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GUIA DE ACOMPANHAMENTO DOS MANUAIS OU
DA SEBENTA1 (ou do que quiserem)
1 Disponível no sítio de sempre. As capas tanto desta sebenta-resumo como da sebenta em si são, todas, obras de Hilma av Klint, pintora abstrata sueca (PIONEIRA!) e que representa, em todos eles, cisnes, tratando-os como representação: tanto nesta como na outra sebenta. Louvem-lhe a glória da mestria, também porque esquecida durante imenso tempo, como pela qualidade que a condição de ser génio feminino, na sua época, lhe concedeu a sombra do laudo terceiro. (talvez como Aurélia de Sousa, que de pouco se conhece). Vejamos se começamos a valorizar as pessoas, independentemente do género (até se o não tiver definido!). Se se questionarem “porquê o cisne?”, respondo aqui: porque a faculdade é senão alimentada na nossa esperança vã de que, sentindo-nos constantemente humilhados em patinho feio, possamos mais tarde renascer em cisne no terminar deste inferno. Boa sorte!
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I – O sistema de direitos reais
O sistema normativo ou interno dos Direitos Reais: a origem do sistema interno de Direitos
Reais encontra-se, como sabemos, no Direito Romano. A classificação de GAIUS que divide o sistema
normativo do Direito Romano em personae, res e actiones leva a diferenciar o Direito Patrimonial, que
estava compreendido na res, a capacidade jurídica e o que hoje abrangemos no Direito da Família, tratado
a propósito da personae, e a tutela dos direitos, integrado nas actiones. A res, por sua vez, incluía todos os
direitos patrimoniais, ou seja, as duas grandes categorias de direitos: os direitos reais e os direitos de
crédito (obligationes). Esclarece-se, porém, que o que surge diferenciado no Direito Romano é a res,
designação para a propriedade, e o ius in re, direitos sobre coisa alheia (direitos reais menores), que mais
tarde na doutrina surgiram mencionados como ius in re (propriedade) e ius in re aliena (direitos reais
menores), por influência dos romanistas da Idade Média.
No Direito Romano, os direitos reais tinham por objeto uma coisa, e atribuíam um senhorio total ou
parcial sobre ela, o qual dispensava a colaboração de uma pessoa, contrariamente às obligationes. É
conhecida, porém, a perspetiva dos romanos de olharem os direitos patrimoniais não como direitos
subjetivos, mas como ações, ou seja, não de acordo com a posição jurídica e, sim, consoante a tutela
processual. Enquanto os direitos pessoais de crédito recebiam a tutela através da actio in personam, os
direitos sobre as coisas eram defendidos por uma actio in rem. Esta actio in rem visava atuar a defesa de
um direito sobre uma coisa contra todo aquele que se põe a si próprio como obstáculo entre o titular do
direito real e a sua coisa.
Deste modo, esta ação vem a ser interposta contra alguém que lhe impede o gozo de uma coisa, ou seja,
esta ação vem a ser interposta contra alguém que lhe impede o gozo de uma coisa, ao autor, podendo
ser dirigida contra quem quer que seja, isto é, contra qualquer um. A actio in rem permitia, assim, ao titular
do direito real perseguir a sua coisa para onde quer que ela fosse, independentemente da pessoa do
possuidor.
O Direito Romano desenvolveu os tipos mais importantes de direitos reais. No Direito Romano antigo,
eram a propriedade, as servidões (servitutes) e o usufruto, com a limitação que é o direito de uso. No
período justinianeu, a evolução permite reconhecer igualmente a enfiteuse, a superfície e, como garantia
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das obrigações, o penhor e a hipoteca. Dentro dos Direitos Reais, a propriedade, no Direito Romano, é
o mais extenso.
O sistema normativo de Direitos Reais recebeu um novo influxo com a codificação civil. À dispersão
das fontes e a sua relativa desorganização, ou ordenação periférica em compilações, sucedem uma
regulação sintática constante de um único diploma legal: o Código Civil.
Historicamente, a primeira evolução foi trazida pelo Code Civil francês de 1804, que aparece estruturado
em três Livros:
1. Das pessoas;
2. Dos Bens e Das Diferentes Modificações Da Propriedade;
3. Dos Diversos Modos De Aquisição Da Propriedade.
O Livro II surge inteiramente dedicado à disciplina dos Direitos Reais, embora essa designação não seja
usada, e encontra-se dividido em quatro Títulos:
a. Da Distinção Dos Bens;
b. Da Propriedade;
c. Do Usufruto, Uso e Habitação;
d. Das Servidões ou Serviços Fundiários.
A posse não surge regulada no Livro II, mas no Livro III, juntamente com o regime da prescrição.
Esta fase durou quase um século. Nesse período que corresponde a todo o século XIX, desenvolve-se
na Alemanha uma ciência jurídica com preocupações sistematizadoras do Direito Civil. Tendo como
percursor Savigny, é essa ciência a que se deve o BGB. Este divide-se em cinco livros:
1. Parte Geral;
2. Direito das Relações Jurídicas Obrigacionais;
3. Direito das Coisas;
4. Direito da Família;
5. Direito das Sucessões.
O Direito das Obrigações e os Direitos Reais recebem o Direito Romano com as modificações geradas
pelo Direito Comum. No entanto, a classificação entre direitos de crédito e direitos reais não surge
apenas como cultural, ela revela igualmente formas de manifestação conceituais do direito subjetivo. Por
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outras palavras, ela é também conceitual e abstrata. Cada um dos ramos do Direito Civil surge, pois,
estruturado em volta do conceito de relação jurídica e todos os direitos subjetivos são definidos segundo
um modelo relacional, num passo que se tornará nítido já em Savigny.
O BGB separa os Direitos Reais do Direito das Obrigações, como decorria da contraposição romana
entre actio in rem e actio in personae, mantida no Direito Comum. À posição individual de uma pessoa
defronte do seu património, com os seus poderes e deveres, a posição tradicional, o BGB contrapõe um
direito subjetivo sobre coisas. Esse direito subjetivo, cuja aquisição, conteúdo e perda têm a sua sede
normativa no Livro II, concretiza a atribuição jurídica de uma coisa a uma pessoa, diferentemente do
direito de crédito, que dá a um credor um direito à atividade (prestação) de outra pessoa, e é um direito
absoluto, contrariamente ao direito obrigacional, meramente relativo. Os diferentes direitos reais têm
por objeto coisas. Todavia, para o legislador do BGB, nem todas as coisas constituem objeto dos direitos
reais. As coisas incorpóreas estão excluídas, restando unicamente as coisas corpóreas. Estas são objeto
dos direitos reais.
Diferentemente do Code Civil francês, o BGB trouxe, pela primeira vez, uma denominação genérica desta
disciplina normativa: Direito das Coisas. A propriedade perde o estatuto de paradigma central e emerge
como um direito real ao lado dos outros, não obstante permanecer como o direito real mais extenso e
importante. O BGB irradiou a sua influência para fora do domínio tradicional da língua alemã,
penetrando mesmo em países culturalmente distantes da Alemanha, como foi o caso de Portugal.
O sistema normativo português de Direitos Reais: a evolução histórica permite detetar em
Portugal três grandes períodos de evolução do sistema normativo ou interno de Direitos Reais:
Até à primeira codificação civil: inclui a prática do Direito Comum e das Ordenações do Reino;
Vigência do Código Civil de Seabra;
Entrada em vigor do Código de 1966 até à atualidade.
O Código Civil de Seabra mescla duas tendências comuns à época:
1. A tradição romanistica do Direito Comum;
2. O influxo jusracionalista, recebido através da doutrina francesa e da influência marcante do Code
Civil.
O Código Civil Veiga Beirão, de 1966, corresponde ao início do terceiro período e, com ele, o Direito
Português entrou dentro da terceiro sistemática, impondo definitivamente a evolução que se fazia sentir
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no sistema científico ou externo em Portugal desde Guilherme Moreira. Olhando de perto, o Código
Civil português de 1966 é fruto de uma conceção mais autoritária do Estado ou, quiçá, debaixo de uma
moderada influência de um princípio de função social, que um pensamento liberal individualista não
poderia tolerar, mas que são sinais de tempos diferentes, a propriedade surge configurada apenas como
um dos direitos reais constantes do elenco legal.
A tutela constitucional dos Direitos Reais: os Direitos Reais são objeto de tutela
constitucional, dado que o artigo 62.º, n.º1 CRP estabelece que a todos é garantido o direito à
propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição,
acrescentando o n.º2 que a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com
base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização.
Existe, assim, uma garantia constitucional da propriedade, a qual se deve considerar como análoga à dos
direitos, liberdades e garantias, beneficiando, por isso, nos termos do artigo 17.º CRP, do regime
estabelecido no seu artigo 18.º CRP.
A tutela constitucional da propriedade deve considerar-se extensiva a todos os direitos reais, e mesmo a
todos os direitos patrimoniais privados, como é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, o
qual tem afirmado repetidamente que a tutela do direito de propriedade a que se refere o artigo 62.º CRP
não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade
industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de
propriedade, tais como, designadamente, os direitos de crédito e os direitos sociais.
A proteção da propriedade envolve, assim, tanto uma componente estática, no âmbito da qual é
permitida aos cidadãos o seu pleno aproveitamento, designadamente, através do uso, fruição,
transformação e alienação do bem. Ao tutelar a propriedade privada, a Constituição assume a proteção
da sua dupla vertente do instituto jurídico e direito individual.
A proteção constitucional da propriedade não é, porém, absoluta, existindo alguma margem de liberdade
conferida ao legislador ordinário na conformação do regime jurídico dos bens. O próprio legislador
constitucional prevê no artigo 84.º CRP o regime do domínio público, fazendo, ainda, referência o artigo
82.º CRP a diversas formas de propriedade dos meios de produção.
O legislador constitucional seguiu uma conceção pluralista da propriedade, admitindo várias formas de
propriedade sujeitas a regimes distintos. A garantia constitucional da propriedade não impede ainda o
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legislador ordinário de estabelecer limites à propriedade individual. A própria Constituição estabelece,
aliás, alguns limites ao direito de propriedade, sendo alguns explícitos, como o sancionamento do
abandono dos meios de produção (artigo 88.º CRP) e outros implícitos como o dever de pagar impostos.
Em virtude da garantia constitucional da propriedade, a mesma só pode ser restringida nos casos
expressamente previstos na lei, devendo a restrição ser efetuada de forma proporcional para salvaguardar
direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 18.º, n.º2 CRP), tendo ainda as restrições que operar
por via geral e abstrata e respeitar o núcleo fundamental do direito (artigo 18.º, n.º3 CRP).
II – Parte Geral
A – As situações jurídicas reais
O conceito de direito real:
1. Teoria clássica [Grócio]: o direito real é um direito patrimonial que existe entre a pessoa e a coisa sem
relação necessária a outra pessoa. Na sequência, os autores da pandectística alemã, na quase totalidade,
apresentariam o direito real como um poder imediato sobre uma coisa ou como poder direto e imediato sobre
uma coisa. Esclareça-se, em todo o caso, que o poder de que se fala vem entendido como um
poder jurídico e não como um mero poder material. A teoria clássica teve sucesso em Portugal:
a. Guilherme Moreira foi o seu primeiro aderente conhecido;
b. José Tavares, igualmente; e
c. Paulo Cunha, de um modo mais mitigado, expressaram a sua adesão ou simpatia a esta
teoria.
Alguns autores continuam, ainda hoje, a definir o direito real como o recurso a fórmulas que
mantêm a fidelidade à teoria clássica:
d. Henrique Mesquita faz, de algum modo, a apologia à teoria clássica.
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Crítica:
o Uma primeira crítica que se pode fazer situa-se a nível técnico: o direito real não constitui
um poder, mas um direito subjetivo; os poderes são conteúdo de direitos, não se devendo
confundir com estes.
o A segunda crítica prende-se com a afirmada imediação do direito real, que só existiria
nos direitos reais suscetíveis de posse, isto é, nos direitos reias de gozo (com exceção das
servidões negativas), mas já não nos direitos reais de garantia e nestas últimas servidões.
o Uma terceira crítica encontra-se em Giorgianni. O poder direto e imediato não serviria
para caracterizar o direito real, porquanto outros direitos não reais permitiriam ao titular
agir da mesma maneira sobre a coisa.
Ainda que esta crítica não convença, pois, os direitos que o autor sustenta terem
imediação sobre a coisa não a têm efetivamente, a imediação que este autor
descobre nos direitos reais de gozo vêm da posse, que constitui um direito real
distinto, e não de nenhum daqueles direitos. Tudo isto destrói o argumento de
Georgianni contra a teoria clássica.
o Uma última crítica a esta teoria clássica prende-se com a estruturação do direito real num
esquema relacional, em que, todavia, a relação jurídica não se processa entre pessoas mas,
sim, entre um sujeito, o titular do direito, e o objeto deste, a coisa. Uma relação jurídica
só pode existir entre pessoas.
2. Teoria personalista [Windscheid]: este autor começa por repudiar que a relação jurídica possa
ser concebida entre uma pessoa e uma coisa. Relembrando o ensinamento de Kant, que o Direito
ordena os outros na relação social, diz que a relação jurídica existe sempre entre pessoas. Não se
limitando a expor o óbice lógico da formulação tradicional, acrescenta que o conteúdo do direito real
só pode ser negativo, valendo para outras pessoas como obrigação de não impedir a atuação do titular do direito.
O direito real não postula poderes de atuação, apenas impõe deveres de abstenção a terceiros,
levada até ao fim, esta teoria apaga a separação entre direitos reais e obrigações, reconduzindo
aqueles ao âmbito do Direito das Obrigações. É o conhecido monismo personalista. Esta
doutrina também teve eco em Portugal:
a. Caeiro da Mata sustenta que os direitos reais resolvem-se em uma relação entre sujeitos.
Crítica: não concebemos o Direito como um fenómeno relacional, de modo a que toda e
qualquer forma de proteção jurídica se deva fazer no quadro técnico da relação jurídica. A
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pandectística alemã impôs o modelo lógico-jurídico da relação jurídica. Todo o fenómeno
jurídico se ordenara neste modelo relacional, havendo um lado ativo, correspondente a um
direito, e um lado passivo, correspondente, nos direitos absolutos, a uma obrigação passiva
universal ou dever geral de respeito. Ora, fora de situações estruturalmente relativas, como as
que emergem das obrigações, a atribuição ou disponibilização de bens às pessoas não gera, no
imediato, deveres jurídicos para terceiros, pelo menos não deveres jurídicos específicos,
direcionados ao respeito da situação jurídica concreta reconhecida pelo Direito. Naturalmente,
cada pessoa deve respeitar os direitos dos outros. Trata-se, porém, de um dever genérico, não
enquadrado em qualquer relação jurídica, e cuja violação suscita o desencadear dos mecanismos
repressivos e de reparação da ordem jurídica. Os direitos reais constituem situações jurídicas
absolutas, não existindo um lado passivo a considerar, apenas o conteúdo de aproveitamento do
bem que a ordem jurídica dispensa, como não pode deixar de ser numa situação jurídica ativa.
Desta forma, a noção técnica de direito real só pode ser positiva, a vertente de aproveitamento
da coisa que este direito confere ao titular e não negativa. Definir o direito real pelo seu –
pretenso – lado negativo equivale a deixar na sombra todo o conteúdo de significado do
representado pela possibilidade de aproveitamento de uma coisa corpórea que o direito real
propicia. Atente-se igualmente em que, desta forma, se dilui a possibilidade de distinguir os
direitos reais de todos os outros direitos absolutos. Levada até ao fim, esta conceção leva à
diluição da fronteira entre créditos e direitos reais.
3. Teorias mistas: combinam as perspetivas de outras teorias, procurando tomar o que cada uma
delas tem de bom. Quanto ao conceito de direito real, conceberam dois lados ou duas vertentes
do direito real:
a. Lado interno: o direito real seria um poder direto e imediato sobre a coisa;
b. Lado externo: o direito real teria oponibilidade erga omnes, investindo todas as outras
pessoas no dever de o respeitarem (dever geral de respeito ou obrigação passiva
universal).
As teorias mistas teriam largo sucesso em Portugal. Entre os seus aderentes, contam-se:
a. Manuel de Andrade;
b. Pires de Lima;
c. Pires de Lima/Antunes Varela;
d. Almeida Costa;
e. Mota Pinto; e
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f. Henrique Mesquita.
Crítica: esta doutrina cai em todos os erros em que caíram as duas doutrinas anteriores, só
aproveitando o que elas têm de mau: quanto à clássica a relação com a coisa, quanto à personalista,
o aspeto negativo.
Tentativas de separação:
1. Gomes da Silva: afirma que só pode ser direito real o que representa a afetação da coisa a um
fim. O bem afetado pela lei à realização de certo fim é a própria coisa;
2. Oliveira Ascensão: refere que direitos reais são absolutos, inerentes a uma coisa e
funcionalmente dirigidos à afetação desta aos interesses do sujeito;
3. Menezes Cordeiro: entende que direito real é uma permissão normativa específica de
aproveitamento de uma coisa corpórea;
4. Carvalho Fernandes: define direito real como o poder jurídico absoluto, atribuído a uma pessoa
determinada para a realização de interesses jurídico-privados, mediante o aproveitamento
imediato de utilidades de uma coisa corpórea;
5. Menezes Leitão: direito real é um direito absoluto e inerente a uma coisa corpórea, que permite
ao seu titular uma determinada forma de aproveitamento jurídico desta;
6. José Alberto Vieira: direito real é o direito que atribui ao seu titular um determinado
aproveitamento de uma coisa corpórea.
o Os direitos reais são direitos sobre coisas. Dentro do conceito amplo de coisa, apenas as
coisas corpóreas podem ser objeto dos direitos reais. Atualmente, os direitos reais de
garantia são exercidos judicialmente através de uma ação executiva, que não é
naturalmente uma ação real. E o mesmo se diga de direitos reais de aquisição, como a
promessa real, cujo exercício judicial não se faz por uma ação real. Isto quer dizer que já
não é mais possível falar em direitos reais por referência a um modo específico de tutela
real, embora subsistam, naturalmente, ações reais, como a ação de reivindicação (artigo
1311.º CC). Em todo o caso, os regimes jurídicos de Direitos Reais mantiveram a sua
ligação original ao objeto: as coisas corpóreas. Inversamente, todos os direitos sobre
coisas corpóreas são direitos reais. Os direitos reais outorgam o aproveitamento de uma
coisa corpórea. Esse aproveitamento pode ser muito variado, até aos direitos reais de
aquisição e de garantia que se limitam a assegurar a aquisição de outro direito ou a
possibilidade de realização de dinheiro com a venda da coisa. O aproveitamento da coisa
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pode ser material ou jurídico. Usualmente, tende a considerar-se apenas o primeiro; mas
não há nenhuma razão para que isso suceda. Nos direitos reais de garantia e de aquisição,
o aproveitamento da coisa é meramente jurídico; nos direitos reais de gozo, tanto o
aproveitamento material, através da posse, como o aproveitamento jurídico podem
existir no conteúdo do direito real. O direito real é, antes do mais, um direito subjetivo.
No caso dos direitos reais, esses bens são coisas corpóreas. O direito real é, assim, um
direito sobre uma coisa corpórea ou contra uma coisa, como, por vezes, se exprimem os
romanistas. Um direito subjetivo que tem uma coisa corpórea por objeto só pode ser um
direito real. O escopo normativo do direito subjetivo real, como de qualquer outro direito
subjetivo, é o de permitir o aproveitamento do objeto pelo titular. A caracterização do
direito real deve ser levada a cabo na análise de cada tipo de direito real, pois cada um
dos direitos reais atribui um conteúdo diverso de aproveitamento da coisa e existem
tantas formas de aproveitamento da coisa quantos os tipos de direitos reais consagrados
na lei. O aproveitamento de uma coisa corpórea, só por si, não permite qualificar um
direito como direito real. Os direitos pessoas de gozo constituem um bom exemplo (v.g.
locação). Para além de outorgar um determinado tipo de aproveitamento de uma coisa
corpórea, o direito real só é real se tiver essa coisa por objeto. A implicação da coisa na
estrutura do direito real representa o último e definitivo traço da distinção entre direitos
de crédito e direitos reais.
Classificação de direitos reais: a classificação principal distingue, tendo em conta ao conteúdo
do escopo de aproveitamento da coisa:
1. Direitos reais de gozo: atribuem o aproveitamento da coisa através de uma combinação de
poderes que consubstanciam o gozo da coisa;
2. Direitos reais de garantia: não atribuem nenhum dos poderes de gozo da coisa, mas apenas a
possibilidade de realização de um valor em dinheiro pelo produto da venda da coisa em processo
judicial (a garantia do cumprimento de uma obrigação);
3. Direitos reais de aquisição: determinam a afetação de uma coisa à aquisição de outro direito.
Outra classificação importante distingue:
1. Direitos reais maiores:
2. Direitos reais menores:
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Um direito real é maior em relação a outro quando o conteúdo de aproveitamento da coisa é mais extenso.
Assim, a propriedade é o direito real de maior extensão, pelo que será sempre o direito real maior. No
confronto com ela, todos os direitos são direitos reais menores.
O direito de propriedade representa um direito sobre coisa própria. A propriedade constitui a afetação
última de uma coisa a uma pessoa. Em relação a ela, qualquer outro direito real é ius in re aliena, direito
sobre coisas alheia (do proprietário). Podemos, deste modo, distinguir:
1. Direito sobre coisa própria: a propriedade, incluindo a compropriedade;
2. Direito sobre coisa alheia: todos os outros.
A oneração:
1. Teoria do desmembramento: os atores mais antigos concebiam a propriedade como o direito
real perfeito e completo. No confronto com ela, os outros direitos reais de gozo eram
propriedades imperfeitas ou incompletas. A incidência de outros direitos reais sobre a
propriedade tornavam-na imperfeita. Na base desta conceção está a ideia de que a propriedade
constitui o direito real principal, do qual todos os outros derivam por desmembramento. Esta
ideia levou ao surgimento da denominada teoria do desmembramento. Segundo esta teoria, os
direitos reais menores derivavam da fragmentação (desmembramento) dos poderes do
proprietário a favor do titular do direito real menor. A redação do n.º1 do artigo 1306.º CC
parece, ainda, influenciada nesta teoria.
2. Teoria da oneração: a crítica a esta teoria do desmembramento veio, assim, denominada teoria
da oneração: os direitos reais menores não representam qualquer forma de desmembramento da
propriedade, mas tipos diversos de aproveitamento da coisa. A sua incidência sobre a coisa não
conduz a uma transmissão do conteúdo da propriedade para o direito novo, mas apenas a
oneração daquele por este. O direito real menor tem um conteúdo próprio que quando incide
sobre a coisa limita o aproveitamento do proprietário, porque ambos concorrem sobre a mesma
coisa. Esta teoria rejeita, pois, que os outros direitos reais resultem da transferência de conteúdo
da propriedade, concebendo-os antes como tipos autónomos, diversos da propriedade e que
quando incidem sobre a mesma coisa comprimem aquele direito, impedindo o proprietário de
gozar com a coisa em toda a zona de sobreposição do conteúdo entre os dois direitos. Pode,
assim, dizer-se que, naquilo que é o conteúdo do direito real menor, o direito menor fica onerado.
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a. José Alberto Vieira: não tem dúvidas em expressar a sua adesão sem reservas a esta
teoria. Na visão corrente, o direito onerado é sempre um direito real maior, e o direito
onerado é sempre um direito real menor. A lei resolve o conflito da concorrência de dois
direitos reais distintos a favor do titular do direito real menor. Assim, existe oneração
quando dois ou mais direitos reais compatíveis concorram sobre a mesma coisa, sejam
direitos reais da mesma natureza, sejam direitos reais de diferente natureza, com a
diferença que, no primeiro caso, todos os direitos reais (da mesma natureza) ficam
onerados, enquanto, no segundo caso, o direito real onerado é o maior. Daqui resulta
que a oneração só se dá, segundo o regime jurídico, se os dois direitos em concurso
poderem coexistir simultaneamente sobre a mesma coisa.
A elasticidade dos direitos reais de gozo: quando um direito real de gozo se encontra onerado,
o seu conteúdo típico não se transfere (sequer em parte) para o direito real menor, dado que este tem o
seu conteúdo próprio. O que parece certo, em todo o caso, é que o titular do direito onerado não pode
exercer os poderes ou outras situações ativas do seu titular que sejam afetadas pelo aproveitamento
concedido pelo direito onerador ou titular respetivo. Não havendo transferência, o conteúdo do direito
real onerado fica comprimido, como que suspenso, enquanto a oneração durar. Esta compressão do
direito real onerado atinge apenas a parte do conteúdo do direito onerador. Na parte restante, o titular
do direito onerado pode continuar a exercer normalmente o mesmo. Assim, os atos de disposição não
alteram a situação de oneração e o novo proprietário adquire a propriedade onerada, v.g., com o usufruto,
tal qual existir antes da alienação. E isto é assim em todos os casos de oneração. Com a extinção do
direito onerador, a oneração cessa, a compressão acaba: o direito real retoma a sua plenitude. A esta
capacidade do direito real de se comprimir com a oneração e de regressar á sua configuração normal
típica uma vez cessada aquela, leva os autores a acentuar uma característica do direito real: a elasticidade.
Porém, esta elasticidade acha-se apenas nos direitos reais de gozo, não em todos os direitos reais. As
servidões prediais, por serem o direito real de gozo de menor extensão, não têm elasticidade. Assim, a
elasticidade existe tendencialmente nos direitos reais de gozo e designa aí o movimento de compressão
e de descompressão que o direito real sofre com a oneração e a extinção do direito onerador.
Situações jurídicas propter rem: por situações jurídicas propter rem entendem-se aquelas cujo
sujeito ativo ou passivo se determina em atenção à titularidade de um direito real.
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1. As obrigações propter rem: dentro das situações jurídicas propter rem, as mais relevantes são as
designadas obrigações reais ou, mais concretamente, propter rem. Nelas, o sujeito passivo da
obrigação surge determinado pela titularidade do direito real. Como exemplos destas obrigações
podem apresentar-se as presentes nos:
a. Artigo 1411.º CC;
b. Artigo 1424.º CC;
c. Artigo 1472.º, n.º2 CC;
d. Artigo 1489.º, n.º1 CC; e
e. Artigo 1567.º, n.º1 CC, entre outras.
As obrigações propter rem não correspondem a uma categoria legal. A lei nunca lhes faz qualquer
referência. No entanto, nas doutrinas latinas tem sido levado a cabo um trabalho de
dogmatização da figura. Numa primeira aproximação, as obrigações propter rem representam
deveres de prestar que impendem sobre o titular de um direito real a favor de outra pessoa.
a. Henrique Mesquita: configura as obrigações propter rem como beneficiando um titular
de outro direito real, um contitular do mesmo direito ou, finalmente, de outras pessoas
que não são determinadas através da titularidade de um direito real sobre a coisa.
b. José Alberto Vieira: pensa, porém, que este último âmbito leva a uma dispersão muito
grande. Os exemplos legas de obrigações propter rem mostram que através delas se regula
o modo como titular do direito real deve exercer o seu direito quando em concorrência
com outro direito real sobre a mesma coisa. A concorrência de direitos tendo a mesma
coisa por objeto impõe muitas vezes a necessidade de regular a sua utilização pelos
titulares, como forma de evitar o aparecimento de conflitos, de potenciar o valor
económico do aproveitamento da coisa e, sobretudo, de disciplinar o exercício do direito
de cada um. Essa regulação é, assim, o escopo das obrigações propter rem. Confinando as
obrigações propter rem às situações de conflito entre titulares de direitos reais sobre a
mesma coisa, afastamos do âmbito desta figura as obrigações de Direito Público, e
mantemos a ligação estrita o Direito Privado. Henrique Mesquita considera que as
obrigações propter rem englobam apenas os deveres de prestação de conteúdo positivo,
sustentando que os outros (deveres negativos) se resolvem através da ponderação do
próprio conceito de Direito Real. Não encontramos justificação para tal restrição (artigo
1470.º, n.º1 CC, v.g.). Na nossa ótica, as obrigações propter rem integram prestações positivas
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e negativas, quando os respetivos sujeitos, do lado ativo e passivo, sejam
simultaneamente titulares de direitos reais sobre a mesma coisa.
Discute-se na doutrina se as obrigações propter rem constituem uma relação distinta do direito real,
sendo acessórias a um direito principal (o direito real).
a. Doutrina mais antiga: divisa na obrigação propter rem uma relação obrigacional distinta
do direito real. Uma vez que as prestações atinentes às obrigações propter rem não têm a
coisa por objeto, estas não poderiam fazer parte do conteúdo do direito real. Seriam
autónomas, embora necessárias ao direito real.
b. José Alberto Vieira: esta visão deve ter-se hoje por ultrapassada. O direito real, como
situação jurídica complexa, integra simultaneamente no seu conteúdo um conjunto de
poderes e faculdades a par de outras situações negativas (deveres, sujeições, etc.). Estas
situações negativas delimitam o aproveitamento típico do direito real, fixando-lhe a
extensão, que não é, assim, dada somente pelos poderes, faculdades ou outras situações
ativas. Perde, assim, todo o seu peso o argumento tradicional, segundo o qual, estas
obrigações, por não terem uma coisa por objeto, não poderiam ter natureza real, sendo
a sua natureza pessoal, mista ou outra. O regime jurídico das obrigações terá aplicação às
obrigações propter rem somente quando não houver no regime geral uma regulação
específica ou não for afastada por ele. O facto de haver prestações a cumprir pelo titular
do direito real não desvirtua a natureza do direito que o compreende nem o pode
submeter ao Direito das Obrigações. A situação jurídica (o direito real) globalmente
considerada tem natureza real e fica sujeita ao ramo de Direito respetivo. No fundo, a
relevância teórica da figura reside na circunstância de ligado ao aproveitamento da coisa
surgiram deveres de comportamento a que fica adstrito o titular do direito real. Esses
deveres têm uma estrutura obrigacional, mas o seu regime jurídico não é simplesmente o
do ramo do Direito das Obrigações, uma vez que se integram no conteúdo de um direito
real, regido pelo Direito das Coisas. Eles servem ainda uma lógica de aproveitamento de
uma coisa, regulando o exercício de direitos reais em concorrência, e não podem ser
analisados simplesmente como se tratasse de uma relação obrigacional autónoma. No
nosso entendimento, não têm qualquer relação de acessoriedade com o direito real,
fazendo parte do conteúdo do mesmo. Portanto, as obrigações reais não correspondem
a relação jurídicas distintas do direito real e autónomas deste, integrando o conteúdo
complexo do direito real. O direito real tem uma coisa como objeto; na estrutura deste
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direito encontra-se uma coisa. No entanto, o concurso de vários direitos reais sobre o
mesmo objeto determina a necessidade de regulação do exercício concorrente dos
mesmos. As obrigações propter rem promovem essa regulação numa situação complexa
cujo objeto é uma coisa, sem desvirtuarem a natureza do direito. Fazendo parte do
conteúdo de um direito real, as obrigações propter rem têm a natureza desse direito.
Se a fonte da obrigação propter rem é o direito real, o seu titular apenas se encontra
vinculado ao cumprimento enquanto persistir a titularidade do direito. Se esta deixa de
existir, a obrigação propter rem vinculará o novo titular, se o houver. A transmissão do
direito real exonera o transmitente do dever de prestar, fazendo-o recair no novo
adquirente. E isto, mesmo relativamente a dívidas vencidas. Afastamo-nos, neste ponto,
da visão corrente.
c. Menezes Leitão: as obrigações propter rem fazem parte do conteúdo do direito real, uma
vez que este, como situação jurídica complexa, além do seu núcleo essencial, que consiste
na faculdade de aproveitamento de uma coisa corpórea, pode incluir outros elementos,
entre estes se incluindo essas obrigações. Em certos direitos reais, a lei confere uma certa
amplitude para a constituição das obrigações propter rem por via negocial (artigos 1445.º,
1485.º, 1430.º, 1564.º e 1567.º CC). Apesar disso, no entanto, as obrigações propter rem
são sujeitas ao princípio da tipicidade (artigo 1306.º, n.º1 CC), apenas se podendo
constituir nos casos previstos na lei. Caso venham a ser constituídas obrigações propter
rem fora das hipóteses em que a lei o admite, as mesmas serão consideradas obrigações
pessoais comuns, não adquirindo a natureza propter rem acompanham o direito real de que
fazem pare nas suas vicissitudes, permanecendo ligadas a este. Em consequência dessa
ligação, as obrigações propter rem são transmitidas em caso de transmissão do direito real,
passando a vincular o novo adquirente desse direito. No entanto, se a obrigação propter
rem se vencem enquanto a coisa estava na titularidade do alienante, já não parece que
aquela seja transmitida com o direito real, uma vez que o vencimento da mesma implicou
que ela passasse a vincular pessoalmente o titular do direito. É, aliás, possível em certos
casos ao titular do direito real extinguir intencionalmente o direito, precisamente no
intuito de se exonerar dessa obrigação propter rem (artigos 1411.º, n.º3, 1472.º, n.º3 e 1567.º
n.º3 CC). Não parece, porém, que a renúncia liberatória possa exonerar o titular em
relação a obrigações propter rem já vencidas, mas apenas em relação àquelas que, no futuro,
se vencem. As obrigações propter rem podem ainda extinguir-se por ter sido constituído,
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por via negocial ou usucapião, um direito real com elas incompatível, como sucede com
as servidões desvinculativas. Em virtude da ligação das obrigações propter rem os direitos
reais não parece possível a sua extinção por prescrição.
Porém, não é líquida a sujeição das obrigações propter rem a um princípio da tipicidade (portanto,
taxatividade das mesmas):
a. Henrique Mesquita: refere que estas são típicas. Trata-se de uma categoria que deve
resultar determinada através de hipóteses tipicamente previstas; de outro modo, são
aplicáveis as regras gerais das obrigações.
b. José Alberto Vieira: a lei portuguesa não confirma aparentemente esta perspetiva de
Henrique Mesquita. As obrigações propter rem podem ter a sua fonte diretamente na lei
ou em negócio jurídico. E, com efeito, são várias as hipóteses em que a lei admite a
previsão de obrigações, por via negocial, no título constitutivo (v.g. artigos 1445.º, 1485.º,
1530.º e 1564.º CC). Por outro lado, a lei admite igualmente que no título constitutivo
seja alterado o sujeito passivo da obrigação propter rem. Mas e quanto à total autonomia
privada das partes para a livre criação, em primeiro obstáculo a isto, provém do princípio
da tipicidade (artigo 1306.º, nº.1 CC). A validade da constituição de obrigações de fonte
negocial que importem, no seu alcance prático, a supressão ou diminuição do
aproveitamento típico do direito real deve considerar-se excluída. Há, neste caso,
violação da tipicidade legal (artigo 1306.º, n.º1 CC). Há, porém, a considerar um segundo
obstáculo: a falta de publicidade. As obrigações propter rem, por pertencerem ao conteúdo
do direito real, não são objeto de publicidade autónoma. Elas representam, porém, um
gravame importante para o adquirente do direito real, que fica obrigado a desenvolver
uma atividade com a qual pode não ter contacto, se a mesma deriva unicamente do título
constitutivo e não da lei. Por outro lado, parece difícil admitir que os particulares possam
fixar livremente esse conteúdo fora do âmbito do tipo legal, dando ao exercício do direito
real em concurso com outro a conformação que quiserem. Isto leva-nos a pensar que as
obrigações propter rem de fonte negocial só podem ser validamente convencionadas se
incidirem sobre os aspetos do exercício do direito real que a lei contemple,
nomeadamente, para afastarem o regime supletivo legal, estabelecendo outra solução. As
obrigações que não estejam nestas condições não podem valer como obrigações propter
rem, ficando, quando muito, sujeitas ao regime geral das obrigações. E, com isto,
chegamos a uma orientação praticamente coincidente com a de Henrique Mesquita.
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c. Menezes Leitão: o mesmo entende, como acima ficou expresso.
Mas fica a questão: qual a natureza jurídica das obrigações propter rem?
f. Teoria realista [Henrique Mesquita e José Alberto Vieira]: as obrigações propter rem
correspondem a verdadeiros direitos reais, uma vez que não há obstáculo a que o direito
real tenha por objeto um facere, podendo haver direitos reais in faciendo. Não se trataria de
obrigações, uma vez que são geradas pela propriedade. Próximo desta teoria encontra-se
Henrique Mesquita, para quem o conceito de direito real compreende não apenas os
poderes conferidos ao seu titular e as restrições e limites a que está sujeito mas também
as vinculações de conteúdo positivo (as obrigações reais) que sobre ele recaiam. Sendo
que a ela também aderiu José Alberto Vieira, como vimos.
g. Teoria personalista [Menezes Cordeiro, Menezes Leitão, Pinto Duarte e Santos
Justo]: as obrigações propter rem correspondem a verdadeiras obrigações, uma vez que
nelas existe o dever de uma pessoa realizar uma prestação, sendo consequentemente
submetidas ao regime geral das obrigações. Menezes Leitão rejeita a natureza real das
obrigações propter rem dado que as mesmas têm por objeto prestações e não coisas, sendo
as prestações objeto de direitos de crédito, sendo as prestações objeto de direitos de
crédito e não de direitos reais. Rejeita, também, a teoria mista uma vez que não há
inclusão do regime da realidade na obrigação propter rem. Efetivamente, a pretensa
realidade referir-se-ia apenas à origem da obrigação propter rem e não à sua natureza, uma
vez que, com exclusão dessa origem, as obrigações propter rem seguem integralmente o
regime dos direitos de crédito. Essa situação não deve, por isso, ser vista como inerência,
uma vez que a ligação com a coisa constitui apenas uma forma de determinação do sujeito
passivo da obrigação. Falta, por outro lado, às obrigações propter rem o caráter absoluto
que caracteriza os direitos reais, uma vez que estas não são oponíveis erga omnes, mas,
antes, se estruturam com base numa relação para com um devedor, independentemente
da forma como se procede à sua determinação. A teoria relativa não é aceitável, na
medida em que não toma posição sobre a distinção entre direitos reais e direitos e direitos
de crédito, o que constitui uma operação prévia indispensável a qualquer tentativa. Por
isso, adere à teoria personalista, inserindo as obrigações propter rem no âmbito dos direitos
de crédito.
h. Teoria mista [Penha Gonçalves]: as obrigações propter rem têm uma natureza mista,
dado que recolhem elementos tanto dos direitos reais como dos direitos de crédito,
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podendo considerar-se como um tertium genus entre estas duas categorias de direitos
patrimoniais. As obrigações propter rem consistiriam, assim, numa relação de natureza
complexa, participando em certa medida tanto do regime dos direitos reais como do
regime dos direitos de crédito.
i. Teoria relativa [Giorgianni]: as obrigações propter rem corresponderiam a direitos reais
ou direitos de crédito, consoante o critério que se adotasse. Efetivamente, os conceitos
de direito real e de direito de crédito corresponderiam a uma classificação dos direitos
patrimoniais, que poderia obedecer a dois critérios distintos:
i. A classificação basear-se-ia na diferente estrutura dos direitos: tendo os
direitos reais caráter imediato e absoluto, o que não sucederia com os direitos de
crédito. As obrigações propter rem corresponderiam a direitos de crédito;
ii. A classificação estaria dependente da vinculação e pertença do titular em
relação a uma coisa determinada, que lhe atribuiria inerência: o que implica
que o titular possa obter a satisfação do seu interesse com independência das
relações de facto ou jurídicas. Seriam estas direitos reais.
2. Ónus reais: o ónus real não representa um verdadeiro ónus. Por outro lado, frequentemente
aliás, esta expressão surge na lei para designar situações que não correspondem aos tradicionais
ónus reais. Portanto, e como prevenção, há que contar com as utilizações pouco criteriosas de
expressão ónus real, que nada tem a ver com a figura em análise.
Numa primeira aproximação, o ónus real designa uma prestação positiva a que se encontra
obrigado o titular de um direito real defronte de outra pessoa. Neste sentido, e este supomos ser
um aspeto pacífico, o ónus real constitui uma modalidade de situação jurídica propter rem.
A doutrina portuguesa dominante considera que os ónus reais apenas englobam as prestações
positivas de dare, excluindo, pois, as de facere. Mas, antes de qualquer exposição de concordância,
convém fazer uma delimitação prévia. A doutrina tem distinguido ónus reais puros e ónus reais
integrados em direitos reais. O cânon superficiário (artigo 1530.º CC) seria um exemplo destes
últimos: ele integra a posição jurídica do proprietário do solo onerado com um direito de
superfície, quando o mesmo seja convencionado (artigo 1530.º, n.º1, in fine CC). Esta distinção
é fundamental. Os denominados ónus integrados em direitos reais não apresentam nenhuma
característica que permita diferenciá-los das obrigações propter rem. Eles são, assim, parte do
conteúdo do direito real, quer do direito real do sujeito ativo quer do direito real do obrigado à
prestação. Isto quer dizer que apenas se justifica dogmaticamente falar de ónus reais
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relativamente aos ónus reais puros, ou seja, àqueles que não fazem parte do conteúdo de um
direito real. Os outros não se distinguem das obrigações propter rem (sendo, assim, este o seu fator
distintivo: a inclusão no conteúdo do direito).
Mas, voltando, então, ao problema: seria decerto possível, na variedade dos exemplos históricos
conhecidos, encontrar casos em que o ónus real tem por objeto uma prestação de facere. O que
interessa, no entanto, são os dados do Direito positivo português vigente. E os exemplos
conhecidos dos ónus reais, o apanágio do cônjuge sobrevivo, a reserva de quantia sobre coisa
doada, a contribuição autárquica, a taxa municipal de conservação de esgotos, etc., apoiam
solidamente a tese de que a prestação do ónus real consiste somente num dare.
Assim, o ónus real é o direito de exigir a entrega, singular ou periódica, da coisa, em géneros ou dinheiro, a quem
for o titular de um direito real de gozo sobre um prédio.
O ónus real tem por objeto uma prestação de dare. A coisa a entregar pode ser uma qualquer. O
ónus real atinge o titular de um direito real sobre um prédio, impondo-lhe uma obrigação de
entrega de coisa. A determinação do sujeito passivo da obrigação pela titularidade de um direito
real de gozo sobre um prédio permite falar numa situação jurídica propter rem. Por último, o titular
do ónus real não beneficia de um direito real concorrente sobre o prédio ou, pelo menos, a
prestação correspondente ao ónus lhe é devida nessa qualidade. Se assim fosse, estaríamos
perante uma obrigação propter rem. Por isso, os ónus reais conferem ao titular o direito de exigir
a entrega de coisa, seja qual for o titular do direito real de gozo sobre o prédio. Por conseguinte,
havendo uma transmissão do direito real, o novo titular está obrigado a cumprir a prestação ao
credor, ainda que exista mora anterior à transmissão, ou seja, mesmo que o crédito se haja
vencido antes do novo titular ter adquirido o seu direito. Deste modo, a transmissão do direito
real sobre o prédio gravado com o ónus real não surte efeito liberatório. O ónus real continua a
ser exigível ao titular do direito real.
a. Henrique Mesquita afirma que o que distingue as obrigações reais dos ónus reais é o
facto de a estes últimos estar acoplada uma garantia real.
b. José Alberto Vieira entende que a primeira dificuldade reside em saber de que garantia
se trata, havendo um numerus clausus de garantias reais. A segunda dificuldade encontra-
se na formalização da garantia real e na sua publicidade. Um outro ponto do regime
jurídico desmente a integração da vertente da garantia do ónus real, surgindo, ao invés,
que a garantia é exterior a ele. A contribuição autárquica e os outros impostos prediais,
são garantidos por privilégios creditórios (artigo 744.º, n.º1 CC). É patente, neste caso,
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que a garantia não integra o conteúdo do ónus real, advindo da previsão específica de
um direito real de garantia autónomo. Tudo isto nos leva a pensar que a garantia do ónus
real só pode existir, nos termos gerais, ou seja, se for convencionada pelas partes,
recorrendo ao catálogo legal de garantias reais, ou se for prevista pela lei. em caso de
incumprimento do ónus real, e caso não haja garantia real constituída a seu favor, o
beneficiário concorre com os credores comuns ao património do devedor, incluindo
naturalmente a coisa que serve para a determinação propter rem.
Discute-se, ainda, a natureza jurídica do ónus real, variando a posição dos autores portugueses:
a. O ónus reais teriam a natureza de direitos reais [Menezes Cordeiro e Rui Pinto]:
os ónus reais seriam verdadeiros direitos reais, uma vez que neles existe inerência, dado
que se produziria uma afetação jurídica de uma coisa a outrem, independentemente das
situações materiais e jurídicas que afetam a coisa. Para além disso, os ónus reais
possuiriam as características dos direitos reais, através das ações reais. Uma vez que visam
a aquisição de créditos, poderiam ser qualificados de direitos reais de aquisição, uma vez
que aquisição de coisas pode ser (em sentido amplo) de realização pecuniária. A tese foi
seguida por Rui Pinto que, no entanto, defende a sua qualificação como direitos reais de
gozo.
b. Os ónus reais teriam a natureza de obrigações propter rem:
i. Oliveira Ascensão: os ónus reais, embora sejam inerentes a uma coisa, não
seriam direitos reais por não serem funcionalmente dirigidos a propiciar o
aproveitamento da coisa;
ii. José Alberto Vieira: começando por relembrar que a natureza real provém de
um dado estrutural: os direitos reais são direitos subjetivos que têm coisas
corpóreas por objeto; refere que se a coisa não está implicada no objeto do direito,
ainda que proporcione um aproveitamento ao titular do direito: o direito não é
real. Ora, o objeto do ónus real é uma prestação. O ónus real impõe ao titular de
um direito real de gozo sobre um prédio um dever de entregar uma coisa ao
credor. Em contrapartida, este tem o poder de exigir a entrega. É incorreto dizer
que este poder é inerente. O poder dirige-se contra o devedor, para que este
realize a entrega, e não contra a própria coisa, como sucede nos verdadeiros
direitos reais. Nos ónus, a coisa serve apenas para determinar a titularidade
passiva do ónus real e não para facultar qualquer forma de aproveitamento da
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mesma. A utilização da coisa para a determinação do sujeito passivo de uma
obrigação não pode ser confundida com inerência. Trata-se, apenas, do caráter
propter rem do ónus real. Assentando numa relação jurídica, dando a um credor o
poder de exigir uma atividade (prestação de dare) e ao titular do direito real de
gozo sobre um prédio (devedor) o dever de realizar aquela, o ónus real tem
natureza obrigacional. A coisa não só não integra o objeto do direito do credor
como se limita a servir o propósito de determinar o sujeito passivo da obrigação.
Em termos de construção jurídica, não teria de ser assim. Atualmente, os ónus
reais só existem quando a lei os preveja. Pode falar-se, assim, numa tipicidade ou
taxatividade dos ónus reais. Esta tipicidade não advém, todavia, do facto de os
ónus reais serem direitos reais, não o são, como vimos anteriormente, mas sim
da regra segundo a qual, ninguém pode ficar obrigado por uma convenção
celebrada por outra pessoa senão nos casos previstos na lei (artigo 406.º, n.º2
CC). Deste modo, os ónus reais só podem ser validamente convencionados nos
casos legalmente contemplados. Fora destes casos, as obrigações que vinculem o
titular de um direito real em atenção à coisa objeto do seu direito ficam sujeitas
ao regime comum.
c. Os ónus reais teriam a natureza das obrigações propter rem acoplados a um
direito real de garantia:
i. Henrique Mesquita: o ónus real seria uma figura composta, englobando uma
obrigação propter rem e uma garantia imobiliária. Vimos, já, que José Alberto Vieira
criticou tal solução, não encontrando tal garantia como parte e elemento genético
do ónus real, antes sendo um elemento exterior.
ii. Menezes Leitão: subscreve a posição de Henrique Mesquita pois, efetivamente,
os ónus reais não podem ser qualificados como direitos reais, uma vez que não
têm coisas corpóreas como objeto, sendo antes verdadeiras obrigações, cuja
especialidade consiste em o devedor ser determinado em função da titularidade
de um direito real. Só que essa situação não pode ser confundida com a inerência
nos direitos reais, uma vez que não permite ao titular do ónus qualquer
aproveitamento da coisa, mas apenas a possibilidade de exigir a realização de uma
prestação ao seu titular. No entanto, conforme se referiu, aos ónus reais encontra-
se associada uma garantia real, que incide sobre a coisa gravada com o ónus, o
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que implica que os ónus reais devam ser qualificados como créditos constituídos
propter rem, acoplados a uma garantia real.
d. Os ónus reais seriam uma figura complexa, incluindo elementos reais e
elementos obrigacionais [Carvalho Fernandes e Santos Justo]: qualifica o ónus real
como uma figura complexa, que participa de elementos obrigacionais e de elementos
reais de garantia, mas estes reagem uns sobre os outros, criando um regime particular,
correspondente a um ius mixium.
3. Pretensões reais: a violação do direito real pode, porém, motivar pretensões destinadas a obter
a restituição da coisa ilicitamente na posse ou detenção de terceiro. É o que tipicamente sucede
com a ação de reivindicação, na qual o reivindicante solicita do possuidor a entrega da coisa, ou
na ação possessória de restituição, que tem o mesmo pedido. Tanto na ação de reivindicação
como na ação possessória de restituição, o autor exerce uma pretensão à entrega da coisa. Essa
pretensão decorre do exercício do direito real e não está dependente de um devedor determinado.
Trata-se, por isso, de uma pretensão real. A pretensão real também pode existir na contestação
à existência de outro direito real, na ação negatória, como na afirmação da sua existência, na ação
confessória. Para além destes casos, existe pretensão real sempre que um titular de um direito
real exerce este direito contra terceiro. A pretensão real tem o seu fundamento numa situação
jurídica real que é exercida contra alguém. Supomos que os casos apresentados mostram que não
é necessário existir uma violação do direito real ou que esteja sema em causa a entrega da coisa
indevidamente com um terceiro.
Diremos, assim, que sempre que o titular de um direito real realize um pedido processual contra terceiros com
fundamento nesse direito estamos defronte de uma pretensão real.
b. Henrique Mesquita e Menezes Leitão: defendem que, apesar de terem caráter
absoluto, os direitos reais permitem, no entanto, atribuir pretensões de caráter relativo,
com natureza obrigacional: as pretensões reais. Estas, são direitos relativos, que têm
apenas a especialidade de ser originadas pelo direito real, estando consequentemente a
elas ligadas. Não fazem, no entanto, parte do conteúdo desse direito real, o qual pode ser
plenamente exercido, sem que alguma vez dê origem a uma pretensão dessa natureza.
Sendo direitos relativos, as pretensões reais são sujeitas primordialmente ao regime dos
direitos de crédito, salvo quando existam disposições especificas relativas aos direitos
reais, ou aplicação do regime obrigacional não se harmoniza com os princípios gerais do
Direito das Coisas. Assim, as pretensões reais estão sujeitas às normas sobre o
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cumprimento das obrigações, sendo-lhes igualmente aplicáveis o regime das da mora do
devedor e da mora do credor. Mas as pretensões primárias resultantes dos direitos reais,
como a ação de reivindicação ou a ação negatória, não podem ser cedidas a terceiro,
sendo apenas possível atribuir procuração para o seu exercício. Já as pretensões
secundárias, como o direito de indemnização por responsabilidade civil, podem ser
objeto de cessão, nos termos gerais. A mesma solução deve ser adotada em relação à
prescrição, a que só estão sujeitas as pretensões secundárias. Já as pretensões primárias,
como a reivindicação, são imprescritíveis, sem prejuízo dos direitos adquiridos por
usucapião. Não é aplicável, por outro lado, às pretensões reais o regime da indemnização
por incumprimento. Efetivamente, a indemnização por incumprimento pressupõe a
violação de uma obrigação previamente constituída, enquanto que as pretensões reais
surgem diretamente em resultado da violação do direito real.
c. José Alberto Vieira: com a sua formulação, acima exposta em itálico, afasta-se desta
construção que vê nas pretensões reais relações creditórias que têm o seu fundamento
no regime específico dos Direitos Reais. Não vê, de resto, como no âmbito de uma ação
confessória ou negatória se possa vislumbrar uma relação creditória entre as partes. Por
conseguinte, assim como considerou as obrigações propter rem partes do conteúdo do
direito real, ligamos as pretensões reais ao exercício judicial do direito real, sem envolver
o regime obrigacional só porque uma conduta de alguém é requerida. De outro modo, o
exercício do direito real contra alguém só poderia ser explicado com recurso ao esquema
obrigacional, o que contraria a autonomia não apenas normativa como dogmática de
Direitos Reais. A exigência de cumprimento de deveres de conduta com base em direito
real não transforma a relação jurídica subjacente numa relação obrigacional. A pretensão
real representa uma manifestação processual do exercício do direito real e está sujeita ao
regime jurídico de Direitos Reais.
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B – Os princípios de Direitos Reais
Um ensino estruturado em princípios materiais previne a tentação de obter o Direito com recurso
exclusivo a esquemas lógico-formais. Na medida em que revela as coordenadas valorativas do sistema
interno combate positivismos de teor normativista. Por outro lado, escusado será dizer que o
conhecimento dos princípios aumenta as potencialidades da denominada interpretação sistemática, pela
conjugação de dispositivos dispersos a que obriga, e melhora, deste modo, as possibilidades de realização
dos fins do sistema normativo que se revelam nesses princípios. Os princípios a tratar no ensino de
Direitos Reais são os princípios específicos deste ramo de Direito. Naturalmente, e sem prejuízo de
eventuais restrições, os princípios gerais de Direito Civil recebem aplicação em Direitos Reais. Afinal,
Direitos Reais constitui uma parte do Direito Civil e os princípios deste são também os princípios
daquele ramo do Direito. Sendo os seguintes:
O princípio da tipicidade ou numerus clausus: em Portugal, os particulares não são
admitidos a criar as figuras com natureza real que lhes aprouver, vendo a sua autonomia privada
restringida à possibilidade de escolha dos direitos reais previstos na lei. O sistema postula, assim, um
mínimo finito de direitos reais, justamente, um numerus clausus. Fala-se, então, em tipicidade: os direitos
reais, justamente, são típicos, só existem os que o legislador consagrar. Este princípio recebeu
consagração expressa no artigo 1306.º, n.º1 CC. A sua localização a propósito do regime da propriedade
explica-se em grande parte pela ausência de uma parte geral de Direitos Reais; tudo o que tem natureza
real tende a concentrar-se no direito real paradigmático: a propriedade. A fórmula usada para exprimir o
princípio no n.º1 do artigo 1306.º CC encontra-se desatualizada pois baseada ainda na velha doutrina do
desmembramento. Por isso se fala em figuras parcelares da propriedade e não em direitos reais menores.
Por outro lado, ela parece limitar tecnicamente a violação da tipicidade à criação de restrições a um
direito real. No entanto, esta violação pode derivar igualmente de um aumento do aproveitamento
permitido pelo tipo de direito real considerado, que não constitui tecnicamente uma restrição. O
princípio da tipicidade tem duas vertentes, que o numerus clausus abrange:
Na escolha do tipo;
Na modificação do tipo.
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A vertente mais óbvia está na proibição da criação de um direito real diferente dos que constam do
catálogo legal. A autonomia privada encontra-se limitada à escolha dentro das figuras reais admitidas
pelo ordenamento. A segunda vertente prende-se com o conteúdo do direito real. A tipicidade em
Direitos Reais implica forçosamente que os particulares não possam compor o conteúdo do direito real
a seu belo prazer, pois, a ser assim, debaixo de uma designação unitária (usufruto, superfície, etc.) abrigar-
se-iam múltiplos direitos distintos. Por isso, o respeito pelo princípio da tipicidade acarreta a proibição
de modificar o conteúdo injuntivo típico do direito real previsto na lei.
Em todo o caso, o tipo, cada tipo, de direito real resulta da configuração imprimida pelo seu conteúdo,
que se revela através da interpretação do regime jurídico que o institui. Porém, nem todo o regime
jurídico de cada direito real conforme o tipo respetivo. Para essa tarefa relevam as normas interpretativas.
O que obriga a distinguir o conteúdo injuntivo do tipo de direito real e o conteúdo supletivo.
A autonomia privada dá aos particulares a possibilidade de se moverem livremente no âmbito supletivo
do regime de cada tipo de direito real, mas está afastada naquilo que respeita ao tipo injuntivo do direito
real. As normas imperativas são, naturalmente, as que moldam o tipo legal do direito real. Como o direito
real é um direito que confere o aproveitamento de uma coisa corpórea, essas normas estabelecem um
determinado conteúdo de aproveitamento da coisa. Contudo, como nem todo o aproveitamento
permitido pelo direito real integra o tipo respetivo, haverá que perscrutar a parte do conteúdo do
aproveitamento que integra o tipo (conteúdo imperativo), uma tarefa que só a interpretação do regime
jurídico pode solucionar relativamente a cada um dos direitos reais.
A existência de um conteúdo supletivo de aproveitamento da coisa, só por si, não permite que se fale
em tipos abertos de direitos reais. Individualmente considerados, porém, os direitos reais não são
regulados como tipos, mas sim como conceitos ou classes. Cada tipo vem definido segundo o modelo
concetual, com um certo número de notas distintivas. Elas compreendem, em regra, poderes, tendo em
conta que estamos perante situações jurídicas ativas, mas pode acontecer que uma restrição, na forma de
dever, surja como nota distintiva do conceito. As notas distintivas do conceito de direito real formam o
desenho do tipo legal de direito real, o seu conteúdo injuntivo típico, como lhe chamamos. Como tal,
elas não estão na disponibilidade das partes. De outro modo, esvaziar-se-ia o significado do princípio da
tipicidade, normativamente consagrado (artigo 1306º, n.º1 CC). Neste sentido, os tipos de direitos reais
não são efetivamente tipos abertos, são justamente o oposto. Uma exceção surge, no entanto, na servidão
predial: o artigo 1544º CC estabelece que podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades... suscetíveis
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de ser gozadas por intermédio do prédio dominante. O regime possibilita a convenção privada de um
conteúdo de aproveitamento que não se encontra previamente definido por inteiro. A servidão predial
constitui um tipo aberto de direito real.
Assim, se as partes ao abrigo da sua autonomia privada quiserem criar novos direitos reais, a lei nega-
lhes a pretendida eficácia real, atribuindo-lhes apenas natureza obrigacional (artigo 1306.º, n.º1, in fine
CC), sendo este um caso de conversão legal, que foge aos pressupostos do artigo 293.º CC.
O princípio da inerência: os direitos reais têm por objeto coisas corpóreas. Contudo, a afetação
do objeto ao direito real tem lugar de um modo particularmente intenso no regime jurídico de Direitos
Reais. Cada direito real tem uma coisa determinada por objeto e, na ausência de causa legal, não pode
ser dissociado ou separado dela, nomeadamente, para ter outra coisa por objeto. Esta ligação íntima
entre o direito e a coisa bem usualmente denominada por inerência.
1. Doutrina clássica: distinguia duas facetas ou lados da inerência:
a. Um lado interno: destaca a ideia da inseparabilidade do direito e da coisa; e
b. Um lado externo: a sequela.
2. José Alberto Vieira: se bem se atentar, esta explicação está ligada à discussão sobre as doutrinas
clássicas e moderna de direito real. Achamos, porém, que este segundo aspeto, a sequela, não
tem nada a ver com a inerência, mas sim com o caráter absoluto do direito real. Porquanto a lei
dota o direito real de uma oponibilidade erga omnes, o titular deste direito pode fazê-lo valer contra
quem tem a coisa ilicitamente. Por outro lado, o direito real pode fazê-lo contra quem tem a
coisa ilicitamente. Por outro lado, o direito real pode ter oponibilidade em alguns casos que nem
por isso deixa de ser inerente. O que mostra bem que inerência e oponibilidade absoluta são
aspetos distintos do direito real, assentando em princípios diferentes. A inerência significa, antes de
mais, que a coisa (corpórea) é objeto de um direito real e não pode ser separada dele. Se um direito real se
constitui sobre uma coisa, ele só pode ter por objeto essa coisa e não uma coisa diversa.
Justamente porque o direito real é inerente a uma coisa determinada, se esta perecer o direito
real extingue-se. Esta solução é expressa nos artigos 1476.º, n.º1, alíneas c) e d), ex vi 730.º e
664.º, 677.º, 752.º e 761.º CC, e deve estender-se a todos os restantes direitos reais. Em matéria
de servidões prediais, o princípio da inerência aflora nos artigos 1545.º, n.º1 e 1546.º CC, que
estabelecem a inseparabilidade e indivisibilidade das servidões prediais. Deste modo, nos casos
de mudança de servidão previstos no n.º1 do artigo 1568.º CC, em que o direito se passa a exercer
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noutro prédio, deve entender-se que ocorre a extinção da servidão existente e constituição de
uma outra servidão. Em alguns casos, com o perecimento da coisa, é atribuída ao titular do
direito real uma outra coisa em substituição da primeira: fala-se em sub-rogação real especial.
Mas mantém-se o direito real relativamente à coisa ou extingue-se, face à sua substituição por
outro objeto? A lei portuguesa prevê algumas hipóteses de sub-rogação real especial: a primeira
consta do artigo 692.º CC. Se a coisa perecer e o titular do direito real que conserva sobre a
indemnização a prioridade que tinha em relação à coisa hipotecada. Neste caso, constitui-se um
penhor de crédito a favor do credor hipotecário, mas a hipoteca extinguiu-se com a destruição
da coisa hipotecada. Diferentemente do perecimento, a mera deterioração da coisa não implica
a extinção do direito real. Se a coisa permanece a mesma, o direito real mantém-se tendo a parte
restante como objeto. É o que dispõe o artigo 1478.º, n.º1 CC para o usufruto.
Despojada da ideia de sequela, a inerência representa efetivamente um dos princípios estruturantes de
Direitos Reais. Este princípio significa, como vimos, que o regime jurídico liga de tal forma o direito à
coisa que nenhum deles subsiste sem o outro. Existe, pois, uma verdadeira inseparabilidade entre o
direito e a coisa que é dele objeto, inseparabilidade essa que redunda numa impossibilidade legal de o
direito ser dissociado da coisa, nomeadamente, transferido para uma outra, ou na extinção do direito real
em caso de perda total da coisa.
Em síntese, e tendo em conta o exposto, poderíamos dizer que são dois os aspetos que estão em jogo
no princípio da inerência:
A coisa enquanto objeto do direito real;
A inseparabilidade do direito e da coisa.
O princípio da especialidade: em Portugal, somente alguns autores aludem a este princípio
(Menezes Leitão, Mota Pinto, Henrique Mesquita, Santos Justo, Pinto Duarte, José Alberto Vieira, entre
outros). Ainda assim, uma boa parte das obras de ensino de Direitos Reais não deixa de mencionar que
o direito real incide sobre uma coisa certa e determinada. Mas nós [José Alberto Vieira] não vemos
inconveniente em seguir a orientação alemã, enunciando o princípio da especialidade.
Assim, em primeira linha, o princípio da especialidade postula que o direito real só pode ter por objeto
uma coisa com existência atual e determinada. Neste sentido, o artigo 408.º, n.º2 CC preceitua que a
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transferência do direito real ocorre apenas quando a coisa (futura) for adquirida pelo alienante ou
determinada com o conhecimento de ambas as partes.
Uma coisa que não existe não pode ser objeto de um direto real. A coisa pode, porém, existir sem que o
direito real esteja na titularidade do disponente. Neste caso, o negócio jurídico de disposição do direito
real é válido, se a coisa for tomada como futura. No entanto, a eficácia real do negócio vem a ser deferida
para o momento em que o disponente adquire o direito.
Aspeto distinto respeita à determinação da coisa. Se a coisa for genérica, ainda que existente, o direito
real apenas se constitui ou transmite quando a determinação ocorra com conhecimento de ambas as
partes, sem prejuízo do regime das obrigações genéricas e do contrato de empreitada. Assim, ao objeto
do direito de crédito podem pertencer prestações futuras (obrigações futuras) ou indeterminadas, mas a
coisa objeto do direito real tem de ser atual e determinada. O Direito português limitou os direitos reais
às coisas corpóreas (artigo 1303.º CC) remetendo para outros complexos normativos a disciplina das
coisas incorpóreas (artigo 1303.º CC). Ficou, assim, assente que o objeto do direito real é uma coisa
corpórea.
O problema subsiste, porém, nas coisas compostas. O artigo 206.º CC dispõe que é havida como coisa
composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa,
têm um destino unitário. A coisificação do conjunto não afeta a autonomia jurídica de cada coisa que o
compõe. Pelo menos, é o que parece resultar do n.º2 do artigo 206.º CC, o qual admite que cada uma
das coisas que integra o conjunto pode ser objeto de direitos diferentes do conjunto. Tomado à letra, o
artigo 206.º, n.º1 CC abona a possibilidade do direito real ter por objeto várias coisas simultaneamente,
todas as que compuserem a coisa composta, dando um argumento contrário à construção de um
princípio da especialidade moldado sobre a limitação do direito real a uma coisa individual.
1. Henrique Mesquita e Mota Pinto: sublinha que se a lei unificar os elementos que integram o
conjunto, trata-os juridicamente como se fossem uma coisa só;
2. Pires de Lima: confessa ter-se limitado a traduzir o artigo 816.º Codice Civile italiano. Com isso,
induziu, no entanto, numa confusão entre coisa composta e universalidade de facto. Segundo os
romanistas, o Direito Romano apresentava uma classificação tripartida das coisas corpóreas:
a. Coisas simples: constituíam unidades independentes e eram fornecidas pela natureza.
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b. Coisas compostas ex contangibus, hoc est pluribus se cohaerentibus constat:
tratava-se de uma única coisa criada artificialmente pela junção de outras coisas simples,
que perdiam a sua autonomia no novo conjunto;
c. Coisas compostas quod ex distantibus constat (corpora ex distantibus): coisas
fisicamente separadas, mas designadas por um nome comum e tratadas como um único
objeto. O exemplo clássico era o rebanho. Esta característica de unidade de um todo não
homogéneo levou os medievalistas a designarem de universalidades (universitas) esta
terceira categoria.
Alguma doutrina tendeu a considerar que não se justificava a individualização das coisas
compostas ex contangibus, chegando a um ponto em que a noção de coisa composta surge atinente
às coisas imóveis e abarca somente as coisas quod ex distantibus constat, ou seja, as universalidades
de facto.
Os passos que permitem a formulação do artigo 816.º Codice Civile italiano estão, assim,
explicados. Pires de Lima limitou-se a dar conta do desenvolvimento específico de que alguma
doutrina tinha chegado.
3. José Alberto Vieira: como crítica do artigo 206.º, n.º1 CC, pode-se apontar, desde logo, o
olvidar da primeira categoria de coisas compostas dos romanos. As coisas compostas ex
contangibus ficam sem referência no conceito adotado de coisa composta. E essa referência tem
utilidade prática. A coisa composta ex contangibus constitui uma coisa unitária, mas representa o
resultado da combinação de outras coisas, ao contrário da coisa simples. Outra crítica, julgamos
que a princípal, está na aparente coisificação da universalidade de facto debaixo do conceito de
coisa composta. A coisificação do conjunto não elimina, contudo, a independência objetiva das
coisas simples, que integram a universalidade. O que leva a distinguir dois níveis:
a. O da universalidade;
b. O das coisas que a integram.
Sobre a universalidade, como coisa composta, recai em direito real unitário, que só pode ser a
propriedade, havendo igualmente um direito de propriedade, distinto daquele, a incidir sobre
cada uma das coisas simples. Em Portugal, uma tal doutrina denominou-se teoria unitária.
Julgamos, todavia, que a equiparação legal da universalidade de facto à coisa composta, como
surge no artigo 206.º, n.º1 CC, só aparentemente revela uma nova coisa, superior e distintas das
coisas (simples) que integram a universalidade. Para começar, não vemos como uma mesma coisa
possa ser objeto de uma dupla atribuição de direitos reais da mesma natureza sobre um objeto,
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constatamos que as vicissitudes jurídicas afetam exclusivamente cada uma das coisas singulares
que integram a universalidade e não um pretenso direito real sobre ele.
Não haverá, no entanto, vicissitudes que respeitem exclusivamente à universalidade e que justifiquem a
autonomia da coisa composta?
1. Teoria unitária: os seus defensores defendem que sim, apontando os exemplos de doação de
universalidade (artigo 1462.º CC), a que podemos acrescentar, sem dificuldade, a venda ou o
penhor.
2. José Alberto Vieira: uma vez mais, porém, a eficácia do contrato translativo ou constitutivo de
direitos reais afeta cada uma das coisas do conjunto e não este unitariamente.
O que resta do conceito de coisa composta constante do artigo 206.º CC?
1. José Alberto Vieira: em sua opinião, meramente a possibilidade de desencadear com uma única
declaração negocial efeitos relativos a coisas diversas integradas num conjunto unitário. Este
conjunto não se sobrepõe ou acresce às coisas que o integram, nem constitui o objeto de um
direito unitário, vindo apenas a ser considerado para efeitos práticos que se ligam à possibilidade
de dispor através de uma única declaração negocial de todos os direitos reais (de propriedade,
nomeadamente) relativos às coisas simples que o compõem, o que sucede tanto com a doação e
o usufruto como com a venda ou o penhor, que não surgem explicitados na lei portuguesa.
Quanto ao exercício da defesa contra a violação da propriedade ou da posse sobre todas as coisas
do conjunto, poder-se-á falar numa reivindicação do rebanho ou com a restituição deste. O artigo
556.º, n.º1, alínea a) CPC admite expressamente a formulação de um pedido genérico
relativamente a uma universalidade de facto. Trata-se, porém, de uma projeção meramente
linguística. Em caso de defesa por meio de ação de reivindicação ou de ação possessória de
restituição, o reivindicante ou o possuidor esbulhado não está liberto do ónus de determinar cada
uma das coisas que se incluem na universalidade. Não é outra coisa o que resulta do n.º2 do
artigo 556.º CPC, no qual se dispõe que o pedido genérico atinente à universalidade de facto
deve ser concretizado, nos termos do artigo 358.º CPC. Este preceito, por sua vez, obriga o autor
do pedido genérico a deduzir incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico. Tudo
isto elucida bem a inexistência de um direito unitário sobre o conjunto e torna inútil insistir no
ponto. Mas deixa igualmente claro que a universalidade de facto não constitui uma coisa e,
portanto, também não uma coisa composta. Neste ponto, a equiparação das universalidades de
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facto às coisas compostas no artigo 206.º CC afigura-se extremamente infeliz. Como limitação
dos direitos reais às coisas corpóreas individualizadas, certas e determinadas.
O princípio da absolutidade: se entendermos uma situação jurídica absoluta como aquela que
existe por si, sem dependência de uma outra situação de sinal contrário, então, o direito real é uma
situação jurídica absoluta, concretamente, um direito subjetivo, por contraposição, por exemplo, os
direitos de crédito, direitos relativos por excelência. A contraposição entre direitos absolutos e relativos
pode ainda ser analisada debaixo de três critérios:
1. Responsabilidade civil: não tem interesse para Direitos Reais;
2. Estrutura da situação jurídica considerar: atento ao modo de constituição do direito; existem
direitos subjetivos que se constituem em relação jurídica e outros que se constituem fora de
qualquer relacionação intersubjetiva. Debaixo de um critério estrutural, os direitos reais podem
ser absolutos e relativos:
a. Absolutos: a ocupação, a acessão e a usucapião operam a sua eficácia em contextos não
relacionais, portanto, fora de qualquer relação jurídica;
b. Relativos: o contrato também surge como fonte de constituição de direitos reais.
Se afirmarmos esta relatividade apenas pretendemos dizer que o direito real se pode constituir
numa relação jurídica e não que surge por contraposição a uma situação jurídica de sinal contrário.
Neste aspeto, os direitos reais, mesmo quando surgem em relações jurídicas, não sofrem a
incidência de outra situação jurídica passiva, correlativa a eles. Porém, ignorar a origem relacional
de alguns direitos reais não ajuda a compreender corretamente a eficácia do facto constitutivo
respetivo, nomeadamente, quando surja uma vicissitude extintiva do mesmo, como a resolução
de um contrato de compra e venda ou de doação. Historicamente, a afirmação de que o direito
real constitui um direito absoluto liga-se à sua oponibilidade erga omnes. É neste sentido que a
doutrina afirma que os direitos reais são direitos absolutos. A absolutidade do direito real advém
de oponibilidade contra qualquer pessoa que o viole ou esteja em condições concretas de o fazer.
3. Oponibilidade: os direitos reais são efetivamente absolutos. Eles permitem ao titular fazer valer
o seu direito contra quem quer que seja que o viole, sem limitação a pessoa ou pessoas
determinadas, como sucede com os direitos de crédito.
a. Menezes Cordeiro: e sentido contrário, entende que existem direitos reais relativos e
direitos de crédito absolutos. Como exemplo de direito real relativo aponta as servidões
de vistas.
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b. José Alberto Vieira: julga que este exemplo não ilustra nenhuma relatividade:
i. O preceito consagra um poder a favor do proprietário do prédio vizinho e não um direito de
servidão: mesmo que esse poder fosse relativo, encontra-se englobado numa
situação jurídica mais extensa, a propriedade, que é indiscutivelmente absoluta;
ii. É todo o novo proprietário, no caso de ela ser transmitida, assim como todos os titulares de
direitos reais menores constituídos sobre o prédio serviente: considerando agora uma
servidão de vistas autónoma, com o conteúdo do artigo 1306.º, n.º1 CC, não é
apenas o proprietário do prédio serviente que se encontra vinculado a ela;
iii. A servidão de vistas por ser oposta a qualquer terceiro: nomeadamente, um possuidor
formal do imóvel. Também neste caso o titular de servidão de vistas pode opor
o seu direito ao possuidor formal; e este, pensamos, é o argumento definitivo.
No caso particular da posse, verificamos que ela não tem oponibilidade em duas situações:
i. Artigo 1281.º, n.º2, in fine CC: utilizando o argumento a contrario, a ação de
restituição da posse não pode ser intentada contra terceiro de boa fé ou, dito de
outro modo, a posse do possuidor esbulhado não é oponível a terceiro de boa fé.
ii. Conflito entre a posse e o direito real de gozo: se, numa ação de restituição ou de
manutenção, o réu invoca a exceptio dominii ou, mais amplamente, a exceção de
titularidade de um direito real de gozo e faz prova do direito na ação, a posse do
autor cede no confronto com o direito real (artigo 1278.º, n.º1 CC). Também se
o titular do direito real de gozo intenta uma ação de reivindicação contra o
possuidor da coisa, a posse deste cederá inevitavelmente (artigo 1311.º CC), não
sendo oponível àquele.
A inoponibilidade da posse a terceiros de boa fé não encontra justificação plausível no nosso sistema
jurídico, que não consagrou o princípio posse vale título. Ela constitui hoje um trecho desarticulado do
regime possessório português, apenas explicado pela sedução exercida pelo Codice Civile italiano.
A posse consiste numa atribuição provisória de um direito real, que cede naturalmente quando o
oponente demonstra um direito definitivo sobre a coisa. Mesmo faltando oponibilidade em algumas
situações, a posse não é um direito real relativo. De resto, mesmo que o fosse, nem por isso estaria
comprometida a afirmação do princípio da absolutidade em Direitos Reais.
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Nos direitos reais de gozo, a absolutidade revela-se através da defesa por reivindicação (artigos 1331.º e
1315.º CC). O titular do direito real de gozo pode demandar o terceiro que, sem qualquer direito, esteja
na posse ou detenção da coisa. Ao fazê-lo, não tem de invocar e demonstrar a invalidade do título
constitutivo do demandado, nem de outros anteriores; basta-lhe provar o seu direito e exigir a entrega
da coisa do possuidor ou detentor que tem a coisa em seu poder. A defesa do direito real confere-lhe
oponibilidade geral contra terceiro, qualquer terceiro, o que caracteriza justamente o caráter absoluto de
um direito subjetivo. As referências tradicionais da doutrina portuguesa à sequela não são senão modos
de ilustrar o caráter absoluto dos direitos reais de gozo.
Nos direitos reais de aquisição, nomeadamente, na promessa real e no direito real de preferência, a
oponibilidade contra terceiros advém da eficácia da ação de execução específica (artigo 830.º CC), no
primeiro caso, que permite ao promitente titular do direito real demandar simultaneamente o promitente
relapso e o terceiro com o qual aquele contratou, e da ação de preferência (artigo 1410.º CC) no segundo
caso, que autoriza igualmente o preferente com direito real a demandar o obrigado à preferência e o
terceiro com o qual este contratou.
Nos direitos reais de garantia, a lei assegura ao titular a satisfação do seu crédito através dos rendimentos
da coisa (consignação de rendimentos) ou do produto da venda dela (os restantes direitos reais de
garantia) contra quem não tenha um melhor direito. Também estes direitos podem ser feitos valer
independentemente de quem tenha a coisa em seu poder.
O princípio da consensualidade: no Direito Romano clássico, a transmissão da propriedade
ocorria mediante a prática de atos translativos típicos, os principais sendo: a mancipatio, a iure cessio e a
traditio. O contrato produzia somente efeitos obrigacionais, constituía obrigações, mas não desencadeava
a transmissão da propriedade. Celebrada a compra e venda, o comprador ficava investido num direito
pessoal e o domínio era adquirido somente, quanto à res mancipi, com a mancipatio ou a in iure cessio, e,
quanto as res nec mancipi, mediante a traditio ou a in iure cessio. A evolução posterior trouxe alterações a esta
solução. No período pré-justinianeu, a compra e venda e a doação tornaram-se simultaneamente reais e
obrigacionais, transmitindo igualmente a propriedade. Com Justiniano, porém, ocorreu um regresso à
solução do período clássico e a traditio foi requerida novamente para a transmissão do direito real. A
solução do Direito Romano clássico e justinianeu manteve-se a regra no Direito Comum. Em todo o
caso, nalgumas regiões da Europa, a tradição da coisa foi-se progressivamente imaterializando. Em
França, a transmissão da propriedade pela venda da coisa estava teoricamente sujeita à entrega da coisa
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numa parte do país; no entanto, a disseminação de práticas da traditio ficta, com a convenção de cláusulas
dessaisine-saisine ou de constituto possessório, iludia o princípio. No início do século XVII, um teórico do
Direito Natural, Hugo Grócio, pôde voltar à defesa do consensualismo. A propriedade deveria transferir-
se com a celebração do contrato, independentemente da entrega da coisa e mesmo sem ela. No século
XVIII, o jusracionalismo francês postularia a adoção positiva deste princípio, o que veio a acontecer
com o Code Civil de 1804. A influência do Code Civil propagou-se a outros países, entre os quais, Itália e
Portugal.
O Direito português seguiu a solução do Direito Romano até às Ordenações Filipinas. Não obstante a
solução romana justinianeia ter sido a tradicional em Portugal até ao Código Civil de Seabra, o princípio
antes da consensualidade começou a ganhar adeptos antes da primeira codificação civil portuguesa. O
nosso primeiro Código Civil encaixou-se na corrente favorável ao consenso translativo. O princípio da
consensualidade veio a ser acolhido sem sofismas no artigo 408.º, n.º1 CC, em sede de contratos, e não
no Livro III dedicado ao Direito das Coisas. O mesmo princípio é depois reiterado a propósito da
compra e venda (artigo 879.º, alínea a) CC) e da doação (artigo 954.º, alínea a) CC), os dois paradigmas
de contrato real quoad effectum, o outro gratuito.
