Curitiba,Vol.5,nº9,jul.-dez.2017ISSN:2318-1028REVISTAVERSALETE
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ABORDAGENSDELEITURANOENSINOBRASILEIRO:UMBREVE
PERCURSODESDEOSANOS1950ATÉOSDIASATUAIS
READINGAPPROACHESINBRAZILIANEDUCATION:ABRIEFPATHFROM
THE1950sTOTHECURRENTDAYS
GeraldoAbreu1
RESUMO:Oprocessodeleituraécomplexoeenvolveaspectosfísicos,cognitivos,sociais,pessoaisemotivacionaisquedevemser levadosemconsideraçãodurantea compreensão.Muitosestudiosostentaramdefini-losobvariadasconcepções,oradandoênfaseàspalavraseseussignificados,oraàcapacidade cognitiva dos leitores e sua capacidade para depreender informações.Nos dias atuais,visa-seàcapacidadecríticadosleitores,queabarcatodososaspectosmencionadosembuscadeumaleitura proativa e reflexiva. Assim, este trabalho pretende apresentar uma pequena revisão dasdistintasconcepçõesdeleiturautilizadasparaoensinoemlínguasestrangeiras,partindodasquesefocam na superfície dos textos, passando pelas que se concentram na capacidade cognitiva dosleitoresechegandoàquefazamescladasanteriores,acrescentandoaexploraçãodacriticidadedosindivíduos.Palavras-chave:Leitura;Aprendizado;Psicolinguística.ABSTRACT:The readingprocess is complex and involvesphysical, cognitive, social, personal, andmotivational aspects thatmust be taken into consideration during comprehension.Many scholarshavetriedtodefineitundervaryingconceptions,sometimesemphasizingwordsandtheirmeanings,sometimes the cognitive capacity of readers and their ability to grasp information. In the presentday, the critical capacityof the readers,which covers all the aspectsmentioned, is the aim, in thesearchforaproactiveandreflectivereading.Thus,thisworkintendstopresentabriefreviewofthedifferentconceptionsofreadingusedforteachingforeignlanguages,startingfromthosethatfocusonthetextsurface,passingthroughtheonesfocusingonthecognitiveabilityofreadersandarrivingattheonethatmixesthepreviousones,addingtheexplorationoftheindividuals’criticality.Keywords:Reading;Learning;Psycholinguistics.
1MestrandoemLinguísticaAplicada,UFMG.
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1.INTRODUÇÃO
Abuscaporumadefiniçãofinaldoprocessodeleituratemsidofeitahádécadas
pordistintosestudiososfiliadosàsmaisvariadasescolas,oquedeuorigemadiversas
nomenclaturas e modelos teóricos. Em vista disso e dando atenção especial aos
trabalhosdeKleiman(1995;2001;2004),Cassany(2006)eCassanyeCastellà(2010),
este artigo visa a descrever as teoriasmais evidentes que orientaram e orientam o
ensinodeleituraemlínguasestrangeirasnocontextodaeducaçãobásicanoBrasile
que,aolongodotempo,vêmsendoutilizadasporprofessoresemsalasdeaula.
Comoauxíliodaliteraturajáelaboradasobreotema,comooestudodeEzequiel
Silva (1999), Vilson Leffa (1999), Xavier Conde (2002) e Daniel Cassany e Cristina
Aliagas (2007), além das obras já citadas, elaboramos um curto percurso sobre as
abordagens do ensino da leitura no Brasil desde os anos 1950 e 1960, com as
concepções behavioristas de leitura. Passamos com maior detalhamento pelas
concepções psicolinguísticas que receberam grande dedicação por parte de
pesquisadoresnosanos1970,que, segundoKleiman (2004), foi operíododemaior
produtividadedaspesquisassobreotemaequeaportougrandescontribuiçõesparao
ensino brasileiro. Chegamos, por fim, a uma perspectiva de leitura mais atual
abordadaporCassany(2006)eCassanyeCastellà(2010):asociocultural,queagrega
à interpretação textual o caráter social, cultural e crítico, e cujos estudos no Brasil
ainda são incipientes e carecem de mais dedicação e observância por parte de
pesquisadores.
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2.ABORDAGENSNOSANOS1950E1960
Nos anos 1950 e 1960 predominaram no Brasil perspectivas de leitura
behavioristas, que influenciavam e ainda influenciampráticas pedagógicas. Segundo
Kleiman(2001),nessavisãomaissimplificada,aleiturasedáatravésdadecodificação
dos sinais gráficos e sonoros (relação letra-som), da extração do significado
exclusivamente das palavras do texto e, principalmente, da aquisição de hábitos a
partir de estímulos-respostas. A autora reitera que “[os estudos behavioristas]
previamumleitorqueprecisavareceberumestímulovisual,umaletra,parauni-laa
umestímulovisualanterioreassimformarumasílaba,procedendodessa formaem
todos os níveis de significação: letra por letra até completar uma sílaba, sílaba por
sílaba, até completar uma palavra, palavra por palavra até completar uma frase e
assimsucessivamente”(KLEIMAN,2001,p.16).
