terá um típico jantar francês.

***

Perfeita. Essa é a melhor palavra para descrever nossa noite. Daniel me serviu um jantarmaravilhoso, que tenho certeza de que veio do restaurante de Malibu que eu adoro. Comosobremesa tivemos profiteroles de chocolate com marshmallow, que estava delicioso.Conversamos a noite toda, rimos muito e trocamos carinhos o tempo todo. O que mais amo naminha relação com Daniel é que ele me faz rir. É impossível não estar feliz com ele, com todo obom humor que ele tem.Quando nos levantamos da mesa, já passa das onze horas da noite. A hora voa quando estamosjuntos, mas acho que é assim com todo mundo quando se está com a pessoa que se ama, certo?Depois dessa noite inesquecível, tudo que consigo pensar é em fazer amor com meu quasemarido, para que ele tenha a certeza de que eu amei todo o esforço e trabalho que ele teve parame agradar.Espero que ele volte da cozinha para colocar meu plano em prática.— Danny — eu o chamo.— Oi, baby. Está cansada? Quer se deitar?— Não. Estou com vontade de outra coisa.— Ah, Deus... baby, é algum desejo bizarro? Espero que seja pelo menos algo que tenhamos emcasa. Hoje é natal, está tudo fechado. — O desespero e preocupação dele é fofo, mas ao mesmotempo tão engraçado, que não consigo segurar a gargalhada.— Não amor, não é nada bizarro. Na verdade, temos tudo o que precisamos em casa.— E o que é? Me fala que vou buscar para você. — Ele já vai andando em direção a cozinha,preparado para cozinhar o que quer que eu queira comer. Mal sabe ele que meu cardápio da noiteserá outro.— Amor? — eu o chamo e ele para, se voltando para mim. E, para sua surpresa, estou abrindomeu vestido e deixando-o cair no chão.— Estou com desejo de você. Agora. Dentro de mim. Na nossa cama.Mal termino de falar e ele vem até a mim, me beija, e me pega no colo, me carregando até onosso quarto. Ele me segura como se eu não pesasse mais que uma pluma, e me deposita nacama com cuidado, me fazendo lembrar da nossa primeira noite juntos, quando ele me seguroucomo se eu fosse feita de cristal.Ele me beija e desfaz o laço da gravata, jogando-a no chão. O blazer e a camisa têm o mesmodestino. Ele se deita ao meu lado, me beijando o tempo todo. Eu o puxo para mais perto de mim,sem que nossas bocas se separem. Passo minhas mãos por seu corpo musculoso, passando asunhas em suas costas, sentindo-o se arrepiar e gemer baixinho. Ouvimos, de repente, um barulhoe nos deparamos com Pepper dentro do quarto, olhando enquanto começamos a fazer amor. Nósrimos e ele se levanta para colocar o cãozinho para fora do quarto. Daniel sabe que morro devergonha de fazer amor na frente de Pepper.Ele volta rapidamente, fecha a porta do quarto e liga o som, Give me love de Ed Sheeran começaa tocar, trazendo o clima romântico de volta. Ele volta para a cama, e começa a me beijar denovo.— Você é linda, baby. Linda e perfeita. E está resplandecente, assim grávida. Nunca pensei quepudesse sentir tanto desejo, como nesse momento.Para nossa surpresa, quando ele termina de falar e dá mais um beijo no meu ventre, sinto ummovimento muito leve, na minha barriga.

— Danny! Você sentiu isso? — pergunto colocando a mão sobre o local onde senti a sensação.Será que imaginei?— O que foi, baby?— Eu não sei... eu... ah, meu Deus! — Mais uma vez sinto um movimento muito leve, como sefossem asinhas de borboletas batendo na minha barriga.— O que houve, Ju? Você está bem? — Danny me olha preocupado e eu sorrio para ele tentandotranquilizá-lo, enquanto as lágrimas começam a correr no meu rosto.— Acho que senti o bebê se mexer — consigo falar.— Sério?— Sim, me dê a sua mão. — Pego a mão dele e coloco exatamente no local onde senti o nossobebê mexer. — É muito leve, você precisa prestar atenção, senão não consegue sentir — explicoe ele concorda. Seu rosto está muito sério e concentrado. Tomara que ele consiga sentir também,é tudo que consigo pensar. Muito pouco tempo depois, Daniel começa a rir, ao mesmo tempoque lágrimas caem dos seus olhos profundamente verdes.— Viu como o mini-mim puxou ao pai? — ele pergunta, ainda chorando e rindo ao mesmotempo.— Ao pai? Por quê?— Porque ele tem senso de oportunidade. Preparou sua própria surpresa de Natal para nós. —Nós dois rimos do seu comentário, até que sua expressão muda, e ele me olha nos olhos. — Vocêpercebeu que cada berloque do seu colar apareceu aqui nesse quarto? — Assinto, concordando.— Primeiro foi Pepper querendo segurar vela, a música, que não pode faltar na nossa vida, omini-mim que também queria participar....— E a roda gigante?