De acordo com o significado do princípio acolhido, o direito real constitui-se ou transfere-se, solo consensu,
no momento da celebração do contrato, instantânea ou automaticamente, sem necessidade de entrega
da coisa ou do registo (relativamente aos imóveis) e sem qualquer dependência do cumprimento das
obrigações estabelecidas. O contrato é, assim, a um tempo real e obrigacional, produzindo
simultaneamente os dois tipos de efeitos, sem que, todavia, haja uma interferência recíproca entre eles.
A transmissão da propriedade dá-se mesmo que, na compra e venda, o vendedor não entregue a coisa
ou o pagamento do preço não seja cumprido ou, na doação, o doador não entregue a coisa ao donatário.
O n.º2 do artigo 408.º CC introduzi, no entanto, algumas exceções relativamente ao momento da
aquisição do direito real, dissociando-o da celebração do contrato. O contrato não deixa de ser o único
título da aquisição do direito real, e por esta via não é o da conclusão do contrato, ficando diferido, nas
hipóteses contempladas no preceito, para uma altura posterior. Assim, na transmissão do direito real é
o momento da aquisição do direito pelo alienante ou de determinação da coisa com conhecimento de
ambas as partes; na transmissão de direitos reais sobre frutos naturais, a aquisição de direito ocorre com
a colheita, e no que respeita a partes componentes e integrantes ela ocorre com a separação material.
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1. Antunes Varela: veio sustentar que a aquisição do direito real sobre imóveis apenas estaria
concluída com o registo da aquisição, invocando para o efeito o artigo 5.º, n.º1 CRPr. O
adquirente do direito real apenas o poderia opor a terceiro caso houvesse registado a sua
aquisição (efeito declarativo do registo predial). O contrato teria, assim, eficácia entre as partes,
mas não relativamente a terceiros, que só o registo predial atribuiria.
2. José Alberto Vieira: pelo contrário, o princípio da consensualidade (artigo 408.º, n.º1 CC)
desencadeia a aquisição do direito real sobre o imóvel com a conclusão do contrato, não tendo
a omissão da inscrição registal do facto aquisitivo qualquer interferência na eficácia real do
contrato. O contrato determina por si só a constituição ou transmissão do direito real, mesmo
relativamente a coisas imóveis. Os titulares do direito não estão, por conseguinte, inibidos de
reivindicar a coisa de terceiro ou, em geral, de defender o seu direito contra terceiros só porque
não registaram a aquisição. Na verdade, o artigo 5.º, n.º1 CRPr nada tem a ver com o princípio
da consensualidade, mas com um dos efeitos atributivos da publicidade registal: a aquisição
tabular ou efeito atributivo do registo predial. Verdadeiras exceções ao princípio da
consensualidade encontramos nos artigos 687.º CC, 4.º, n.º2 CRPr e 669.º, n.º1 CC. A exigência
de forma escrita para a eficácia real da doação de coisa móvel desacompanhada de tradição (artigo
947.º, n.º2 CC) só constitui exceção à regra da liberdade de forma dos negócios relativos a coisas
móveis, não comportando tal sentido relativamente ao princípio da consensualidade.
O princípio da causalidade (e o princípio da unidade): o princípio da causalidade, onde
valha, significa que a aquisição do direito real supõe a eficácia do negócio jurídico que lhe está na base.
Se este for nulo, ou vier a ser anulado, a aquisição do direito real não tem lugar. Ela supõe, assim, pode
dizer-se, uma causa válida.
Ao princípio da causalidade opõe-se o princípio da abstração. Conforme, primeiro Hugo, e depois
Savigny, demonstraram, o contrato pode desencadear efeitos jurídicos diversos dos obrigacionais e,
justamente, efeitos reais. O princípio da abstração repousa na separação entre o negócio jurídico
(contrato) obrigacional e o negócio jurídico (contrato) real (princípio da separação), mas pressupõe ainda
que o ordenamento jurídico torne a eficácia do negócio real independente da eficácia do negócio
obrigacional. Cada um dos negócios tem os seus próprios requisitos de eficácia. A constituição ou
transmissão do direito real requer unicamente a eficácia do negócio jurídico real. Este é o sistema em
vigor na Alemanha.
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O princípio da causalidade pode coexistir com a separação entre o negócio jurídico obrigacional e o
negócio jurídico real, assim, como pode ser consagrado em ordens jurídicas que postulem a unidade
entre o negócio obrigacional e o negócio real. Porém, qualquer que seja o caso, a constituição ou
transmissão do direito real só ocorre quando a causa jurídica do efeito real seja eficaz, seja um negócio
jurídico autónomo, seja um negócio simultaneamente produtor de efeitos obrigacionais e reais.
Diferente é o problema de saber se essa aquisição se faz por meio de um negócio jurídico próprio e
autónomo do negócio jurídico obrigacional ou se um negócio jurídico pode ser simultaneamente a fonte
de efeitos obrigacionais.
Na ordem jurídica portuguesa, o negócio jurídico real não aparece separado do negócio jurídico
obrigacional, havendo apenas um único negócio, que produz simultaneamente os efeitos obrigacionais
e o efeito real. Isto corresponde ao princípio da unidade, por contraposição ao princípio da separação,
o qual regeu em largos períodos históricos do Direito Romano vigora atualmente na Alemanha. Na
ordem jurídica portuguesa vale o princípio que, quando a lei não disponha em contrário, os negócios
jurídicos são causais. Este princípio vale igualmente em Direitos Reais. Isto quer dizer que a aquisição
do direito real se dá unicamente quando o facto respetivo for juridicamente eficaz. Portanto, quando, no
artigo 408.º, n.º1 CC, se estabelece que o direito real se constitui ou transmite com o contrato (real quoad
effectum), não há constituição ou transmissão do direito real.
A escolha dos princípios da consensualidade e da causalidade, em detrimento dos princípios da abstração
e da separação, não decorre de meras razões técnico-jurídicas, mas de considerações de política-legislativa
que estruturam um dado sistema de Direitos Reais. Estando o ênfase do sistema na existência de um
título que fundamenta a constituição ou transmissão do direito real, ou seja, na proteção do titular do
direito real, então os princípios da causalidade e da unidade são os adequados para o fim em vista. Caso
o negócio jurídico que serve de causa à constituição ou transmissão do direito real não seja válido, o
efeito real não se produz e o direito permanece com o disponente, mesmo em detrimento da confiança
legítima do terceiro.
Em Portugal, o Direito protege o titular do direito real contra o terceiro de boa fé que adquiriu o seu
pseudo-direito de um não titular. O artigo 1301.º CC mitiga a dureza da solução, num afloramento da
proteção do terceiro de boa fé que adquiriu coisa móvel de comerciante, impondo ao titular do direito
real o dever de restituir ao adquirente o preço pago ao comerciante. A reivindicação da coisa não fica
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impedida, e o direito real do titular subsiste, mas o terceiro tem direito ao preço que suportou na compra,
podendo reter a coisa até ser indemnizado.
No respeitante a imóveis, a oponibilidade a terceiros da aquisição de direito real pode ficar dependente
da inscrição registal do facto aquisitivo, não podendo o adquirente que não registou a sua aquisição valer
o seu direito contra terceiro. Na doutrina e na jurisprudência portuguesas, fala-se a este propósito num
efeito declarativo do registo predial, que teria aparentemente fundamento no artigo 5.º, n.º1 CRPr. Na
verdade, porém, a lei portuguesa não vai tão longe. O direito real sobre imóveis continua a ser protegido
contra terceiros mesmo que o facto aquisitivo respetivo não haja sido objeto de registo. O que acontece
é que, debaixo da verificação cumulativa de certos requisitos, que variam consoante o preceito
considerado, um terceiro de boa fé que não adquiriu validamente o direito real de acordo com as
disposições pertinentes do Direito Civil pode vir a adquirir esse direito por força de uma norma que
confere um efeito aquisitivo à inscrição registal. O registo predial tem, neste caso, um efeito atributivo
(aquisição tabular) do direito real a que se refere o facto (contrato) registado. A proteção registal do
terceiro de boa fé consegue-se mediante um preço; ela funciona sempre, em última análise, contra o
titular do direito de propriedade segundo a ordem substantiva, cujo direito vem a ser sacrificado. A
aquisição tabular favorável ao terceiro determina, correlativamente, a extinção da propriedade
conflituante, se o efeito atributivo ocorrer no tocante à propriedade, ou a sua oneração, se o direito
adquirido pelo registo for um direito real menor. O efeito atributivo do registo predial, que não deve
confundir-se com o denominado, e na opinião de José Alberto Vieira inexistente, efeito declarativo do
registo predial, tem a sua sede normativa nos artigos 5.º, 17.º, n.º2, 122.º CRPr e 291.º CC.
O princípio da transmissibilidade: Menezes Leitão agrupa estes dois anteriores princípios neste
princípio da transmissibilidade dizendo que este princípio não é específico dos direitos reais mas é, no
entanto, nestes que a transmissibilidade atinge maior importância, sendo incluída na garantia
constitucional da propriedade privada (artigo 62.º, n.º1 CRP).
A transmissibilidade implica, em primeiro lugar, que os direitos reais possam ser objeto de sucessão por
morte (artigo 2014.º CC). Há, no entanto, alguns direitos reais, em relação aos quais se exclui a
hereditariedade, como o usufruto e o uso e habitação, que não podem exceder a vida do titular (artigo
1443.º CC). Em segundo lugar, a transmissibilidade implica que o direito real possa ser transmitido por
atos inter vivos. Essa solução é, no entanto, excetuada pela existência de direitos reais inalienáveis, como
o uso e habitação (artigo 1488.º CC).
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O regime da transmissibilidade negocial dos direitos reais encontra-se regulado no artigo 408.º CC, sendo
a transmissão negocial dos direitos reais regulada entre nós pelos:
1. Princípio da consensualidade: significa que para a constituição ou transmissão do direito real
basta normalmente o acordo das partes, pelo que a celebração do contrato acarreta logo a
transferência do direito real (artigos 408.º, n.º1 e 1317.º, alínea a) CC). A transferência ou
constituição do direito real é consequentemente imediata e instantânea. Logo, no momento da
celebração do contrato, o adquirente torna-se titular do direito objeto desse mesmo contrato.
Assim, o efeito real verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato, sendo,
por isso, a propriedade transmitida apenas com base no simples consenso das partes, verificado
nesse momento;
2. Princípio da causalidade: refere que a existência de uma justa causa de aquisição é sempre
necessário para que o direito real se constitua ou transmita. Como a existência de título é
necessária para a constituição ou transmissão do direito real, a validade ou regularidade da causa
de aquisição é imprescindível para que essa constituição ou transmissão se opere, pelo que
qualquer vício no negócio causal afetará igualmente a transmissão da propriedade.
O princípio da boa fé: enquanto noutras latitudes do pensamento jurídico, sobretudo no Direito
das Obrigações, a boa fé impulsionou o aparecimento de novos institutos ou o desenvolvimento de
institutos existentes, em Direitos Reais o seu papel tem sido muito mais modesto.
Uma das aflorações mais importantes da boa fé no campo dos Direitos Reais não chegou a ser adotada
pelo Direito português: referimo-nos ao princípio da posse vale título. O adquirente de boa fé do direito
sobre coisa móvel que haja recebido do transmitente (tradição) fica protegido contra a reivindicação do
proprietário; em contrapartida, este vê o seu direito extinguir-se pela tutela do terceiro de boa fé. O artigo
1301.º CC contém uma regra com alguma analogia com o princípio posse vale título. O adquirente de
coisa móvel comprada a comerciante, caso esteja de boa fé, tem direito a receber o preço pago ao
vendedor se a coisa não pertencia a este. Mas não pode invocar a boa fé para fundamentar a aquisição
do direito real ou a não entrega da coisa do proprietário. Continua obrigado a esta entrega em caso de
reivindicação.
A falta de preocupação com a tutela da boa fé através da aparência jurídica suscitada pela posse de um
não titular do direito real, que a não consagração do princípio posse vale título mostra bem, não se traduz,
porém, na irrelevância do princípio da boa fé em Direitos Reais. O efeito atributivo do registo predial
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(artigos 5.º, n.º1, 17.º, n.º2, 122.º CRPr e 291.º CC) elucida, ao contrário, o relevo que o sistema
normativo confere à boa fé. O fundamento do efeito atributivo do registo predial não radica no princípio
da boa fé. E verdade, mas não obstante isso, essa proteção apenas bem a ser conferida ao terceiro de
boa fé. A importância da boa fé em Direitos Reais surge, fundamentalmente, em dois domínios:
1. Na posse (incluindo a usucapião);
2. Na acessão industrial (contando com a regulação da especificação).
A boa fé aparece como um dos critérios sistemáticos de caracterização da posse (artigo 1258.º CC). A
ela está associado um tratamento jurídico mais favorável do possuidor. Desde logo, o possuidor de boa
fé tem um poder de fruição (artigo 1270.º, n.º1 CC), que responde ainda pelos frutos que um possuidor
diligente teria podido obter (artigo 1271.º, 2.ª parte CC). O possuidor de boa fé só responde pela perda
ou deterioração da coisa havendo culpa sua, enquanto o possuidor de ma fé está sujeito a um regime
agravado de responsabilidade civil objetiva. O possuidor de boa fé pode ainda levantar as benfeitorias
voluptuárias que haja feito, contanto que não haja detrimento da coisa (artigo 1275.º, n.º1 CC), o que é
negado ao possuidor de má fé. Ainda no tocante à usucapião, o possuidor de boa é beneficia de prazos
menos dilatados quando comparados com os prazos de usucapião do possuidor de má fé (artigos 1294.º
a 1296.º e 1298.º a 1300.º CC). Em todos estes casos, a boa fé consiste num estado de espírito do agente
e isso faz dele uma boa fé em sentido subjetivo.
Pergunta-se, no entanto, se estamos perante uma boa fé em sentido psicológico ou se, diversamente, a
boa fé a que todos estes princípios aludem deve ser entendida em sentido ético (boa fé subjetiva ética)?
Boa fé em sentido psicológico: consiste na mera ignorância do sujeito relativamente a certos
factos ou estados de coisas;
Boa fé em sentido ético: postula o cumprimento de deveres de vigilância, ou seja, uma
ignorância desculpável do sujeito relativamente a factos ou estados de coisas. Esta última
apresenta um nível superior de exigência. Só está de boa fé quem porfiando no sentido de
conhecer o facto ou o estado de coisas não o conseguiu fazer, apesar da diligência posta na sua
atuação.
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Em matéria de posse:
1. Henrique Mesquita: começou por manifestar uma decisiva preferência por uma conceção
subjetiva de boa fé, sendo a boa fé do possuidor aferida por um critério psicológico e não por
um critério ético-jurídico.
2. Pires de Lima e Antunes Varela: o conceito de boa fé é de natureza psicológica, e não de
índole ética ou moral, possuí de boa fé, na verdade, quem ignora que está a lesar direitos de
outrem, sem que a lei entre em indagações sobre a desculpabilidade ou censurabilidade da sua
ignorância.
3. Menezes Cordeiro: introduz argumentos no sentido da superação da boa fé subjetiva
psicológica a favor de uma noção ética de boa fé.
4. José Alberto Vieira: começa por referir que o psicologismo da boa fé introduz o perigo de
quebras no sistema, que importa evitar:
a. Uma noção psicológica de boa fé arrasta uma desarticulação com outros institutos e dispositivos
normativos: começando com o registo predial, este tem por função publicitar a situação
jurídica dos imóveis (artigo 1.º CRPr), estando ao dispor de qualquer interessado que a
ele se dirija para obter a informação predial relevante concernente à celebração de
negócios jurídicos. E a situação registal é de tal forma relevante que funda uma presunção
de titularidade do direito (artigo 7.º CRPr). Por outro lado, a posse também faz presumir
a titularidade do direito real (artigo 1268.º, n.º1 CC). Ignorar estes preceitos e alegar-se
boa fé revela uma evidente quebra sistemática. A boa fé, entendida num sentido subjetivo
psicológico, não se articula com as presunções de titularidade do direito real que derivam
do registo predial e da posse, porque leva a desconsiderar o princípio da publicidade em
que o sistema jurídico de Direitos Reais assenta numa boa parte.
b. Uma conceção subjetiva psicológica de boa fé introduz igualmente uma contradição no sistema: essa
contradição resulta do facto de a proteção baseada na boa fé nem sempre assentar no
mesmo critério. No artigo 291.º, n.º3 CC o terceiro só fica protegido tabularmente caso
desconheça sem culpa o direito de outrem; se fosse diferente para a posse, teríamos de
concluir que o possuidor receberia um tratamento mais favorável que o terceiro que
confia num registo predial pré-existente. A contradição parece evidente. Ela só é evitável
com uma harmonização interpretativa que considere sempre a boa fé num sentido ético.
c. Uma conceção subjetiva psicológica de boa fé importa uma desaquação do sistema;
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d. A impossibilidade prática de todo o psicologismo: não há meio de conhecer o que vai no interior
de cada um, a não ser pela exteriorização de um comportamento. A dificuldade surge
normalmente ultrapassada com recurso ao título. A presunção constante do n.º1 do
artigo 1260.º CC é fruto das dificuldades do psicologismo e está, em certa medida, em
contradição com ele.
Todos estes argumentos depõem a favor de uma conceção ética de boa fé subjetiva. De acordo
com esta, está de boa fé aquele que desculpavelmente ignorava, ao adquirente da posse, que
lesava o direito de outrem; ou, inversamente, está de má fé aquele que conhecia a violação de
direito alheio e ainda o que, por não observar os deveres de cuidado e indagação que no caso
cabiam, não conhecia essa violação, ou seja, o que ignorava com culpa a lesão de direito de
outrem.
Direitos Reais oferecem um espaço relativamente restrito para a implementação da boa fé como regra
de conduta (boa fé objetiva). O facto de o direito real se exercer sem a colaboração de alguém contribui
decerto para essa menor relevância. Ainda assim, em Direito Reais, ocorrem manifestações gerais de boa
fé objetiva. Um exemplo significativo é o abuso do direito, as situações de concurso de direitos reais
sobre a mesma coisa. Da boa fé objetiva podem emergir, em contextos particulares, deveres de proteção,
de lealdade e de informação entre titulares de direitos reais. Um bom exemplo é o artigo 1475.º CC: esta
regra estende-se a todas as situações em que um direito real de gozo se encontra onerado, impondo ao
titular do direito real menor o dever de informar o titular do direito real maior, de qualquer facto do qual
possa resultar para este último. Embora não haja uma alusão expressa à boa fé, o artigo 1475.º CC prevê
um dever de informação ao titular do direito real maior que tem a sua justificação na boa fé como regra
de conduta. Deste modo, também a boa fé em sentido objetivo constitui um dos princípios de Direitos
Reais.
O princípio da territorialidade: pretende significar que a ordem jurídica portuguesa é a única a
determinar o regime jurídico-real das coisas situadas em território português e que esse regime jurídico
é o Direito material português. Se o princípio surge incontroverso para as coisas imóveis, como
manifestação da soberania do Estado português, ele vale igualmente para as coisas móveis que se
encontrem em Portugal.
O princípio da publicidade: compreende-se que este seja um princípio de Direitos Reais. Por um
lado, tratando-se de um direito oponível a todos, deve ser, tanto quanto possível, reconhecível por
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qualquer um. Por outro lado, sendo os direitos reais livremente disponíveis, a transmissão, a oneração e
a renúncia devem ser levadas a cabo por quem tem legitimidade para o efeito, quer dizer, na grande
maioria dos casos, pelo titular do direito real.
Ora, um terceiro interessado na aquisição de um direito real só tem possibilidade de saber quem pode
dispor do direito real ou se existem outros direitos reais sobre a coisa se houver algum modo ou
dispositivo com a finalidade de revelar a situação jurídica da coisa. Para além disso, há necessidade de
providenciar um meio através do qual quem o titula, o notário ou outro, possa aferir do controlo material
da coisa para aferir a titularidade ou para desencadear a transmissão do direito real. A posse funciona,
assim, como um meio espontâneo de publicidade de direitos reais. A publicidade surge também através
do registo. A primeira publicidade (na posse) é espontânea e a segunda (registo) organizada. O registo,
porém, não é global, não abarca todas as coisas corpóreas, mas apenas uma parte delas. Assim, existe
um registo predial, que publicita a situação jurídica dos prédios (artigo 1.º CRPr), um registo automóvel,
um registo de navios, e um registo de aeronaves, para cada um destes tipos de coisas.
O princípio da publicidade não tem o mesmo alcance em todas as ordens jurídicas. Em Portugal, ele é
menor do que na Alemanha, por exemplo. Desde logo, porque na nossa ordem jurídica, a publicidade
não se liga à constituição ou transmissão dos direitos reais. Por força do princípio da consensualidade,
nem a tradição da coisa nem o registo do facto aquisitivo são necessários para a constituição, por si só,
o efeito constitutivo ou translativo (artigo 408.º, n.º1 CC), sem que sejam precisas quaisquer formalidades.
Não podemos, assim, falar num efeito translativo associado à publicidade. Mas podemos falar num efeito
presuntivo a ela ligado. Tanto o possuidor (artigo 1268.º, n.º1 CC) como aquele a favor do qual se
encontra feita a inscrição registal (artigo 7.º, n.º1 CRPr) beneficiam de uma presunção de titularidade do
direito real a que se refere a posse ou o registo. Por sua vez, a publicidade pode servir de fundamento de
proteção de terceiro de boa fé em caso de aquisição de direito real a titular aparente. É isto que sucede
em ordens jurídicas que consagram o princípio posse vale título. Aquele que, estando de boa fé, adquire
o direito real do titular aparente, havendo tradição da coisa, fica protegido contra o verdadeiro
proprietário. Em Portugal, porém, a publicidade fundada na posse não protege o terceiro de boa fé
contra a reivindicação do proprietário ou doutro titular de direito real de gozo. Não valendo a posse vale
título, a posse do titular aparente não assegura proteção ao adquirente de boa fé, mesmo que tenha
havido tradição da coisa. A situação muda, no entanto, quanto à publicidade registal. A necessidade de
assegurar a fé pública ao registo predial leva o legislador a proteger o terceiro de boa fé que adquiriu a
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titular aparente com base na pré-existência de uma situação registal desconforme com a realidade
substantiva. Fala-se, então, no efeito atributivo do registo predial ou, simplesmente, em aquisição tabular.
A aquisição tabular constitui um efeito de publicidade registal, concretamente da presunção de
titularidade do direito que lhe está associada (artigo 7.º, n.º1 CRPr), e é inseparável dela. Porquanto a lei
pretende que os interessados possam confiar na situação jurídica do prédio patenteada pelo registo predal
(fé pública registal), protege, em alguns casos, o adquirente do titular aparente que consta do registo
como tal. A proteção registal por via do efeito atributivo do registo predial ou aquisição tabular dá-se
relativamente a terceiro de boa fé, que adquiriu onerosamente de titular aparente e registou o facto
respetivo. Ela pode ter lugar em quatro cenários distintos, que respeitam aos artigos 5.º, n.º1, 17.º, n.º2,
122.º CRPr e 291.º, n.º1 CC.
O conceito de terceiro para efeitos da aplicação do artigo 5.º, n.º1 CRPR foi objeto de uma larga
controvérsia na doutrina e na jurisprudência portuguesas, sobretudo, durante a década de 90 do século
passado. De um lado, estavam os defensores de uma conceção restrita de terceiro; do outro, os
defensores de uma conceção ampla:
1. Guilherme Moreira: a ele se deve a mais antiga conceção ampla de terceiro ao defender que
relativamente aos atos sujeitos a registo predial, consideram-se como terceiros todos aqueles que
tenham adquirido e conservado direitos sobre os imóveis, que seriam lesados se o ato não
registado produzisse efeitos a respeito deles.
2. Manuel de Andrade: as pessoas que do mesmo autor adquirem direitos incompatíveis (total ou
parcialmente) sobre o mesmo prédio.
Após acesa disputa, inclusivamente jurisprudencial (Ac. STJ 4 julho 1997 e Ac. STJ n.º3/99, 18 maio), o
legislador, em 2008, interveio aditando um n.º4 ao artigo 5.º CRPr, dispondo que, para efeitos do registo,
terceiro são aqueles que tenham adquirido de autor comum direitos incompatíveis entre si. Assim, para
efeitos do n.º1 do artigo 5.º CRPr, o nosso Direito abraçou a concessão restrita de terceiro. Como
dissemos, e por força do n.º4, o artigo 5.º, n.º1 CRPr abrange unicamente os casos de dupla disposição
deixando à margem da proteção registal os atos fundados na pré-existência de um registo desconforme
à realidade substantiva que não tenham sido praticados pelo titular inscrito. O conceito de terceiro
inserto no n.º4 do artigo 5.º CRPr respeita, exclusivamente, ao âmbito de aplicação do n.º1 desse preceito.
Mas existem outros casos de tutela registal de terceiros no Código de Registo Predial e no Código Civil.
No seu conjunto, todos estes preceitos (artigos 5.º, n.º1, 7.º, n.º2, 122.º CRPr e 291.º CC) conferem uma
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proteção a um terceiro de boa fé em função de fé pública registal. Deste modo, ao princípio da
publicidade em Direitos Reais pode vir associado um efeito atributivo, como forma de proteção de
terceiros que, de boa fé, celebraram um negócio jurídico com aquele a quem a ordem jurídica atribui
uma presunção de titularidade. O efeito atributivo do registo predial e o efeito presuntivo não constituem
os únicos efeitos substantivos provocados pela publicidade resulta. Para além destes, existem outros
efeitos substantivos do registo predial:
Efeito consolidativo: está implícito no artigo 5.º, n.º1 CRPr. A inscrição registal do facto
aquisitivo do direito real sobre um prédio não acrescenta nada à situação substantiva emergente
do contrato real, pois, dado o princípio da consensualidade, o direito real constitui-se ou
transmite-se com a celebração – válida – daquele (artigo 408.º, n.º1 CC). Porém, o adquirente
que regista a sua aquisição afasta a possibilidade desta vir a ser resolvida por força da proteção
tabular (aquisição tabular) de terceiro de boa fé.
Efeito constitutivo: é excecional em Portugal. A sua ausência de um efeito de transmissão na
publicidade registal retira ao registo o papel que tem noutras ordens jurídicas. Existe, porém, um
caso em que o registo se pode considerar verdadeiramente constitutivo: a hipoteca (artigos 687.º
CC e 4.º, n.º2 CRPr); apesar da opinião contrária de Oliveira Ascensão, o registo integra o
processo constitutivo da hipoteca.
Efeito enunciativo: reporta-se aos casos em que o registo predial desempenha qualquer função
de publicidade dos atos registados, que não carecem dela. Esses casos são basicamente os que
constam do n.º2 do artigo 5.º CRPr e ainda o registo da posse. A ausência de função publicitária
do registo predial quanto a estes atos causa uma irrelevância geral do mesmo. Daí que o terceiro
de boa fé não possa invocar a situação registal para beneficiar do efeito atributivo do registo
predial. Assim, o terceiro não fica protegido se o titular do direito real na ordem substantiva tiver
a usucapião a seu favor.
Os princípios do registo predial são:
1. Obrigatoriedade do registo (introduzido em 2008);
2. Legalidade;
3. Instância;
4. Trato sucessivo;
5. Prioridade.
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O princípio da elasticidade: Menezes Leitão acrescenta, ainda, este princípio que, diz, exprime a
admissibilidade da compressão dos direitos reais, em virtude da constituição de um novo direito real que
onera a coisa, bem como da sua expansão, em caso de extinção posterior desse direito. O conteúdo do
direito real não é, assim, imutável, variando à medida que vão-se constituindo e extinguindo os direitos
reais que incidem sobre a coisa.
A propósito desta solução, alguma doutrina (Orlando de Carvalho) tem feito referência a um princípio
da compatibilidade (ou da exclusão), referindo que só pode existir um direito real sobre determinada
coisa que seja compatível com outro direito que a tenha por objeto. Não parece, porém, que se possa
falar de um princípio com essas características. É manifesto que, em caso de sobreposição de direitos
sobre a mesma coisa, se torna necessário que a lei restrinja um deles ou ambos, para que todos se possam
harmonizar, como sucede com a compressão da propriedade, perante a constituição do usufruto, ou
com o regime da compropriedade, em caso de pluralidade de titulares do mesmo bem. Os direitos são,
porém, potencialmente incompatíveis entre si, como se vê pela necessidade de compressão que a lei
estabelece. Não é naturalmente possível constituir sucessivamente duas propriedades sobre a mesma
coisa, mas tal resulta da falta de legitimidade para realização de uma segunda disposição do mesmo direito,
e não de uma falta de compatibilidade dos direitos entre si.
Como resultado do princípio da elasticidade, em consequência da extinção de um direito real menor, o
direito real maior pode retomar o seu conteúdo originário, como sucede com a propriedade, em caso de
extinção de usufruto, em caso de extinção de servidões que a oneravam.
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Assim, em quadro resumo: os autores em questão preveem os seguintes princípios:
José Alberto Vieira Luis Menezes Leitão
Princípio da tipicidade
Princípio da inerência
Princípio da especialidade
Princípio da absolutidade
Princípio da consensualidade
Princípio da transmissibilidade
Princípio da unidade
Princípio da boa fé
Princípio da territorialidade
Princípio da publicidade
Princípio da elasticidade
III – A publicidade registal
A – Atos e princípios do Registo Predial
O escopo do registo predial: a finalidade da instituição do Registo Predial é dotar a ordem jurídica
de um dispositivo organizado que permita a qualquer dos interessado aferir da existência e titularidade
dos direitos reais sobre prédios. O artigo 1.º CRPr proclama solenemente que o registo predial destina-
se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do
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comércio jurídico. Deste modo, supõe-se que a consulta do Registo Predial faculta ao interessado o
conhecimento da situação jurídico-real do prédio em questão.
Os atos do registo: são três os atos registais que importa considerar:
1. Descrição predial: tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (artigo 79.º,
n.º1 CRPr). Trata-se de determinar a localização física do prédio, onde se situa, qual a sua área,
a sua conformação (rústico, urbano ou misto), o seu valor patrimonial constante da matriz e a
sua situação matricial (artigo 82.º CRPr). De cada prédio é feita uma descrição distinta (artigo
79.º, n.º2 CRPr). Espera-se que todos os prédios da área territorial da conservatória estejam
descritos nesta, o que pode não suceder, dado o princípio da instância que rege toda a atividade
registal. Nenhum ato registal, nomeadamente, inscrição ou averbamento é feito sem que a
descrição do prédio esteja lançada. E a descrição apenas é feita na dependência de uma inscrição
ou de um averbamento (artigo 80.º, n.º1 CRPr).
2. Inscrição: visa definir a situação jurídica dos prédios, mediante extrato dos factos a ela referentes
(artigo 91.º CRPr). É este o ato a que normalmente se alude quando se menciona o registo. A
inscrição reporta-se aos factos sujeitos a registo segundo o disposto nos artigos 2.º e 3.º CRPr.
A inscrição pode ser:
a. Definitiva: constitui o registo final do facto;
b. Provisória: tem lugar quando o facto a registar é insuficiente para produzir a alteração da
situação jurídica do prédio. Há inscrições que são sempre feitas a título provisório, a
denominada provisoriedade por natureza (artigo 92.º CRPr), ou outras que o são por
dúvidas do conservador quanto à registabilidade do facto cuja inscrição inicial foi
requerida pelo interessado (artigo 70.º CRPr).
3. Averbamento: tanto a descrição predial como a inscrição registal podem ser completadas,
atualizadas ou retificadas mediante este ato (artigos 88.º, n.º1 e 100.º, nº.1 CRPr).
Assim, e com Menezes Leitão: os atos de registo podem ser agrupados com base em dois critérios:
1. No seu conteúdo: para além dos averbamentos de cada um deles, distinguem-se entre:
a. Descrições: que, nos termos do artigo 82.º, n.º1 CRPr, a descrição deve conter:
i. O mínimo de ordem privativo dentro de cada freguesia, seguindo dos algarismos correspondentes
à data de apresentação de que depende;
ii. A natureza rústica, urbana ou mista do prédio;
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iii. A denominação do prédio e a sua situação por lugar, rua, números de polícia ou confrontações;
iv. A composição sumária e a área do prédio;
v. A situação matricial do prédio expressa pelo artigo de matriz, definido ou provisório; ou pela
menção de estar omisso.
Estas descrições prediais podem ser:
Genéricas: é a descrição feita para cada prédio ou empreendimento turístico. Na
descrição genérica de prédio ou prédios em regime de propriedade horizontal é
mencionada a série das letras correspondentes às frações e na de
empreendimento turístico as letras correspondentes às unidades de alojamento,
quando existam (artigo 82.º, n.º2 CRPr).
Subordinadas: é a descrição que é efetuada nos casos de constituição da
propriedade horizontal ou direito de habitação periódica, relativamente a cada
fração autónoma ou unidade de alojamento (artigo 81.º CRPr). As descrições
subordinadas relativas às frações autónomas ou unidades de alojamento contêm,
além do mínimo da descrição genérica do prédio ou do empreendimento turístico
(artigo 83.º, n.º1, alínea a) e n.º2, alínea a) CRPr). No caso das frações autónomas,
haverá ainda a menção do fim a que se destinam, se constar do título (artigo 83.º,
n.º1, alínea c) CRPr). No caso das unidades de alojamento, haverá ainda menção
das frações temporais relativas ao início e fim de cada período de habitação
(artigo 83.º, n.º3 CRPr).
Os averbamentos à descrição permitem alterar, completar ou retificar os elementos das
descrições (artigo 88.º, n.º1 CRPr), ainda que não prejudiquem os direitos de quem neles
não teve intervenção, desde que definidos em inscrições anteriores (artigo 88.º, n.º2
CRPr). Os averbamentos devem conter além do seu número de ordem privativo e do
número e data da apresentação, ou da data em que são feitos, a menção dos elementos
da descrição alterados, completados ou retificados (artigo 90.º, n.º1 CRPr). Os elementos
da descrição devem, aliás, ser oficiosamente atualizados (artigo 90.º, n.º1 CRPr).
o Inscrições: tem por função definir a situação jurídica do prédio mediante extrato dos
factos a ele referentes (artigo 91.º, n.º1 CRPr). As inscrições só podem ser lavradas com
referência a descrições genéricas ou subordinadas (artigo 92.º, n.º2 CRPr), podendo, no
entanto, um facto respeitar a várias descrições, caso em que a inscrição é lavrada na ficha
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de capa de uma delas (artigo 93.º, n.º3 CRPr). As inscrições ou as correspondentes cotas
de referência são lançadas no seguimento da descrição (artigo 79.º, n.º3 CRPr), sendo
que, quando forem canceladas, caducarem, ou os seus efeitos se transfiram mediante
novo registo, devem as mesmas publicitar que a informação deixou de estar em vigor
(artigo 79.º, n.º4 CRPr). Os requisitos gerais da inscrição encontram-se previstos no
artigo 93.º CRPr. O artigo 94.º CRPr obriga ainda a que dela constem ainda certas
cláusulas e convenções acessórias, enquanto que o artigo 95.º CRPr estabelece as
menções especiais que devem constar de certas inscrições, referindo ainda o artigo 96.º
CRPr a situação particular da inscrição hipotecária. Da mesma forma que na descrição,
também podem ser efetuados averbamentos à inscrição (artigos 100.º e seguintes CRPr),
os quais servem para completar, atualizar ou restringir as inscrições (artigo 100.º, n.º1
CRPr). A lei especifica quais os factos que são registados por averbamento às respetivas
inscrições, os quais são enumerados no artigo 101.º CRPr. Os averbamentos devem
obedecer aos requisitos gerais estabelecidos no artigo 102.º CRPr, assim como aos
requisitos especiais previstos no artigo 103.º CRPr.
2. Na sua eficácia: estabelece uma distinção entre:
a. Atos de registo provisórios: são aqueles que têm um prazo de vigência limitado em
virtude da sua própria natureza do facto a inscrever (registo provisório por natureza) ou
em virtude de existir algum vício no facto ou deficiência no processo de registo que
impede o registo definitivo (registo provisório por dúvidas). Nos casos mais graves,
referidos no artigo 69.º CRPr, o conservador deve mesmo recusar o registo que lhe é
requerido.
i. Os registos provisórios por natureza: encontram-se enumeradas no artigo 92.º CRPr e
correspondem às seguintes situações:
1. Ações e procedimentos sujeitos a registo;
2. Constituição da propriedade horizontal antes de construído o prédio;
3. Negócio jurídico celebrado sem poderes de representação, antes da ratificação;
4. Aquisição ou oneração de bens, antes de emitido o título respetivo;
5. Factos resultantes de decisão judicial antes de a mesma ter sido transitada em julgado;
6. Inscrições de penhora, declaração de insolvência e arresto, relativamente a bens em que
exista registo de aquisição ou reconhecimento da propriedade ou mera posse a favor de
terceiro;
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7. Inscrições que, em reclamação contra a reforma de suportes documentais, se alega terem
sido omitidas.
ii. Atos de registo provisórios por dúvidas: encontram-se abrangidos pelo artigo 70.º CRPr
e correspondem a situações em que existem motivos que obstam ao registo do
ato tal como é pedido e que não são fundamento de recusa, não podendo, por
outro lado, as deficiências do processo ser sanadas nos termos do artigo 73.º
CRPr.
Os registos provisórios devem ser convertidos em definitivos, o que é realizado através
de averbamentos à inscrição (artigos 101.º, n.º2, alínea d) e 103.º, n.º2 CRPr). No caso
de o registo ser provisório por natureza, o averbamento corresponde à indicação do novo
facto, que afasta a provisoriedade do facto inscrito (emissão do título, trânsito em julgado
de decisão judicial ou inscrição definitiva do registo de que ele dependia). No caso de o
registo ser provisório por dúvidas, a conversão efetua-se pela remoção das dúvidas que
tinham surgido. Os registos provisórios caducam se não forem convertidos em
definitivos ou renovados dentro do prazo da respetiva vigência do registo provisório de
seis meses, salvo disposição em contrário (artigo 11.º, n.º3 CRPr). Em relação ao registo
provisório por natureza vigoram prazos diferentes de caducidade para as diversas
inscrições (artigo 92.º, n.º3 a 6 CRPr), sendo que certas inscrições nem sequer estão
sujeitas a qualquer prazo de caducidade (artigo 92.º, n.º11 CRPr).
b. Atos de registo definitivo: são aqueles que produzem plenamente a sua eficácia, sem
qualquer limitação de vigência.
O objeto do registo: quando se fala no objeto do registo tem-se em vista o ato de inscrição registal.
Acentua-se que o registo tem por objeto factos jurídicos e não situações jurídicas. Como decorre
inequivocamente do artigo 2.º CRPr, o objeto do registo são factos e não direitos. O objeto da inscrição
registal é um facto. Inscrevem-se factos para, desta forma, dar a conhecer aos interessados a situação
jurídica dos prédios (artigo 1.º CRPr).
O título para registo: para que seja promovido o registo, o facto a registar tem de estar titulado em
documento escrito (artigo 43.º, n.º1 CRPr). Porquanto os factos a registar se referem a prédios, os
negócios jurídicos estão normalmente sujeitos a forma escrita. Quando, porém, tal não suceda, os
interessados no registo têm de titular por escrito o facto, ainda que a forma escrita seja indiferente para
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a sua validade ou eficácia. É o que se passa, nomeadamente, com o registo da usucapião e com o registo
da posse (artigo 1295.º, n.º2 CC).
A legitimidade para registar: no artigo 36.º CRPr estabelece-se que têm legitimidade para pedir
o registo os sujeitos, ativos e passivos, da respetiva relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele
têm interesse ou que estejam obrigadas à sua promoção. A legitimidade para registar pertence, em
primeiro lugar, às partes do negócio jurídico. A legitimidade não se confina, todavia, às partes a que
respeita o facto a registar. O artigo 36.º CRPr estende-a aos interessados. Esta alusão aos interessados
tem o significado de uma restrição. Interessado, na aceção do artigo 36.º CRPr, é a de registo.
Tipicamente, os credores do adquirente são interessados no registo, na medida em que o direito a que
se reporta o facto registado integra o património afeto à satisfação do crédito. Para além dos credores,
qualquer pessoa que para registar um facto que lhe respeita tenha de fazer outra inscrição prévia tem
legitimidade para registar o facto de que depende o seu registo. Finalmente, todos aqueles que, segundo
o disposto no artigo 8.º-B, n.º1 CRPr tenham o dever de registar o facto têm igualmente legitimidade
para o fazer.
A legitimação registal: a legitimação registal prende-se com a regra, segundo a qual, só pode ser
titulado um facto jurídico se o disponente tiver prévia inscrição registal a seu favor. A regra consta do
artigo 9.º, n.º1 CRPr e do artigo 54.º, n.º2 CNot. Segundo o artigo 9.º, n.º1 CRPr, os factos de que resulte
transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem set titulados sem que os
bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual
se constitui o encargo.
Uma vez que os factos jurídicos constitutivos, modificativos, translativos e extintivos de direitos reais
sobre imóveis estão, em regra, sujeitos a escritura pública (artigo 80.º n.º1 CNot), o notário só pode
outorgar a escritura de disposição de direito real atinente a prédio caso o disponente tenha registo a seu
favor. E o mesmo se diga das decisões jurídicas atinentes à constituição ou transmissão de um direito
real a favor de uma das partes. Portanto, quem titula um facto constitutivo ou translativo de direitos
reais deve certificar-se previamente que existe inscrição registal do facto aquisitivo do direito a favor do
disponente. Se não houver, o ato não deve ser praticado. Os n.º2 e 3 do artigo 9.º CRPr atenuam os
efeitos da imposição indireta de registo que resulta do n.º1 admitindo, excecionalmente, que seja titulado
o facto constitutivo ou translativo em casos nos quais o disponente não tem registo.
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Pergunta-se, no entanto, qual é o valor jurídico do ato de constituição ou transmissão do direito se o
mesmo houver sido celebrado mesmo sem o disponente ter registo do seu facto aquisitivo?
1. Menezes Cordeiro: sustentou a nulidade do negócio jurídico celebrado em violação do disposto
no n.º1 do artigo 9.º CRPr, vindo depois a mudar de posição;
2. Oliveira Ascensão: defendem a tese da validade, apontando apenas sanções disciplinares a quem
titulou o ato em violação do preceito, tese essa que mereceu o acolhimento da jurisprudência em
alguns arestos e também de Carvalho Fernandes.
3. José Alberto Vieira: pensa não haver motivo para a cominação do desvalor da nulidade. O
artigo 9.º, n.º1 CRPr não é um comando dirigido às partes, mas ao notário ou ao juiz que titula
o ato. A sua violação não deve, por isso, atingir a eficácia no negócio pretendido pelas partes,
mas atingir somente o agente dessa violação. Em suma, havendo violação do n.º1 do artigo 9.º
CRPr, o negócio é válido, havendo lugar a aplicação de sanções disciplinares, se for o caso.
Princípios do registo predial: o registo predial estrutura-se com base em princípios. Estes são,
concretamente:
1. O princípio da obrigatoriedade: em 2008 introduziu-se no Direito Português a
obrigatoriedade de registo dos factos elencados nos artigos 2.º e 3.º CRPr (artigo 8.º-A CRPr),
embora se prevejam algumas exceções (artigo 8.º-A, n.º1 CRPr). A obrigatoriedade de registo de
factos elencados na lei não contende com a eficácia real dos mesmos: eficácia real decorre do
contrato, por efeito da celebração válida deste, e não depende do registo. A obrigatoriedade de
registo prevista no artigo 8.º-A CRPr não muda isto. A obrigatoriedade do registo predial
concretiza-se pela imposição de um dever de registar a uma categoria de destinatários (artigo 8.º-
A CRPr). A incumbência cabe, em primeiro lugar, ao profissional que for chamado a titular o
facto sujeito a registo ou a reconhecer as assinaturas das partes. Estão em causa o notário, o
advogado, o solicitador e as câmaras de comércio e de Indústria, nos casos em que a lei lhes
cometa competência para a titulação de factos sujeitos a registo. No caso de não haver
intervenção de um profissional, o dever mencionado cabe ao sujeito ativo do facto sujeito a
registo, uma expressão usada para designar o adquirente do direito ou da situação jurídica
envolvida. Para além destes, o artigo 8.º-B CRPr obriga, ainda, os tribunais, o Ministério Público
e os Agentes de Execução nas situações referidas no n.º3. A promoção do registo por alguém
com legitimidade legal para o fazer, exonera o obrigado (artigo 8.º-A, n.º5 CRPr).
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2. O princípio da legalidade: vem previsto no artigo 68.º CRPr e comporta duas modalidades:
a. Controlo formal da legalidade: o conservador controla unicamente o respeito pela regra da
forma legal e a legitimidade das partes, sem entrar na apreciação de outros aspetos da
forma legal e a legitimidade das partes, sem entrar na apreciação de outros aspetos da
validade do facto a registar.
b. Controlo substancial da legalidade: cabe ao conservador mais do que a apreciação do respeito
pela forma legal e a legitimidade das partes, um verdadeiro controlo do ato sujeito a
registo.
O sistema jurídico português do Código de Registo Predial adotou um sistema de legalidade
substancial. O artigo 68.º CRPr não limita o exame do conservador à regularidade formal dos
títulos ou à aferição da legitimidade dos interessados, estendendo-o à verificação da identidade
do prédio e, fundamental, à validade dos atos dispositivos nele contidos. Havendo alguma
anomalia, o conservador deve recusar o registo nos casos previstos no artigo 69.º CRPr, lançando
o registo como provisório por dúvidas nas situações contempladas no artigo 70.º CRPr. Este
princípio deve, em todo o caso, ser contido no domínio tabular. O conservador não pode, assim,
substituir o juízo do titular do direito à anulação. Como direito subjetivo, este direito está
exclusivamente na disponibilidade desta. Como ressalva, restam os casos em que a anulabilidade
resulta da falta de consentimento de um terceiro ou de autorização do tribunal, porquanto a lei
determina nestes casos a inscrição como provisória por natureza (alínea a) do n.º1 artigo 92.º
CRPr). O mesmo se diga relativamente a nulidades atípicas, em que a lei atribua a uma das partes
o direito a fazer declarar a nulidade. O conservador não deverá recusar o registo com base no
artigo 69.º CRPr, cabendo ao titular do direito exercê-lo, se assim o entender. Restam as
nulidades típicas, sujeitas ao regime geral (artigos 285.º e seguintes CC). Quanto a estas: a
nulidade estabelecida na norma visa prosseguir um escopo público ou de terceiros, que não as
partes? A ser assim, o conservador deve recusar a inscrição do facto ou inscrevê-lo como
provisório por dúvidas, até estas estarem removidas (artigo 70.º CRPr). Estando a teleologia da
norma imperativa que sanciona a nulidade dirigida à proteção de uma das partes do negócio
jurídico, valem, quanto a nós, as mesmas razões que justificam que o conservador não deva
recusar o registo nos negócios anuláveis. O papel do conservador, para além da aferição da
regularidade formal e a legitimidade das partes, consiste em verificar se o negócio foi titulado de
acordo com as exigências legais.
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3. O princípio da instância: a iniciativa da prática dos atos registais pertence aos interessados no
registo; o conservador não lança os registos oficiosamente. É este o significado do princípio da
instância previsto no artigo 41.º CRPr que deixa, deste modo, aos particulares o funcionamento
da publicidade registal, salvo quando a lei preveja uma exceção. O pedido de registo deve ser
apresentado no modelo oficial aprovado e deve ser entregue com os documentos que titulam o
facto a registar (artigo 43.º, n.º1 CRPr).
4. O princípio do trato sucessivo: este princípio vem previsto no artigo 34.º CRPr. Dispõe o n.º1
deste artigo que o registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende
da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera. O Registo Predial, tendo
por finalidade dar a conhecer aos interessados a situação jurídica dos prédios (artigo 1.º CRPr),
deve patentear toda a sequência dos factos jurídicos que respeitem a cada prédio descrito.
Procura-se, deste modo, que a história jurídica do prédio seja retratada pelo Registo Predial e que
a consulta deste pelos interessados revele os factos jurídicos relativos a ele. Com a
obrigatoriedade do registo este princípio ficou reforçado. O registo feito com violação do trato
sucessivo é nulo (artigo 16.º, alínea e) CRPr). O princípio do trato sucessivo tem o conservador
como destinatário e não os particulares que requerem o registo. Por isso, a violação do mesmo
é da responsabilidade do conservador, que o deve respeitar (artigo 34.º, n.º1 CRPr).
5. O princípio da prioridade: constando do artigo 6.º CRPR, no n.º1 deste artigo dispõe que o
direito inscrito (sendo que o artigo está mal concebido – inscrevem-se factos, não direitos) em
primeiro lugar sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data
dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.
Este preceito consagra uma regra de prioridade, ou, como julgamos tecnicamente mais correto,
de prevalência entre direitos compatíveis, que vale, antes de mais, para os direitos reais que se
constituam com o registo, nomeadamente, a hipoteca (artigos 687.º CC e 4.º, n.º2 CRPr). Como
nenhum outro direito real (de gozo, de garantia ou de aquisição) se constitui com o registo e tem
a sua oponibilidade a terceiros dependente do registo do correspondente facto aquisitivo, o
princípio da prioridade não tem aplicação quanto a qualquer um desses direitos. Por essa razão
dizemos que a amplitude do preceito é bem menor do que aparenta. Para além dos casos em que
o registo é constitutivo de direitos reais, o que só acontece com a hipoteca, o princípio da
prioridade vale também para os direitos cuja oponibilidade possa segundo a lei ficar dependente
do registo. Ilustremos isto com os direitos pessoais de gozo. Segundo o artigo 407.º, n.º1 CC,
quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a
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mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em
data, sem prejuízo das regras próprias do registo. O artigo 6.º, n.º1 CRPr recebe aplicação, neste
caso, por força do disposto na parte final do n.º1 do artigo 407.º CC. Por último, a penhora, o
arrolamento e o arresto ordenam-se igualmente em termos de prevalência de acordo com a data
dos respetivos registos. Em suma, o princípio da prioridade, ou da prevalência como preferimos
dizer, tem um âmbito de aplicação circunscrito aos casos em que se realizam dois ou mais registos
de direitos, isto é, direitos reais que segundo a ordem jurídica se constituam com o registo
(hipotecas) ou outros direitos que se refiram a um prédio (direitos pessoais de gozo, penhora,
arresto, arrolamento). E significa que prevalece o direito inscrito em primeiro lugar. Num mesmo
dia podem ser apresentados vários pedidos de registo de hipotecas ao mesmo prédio. Como a
data é a mesma e importa estabelecer a prevalência, a lei fixa um segundo critério: a ordem das
apresentações (artigo 6.º, n.º1, in fine CRPr). O critério é, no entanto, afastado quando as
hipotecas concorram entre si na proporção dos respetivo créditos (artigo 6.º, n.º2 CRPr). A data
do registo definitivo é a data do registo provisório, se este precedeu aquele (artigo 6.º, n.º3 CRPr).
Esta regra é fundamental para assegurar a posição do titular do direito que registou
primeiramente o título provisório. Tendo em conta a importância que a prevalência tem para o
exercício do direito a que se reporta o registo, caso o registo seja inicialmente recusado e o
interessado haja recorrido da decisão do conservador, vindo o recurso a ser procedente, a data
do registo é a data do pedido inicialmente recusado, não a data da procedência do recurso.
B – Efeitos do Registo Predial
Ordem substantiva e ordem registal (a prevalência da primeira): a regra em Portugal
continua a ser a de que é a ordem substantiva, entendida aqui como o regime jurídico decorrente do
Direito não registal, e não à ordem registal que cabe fixar a titularidade, conteúdo e subsistência das
situações jurídicas reais. Em caso de divergência entre a realidade subsistência das situações jurídicas
entre a realidade substantiva e a realidade registal é a primeira que prevalece. A função primacial do
Registo Predial é publicitar não é, em regra, atributiva de direitos reais. A prevalência da ordem
substantiva sobre a ordem registal infere-se da natureza ilidível da presunção constante do artigo 7.º
CRPr. Os factos que o registo atesta podem ser impugnados quanto à sua existência e validade e, feita a
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prova que o direito não pertence afinal àquele que o registo proclama como titular, o registo deve ser
cancelado. É o que decorre dos artigos 8.º, n.º1 e 13.º CRPr. A divergência ou desconformidade entre a
situação registal e a situação substantiva pode acontecer em quatro casos:
1. Incompatibilidade do registo: o registo diz-se incompleto quando um facto que a ele estava
sujeito não foi registado. O registo fica, então, desatualizado, não exprimindo a eficácia jurídica
do facto que não foi levado a registo. Um registo predial incompleto publicita uma realidade –
registal – não conforme à realidade substantiva.
2. Ineficácia do registo: abrange as situações de inexistência do registo (artigo 164.º CRPr) e de
nulidade registal (artigo 16.º CRPr). O registo inexistente não produz efeitos, podendo a
inexistência ser requerida por qualquer pessoa e sem necessidade de declaração judicial (artigo
15.º, n.º1 e 2 CRPr). O registo nulo tem de ser declarado judicialmente e só depois do trânsito
em julgado da decisão pode ser invocado (artigo 17.º, n.º1 CRPr). A inexistência e a nulidade do
registo não envolvem necessariamente uma desconformidade entre a ordem substantiva e a
ordem registal. Pode, no entanto, ser esse o caso, como sucede, por exemplo, quando o registo
se baseia em títulos falsos (artigo 16.º, alínea a) CRPr). A desconformidade entre a situação
substantiva e a situação registal proveniente de um registo ineficaz apresenta semelhanças com
a do registo incompleto. Em ambos os casos aquele que consulta o Registo Predial pode ser
enganado no tocante à situação jurídico-real do prédio. Há uma diferença, porém: no registo
incompleto, há um facto que não consta do Registo Predial, porque nenhum dos interessados o
registou; no registo ineficaz, o Registo Predial publicita uma situação não conforme à realidade
substantiva por vício do próprio ato registal.
3. Inexatidão do registo: caso análogo ao do registo ineficaz. Segundo o n.º1 do artigo 18.º CRPr,
o registo é inexato quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu
de base ou enferme de deficiências provenientes deste título que não sejam causa da nulidade. O
registo inexato pode ser retificado, nos termos do artigo 120.º CRPr. Por último, a
desconformidade registal com a ordem substantiva pode advir da circunstânccia do facto
registado ser inválido. Nestas hipóteses, o registo é válido e apenas o facto registado se encontra
ferido de invalidade. Fala-se aqui em invalidade substantiva, para distinguir da nulidade registal
prevista no artigo 16.º CRPr.
4. Invalidade do facto jurídico registado: o registo efetuado com um título inválido não é nulo.
O artigo 16.º CRPr não prevê esta situação como causa de nulidade do registo. E também não
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se trata de um registo inexato segundo o artigo 18.º, n.º1 CRPr. É unicamente um registo
desconforme à realidade substantiva. Como tal, e dado a regra da prevalência de ordem
substantiva sobre a ordem registal, pode ser cancelado, se a invalidade do facto jurídico que lhe
serviu de base for declarada judicialmente ou as partes acordarem sobre a invalidade e registarem
o acordo e, conformidade com o artigo 13.º CRPr.
Em atenção à confiança que o Registo Predial deve suscitar no tráfego imobiliário, a desconformidade
entre a ordem registal e a ordem substantiva levanta problemas delicados de tutela de terceiro de boa fé.
Em alguns casos, a ordem jurídica exceciona a regra de prevalência da ordem substantiva sobre a ordem
registal e permite que esta funde a proteção do terceiro de boa fé. É o denominado efeito atributivo do
registo predial.
A extensão da presunção do artigo 7.º CRPr: um problema que se tem colocado é o de saber
se a presunção constante deste artigo 7.º CRPr abrange também os elementos da descrição:
1. Menezes Leitão: um dos mais importantes efeitos substantivos do registo é a atribuição ao seu
titular a presunção da titularidade do direito, a que se corporiza em duas presunções (artigo 7.º
CRPr):
a. A que o direito existe, tal como consta do registo;
b. A de que pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito.
Ambas as presunções são ilidíveis, nos termos gerais (artigos 350.º, n.º2 CC e 3.º, n.º1, alínea 8,
8.º e 13.º CRPr). Daqui resulta que o registo é normalmente meramente enunciativo (não dá nem
tira direitos), estabelecendo, no entanto, uma presunção de titularidade do direito. Da presunção
do artigo 7.º CRPr beneficia não apenas o titular do direito inscrito, mas também aquele que
adquiriu o direito por negócio de transmissão resultante deste último titular. A presunção da
titularidade do direito resultante do registo pode, no entanto, entrar em conflito com a presunção
da titularidade resultante da posse. Nesse caso, e conforme resulta do artigo 1268.º, n.º1 CC, a
presunção resultante do registo apenas prevalecerá se esta for anterior ao início da posse, já que,
no caso contrário, será a presunção a favor do possuidor que terá prevalência.
2. José Alberto Vieira: a inscrição registal faz-se na dependência de uma descrição (artigo 91.º,
n.º2 CRPr). E é natural que quem consulte o Registo Predial confia nos elementos da descrição
predial. Porém, a descrição predial não tem repercussão na situação substantiva do prédio. Se a
área predial constante da conservatória é maior ou menor do que a que foi averbada na descrição,
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se as confrontações foram mal feitas, se houve uma omissão de construções existentes no prédio,
etc., a situação substantiva do prédio não foi alterada. E essa situação é a que resulta da lei, em
função dos títulos (factos jurídicos) existentes. Por outro lado, o registo definitivo aludido no
artigo 7.º CRPr, por contraposição ao provisório, por natureza (artigo 92.º CRPr) ou por dúvidas
(artigo 70.º CRPr), reporta-se à inscrição registal, não à descrição. Deste modo, a presunção de
titularidade do preceito diz respeito apenas à inscrição registal. A descrição predial não fica
abrangida por ela. Portanto, a presunção registal de titularidade constante do artigo 7.º, n.º1 CRPr
não abarca os elementos da descrição registal, apenas o que resulta do facto inscrito tal como foi
registado.
Os efeitos substantivos do registo predial: o registo predial pode produzir efeitos jurídicos
nos direitos reais a que respeitam os factos registados. Todavia, numa ordem jurídica de título, em que
vigora o princípio da consensualidade, o registo não interfere, em regra, na constituição ou transmissão
do direito real. Ele desempenha aí a sua função normal de publicidade das situações jurídicas reais. Em
alguns casos, porém, o registo predial pode ter um papel na constituição do direito real (registo
constitutivo) ou surgir mesmo como o seu facto aquisitivo (aquisição tabular). Diversamente, o registo
predial pode ainda ser completamente indiferente até mesmo para a publicidade da situação jurídica
(registo enunciativo). Falaremos em cinco efeitos jurídicos do registo predial:
1. O efeito presuntivo: o efeito presuntivo do registo predial funda-se no artigo 7.º CRPr. Como
sabemos, estamos defronte de uma presunção ilidível, por conseguinte, suscetível de ser afastada
mediante prova em contrário (artigo 350.º, n.º2 CC). Quem tem a presunção registal a seu favor,
escusa de provar a titularidade do direito a que o registo alude (artigo 350.º, n.º1 CC). Como
vimos, esta abrange:
a. Menezes Leitão: a descrição e a inscrição registal;
b. José Alberto Vieira: somente a inscrição.
A presunção fundada no registo pode colidir com a presunção fundada na posse (artigo 1268.º,
n.º1 CC). Nessa altura, prevalece a mais antiga. Neste caso, o titular inscrito terá de levar a cabo
a atividade probatória tendente a demonstrar a titularidade substantiva do direito em causa. A
presunção registal vale nos caso de registo nulo, mas não de registo juridicamente existente. O
artigo 15.º CRPr não deixa margem para outro entendimento. Se o registo inexistente não produz
o efeito presuntivo até ser cancelado com base numa decisão judicial transitada em julgado (artigo
13.º, n.º1 CRPr).
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2. O efeito consolidativo: por força do princípio da consensualidade (artigo 408.º, n.º1 CC), a
constituição ou transmissão do direito real opera por mera eficácia do contrato, portanto,
independentemente do registo, que, para efeito, não é necessário, podendo deixar de ser feito.
Também outros factos aquisitivos de direitos reais, a usucapião, a acessão, a decisão judicial, não
carecem de registo para desencadear a sua eficácia. Neste contexto normativo, o registo não é
parte integrante do facto aquisitivo do direito real. Pode-se, então, perguntar que efeito –
substantivo – tem? Para além de permitir a disposição, notarial e judicial, do direito real, o registo
evita a aquisição tabular de um terceiro. É por isso que se fala em efeito consolidativo. O titular
do direito real que tem o registo do facto aquisitivo respetivo, fica ao abrigo de uma aquisição
tabular de terceiro.
3. O efeito enunciativo: o registo predial pode não desempenhar uma função de publicidade
relativamente a alguns atos suscetíveis de registo. Encontram-se nessa situação os atos
enumerados no artigo 5.º, n.º2 CRPR e, para além destes, a posse. A razão para o efeito
meramente enunciativo do registo predial reside na consideração do papel da publicidade que o
sistema reserva à posse. A usucapião e as servidões prediais aparentes são reconhecíveis através
da posse, que publicita a situação do titular do direito real, não carecendo do registo para este
efeito. Os atos relativamente aos quais o registo é enunciativo podem não constar do registo
predial por falta dele. Assim, o beneficiário da usucapião não registada pode invoca-la contra o
terceiro de boa fé que regista a sua aquisição. A falta do registo não impede o sucesso da
invocação, pois a publicidade registal é meramente enunciativa quanto à usucapião (artigo 5.º,
n.º2, alínea a) CRPr).
4. O efeito constitutivo: o registo predial não tem, em regra, efeito constitutivo. Isto significa que
não integra nenhum facto complexo de produção sucessiva em que ele seja o culminar da
aquisição do direito real. O único exemplo em Portugal, de efeito constitutivo do registo predial
é a hipoteca (artigos 687.º CC e 4.º, n.º2 CRPr), pese embora, como vimos anteriormente,
Oliveira Ascensão ser de opinião discordante. Em nossa opinião o registo tem, pois, neste caso,
eficácia constitutiva de um direito real.
5. O efeito atributivo ou aquisição tabular: no sistema registal português, vigorando, embora,
uma obrigatoriedade de registo, pode ainda assim acontecer que o registo fique incompleto e,
desse modo, inexato em face da realidade substantiva, por não ser registado o facto jurídico a ele
sujeito. Dado que o registo predial visa dar a conhecer aos interessados a situação jurídica-real
dos prédios, consagrando uma presunção de titularidade (artigo 7.º CRPr) que outorga a
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legitimação para qualquer ato de disposição (artigo 9.º, n.º1 CRPr), se ele estiver incompleto,
existe o risco de que quem vier a praticar um ato jurídico nada adquira, nomeadamente, por o
titular inscrito já não ser o titular do direito na ordem substantiva e não ter, deste modo,
legitimidade para dispor do seu direito. Atendendo a que a ordem substantiva prevalece sobre a
ordem registal, o titular do direito real pode pedir e obter, em princípio, o cancelamento do
registo predial do não titular (artigo 13.º CRPr), que vê, assim, a sua posição ser destruída. Os
casos de ineficácia do registo, de inexistência jurídica e de nulidade, acrescentam outro trecho de
desconformidade potencial entre a situação substantiva e a situação registal. A prevalecer a
ordem substantiva sobre a ordem registal em todos os casos, nenhum dos terceiros adquirentes
de direito com base numa situação registal desconforme com a realidade do facto de ter agida
com base na presunção de titularidade fundada no registo. Importa notar, todavia, que o registo
predial representa um serviço do Estado e os trabalhadores do registo são funcionários públicos.
Ademais, a situação registal confere legitimidade ao titular inscrito para dispor do seu direito
(artigo 9.º, n.º1 CRPr) e funda uma presunção de titularidade do direito (artigo 7.º CRPr). Todos
estes fatores levam a que o registo predial, para realizar efetivamente o seu escopo de conferir
segurança jurídica ao comércio jurídico imobiliário (artigo 1.º CRPr), deva incutir fé pública no
que publicita relativamente a qualquer pessoa que o consulta, aquilo a que a doutrina denimina
usualmente de fé pública registal. De modo a assegurar esta fé pública registal, a ordem jurídica
tem de equacionar o problema da proteção do terceiro que confia na aparência suscitada pelo
registo e depois vem a praticar um ato de aquisição de um direito real com quem afinal não era
o titular do direito, ato esse que surgirá inelutavelmente afetado pelo vício da ilegitimidade do
disponente, sendo, por isso, em regra, nulo. A proteção de terceiro com base na ordem registal,
a acontecer, constitui uma inversão da prevalência da ordem substantiva sobre a registal e ergue
o ato de registo (a inscrição registal) um verdadeiro facto aquisitivo de direitos reais. Desta
maneira, a norma jurídica onde se atribua tal proteção a terceiro constitui uma norma jurídica
excecional, com tudo o que esta categoria de normas envolve, nomeadamente a proibição de
analogia. A proteção registal contra o titular do direito real na ordem substantiva denomina-se
aquisição tabular ou efeito atributivo do registo predial. A aquisição tabular não beneficia
qualquer pessoa que tenha adquirido invalidamente um direito que tenha adquirido
invalidamente um direito por força de uma situação registal desconforme à realidade substantiva.
Beneficia apenas o terceiro para efeitos do registo predial. Seja como for, não há um conceito de
terceiro que sirva para para todas as situações em que alguém tenha adquirido um pseudo-direito
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na base de uma situação registal desconforme. Existem quatro preceitos onde se pode radicar
uma aquisição tabular ou efeito atributivo do registo predial. Esses preceitos são: artigos 5.º, 17.º,
n.º2, 122.º CRPr e 291.º CC.
a. A aquisição tabular no artigo 5.º CRPr. A consagração do conceito restrito de
terceiro: o artigo 5.º, n.º1 CRPr dispõe que os factos sujeitos a registo só produzem
efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo. Atento o sentido literal
imediato induzido pela redação do n.º1 do artigo 5.º CRPr, pareceria que o direito real
só teria oponibilidade contra terceiro se o facto aquisitivo desse direito houvesse sido
registado. Não é isso, porém, o que decorre do artigo 5.º, n.º1 CRPr. Este preceito não
tem por escopo fazer depender a oponibilidade do direito real da prévia inscrição registal
da aquisição a favor do seu titular. O seu objeto é antes proteger o terceiro que, confiando
na aparência de uma situação registal desconforme à realidade substantiva, celebra um
negócio jurídico inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição. Isto conduz-nos
ao primeiro requisito de aplicação do artigo 5.º, n.º1 CRPr. O preceito abrange apenas
os casos de registo incompleto, nos quais um terceiro adquire um direito num negócio
jurídico inválido – concretamente nulo, por falta de legitimidade do seu disponente – e
regista o facto. Sem registo do correspondente facto aquisitivo, o terceiro não obtém
proteção. Chegamos, assim, a outro requisito de aplicação do artigo 5.º, n.º1 CRPr.
Terceiro para efeitos do registo, como anteriormente se viu (pg. 44), é aquele que, tendo
registado a sua posição, haja adquirido do mesmo disponente o direito real incompatível.
Ao contrário, um terceiro cuja posição jurídica não tenha resultado de um ato de
disposição praticado pela mesma pessoa não fica protegido pelo artigo 5.º, nº1 CRPr. O
artigo 5.º, n.º1 CRPr tem por campo de aplicação os casos de incompletude registal,
portanto, situações em que um facto sujeito a registo não foi registado, deixando o registo
predial em desconformidade com a ordem substantiva. A sua teleologia é a da proteção
do terceiro que pratica um negócio jurídico de aquisição de um direito real com aquele
que figura no registo como seu titular, não o sendo. O significado desta proteção é a
aquisição por via tabular de um direito que não havia sido adquirido por via substantiva.
O terceiro adquire por força do registo o direito real a que se refere a sua inscrição registal.
Daí falar-se em efeito atributivo do registo predial ou aquisição tabular. Para além dos
requisitos que acima enunciámos, torna-se ainda necessário que o terceiro esteja de boa
fé e o facto aquisitivo seja oneroso. O artigo 5.º, n.º1 CRPr não faz qualquer menção à
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boa fé, mas esta é uma imposição decorrente da integração sistemática do preceito e da
sua teleologia. No que se refere à integração sistemática do preceito, nos artigo 17.º, n.º2
e 122.º CRPr e 291.º CC, a lei portuguesa exige a boa fé. Não pode ser diferente no artigo
5.º, nº1 CRPr, apesar da omissão expressa deste requisito. O argumento teleológico é
igualmente decisivo. A proteção registal do terceiro tem por fundamento a fé pública
registal e visa preservar a confiança que o registo predial deve suscitar enquanto Estado.
Se o terceiro conhece ou devia conhecer a desconformidade entre a situação registal e a
situação substantiva, a razão para a proteção do terceiro deixa de se verificar.
Compreende-se que o terceiro de má fé não receba nunca a proteção da ordem jurídica
registal. Se o terceiro conhece ou devia conhecer o direito do verdadeiro titular, o registo
predial não defraudou a sua confiança na situação substantiva, e não merece, pois,
qualquer proteção da ordem jurídica, ainda que o registo predial estivesse objetivamente
desconforme com a realidade substantiva quando ele registou a sua pseudo aquisição. O
conceito de boa fé relevante para efeitos de proteção tabular de terceiro encontra-se
previsto no n.º3 do artigo 291.º CC. Ele vale para todas as hipóteses de efeito atributivo
do registo predial e, portanto, também para os casos dos artigos 5.º, n.º1, 17.º, n.º2 e
122.º CRPr. O artigo 291.º, n.º3 CC consagra uma boa fé subjetiva ética. Não basta, pois,
o mero desconhecimento da lesão do direito alheio para a existência de boa fé. Apenas
o desconhecimento desculpável releva para a existência de boa fé. O terceiro só fica
protegido pelo registo predial quando celebrou o negócio jurídico a título oneroso.
i. Carvalho Fernandes: opôs-se a este entendimento, defendendo que as
aquisições a título gratuito não prejudicariam a posição do terceiro de boa fé que
registasse a sua aquisição antes do registo do verdadeiro titular.
ii. José Alberto Vieira: entende que este autor tem contra si o argumento
sistemático, que é muito ponderoso. Em todas as hipóteses em que se enunciam
os requisitos de aquisição tabular do terceiro, nos artigos 17.º, n.º2 e 122.º CRPr
e no artigo 291.º CC, a lei é expressa em exigir que a aquisição seja a título
oneroso. Por que razão haveria de ser diferente no artigo 5.º, n.º1 CRPr? A
conjugação de todos os preceitos atinentes ao efeito atributivo depõe a favor de
requisitos comuns da aquisição tabular, a boa fé e o caráter oneroso do facto
aquisitivo, e não se vislumbra nenhum argumento em sentido diverso.
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Estamos, assim, em condições de enunciar sinteticamente os requisitos da proteção
tabular do terceiro segundo o artigo 5.º, n.º1 e 4 CRPr:
Pré-existência de um registo desconforme à realidade substantiva (registo
incompleto);
Ato de disposição praticado com base na situação registal desconforme;
Boa fé do terceiro;
Caráter oneroso do negócio jurídico de disposição;
Que o terceiro registe a sua aquisição antes do registo do facto aquisitivo do
titular do direito real na ordem jurídica substantiva.
Ao registo da aquisição do direito equivale o registo da ação de declaração de invalidade
do negócio celebrado entre o duplo disponente e o terceiro. Conforme resulta do exposto,
o alcance do artigo 5.º, n.º1 CRPr nada tem a ver com a oponibilidade do direito real.
Um direito real cujo facto aquisitivo não foi registado mantém a sua oponibilidade
normal contra terceiros que constituam um obstáculo ao seu exercício. A proteção
registal do terceiro segundo o artigo 5.º, n.º1 CRPr requer o registo do direito. Se o
terceiro não tem inscrição registal do seu direito não pode invocar a proteção do preceito.
Em todo o caso, mesmo terceiro com registo a seu favor de direito incompatível fica
exposto à oponibilidade geral do direito real não registado, quando:
Estiver de má fé;
Tenha adquirido a título gratuito.
O terceiro fica protegido segundo o artigo 5.º, n.º1 CRPr quando, tendo adquirido de
autor comum, o registo esteja incompleto, haja celebrado o negócio com base na situação
registal desconforme à realidade substantiva, esteja de boa fé, adquira a título oneroso e
registe a sua aquisição antes do registo do título do direito pelo titular ou do registo de
ação destinada a declarar a invalidade do negócio jurídico celebrado entre o duplo
disponente e o terceiro.
b. A aquisição tabular no artigo 17.º, n.º2 CRPr: o artigo 17.º, n.º2 CRPr dispõe que a
declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso
por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da
ação de nulidade. O terceiro que adquire uma posição jurídica com base no registo nulo
pode ter adquirido de alguém que não era substantivamente o titular do direito real que
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foi que, de disposição. A lei registal dispõe, assim, que, verificados os requisitos
enunciados no artigo 17.º, n.º2 CRPr, o terceiro adquirente não vê a sua posição ser
afetada pela declaração de nulidade do registo predial. No entanto, o n.º2 do artigo 17.º
CRPr só tem aplicação nos casos em que o ato de disposição fundado no registo é nulo
e inválido, por falta de titularidade do direito real com base no qual esse ato é celebrado.
Se o titular inscrito é o titular do direito real na ordem substantiva e o ato de disposição
a favor de terceiro é válido, sendo apenas o registo nulo, o artigo 17.º, n.º2 CRPr nada
acrescenta. Em segundo lugar, o artigo 17.º, n.º2 CRPr só atua contra o titular do direito
real que não tenha registo aquisitivo do seu direito. Se este registo existe, o preceito
também não tem aplicação. O efeito atributivo do registo predial não prevalece sobre o
efeito consolidativo quando o titular do direito real na ordem substantiva não tem registo
a seu favor. O primeiro requisito para a aplicação do artigo 17.º, n.º2 CRPr é a pré-
existência de um registo nulo (com desconformidade substantiva). E o registo é nulo nos
casos do artigo 16.º CRPr. De fora ficam os casos de registo juridicamente inexistente
(artigo 14.º CRPr). O segundo requisito consiste num ato de disposição fundado no
registo nulo. O terceiro requisito é a boa fé do terceiro. Contrariamente ao artigo 5.º
CRPr, o artigo 17.º, n.º2 CRPr é expresso relativamente à exigência de boa fé. Esta é de
entender sem sentido ético, de acordo com o disposto no artigo 291.º, n.º3 CC. O quarto
requisito é a onerosidade da aquisição do terceiro. Por último, quinto requisito, o registo
do facto aquisitivo do terceiro tem de preceder o registo da ação de declaração de
nulidade do registo ou o registo da ação de declaração de nulidade do ato de disposição
fundado no registo nulo. Valem quanto a este caso as razões que apontámos para idêntica
solução no âmbito do artigo 5.º CRPr. Diferentemente do artigo 5.º CRPr, o artigo 17.º,
n.º2 CRPr protege um terceiro subadquirente, cuja posição adveio da celebração de um
negócio jurídico com o titular inscrito com registo nulo, que não é, por conseguinte, o
titular do direito real na ordem substantiva. Note-se que o terceiro protegido não é nunca
aquele que beneficia do registo nulo mas, sim, o adquirente em negócio concluído com
base no registo nulo. O artigo 17.º, n.º2 CRPr protege um terceiro subadquirente que
adquiriu o seu pseudo direito com base num registo prévio nulo, que patenteia uma
situação registal desconforme com a realidade substantiva, contando que o titular do
direito real não haja registado previamente a sua aquisição. Para além de se reportar a
uma situação de subaquisição, o artigo 17.º, n.º2 CRPr distingue nomeadamente do artigo
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291.º CC, que protege igualmente um subadquirente, por o seu âmbito de aplicação supor
a pré-existência de uma nulidade registal. A proteção registal do artigo 17.º, nº2 CRPr
tem o significado de uma atribuição do direito real a que se refere o facto registado. O
facto aquisitivo não é, porém, o negócio jurídico, que é inválido, mas o próprio registo.
Daí que se fale no efeito atributivo do registo predial. Em síntese, os requisitos de
aplicação do artigo 17.º, n.º2 CRPr são:
Pré-existência de registo nulo (artigo 16.º CRPr);
Ato de disposição fundado nesse registo;
Boa fé subjetiva ética do terceiro (artigo 291.º, n.º3 CC);
Onerosidade de aquisição por parte do terceiro;
O registo aquisitivo do terceiro precede o registo de ação de declaração de
nulidade.
c. A aquisição tabular no artigo 291.º CC: segundo o disposto no artigo 291.º CC a
declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou
a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquirindo sobre os mesmos
bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao
registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca
da invalidade do negócio. O artigo 291.º CC é um preceito atinente à aquisição tabular,
pressupondo, por isso, a pré-existência de um registo desconforme à realidade
substantiva por invalidade do negócio jurídico registado.
i. Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes e Menezes Leitão: defendem não
pressupor o artigo 291.º CC a existência de um registo prévio.
ii. José Alberto Vieira: discorda, entendendo não haver razão para apreciar
diferentemente este preceito dos outros que com ele concorrem no
reconhecimento de um efeito atributivo do registo predial.
Assim, para José Alberto Vieira, o fundamento da proteção é o mesmo das outras
hipóteses legais: a fé pública registal. O artigo 291.º CC protege o subadquirente com
invalidade substantiva e nisto distingue-se quer do artigo 5.º CRPr, que protege o terceiro
adquirente num esquema de dupla disposição com incompleitude registal, quer do artigo
17.º, n.º2 CRPr, que protege o terceiro adquirente que adquiriu o seu direito com base
num registo nulo. Portanto, o artigo 291.º C tem por escopo definir a proteção do
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terceiro de boa fé que adquire a sua posição com base num registo desconforme por
invalidade substantiva do negócio jurídico. Os requisitos do artigo 291.º CC não são
inteiramente coincidentes com os do artigo 5.º, e 17.º, n.º2 CRPr, o que é natural
atendendo a que se trata de um preceito com um campo específico de aplicação, diverso
do daqueles preceitos. Em primeiro lugar, a aplicação do artigo 291.º CC supõe uma
situação registal desconforme com a realidade substantiva, por força da inscrição de um
negócio jurídico inválido, nulo ou anulável, ou seja, a pré-existência de um registo
desconforme por invalidade substantiva do negócio registado. Em segundo lugar, deve
haver um ato de disposição do direito a que se reporta o facto registado. O titular inscrito
praticou um ato de disposição está ferido de ilegitimidade, causando, deste modo, a
nulidade do negócio jurídico celebrado e, com isso, a não produção de eficácia real no
plano substantivo. Em terceiro lugar, o terceiro recebe proteção em caso de boa fé. O
n.º3 do preceito clarifica que apenas está de boa fé o terceiro que desconhecia sem culpa
o vício do negócio inválido. É a conceção subjetiva ética de boa fé. Em quarto lugar, só
o adquirente em negócio jurídico oneroso vem a ser protegido pelo artigo 291.º, n.º1 CC.