Baseando-nos em Silva (1999), destacamos três concepções inseridas nessa
visão do processo de leitura. A primeira, conhecida como método silábico,
basicamenteconsisteem(a)traduziraescritaemfala.Nela,ofocoestáemlertextos
emvozaltatraduzindosinaisgráficosemsons.Reforça-seacapacidadedosalunos,a
partir de estímulos visuais (o texto), em unir letra por letra, sílaba por sílaba até
formarunidadesmaioresdalínguaeassimpordiante.Emoutrostermos,paraoautor,
sobessaconcepção“leréleremvozalta,obedecendoàsregrasdeentoaçãodasfrases,
apresentandoboaposturaexpressiva,formandounidadesfrasaisentreosenunciados
orais, obedecendo às pausas de pontuação, etc.” (SILVA, 1999, p. 12). Vemos que o
respeitoaossinaisgráficosearelaçãoletra-somsãoavaliados;destaformaaleitura
adequadaseriaalcançadasempreequandooalunorespeitarapronunciaçãocorreta
daspalavras.
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A segunda consiste em (b) dar respostas corretas e protocolares. Para Silva
(1999),oestímuloéotextoearespostaéaleitura.Aqui,aleituraéfeitademaneira
linearparaquerespostas,previamenteestabelecidaspelosprofessoresoupeloslivros
didáticos,sejamencontradas.Casooalunoacerte,eleserápremiado(estimulado)de
forma pública frente aos colegas de classe ou de maneira particular através das
correçõesemseuscadernos;poroutrolado,casoalgumarespostanãoesperadaseja
dada,oleitorseráreprochado(nãoestimulado).
Eaúltima,quenospareceumacontinuidadedasegunda,dizrespeitoàleitura
comomeioúnicopara(c)encontraro temacentral (significado)dotexto.Ouseja,há
uma resposta única que desconsidera as interpretações oferecidas pelos
conhecimentos pessoais dos leitores. Em geral, as respostas são feitas com
transcriçõesdetrechosdostextose,casooalunonãoobtenhaoudepreendaotema
central, sua resposta serádesconsiderada. Para Silva (1999), “esta concepção alça o
leitoraopapeldeumsaca-rolhasoudeumdetectorquedevelocalizarno‘complicado
mapa’ondeestálocalizadaaparteessencialdotexto”(p.13).
Essaperspectivatemdebilidadesqueforamconhecidascomopassardosanos:
a primeira é que sua adoção leva à ideia de aluno como um receptáculo vazio que
necessita ser completado com conhecimento que, por sua vez, será provido pelo
professor e pelo texto. A segunda é que ensinar a leitura sob essa visão leva à
formaçãodeleitoresnãoautônomos,acríticosefacilmentemanipuláveis.Aterceiraé
queessaconcepçãodesconsiderainterpretaçõestextuaisdevidasàmultiplicidadede
significadosqueum texto carrega.Por fim,eladesconsidera, também,o contextode
produçãoeodoalunoesuacapacidadecognitivaparadepreenderasmensagensdo
texto,algoqueserárevistonasperspectivasdequetrataremosaseguir.
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3.PERSPECTIVASAPARTIRDOSANOS1970
Nos anos 1970, havia, e ainda há atualmente em 2017, a necessidade de
melhorar os níveis de leitura em línguamaterna dos alunos das escolas brasileiras,
principalmente por pressão da mídia. De acordo com Kleiman (2004), “os estudos
sobrea leituraem línguamaterna tiveramumgrandedesenvolvimento, semdúvida
impulsionados pela mídia, que, a cada ano, depois dos resultados do vestibular,
noticiava umanova ‘crise de leitura’ noBrasil” (p. 14). É inegável que as provas de
ingresso no ensino superior brasileiro (antes, os vestibulares e, agora, também o
ENEM)ditavam, editam, emgrandemedida, aspráticasdeensino, equeas escolas
organizamseus currículosdemodoa adequar-se às suas exigências.Assim,desde a
décadade1970estudiososbrasileirosedomundoviamanecessidadedeencontrar
“fórmulas”paramelhorarosníveisdeleituradosestudantes,sejaemlínguamaterna
ouemlínguasestrangeiras.
Diante desta necessidade, o país viu a influência de teorias e propostas
metodológicas que visavam a explicar e explorar os mecanismos de aprendizado e
aquisiçãoda leitura.ComoafirmaKleiman(2004),nessaépoca,segundametadedos
anos 1970, havia o predomínio dos estudos provenientes das ciências psicológicas,
nos quais os sujeitos passaram a ocupar lugar de destaque já que seus processos
cognitivos eram objeto de investigação e, possivelmente, o meio para explicar o
processodeaquisiçãodaleitura.Portanto,nessasnovasconcepções,oleitorcomeçaa
ser visto como sujeito ativo em relação ao texto, ainda que apenas por suas
capacidadescognitivas.Atéaquelemomentoacapacidadecríticanãohaviacomeçado
aocuparlugardedestaque,comoveremosadiante.