Ele abre um sorriso sacana e seus olhos verdes brilham com malícia.— Vou fazer você subir nela agora, baby. — Ele me empurra de volta para a cama, me

beijando apaixonadamente, enquanto fazemos amor.

Um

Daniel

— É A SUA VEZ — Julie fala. Sua voz é um grunhido baixo de quem mal tinha acabadode encostar a cabeça no travesseiro. São três e meia da manhã e tínhamos passado a noitecomemorando o dia dos pais com nossos amigos e a família. Estávamos exaustos depois de nosdividirmos entre correr atrás das crianças e acabar com aquela última garrafa de vinho.

— Se você for, eu compro chocolates amanhã. Daquele suíço que você gosta — resmungo,fazendo a proposta que sei que vai deixá-la balançada. Julie ergue a cabeça e me olha, parecendoconsiderar a minha oferta por alguns instantes, até que ela faz uma careta que me faz desejarpuxá-la para perto de mim e roubar um beijo.

— Elas ainda não se acostumaram com o meu cabelo novo. Provavelmente teremos duas,em vez de uma menininha chorando. — Ela deita a cabeça no travesseiro novamente e eu meinclino sobre ela, beijo seus lábios com carinho e sigo rumo ao quarto das gêmeas.

Ela tem razão. Na verdade, nem eu tinha me acostumado direito ao seu novo visual: oslongos cabelos loiros que eu tanto amo, agora estão curtos, pouco abaixo do queixo. Ela continualinda, como não poderia deixar de ser, mas o novo corte demonstra aquilo que a minha Juliehavia se tornado: uma mulher. Ela não é mais a garotinha que vi crescer e que sempre acheifrágil e delicada. Ela é uma das pessoas mais fortes que conheço, uma mulher inteligente,decidida e que cuida de nós — a sua família — com todo o amor que tem no coração.

Entro no quarto de Charlie e Chloé, que fica logo ao lado do nosso. O cômodo estácompletamente escuro, exceto pela luz noturna que brilha próximo aos berços. Para minhasurpresa, quem está chorando não é a Chloé, a mais sensível e delicada das gêmeas.

Charlie está deitada, com os pequenos lábios curvados em um beicinho, enquanto o peitosobe e desce a cada vez que um soluço escapa. É raríssimo Charlie chorar por alguma coisa.Apesar de gêmeas, as meninas idênticas na aparência são completamente diferentes napersonalidade. Chloé puxou a Julie: doce, sentimental, carinhosa. Adora bonecas e fazcharminho para ganhar beijos estalados. Já Charlie é muito parecida comigo quando criança,segundo a minha mãe: destemida, corajosa, aventureira e raramente chora, o que faz com que omeu coração quase se quebre com a visão da minha garotinha em prantos.

— Ei, amorzinho, o que houve? — pergunto baixinho, tentando evitar acordar Chloé, meperguntando como o choro da irmã ainda não teve esse poder. Charlie pisca e olha para mim. Elatenta segurar o pranto, demonstrando a menina corajosa que é. Mas, como todo pequenoguerreiro, tem momentos que nossos bebês precisam do conforto dos braços do papai. E é aí queeu entro. — O papai chegou, meu amor — falo enquanto a tiro do berço e a puxo para o meucolo, aconchegando seu corpinho ao meu peito. Ela encaixa a cabeça na curva do meu pescoço,suspira e coloca a mãozinha no meu queixo, como sempre faz desde que comecei a usar umcavanhaque.

Me viro na direção do outro berço e vejo Chloé sentada, com a mãozinha na boca, enquantoolha em nossa direção, e me pergunto se ela vai começar a chorar também. Por favor, Deus, nãodeixe que ela chore. Odeio ver qualquer uma das duas chorar. Para distraí-las, começo a cantar amúsica do desenho favorito das duas, Enrolados:

Brilha linda florTeu poder venceuTraz de volta jáO que uma vez foi meuCura o que se feriuSalva o que se perdeuTraz de volta jáO que uma vez foi meuO que uma vez foi meu.

Eu não tenho o talento musical da minha esposa, mas consigo entreter o meu pequenopúblico infantil. Chloé parece hipnotizada ao ouvir a música, enquanto Charlie se aconchegaainda mais em meu peito e suspira. E é quando ouço um som tão baixinho, mas que tem o poderde me fazer tremer da cabeça aos pés.

— Papá.Olho para Charlie, tentando descobrir se meus ouvidos estão me pregando uma peça.— O que você falou, meu amor? — pergunto, sentindo o coração batendo forte em meu

peito.— Papá — Chloé murmura e meus olhos se voltam para ela.— Ah, meu Deus — sussurro e vou até o berço onde ela continua sentada, mordendo a mão

serenamente, como se não tivesse falado nada. — Fala de novo, amorzinho — peço e ela sorri,piscando os grandes olhos verdes como os meus.