Em quinto lugar, o terceiro tem de registar a sua aquisição antes do registo da ação de
declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico. A proteção registal só é
conferida quando o terceiro inscreve o seu facto aquisitivo antes do registo de reação
judicial à celebração do negócio jurídico inválido. O artigo 291.º CC consagra um sexto
requisito de proteção do terceiro. De acordo com o n.º2 do artigo 291.º CC, os direitos
de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro dos
três anos posteriores à conclusão do negócio. Quer dizer, se a ação de declaração de
nulidade ou de anulação do negócio jurídico inválido for proposta e registada nos três
anos subsequentes à sua celebração, os efeitos da invalidade produzem-se, arrastando
consigo a nulidade dos negócios jurídicos subsequentes. O artigo 291.º CC consagra,
assim, um período de tempo, três anos, durante os quais os efeitos da invalidade negocial
prevalecem mesmo contra o terceiro de boa fé que adquiriu onerosamente a sua posição.
O prazo dos três anos conta-se da data da celebração do primeiro negócio inválido,
aquele justamente que afeta a legitimidade negocial dos sucessivos disponentes.
Decorridos os três anos a que faz menção o artigo 291.º, nº.2 CC, o terceiro que reúna
cumulativamente os restantes requisitos fica protegido contra o titular do direito real na
ordem substantiva. Isto quer dizer que adquire tabularmente o direito real a que se
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reporta o seu registo. O artigo 291.º CC constitui um dos casos de efeito atributivo do
registo predial na ordem jurídica portuguesa.
Mas, Menezes Leitão, afastando-se da opinião de José Alberto Vieira, refere que este
caso (do artigo 291.º CC) não se refere à invalidade registal e, sim, antes, à invalidade
substantiva. Nesta situação, está antes em causa um conflito entre o transmitente no
primeiro negócio inválido e um subadquirente num segundo contrato, que vem a ser
afetado em consequência da invalidade do primeiro contrato. É, no entanto, estranho
que o terceiro seja neste caso menos protegido do que nos casos de invalidade registal,
uma vez que os seus direitos podem ser afetados se a ação de invalidade for proposta e
registada no prazo de três anos após a celebração do negócio inválido.
i. Oliveira Ascensão: procura resolver a questão aplicando analogicamente, por
maioria de razão, o artigo 291.º, n.º2 CC a casos de invalidade registal, exigindo,
assim, igualmente um prazo de três anos neste último caso, sustentando, ainda,
que o artigo 291.º CC tem como requisito implícito a prévia existência de um
registo desconforme;
ii. Menezes Cordeiro e Carvalho Fernandes: entendem que a explicação do
prazo de três anos reside no facto de o artigo 291.º CC não exigir a prévia
existência de um registo desconforme, pelo que merece menos proteção a
confiança do terceiro em relação à regularidade da sua aquisição. Neste
entendimento, o artigo 291.º CC não se aplicaria aos casos em que já existe um
registo desconforme a favor do adquirente no negócio inválido, valendo antes
nessa situação o regime previsto no artigo 17.º, n.º2 CRPr;
iii. Saraiva Matias: vem sustentar que o artigo 17.º, n.º2 CRPr apenas se pode
aplicar quando se verifique e seja declarada a nulidade do registo ao abrigo do
artigo 16.º CRPr. Assim, sempre que não haja registo ou este esteja válido seria
antes aplicável o artigo 291.º CC;
iv. Menezes Leitão: segue Menezes Cordeiro e refere que, efetivamente, não se
justifica aplicar o artigo 291.º CC sempre que se verifique a prévia existência de
um registo desconforme, caso em que a situação jurídica do terceiro merece a
proteção antes do prazo de três anos. Todos os casos de existência de um
prévio registo desconforme deverão ser antes regulados pelo artigo 17.º, n.º2
CRPr.
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Em síntese, os requisitos de aplicação do artigo 291.º CC são:
Situação registal desconforme com a realidade substantiva; (só para JAV)
Invalidade substantiva do negócio jurídico de transmissão ou constituição do direito real; (só
para ML e MC)
Ato de disposição do direito a que se reporta o facto registado;
Boa fé subjetiva ética do terceiro adquirente (n.º3 do artigo 291.º CC);
Onerosidade do negócio jurídico de aquisição do direito real;
Ato de registo da aquisição por parte do terceiro antes do registo da ação de
declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico.
Não instauração por parte do titular do direito de uma ação de declaração de
nulidade ou de anulação do negócio jurídico num prazo de 3 anos.
d. A aquisição tabular no artigo 122.º CRPr: se há uma desconformidade registal com a
ordem substantiva, que venha a gerar, não a nulidade do registo, mas um registo inexato
nos termos do artigo 18.º, n.º1 CRPr, e o titular inscrito dispõe do direito a favor de um
terceiro de boa fé, este pode ficar protegido nos termos do artigo 122.º CRPr, de modo
inteiramente coincidente com o que sucede na hipótese do artigo 17.º, n.º2 CRPr.
A posição do titular do direito real preterido pela aquisição tabular do terceiro: o
efeito atributivo do registo predial dá-se sempre contra alguém, em última análise, contra o proprietário
do prédio. Tem sido objeto de bastante controvérsia na nossa doutrina em que situação fica o titular do
direito real preterido em virtude da aquisição tabular de terceiro:
1. Oliveira Ascensão: a aquisição tabular funciona como facto resolutivo em relação à primeira
aquisição, extinguindo consequentemente o respetivo direito;
2. Menezes Cordeiro: não se verifica a extinção do direito, mas, antes, uma mera inoponibilidade,
uma vez que quem registou previamente beneficia de uma presunção iuris et de iure de titularidade
do direito, enquanto subsistirem as condições de que ela depende. Em consequência, o
proprietário poderia recuperar outra vez a coisa em caso de devolução, renúncia do terceiro ou
transmissão para adquirente de má fé.
3. Carvalho Fernandes: as hipóteses de revivescência apresentadas por Menezes Cordeiro podem
ser julgadas de difícil verificação, mas não são inadmissíveis e devem ser ponderadas. Nesse caso
existiria, porém, um ato jurídico praticado pelo adquirente com base no registo que funcionaria
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como facto impeditivo pleno da verificação da presunção iuris et de iure, e que permitiria a
recuperação do direito, mas apenas após a verificação desse ato.
4. Menezes Leitão: a tese da sobrevivência do direito real preterido não lhe parece, no entanto,
aceitável. A aquisição tabular atribui o direito real em termos definitivos ao adquirente com base
no registo, sendo em consequência extinto o direito real anterior, por ser com ele incompatível.
Mesmo que o adquirente com base no registo optasse por devolver a coisa ao adquirente
substantivo, haveria aí um novo facto aquisitivo do direito, que não elidiria a extinção anterior.
Rejeitando, por isso, qualquer hipótese de permanência do direito anterior.
5. José Alberto Vieira: a aquisição tabular pode afetar igualmente outros direitos menores, mas
repercute-se sempre na propriedade. Na hipótese de incidir em direitos reais menores, a
propriedade fica onerada com o direito real menor adquirido tabularmente. Não há qualquer
extinção aqui a considerar. Menezes Cordeiro desenvolveu a teoria dos direitos reais naturais,
direitos com natureza real que, em determinadas circunstâncias, ficariam sem oponibilidade
(aquisição por contrato de jogo ou aposta, usucapião e aquisição tabular). O direito de
propriedade afetado pelo efeito atributivo do registo predial e, assim, adquirindo por um terceiro
não se extingue, ficando, no entanto, numa situação de oponibilidade em sentido próprio. No
caso de o terceiro adquirente devolver a coisa, renunciar ao seu direito ou transmiti-lo a terceiro
de má fé, o direito do proprietário afetado pelo efeito atributivo do registo predial retomaria a
sua oponibilidade normal. Ora, uma teoria de direitos reais naturais, em paralelo com obrigações
naturais, é sedutora, porém, uma tal teoria não se harmoniza com alguns dos princípios de
Direitos Reais, em particular, com os princípios da inerência e de tipicidade, já para não falar no
princípio da oponibilidade absoluta. Desde logo, com o princípio da inerência; os direitos reais
são direitos inerentes a uma coisa. Se a coisa se encontra atribuída ao adquirente tabular em
termos de propriedade como explicar a inerência da propriedade inoponível? Parece que esta
inerência não se pode afirmar relativamente ao direito do proprietário atingido pela aquisição
tabular de terceiro. Por outro lado, tratando-se de um direito real de gozo, não é só
aoponibilidade que fica suspensa, é todo o aproveitamento da coisa, o uso, a fruição e a
disposição. Quer dizer, para além de uma propriedade sem reivindicação (artigo 1311.º CC),
teríamos de reconhecer uma propriedade sem conteúdo, ou seja, uma propriedade atípica, custa,
ainda, perceber como sendo a propriedade um direito exclusivo se podem articular duas
propriedades singulares (ou duas compropriedades com diferentes comproprietários) sobre a
mesma coisa, tendo em conta que, com esta teoria, coexistem simultaneamente duas
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propriedades incompatíveis. O requisito da boa fé é exigido nas várias hipóteses de efeito
atributivo do registo predial, mas fora delas não parece ter qualquer projeção substantiva,
nomeadamemnte, tornar a propriedade vulnerável à reivindicação do titular da propriedade
natural. Num contexto de tantas dificuldades, parece-nos muito complicado admitir a teoria dos
direitos reais naturais para explicar que o direito de propriedade afetado pela aquisição tabular
de terceiro não se extingue, mas permanece meramente inoponível. Pelo contrário, parece-nos
crucial admitir que a proteção do terceiro de boa fé pela aquisição tabular se faz com o sacrifício
da posição do anterior proprietário, cujo direito se extingue. O efeito atributivo do registo predial
é o resultado de uma valoração favorável à prevalência da situação registal sobre a situação
substantiva e a extinção da propriedade, quando este for o direito conflituante com a posição do
terceiro, é apenas a consequência dessa valoração. Esta solução, a extinção do direito real é
incompatível, aplica-se a todos os casos em que o direito adquirido tabularmente e o direito
sacrificado tenham a mesma natureza.
Usucapião e efeito atributivo do registo predial: o artigo 5.º, n.º2, alínea a) CRPr permite
consierar como meramente enunciativo o registo da usucapião de direitos reais de gozo. Aquele que tem
a usucapião a se favor pode impedir o efeito atributivo do registo predial, pois, a usucapião não é afetada
pelas vicissitudes registais, valendo por si, mesmo contra o registo da aquisição. Dito por outras palavras,
o terceiro que beneficia de aquisição tabular não pode fazrr valer a proteção registal contra o titular do
direito real adquirido por usucapião. A usucapião que impede o efeito atributivo do registo predial é a
que resulta do regime geral previsto nos artigos 1287.º e seguintes CC. Portanto, a usucapião interfere
com a proteção registal do terceiro de boa fé, impondo-se a ela. Aquele que beneficie da usucapião,
mesmo que não tenha registo deste facto, fica a coberto do efeito atributivo do registo predial. Desta
forma, o terceiro de boa fé que esteja nas condições previstas em qualquer dos preceitos que funda o
efeito atributivo do registo predial nada poderá fazer contra o titular do direito real na ordem substantiva
se o facto aquisitivo do direito deste for a usucapião. Esta prevalece sobre a fé pública registal. A este
propósito fala Oliveira Ascensão impressivamente da usucapião como a ultima rario do sistema de
Direitos Reais.
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IV – O conteúdo dos direitos reais
A – O conteúdo positivo dos direitos reais
O aproveitamento da coisa como escopo do direito real: o direito real tem uma coisa
corpórea por objeto. O escopo legal deste direito está em providenciar ao titular o aproveitamento dela.
Naturalmente, o aproveitamento da coisa varia em função do conteúdo facultado pelo direito real em
causa. Todas as utilidades de que uma coisa é suscetível podem ser afetadas ao conteúdo do direito real,
deixando para o seu titular o aproveitamento respetivo. Porém, quando a ordem jurídica implementa um
princípio de numerus clausus limita, à partida, o aproveitamento da coisa aos tipos legais previamente
definidos, não reconhecendo nenhum outro aproveitamento da coisa aos tipos legais previamente
definidos, não reconhecendo nenhum outro aproveitamento, pelo menos, sujeito à disciplina de Direitos
Reais. Estes direitos reais consagrados pela tipicidade do sistema podem, por sua vez, ser agrupados em
categorias em atenção ao escopo de aproveitamento que atribuem ao titular.
Direitos reais de gozo, de garantia e de aquisição: a classificação mais importante é, assim,
a que distingue entre:
1. Direitos reais de gozo: são aqueles em que são atribuídos ao seu titular as faculdades de uso ou
fruição ou disposição de uma coisa corpórea.
2. Direitos reais de garantia: são aqueles em que é conferida a um credor uma preferência no
pagamento pelo valor de certa coisa, podendo assim esse credor ser pago à frente dos outros
credores, evitando os riscos de o património do devedor não chegar para a liquidação de todos
os créditos.
3. Direitos reais de aquisição: são aqueles em que é conferida ao seu titular a possibilidade de
pelo ser exercício vir a adquirir um direito real sobre determinada coisa.
Tem sido, porém, controvertida a inserção dos direitos reais de garantia e de aquisição no âmbito da
disciplina.
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1. José Tavares: recusou que as garantias reais pudessem qualificar-se como direitos reais em
sentido próprio, uma vez que constituiriam meros acessórios de direitos de crédito. Sendo que
parte da doutrina rejeita, ainda, a qualificação como direitos reais dos chamados direitos reais de
aquisição, considerando que se trata antes de direitos de crédito oponíveis a terceiros.
2. Menezes Leitão: estes são verdadeiros direitos reais, uma vez que partilham da mesma eficácia
real que caracteriza dos direitos reais, ainda que sejam exercidos através de ações distintas.
O conteúdo do direito real: o aproveitamento da coisa pelo titular do direito real é definido pelo
conteúdo desse direito (ver página 11), que fixa o tipo legal do direito real. Ao conteúdo do direito real
pertencem todas as situações jurídicas ativas e passivas que o regime jurídico determina para ele. Alguns
autores falam em conteúdo positivo e conteúdo negativo, consoante se tem em conta as situações
jurídicas ativas ou as situações jurídicas passivas. Enquanto direito subjetivo, o direito real representa
uma situação jurídica complexa de sinal positivo.
O conteúdo de um direito é muitas vezes descrito como integrando vários direitos. Assim, o artigo 1305.º
CC preceitua que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição.
Todavia, o uso, a fruição e a disposição não são direitos, constituindo, antes, poderes e faculdade que
integram o direito de propriedade. O uso e a fruição que surgem no conteúdo dos direitos reais de gozo
constituem poderem em sentido técnico. A disposição, diferentemente, não possuindo a natureza de um
direito subjetivo, pode ser decomposta em várias situações jurídicas menores: na alienação ou oneração
do direito. Trata-se, assim, de uma faculdade: a faculdade de disposição.
A delimitação do direito faz-se através de regras jurídicas que impõem deveres e outras adstrições, ou
seja, que preveem situações jurídicas passivas no conteúdo do direito. O mesmo se passa com os direitos
reais. Por esta razão, o estudo do conteúdo do direito real se encontra vinculado. Dentro do conteúdo
do direito real, distinguimos o conteúdo típico injuntivo supletivo.
Conteúdo típico injuntivo: tem natureza imperativa; as regras jurídicas que o determinam não
podem ser afastadas pelos particulares através de cláusulas negociais, sob pena de violação do
princípio da tipicidade. O desenho legal do tipo de direito real não está na disponibilidade das
partes.
Conteúdo típico supletivo: o regime jurídico da maioria dos direitos reais deixa alguma margem
de conformação do conteúdo do direito real na disponibilidade dos particulares. São as partes
que determinam estes aspetos do conteúdo do direito real no exercício da sua autonomia privada.
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Chamamos a este conteúdo, conteúdo supletivo, porque as normas em causa têm natureza
supletiva e podem ser afastadas por convenção negocial.
Saber se uma parte do conteúdo do direito real tem natureza imperativa é um problema de interpretação
das fontes do Direito.
O conteúdo dos direitos reais de gozo (o gozo da coisa): como a própria definição sugere,
os direitos reais de gozo permitem o aproveitamento da coisa através do gozo. O gozo não aparece
descrito ou caracterizado em nenhum preceito normativo, porém, o desenvolvimento histórico deste
leva a considerar que o mesmo inclui o uso e a fruição da coisa:
Uso (ius utendi): significa o aproveitamento das utilidades da coisa com preservação da sua
substância;
Fruição (ius fruendi): refere-se ao poder de fazer seus os frutos naturais e civis produzidos pela
coisa.
Disposição (ius abutendi): compreende os poderes de alienar, deteriorar ou mesmo destruir a
coisa.
Dentro do gozo encontra-se, ainda, o poder de transformação que detém uma divergência doutrinária
quanto à sua inserção num dos poderes ou faculdades acima indicadas:
1. Menezes Leitão: este poder vem incluído na faculdade de disposição (este é o entendimento
tradicional);
2. José Alberto Vieira: supõe, no entanto, que não existe nenhuma razão para manter um
agrupamento de poderes tão diferentes. O poder de transformação é um poder material,
enquanto todos os outros poderes usualmente indicados como conteúdo da disposição (o poder
de alienar, o poder de onerar e o poder de renunciar) são poderes jurídicos. Por ser um poder
material, o poder de transformação, para ser exercido, requer a posse da coisa, ao contrário dos
poderes jurídicos de alienação, oneração e renúncia, que, como poderes jurídicos, são
inteiramente independentes da posse e não a pressupõem de todo. O poder de transformação
integra-se, assim, no gozo da coisa, juntamente com os poderes de uso e de fruição.
No seu conjunto, estes poderes constituem o núcleo do gozo da coisa que caracteriza a categoria dos
direitos reais de gozo. Porém, outros poderes devem ser igualmente considerados no âmbito do gozo da
coisa:
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O poder de reivindicação da coisa: que se exerce judicialmente por meio da ação respetiva
(artigos 1311.º e 1315.º CC).
O poder de excluir terceiros não autorizados do gozo da coisa.
Todos os direitos reais de gozo combinam em medida diversa os poderes de gozo. E, se é certo que a
propriedade compreende todos os poderes de gozo, na sua extensão máxima, os restantes direitos reais
de gozo ostentam uma particular combinação de poderes de gozo, cada um deles com o seu conteúdo
típico, que conforma o tipo legal respetivo e que o diferencia dos demais direitos reais de gozo.
O conteúdo dos direitos reais de garantia: os direitos reais de garantia são direitos
funcionalmente dirigidos a assegurar que, em caos de incumprimento do devedor, o credor que deles
beneficia pode ser pago através da coisa objeto do direito real de garantia e com prioridade relativamente
aos demais credores do devedor que não tenham melhor garantia sobre ela.
Guilherme Moreira ensinava que no direito real de garantia o objeto do direito real é o valor dela. O
objeto do direito real de garantia é a coisa (corpórea), mas este direito dá ao titular a possibilidade de
obter o pagamento do seu crédito sobre o devedor através dos créditos gerados por ela ou através do
produto – em dinheiro – da sua venda executiva. A afetação da coisa ao titular da garantia real coloca-o
numa posição preferencial, dando-lhe prioridade na satisfação do seu crédito sobre os credores comuns
do devedor e sobre os outros credores que não tenham sobre a coisa uma garantia real que deva
prevalecer. O conteúdo fundamental do direito real de garantia consiste na atribuição ao titular de uma
posição de supremacia quanto aos demais credores do autor do produto da venda da coisa.
Os direitos reais de garantia não têm poderes de gozo no seu conteúdo. Mesmo os direitos reais de
garantia que atribuem a posse da coisa ao credor garantido, como o penhor e o direito de retenção, não
conferem poderes de gozo ao seu titular. O artigo 671.º, alínea b) CC obriga mesmo o credor pignoratício
a não usar a coisa, exceto havendo consentimento do autor do penhor. O regime vale para o direito de
retenção (artigos 758.º e 759.º, n.º3 CC).
Com exceção da consignação de rendimentos, os direitos reais de garantia são de exercício judicial, tendo
este lugar no âmbito da ação executiva. Este regime resulta dos artigos 675.º CC, para o penhor, 697.º e
724.º CC, para a hipoteca, 753.º CC para os privilégios creditórios, 758.º e 759.º, n.º1 CC para o direito
de retenção. Portanto, o titular do direito real de garantia tem o poder jurídico ou de reter os rendimentos
da coisa dada em consignação (na consignação de rendimentos) ou de executar a coisa objeto da garantia
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(nos outros direitos reais de garantia). Em qualquer caso, o direito real de garantia, assegura sempre ao
titular a satisfação do seu crédito através da coisa com prioridade – preferência, nos termos da lei – sobre
os demais credores do autor da garantia que não tenham garantia real que prevaleça.
O conteúdo dos direitos reais de aquisição: o conteúdo do direito real de aquisição ainda é
mais simples que o conteúdo dos direitos reais de garantia, consistindo simplesmente no poder de fazer
valer contra quem quer que seja o direito à aquisição de um outro direito.
B – O conteúdo negativo dos direitos reais
Considerações gerais: apesar dos direitos reais serem situações jurídicas ativas, atribuindo o
aproveitamento de coisas corpóreas, ao seu conteúdo pertencem igualmente situações jurídicas passivas,
deveres, estados de sujeição, ónus e outras vinculações a que o titular do direito real se encontra adstrito.
As regras que impõem vinculações ao titular do direito real delimitam negativamente o conteúdo do
direito real. No seu conjunto, o aproveitamento da coisa facultado pelo direito real só é realmente obtido
quando se ponderam e outras situações jurídicas ativas.
Durante muito tempo, a propriedade foi vista como um direito absoluto, no sentido de não limitado,
apesar de serem patentes as restrições que a gravam, assim como aos demais direitos reais. Em Portugal,
esta visão teve possivelmente o seu expoente em Pires de Lima. A ideia de ilimitação da propriedade,
correspondendo ao estádio do individualismo liberal, deve considerar-se hoje ultrapassada. Para além de
limites exteriores, comuns aos direitos subjetivos, os direitos reais são delimitados negativamente por
normas jurídicas que impões deveres, sujeições e outras vinculações. Tais situações jurídicas passivas são
parte do conteúdo do direito real, não são limites exteriores a uma extensão tendencialmente ilimitada.
Conteúdo negativos dos direitos reais: sistematizando o que ficou dito, distinguimos:
Conteúdo negativo dos direitos reais: aludem às situações jurídicas passivas que integram o
conteúdo do direito real e o delimitam negativamente. Dentro deste conteúdo negativo podemos
ainda separar:
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o O conteúdo negativo geral: que respeita a todos os direitos reais ou a uma categoria deles,
que pode ser ainda ordenado em função da natureza do interesse primacial que a situação
jurídica passiva visa prosseguir:
Conteúdo negativo de Direito Privado: relações de vizinhança (artigos 1344.º e
seguintes CC);
Conteúdo negativo de Direito Público: expropriação (artigo 1308.º CC), requisição
(artigo 1309.º CC), confisco, servidões administrativas e ius aedificandi.
o O conteúdo negativo específico: respeita somente a cada um dos direitos reais existentes.
Para mais, vede a sebenta2 nas páginas 468-486.
Limites gerais: sendo exteriores ao conteúdo do direito, traçam a fronteira entre o exercício
permitido do direito real e aquele que contraria a ordem jurídica e, por isso, não é admitido.
V – A comunhão de direitos reais
A comunhão de direitos reais em Portugal: aparentemente, a lei portuguesa não contempla a
comunhão de direitos reais. O regime jurídico dos artigos 1403.º a 1413.º CC respeita à comunhão do
direito de propriedade, estando inserto na disciplina deste direito. O artigo 1404.º CC dispõe, todavia,
que as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer
outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles.
Esta aplicação é direta e não por analogia, o que quer dizer que o regime jurídico talhado para a
compropriedade é, afinal, o regime jurídico da comunhão de direitos patrimoniais e não apenas da
comunhão do direito de propriedade. A figura geral é, assim, a da comunhão e não a da compropriedade.
2 Mais uma vez, ela está nos locais habituais mas podem, também, ver o que Menezes Leitão escreve no seu manual em detalhe relativamente a
cada um destas limitações.
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No que toca especificamente a direitos reais, a compropriedade não constitui apenas a comunhão do
direito de propriedade, podendo haver comunhão em outros direitos reais, de gozo, de garantia e de
aquisição. O regime da compropriedade funciona como o paradigma da comunhão de direitos reais.
A constituição da comunhão de direitos reais: a comunhão pode resultar dos mesmos factos
jurídicos que desencadeiam a constituição dos vários direitos reais. Assim,
1. Negócio jurídico;
2. Facto jurídico não negocial: nas hipóteses de:
a. Usucapião;
b. Ocupação;
c. Achamento: é expressamente imposta a compropriedade no achamento de tesouros em
virtude da atribuição da atribuição de metade do achado ao proprietário da coisa (artigo
1325.º CC);
3. Sentença judicial;
4. Disposição da lei;
Naturalmente, a comunhão de direitos reais advém da existência do concurso de vários direitos reais da
mesma espécie sobre uma mesma coisa, pelo que o facto que constitui a comunhão deve determinar a
aquisição do direito real por uma pluralidade de pessoas.
O conteúdo do direito do comunheiro: cada comunheiro é titular de um direito independente
dos demais, com a particularidade deste direito partilhar o seu objeto outros direitos reais da mesma
espécie.
O conteúdo positivo do direito do comunheiro é o mesmo do direito singular que está em comunhão.
Não é senão este o significado que se retira do artigo 1403.º, n.º2, 1.ª parte CC e, sobretudo, do artigo
1405.º, n.º1, 1.ª parte CC. Portanto, o conteúdo do direito real do comunheiro corresponde ao
aproveitamento permitido pelo tipo legal de direito real que estiver em comunhão.
A comunhão traz, no entanto, especificidades ao conteúdo do direito real do comunheiro. A mais
significativa de todas elas é dada pela quantificação da posição do comunheiro numa porção ideal ou
abstrata da coisa comum: a quota.
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A quota não faz variar o conteúdo do direito do comunheiro, que é idêntico, mas diferencia a posição
dos comunheiros no exercício de alguns dos poderes e deveres que faziam parte dele, introduzindo uma
feição quantitativa que é desconhecida na conformação singular do tipo de direito real. Outras
especificidades do conteúdo surgem na veste de deveres, ou seja, no conteúdo negativo. Todos os
comunheiros que tenham direito ao uso da coisa, seja qual for o direito real de gozo considerado, sofrem
a incidência deste dever, que limita a extensão do gozo admitida pelo tipo de direito real em comunhão.
Deste modo, se se pode dizer que o conteúdo positivo do direito do comunheiro apresenta uma inteira
coincidência com a conformação singular do tipo de direito real, tal não é possível relativamente ao
conteúdo negativo. O regime jurídico da comunhão de direitos reais impõe aos comunheiros deveres
recíprocos de atuação, os quais, visando possibilitar o aproveitamento da coisa por todos, acabam por
delimitar negativamente a extensão desse aproveitamento.
1. Poderes dos comproprietários: os poderes atribuídos aos comproprietários compreendem:
a. O uso da coisa comum (artigo 1406.º CC): dispõe o artigo 1406.º, n.º1 CC que, na falta
de acordo sobre a utilização da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito
servir-se dela, atribuindo assim isoladamente a cada um deles a faculdade de uso da coisa
comum. Essa faculdade de uso é, no entanto, sujeita a dois limites:
i. Restrição funcional ao poder de uso da coisa: obriga a respeitar o fim a que a coisa se
destina, que tratando-se de uma restrição estranha na propriedade, que constitui
um direito de gozo pleno (artigo 1305.º CC), é compreensível em virtude da
necessidade de compatibilização do uso do comproprietário com o uso pelos
outros consortes.
ii. Restrição quantitativa do poder de uso da coisa: obriga a respeitar o poder que os outros
comproprietários igualmente têm de usar a coisa, o qual terá a dimensão que
corresponde à dimensão quantitativa da quota de cada um (artigo 1403.º, n.º2
CC).
O uso da coisa comum envolve naturalmente a posse sobre essa coisa, nos termos gerais
(artigo 1251.º CC). O artigo 1406.º, n.º1 CC vem, no entanto, esclarecer que o uso da
coisa comum por um dos proprietários não constitui posse exclusiva, nem posse de quota
superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título. Esta solução resulta do facto de,
ao usar a coisa, o comproprietário se limitar a exercer o direito que tem em comum com
os outros e, portanto, também em nome destes. Assim, a aquisição de uma posse que
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extravase dessa situação depende da inversão do título, só sendo adquirida em função do
facto que desencadeia essa inversão e não do mero uso da coisa comum.
b. A reivindicação da coisa comum (artigo 1405.º, n.º2 CC): outro poder de exercício
isolado pelos comproprietários é o de reivindicação da coisa comum. Efetivamente, o
artigo 1405.º, n.º2 CC, estabelece que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa
comum, sem que este seja lícito opor-lhe que esta não lhe pertence por inteiro. O
comproprietário pode assim solicitar o reconhecimento da compropriedade e a
consequente restituição da coisa, sempre que esta se encontre na posse ou detenção de
terceiro (artigo 1311.º CC).
c. A alienação da coisa (artigo 1408.º CC): nos termos do artigo 1408.º, n.º1 CC, o
comproprietário pode livremente dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte
dela, podendo livremente aliená-la ou onerá-la. A disposição da quota está sujeita à
mesma forma exigida para a alienação da coisa (artigo 1408.º, n.º3 CC). O
comproprietário não tem, no entanto, nenhum direito exclusivo sobre a coisa, ou mesmo
sobre parte especificada desta, pelo que não pode aliená-las nem onerá-las (artigo 1408.º,
n.º1, in fine CC). A disposição ou oneração de parte especificada da coisa comum sem
consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º2 CC), regime que se estende, por maioria de razão, a disposição ou
oneração de toda a coisa sem esse consentimento.
d. O direito de preferência (artigos 1409.º e seguintes CC): a lei atribui ainda a cada um dos
comproprietários direito de preferência na venda ou dação em cumprimento da quota
do seu consorte (artigo 1409.º, n.º1 CC), em ordem a evitar que terceiros estranhos se
imiscuam na titularidade do direito sobre a coisa. Trata-se de um direito de preferência
legal, com eficácia real, a que a lei atribui mesmo o primeiro lugar entre os preferentes
legais. Sendo dois ou mais os preferentes, o artigo 1409.º, n.º3 CC manda adjudicar a
quota a todos eles na proporção das suas quotas. Em caso de violação do direito de
preferência, estabelece o artigo 1410.º CC, o recurso à ação de preferência. O
comproprietário que preferiu tem o direito de fazer sua a quota alienada, desde que
interponha a competente ação judicial contra alienante e adquirente no prazo de seis
meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação
e deposite o preço devido nos quinze dias subsequentes à interposição da ação (artigo
1410.º, n.º1 CC). O direito de preferência e a respetiva ação não são prejudicados pela
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modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou
transação judicial (artigo 1410.º, n.º2 CC).
e. O poder de exigir a divisão (artigos 1412.º e seguintes CC): efetivamente, dispõe o artigo
1412.º, n.º2 CC que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão,
a menos que se tenha convencionado que a coisa deverá permanecer indivisa. Nesse caso,
o prazo fixado para a indivisão da coisa não deverá exceder cinco anos, sendo, no entanto,
lícito estipular a sua renovação, uma ou mais vezes, por nova convenção (artigo 1412.º,
n.º2 CC). A cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para
tal efeito se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a
registo (artigo 1412.º, n.º3 CC). Não tendo sido estipulada a indivisão, pode naturalmente
o comproprietário requerer a divisão da coisa (artigo 1412.º, n.º1 CC). É, no entanto,
manifesto que a divisão da coisa depende de a mesma poder ser fracionada sem alteração
da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destina (artigo
209.º CC). Também não poderá haver divisão se a lei o impedir, como sucede em relação
aos prédios rústicos, que não podem ser fracionados em parcelas da área inferior à
unidade de cultura (artigo 1376.º, n.º1 CC). Finalmente, a ação de divisão de coisa comum
não pode ser julgada procedente se não estiverem preenchidos os requisitos de natureza
administrativa exigidos para a divisão dos prédios, como a prévia concessão de alvará de
loteamento ou licença de destaque, nos termos dos artigos 74.º e seguintes RJUE.
2. Obrigações dos comproprietários: em relação às obrigações dos comproprietários, estabelece
o artigo 1405.º, n.º1 CC que estes participam nos encargos da coisa na proporção das suas quotas.
Mais especificamente, o artigo 1411.º, n.º1 CC estabelece que os comproprietários devem
contribuir, na proporção das respetivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou
fruição da coisa comum. A regra é assim a repartição dos encargos da coisa por todos os
condóminos em termos proporcionais às respetivas quotas. As partes poderão, no entanto,
acordar outro critério. A lei consagra a possibilidade de renúncia liberatória do comproprietário
à sua quota, em ordem a eximir-se do pagamento dos encargos. A renúncia não é, no entanto,
válida sem o consentimento dos restantes consortes, quanto a despesa tenha sido previamente
aprovada pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas previstas não venham a realizar-
se (artigo 1411.º, n.º2 CC). A renúncia do comproprietário está sujeita à forma prescrita para a
doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respetivas quotas (artigo 1411.º, n.º3
CC).
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A administração da coisa comum: a administração da coisa comum encontra-se prevista no
artigo 1407.º CC, abrangendo situações como os atos de fruição da coisa comum, a sua conservação ou
beneficiação e ainda os atos de alienação de frutos. Em relação ao regime da administração, o artigo
1407.º CC remete, com as necessárias adaptações, para os sistemas de administração da sociedade civil,
previstos no artigo 985.º CC, pelo que haverá que aplicar as respetivas regras. O artigo 985.º CC deixa à
disponibilidade das partes a estipulação da mobilidade de exercício da administração. Esse artigo
estabelece, no entanto, com caráter supletivo, o regime da administração disjuntiva, havendo referências
exemplificativas aos sistemas de administração conjunta e maioritária.
1. No sistema de administração disjuntiva (artigo 985.º CC): os poderes de administração
concentram-se integralmente em cada um dos comproprietários, podendo estes individualmente
praticar todos os atos de administração, sem necessidade do consentimento nem sujeição às
diretivas dos outros. A atividade dos comproprietários não fica, porém, isenta de controle, uma
vez que a lei atribui também a cada comproprietário o direito de oposição aos atos que os outros
pretendam realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição (artigo 985.º, n.º2 CC).
Neste caso, a maioria legal só é formada com metade do valor das quotas (artigo 1407.º, n.º1, in
fine C). Se, apesar da oposição, o comproprietário realizar o ato, o mesmo é anulável e torna o
seu autor responsável pelo prejuízo a que der causa (artigo 1407.º, n.º3 CC).
2. Nos sistemas de administração conjunta e maioritária: os comproprietários podem ainda
estabelecer nos termos do artigo 985.º, n.ºs3 e 4, estes sistemas.
a. No sistema de administração conjunta: a realização de atos de administração necessita
do consenso de todos os comproprietários;
b. No sistema de administração maioritária: exige-se apenas uma deliberação da maioria, a
qual, como se referiu, é formada com base no valor das quotas. A lei estabelece, no
entanto, que quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes
é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade (artigo 1407.º, n.º2
CC).
Em qualquer destes dois sistemas, os comproprietários isoladamente possuem, porém, competência para
praticar os atos urgentes, destinados a evitar um dano iminente que a coisa possa sofrer (artigo 985.º,
n.º5 CC).
A disposição da coisa comum: já os atos de disposição da coisa comum apenas podem ser
praticados com o consentimento de todos os comproprietários. Aqui se compreende a alienação ou
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oneração da coisa (artigo 1408.º, n.º2 CC), ou a sua transformação ou destruição (mas, neste dois, apenas
incluídos na disposição no entendimento de Menezes Leitão. A lei prevê expressamente que se o
comproprietário vier a alienar ou onerar parte especificada da coisa comum, sem consentimento dos
outros consortes, tal será considerado como alienação ou oneração de coisa alheia (artigo 1408.º, n.º2
CC). Esta disposição aplicar-se-á, por maioria de razão, aos casos em que o comproprietário resolva
alienar toda a coisa comum.
1. Vaz Serra, Ribeiro de Faria e Carvalho Fernandes: admitem para estes casos uma conversão
e redução simultânea do negócio, convertendo-se a venda da coisa comum na venda da quota
ideal e reduzindo-se o contrato à venda dessa quota parte.
2. Menezes Leitão: entende que, efetivamente, a manutenção do contrato com estas modificações
vai implicar uma alteração substancial da posição do adquirente, que o pretendia ser de um bem
integral, e é transformado em mero adquirente de uma quota indivisa, o que dificilmente
corresponderá à sua vontade, especialmente se ele ignorava o estado de indivisão. Parece-nos,
portanto, de aplicar integralmente o regime da venda de bens alheios (artigos 892.º e seguintes
CC), que implicará a nulidade integral do negócio (artigo 894.º CC), salvo se o vendedor vier a
adquirir as quotas dos restantes consortes (artigo 895.º CC). A aplicação do regime da venda de
bens alheios verifica-se apenas em relação às partes no negócio, sendo em relação aos outros
consortes considerado o negócio como ineficaz, a menos que deem o seu consentimento, pelo
que estas não carecem de solicitar a declaração de invalidade do negócio, podendo comportar-
se como se não tivesse sido celebrado.
A extinção da comunhão: verifica-se a extinção da compropriedade sempre que cessar a situação
de contitularidade do direito em relação à coisa. Essa cessação pode resultar ou da aquisição derivada ou
originária, por parte de um dos consorte ou de terceiro, da propriedade sobre toda a coisa, ou da divisão
da coisa em frações, com atribuição da propriedade exclusiva ou da propriedade horizontal sobre essas
frações e cada um dos consortes. Relativamente à aquisição da propriedade sobre toda a coisa, esta pode
resultar ou de negócio jurídico de aquisição da coisa, ou de usucapião da sua propriedade exclusiva, por
parte de um dos comproprietários ou de terceiro. A lei estabelece diversos mecanismos que facilitam a
aquisição da propriedade integral da coisa pelos outros comproprietários (artigos 1409.º e seguintes e
1411.º, n.º2 e 3). Em relação à usucapião da propriedade exclusiva por um dos comproprietários, esta
necessita da inversão prévia do título da posse, só começando o respetivo prazo a correr desde essa
inversão do título (artigo 1406.º, n.º2 CC). Relativamente à divisão da coisa, vimos já que esta constitui
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um direito atribuído aos comproprietários, se não for estipulada convenção de indivisão (artigo 1412.º,
n.º1 CC), a qual não pode, porém, exceder cinco anos (artigo 1412.º, n.º2 CC). A lei estabelece que
divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo (artigo 1413.º, n.º1 CC), o que implica a
sua admissibilidade por convenção ou por ação judicial. A convenção de divisão da coisa comum está
sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa (artigo 1413.º, n.º2 CC). Já a divisão por ação
judicial é realizada através do processo especial de divisão da coisa comum (artigo 925.º e seguintes CPC).
O regime é distinto, consoante a coisa seja considerada como divisível ou indivisível. No primeiro caso,
a divisão faz-se em substância, em termos proporcionais às respetivas quotas. No segundo caso, a coisa
deve ser objeto de adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor pelos consortes (artigo 925.º,
n.º1 CC). Sendo a coisa em questão um edifício, e desde que estejam preenchidos os requisitos do artigo
1415.º CC, pode a divisão operar-se através da constituição em propriedade horizontal, quer por via de
convenção, quer na ação de divisão da coisa comum (artigo 1417.º CC).
A quota do comunheiro: cada comunheiro tem uma posição quantitativamente determinada na
comunhão, a qual a lei associa certos efeitos. A posição quantitativa do comunheiro denomina-se quota.
As quotas dos comunheiros resultam do título constitutivo, porém, se este for omisso quanto a eles, a
lei presume de iuris et de irue que as quotas dos comunheiros são iguais (artigo 1403.º, n.º2, in fine CC). A
indicação do valor das quotas não tem de ser expressa, podendo resultar do contexto do negócio ou de
outras circunstâncias reveladas pelo título constitutivo. A quota do comunheiro não tem de permanecer
sempre a mesma. O título constitutivo fixa o seu valor no momento da constituição da comunhão, sem
que, porém, esse valor seja imutável. Com efeito, o valor da quota do comunheiro pode varias por força
da eficácia de factos supervenientes que tenham justamente o efeito de alterar o valor da quota.
Cada comunheiro pode dispor de toda ou parte da sua quota (artigo 1408.º, n.º1, 1.ª parte CC) e,
naturalmente, o adquirente pode ser outro comunheiro.
A usucapião é outro dos factos que pode alterar a quota inicial dos comunheiros. A posse da coisa nos
termos de uma quota de valor superior possibilita ao possuidor a usucapião do direito do comunheiro
preterido na posse.
Um outro facto que pode fazer variar posteriormente a quota do comunheiro é o que resulta daquilo
que no Direito Romano vinha designado por ius adcrescendi. O ius adcrescendi foi expressamente previsto
para a renúncia liberatória (artigo 1411.º, n.º3 CC), mas a regra vale igualmente para a renúncia abdicativa.
Se um comunheiro renuncia ao seu direito, este acresce aos outros na proporção das respetivas quotas.
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À quota estão associados efeitos importantes. A quota define:
A fruição do comunheiro, bem como o recebimento de outros créditos ou proveitos gerados
pela coisa (artigo 1405.º, n.º1 CC), se o direito real em comunhão atribuir o poder de fruição ou
de recebimento de créditos e outros proveitos;
O montante a pagar nas despesas com a coisa e nos encargos devidos por ela (artigo 1405.º, n.º1
CC);
O valor do voto do comunheiro nas deliberações sobre a administração da coisa comum (artigo
1407.º, n.º1 CC);
O direito de preferência do comunheiro no caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos
do direito de outro comunheiro (artigo 1409.º, n.º3 CC);
A proporção do acrescer, em caso de renúncia de um dos comunheiros ao seu direito (artigo
1411.º, n.º3 CC para a renúncia liberatória).
Natureza jurídica e construção dogmática da compropriedade: a natureza jurídica da
comunhão tem sido objeto de viva controvérsia e existem várias teorias que procuram defini-la:
1. Teoria da personalidade coletiva: uma posição que se pode dizer residual defende que na
comunhão existe uma pessoa coletiva. Essa pessoa coletiva seria a titular do direito real: os
comunheiros teriam apenas uma posição na pessoa coletiva.
2. Teoria da propriedade coletiva: fala-se, aqui, numa propriedade coletiva, diferente do modelo
de comunhão de tradição romana.
3. Teoria de um direito sobre uma quota ideal (Guilherme Moreira, Manuel Rodrigues e
Carlos Mota Pinto): cada comunheiro é titular de um direito próprio, que incide sobre a coisa
comum. Simplesmente, cada direito encontra-se limitado em extensão pela quota do comunheiro.
Ele acaba, afinal, por incidir sobre esta.
4. Teoria de um único direito com vários (con)titulares (Henrique Mesquita, Pires de Lima
e Antunes Varela, Rui Pinto Duarte, Santos Justo e Menezes Leitão): esta teoria tem uma
formulação simples: na comunhão existe um único direito com pluralidade de titulares. No que
toca especificamente à compropriedade, em vista da qual esta teoria surge desenvolvida, haveria
um direito de propriedade com a titularidade repartida pelos comproprietários.
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5. Teoria do concurso de vários direitos reais da mesma natureza (Luis Pinto Coelho,
Cunha Gonçalves, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, Rui Pinto
e José Alberto Vieira): a compropriedade representa um concurso de vários direitos de
propriedade (tantos quantos os participantes) sobre todos os bens, direitos que, justamente pela
concorrência, se limitam reciprocamente no seu exercício. Existem, assim, na comunhão tantos
direitos como os comunheiros. Estes direitos são independentes entre si e têm a natureza do
direito a que se referirem. Na compropriedade, cada comproprietário é titular de um autêntico
direito de propriedade, no co-usufruto, cada co-usufrutuário tem um direito de usufruto, e assim
sucessivamente. O objeto do direito do comunheiro é a coisa, a totalidade da coisa e não uma
porção ideal representada pela quota. Os direitos dos comunheiros têm a mesma coisa por objeto,
que é assim comum a todos eles. A incidência simultânea de vários direitos com a mesma
natureza sobre a coisa induz um concurso de direitos reais, que ficam, por conseguinte, limitados
na sua extensão.
Em síntese, e contrapondo as duas regências:
José Alberto Vieira Luis Menezes Leitão
Divisa na comunhão uma situação de
concurso entre direitos reais da mesma
natureza, portanto, uma situação em que
direitos reais iguais recaem simultaneamente
sobre uma mesma coisa. O objeto do direito
real em comunhão é a coisa, toda ela, e não a
quota. Esta serve o propósito de resolver o
conflito potencial entre os vários
comunheiros relativamente ao exercício de
poderes e deveres que assumam uma feição
quantitativa, sem que constitua o próprio
objeto do direito real ou defina uma porção
da coisa que fique afeta ao direito. De resto,
o artigo 1408.º, n.º1 C deixa claro que o
comunheiro não tem legitimidade para,
É manifesto que a lei não personifica a
compropriedade, pelo que não faz sentido a sua
qualificação como pessoa coletiva. Efetivamente,
na compropriedade nem sequer se verifica uma
autonomia patrimonial, que constitui o substrato
indispensável a qualquer personificação. Também
não parece adequada a conceção que vê a
compropriedade como um direito sobre quotas,
uma vez que os direitos reais incidem
necessariamente sobre coisas corpóreas. Esta tese
transformaria a compropriedade na titularidade
de um direito incorpóreo, o que não é
manifestamente compatível com a sua natureza.
Quanto à tese de que haveria uma pluralidade de
direitos sobre a mesma coisa, esta confunde as
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sozinho, dispor de parte especificada da
coisa, ainda que esta, em concreto, se
contenha dentro do valor da quota. Os
direitos dos comunheiros oneram-se
reciprocamente, limitando o exercício de
cada um deles no respeito pelo conteúdo de
aproveitamento dos outros.
situações de contitularidade de direitos com as do
concurso de direitos. Efetivamente, não faz
sentido considerar que o direito de propriedade,
enquanto direito pleno e exclusivo sobre a coisa
possa concorrer com direitos idênticos de outros
titulares. Para além disso, esta teoria não explica o
facto de a maior parte dos poderes atribuídos aos
consortes dever ser exercida conjuntamente, nem
o facto de o uso da coisa comum pelos
comproprietários não lhe atribuir posse exclusiva
nem posse de quota superior à dele, a menos que
seja invertido o título. Por essa razão, pensamos
que a tese do direito único com pluralidade de
titulares é a explicação mais adequada para a
natureza da compropriedade. Efetivamente, na
compropriedade o direito de propriedade
mantém-se com todas as suas características,
sendo apenas atribuído conjuntamente a
mais do que uma pessoa. Tal situação explica
o facto de em conjunto os comproprietários
poderem sempre exercer todos os poderes
relativos à coisa, bem como a circunstância
de a posição de cada comproprietário nesse
direito poder ser alienada ou onerada, ainda
que seja necessário atribuir preferência aos
outros titulares. Finalmente, é essa teoria que
explica o facto de uso da coisa comum pelo
comproprietário não lhe atribuir posse
exclusiva, nem superior à sua quota, uma vez
que ele se limita a exercer o direito comum.
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A contitularidade das águas: as águas podem pertencer em contitularidade a dois ou mais titulares,
ou ser aproveitadas por outros co-utentes além do seu titular, situação que a lei qualifica impropriamente
como condomínio das águas (artigos 1398.º e seguintes CC).
A existência de uma situação de condomínio das águas obriga, em primeiro lugar, todos os co-utentes, a
contribuir para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento delas, na proporção do seu uso,
podendo para esse fim executar-se as obras necessárias e fazer-se os trabalhos indispensáveis, quando se
reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal (artigo 1398.º, n.º1 CC).
Trata-se de uma obrigação propter rem, que recai não apenas sobre os comproprietários da água, antes de
efetuada a divisão desta, mas também sobre os co-utentes, que dela se aproveitem em virtude de um ato
de mera tolerância do proprietário do prédio superior. Nesta situação, não é admitida por parte dos co-
utentes a renúncia liberatória ao seu direito, em benefício de outros co-utentes, desde que haja oposição
destes (artigo 1398.º, n.º2 CC).
Uma vez que as águas dificilmente podem ser aproveitadas simultaneamente por vários comproprietários,
a existência de uma situação de contitularidade das águas vai normalmente implicar uma divisão dessas
águas, que permita o seu aproveitamento por todos. Nos termos do artigo 1399.º CC, sempre que essa
divisão deva realizar-se, ela deve ser efetuada, no silêncio do título, na proporção da superfície,
necessidades e natureza da cultura dos terrenos a regar, podendo repartir-se o caudal ou o tempo da sua
utilização, como mais convier ao seu bom aproveitamento.
A lei admite a relevância dos costumes na divisão das águas, estabelecendo que as águas fruídas em
comum que, por costume seguido já mais de vinte anos, estiverem divididas ou subordinadas a um
regime estável e normal de distribuição continuam a ser aproveitadas por essa forma, sem nova divisão
(artigo 1400.º, n.º1 CC). Nesse caso, a obrigatoriedade do costume impõe-se também ao co-utentes que
não sejam donos da água, sem prejuízo dos direitos do proprietário, que pode a todo o tempo desviá-la
ou reivindica-la, se estiver a ser aproveitada por quem não tem nem adquiriu direito a ela (artigo 1400.º,
n.º2 CC). O costume, desde que naturalmente vigore por mais e vinte anos, vale assim igualmente para
aqueles que se aproveitam da mera tolerância do titular das águas, sem prejuízo de uma eventual futura
reação deste, nos termos do artigo 1391.º CC
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VI – Os factos jurídicos com eficácia real
Factos jurídicos e eficácia real: no mundo do Direito os efeitos jurídicos são um produto de
factos jurídicos. Concretamente, os efeitos reais são o resultado de factos jurídicos com eficácia real, isto
é, de factos que constituem, transmitem, modificam e extinguem situações jurídicas ou produzem
qualquer outro efeito sobre estas. Os factos jurídicos com eficácia real são os chamado:
1. Factos jurídicos quoad efectum (quanto aos efeitos): o efeito real decorre do próprio facto.
2. Factos jurídicos quoad constitutionem (quanto à constituição): o caráter real advém da
tradição da coisa, que é requerida para a validade e eficácia do facto.
As situações jurídicas reais têm primariamente a natureza de direitos reais, todavia, outras situações
jurídicas menores com natureza real podem estar envolvidas na dinâmica propiciada pelos factos
jurídicos com eficácia real. Portanto, os factos jurídicos com eficácia real operam sobre as situações
jurídicas reais, provocando a sua constituição, transmissão, modificação ou extinção. As situações
jurídicas reais são em si uma realidade estática. Apenas os factos fazem desencadear os efeitos jurídicos.
Tipicidade e factos jurídicos com eficácia real: em cada um dos direitos reais de gozo e
numa boa parte dos direitos reais de garantia, o Código Civil contém uma disposição dedicada à
enumeração dos factos constitutivos do direito real em causa e, em quase todos eles, com exceção da
propriedade, também outra atinente aos factos extintivos.
A consagração de disposições legais dedicadas à previsão de factos constitutivos e extintivos de direitos
reais levanta a questão de saber se a eficácia real pode resultar de outros factos, para além, portanto, dos
enunciados em cada uma daquelas disposições.
O artigo 1306.º, n.º1 CC preceitua que não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao
direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito. Já vimos que aqui se prevê o princípio da
tipicidade em Direitos Reais.
Mas mencionando-se a constituição, com caráter real, alarga-se esta tipicidade aos factos com eficácia
constitutiva dos direitos reais?
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1. José Alberto Vieira: entende que não. A constituição mencionada no artigo 1306.º, n.º1 CC
refere-se a situações jurídicas reais, não a factos jurídicos com eficácia real. Trata-se somente de
restringir a criação de direitos reais, mas não os factos através dos quais se processa essa criação.
A possibilidade de um contrato atípico pode criar direitos reais, não obstante a ausência de
consagração legal, evidencia justamente que a lei portuguesa não cerceia a constituição de direitos
reais através de um numerus clausus de factos jurídicos com eficácia real. E se assim é, para os
factos constitutivos, é-o igualmente, por maioria de razão, para os factos jurídicos com eficácia
real, translativos, modificativos e extintivos. Também eles não estão abrangidos por qualquer
princípio de tipicidade.
A – Os factos jurídicos constitutivos de Direitos Reais
Considerações gerais: Existem apenas três factos jurídicos com eficácia constitutiva para todos os
direitos reais:
1. A lei: em abstrato, a lei pode desencadear a constituição de qualquer direito real. Em concreto,
a lei aparece mencionada expressamente como facto constitutivo:
a. Da hipoteca (artigos 704.º a 709.º CC): na hipoteca legal, o direito real hipoteca só se
constitui em concreto com o registo;
b. Dos privilégios creditórios (artigo 733.º e seguintes CC);
c. Do usufruto (artigo 1440.º CC); e
d. Das servidões legais (artigos 1550.º e seguintes CC): na servidão legal, as partes têm de
constituir voluntariamente a servidão, por via de negócio jurídico, ou o titular do direito
potestativo tem de recorrer a juízo para obter a condenação daquele que se encontra
sujeito à constituição dela, se este não colaborar voluntariamente.
2. A decisão judicial: a decisão judicial é outro facto constitutivo de direitos reais e, como tal, vem
indicada em vários preceitos normativos (artigos 658.º, 710.º, 1417.º, n.º1 e 1547.º, n.º2 CC). Não
havendo uma tipicidade de factos jurídicos com eficácia real, a decisão judicial pode funcionar
como facto constitutivo mesmo relativamente a direitos reais em que não surge prevista como
tal.
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3. O negócio jurídico: Como facto constitutivo de direitos reais, o negócio jurídico surge previsto
em numerosos preceitos, umas vezes em geral, outras atendendo a uma das suas espécies. o
negócio jurídico é o facto constitutivo de direitos reais com maior relevo, não obstante nem
todos os direitos reais poderem ser constituídos por negócio jurídico (os privilégios creditórios,
por exemplo).
Factos jurídicos com eficácia relativa a uma categoria de direitos reais. A
usucapião:
1. José Alberto Vieira entende que existe apenas um único facto constitutivo com eficácia relativa
a uma categoria de direitos reais: a usucapião.
2. Menezes Leitão: entende que a usucapião constitui uma forma voluntária de aquisição de certos
direitos reais que necessita de uma posse com certas características e mantida pelos prazos legais.
Outro facto que tem sido apresentado é a acessão.
1. José Alberto Vieira entende que a acessão tem uma eficácia limitada à constituição do direito
de propriedade, embora outros titulares de direitos reais de gozo possam igualmente beneficiar
dela. Como facto constitutivo geral de direitos reais de gozo, a usucapião pode ser ensinada neste
momento, justamente no contexto dos factos constitutivos de direitos reais.
2. Menezes Leitão: refere que a acessão é uma outra forma de aquisição dos direitos reais que não
é, no entanto, restrita à aquisição da propriedade, podendo pela mesma via serem adquiridos
outros direitos reais, como a lei expressamente refere a propósito do usufruto (artigo 1417.º, n.º2
CC) e da hipoteca (artigo 691.º, n.º1, alínea b) CC).
1 – A usucapião
Generalidades: existem factos jurídicos com eficácia potencial para todos os direitos reais ou, pelo
menos, para todas as categorias de direitos reais e factos jurídicos com eficácia restrita a uma categoria
de direitos reais. A usucapião surge como exemplo de um facto constitutivo que respeita unicamente aos
direitos reais de gozo.
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1. Doutrina tradicional: a doutrina portuguesa que intenta construir uma parte geral dos direitos
reais tem sistematizado este facto a propósito da constituição de direitos reais. A usucapião pode
ser regulada normativamente em mais do que um contexto, como um dos efeitos da posse, a
opção sistemática do legislador português, como um facto constitutivo de direitos reais.
2. José Alberto Vieira: não vê inconveniente que a usucapião seja tratada em sede dos factos
jurídicos com eficácia real constitutiva, como tem sido feito pela doutrina dominante. No entanto,
não se pode perder de vista que a eficácia real constitutiva da usucapião é diversa da lei, da decisão
judicial e do negócio jurídico, sendo mais restrita. Preferimos, por isso, abrir uma secção votada
ao tratamento da usucapião.
No Código Civil Português, como no italiano, a usucapião vem tratada como um efeito da posse. Tendo
em conta que o Código Civil não contém uma parte geral dos direitos reais, sequer dos direitos reais de
gozo, a colocação sistemática da usucapião não podia ser feita de outro modo senão no contexto da
posse.
A exigência de um justo título não é feita em lado nenhum do sistema normativo, podendo a usucapião
beneficiar quem simplesmente se apossa da coisa, sem título algum, ou alguém que inverte o título da
posse tendo uma simples detenção, e isto tanto para coisas móveis como para coisas imóveis.
A boa fé não é requisito para a usucapião, quedando-se a sua relevância pela incidência de um prazo
menor de posse necessária para que o possuidor possa usucapir. Também o possuidor de má fé pode
beneficiar da usucapião no Direito Português atual. A existência de título e a boa fé perderam, assim,
terreno na conformação do instituto da usucapião.
Por outro lado, o regime jurídico português continua a desconsiderar o aproveitamento utilitário da coisa
como requisito da usucapião. Não obstante da posição contrária de Oliveira Ascensão, o Direito
Português não faz qualquer alusão a uma posse efetiva como requisito da posse, bastando-se com o
mero controlo material da coisa (a posse) mantido pelo lapso de tempo fixado na lei.
Direitos reais de gozo usucapíveis: a usucapião só pode abranger coisas objeto de direitos
privadas, sejam elas móveis ou imóveis, sendo, no entanto, diferentes os prazos de usucapião nas duas
situações.
Em consequência, as coisas fora do comércio, como os bens integrantes do domínio público (artigo
202.º, n.º2 CC), estão naturalmente excluídas da usucapião.
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Já em relação aos bens do domínio privado do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, os mesmos
podem ser objeto de usucapião, mas, nos termos do artigo 1304.º CC, aos prazos legais acresce metade
dos mesmos para que a usucapião possa operar.
Por outro lado, o artigo 1287.º CC restringe a usucapião aos direitos reais de gozo, deles ainda excluindo
as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e habituação (artigo 1293.º CC). Em relação à
aquisição por usucapião das servidões prediais não aparentes, reitera o artigo 1548.º, n.º1 CC que as
servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, considerando como não aparentes
as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes. A razão para a não aquisição por
usucapião das servidões não aparentes resulta do facto de em relação às mesmas não ser fácil determinar
a existência de uma posse pública, por elas serem facilmente confundíveis com atos de tolerância do
proprietário serviente.
Em relação aos direitos de uso e habitação, a razão de estes não poderem ser adquiridos por usucapião
resulta da necessidade de restringir a sua constituição, em virtude da limitação dos seus conteúdos e do
facto de em termos práticos ser difícil a sua distinção do usufruto.
Nada obsta à aquisição por usucapião dos direitos nus. A nua propriedade pode ser adquirida pelo
possuidor formal que exerce uma posse nos termos de uma propriedade onerada por um usufruto ou
por uma superfície. Nesta situação, a posse do nu proprietário coexistirá com uma posse nos termos do
usufruto ou da superfície.
Porquanto a usucapião tem a extensão da posse exercida, apenas permitindo a aquisição do direito a que
ela se refere, a sua eficácia ocorre nos precisos termos da posse. Se esta se exterioriza como uma
propriedade onerada, o direito é usucapido nos termos da posse exercida.
Requisitos gerais da usucapião: o Direito português estabelece três requisitos gerais para a usucapião:
1. Uma boa posse para a usucapião: a posse boa para usucapião é uma posse que tem de revestir
determinadas características, nomeadamente, ser:
a. Pública: se a posse foi adquirida com violência, o prazo para a usucapião não começa a
contar enquanto ela não se tornar pacífica.
b. Pacífica: a posse oculta não conta para a usucapião, a não ser que se torne pública.
Isto retira-se diretamente do artigo 1297.º CC, no tocante às coisas imóveis, e do artigo 1300.º,
n.º1 CC, relativamente às coisas moveis. Ainda assim, a contagem do prazo para a usucapião só
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se inicia quando a posse se torna pacífica e pública, o que demonstra que antes disso a posse não
era boa para usucapião.
a. José Alberto Vieira: nenhum outro requisito se exige.
b. Menezes Leitão: para poder ocorrer a usucapião,
a. Exige-se a posse da coisa nos termos de um direito real de gozo (artigo 1287.º
CC), o que exclui da usucapião as situações de mera detenção. O artigo 290.º CC
refere expressamente que os detentores ou possuidores precários não podem
adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido
o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa
a correr desde a inversão do título.
b. Exige-se, assim, para a usucapião a inversão do título da posse, só se iniciando o
respetivo prazo a partir da inversão do título.
É usual afirmar-se que a posse deve ser contínua e ininterrupta. O Código Civil Português não
faz menção ao caráter contínuo da posse, mas menciona uma posse mantida por um certo lapso
de tempo, o que dá no mesmo. Há aqui um terceiro requisito da posse? Para além de pública e
pacífica, deve exigir-se que a posse seja contínua/ininterrupta?
a. José Alberto Vieira: sem dúvida, a posse só pode servir para usucapião se o possuidor
a manteve durante o prazo legal para o efeito. Mas não se trata de um requisito atinente
à posse e sim à sua duração. Portanto, não estamos perante um novo requisito da posse
boa para usucapião. A posse boa para usucapião é uma verdadeira posse. A detenção ou
posse precária não pode fundar a usucapião. O artigo 1290.º CC dispõe inequivocamente
neste sentido preceituando que apenas os detentores que hajam invertido o título da
posse, e sejam, por conseguinte, possuidores, podem beneficiar da usucapião, começando
a contar o prazo respetivo na data da inversão. Fica claro que só a verdadeira posse é
requisito da usucapião.
b. Menezes Leitão: não toma posição nem trata o tema.
2. O decurso do prazo legal de posse:
a. Duração na posse para a usucapião: a lei distingue:
i. O regime da usucapião de direitos sobre coisas imóveis: o critério principal leva
a classificar os possuidores em:
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1. Possuidores que tenham título aquisitivo da posse a que a posse se
reporta e o hajam registado: aplica-se o disposto no artigo 1294.º CC. No
entanto, este preceito estabelece dois prazos diferentes para a usucapião
de acordo com um ulterior critério:
a. A boa fé do possuidor (alínea a) do artigo 1294.º CC): o prazo
para a usucapião é de 10 anos, a contar da data do registo;
b. A má fé do possuidor (alínea b) do artigo 1294.º CC): o prazo
para a usucapião é de quinze anos 15 anos, a contar da data do
registo.
A existência de título não se confunde com título válido. Desde que o
registo tenha sido feito em conformidade com as disposições do Direito
Registal, existe título registado para efeitos do regime da usucapião, ainda
que o facto jurídico seja inválido, e o possuidor pode invocar a usucapião
nos termos do artigo 1294.º CC.
2. Possuidores que não tenham registo de título: aplica-se o disposto no
artigo 1296.º CC. Se o possuidor tiver título, mas sem registo do mesmo,
ou não tiver, pura e simplesmente, título algum, o prazo para a usucapião
é o constante do artigo 1296.º C. Também aí a lei insere um ulterior
critério:
a. A boa fé do possuidor: o prazo para a usucapião é de 15 anos;
b. A má fé do possuidor: o prazo para a usucapião é de 20 anos.
A lei portuguesa prevê um modo de o possuidor sem título ou sem título
registável poder obter um título judicial e registá-lo, beneficiando, assim,
da aplicação de prazos menores do que os constantes do artigo 1296.º
CC. Com efeito, o artigo 1295.º, n.º2 CC prevê que o possuidor possa
fazer declarar judicialmente que possui pública e pacificamente uma coisa
nos termos de um direito, desde que a posse tenha, pelo menos, 5 anos.
A decisão judicial pode, por sua vez, ser registada (registo da mera posse).
Com o registo da decisão judicial que declare a posse, o prazo para a
usucapião será de:
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ii. O regime da usucapião de direitos sobre coisas móveis: o critério principal
assenta, tendo igualmente como critério complementar a boa ou má fé do
possuidor, na distinção entre:
1. Coisas móveis sujeitas a registo: surge regulado no artigo 1298.º CC:
a. Se houver registo:
i. Se o possuidor estiver de boa fé (alínea a)): 2 anos;
ii. Se o possuidor estiver de má fé (alínea b)): 4 anos.
b. Se não houver registo: o título de aquisição para usucapir é
sempre de 10 anos, independentemente da boa ou má fé do
possuidor (alínea b) do artigo 1298.º CC).
2. Coisas móveis não sujeitas a registo: surge regulado no artigo 1299.º CC
apresenta ainda, para além da boa ou má fé do possuidor, a existência
de justo título.
a. Havendo boa fé do possuidor e justo título: o prazo de duração
da posse boa para a usucapião é de 3 anos;
b. Não havendo título, independentemente da boa ou má fé do
possuidor: o prazo para a usucapião é de 6 anos.
O artigo 1300.º, n.º2 CC consagra um prazo excecional para a usucapião de
coisas móveis. Quando a posse da coisa móvel houver sido adquirida às ocultas
ou com violência e o adquirente da posse tiver transmitido esta a terceiro de
boa fé, o prazo para a usucapião será de 4 ou 7 anos consoante a posse deste
último seja titulada ou não titulada.
b. Suspensão e interrupção da contagem do prazo de posse para usucapião:
i. Interrupção: o artigo 1292.º CC determina a aplicação à usucapião do regime
legal previsto para a interrupção da prescrição, ou seja, dos artigos 323.º a 327.º
CC. A interrupção do prazo da usucapião determina a inutilização de todo o
tempo de posse decorrido até aí e o recomeço da contagem do prazo a partir do
ato interruptivo (artigo 326.º, n.º1 CC), exceto nos casos em que a interrupção
ocorre por força de citação ou notificação no âmbito de um processo judicial ou
de compromisso arbitral, em que o novo prazo de usucapião só começa a contar
quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º,
n.º1 CC). São fatos interruptivos do prazo de posse para usucapião:
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1. A citação para ação ou a notificação judicial que exprima a vontade de exercício do
direito por parte do proprietário ou do titular do direito real de gozo afetado com a
posse (artigo 323.º, n.º1 CC);
2. O compromisso arbitral relativo ao direito real controvertido (artigo 324.º, n.º1 CC);
3. O reconhecimento do direito por parte do possuidor formal (artigo 325.º, n.º1 CC);
4. A nova posse de outrem contra a vontade do possuidor mantida por um prazo superior
a um ano sem que o possuidor esbulhado haja intentado durante um ano ação
possessória de restituição para reaver a coisa (é uma causa de interrupção específica da
usucapião).
ii. Suspensão: o prazo de posse para a usucapião pode ser suspenso, conforme
determina o artigo 1292.º CC. Os artigos 318.º a 322.º CC são, assim, aplicáveis
à usucapião com as necessárias adaptações. A suspensão, contrariamente à
interrupção, não inutiliza o prazo de posse para usucapião até à verificação do
facto suspensivo, apenas obstando a que aquele continue a correr. Menezes
Leitão acrescenta que entre as causas suspensivas relativas ao curso prazo da
usucapião temos:
1. As relações de casamento (artigo 318.º, alínea a) CC);
2. Poder paternal, tutela e curatela (artigo 318.º, alínea b) CC);
3. Administração de bens imposta por lei, determinação judicial ou de terceiro (artigo
318.º, alínea c) CC);
4. Administração de pessoa coletiva (artigo 318.º, alínea d) CC);
5. Contrato de trabalho doméstico (artigo 318.º, alínea e) CC).
Já não parece aplicável à usucapião o disposto no artigo 318.º, alínea f) CC,
exigindo-se a inversão do título da posse, nos termos gerais. Para além disso,
suspendem ainda a usucapião:
6. A prestação de serviço militar, em tempo de guerra ou mobilização, ou a adstrição às
forças militares (artigo 319.º CC);
7. O estado de menoridade, interdição ou inabilitação (artigo 320.º CC);
8. A ocorrência de força maior ou dolo por parte do obrigado nos últimos três meses do
prazo (artigo 321.º CC);
9. A indeterminação do titular da herança (artigo 322.º CC).
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3. A invocação da usucapião pelo possuidor: para que a usucapião adquira eficácia o possuidor
deve invoca-la, ou seja, manifestar a sua vontade em usucapir o direito a que se refere a sua posse.
Isto resulta diretamente do artigo 1292.º CC, que determina, por remissão, a aplicação do
disposto no artigo 303.º CC. Segundo o artigo 303.º CC, devidamente adaptado, a usucapião,
para ser eficaz, carece de ser invocada por aquele a quem aproveita, isto é, pelo possuidor. Se
este, passado o prazo legal, não invoca, a usucapião não produz qualquer efeito: não é, portanto,
automática. A invocação da usucapião pode ser feita judicial ou extrajudicialmente. A invocação
da usucapião, quando extrajudicial, faz-se mediante declaração, cuja finalidade é justamente o
efeito aquisitivo do direito a que se reporta a posse. Essa declaração é, quanto a nós, uma
verdadeira declaração negocial e não está sujeita a forma especial, valendo para ela a regra da
liberdade de forma (artigo 219.º CC). Deste modo, a invocação da usucapião pode ser expressa
ou tácita, nos termos gerais, valendo também neste domínio o princípio da equivalência das duas
formas de declaração que surge consagrado no artigo 217.º CC: A usucapião também pode ser
invocada pelos credores ou por outros terceiros com um interesse legítimo na sua declaração
(artigo 305.º ex vi artigo 1292.º CC), mesmo contra a vontade do usucapiente. A lei portuguesa
dispõe ainda que no caso de o possuidor haver renunciado à usucapião, o que só pode acontecer
depois de decorrido o prazo para ela (artigo 302.º, n.º1, ex vi artigo 1292.º CC), a invocação pelos
credores só é possível mediante a prova dos requisitos legais da impugnação pauliana. Porém,
Menezes Leitão refere que a usucapião deve ser invocada através de escritura de justificação
notarial, ou decisão proferida pelo Conservador no processo especial de justificação previsto nos
artigos 116.º e seguintes CRPr, sendo que, em caso de inexistência de litígio, não podem as partes
sequer substituí-la por ação judicial. Esta fica, assim, reservada para as hipóteses de existir litígio
em relação a essa situação (artigo 3.º, n.º1, alínea a) CRPr). A escritura de justificação notarial
não constitui um negócio jurídico, mas antes um quase negócio jurídico, uma vez que não cria o
direito nela declarado, traduzindo-se apenas numa declaração unilateral do justificante, que o
mesmo terá que comprovar, caso a mesma venha a ser impugnada. Por esse motivo, a escritura
de justificação notarial não está sujeita aos vícios e limites, que porventura afetassem ou
onerassem o direito anterior, dado que a usucapião constitui uma aquisição ex novo do direito.
O momento da eficácia da usucapião: invocada a usucapião, a eficácia aquisitiva, ou seja, a
constituição do direito real de gozo, não opera apenas para o futuro, retroagindo no passado. O artigo
1288.º CC fixa esse momento na data do início da posse. A aquisição do direito real de gozo por
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usucapião é sempre reportada ao início da posse (artigo 1288.º CC). O que naturalmente acarreta
implicações no plano jurídico, pois, após a usucapião, o usucapiente é considerado titular de um direito
real para um tempo em que, até à verificação desse facto não o era ou, melhor, poderia não o ser.
A eficácia da usucapião e o direito usucapido: o efeito primário da usucapião é aquisitivo.
O artigo 1287.º CC menciona explicitamente que a posse faculta ao possuidor, salvo disposição em
contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde essa atuação: o direito real de gozo a que
a sua posse se reporta e somente a este. O que se exprime pela máxima tradicional tantum praescriptum
quantom possessum.
Importa, no entanto, perguntar pela amplitude dessa aquisição quanto existem outros direitos reais
menores constituídos sobre a coisa possuída.
A resposta a tal pergunta supõe que se olhe para os termos em que a posse foi exercida pelo usucapiente.
Com efeito, esta posse pode ter sido exteriorizada de modo livre, isto é, exercida nos termos de um
direito real desonerado, ou pode ter sido manifestada com respeito por essas posses. Uma posse livre
permitirá ao possuidor usucapir o direito real de gozo sem o ónus representados pelos direitos reais
menores constituídos anteriormente.
Por conseguinte, todos os direitos reais menores que sejam incompatíveis com a posse do usucapiente
extinguem-se com a usucapião. Quer dizer, com a usucapião é obtida a libertação do prédio no tocante
aos direitos reais não respeitados pela posse do usucapiente (usucapio libertatis), independentemente de
estarem ou não quanto a eles preenchidos os requisitos do não uso. Esta solução, mesmo na ausência de
norma expressa, fundamenta-se ainda no artigo 1285.º CC.
Diferente é a solução no caso do usucapiente ter admitido a coexistência da sua posse com outras posses
exercidas com referência a outros direitos reais menores. Neste caso, a usucapião só se pode dar nos
limites da posse. Se esta foi exercida conjuntamente com outras posses, a usucapião não se dará contra
os titulares dos direitos que mantiveram uma posse simultânea com o usucapiente. Esses direitos
mantêm-se, não se extinguindo. Portanto, havendo direitos reais menores constituídos sobre a coisa, a
usucapião só determina a sua extinção (usucapio libertatis) caso a posse do usucapiente haja sido mantida
em oposição a eles, livre das posses respetivas.
Não obstante o regime legal da usucapião tratar esta como um facto aquisitivo de direitos reais de gozo
(artigos 1287.º, 1316.º, 1417.º, n.º1, 1440.º, 1528.º e 1547.º CC), a usucapião pode ter outra eficácia,
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nomeadamente, uma eficácia extintiva. Mas essa eficácia extintiva é ainda mais ampla. Na verdade, a
usucapião atua sempre contra o proprietário da coisa sobre a qual ocorre a aquisição do direito. Contudo,
o efeito da aquisição do direito real de gozo a favor do usucapiente não afeta sempre o proprietário da
coisa da mesma maneira.
Porém, nem sempre se verifica uma eficácia extintiva da usucapião juntamente com o efeito aquisitivo.
Quando o direito usucapido é um direito real menor, a usucapião não determina a extinção do direito de
propriedade existente, mas apenas a sua oneração.
Como se vê, embora o efeito primário da usucapião seja aquisitivo, pode haver outros efeitos associados
a ela, a extinção ou a oneração do direito de propriedade existente até aí. Para além das situações
anteriores, se a posse ad usucapionem é exercida sem respeito pelos direitos reais menores constituídos
sobre a coisa, estes extinguem-se.
O poder potestativo de usucapir: a usucapião é um facto aquisitivo automático que ocorre pela
simples manutenção de uma posse boa para esse efeito durante o lapso de tempo legal, pois, como
sabemos, o mero decurso do prazo não permite a aquisição do direito real de gozo a que a posse se
refere se o possuidor não invocar a usucapião a seu favor (artigo 303.º ex vi artigo 1292.º CC). Sendo
embora um facto aquisitivo de direitos reais de gozo, a usucapião resulta do exercício de um poder
potestativo atribuído ao possuidor: o poder a usucapir o direito real de gozo a que a sua posse se reporta.
Este poder potestativo é atribuído ao possuidor que tenha uma posse boa para usucapião e haja mantido
a mesma ininterruptamente durante o prazo legal estabelecido.
Usucapião pelo possuidor causal: o regime jurídico português da posse não conhece a distinção
entre posse causal e posse formal. Esta ausência de diferenciação reflete-se igualmente em matéria de
usucapião. Também o possuidor causal pode beneficiar da usucapião, cumulando, assim, dois títulos, o
primeiro, que atribui o direito real de gozo que torna a sua posse causal, e que pode ser qualquer facto
com eficácia real aquisitiva, e o segundo, a usucapião.
Mas, entenda-se, não se trata de atribuir duas vezes o direito à(s) mesma(s) pessoa(s), mas sim, em
primeiro lugar, de facultar ao titular do direito real de gozo a demonstração da titularidade do direito por
outro facto (a usucapião) que não aquele pelo qual originariamente o adquiriu.
Em segundo lugar, pode haver outra razão que suscite a necessidade de invocação da usucapião para
fazer prevalecer o direito real de gozo do usucapiente contra outra situação jurídica real que afete o seu
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direito (a usucapio contra tabulas: como a usucapião prevalece sobre a proteção registal do terceiro de boa
fé, o titular do direito real de gozo cujo direito vá ser preterido ou onerado por uma aquisição tabular de
terceiro pode invocar a usucapião para deter o efeito atributivo do registo).
Quer dizer, a usucapião desempenha uma função consolidativa de uma aquisição anterior, que impede a
perda do direito ou a sua oneração. Portanto, neste aspeto particular como nos outros, o possuidor
causal não está em pior posição que o possuidor formal. Também ele pode invocar a usucapião a ser
favor.
As funções da usucapião: a usucapião desempenha duas funções:
1. Função consolidativa da situação fática em que as coisas se encontram: sempre que o
possuidor usucapiente não é o titular do direito a que a posse se reporta, ou, simplesmente,
quando existe uma dissociação entre quem exterioriza o direito real de gozo e quem é o seu
titular, a usucapião permite que a situação de facto seja regularizada defronte da ordem jurídica
pela aquisição pelo possuidor (formal) do direito a que a sua posse se reporta. Com a usucapião
a situação de facto existente consolida-se com a situação jurídica respetiva e a posse passa a
coincidir com a titularidade do direito real de gozo, afinal aquilo que corresponde à normalidade
jurídica: o possuidor da coisa deve ser aquele que tem o direito real de gozo sobre ela.
Naturalmente, esta função consolidativa faz-se sempre, em última análise, à custa do proprietário.
A vantagem, porém, reside na manutenção do efeito presuntivo do direito que a lei associa à
posse (artigo 1268.º, n.º1 CC) e na publicidade do direito real associada a esta, que ficaria
comprometida de outro modo. A usucapião tem, pois, um papel regularizador na ordem jurídica,
evitando a multiplicação de atos de disposição feridos de ilegitimidade, cuja nulidade poderia ser
arguida a todo o tempo (artigo 286.º CC), com a forte insegurança jurídica daí decorrente. Este
papel regulador da usucapião, resultante da sua função consolidativa, confere-lhe uma eficácia
que se sobrepõe mesmo à proteção registal de terceiros de boa fé: é definitiva e prevalece mesmo
contra tabulas, quer dizer, contra quem quer que seja.