Nos estudos das ciências psicológicas destaca-se uma vertente que tem
importância para compreender o processo de leitura: a Psicolinguística, que visa a
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explicar como se dá a aquisição e a deterioração da linguagem na espécie humana,
atravésdefatorespsicológicoseneurológicosquedotamohomemdesuacapacidade
de uso, compreensão, comunicação e produção. Portanto, o foco desta vertente é o
processocerebralque faz comquenosentendamosenquantohumanos.ParaConde
(2002):
A psicolinguística é uma disciplina que busca descobrir, por um lado, como seproduz e se compreende a linguagem e, por outro, como ela é adquirida eperdida. Mostra, portanto, interesse pelos processos implicados no uso dalinguagem. É, ademais, CIÊNCIA EXPERIMENTAL: exige que suas hipóteses econclusões sejam contrastadas sistematicamente com dados da observação daconduta real dos falantes em situações diversas. (CONDE, 2002, p. 09, grifo nooriginal)2
ReparemosqueaPsicolinguísticasedebruça,também,sobreassituaçõesreais
de interaçãoentre falantes,algoqueantesnãoera focodosestudos,oque implicaa
observação dos conhecimentos de distintas naturezas (linguísticos, cognitivos e
sociais) trazidos (conhecimentos prévios) e construídos (conhecimentos que se
formamduranteainteração)quesecolocamemusoduranteessainteração.
3.1.MODELOSPSICOLINGUÍSTICOSDELEITURA
DentrodosestudosdaPsicolinguísticasurgirammodelosquebuscavamexplicar
como sedava o processode leitura e que, aindaque fossemmodelosnãopensados
para sala de aula, acabaram por influenciarmétodos de ensino. Entre esses, está o
ModelodeProcessamentoSerialdeGoughquepossuicaráteraltamentedescritivoem
2 No original: “La psicolingüística es una disciplina que trata de descubrir cómo se produce y secomprendeellenguajeporunladoycómoseadquiereysepierdeellenguajeporotro.Muestra,portanto, interés por los procesos implicados en el uso del lenguaje. Es, además, CIENCIAEXPERIMENTAL: exige que sus hipótesis y conclusiones sean contrastadas sistemáticamente condatosdelaobservacióndelaconductarealdeloshablantesensituacionesdiversas”.(CONDE,2002,p.09,grifonooriginal)
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relaçãoacadaestágiodoprocessamentodaleituraesegundoKleiman(2001,p.23),
“levaaextremosinaceitáveisdesdeopontodevistaempírico,osequenciamentodos
processosenvolvidosnadecodificação(naleitura,segundoGough)”.Pelaobservação
daautora,percebemosqueGoughadmitiaaleituracomosinônimodedecodificação,
algoquenosremeteaosmétodosanterioresàdécadade1970.Issoécompreensível,
visto que ainda eram incipientes os novos estudos sobre a leitura e esses ainda
sofriam influências de visões anteriores. Para exemplificar o caráter descritivo dos
processos,observemosessasíntesequeaautoraelaboradomodelodeGough:“Esse
modelo destacava eventos tais como: fixação ocular e movimento sacádico3,
representação icônica do percepto visual, identificação das letras, mapeamento das
letras com a representação fonêmica abstrata da palavra, busca da entrada lexical
(acessível mediante a representação fonêmica abstrata dos caracteres), também
serialmente,palavraporpalavra(daesquerdaparaadireita)”(KLEIMAN,2001,p.24).
OutromodeloquedeveserabordadoéoModelodeSistemasdeComunicaçãode
Ruddell, que se aproxima ao de Gough primeiro por entender a leitura como
decodificaçãodeunidadeslinguísticase,segundo,porbuscardescreverosprocessos
ocorridosdurantealeitura.Kleiman(2001)osintetizadaseguintemaneira:
ParaRuddellaleituraéumdesempenhopsicolingüísticocomplexoqueconsistena decodificação de unidades lingüísticas escritas no processamento dasunidades lingüísticas ao longo de dimensões estruturais e semânticas, e nainterpretaçãodosdadossemânticossegundoosobjetivosdoleitor.Nomodelooinput visual inicia o processo de decodificação no qual os sistemas grafêmico,fonêmico e morfêmico são utilizados. O material analisado é agrupado emconstituintes,earmazenadonamemóriaimediata(emfatiasou“chunks”)4paraservir de input a regras transformacionais. (KLEIMAN, 2001, p. 27, grifos nooriginal)
3Movimentorápidofeitocomoolhoentrepontosdefixação,porexemplo,entreduaspalavraspara,depois,haverafixaçãoemumadelas.4 Neste trabalho adotamos o termomemória de trabalho, em vez dememória imediata, além dotermoframesemvezdechunks,comopodeserobservadoemtrabalhosdeoutrosautores.
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Essesmodelosbuscamcapturaracomplexidadeda leituraatravésdeaspectos
cognitivos, no entanto, constroem suas bases em textos impressos, ou seja, o
protagonismo é do material de leitura. Para eles, o leitor elabora processos
psicológicos para sua compreensão, porém esses dependem mais da capacidade
percepto-visualdo indivíduoesuarelaçãocomas letrasquedesuamemóriaeseus
conhecimentos adquiridos. Nesse sentido, importa mais o que os sinais gráficos
aportamaoleitordoqueoqueoleitoraportaaossinaisgráficos.
Emumacomparaçãorápidadessesmodelos,podemosdestacarqueodeRudell
(1976)diminuiuograudecaracterizaçãodosprocessospercepto-visuais, aindaque
essesocupemlugardedestaque;ademaiscomeçaaobterprotagonismoacapacidade
do leitordearmazenardadosemsuamemória imediata(memóriadetrabalho)ede
interpretardados,segundoseusobjetivos.OmodelodeGough(1976)parecesermais
focadoemautomatismosvisuais; jánodeRudell,essesautomatismossãooestopim
paraoarmazenamentoeoprocessamentodedados.