Charlie levanta a cabeça, esfrega meu queixo mais uma vez, olha em meus olhos e fala,dessa vez em alto e bom som:

— Papá.— Papá. — A palavra agora vem do berço e eu olho de uma garotinha para a outra,

sentindo as pernas bambas e meu peito como se estivesse prestes a explodir.— Sim, meus amores, é o papá — eu falo, com a voz embargada.Como se nada demais tivesse acontecido, Chloé se deita, fecha os olhos e volta a dormir.

No meu colo, sinto o peso do corpo de Charlie, e sua respiração compassada me dá a dica de queela também pegou no sono. Eu a coloco de volta no berço, sentindo os olhos cheios de lágrimasde emoção. Saio lentamente do quarto e vejo a luz da varanda de casa acesa e encontro Zachsentado em uma das cadeiras acariciando Pepper, nosso Golden Retriever, parecendo ter sidoatropelado por um caminhão: um reflexo da minha aparência, com toda certeza. Ele e Jo, bemcomo Rafe e Jenny, passaram a noite em nossa casa.

— Ei, cara, tudo bem? — eu pergunto e me sento, ainda bastante abalado com a emoção.Zach ergue os olhos para mim e sorri. É um sorriso diferente, como se ele soubesse todos os

segredos do mundo e, quando ele começa a falar, me dou conta de que é o mesmo sorriso quedevo abrir quando esses pequenos milagres da vida acontecem comigo, como o belo presente queas minhas filhas me deram.

— O bebê se mexeu pela primeira vez. Foi... mágico — ele fala e os olhos dele se enchemde lágrimas de emoção. Eu o entendo perfeitamente. É realmente mágico ver a vida crescerdiante dos nossos olhos. — Desculpe, ainda estou um pouco... abalado.

— Eu entendo — falo e bato em seu ombro, feliz por poder compartilhar esse momentocom aquele que é um dos meus melhores amigos. — As meninas... bem, elas acabaram de mechamar de papai — falo, ainda inseguro, como se aquilo não tivesse passado de um sonho.

— Sério? — Zach pergunta sorrindo. Em outras épocas, eu acharia aquilo um pouco

constrangedor... me sentir emocionado com algo assim, mas aquelas meninas hoje são tudo paramim. E eu sei que ele entende. Entende de verdade.

— Sim, pode acreditar? As duas falaram papai. — Abro um sorriso ainda maior, sentindo oorgulho transbordando em meu peito.

— Uau, Danny, que máximo! — Dessa vez é ele quem bate em meu ombro e Pepperbalança o rabo, como se estivesse concordando com ele.

O som da porta de correr se abrindo chama a nossa atenção e vemos um Rafe igualmenteemocionado entrar na varanda.

— Ei, cara, o que houve? — Zach pergunta e ele estende um pequeno papel cor de rosa,repleto de adesivos de corações e flores colados e no meio, em uma letra tremida, está escrito omotivo por ele estar assim:

Eu amo o meu papai.

— Nunca imaginei que pudesse amar tanto uma criança.Zach e eu balançamos a cabeça em entendimento. Nossos filhos estavam em momentos

diferentes da vida, Maggie começando a se desenvolver, as gêmeas aprendendo a falar, e o bebêda Jo é apenas um pontinho ainda na sua barriga, mas todas essas crianças nos ensinamdiariamente o poder do amor ilimitado. Por um tempo, ficamos ali fora estufando nossos peitos ebrincando um com o outro sobre quem tinha recebido o melhor presente de dia dos pais. Claroque cada um acha que o seu é o melhor.

Voltamos para nossos respectivos quartos e ao entrar no meu, vejo Julie deitada na cama.Lentamente, ela abre os olhos sonolentos e, ao me ver, sorri para mim. Um sorriso cheio deamor, exatamente o mesmo amor que eu sinto por ela. Como jamais imaginei ser possível sentirpor alguém e que sei que só é possível sentir por ela e pelos pequenos bebês que temos no quartoao lado. Elas são o meu pedacinho de paraíso e eu sou muito, mas muito grato, por ter tido umasegunda chance da vida.