2. Função probatória: a usucapião pode ser invocada mesmo por um possuidor causal, isto é, por
alguém que já é titular do direito real por força de outro qualquer facto aquisitivo. Neste caso, a
usucapião tem uma função probatória, permitindo ao possuidor titular do direito real de gozo
provar este por um facto jurídico diverso daquele através do qual adquiriu.
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Natureza da usucapião:
1. Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Pires de Lima/Antunes Varela e Carvalho
Fernandes: a aquisição constitui um modo de aquisição originária de direitos reis de gozo. O
direito adquirido por usucapião consiste num direito novo, nada tendo a ver com as situações
jurídicas reais já constituídas sobre a coisa.
2. Ruggiero: nega esse efeito à usucapião, salientando aspetos do regime que tornam dúbia essa
colocação na classificação que divide os modos de aquisição em originária e derivada.
3. José Alberto Vieira: entende que, porém, pertinente parece ser a observação de que a usucapião
pode ser invocada mesmo por aquele que já adquiriu o direito por outro título válido, usando-a
na sua função probatória, para evitar a probatio diabolica, ou consolidativa, para evitar, por exemplo,
a aquisição tabular de terceiro de boa fé. Afigura-se evidente que a usucapião não tem, nestes
casos, o efeito de um facto constitutivo, o que implicaria uma aquisição dupla do mesmo direito
por quem já é seu titular, uma redundância lógica e substancial exprimida pela máxima neque enim
amplius quan semel res mea esse potest. Assim, a usucapião só pode ser realmente um facto aquisitivo
originário de direitos reais de gozo quando beneficia um possuidor formal, permitindo-lhe
justamente constituir a seu favor um direito que até aí não existia na ordem jurídica.
2 – A acessão
Generalidades: uma outra forma de aquisição dos direitos reais consiste na acessão, que nos termos
da lei é definida como a situação que ocorre quando a coisa é propriedade de alguém se une e incorpora
com uma coisa que não lhe pertencia (artigo 1325.º CC). Neste caso, perante a junção das duas coisas, a
lei determina a aquisição da propriedade sobe a coisa que resultou dessa junção apenas por um dos
proprietários, com a consequente perda da propriedade pelo outro. Ou seja, o artigo 1256.º, n.º1 dispõe
que aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode
juntar à sua a posse do antecessor. Na verdade, o artigo 1256.º CC alude ao adquirente da posse que a
recebeu por transmissão. Este preceito abrange, assim, os factos translativos da posse, ou seja, os modos
pelos quais a posse pode ser transmitida a terceiro. Ou seja, a tradição (artigo 1263.º, alínea b) CC) e o
constituto possessório (artigos 1263.º, alínea c) e 1264º CC).
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1. Manuel Rodrigues:: entende que é necessário a existência de um vínculo jurídico entre o novo
e o antigo possuidor, vínculo esse que poderia um negócio jurídico ou outro ato, como uma
execução ou uma expropriação, devendo o vínculo ser válido.
2. Pires de Lima e Antunes Varela: seguem o mesmo entendimento, acrescentando que apenas
se exigiria uma relação jurídica formalmente válida, restringindo a doutrina anteriormente ampla
de Manuel Rodrigues.
3. José Alberto Vieira: não há qualquer fundamento no Direito atual para defender tal posição.
Com efeito, o regime vigente da usucapião prescinde totalmente da existência de título (bem
como da boa fé). Também uma posse não titulada confere ao possuidor direito a usucapir (artigo
1296.º CC para os imóveis, e os artigos 1298.º alínea b), 1299.º e 1300.º, n.º2, in fine CC para os
móveis). O possuidor que, pura e simplesmente, se apossou da coisa (artigo 1263.º, alínea a) CC)
ou que inverteu o título da posse por oposição contra o anterior possuidor (artigo 1263.º, alínea
d) e 1265.º CC) pode, contando que a sua posse seja titulada e pacífica e haja decorrido o prazo
legal, invocar com sucesso a usucapião. Nestes casos, o possuidor não tem título algum, por não
beneficiar da celebração de um facto jurídico aquisitivo de um direito real de gozo, mas pode
usucapir, contando que os restantes requisitos legais estejam preenchidos. Por outro lado, o
Direito português ignora a distinção entre título válido e título inválido para efeitos da usucapião,
com exceção do vício de forma, que o artigo 1259.º, n.º1 CC dispõe, a contrario, dar origem a
uma posse sem título. O possuidor com título inválido pode usucapir e beneficia mesmo de
prazos mais favoráveis, no confronto com o possuidor sem título, para a usucapião de coisas
móveis (artigos 1298.º, alínea a), 1299.º e 1300.º, n.º2 CC) e de imóveis, contando que, neste
último caso, o título (mesmo inválido) haja sido registado (artigo 1294.º CC). Ora, se o instituto
da acessão visa facilitar o funcionamento da usucapião, tendo sido no seu contexto que
encontrou aplicação, não faz qualquer sentido exigir para ela mais requisitos do que aqueles que
se colocam à própria usucapião. O Direito Português abandonou a exigência de título e de boa
fé para efeitos de usucapião e permite que o possuidor formal beneficie desta. Nesta ordem de
ideias, o possuidor atual pode juntar a sua posse à posse do seu antecessor caso tenha adquirido
a posse deste por qualquer um dos modos de transmissão da posse que o Direito Português
reconhece (a tradição e o constituto possessório), independentemente da validade do título de
transmissão. O título pode mesmo faltar de todo, sem que a acessão da posse seja prejudicada.
Na verdade, é normal que esse título exista. O constituto possessório supõe a celebração de um
contrato com eficácia real, portanto, de um título de transmissão do direito a que a posse se
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refere. E também a tradição da coisa é feita habitualmente em execução de um negócio jurídico
ou de outro facto. Todavia, a inexistência de título não preclude a accessio possessiones. A acessão
da posse constitui um poder do possuidor cujo exercício é facultativo. Deste modo, é ao
possuidor que cabe a escolha da conveniência da junção da sua posse com a posse anterior. Essa
opção pode estar ligada aos prazos de usucapião nos termos do n.º2 do artigo 1256.º CC.
A posse que pode ser somada à posse atual é somente a posse do antecessor do possuidor atual ou
podem ser igualmente somadas as posses dos anteriores possuidores, contando que todas elas hajam
sido adquiridas por um dos factos translativos da posse (tradição e constituto possessório)?
1. José Alberto Vieira: o elemento literal do artigo 1256.º, n.º1 CC parece confinar a acessão de
posses à relação entre o possuidor atual e o possuidor do qual aquele recebeu a posse, de acordo,
aliás, com a evolução histórica do instituto. Não vemos, porém, qualquer razão substantiva para
que assim seja. Independentemente dos caracteres da posse, que podem efetivamente ser
diferentes de possuidor para possuidor, a posse sucessivamente transmitida por facto translativo,
tradição e constituto possessório, é a mesma posse. O transmissário da posse adquire a posse do
seu transmitente, embora decerto a incidência do título de transmissão e outros fatores (como o
conhecimento ou o dever de conhecer a violação de um direito alheio) possam modificar os
caracteres da posse de cada um. Se isto é assim, não se detetam razões para impedir que o
possuidor atual possa somar todo o tempo de posse dos seus antecessores, e não somente do
possuidor anterior, desde que a posse seja a mesma. Naturalmente, cabe ao possuidor decidir se
quer juntar ou não a sua posse. A acessão de posses com caracteres diversos está sujeita ao
disposto no n.º2 do artigo 1256.º CC. A acessão da posse está centrada na usucapião, permitindo
ao possuidor atual beneficiar do tempo de posse dos seus antecessores para o cômputo do prazo
de posse respetivo. Este instituto tem, porém, um limite natural de aplicação, que nunca vem
explicitado pela doutrina: a acessão não pode ocorrer mediante a junção da posse daquele contra
o qual a usucapião funciona. Assim, o possuidor atual apenas poderá recorrer à acessão da posse
do seu transmitente caso a usucapião não venha a funcionar contra ele. O n.º2 do artigo 1256.º
CC estabelece limites à acessão na posse:
2. Manuel Rodrigues: afirma que a acessão exige que haja duas posses contínuas e homogéneas.
3. Pires de Lima e Antunes Varela: falam que as duas posses devem ser consecutivas e
homogéneas. Por posses consecutivas entende-se aquelas que se desenrolam sem a intromissão
de uma posse de terceiro.
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José Alberto Vieira entende que o tempo de posse que se soma reporta-se à mesma posse, pelo que se
essa posse foi interrompida deixa de ser possível a acessão. Todavia, julgamos ser despiciendo falar-se
na continuidade ou consecutividade da posse, uma vez que a lei pressupõe uma transmissão da posse.
Também não nos parece que seja exato falar em homogeneidade da posse. O artigo 1256º., n.º2 CC
permite expressamente a soma de posses de diferente natureza, estabelecendo apenas que a soma só
pode ocorrer dentro dos limites daquela que tem menor âmbito. Posse de menor âmbito significa, em
primeiro lugar, posse relativa a um direito real menor.
A soma de duas (ou mais) posses pode envolver posses exercidas nos termos de direitos reais de gozo
diversos. Contudo, segundo o artigo 1256.º, n.º2 CC, a usucapião só pode ocorrer relativamente ao
direito real menor. Posse de menor âmbito é, em segundo lugar, uma posse que tenha piores caracteres.
A acessão da posse opera unicamente entre posses, embora estas possam referir-se a direitos reais de
gozo diversos. Não pode haver acessão entre posse e detenção. O detentor não pode, assim, juntar o
tempo de detenção com o tempo de posse para beneficiar da usucapião.
Distinção entre acessão e a realização de benfeitorias: embora tanto na acessão como nas
benfeitorias exista a atribuição de um incremento de valor patrimonial em bens alheios, as duas situações
constituem realidades diversas, ainda que a doutrina apresente critérios distintos para estabelecer essa
distinção:
1. Manuel Rodrigues : na acessão, há, como nas benfeitorias, a valorização do objeto possuído,
mas os atos de acessão distinguem-se daquelas, porque alteram a substância do objeto da posse,
porque inovam;
2. Pires de Lima e Antunes Varela: a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem
está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão
é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto
jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada à falta de um título que dê, de
per si, a origem e a disciplina da situação criada.
3. Vaz Serra: a distinção entre acessões e benfeitorias deve fundar-se na finalidade e no regime
jurídico de ambas as figuras: no caso de simples benfeitorias, atribui a lei ao autor delas um direito
de levantamento (ius tollendi) ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada
(artigo 1273.º CC), não, porém, um direito de propriedade sobre a coisa, pois a benfeitoria não
se destina senão a conservar ou melhorar a coisa; no caso de acessão, diversamente, não se trata
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apenas de conservar ou melhorar uma coisa de outrem, mas de construir uma coisa nova,
mediante alteração da substância daquele em que a obra, etc., é feita, atribuindo, assim, a lei, em
certas condições, ao autor da acessão a propriedade da coisa.
4. Menezes Cordeiro: a regra geral é a da acessão, sendo esta aplicável sempre que a coisa
incorporada não seja qualificável como benfeitoria, designadamente quando valha mais do que a
outra coisa, quando modifique o destino económico do conjunto, ou quando não conserve ou
melhore a coisa, nem sirva para recreio do benfeitorizante, antes correspondendo ao normal
exercício do direito acedido. Já as benfeitorias seriam aplicáveis quando a lei expressamente o
disser, como sucede nos artigos 1046.º, 1138.º e 1450.º CC. Já no caso melindroso da mera posse,
que tenderá a surgir em qualquer situação de acessão, a solução deverá ser ponderada em face de
cada caso concreto. com a prevenção de que se trata de harmonizar o inarmonizável, sugere três
critérios interpretativos:
a. A regra geral é a acessão;
b. A regra especial é a aplicação do regime das benfeitorias, quando a lei o determine;
c. Havendo mera posse, a solução deve ser ponderada à luz de cada caso concreto que
surja.
5. José Alberto Vieira: o regime das benfeitorias será aplicável sempre que a lei estabeleça essa
solução, como sucede nos casos já referidos, mas tal não deverá acontecer na posse, efetuando-
se assim uma restrição ao alcance literal dos artigos 1273.º e 1275.º CC. fora dos casos em que a
lei preveja a aplicação do regime das benfeitorias, toda a união ou mistura de coisas pertencentes
a proprietários diversos está sujeita ao regime da acessão, mesmo que o agente da incorporação
seja possuidor. O que leva realmente a uma restrição do alcance literal dos artigos 1273.º a 1275.º
CC, mas que salvaguarda um campo útil de aplicação ao regime da acessão, que de outro modo
ficaria confinado aos casos, muito raros, em que a união ou mistura se efetua por alguém que
não é possuidor.
6. Menezes Leitão: o regime das benfeitorias, independentemente de a lei para ele remeter, deve
ceder sempre que esteja em causa uma situação de acessão, podendo esta assim ocorrer nos casos
em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que esta exclua a aplicação do seu regime.
Tal não sucede, no entanto, se a lei se limitar a regular o regime das benfeitoras, correspondendo
estas apenas a despesas para conservar ou melhorar a coisa (artigo 216.º, n.º1 CC), havendo assim
apenas uma manutenção ou um desenvolvimento do seu valor económico, que gera apenas
obrigações de restituição das despesas ou um ius tollendi, não criando um conflito de direitos. Já
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na acessão, vai-se mais longe, efetuando-se uma incorporação de um valor económico novo
naquele bem, através da união com outra coisa ou da sua transformação por aplicação de trabalho,
o que gera um direito novo sobre a coisa, que entra em conflito com o do proprietário primitivo
Classificações de acessão: nos termos do artigo 1326.º CC, distingue-se a acessão entre:
1. Acessão natural: quando resulta exclusivamente das forças da natureza. A regra geral prevista
no artigo 1327.º CC é a de que pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito
da natureza, ocorrendo assim uma extensão automática do direito real em relação a tudo o que
acrescer à coisa em virtude de fenómenos naturais (artigo 1317.º, alínea d) CC). A lei regula,
porém, de forma especial a acessão natural em resultado da força das águas, distinguindo as
situações de:
a. Aluvião (artigo 1328.º CC): em que a água atua de forma sucessiva e impercetível:
estabelece-se a atribuição aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de
água de tudo o que por ação das águas se lhes unir ou nelas for depositado, sucessiva e
impercetivelmente (artigo 1328.º, n.º1 CC). A mesma situação ocorre em relação ao
terreno que insensivelmente se for deslocando por ação das águas, de uma das margens
para a outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem que o proprietário do
terreno perdido possa invocar direitos sobre ele (artigo 1328.º, n.º2 CC). A justificação
para este regime é o facto de ser inviável a identificação dos objetos ou porções de terreno
que foram transferidos pelo que se justifica atribuir logo a sua propriedade ao titular da
coisa principal.
b. Avulsão (artigo 1329.º CC): em que a força da água se manifesta de forma imediata e
violenta, contemplando os fenómenos de:
i. Mudança de leito da corrente (artigo 1330.º CC);
ii. Formação de ilhas ou mouchões (artigo 1331.º CC);
iii. Formação de lagos e lagoas (artigo 1332.º CC).
A lei estabelece, para a avulsão, que se, por ação natural e violenta, a corrente arrancar
quaisquer plantas ou levar qualquer objeto ou porção conhecida de terreno, e arrojar
coisas sobre prédio alheio, o dono delas tem o direito de exigir que lhe sejam entregues,
contanto que o faça dentro de 6 meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção
no prazo judicialmente assinado (artigo 1329.º, n.º1 CC). Neste caso, ainda se concede
ao dono dos objetos transferidos um prazo para reclamar a sua restituição, não se dando
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nesse caso a acessão. Decorrido, no entanto, esse prazo sem que a remoção seja feita, a
acessão ocorre nos mesmos termos da aluvião (artigo 1329.º, n.º2 CC). O regime da
aluvião e da avulsão é aplicável com as necessárias adaptações à formação de ilhas e
mouchões na corrente de água; estas pertencem ao dono da parte do leito ocupado
(artigo 1331.º, n.º1 CC). Se, porém, as ilhas ou mochões se formarem por avulsão, o
proprietário do terreno onde a diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção, nas
condições prescritas pelo artigo 1329.º CC (artigo 1331.º, n.º2 CC). Diferente é, porém,
a situação de houver mudança de leito da corrente. Dispõe o artigo 1300.º, n.º1 CC que
se a corrente mudar de direção, abandonando o leito antigo, os proprietários deste
conserva igualmente a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente. O mesmo
regime é aplicável no caso de a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o
eito antigo seja abandonado (artigo 1330.º, n.º2 CC). Apresenta, por fim, o artigo
1332.ºCC que as disposições anteriores relativas às correntes de água são aplicáveis aos
lagos e lagoas quando aí ocorrerem factos análogos.
Dentro da orientação seguida em matéria de acessão pelo Código Civil português, e que o artigo
1325.º CC ilustra, o artigo 1327.º CC apenas pode ser entendido como referência aos casos em
que, por um facto da natureza, uma coisa se vem juntar a outra. Parece, todavia, que não se
requer uma união ou mistura, bastando a mera junção ou contacto das duas (ou mais) coisas. Por
outro lado, o artigo 1327.º CC só se aplica a coisas nulius. O confronto com o regime da avulsão
(artigo 1329.º CC) evidencia bem que a aquisição da propriedade sobre a coisa acrescida supõe
que sobre ela não recaia um direito de propriedade de alguém.
2. Acessão industrial: quando resulta de ação humana, que pode consistir em juntar objetos
pertencentes a diferentes donos (união ou confusão) ou aplicar o trabalho próprio em matéria
pertencente a outrem (especificação). Acessão industrial é, ainda, e podendo, qualquer delas, ser
considerada de boa ou má fé, consoante a posição em que esteja o possuidor, distinguida entre:
a. Acessão industrial mobiliária: a acessão industrial mobiliária pode realizar-se por três vias:
i. A união: quando se verifica a junção de dois ou mais objetivos num novo, não
sendo possível a sua separação sem detrimento da coisa;
ii. A confusão: quando se dá uma reunião de objetos, os quais perdem por isso a sua
individualidade;
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iii. A especificação: quando alguém modifica com o seu trabalho alguma coisa que
pertence a outrem. Em relação a esta o artigo 1338.º CC exemplifica algumas
situações.
Esta acessão industrial mobiliária tem um pressuposto comum para se poder verificar,
que é o de não ser possível fazer reverter as coisas ao estado de separação ou à sua primitiva forma, ou,
sendo-o, tal implique a produção de prejuízo para uma das partes (artigos 1333.º, n.º1, 1334.º, n.º1,
1335.º, n.º1 e 1336.º, n.º1 CC). Sempre que for possível realizar, sem prejuízo, o regresso
das coisas à situação anterior, deixa de se verificar a acessão industrial mobiliária. A lei
trata conjuntamente a união e a confusão e trata a especificação autonomamente,
distinguindo-se consoante o seu autor estava de boa ou má fé:
i. Se a união ou confusão foram realizados voluntariamente, e ocorre boa fé do seu autor: faz seu
o objeto adjunto o dono daquele que for de maior valor, contanto que indemnize
o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente (artigo 1333.º, n.º1 CC). Se
ambas as coisas forem de igual valor e os donos não acordarem sobre a atribuição
da propriedade, abre-se licitação entre eles, sendo a coisa atribuída ao que maior
valor oferecer, cabendo ao outro a parte correspondente desse valor (artigo
1333.º, n.º2 CC). Em lugar da citação, as partes podem optar pela venda a terceiro,
cabendo a cada uma delas a sua parte no produto dessa venda (artigo 1333.º, n.º3
CC). O autor da confusão é, no entanto, obrigado a ficar com coisa adjunta, ainda
que seja de maior valor, se o dono dela preferir a indemnização (artigo 1333.º,
n.º4 CC).
ii. Se a união ou confusão forem realizadas voluntariamente e ocorrer má fé do seu ator: deve o
autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono,
quando este não prefira ficar com ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da
união ou confusão o valor que for calculado segundo as regras do enriquecimento
sem causa (artigo 1334.º, n.º5 CC).
iii. Se a união ou confusão se operar causalmente: as coisas ficam pertencentes ao dono da
coisa mais valiosa, que pagará o justo valor da outra. Se, porém, este não quiser
fazê-lo, assiste idêntico direito ao dono da coisa menos valiosa (artigo 1335.º,
n.º1 CC). Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, será esta vendida, e cada um
haverá a parte do preço que lhe pertencer (artigo 1335.º, n.º2 CC). Se ambas as
coisas forem de igual valor, realizar-se-á licitação ou a venda a terceiro, nos termo
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já expostos para a união ou confusão voluntárias ou de boa fé (artigo 1335.º, n.º3
e 1333.º, n.º3 e 4 CC).
iv. Se a especificação for realizada de boa fé: há que distinguir se:
1. O valor do trabalho realizado ultrapassa o da matéria utilizada: continua
a ser atribuída a propriedade da coisa móvel transformada ao autor da
especificação.
2. Ou se não o faz: tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa
(artigo 1336.º, n.º1 CC).
No entanto, em todas estas especificações, o que ficar com a coisa é obrigado a
indemnizar o outro do valor que lhe pertencer (artigo 1336.º, n.º2 CC)
v. Se a especificação for realizada de má fé: a coisa especificada será restituída a seu dono,
no estado em que se encontrar, com indemnização dos danos, sem que o dono
da coisa seja obrigado a indemnizar o especificador, se o valor da especificação
não tiver aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada. No caso
de ter ocorrido um aumento superior, o dono da coisa apenas tem que repor o
que exceder o referido terço (artigo 1337.º CC).
b. Acessão industrial imobiliária: na acessão industrial imobiliária, verifica-se a aquisição
da propriedade sobre coisas em virtude da realização de obras, sementeiras ou
plantações num imóvel, podendo essa aquisição ocorrer quer em relação ao imóvel,
quer em relação aos materiais, sementeiras ou plantas utilizados. o regime varia ainda
consoante o autor da incorporação esteja de boa ou má fé.
i. Em caso de realização de obra, sementeira ou plantação em terreno próprio com materiais,
sementes ou plantas alheias: a lei permite a aquisição pelo autor da incorporação dos
materiais, sementes ou plantas utilizados, desde que pague o respetivo valor, além
da indemnização a que haja lugar (artigo 1339.º CC).
ii. Caso sejam realizadas obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais,
sementes ou plantas próprias: haverá que distinguir se o autor da incorporação estava
de boa ou má fé. Nos termos do artigo 1340.º, n.º4 CC entende-se que houve
boa fé, se o autor desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a
incorporação pelo dono do terreno. De acordo com a configuração ética da boa
fé subjetiva, que temos sustentado, deve entender-se que não basta para existir
boa fé o simples desconhecimento da alienidade do terreno, devendo exigir-se
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ainda que esse desconhecimento não seja culposo. Já relativamente à autorização
para a incorporação, deve entender-se que a mesma tem que corresponder a uma
autorização pura e simples, já que se a mesma for concedida no quadro de
determinado negócio ou para um fim específico não se pode considerar existir
boa fé para efeitos de acessão.
1. Estando o autor da incorporação de boa fé:
a. Caso o valor que as obras, sementeiras ou plantações trouxeram
à totalidade do prédio seja maior do que o valor que este tinha
antes, o auto da incorporação adquire a propriedade dele,
pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras,
e plantações (artigo 1340.º, n.º1 CC).
b. Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo
dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no n.º2
do artigo 1333.º CC (artigo 1340.º, n.º2 CC).
c. Caso o valor acrescentado ser menor, as obras, sementeiras ou
plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de
indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da
incorporação (artigo 1340.º, n.º3 CC).
2. Estando o autor da incorporação de má fé: a ei atribui ao dono do terreno
o direito de exigir que a obra, sementeira ou plantação seja desfeita e que
o terreno seja restituído ao seu primitivo estado às custas do seu autor,
ou se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação
pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa
(artigo 1341.º CC).
iii. Caso sejam realizadas obrigas, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais,
sementes ou plantas alheias: a lei atribui antes ao dono dos materiais, sementes, ou
plantas os direitos que o artigo 1340.º CC reconhece ao autor da incorporação,
quer este esteja de boa, quer de má fé (arrigo 1342.º, n.º1 CC). Se, porém, o dono
dos materiais, sementes ou plantas tiver culpa, passa a ser sujeito ao mesmo
regime que o artigo 1341.º CC estabelece para o autor de incorporação de má fé.
Neste caso, se este estiver efetivamente de má fé, é solidária a responsabilidade
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de ambos, e a divisão do enriquecimento é feita em proporção do valor dos
materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra (artigo 1342.º, n.º2 CC).
iv. No caso de a construção de um edifício em terreno próprio determinar a ocupação, de boa fé, de
uma parcela de terreno alheio: o construtor pode adquirir a propriedade do terreno
ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem
oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo
causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno
restante (artigo 1343.º, n.º1 CC). O mesmo regime é aplicável em relação a
qualquer direito real de terceiro sobre o terreno ocupado (artigo 1343.º, n.º2 CC).
A lei estabelece, assim, três requisitos para o efeito:
1. A boa fé do autor da construção;
2. O decurso de três meses sem a oposição do proprietário do terreno
ocupado;
3. O pagamento de indemnização pelo valor do terreno e por outros
danos causados ao proprietário e aos outros titulares de direitos reais
(artigo 1343.º, n.º2 CC).
Este regime revela, na verdade, dois critérios distintos:
a. A união ou confusão de coisas móveis pode ser o resultado de uma ação humana dirigida
a ela ou não o ser: o primeiro critério leva, assim, a separar o âmbito de aplicação dos
artigos 1333.º e 1334.º CC relativamente ao artigo 1335.º CC:. Neste último caso, aplica-
se o artigo 1335.º CC. Este preceito é ainda aplicável quando o autor da união ou mistura
é um terceiro, o que não acontece em nenhuma das hipóteses de acessão previstas nos
artigos 1333.º e 1334.º CC;
b. Sendo a união ou confusão o produto de uma ação humana que a teve como propósito,
há que ajuizar se ela foi levada a cabo de boa ou de má fé pelo seu autor: este segundo
critério determina a aplicação do artigo 1333.º CC ou do artigo 1334.º CC.
Uma divergência encontra-se, ainda, na nossa doutrina:
Oliveira Ascensão fez notar que a acessão industrial tem natureza potestativa, ao contrário
da acessão natural, que é automática.
Menezes Cordeiro e Carvalho Fernandes: apoiaram a teoria, defendendo o caráter
automático da aquisição por acessão.
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Pires de Lima/Antunes Varela: tomaram a posição contrária.
José Alberto Vieira: A acessão é automática sempre que a mera união ou mistura provoque
a aquisição da propriedade pelo beneficiário da acessão. É o que sucede na acessão natural.
Na acessão industrial, diversamente, a união ou mistura constitui um pressuposto de facto
para a atribuição do direito de acessão a um dos titulares de direitos reais das coisas unidas
ou misturadas, não provocando, só por si, a aquisição da propriedade. A lei portuguesa
confere ao beneficiário da acessão um direito potestativo a ficar com a coisa adjunta. Se
quiser, tem de manifestar a vontade de beneficiar da acessão, exercendo o direito respetivo;
se não quiser, renuncia a este direito. O beneficiário da acessão, como titular do direito
respetivo, é o juiz do seu interesse. A lei portuguesa, em regra, não impõe a acessão ao
beneficiário. O regime jurídico da acessão industrial constrói-se na base de um direito
potestativo, justamente o direito de acessão. Todavia, esse direito não é exercido sem
contrapartida. Pelo contrário, a lei portuguesa prevê sempre uma indemnização ao
proprietário preterido pela acessão. E havendo outros titulares de direitos reais, a
indemnização deve reparar o prejuízo que também estes sofrem. A solução surge aflorada
no artigo 1343.º, n.º2 CC, que existam direitos reais menores constituídos sobre a coisa cujo
proprietário ficou preterido na acessão. O dever de indemnizar do beneficiário da acessão
vem reiteradamente estabelecido em todas as hipóteses de acessão industrial, mobiliária e
imobiliária (artigo 133.º, n.º1, 1334.º, n.º1 e 2, 1335.º, n.º1, 1339.º, 1340.º, n.º1 e 3, 1341.º,
1342.º, n.º1 e 2 e 1343.º, n.º1 e 2 CC). Deste modo, exercendo o direito de acessão, o titular
fica obrigado ao pagamento da indemnização legal e apenas com o pagamento dessa
indemnização se processa a aquisição a favor do titular do direito de acessão.
3. Intencional: quando a união ou mistura de coisas móveis pertencentes a donos diferentes seja
o resultado de uma ação humana a ela dirigida;
4. Causal: quando for o resultado fortuito de uma ação humana com outro fim.
Outras modalidades de acessão surgem referidas na doutrina. Assim, fala-se em:
5. Acessão vertical: para significar a aquisição de propriedade sobre obras construídas sobre o
solo; e
6. Acessão lateral: em hipóteses em que se procede à delimitação de imóveis objeto de factos
naturais.
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7. Acessão invertida: pretende-se significar a hipótese em que o direito à acessão é atribuído ao
construtor de obra em detrimento do proprietário do solo e do princípio superficies solo cedit.
Acessão e boa fé: o regime da acessão diverge consoante o autor da união ou mistura aja de boa ou
de má fé. A lei portuguesa apenas estabelece o que se deve entender por boa fé no contexto da acessão
industrial imobiliária, concretamente, no artigo 1340.º, n.º4 CC, onde entende-se que houve boa fé, se o
autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a
incorporação pelo dono do terreno.
Aparentemente, estaríamos defronte de uma conceção subjetiva psicológica de boa fé, corporizada na
ideia de ignorância que o terreno era alheio ou numa autorização do dono do terreno. Mas não é esse o
entendimento que a atual doutrina propugna. A conceção psicológica de boa fé não corresponde hoje
às exigências do tráfico jurídico. As pessoas não podem ficar à mercê da inércia e da ignorância dos
outros no conhecimento dos seus direitos, sujeitando-se aos desígnios da conduta daqueles que
justamente não revelam qualquer iniciativa para os respeitar. A boa fé subjetiva exprime um juízo
valorativo da ordem jurídica sobre a conduta do agente e não é compatível com o desleixo e incúria deste
no conhecimento das posições jurídicas dos outros. Por isso, o desconhecimento a que se alude no artigo
1340.º, n.º4 CC não é a simples ignorância do direito de alguém sobre uma coisa, é o desconhecimento
desculpável desse direito. No artigo 1340.º, n.º4 CC consagra-se uma conceção ética de boa fé no
domínio da acessão industrial. Esta conceção subjetiva ética vale tanto para a acessão industrial
imobiliária, como para a acessão industrial mobiliária.
Direitos à acessão e direitos reais menores: em todas as disposições do regime jurídico da
acessão, a lei menciona sempre que o beneficiário da acessão é um proprietário. No entanto, pode
acontecer que uma das coisas unidas ou misturadas seja objeto de um ou mais direitos reais menores.
Nesse caso, devemos perguntar se apenas o proprietário é titular do direito de acessão ou se um titular
de outro direito real de gozo pode igualmente beneficiar desse regime.
1. Menezes Cordeiro e Oliveira Ascensão: respondem afirmativamente. Sempre que a união ou
a mistura se dá no âmbito do conteúdo do direito real menor (de gozo), o titular deste direito
beneficia da acessão.
2. José Alberto Vieira: segue a resposta afirmativa propugnada pelos anteriores autores, já que, se
bem se atentar, a atribuição do direito de acessão ao titular de um direito real menor (de gozo) é
uma decorrência da oneração do direito de propriedade. O alargamento do direito de acessão
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aos titulares de direitos reais menores corresponde a uma visão integrada e dinâmica do sistema
normativo, que não admite apenas relações entre proprietários, postulando também a regulação
de situações em que estão presentes titulares de outros direitos reais. Que a acessão é suscetível
de contender com a posição de outros titulares de direitos reais, para além do proprietário, aflora
no artigo 1343.º, n.º2 CC. Não custa perceber que o problema pode igualmente existir em todas
as outras hipóteses de acessão industrial, quando a união ou mistura se processe entre coisas que
são objeto de outros direitos reais e não apenas da propriedade. A ausência de uma parte geral
dos Direitos Reais e a inserção da figura da acessão na regulação da propriedade não deve impedir
que se retirem, por via da interpretação, os vetores normativos subjacentes ao sistema.
O direito adquirido pela acessão é sempre a propriedade: admitindo-se que um titular de
direito real menor (de gozo) possa beneficiar da acessão, levanta-se o problema de saber qual o direito
que ele adquire por acessão.
1. Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes e Oliveira Ascensão: sustentando muito
veementemente e os dois seguintes, seguindo-o, por via da acessão se podem constituir outros
direitos reais, e não apenas a propriedade. Um primeiro argumento de ordem positiva extrai-se
do artigo 691.º CC. Como a alínea b) deste artigo dispõe que a hipoteca abrange as acessões
naturais.
a. Oliveira Ascensão: considera que a acessão industrial está excluída;
b. Menezes Cordeiro: sustentou diferentemente que o facto de as coisas móveis das alíneas
c) a e) do artigo 204.º CC poderem igualmente contemplar coisas adquiridas por acessão
demonstra que a hipoteca pode ser constituída por acessão. O artigo 1449.º CC parece
dar igualmente um contributo afirmativo a esta posição, pois decerto abarca no seu
sentido o acrescento por acessão à coisa usufruída.
2. José Alberto Vieira: defender que um titular de direito real menor (de gozo) possa beneficiar
da acessão não implica logicamente sustentar que o direito adquirido pelo beneficiário seja o
mesmo que lhe permitiu a acessão. Pelo contrário, pensamos que o direito real adquirido por via
da acessão é sempre o direito de propriedade, mesmo quando o direito que permite a acessão é
outro direito real. Trata-se, na verdade, de aspetos diferenciados. Saber quem beneficia da
acessão visa determinar quem é o titular do direito de acessão; a resposta a esta questão não
implica dizer que o direito real adquirido pelo exercício desse direito seja sempre igual ao que o
beneficiário da acessão tinha sobre a coisa unida ou misturada. O artigo 1538.º, n.º1 CC confirma
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integralmente esta afirmação, ao dispor que o proprietário do solo adquire a propriedade da obra
ou das árvores quando a superfície se extingue pelo decurso do prazo. Se adquire no final do
prazo, é porque não o era até esse momento; proprietário da obra, sementeira ou plantação é o
superficiário. Sempre que o titular do direito real menor faz ele próprio a união ou mistura no
exercício do poder de transformação que é conteúdo do seu direito adquire a propriedade da
coisa construída. Poder-se-á sustentar dizer que a nossa posição é contraditada pelo artigo 691.º
CC, no que respeita à hipoteca, e pelo artigo 1449.º CC, relativo ao usufruto. Aparentemente,
estes preceitos deporiam a favor de uma aquisição, por acessão, dos direitos em causa), não da
propriedade. Pensamos, no entanto, que não é isso que sucede: da acessão, o usufruto incide
igualmente na coisa acrescida. Em qualquer dos casos, os direitos já existentes apenas englobam
os acrescentos das coisas que eram deles objeto, sem que se constituíam outros direitos.
3. Menezes Leitão: rejeita tal entendimento restritivo, sendo que a acessão não é, no entanto,
restrita à aquisição da propriedade, podendo pela mesma via serem adquiridos outros direitos
reais, como a lei expressamente refere a propósito do usufruto (artigo 1417.º, n.º2 CC) e da
hipoteca (artigo 691.º, n.º1, alínea b) CC).
A delimitação negativa da acessão: nem todas as situações de união ou mistura de coisas
pertencentes a proprietários diferentes desencadeiam a aplicação do regime jurídico da acessão. As partes
podem, com fundamento no princípio da autonomia privada, regular negocialmente a união ou mistura
de coisas que lhes pertencem, de forma que a situação fique sujeita às regras do negócio jurídico em
questão e não às regras da acessão. Podemos, assim, afirmar que o regime da acessão não tem aplicação
sempre que a disciplina do negócio jurídico celebrado entre as partes regule a união ou mistura de coisas
pertencentes a elas. A regulação do negócio jurídico afasta, assim, o regime da acessão.
Não é só a submissão da situação ao regime do negócio jurídico celebrado que pode determinar a não
aplicação das regras da acessão em casos em que ocorre a verificação dos requisitos desta. Também o
regime próprio de um direito ou o facto de a lei determinar simplesmente a aplicação de outra disciplina
normativa pode arredar o funcionamento da acessão.
A constituição de um direito de superfície (artigo 1524.º e seguintes CC) é o exemplo mais elucidativo.
O direito de superfície permite que o superficiário faça ou mantenha obra ou plantação em terreno alheio,
sem que o proprietário do solo possa reclamar a acessão para adquirir a obra ou a plantação enquanto o
direito durar. Quando se extingue a superfície pelo decurso do prazo, a lei determina que o implante seja
adquirido automaticamente pelo proprietário do solo (artigo 1538.º, n.º1 CC), não havendo aplicação do
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regime da acessão. Há, por outro lado, um grupo de casos em que titulares de direitos, reais ou de crédito,
têm o poder de atuar materialmente sobre uma coisa corpórea alheia, podendo resultar do exercício
desse poder a união de coisas pertencentes a proprietários distintos, e que a lei portuguesa não submete
às regras da acessão, mas sim ao regime das benfeitorias (artigos 1273.º a 1275.º CC). Dentro deste grupo
de casos, encontramos o possuidor (artigos 1273.º a 1275.º CC), o comproprietário (artigo 1411.º CC),
o usufrutuário (artigo 1450.º CC), o usuário e morador usuário (artigo 1450.º ex vi do artigo 1490.º CC),
o locatário (artigo 1046.º, n.º1 CC) e o comodatário (artigo 1138.º, n.º1 CC).
Conforme decorre do exposto, o regime da acessão só se aplica à hipótese de união ou mistura de coisas
pertencentes a proprietários diferentes quando não haja um outro regime que regule especificamente a
situação. Uma união de coisas realizada por uma das partes de um contrato cujas regras a regulam ou
por um possuidor não é regulada pelas regras da acessão. Isto mostra que o regime da acessão tem caráter
subsidiário, mesmo se isso não surge explicitado pela lei. Discordamos, assim, daqueles que veem na
acessão o regime regra para os casos em que ocorrem uma união ou incorporação de coisas de diferentes
proprietários. A amplitude dos casos abrangidos pelo regime jurídico das benfeitorias não confirma este
ponto de vista. A acessão só opera quando a união ou mistura de coisas propriedade de diferentes donos
não seja regulada por outro regime específico.
Formas de atuação da acessão: apesar de o artigo 1317.º, alínea d) CC referir que a aquisição
por acessão ocorre no momento da verificação do respetivo facto, a doutrina tem vindo a discutir,
especialmente no âmbito da acessão industrial imobiliária, se a aquisição por acessão é automática,
ocorrendo no momento da verificação da junção das coisas, ou se é potestativa, dependendo de uma
manifestação de vontade do seu titular.
1. Favoravelmente ao caráter automático da acessão (Pires de Lima e Antunes Varela):
argumentando com o sentido literal dos artigos 1339.º e 1340.º CC com o facto de estes não
terem regulado as consequências de o proprietário não querer adquirir a propriedade do implante,
e ainda com a circunstância de a sua renúncia levar à constituição de um direito de superfície,
que teria que observar a forma legal desse ato.
2. Tese da aquisição potestativa (Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho
Fernandes e José Alberto Vieira): ao se referir a adquire pagando, os artigos 1339.º e 1340.º
consagram o cariz potestativo da acessão, resultando esse caráter ainda mais evidente nos artigos
1333.º, n.º1 e 1343.º CC, e sendo mesmo categóricas a favor desse entendimento as disposições
que subordinam a aquisição à licitação (artigos 1333.º, n.º3, 1334.º, 1335.º e 1341.º CC). Para
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além disso, não faria sentido impor ao beneficiário da acessão o pagamento de uma indemnização,
em contrapartida de uma aquisição que ele pode não pretender. Por outro lado, a perda da
propriedade só deveria ocorrer com o pagamento da indemnização, o que não se verifica na
aquisição automática. Acrescenta-se, ainda, que a aquisição automática impediria as partes de
estipularem solução diferente para o conflito. Finalmente a aquisição automática atribuiria o risco
ao beneficiário da acessão.
3. Menezes Leitão: a aquisição deve considerar-se, tal como a usucapião, uma forma de aquisição
originária dos direitos reais, adquirindo assim o titular um direito novo, que não está dependente
das vicissitudes do direito anterior. No entanto, ao contrário do que sucede na usucapião (artigo
5.º, n.º2,m alínea a) CRPr), o registo da acessão não é meramente enunciativo, pelo que, no caso
de esta estar sujeita a registo, serão tutelados os direitos adquiridos por terceiro e registados antes
da acessão.
O momento da aquisição do direito por acessão: o artigo 1317.º CC, alínea d) CC, estabelece
que o momento da aquisição por acessão é o da verificação do facto respetivo. É evidente a ambiguidade
que este preceito gera. Se, por um lado, a acessão repousa sempre numa união ou mistura de coisas, por
outro lado, em vários casos, nomeadamente na acessão industrial, a lei estabelece um direito de acessão,
direito esse subordinado na sua eficácia ao cumprimento do dever de indemnizar o proprietário afastado
pela acessão.
Qual é, então, o momento, a que se refere o artigo 1316.º, alínea b) CC?
E resposta não é uniforme.
1. Na acessão natural, o momento da aquisição da propriedade é o momento da união das coisas,
sem prejuízo da hipótese particular prevista no artigo 1329.º, n.º1 CC, que só permite a aquisição
da propriedade ao fim de seis meses.
2. Quanto à acessão industrial não podemos dizer que exista unanimidade de vistas.
a. Antunes Varela: viva numa corrente jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça
entende que o momento da aquisição do direito real por acessão é o momento da
incorporação;
b. Oliveira Ascensão: a melhor interpretação da alínea d) do artigo 1317.º CC consiste em
fazer corresponder o pagamento da indemnização com a aquisição do direito real pelo
beneficiário da acessão;
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c. José Alberto Vieira: segue a posição de Oliveira Ascensão, uma vez que na acessão
industrial a união ou mistura é apenas o pressuposto fático da atribuição do direito de
acessão e não o próprio facto atributivo do direito. E, como vimos, ao exercício do
direito de acessão está associada um dever de indemnizar o titular ou titulares de direitos
reais que perdem a coisa objeto do seu direito. Entendendo que não há então qualquer
retroatividade da acessão ao momento da união ou misturar; o pagamento determina o
momento da aquisição do direito de propriedade pelo beneficiário da acessão que exerce
o direito potestativo respetivo. Portanto, o momento do facto respetivo na acessão
industrial é o momento do pagamento da indemnização legal ao titular do crédito
indemnizatório. Somente com esse pagamento o beneficiário da acessão adquire a
propriedade da coisa unida ou misturada.
Acessão e autonomia privada: a lei regula o conflito entre os proprietários (e outros titulares de
direitos reais) das coisas unidas ou misturadas, atribuindo a um deles o beneficio da acessão.
Na acessão natural, o proprietário do prédio onde a união se dá nada tem de fazer, adquirindo
automaticamente a propriedade da coisa incorporada, sem prejuízo do regime particular da avulsão, que
só permite a aquisição ao fim de seis meses (artigo 1329.º, n.º1 CC).
O regime da acessão industrial consagra uma solução diferente, como vimos, com a atribuição de um
direito de acessão a um dos titulares de direitos reais em presença, direito esse que impõe um dever de
indemnizar o proprietário e outros titulares de direitos reais menores sacrificados pela acessão. A
atribuição de um direito potestativo de acessão a favor de um dos titulares de direito real sobre uma das
coisas unidas ou misturadas não obsta, contudo, a que os interessados cheguem a composições próprias
do conflito.
A autonomia privada pode funcionar em pleno no contexto da acessão, determinando soluções
diferentes daquelas que a lei impõe na falta de acordo dos interessados.
A acessão como facto jurídico e como direito: a acessão vem tratada no Direito português
como um facto jurídico aquisitivo da propriedade (artigo 1316.º e 1317.º, alínea d) CC). A colocação
sistemática é a correta, pois a acessão desencadeia a aquisição da propriedade, mas não exprime a
natureza complexa do regime jurídico da acessão.
Em rigor, a acessão só é efeito de um facto na acessão natural. Na acessão industrial, mobiliária e
imobiliária, o efeito aquisitivo da propriedade não ocorre automaticamente com a verificação da união
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ou mistura, requerendo uma manifestação de vontade de aquisição. Isto sucede, porquanto na acessão
industrial a união ou mistura é apenas o pressuposto fático da atribuição de um direito de acessão a um
dos titulares de direitos reais sobre as coisas em presença, o proprietário ou outro titular de direito real
menor (de gozo). A aquisição da propriedade resulta depois do exercício desse direito por parte do titular
respetivo.
O direito de acessão é um direito potestativo, como na doutrina e na jurisprudência se vai reconhecendo.
Contudo, a eficácia associada ao exercício do direito (a aquisição da propriedade ou do direito real de
gozo, consoante a posição adotada) não está unicamente dependente da manifestação de vontade do
titular; este tem ainda de pagar uma indemnização ao titular do(s) direito(s) real contra o qual funciona
a acessão.
Uma exceção ao esquema geral, encontramos, todavia, no artigo 1333.º, n.º4 CC. Aí a lei portuguesa
faculta sempre ao proprietário da coisa móvel que não causou a união ou mistura o direito a exigir a
indemnização, mesmo que pudesse beneficiar da acessão. O autor da união ou mistura, neste caso, não
tem tecnicamente um direito de acessão, mas fica sujeito a ela pela decisão do proprietário da coisa unida
ou misturada. Por conseguinte,
3. José Alberto Vieira: vê que o regime da acessão possuí uma estrutura dualista que à fonte da
aquisição do direito de propriedade. Na acessão natural, a união ou mistura provoca
automaticamente a aquisição da propriedade pelo dono do imóvel onde ela ocorre. A acessão é
aqui produto de um facto jurídico. Na acessão industrial a união ou mistura de duas (ou mais)
coisas causa a constituição de um direito potestativo e o efeito aquisitivo da propriedade é uma
vicissitude do seu exercício.
B – Os factos translativos de direitos reais
A transmissibilidade geral dos direitos reais: sendo direitos de natureza patrimonial, os
direitos reais são, em regra, transmissíveis, entre vivos e mortis causa. E a lei assinala essa
transmissibilidade de forma explícita ou implícita, prevendo a transmissão do direito real, ou
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simplesmente incluindo o poder de disposição no conteúdo do direito, como sucede com a propriedade
(artigo 1305.º CC) e com a compropriedade (artigo 1408.º, n.º1 CC).
A transmissão dos direitos reais, quando o Direito a admita, provém de uma decisão livre do titular
respetivo, no exercício da margem de livre apreciação que o direito subjetivo real lhe confere e que não
traduz outra coisa senão o exercício da autonomia privada daquele.
Em matéria de transmissão de direitos reais, o princípio da consensualidade constitui o princípio
fundamental da ordem jurídica portuguesa, a qual institui um sistema de título. Com o princípio da
consensualidade deve conjugar-se o princípio da causalidade: a aquisição de direito real por transmissão
só pode resultar de um negócio jurídico causal.
Exceções ao princípio da livre transmissibilidade encontram-se no regime do usufruto e nos direitos de
uso e habitação. Exceto nos casos de co-usufruto e de usufruto sucessivo, o direito de usufruto extingue-
se com a morte do usufrutuário (artigo 1443.º CC). Quanto aos direitos de uso e habitação, a lei declara
expressamente a sua instransmissibilidade (artigo 1488.º CC). Uma proibição parcial de transmissão
vigora para o direito de retenção (artigo 760.º CC). Este direito não pode ser transmitido sem o crédito
que garante. A proibição não se aplica, contudo, se houver uma transmissão conjunta do crédito e do
direito de retenção.
Além dos casos em que a lei expressamente declara a intransmissibilidade do direito real, essa
intransmissibilidade pode ainda decorrer da ponderação do regime jurídico do direito real no seu
conjunto. O penhor constitui um bom exemplo de um direito real intransmissível, embora a proibição
de transmissão não conste de um preceito específico.
Admissibilidade da inalienabilidade convencional: pergunta-se se as partes podem
estipular uma inalienabilidade convencional do direito real nos casos em que da lei decorre a sua
transmissibilidade.
1. José Alberto Vieira: A resposta a tal questão depende da própria lei admitir a limitação
convencional da transmissibilidade do direito real em causa. Isso sucede com o usufruto (artigo
1444.º, n.º1 CC). Fora deste caso, a inalienabilidade convencional não pode ter eficácia real. A
ter isso significaria que as partes estariam a alterar o tipo legal do direito real, mexendo no
conteúdo injuntivo do tipo legal do direito e, com isso, contrariando a proibição veiculada pelo
princípio da tipicidade (artigo 1306.º, n.º1 CC). Uma tal convenção está proibida e a sua
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estipulação importa a nulidade do negócio jurídico (artigo 294.º e 280.º, n.º1 CC). Uma
inalienabilidade convencional com eficácia meramente obrigacional não nos parece defrontar
com qualquer obstáculo legal. Afinal, a violação da tipicidade real suscita justamente uma
conversão automática para um negócio obrigacional (artigo 1306.º, n.º1, parte final CC).
2. Menezes Leitão: por força do princípio da tipicidade, essas cláusulas só poderão ter eficácia
real no caso de estarem incluídas no próprio tipo legal do direito em causa (v.g. artigos 1444.º,
nº.1, in fine, 962.º e 2286.º e seguintes e 959.º CC). No caso de tal não ocorrer, as cláusulas de
inalienabilidade atentarão contra o princípio da tipicidade dos direitos reais, pelo que apenas são
admissíveis com eficácia meramente obrigacional (artigo 1306.º, n.º1, in fine CC). Neste caso, a
transmissão em violação dessas clausulas não será afetada de nulidade, apenas constituindo o
transmitente na obrigação de indemnizar a outra parte (artigo 798.º CC). Há, no entanto, um
caso em que a lei considera mesmo nula a cláusula de inalienabilidade, mesmo que com eficácia
meramente obrigacional, como ocorre na hipoteca (artigo 695.º CC).
Os factos translativos de direitos reais: os factos translativos gerais de direitos reais são os
mesmos que indicámos a propósito dos factos constitutivos, como exceção da usucapião, cuja eficácia
reside primariamente na constituição de direitos reais. São eles:
1. A lei;
2. A decisão judicial; e
3. O negócio jurídico.
Remissão: detentora de eficácia translativa, ela consiste na aquisição pelo titular de um direito real
maior do direito real menor que o onera, mediante o pagamento de uma indemnização. Outrora um
facto translativo com um espetro de aplicação a vários direitos reais, nomeadamente a enfiteuse e as
servidões prediais, a remissão tornou-se hoje um facto translativo específico das servidões (artigo 1569.º,
n.º4 CC). Não obstante, a limitação atual, a remissão permanece potencialmente um facto translativo de
direitos reais e não somente um facto transmissório de servidões prediais. A remissão constitui um facto
translativo e não extintivo, na medida em que determina a passagem do direito adquirido para a esfera
jurídica do titular do direito real maior. Aí, poderá ou não extinguir-se por confusão, mas tal resultado
não é forçoso.
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C – Os factos modificativos de direitos reais
A modificação em direitos reais: a modificação pode respeitar ao sujeito titular da situação
jurídica, dizendo-se nesse caso subjetiva. As modificações na titularidade de direitos reais resultam de
factos constitutivos e translativos e não propriamente modificativos. A modificação objetiva, ao
contrário, abrange dois níveis distintos:
1. O objeto do direito real (a coisa): deparamos com uma alteração da conformação física da
coisa. A ação humana que a leva a cabo consubstancia um facto modificativo de direitos reais,
pois tratando-se embora da mesma coisa, em termos jurídicos, houve uma alteração dela que se
projeta na situação concreta do titular do direito real. Estas modificações ocorrerão:
Na hipótese de serem realizarem benfeitoras (artigos 1273.º e 1275.º CC).
No caso da divisão da coisa comum (artigo 1412.º e 1413.º CC), em que o direito do
comproprietário a uma quota ideal de uma coisa é substituído por um direito a uma
coisa autónoma. Essa situação já não ocorre, porém, em relação às servidões prediais,
já que devido à sua indivisibilidade o direito não e afetado, mesmo que o prédio sobre
que incidem seja dividido (artigo 1546.º CC).
No caso de perda parcial da coisa (artigo 1478.º, n.º1 CC) ou transformação desta
noutra que tenha valor, ainda que com finalidade económica distinta (artigo 1478.º,
n.º2 CC). Já no caso de sub-rogação real, existirá a extinção do direito real com a
constituição de outro direito sobre distinto objeto.
2. O conteúdo do direito real: atingem o núcleo de situações jurídicas menores que o compõem.
E importam uma alteração do regime jurídico aplicável ao direito real. Estas ocorrem:
Nas hipóteses de modificações do seu título constitutivo, o qual rege a situação de
certos direitos reais menores, como a propriedade horizontal (artigos 1416.º, n.º1,
1418.º e 1419.º CC), o usufruto (artigo 1445.º CC), o uso e habitação (artigo 1485.º
CC) ou as servidões (artigo 1564.º CC).
Nas situações de constituição de direitos reais menores, os quais comprimem o
direito real maior. Assim, a propriedade vê o seu conteúdo alterado se sobre ela for
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constituído um usufruto, o mesmo sucedendo com o usufruto se sobre ele forem
constituídas servidões.
A modificação negocial do conteúdo do direito real: as modificações ao conteúdo do
direito real que decorram de uma alteração superveniente das fontes de Direito, como a lei, não levantam
qualquer problema. Ao invés, deve-se perguntar se o mesmo sucede com as modificações de fonte
negocial.
1. José Alberto Vieira: vários preceitos legais aludem ao título negocial do direito real (por
exemplo, artigos 1416.º, n.º1, 1418.º, 1419.º, 1445.º, 1485.º e 1564.º CC). Antes de mais, o título
é o facto jurídico de onde emerge o direito real considerado. Se o direito real se constitui por
usucapião ou por acessão, este facto é o seu título constitutivo. Os preceitos legais que aludem
ao título têm normalmente em vista o título aquisitivo. Contudo, numa perspetiva mais ampla, o
título representa igualmente o conjunto de factos jurídicos que conformam o direito real até à
sua extinção e não apenas o facto inicial aquisitivo. Destes preceitos retira-se que as partes podem,
por via negocial, conformar o conteúdo do direito real no momento da constituição respetiva, e
também introduzir alterações posteriormente. Por conseguinte, pode dizer-se que o conteúdo
do direito real está sujeito a modificações por meio da celebração de negócios jurídicos com essa
eficácia, ou, dito de outra forma, que o Direito Português admite a conformação negocial do
conteúdo do direito real, quer no momento inicial da sua constituição quer em momento
posterior. Ainda assim, esta afirmação não tem o alcance absoluto de significar que seja válida
qualquer conformação do conteúdo do direito real por via de negócio jurídico. Com tal extensão,
seria com certeza incorreta. Na verdade, numa ordem jurídica dominada pelo princípio da
tipicidade (artigo 1306.º, n.º1 CC), a modificação do conteúdo do direito real por iniciativa
negocial das partes esbarra no sentido cogente do numerus clausus. Ora, se uma tal asserção está
prejudicada pelo princípio da tipicidade, que não está na disponibilidade das partes, qualquer
modificação do conteúdo do direito real só será válida caso incida sobre o regime supletivo legal
ou, por outras palavras, se deixar intocado o conteúdo que conforma o tipo de direito real em
questão, o conteúdo típico do direito, que tem natureza imperativa. Deste modo, será exata a
afirmação de que o conteúdo supletivo do direito real pode ser livremente modificado pelas
partes, em qualquer altura; quanto ao conteúdo injuntivo, aquele que conforma o tipo legal do
direito real, nenhuma modificação negocial com eficácia real se admite, sob pena de nulidade,
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podendo, contudo, a modificação valer com eficácia meramente obrigacional (artigo 1306.º, n.º1,
in fine CC).
2. Menezes Leitão: segue o mesmo entendimento.
Os factos modificativos de direitos reais: a lei, a decisão judicial e o negócio jurídico (unilateral
e contrato) podem introduzir modificações ao conteúdo do direito real, como sucede para as vicissitudes
da constituição e transmissão desse direito. Portanto, para além do negócio jurídico, também a lei e a
decisão judicial podem operar como factos jurídicos com eficácia real modificativa. Para além destes
factos, a modificação, podendo advir de uma perda ou deterioração parcial da coisa, é suscetível de ser
efeito de factos jurídicos não negociais, nomeadamente, de factos jurídicos em sentido restrito.
D – Os factos extintivos de direitos reais
1 – Factos extintivos gerais
Os direitos reais extinguem-se, como quaisquer outros direitos subjetivos. A extinção de um direito real
opera por força de um facto jurídico ao qual o Direito atribui tal eficácia. Existem factos jurídicos cuja
eficácia extintiva se estende, em princípio, a todos os direitos reais, enquanto outros apresentam uma
eficácia extintiva limitada a uma categoria de direitos reais ou simplesmente a um direito real específico.
A perda ou destruição da coisa: os direitos reais são direitos inerentes a uma coisa corpórea. Se
a coisa perece ou é destruída, qualquer que seja o facto, o direito real extingue-se. Desta forma, a perda
da coisa induz automaticamente a extinção de todos os direitos reais que a tinham por objeto.
É a inerência do direito real a uma coisa corpórea que explica que o direito se extinga quando o seu
objeto desaparece (confirmando alguns preceitos tal eficácia extintiva: artigos 730.º, alínea c), ex vi 664.º,
667.º e 761.º; 1476.º, alínea d) ex vi 1485.º CC; e 1536.º, alínea e) CC).
A perda da coisa que gera a extinção do direito real é a perda total. A este propósito, os artigos 1476.º,
alínea d) e 1478.º, n.º1 CC são elucidativos para o usufruto. O alcance do seu preceituado é, todavia,
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geral. A regra é a de que a perda parcial, provocando embora uma diferente conformação física da coisa,
não afeta a subsistência dos direitos reais, que continuam a ter a parte restante da coisa por objeto.
A perda da coisa pode desencadear outros efeitos jurídicos, para além, portanto, da extinção dos direitos
reais da qual era objeto. O artigo 692.º CC, aplicável igualmente à consignação de rendimentos (artigo
665.º CC), ao penhor (artigo 687.º CC) e aos privilégios creditórios, estabelece que se a coisa se perder e
o dono tiver direito a ser indemnizado o credor hipotecário conserva sobre o crédito respetivo ou
montante pago a título de indemnização a preferência que tinha em relação à coisa onerada. Claramente,
este direito não é a própria hipoteca mas um novo direito que visa assegurar a posição de prioridade que
o credor hipotecário tinha sobre o imóvel perecido. Para José Alberto Vieira, é um penhor de crédito.
O artigo 1480.º, n.º1 CC contém uma regra idêntica. Com o perecimento da coisa o usufruto extingue-
se, mas a lei atribui ao usufrutuário um novo usufruto sobre o dinheiro proveniente da indemnização
devida ao proprietário. Assegura-se a continuidade da posição do usufrutuário na sua relação com o nu-
proprietário, num quadro normativo em que ele deixou de poder reclamar diretamente do terceiro uma
indemnização por violação do próprio direito.
Portanto, a perda total da coisa, por destruição ou outro facto, acarreta a extinção do direito real de que
era objeto.
A renúncia: o poder de disposição do titular do direito real, muito variável em função do direito que
se trata, assegura-lhe a possibilidade de extinguir o direito, se for essa a sua vontade. Inexistindo proibição
legal de renúncia, que surge, por vezes, a propósito de alguns, muito poucos, direitos de natureza
patrimonial, o titular do direito real tem autonomia para dispor dele no sentido da sua extinção. Mas,
distinga-se:
1. A renúncia: constitui uma das formas de exercício do poder de disposição que é conteúdo do
direito real e sobre a qual cabe ao titular decidir livremente no exercício da margem de autonomia
privada que o direito subjetivo lhe confere. A renúncia supõe que o direito exista e esteja na
esfera jurídica do disponente. A renúncia exterioriza-se mediante declaração, que constitui um
negócio jurídico unilateral, estando este sujeito à forma legal para o negócio em questão, sob
pena de nulidade (artigo 220.º CC). Assim, se respeitar a um direito real de gozo sobre coisa
imóvel, está sujeita à forma de escritura pública (artigo 80.º, n.º1 CNot) e deve ser registada
(artigo 2.º, n.º1, alínea x) CRPr). Se o direito real em questão tiver por objeto coisa móvel, já a
forma da renúncia será livre (artigo 219.º CC). No caso de renúncia a hipoteca, esta pode ser feita
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por documento particular autenticado (artigo 731.º, n.º1 CC). A eficácia real da renúncia é
instantânea, desencadeia-se no momento em que a declaração negocial respetiva se torna eficaz
segundo a lei (artigo 224.º, n.º1, 2.ª parte CC), contando naturalmente que o negócio jurídico seja
válido.
2. O abandono: respeita unicamente à posse e traduz-se na perda voluntária do corpus pelo
possuidor, originando a extinção daquela (artigo 1267.º, n.º1, alínea a) CC). No abandono o
possuidor quebra o controlo material que tinha sobre a coisa, deixando de o exercer por opção
própria. O artigo 1257.º, n.º1 CC é expresso ao dispor que a manutenção da posse supõe a mera
possibilidade de atuação material. Aquele que declarou renunciar à posse mas continua com a
coisa em seu poder, tem posse. O abandono, isto é, a quebra voluntária do corpus pelo possuidor,
pode implicar uma declaração, tácita, de renúncia do direito a que a posse se reporta. Esse será
o seu sentido normal. Porém, a validade da renúncia depende ainda da observância de requisitos
de forma ou de eficácia para o ato, o que não se passa com o abandono que, por natureza, é um
ato informal, insuscetível de formalização. O abandono supõe simplesmente uma conduta
tendente à quebra do corpus possessório. Esse comportamento não é declarativo, não tem de ser
comunicado a ninguém. No abandono puro e simples, o abandonante não emite qualquer
declaração negocial: executa ou atua a sua vontade de abandonar, sem ter que a levar ao
conhecimento de quem quer que seja. O abandono não é, assim, um negócio jurídico em sentido
restrito. Tão-pouco interessa falar aqui num negócio de atuação, como faz uma boa parte da
doutrina. Para além da confusão conceitual que, no entender de José Alberto Vieira, suscita, não
surpreende a realidade das coisas.
A renúncia não aparece prevista a propósito de todos os direitos reais.
No campo dos direitos reais de gozo a renúncia surge nos artigos 1411.º, 1476.º, alínea e), 1485.º,
1472.º, n.º3, 1569.º, n.º1, alínea d) e 1567.º, n.º4 CC.
Relativamente aos direitos reais de garantia, a renúncia surge prevista na alínea d) do artigo 730.º
CC, disposição para a qual remetem todos os regimes reais de garantia (artigos 664.º, 677.º, 752.º
e 761.º CC).
No que toca a direitos reais de aquisição não existe qualquer preceito que aluda à renúncia.
Em contrapartida, a renúncia não vem prevista quanto à propriedade singular e à superfície:
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1. Pires de Lima, Antunes Varela e Henrique Mesquita: decorreria da natureza dominial do
direito à superfície, sendo que o Direito português não admitiria a renúncia quanto a estes direitos
ou, mais mitigadamente, não admitiria a renúncia à propriedade dos imóveis. A renúncia seria
um facto extintivo de direitos reais menores, não da propriedade ou de direitos com natureza
dominial, como, seria o caso da superfície.
2. José Alberto Vieira: não existe, é verdade, nenhuma regra expressa quanto à admissibilidade da
renúncia do proprietário. No entanto, isso não faz supor de que a situação do proprietário seja
diferente da dos outros titulares de direitos reais. É verdade que a renúncia a um direito menor
desonera a propriedade, enquanto tal efeito não ocorre com a propriedade; mas tal sucede,
naturalmente, porquanto a propriedade é o direito real máximo. Por outro lado, não foi
consagrado um preceito específico dedicado aos factos extintivos da propriedade. A renúncia
não surge prevista como facto extintivo da propriedade, como também sucede com os outros
factos extintivos deste direito. A ausência de uma disposição sobre a extinção da propriedade
pode explicar a razão porque a renúncia não vem mencionada a propósito. A renúncia,
resultando de um ato de disposição, está compreendida no âmbito do poder respetivo, o poder
de disposição, que é também conteúdo do direito de propriedade (artigo 1305.º CC). Na ausência
de específica previsão legal sobre a renúncia, o artigo 1305.º CC, inserindo o poder de disposição
no conteúdo do direito de propriedade, confere ao proprietário o poder de renunciar ao seu
direito. Seria estranho, aliás, que a propriedade conferisse ao proprietário o poder de destruir a
coisa, fazendo-a desaparecer, como conteúdo do mencionado poder de disposição, e não
permitisse àquele simplesmente desistir da titularidade do direito, deixando-a subsistir. Estamos
no domínio da autonomia privada, porque se trata de exercer o conteúdo positivo de um poder
reconhecido ao proprietário (o poder de disposição), e no âmbito do Direito privado. A solução
vale igualmente para a superfície.
3. Menezes Leitão: não versa sobre o tema.
A renúncia só pode ser eficaz com o consentimento do terceiro titular de um outro direito real sobre a
coisa se ela acarretar a extinção deste último. A solução compreende-se por si. A entender-se de modo
diferente, o titular do direito real cuja renúncia estivesse em causa teria um poder de decisão sobre a
subsistência de outros direitos existentes sobre a coisa. Ora, se o titular de um direito real maior tem de
respeitar a concorrência de outros direitos menores sobre a coisa na medida da oneração existente,
estranho seria que pudesse pôr-lhes um fim com uma decisão sua, sem que a vontade dos titulares dos
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direitos sacrificados fosse tida ou achada quanto ao desfecho. A renúncia não carece do consentimento
dos outros titulares de direitos reais se não implicar a sua extinção. É o que sucede com a propriedade.
A renúncia a este direito faz subsistir todos os outros direitos reais, não repercutindo neles a sua eficácia.
A renúncia à propriedade sobre uma coisa imóvel não deixa esta nullius, determinando a sua passagem
para o Estado, nos termos do artigo 1345.º CC. Já o mesmo não acontece com a renúncia à propriedade
de uma coisa móvel, que a deixa sem dono e, portanto, suscetível de ser ocupada.
A doutrina distingue:
1. A renúncia abdicativa: constitui um negócio jurídico dirigido unicamente à extinção do direito
real. Dele releva um propósito puro e simples de extinção do direito. O efeito primário da
renúncia abdicativa é extintivo. contando naturalmente que a declaração negocial de renúncia
seja válida, com ela a coisa, se for móvel, fica nullius, se for imóvel, ingressa no património do
Estado (artigo 1345.º CC). No caso de haver compropriedade, parece-nos que a melhor solução
é considerar que a posição do comproprietário acresce aos outros em proporção das respetivas
quotas, por analogia com o disposto no artigo 1411.º, n.º3 CC, sem prejuízo do comproprietário
poder sempre rejeitar a aquisição. Se havia apenas dois comproprietários, a renúncia de um deixa
a coisa em propriedade singular. Tratando-se de renúncia abdicativa de um direito real menor,
para além do efeito extintivo associado a ela, há ainda o efeito lateral da desoneração do direito
maior. Esses, contudo, poderão não ser os únicos efeitos jurídicos a considerar. Havendo direitos
reais menores constituídos sobre o direito real do renunciante, a renúncia extingue-os igualmente.
Por isso, dissemos atrás que, nestes casos, a renúncia carece do consentimento dos titulares dos
direitos afetados por ela. A renúncia abdicativa tem uma análise mais complexa, nomeadamente,
quando é feita por um proprietário. O problema que se coloca é o de saber se o credor de um
benefício do qual a renúncia liberatória foi feita adquire automaticamente o direito ou se pode
recusar essa aquisição (por exemplo, a situação do artigo 1567.º, nº.4 CC).
2. A renúncia liberatória: tem um fim diverso, visa a exoneração das obrigações propter rem que
recaem no titular do direito real. Assim, o titular do direito real que não quer ou não pode cumprir
as obrigações propter rem conteúdo do seu direito tem a alternativa de se desvincular renunciando
a ele a favor do seu credor. Se o fizer, dicará exonerado das mesmas. o renunciante comunica ao
credor da obrigação propter rem a sua vontade de fazer cessar a sua titularidade do direito. A
declaração negocial respetiva é, assim, recipienda. A renúncia liberatória vem prevista nos artigos
1375.º, n.º3, 1411.º, 1472.º, n.º3 e 1567.º, n.º2 e 4 CC. Destes preceitos parece emergir o princípio
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que o titular de direito real obrigado por causa do seu direito (obrigações propter rem) pode
renunciar a ele em beneficio do seu credor, com isto extinguindo a obrigação ou obrigações que
impendiam sobre si. O beneficiário da renúncia liberatória tem de declarar que aceita a aquisição
da propriedade do obrigado propter rem. Caso aceite, o credor adquire a seu favor o direito de
propriedade. Trata-se de uma aquisição derivada do direito real. O credor da obrigação propter
rem recebe o direito que era do devedor, não vê constituir-se a seu favor um direito novo. Porém,
existe divergência na doutrina:
a. Henrique Mesquita e Carvalho Fernandes: a declaração que o devedor propter rem
emita tem o valor e o sentido de uma proposta contratual de transmissão, para o credor,
do direito de propriedade a que a obrigação se encontra ligada. Para que se produza,
porém, a transferência deste direito (para que se produza o efeito real visado pela
declaração renunciativa) é indispensável que o credor aceite a proposta (que aceite a
renúncia, conforme se diz no n.º4 do artigo 1567.º CC).
b. Oliveira Ascensão: impressionado com a fraca tutela que, no seu entender, adviria para
o credor destinatário da proposta, sustenta que a este cabe um verdadeiro direito real de
aquisição. Esta construção teria, todavia, o inconveniente de estender desrazoavelmente
o prazo para o exercício do direito, criando uma situação de insegurança jurídica.
c. José Alberto Vieira: ao oferecer a renúncia ao direito, o devedor não está a propor a
celebração de um contrato translativo do direito, mas a desonerar-se de uma obrigação
real. Ainda que o credor não aceite, a renúncia tem efeito liberatório, exonerando o
devedor da obrigação propter rem. Isso resulta hoje claro do artigo 1567.º, n.º4 CC. Este
preceito atribui ao proprietário do prédio serviente o direito de renunciar à propriedade
do prédio a favor do proprietário do prédio serviente necessárias para o exercício da
servidão. Contudo, o proprietário do prédio dominante não tem de aceitar a renúncia,
isto é, a aquisição da propriedade sobre o prédio serviente. O preceito é expresso ao
admitir essa possibilidade. Porém, caso a recuse, ficará obrigado a suportar o custo das
obras, o que significa que o devedor propter rem ficou exonerado apenas com a declaração
de renúncia, não sendo necessário a aceitação pelo credor. A possibilidade de a renúncia
produzir o efeito liberatório da obrigação propter rem não retira a natureza de proposta
contratual à declaração de renúncia liberatória. O devedor propter rem tem a alternativa de
oferecer ao credor a propriedade da coisa no lugar de cumprir a obrigação. Declarando
a renúncia, o devedor faz nascer na esfera jurídica do credor um direito potestativo à
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aquisição da propriedade sobre ela: o direito à aceitação da proposta de transmissão. Esse
direito potestativo, porém, não é um vulgar direito potestativo à celebração do contrato;
ele surge na configuração de um direito real de aquisição. O seu prazo de exercício é o
que o artigo 228.º CC determina para a proposta contratual. Se o credor não declarar que
aceita a renúncia nesse prazo, o direito potestativo extingue-se. A declaração de renúncia
extingue a obrigação propter rem, mas não implica a perda automática do direito pelo
renunciante. Na verdade, a perda do direito só ocorrerá quando o credor formalizar a
aceitação da renúncia. Só neste caso se conclui um contrato translativo entre o devedor
renunciante e o credor da obrigação propter rem. Caso o credor não aceite a renúncia, a
propriedade da coisa permanece com o devedor. Quando aquele a aceita, porém, o direito
transfere-se para ele. Havendo aceitação da renúncia, a propriedade da coisa passa para
o credor da obrigação propter rem. Trata-se de uma aquisição derivada da propriedade, não
representando um direito novo. Chegados a este ponto, temos de concluir que a renúncia
liberatória não encerra um verdadeiro facto extintivo de direitos reais, tendo antes uma
eficácia translativa.
Tanto a declaração de renúncia liberatória como a declaração de aceitação são negócios jurídicos
formais e estes negócios estão sujeitos à forma de escritura pública (artigo 80.º, n.º1 CNot). O
contrato de renúncia liberatória está sujeito a registo (artigo 2.º, n.º1, alínea a) CRPr). O registo
tem efeito meramente consolidativo. A aquisição do direito pelo credor dá-se por mero efeito
do contrato (artigo 408.º, n.º1 CC).
A prescrição: os direitos reais, como direitos subjetivos que são, estão sujeitos à incidência do tempo
como facto extintivo. A sujeição dos direitos reais de gozo ao não uso parece excluir a prescrição aos
direitos reais.
1. José Alberto Vieira: não é isto que sucede. A prescrição aparece mencionada uma vez no regime
jurídico dos direitos reais, precisamente na hipoteca (alínea b) do artigo 730.º CC). Com base
nesta disposição, poderia pensar-se numa generalização da aplicação desta figura às categorias
restantes de direitos reais, de garantia e de aquisição. Uma análise mais atenta revela, porém, que
a lei portuguesa não considera a prescrição aplicável a todos os direitos reais de garantia,
nomeadamente, afasta-a na consignação de rendimentos e no penhor (artigos 664.º e 677.º CC).
No entanto, em dois outros direitos reais de garantia, os privilégios creditórios e o direito de
retenção, a remissão geral para o artigo 730.º CC abrange igualmente a prescrição (artigos 752.º
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e 761.º CC). Portanto, nos direitos reais de garantia, a prescrição é aplicável à hipoteca, aos
privilégios creditórios e ao direito de retenção e excluída na consignação de rendimentos e no
penhor. E o que pensar da aplicação deste facto extintivo aos direitos reais de aquisição? Nada
sugere uma exclusão destes direitos do campo de aplicação da prescrição. Pelo contrário,
julgamos que, na ausência de regra que disponha em sentido oposto, todos os direitos
patrimoniais estão sujeitos à prescrição. Isto leva-nos a considerar aplicável a prescrição aos
direitos reais de aquisição. Também eles se podem extinguir por prescrição.
2. Menezes Leitão: a prescrição pode igualmente constituir uma causa de extinção dos direitos
reais. A mesma não se aplica, no entanto, em relação aos direitos reais de gozo, face ao que se
dispõe no artigo 298.º, n.º3 CC, que estão sujeitos a uma causa de extinção própria, o não uso,
que se rege pelo regime da caducidade. Há, porém, uma exceção em relação à superfície, uma
vez que a sua extinção nos casos previstos no artigo 1536.º, n.º1, alíneas a) e b) CC é regulada
pelo regime da prescrição (artigo 1536.º, n.º3 CC). A prescrição determina, porém, a extinção de
alguns direitos reais de garantia como a hipoteca (artigo 730.º, alínea b) CC), os privilégios
creditórios (artigo 752.º CC), e o direito de retenção (artigo 761.º CC). Já, no entanto, em relação
à consignação de rendimentos e ao penhor, a lei exclui expressamente que os mesmos se possam
extinguir por prescrição (artigo 664.º e 677.º CC). Já em relação aos direitos reais de aquisição
não se encontra nenhuma norma a excluir a sua sujeição à prescrição, pelo que a mesma lhes
deve ser considerada aplicável (artigo 298.º, n.º1 CC).
A caducidade: os direitos reais caducam se não forem exercidos dentro do prazo estabelecido, por
lei ou por negócio jurídico, ou se decorrer, entretanto o prazo para o qual foram constituídos.
Prazo fixado legalmente para o exercício de um direito real encontra-se no direito de preferência. Caso
o obrigado à preferência tenha alienado o direito a terceiro e o titular do direito real de aquisição conheça
os elementos da alienação, este último tem seis meses para exercer a preferência (artigo 1410.º, n.º1 CC).
O prazo para o exercício do direito real pode resultar de negócio jurídico:
1. Nos direitos reais de gozo, a lei admite que a superfície esteja sujeita a um prazo inicial de
exercício fixado pelas partes (artigo 1536.º, n.º1, alínea a), primeira parte CC).
2. Relativamente aos direitos reais de aquisição, as partes podem igualmente fixar o prazo de
exercício do direito real de aquisição na promessa real (artigo 411.º para a promessa
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monovinculante e artigo 413.º, n.º1, ambos CC, para a bivinculante) e existe sempre um prazo,
legal ou convencional, para o exercício do direito de preferência (artigo 416.º, n.º2 CC).
O direito real extingue-se por caducidade se decorrer o prazo para o qual foi constituído. Existem, com
efeito, direitos reais que, pela conformação de conteúdo do tipo legal, são temporários. É o caso do
direito de usufruto e dos direitos de uso e habitação. Outros direitos reais podem ser temporários,
embora o tipo legal admita a perpetuidade ou imponha até tendencialmente. Assim, o direito de
superfície pode ser constituído por um período de tempo determinado (artigo 1524.º e 1536.º, n.º1, alínea
c) CC), o mesmo acontecendo com as servidões prediais (artigo 1569.º, n.º1, alínea e) CC).
A propriedade é um direito tendencialmente perpétuo. Todavia, o artigo 1307.º, n.º2 CC abre a
possibilidade de uma propriedade temporária, mas somente nos casos em que a lei o preveja. São casos
conhecidos de propriedade temporária o testamento com cláusula fideicomissária (artigo 2293.º, n.º2 CC)
e a doação com cláusula de fideicomisso (artigo 962.º CC), no que toca ao fiduciário. E é ainda, quanto
a nós, o direito de propriedade do superficiário sobre o implante, na superfície temporária.
A fixação negocial de um prazo para o exercício de um direito real depende da conformação do tipo de
direito real em causa, ou seja, do seu conteúdo típico. Se o tipo não admitir que as partes fixem a duração
do direito, a autonomia privada fica coartada, sob pena de violação da tipicidade legal, com a cominação
de nulidade do negócio jurídico (artigo 1306.º n.º1 CC).
A confusão: a confusão designa o facto extintivo decorrente da reunião na mesma pessoa da
titularidade do direito real onerado e do direito real onerador, de um direito real maior e de um direito
real menor. Pode, no entanto, acontecer que se trate de dois direitos reais da mesma natureza, nas
hipóteses de comunhão de direitos reais entre dois contitulares. Neste caso, extingue-se o direito
adquirido pelo comunheiro, expandindo-se o direito de que aquele era titular Ocorre, aqui, a conhecida
elasticidade dos direitos reais.
O Código Civil usa preferencialmente o termo reunião (artigos 1476.º, n.º1, alínea b), 1536.º, n.1º, alínea
b) e 1569.º, n.º1, alínea a) CC). A confusão a que nos reportamos agora deve ser dissociada da confusão
regulada como forma de extinção das obrigações (artigos 868.º e seguintes CC), dada a diferente eficácia
que está subjacente a cada uma delas. É evidente, no entanto, que a figura geral é a mesma. Apenas a
eficácia é distinta consoante o campo de aplicação, os direitos reais ou os direitos de crédito.