É notável que os dois entendem a leitura como decodificação, pois os sinais
gráficoseacapacidadepercepto-visual,omapeamentodasletras,estruturastextuais,
levam a processos psicolinguísticos mais complexos, como a compreensão textual.
EssesdoismodelosdãoorigemàabordagemdeleituraBottom-upouAscendente,ou
seja, abordagens que preconizam o texto como impulsionador dos processos
cognitivos nomomento da leitura. Basicamente, ler seria um processo cognitivo de
extraçãodesignificadosacionadopeloconteúdodotexto,oucomoLeffa(1999)define
com bastante objetividade: “as atividades executadas pelo leitor são determinadas
peloqueestáescritonapágina.”(p.06)
Apósaatençãoexaustivadadaaotextonosdoismodelosanteriores,otemanão
necessitavamais de tanto foco dos estudiosos. Assim, Goodman (1973,apudLEFFA
1999;KLEIMAN,2001)elaboraoModelodeTestagemdeHipóteses.Neste,oprocesso
deleituraéelaboradoquandooleitorreconstróimensagensdoautoratravésdeseus
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conhecimentos prévios, de hipóteses, inferências, adivinhações e experiências.
Segundo Leffa (1999), a leitura para Goodman envolve os seguintes níveis de
informação: “conhecimentos linguísticos, textuais e enciclopédicos, além de fatores
afetivos(preferênciaspordeterminadostópicos,motivação,estilosdeleituraetc.)”(p.
11). Kleiman (2001) define esses níveis de informação da seguinte maneira: “[...]
informação grafo-fônica que inclui a informação gráfica, fonológica, bem como a
interrelaçãoentreambas;a informaçãosintática,que temcomounidades funcionais
padrõessentenciais,marcadoresdessespadrõeseregrastransformacionaissupridas
peloleitor;eainformaçãosemântica,queincluitantovocabulárioquantoconceitose
experiênciadoleitor.”(p.29)
A autora, ademais, destacaque, paraqueo leitorutilize essesníveisde forma
concomitante,sãonecessáriashabilidadesquepropiciemoprocessamento,como:(a)
“scanning”5, (b) busca na memória de pistas fonológicas, informações sintáticas e
semânticas, (c) acionamentos de conhecimentos prévios (enciclopédicos, demundo,
socioculturais, linguísticos, etc.) que são armazenados namemória de curto e longo
prazo através de pacotes de conhecimento ou esquemas, (d) testagem sintática e
semântica das pistas textuais e (e) regressão ocular (em caso de inconsistências na
evoluçãoda leitura). Posteriormente, essas habilidades constituirão um conjunto de
estratégiascognitivasquelevamàelaboraçãodesignificados.
Em suma, no modelo de Goodman, a leitura é um processo não linear (ao
contráriodoqueéobservadonosmodelosbehavioristas)enãopadronizado,emque
importamenosotextoemaisacapacidadecognitivadoleitor,queenvolveseleçãode
dados armazenados namemória e a capacidade de antecipar e prever informações
através da ativação de conhecimentos prévios. Ler é utilizar estratégias de
inferenciação (previsão, dedução, etc.) e autocorreção. Portanto, o leitor construirá
sentidoatravésdeseuarmazenamentodeinformações.Assim,édoleitorafunçãode
5Capacidadedebuscarinformaçõesrelevantessemquealeiturapalavraporpalavrasejafeita.
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antecipar-seaoselementostextuaiseagregar-lhessentido.Essemodelodáorigemà
abordagemTop-down ouDescendente de leitura, ou seja, como visto, é da soma de
processoscognitivosquesedesprendemossentidosdotextoenãoocontrário,como
ocorrenaabordagemBottom-up.
3.2.PERSPECTIVAINTERACIONISTADELEITURA
ApartirdavisãodequeomodeloBottom-upexcluíaosconhecimentosprévios
doleitoredequeomodeloTop-downdesconsideraaspistaslinguísticasdeixadaspelo
autor, surge a concepção Interacionista (ou Interativa) de leitura. Nela, os dois
processos ocorrem de forma simultânea, não hierarquizada e se completam
mutuamente em caso de inconsistências do texto ou de limitações do leitor. O
processoBottom-up é responsávelpeloprocessamentopercepto-visual, linguístico,e
daspistasdeixadaspeloautorcomoseuestiloesuaretórica,enquantooTop-downse
dedica a explorar os conhecimentos prévios do leitor para antecipar informações,
elaborar hipóteses, recuperar inferências etc. Além disso, esses processos se
retroalimentam sempre que ocorrem problemas de compreensão, acionando
diferentespacotesdeconhecimentoparaauxiliarnadepreensãodesignificados.