— Ei, o que foi, amor? — ela me pergunta, com a voz rouca de sono.Sorrio e sigo para a cama, me enfiando debaixo das cobertas e a puxando para perto de

mim.— As meninas me chamaram de papai — falo, ainda sem conseguir acreditar.Ela levanta a cabeça e olha nos meus olhos, emoção e doçura refletindo nos dela.— Ah, meu Deus! — Julie fala, passando a mão pelo meu rosto. — Foi um presente de dia

dos pais, amor!— O melhor que eu poderia ganhar — respondo, ostentando um sorriso orgulhoso.— Eu te amo tanto! — ela fala e me beija.Eu me afasto lentamente, apenas o suficiente para olhar em seus olhos. Acaricio seu rosto

com a ponta dos dedos e falo:— Tem dias que sinto como se meu coração fosse explodir de tanta felicidade. Não sei se já

te disse isso antes, baby, mas sou tão grato por ter você na minha vida. Pelo presente que é tervocê ao meu lado. Eu te amo. E sou louco por você. E por elas. As meninas mais lindas dessemundo.

Julie sorri, com as lágrimas começando a cair pelo seu rosto. Eu a puxo para um beijo eantes que nossos lábios se unam, ela murmura:

— Feliz dia dos pais, melhor papai do mundo!

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Capítulo UmApós se olhar pela quinta vez no espelho para se certificar de que o cabelo continuava

naturalmente liso, sem fios fora do lugar e que a maquiagem estava igualmente discreta, como seela não tivesse usado nada, Babi respirou fundo, pegou o celular, abriu o Instagram e ligou acâmera.

— Bom dia, meus mozins! Como vocês estão? Animados para o show do Backstreet Boysmais tarde? — Ela sorriu e piscou com o charme que lhe era peculiar. — Mal posso esperar paraver os nossos meninos de pertinho! Prometo mostrar tudinho para vocês quando chegar na arena,tá? Mais tarde eu volto para mostrar meus preparativos e o look que vou usar. Beijo, beijo! —Acenou para a câmera e desligou, suspirando.

Desde que postou um vídeo na internet fazendo uma brincadeira com as amigas,compartilhando um dia em que estava particularmente animada com uma festa em que iria, Babiviu suas redes sociais crescerem vertiginosamente. De um dia para o outro, foi alçada ao posto deinfluenciadora digital e agora tinha sua rotina acompanhada de perto por milhões de seguidores.Era patrocinada por dezoito marcas – que variavam de cosméticos até produtos alimentícios – eaparecia ocasionalmente nos principais portais de celebridades.

Tudo isso havia sido uma grande surpresa para ela e a família. A adolescente tímida,nascida em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, que havia crescido como umaadulta reservada e focada nos estudos e sonhava em ter seu próprio negócio – por isso foi estudaradministração de empresas – há dois anos era uma webcelebridade. Morava na Barra da Tijuca,no Rio de Janeiro, era responsável pelo emprego de 25 pessoas e um tinha um faturamento queela sequer imaginou. Como isso havia acontecido? Ela não fazia ideia. Quando pensou em tersua própria empresa, nunca imaginou que ela seria o produto. Mas a vida seguiu esse caminho eela aproveitou a oportunidade.

Aos poucos, com a consultoria de profissionais de imagem e estilo, ela começou a semoldar na personagem que as pessoas queriam ver: a garota bonita, bem cuidada, alegre edivertida que estava sempre nos eventos mais badalados. O roteirista contratado por Renata, suagerente, criou alguns dos bordões que ela usava, como mozins – a forma carinhosa de chamar osseguidores – e o beijo, beijo no final de cada vídeo. Tudo era cuidadosamente estudado eplanejado para atingir o objetivo final: aumentar seguidores, engajamento e visualizações que seconvertiam em mais contratos fechados e crescimento do faturamento da empresa que precisouabrir para dar conta de tudo isso.

Babi colocou o celular na bancada da sala e apoiou as duas mãos sobre o móvel. Com acabeça abaixada, respirou fundo e soltou o ar, contando de um a cinco. Tinha a vida perfeita paraseus seguimores, exceto pelos problemas que precisava lidar por trás das câmeras.

— Tudo bem, Babi? — Renata perguntou ao entrar na sala e vê-la naquela posição.— Você leu as notícias dos jornais? — perguntou, sentindo o coração acelerado. Levantou a

cabeça e encarou a gerente. — Mais pessoas estão ficando doentes. Acho melhor não ir ao show.Renata revirou os olhos. Aquela conversa mais uma vez.— Amada, é só uma gripezinha. É coisa boba. E nem chegou ao Brasil direito. Além disso,

temos contratos a cumprir. Não é só um show, você sabe. É um compromisso profissional quevai nos dar um prejuízo milionário se você não for. — A morena de cabelos curtos pegou ocelular, abriu a rede social de imagens, tocou na tela e o virou para ela. — A Lana Gouveia já fez

cinco stories hoje falando sobre o show. Você sabe que...— Cada view conta... eu sei. — Babi suspirou, enfiando uma mecha do cabelo platinado

atrás da orelha. — Mas eu li na Folha que...— Para. De. Ler. A. Porra. Da. Folha. E da Uol, do Yahoo e qualquer outra merda de

portal de notícias. — Renata ergueu as mãos, sem paciência. Estava cansada de ter que lidar comos medos insanos de Babi. A cada notícia que lia, em especial aquelas relacionadas à saúde, elatinha pequenos surtos, que precisava manter guardados a sete chaves do público. Afinal,ninguém queria acompanhar a vida de uma hipocondríaca com crises de ansiedade sempre quedescobriam um novo vírus do outro lado do mundo. — O governo já disse que não precisamosnos preocupar com isso.