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A circunstância de a lei portuguesa mencionar a confusão unicamente no regime jurídico dos direitos
reais de gozo não faz dela apenas um facto extintivo atinente a esta categoria de direitos reais. Outros
direitos reais podem extinguir-se por confusão. A confusão designa, assim, um facto extintivo geral de
direitos reais e não apenas de direitos reais de gozo. O efeito da confusão é a extinção do direito real
menor ou de um dos direitos reais da mesma natureza. A confusão nem sempre ocorre quando a mesma
pessoa é titular de dois direitos reais sobre a mesma coisa.
O mesmo se diga da hipótese prevista no artigo 1541.º CC ao determinar que a superfície se extinga,
desencadeando o efeito típico da confusão, mas se o usufruto continua a onerar separadamente a parcela
antes afeta à superfície, isto só pode querer dizer que a superfície, afinal, não se extinguiu. O usufruto
não fica suspenso no ar e decerto não é a propriedade o direito onerado. Pode-se dizer, por conseguinte,
que não há confusão quando a reunião de dois direitos na mesma pessoa envolver a extinção de um
direito de terceiro. Esta regra surge confirmada nos artigo 699.º, n.º3 e 1541.º CC, quando corretamente
interpretados, e tem a sua consagração no artigo 871.º, n.º1 CC. Apesar de inserta no regime da confusão
obrigacional, esta regra aplica-se igualmente em sede de direitos reais, o que explica a solução inserta nos
artigos 699.º, n.º3 e 1541.º CC.
1. Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro: direito real menor também não se extingue quando
exista um interesse jurídico que obste à sua extinção. Portanto, para além dos casos mencionados
anteriormente, não haveria ligar à extinção por confusão quando se demonstre a existência de
um interesse prático que imponha a subsistência do direito real que seria afetado pela confusão.
2. José Alberto Vieira: concordando com esta orientação, que, aliás, tem no artigo 871.º (n.º2 e
4) CC um importante apoio, refere que a confusão não tem lugar se o titular do direito real que
beneficia da confusão tem um interesse jurídico atendível na subsistência do direito real menor
ou da mesma natureza.
A expropriação: os direitos reais extinguem-se por expropriação, nos termos da lei. A expropriação
é um facto extintivo de todos os direitos reais, sem exceção, apesar do Código Civil apenas dispor
genericamente a propósito da propriedade (artigo 1308.º CC). Contudo, outros preceitos fazem-lhe
menção, como o artigo 1480.º, n.º2, 1536.º, n.º1, alínea f) e 1542.º CC.
Os bens expropriados não ficam nullius; sobre eles constitui-se uma propriedade originária a favor da
entidade expropriante. Em certas condições, a lei prevê a reversão da propriedade para o proprietário
expropriado.
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A extinção por força de constituição de direito incompatível: por vezes, a constituição
de um direito real tem igualmente uma eficácia extintiva de outros direitos reais. Nesses casos, a
constituição de um direito real faz-se à custa de outro ou outros direitos reais previamente constituídos
sobre a coisa. Tome-se como exemplos a usucapião do direito de propriedade singular ou o efeito
atributivo do registo predial. Ao mesmo tempo, a constituição de um direito real através de um facto
aquisitivo originário não provoca a extinção da propriedade, mas antes a sua oneração.
A extinção por força da extinção do direito real maior onerado: quando um direito real
menor está constituído sobre um direito real que não seja a propriedade a extinção do direito onerado
implica, em regra, a extinção do direito onerador (artigos 699.º, n.º2, 1460.º, n.º1, 1539.º, n.º1, 1051.º,
alínea c) CC). Portanto, sempre que um direito real menor esteja constituído sobre um direito real maior,
a extinção deste último determina, em regra, a extinção do primeiro.
Dizemos em regra, porquanto, em alguns casos, a lei portuguesa recusa o efeito extintivo do direito real
menor, apesar da extinção do direito real com base no qual aquele foi constituído. Nos casos previstos
no n.º3 do artigo 699.º CC, a hipoteca subsiste, não obstante o usufruto estar extinto. E também se o
direito de superfície se extinguiu sendo perpétuo ou antes do prazo, se for temporário, os direitos reais
de gozo e de garantia que o onerava subsistem, apesar da extinção daquele (artigo 1541.º CC). A extinção
do direito real antes do prazo, na medida em que prejudica direitos constituídos de terceiros, não causa
a cessação destes antes do momento normal em que essa extinção ocorreria.
2- Factos extintivos de direitos reais de gozo
O não uso: os direitos reais de gozo não estão sujeitos a prescrição. O artigo 298.º, n.º3 CC é expresso
nesse sentido. Em contrapartida, podem extinguir-se por não uso nos casos especialmente previstos na
lei. Perscrutando a lei, encontramos várias disposições que se referem ao não uso, embora a terminologia
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legal não seja sempre uniforme. Assim, o artigo 1476.º, n.º1, alínea c), 1536.º, n.º1, alíneas a) e b) e artigo
1569.º, n.º1, alínea b) CC.
A previsão legal do não uso não apresenta também homogeneidade quanto aos prazos necessários para
a ocorrência deste facto extintivo:
20 anos para o direito de usufruto, uso e habitação e servidão predial; e
10 anos para o direito de superfície.
O não uso só pode ser invocado quando a lei o previr. Com efeito, o artigo 298.º, n.º3 CC dispõe que
os direitos aí mencionados podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei.
Portanto, os casos em que o não uso provoca a extinção do direito real são típicos.
A lei portuguesa, e o Código Civil em particular, não contém aquilo a que se possa chamar um regime
geral do não uso como facto extintivo dos direitos reais de gozo. Não obstante a falha de tratamento
sistemático da matéria da matéria, o Código Civil Português contém os traços de uma disciplina geral do
não uso. Desta vez, a propósito das servidões prediais. Com efeito, os artigos 1570.º, a 1573.º CC
constituem verdadeiramente o regime geral do não uso, sem prejuízo das especificidades, particularmente
de prazo, que se encontram a propósito dos outros direitos reais de gozo sujeitos ao não uso.
A tipicidade dos casos de extinção de direitos reais de gozo por não uso facilita a resposta à questão de
saber se a propriedade também está a ele sujeita. Em geral, a resposta é afirmativa, como decorre do
próprio artigo 298.º, n.º3 CC. Ainda assim, em apenas um preceito se prevê a extinção da propriedade
por não uso, no artigo 1397.º CC. Apesar de se falar nesse artigo de caducidade, é de não uso que se
trata. Isto quer dizer que em todos os outros casos a propriedade não está sujeita à extinção por não uso.
O que deve entender-se por não uso para efeitos da extinção dos direitos reais de gozo?
1. Interpretação literal: contentar-se-ia em relacionar este facto extintivo com o gozo e, por
conseguinte, com a prática de atos materiais sobre a coisa objeto do direito.
2. Oliveira Ascensão: observa que a entender-se assim algumas servidões ficariam excluídas do
não uso, numa restrição infundada do campo de aplicação do artigo 1569.º, n.º1, alínea c) CC.
3. José Alberto Vieira: O não uso sanciona a falta de exercício de um direito por parte do seu
titular. Trata-se, aqui, de castigar a pura inércia do titular do direito, o qual, por qualquer razão,
não exerceu o seu direito de modo nenhum, desperdiçando o aproveitamento da coisa. Seria, no
entanto, excessivo considerar apenas o desfrute da coisa relevante para efeitos do não uso. O
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exercício jurídico do direito através do poder de disposição é ainda uma forma de aproveitamento
da coisa. Assim, a solução contrária, para além de restringir injustificadamente o aproveitamento
da coisa ao exercício de atos materiais sobre ela, acaba por se repercutir no poder de disposição,
tirando-lhe o alcance que tem normalmente, e que é o do exercício do direito em cujo conteúdo
se integra. Portanto, não uso significa tão-somente não exercício do direito, seja a nível da
atuação material sobre a coisa, seja através do exercício do poder de disposição do direito
(exercício jurídico). O titular do direito real não tem de exercer todas as situações jurídicas ativas
que são conteúdo do seu direito para evitar a extinção deste por não uso. No limite, basta-lhe
apenas exercer um dos poderes para obstar à aplicação da regra sobre o não uso.
O artigo 1572.º CC enuncia a regra geral nesta matéria. Dispõe que a servidão não deixa de considerar-
se exercida por inteiro, quando o proprietário do prédio dominante aproveita apenas uma parte das
utilidades que lhe são inerentes.
1. Oliveira Ascensão: deixa no ar que este preceito pode significar um princípio excecional
aplicável somente em sede de direito de servidão;
2. José Alberto Vieira: não sufraga esta opinião por entender que nenhuma razão há para pensar
que o titular do direito real deva fazer um aproveitamento da coisa que envolva todo o conteúdo
do gozo do seu direito. De outra forma, de resto, estar-se-ia a transformar a permissão de
aproveitamento da coisa num ónus: o titular do direito real ou esgota o conteúdo do direito no
seu exercício ou perde, por não uso, o direito real. A regra do não uso apenas pretende sancionar
o desinteresse do titular do direito no exercício do direito, não valorar o concreto aproveitamento
que ele faz. O direito real é um direito subjetivo, com a carga significativo-ideológica que
comporta.
Portanto, a extinção do direito real por não uso é uma extinção de todo o direito. Não é legalmente
possível a extinção parcelar do direito real relativamente aos poderes e outras situações ativas não
exercidas pelo titular. Na hipótese de existirem vários comunheiros, basta o exercício de um deles para
impedir a extinção dos direitos cujo titular mantivesse a inércia de exercício durante o prazo legal,
fazendo acrescer a sua posição aos demais.
O prazo para a extinção do direito real de gozo por não uso conta-se a partir do momento que o exercício
cessou. É a regra do artigo 1570.º, n.º1 CC quanto às servidões prediais, que tem realmente uma
amplitude geral nesta matéria. Se o titular do direito real nunca chegou a iniciar o exercício do mesmo,
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o prazo para o não uso conta-se da data da constituição do direito. Se chegou a exercê-lo, esse prazo é
contado da data do último ato de exercício. Se o titular do direito real intercala o exercício do direito
com o desinteresse absoluto, só haverá não uso desde que decorrido o prazo legal contado da data do
último ato de exercício.
O aproveitamento da coisa, seja material seja jurídico, impede sempre a contagem do prazo do não uso.
Poder-se-ia dizer, em sentido contrário, que o artigo 298.º, n.º3 CC manda aplicar as regras da caducidade
e que estas não contemplam a interrupção ou a suspensão do prazo. Mas isso implicaria que o titular do
direito real que não iniciasse o exercício do seu direito no momento da constituição do mesmo veria
imediatamente iniciada a contagem do prazo de não uso, que não seria interrompida, ainda que o titular
mantivesse depois um exercício desde a data que o iniciou, consequência de todo inaceitável.
O artigo 331.º, n.º1 CC dá um apoio decisivo à interpretação que deixamos exposta. O não uso está
sujeito às regras da caducidade em que tudo o que não se ache especificamente regulado a propósito
deste facto extintivo (artigo 298.º, n.º3 CC).
A usucapio libertatis: a figura vem prevista no artigo 1574.º CC, o qual dispõe no seu nº.1 que a
aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio só pode dar-se quando haja, por parte do proprietário
do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão.
1. No contexto da usucapião: o conceito significa a extinção de direitos menores incompatíveis
com a posse do usucapiente.
2. No contexto do artigo 1574.º, n.º1 CC: representa um facto extintivo de servidões prediais e
vem desligado da usucapião, o que pode ser fonte de alguns equívocos.
A usucapio libertatis não constitui nenhuma modalidade de usucapião, nem a sua eficácia depende da
ocorrência da usucapião a favor de alguém. A lei menciona a oposição do proprietário do prédio
serviente contra o titular da servidão, mas não existe nenhuma razão para limitar a oposição ao
proprietário. Deste modo, qualquer titular de direito real de gozo maior que satisfazer os requisitos legais
da usucapio libertatis pode conseguir a desoneração do seu direito quanto à servidão predial a cujo exercício
se opôs.
A usucapio libertatis tem meramente uma eficácia extintiva de direitos reais menores (de gozo). É verdade
que alguns autores, falam em usucapio libertatis para designar a situação em que a posse ad usucapionem se
exerce sem a concorrência de outras posses nos termos de direitos reais menores e em que, portanto, o
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usucapiente adquire o direito real a que a sua posse se refere com a extinção dos direitos reais menores.
Mas a situação difere, ainda assim, daquela que surge contemplada no artigo 1574.º CC, em que não se
dá qualquer aquisição de um direito real de gozo, mas apenas a extinção de um direito real menor por
força da posse antagónica do titular do direito real maior.
A colocação sistemática da usucapio libertatis no regime jurídico das servidões prediais sugere fortemente
um facto extintivo específico deste direito real.
1. Oliveira Ascensão: veio sustentar um alargamento da eficácia da usucapio libertatis, que fundaria
o princípio geral de que todo o titular do direito onerado pode conseguir a liberação do direito
menor onerador.
2. José Alberto Vieira: essa configura a interpretação correta dos dados normativos, que não se
restringem à ponderação isolada do artigo 1574.º CC. Um direito real de gozo menor pode ser
extinto pela oposição do titular de um direito real maior por usucapio libertatis, contando que os
requisitos previstos no artigo 1574.º CC sejam satisfeitos. O fundamento consolidativo
subjacente à usucapião tem inteira pertinência para a usucapio libertatis. A extinção por usucapio
libertatis não deve ser confundida com o não uso. Este último supõe uma inércia do titular do
direito real menor no exercício deste, sem qualquer oposição do titular do direito desonerado.
Diversamente, a usucapio libertatis tem na base um desapossamento do titular do direito real menor,
por parte do titular do direito real maior, prevalecendo mesmo contra uma vontade de
aproveitamento da coisa que não se traduza numa recuperação efetiva da posse respetiva, judicial
ou extrajudicialmente. Alguns autores, pretendendo negar a usucapio libertatis a propósito da
usucapião, falam numa extinção ou por não uso, que seria verdadeiramente o facto extintivo dos
direitos reais menores. Mas as figuras devem-se manter separadas, pois os requisitos de cada uma
delas são diversos. De acordo com a nossa posição, qualquer direito real de gozo menor, o
usufruto, o uso e habitação, a superfície, o direito real de habitação periódica, a servidão predial,
pode extinguir-se por usucapio libertatis, desde que os requisitos previstos no artigo 1574.º CC se
verifiquem no caso concreto. A usucapio libertatis configura, deste modo, um facto extintivo geral
dos direitos reais de gozo e não apenas um facto extintivo específico das servidões prediais. Esta
extensão permite alargar o campo de aplicação da figura às coisas móveis.
Assim, a usucapio libertatis, pressupõe três requisitos para a sua aplicação.
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A oposição do titular do direito real maior: o artigo 1574.º, n.º1 CC dispõe que a aquisição da
liberdade do prédio se dá quando haja oposição ao exercício da servidão. A oposição traduz um
desapossamento do titular do direito real menor, a perda do corpus possessório deste por ação
do titular do direito real maior, que implica a quebra do controlo material da coisa por aquele. O
possuidor nos termos do direito real maior atua de modo a excluir o aproveitamento da coisa
pelo titular do direito real menor. O que importa acentuar, em todo o caso, é que a privação do
aproveitamento da coisa corre ao nível possessório. Por conseguinte, a oposição ao exercício do
direito exterioriza-se somente com uma posse contrária à posse do titular do direito real menor,
ainda que este venha a exercer juridicamente o seu direito. No artigo 1574.º, n.º1 CC a oposição
ao exercício do direito real menor deve ser interpretada restritivamente, abrangendo unicamente
a posse do titular daquele direito.
A interrupção e suspensão do prazo da usucapio libertatis: resulta do n.º2 do artigo 1574.º
CC. O titular do direito real pode fazer interromper ou suspender o prazo para a usucapio libertatis.
Vale neste contexto o regime da usucapião, por força da remissão genérica operada no artigo
1574.º CC.
A invocação pelo beneficiário: decorre da analogia com o regime da usucapião que a usucapio
libertatis não é automática. O artigo 303.º CC, para o qual remete o artigo 1292.º CC, tem igual
aplicação em matéria de usucapio libertatis. O titular do direito real maior que pretenda beneficiar
da usucapio libertatis tem de a invocar no final do prazo respetivo. Enquanto isso não suceder o
direito real menor não se extingue, podendo o titular reivindicar a coisa. Nessa altura, a usucapio
libertatis poderá ser invocada a título de exceção. A invocação da usucapio libertatis pode ser feita
judicial ou extrajudicialmente. A invocação extrajudicial da usucapio libertatis tem exatamente o
meso valor da declarada por um tribunal competente e faz-se mediante declaração, cuja finalidade
é justamente o efeito extintivo do direito real menor. Desta forma, pode ser expressa ou tácita,
nos termos gerais, valendo também neste domínio o princíio da equivalência das duas formas de
declaração que surge consagrado no artigo 217.º CC. A usucapio libertatis também pode ser
invocada pelos credores ou por outros terceiros com um interesse legítimo na sua declaração
(artigo 305.º ex vi artigo 1292.º CC), mesmo contra a vontade do titular do direito real menor. A
lei portuguesa dispõe ainda que no caso de o titular do direito real maior haver renunciado à
usucapio libertatis, o que só pode acontecer depois de decorrido o prazo para ela (artigo 302.º, n.º1,
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ex vi artigo 1299.º e ex vi artigo 1575.º, n.º1 CC), a invocação pelos credores só é possível mediante
a prova dos requisitos legais da impugnação pauliana.
O n.º2 do artigo 1574.º CC dispõe que o prazo para a usucapião só começa a contar da oposição,
omitindo, contudo, esse prazo. Tem sido entendido pacificamente que esse prazo é o correspondente
ao regime da usucapião. Assim, o prazo da usucapio libertatis variará. Estão em causa os artigos 1294.º,
1295.º, 1296.º, 1298.º, 1299.º e 1300.º, n.º 2CC aplicáveis à usucapio libertatis por força da remissão do
artigo 1574.º, n.º2 CC. A contagem do prazo para a usucapio libertatis inicia-se na data do desapossamento
do possuidor nos termos do direito real menor.
Invocada a usucapio libertatis, a eficácia extintiva, ou seja, a extinção do direito real de gozo menor, não
opera apenas para o futuro, retroagindo no passado. O artigo 1288.º CC fixa esse momento na data do
início da posse e esta disposição é igualmente aplicável à usucapio libertatis (artigo 1274.º, n.º1 CC).
a eficácia da usucapio libertatis é extintiva, como temos vindo a dizer. Essa eficácia extintiva não se limita
à extinção de servidões prediais. O seu âmbito de aplicação cobre todos os direitos reais de gozo, com
exceção da propriedade. Insistimos, porém, que o direito desonerado não tem de ser a propriedade,
como a literalidade do artigo 1574.º CC pode inculcar. Um usufrutuário ou um superficiário pode
beneficiar igualmente do efeito extintivo da usucapio libertatis. A usucapio libertatis projeta igualmente um
efeito desonerador no direito real maior, desagravando este último do ónus existente. A desoneração do
direito real maior explica a função consolidativa que a usucapio libertatis desempenha, tal como a usucapião
propriamente dita.
A interpretação do regime jurídico da usucapio libertatis evidencia que este facto é um dos efeitos da
posse, tal qual a usucapião. Com efeito, a oposição mencionada no n.º1 do artigo 1574.º CC não é mais
de que uma posse livre da concorrência da posse do direito real menor, portanto, uma posse nos termos
do direito real desonerado. É essa posse livre mantida por um lapso de tempo que justifica a desoneração.
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VII – Violação e defesa do Direito Real
A violação do direito real e as ações reais: há violação do direito real quando um terceiro
impede ou diminui de alguma forma o aproveitamento da coisa contra a vontade do titular. A violação
do direito real pode suceder de múltiplas formas. Nem todas elas requerem, porém, uma defesa pelo
titular através de ações reais. Caso haja alguém civilmente responsável pelos danos, o titular do direito
real de gozo tem um direito de indemnização. A ação de indemnização, contudo, não deixa de ser uma
ação pessoal, não se tornando numa ação real.
Portanto, assim como nem todas as formas de defesa do direito real são judiciais, nem todas as ações
que podem ser movidas pelo titular do direito real violado, em consequência da violação, têm natureza
real. Nos direitos reais de gozo, a forma mais comum de violação consiste na privação da posse da coisa
através do esbulho. As ameaças de perturbação do aproveitamento da coisa, assim, como a perturbação
efetiva, mesmo sem desapossamento, constituem, igualmente, situações de violação do direito real.
Por último, o incumprimento da prestação correspondente à obrigação propter rem representa também a
violação do direito real correspondente. A violação do direito real resulta de um comportamento humano
de um terceiro, em regra por ação, em casos muito raros, por omissão. Terceiro é aqui o não titular do
direito real. Qualquer pessoa que não seja o titular do direito é quanto a este um terceiro, ainda que não
seja um estranho relativamente à coisa.
Vem isto a propósito de esclarecer que o proprietário ou outro titular de um direito real sobre a coisa é
também um terceiro no confronto com os demais direitos reais que a tenham por objeto. Deste modo,
se o proprietário desapossa a coisa do usufrutuário ou impede o titular da servidão de passagem de a
exercer, pratica uma violação deste direito real.
Devemos, assim, dissociar a violação da ilicitude. A violação designa a situação objetiva que atinge o
aproveitamento da coisa pelo titular do direito real e é independente de qualquer valoração que o Direito
faça à conduta de alguém, quer dizer, ao comportamento (ação ou omissão) daquele que violou o direito
real. É, contudo, irrelevante que o autor haja cometido um facto ilícito.
A ação real tem, assim, por escopo propiciar ao titular do direito real o aproveitamento da coisa permitido
pelo direito, pondo fim à sua violação, seja esta ilícita ou não. A ausência de ilicitude na violação do
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direito real não obsta à procedência da ação real, enquanto meio de tutela destinado a restaurar a
possibilidade de aproveitamento da coisa pelo titular do direito real.
As ações reais: na origem das ações reais encontramos as actio in rem do Direito Romano. O tipo mais
importante de actio in rem, a rei vindicatio, tinha um duplo objetivo: fixar a propriedade do autor e obter a
entrega da coisa. A ação de reivindicação tem uma função restitutória ou integrativa: devolver a coisa ao
titular do direito real ou promover a entrega, no caso de ele nunca haver sido possuidor. Nem todas as
ações reais têm, porém, como objetivo promover a conciliação da posse com a titularidade do direito
real.
As ações que promovem a devolução da coisa titular do direito real ou que previnem a perturbação na
posse são indiscutivelmente ações reais. Assim, é real a ação de reivindicação (artigos 1311.º e 1315.º
CC), como reais são as ações possessórias de prevenção, de manutenção e de restituição (artigos 1276.º
e seguintes CC).
A natureza real de uma ação não resulta somente da discussão possessória sobre uma coisa. Por maioria
de razão, quando o pedido principal (ou um deles) da ação consiste na declaração judicial de existência
ou de inexistência de um direito real sobre uma coisa, a ação é real.
Não obstante não haverem sido tipificadas no nosso Direito, a ação confessória e a ação negatória são
ações reais.
Para além destes casos, a ação tem ainda a natureza de ação real quando o seu objetivo seja o de fixar os
contornos físicos do objeto, como a ação de demarcação, ou ainda de fixar os termos da atuação do
titular do direito real sobre a coisa.
A ação de reivindicação: Segundo o artigo 1311.º CC, a ação de reivindicação pode ser intentada
contra o possuidor ou o detentor que tem a coisa consigo.
Deste modo, o titular do direito real de gozo não tem que procurar saber quem é o possuidor nem
embrenhar-se na discussão complexa sobre se quem tem a coisa é possuidor ou detentor. Aquele que
tiver a coisa em seu poder pode ser demandado na ação de reivindicação, seja possuidor seja detentor.
Na falta de uma parte geral em Direitos Reais, o regime jurídico da propriedade alberga a disciplina
substantiva da ação de reivindicação. Com efeito, o artigo 1315.º CC declara aplicável o regime da
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reivindicação à defesa de todo o direito real, o que mostra bem que a reivindicação não é específica da
propriedade, constituindo o meio de defesa de uma categoria de direitos reais: os direitos reais de gozo.
1. Menezes Leitão: ação de reivindicação baseia-se em dois pedidos, sendo o primeiro o de
reconhecimento do direito real que assiste ao autor e o segundo, como consequência do mesmo,
o de restituição da coisa (artigo 1311.º, n.º1 CC). Uma vez que a ação de reivindicação segue os
termos do processo comum, não há obstáculo à cumulação desses pedidos com outros (artigos
555.º, n.º1 e 36.º CPC), designadamente com o pedido de indemnização pelos danos resultantes
da privação da coisa.
2. José Alberto Vieira: a ação de reivindicação não tem dois pedidos: o reconhecimento do direito
de propriedade e a entrega da coisa. A ação de reivindicação tem um pedido principal: a entrega
da coisa. Simplesmente, como a titularidade do direito real de gozo representa um fundamento
de procedência da ação, o reivindicante tem de fazer prova do mesmo. A prova do direito é,
assim, o primeiro pressuposto em que assenta o sucesso da reivindicação Isto não vale, porém,
a dizer que o reivindicante tenha de deduzir um pedido autónomo de reconhecimento do direito,
e cumulá-lo com o pedido de entrega da coisa. Basta fazer este último. A finalidade da ação de
reivindicação não se encontra na apreciação judicial da existência do direito do reivindicante, mas
na condenação do réu na entrega da coisa. Portanto, na ação de reivindicação, o reivindicante
invoca um direito real de gozo e pede ao tribunal que condene o réu a entregar-lhe a coisa.
É conveniente separar três aspetos distintos da ação de reivindicação:
O fundamento da ação (o direito real do autor): é o direito real de gozo violado com a posse
ou detenção do réu. Isso decorre expressamente do n.º1 do artigo 1311.º CC, quando se alude
ao reconhecimento do direito de propriedade. Porém, na ação de reivindicação o autor invoca
um direito real de gozo, que não a posse. Se apenas esta surge aduzida, a ação é possessória e
não de reivindicação e somente pode valer quanto à posse;
A causa de pedir: segundo o artigo 581.º, n.º 1 CPC (2013), nas ações reais a causa de pedir é o
facto jurídico de que deriva o direito real. Isto quer dizer, que na ação de reivindicação o autor
deve apontar o facto jurídico aquisitivo do direito real que invoca como fundamento do pedido
de entrega da coisa, não bastando a referência genérica ao direito ou a um facto aquisitivo deste
que não seja especificado.
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a. Menezes Leitão: é necessária a demonstração de uma aquisição originária do direito,
sendo , no entanto, dispensada quando existem presunções de propriedade, como a
derivada da posse (artigo 1268.º, n.º1 CC) ou do registo (artigo 7.º CRPr).
b. José Alberto Vieira: esse facto aquisitivo não tem de ser um facto aquisitivo originário,
mas se adquiriu o direito real através de um facto translativo (aquisição derivada) tem de
reconstruir a cadeia de titulares por não ter uma presunção legal de titularidade, já que a
presunção apenas inverte o ónus da prova relativamente a um facto.
O pedido: como vimos, há divergência quanto a este:
a. Menezes Leitão: a ação de reivindicação baseia-se em dois pedidos, sendo o primeiro o
de reconhecimento do direito real que assiste ao autor e o segundo, como consequência
do mesmo, o de restituição da coisa (artigo 1311.º, n.º1 CC).
b. José Alberto Vieira: a ação de reivindicação tem um pedido principal: a entrega da coisa.
A procedência da ação de reivindicação encontra-se, no entanto, sujeita à demonstração
cumulativa de três condições, a que chamamos condições de procedência e que são as seguintes:
O autor seja titular do direito real de gozo invocado: o autor tem de fazer a prova do
seu direito, ou seja, demonstrar que adquiriu o direito por um facto jurídico válido e
eficaz. A prova do facto aquisitivo do direito do autor é feita nos termos gerais. Se o autor
beneficia de presunção legal, o ónus da prova inverte-se, cabendo ao réu demonstrar que
o autor não é titular do direito invocado. As presunções mais importantes a considerar
para este efeito são a presunção fundada no registo predial (artigo 7.º CRPr) e a presunção
fundada na posse (artigo 1268.º, n.º1 CC). Sendo o facto aquisitivo derivado, a prova da
titularidade do autor faz-se reconstruindo a cadeia dos adquirentes anteriores até a uma
aquisição originária, ou seja, o autor tem de provar a validade dos factos translativos do
direito até ao seu, o que significa provar a titularidade do direito na esfera jurídica dos
transmitentes anteriores até ao transmitente do seu direito. Esta atividade probatória tem
como limite a aquisição originária do direito. Nesse caso, tudo se reduz à demonstração
do facto aduzido como aquisitivo do direito alegado na ação.
O réu tenha a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor: se o reivindicante
demanda um possuidor anterior que já transmitiu a sua posse a um terceiro, a ação só
poderá improceder. Para a lei o estatuto possessório do demandado pode ser um
possuidor ou um detentor (artigo 1311.º, n.º1 CC). Tão pouco tem o autor de provar a
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qualidade de possuidor ou de detentor do demandado. Que o réu tenha a coisa em seu
poder é tudo o que o reivindicante tem de demonstrar quanto a este ponto. Mas
demandando um detentor, este pode intervir ou ser chamado a intervir pelo detentor
demandado nos termos regulados no CPC para a intervenção de terceiros.
O réu não poder ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo: liga-
se à existência ou não de um direito do demandado a ter a coisa em seu poder, que pode
ser um direito real de gozo, garantia ou de qualquer outra natureza, inclusivamente não
real, como um direito pessoal de gozo. Se a articulação entre ambos os direitos determinar
que a coisa deva permanecer com o réu, o que é o caso se o direito do autor está onerado
com um direito real do réu ou se existe um direito pessoal de gozo validamente
constituído a favor do réu, a ação de reivindicação deve ser declarada improcedente, pois,
a ser de outro modo, ficaria preterido o direito do réu apenas porque o autor reivindicou
a coisa.
Apesar a formulação literal ampla do artigo 1315.º CC, que determina a aplicação das disposições
precedentes à defesa de todo o direito real, a ação de reivindicação respeita unicamente aos seus direitos
reais de gozo e não a quaisquer outros direitos reais, ainda que atribuam posse, como o penhor ou o
direito de retenção. A ação de reivindicação constitui o meio de defesa do direito real de gozo – com
exceção da posse – quando o titular da posse – quando o titular está desapossado da coisa e não se
estende a nenhum outro direito real. Ação de reivindicação é a ação de defesa do direito real de gozo
contra aquele que tem a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor, e não a entrega ao titular do
direito.
A ação de reivindicação pode levar ao confronto do direito real de gozo do autor com a posse do réu.
Ora, aposse é igualmente um direito real, como teremos oportunidade de demonstrar. Pode, assim,
perguntar-se legitimamente qual dos dois direitos prevalece neste conflito, o direito real de gozo do autor
ou a posse do réu?
1. José Alberto Vieira: A propriedade ou o direito real de gozo prevalece sempre sobre a posse.
Esta solução tem um fundamento normativo expresso no artigo 1311.º, n.º1 CC, dado que de
acordo com este preceito o proprietário (todo o titular de um direito real de gozo – artigo 1315.º
CC) pode pedir a restituição da coisa de qualquer possuidor ou detentor da coisa, o que supõe a
prevalência do direito real sobre a posse, em qualquer caso. Com efeito, nos termos da alínea d)
do artigo 1267.º CC, a posse só se extingue um ano após o esbulho, prazo esse que não decorre
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se a posse foi tomada ocultamente, enquanto não se tornar pública, ou se foi tomada com
violência, enquanto esta não cessar (artigo 1267.º, n.º2 CC). Convém, pois, sublinhar, que a ação
de reivindicação pode ser intentada pelo reivindicante que tem a posse jurídica da coisa contra o
terceiro que tem a posse ou detenção efetiva dela.
Nos termos do artigo 1313.º CC, a ação de reivindicação é imprescritível, podendo consequentemente
ser instaurada a todo o tempo, ainda que naturalmente tenha que ser julgada improcedente caso ocorra
a aquisição por usucapião a favor de outrem. A ação de reivindicação está sujeita a registo (artigo 3.º,
n.º1, alínea a) CRPr). Em consequência, em caso de transmissão da coisa em litígio, a ação não produzirá
efeitos em relação ao adquirente, se este tiver registado a sua aquisição antes do registo da ação (artigo
263.º, n.º3 CPC).
A ação negatória: a actio negatoria era igualmente uma actio in rem no Direito Romano. Através desta
ação, o proprietário prosseguia uma finalidade dupla: a declaração de que a propriedade se encontrava
liberta do direito real menor e a cessação da perturbação, com a reconstituição do estado em que a
coisa estaria se não fosse ela.
Ela pode ser intentada pelo titular de um direito real maior, e não apenas pelo proprietário, contra aquele
que se arroga a titularidade de um direito real menor e tem por objetivo principal a demonstração de que
o ónus invocado pelo réu não existe. Não vemos nenhum inconveniente em qualificar como negatória
a ação em que o proprietário possuidor pede ao tribunal que declare que o réu não é o proprietário.
O Direito português atual não autonomiza a ação negatória como ação real típica. No seu lugar, pode
ser intentada uma ação de simples apreciação negativa, uma ação declarativa que segue as regras do
processo comum e que tem por fim a declaração da inexistência de um direito. Ainda assim, e apesar da
ausência de previsão legal, a doutrina não deixa de apontar a ação negatória como uma modalidade de
ação real.
O fundamento da ação negatória é o direito real do autor; a causa de pedir, o facto jurídico do qual
emerge o direito real invocado pelo autor da ação e o pedido, a declaração da inexistência do direito real
menor do réu. O autor, alegando a titularidade de um direito real (maior), aduz o facto de aquisição do
direito que invoca e deduz ao tribunal o pedido de declaração da inexistência do direito do réu. Como
condição de procedência da ação temos:
O autor seja o titular do direito real invocado;
O réu não prove que o direito real (menor) existe.
A prova do facto aquisitivo do direito real invocado pelo autor pertence naturalmente a este.
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1. Alguma doutrina: aponta aqui uma exigência menos intensa de prova relativamente à ação de
reivindicação, afastando a necessidade da prova diabólica.
2. José Alberto Vieira: a declaração da inexistência do direito do réu, a prova do direito deve ser
menos rigorosa e exigente do que na ação de reivindicação, bastando formar no tribunal a
convicção de verosimilhança de que o direito existe e o autor é o seu titular.
As presunções legais de titularidade do direito real têm igualmente na ação negatória um campo de
aplicação. A prova de que o direito do réu existe cabe a este. A ser feita essa prova, a ação negatória será
improcedente. Já se o réu não consegue provar que tem o direito, a ação deverá proceder. O non liquet
probatório funciona sempre contra o réu na ação negatória. A improcedência da ação negatória tem o
efeito de declarar a existência do direito do réu. Não se vê outro resultado possível, uma vez que essa
improcedência equivale ao reconhecimento do direito do réu.
A ação confessória: Direito Romano cometeu a vindicatio servitutis e a vindicatio usufructus – mais tarde
uniformizadas na actio confessoria pelos compiladores – à tutela das servidões e do usufruto. O escopo
desta actio, uma actio in rem no Direito Romano, era fazer o proprietário confessar que existia um direito
de servidão sobre a coisa.
Na configuração usual da ação confessória, o autor pretende afirmar contra o réu a existência de um
direito real menor que este último não aceita.
Tal como sucede relativamente à ação negatória, a ação confessória constitui uma ação real típica na
ordem jurídica portuguesa, apesar de também a ela se referir a doutrina mais recente. No seu lugar, pode
ser intentada uma ação de simples apreciação positiva, uma ação declarativa que segue as regras do
processo comum e que tem por fim a declaração da existência de um direito.
O fundamento da ação confessória é o direito real do autor; a causa de pedir, o facto jurídico aquisitivo
desse direito e o pedido, a declaração da existÊ3ncia do direito real menor do réu. O autor, alegando a
titularidade de um direito real (menor), aduz o facto de aquisição do direito que invoca e deduz ao
tribunal o pedido de declaração da existência do direito do réu. Como condição de procedência da ação,
temos uma única:
O autor seja o titular do direito real invocado.
Ao autor cabe provar o ónus probatório da aquisição do direito real; ao réu pertence demonstrar, em
contraprova, que esse direito nunca se constituiu ou já se extinguiu. A prova do autor é uma prova
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semelhante à prova diabólica. Há, porém, um limite para essa prova: se o autor reconstitui a cadeia de
transmissão (incluindo a sucessão) até ao direito do réu, não tem de provar mais nada.
A ação confessória é uma ação real que se diferencia da ação de reivindicação por não envolver um
pedido de entrega da coisa. Na ação confessória, o autor apenas pede a declaração da existência do direito,
ou porque já tem a posse da coisa e pretende o reconhecimento de que essa posse coincide com a
titularidade do direito a que respeita ou, não tendo a posse, pretende obter a declaração judicial do direito
para poder iniciar, de seguida, o seu exercício.
A ação de demarcação: constitui a ação usada para estabelecer os limites entre os prédios no âmbito
das relações de vizinhança (artigos 1353.º e seguintes CC).
A ação de demarcação era qualificada como uma ação de arbitramento e sujeita a processo especial pelo
artigo 1058.º CPC 1961, mas a revogação dessa disposição leva a que ela siga atualmente a forma de
processo comum. O tribunal terá, no entanto, que respeitar o disposto no artigo 1354.º, n.º1 CC,
decidindo a ação em conformidade com os títulos de cada uma das partes.
Na falta de títulos suficientes, a demarcação é realizada de harmonia com a posse em que estejam os
confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova. Se, porém, os títulos não determinarem
os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela
posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio em partes iguais
(artigo 1354.º, n.º2 CC).
Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno,
atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um (artigo 1354.º, n.º1 CC). A
ação de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião (artigo 1355.º
CC).
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PARTE ESPECIAL Onde trataremos os tipos de direitos reais em específico
Classificação Tipo Página
Direito real de gozo
A posse* 152 A Propriedade 216
O Usufruto 235
Uso e habitação 257 A Superfície 267
As servidões Prediais 291 Direito real de habitação
periódica
Direito real de garantia
A Consignação de Rendimentos
319
O Penhor 322
A Hipoteca 329
Os Privilégios Creditórios
341
O Direito de Retenção 344
A Penhora 348
Direito real de aquisição
A Promessa Real 351
A Preferência Real 353
*Como vimos e veremos, a sua classificação como tal é controvertida (até como direito real)
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I – Direitos Reais de Gozo
A – A Posse
O lugar da posse no sistema científico de Direitos Reais: a colocação da posse no sistema
científico de Direitos Reais constitui, provavelmente, um dos pontos do programa desta cadeira que mais
oscilações tem sofrido ao longo dos anos.
1. Guilherme Moreira: ensinava a posse, seguindo-se a propriedade. A posse era, pois, o primeiro
direito real a ser ensinado e só depois vinha a propriedade.
2. Pires de Lima: por sua vez, restringia o programa de Direitos Reais ao estudo da propriedade.
Porém, nas Noções Fundamentais De Direito Civil, a posse vem situada no final da exposição
de Direitos Reais, no fim do elenco dos direitos reais.
3. Henrique Mesquita: segue Guilherme Moreira, inserindo a posse antes da propriedade.
4. José Tavares: a sequência seguida consiste no estudo da propriedade, em primeiro lugar,
seguindo a posse, do usufruto, da enfiteuse e das servidões.
5. Oliveira Ascensão: A sua conceção de posse distingue-se de todas as demais seguidas até hoje
em Portugal. Este professor defende que a posse é um direito subjetivo relativo, sem natureza
real. O que o ensino de Oliveira Ascensão tem de original, no entanto, é a colocação da posse
como capítulo autónomo antes da parte geral de Direitos Reais e dentro dos capítulos
preliminares que dedica à matéria. Parece que a posse fica num limbo, nem na parte geral, nem
na parte especial de Direitos Reais, como se fosse exterior a esta disciplina. É a consequência de
se retirar à posse natureza real e ter de a enquadrar no ensino deste ramo de Direito.
6. Menezes Cordeiro: oferece outra perspetiva, incluindo a posse no conteúdo dos direitos reais.
7. Carvalho Fernandes: posiciona a posse como o primeiro dos direitos reais de gozo, a que se
segue o elenco legal, pela ordem constante do Código Civil, acrescido do direito real de habitação
periódica.
8. Menezes Leitão: leciona-a numa parte dedicada à ordenação jurídica provisória das coisas.
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9. José Alberto Vieira: entende que a posse constitui um direito distinto daquele a que se
reporta e não meramente uma parte do conteúdo deste último. Enquanto tal, pode ter uma
natureza diversa dele. Julgando também que, quando se refere a um direito real de gozo, a posse,
sendo embora um direito distinto deste, tem a natureza de direito real (de gozo). Porquanto o
regime jurídico da posse (artigo 1251.º e seguintes CC) respeita à posse exercida nos termos de
um direito real de gozo, a sua inserção sistemática é a dos direitos reais de gozo. E é aí que
também colocamos a exposição do regime jurídico respetivo.
A noção legal de posse: tem sido notado que definir a posse é uma das tarefas mais árduas do
Direito. O Código Civil português inicia o Livro III, dedicado aos Direitos Reais, com a noção de posse.
Preceitua o artigo 1251.º CC que posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
À formulação escolhida pelo legislador português, têm sido dirigidas várias críticas. Por nós, acentuamos
três:
1. A utilização do termo poder no artigo 1251.º CC acarreta uma considerável ambiguidade. Na
dogmática jurídica, o poder consiste numa situação jurídica ativa menos extensa do que o direito
subjetivo, do qual se distingue. Se o legislador se quis referir a ele na sua aceção técnica, a opção
não foi certamente feliz, pois a posse engloba vários poderes e não um só.
2. Ao mencionar que a posse é um poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, o artigo 1251.º
CC transmite o sentido inexato que a posse pressupõe um comportamento ativo do possuidor,
quando é certo que o artigo 1257.º, n.º1, parte final CC dispõe claramente que há posse desde
que o possuidor posse atuar materialmente sobre a coisa quando queira, por conseguinte, mesmo
que não atue.
3. A atuação por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real pode não
revelar qualquer posse.
A autonomia da posse: na linguagem corrente e na conceção social, a posse vem frequentemente
confundida com a propriedade, numa indistinção em que ambas surgem como sinónimas da mesma
realidade jurídica. Dentro de um plano estritamente jurídico, a posse e a propriedade são realidades
diferenciadas.
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A autonomia da posse face à propriedade radica igualmente na circunstância de a posse se poder referir
a outros direitos para além da propriedade, direitos reais de gozo e direitos de outra natureza,
nomeadamente, pessoais, como veremos adiante. A isto acresce, que a posse pode existir sem que o
direito a que se refere esteja validamente constituído, isto é, sem que haja um direito que lhe corresponda.
A posse formal não deixa de ser uma verdadeira posse.
Sendo a posse independente do direito real tem um conteúdo singular que, no confronto com os outros
direitos reais, conforma o tipo de direito real em que se traduz. Autonomia da posse explica que os seus
factos constitutivos, translativos, modificativos e extintivos sejam específicos, diversos dos outros
direitos reais, e que à posse o Direito associe a produção de efeitos jurídicos próprios (presunção de
titularidade do direito, fruição, benfeitorias, tutela possessória, usucapião, etc.
1. Paulo Cunha e Menezes Cordeiro: defendem que a autonomia da posse se compatibiliza com
a i deia de que ela integra o conteúdo do direito real;
2. José Alberto Vieira: ela não traduz a separação que desde a sua origem marca o regime da posse
no confronto com o direito real nos termos do qual se exerce. Como dissemos, a posse constitui
um direito distinto do direito exteriorizado no seu exercício. Se o possuidor tem simultaneamente
a titularidade do direito real, então na mesma esfera jurídica reúnem-se dois direitos: a posse e o
direito real a que ela se refere; caso a posse surja dissociada do direito real, ao possuidor apenas
cabe a posse. De qualquer modo, a posse nunca integra o conteúdo do direito que exterioriza no
comportamento do possuidor.
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A função da posse: a posse é teorizada de acordo face à sua defesa no seguinte quadro
Teorias
Absolutas
A sua
explicação
encontra-se
no interior
da posse
Proibição da violência
A turbação da posse é um
delito contra o possuidor Savigny
A turbação da posse é um
delito contra a ordem jurídica Rudorff
Princípio jurídico segundo o qual ninguém
pode ultrapassar juridicamente outrem sem
apresentar um fundamento prevalecente
para o seu direito
Thibaut
Preferência pela ilibação, segunda a qual, a
menos que seja apresentada contraprova em
sentido contrário, a posição do possuidor
deve ser protegida
Röder
Defesa da propriedade, porque
Constitui uma propriedade
provável
Tese
clássica
Corresponde a uma
propriedade inicial Gans
Existe interesse necessário
num complemento da tutela
da propriedade
Jhering
Teorias
Relativas
A sua
explicação
está no seu
exterior
A vontade do possuidor na sua
incorporação fática
Gans
Puchta
Bruns
A preservação do controlo fático da coisa,
atento o valor económico representado pelo
mesmo
Stahll
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Modernamente, têm-se encontrado diferentes funções para a posse.
Função de proteção
revela-se através das ações possessórias e da ação
de indemnização pela violação da posse. O
possuidor pode reagir contra ameaças, turbações
e esbulho da coisa possuída e tem direito a uma
reparação dos prejuízos contra o terceiro violador
da posse.
Função de conservação (continuidade)
Na tutela atribuída ao possuidor contra quem
constituiu o direito a seu favor. O locatário, o
comodatário, o depositário e o parceiro pensador
podem usar as ações possessórias mesmo contra
o locador, o comodante, o depositante ou o
proprietário.
Fortalecimento da posição do titular de direitos
pessoais de gozo. A posse reforça a tutela destes
direitos defronte de terceiros.
Na usucapião, ou seja, na consolidação do
possuidor do direito real de gozo exteriorizado
através da posse.
Função de publicidade
Liga-se à presunção de titularidade do direito
associada à posse e, nalguns sistemas jurídicos,
que não o português, à tutela da boa é e à
transmissão de direitos reais.
Em Portugal:
1. Menezes Cordeiro: defendeu recentemente que a posse tem duas funções:
a. A tutela dominial: a posse defende a propriedade ou o direito base através das presunções
legais e das ações possessórias; e
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b. A tutela da confiança: seriam protegidas a confiança do possuidor, que não será
molestado, e de terceiros que, com referência aos bens possuídos, terão, pelo menos, um
interlocutor provisório.
2. Pinto Duarte: por sua vez, aponta três funções:
a. A defesa da paz pública;
b. O valor da continuidade; e
c. A proteção da confiança.
3. José Alberto Vieira: num tema tão controverso e difícil, nenhuma teoria sobre a função da posse
abarca com certeza toda a complexidade do instituto nem pode ter a pretensão de encontrar a
explicação definitiva para o problema. Assim, a posse desempenha várias funções e só a
ponderação de todas elas transmite uma imagem real do papel que a posse tem no ordenamento
jurídico. Tem, assim, a posse quatro funções principais:
a. Atribuir provisoriamente um direito a quem tem o controlo material da coisa corpórea:
Quando a fosse é formal e o proprietário, ou outro titular de direito real de gozo, faz
valer o seu direito contra o possuidor, nomeadamente, através da reivindicação, a posse
cede no confronto com a propriedade (ou o direito real de gozo) e vem a extinguir-se. O
possuidor formal perde, então, a sua posição para o titular do direito real. (artigo 1278.º,
n.º1 CC). Isso é igualmente verdade para o possuidor causal que não invoca o seu direito
no confronto com outro titular de direito real de gozo. Havendo conflito entre a posse
e o direito real, a primeira cederá sempre a favor do segundo. Esta atribuição provisória,
contudo, enquanto dura, representa em si um direito subjetivo e implica, como sucede
relativamente a todos os direitos subjetivos, uma proibição de ingerência para terceiros,
podendo o possuidor defender a sua posição com recurso aos esquemas normativos de
tutela da posse.
b. Função de prevenção da violência ou de garantia da paz social, pois todos sabem que a
posse constitui uma afetação jurídica da coisa ao possuidor, e que uma ofensa a ela
constitui uma ação ilícita reprimida pela ordem jurídica: a posse tem uma relação
particular com os restantes direitos reais de gozo, sendo um pressuposto fático de
aproveitamento do conteúdo integral de praticamente todos eles. O gozo de uma coisa
supõe quase sempre que a coisa esteja em poder do titular do direito. Ora, é a posse da
coisa que assegura ao titular do direito de gozo o controlo material sobre ela. Sem posse,
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fica o poder de disposição jurídica do direito, quando seja normativamente consagrado,
mas não o uso e a fruição da coisa, que só a posse garante. Por isso, também o titular do
direito real de gozo carece da posse para o exercer quanto a uma larga fatia do seu
conteúdo.
c. Aparência da titularidade do direito sobre a coisa objeto da posse: esta resulta da
presunção da titularidade do direito real nos termos do qual a posse se exerce (artigo
1268.º, n.º1 CC).
d. Função de conservação ou de consolidação: que se fundamenta na usucapião.
4. Menezes Leitão: as teorias que fundamentam a posse na propriedade têm, hoje, que ser
rejeitadas, uma vez que a posse extravasa do âmbito da propriedade, sendo hoje a sua tutela
concedida inclusivamente no âmbito dos direitos pessoais de gozo. A defesa da paz pública é um
elemento importante na justificação da tutela possessória, mas não parece ser o elemento decisivo,
uma vez que está em causa antes de tudo uma proteção dada ao possuidor na conservação da
sua situação. A razão da proteção possessória resulta assim da circunstância de o controlo fático
sobre a coisa exercido no próprio interesse constituir um valor económico, que deve ser
disciplinado e protegido como tal.
A posse como exteriorização de um direito: a posse exerce-se sempre nos termos de um
direito, que exterioriza. A ligação da posse a um direito retira-se de vários preceitos legais, desde logo,
do artigo 1251.º CC, onde se dispõe que existe posse quando alguém atua por forma corresponder ao
exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Essa ligação inicia-se logo no momento da
constituição da posse e prolonga-se ao longo de todo o período em que a posse é mantida. Com efeito,
o artigo 1263.º, alínea a) CC, preceitua que a posse se adquire pela prática reiterada, com publicidade,
dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito e o artigo 1257.º, n.º1 CC, estabelece que a
posse se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de
a continuar. Se a ligação da posse à exteriorização de um direito vem a ser quebrada, a posse extingue-
se. É o que resulta da alínea a) do artigo 1253.º CC.
1. José Alberto Vieira: a posse passa a detenção quando aquele que tem a coisa em seu poder
esclarece para a comunidade que não atua sobre a coisa nos termos de um direito próprio.
Porquanto a posse constitui a exteriorização de um direito sobre uma coisa, se aquele que tem a
coisa em seu poder deixa de atuar como titular de um direito a ordem jurídica nega-lhe a posse,
atribuindo-lhe o estatuto de detentor (artigo 1253.º, alínea a) CC).
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2. Menezees Leitão: discorda, entendendo que a a posse é genericamente atribuída em todos os
casos em que alguém atua por forma correspondente ao exercício de um direito real e, como
vimos, igualmente em certos direitos pessoais de gozo, independentemente da intenção do
possuidor. A detenção é vista como uma posse legalmente descaracterizada, dado que haverá
posse sempre que alguém não se encontre em alguma das situações em que a lei recuse a tutela
possessória, nomeadamente o artigo 1253.º CC.
Os elementos da posse: a exposição dos elementos da posse encontra-se profundamente marcada
pela discussão entre as teorias subjetivista e objetivista. Vejamos o seguinte quadro:
Teoria Subjetivista
Savigny
Teoria Objetivista
Jhering
A detenção residiria no exercício da propriedade
e o estado fático correspondente a este direito.
Para que alguém seja possuidor, não pode ter uma
simples detenção, deve também querer tê-la.
Deste modo, só pode ser possuidor o que, para
além da detenção, tiver o animus, a intenção de ser
proprietário, mesmo que não o seja e o saiba.
Nesta construção, a posse, para além do elemento
intencional comum a todas a situação de controlo material
de uma coisa (a), tem dois elementos:
c – o elemento físico da relação material
entre um sujeito e uma coisa (detenção ou
corpus);
x – o animus, ou seja, a vontade de atuar
como titular de um direito real de gozo.
Havendo corpus, há, em princípio, posse, a não ser
que a lei descaracterize a situação para mera
detenção. O animus está subjacente à ação do
possuidor. Ninguém age sem ter vontade. Por
isso, quem tem o corpus possessório terá também
vontade de atuar como titular de um direito real.
Assim, temos:
a – elemento intencional comum a toda a
situação de posse;
x – elemento que deve juntar-se à
vontade, para que se possa falar em animus
domini (sendo facultativo)
c – corpus
n – norma jurídica que qualifica a situação
como detenção.
Posse = a + x + c
Detenção = a + c
Posse = a + x - n
Detenção = c + n
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As duas teorias exprimem uma visão muito diferente da posse. Enquanto a teoria subjetivista deixa a
decisão sobre a posse com o possuidor, na perscrutação da sua vontade relativamente à situação, numa
estranha renúncia à ordenação jurídica pelo Direito, a teoria objetivista atribui à lei o critério de aferição
de uma situação como posse ou detenção. Sempre que um sujeito tenha a coisa em seu poder, existe
posse, a não ser que, por força de uma norma legal concreta, a posse lhe seja negada.
Em Portugal, a doutrina diverge igualmente:
1. Manuel Rodrigues: advogou o subjetivismo em matéria possessória, entendendo que a posse é
constituída por dois elementos: o corpus e o animus possidendi.
2. Henrique Mesquita: aderiu à tese subjetivista.
3. Pires de Lima e Antunes Varela: idem, influenciando a jurisprudência e a doutrina por largos
anos, sendo que, ao elemento subjetivista – o animus – não se refere ostensivamente o artigo
1251.º, mas ele deriva de outras disposições do Código, especialmente do artigo 1253.
4. Oliveira Ascensão e Menezes Leitão: defenderam a teoria objetivista. Para este último, o
artigo 1253.º, alínea a) CC corresponde a situações em que há exercício de poderes de facto sobre
a coisa, mas os mesmos correspondem ao conteúdo de um direito real ao qual a lei não reconhece
a tutela possessória.
5. Menezes Cordeiro: defendeu numa final posição que o sistema português é misto. A
contraposição das alíneas b) e c) do artigo 1253.º CC, por um lado, com a alínea a), do outro,
conduziriam fatalmente a esse resultado.
6. José Alberto Vieira: entende que os arautos do subjetivismo e objetivismo trabalham sobre os
textos do Direito Romano. As fontes do Direito português são outras e apenas essas contam
para determinar a orientação seguida pela nossa ordem jurídica. O artigo 1251.º CC apresenta
uma noção de posse sem nenhuma menção à intenção ou vontade do possuidor. Dispõe-se aí,
simplesmente, que a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
corresponde ao exercício de um direito real. Nos artigos seguintes vem explicitado que esse
poder é um poder de facto. Esta expressão surge no artigo 1252.º e no artigo 1253.º, alínea a)
CC; ela pretende traduzir o habitualmente designado corpus possessório, ou seja, o controlo
material de uma coisa corpórea por um sujeito. Quer dizer, a noção de posse vertida no artigo
1251º CC faz coincidir a posse com o chamado corpus possessório, denominado poder de facto,
e deixa ignorado qualquer elemento intencional. Nenhuma menção ao animus surge no artigo
1251.º CC. Os regimes dos artigos 1263.º, alínea a) (apossamento) e 1265.º CC (inversão do título
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da posse) também não aludem ao animus, que não é exigido para a aquisição da posse em qualquer
destes factos. Por outro lado, depois de apresentar uma noção de posse (artigo 1251.º CC) e de
dispor que a posse pode ser exercida direta ou indiretamente pelo possuidor (artigo 1252.º CC),
o Código Civil elenca logo no artigo 1253.º CC os grupos de casos em que, não obstante haver
poder de facto (corpus possessório), não é atribuída posse ou, noutra formulação, a posse vem
descaracterizada para mera detenção. Se bem atentarmos, esta técnica segue o esquema de
Jhering, o qual explicava que os casos de detenção resultavam da incidência de uma norma
jurídica que afastava a posse quando havia corpus. Com efeito, a função desempenhada pela
intenção no Direito português, segundo a alínea a) do artigo 1253.º CC, é justamente a oposta à
defendida pela teoria subjetivista: a de afastar a posse numa situação em que normalmente ela
existiria. A intenção funciona como vetor de exclusão da pose, não de atribuição da mesma.
Poderíamos expor este entendimento através da fórmula seguinte:
Quando é que se pode dizer que a intenção afasta a posse segundo a alínea a), artigo
1253.º CC?
1. Oliveira Ascensão: exemplifica com a situação em que um emigrante deixou na sua aldeia bens ao
abandono. Um vizinho toma conta deles mas declara categoricamente que o faz apenas em nome
do emigrante, a quem restituirá tudo logo que ele regresse. Ou que aquele que cultiva a terra
alheia declara que trabalha para o dono da terra. Para este autor, em qualquer destes casos, não
se adquiriu posse, que tem de significar um poder autónomo exercido sobre a coisa. Nestes casos,
não há posse, diz-nos a lei – há mera detenção.
2. Menezes Cordeiro: viria posteriormente a qualificar estes exemplos no contexto da alínea c) do
artigo 1253.º CC, alegando tratar-se de casos de gestão de negócios
3. José Alberto Vieira: sem a declaração do interveniente a situação seria possessória, e só com a
declaração prestada muda o tratamento jurídico da mesma. É com a declaração do interveniente
que se percebe que a intervenção ocorre por conta de outrem (gestão de negócios) e não
representa a exteriorização de um direito próprio sobre a coisa. Na verdade, o artigo 1253.º,
alínea a) CC aplica-se aos casos em que aquele que tem o corpus possessório esclarece
socialmente que não tem nenhum direito sobre a coisa. Porquanto a posse é tutelada enquanto
exteriorização de um direito, quando aquele que tem a coisa em seu poder se comporta de modo
Detenção = corpus - animus
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a esclarecer a comunidade que não se arroga nenhum direito sobre ela, a ordem jurídica trata a
situação como mera detenção. Não existe outra possibilidade. Por um lado, a vontade interior,
enquanto não exteriorizada, não permite avaliar qualquer intenção do sujeito. Por outro lado, a
teoria da causa também não ajuda nada a este propósito. O título de aquisição de um direito pode
servir para atestar que o sujeito atua sobre a coisa nos termos desse direito. Mas justamente
nessas situações haverá posse, porquanto ocorre uma exteriorização de um direito. A declaração
do próprio sujeito que tem o domínio material da coisa de que não atua sobre ela nos termos de
um direito é aproveitada pelo Direito para descaracterizar a posse. Sem exteriorização de um
direito, não há posse. Se o interessado esclarece socialmente, mediante um comportamento
declarativo, que não tem qualquer direito sobre a coisa, a sua declaração desvaloriza a situação
para mera detenção.
Assim, para ambas as regências o Código Civil português é integralmente objetivista em sede de
regulação de posse. Havendo corpus possessório e não incidindo nenhuma norma jurídica que
descaracterize a situação para mera detenção, nomeadamente qualquer das alíneas do artigo 1253.º CC,
existirá posse. O animus não é, assim, um dos elementos da posse.
Caracterização do corpus possessório: muitas vezes, o corpus possessório vem definido como
uma relação material ou de facto entre um sujeito e uma coisa, noção que serve, outras vezes, para
caracterizar a própria posse:
3. Savivgny: parte do conceito geral de detenção, isto é, da relação material á qual corresponde a
propriedade como uma relação jurídica.
4. José Tavares diz, por sua vez, que dois elementos concorrem para formar a pose: um puramente
material ou físico, consistente na relação exterior ou de facto em que a couse se encontra com a
pessoa; o outro psíquico ou intelectual.
5. José Alberto Vieira: uma relação supõe, porém, dois sujeitos de Direito e não constitui termo
idóneo para designar a ligação de domínio existente entre uma pessoa e uma coisa. Por isso,
rejeitamos que se posse falar de relação, material ou jurídica, para definir o corpus possessório.
Toda a gente está de acordo que a noção de corpus possessório traduz uma situação de sujeição
de uma coisa a uma pessoa, implicando um controlo material sobre ela. No Direito português,
os artigos 1252.º e 1253.º CC mencionam o possuidor como o que exerce o poder de facto sobre
a coisa, enquanto o artigo 1257.º CC, em sede de conservação da posse, reporta-se à atuação
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correspondente ao exercício do direito ou à possibilidade de a continuar. Deles parece resultar
que o poder de facto acarreta a prática de atos que traduzem o exercício de um direito (real) ou,
pelo menos, a possibilidade de prática desses atos. Ora, a atuação material sobre a coisa ou a
possibilidade dessa atuação supõe o controlo material dela ou, como alguns preferem dizer, o
domínio da coisa. O corpus possessório projeta-se, por conseguinte, a um nível físico, significando
que alguém pode praticar os atos de aproveitamento da coisa correspondentes ao direito que
exterioriza. Por isso, julgamos que o corpus possessório alude simplesmente ao estado de facto
em que um sujeito tem o controlo material da coisa e pode atuar sobre ela nos termos de um
direito. Mas, refere, O simples contacto material sobre uma coisa, seja efémero e ocasional seja
periódico e duradouro, não basta para constituir o corpus possessório a favor de alguém. E sem
corpus, não há posse, nem sequer detenção.
Tudo está em compreender que o corpus possessório, assentando no controlo material da coisa, se basta
com a mera possibilidade, abstrata, de atuação, sem necessitar para existir de uma ligação física constante
entre o possuidor e a coisa. Deste modo, não se torna necessária a prática ininterrupta do possuidor não
afeta a sua subsistência, desde que a possibilidade de o possuidor renovar a sua atuação sobre a coisa
não seja afetada pela intervenção de um terceiro que se erga em obstáculo a ela. Por maioria de razão,
também uma prática descontínua de atos materiais não compromete o corpus possessório, desde que a
descontinuidade não advenha de facto de um terceiro que impeça a atuação sobre a coisa.
Não há limite temporal à inércia do possuidor enquanto ele mantém o controlo material da coisa.
Contudo, uma inércia demasiado prolongada pode revelar uma situação de abandono. Só em concreto
se pode aferir se a inércia significa uma quebra da ligação física com a coisa (abandono) ou se não é esse
o caso.
O corpus possessório pode existir mesmo havendo outras posses sobre a mesma coisa. Assim, o controlo
material correspondente ao corpus possessório não tem de ser exclusivo, no sentido de só poder existir
um controlo material por pessoa ou só nos termos do mesmo direito. Podendo recair simultaneamente
vários direitos reais de gozo sobre a coisa, existirá, em princípio, um número igual de posses. O controlo
material por um possuidor nos termos do seu direito não prejudica o controlo que outro exerça sobre a
coisa em relação a outro direito compatível. No fundo, a existência de vários corpus possessórios não
decorre de outra coisa senão da concorrência e sobreposição de direitos reais que o sistema jurídico
admite poderem recair sobre a mesma coisa.
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Imaterialização da posse: tem uma das suas manifestações na possibilidade de a posse subsistir
sem o corpus possessório.
A hipótese vem prevista na alínea d) do artigo 1267.º C: segundo este preceito, em caso de esbulho, a
posse mantém-se pelo prazo de um ano.
Uma posse já existente pode, por conseguinte, durar por um ano mesmo sem corpus. A explicação para
esta hipótese, em que o ordenamento jurídico permite a posse dissociada do corpus, reside no facto de se
pretender assegurar a defesa da posse com recurso às ações possessórias, em particular, à ação
possessória de restituição. Se a posse se extinguisse imediatamente com a perda do corpus possessório,
o possuidor ficaria impedido de a defender contra o esbulhador. Assim, tem um ano para intentar ação
possessória de restituição (artigo 1282.º CC).
Isto não quer dizer que haja posse sem corpus. Uma posse não pode constituir-se nem manter-se
indefinidamente sem o controlo material da coisa, que é o elemento estruturante do seu reconhecimento
pelo Direito. O que se passa é que, durante um ano, a posse vem a ser mantida enquanto direito –
portanto, como situação jurídica – sem a situação de facto a ele correspondente, para permitir a
recuperação da coisa pelo possuidor esbulhado.
Posse e detenção: para se afirmar da existência de posse num dado caso concreto, para além do
corpus, deve averiguar-se igualmente da incidência de uma norma jurídica que qualifique a situação como
mera detenção. Havendo corpus, mas a ele não correspondendo nenhuma posse, fala-se em detenção.
O artigo 1253.º CC usa ainda como sinónimo a expressão possuidor precário. Pensamos, contudo, que nada
se ganha na proliferação de termos sucedâneos numa matéria já carregada com uma grande dispersão
terminológica. Quem tem detenção é detentor, não possuidor, ainda que precário. Por isso, limitamo-
nos a falar em detenção e detentor e abstemo-nos de usar a terminologia posse precária e possuidor
precário. Trata-se de uma pura situação de facto, a que o Direito português não associa quaisquer efeitos
jurídicos.
A distinção entre posse e detenção é fulcral. O possuidor beneficia dos efeitos da posse; o detentor, em
contrapartida, não recebe nenhuma proteção do ordenamento. Assim, a detenção não constitui um
direito subjetivo (para que nisso se arvore, como José Alberto Vieira), ao contrário da posse, nem se
reconduz a nenhuma outra situação jurídica ativa. A detenção resulta da incidência de uma norma jurídica
que retira ao corpus a sua consequência normal de atribuição de posse.
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Nesta matéria, o preceito fundamental é o artigo 1253.º CC, que afasta a posse em três grupos de casos:
Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito: a
lei portuguesa prevê nesta alínea os casos em que alguém, que até esse momento exteriorizava
uma atuação nos termos de um direito real, declara não ter qualquer direito sobre a coisa. Tal
declaração pode vir comunicar a que título é feita a intervenção sobre a coisa, clarificando que
não é feita nos termos de um direito real próprio, ou significar a extinção do direito real até aí
exteriorizado sobre ela, como é o caso da declaração de renúncia ao direito. Conforme dissemos
anteriormente, a intenção mencionada na alínea a) do artigo 1253.º CC é a intenção declarada,
assente num comportamento do detentor que comunica para o exterior, para os interessados,
que não atua sobre a coisa nos termos de um direito real próprio. A diferença para a alínea c) do
artigo 1253.º CC, é que nesta se atende exclusivamente ao título, elemento objetivo, pelo qual o
detentor tem a coisa em seu poder, enquanto a alínea a), superano o que em contrário resultar
do título eventualmente existente, se baseia somente naquilo que o interessado declara. A
intenção declarada daquele que tema coisa em seu poder, de não atuar nos termos de um direito
real, descaracteriza a situação, que seria de posse, para mera detenção. A intenção, entendida
como intenção declarada, objetivada num comportamento exterior, desempenha a função de
manter a posse no âmbito restrito da exteriorização de um direito real. O seu sentido é, pois,
negativo; não confere posse, antes a retira em situações que normalmente seriam de posse.
Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito: seguindo Henrique
Mesquita, Pires de Lima/Antunes Varela e Menezes Cordeiro, José Alberto Vieira entende que
a alínea b) do artigo 1253.º CC consagra os denominados atos de mera tolerância, abrangidos os
casos em que é permitido a alguém o aproveitamento material da coisa, mediante autorização
expressa ou tácita do possuidor, sem que haja lugar à constituição de qualquer direito a favor do
beneficiário da autorização. Precisando, porém, que nos atos de mera tolerância, o detentor não
goza de qualquer título relativo a um direito real (ou outro) sobre a coisa. A mera autorização de
uso de uma coisa, fora do contexto de um facto constitutivo de um direito real (ou de outro
direito), não confere posse ao beneficiário dela, que é um mero detentor. A alínea b) do artigo
1253.º CC revela igualmente a teleologia geral de distinção entre a posse e a detenção. Uma vez
que aquele que se aproveita da tolerância do possuidor não adquire qualquer direito real, não tem
posse. Sem exteriorização de um direito real não há posse.
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Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que
possuem em nome de outrem: no artigo 1253.º, alínea c) CC encontram-se previstos os casos
em que alguém possui em nome de outra. Desde logo, os trabalhadores relativamente aos bens
da entidade patronal que tenham em seu poder, os representantes do possuidor, incluindo o
mandatário com poderes de representação, e todos aqueles que adquiram posse nos termos de
um direito real menor ou de outro direito. A compreensão deste preceito passa pela análise do
título do sujeito que tem a coisa consigo. Se alguém tem uma coisa em seu poder como
procurador não atua sobre ela nos termos de um direito próprio; logo, é detentor. Quando
alguém atua sobre a coisa nos termos de um título que não atribui a propriedade, é sempre
detentor em nome do proprietário. Em todo o caso, há duas situações diversas que cabem nesta
alínea e que importa destrinçar:
o A daqueles que atuam sobre a coisa em nome do proprietário, sem afirmarem nenhum direito próprio
quanto a ela (o procurador, o mandatário sem poderes de representação, o trabalhador, etc.): são
apenas detentores, têm uma simples detenção, limitando-se a atuar sobre a coisa em seu
poder por conta e em nome do proprietário; e
o A daqueles que, atuando sobre a coisa em nome do proprietário, sendo, por conseguinte, detentores
relativamente a este direito, são simultaneamente possuidores nos termos de um direito próprio (o
usufrutuário, o usuário e morador usuário, o superficiário, o titular do direito real de habitação
periódica, o titular da servidão predial): diferentemente, têm detenção e posse: detenção em
nome do proprietário (posse em nome alheio, como lhe chama a lei) e posse, em nome
próprio, nos termos do direito que afirmam sobre a coisa.
Sempre que alguém retenha a coisa em seu poder com referência a um direito real menor, para
o exercer, tem posse quanto a esse direito real e é detentor quanto à propriedade. A afirmação
de um direito real sobre a coisa, ainda que seja um direito real menor, confere a posse a quem
tem a coisa (corpus). Essa posse é uma posse em nome próprio quanto ao direito exteriorizado e
compatibiliza-se com a posse do proprietário, que a exerce através do possuidor nos termos do
direito real menor, que, no que a este aspeto diz respeito, age como um representante na posse
(artigo 1252.º, n.º1 CC).
Todas as situações de detenção previstas nas alíneas a) a c) do artigo 1275.º CC apresentam um traço em
comum: em todas elas não existe a exteriorização de um direito próprio pelo detentor. É esse traço
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comum que unifica o regime da detenção e dá um critério objetivo para a distinção entre a posse e a
detenção.
Na alínea a) do artigo 1253.º CC é o interessado quem declara que não é titular do direito real sobre a
coisa; na alínea b) não há qualquer direito a considerar, pois os atos de mera tolerância assentam
justamente na ausência de um direito por parte de quem atua sobre a coisa; enquanto que, na alínea c), a
incidência de um título descaracteriza a posse, apontando para a propriedade de outrem.
Fica agora claro que a atribuição provisória do direito em que consiste a posse assenta numa razão de
fundo: o possuidor arroga-se a titularidade de um direito; como a coisa está em seu poder, a lei parte da
presunção de que o direito lhe pertence (artigo 1268.º, n.º1 CC), embora deixe as portas abertas para a
demonstração do contrário.
Podemos assim dizer, que a posse representa a exteriorização de um direito e que a detenção constitui,
ao invés, uma atuação sobre coisa alheia, independentemente do detentor ser simultaneamente possuidor,
por referência a um direito próprio.
O âmbito da posse: do artigo 1251.º CC resulta que a posse regulada no Título I do Livro III é a
posse nos termos de um direito real de gozo. Quando no preceito se menciona a atuação por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, a lei tem em vista
unicamente os direitos reais de gozo. Esta restrição coloca problemas de interpretação face a outros
dispositivos normativos.
Existem preceitos que atribuem ações possessórias a titulares de direitos que não são direitos reais de
gozo, mesmo no regime jurídico-real: artigos 670.º, alínea a) CC para o credor pignoratício e o artigo
758.º CC para o direito de retenção. Portanto, mesmo no interior do sistema jurídico-real, a lei
portuguesa confere tutela possessória a titulares de direitos reais que não são de gozo.
A extensão da tutela possessória opera igualmente fora dos Direitos Reais, beneficiando titulares de
direitos que não têm natureza real. O locatário (artigo 1037.º, n.º2 CC), o comodatário (artigo 1133.º,
n.º2 CC), o parceiro pensador (artigo 1125.º, n.º2 CC) e o depositário (artigo 1188.º, n.º2 CC), todos eles
beneficiam da tutela possessória.
Cada um destes titulares de direitos subjetivos, quer de direitos reais de garantia (penhor, direito de
retenção), quer de direitos pessoais de gozo (locatário, comodatário, parceiro pensador e depositário), é
sempre detentor nos termos da propriedade, possuindo em nome de outrem quanto a este direito. A
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questão coloca-se, então, perante o direito que cada um exterioriza sobre a coisa, o direito de penhor, o
direito de retenção, o direito do locatário, o direito do comodatário, o direito do parceiro pensador e do
direito do depositário.
1. Uma forte corrente subjetivista, ligada a Savigny, responde à questão de modo negativo, porque
nestes casos o animus possidendi não cobriria a atuação nos termos de tais direitos. Estes seriam
detentores.
2. José Alberto Vieira: refere que se nos libertarmos do espartilho doutrinário do subjetivismo,
não há nenhuma razão para limitarmos o âmbito da posse aos direitos reais de gozo. Se a posse
repousa numa atuação material sobre uma coisa corpórea nos termos de um direito, ela pode ser
referida a todos os direitos subjetivos que confiram poderes para essa atuação,
independentemente da natureza, real ou outra, do direito subjetivo em questão. A não ser, claro,
que haja uma norma jurídica que negue a posse nestes casos. Procurando o sentido das várias
alíneas do artigo 1253.º CC, não encontramos nenhuma norma que afaste a posse relativamente
a qualquer dos casos enunciados. O artigo 1253.º, alínea c) CC tem, naturalmente, aplicação, mas
apenas para fixar que o credor pignoratício, o retentor, o comodatário, o locador, o parceiro
pensador, o depositário, são detentores quanto à propriedade. Nenhum argumento contrário
resulta, porém, em relação a cada um dos direitos considerados. Assim, relativamente à
propriedade são detentores, mas, sempre, possuidores relativamente a direitos que envergam no
controlo material da coisa. Nas situações em que o direito subjetivo em causa permite o controlo
material da coisa, mas a lei não prevê a tutela possessória, como o contrato promessa, com ou
sem eficácia real, em que tenha havido tradição da coisa e o contrato de compra e venda com
reserva de propriedade, acompanhado de entrega da coisa, estendendo-se, ainda e naturalmente,
a todos os casos em que alguém exterioriza poderes de atuação sobre uma coisa corpórea nos
termos de um direito subjetivo, a posse tem de ser, igualmente, afirmada, não obstante a ausência
de elementos normativos explícitos, uma vez que em todas essas situações existe corpus
possessório; alguém tem o controlo material sobre uma coisa corpórea, podendo, se quiser, atuar
sobre ela. O controlo material processa-se nos termos de um direito, que é exteriorizado por
aquele que atua sobre a coisa. Finalmente, não existe norma legal a afastar a posse;
nomeadamente, o artigo 1253.º CC não o faz. Por conseguinte, todos os ingredientes do
reconhecimento normativo da posse ocorrem igualmente nestes casos. Não há qualquer razão
para negar a posse a quem exerce um controlo material sobre uma coisa corpórea nos termos de
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um direito. Em abstrato, a ordem jurídica poderia restringir a posse aos direitos reais de gozo.
Todavia, o legislador português não hesitou em consagrar uma tutela possessória no quadro de
direitos subjetivos que não são reais. E nenhuma diferença se nota entre uma atuação material
sobre uma coisa corpórea nos termos de um direito subjetivo não real e nos termos de um direito
real. Quanto muito, a diferença existirá no regime jurídico e natureza do direito que permite a
posse. E não se diga que a falta de previsão de uma tutela possessória fora dos casos
contemplados na lei revela um propósito de negação da posse, como se todas as situações não
reguladas por norma expressa tivessem de receber uma solução contrária à que existe para
situações reguladas. O reconhecimento da posse sempre que se manifesta um controlo material
de uma coisa corpórea nos termos de direitos de crédito constitui uma comprovação de que a
posse transcende o universo dos Direitos Reais. Num sistema objetivista de posse sempre que
alguém atue sobre uma coisa nos termos de um direito próprio tem posse e não mera detenção.
Defendemos que a posse pode existir nos termos de direitos reais e nos termos de outros direitos
subjetivos, nomeadamente, de crédito, desde que facultem ao titular poderes para uma atuação
material sobre a coisa e aquele tenha a coisa no seu controlo.
3. Menezes Leitão: chega a um mesmo entendimento aqui propugnado pelo último autor.
O regime dos artigos 1251.º e seguintes CC só se aplica à posse nos termos de direitos reais de gozo.
Questiona-se, porém, se algumas das disposições normativas do regime jurídico da posse podem ter
igualmente aplicação à posse nos termos de outros direitos.
1. Oliveira Ascensão: admite que os preceitos atinentes aos meios de tutela, ao direito de
indemnização por violação da posse (artigo 1284.º CC), à presunção da titularidade (artigo 1268.º
CC), à sucessão da posse (artigo 1255.º CC), são generalizáveis.
2. José Alberto Vieira: o regime jurídico da posse encontra-se moldado à posse nos termos de
direitos reais de gozo e não se afigura facilmente justificável uma extensão à posse exercida nos
termos de outros direitos. As ações possessórias estão, assim, ao dispor de qualquer possuidor.
O mesmo se diga do direito de indemnização por violação da posse (artigo 1284.º CC); sendo a
posse um direito, ela confere ao possuidor o direito à reparação dos prejuízos causados. A parte
do regime da posse respeitante à tutela possessória é a única que admite a sua extensão à posse
exercida com referência a outros direitos subjetivos que não sejam direitos reais de gozo. Todo
o restante regime jurídico da posse não é suscetível de generalização. Em particular, a usucapião
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só pode beneficiar os possuidores nos termos de direitos reais de gozo. É um dado seguro do
regime jurídico português da usucapião.
Posse imediata e posse com intermediação: o detentor atua em nome do possuidor e isto
significa que este mantém o controlo material sobre a coisa, e, portanto, o corpus possessório. A posse
com intermediação tem a sua base legal no artigo 1252.º, n.º1 CC ao referir que a posse tanto pode ser
exercida pessoalmente como por intermédio de outrem. Aquele que atue sobre uma coisa corpórea em
nome de outrem é mero detentor, segundo a alínea c) do artigo 1253.º CC.