Além da interação entre diversos níveis de conhecimento, essa perspectiva, a
partir de uma visãopragmática, pode ser vista comouma relação entre o leitor e o
autor.ParaKleiman(1995),oleitor“formula,aceitaourejeitasuashipóteses”(p.64);
por outro lado, “o autor deve deixar suficientes pistas em seu texto a fim de
possibilitaraoleitorareconstruçãodocaminhoqueelepercorreu.”(p.66)
SegundoLeffa(1999),nesta“abordagemconciliadora”,osignificadodotextose
constrói tanto com a decodificação das palavras do texto (Bottom-up/Ascendente),
quantocomabagagemqueo leitoraportaaele(Top-down/Descendente),ouseja,a
leituraaconteceapartirdacombinaçãotextoeleitoredainteraçãoentreessesdois
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elementos.ParaLeffa(1999),“asabordagensconciliadoras[...]pretendemnãoapenas
conciliar o texto com o leitor, mas descrever a leitura como um processo
interativo/transacional,comênfasenarelaçãocomooutro.”(p.01).SegundoKleiman
(2008),“[nessaperspectiva]oleitorpassaaserumsujeitocognitivo,quedeixadeser
receptordeconhecimentoapenasepassaaserum(re)criadordesignificado.”(p.19)
Em suma, o leitor deixou de ser um receptáculo vazio que apenas recebe
estímulos do texto e passou a ser um contribuinte de significados apoiado em seus
conhecimentos e nas pistas textuais. Em vista disso, a leitura se torna umprocesso
contínuoemutáveldeconstruçãodesignificados.Otextoimpressoesuaspistastêm
papel importante,masnãoexclusivo,poisos conhecimentos socioculturaisdo leitor
passamacobrarprotagonismonoprocessodeconstruçãodesentidos,comoveremos
aseguirnostrabalhosdeCassany(2006)eCassanyeCastellà(2010).
4.ASABORDAGENSDELEITURASEGUNDODANIELCASSANY
Emseutrabalho,especificamentedesenvolvidoparaoensinodaleitura,Cassany
(2006) define e explora três distintas abordagens de leitura, de maneira bastante
didáticaeobjetiva,emumapropostaparacompreendermoscomoa leiturapodeser
trabalhadaemsaladeaula.Oautornãotemaintençãodedescreveraespecificidade
dosprocessosenvolvidosnomomentoda leitura,poisnãopretendeestabelecerum
modelo de leitura, mas sim apresentar três concepções práticas, baseadas nos
modelosvistosanteriormente.Ademais,apropostadeCassanynospermiteperceber
comoosmodelosvistospodeminfluenciarpráticasdocentese,consequentemente,a
formação leitora dos estudantes. Sua proposta de classificação parte de uma visão
simplista da leitura, com foco no código escrito, passando por uma visão mais
elaborada,baseadanacapacidadedo leitordeexplorarseusconhecimentosprévios,
atéumaconcepçãobaseadanaspráticasletradascríticas.
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4.1.ACONCEPÇÃOLINGUÍSTICA
Quantoaoprocessodeleitura,estaconcepçãoéaqueapresentacaracterísticas
mais rudimentares, embora ainda seja uma dasmais utilizadas nas salas de aula. É
“uma visão mecânica, que dá foco à capacidade de decodificar a prosa de modo
literal”6(CASSANY,2006,p.21,traduçãonossa).Comoobservaremos,elaestáligada
ao behaviorismo tanto por suas características teóricas quanto por sua prática no
ensino.
Podemos explicá-la da seguinte maneira: depois de (re)conhecer os sinais
gráficosdapáginaimpressaatravésdomovimentosacádicodosolhos, identificamos
as palavras, aplicamos regras sintáticas para criação da coerência local e, por fim,
recuperamos as acepções comuns das palavras. Para Cassany & Aliagas (2007),
“segundo a visão linguística, o conteúdo do texto é o resultado de aplicar esses
processosdedecodificação”7(p.15,traduçãonossa).
Deste modo, o significado do texto se constrói através do processamento do
valorsemânticodaspalavrasesuarelaçãocomasoutraspalavrasdotexto.Alémdo
mais,otextopossuisignificadoestável,defácilentendimentoparadistintosleitorese
independe dos leitores ou do contexto de leitura e produção.Ou seja, a leitura está
relacionada simplesmente à decodificação e desconsidera os conhecimentos
socioculturaisdosleitores.ParaCassany(2006),nestaconcepçãodeleitura,“[u]Uma
mesmapessoaquelesseoescritoemmomentoselugaresdiferentestambémdeveria
6Nooriginal:“unavisiónmecánica,queponeelacentoenlacapacidaddedescodificar laprosademodoliteral.”(CASSANY,2006,p.21).7 No original: “En resumen, según lamirada lingüística, el contenido del texto es el resultado deaplicarestosprocesosdedescodificación.”(CASSANY&ALIAGAS,2007,p.15).
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obter o mesmo significado, posto que este depende das acepções que o dicionário
atribuiàspalavras,eestasnãosemodificamfacilmente”8(p.25,traduçãonossa).
Podemosverquetodoosignificadoéprovidopelotextoesuasunidadesléxicas;
oqueoleitordevefazerérecuperarasregrassintáticasesemânticasdecadapalavra,
relacionando-ascomaspalavrasanterioreseposteriores(CASSANY,2006).Leréum
processoautomático,lineareuniformefeitoporleitoresquepossuamconhecimentos
sobre as regras que regulam a língua, características também observadas nas
concepçõesdosanos1950e1960.