Babi fechou os olhos e respirou fundo novamente. O governo..., pensou consigo mesma edecidiu não falar nada. Não queria ter esse tipo de discussão de novo. Principalmente quandoestava com a cabeça cheia. Passou boa parte da noite acordada, lendo as notícias sobre o novovírus que havia provocado um surto de uma espécie de gripe na China e que havia matadomilhares de pessoas rapidamente no país. O vírus parecia estar se propagando por todo o mundoe naquela semana havia sido, finalmente, notificado no Brasil.

O que havia acendido um farol vermelho em seu cérebro foi o fato de ter lido que ocasamento da irmã de uma influenciadora fitness, no qual ela deveria ter ido, mas não foi por játer um compromisso profissional agendado muito antes do convite chegar, havia sido o foco deinfecções desse vírus na Bahia. Durante a madrugada, conversou por mensagens com algumasamigas que haviam participado da festa e descobriu que cinco delas estavam com sintomas eaguardando o resultado dos exames.

— A Luma está esperando o resultado do exame dela... — falou, se referindo a outrainfluenciadora digital de quem era bem próxima.

— E foi ao show de Juiz de Fora. Está ótima. Bem disposta e trabalhando. E mais tarde vaiparticipar da festa de aniversário do Lucas Aguiar — Renata respondeu, mencionando a festabadalada do galã da novela das seis, revirando os olhos. — Todo mundo está levando vidanormal, Babi. E você também vai. — A moça alta e magra, atravessou a sala e se aproximou deBabi, que continuava com a respiração ofegante. Segurou as mãos frias e suadas da jovem eabriu um sorriso confortador. — Fica calma. Ninguém jovem morre de gripe. Nada vai teacontecer. O Dr. Luiz já disse que sua saúde é de ferro.

Mencionar o nome do médico de confiança de Babi pareceu dar resultado. Ela assentiu,fechando os olhos e contando até cinco enquanto tentava controlar a respiração.

— Vai dar tudo certo — Renata disse com segurança. Apertando as mãos dela nas suas. —Agora vamos decidir que roupa você vai usar. Aquela grife que você ama mandou cinco looksperfeitos. Vai ser difícil escolher um deles.

Conduzida pela gerente, Babi foi para o quarto convertido em closet para escolher a roupaque usaria no show. Ainda que estivesse repetindo continuamente que estava exagerando edizendo a si mesma para se manter calma, era bem difícil convencer seu coração.

***

Renata finalmente conseguiu desviar a atenção de Babi dos portais de notícia. Estavam naarena onde aconteceria o show, e ela estava conversando com outras duas influenciadoras dequem era amiga.

— Como ela está? — Sandro, seu assistente, perguntou, preocupado com Babi. Todos daequipe sabiam das crises de ansiedade e do seu pavor de doenças e estavam receosos. No

decorrer daquela tarde, as notícias não foram nada animadoras. As autoridades de saúdecomeçavam a alertar que o risco se tornava cada vez maior.

— Agora está bem. Mandei a equipe de TI configurar um daqueles apps de controleparental no celular dela e bloquear o acesso aos portais de notícias — Renata explicou e Sandroarqueou a sobrancelha. — Tive que fazer isso, Sandrinho. Se ela souber que o governadormandou suspender todos os eventos culturais da cidade, vai ter um treco.

Sandro balançou a cabeça.— Isso é muito errado, Rê. Ela tem que saber o que está acontecendo. Daqui a pouco, os

comentários a esse respeito vão começar a rolar.A morena fechou os olhos e colocou a mão na têmpora.— Preciso segurá-la aqui de qualquer jeito... o contrato que ela assinou prevê uma multa

milionária. É a maior multa com que já concordamos. Não sei se os negócios dariam contadisso...

— Renata! — ele a repreendeu. — Como você pôde...— Quem ia imaginar que algo assim iria acontecer?— É seu papel prever isso.— Uma epidemia?— Um problema qualquer. E se ela ficasse doente? Sofresse um acidente? Não dá para

brincar com o perigo.Renata deu de ombros.— Agora já está feito e você precisa me ajudar a segurar ela aqui.

***

Babi virou a câmera na direção da arena para mostrar como estava cheio... bem, quase.Franziu o cenho. Que estranho. Faltava pouco menos de uma hora e o local não estava lotadocomo era de se esperar. Era um show internacional, cujos ingressos se esgotaram rapidamente...onde estavam as pessoas?