Não há nenhuma incongruência entre o que dissemos agora e a afirmada qualidade do possuidor, por
exemplo, do locatário, do comodatário, parceiro pensador, depositário. Estes são possuidores nos
termos do direito pessoal de gozo que exteriorizam, mas são detentores quanto à propriedade,
representando na posse o proprietário. O mesmo se passa na relação entre o possuidor nos termos de
um direito real maior e o possuidor nos termos de um direito real menor. O usufrutuário que tem a coisa
em seu poder para exercer o direito, é possuidor nos termos do usufrutuário e detentor nos termos da
propriedade, atuando em nome do proprietário quanto a este direito.
A detenção de coisa por terceiro permite a coexistência de várias posses nos termos de direitos diferentes,
sem impossibilitar a subsistência da posse nos termos do direito real maior quando a coisa deva estar
com o titular do direito real menor para o exercício respetivo.
Classificações da posse: o artigo 1258.º CC distingue várias classificações de posse, sendo que as
classificações legais não esgotam todo o espetro da posse e outras classificações surgem na doutrina.
1. Posse causal e posse formal:
a. Posse causal: diz-se quando o possuidor é simultaneamente titular do direito real a que a
posse se reporta;
b. Posse formal: quando essa titularidade falta.
Pode parecer estranho que a ordem jurídica reconheça a posse sem que o possuidor tenha a
titularidade do direito correspondente. A posse formal constitui objetivamente uma violação do
direito real, em última análise, do proprietário. Porém, o Direito português não distingue a posse
formal da posse causal. Tanto uma como outra constituem posses e estão sujeitas ao regime da
posse dos artigos 1251.º e seguintes CC. Contanto que haja corpus e a lei não desqualifique a
situação para mera detenção, a posse existe e é tutelada como tal. Para se compreender isto,
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haverá que ponderar que a aquisição da posse se faz por factos aquisitivos específicos deste
direito com completa desconsideração sobre a existência de um título válido de aquisição do
direito real de gozo a que se refere a posse em questão. Porquanto a posse assenta num corpus
possessório que pode ser adquirido sem dependência da aquisição da aquisição válida do direito
real, pode haver posse dissociada do direito real de gozo e, ao invés, titularidade do direito real
de gozo sem posse, para aqueles titulares de direitos reais que a perderam (nomeadamente, nos
termos da alínea d) do n.º1 do artigo 1267.º CC) ou nunca a tiveram. A classificação entre posse
causal e posse formal, se não é pressuposta no regime jurídico da posse, nem por isso deixa
apagar alguns traços de diferença. O possuidor formal tem o conteúdo de gozo estabelecido nos
artigos 1268.º a 1275.º CC (efeitos da posse), mas o possuidor causal fundamenta o seu gozo a
coisa no conteúdo do direito de que é titular. Em caso de conflito possessório, o possuidor
formal apenas pode invocar a sua posse contra aquele com o qual tem o conflito, contrariamente
ao que sucede com o possuidor causal, que pode sempre invocar o seu direito real de gozo para
vencer a oposição do possuidor formal (artigo 1278.º, n.º1 CC).
2. Posse civil e posse interdital: a posse reportada a outros direitos que não direitos reais de gozo
não tem, no entanto, o mesmo tratamento jurídico, isto é, não está sujeita ao mesmo regime
jurídico destes direitos.
a. Menezes Cordeiro: recupera a velha contraposição romanística entre a possessio civilis e a
possessio naturalis. A posse civil permitiria atribuir todos os efeitos possessórios, incluindo
a usucapião, e a interdictal significaria apenas a atribuição das ações possessórias e,
eventualmente, de alguns outros efeitos da posse, mas nunca da usucapião.
b. Menezes Leitão: atualmente no nosso Direito poderemos considerar como posse civil
aquela que se exerce nos termos dos direitos reais de gozo, sendo considerada como
posse interdital aquela que corresponda a direitos reais de garantia ou direitos pessoais
de gozo. Efetivamente, estes direitos nunca se adquirem por usucapião (artigo 1287.º
CC), mas permitem o uso das ações possessórias (artigos 670.º, alínea a), 758.º, 1927.º,
n.º2, 1125.º, n.º2, 1133.º, n.º2 e 1188.º, n.º2 CC)
c. José Alberto Vieira: nas fontes romanas a possessio civilis contrapõe-se à possessio naturalis
e não à possessio interdictal; por outro lado, a leitura histórica desta classificação oferece um
tal grau de complexidade e de controvérsia que duvidamos de algum benefício que
advenha para o sistema científico da sua adoção.
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3. Posse efetiva e não efetiva: posse efetiva é aquela em que existe um controlo material sobre a
coisa. Posse não efetiva é aquela em que a situação possessória resulta apenas da lei. Efetivamente,
a lei por vezes mantém a situação possessória, apesar de já se ter perdido o controlo material
sobre a coisa (artigos 1278.º, n.º1 e 1282.º CC, por exemplo).
4. Posse titulada e não titulada: no Direito português atual, a posse não tem de ser titulada,
podendo igualmente ser não titulada. Quer dizer, a ausência de um título de aquisição do direito
exteriorizado através da posse não prejudica a existência desta, embora depois haja aspetos do
regime jurídico em que a distinção ganha relevância. Segundo o artigo 1259.º, n.º1 CC diz-se
titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do
direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico. Em primeiro lugar, a
posse, para ser titulada, pressupõe que o possuidor afira a sua atuação sobre a coisa a um facto
aquisitivo do direito. Esse facto é relativo à aquisição do direito a que se reporta a posse e não à
própria posse. O facto jurídico que titula a posse refere-se à aquisição do direito nos termos do
qual a posse se exterioriza. Em segundo lugar, o facto que titula a posse deve ter eficácia real
para determinar a constituição ou a transmissão para o possuidor do direito a que se refere a
posse. Em terceiro lugar, o artigo 1259.º CC abstrai da validade substancial do facto jurídico com
eficácia real para qualificar a posse como titulada. Um facto jurídico com eficácia real para
produzir a constituição ou transmissão para o possuidor do direito real exteriorizado na posse
titula esta, mesmo se for substancialmente inválido. Acentua-se, por isso, que o facto jurídico
tem de ser idóneo, em abstrato, para produzir a constituição ou transmissão do direito real em
causa, ainda que em concreto seja ineficaz, por virtude de algum vício de natureza substancial,
incluindo expressamente a falta de legitimidade do disponente. O vício de forma do negócio
jurídico, diversamente, gera sempre uma posse não titulada, ainda que o mesmo possua em
abstrato eficácia real para a aquisição do direito pelo possuidor. Um anacronismo que o nosso
Direito continua a dar guarida. O n.º2 do artigo 1259.º CC dispõe que o título deve existir, não
podendo ser putativo. Aquele que o invoca tem o ónus de o provar. A posse titulada tem um
regime mais favorecido do que a posse não titulada em alguns aspetos. Assim, presume-se que a
posse titulada é uma posse de boa fé e a não titularidade de má fé (artigo 1260.º, n.º2 CC). Trata-
se, em todo o caso, de uma presunção ilidível. Não obstante a existência de título, pode ser
provada a má fé, como se pode provar a voa fé do possuidor sem título. Havendo título, a posse
presume-se existente desde a data do título (artigo 1254.º, n.º2 CC). Não havendo, ter-se-á de
provar o momento do seu início, o que será naturalmente relevante em matéria de prazos para a
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usucapião e de aquisição do direito por este facto (artigo 1288.º CC). Por último, em caso de
conflito de posses, em que haja necessidade de atribuir a coisa a um dos litigantes pela melhor
posse (artigo 1278.º, n.º2 CC), a pose titulada leva vantagem sobre a não titulada, ou, como
dispõe o artigo 1278.º, n.º3 CC: é melhor posse a que for titulada. Em matéria de usucapião, uma
relevância direta desta classificação só acontece na situação contemplada no n.º2 do artigo 1300.º
CC. Mas o regime da usucapião não deixa de refletir a importância do título da posse nos outros
casos. Tratando-se da usucapião de imóveis, havendo título e registo deste, o prazo para a
usucapião é menor do que não havendo título, embora o possuidor só possa aproveitar este
prazo caso registe o título (artigo 1294.º e 1296.º CC). O mesmo se passa relativamente à
usucapião de coisas móveis sujeitas a registo (artigo 1298.º CC). No regime da usucapião de
coisas móveis não sujeitas a registo o prazo menor (três anos) supõe a conjugação de título e boa
fé.
5. Posse de boa fé e de má fé: o artigo 1260.º, n.º1 CC dispõe que a posse diz-se de boa fé, quando
o possuidor ignoravam ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem. Há que destrinçar se por
boa fé se entende o possuidor que ignora que a sua posse viola direito alheio (boa fé subjetiva
psicológica) ou se está apenas de boa fé o possuidor que desconhece sem culpa que a sua posse
lesa direitos alheios (boa fé subjetiva ética). Não obstante a forte corrente contrária, que tem a
seu favor o elemento literal, propugna-se uma interpretação favorável à conceção ética de boa
fé, na linha preconizada por Menezes Cordeiro. O legislador tem o cuidado de referir que a posse
titulada se presume de boa fé e a não titulada de má fé (artigo 1260.º, n.º2 CC), referindo ainda
que a posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, ainda que seja titulada (artigo
1260.º, n.º3 CC) As duas primeiras presunções são naturalmente ilidíveis, podendo ser
demonstrada a existência de má fé, mesmo perante título aparentemente legítimo, ou a existência
de boa fé, por parte de quem adquiriu a posse sem qualquer título. Pelo contrário, a última
presunção é inilidível, destinando-se a sancionar a atuação violenta por parte do possuidor. É
ainda de referir que a citação para a ação faz cessar a boa fé do possuidor (artigo 564.º, alínea a)
CPC), pelo que a sua posse deixa de poder ser considerada de boa fé a partir desse momento.
6. Posse pacífica e violenta: no n.º1 do artigo 1261.º CC dispõe que a posse pacífica é a que foi
adquirida sem violência. Acentua-se, deste modo, que o momento da apreciação deste carater da
posse é o da aquisição respetiva. Uma posse adquirida sem violência é pacífica para sempre, ainda
que seja depois mantida com violência. Inversamente, uma posse adquirida com violência, mas
mantida pacificamente, é violenta, não obstante o desfavor desta qualificação surgir depois
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mitigado pela cessação da violência, como veremos adiante. O n.º2 do artigo 1261.º CC vem
dispor que a posse é violenta quando é exercida coação física ou psicológica, os termos do artigo
255.º CC, sobre o possuidor. Esta última pode dizer respeito à pessoa ou património do
possuidor ou de terceiros (artigo 255.º, n.º2 CC).
a. Jurisprudência: a violência respeita tanto à pessoa como à coisa objeto da posse.
b. José Alberto Vieira: a coação física e a coação psicológica exercem-se sobre a pessoa
do possuidor e não sobre a coisa, apesar de poderem envolver direta e imediatamente
uma ação sobre esta. Concluímos o ponto, reiterando que a violência tem o possuidor
por destinatário e não a coisa. E que uma atuação sobre esta, ainda que com recurso a
meios violentos, só pode significar coação física ou psicológica se dirigida ao possuidor.
A esta classificação ligam-se uma série de diferenças de regime jurídico. Para começar, o
possuidor que for esbulhado com violência pode interpor um procedimento cautelar de
restituição provisória da posse contra o esbulhador (artigo 1279.º CC). Este é condenado a
restituir a coisa ao possuidor esbulhado sem contraditório, nem análise de títulos. A reação à
violência não dá espaço para contemplações a quem a ela recorre para satisfazer os seus intentos.
A posse adquirida com violência é tida como posse de má fé, sem possibilidade de prova em
contrário (artigo 1260.º, nº3 CC). Não adianta o esbulhador provar inclusive a titularidade do
direito. A caracterização da posse como de má fé surge como sanção pela violência praticada na
obtenção da posse. O prazo de um ano para a perda da posse previsto na alínea d) do n.º1 do
artigo 1267.º CC não se inicia enquanto a violência não cessar (artigo 1267.º, n.º2 CC). Quer
dizer, o esbulhado vem mesmo a perder a posse se não reagir ao esbulho no prazo de um ano;
contudo, o ano não se conta do início da posse do esbulhador, mas do momento em que a
violência sobre o possuidor esbulhado houver terminado. Enquanto durar a violência, a posse
não é boa para a usucapião. Isto não significa que a posse violenta exclua a usucapião. Os artigos
1297.º e 1300.º, n.º1 CC não consagram tal solução. Uma posse adquirida com violência pode
servir de base à usucapião, contando que o possuidor possua a coisa pacificamente por todo o
prazo legal de usucapião. Todavia, enquanto durar a violência, o prazo para a usucapião não
corre.
7. Posse pública e posse oculta: esta classificação encontra-se no artigo 1262.º CC na definição
da posse pública. A posse oculta, ao invés, deve depreender-se sendo a que não é pública.
Segundo o artigo 1262.º CC define a posse pública como a que se exerce de modo a poder ser
conhecida dos interessados. Esta classificação afere-se ao modo como esta é exercida. A posse é
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pública quando pode ser conhecida dos interessados. O primeiro aspeto relevante desta definição
é que a lei não exige o conhecimento efetivo da posse; o que conta somente é a cognoscibilidade
da posse, ou seja, o esta poder ser conhecida. A posse é pública mesmo que os interessados não
a conheçam, desde que a possam conhecer. Mas quando se pode dizer que há cognoscibilidade
para o efeito de caracterizar a posse de alguém como pública? É estranha a este domínio a ideia
de dever. A cognoscibilidade não advém de um dever de conhecer que impenderia sobre o
possuidor interessado. A cognoscibilidade resulta de uma possibilidade efetiva de conhecimento
a partir de um comportamento normalmente diligente em relação à coisa. Quer dizer, parte-se
daquilo que se entender ser a atuação de um possuidor medianamente diligente em relação à
coisa e verifica-se o possuidor em questão agindo dessa forma conheceria ou não a nova posse
de outrem. O registo da posse, possível nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 2.º CRPr, torna
a posse pública. Contudo, não é necessária a publicidade por via do registo predial para que a
posse se qualifique como tal. A publicidade da posse não advém do conhecimento de toda a
gente ou de qualquer pessoa. O artigo 1262.º CC abrange unicamente os interessados. E,
interessados, são certamente todos aqueles que tiverem posse sobre a coisa, mas não só; também
os titulares de direitos reais de gozo que não sejam possuidores são interessados na aceção do
preceito. A caracterização da posse oculta levanta alguns problemas delicados, a começar pela
sua admissibilidade. Na verdade, a posse supõe um controlo material da coisa pelo possuidor, o
corpus possessório, o que nem sempre é compatível com a falta de publicidade. Sugestivamente,
o artigo 1263.º, alínea a) CC exige uma prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais para
que o apossamento seja consumado. Tomado à letra, este preceito é certamente excessivo. Alerta,
porém, para o facto de a tomada do controlo material correspondente ao corpus possessório nem
sempre se conjugar com o caráter oculto da atuação sobre a coisa. Nos casos em que o caráter
oculto da atuação corresponde verdadeiramente à ausência de corpus, não há posse a considerar.
Falta, desde logo, o pressuposto fático da pose, o domínio ou controlo material da posse. Todavia,
existem outros casos em que o caráter oculto da atuação aparece associado ao controlo material
da coisa. Na realidade, a posse oculta é uma verdadeira posse, e o possuidor às ocultas um
possuidor. Ele tem o controlo material da coisa sem que a lei descaracterize a situação para mera
detenção. As diferenças de regime entre posse pública e posse oculta retiram a esta última alguns
dos efeitos principais da posse, nomeadamente, a usucapião, sem, contudo, porem em causa a
própria existência da posse. Conforme dissemos, a classificação entre posse pública e posse
oculta acarreta um regime penalizado para a posse oculta. Para começar, quando a posse é
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tomada ocultamente, o prazo de um ano para a perda da posse do possuidor esbulhado (artigo
1267.º, n.1º, alínea d) CC) só começa a contar quando a posse oculta se torne conhecida deste
último (artigo 1267.º, n.º2 CC). Já não basta, então, a mera suscetibilidade de conhecimento,
como decorreria aparentemente do artigo 1262.º CC, exigindo-se um conhecimento efetivo da
nova posse. O prazo para a usucapião não começa a contar enquanto a posse permanecer oculta,
tanto para as coisas móveis (artigo 1300.º, n.º1 CC), como para as imóveis (artigo 1297.º CC). A
posse oculta é, assim, uma posse sem usucapião, mas só enquanto permanecer como tal;
tornando-se pública a posse que era oculta, o prazo para a usucapião começa imediatamente a
contar. Embora não surja explicitado no artigo 1278.º, n.º3 CC, a posse pública é melhor posse
que a posse oculta e prevalece sobre esta em caso de conflito. Por último, o possuidor só pode
obter o titulo judicial para registo da posse desse que tenha possuído pública e pacificamente por
tempo não inferior a cinco (artigo 1295.º, n.º2 CC). Como se depreende, a posse oculta não pode
ser titulada desta forma.
Os factos constitutivos da posse: existem dois factos constitutivos da posse:
1. O apossamento: Segundo a alínea a) do artigo 1263.º CC, seriam necessários três requisitos para
haver apossamento:
a. A prática de atos materiais: como o que está em causa é a investidura no corpus possessório
de alguém que não tinha a coisa consigo, o agente tem de atuar de molde a tê-la em seu
poder. O apossamente ocorre, por conseguinte, num nível fático de atuação, supondo
um comportamento através do qual o agente ganha o seu controlo material. O controlo
material adquirido não tem de ser exclusivo, no sentido de privar outras pessoas do
controlo material que também tenha sobre a coisa. Mas um apossamento nos termos da
propriedade singular priva o possuidor anterior nos termos da propriedade do acesso à
coisa; se este continua a poder atuar sobre a coisa é porque o apossamento não se
consumou. No entanto, um apossamento nos termos da propriedade pode coexistir com
o controlo material que outros possuidores nos termos do mesmo direito real, em
situações de comunhão, ou de direitos reais menores exerçam igualmente sobre a coisa.
Por último, o apossamento pode ocorrer nos termos de qualquer direito real de gozo e
não apenas quanto à propriedade. Neste caso, é claro que a constituição da posse a favor
daquele que se apossa da coisa não é incompatível com o controlo material que outros
exercem sobre a coisa por referência a outros direitos reais de gozo, desde logo, a
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propriedade. O apossamento surge ao nível da atuação física sobre a coisa; trata-se da
criação de um estado de facto em que o agente, querendo, passa a ter a possibilidade de
atuar diretamente sobre ela. O apossamento supõe, assim, uma sujeição física da coisa ao
agente. Relativamente à situação de terceiros, importa considerar a posição dos
possuidores cujo corpus é afetado pelo apossamento de outrem. O apossamento só se
concretiza com a quebra do corpus de possuidor anterior. Mas é possível destacar, pelo
menos, dois grupos de casos:
i. O apossamento acarreta a quebra do corpus possessório de todos os possuidores da coisa, de
modo a que o novo possuidor controla a coisa por inteiro, o que é sinónimo da exteriorização de
uma propriedade singular não onerada;
ii. O apossamento apenas quebra o corpus de uma das posses, justamente aquela cujo exercício é
incompatível com o direito exteriorizado pelo novo possuidor, respeitando as outras.
b. Reiteração da prática dos atos materiais: o artigo 1263.º, alínea a) CC menciona a prática
reiterada dos atos materiais.
i. Oliveira Ascensão: crítica a formulação do preceito, na medida em que ele induz
falsamente a necessidade de uma repetição da atuação material, quando o que
está em causa é somente a tomada do controlo material da coisa, que se pode
consumar num único ato.
ii. José Alberto Vieira: concorda dizendo que, na verdade, o controlo material da
coisa pode advir somente de um conjunto de atos repetidos. Referindo que
existem situações em que um único at ou um número muito limitado de atos não
repetidos, basta para consumar a apropriação física da coisa e a tomada de
controlo material sobre ela. Decisivo será, assim, não a repetição da atuação
material que, de resto, pode ser muito diferenciada, mas a intensidade da atuação
sobre a coisa para consumar o controlo dela. Um controlo material da coisa que
seja episódico, efémero, transitório não é suficiente para o apossamento. Este
requer que o possuidor esteja em condições de atuar duradouramente sobre a
coisa, ou seja, de a conservar debaixo do seu poder. Isto não quer dizer, porém,
que a posse tenha de se manter duradouramente para que haja apossamento, mas
que deve existir essa possibilidade abstrata. A circunstância do possuidor
abandonar a coisa logo a seguir à sua apreensão material ou de ser dela privado
por um ato de terceiro não obsta ao apossamento se o agente chegou a consumar
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a apreensão material da coisa e tinha a possibilidade de manter o controlo dela.
O tempo não é assim relevante para o apossamento; o que conta é sempre a
intensidade da atuação para criar o controlo material da coisa pelo sujeito.
iii. Schwab/Prüting: discordam, afirmando que tem de haver sempre um
momento para a aquisição do poder de facto sobre a coisa.
1. José Alberto Vieira, porém, critica, dizendo que nada tem a ver com um
significado autónomo do tempo para a aquisição da posse por
apossamento.
c. Publicidade de atos materiais: a referência à publicidade na alínea a) do artigo 1263.º CC
deve ser esclarecida. Pensamos que a explicação se encontra no facto de se pretender
negar a posse àqueles que praticam atos materiais de aproveitamento da coisa às
escondidas do possuidor, sem que, contudo, afastem este do controlo material. O caráter
da atuação equivale aqui à ausência de um controlo material, portanto, do corpus e, logo,
da própria posse. Em todo o caso, o caráter oculto da atuação material do agente não
obsta à constituição de uma posse a favor deste, por apossamento, sempre que este
envolva a tomada do controlo material da coisa. Havendo corpus, e não
descaracterizando a lei a situação para mera detenção, há posse, ainda que oculta. O
animus ou vontade de ter a posse tem sido muitas vezes mencionado como requisito de
apossamento, como vontade naturalística. Em Portugal:
i. Manuel Rodrigues: veio defender que o ato de investidura na posse há de
conter um elemento que estabeleça a relação material da posse com a coisa, e há
de conter um elemento espiritual que signifique a intenção de exercer um direito
no próprio interesse. No ato de aquisição há de haver, portanto, o corpus e o
animus, o facto material e a intenção de exercer o direito no próprio interesse.
ii. Pires de Lima/Antunes Varela: seguiram no mesmo trilho afirmando que estes
atos, de per si, podem não conduzir à posse se faltar o animus possidendi. Valendo,
assim, esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de
posse expresso no artigo 1251.º C. O disposto no artigo 1266.º CC confirmaria,
segundo os autores, que o animus é um elemento essencial para a aquisição da
posse.
iii. José Alberto Vieira: o animus domini é o animus possidendi ou, mais precisamente,
o animus rem sibi habendi, a vontade de ter a coisa como possuidor. De modo
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inteiramente semelhante ao que sucede em termos de definição de posse no
artigo 1251.º CC, o Código Civil omite qualquer referência à intenção ou animus
na alínea a) do artigo 1263.º CC. Neste preceito, mencionam-se apenas os atos
materiais, sem alusão à intenção ou animus de possuir: o Código Civil é puramente
objetivista. Tal como o animus não é elemento constitutivo da posse, ele não é
necessário no apossamento. Basta, pois, a apreensão da coisa que induza o
controlo material sobre ela para que o apossamento esteja consumado e a posse
se constitua, se não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 1253.º CC,
e isto seja qual for a vontade que o agente tenha e ainda que não tenha vontade
nenhuma de possuir. O artigo 1266. CC não abona uma posição favorável ao
animus possidendi. Este preceito, estabelecendo uma regra de capacidade em
matéria de aquisição de posse, começa por dispor que os que não têm uso da
razão podem adquirir posse sobre coisas móveis nullius. Não há aqui qualquer
animus de posse a considerar. O preceito tem, porém, de ser objeto de uma
restrição no seu alcance, pois não se pretende obviar a uma posse de coisa imóvel
adquirida através de outrem, nomeadamente, um representante. Sustentando os
autores subjetivistas que a vontade requerida não é uma vontade jurídico-negocial,
mas uma vontade naturalística, evidenciam com isto que, afinal, não é necessária
a vontade no apossamento. Se a vontade não é negocial, mas naturalística, não
pode ser substituída por esquemas jurídicos. Um último argumento é o que o
apossamento pode verificar-se mesmo sem o conhecimento daquele que se
apossa. A existência do controlo material sobre a coisa é suficiente para o
apossamento, salvo quando a lei afastar a posse. Portanto, sempre que a atuação
material sobre uma coisa corpórea permita criar o controlo sobre ela, permitindo
que o agente possa renovar a atuação sempre que queira, por si ou por
representante, há apossamento, sem necessidade de se aferir do animus de posse.
O apossamento pode ter lugar através da atuação de alguém que atue por conta do
adquirente da posse. Trata-se de uma aplicação da regra que dispõe que a posse pode ser
exercida através de outrem (artigo 1252.º, n.º1 CC). Se pode haver posse por intermédio
de outrem, por maioria de razão, tem de se admitir que tal sucede também com o
apossamento. Nesta ordem de ideias, o apossamento pode ser levado a cabo por uma
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pessoa coletiva, que adquire posse originariamente nos mesmos termos de uma pessoa
singular. Em relação ao possuidor primitivo, tal traduz-se num esbulho da coisa.
2. A inversão do título de posse: o artigo 1263.º, alínea d) CC dispõe que a posse se adquire por
inversão do título da posse (interventivo possessionis). Esta figura vem depois regulada no artigo
1265.º CC, nos termos do qual, a inversão do título da posse por oposição do detentor do direito
contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse. Na
inversão do título da posse, o detentor da coisa passa a exteriorizar um direito próprio sobre ela
ou, como outros preferem dizer, a afirmar uma posse em nome próprio. Aquele que até aí atuava
sobre a coisa em nome alheio, em nome do possuidor, começa a fazê-lo nos termos do seu
próprio direito. É completamente indiferente que não seja titular desse direito; a inversão do
título da posse não é um facto aquisitivo do direito real, mas simplesmente da posse. A inversão
do título da posse provoca a aquisição da posse relativa ao direito a que o detentor passa a referir
a sua atuação sobre a coisa. Na maior parte das vezes, o detentor arroga-se o mesmo direito de
possuidor. Mas o direito a que se refere a atuação daquele não tem de ser o mesmo direito deste
último. A inversão do título da posse opera sempre por um detentor, isto é, alguém que tem o
corpus possessório, sem que o Direito reconheça a posse (artigo 1253.º CC). Faltando o corpus,
não pode haver inversão do título da posse. A inversão do título da posse distingue-se, assim,
muito claramente do apossamento, que supõe uma inexistência prévia do corpus possessório.
a. José Alberto Vieira: nenhuma razão há para limitar a inversão do título da posse aos
detentores que sejam simultaneamente possuidores nos termos de um direito próprio.
Por outro lado, a formulação ampla do artigo 1265.º CC cobre todas as situações de
detenção e não apenas as que coexistem com uma posse em nome próprio.
b. Menezes Leitão: refere, apenas, que a inversão do título da posse consiste na passagem
de uma situação de detenção a uma situação de verdadeira posse, nada tratando
relativamente à sua extensão a estas situações expressamente.
A inversão do título da posse tem lugar contra a vontade do possuidor contra o qual ela atua.
Em relação ao possuidor primitivo, como no apossamento, traduz-se num esbulho da coisa. O
artigo 1265.º CC dispõe que a inversão do título da posse só ocorre perante a verificação de dois
factos:
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Oposição (contraditio) do detentor contra aquele em cujo nome possuía: o artigo
1265.º CC não esclarece o que se deve entender por oposição do detentor. Há, pois, que
interpretar o preceito.
i. José Alberto Vieira: refere que:
A oposição pode ser material, jurídica ou revestir as duas formas;
A oposição pode ser judicial ou extrajudicial;
O comportamento de oposição deve exteriormente reconhecível pelo
possuidor;
ii. Menezes Leitão: o detentor pratica atos que contradizem a situação de estar a
possuir em nome alheio, opondo-se assim à posse daquele em cujo nome possuía.
Tal basta para adquirir ele mesmo a posse, cabendo ao anterior possuidor reagir
contra o esbulho da coisa. A inversão do título da posse terá que resultar de atos
que indiciem inequivocamente que o detentor quer doravante passar a possuir
em nome próprio, não se podendo inferir essa inversão de simples omissões.
A verificação de um ato de terceiro capaz de transmitir a posse: o que se deve
entender por ato de terceiro para o efeito da inversão da posse, como sua segunda
modalidade?
i. José Alberto Vieira: Antes de mais, o ato de terceiro consiste num negócio
jurídico, unilateral ou multilateral. Este negócio jurídico deve ter, em abstrato,
eficácia real para fundar a constituição ou transmissão do direito real em causa
a favor do detentor. Dizemos, em abstrato, porquanto a lei (artigo 1265º CC)
não supõe a validade do negócio, apenas a sua idoneidade para fundar uma
posse nos termos de um direito real próprio. Este negócio jurídico tem, em
todo o caso, de fundamentar a exteriorização de um direito próprio pelo até aí
detentor, pois, ainda que seja juridicamente ineficaz, há-de atribuir um novo
direito a que o detentor passe a referir a sua atuação sobre a coisa. O negócio
jurídico que beneficia o detentor permite a este exteriorizar um direito real que
até aí não exercia. ocorre nesta segunda modalidade a incidência de um novo
título, que é constituído pelo negócio jurídico que beneficia o detentor. Este
título funda objetivamente a atuação do detentor nos termos do direito real a
que esse título se refere. Ora, porquanto a posse coincide com a exteriorização
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do direito real, se o detentor passa, por força do novo título, a atuar sobre a
coisa nos termos de um direito real, o Direito faz corresponder o seu estatuto
possessório à nova exteriorização. O até aí detentor passa a possuidor. Alguns
autores afirmam que o terceiro pode ser o próprio possuidor. Tal interpretação
é de rejeitar. Se é o possuidor a transmitir ou a constituir o direito, haverá traditio
brevi manu, eventualmente, constituto possessório, mas não inversão do título
da posse. Esta dá-se sempre contra o possuidor. Nada impede, todavia, que
aquele que constitui ou transmite o direito real seja o proprietário ou um outro
titular de direito real menor, desde que não seja o possuidor contra o qual
funciona a inversão do título da posse. A lei portuguesa menciona o ato de
terceiro capaz de transferir a posse. Em consonância com o sentido literal,
parece que deveríamos considerar os factos translativos da posse, porém, só
pode estar em causa um facto suscetível de constituir ou transmitir o direito
real a que a posse se refere e não a própria posse. Se o preceito abrangesse um
facto translativo da posse (a tradição, a traditio brevi manu e o constituto
possessório), seria este e não a inversão do título a provocar a aquisição da
posse pelo detentor. A previsão da inversão do título da posse por ato de
terceiro careceria, assim, de sentido útil, pois o detentor adquiriria sempre a
posse, embora por outro facto. Nesta ordem de ideias, o ato de terceiro deve
ser – em abstrato – suscetível de constituir ou transmitir o direito real a que a
posse se reporta. Como se vê, o estatuto do detentor muda, não por causa de
uma qualquer intenção que porventura anime o seu espírito (o animus dos
subjetivistas), mas por força da exteriorização de um direito real sobre a coisa.
Uma vez que na ordem jurídica portuguesa o estatuto possessório coincide
com a exteriorização que é levada a cabo sobre a coisa, quando o detentor
afirma um direito real sobre ela, através de oposição e ainda que sem título ou
com este, a lei faz coincidir a posse com o direito exteriorizado e o detentor
passa a possuidor nos termos deste direito.
ii. Menezes Leitão: verifica-se um ato de terceiro capaz de transferir a posse, o
que leva a que o detentor adquira um título distinto para a sua situação
possessória, diferente daquele pelo qual possuía em nome alheio. Para poder
dar-se a inversão o novo título terá que:
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a. Provir de terceiro;
b. Representar uma causa jurídica suficiente para uma transferência da posse;
c. Traduzir exteriormente uma nova posse de terceiro.
A exigência de que o novo título provenha de terceiro permite distinguir a
inversão do título da posse da traditio brevi manu, caso em que a posse resulta de
transmissão pelo antigo possuidor. A exigência de que a causa jurídica seja
suficiente para a transferência de posse resulta da necessidade de substituição
do anterior título para outro idóneo. Esta nova posse tem, no entanto, que se
traduzir exteriormente
A inversão do título da posse pode dar-se por um compossuidor contra os outros
compossuidores. A hipótese vem admitida no artigo 1406.º, n.º2 CC, quanto aos
comproprietários, mas respeita, na verdade, a todas as situações de composse. O
compossuidor (ou alguns dos compossuidores) atua como possuidor único nos termos de
um direito, por oposição ou por ato de terceiro, excluindo os outros da atuação material
sobre a coisa. Não basta, pois, um uso de maior extensão que a quota do compossuidor na
coisa comum, sendo necessária a quebra do corpus possessório dos compossuidores
contra os quais funciona a inversão. A inversão do título da posse muda a situação jurídico-
real da coisa apenas no que concerne à posse: o detentor passa a possuidor. Porém, no que
concerne à titularidade ou não de um direito real de gozo (ou qualquer outro direito) nada
muda com a inversão do título da posse. O possuidor afetado com a inversão do título não
perde o direito real de que era titular e o detentor que operou a inversão não adquire o
direito real que passa a arrogar-se contra o possuidor. A inversão do título da posse
configura um facto constitutivo da posse ou, noutra terminologia, um modo de aquisição
originária da posse. A posse assim adquirida é uma posse nova, com carateres próprios,
nada tendo a ver com a posse do possuidor esbulhado. Aquele que inverte o título da posse
e tem uma posse pública e pacífica pode adquirir o direito real a que se refere a sua posse,
contando que os outros requisitos se verifiquem igualmente (artigo 1290.º CC). O prazo
para a usucapião conta-se da data da inversão do título, o que se compreende, pois só a
partir desse momento há posse.
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Os factos translativos da posse:
1. A tradição: a tradição (traditio) a coisa é o facto paradigmático de transmissão da posse. Ela
significa a perda voluntária do controlo material da coisa pelo antigo possuidor mediante a
entrega desta ao novo possuidor. O primeiro demite-se, por sua vontade, do corpus possessório
e passa-o ao último. Este, em contrapartida, recebe o controlo material da coisa, ficando
investido numa posse já existente. Uma vez que a posse assenta num controlo material sobre
uma coisa corpórea, a tradição requer a passagem desse controlo para o novo possuidor, o que
é feito através do ato de entrega. O artigo 1263.º, alínea b) CC menciona apenas a tradição,
distinguindo, porém, a tradição material e a tradição simbólica. A tradição pode ser:
a. Material: aqui há uma entrega e recebimento físicos da coisa. No âmbito dos imóveis,
exigir-se-ia uma deslocação do adquirente ao imóvel, entrando efetivamente nele. Em
relação aos móveis, seria necessário o transporte das coisas, como no caso de elas serem
levadas pelo adquirente ou seu representante, entregues no seu domicílio ou colocadas
sobre vigilância de guardas seus.
b. Simbólica: já aqui, a transmissão da posse dá-se com base num acordo entre as partes
nesse sentido, dispensando-se o contacto material do adquirente com a coisa. Não basta
para esse efeito, no entanto, o controlo relativo à transmissão do direito suscetível de
posse, sendo necessário um acordo específico relativamente à transmissão da própria
posse. Nesse âmbito, tem-se distinguido, de acordo com a tradição romanística, entre:
i. A traditio longa manu: também denominada oculis et affectu, as partes à distância
procedem à entrega da coisa por simples acordo sem contacto com ela, como no
caso de alguém transmitir a posse de um terreno, indicando qual é numa torre
nas suas proximidades, ou se uma das partes indicasse à outra para ir buscar um
cavalo apontando para ele.
ii. A traditio ficta: as partes procedem à entrega da coisa através de um objeto que a
simboliza, como a entrega dos seus documentos (traditio chartae) ou das chaves da
mesma (traditio clavium).
iii. A traditio brevi manu: as partes acordam transformar a situação de detenção em
posse, como na hipótese de quem já é detentor da coisa celebrasse com o antigo
possuidor um contrato destinado a transmitir-lhe a posse.
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Sendo que, tanto José Alberto Vieira como Menezes Leitão vêm no artigo 1263.º, alínea b) CC
a possibilidade para a verificação destas formas de tradição na interpretação da norma.
2. O constituto possessório: O constituto possessório integra uma transmissão da posse por
simples consenso, assemelhando-se em matéria de posse ao princípio da consensualidade vigente
em algumas ordens jurídicas, como a portuguesa, no que toca à constituição e transmissão de
direitos reais. A construção clássica moderna do constituto possessório vê nele a confluência de
dois atos jurídicos
a. Um principal, um ato de transmissão do direito real; e
b. Um acessório: um ato mediante o qual o até aí possuidor seja considerado detentor, ou
seja, um outro contrato que justificaria a detenção da coisa.
O Código Civil português autonomizou o constituto possessório da tradição, num passo
normativo cuja justificação dogmática escasseia. Tudo indica, no entanto, que o constituto seja
uma espécie de traditio simbólica, sujeita embora ao regime específico do artigo 1264.º CC. Este
preceito estabelece três requisitos para o constituto possessório:
Um negócio jurídico de transmissão de um direito real de gozo;
Que o transmitente do direito real seja possuidor;
Uma causa jurídica para a detenção da coisa.
O constituto possessório surge como um efeito jurídico de um contrato real quanto aos efeitos
A transmissão da posse acompanha a transmissão do direito a ela relativo. O constituto
possessório requer uma causa jurídica. É esta causa que justifica legalmente que, sem entrega da
coisa, o adquirente do direito real se torne possuidor dela e aquele que a tem em seu poder veja
a sua posição descaracterizada para mera detenção. Que causa jurídica é essa? A causa jurídica
do constituto possessório é, antes de mais, um contrato. Pode, no entanto, a causa ser uma mera
convenção negocial do contrato de transmissão, por exemplo, contrato de compra e venda com
reserva de usufruto. O contrato ou a convenção negocial justifica que o possuidor transmitente
não tenha de entregar a coisa para que a posse se considere transmitida para o adquirente. Em
termos práticos, isso poupa às partes o inconveniente de uma dupla entrega da coisa, que seria
despropositada. Não ocorrendo uma causa jurídica que justifique a não entrega da coisa ao
adquirente do direito real, não há lugar ao constituto possessório. O constituto possessório não
está para a posse como o princípio da consensualidade (artigo 408.º, n.º1 CC) se encontra para
os restantes direitos reais. A regra geral quando à transmissão da posse continua a ser a tradição,
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material ou simbólica. E o transmitente do direito real encontra-se obrigado a entregar a coisa
ao adquirente (alínea b) do artigo 1879.º CC, para a compra e venda, aplicável a outros contratos
onerosos – artigo 929.º, e a alínea b) do artigo 954.º CC, para a doação). Se não o faz, a posse
continua com ele, não se transmitindo. O constituto possessório tem igualmente aplicação,
implicando a transferência da posse para o adquirente do direito real, quando, por força de um
contrato que haja de continuar em vigor, um terceiro detenha a coisa. Mesmo sem receber a
coisa, ou outra que a simbolize, a posse tem-se vem a ser transmitida pelo adquirente do direito
real. O constituto possessório configura uma modalidade de transmissão jurídica da posse, de
modo em tudo análogo à traditio brevi manu. Como um efeito jurídico de um contrato, o constituto
possessório depende da validade do facto jurídico que o desencadeia. Sendo inválido o contrato
translativo do direito, qualquer que seja o vício que a gera e a espécie de invalidade (nulidade ou
anulabilidade), a eficácia translativa da posse é atingida, como sucede aos restantes efeitos do
negócio jurídico. Deste modo, o requisito de um ato de transmissão do direito real constante do
n.º1 do artigo 1264.º CC deve ser entendido no sentido de um ato jurídico válido.
A sucessão na posse: sendo uma situação jurídica patrimonial, a posse pode ser objeto de sucessão
nos termos gerais (artigo 2024.º CC). A sucessão na posse, prevista no artigo 1255.º CC, designa um
fenómeno diferente da transmissão, já que na sucessão a situação jurídica permanece estática, e é o
sucessor que entra na posição jurídica do sucedido. Esta diferença tem fundado um diferente tratamento
dogmático entre a transmissão e a sucessão na posse. A posse do sucessor é a posse do de cuius. Por isso,
a lei dispõe que a posse continua nos sucessores. Muitas vezes, há a tendência para se fazer uma nova
caracterização da posse do sucessor, mas tal operação é incorreta. Havendo sucessão na posse, os
carateres da posse dos sucessores são os mesmos da posse do falecido, o que se compreende, tratando-
se da mesma posse. A aquisição da posse por sucessão não carece de uma apreensão material da coisa.
Uma vez que a posse continua nos sucessores, sendo a mesma posse do de cuius, a apreensão material é
desnecessária, por já ter sido consumada anteriormente. A doutrina tem, no entanto, discutido se este
fenómeno apenas se verifica no caso de os sucessores serem herdeiros do de cuius ou se também ocorre
no caso de legatários seus.
1. Menezes Leitão: entende ser preferível a segunda posição, pois vemos justificação para
distinguir em relação à sucessão na posse entre herdeiros e legatários (artigo 2030.º, n.º1 CC),
uma vez que essa distinção se baseia apenas em a sucessão ocorrer na totalidade ou numa quota
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do património ou antes em bens determinados (artigo 2030.º, n.º2 CC). Ambos estão sujeitos ao
mesmo regime de aceitação e repúdio (artigos 2050.º e seguintes e 2249.º CC), pelo que a
sucessão na posse deve ocorrer em ambos os casos.
A acessão na posse: diferente da sucessão é o caso da acessão na posse, que pode ocorrer quando
se verifica uma aquisição derivada da posse, por título distinto da sucessão por morte (artigo 1256.º CC).
Nesse caso, a junção da posse do anterior titular é facultativa, ainda que possa ser vantajoso proceder a
ela, em ordem a permitir atingir o prazo da usucapião. Nesse caso, porém, a junção da posse só se pode
dar nos limites da posse com menor âmbito (artigo 1256.º, n.º2 CC). Da mesma forma, se o transmitente
tinha uma posse não titulada e de má fé, a acessão na posse apenas pode ocorrer nesse âmbito, mesmo
que, para o adquirente, ela já fosse titulada e de boa fé. Tem sido, porém, questionado na doutrina se,
para se poder operar a acessão na posse, o título pelo qual se operou a transmissão tem que ser válido,
ou se a acessão pode ocorrer independentemente da validade do título.
1. Manuel Rodrigues e Santos Justo: sustenta que, se o ato de transmissão do direito não é válido,
não há transmissão do ius possidendi que aqui é a causa da junção do ius possessionis, embora o
negócio jurídico nulo caracterize, como se disse, a posse.
1. Pires de Lima/Antunes Varela: limita-se a exigir a validade formal do título, parecendo, assim,
admitir a acessão em caso de negócios substancialmente inválidos.
2. Menezes Cordeiro: considera que, para transmitir a posse, não é preciso qualquer contrato
válido: basta a tradição ou o constituto possessório, um e outro ínsitos (eventualmente) num
qualquer esquema abstratamente idóneo para transmitir direitos, ainda que concretamente, o não
sejam. O autor sustenta, por outro lado, que a tese contrária iria impedir a usucapião nos casos
de falta de título e de boa fé, o que se apresentaria como contrário ao artigo 1296.º CC.
3. Menezes Leitão: entende dever-se seguir esta última opinião já que, efetivamente, o artigo
1256.º CC não exige a validade (substancial ou formal) do negócio para permitir a acessão na
posse, mas apenas que a sucessão na posse de outrem resulte de um título diverso da sucessão
por morte, como a tradição ou o constituto possessório. Por outro lado, não há qualquer razão
para excluir a acessão em caso de posse não titulada, como necessariamente ocorreria se se
exigisse a validade formal do negócio transmissivo da posse (artigo 1259.º, n.º1 CC). A tese
contrária implicaria assim que a posse não titulada só conduziria à usucapião se o seu prazo
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decorresse integralmente na esfera do mesmo possuidor, o que constituiria uma exigência
desproporcionada, que a lei não estabelece em lugar nenhum.
Modificação da posse: verifica-se a modificação da posse sempre que ocorrer alteração das
características da mesma, o que tem relevância para os efeitos da posse. Assim, a posse pode deixar de
ser de boa fé e passar a ser de má fé, passando a partir desse momento a vigorar o regime desta em
relação a frutos (artigo 1271.º CC), benfeitorias (artigo 1273.º CC) e prazo para a aquisição por usucapião.
Da mesma forma, a posse pode deixar de ser violenta, a partir do momento em que cessa a violência, ou
deixar de ser oculta quando passa a ser exercida publicamente, caso em que se inicia o prazo para
usucapião (artigos 1297.º e 1300.º CC).
Os factos extintivos da posse: a posse pode extinguir-se. A extinção da posse pode acontecer por
vontade do possuidor ou sem ela. Neste último caso, a extinção pode acontecer por facto da natureza, por
facto de terceiro, que designaremos genericamente por esbulho, ou por disposição legal. O artigo 1267.º,
n.º1 CC estabelece como factos extintivos da posse:
1. O abandono (alínea a)): o abandono consiste na perda voluntária do corpus pelo possuidor. No
abandono, o possuidor quebra o controlo material que tinha sobre a coisa, deixando de o exercer
por opção própria. Como consequência, a posse extingue-se (artigo 1267.º, n.º1, alínea a) CC).
a. Menezes Cordeiro: fazendo o paralelo entre o abandono e o apossamento, defende ser
necessário que o primeiro deva ter um mínimo de publicidade, de modo a poder ser
conhecido pelos interessados.
b. José Alberto Vieira: discorda. Nada na lei impõe a publicidade do apossamento, nem
isso se adequa à generalidade das situações.
O abandono só extingue a posse havendo perda do corpus. Não basta um íntimo e escondido
desejo de abandono do possuidor para que a posse se extinga.
a. José Alberto Vieira: a pura intenção (animus) de não possuir é juridicamente irrelevante
se o controlo material da coisa permanecer inalterado. E como, uma vez constituída a
posse, ela se conserva com a mera suscetibilidade de atuação material sobre a coisa,
conforme se dispõe na parte final do n.º1 do artigo 1257.º CC, tem de haver uma quebra
efetiva do domínio fático da coisa para que se possa falar de abandono. O abandono é
outro dos pontos do regime jurídico que mostra bem como a intenção, o animus, não tem
relevância para o juízo sobre a existência da posse.
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b. Menezes Leitão: discorda, sendo que o abandono implica um ato material, por virtude
do qual o corpus deixa de existir. Mas, para além desse ato material, terá que existir um
animus contrário à manutenção da posse, sem o que se verificará uma mera inação, a qual
não chega para se considerar perdida a posse.
O abandono tem, no entanto, uma configuração diferente, consoante se trata de móveis ou
imóveis.
a. Em relação aos móveis, para que exista abandono, basta que cesse voluntariamente o
controlo da coisa por parte do seu anterior possuidor. Esse ato não apenas extingue a
posse, mas também qualquer outro direito real que o possuidor detivesse sobre ela, o que
pode tornar a coisa nullius e em consequência suscetivel de ocupação (artigo 1318.º CC).
b. Já em relação aos imóveis, tem sido controvertido se poderá extinguir-se por
abandono a posse relativa a direitos reais sobre imóveis, que a lei não admite que se
possam extinguir por renúncia, como sucede com a propriedade e o direito de superfície.
i. Manuel Rodrigues: defendia que a posse nos termos do direito de propriedade
não era suscetível de se extinguir por abandono.
ii. Pires de Lima/Antunes Varela: sustentam essa doutrina em relação ao direito
de propriedade e à superfície, entendendo que a posse desses direitos não se
perde enquanto não se constituir uma posse de ano e dia a favor de terceiro.
2. A perda da coisa (alínea b)): a perda da coisa, por contraposição ao abandono, existe quando,
involuntariamente, o possuidor deixa de estar no controlo material dela, sem que tal se deva a
um ato de terceiro. Como salienta Menezes Cordeiro, a perda da posse só implica a extinção da
posse quando o possuidor estiver impossibilitado de encontrar a coisa. Só nessa hipótese ocorre
a quebra do corpus, do controlo material da coisa, em que a posse assenta.
3. A destruição material da coisa (alínea b)): a posse tem por objeto uma coisa corpórea. Se,
por força de um facto humano ou da natureza, a coisa é integralmente destruída, desaparecendo
enquanto tal, a posse extingue-se. É, de resto, o que sucede com todos os direitos reais. A
destruição material da coisa que determina a extinção da posse é a destruição total. A destruição
parcial deixa subsistir a posse na parte restante.
4. A colocação da coisa fora do comércio (alínea b)): a apropriação jurídico-privada de coisas
corpóreas só é legalmente possível relativamente a coisas no comércio (artigo 202.º, n.º2 CC). Se
uma coisa é posta legalmente no domínio público, extingue-se a posse que sobre ela incida.
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1. O esbulho (alínea d)): o esbulho consiste na privação da coisa por ato de terceiro contra a
vontade do possuidor. O esbulhador toma o controlo material da coisa, afastando o controlo do
possuidor. A partir desse momento, cessa o domínio ou senhorio da coisa em que repousava a
posse do possuidor, deixando este de poder atuar sobre a coisa segundo a sua vontade. O corpus
possessório fica, assim, destruído e, com isso, a posse cessa. As formas típicas de esbulho são o
apossamento e a inversão do título da posse pelo detentor da coisa. A lei portuguesa, porém, não
prevê a extinção da posse, ou seja, o possuidor esbulhado só perde a posse um ano após o
esbulho (artigo 1267.º, n.º1, alínea d) CC). Durante esse ano, o esbulhado permanece possuidor,
coexistindo a sua posse com a nova posse do esbulhador, adquirida pelo apossamento ou pela
inversão do título da posse. A permanência de uma posse sem corpus durante o período de um
ano arrasta consigo alguns problemas de construção dogmática. O primeiro advém da própria
ideia de uma posse privada de objeto. O possuidor esbulhado não tem a coisa consigo, nem é
possível dizer que o esbulhador o representa na posse, possuindo em seu nome, porquanto é
evidente que o esbulhador afirma uma posse em nome próprio, em oposição à posse do
esbulhado, independentemente da titularidade do direito a que essa posse se refere e da
consciência que ele possa ter acerca da violação do direito do possuidor esbulhado. A razão para
a subsistência de uma posse despida do corpus possessório é de ordem prática. Ao possuidor
deve ser dada a possibilidade de reagir judicialmente contra o esbulhador. Tradicionalmente, essa
reação processa-se através das ações possessórias. A ação possessória tem por fundamento a
posse. A fim de garantir a defesa possessória contra o esbulho, a lei portuguesa fixa um prazo de
um ano para a interposição da ação respetiva (artigo 1284.º CC). O prazo constante do artigo
127.º, n.º1, alínea d) CC deve, deste modo, ser articulado com a defesa possessória. A posse
jurídica que permanece não obstante o esbulho assegura ao possuidor a possibilidade da sua
defesa. Um segundo problema de construção dogmática prende-se com a possibilidade de, sobre
a mesma coisa, existirem duas posses nos termos do mesmo direito.
2. Cedência (alínea c)):
a. José Alberto Vieira: a cedência da posse mencionada na alínea c) do n.º1 do artigo 1267.º
CC não constitui um facto extintivo da posse, uma vez que se liga a uma transmissão da
posse para outrem. É verdade que o transmitente da posse a perde e, nessa medida, deixa
de ser possuidor, mas a posse não se extingue, passa para o seu adquirente. A cedência
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descreve o outro lado da transmissão da posse, o do transmitente, sem ser um facto
extintivo da posse.
b. Menezes Leitão: a cedência constitui outro caso de perda de posse. Efetivamente, se o
novo possuidor recebe a posse do anterior, este vem a perdê-la. A cedência pode resultar
quer de tradição material ou simbólica da coisa (artigo 1263.º, alínea b) CC), quer de
constituto possessório (artigo 1263.º, alínea c) CC), uma vez que em ambos os casos o
titular da posse fica privado dela por decidir atribuí-la a outrem. Pode igualmente
considerar-se como cedência a inversão do título da posse em sentido inverso ao previsto
na lei, quando o possuidor, passando a estar convencido de que a coisa afinal pertence a
outrem, passar a atuar como mero possuidor em nome alheio, designadamente pagando
rendas, ou prestando contas da sua administração.
Para além desses, pode dizer-se que a posse se extingue, em alguns casos, pela expropriação da
coisa.
a. Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro: mencionam a omissão de exercício ou o não
uso como facto extintivo da posse, e o último autor alude ainda à aquisição da posse por
terceiro de boa fé (artigo 1281.º, n.º2, in fine CC) como tendo igualmente essa eficácia.
b. José Alberto Vieira: outros factos apontados como de extinção da posse parecem-nos
de rejeitar.
Os casos de extinção da posse retratam situações nas quais, por qualquer razão, o corpus
possessório foi perdido ou a lei interveio, dispondo a extinção da posse. Assentando no corpus,
ou seja num efetivo e existente controlo material de uma coisa nos termos de um direito, a posse
extingue-se quando o possuidor, por sua vontade ou sem ela, deixa de ter esse controlo material.
Assim como a obtenção do senhorio e domínio da coisa atribuem a posse, mesmo que a esta
não corresponda qualquer direito, a perda do poder de facto conduz à sua extinção. Para além
dos casos em que o possuidor perde o senhorio da coisa, a lei pode intervir fazendo extinguir a
posse. Se uma coisa na posse de alguém é colocada legalmente no domínio público do Estado,
ficando fora do comércio, a posse cessou. No fundo, do mesmo modo que a posse resulta de
um controlo material de uma coisa não descaracterizado por disposição normativa, a perda desse
controlo pelo possuidor, ou a lei, nalguns casos, acaba com ela. Os elementos que permitem
estruturar a posse são os mesmos que determinam a sua extinção.
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Manutenção da posse: uma vez adquirida a posse, questiona-se o que é necessário para que ela se
mantenha em quem a adquiriu. Neste caso, mais uma vez se verifica uma discussão entre as posições:
1. Savigny: a posse exige sempre um corpus e um animus, pelo que será conservada enquanto não
desaparecer qualquer destes elementos, o que só ocorrerá caso se verifique um corpus ou um
animus de sinal contrário (in contrarium actus) àquela posse.
2. Jhering: critica a posição de Savigny, sendo que, para este autor, uma vez que a posse
corresponde à exteriorização da propriedade, a manutenção da posse pressupõe que os poderes
fáticos sobre a coisa continuem a ser exercidos.
A nossa lei refere, no artigo 1257.º, n.º1 CC, que a posse se mantém enquanto durar a atuação
correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de o continuar, o que parece corresponder à
doutrina de Savigny. A sua interpretação levou aso a uma disputa doutrinária quanto a novos:
Pretensos factos extintivos da posse:
1. Manuel Rodrigues: considerava a solução acima apresentada inaplicável em relação aos direitos
reais suscetíveis de extinção pelo não uso, para evitar que pudessem continuar a beneficiar da
tutela possessória após a sua extinção. A não ser essa a solução, por exemplo, o titular de uma
servidão que se extinguisse pelo não uso continuaria a beneficia da tutela possessória, após a
extinção do seu direito.
2. Pires de Lima/Antunes Varela: rejeitaram essa posição, entendendo que enquanto não fosse
judicialmente declarada a extinção da servidão pelo não uso, faz todo o sentido que o seu titular
continue a beneficiar da tutela possessória.
3. Oliveira Ascensão: defende que o regime da posse deve ser aproximado do regime dos outros
direitos reais de gozo quanto ao não uso, sustentando que a omissão da prática de atos
possessórios conduz à extinção da posse. Esta omissão permitira, no entender do autor, elidir a
presunção do artigo 1257.º, n.º2 CC.
4. Menezes Cordeiro: admitiu que o não uso possa extinguir a posse, nos mesmos termos em que
extingue o direito respetivo; aponta o preceituado no artigo 1281.º, n.º2 CC no fim como
estabelecendo um outro facto extintivo da posse, criticando a solução legal, que não se harmoniza
com a ausência de consagração do princípio posse vale título no Direito Português.
5. José Alberto Vieira: não subscreve esta posição, dizendo que a posse encontra-se, em princípio,
com quem tem a coisa e exerce sobre ela o poder de facto a que alude a lei portuguesa. E isto
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mesmo que o possuidor não seja o titular do direito real. Na verdade, e como salientámos, num
passo que surge incontroverso, a lei portuguesa constrói o corpus possessório como uma situação
em que o possuidor pode atuar sobre a coisa quando quer, ainda que não o faça (artigo 1257.º,
n.º2 CC). Quer dizer, a posse conserva-se enquanto para o possuidor exista a suscetibilidade de
atuação material sobre a coisa. A separação da posse e do direito real quanto às respetivas causas
de aquisição e extinção projeta-se também no que toca ao não uso, que é facto extintivo de
direitos reais de gozo, mas não da posse, que tem os seus próprios factos extintivos, os quais não
passam pela extinção da situação jurídica a que a posse se refere. Por último, no que respeita à
função social, responderemos apenas que tal princípio não foi acolhido pelo Direito português
e, como tal, não serve para justificar a solução propugnada por Oliveira Ascensão. A omissão da
prática de atos possessórios com manutenção do corpus não conduz à extinção da posse.
Enquanto o possuidor mantiver a possibilidade de atuar sobre a coisa a posse mantém-se. É o
que resulta do disposto no n.º2 do artigo 1257.º, n.º2 CC. A posse não se extingue por não uso.
Concede, porém, justeza à crítica que Menezes Cordeiro faz com o artigo 1281.º, n.º1 CC,
referindo que há uma ínsita antinomia entre o afastamento do princípio posse vale título, que
permitira ao adquirente de boa fé a aquisição da propriedade a non domino e o acolhimento de
uma proteção meramente possessória a ele. Não partilhamos, todavia, o entendimento
expressado quanto à existência de um outro facto extintivo da posse. Não há dúvida que, se a
posse da coisa esbulhada é transmitida a um terceiro que desconhece de boa fé estar a lesar o
direito do possuidor esbulhado, este não pode fazer valer a sua posse mediante uma ação de
restituição (artigo 1281.º, n.º2 CC). Isto não quer dizer, no entanto, que a sua posse se extinguiu.
Basta pensar que a posse da coisa pode voltar para o esbulhador ou ser transferida para outro
terceiro que esteja de má fé, por conhecer o esbulho. Nestes casos, a posse mantém a sua
oponibilidade normal e o possuidor esbulhado pode recuperar a coisa através de uma ação de
restituição da posse. Estes exemplos elucidam bem que a posse apenas não é oponível a terceiro
de boa fé, sem que isso signifique a sua extinção. Poderemos, assim, falar de mera inoponibilidade
da posse do possuidor esbulhado ao terceiro de boa fé, mas não de extinção da posse deste pela
transmissão da posse da coisa a terceiro de boa fé.
6. Menezes Leitão: não faz sentido considerar a mera possibilidade de repetição do ato de
apossamento como suficiente para a conservação da posse, ao contrário do que defendia Savigny,
nem nos parece que a expressão legal deva ser interpretada nesse sentido. Mas também não nos
parece, como sustenta Jhering, que se exija a conduta normal de um proprietário diligente para
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se poder conservar a posse, uma vez que a mesma se caracteriza pelo exercício de poderes
correspondentes àquele direito, independentemente da diligência com que são exercidos.
Interpretamos assim a referência legal à possibilidade de continuação do exercício do direito no
sentido de que basta assegurar um certo controlo sobre a coisa para conservar a posse sobre ela.
Neste enquadramento, não se justifica defender a extinção pelo não uso, dado que é a cessação
do controlo sobre a coisa que implica a perda da posse, a qual se verifica no momento dessa
cessação. O artigo 1257.º, n.º2 CC estabelece ainda que se presume que a posse continua em
nome de quem a começou. Desta disposição resulta de que basta provar a constituição da posse
para que a lei presuma a sua continuação, não sendo assim exigível, designadamente para efeitos
de usucapião que se demonstre a prática constante de atos relativos à posse.
Efeitos e conteúdo da posse: independentemente da qualificação como direito ou situação de
facto (que as regências em causa farão) a posse atribui o seguinte efeito:
1. Presunção de titularidade do direito: o principal efeito da posse vem previsto no artigo 1268.º,
n.º1 CC. A posse faz presumir a titularidade do direito a que essa posse se reporta. Quem tem
posse como proprietário, presume-se proprietário, quem tem posse como superficiário,
presume-se superficiário, e assim sucessivamente. A presunção de titularidade do direito prende-
se diretamente com a função de publicidade a que a posse se encontra associada.
Consequentemente, a menos que se prove a existência de um direito real sobre a coisa, o
possuidor verá conservada a sua posse.
Enquanto Menezes Leitão os define como direitos, José Alberto Vieira, ao conceber a posse como direito
subjetivo, atribui-lhe um conteúdo: situações jurídicas menores, ativas e passivas (poderes, deveres, ónus,
etc.), que têm no Direito a sua fonte, ao que são: meros poderes conteúdo do direito posse. De uma
forma sintética, encontramos no conteúdo da posse, o poder ou direito de:
2. Uso da coisa: corresponde ao exercício da posse sobre ela.
a. Oliveira Ascensão: defende que que só o uso do possuidor de boa fé é lícito e não gera
dever de indemnizar. Nesta ordem de ideias, embora o autor não o diga, parece que o
uso do possuidor de má fé – que conhece ou ignora culposamente a violação do direito
de outrem – é ilícito e gera um dever de indemnizar, nos termos gerais.
b. José Alberto Vieira: discorda referindo que, por definição, tem por fonte o Direito não
pode ser ilícito. Ou o Direito o atribui ou não o faz. Mas se o atribui, não pode ser ilícito.
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Quanto muito, poderia dizer-se que o possuidor de má fé não tem o uso da coisa. Parece-
nos, contudo, muito difícil negar um poder de uso ao possuidor, mesmo ao possuidor
de má fé. Se a posse é constituída em violação de um direito subjetivo de um terceiro, o
possuidor pode ser chamado a indemnizar o titular, dentro dos esquemas gerais de
imputação de danos. Mas tal não impede a consideração de um poder de uso para o
possuidor de má fé. O uso da coisa pelo possuidor de má fé não vem negado em
nenhuma disposição da regulação jurídica da posse e aparece até pressuposto em alguns
dos preceitos dessa regulação, nomeadamente, os atinentes aos frutos (artigo 1271.º CC)
e às benfeitorias (artigos 1273.º a 1275.º CC). O uso da coisa é, no nosso entender, um
dos aspetos do conteúdo da posse exercida nos termos de um direito real de gozo.
c. Menezes Leitão: a licitude do uso da coisa possuída ocorre tanto na posse de boa fé
como na posse de má fé, uma vez que mesmo nesta última a responsabilidade do
possuidor, ainda que objetiva, só ocorre em caso de perda ou deterioração da coisa (artigo
1269.º, a contrario CC), o que significa que o possuidor não é responsável pelo seu uso, e
ele não tiver essas consequências. O simples uso da coisa não constitui por isso o
possuidor no dever de indemnizar.
3. Fruição do possuidor no caso de a posse ser de boa fé: no âmbito do artigo 1270.º CC
determina-se que o possuidor de boa fé tem direito a fazer seus os frutos por ele percebidos até
ao momento em que cessa a sua boa fé, tem um poder de fruição (n.º1). Pelo contrário, o
possuidor de má fé não apenas deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da
posse como ainda responde por aqueles que um proprietário diligente teria obtido (artigo 1271.º
CC). O regime legal compreende-se, atendendo ao facto de o poder de fruição competir ao titular
do direito, o que legitima este a reclamar, não apenas os frutos pendentes, mas também os
percebidos ou que o poderiam ter sido durante a posse, nos termos do artigo 1271.º CC. Essa
solução é apenas excetuada no caso de existir boa fé, dada a proteção que merece aquele que,
desconhecendo sem culpa que se encontra a lesar o direito de outrem, investe na coisa o seu
trabalho ou capital, contando com os rendimentos dela, nos mesmos termos do que qualquer
proprietário. É assim a tutela da boa fé que legitima a atribuição dos frutos percebidos ao
possuidor. Refere o artigo 1270.º, n.º1 CC, que o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais
percebidos até ao dia em que souber que está com a sua posse o direito de outrem e os frutos
civis correspondentes ao mesmo período. O direito do possuidor já não se estende aos frutos
pendentes, que devem ser atribuídos ao titular do direito (artigo 1270.º n.º2 CC). Este regime
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compreende-se pelo facto de os frutos, enquanto não forem separados, não constituírem um
objeto próprio, mantendo-se a sua titularidade no proprietário. Apenas a perceção dos frutos
permite a sua atribuição ao possuidor de boa fé. O artigo 1270.º, n.º3 CC determina ainda que,
se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a alienação
subsiste, mas o produto da colheita pertence ao titular do direito deduzida a indemnização pelas
despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, por todas as despesas de produção.
consagra uma regra excecional em matéria de legitimidade negocial, conferindo ao possuidor
formal, de boa fé, legitimidade para alienar os frutos a terceiro antes da colheita. Seja como for,
o preço cabe ao titular do direito real de gozo, deduzindo da indemnização a que se refere o n.º2
do mesmo artigo. Não obstante a latitude com que o poder de fruição vem inserido no conteúdo
da posse, a verdade é que nem mesmo a posse de boa fé atribui sempre ao possuidor o poder de
fruir. Há posses que não atribuem a fruição ao possuidor. Isto sucede devido ao o facto de o
conteúdo da posse surgir decalcado da propriedade, como se toda a posse se exercesse nos
termos deste direito. Como o proprietário tem a fruição da coisa, o regime jurídico regula este
aspeto do gozo, reconhecendo ao possuidor de boa fé o direito a ficar com os frutos gerados
por ela. No entanto, a posse também se processa por referência aos outros direitos reais de gozo,
alguns dos quais conferem ao seu titular todo ou algum poder de fruição, enquanto outros não.
Quando o direito real de gozo nos termos do qual a posse surge exteriorizada não atribui a
fruição ao titular, o possuidor não tem o poder de fruição. Apesar da atribuição dos frutos
pendentes ao proprietário, a lei não considera nula alienação realizada de boa fé, como resultaria
da aplicação do regime da venda de bens alheios, determinando a sua subsistência, ainda que o
produto da colheita seja atribuído ao titular do direito, adquirindo o possuidor apenas essa
indemnização.
a. A maioria da doutrina: parece entender que nesta norma se prevê a restituição do
commodum ex negotiatione, devendo o possuidor entregar ao titular do direito o produto da
alienação.
b. José Alberto Vieira: Se os vendeu ou consumiu, está obrigado a ressarcir o seu
enriquecimento ao titular do direito real de gozo a que couber a fruição, segundo o
disposto no enriquecimento sem causa.
c. Menezes Leitão: não parece ser essa, porém, a melhor interpretação desta disposição.
Efetivamente, a lei refere expressamente o produto da colheita e não o produto da
alienação, estando assim em causa o valor gerado pela colheita e não os ganhos
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resultantes da sua alienação pelo possuidor. O artigo 1270.º, n.º3 CC remete para o artigo
1270.º, n.º2 CC, e este refere-se expressamente ao valor dos frutos, sendo a indemnização
deduzida apenas a respeitante a despesas de produção destes. Caso se tratasse de uma
restituição do commodum ex negotatione, a indemnização a deduzir deveria também abranger
as despesas resultantes da alienação, o que a lei não prevê. Parece assim que esta norma
se destina apenas a fazer funcionar o limite do enriquecimento à hipótese de alienação
de frutos, continuando o objeto da restituição a ser o valor deles (artigo 479.º, n.º1 CC),
limitado ao produto da venda, enquanto enriquecimento subsistente em virtude da boa
fé do possuidor (artigo 479.º, n.º2 CC). O possuidor nada tem assim que restituir acima
do valor dos frutos alienados, podendo conservar os ganhos resultantes da alienação que
excedam esse valor.
4. Pagamento dos encargos da coisa, em caso de não atribuição dos frutos: nos termos do
artigo 1272.º CC, os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na
medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos. Esta
solução é igualmente estabelecida pela proibição do enriquecimento sem causa, já que aquele a que
são atribuídos os frutos relativos a determinado período tem naturalmente que suportar os
encargos com a coisa durante com a coisa durante este período, sem o que se enriqueceria
injustificada à custa de outrem. Assim, o possuidor de boa fé, na medida em que tem direito a fazer
seus os frutos percebidos, também tem igualmente que suportar os encargos com a coisa
relativamente a esse período. Pelo contrário, o possuidor de má fé é obrigado a restituir todos os
frutos percebidos, o que lhe dá direito a ser indemnizado das despesas de cultura, sementes e
matérias-primas e dos restantes encargos de produção e colheita, desde que não sejam superiores
ao valor desses frutos (artigo 216.º, n.º1 CC). Em derrogação ao artigo 215.º, n.º2 CC, a mesma
situação ocorre em relação à atribuição dos frutos pendentes ao proprietário, no caso de boa fé.
Efetivamente, se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos naturais, é o titular
obrigado a indemnizar o possuidor das despesas de cultura, sementes ou matérias primas e, em
geral, de todas as despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que
vierem a ser colhidos (artigo 1270.º, n.º2 CC).
5. Indemnização ou reembolso de benfeitorias realizadas na coisa: o possuidor pode exercer
o uso que tem sobre a coisa inserindo nela melhoramentos. Fala-se, então, em benfeitorias. O
regime jurídico das benfeitorias assenta, como se sabe, na tripartição entre benfeitorias
necessárias, úteis e voluptuárias. Quer o possuidor de boa fé, como o possuidor de má fé podem
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realizar benfeitorias. A lei portuguesa não distingue entre possuidor de boa fé e possuidor de má
fé a não ser quanto às benfeitorias voluptuárias que não se possam levantar sem o detrimento da
coisa (artigo 1275.º, n.º2 CC). Em tudo o resto, o regime é o mesmo. O possuidor tem direito a
ser indemnizado das benfeitorias necessárias que fez na coisa (artigo 1273.º, n.º1, 1.ª parte CC).
Quanto às benfeitorias úteis, elas podem ser levantadas pelo possuidor, contando que não
impliquem uma deterioração da coisa (artigo 1273.º, n.º1, 2.ª parte CC). Se assim acontecer, o
possuidor tem o direito a ser indemnizado pelo titular do direito real, indemnização essa calculada
segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273.º, n.º2 CC). O possuidor de boa fé
pode levantar as benfeitorias voluptuárias que haja feito na coisa, mas não tem esse direito se o
levantamento supuser o detrimento da coisa (artigo 1275.º, n.º1 CC). Nesse caso, não tem direito
a qualquer indemnização.
6. Indemnização em caso de turbação ou esbulho: a posse é entre nós tutelada pela
responsabilidade civil delitual (artigo 483.º CC), pelo que o possuidor mantido ou restituído tem
direito a ser indemnizado pelos prejuízos que lhe tenha causado a turbação ou o esbulho (artigo
1284.º CC). a violação ilícita da posse, do direito à posse, sujeita o infrator à responsabilidade
civil pelos danos causados (artigo 1284.º, n.º1 CC), sem prejuízo de outras sanções legais que ao
caso caibam. O possuidor tem, assim, o poder de ser indemnizado por aquele que ilicitamente
violar a sua posse.
7. Aquisição da propriedade, após a sua manutenção por certo lapso de tempo (poder de
usucapião): a posse pode permitir a aquisição da propriedade por usucapião (artigo 1287.º CC):
o possuidor tem o poder (potestativo) de usucapir o direito real de gozo a que a sua posse e
reporta, caso os requisitos legais estejam preenchidos.
8. Acessão: a acessão da posse é um poder que a lei faculta ao possuidor de juntar o seu tempo de
posse ao tempo de posse do possuidor do qual ela foi adquirida (artigo 1256.º, n.º1 CC), de modo
a facultar a usucapião.
9. Defesa de posse: enquanto situação jurídica, a posse é tutelada pelo ordenamento jurídico
português. Essa tutela realiza-se através das denominadas ações possessórias. Pela sua
importância, abriremos uma secção destinada exclusivamente à defesa da posse.
Mas a posse atribui também ao seu titular deveres, situações passivas, sendo:
10. O dever de pagamento dos encargos com a coisa (possuidor de boa fé): O artigo 1272.º
CC coloca no possuidor o dever de pagamento dos encargos gerados pela coisa na proporção
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do seu poder de fruição. Este dever incumbe ao possuidor de boa fé, uma vez que se liga ao
poder de fruição, que o possuidor de má fé não tem.
11. O dever de restituir os frutos (possuidor de má fé): não tendo poder de fruição, o possuidor
de má fé está obrigado a restituir ao titular do direito real de gozo os frutos, naturais ou civis,
gerados pela coisa (artigo 1271.º CC). Esse dever cessa naturalmente com a extinção da posse.
12. O dever de indemnizar o titular do direito real em caso de perda ou deterioração da coisa:
o possuidor de boa fé apenas responde se tiver procedido com culpa; já o possuidor de má fé
fica sujeito a um regime excecional de responsabilidade civil. Em caso de perda ou deterioração
da coisa, ele responde pelos danos, tenha ou não culpa na produção do facto danoso (artigo
1269.º CC). Este sentido retira-se pela utilização do argumento a contrario sensu sobre o artigo
1269.º CC. Assim, este preceito faz impender sobre o possuidor de má fé o risco de perda ou
deterioração da coisa. Trata-se de um caso de responsabilidade civil objetiva. O possuidor de má
fé responde pela perda ou deterioração da coisa independentemente de culpa, portanto, mesmo
que não a tenha. O artigo 1269.º CC consagra, deste modo, uma inversão do risco de perecimento
da coisa, que deixa de correr por conta do titular do direito real, do proprietário e dos restantes
titulares de direitos reais, para passar a correr por conta do possuidor de má fé.
a. Henrique Mesquita, Pires de Lima/Antunes Varela e Menezes Cordeiro: acha esta
solução tem sido apontada como desajustada, pela injustiça que a inversão do risco de
perecimento da coisa cria relativamente a casos em que o dano ocorreria mesmo que ela
se encontrasse com o titular do direito real. Propondo, então, uma restrição ao alcance
absoluto do artigo 1269.º C, mediante a aplicação direta do regime da mora do devedor,
concretamente, do artigo 807.º, n.º2 CC (relevância negativa da causa virtual).
b. José Alberto Vieira: concorda. O possuidor de má fé só pode ser responsabilizado pela
perda ou deterioração da coisa caso a mesma não sofresse dano se estivesse com o titular
do direito real de gozo. O artigo 1269.º CC deve, pois, ser objetivo, de uma interpretação
restritiva.
c. Menezes Leitão: o mesmo entende.
Ao conteúdo de um direito subjetivo pertencem situações jurídicas (menores) ativas e situações jurídicas
passivas, um dado da dogmática jurídica atual que deve ter-se por assente. A posse não é exceção. O
conteúdo da posse não é o mesmo em todas as situações. Particularmente, a lei acentua diferenças no
conteúdo da posse consoante o possuidor esteja de boa fé ou de má fé.
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Os meios de defesa da posse: o Direito providencia ao possuidor meios de defesa da sua pose.
Genericamente, esses meios podem ser extrajudiciais ou judiciais. As ações possessórias são típicas, isto
é, só existem aquelas que a lei prevê. Atualmente, o Código Civil consagra três ações possessórias e um
procedimento cautelar. A estes meios de defesa da posse, há que juntar os embargos de terceiro (artigo
1285.º CC). As ações possessórias são:
1. Ações de prevenção (artigo 1276.º CC);
2. Ação de manutenção da posse (artigo 1278.º CC);
3. Ação de restituição da posse (artigo 1278.º CC).
O procedimento cautelar é a restituição provisória da posse (artigo 1279.º CC). Os embargos de terceiro
não são uma ação possessória propriamente dita, mas são um meio judicial de defesa da posse em
processo de execução. A ação direta, apesar de não judicial, é, também (Menezes Leitão trata-a) um
meio de defesa da posse.
1. O fundamento da tutela possessória: dizer-se que a tutela possessória pressupõe a posse
parece uma evidência de saber tautológico. A verdade, porém, é que em alguns momentos da
história se previu a possibilidade de os detentores recorrerem à tutela possessória. O Direito
português vigente afastou-se dessa solução. Só o possuidor pode defender a posse com recurso
às ações possessórias, não o detentor. Assim, em todos os locais do sistema jurídico se prevê a
tutela possessória o beneficiário desta é somente o possuidor. Podemos dizer, deste modo, que
o fundamento das ações possessórias é a posse. Nestas ações, o autor invoca a sua posse para
obter a condenação judicial do terceiro a respeitá-la. A condenação concreta que pode surgir
depende da ação possessória considerada, uma vez que o pedido não é o mesmo que em cada
uma delas. Verificar a existência do controlo material da coisa, de corpus possessório, é matéria
de facto. Contudo, saber se existe ou não posse é estritamente matéria de Direito. A posse não
é uma mera situação de facto, é um direito que resulta da interpretação/aplicação de normas
jurídicas. Portanto, saber se há ou não posse é uma questão de Direito.
A restituição provisória da posse: o artigo 1279.º CC dispõe que sem prejuízo do disposto nos
artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito a ser restituído
provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador. Este preceito fixa, assim, três requisitos, a
saber:
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1. A existência de uma posse;
2. Um ato de esbulho da coisa;
3. A violência no esbulho.
A especificidade deste meio de tutela da posse advém, no entanto, da reação a um esbulho violento. Não
é qualquer esbulho que fundamenta a restituição provisória da posse nos termos do artigo 279.º CC, e,
por conseguinte, ele não se aplica em todos os casos de esbulho. Apenas o esbulho com violência suscita
a aplicação do preceito. A violência é de considerar de acordo com o disposto no artigo 1261.º, n.º2 CC.
O esbulho é violento sempre que o esbulhador empregue coação física ou psicológica sobre o possuidor
para obter a coisa.
Se for feita a prova da posse, do esbulho e da violência, o possuidor esbulhado obtém a condenação
judicial do esbulhador à restituição da coisa sem este ser ouvido no processo, ou seja, sem contraditório
processual. O sacrifício do princípio do contraditório encontra a sua justificação na reação à violência.
Sendo esta intolerável para a ordem jurídica, o esbulhador não é admitido sequer a pronunciar-se sobre
a pretensão do esbulhado e é condenado a devolver a coisa ao esbulhado antes de poder intervir
processualmente. A restituição provisória da posse tem a sua regulação processual como procedimento
cautelar, encontrando-se a disciplina respetiva nos artigos 393.º a 395.º CPC. O artigo 393.º CPC
preceitua que, no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente
à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência. Encontramos aqui os
três requisitos substanciais previstos no artigo 1279.º CC.
Mas a prova de facto limita-se à existência do corpus possessório. A posse como situação jurídica resulta
de uma interpretação/aplicação do Direito a essa situação de facto, a fazer pelo juiz. O artigo 394.º CPC
dispõe, por sua vez, que se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e
foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.