Como já visto, o significado de um texto não reside apenas em suas palavras,
visto que esta visão é simplista e redutora de um processo bastante complexo.
Vejamos,aseguir,outrasconcepçõesqueexpandemaconcepçãolinguísticadeleitura.
4.2.ACONCEPÇÃOPSICOLINGUÍSTICADELEITURA
Os textos com os quais temos contato no dia a dia não trazem todas as
informações explícitas.Muitas vezes, eles ocultam informações, oraporquestõesde
espaçofísicoouporobviedade,oraporquestões ideológicasou intençõesescusas.É
importante saber que, por essas razões, durante a leitura nós nos antecipamos ao
texto,elaborandoprevisõesededuçõesatravésdoaportedosnossosconhecimentos
prévios. Assim, fazemos inferências, pois, do contrário, todo texto seria imenso e
cansativo.
Segundo Cassany (2006), “A comunicação humana é inteligente e funciona de
maneira econômica e prática: basta dizer uma pequena parte do que queremos
comunicarparaqueointerlocutorcompreendatudo;produzindopoucaspalavras—
8Nooriginal: “Unamismapersonaque leyera el escrito enmomentos y lugaresdiversos tambiéndeberíaobtenerelmismosignificado,puestoqueéstedependedelasacepcionesqueeldiccionarioatribuyealaspalabras,yéstasnosemodificanfácilmente.”(CASSANY,2006,p.25).
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bemescolhidas—podemosconseguirqueoleitorinfiratudo.”9(p.05,traduçãonossa,
grifonooriginal).
Assim, nesta concepção, ler é “[...] desenvolver várias destrezas mentais ou
processoscognitivos:anteciparoquediráumescrito,aportarnossosconhecimentos
prévios,fazerhipóteseseverificá-las,elaborarinferênciasparacompreenderoquese
sugere,construirumsignificado,etc.”10(CASSANY,2006,p.21,traduçãonossa).
Para o autor, o significado se constrói e a decodificação é apenas o primeiro
estágio de um processo psicológico muito mais complexo, que inclui mais dois
processosquedesenvolvemosdurantealeitura:(a)reconstruirabasedotextoatravés
do que foi dito e do que pressupomos, ou seja, necessitamos recuperar a
argumentação implícita através das inferências; e (b) estabelecer um modelo da
situaçãoedocontexto imediatoaoescrito(emissor, lugar,meio,circunstâncias,etc.).
Ainda, segundo o autor, esses processos implicam a inferência de informações
implícitas, locais ou globais que, por sua vez, são produzidas a partir de
conhecimentos armazenados em nossa memória. Esse processo culminará na
formação de enunciados novos a partir de informações provenientes de
conhecimentosquejápossuímos.
De acordo com a concepção psicolinguística, é através desses processos
cognitivosqueentendemoscoisasquenão foramditasno texto, compreendemosos
sentidos que não correspondem a sua acepção semântica e deduzimos, prevemos e
completamos dados do contexto imediato e amplo do texto, relacionando-os ao
enunciado linguístico. Para tanto, o leitor deve explorar, dentre outras faculdades
cognitivas,suacapacidadeinferencial.9Nooriginal:“Lacomunicaciónhumanaesinteligenteyfuncionademaneraeconómicaypráctica:basta con decir una pequeña parte de lo que queremos comunicar para que el interlocutorcomprenda todo; conproducirunaspocaspalabras—bienelegidas—podemosconseguirqueellectorinfieratodo.”(CASSANY,2006,p.05).10Nooriginal:“Desarrollarvariasdestrezasmentalesoprocesoscognitivos:anticiparloquediráunescrito,aportarnuestrosconocimientosprevios,hacerhipótesisyverificarlas,elaborar inferenciasparacomprenderloquesólosesugiere,construirunsignificado,etc.”(CASSANY,2006,p.21).
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Pode-se perceber o destaque que damos às inferências dentre as outras
capacidades cognitivas envolvidasnomomentoda leitura. Em termos gerais, nós as
entendemos como nossa capacidade para preencher lacunas e compreender
significadosquevãoalémdoqueaspalavrasdescrevem, recorrendoaocontextode
produção,à formadedivulgação,àbuscapelapercepçãoda intençãodoautor(suas
ideologias,valores,pontosdevista,sentidos),aosaspectosgráficos,àpercepçãosocial
e a informações extratextuais, o que se dá através do aporte dos nossos
conhecimentospréviossocioculturaise linguísticos,além,claro,denossacapacidade
cognitiva.
Ademais, acreditamos que as inferências nos servem como ponte entre as
concepções de leitura linguística, psicolinguística e sociocultural, justamente por
defendermosqueoindivíduosóécapazdeelaborá-lasatravésdeseusconhecimentos
prévioslinguísticosesocioculturais.
Por fim, Cassany (2006) resume a concepção psicolinguística da seguinte
maneira: “[...] ler não só exige conhecer as unidades e as regras combinatórias do
idioma. Também requer desenvolver as habilidades cognitivas implicadas no ato de
compreender: aportar conhecimento prévio, fazer inferências, formular hipóteses e
saberverificá-lasoureformulá-las,etc.”11(p.06,traduçãonossa).