— Mozins, estamos muito animados aqui no camarote da Drink’s, que nos convidou paraparticipar desse momento incrível! — ela falou para a câmera, forçando uma animação que nãosentia. As amigas, também influenciadoras que estavam presentes, se juntaram atrás dela ecomeçaram a gritar, animadas.

— Uhuuu! Backstreet Boysss!!Levantou a garrafa da bebida em um brinde para a câmera, deixando a marca do

patrocinador bem à mostra, sorriu e tomou um gole da bebida. Em seguida, parou de gravar epostou. Estava prestes a abrir o navegador para ver as notícias quando foi chamada pelo diretorde marketing da empresa de bebidas para tirar fotos. Cumprimentou uma série de pessoas queestavam ali até que as luzes da arena se apagaram e o show começou.

Quando a música começou a tocar e a banda entrou no palco, Babi relaxou e deixou aspreocupações de lado. Estava ansiosa por aquele show há um bom tempo e ao ouvir as músicasconhecidas, se deixou levar e dançou a apresentação inteira. Gravou vários vídeos da posiçãoprivilegiada em que estava, além de tirar muitas fotos da apresentação.

Ao término do show, ela e as outras garotas estavam muito animadas. Geralmente, osexecutivos das empresas que as contratavam as levavam para conhecer os artistas no camarim etudo era devidamente gravado e postado nas redes sociais. Mas ao olhar para Renata, Babipercebeu que havia algo de errado. A gerente parecia aborrecida e uma ruga de preocupação eravisível em sua testa. Pediu licença às amigas e foi até ela.

— Tudo bem? — perguntou, preocupada. Renata era uma das pessoas mais controladas queconhecia e sabia lidar com qualquer problema com a frieza necessária para resolvê-los. Vê-laparecer abalada com algo não era comum.

— Tudo... — a morena começou a falar, mas foi interrompida pelo homem mais velho.— Sentimos muito, Babi, mas não vamos poder levá-las ao camarim devido à epidemia. —

O homem passou a mão pelos ralos cabelos castanhos e continuou falando sem perceber os olhosarregalados dela. — A equipe da banda avisou que eles não vão receber ninguém por isso e...

— Espera. Do que você está falando? — ela perguntou, se sentindo tremer por dentro.— O show nem deveria ter acontecido. O governador mandou suspender todos os eventos

culturais ainda hoje. A produção peitou a determinação — ele continuou a explicar.— As coisas estão... estão tão ruins assim? — ela perguntou.— Babi... — Renata chamou, mas ela levantou a mão para impedi-la de falar e continuou a

olhar para o homem.— Não sabemos ainda. É tudo muito recente, mas estão todos muito preocupados.Ela assentiu.— Não se preocupe. Não vou ficar aborrecida. Agradeço o convite para vir hoje. — O

executivo sorriu, parecendo aliviado por ela não reclamar. Estava acostumado a lidar comcelebridades e muitas delas eram bem difíceis de serem agradadas.

Quando o homem se afastou, Babi pegou o celular e digitou o endereço de um portal denotícias.

Page not found.Era só o que faltava, a página estava fora do ar. Digitou outro.Page not found.O que é que está acontecendo?— Você não vai conseguir abrir. — Ela levantou a cabeça ao ouvir as palavras de Renata.

— Mandei o TI bloquear essas páginas usando um programa de controle de acesso para você nãover as notícias.

— Você o quê?— Eu sabia que você ia surtar, exatamente como está e...— Renata, manda desbloquear isso agora. E quero ir embora. Imediatamente — falou,

séria. A gerente ficou preocupada com a expressão que viu em seu rosto. — Não posso acreditarnisso... — murmurou para si mesma e se afastou, sem atender quando ela a chamou.

Preciso manter o controle, disse a si mesma, ainda estou em público. Não posso desabar.Conseguiu disfarçar o tremor das mãos e o suor frio. Sorriu, conversou um pouco mais e,

alguns minutos depois, Sandro a chamou para ir embora.No carro, pegou de novo o celular e digitou mais uma vez o endereço do portal de notícias.

Ao abrir a tela, se surpreendeu com as notícias que não estavam ali da última vez que haviaacessado:

Brasil possui mais de 77 casos confirmados de coronavírusRio confirma 1ª transmissão localGoverno cria gabinete de crise para combater o vírusGovernador suspende eventos públicos na cidadeEnquanto o carro avançava, seguindo para o condomínio em que morava, ela acessou cada

link sobre o assunto e leu as matérias, sentindo o medo tomar conta. Pausou a leitura e respiroufundo, fechando os olhos.

— Chegamos — Sandro murmurou, tirando-a de seus pensamentos. Ela o olhou, assentiu e

estava saindo do carro quando viu o movimento deles para a seguirem e os parou.— Não. Quero ficar sozinha. — Viu Renata abrir a boca para falar, mas balançou a cabeça.