Conforme dissemos, a violência do esbulho justifica o sacrifício do princípio do contraditório. Quem
usa da violência para obter a coisa perde o direito a intervir e a ser ouvido no procedimento cautelar de
restituição provisória da posse. Resta dizer, que, em termos processuais, o esbulho sem violência também
pode ser defendido através de um procedimento cautelar, mas este segue a tramitação comum e não a
especial dos artigos 393.º e 394.º CPC (artigo 395.º CPC), que respeita apenas à restituição provisória da
posse em caso de esbulho violento.
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A ação de prevenção: à ação de prevenção dedica o nosso Código Civil o artigo 1276.º CC. Esta
ação destina-se a prevenir a prática de atos de turbação ou esbulho de terceiro, sejam eles judiciais ou
extrajudiciais, e, neste último caso, materiais ou jurídicos.
O terceiro em causa pode ser qualquer um, pessoa singular ou coletiva, de Direito privado ou de Direito
público, como o Estado, uma autarquia local um instituto público, etc.
Uma vez que esta ação requer que não tenha havido ainda perturbação na posse da coisa, o seu escopo
é unicamente evitar que esta perturbação venha a ter lugar, obtendo-se a condenação judicial do autor
da ameaça a abster-se de concretizar atos de turbação ou esbulho sobre a coisa.
Para além de determinar a posse, o possuidor terá de provar ainda o justo receio de ser perturbado ou
esbulhado. Não basta, pois, o simples receio. O possuidor terá de fazer prova de indícios que sustentem
a convicção do julgador que a violação da posse se afigura como uma possibilidade real, o justo receio
de que a lei fala.
Na ação de prevenção, o tribunal não pode condenar o autor da ameaça em multa ou indemnização por
violação da posse, porquanto a violação da posse não teve ainda lugar. Por isso, o artigo 1276.º CC
contém apenas na parte final a ressalva da aplicação de qualquer destas duas sanções, sem que, contudo,
qualquer delas possa resultar da ação de prevenção.
A ação de manutenção: a ação de manutenção vem prevista no artigo 1278.º, n.º1 CC e,
diferentemente a ação de prevenção, supõe que um terceiro concretizou uma ação de violação da posse,
através da prática de atos de turbação. São atos de turbação todos os atos materiais que não impliquem
o esbulho, isto é, o desapossamento efetivo da coisa.
Na ação de manutenção, ao contrário da ação de prevenção, não se está mais perante uma perspetiva
abstrata de violação da posse, de uma possibilidade de isso acontecer, pressupondo-se ao invés que o
terceiro perpetrou já atos materiais sobre a coisa que perturbem o gozo dela pelo possuidor. A diferença
entre a ação de manutenção e a ação de restituição está em que a primeira pressupõe que o possuidor
mantém a coisa consigo, não tendo sido consumado o desapossamento. A reação contra uma tentativa
falhada de esbulho deve ser feita através de ação de manutenção e não por via da ação de restituição.
A ação de restituição: a ação de restituição encontra-se igualmente prevista no artigo 1278.º, n.º1
CC, conjuntamente com a ação de manutenção. Trata-se, contido, de ações possessórias distintas. De
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acordo com aquele artigo, no caso de recorrer ao Tribunal, o possuidor esbulhado será restituído
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
A ação de restituição tem lugar quando o possuidor foi privado da coisa pelo esbulho. Neste caso, o
corpus possessório é destruído pela intervenção de um terceiro, que concretiza um desapossamento da
coisa, retirando-a da esfera de poder do possuidor.
A ação de restituição distingue-se facilmente da ação de prevenção. Nesta não se verificam atos materiais
de ofensa da posse, o possuidor apenas tem um receio justificado que tal venha a suceder no futuro,
enquanto na ação de restituição um terceiro intervém sobre a coisa possuída, subtraindo-as ao controlo
material do possuidor. Conforme vimos, a ação de restituição também se distingue claramente da ação
de restituição, visto que esta se dirige apenas aos casos em que a violação da posse através de atos
materiais não retirou o corpus possessório ao possuidor, o qual, apesar de perturbado, ainda permanece
com a coisa em seu poder.
Legitimidade para as ações possessórias:
1. Legitimidade ativa: a legitimidade ativa para as ações possessórias vem regulada no artigo
1281.º CC, o qual, contudo, apenas menciona as ações de manutenção e de restituição, omitindo
a referência às ações de prevenção. Seja como for, afigura-se claro que a legitimidade ativa para
a ação de prevenção pertence ao possuidor ameaçado. Se este entretanto morre, os seus herdeiros
têm igualmente legitimidade para a interposição desta ação. À legitimidade ativa para a ação de
manutenção refere-se o n.º1 do artigo 1281.º CC. Segundo este artigo, a ação de manutenção da
posse pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros. Quer dizer, o possuidor
perturbado tem legitimidade para intentar a ação de manutenção, cabendo esta legitimidade aos
seus herdeiros caso faleça. Nas ações de restituição, o n.º2 do artigo 1281.º CC mantém a regra
do n.º1: a ação de restituição da posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros.
O possuidor esbulhado tem legitimidade para interpor a ação de restituição, assim, como as têm
os seus herdeiros se ele morrer. Em caso de falecimento do possuidor, a legitimidade para
instaurar as ações possessórias é transmitida aos seus herdeiros (artigo 1281.º CC), o que está em
conformidade com o caráter automático da sucessão na posse (artigo 1255.º CC).A regra geral
no tocante à legitimidade ativa nas ações possessória é, por conseguinte, que essa legitimidade
cabe ao possuidor.
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a. José Alberto Vieira: é a solução natural e conforme ao conteúdo jurídico do direito
posse. O poder de defender a posse é um poder integrado na situação jurídica (direito
subjetivo) posse. Ao titular deste direito, cabe exercê-lo. Falecendo o titular do direito,
os herdeiros têm legitimidade para defender a posse ofendida.
Estando em causa direitos de outra natureza, como os direitos familiares ou os direitos relativos
a concessões do domínio público, já não será admissível o recurso à tutela possessória. As ações
possessórias não podem igualmente ser usadas para tutela das servidões não aparentes, salvo
quando a posse se funde em título provindo do proprietário serviente ou de que lho transmitiu
(artigo 1280.º CC). A razão para esta exclusão resulta do facto de as servidões não aparentes
poderem ser confundidas com atos de tolerância do proprietário, exigindo a lei por isso um título
específico para lhes conferir a tutela possessória. É controvertido, no entanto, o significado a dar
à expressão título:
b. Menezes Leitão: deve considerar-se como tal o facto jurídico, fonte da servidão, o qual
pode ser o contrato, testamento, ou a destinação do antigo proprietário. Já em relação à
pessoa de quem provém, o Código refere-se apenas ao atual proprietário do prédio
serviente e àquele imediatamente anterior, não admitindo que títulos provindos de
proprietários mais distantes legitimem a defesa possessória das servidões não aparentes.
Por outro lado, as ações possessórias não podem ser usadas para tutela de situações de mera
detenção. O detentor não terá por isso legitimidade para recorrer à defesa possessória. Nos casos
de detenção a tutela possessória deve ser exercida por parte da pessoa em cujo nome se possui.
2. Legitimidade passiva:
a. Para as ações possessórias: a legitimidade passiva nas ações possessórias surge
regulada na lei portuguesa unicamente por referência às ações de manutenção e de
restituição, registando-se um silêncio no que respeita às ações de prevenção. Não restam
dúvidas, todavia, que a ação de prevenção só pode ser intentada contra o autor das
ameaças. Uma vez que não há ainda violação da posse, não faz sentido considerar a
legitimidade passiva para uma ação de indemnização no caso daquele falecer entretanto.
Quanto às ações de manutenção, a legitimidade passiva, de acordo com o n.º1 do artigo
1281.º CC, cabe ao perturbador: a ação de manutenção pode ser intentada pelo
perturbado ou os seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador. Falecendo o
perturbador, o possuidor pode intentar uma ação de indemnização contra os herdeiros
(«salva a ação de indemnização contra os herdeiros deste»), mas não uma ação de
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manutenção da posse. Isso explica-se pelo facto de não haverem sido os herdeiros a
praticar os atos de turbação e, por conseguinte, uma ação de manutenção não ter quanto
a ele qualquer sentido útil. Pela problemática específica da legitimidade passiva para a
ação de restituição, abrimos um novo número.
b. Para a ação de restituição da posse: o artigo 1281.º, n.º1 CC dispõe que a ação de
restituição pode ser interposta contra o esbulhador. Aquele que tira a coisa ao possuidor
pode sempre ser demandado pelo esbulhado. Caso o esbulhador haja falecido e a coisa
esteja com os seus herdeiros, a ação de restituição pode igualmente ser intentada contra
estes. Pode acontecer, porém, que o esbulhador transmita a coisa a terceiro. Pergunta-se,
nesse caso, se a ação de restituição pode ser movida contra ele. A parte final do artigo
1281.º, n.º2 CC distingue entre o terceiro de boa fé e o terceiro de má fé. Quando alude
àquele que esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho, a lei portuguesa
tem em vista o terceiro possuidor de má fé ao qual a posse da coisa esbulhada foi
transmitida. E admite-se quanto a este que o possuidor esbulhado possa fazer valer a sua
posse numa ação de restituição. Estando o terceiro de boa fé, a posse não lhe é oponível.
Não se trata, no entanto, de um problema de legitimidade passiva para a ação de
restituição, mas simplesmente de inoponibilidade de um direito (a posse) contra terceiro.
A ação de restituição, se movida contra terceiro de boa fé, será improcedente, por falta
de oponibilidade do terceiro. Trata-se de uma solução dificilmente justificável num
sistema que não positivou a regra posse vale título. Com efeito, percebe-se mal que o
terceiro não posse invocar a sua boa fé para evitar o sucesso da ação de reivindicação, e,
portanto, que o titular do direito real de gozo reaveja a coisa nesta ação apesar da boa fé
do possuidor, mas posse obstar ao sucesso da ação possessória de restituição com esse
fundamento. Tudo o que com isto se consegue é que o titular do direito real de gozo (o
proprietário, o usufrutuário, etc.) seja obrigado a recorrer à ação de reivindicação porque
não pode recuperar a coisa mediante a ação de restituição, podendo ficar numa situação
mais difícil quanto à prova. Por outro lado, o possuidor formal ficará definitivamente
afastado da coisa, pois, não sendo titular de um direito real de gozo, a inoponibilidade da
sua posse deixa-o sem meios judiciais de a reaver. O esbulhador pode constituir uma
posse a favor de terceiro, nos termos de outro direito, mantendo, no entanto, a sua posse.
Neste caso, o esbulhado pode opor a sua posse a este terceiro?
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i. Pires de Lima/Antunes Varela: entendem que não, com o argumento literal
de que se trata de um detentor e não do possuidor, como menciona o n.º2 do
artigo 1281.º CC.
ii. José Alberto Vieira: O argumento parece-nos ser puramente formal. Se o
detentor representa o possuidor na posse e tem a coisa consigo, o esbulhado deve
demanda-lo diretamente para reaver a sua coisa. Note-se que o detentor não é
um terceiro, é o representante do possuidor na posse (artigo 1252.º, n.º1 CC). Ao
pedir a restituição da coisa ao detentor o possuidor esbulhado está, juridicamente,
a exercer o seu direito contra o esbulhador.
Mais complexa é a situação do detentor que é simultaneamente possuidor nos termos de
outro direito.
Caducidade das ações possessórias: as ações de manutenção ou de restituição da posse devem
ser intentadas no prazo de um ano após a turbação ou o esbulho, sob pena de caducidade do direito
(artigo 1282.º CC). Se os atos de turbação ou de esbulho forem praticados às ocultas, o prazo só se inicia
quando forem conhecidos do possuidor perturbado ou esbulhado.
Conflito de posses em ação de manutenção e restituição: uma vez que o esbulho não
conduz automaticamente à perda da posse do possuidor esbulhado, que subsiste pelo período de um
ano se for pública e pacífica (artigo 1267.º, n.º1, alínea d) e n.º2 CC), durante o ano subsequente a esse
facto podem coexistir várias posses incompatíveis, isto é, em conflito, sobre a mesma coisa.
O artigo 1278.º, n.º2 CC preceitua que se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser
mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse. Segundo o n.º3 do artigo 1278.º CC constitui
melhor posse a que for titulada. O que há de apurar-se em face do artigo 1259.º CC Se nenhuma das
posses em conflito for titulada, a melhor posse é a mais antiga. Tendo as posses do autor e do réu a
mesma antiguidade, prevalece (é melhor posse) a posse atual.
Este preceito suscita algumas dúvidas. E se ambas as posses são tituladas, qual delas é melhor posse?
1. José Alberto Vieira: dentro da teleologia do n.º3 do artigo 1278.º CC, a melhor posse é a mais
antiga. Funciona o segundo critério legal de resolução do conflito possessório. E se, porventura,
ambas forem tituladas e tiverem a mesma antiguidade, prevalecerá a posse atual.
2. Menezes Leitão: segue o mesmo entendimento
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A ação de manutenção e a ação de restituição são ações possessórias. Nelas, o autor invoca
exclusivamente a sua posse e pede ao tribunal a condenação do réu a não praticar atos de perturbação
da posse (ação de manutenção) ou na devolução da coisa (ação de restituição). Se o autor invoca o direito
real e pede a condenação do réu a reconhecer o seu direito e a entregar-lhe a coisa, a ação já não pode
ser qualificada como ação possessória, sendo antes uma ação de reivindicação. Do mesmo modo, a ação
de manutenção ou de restituição apenas vem a ser decidida como conflito possessório caso o réu não
invoque – ou caso o fazendo não o prove – a titularidade de um direito real de gozo. Como veremos, se
o réu exceciona a titularidade de um direito real e o prova, o conflito entre o autor e réu não vem a ser
dirimido como um conflito possessório, mas como um conflito entre a posse do autor e o direito real
do réu. A resolução de uma ação de manutenção ou de restituição segundo a regra da melhor posse
(artigo 1278.º, n.º2 e 3 CC) tem lugar unicamente enquanto conflito se processa entre a posse do autor
e a posse do réu. Extravasando a discussão para a titularidade do direito real, opondo este a uma posse
contrária, o conflito não é mais possessório, mas de hierarquia de direitos reais de gozo, entre a posse e
o direito real de gozo suscitado pelo réu. Este é o significado profundo do n.º1 do artigo 1278.º CC. O
possuidor esbulhado só será mantido ou restituído na hipótese de o réu não demonstrar na ação a
titularidade de um direito real incompatível com a posse do autor.
A invocação da exceptio dominii na ação de manutenção ou de restituição: na ação
de manutenção ou restituição o réu pode defender-se contra o pedido do autor invocando ser o
proprietário da coisa, aquilo que tradicionalmente se designa pela exceptio dominii. Não obstante a
designação, exceptio dominii, a defesa respeita realmente a qualquer direito real de gozo e não apenas à
propriedade.
Naturalmente, não se tratará neste caso de uma verdadeira exceção de propriedade, mas de uma exceção
de titularidade de um direito real de gozo. Com a exceptio dominii ou a exceção respeitante a outro direito
real de gozo, a discussão no processo deixa de se confinar à questão possessória, passando a envolver o
direito de fundo sobre a coisa. A razão para a admissão da discussão sobre o direito real, e não meramente
sobre a posse, numa ação possessória, em que o fundamento está na posse, é de economia processual.
Se a titularidade do direito real do réu vem a ser provada na ação possessória de manutenção ou
restituição, esta deve ser decidida de acordo com a hierarquização entre a posse e o direito real em causa.
É neste momento que a provisoriedade da atribuição possessória se manifesta e o possuidor vê a sua
posição ceder perante o titular do direito real de gozo. Por representar somente uma tutela provisória, a
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posse cede sempre no confronto com o direito real de gozo, que constitui uma atribuição definitiva da
coisa ao titular, sendo, por isso, mais forte. Isso resulta com clareza do preceituado em sede de
reivindicação (artigo 1311.º CC), onde se estabelece a oponibilidade (e a prevalência) da propriedade (e
dos restantes direitos reais – artigo 1315.º CC) à posse (e à detenção).
No momento do conflito entre a posse e o direito real, a ordem jurídica corrige a desconformidade
existente com a dissociação entre a titularidade do direito real e a posse, fazendo com que esta coincida
com aquela. O preço é o sacrifício da posse formal, o detrimento desta em favor da atribuição definitiva
da posição que o direito real não possessório representa.
É isto significado profundo do artigo 1278.º, n.º1 CC ao dispor que o possuidor perturbado é mantido
ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Quer dizer, se o autor
e réu apenas esgrimem a posse, sem entrarem na discussão da titularidade do direito real de gozo, o
conflito é decidido em termos puramente possessórios, prevalecendo a melhor posse (artigo 1278.º, n.º2
CC). Porém, se a questão da titularidade de um direito real é trazida pelo réu, soba forma de invocação
de que é proprietário (exceptio dominii) ou titular de um outro direito real de gozo, e a prova do direito é
feita no processo, a ação possessória deve ser declarada improcedente e a coisa mantida com o réu, pois
o direito real prevalece sobre a posse.
Nas ações de manutenção e de restituição o autor invoca simplesmente a sua posse e pede ao tribunal a
condenação do réu a entregar-lhe a coisa: são ações possessórias. Pode acontecer que o réu não conteste
a posse do autor. Neste caso, a ação de manutenção ou restituição será procedente. Invocando o réu
uma posse incompatível com o autor, o conflito é resolvido na base da melhor posse (artigo 1278.º, n.º2
e 3 CC). A coisa deverá ficar com o possuidor que tiver melhor posse. Se o réu se defender invocando
um direito real de gozo, a ação desloca-se do plano puramente possessório para o plano da hierarquia
entre a posse do autor e o direito real do réu.
Os embargos de terceiro: os embargos de terceiro foram objeto de previsão no artigo 1285.º CC.
Todo o regime adjetivo encontra-se hoje nos artigos 351.º a 359.º CPC. Os embargos de terceiro
caracterizam-se, segundo o artigo 1285.º CC, por ser um meio de defesa da posse contra uma diligência
ordenada judicialmente; por exemplo, uma penhora, um arresto ou um arrolamento. Assim, um
possuidor que veja a coisa por si possuída ser objeto de uma penhora no âmbito de uma execução em
que não é o executado, pode defender-se deduzindo embargos.
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A posse singular: a posse diz-se singular quando é exercida por uma única pessoa nos termos de um
direito real de gozo. Não deixa de haver posse singular na hipótese de a coisa se encontrar com um
detentor. Se, por exemplo, a coisa está com um mandatário, para este a vender, o mandante continua
possuidor e é um possuidor singular, visto que o detentor não tem nenhuma posição possessória sobre
a coisa. À posse singular contrapõe-se a chamada composse.
A composse: a composse existe quanto mais do que uma pessoa tem posse sobre a coisa nos termos
de um direito da mesma natureza. A sua verificação liga-se evidentemente às situações de comunhão de
direitos reais (artigo 1404.º CC), nas quais vários direitos reais da mesma natureza incidem
simultaneamente sobre a coisa. Havendo composse, cada um dos compossuidores possui a coisa em
nome próprio nos termos do seu direito.), sendo detentor relativamente aos direitos dos outros
comunheiros. Por conseguinte, cada compossuidor é simultaneamente possuidor e detentor. O artigo
1406.º, n.º2 CC apoia esta interpretação, dispondo que o uso da coisa comum por um dos
comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido
inversão do título. Ora, como se sabe, somente o detentor pode inverter o título da posse (artigo 1265.º
CC). O comproprietário que inverte o título da posse contra o outro ou outros comproprietários tem a
posição de detentor no que concerne à posse destes últimos e, por isso, pode inverter o título da sua
posse.
Em conclusão, a composse designa uma situação de existência de pluralidade de posses nos termos de
um direito da mesma natureza. Também nesta os compossuidores têm de ter o controlo material da
coisa ou corpus possessório. Simplesmente, esse controlo material ou corpus surge repartido pelos vários
compossuidores, de modo que cada um deles, sozinho, não tem o controlo material da coisa, surgindo
este da ação conjunta de todos.
O corpus possessório pode ser exteriorizado através de um intermediário ou representante, que atue sobre
a coisa em nome do compossuidor e não em seu nome. Não se regista neste ponto nenhuma diferença
entre a posse singular e a composse. Dito por outras palavras, a posse pode ser exercida pelo
compossuidor através de um detentor. No limite, todos os compossuidores podem atuar o seu controlo
material da coisa através de um detentor (ou vários). Porquanto a posse supõe, para além do corpus
possessório, a ausência de uma norma legal que descaracterize a situação para mera detenção, a composse
só existe fora dos casos elencados no artigo 1253.º CC ou noutro preceito normativo com a mesma
função.
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Questão discutida consiste em saber se a composse se exerce nos termos de direito da mesma natureza
(direitos homólogos) ou se pode haver composse relativa a diferentes direitos (direitos heterogéneos).
Em Portugal, o artigo 669.º, n.º2 CC dispõe que a entrega da coisa pode consistir na simples atribuição
da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor da possibilidade de dispor
materialmente da coisa.
Significa isto que há composse entre o autor do penhor e o credor pignoratício?
1. José Alberto Vieira: não. O que o preceito estabelece é a necessidade de constituição de uma
posse a favor do credor pignoratício. Essa posse não tem de ser a mesma posse do autor do
penhor, nem pode ser. Essa posse não tem termos da propriedade, a constituição da posse a
favor do credor pignoratício, através da entrega da coisa, não faz deste evidentemente um
possuidor no que toca à propriedade, mas somente quanto ao direito de penhor, que é o direito
exteriorizado pelo credor pignoratício. A menção a uma composse no artigo 669.º, n.º2 CC
explica-se apenas pelos antecedentes do Direito Comparado. A infelicidade da redação do
preceito está na utilização do termo composse, quando tudo o que está em causa é a constituição
de uma nova posse a favor do credor pignoratício. Esta posse acresce à do autor do penhor,
numa situação que a seguir descrevemos como de sobreposição de posses, não se cumula com a
dele em composse. Portanto, a composse existe unicamente quando a posse é exercida
simultaneamente por vários possuidores nos termos de direitos da mesma natureza.
2. Menezes Leitão: defende que sim. A comunhão ocorre quando é atribuída a posse da coisa
simultaneamente a vários titulares, com base num direito ou acordo comum, ficando assim todos
eles na situação de compossuidores. Essa hipótese encontra-se prevista genericamente no artigo
1286.º CC e pode ocorrer no caso de a posse se referir a um direito real exercido em comunhão
(artigo 1403.º e seguintes CC) ou ainda, no caso de penhor, ser acordada a atribuição meramente
da composse ao credor pignoratício (artigo 669.º, n.º2 CC).
O Código Civil consagrou um preceito à composse, o artigo 1286.º CC. A regra de maior alcance consta
do n.º3 ao referir que são aplicáveis à composse as disposições do presente título.
A composse traduz uma pluralidade de posses; cada uma dessas posses está sujeita ao regime geral
constante dos artigos 1251.º e seguintes CC. O compossuidor, por exemplo, pode adquirir por usucapião
o direito a que se refere a sua (com)posse como pode o possuidor singular. Os n.º1 e 2 contêm duas
regras específicas:
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1. A primeira regra específica da composse constante do n.º1 do artigo 1286.º CC representa um
mero afloramento da regra geral existente em matéria de defesa de direitos em comunhão que
surge no artigo 1405.º, n.º2 CC (aplicável a todas as situações de comunhão ex vi artigo 1404.º
CC). Cada compossuidor pode defender a sua (com)posse, assim como a posse integral da coisa
(para o direito exteriorizado), sem que o terceiro possa objetar que a posse não lhe pertence por
inteiro.
2. A segunda regra, essa excecional, afasta a ação de manutenção do âmbito da tutela possessória
entre os compossuidores. Em caso de turbação, o compossuidor perturbado não pode lançar
mão da ação de manutenção, cabendo-lhe apenas a ação direta, de acordo com o disposto no
artigo 336.º CC( artigo 1277.º CC).
Sobreposição de posses: existe sobreposição de posses sempre que haja mais do que uma posse
em simultâneo sobre a coisa, nos termos do mesmo ou de diferente direito real de gozo.
É verdade que se pode dizer que há igualmente uma sobreposição de posses nas situações de composse,
pois que os compossuidores são igualmente possuidores nos termos do direito que exteriorizam sobre a
coisa e, nesse sentido, existem várias posses. Todavia, a figura da sobreposição de posses tem uma maior
amplitude.
Se as várias posses são exercidas nos termos do mesmo direito, temos de distinguir consoante essas
posses são compatíveis ou incompatíveis.
Se são compatíveis, como sucede com a posse dos comproprietários ou outros comunheiros, há
uma simples composse.
Se as posses atuadas por dois ou mais possuidores nos termos do mesmo direito são
incompatíveis, há sobreposição de posses, e não composse. A situação pode ocorrer por força
de um esbulho, em que o possuidor esbulhado mantém a posse pelo prazo de um ano (artigo
1267.º, n.º1, alínea d) CC) e o esbulhador adquire uma nova posse pelo facto aquisitivo respetivo
(apossamento ou inversão do título da posse). E se figurarmos um novo esbulho ao esbulhador,
por parte de outro terceiro, prolongamos o cenário, que se pode estender sucessivamente. A
posse do possuidor esbulhado e do esbulhador (e do esbulhador do esbulhador) pode respeitar
ao mesmo direito real de gozo ou a um diferente direito real. O que importa é que possuidor
esbulhado, que mantém a posse segundo o disposto no artigo 1267.º, n.º1, alínea d) CC, e
esbulhador exteriorizam sobre a coisa direitos incompatíveis.
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Existe ainda sobreposição de posses quando estão constituídas em simultâneo várias posses nos termos
de diferentes direitos reais de gozo. Estas posses são, em princípio, compatíveis e coexistem sobre a
mesma coisa, da mesma forma que coexistem os direitos reais maiores e os direitos reais menores que
os oneram.
A natureza da posse:
1. A posse, situação de facto ou de direito? em relação à natureza da posse, suscita-se a
controvérsia entre aqueles que consideram a posse um facto, e aqueles que a veem como um
direito. Não obstante algumas fórmulas controversas, admite-se genericamente que no Direito
Romano se concebia a posse como mero estado facto (res facti). Algumas dificuldades subsistiam,
porém.
a. Windscheid: a posse é defendida por meios possessórios e há consequências jurídicas
que lhe estão associadas: tratam-se de efeitos jurídicos produzidos pela situação de facto
posse
b. Savigny: a posse em si constitui um mero facto, mas que a ela se ligam consequências
jurídicas, e que isso faz dela simultaneamente um facto e um direito.
c. José Alberto Vieira: a posse assenta numa situação de facto, num controlo material da
coisa ou corpus possessório, mas não se deve confundir com este; são aspetos distintos.
O corpus não é ainda a posse, revestindo a natureza de um mero facto: o controlo material
de uma coisa corpórea por uma pessoa. Este controlo material ou corpus não equivale a
ela, como resulta com clareza dos casos de detenção, em que aquele que tem fisicamente
a coisa consigo não é considerado possuidor. A posse, enquanto tal, é o produto de uma
interpretação/aplicação de regras jurídicas, aquelas justamente que conferem a qualidade
de possuidor à pessoa que tem o controlo material da coisa ou corpus. Este é, por assim
dizer, o pressuposto fático da atribuição do direito posse, mas este direito, ou a posse
para falarmos com mais clareza, advém unicamente de uma valoração jurídica da situação
de facto. Antes dela, não há ainda posse. Debruçando-se sobre o regime jurídico
português, concluí que a posse é um direito:
i. Começamos pela detenção: ela evidencia que o controlo material da coisa pelo
sujeito não outorga posse automaticamente. Se alguém se apossa de uma coisa
por intermédio de outra pessoa, quem tem a coisa consigo não é possuidor é o
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que dispõe a alínea c) do artigo 1253.º CC. Se a posse fosse um mero facto, não
haveria espaço para uma distinção entre posse e detenção, pois o que as torna
diferentes é a valoração que o Direito faz de cada uma delas, a detenção como
facto, a que não corresponde qualquer efeito jurídico, a posse como direito, com
um conteúdo próprio.
ii. Tutela possessória: a tutela da posse pressupõe um direito (ou uma situação
jurídica ativa) que se faz valer processualmente. A atribuição da tutela possessória
ao possuidor, contrariamente ao detentor, evidencia justamente a natureza da
posse como um direito, o direito posse, que surge defendido através dos meios
possessórios consagrados. A ordem jurídica tutela a posse porque o possuidor
tem um direito a defender.
iii. Violação da posse: o possuidor tem direito a ser indemnizado pelo prejuízo
sofrido com a turbação ou o esbulho (artigo 1284.º, n.º1 CC). Não se vê que o
fundamento da pretensão indemnizatória possa ser outro que não a violação da
posse. A responsabilidade em causa, que é extracontratual, funda-se, segundo o
disposto no artigo 483.º, n.º1 CC, na violação de uma situação jurídica. Uma
situação de facto não pode ser violada e não gera, por conseguinte,
responsabilidade civil.
iv. Transmissão da posse: uma transmissão jurídica da posse só se explica se a
natureza jurídica desta for a de uma situação jurídica. Só as situações jurídicas se
transmitem, não os factos. Ainda no contexto da transmissão, a posse continua
nos seus sucessores (artigo 1255.º CC). A sucessão na posse ocorre porquanto a
lei a concebe como uma situação jurídica. Não há sucessão de situações de facto.
v. A possibilidade de a posse subsistir sem o corpus: segundo o artigo 1267.º, n.º1,
alínea d) CC, o esbulho da coisa não conduz imediatamente à perda da posse.
Pelo contrário, a posse permanece durante o ano posterior ao esbulho, e até mais
de um ano se a posse do esbulhado for oculta ou houver sido adquirida com
violência, enquanto não se tornar conhecida do esbulhado ou a violência cessar.
Se a posse fosse uma mera situação de facto não se conseguiria justificar como
ela subsistiria perdido o corpus. A razão para isto acontecer está na natureza de
situação jurídica da posse. A posse requer o controlo material da coisa para ser
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atribuída, podendo, contudo, subsistir sem ela. Este regime não é explicável
sendo a posse uma mera situação de facto.
vi. O conteúdo da posse vs seus efeitos: a posse outorga ao possuidor o
aproveitamento da coisa. Esse aproveitamento vai do uso, que o controlo
material propicia, à fruição, no caso do possuidor de boa fé, e à disposição,
material (benfeitorias) e jurídica (transmissão da posse). O uso, a fruição e a
disposição apresentam a configuração típica do gozo, comum aos direitos reais
desta categoria. Trata-se de verdadeiros poderes jurídicos, que integram o
conteúdo da proteção possessória. A posse estrutura-se juridicamente como
qualquer outro direito real de gozo, com conteúdo próprio de aproveitamento
facultado ao possuidor.
vii. A presunção de titularidade: constante do artigo 1268.º, n.º1 CC, esta seria
explicável em virtude da situação de facto posse. Um direito não faz presumir
outro direito, dir-se-á. Simplesmente, esta presunção só funciona a favor de quem
tem posse. Ora, só depois de se saber se o Direito não descaracteriza o corpus para
mera detenção é que o artigo 1268.º, n.º1 CC é aplicável – porque então há posse.
A presunção constante do artigo 1268.º, n.º1 CC só atua após a valoração jurídica
da situação como posse e não defronte da mera situação de facto. O detentor
não goza desta presunção.
viii. O sistema: a posse vem regulada como um direito real de gozo, a par dos
restantes, no Livro III do Código Civil. Esta colocação da posse no sistema
interno supõe implícita uma qualificação legal da posse como direito real. E, como
afirma Oliveira Ascensão, a qualificação legal só deve ser afastada quando houver
razões para isso e, conforme expusemos abundantemente, o regime jurídico
reforça a colocação sistemática, não a afasta.
2. A posse como direito real de gozo: no tratamento doutrinário desta questão, nem todos os
autores concordam em qualificar a posse da mesma maneira:
a. Gentile: assaca-lhe a natureza de interesse legítimo, uma situação jurídica que justificaria
a tutela possessória, sem ter, no entanto, a dignidade de um direito subjetivo.
b. Natoli: fala na posse como expectativa jurídica.
c. Savigny: que a posse pertence ao Direito das Obrigações.
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d. Oliveira Ascensão: a posse é um direito, mas não é um direito real, na medida em que
não constitui um direito inerente à coisa, nem absoluto, dado que o artigo 1281.º, n.º.2
CC, não admite a interposição de restituição de posse contra quem não tenha
conhecimento do esbulho da coisa. Por isso, o autor sustenta que a defesa da posse
funda-se em razões relativas: o esbulho ou o conhecimento do mesmo. O autor
reconhece, porém, que a posse não é um puro direito relativo, pois não assenta numa
relação, nomeadamente na relação entre o titular e um eventual titular do direito
definitivo e que existe na posse a funcionalidade, pois a situação é sempre dirigida ao
aproveitamento da coisa. O possuidor não tem, no entanto, a possibilidade de
acompanhar a coisa, que é dada pela inerência. A posse é assim uma figura híbrida: não
é direito relativo, mas tem meios de defesa próprios de direito relativo.
e. Menezes Cordeiro: depois de ter inicialmente defendido a natureza real da posse,
defende hoje que a posse não se pode integrar por razões histórico-culturais no sistema
dos direitos reais, uma vez que não era tutelada no Direito Romano por actiones in rem,
mas antes pelos interdicta possesionis. O autor entende que, por isso, a posse não é um
direito real de gozo constituindo antes um direito de gozo diferenciado.
f. Menezes Leitão: entende dever acompanhar esta última conceção configurando a posse
com um direito real de gozo sem natureza real. Efetivamente, o artigo 1281.º, n.º2 CC,
demonstra a ausência de inerência na posse, uma vez que a ação de restituição não pode
ser instaurada contra terceiro de boa fé. Por outro lado, ao contrário do que sucede nos
direitos reais a tutela possessória não resulta da atribuição prévia de um direito sobre a
coisa, surgindo a posteriori em virtude da situação de facto criada, que é o que determina
a atribuição dos interditos. Não podemos dizer consequentemente que existe na posse
uma permissão normativa de aproveitamento de uma coisa corpórea, uma vez que apenas
existe uma tutela provisória da continuação do aproveitamento da coisa, que já vinha
sendo realizado pelo titular. Por esse motivo, a posse não pode ser qualificada como um
direito real.
g. José Alberto Vieira: tendo uma coisa corpórea por objeto, não vemos como se posa
recusar a natureza real da posse. A posse pode ser oposta a qualquer pessoa, desde que
haja esbulhado a coisa e nisto consiste o seu caráter absoluto. A cedência desta defronte
dos restantes direitos reais de gozo, havendo conflito entre a posse e um outro direito
real, resulta da natureza provisória da atribuição jurídica realizada pelo Direito, sem
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comprometer a natureza real dessa atribuição e muito menos o seu caráter absoluto. A
natureza real da posse não respeita unicamente à posse formal, mas simplesmente à posse,
seja formal ou causal. A autonomia da posse relativamente ao direito nos termos do qual
se exerce impõe uma consideração separada de direito real quando o direito exteriorizado
por ela não tem essa natureza. E real ou de outra natureza, na titularidade do possuidor.
Quanto a nós, a posse é, pois, um direito real. Será, no entanto, um direito real de gozo?
A posse exercida nos termos de um direito real de gozo confere ao possuidor um
aproveitamento que integra os poderes típicos desta categoria de direitos, nomeadamente,
o poder de usar a coisa, de a transformar (benfeitorias) e, em alguns casos, quanto ao
possuidor de boa fé, o poder de fruir. Se o gozo integra o conteúdo do direito posse não
vemos a que outra conclusão chegar que não seja a de que a posse constitui um dos tipos
de direitos reais de gozo constantes do numerus clausus legal
B – A Propriedade
1 – Noção e conteúdo típico da propriedade
A conceção juscivilista da propriedade: vimos que a nível constitucional, a propriedade tem
uma abrangência de contemplar todos os direitos patrimoniais. Cabe-nos tratar agora a sua conceção no
Direito Civil.
A primeira nota distintiva a dar do conceito civilístico de propriedade é de que este constitui um direito
real, um ius in re, defendido por uma ação real (a ação de reivindicação).
Dentro dos direitos reais, porém, e segunda nota distintiva, o direito de propriedade constitui o direito
de maior extensão. Esta maior extensão prende-se naturalmente com o aproveitamento da coisa
propiciado por este tipo de direito real no confronto com os demais direitos reais. Direito real maior ou
com maior extensão não significa, de modo algum, direito ilimitado, como também vimos acima estar
constante do artigo 1305.º CC.
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Terceira nota distintiva: ao proprietário cabe o exclusivo do aproveitamento da coisa. Apenas a
propriedade confere esta exclusividade. Os demais direitos reais supõem, pelo menos, a concorrência do
direito de propriedade. Qualquer direito real menor coexiste tendencialmente com a propriedade, mas
esta pode existir sem a concorrência de qualquer outro direito real.
Quarta nota distintiva: a propriedade realiza a atribuição final de uma coisa corpórea. E tanto assim é,
que todos os outros direitos reais são ius in re aliena, direitos sobre coisa alheia (do proprietário), e nenhum
deles confere ao titular o poder de consumir ou destruir a coisa.
A última nota distintiva da propriedade civil reside no seu objeto. A propriedade de Direito Civil
português tem por objeto coisas corpóreas: isto decorre hoje, com toda a clareza, do artigo 1302.º CC.
Quanto às universalidades de facto, e conforme se deixou exposto no tratamento dado ao princípio da
especialidade, a explicação para esta exclusão encontra-se no facto dos direitos reais, e também a
propriedade, apenas poderem ter por objeto coisas individualizadas, certas e determinadas.
A propriedade civil tem sido objeto de definições que ora sublinham o aspeto da disponibilidade da coisa
pelo proprietário ora a relação de pertença entre um sujeito e uma coisa:
1. A teoria do senhorio: toma-se em consideração as faculdades que sobre a coisa são atribuídas
ao seu titular, enquanto que na segunda teoria se toma antes em consideração a relação que se
estabelece entre a pessoa e a coisa. Corresponde, assim, a uma conceção quantitativa da
propriedade, identificado como o direito mais amplo que se pode ter sobre as coisas.
2. A teoria da sujeição: corresponde a uma conceção qualitativa, expressando a relação de
subordinação da coisa ao seu titular.
3. Guilherme Moreira, Henrique Mesquita, Carlos Mota Pinto, Oliveira Ascensão,
Carvalho Fernandes: adotam a teoria do senhorio, sendo a mais dominante na doutrina.
4. Pires de Lima: adotou uma conceção mista.
5. Menezes Cordeiro: tendo criticado a adoção por Oliveira Ascensão da teoria do senhorio, por
considerar que o usufrutuário tem mais poderes sobre a coisa do que o nu proprietário, acabou
por definir a propriedade apenas como a permissão normativa plena e exclusiva de
aproveitamento de uma coisa corpórea.
6. José Alberto Vieira: não julga ser necessário optar por nenhuma das definições pois não crê
que qualquer delas ilustre suficientemente a propriedade, preferindo, ao invés, destacar as notas
distintivas do direito de propriedade, sem esquecer que este direito não representa qualquer
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realidade imutável e que qualquer tentativa para o definir deve ser historicamente situada. Assim,
a propriedade confere ao proprietário o mais extenso aproveitamento da coisa. É um aspeto
quantitativo que julgamos incontornável. A posição da propriedade no topo da hierarquia da
atribuição real explica-se pela maior extensão do aproveitamento da coisa concedido ao
proprietário. Em segundo lugar, o aproveitamento da coisa pelo proprietário pode ser levado a
cabo sem a concorrência de outro direito real, o que não sucede relativamente aos outros direitos
reais. A propriedade outorga o exclusivo do aproveitamento da coisa. Em terceiro lugar, apenas
o proprietário pode decidir sobre o destino da coisa, em última análise, consumindo-a ou
destruindo-a. Isto explica-se pelo facto de a propriedade representar a atribuição última ou
definitiva da coisa a alguém, o que legitima o proprietário a decidir acerca do tipo de
aproveitamento a fazer (destino económico) e o destino final da coisa. Não retrataríamos
corretamente a propriedade se não fizéssemos alguma alusão ao facto do aproveitamento da
coisa não ser total. Uma propriedade ilimitada não existe. Por essa razão, o aproveitamento da
coisa propiciado pela propriedade tem de ocorrer nas zonas libertas de normas que impõem
vinculações ou de normas proibitivas que o afastem em certa medida (conteúdo negativo). Não
pensamos ser necessário evidenciar a vertente negativa de exclusão que qualquer direito real de
gozo comporta em relação a terceiros. O caráter perpétuo da propriedade afigura-se meramente
tendencial. A lei portuguesa abre a possibilidade de uma propriedade temporária (artigo 1307.º
CC) e o sistema normativo permite documentar alguns casos. Se reuníssemos as notas distintivas
apontadas, teríamos a seguinte definição: a propriedade é o direito que atribui todo o
aproveitamento possível de uma coisa corpórea. Falamos em aproveitamento possível para
deixar sublinhado que, apesar de ser o mais extenso dos direitos de aproveitamento sobre coisas
corpóreas, também o direito de propriedade sofre uma delimitação negativa e está sujeito aos
limites gerais de exercício da ordem jurídica. Maior extensão não equivale a ilimitação.
7. Menezes Leitão: considera claramente preferível a teoria do senhorio, o que o leva a definir a
propriedade como o direito real, que permite ao seu titular, dentro dos limites da lei, o
aproveitamento pleno e exclusivo de todas e quaisquer utilidades proporcionadas por uma coisa
corpórea.
O caráter unitário da propriedade: hoje é corrente falar-se numa propriedade superficiária e a
propriedade horizontal vem mesmo, por vezes, descria como uma propriedade especial. No entanto, os
Direitos modernos só conhecem uma propriedade, a qual reveste, assim, um caráter unitário, mesmo
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que relativamente a algumas coisas possam existir regimes especiais, justificados pelas particularidades
do objeto (propriedade horizontal).
O tipo legal do direito de propriedade: o artigo 1305.º CC fixa o conteúdo da propriedade: o
proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem. Reconhece-se, aqui, o ius utendi, fruendi et abutendi do Direito Romano.
Apesar da limitação desta fórmula de inspiração romana, o direito de propriedade atribui ao titular todos
os poderes ou faculdades que à coisa se podem referir. O proprietário pode fazer qualquer
aproveitamento da coisa que a lei não proíba, o que leva a considerar para a sua delimitação somente as
restrições a esse aproveitamento (conteúdo negativo). Deste modo, a delimitação positiva do tipo de
direito real propriedade não tem de ser feita através da enumeração concreta dos poderes de
aproveitamento da coisa. Tivemos ocasião de expor anteriormente o conteúdo positivo do direito real e
este conteúdo, na sua máxima extensão, representa o conteúdo da propriedade, como direito real maior.
Em relação à propriedade consideramos:
O poder de uso;
O poder de fruição;
O poder de transformação;
O poder de reivindicação;
O poder de excluir terceiros não autorizados do gozo da coisa;
O poder de demarcação (de coisas imóveis);
A faculdade de disposição, incluindo o poder para alienar, para onerar e para renunciar.
Estes poderes são conferidos pelo ordenamento ao proprietário. A possibilidade do seu exercício não
surge, no entanto, igual em todas as coisas. Em última análise, o conteúdo máximo da propriedade só
poderá ser exercido relativamente a algumas coisas e não a todas.
Ao conteúdo típica da propriedade pertencem também situações jurídicas passivas (conteúdo negativo).
Estas delimitam a medida do aproveitamento da coisa concedido pelo conteúdo positivo do direito e,
nessa medida, conformam a extensão do tipo legal da propriedade.
Qualquer limitação convencional ao direito de propriedade encontra-se sujeita ao princípio da tipicidade,
que vale naturalmente também para ele. Apenas a lei pode criar um conteúdo negativo (situações jurídicas
passivas) para a propriedade. As restrições negociais da propriedade que tenham este alcance violam o
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princípio da tipicidade, como expressamente se dispõe no artigo 1306.º, n.º1 CC, e geram a nulidade do
negócio jurídico em causa. Em todo o caso, havendo uma limitação convencional ao aproveitamento da
coisa, importa distinguir consoante ela tem natureza real ou obrigacional. O princípio da tipicidade só é
colocado em causa quando a convenção negocial respeita ao conteúdo típico (injuntivo) do direito, como
vimos.
A propriedade temporária: o tipo legal do direito de propriedade, não delimitado temporalmente
o direito, aponta para a perpetuidade. A propriedade continua a ser o direito de maior extensão, ainda
que esteja submetida a um horizonte temporal de duração. Nesta ordem de ideias, o artigo 1307.º, n.º2
CC admite a propriedade temporária nos casos especialmente previstos na lei. Quer dizer, a propriedade
pode ter uma duração limitada no tempo, a termo certou ou incerto, contando que essa possibilidade
esteja legalmente prevista.
Esta respeita aos casos em que o facto translativo da propriedade vem a ser afetado na sua eficácia por
uma incidência posterior, que pode ser tão diversa como o exercício do direito de resolução pelo
vendedor na compra e venda a retro (artigo 927.º CC), a verificação da condição resolutiva em contrato
translativo em que tal condição tenha sido convencionada (artigo 276.º CC), o regresso do ausente após
ter sido declarada a morte presumida (artigo 119.º CC), o casamento do cônjuge beneficiário de doação
ou testamento sem respeitar o prazo internupcial (artigo 1650.º, n.º1 CC), pelo divórcio, se o cônjuge
donatário for considerado o único ou principal culpado (artigo 1760.º CC), etc.
Entre os casos de propriedade temporária usualmente citados encontra-se a propriedade do fiduciário.
Até à sua morte, o fiduciário teria uma propriedade temporária. A qualificação da situação do fiduciário
como propriedade deixa-me, porém, muitas dúvidas. O conteúdo do direito do fiduciário (artigo 2290.º
CC), despojado praticamente do poder de disposição (artigo 2291.º CC) e de transformação, assemelha-
se mais a um usufruto do que a uma verdadeira propriedade. É como se a propriedade estivesse suspensa
até à morte do fiduciário, garantindo-se a este um gozo atípico da coisa.
1. Oliveira Ascensão: argumenta que o artigo 409.º, n.º1 CC, permitindo ao alienante reservar para
si a propriedade até ao pagamento do preço ou à verificação de qualquer outro evento, abre as
portas à consagração pelas partes de uma propriedade temporária, pois a formulação do preceito
abrangeria também o termo.
a. José Alberto Vieira crítica: admitindo que o evento a que se alude o artigo 409.º, n.º1 CC
pode consistir num termo, o que não termos por absolutamente seguro, a hipótese de
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reserva de propriedade sujeita a termo não configura uma verdadeira propriedade
temporária.
2. Henrique Mesquita: apresenta outro caso de propriedade temporária, a do proprietário do solo,
no direito de superfície, quando este haja sido constituído por certo tempo e no respetivo título
se preveja a reversão da propriedade para o superficiário, após o decurso do prazo
convencionado.
a. José Alberto Vieira crítica: tem, todavia, todavia, as maiores dúvidas sobre este exemplo,
pois, tratando-se de uma propriedade temporária, teria de estar prevista legalmente para
pode ser pactuada sem violação da proibição direta do artigo 1307.º, n.º2 CC e, realmente,
não está. O que se encontra previsto é a hipótese inversa, de reversão para o proprietário
do solo (artigo 1538.º, n.º1 CC).
3. José Alberto Vieira: como exemplo verdadeiro de propriedade temporária temos o direito de
superfície constituído a termo. O proprietário de obra ou de plantação que esteja sobre solo
alheio nos termos de um direito de superfície a termo reverterá para o proprietário do solo no
final do prazo (artigo 1538.º, n.º1 CC). A propriedade do superficiário sobre a obra ou plantação
é temporária porque tem a sua duração limitada à do direito de superfície. Outro exemplo
possível é o do legatário a termo, se ele for admissível no Direito português. No Direito
português, a perpetuidade não constitui uma nota distintiva do tipo legal da propriedade. No
entanto, a propriedade a termo (temporária) só pode ser convencionada validamente pelos
particulares quando a lei o preveja, o que sucede realmente em muito poucos casos. A convecção
de uma propriedade temporária fora dos casos admitidos na lei representa uma violação direta
de uma norma imperativa, o artigo 1307.º, n.º2 CC, e impõe a nulidade do negócio jurídico (artigo
280.º, n.º1 e 294.º CC). Uma eventual conversão na constituição de outro direito real (usufruto,
por exemplo) ou de um direito de crédito depende do regime aplicável (artigo 293.º CC).
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2 – Os factos constitutivos específicos da propriedade
Os factos aquisitivos específicos da propriedade: para além dos factos aquisitivos genéricos,
existem factos jurídicos específicos da propriedade, factos constitutivos que só respeitam a este direito.
São três os factos jurídicos específicos da propriedade:
1. A acessão;
2. A ocupação;
3. O achamento.
A Acessão
A delimitação positiva da acessão: o Código Civil português prevê a acessão como facto
aquisitivo do direito de propriedade (artigo 1317.º, alínea d) CC). A acessão vem depois definida no
artigo 1325.º CC: dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora
outra coisa que não lhe pertencia.
O regime do Código Civil português não menciona a união e a mistura como factos aquisitivos da
propriedade, como faz o Direito alemão, englobando-as, no entanto, a par da especificação, no conceito
de acessão (artigos 1333.º, 1334.º e 1335.º CC). Por outro lado, reserva para a acessão um campo de
aplicação bem menor daquele que surge no Direito francês, pois, apesar de dispor que pertence ao dono
da coisa o que a esta acrescer por efeito da natureza (artigo 1327.º CC), não coloca a aquisição de frutos,
naturais e civis, e de produtos gerados pela coisa no âmbito da acessão, mas sim do poder de fruição.
A acessão pressupõe, em regra, a verificação cumulativa de dois requisitos, um expresso no artigo 1325.º
CC, o outro apenas implícito:
1. A união ou mistura (confusão) de duas (ou mais) coisas: este constitui o fundamento fático
da acessão. Por virtude de uma qualquer causa, que poder ser natural ou provir da ação do
homem, intencional ou causal, duas (ou mais) coisas combinam-se ou fundem-se uma na outra.
O fenómeno é de ordem material ou física (orgânica, química, etc.). Duas (ou mais) coisas que
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existiam material ou fisicamente de modo autónomo, sendo valoradas pelo Direito como tal,
surgem, por força de um facto, natural ou humano, combinadas ou fundidas uma na outra. Este
requisito vem expressamente referido no artigo 1325.º CC, no qual se menciona a união: quando
com a coisa que é propriedade de alguém se une … outra coisa … Existe alguma variação
terminológica na lei portuguesa. Assim, o termo união vem usado para designar uma parte dos
casos de acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º, 1334.º e 1335.º, n.º1 CC), mas não todos.
Para os outros, fala-se de confusão, distinguindo-o da união, em três preceitos distintos do
regime da acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º, 1334.º e 1335.º CC).
a. José Alberto Vieira: prefere falar em mistura em vez de confusão, para não criar
equívocos entre esta forma de aquisição do direito e o facto extintivo de direitos reais
menores que se designa igualmente por confusão.
A mistura ocorre com a combinação de sólidos, de líquidos e também de gases, embora apenas
envolva coisas móveis. A autonomização da mistura defronte da união reside, ao que parece, no
facto de nesta última haver uma combinação entre dias (ou mais) coisas que são ainda
reconhecíveis apesar de integrarem um novo conjunto, enquanto na primeira ocorre uma
verdadeira fusão, geradora da impossibilidade de divisar qualquer das coisas misturadas. Seja
como for, a acessão tem lugar quer com a união quer com a mistura, sem que o Direito português
diferencie o regime de ambas, como se pode atentar dos artigos 1333.º, 1334.º e 1335.º CC. A lei
portuguesa não utiliza o termo união para indicar o requisito material da acessão nas várias
hipóteses de acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º a 1343.º CC), sendo certo que também
nestes casos a acessão supõe uma combinação – material – de duas (ou mais) coisas, uma delas
imóvel. O legislador português preferiu falar em incorporação no tocante aos imóveis (artigos
1325.º, 1340.º, n.º1, 2, 3 e 4, e 1342.º, n.º1 e 2 CC), alargando a terminologia envolvida nas
hipóteses de acessão.
b. José Alberto Vieira: entende, todavia, que não se justifica falar-se em união e em
incorporação consoante estejam em causa coisas móveis (união) e coisas imóveis
(incorporação). Em ambos os casos, a acessão supõe que duas (ou mais) coisas fiquem
materialmente ligadas entre si e o termo união é perfeitamente adequado para ambas as
hipóteses. Usa-a, assim, quer para referir o pressuposto material da acessão industrial
mobiliária (com exceção dos casos de mistura), quer o da acessão industrial imobiliária.
Por último, esclarecendo que a união não é requerida em todas as hipóteses de acessão.
Não o é, nomeadamente, na hipótese de avulsão (artigo 1329.º CC), nas quais a lei
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portuguesa se parece bastar com um mero contacto material gerado pelo arranque ou
deslocação de plantas, de solo ou de qualquer outra coisa de um prédio para outro, por
força da ação violenta de um elemento da natureza (água, vento ou outro).
Também os casos de acessão natural subsumíveis no artigo 1327.º CC, não requerem qualquer
união entre duas coisas. Assim, a água da chuva que cai num prédio é propriedade do dono deste,
haja caído numa porção de solo ou numa parte construída.
2. A inseparabilidade da coisa resultante da união ou mistura de duas (ou mais) coisas
autónomas: se a união ou mistura de duas (ou mais) coisas é precária, não definitiva, e elas
podem voltar à sua primitiva forma com um ato de separação, a autonomia jurídica das coisas
mantém-se e não há que suscitar a aplicação do regime jurídico da acessão. A inseparabilidade
não vem mencionada como requisito da acessão na noção legal, constante do artigo 1325.º CC.
No entanto, dispõe-se explicitamente no artigo 1333.º, n.º1 CC que a separação deles – o preceito
refere-se à união ou confusão de objetos – não seja possível. E nos artigos 1334.º e 1335.º CC
supõem-se implicitamente uma inseparabilidade, ou melhor, que a separação não seja possível
sem detrimento de alguma das coisas. Apesar de uma menção à inseparabilidade surgir apenas
no contexto da acessão industrial mobiliária, nem por isso este requisito deixa de valer para todas
as hipóteses de acessão. Com efeito, a incorporação aludida nos artigos 1325.º, 1340.º e 1342.º
CC repousa numa ligação material duradoura, definitiva, que não uma mera justaposição de
coisas e faça com esta um novo conjunto (inseparabilidade). A inseparabilidade de que falamos
como requisito da acessão não deve ser entendida em sentido material. De inseparabilidade fala-
se, porém, num sentido normativo. Este sentido transparece, com clareza, dos artigos 133.º, n.º,
1334.º, n.º1 e 2 e 1335.º, n.º1 CC, que evidenciam que existe inseparabilidade, não apenas se a
separação das coisas não for – materialmente – possível, mas também quando qualquer das coisas
unidas ou misturadas não puder separar-se daquela com que foi unida ou misturada sem sofrer
prejuízo, isto é, sem se perder ou deteriorar. O critério normativo assenta, pois, na possibilidade
de as coisas, ambas ou uma delas, poderem voltar à sua primitiva forma sem sofrerem dano
irreparável. Se houver detrimento de uma das coisas, mesmo havendo possibilidade técnica de
separação, há inseparabilidade para efeitos de acessão. Quer dizer, mesmo que materialmente as
coisas unidas ou combinadas possam ser separadas, há inseparabilidade quando pelo menos uma
das coisas unidas ou misturadas não puder ser separada da outra sem implicar a sua perda
(destruição) ou deterioração irremediável. Inseparabilidade significa, pois, que não basta um
mero contacto material, uma justaposição de coisas, para que haja lugar à aplicação do regime da
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acessão. Somente quando as coisas adjuntas ou misturadas perdem a sua autonomia como coisas
para se integrarem numa nova coisa (simples) se pode falar de acessão. Não havendo
inseparabilidade, qualquer dos proprietários das coisas justapostas pode reclamar a separação e
a entrega (reivindicação) a quem a tenha em seu poder. Como decorre do que dissemos, a coisa
que resulta da união ou mistura de duas (ou mais) coisas é sempre uma coisa simples, mesmo
atendendo a que pode incorporar uma outra anteriormente autónoma do ponto de vista jurídico.
O Direito português não faz depender a acessão da existência de uma relação de acessoriedade de uma
das coisas unidas ou misturadas em relação à outra.
De resto, o Código Civil prevê mais do que uma hipótese em que as coisas unidas ou misturadas têm
igual valor (artigos 1333.º, n.º2, 1335.º, n.º3 e 1340.º, n.º2 CC), o que significa que admite a aplicação do
regime da acessão não havendo qualquer acessoriedade de uma das coisas relativamente à outra. Assim,
a acessoriedade de uma coisa em relação à outra (principal) não constitui requisito da acessão no Direito
português.
A Ocupação
Noção legal e requisitos da figura: o artigo 1318.º CC preceitua que podem ser adquiridos por
ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos
ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.
O Código Civil não refere apenas a ocupação no artigo 1318.º CC e seguintes, misturando factos jurídicos,
nomeadamente, a ocupação, o achamento e a descoberta de tesouros, tratando-os debaixo do regime da
ocupação, como se só esta estivesse em causa.
A ocupação tem, porém, pressupostos distintos do achamento e da descoberta de tesouro e perde-se
compreensibilidade se se insistir em uniformizar factos que estão sujeitos a um regime jurídico diverso,
optando-se, assim por manter a identidade de cada figura.
Assim, são requisitos da ocupação:
Que a coisa móvel ou o animal sejam nullius: porque nunca foi atribuída a ninguém pelo
ordenamento (que nunca tiveram dono) ou porque a propriedade se extinguir (ou foram
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abandonados) sem que haja constituído um novo direito a favor de outra pessoa (por exemplo,
renúncia do anterior proprietário);
A apreensão material da coisa ou animal: na verdade, a ocupação tem subjacente um ato de
apossamento, que gera igualmente a constituição de posse pelo ocupante sobre a coisa ou animal
(artigo 1263.º, alínea a) CC). Com o apossamento, porém, o agente não se limita a adquirir a
posse da coisa ou do animal, adquire igualmente a propriedade sobre ele. É esse o efeito
específico da ocupação (artigo 1316.º e 1318.º CC).
A intenção do ocupante para adquirir a propriedade da coisa sem dono: tem sido, porém,
discutido se a ocupação pressupõe uma intenção aquisitiva específica, o que levaria a que esta
fosse qualificada como negócio jurídico, ou se dispensa essa intenção, sendo assim um ato
jurídico simples.
1. Oliveira Ascensão: exige este requisito dando-lhe apenas a significação relativa a vontade
de colocar a coisa debaixo da esfera da ação:
i. José Alberto Vieira: vê aqui um abandono da conceção subjetivista tradicional.
2. José Alberto Vieira: entende que o Código Civil português não contém qualquer
referência, direta ou indireta, expressa ou implícita, à intenção do ocupante, o que mostra
que ela não constitui um requisito autónomo da figura. Que o ocupante deva ter uma
vontade de agir na colocação da coisa em seu poder não se confunde com uma intenção
de adquirir qualquer direito. Esta não é exigida pela lei portuguesa. Uma vez que a
ocupação se processa através de um apossamento, a regra de capacidade a atender é a que
consta do artigo 1266.º CC. Qualquer pessoa, capaz de exercício ou não, pode ocupar
coisas móveis e animais nullius. Nada impede que a apreensão material seja levada a cabo
por várias pessoas e não uma só e, assim, a ocupação beneficiar duas ou mais pessoas, que
ficarão comproprietárias da coisa ou animal. Também nada obsta a que o ocupante seja
uma pessoa coletiva, contando que a pessoa que realize o apossamento atue por conta
daquela. O artigo 1252.º, n.º1 CC fundamenta essa solução.
3. Menezes Leitão: a melhor doutrina é a de que não é exigida essa intenção, sendo
consequentemente a ocupação um ato jurídico simples (artigo 295.º CC). Efetivamente, a
lei não exige a capacidade de exercício, nem sequer o exercício da razão, para atribuir a
posse ao ocupante (artigo 1266.º CC), pelo que não pode a mesma regra deixar de valer
em relação à aquisição da propriedade.
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Casos especiais: apesar da latitude com que a ocupação vem definida no artigo 1318.º CC, o Código
Civil remete a ocupação de animais em estado natural para legislação avulsa e estabelece regimes
específicos em três preceitos:
1. Artigo 1320.º CC – Animais selvagens com guarida própria: neste artigo 1320.º CC regula-se
o regime de ocupação de animais selvagens que habitem em determinado local por ação humana.
Havendo uma deslocação espontânea dos animais do local em que viviam para outro, pertencente
a dono diverso, este pode tornar-se o seu proprietário desde que não exista possibilidade de
reconhecimento individual do animal. Se esta possibilidade existir, o dono do local onde os animais
habitava pode reivindica-lo, contando que indemnize o proprietário do novo local para onde o
animal se deslocou dos prejuízos que a remoção do animal lhe cause. Se o proprietário do local para
aonde os animais foram houver induzido intencionalmente a deslocação dos animais, o dono do
anterior local onde os animais habitavam pode reivindica-los. Na impossibilidade de reivindicação,
por não ser possível determinar os animais, por exemplo, o proprietário da nova guarida dos animais
deve indemnizar o proprietário anterior no montante de três vezes o seu valor.
a. José Alberto Vieira: dificilmente vislumbra uma ocupação em sentido técnico nos casos
contemplados no artigo 1320.º CC. Não há nenhuma apreensão material dos animais que
justifique falar-se em ocupação. Nem eles são, dado o regime consagrado, coisa nullius.
No fundo, o artigo 1320.º CC estabelece que os animais selvagens que habitem num
determinado local são propriedade do dono deste, podendo, contudo, esta propriedade
ser perdida se os animais espontaneamente mudarem o local de guarida e não puderem
ser individualmente reconhecidos. Neste caso, o dono do novo local de guarida passa a
ser o proprietário desses animais.
b. Menezes Leitão: trata-o como um caso especial de ocupação, sem se debruçar sobre a
questão.
2. Artigo 1421.º CC – Animais ferozes fugidos: o regime português de animais selvagens ferozes
mantidos em cativeiro determina que qualquer pessoa possa matar esses animais («podem ser
destruídos») ou ocupá-los, desde que os animais se evadam da clausura em que se encontravam.
Se se compreende a primeira solução, qualquer pessoa pode matar os animais selvagens
atendendo à perigosidade que apresentam, já dificilmente se compreende a segunda.
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a. José Alberto Vieira: O artigo 1321.º CC só em parte regula um caso de ocupação (não
o é certamente a destruição do animal). Na outra parte contém um regime excecional à
regra geral do artigo 1318.º CC, pois permite a ocupação de animal com dono.
b. Menezes Leitão: trata-o como um caso especial de ocupação, sem se debruçar sobre a questão.
3. Artigo 1322.º CC – Enxames de abelhas: no artigo 1322.º, n.º1 CC preceitua-se que o
proprietário de enxame de abelhas enxameado pode perseguir as abelhas no prédio para onde
elas fugiram. Tem dois dias para o fazer, contados do momento em que tomou conhecimento
do enxameamento, estando o dono do prédio para o qual o enxame se deslocou sujeito à
perseguição do enxame no seu prédio, sem prejuízo do direito de indemnização dos danos que
a recuperação do enxame lhe cause; se não o fizer no prazo de dois dias, o proprietário do prédio
onde o enxame se encontra pode ocupá-lo ou consentir que um terceiro as ocupe (artigo 1322.º,
n.º2 CC). O n.º2 do artigo 1322.º CC prevê uma hipótese de ocupação de animais com dono.
Eficácia da ocupação: a ocupação constitui um facto aquisitivo do direito de propriedade (artigo
1316.º e 1317.º, alínea d) CC). E só este direito pode ser adquirido através dela. Quem se apossa de uma
coisa ou animal sem dono torna-se seu proprietário; não é legalmente possível a constituição de outros
direitos reias por ocupação. A aquisição da propriedade por ocupação representa uma aquisição
originária deste direito. O direito de propriedade que se constitui com a ocupação é um direito novo,
mesmo no caso de coisa ou animal abandonado.
Momento da aquisição da propriedade: o artigo 1317.º, alínea d) CC dispõe que a propriedade
se adquire no caso de ocupação no momento da verificação do facto respetivo.
Isto pode gerar alguma perplexidade, visto que a ocupação é ela própria um facto com eficácia real
(constituição da propriedade).
A que facto se estará então a referir o legislador?
1. José Alberto Vieira: julga que na ocupação o facto respetivo a que alude a alínea d) do artigo
1317.º CC é o apossamento, isto é, a apreensão material da coisa ou animal nullius. A constituição
da propriedade por ocupação ocorre no momento em que o agente conclui o apossamento da
coisa ou animal nullius.
2. Menezes Leitão: não se refere expressamente a esta questão.
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O Achamento
Generalidades: ao contrário da ocupação, o achamento não se reporta a coisas ou animais nullius,
nem desencadeia a sua eficácia automaticamente com a apreensão material.
Em primeiro lugar, o achamento opera relativamente a coisas (móveis) ou animais perdidos, portanto,
com dono. Trata-se da nota distintiva principal da figura no confronto com a ocupação. O achamento
engloba também as coisas ou animais escondidos, desde que, neste último caso, não constituam tesouros.
Com efeito, o artigo 1323.º, n.º1 CC menciona apenas as coisas ou animais perdidos, enquanto o disposto
no artigo 1324.º CC abrange os tesouros.
As coisas escondidas que não constituam tesouros não são nullius e, por conseguinte, não podem ser
ocupadas; mas como também não são tesouros, a disciplina da aquisição de tesouro não tem aplicação.
1. José Alberto Vieira: por interpretação extensiva do artigo 1323.º, n.º1 CC ou por analogia, a sua
regulação, não obstante o teor literal restrito, aplica-se igualmente às coisas ou animais
escondidos que sejam encontrados por alguém e não possam ser qualificados como tesouros no
sentido do artigo 1324.º CC.
2. Menezes Leitão: não refere a forma de aplicação mas efetua a mesma aplicação.
Em segundo lugar, e esta é outra nota distintiva face à ocupação, o efeito aquisitivo do achamento, a
constituição da propriedade, não ocorre com a apreensão material, mas somente se forem cumpridas
pelo achador as formalidades estabelecidas no artigo 1323.º, n.º1 CC e ainda decorrido o prazo fixado
no n.º2 deste artigo (um ano).
O apossamento da coisa perdida ou escondida não tem um efeito aquisitivo automático da propriedade
como sucede na ocupação. Na verdade, do artigo 1323.º, n.º1 CC resulta que o achador deve:
Restituir o achado ao proprietário ou avisá-lo de que a sua coisa ou animal foi encontrado, se
souber quem ele é;
Anunciar o achado, tendo em conta o valor da coisa ou animal, ou avisar as autoridades de acordo
com os usos da terra, se os houver, se não souber quem é o proprietário.
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Avisado o proprietário, feito o anúncio ou comunicado o achado às autoridades, o achador adquire a
propriedade da coisa ou do animal perdido ou escondido se o proprietário não reclamar a sua devolução
dentro do prazo de um ano (artigo 1323.º, n.º2 CC). O achamento representa um modo de aquisição
originária da propriedade, ex novo. O anterior direito que possa existir sobre o bem extingue-se.
A propriedade é o único direito real que pode ser adquirido por achamento, daí a integração sistemática
no âmbito dos factos aquisitivos da propriedade, embora debaixo da menção à ocupação (artigo 1316.º
e 1317.º, alínea d) CC).
O achamento é um facto complexo de produção sucessiva, que assenta primariamente numa apreensão
material de coisa ou animal perdido ou escondido, supõe o cumprimento pelo achador dos deveres de
comunicação, anúncio ou aviso estabelecidos no artigo 1323.º CC, mas só findo um ano sem que a coisa
ou animal seja reclamado pelo seu dono permite que o achador adquira a propriedade sobre o achado.
Deste modo, a aquisição da propriedade por achamento tem lugar somente quando decorrer o prazo de
um ano fixado no artigo 1323.º, n.º2 CC, sem retroatividade ao momento da apreensão material.
A lei portuguesa atribui ao achador um direito a ser indemnizado dos danos causados e das despesas
feitas com o achado e ainda um direito a um prémio, que é calculado mediante a aplicação de uma
percentagem sobre o valor da coisa: dez por cento (10%) se a coisa achada tiver o valor de 4,99€; cinco
por cento (5%) sobre o excedente deste valor até 24,99€ e dois e meio por cento (2,5€) sobre o restante
(artigo 1323.º, n.º3 CC). O achador tem um direito de retenção sobre a coisa achada para garantia do
pagamento dos seus créditos (artigo 1323.º, n.º4 CC).
Por último, a lei estabelece um regime favorável para o achador em matéria de responsabilidade civil pela
perda ou deterioração da coisa, determinando que essa responsabilidade existe apenas em caso de dolo
ou culpa grave e não, por conseguinte, quando exista mera negligência sua.
Achamento de coisa valiosa (aquisição de tesouro): a aquisição de tesouro distingue-se da
ocupação e do achamento regulado no artigo 1323.º CC pois reporta-se exclusivamente a coisas (móveis)
com valor considerável que foram escondidas pelo seu dono.
Trata-se, ainda, de uma hipótese de achamento, mas tem a especificidade de se reportar a coisas valiosas,
o que justifica um regime normativo especial.
O artigo 1324.º CC diferencia duas hipóteses, consoante o achador pode saber ou não quem é o
proprietário do tesouro.
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O achador de tesouro escondido ou enterrado há menos de vinte anos, podendo saber quem é o
proprietário da coisa valiosa escondida, deve avisar este último de que a encontrou ou restituí-la. No
caso de o dono da coisa valiosa encontrada, devidamente avisado, não a reclamar no espaço de um ano,
o achador faz sua metade da coisa achada. A outra metade pertence ao proprietário da coisa móvel ou
imóvel onde o tesouro foi encontrado (artigo 1324.º, n.º1, in fine CC).
Esta solução não resulta diretamente do artigo 1324.º CC, mas parece-nos que a aplicação do artigo
1323.º, n.º2 CC faz aqui todo o sentido. De outra forma, estar-se-ia a criar uma divergência de regulação
para situações semelhantes, que nada parece justificar. E ambos os autores regentes a aplicam.
O proprietário do tesouro, uma vez avisado pelo achador, tem o ónus de reclamar a sua coisa; se nada
fizer, vem a perdê-la para o achador ao fim de um ano (artigo 1323.º, n.º2 CC). Se o achador não puder
saber quem é o proprietário do tesouro, deve-se ainda distinguir conforme o tesouro foi escondido ou
enterrado há mais de vinte anos ou não. Se foi, o achador deve somente comunicar o achado ao
proprietário da coisa móvel ou imóvel onde foi encontrado, para que este último possa exercer o direito
atribuído pelo artigo 1321.º, n.º1 CC, de ficar com metade do tesouro.
Caso o tesouro tenha sido escondido ou enterrado há mais de vinte anos, o achador deve denunciar o
achado nos termos do artigo 1323.º, n.º1 CC ou avisar as autoridades. Aparecendo o proprietário, o
tesouro deve-lhe ser entregue, sem prejuízo da aplicação do disposto nos n.º3 e 4 do artigo 1323.º CC.
O achador tem direito a ser indemnizado dos danos que o tesouro lhe causou e a ser indemnizado das
despesas feitas com o achado, assim como ao prémio na percentagem constante do artigo 1323.º, n.º3
CC. A responsabilidade civil pela perda ou deterioração do tesouro apenas existe havendo dolo ou culpa
grave do achador (artigo 1323.º, n.º4 CC).
O achamento de tesouro não envolve necessariamente a aquisição, da propriedade sobre ele. O tesouro
permanece, neste caso, com o seu proprietário. Se é proprietário do tesouro, devidamente avisado ou
comunicado, não reclamar o tesouro no prazo de um ano, o achado fica a pertencer metade ao achador
e metade ao proprietário da coisa onde o tesouro foi encontrado.
Na hipótese de o achador omitir o cumprimento dos deveres de aviso e de comunicação previstos no
artigo 1324.º, n.º2 CC perde os seus direitos a favor do Estado (artigo 1324.º, n.º3 CC).
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A aquisição de tesouro por achamento significa que o achador e o proprietário da coisa onde o tesouro
se encontrava escondido ou enterrado adquirem metade do achado (artigo 1324.º, n.º1 CC). O direito é
adquirido a título originário.
Se o tesouro é composto de várias coisas, metade do achado significa que achador e dono da coisa onde
o tesouro foi encontrado podem dividir as coisas de acordo com o seu valor. Acontecendo tratar-se de
uma única coisa, o achamento determina a constituição de uma situação de compropriedade.
O momento da aquisição do direito de propriedade não é o momento em todas as hipóteses de
achamento.
1. O tesouro houver sido escondido ou enterrado há menos de 20 anos e o achador fizer a
comunicação ao proprietário, o anúncio ou o aviso do achado, nos termos do n.º2 do artigo
1324.º CC, adquire a propriedade de metade do achado um ano depois da comunicação, do
anúncio ou do aviso (artigo 1323.º, n.º2 CC). O dono da coisa onde o tesouro estava escondido
ou enterrado adquire a outra metade (artigo 1324.º, n.º1 CC), querendo, no mesmo momento.
Ele tem, porém, somente um direito potestativo de aquisição, cujo exercício depende da sua
vontade.
2. Tendo o tesouro sido enterrado ou escondido há mais de vinte anos, o achamento, com a
apreensão material do achado, determina a aquisição automática de metade do tesouro pelo
achador no momento da apreensão material. O dono da coisa onde o tesouro estava escondido
ou enterrado adquire, querendo, a outra metade.
A sua situação jurídica é igual à hipótese anterior. Pelo achamento de tesouro apenas pode ser adquirido
o direito de propriedade.
Outros factos aquisitivos
A aquisição dos imóveis pelo Estado: Menezes Leitão refere ainda uma forma de aquisição
específica da propriedade, relativa aos bens imóveis, correspondente à sua aquisição pelo Estado, sempre
que estes não tenham dono conhecido, nos termos do artigo 1345.º CC.
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1. Menezes Cordeiro, Henrique Mesquita e Francisco Brito Pereira: como tese maioritária
defende que esta norma consagra a existência de uma reversão automática para o Estado,
passando os imóveis, a partir do momento em que se desconhece o seu dono, a fazer parte do
seu domínio privado.
2. Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes:: para estes autores, no entanto, o artigo 1345.º CC
instituiria apenas uma simples presunção da propriedade do Estado, que qualquer pessoa poderia
elidir, uma vez que a aquisição pelo Estado verifica-se nos termos gerais com a usucapião.
3. Menezes Leitão: pensa, no entanto, ser a primeira posição a correta. Efetivamente, o artigo
1345.º CC dispensa o Estado de preencher os requisitos da usucapião, inserindo no seu domínio
privado todos os imóveis cujo dono seja desconhecido. Tal não impede, no entanto, a sua
aquisição posterior pelos particulares, quando estes invoquem a usucapião.
O regime especial da propriedade sobre as águas: a propriedade das águas é sujeita a um
regime especial, constante dos artigos 1385.º e seguintes CC, onde, depois de se determinar quais são as
águas pertença de particulares (artigos 1385.º e seguintes CC), se esclarece quais os direitos que
competem ao seu titular.
Em relação ao aproveitamento das águas, a regra constante do artigo 1389.º CC é a de que o dono do
prédio onde surja a fonte ou nascente de água, adquire direito ao aproveitamento da mesma, podendo
servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salva as restrições previstas na lei ou direitos que terceiro
haja adquirido ao uso de águas por título justo.
Nos termos do artigo 1290.º, n.º1 CC, considera-se titulo justo de aquisição da água das fontes e
nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de
constituir servidões.
O direito à água pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o
direito de as aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades
deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água; no segundo é o da servidão. A
constituição do direito de propriedade sobre as águas de fontes e nascentes depende naturalmente da
verificação dos factos aquisitivos previstos no artigo 1316.º CC em relação aos bens imóveis, ou seja, o
contrato, sucessão por morte, usucapião e acessão. Já as servidões sobre essas águas podem ser
constituídas por contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão
administrativa (artigo 1547.º CC).
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Em relação à usucapião, no entanto, esta só é atendida quando for acompanhada da construção de obras,
visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e posse de
água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova (artigo 1390.º, n.º2
CC). Pelo contrário, em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a constituição
de servidão por destinação do pai de família (artigo 1549.º CC) não depende da existência de sinais
reveladores da destinação do antigo proprietário (artigo 1390.º, n.º3 CC).
Mesmo em caso de ausência de título justo, o artigo 1391.º CC permite aos donos dos prédios para onde
se derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente efetuar o seu aproveitamento nestes prédios,
estabelecendo, no entanto, que a privação desse uso, em virtude de novo aproveitamento que faça o
proprietário da fonte ou nascente não constitui violação do direito.
O proprietário da fonte ou nascente sofre, no entanto, algumas restrições em relação ao seu direito de
aproveitamento das águas, uma vez que não lhe é permitido mudar o seu curso costumado, se os
habitantes de uma povoação ou casal há mais de cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas
vertentes para gastos domésticos (artigo 1329.º, n.º1 CC). Nesse caso, se os habitantes da povoação ou
casal não tiverem adquirido por título justo o uso das águas, o proprietário tem direito a indemnização,
que será paga, conforme os casos, pela respetiva junta de freguesia ou pelo dono do casal (artigo 1392.º,
n.º2 CC). Nos termos do artigo 1393.º CC, o regime estabelecido para as fontes e nascentes é igualmente
aplicável, com as necessárias adaptações, às águas pluviais referidas na alínea a) do n.º1 do artigo 1386.º
CC e às águas dos lagos e lagoas compreendidas na alínea c) do mesmo número.
Existe, porém, um regime particular para as águas subterrâneas. Efetivamente, refere o artigo 1394.º,
n.º1 CC, que é lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços
ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que
terceiro haja adquirido por título justo. O proprietário tem assim a faculdade de explorar livremente as
águas subterrâneas, só deixando se o poder fazer se existir algum direito sobre essas águas resultantes de
título justo.
Consideram-se títulos justos de aquisição das águas subterrâneas os constantes dos n.º1 e 2 do artigo
1390.º CC (artigo 1395.º, n.º1 CC), ou seja, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas
imóveis ou de constituir servidões, e só sendo a usucapião atendida quando for acompanhada da
construção de obras visíveis e permanentes. Uma vez que o artigo 1395.º CC não remete para o disposto
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no artigo 1390.º, n.º3 CC, a constituição neste caso de servidão por destinação do pai de família só
poderá verificar-se nos termos gerais do artigo 1549.º CC.
Esclarece ainda o artigo 1395.º, n.º2 CC que a simples atribuição a terceiro do direito de explorar águas
subterrâneas não importa, para o proprietário, privação do mesmo direito, se tal abdicação não resultar
claramente do título. Face ao poder atribuído ao proprietário de explorar a água subterrânea, a
diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular em resultado dessa exploração não constitui
violação de direitos de terceiro, exceto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não
naturais (artigo 1394.º, n.º2 CC). No entanto, o proprietário que, ao explorar águas subterrâneas, altere
ou faça diminuir as águas de fonte ou reservatório destinado a uso público é obrigado a repor as coisas
no estado anterior; não sendo isso possível, deve fornecer, para o mesmo uso, em local apropriado, água
equivalente àquela de que o público ficou privado (artigo 1396.º CC).