Oautorreiteraaindaqueascontribuiçõesdapsicolinguísticasobreasdestrezas
cognitivas são importantes, pois temos descrições sobre a leitura adequada, sobre
comonossamente funcionaparacompreender, sobrecomo formulamoshipótesese
fazemos inferências (CASSANY, 2006). No entanto, aborda pouco ou quase nada o
componentesocioculturaleas formascomocadacomunidadeemparticularadotaa
leituraemseucontextoespecífico.Porexemplo,nãoconsegueexplicarasdiferenças
entreasleiturasfeitasporumbrasileiroeumeuropeudeumamesmanotíciasobreos11No original: “[...] leer no sólo exige conocer las unidades y las reglas combinatorias del idioma.También requiere desarrollar las habilidades cognitivas implicadas en el acto de comprender:aportarconocimientoprevio,hacerinferencias,formularhipótesisysaberlasverificaroreformular,etc.”(CASSANY,2006,p.06).
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preparativosdocarnavalnoBrasil.Certamenteaspercepçõesserãodiferentesentre
esses leitores; inclusive elas serão diferentes até mesmo entre brasileiros,
dependendo de sua relação com essa festa. Segundo o autor, “[l]eitores diferentes
entendemumtextodemaneiradiversa—ouparcialmentediversa—porqueaportam
dados prévios variados, posto que sua experiência de mundo e os conhecimentos
acumulados em sua memória também variam. Uma mesma pessoa pode obter
significadosdiferentesdeummesmo texto seo lê emdiferentes circunstâncias, nas
quaismudeseuconhecimentoprévio.”12(CASSANY,2006,p.06,traduçãonossa).
Portanto, acreditamos que os processos cognitivos, em especial a capacidade
inferencial, têm participação essencial na compreensão. Todavia, sozinhos, não são
suficientesparaexplicara complexidadedaapreensãoqueocorredurantea leitura.
Assim, faz-se necessário focalizar outro fator determinante: o componente
sociocultural,queveremosaseguir.
4.3.ACONCEPÇÃOSOCIOCULTURALDELEITURA
Esta concepção é colocada por Cassany e Castellá (2010) dentro de uma
perspectiva crítica de leitura, segundo a qual o leitor deve perceber que o texto se
constrói em contextos sociais, políticos e culturais. Igualmente, ele deve interpretar
esses contextos e posicionar-se criticamente sobre eles. O autor destaca que “ler e
escrever não só são processos cognitivos ou atos de (de)codificação, mas também
tarefas sociais, práticas culturais enraizadashistoricamente emuma comunidadede
12 No original: “Lectores diferentes entienden un texto de manera diversa —o parcialmentediversa— porque aportan datos previos variados, puesto que su experiencia del mundo y losconocimientos acumulados en su memoria también varían. Una misma persona puede obtenersignificadosdiferentesdeunmismotexto,siloleeendiferentescircunstancias,enlasquecambiesuconocimientoprevio.”(CASSANY,2006,p.06).
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falantes.”13(p.354,traduçãonossa).Oautorcompreendealeituranãosomentecomo
umprocessode(de)codificaçãooucognitivo;eleaentendecomoumapráticacultural
eseusignificadodependedefatorescomoocontextosociocultural.Nestaconcepção,
acredita-sequetantoaleituralinguísticaquantoapsicolinguísticatêmorigemsociale
não se discute se o significado é depreendido a partir de palavras ou damente do
leitor.(CASSANY,2006)
Hátrêspontosindissociáveisquesãoabasedestaconcepção.Oprimeiroéque
tanto o significado das palavras quanto os conhecimentos prévios têm origem social.
ParaCassany(2006),“talvezaspalavrasinduzamosignificado,talvezo leitorutilize
suas capacidades inferenciais para construí-lo; no entanto, tudo vem da
comunidade.”14 (p. 03, tradução nossa). Este primeiro ponto tem base na teoria
socioculturaldeaprendizado,segundoaqualofuncionamentomentaldosindivíduos
não pode ser estudado isoladamente, mas deve levar em consideração processos
sociais nos quais eles se inserem, pois sua relação com o meio irá influenciar
diretamente a formação cognitiva onde são armazenados todos os conhecimentos
prévios,incluídososlinguísticoseossocioculturais.(VYGOTSKY,1998)
O segundo ponto dessa concepção diz quenenhum discurso surge do nada—
pelocontrário,qualquerescritotemorigemsocial,contextohistórico,háumindivíduo
que o escreve, uma instituição que o executa, ou seja, há ideologias que devem ser
captadas no momento da leitura, ora expressas de forma explícita, ora de forma
implícita.ParaCassany(2006),“odiscursonãosurgedonada.Sempreháalguémpor
trás. O discurso reflete seus pontos de vista, sua visão de mundo. Compreender o
13 No original: “leer y escribir no solo son procesos cognitivos o actos de (des)codificación, sinotambién tareas sociales, prácticas culturales enraizadas históricamente en una comunidad dehablantes."(CASSANYeCASTELLÀ,2010,p,354).14 No original: “Quiza las palabras induzcan el significado, quiza el lector utilice sus capacidadesinferencialesparaconstruirlo,perotodoprocededelacomunidad.”(CASSANY,2006,p.03).
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discursoécompreenderestavisãodomundo.”15 (p.06, traduçãonossa).Portanto,o
discursosemprerefleteaintenção,ospontosdevista,apercepçãodomundo,etc.de
quemoprofere.