— Por favor, vão para casa. Está tarde. Conversamos amanhã.Se virou e entrou no prédio. Deu boa noite ao zelador, que estava limpando as mãos com

álcool em gel. Franziu o cenho. A equipe da portaria nunca teve esse tipo de preocupação.Entrou no elevador e apertou o botão do 11º andar, pensando no estranhamento daquilo tudo.Não conseguia compreender direito o que estava acontecendo... como aquilo podia estaracontecendo. Parecia surreal.

Entrou no apartamento e a primeira coisa que fez foi tirar as roupas e o sapato que haviausado. Ainda de roupa íntima, ligou a TV no canal de notícias e seguiu para o banho. Se esfregoude forma vigorosa e lavou os cabelos. Sabia o que deveria fazer. Havia assistido mais séries edocumentários sobre médicos e doenças do que qualquer um deveria, mas não conseguia seimpedir. Desde criança, quando ouviu a mãe comentar com uma vizinha que o pai havia morridoapós contrair uma terrível bactéria, desenvolveu um medo incontrolável de doenças. Isso alevava a fazer coisas que uma pessoa comum não tinha o costume de fazer, como lavar as mãosincontáveis vezes durante o dia.

Quando a mãe percebeu que ela ficava facilmente alarmada ao sentir algo fora do normalem seu corpo, a levou a um médico que a diagnosticou com transtorno de ansiedade de doença, oque antigamente era chamado de hipocondria. A terapia e o tratamento com medicação aajudaram a melhorar, mas de tempos em tempos, sentia aquela ansiedade provocada pelo medode adoecer colocar as garras de fora.

Após o banho, se sentou na cama com uma toalha enrolada nos cabelos e com o roupão debanho em frente à TV e ficou zapeando entre os canais de notícias que repetiam incessantementeas mesmas informações sobre o tal vírus que estava dominando o mundo. E se contraísse aquilo?E se já estivesse doente?

— Meu Deus, tinha milhares de pessoas naquela arena hoje — murmurou, angustiada.Na TV, um médico estava sendo entrevistado.— O paciente contaminado pode sentir falta de ar, tosse, febre... — Ela levou a mão à testa.

Não parecia quente. Não estava tossindo, mas... definitivamente estava com falta de ar. Viu seupeito subir e descer com dificuldade e ficou ainda mais nervosa. As mãos suavam e ela começoua tremer. Até que uma pontinha de lucidez murmurou dentro da sua cabeça: calma, isso é só aansiedade tentando te controlar. Você não está doente. Você não vai morrer. Calma.

Desligou a TV. Ouvir tantos especialistas e jornalistas falando sobre aquilo não a faria bem.Em outra circunstância, aquele seria um momento em que ela abriria o story da sua rede social efaria vídeos, contando sobre o show e as pessoas que viu, postaria as fotos em seu feed eacompanharia a repercussão. Mas agora, tudo o que ela queria era se enrolar em uma bola edormir.

***

Nos dias que se seguiram, o país só falava na terrível pandemia. O número de contaminadosaumentou, bem como as mortes. Estava isolada dentro de casa como os órgãos de saúderecomendavam, mas se sentia cada vez mais só. Ao contrário do que imaginou, havia fechadomais contratos de divulgação de marcas. Tinha decidido demitir Renata pelo que ela havia feito,mas Sandro a convenceu a reconsiderar. Ela era alguém de confiança e, naquele momento, haviatentado protegê-la. Ainda que por meios tortos.

E aquele medo que sentia, que as pessoas diziam ser infundados, parecia ter tomado a todos

pelo que via na TV e na internet. Nas redes sociais, a hashtag #ficaemcasa viralizou. Todospediam para que quem não precisasse sair, evitasse aglomeração.

Obviamente, Babi não saía para nada. A geladeira estava bem abastecida e, por enquanto,não precisava de nada. Sozinha no apartamento, passava os dias assistindo a programas de TVsobre o coronavírus. Não conseguia parar de consumir tudo o que se falava a respeito. Os únicosposts que fazia em suas redes sociais eram os de trabalho. Renata havia feito um cronograma devídeos que precisava gravar e tirou uma tarde inteira só para isso. Deixou tudo pronto e os postsprogramados para não ter que fazer todos os dias.

Até que começou a sentir dor nas costas e uma dor de cabeça intensa. Depois, começou afalta de ar. A dificuldade para respirar se tornou tamanha que precisou ligar para o Dr. Luiz epedir ajuda.

Fizeram uma consulta por vídeo conferência e ele a recomendou que fizesse o teste parasaber se havia sido contaminada. Não comentou com ninguém. Sabia que se falasse a respeitocom alguém da equipe, aquela informação seria vazada para a imprensa e não estava pronta paraver seu nome nos jornais por estar doente. Agendou uma visita domiciliar do laboratório que omédico indicou e fez o exame.