Oterceiropontoreiteraquediscurso,autoreleitornãosãoelementosisolados,já
queaspráticasdeleiturasedesenvolvememâmbitossociaiscomnormasetradições
dasquaisos indivíduos fazemparte.Qualquerquesejaodiscurso, trará relaçõesde
poderintrínsecas,teráumcontextosocialportrás,teráobjetivosaseremcumpridos,
terá uma função na instituição da qual faz parte e reproduzirá papéis sociais dessa
instituição (CASSANY;ALIAGAS,2007).Oautor,por suavez, temumaprofissãoque
temfunçõessociais,muitasvezesnãoexplicitadaspelodiscurso.Oleitortambémtem
propósitos sociais, sejam políticos, pessoais, religiosos ou culturais. Assim sendo, o
discursoéutilizadodeformasparticularesemcadacomunidade,instituição,situação,
etc.,adependerdospropósitossociaisdoautoredoleitor.ParaCassany(2006),“[o]
papelqueadotamoautoreoleitorvaria;aestruturadotextoouasformasdecortesia
sãoasespecíficasdecadacaso,oraciocínioearetórica tambémsãoparticularesda
cultura,assimcomooléxicoeoestilosãosociais.”16(p.07,traduçãonossa).
Em resumo, para Cassany, a orientação sociocultural não entende a leitura
apenas como um processo percepto-visual ou psicológico realizado através da
decodificação de unidades linguísticas e das capacidades cognitivas. Vai além disso,
masreparemosquenãoosdesconsidera:éumapráticaculturalquefazpartedeuma
comunidade específica com particularidades sociais e históricas. Depreender
significados de um texto é reconhecer essas particularidades, reconhecer quais
funções um texto exerce em determinada comunidade, em determinado contexto e
15Nooriginal: “eldiscursonosurgede lanada.Siemprehayalguiendetrás.Eldiscursoreflejasuspuntosdevista,suvisióndelmundo.Comprendereldiscursoescomprenderestavisióndelmundo.”(CASSANY,2006..p.06).16Nooriginal:“Elrolqueadoptanelautoryel lectorvaria; laestructuradel textoo las formasdecortesíasonlasespecıficasdecadacaso,elrazonamientoylaretoricatambiensonparticularesdelacultura,asıcomoellexicoyelestilosonsociales.”(CASSANY,2006,p.07).
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quais as intenções do discurso. Para tanto, é necessário que o leitor utilize seus
conhecimentos—nãosólinguísticos,mastambémsocioculturais.
Esses dois últimos pontos têm base na teoria da Análise Crítica do Discurso
desenvolvida por Norman Fairclough e abordada por Magalhães (2001) e Cassany
(2006).Segundoessateoria,otextodeveserentendidocomoumeventodiscursivoe,
comotal,eleérevestidoporaspectossociaisligadosaformaçõesideológicaseformas
dehegemonia,característicasencontradasnaconcepçãodefendidaporCassany.
As concepções linguística, psicolinguística e sociocultural não são, demaneira
nenhuma,excludentes,massimcomplementarese,comodestacaoautor(CASSANY,
2006),omelhorseriacombiná-lasemumapráticaintegradora,explorandooentorno
doaprendiz,acapacidadededecodificaçãoindividual,acapacidadedeinferenciação,
mas sem desconsiderar os valores ideológicos que perpassam os textos. Podemos
dizer que elas conseguem englobar de maneira bastante consistente as formas
distintas de entender o processo de leitura, desde concepçõesmais antigas àsmais
atuais.
Vimosqueaconcepçãolinguísticaresumeeabarcadeformaclaraospreceitos
das teorias antecedentes às décadas de 1950 e 1960 e que a concepção
psicolinguística, por sua vez, explica de maneira prática os preceitos da
Psicolinguísticaeserelacionademaneiradiretaàconcepçãointeracionistadeleitura.
Por fim, a concepção sociocultural, que não descarta as duas primeiras, amplia as
visõessobreoprocessodeleituraeincluineleofatorcrítico.
5.CONSIDERAÇÕESFINAIS
Buscamosnestetrabalhoapresentardeformasucintaalgumasdasabordagens
quepermeiamoensinodaleituraemlínguasestrangeirasnoBrasil.Elenãopretende
serumguiafinal,massimmostrarasmudançasnasconcepçõesdeleituravividasno
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país,desdeadécadade1950,emqueofocoeraasuperfíciedotexto,passandopelos
estudospsicolinguísticos, proeminentesnos anos1970, nosquais os conhecimentos
prévios dos indivíduos ganham força. Chegamos afinal aos dias atuais com a
concepção sociocultural de leitura, que não descarta as demais, mas sim propõe
utilizá-lasde forma concomitante, agregandoàs interpretações anoçãodeque todo
texto se constrói em contextos sociais, políticos e culturais e que devem ser
entendidosdurantealeitura.
Acreditamosqueamescladessasabordagenséamelhormaneiraparaoensino
daleituraemsaladeaula,devendo,assim,osprofessoreselaboraremanálisessobre
os objetivos, perspectivas pessoais dos aprendizes e seus contextos sociais para
alcançaraltosníveisdeinterpretaçãotextual.
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