Foram os dois piores dias da sua vida. Quando recebeu o exame e viu que havia dadonegativo, que não estava doente, foi como se tivessem tirado um peso gigantesco das suas costas.Mas os sintomas continuavam lá. Cada vez mais intensos.

Crise de ansiedade, o médico diagnosticou. De novo.Não estava conseguindo lidar com tudo. A doença. O sofrimento das pessoas. As mortes. A

perda da liberdade. A solidão. Sabia que era privilegiada em muitos sentidos, mas aquela dor quesentia na alma era demais para aguentar.

Naquela noite, falou com a mãe e o irmão antes de dormir. Estavam bem e saudáveis. Amãe estava morando temporariamente com o filho mais velho em BH para não ficar sozinha. Aodesligar, deu vazão às lágrimas que vinha prendendo desde que tudo começou. Estava tentandoser forte, manter uma rotina e enfrentar o isolamento, mas tudo as custas do seu coração partido.Não conseguia entender como aquilo estava acontecendo. Estavam em 2020, afinal. Algo assimera inimaginável.

Sentada na sala, olhou ao redor do cômodo bem decorado. Era como se tudo estivesse comosempre foi. Como se o seu mundo – e provavelmente o de milhões de pessoas – não tivessemudado. Como se ele continuasse exatamente como deveria estar.

Mas tudo mudou.Olhou ao redor da sala novamente e sentiu como se as paredes estivessem se fechando

pouco a pouco. Foi então que a lembrança de um dos sonhos recorrentes das noites quase insoneslhe veio à mente. Fechou os olhos e se lembrou nitidamente da pequena casa nos arredores dacidade em que nasceu, no interior de Minas. Onde ela, a mãe e o irmão mais velho costumavampassar as festas de fim de ano.

Uma ideia começou a se formar. Será que deveria...?Com os olhos fechados, quase podia sentir o cheiro das flores no quintal da casa, que eram

cuidados pelo seu Antônio, o caseiro que ia lá semanalmente. Ela amava aquele lugar. A cadavez que ia lá, era como se recarregasse as suas energias e se renovasse.

— É isso — disse a si mesma. Se levantou do sofá e foi direto para o closet arrumar asmalas. Estava sozinha naquele apartamento, pelo menos ficaria sozinha no seu lugar favorito domundo. Precisava de um tempo para si mesma, longe daquilo tudo. Daquele mundo em quevivia.

Pegou o celular e apertou a discagem rápida. Quando a ligação foi atendida, foi direto aoponto.

— Suspende todas as ações. Exceto pelo que já está programado para ser postado nas redessociais, não quero mais fazer nenhum post por enquanto.

— Mas, Babi... — Renata protestou, mas a garota não a deixou completar.— Mande o contador continuar pagando a equipe normalmente e avise que vamos manter o

emprego de todos, mas que faremos uma pausa.Havia investido boa parte do que ganhava e tinha condições de manter a equipe empregada.Graças à Deus pelos pequenos milagres. Não queria nem pensar na possibilidade de ter que

demitir alguém no meio da pandemia.— Mas esse é um excelente momento para você faturar. Tem patrocinador interessado em

promover lives com você.— Chega, Renata. Não quero saber de live. Estou cansada de ouvir falar em live. Não sou

cantora, atriz ou qualquer coisa do tipo que tenha entretenimento a oferecer. Esse é um momentosério. Estamos vivendo uma pandemia. As pessoas precisam alimentar suas almas com coisasboas, não futilidades. E eu também. Vou para Minas. Preciso de um tempo.

Ela quase podia ver Renata apoiar o dedo médio na fronte, buscando autocontrole eargumentos para demovê-la da ideia. Mas estava decidida a retomar o controle da sua vida.

— Tudo bem — a gerente falou a contragosto. — Vou puxar o freio aqui. Acho até que vaiser bom para você se afastar. Lá naquele fim de mundo para onde você gosta de ir, as coisasdevem estar um pouco mais tranquilas com relação à pandemia.

Pela primeira vez em muitos dias, Babi abriu um sorriso de verdade. Continuava com omedo da doença, com a angústia, o sentimento de incerteza, a solidão. Mas estava indo paracasa. Finalmente alguma coisa parecia estar entrando no lugar.

Sobre a autora:A.C. Meyer mora no Rio de Janeiro e é viciada em livros. Mesclando diversão e romance,

atinge o tom das comédias românticas que encantam do começo ao fim.

É autora da aclamada série After Dark, e tem mais de catorze livros publicados por editora ede forma independente.

Apontada pelo iTunes como autora em ascensão, teve dois romances eleitos como livro doano na plataforma da Apple e seus romances já foram traduzidos para o inglês, francês, espanhol,búlgaro, chinês, holandês e italiano.


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