Para a propriedade horizontal, ver sebenta nas páginas 341-364
C – O usufruto
O tipo legal do usufruto:
1. Delimitação positiva: o artigo 1439.º CC dispõe que o usufruto é o direito de gozar temporária
e plenamente da coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância. Também no
usufruto a lei não recorre a uma enumeração dos poderes do usufrutuário, atribuindo-lhe a
universalidade do gozo. O aproveitamento compreendido no tipo legal do usufruto abrange,
assim, e desde logo:
a. O uso e a fruição da coisa: O usufruto pode ser concedido em coisas não frutíferas ou
somente para assegurar o uso da coisa ao usufrutuário. O usufruto reserva para o
usufrutuário a totalidade da fruição, englobando os frutos naturais e os civis. Porém, os
créditos produzidos pela coisa que não sejam de qualificar como frutos pertencem ao
proprietário, salvo se outra coisa resultar do título constitutivo do usufruto. A
administração ordinária da coisa cabe ao usufrutuário enquanto durar o seu direito. Trata-
se de um aspeto implícito do gozo que é conteúdo deste direito, e que aparece
individualizado no artigo 1446.º CC. As despesas com a administração da coisa estão a
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cargo do usufrutuário (artigo 1472.º, n.º1 CC). Assim, mo poder de fruição que compete
ao usufrutuário compreendem-se dois elementos:
i. A faculdade de perceber os frutos;
ii. A aquisição automática da sua propriedade a partir do momento em que ocorre
a sua separação da coisa, ocorra esta ação do usufrutuário ou por causas naturais.
b. A transformação da coisa, dentro dos limites negativos do usufruto: a lei portuguesa
prevê expressamente a realização de benfeitorias úteis e voluptuárias pelo usufrutuário
(artigo 1450.º, n.º1 CC). No artigo 1439.º CC não se alude ao poder de disposição. No
entanto, que o usufrutuário pode dispor do seu direito resulta inequivocamente do artigo
1444.º CC, que confere ao usufrutuário os poderes de alienar e onerar o seu direito. Em
todo o caso, a parte final do n.º1 do 1444.º CC ressalva as restrições impostas pelo título
constitutivo ou pela lei, o que mostra que o poder de disposição não pertence ao tipo
legal do usufruto. Pode haver usufruto e o usufrutuário não poder dispor do seu direito,
porque a lei proíbe ou porque no título constitutivo as partes afastaram a possibilidade
de toda e qualquer cedência do gozo pelo usufrutuário, seja a título obrigacional.
Naturalmente, nada impede as partes de excluírem a oneração do usufruto pelo
usufrutuário e permitirem a alienação e vice-versa, ou fazerem-no em relação a alguns
ónus ou algumas formas de prestação do gozo. Quando o título constitutivo seja omisso
e a lei não preveja qualquer proibição de disposição, o usufrutuário pode validamente
transmitir o usufruto a terceiro, constituir direitos pessoais de gozo e onerar o seu direito
com outros direitos reais de gozo ou de garantia (artigo 1444.º, n.º1 CC). A disposição
do usufruto fica, no entanto, sujeita à limitação proveniente do prazo de duração do
direito. O artigo 1460.º, n.º1 CC estabelece a regra em matéria de constituição de qualquer
direito pelo usufrutuário, seja qual for a sua natureza: violando-o a constituição desse
direito será nula, sem prejuízo da possibilidade de redução negocial (artigo 292.º CC),
para o prazo de duração do usufruto. Os direitos constituídos pelo usufrutuário a favor
de terceiro caducam com a extinção do usufruto. O artigo 1051.º, n.º1 CC é expresso
quanto à locação e o artigo 699.º, n.º2 CC é-o quanto à hipoteca. O n.º3 deste último
preceito ressalva, porém, a hipótese de renúncia antecipada ou de confusão,, dispondo
que a hipoteca continua a onerar o usufruto como se a extinção do direito se não tivesse
verificado.
c. O poder de reivindicar a coisa.
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O tipo legal do usufruto compreende, assim, o gozo da coisa, todo o uso, toda a fruição e ainda
a transformação que não atinja os limites negativos do respeito pela forma e substância da coisa.
O usufrutuário tem o gozo pleno da coisa (artigo 1439.º CC). Isto quer dizer, que enquanto o
usufruto durar o proprietário fica inibido de a gozar; somente o usufrutuário o pode fazer. Fala-
se, então, em nua propriedade ou em nu proprietário para mencionar a propriedade ou o
proprietário cujo direito esteja onerado com um usufruto. O nu proprietário está impedido de
gozar a coisa enquanto durar o usufruto; resta-lhe o casco ou a raiz da propriedade, que integra
decerto o poder de disposição e o aproveitamento residual não atribuído ao usufrutuário, como
o relativo aos créditos que não constituam frutos em sentido técnico. Portanto, a concorrência
entre a propriedade e o usufruto quanto ao gozo da coisa é, como todos os casos de oneração,
resolvida a favor do direito real menor. Na parte do conteúdo dos direitos em que se regista uma
sobreposição quanto ao aproveitamento concedido pelos direitos reais de gozo em presença, o
direito real maior (a propriedade) fica como que comprimido pelo direito real menor e só
retomará a sua plenitude com a extinção do direito onerado. o usufrutuário tem todo o gozo que
à coisa se pode referir, ou seja, todo o uso e toda a fruição de que a coisa é suscetível e ainda a
transformação da coisa que não contende com os limites negativos impostos pela lei. Afigura-se,
no entanto, pertinente perguntar sobre a possibilidade legal das partes, no título constitutivo,
restringirem o exercício de algum dos poderes relativos ao gozo ou até, no limite, suprimi-lo.
a. Oliveira Ascensão: admite-o abertamente;
b. Carvalho Fernandes: também, embora de modo mais moderado, parece favorável a
essa posição, sugerindo mesmo a aplicação de um regime de tipos abertos;
c. Santos Justo: fala também de tipo aberto que, igualmente, abre a possibilidade de uma
outra utilidade do gozo ser excluída no título constitutivo.
d. José Alberto Vieira: discorda, dizendo que o argumento extraído do artigo 1445.º CC,
segundo o qual, o usufruto seria regulado pelo título constitutivo tem de ser articulado
com a tipicidade legal dos direitos reais. A conformação livre do conteúdo de um direito
real contende com o numerus clausus, permitindo a criação de direitos reais com o
aproveitamento pretendido pelas partes. Ora, o princípio da tipicidade não se basta com
a mera observância do nomen iuris do direito real, mas com o respeito pelo conteúdo típico
injuntivo do direito. Se as partes, mantendo embora a designação de usufruto, eliminam
a fruição, temos um direito de usufruto com um gozo menos extenso que os direitos de
uso e de habitação, o que não pode deixar de ser visto como a criação de um outro direito
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real, diverso do tipo legal consagrado. E pensamos que isso sucede com qualquer
diminuição dos poderes de uso, fricção e transformação que, não os eliminando de todo,
lhes introduza restrições.
Um último aspeto, prende-se com a admissibilidade de uma delimitação convencional do
conteúdo do usufruto que tenha mera eficácia obrigacional. Se as partes se limitam a prever no
título constitutivo que o usufrutuário se obriga a não pescar no lago do imóvel ou a não levar o
automóvel objeto do usufruto para fora do país, não está em causa a violação da tipicidade legal.
O princípio da tipicidade contende unicamente com o conteúdo típico do direito real e não
constitui obstáculo à validade das cláusulas negociais onde se prevejam meras obrigações das
partes.
2. Delimitação negativa: o artigo 1439.º CC dispõe que o usufrutuário pode gozar a coisa sem
alterar a sua forma ou substância. Na aceção que acompanha a expressão desde a sua origem no
Direito Romano, a preservação da substância quer dizer que o usufruto não pode incidir sobre
coisas consumíveis ou, segundo outra doutrina, que acaba por dar no mesmo, que o usufrutuário
se encontra obrigado a preservar a integridade da coisa, não a destruindo ou deteriorando de
qualquer modo. Para além da preservação da essência da coisa, sempre se entendeu que o
usufrutuário devia igualmente manter o estado económico da coisa como o proprietário o havia
definido, não raro através de fórmulas que vinculavam o usufrutuário a usar a coisa segundo os
usos e praxes do dominus. Os artigos 1455.º, nº1 e 1458.º, n.º1 CC representam reminiscências
atuais disso mesmo. Assim, o usufrutuário deve não somente preservar a coisa como ela lhe foi
entregue para exercer o seu direito, mas também manter a destinação económica pré-definida
pelo proprietário. Nos artigos 1446.º e 1450.º, n.º1 CC, dispõe-se que o usufrutuário está
obrigado a respeitar o destino económico da coisa (artigo 1446.º CC) e a não alterar a sua forma
e substância, nem o seu destino económico (artigo 1450.º, n.º1 CC). Qualquer destes limites
intenta vedar ao usufrutuário a alteração do fim económico de afetação da coisa. Deste modo, a
sua previsão redundante (artigo 1450.º, n.º1 CC) ou em contextos distintos (artigo 1439.º e 1446.º
CC) cria um problema de interpretação quanto à delimitação negativa típica do usufruto. Para
agravar o problema, o artigo 1445.º CC, parecendo admitir a supletividade das disposições
constantes do Capítulo II (artigos 1446.º e 1467.º CC), suscita a interrogação sobre se o respeito
pelo destino económico tem caráter supletivo ou imperativo e sobre a necessária articulação com
o limite do respeito da forma e substância contido no artigo 1439.º CC. Numa polémica tendente
a esclarecer o alcance da delimitação negativa legal do tipo do usufruto,
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a. Menezes Cordeiro: defende que o artigo 1439.º CC, na parte que consagra a salva rerum
substantia, não tem natureza imperativa. O usufrutuário apenas estaria obrigado a respeitar
o destino económico da coisa, podendo alterá-lo durante a constância do usufruto, desde
que se pudesse voltar posteriormente ao estado anterior.
b. Oliveira Ascensão: opina diferentemente, sustentando que a exigência mais genérica é
a do artigo 1439.º CC, que compõe o próprio tipo de usufruto. O respeito pelo destino
económico integra-se na disciplina supletiva do usufruto e pode, por isso, ser afastado.
c. José Alberto Vieira: começando por salientar que as normas imperativas do regime do
Direito das Coisas contêm as normas que delimitam o tipo legal do direito real, em
especial o do usufruto, afirma que os artigos 1446.º e 1450.º, n.º1 CC meramente reiteram
os limites negativos típicos do usufruto (o respeito pela forma e substância da coisa),
coartando a autonomia privada quando esta os põe em causa. Os artigos 1446.º e 1450.º
CC, apenas reiteram as proibições gerais que encerram os limites negativos do usufruto
e que constam do artigo 1439.º CC: o respeito pela substancia da coisa, em primeiro lugar,
e o respeito pelo seu fim económico. O destino económico da coisa ou a sua forma no
contexto de sentido do artigo 1439.º CC afere-se à data da constituição do usufruto.
Existem dois modos de o analisar: ou parte-se do fim económico que o proprietário deu
à coisa e que existia no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo) ou se
atende às possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia (critério objetivo).
Julga, assim, que a interpretação correta da lei portuguesa reside no primeiro sentido. O
usufruto que recebe o usufruto deve conformar-se com o estado económico atual da
coisa, que o proprietário definiu e que existia no momento da constituição do usufruto.
d. Menezes Leitão: segue Oliveira Ascensão, dizendo que é preferível a primeira posição,
uma vez que a proibição da alteração da forma e substância da coisa é que faz parte do
tipo legal do usufruto, sendo o respeito pelo seu destino económico uma disposição
supletiva, cuja observância não se afigura essencial. A proibição de alterar a forma ou
substância da coisa não existe no caso do usufruto de coisas consumíveis (artigo 1451.º
CC), sendo que este constitui, porém, uma modalidade especial de usufruto.
Surge, ainda, a questão de saber se o proprietário pode posteriormente autorizar outro destino
económico para a coisa:
a. Pugliese: entende que sim. Neste caso o usufruto poderia alterar o destino económico
da coisa durante a duração do usufruto, contando que o nu proprietário o autorizasse.
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b. José Alberto Vieira: ela implica sempre uma alteração do tipo legal de usufruto e, nessa
medida, não é admitida pela lei portuguesa (artigo 1306.º, n.º1 CC).
A duração do usufruto: a temporaneidade do usufruto (artigo 1439.º CC) representa um elemento
do tipo legal deste direito (conteúdo injuntivo típico), que não pode ser afastado pelas partes, sob pena
de violação do princípio da tipicidade (artigo 1306.º, n.º1 CC).
No usufruto constituído a favor de pessoa singular, as partes têm duas alternativas:
Constituir o usufruto pelo tempo de vida do usufrutuário (usufruto vitalício);
Fixar outro termo.
Se o titular originário do direito de usufruto for uma pessoa coletiva, o artigo 1443.º CC estabelece que
a duração do usufruto não pode exceder os 30 anos.
Se as partes não estabeleceram nenhum prazo, e na falta de indicação em contrário do título constitutivo,
deve entender-se que o prazo dos 30 anos funciona como prazo supletivo.
Constituição do usufruto: o artigo 1440.º CC refere que o usufruto pode ser constituído por:
1. Contrato: em relação à constituição por contrato, o usufruto pode resultar de qualquer contrato
de alienação (compra e venda, doação ou permuta), de uma entrada em sociedade, ou de um
contrato de renda perpétua ou vitalícia. A constituição do usufruto pode, nesse caso, ocorrer por
duas vias:
a. A atribuição do usufruto: ocorre sempre que alguém constitui a favor de outrem um
usufruto, reservando para si a nua propriedade; ou
b. A reserva do usufruto: ocorre sempre que alguém atribua a nua propriedade a outrem,
reservando para si o usufruto.
Pode ocorrer, ainda, a atribuição simultânea do usufruto e da nua propriedade a adquirentes
distintos, caso em que o alienante deixa de ter qualquer direito sobre a coisa.
2. Testamento: o usufruto pode igualmente resultar de testamento, o qual pode da mesma forma
estabelecer uma atribuição ou uma reserva de usufruto. É de notar que o usufrutuário é sempre
havido como legatário, mesmo que o seu direito incida sobre a totalidade da herança (artigo
2030.º, n.º4 CC). O artigo 2258.º CC estabelece que a deixa de usufruto, na falta de indicação em
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contrário, considera-se feita vitaliciamente, ou pelo prazo de trinta anos no caso de o beneficiário
ser uma pessoa coletiva.
3. Usucapião: o usufruto pode igualmente ser constituído por usucapião, nos termos gerais (artigos
1287.º e seguintes CC), bastando para tal que a respetiva posse não seja exercida em termos de
propriedade, mas apenas em termos de usufruto (artigo 1251.º CC).
4. Disposição da lei: a constituição do usufruto por disposição da lei não se encontra atualmente
prevista em nenhuma disposição legal.
No caso da aquisição do usufruto por contrato ou testamento, a constituição do usufruto corresponde
a uma aquisição derivada constitutiva. Já no caso da constituição por usucapião, trata-se de um caso de
constituição originária.
O objeto do usufruto: segundo o artigo 1439.º CC o objeto do usufruto pode ser uma coisa ou um
direito alheio.
A coisa originariamente afeta ao usufruto pode sofrer modificações objetivas. Um exemplo disso
encontra-se na acessão. A coisa originariamente afeta ao usufruto pode sofrer modificações objetivas.
Um exemplo disso encontra-se na acessão. Se uma coisa se une ou mistura com aquela que é objeto do
usufruto e o proprietário da coisa usufruída beneficia da acessão, o usufruto estende-se a ela. A regra
consta do artigo 1449.º CC.
Também de acordo com o artigo 1449.º CC, se o prédio usufruído beneficia de servidões ativas sobre
prédios vizinhos, o usufrutuário pode efetuar o aproveitamento das utilidades respetivas dentro do
âmbito do seu direito. A doutrina vale para quaisquer outros direitos que permitam o aproveitamento de
outras coisas ao proprietário do prédio objeto do usufruto. Do artigo 1439.º CC parece decorrer que o
usufruto pode ter por objeto direitos.
Trata-se de uma decorrência da doutrina que aceita poderem existir direitos cujo objeto seja outro direito.
Como exemplos, temos o usufruto de créditos (artigo 1463.º a 1466.º CC), o usufruto de direitos de
participação social (artigo 1467.º CC), o penhor de direitos (artigos 679.º e seguintes CC) e o direito de
autor (artigo 45.º, n.º1 CDADC).
1. José Alberto Vieira: conforme decorre da sua posição sobre o objeto dos direitos reais, rejeita
que haja direitos sobre direitos e que estes possam ser objeto de usufruto. O usufruto só poderá
referir-se à coisa corpórea que seja objeto do direito usufruído, não ao próprio direito.
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2. Menezes Leitão: o direito do usufrutuário apenas tem natureza real se incidir sobre coisas
corpóreas, uma vez que só neste caso pode ser exercido diretamente sobre a coisa e é oponível
a qualquer terceiro, incluindo o proprietário de raiz. Se não incidir sobre coisas corpóreas, o
usufruto perde a sua natureza real, podendo corresponder a um direito sobre bens imateriais ou
mesmo a um direito de crédito. Enquanto direito real, o usufruto tem assim sempre por objeto
uma coisa corpórea, ainda que os poderes do usufrutuário possam vir a ser limitados em
consequência do direito real sobre a coisa de que é titular quem constitui o usufruto em virtude
do princípio nemo pluris in alium tranferre quam ipse habet.
O usufruto pode igualmente ser constituído sobre uma quota em compropriedade, caso em que o
usufrutuário participa das vantagens e encargos da coisa paralelamente com os outros comproprietários
durante o prazo de duração do usufruto (artigo 1405.º, n.º1 CC). O comproprietário não pode, porém,
sem o consentimento dos outros, constituir usufruto sobre a totalidade ou parte especificada da coisa
comum, a qual será vista como oneração de coisa alheia, e consequentemente nula (artigo 1408.º e 892.º
CC).
Poderes do usufrutuário: em resumo e como acima tratamos, o usufrutuário tem, assim, os:
1. Poderes de uso e fruição;
2. Poderes de disposição ou transformação da coisa; e o
3. Poder de reivindicar a coisa.
Obrigações do usufrutuário: o usufrutuário tem determinadas obrigações, que se integram no
conteúdo do seu direito real, tendo consequentemente natureza propter rem. : o Capítulo III do Título II
do Código Civil (artigos 1468.º a 1475.º CC) regula as obrigações do usufrutuário. Nesse regime faltam,
porém, as duas obrigações principais do usufruto e que resultam da delimitação negativa do tipo legal
deste direito. Os limites negativos do usufruto não representam meras fronteiras da extensão do gozo
do usufrutuário, implicando também obrigações (de non facere) a cargo do usufrutuário, sendo, essas
obrigações, como se sabe:
1. A obrigação de respeitar a substância da coisa (artigos 1439.º e 1450.º, n.º1 CC);
2. A obrigação de respeitar a forma ou destino económico determinado pelo proprietário
(artigos 1439.º, 1446.º e 1450.º, n.º1 CC).
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A violação ilícita e culposa de qualquer destas duas obrigações representa a violação do direito de nua
propriedade e confere ao proprietário o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos, nos termos
gerais da responsabilidade civil extracontratual. Para além da tutela dirigida ao ressarcimento dos danos
causados pelo usufrutuário com a violação da nua propriedade, importa, porém, perguntar pela aplicação
dos dispositivos de Direitos Reais, em particular, pela possibilidade de reivindicação da coisa e de
extinção do usufruto.
Para começar, realçamos que a ameaça ou consumação de deterioração ou perda da coisa, bem como a
alteração do destino económico por atuação voluntária do usufrutuário, constituem um extravasar do
direito de usufruto para além dos seus limites positivos e têm por consequência a violação do direito do
proprietário. Uma vez que está em causa a preservação do direito de propriedade e a posição do
proprietário quanto à sua coisa, não vemos como negar que o proprietário possa de imediato reivindicar
a coisa, adequados à tutela do seu direito, nos termos regulados no Direito Processual Civil, se as
circunstâncias o justificarem.
1. José Alberto Vieira: o recurso à ação negatória apresenta pouco interesse. O proprietário quer
recuperar a coisa para impedir a prossecução da violação do seu direito e não apenas contestar a
existência do direito do usufruto, que em regra não estará em causa. O poder de reivindicar a
coisa em caso de violação de qualquer destas obrigações do usufrutuário não significa
forçosamente a extinção do usufruto. No caso de mau uso da coisa objeto deste direito, o artigo
1482.º, n.º1 CC prevê o poder do proprietário exigir a entrega da coisa, sem que tal signifique a
extinção do usufruto. Também em caso de violação de qualquer das duas obrigações referidas se
poderia se sustentar idêntica solução. Crendo, porém, que a extinção do usufruto nas situações
mais graves de violação das obrigações de respeito da forma (destino económico) e substância
da coisa se impõe pela quebra da confiança que tem de existir entre o usufrutuário e o
proprietário quanto ao respeito do direito deste. A responsabilidade civil do usufrutuário não
parece ser remédio suficiente defronte de uma conduta que ameace a subsistência ou o valor
patrimonial da propriedade. Sustentamos, por isso, que nas situações referidas, de violação grave
das obrigações de respeito da forma ou da substância da coisa, o proprietário possa requerer a
extinção do usufruto.
2. Menezes Leitão: não apresenta posição expressa neste tema.
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Para além destas duas obrigações, o usufrutuário está, ainda, obrigado ao cumprimento de uma série de
outras obrigações, que se poderiam elencar da seguinte forma:
1. Obrigação de relacionar as coisas: quando haja uma unidade económica composta de várias
coisas autónomas e todas elas hajam sido dadas em usufruto, a lei manda ao usufrutuário fazer a
relação delas (artigo 1468.º, alínea a) CC), ou seja, inventariar os bens objeto do usufruto. Esta
obrigação é instrumental em relação à definição do âmbito do seu direito de usufruto, bem como
do objeto a restituir após a sua extinção. O seu cumprimento deve ser feito com assistência do
proprietário de raiz, ou pelo menos com a citação deste para estar presente, em ordem a evitar
divergências entre os dois. A lei não refere quais as consequências da omissão deste dever por
parte do usufrutuário.
a. Menezes Leitão: entende que a melhor posição parece ser a de que o usufrutuário não
poderá legalmente tomar conta dos bens, ou seja, exercer as faculdades correspondentes
ao usufruto e se o fizer, responde perante o proprietário de raiz.
2. Obrigação de prestar caução: se o proprietário assim o exigir, deve o usufrutuário prestar
caução para garantir a restituição da coisa ou do seu valor ou ainda de qualquer indemnização
pela qual seja responsável (artigo 1468.º, alínea b) CC). A falta de prestação da caução exigida
pelo proprietário pode vir a impedir o usufrutuário de exercer o seu direito como lhe aprouver,
ficando limitado à perceção dos rendimentos da coisa (artigo 1470.º, n.º1 CC); ao tribunal caberá
em última análise decidir (artigo 1470.º, n.º2 CC).
3. Obrigação de administrar a coisa: o usufrutuário administra a coisa enquanto dura o usufruto.
No artigo 1446.º CC estabelece-se uma bitola de diligência na administração da coisa que tem a
sua tradução na obrigação respetiva: o usufrutuário encontra-se obrigado a administrar a coisa
segundo o critério de um bom pai de família, isto é, a usar o zelo, o empenho e a competência
de uma pessoa cuidadosa na gestão dos seus bens. Trata-se, todavia, de um critério supletivo;
nada impede as partes de fixarem um diferente critério de administração da coisa, mais ou menos
rigoroso.
4. Obrigação de suportar os encargos e despesas com a coisa determinados pela lei: no
artigo 1474.º CC dispõe-se que o pagamento dos impostos sobre os rendimentos da coisa
incumbe a quem for usufrutuário no momento do vencimento. É uma disposição de pouco
alcance, porquanto o sujeito tributário da obrigação fiscal não é definindo pelo Direito Civil, mas
pelo Direito Fiscal. Será este objeto do usufruto e aos seus rendimentos. Nada parece impedir,
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porém, que as partes convencionem que na relação interna valha o critério ou critérios
convencionados no título constitutivo do usufruto.
5. Obrigação de conservação ordinária da coisa: o artigo 1472.º, n.º1 CC põe sobre o
usufrutuário o dever de suportar as despesas de administração e de conservação ordinária da
coisa, preceituando-se não serem ordinárias as despesas que excedam dois terços (2/3) do
rendimento líquido da coisa (artigo 1472.º, n.º2 CC). O usufrutuário pode exonerar-se a estes
encargos mediante renúncia liberatória (artigo 1472.º, n.º3 CC). Em todo o dispositivo legal do
usufruto perpassa a ideia que o usufrutuário deve manter a coisa no estado em que a recebeu,
salvaguardadas as deteriorações normais decorrentes de um uso prudente e do decurso do tempo.
Não são apenas as obrigações de respeito pela forma e pela substância e de administrar a coisa
como faria um bom pai de família que sugerem essa ideia. O usufrutuário tem ainda sobre si a
obrigação de promover a conservação da coisa (artigo 1472.º, n.º2 CC), prevenindo os efeitos de
uma deterioração antecipada e evitável, ficando somente fora dela a conservação extraordinária,
que incumbe ao nu proprietário (artigo 1473.º CC).
6. Obrigação de informação do nu proprietário em relação a reparações extraordinárias: a
obrigação de informação consta do artigo 1475.º CC, o qual impõe ao usufrutuário a
comunicação ao proprietário de qualquer ato de terceiro que possa ameaçar a lesão da
propriedade.
7. Obrigação de entrega da coisa: Com a extinção do seu direito, qualquer que seja a causa da
mesma, o usufrutuário deve entregar a coisa ao proprietário (artigo 1483.º CC), que não está
inibido de recorrer à reivindicação ou à defesa possessória (ação de restituição) para a recuperar.
Liberto desta obrigação está o usufrutuário de coisas consumíveis O estado da coisa a entregar
deve ser o que se pode esperar do uso normal. Uma deterioração decorrente da ausência de
manutenção apropriada da coisa implica a imputação dos danos ao usufrutuário.
Direitos do nu proprietário: de um modo geral, como sucede relativamente a todos os direitos
reais que estejam onerados, o proprietário conserva o exercício dos poderes não afetados pelo conteúdo
do usufruto, dos quais se destaca o poder de disposição. A essa parte da propriedade costuma chamar-
se o caso ou a raiz da propriedade. Para além do conteúdo residual da propriedade que não é afetado
pela oneração com o usufruto, há depois um conjunto de situações jurídicas ativas – em regra, poderes
– que decorrem da relação jurídica entre o proprietário e o usufrutuário enquanto o usufruto se mantiver.
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Do lado ativo do nu proprietário, começamos por destacar a possibilidade deste introduzir
melhoramentos na coisa (artigo 1471.º CC). Estes melhoramentos não se devem confundir com as obras
extraordinárias previstas no artigo 1473.º CC; estas são ainda obras de conservação da coisa, embora a
cargo do proprietário. As obras ou melhoramentos aludidos no artigo 1471.º CC são inovações que se
destinam a aumentar o valor da coisa ou a sua utilidade. Este poder de transformação do proprietário,
que se mantém apesar do usufruto, tem um limite: ele não pode induzir uma desvalorização do usufruto
(artigo 1471.º, n.º1, in fine CC). Se isso acontecer, o usufrutuário poderá pôr-se ao exercício do poder de
transformação do proprietário, inviabilizando as obras ou melhoramentos pretendidos por este.
Respeitando ao poder de disposição, mas repercutindo-se no gozo do usufrutuário, está o poder de
constituir servidões prediais.
O proprietário mantém o poder de constituir servidões passivas sobre a coisa objeto do usufruto,
contando que não haja desvalorização do usufruto (artigo 1460.º, n.º2 CC), que também aqui atua como
limite à atuação do nu proprietário. No que toca às servidões ativas, e desde que não se repercutam numa
desvalorização do usufruto, o que não será normalmente o caso, o proprietário mantém íntegro o seu
poder de disposição. Nesse caso, o usufrutuário beneficiará igualmente delas, como se dispõe no artigo
1449.º CC (direitos inerentes à coisa usufruída).
A realização de inovações na coisa pelo proprietário (artigo 1471.º CC) ou de obras extraordinárias de
conservação (artigo 1473.º CC) pode redundar na retoma de algum poder de fruição pelo nu proprietário.
Com efeito, conforme se dispõe no artigo 1271.º, n.º2, in fine CC, se as obras ou melhoramentos
aumentarem o rendimento líquido da coisa, o aumento pertence ao proprietário. Esta regra aplica-se
igualmente quando o proprietário leva a cabo obras de conservação extraordinárias (artigo 1473.º, n.º3
CC). Isto mostra que a propriedade onerada com um usufruto pode ainda render frutos ao nu
proprietário, quando, por força da intervenção do proprietário na realização de inovações ou de obras
extraordinárias de conservação, a coisa aumente o seu rendimento líquido. A fruição limita-se nestes
casos ao aumento do rendimento líquido da coisa objeto de usufruto.
Obrigações do nu proprietário: do usufruto podem também resultar obrigações para o nu
proprietário.
Para começar, o proprietário deve, como todos os outros, respeitar o usufruto constituído e a posse do
usufrutuário. Não há neste ponto qualquer diferença entre a posição do nu proprietário e a posição de
outro qualquer terceiro.
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Se não respeitar o direito do usufrutuário, o proprietário sujeita-se a responsabilidade civil pelos danos
causados, podendo naturalmente ser demandado pelo usufrutuário em ação de reivindicação (artigo
1311.º ex vi 1315.º CC) ou em ação possessória (de prevenção, manutenção ou restituição), se a posse
deste último vier a ser molestada.
Para além do dever de respeito pelo direito de usufruto, existem outros deveres que impendem sobre o
nu proprietário. Assim:
1. O dever de realizar as obras extraordinárias de conservação da coisa (artigo 1473.º CC);
2. O dever de indemnizar o usufrutuário pela realização de obras extraordinárias de
conservação da coisa que não caibam àquele suportar (artigo 1473.º, n.º2 CC);
3. O dever de indemnizar o usufrutuário por benfeitorias feitas na coisa (artigo 1450.º, n.º2
CC).
Extinção do usufruto: nos termos do artigo 1476.º, n.º1 CC, o usufruto pode extinguir-se pelas
seguintes causas:
1. Morte do usufrutuário: em relação à morte do usufrutuário, a mesma produz naturalmente a
extinção do usufruto (artigo 1476.º, n.º1, alínea a) CC), uma vez que não se trata de um direito
transmissível mortis causa (artigo 2025.º, n.º1 CC). Pode, porém, a morte do usufrutuário
desencadear a constituição de outro usufruto na esfera de terceiro, caso tenha sido estipulado o
usufruto sucessivo (artigo 1441.º CC), havendo também habitualmente direito de acrescer entre
usufrutuários, no caso ter ocorrido a constituição do usufruto em conjunto (artigo 1442.º CC).
A extinção do usufruto ocorre igualmente no caso de morte presumida (artigo 115.º, n.º1 CC),
ainda que o direito, ou o preço respetivo ou os bens sub-rogados, em caso de alienação, tenham
que ser restituídos na hipótese de regresso do ausente em conjunto (artigo 119.º CC). No caso
de o usufrutuário trespassar o seu usufruto vitalício a outrem (artigo 1444.º, n.º1 CC), o usufruto
continua a extinguir-se com a morte do alienante, não adquirindo o novo usufrutuário direito a
um usufruto que extravase para além da vida do alienante. A doutrina tem, no entanto, discutido
uma hipótese complexa, que é o facto de o usufrutuário vitalício ter trespassado o seu direito a
outrem, vindo, no entanto, o novo usufrutuário a falecer antes do usufrutuário primitivo.
a. Oliveira Ascensão: sustenta que, uma vez que o termo de referência é a morte do
usufrutuário primitivo, neste caso, o direito de usufruto transmite-se aos sucessores do
adquirente até à morte daquele.
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b. Carvalho Fernandes: considera, pelo contrário, que atento o facto de a lei consagrar o
efeito extintivo do usufruto com a morte do usufrutuário, o qual é neste caso o
adquirente e não o alienante, o usufruto extingue-se com o falecimento daquele. O autor
aponta ainda como argumento nesse sentido o facto de o regime do artigo 1444.º, n.º2
CC, se adequar mal à hipótese de o usufruto se transmitir para os sucessores do
adquirente pois o alienante iria responder pelos danos causados por esses sucessores,
quando não os tomou em consideração aquando do trespasse do usufruto.
c. Menezes Leitão: a primeira posição é que é a adequada. A extinção do usufrutuo
vitalício toma sempre em consideração a vida da pessoa em relação à qual se constitui o
usufruto, o que não é alterado pelo trespasse a outro usufrutuário, seja para prolongar o
usufruto, seja para o diminuir. Em relação ao artigo 1444.º, n.º2 CC, este não estabelece
uma responsabilidade por culpa in elegendo do alienante, mas antes uma responsabilidade
objetiva, baseada no facto de o usufruto ter sido trespassado a terceiro. Naturalmente
que o alienante continua a responder se houver um segundo trespasse do usufruto, pelo
que não faz sentido que tal deixe de ocorrer em caso de sucessão por morte. Entendemos,
por isso, que o usufruto se transmite por morte neste caso aos sucessores do adquirente,
só se extinguindo efetivamente com a morte do alienante.
2. Termo do prazo do direito: O usufruto pode, igualmente, extinguir-se pelo termo do prazo
para que tenha sido constituído, quando não seja vitalício (artigo 1476.º, n.º1, alínea a) CC).
Efetivamente, sendo o usufruto constituído por prazo certo, naturalmente que o decurso desse
prazo acarreta a extinção do direito correspondente, sendo que esse prazo em relação às pessoas
coletivas não pode exceder trinta anos (artigo 1443.º CC). Em relação às pessoas singulares, pode
ser estipulado um prazo certo superior (v.g. 50 anos), mas o usufruto não deixará de se extinguir
com a morte do usufrutuário, se esta ocorrer antes desse prazo (artigo 1443.º CC). A lei resolve
uma situação de qualificação duvidosa, que é a hipótese de o usufruto ter sido constituído até à
idade de uma terceira pessoa. Nesse caso, considera-se que o usufruto durará pelos anos prefixos,
mesmo que essa pessoa venha a falecer sem atingir a idade, a menos que o usufruto tenha sido
concedido, tomando em atenção a existência dessa pessoa (artigo 1477.º CC).
3. Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa: o que constitui a aplicação ao
usufruto da confusão como causa de extinção de direitos reais (artigo 1476.º, n.º1, alínea b) CC).
4. Não uso por vinte anos: outra causa de extinção do usufruto é o não uso da coisa usufruída
por vinte anos, qualquer que seja o motivo (artigo 1476.º, n.º1, alínea c) CC), o que se encontra
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em conformidade com a possibilidade legal de extinção de certos direitos reais de gozo pelo não
uso (artigo 298.º, n.º3 CC). Para que possa ocorrer a extinção do usufruto pelo não uso, exige-se
que ocorra uma abstenção efetiva do exercício de todas as faculdades que competem ao
usufrutuário, uma vez que o não uso já não se verifica se o usufrutuário se limita apenas a exercer
apenas alguma dessas faculdades. O não uso tem que continuar ininterruptamente durante vinte
anos, uma vez qualquer exercício dessa faculdades interrompe o prazo do não uso (artigos 298.º,
n.º3 e 331.º, n.º1 CC). Para o não uso é, no entanto, irrelevante o motivo pelo qual o usufrutuário
deixa de exercer o seu direito, pelo que ele não deixará de se verificar, mesmo em caso de justo
impedimento. Diferente do não uso é, no entanto, a hipótese de mau uso por parte do
usufrutuário, que não acarreta a extinção do usufruto, mas permite ao proprietário reagir nos
termos acima expostos (artigo 1482.º CC).
5. Perda total da coisa usufruída: a perda total da coisa usufruída extingue igualmente o usufruto
(artigo 1476.º, n.º1, alínea d) CC), de acordo com o critério geral que o perecimento do objeto
de um direito produz naturalmente a extinção desse direito. Tal já não acontece, porém, em caso
de perda parcial, em que o usufruto continua na parte restante (artigo 1478.º, n.º1 CC), nem no
caso de rei mutatio, em que a coisa se transforma noutra que tenha valor, embora com finalidade
económica distinta (artigo 1478.º, n.º2 CC). A lei regula ainda especialmente a hipótese de
destruição de edifícios, incida ela sobre prédios urbanos (artigo 1479.º, n.º1 e 2 CC), ou sobre
prédios rústicos (artigo 1479.º, n.º3 CC). A destruição do edifício atribui ao usufrutuário direito
a desfrutar o solo e os materiais restantes (artigo 1479.º CC). O proprietário da raiz pode, porém,
reconstruir o prédio, ocupando o solo e os materiais, desde que pague ao usufrutuário, durante
o usufruto, os juros correspondentes ao valor do mesmo solo e dos materiais (artigo 1479.º, n.º2
CC). Para que o perecimento da coisa possa extinguir o usufruto é, no entanto, necessário que o
mesmo seja fortuito, uma vez que se for devido à responsabilidade de outrem, o usufruto passa
a incidir sobre a indemnização (artigo 1480.º, n.º1 CC). Esse regime é igualmente aplicável à
indemnização resultante de expropriação ou requisição da coisa ou direito, à indemnização
devida pela extinção do direito de superfície e outros casos análogos (artigo 1481.º, n.º2 CC),
bem como à hipótese de existir seguro que cubra esse risco (artigo 1481.º, n.º1 CC). Neste último
caso, tratando-se de um edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se o usufruto
para o novo edifício. Se, porém, a soma despendida na reconstrução for superior à indemnização
recebida, o direito do usufrutuário será proporcional à indemnização (artigo 1481.º, n.º2 CC). Se,
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no entanto, os prémios forem pagos pelo proprietário, a este pertence por inteiro a indemnização
que for devida (artigo 1481.º, n.º3 CC).
6. Renúncia do usufrutuário: finalmente, o usufruto pode extinguir-se pela renúncia do
usufrutuário (artigo 1476.º, n.º1, alínea e) CC), a qual não requer aceitação do proprietário (artigo
1476.º, n.º2 CC). O usufruto não faz exceção à regra geral de que os direitos privados são em
princípio renunciáveis, pelo que admite a sua extinção por renúncia. A renúncia implica neste
caso a recuperação da propriedade plena pelo radiciário em virtude da elasticidade que está
associada à propriedade. No entanto, a renúncia não se deve considerar uma declaração recetícia,
dado que, atenta a natureza real do usufruto, não tem como destinatário determinado o nu
proprietário, devendo por isso produzir efeitos logo que é manifestada pela forma adequada
(artigo 224.º, n.º1 CC). Nos termos do artigo 22.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º116/2008, a
renúncia deve ser celebrada por escritura pública ou documento particular autenticado.
O mau uso do usufrutuário: a lei portuguesa dispõe que o usufruto não se extingue ainda que o
usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída. A lei portuguesa não clarifica o que seja mau uso, ,
defrontando-nos com mais um conceito jurídico indeterminado.
Do âmbito do não uso devem excluir-se os casos de violação dos limites negativos do usufruto. Mais do
que um mau uso, trata-se aí de um ataque direito ao direito do proprietário, um comportamento que
excede a atribuição da coisa feita mediante o direito do usufruto. Daí que nesse caso o artigo 1482.º CC
não receba aplicação, podendo inclusivamente ocorrer a extinção do usufruto, se a gravidade do
comportamento do usufrutuário o justificar. Uma definição de não uso não se afigura possível, assim
como a indicação de todos os casos suscetíveis de tal qualificação.
Um avanço pode conseguir-se, no entanto, com a tipificação de grupos de casos onde se regista um mau
uso da coisa por parte do usufrutuário. Parece-nos, desde já, poderem apontar-se dois grandes grupos
de casos, consoante:
O exercício do direito, ou a falta dele, por parte do usufrutuário implique uma
diminuição do valor da coisa;
Da atuação do usufrutuário resulte a deterioração da coisa, desde que esta não possa ser
qualificada como uma alteração da forma ou substância da coisa.
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Tipos especiais de usufruto:
1. O usufruto de coisas consumíveis (quase-usufruto): Este usufruto caracteriza-se por incidir
sobre coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou alienação (artigo 208.º CC), pelo que
os poderes do usufrutuário têm que compreender esses atos de disposição da coisa, sem o que a
mera atribuição do uso não desempenharia qualquer função útil. Em consequência, o artigo
1451.º, n.º1 CC, estabelece que quando o usufruto tiver por objeto coisas consumíveis, pode o
usufrutuário servir-se delas ou aliená-las, mas é obrigado a restituir o seu valor, findo o usufruto,
no caso de as coisas terem sido estipuladas; se o não foram,, a restituição será feita pela entrega
de outras coisas do mesmo género, qualidade ou quantidade, ou do valor destas na conjuntura
em que findar o usufruto. O artigo 1451.º, n.º2 CC, estabelece que o usufruto de coisas
consumíveis não importa transferência da propriedade para o usufrutuário.
a. Pires de Lima/Antunes Varela: explicam a sua consagração pelo objetivo de fazer
atribuir o risco pelo perecimento da coisa ao proprietário de raiz (artigo 796.º CC), bem
como devido à intenção de subtrair a raiz das coisas consumíveis ao concurso de credores,
o que não sucede com o crédito à restituição do seu valor. Apesar de esta intenção
legislativa ter sido aceite pacificamente na nossa doutrina, não deixou de haver quem
tenha chamado a atenção para as dificuldades que suscita.
b. Menezes Leitão: tende a interpretar o artigo 1451.º, n.º2 CC, no sentido de que a
constituição do usufruto não importa a transferência da propriedade, mas que esta ocorre
com a entrega das coisas consumíveis ao usufrutuário, após este ter cumprido as suas
obrigações de relacionamento dos bens e de prestação de caução para a restituição do
seu valor, nos termos do artigo 1468.º CC. Efetivamente, a partir do momento em que
são cumpridas essas obrigações, o direito do nu proprietário passa a incidir apenas sobre
a restituição do valor, passando naturalmente o usufrutuário a ser considerado
proprietário das coisas consumíveis, pressuposto essencial para que as possa consumir
ou alienar, como é sua função. Naturalmente que, a partir daí, também deve recair sobre
ele o risco da sua perda ou deterioração.
c. José Alberto Vieira: o quase-usufruto não constitui um verdadeiro usufruto,
apresentando traços muito mais próximos do regime jurídico do mútuo do que aquele
direito real. Razões históricas e económicas explicam ainda a situação atual, sem que isso
importe, todavia, a qualificação desta situação como usufruto em sentido técnico.
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Como consequência dessa situação,, o usufruto de coisas consumíveis não está sujeito às causas
gerais de extinção do usufruto referidas no artigo 1476.º CC, apenas se podendo extinguir pela
morte do usufrutuário, pelo decurso do prazo (artigo 1476.º, n.º1, alínea a) CC), ou pela renúncia
(artigo 1476.º, n.º1, alínea e) CC), na medida em que estas provocam o vencimento da obrigação
de restituição do valor das coisas entregues, em caso de elas terem sido estimadas, ou do
tantundem eiusdem generis, ou do valor deste, na hipótese contrária. Extinto o usufruto, há
então lugar à restituição do valor das coisas entregues, no caso de elas terem sido estimadas, ou,
na hipótese contrária, de outras coisas do mesmo género, qualidade ou quantidade ou do seu
valor, na conjuntura em que findar o usufruto (artigo 1451.º, n.º1, in fine CC). No primeiro caso,
está-se perante uma obrigação pecuniária, nos termos gerais (artigos 550.º e seguintes CC). No
segundo caso, trata-se de uma obrigação alternativa pelo que, nos termos gerais, compete a sua
escolha ao devedor (artigo 543.º, n.º2 CC). A opção realiza-se entre a entrega de outras coisas do
mesmo género ou do valor destas, na conjuntura em que findar o usufruto. Em relação à
restituição do valor, esta não constitui uma obrigação pecuniária, mas uma dívida de valor.
2. O usufruto de coisas deterioráveis: o usufruto de coisas deterioráveis encontra-se regulado no
artigo 1452.º CC, abrangendo todas as coisas suscetíveis de se deteriorar pelo uso como as roupas,
os animais, os veículos e os instrumentos de trabalho. O usufruto de coisas deterioráveis
distingue-se do usufruto de coisas consumíveis pelo facto de o seu uso regular não implicar a sua
destruição ou alienação, pelo que não é necessário atribuir ao usufrutuário a propriedade dessas
coisas, sendo o usufruto de coisas deterioráveis compatível com a proibição de alterar a forma
ou substância da coisa. No entanto, o proprietário sabe que ao constituir um usufruto sobre uma
coisa dessa natureza, ela será habitualmente restituída com as deteriorações inerentes ao uso. Em
consequência, no usufruto de coisas deterioráveis o usufrutuário apenas é obrigado a restituir as
coisas no fim do usufruto no estado em que se encontrarem, a não ser que tenham sido
deterioradas por uso diverso daquele que lhes era próprio ou por culpa do usufrutuário (artigo
1452.º, n.º1 CC). Só em caso de não apresentação das coisas que lhe foram entregues é que o
usufrutuário responderá pelo valor que elas tinham na conjuntura em que começou o usufruto,
salvo se provar que perderam o seu valor em uso legítimo (artigo 1452.º, n.º2 CC).
3. O usufruto de árvores e arbustos: outro tipo especial de usufruto é o usufruto de árvores e
arbustos (artigos 1453.º-1454.º CC). Neste caso, não se tratando de árvores de corte, não é
permitido ao usufrutuário o seu corte intencional, uma vez que as mesmas não correspondem a
frutos, mas antes à própria coisa-mãe, afetando o corte a forma e a substância da coisa. O
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usufrutuário apenas pode assim aproveitar-se das árvores e arbustos que perecerem. A lei
distingue, no entanto, consoante o perecimento seja natural ou acidental. Em caso de
perecimento natural, o usufrutuário pode aproveitar-se das árvores e arbustos extintos (artigo
1453.º, n.º1 CC), mas, no caso de eles serem frutíferos, é obrigado a plantar tantos pés como os
que parecerem naturalmente, ou a substituir essa cultura por outra igualmente útil para o
proprietário, se for impossível ou prejudicial a renovação de plantas do mesmo género (artigo
1453.º, n.º2 CC). Já no caso de perecimento acidental, entende-se que o mesmo não é abrangido
pelo direito de fruição do usufrutuário, pelo que nesse caso as árvores e arbustos caídas,
arrancadas ou quebradas, pertencem ao proprietário (artigo 1454.º, n.º1 CC), podendo todavia o
usufrutuário aplicar essas árvores e arbustos às reparações que seja obrigado a fazer ou exigir que
o proprietário as retire, desocupando o terreno (artigo 1454.º, n.º2 CC).
4. O usufruto de matas e árvores de corte: outro tipo especial de usufruto é o usufruto de matas
e árvores de corte, o qual se distingue do caso anterior por ser permitido ao usufrutuário o corte
das árvores e das matas. Efetivamente, o usufrutuário pode naturalmente cortá-las para a
extração de madeira ou lenha, uma vez que neste caso estamos perante frutos da coisa,
periodicamente renováveis. O usufrutuário deve, porém, observar, nos cortes, a ordem e as
praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, o uso da terra (artigo 1455.º, n.º1 CC), o que é
explicável pelo facto de a inobservância dessas regras poder implicar que o corte abranja uma
parte de capital, prejudicando a sua futura capacidade reprodutiva. A lei estabelece, no entanto,
que se, em consequência de ciclone, incêndio, requisição do Estado ou outras causas análogas,
vier a ser prejudicada consideravelmente a fruição normal do usufrutuário, deve o proprietário
compensá-lo até ao limite dos juros da quantia correspondente ao valor das árvores mortas, ou
até ao limite dos juros da importância recebida (artigo 1455.º, n.º2 CC).
5. O usufruto de plantas de viveiro: a lei regula de forma especial o usufruto de plantas de viveiro
(artigo 1456.º CC). Neste caso, trata-se de plantas destinadas a ser arrancadas e plantadas noutro
lugar, podendo mesmo a falta de arranque prejudicar ou destruir as plantas, pelo que é
naturalmente permitido esse ato ao usufrutuário. Este é, porém, obrigado a conformar-se, no
arranque das plantas com a ordem e praxes do proprietário ou, na sua falta, com o uso da terra,
tanto pelo que toca ao tempo e modo do arranque como pelo que respeita ao tempo e modo de
retanchar o viveiro (artigo 1456.º CC).
6. O usufruto de minas: outro tipo especial de usufruto é o usufruto de minas (artigo 1457.º CC).
A lei admite duas hipóteses de usufruto de minas:
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a. O usufruto de concessão mineira: cabe, naturalmente ao usufrutuário, a exploração do
minério. Efetivamente, conforme acima se referiu, o minério pode ser considerado fruto
da coisa, na medida em que apesar de ocorrer alteração da sua substância, esta ocorre de
forma impercetível e prolongada no tempo. A recolha do minério é assim compreendida
nos poderes de fruição do usufrutuário, exigindo a lei, no entanto, que o usufrutuário se
conforme na exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respetivo titular (artigo
1457.º, n.º1 CC).
b. O usufruto de terreno onde existam explorações mineiras de terceiro: neste caso, é o
terceiro que explora as minas com base num título próprio, como o arrendamento ou
outro, adquirindo o usufrutuário o direito a receber as quantias devidas ao proprietário
do solo, designadamente a título de rendas, em proporção do tempo que durar o usufruto
(artigo 1457.º, n.º2 CC). Esta solução compreende-se em virtude de as rendas serem
frutos civis da coisa, pelo que o usufrutuário adquire direito a elas enquanto durar o
usufruto.
7. O usufruto de pedreiras: constitui igualmente um caso particular de usufruto o usufruto de
pedreiras (artigo 1458.º CC). A lei distingue consoante a pedreira já esteja ou não em exploração,
aquando do começo do usufruto. No caso de a pedreira já estar em exploração, o usufrutuário
tem a faculdade de a continuar, conformando-se com as praxes observadas pelo proprietário
(artigo 1458.º, n.º1, in fine CC), o que se compreende devido aos poderes de fruição que lhe são
atribuídos. Efetivamente, as pedras de uma pedreira são consideradas frutos da coisa, nos
mesmos termos em que o é o minério. Já no caso de a pedreira não estar em exploração, o
proprietário não pode abri-la (artigo 1548.º, n.º1, in principio CC), uma vez que tal violaria a sua
obrigação de não afetar a forma ou a substância da coisa. No entanto, essa proibição não inibe
o usufrutuário de extrair pedra do solo para reparar as obras a que seja obrigado (artigo 1458.º,
n.º2 CC).
8. O usufruto sobre universalidades de animais: outro caso particular de usufruto é o usufruto
sobre universalidades de animais, referido no artigo 1462.º CC. Efetivamente, o regime do
usufruto sofre algumas modificações quanto está em causa uma universalidade de animais. Uma
vez que os animais são coisas deterioráveis, vão perdendo o seu valor em consequência da sua
utilização e da velhice, até ao momento em que morram. Assim, se o usufruto fosse visto apenas
como incidindo sobre uma soma de animais, o usufrutuário poderia haver os frutos de cada
animal, como as crias, o leite, e a lã, tendo apenas que restituir no fim os animais supérstites e os
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respetivos despojos. Considerando que o usufruto incide sobre a universalidade, a lei pressupõe
a substituição em contínuo dos animais que perecem pelos que nascem em idêntico número. O
usufruto deixa de ser assim tratado como coisa deteriorável, mas os frutos limitam-se aos animais
que excedam o número necessário à substituição dos que pereceram. Em consequência, a lei
obriga o usufrutuário a substituir com as crias novas as cabeças que, por qualquer motivo, vierem
a faltar (artigo 1462.º, n.º1 CC). É, no entanto, controverso relativamente às crias novas, cujo
número não exceda as perecidas, se é atribuída automaticamente a sua nua propriedade ao
proprietário, ou se essa atribuição depende de um ato do usufrutuário.
a. Menezes Leitão: são consideradas frutos, sendo a sua propriedade adquirida pelo
usufrutuário com a separação da coisa-mãe, sem prejuízo de o usufrutuário poder ter que
as restituir no caso de outras virem a perecer, já que se harmoniza com o conceito de
frutos da universalidade de animais, estabelecido no artigo 212.º, n.º3 CC.
b. José Alberto Vieira: não trata a questão.
Nos termos do artigo 1462.º, n.º2 CC, se os animais se perderem na totalidade ou em parte, por
caso fortuito, sem produzirem outros que os substituam, o usufrutuário é apenas obrigado a
entregar as cabeças restantes. Efetivamente, o usufrutuário não suporta o risco do perecimento
dos animais, uma vez que a sua nua propriedade se mantém no proprietário. Mas já se for culpa
do usufrutuário que se verificou a perda, total ou parcial, dos animais, este torna-se responsável
perante o proprietário os termos gerais. A lei estabelece que o usufrutuário é responsável pelos
despojos dos animais, quando de tais despojos se tenha aproveitado (artigo 1462.º, n.º3 CC). É,
no entanto, de salientar que os despojos dos animais são considerados frutos da universalidade
(artigo 212.º, n.º3 CC), pelo que esta disposição só se pode aplicar no caso de ocorrer o
perecimento casual de animais que não possam ser substituídos, cujos despojos pertenceriam
assim ao radicário. Neste caso, se o usufrutuário vier a aproveitar-se deles, a situação é tratada
como usufruto de coisas consumíveis, obrigando à restituição do seu valor.
9. O usufruto de créditos: em relação ao usufruto de créditos, a doutrina tem contestado a sua
natureza real, uma vez que, por definição, os direitos reais têm por objeto coisas corpóreas e não
prestações, e não há direitos sobre direitos. O usufruto de créditos tem sido assim qualificado
como uma forma de usufruto irregular. Apesar disso, a lei portuguesa incluiu no título do
usufruto certas modalidades de usufruto de créditos, como o usufruto de rendas vitalícias (artigo
1463.º CC), o usufruto de capitais postos a juro (artigo 1464.º. CC), o usufruto sobre dinheiro e
capital levantados (artigo 1465.º CC) e o usufruto de títulos de crédito (artigo 1466.º CC).
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Nenhuma destas modalidades representa qualquer direito real, mas apenas uma forma de
oneração do crédito, com a atribuição temporária de certas prestações periódicas, ou da
obrigação de pagamento dos juros ou outros ganhos produzidos pelo crédito a outro credor.
Usufruto simultâneo e usufruto sucessivo: a lei portuguesa menciona o que denomina
usufruto simultâneo e usufruto sucessivo no artigo 1441.º CC.
1. O usufruto simultâneo: é uma forma de comunhão do usufruto (co-usufruto) e, como tal,
encontra-se sujeito ao regime jurídico da comunhão de direitos reais, que é o da compropriedade,
com as necessárias adaptações (artigo 1404.º CC);
2. O usufruto sucessivo: ao invés, designa um usufruto constituído a favor de várias pessoas, em
que, na ordem disposta no título constitutivo, cada uma delas vai sendo investida no direito de
usufruto logo que o usufruto do anterior usufrutuário se extinga. Não há, nestes casos, co-
usufruto entre todos os usufrutuários, mas uma sucessão de vários usufrutos entre as pessoas
designadas no título constitutivo, dentro da ordem aí estipulada.
O usufruto simultâneo (co-usufruto) e o usufruto sucessivo não reverte a favor do proprietário,
acrescendo o usufruto do falecido ao co-usufrutuário ou usufrutuários que tiverem sobrevivido. É o que
dispõe o artigo 1442.º CC, que ressalva, porém, disposições em contrário.
A natureza do usufruto: em relação à natureza do usufruto, apresentam-se as seguintes teorias:
1. Teoria do desmembramento [José Tavares e Pires de Lima/Antunes Varela]: no usufruto
ocorre uma fragmentação do direito de propriedade em dois direitos distintos, o direito de usar
e fruir a coisa (usufruto) e o direito de dispor ou transmitir a coisa a outrem (propriedade de raiz
ou nua propriedade).
2. Teoria da propriedade temporária [Allara]: embora a propriedade seja tendencialmente
perpétua, pode em certos casos ser objeto de um limite temporal, o que corresponderia
precisamente à situação do usufruto, uma vez que os pdoeres do usufrutuário coincidem com os
do proprietário, sendo idênticos os deveres de não ingerência por parte de terceiros, que são, no
entender do autor, o elemento característico do direito real. O facto de o usufrutuário ter que
respeitar a forma e substância e o destino económico da coisa, suportar a execução de reparações
extraordinário e ter outros deveres de conteúdo positivo e negativo corresponderiam a
obrigações propter rem, que não afastariam a qualificação do seu direito como de propriedade.
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3. Teoria do direito real de gozo típico [Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho
Fernandes, Santos Justo, José Alberto Vieira e Menezes Leitão]: considera o usufruto como
um direito real de gozo distinto da propriedade, não constituindo por isso nem um seu
desmantelamento nem uma propriedade especial. A autonomia do usufruto em relação à
propriedade seria demonstrada pelo facto de, embora sendo um direito de gozo pleno, não
atribuir a plenitude das faculdades relativa à coisa, atento os poderes de disposição do
usufrutuário serem limitados. Por outro lado, enquanto a propriedade é um direito exclusivo, o
direito do usufrutuário coincide sempre com outro direito, habitualmente a propriedade de raiz.
D – Os direitos de uso e habitação
A autonomia dos direitos de uso e habitação face ao usufruto: as ordens jurídicas
modernas de Direito continental conferem uma identidade de regime jurídico aos direitos de uso e de
habitação e amiúde vão mais longe, dispensando o seu tratamento normativo no contexto do regime
jurídico do usufruto.
Esta sistematização pode gerar dúvidas sobre se os direitos de uso e de habitação constituem direitos
reais autónomos, isto é, tipos diversos dos demais, ou se representam meramente subtipos de direito de
usufruto. Naturalmente, uma conclusão num ou noutro sentido pressupõe a análise do regime jurídico
positivo.
Permitimo-nos, no entanto, antecipar a nossa perspetiva, que é a de que os direitos de uso e de habitação
são tipos de direitos reais (de gozo) diversos dos restantes, não se reconduzindo, por conseguinte, ao
usufruto na veste de um subtipo de direito.
O tipo legal do direito de uso e do direito de habitação:
10. Delimitação positiva: o direito de uso tem evidentemente um conteúdo de aproveitamento que
integra poderes de gozo da coisa. O núcleo fundamental desse gozo é constituído por dois:
a. O poder de uso da coisa;
b. O poder de fruição da coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família.
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A estes dois poderes (uso e fruição) acrescem um limitado (mas existente) poder de
transformação, um poder de renúncia e um poder de reivindicação. O poder de usar a coisa não
está confinado a um fim específico, como sucede no direito de habitação. No respeito pela
substância da coisa e pelo seu destino económico, o usuário pode usar a coisa para qualquer fim,
nomeadamente, no contexto de uma atividade económica. O uso da coisa é um uso exclusivo.
Durante a oneração da propriedade pelo direito de uso, o proprietário está inibido de a usar,
cabendo exclusivamente ao usuário servir-se dela.
a. Pires de Lima/Antunes Varela: sustentam que o limite negativo das necessidades do
titular e da sua família (artigo 14834.º, nº.1, in fine CC) respeita igualmente ao uso.
b. José Alberto Vieira: entende que esta interpretação comporta, na verdade, uma
inovação do conteúdo típico tradicional deste direito, que reserva para o usuário o uso
pleno da coisa, em detrimento do proprietário. O limite negativo constante da parte final
do n.º1 do artigo 1484.º CC refere-se somente à fruição e não ao uso. O tipo legal do
direito de uso inclui também a fruição da coisa. Em todo o caso, e diferentemente do
usufrutuário, o usuário não tem uma fruição plena, mas apenas limitada às necessidades
do titular e da sua família, o que permite considerar uma fruição do proprietário para os
frutos restantes. Quanto ao poder de transformação, julgamos que não pode considerar-
se completamente afastado. O artigo 1490.º CC determina a aplicação das regras do
usufruto que sejam conformes ao direito de uso. Deste modo, supomos que o artigo
1450.º CC, com os limites negativos aí previstos, se pode igualmente considerar aplicável
ao direito de uso, levando a incluir o poder de transformação no conteúdo do gozo do
usufrutuário, a par do núcleo fundamental constituído pelos poderes de uso e de fruição.
O direito real de habitação molda-se em atenção ao objeto – casas de morada – e ao fim
de gozo: a habitação do morador usuário. O seu conteúdo típico é, no entanto, o mesmo
do direito de uso, incluindo os poderes de uso e de fruição.
c. Pugliese: entende que o poder de fruição não integra o conteúdo do tipo de direito de
habitação, estando excluído do mesmo.
a. José Alberto Vieira: poderia realmente pensar-se que a afetação de uma casa em termos
de direito de habitação envolveria somente o uso para este fim. Se isto será verdade para
uma fração autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal, numa
vivenda com jardim, por exemplo, não se vê por que razão se haverá de entender que o
morador usuário está proibido de fazer seus os frutos (naturais) produzidos pela coisa,
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na medida das necessidades do titular ou da sua família. Quanto ao uso, e tendo em conta
o sentido de que demos conta anteriormente, estamos convictos que ele se reveste de
exclusividade, mesmo que as necessidades do morador usuário ou da sua família se
limitem a uma parte dela. Não vemos como fundamentar que o morador usuário deva
tolerar na sua casa a presença do proprietário ou de um estranho ao qual o último cedeu
o gozo da parte não usada pelo morador usuário só porque as necessidades da sua família
não esgotam as possibilidades de uso do objeto. A limitação pelas necessidades do titular
ou da família liga-se unicamente ao poder de fruição, não ao uso da coisa. E só não será
assim, se o objeto do direito de morada seja somente parte do imóvel e não todo ele.
Neste caso, a limitação do objeto a uma parte da coisa limita naturalmente o uso do
morador usuário. É de supor, no entanto, que, tendo em conta o escopo do uso
consentido (habitação), a limitação do objeto (casa de morada) e a proibição da cessão
do gozo a terceiros (artigo 1488.º CC), tanto o uso como a fruição tenham uma extensão
bem mais modesta do que aquela que oferece o direito de uso. O poder de disposição
não integra o conteúdo típico dos direitos de uso e de habitação. A transmissão e a
oneração do direito encontram-se expressamente proibidas (artigo 1488.º CC). Resta a
destruição da coisa consumível, nos casos de quase uso, e o poder de renúncia ao direito,
que surge salvaguardada pela aplicação da alínea e) do artigo 1476.º, n.º1 CC (artigo
1490.º CC).
11. Delimitação negativa: os direitos de uso e de habitação têm dois limites negativos
a. Implícitos: são os mesmos do usufruto: o respeito pela forma (destino económico) e
pela substância da coisa. A sua lógica é a mesma do usufruto e o seu fundamento positivo
(artigo 1490.º CC). O regime jurídico do usufruto tem, deste modo, igualmente a função
de fornecer a base normativa para a delimitação, neste caso negativa, dos direitos de uso
e de habitação. Por conseguinte, o significado da remissão do artigo 1490.º CC para o
regime jurídico do usufruto tem um alcance à primeira vista insuspeitado: a construção
do tipo legal do uso e da habitação.
b. Explícito: constante da parte final do n.º1 do artigo 1484.º CC e respeitando, como
dissemos, ao poder de fruição do titular, na medida em que, para além da medida das
necessidades do titular e da sua família, os frutos da coisa em uso ou em habitação
pertencem ao proprietário. Delimitar negativamente o direito de uso e o direito de
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habitação implica fixar primeiramente o âmbito das necessidades a que a lei alude. Esse
âmbito deve ser subjetiva e objetivamente recortado.
i. Do ponto de vista subjetivo, para além do titular do direito de uso ou de
habitação, consideram-se igualmente as necessidades da sua família, o que alarga
potencialmente a medida de frutos cujo aproveitamento se propicia por via
daquele direito. O artigo 1487.º CC fixa imperativamente os membros da família
incluídos na determinação da medida concreta da fruição permitida.
ii. Do ponto de vista objetivo, no poder de fruição do usuário ou morador usuário
apenas se abrangem as denominadas necessidades diretas, isto é, aquelas que
podem ser satisfeitas através dos frutos. De outro modo, não restariam nunca
frutos para o proprietário e o usuário e o morador usuário teriam na prática uma
fruição igual à do usufrutuário. Excluído fica, assim, o aproveitamento indireto
dos frutos.
A alienação dos frutos para obter dinheiro ou a permuta daqueles com outras coisas está
vedada ao usufrutuário, mesmo se só com estes bens o usuário ou morador usuário
obteria a satisfação das suas necessidades (satisfação indireta). A limitação do poder de
fruir a coisa objeto de uso às necessidades diretas do titular ou dos seus familiares não
conclui todo o recorte objetivo dessas necessidades; outra das questões que se pode pôr
reside na natureza pessoal ou profissional (atividade económica) das necessidades a
atender.
Quer dizer, os frutos podem ser aproveitados apenas para satisfação de necessidades
pessoais ou as profissionais estão igualmente incluídas?
iii. José Alberto Vieira: crê que a resposta correta é a negativa. Não se trata aqui
apenas de considerar a raiz histórica deste direito, mas sobretudo de ponderar os
limites naturais da fruição do usuário e a necessidade de respeitar o recorte do
tipo legal deste direito em comparação com o usufruto. Os direitos de uso e de
habitação constituem direitos de menor extensão do que o usufruto. A ampliação
desmedida dos poderes de fruição do usuário e do morador usuário torna muito
ténue (ou mesmo inexistente) a diferença entre os direitos respetivos e o usufruto,
mais do que aquilo que nos parece permitir a função de cada um desses direitos.
Por outro lado, não importa esquecer, que se as partes pretenderem que o titular
do direito menor tenha uma fruição sem limites, o usufruto oferece a alternativa
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para o efeito. O disposto no artigo 1486.º CC, referindo as necessidades pessoais
do usuário e do morador usuário parece dar um argumento mais nesse sentido,
embora não o julguemos decisivo. O importante parece ser a litação destes
direitos à satisfação das necessidades diretas do titular, numa ótica que tem mais
a ver com uma lógica de apoio à sua subsistência do que com o desenvolvimento
de uma atividade económica.
Por último, resta-nos ainda analisar a projeção de sentido do artigo 1486.º CC.
a. No seu sentido literal: associando o poder de fruir à condição social do titular do direito,
este preceito parece admitir que mesmo sendo iguais as necessidades – pessoais – dos
titulares, o poder de fruir pode ser reconhecido em medida diversa a cada um deles, em
atenção à diferente condição social do titular do direito
b. José Alberto Vieira: defende a sua inconstitucionalidade, por violação direta do
princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º1 CRP). Este princípio não tolera que um titular de
direito de uso ou de habitação que tenha necessidades iguais a outro titular receba,
contudo, uma medida diferente do poder de fruição só por causa de uma diversa
condição social. Uma tal solução poderia muito bem ser justificada na sociedade romana
ou nas sociedades europeias até ao século XIX, mas está hoje descontextualizada e
contraria grosseiramente a igualdade de todas as pessoas defronte da lei.
c. De Martino: propõe que o limite das necessidades do titular e da família seja entendido
de modo objetivo e só podemos estar de acordo. A fruição será a mesma para pessoas
com necessidades iguais, seja qual for o seu estatuto social e económico. Se este pode
influir na fixação das necessidades a atender, não serve decerto para diferenciar os
titulares quanto à medida dos frutos a que têm direito.
O objeto dos direitos de uso e de habitação: tanto as coisas imóveis como as móveis podem
ser objeto de um direito de uso. Ao invés, o direito de habitação apenas pode ter como objeto coisas
imóveis, e dentro do círculo destas coisas, casas (de habitação).
No momento inicial do surgimento do direito de uso em Roma, este direito apenas se podia referir a
coisas não frutíferas, dado que outorgava simplesmente o uso, com exclusão da fruição. Esta limitação
desapareceria posteriormente e o direito de uso viu alargado o seu âmbito de incidência às coisas
frutíferas.
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Com o conteúdo que envolve – para além do uso, também a fruição – pode o direito de uso recair sobre
coisas não frutíferas? Sem dúvida, a resposta é afirmativa?
A coisa deve ser apta a permitir alguma forma de gozo que o conteúdo típico do direito de uso autoriza
ao titular, mas nada impõe que seja apta a esgotá-lo. Se pode haver uso, sem fruição, ou esta sem aquele,
a constituição do direito de uso é válida. A validade do ato constitutivo do direito fica, no entanto, em
causa se a coisa se afigura imprestável para qualquer aproveitamento (uso e fruição) suscitado pelo direito
de uso.
Um problema que se tem colocado quanto ao direito de uso é o de saber se ele pode ter por objeto coisas
consumíveis. A ser afirmativa a resposta, teríamos um quase uso, de modo semelhante ao quase usufruto.
Em todo o caso, há diferenças assinaláveis entre o uso e o usufruto de coisas consumíveis. No regime
do uso, a alienação da coisa encontra-se proibida (artigo 1488.º CC).
Por conseguinte, o denominado consumo jurídico está vedado ao usuário, restando-lhe o consumo
material da coisa. Isso deixa de fora um uso sobre dinheiro. O consumo do dinheiro implica a respetiva
alienação; mesmo o depósito bancário (depósito irregular) determina a transmissão da propriedade para
o depositante, por força da aplicação das regras do mútuo (artigo 1206.º CC), o que, em atenção à
proibição legal de transmissão da coisa objeto do uso (artigo 1488.º CC), redunda num negócio
legalmente impossível, e, por conseguinte, nulo (artigos 280.º e 294.º CC).
E no tocante às outras coisas consumíveis?
Não vemos nenhum obstáculo legal para admitirmos essa hipótese.
1. Pugliese: porém, sustenta tratar-se de um usufruto.
2. José Alberto Vieira: não partilha desta ideia, sendo que o regime do uso diferencia a posição do
usuário por contraposição ao usufrutuário de coisas consumíveis, pois aquele não pode alienar a
coisa a ninguém enquanto o usufrutuário pode. A privação da alienação ajusta-se à lógica de
satisfação direta das necessidades do usuário e da sua família, que é o escopo no confronto com
o quase usufruto, o qual, permitindo a alienação a terceiros das coisas consumíveis, se enquadra
numa lógica de fruição integral. Portanto, com o quase uso o titular obtém a propriedade das
coisas objeto do direito, ficando com o dever de restituir o seu valor, se houverem sido estimadas,
ou a entregar outras do mesmo género, qualidade e quantidade (artigo 1451.º, n.º1 ex vi 1490.º
CC). Nada impede que o direito de uso tenha por objeto uma parte de coisas ou uma coisa em
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comunhão Não se trata aqui, como parece evidente, de dividir o uso, mas sim simplesmente de
acomodar o gozo ao próprio objeto do direito. Assim, se o proprietário de um prédio estabelece
um direito de uso ou de habitação sobre a metade do mesmo, o gozo do usuário ou do morador
usuário ficará limitado à (parte) de coisa objeto do seu direito. O artigo 1489.º, n.º2 CC tem em
vista esta hipótese, estabelecendo que se o usuário perceber apenas uma parte dos frutos ou
ocupar parte do edifício, a sua obrigação de participar nas despesas de conservação da coisa
existirá na medida proporcional da sua fruição.
A titularidade dos direitos de uso e de habitação: no tocante ao direito de habitação, dada
a finalidade do mesmo, a habitação do titular, não restam dúvidas de que apenas pessoas singulares
podem ser titulares deles. Quanto ao direito de uso, discute-se em geral se as pessoas jurídicas podem
ser titulares deste direito.
1. Pugliese afirma, em Itália, que quando assim suceda o usuário (pessoa jurídica) não tem direito
aos frutos, uma construção que, atento o princípio da tipicidade, não deixa de causar estranheza,
dado que assim o direito de uso teria diferentes conteúdos (com ou sem fruição) consoante a sua
titularidade estive numa pessoa singular ou numa pessoa jurídica.
2. Pires de Lima/Antunes Varela opinam perentoriamente que a lei portuguesa não confere a
possibilidade de o direito de uso ser constituído a favor de pessoas jurídicas, argumentando que
com a medida das necessidades – pessoais e familiares – atendidas para a fixação da extensão
deste direito somente as pessoas singulares podem ser titulares do mesmo.
3. José Alberto Vieira: percorrendo o regime do direito de uso, depara-se com sucessivos
argumentos que impossibilitam em termos de sentido a titularidade de um direito de uso por
pessoas jurídicas, não tanto porque estas não possam ter necessidades, mas porque o
enquadramento das necessidades do titular com as da sua família (artigo 1484.º, n.º1 e 1487.º
CC), a que acresce o critério de fixação da medida dos frutos (as necessidades pessoais do usuário
– artigo 1486.º CC), pertinente apenas para pessoas singulares, não deixa campo de sentido senão
para estas. A explicação para isto reside na origem deste tipo de direito real, virado para
necessidades alimentares do titular e da sua família.
As vicissitudes dos direitos de uso e de habitação. A aplicação do usufruto: na
disciplina dos factos com eficácia real para os direitos de uso e de habitação, a lei portuguesa remete para
a disciplina geral do usufruto.
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Existem, porém, especialidades a atender no regime jurídico dos direitos de uso e de habitação.
Constituição. A proibição da usucapião: uma especialidade dos direitos de uso e de habitação
reside na impossibilidade legal da sua constituição por via da usucapião (artigo 1293.º, alínea b) CC), uma
solução que, a nosso ver, não tem justificação plausível.
Proibição de transmissão e oneração: nem o direito de uso nem o direito de habitação
outorgam ao titular o poder de transmissão e de oneração (artigo 1488.º CC). Do mesmo modo, tanto o
usuário como o morador usuário estão proibidos de ceder o gozo da coisa, seja a título oneroso (locação)
seja a título gratuito (comodato).
Caso o usuário ou o morador violem a proibição legal, o negócio jurídico em causa será nulo. O vício é
duplo: falta de legitimidade do disponente (artigo 892.º CC para a compra e venda, aplicável ex vi do
artigo 939.º CC para todos os outros negócios onerosos, e artigo 956.º, n.º1 CC para a doação) e violação
de norma legal imperativa (artigo 294.º CC).
A aplicação das normas do usufruto aos direitos de uso e de habitação: o artigo 1490.º
CC dispõe que são aplicáveis aos direitos de uso e de habitação as disposições que regulam o usufruto,
quando conformes à natureza daqueles direitos.
Explicámos já que esta remissão genérica para o regime do usufruto tem o alcance à primeira vista
insuspeitado de importar para os direitos de uso de habitação os limites negativos do usufruto,
delimitando, assim, a extensão dos poderes de uso, fruição e transformação dos titulares.
Em todo o caso, a ressalva final do artigo 1490.º CC impõe a necessária ponderação da natureza dos
direitos de uso e de habitação. As disposições do regime do usufruto que suponham a fruição plena não
podem ser aplicadas em sede destes direitos.
Tipos especiais de uso e habitação:
1. Os direitos de uso e habitação atribuídos ao cônjuge sobrevivo de habitação da casa de
morada de família e de uso do respetivo recheio: um caso especial de uso e habitação é aquele
que é atribuído ao cônjuge sobrevivo sobre a casa de morada de família e respetivo recheio.
Efetivamente, o artigo 2103.º-A, n.º1 CC, estabelece que o cônjuge sobrevivo tem direito a ser
encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no
direito de uso do respetivo recheio, devendo tornas ao co-herdeiro se o valor recebido exceder
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o da sua parte sucessória e meação, se a houver. Se a casa de morada de família não fizer parte
da herança aplica-se esse regime apenas em relação ao recheio (artigo 2103.º-B CC). É
considerado como recheio o mobiliário e demais objetos ou utensílios utilizados ao cómodo,
serviço e ornamentação da casa (artigo 2103.º-C CC). A pedido dos proprietários, pode o tribunal,
quando o considere justificado, impor ao cônjuge a obrigação de prestar caução (artigo 2013.º-
A, n.º3 CC). Os direitos de habitação da casa de morada de família e de uso do recheio são, no
entanto, sujeitos a uma causa de extinção especial, já que, nos termos do artigo 2013.º-A, n.º2
CC, estes direitos caducam se o cônjuge não habitar a casa por período superior a um ano.
Excetuam-se apenas as situações anteriormente previstas no artigo 1093.º, n.º2 CC, hoje
reguladas no n.º2 do artigo 1072.º CC, em que a lei considera lícito ao arrendatário o não uso do
prédio arrendado por mais de um ano.
2. Os direitos de habitação atribuídos ao membro sobrevivo da união de facto e em caso
de morte de pessoa que viva em economia comum: outro direito real de habitação, que se
encontra especialmente regulado, respeita aos casos de dissolução da união de facto por morte
de um dos seus membros, e de falecimento de pessoa que vivesse com outra em situação de
economia comum. Em caso de dissolução de uma união de facto por morte do membro que
fosse proprietário da casa de morada de família, o membro sobrevivo adquire um direito real de
habitação da casa pelo prazo de cinco anos, assim como um direito de uso do respetivo recheio
(artigo 5.º, n.º1 Lei n.º7/2001, 11 maio, na redação da Lei n.º23/2010, 30 agosto), o qual é
igualmente à situação de compropriedade (artigo 5.º, n.º3 do mesmo diploma). No caso de a
união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, o prazo do direito de
habitação estende-se por todo o tempo que tenha durado a união (artigo 5.º, n.º2 do mesmo
diploma), podendo ainda esses prazos serem prorrogados pelo tribunal excecionalmente, e por
motivos de equidade (artigo 5.º, n.º4 do mesmo diploma). O direito real de habitação já não é,
porém, conferido ao membro sobrevivo da união de facto se este tiver casa própria na área do
respetivo concelho da casa de morada de família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou
do Porto incluem-se os concelhos limítrofes (artigo 5.º, n.º6 do mesmo diploma). Da mesma
forma, esses direitos caducam se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, salve se a
falta de habitação for devida a motivo de força maior (artigo 5.º, n.º5 do mesmo diploma).
Também no caso de extinção de uma situação de economia comum por morte do proprietário
da cada de morada comum, as pessoas que com o falecido vivessem em economia comum há
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mais de dois anos têm direito real de habitação pelo prazo de cinco anos sobre a mesma casa
(artigo 5.º, n.º1 Lei n.º6/2001, 11 maio). Essa atribuição do direito real de habitação já não se
verifica, no entanto, caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de 1 ano de idade ou
que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição
testamentária em contrário (artigo 5.º, n.º2 Lei n.º6/2001, 11 maio). O direito também não é
atribuído no caso de sobrevivência de descendentes menores que, não coabitando com o falecido,
demonstrem ter absoluta carência de casa para habitação própria (artigo 5.º, n.º3 Lei n.º6/2001,
11 maio).
A natureza dos direitos de uso e de habitação: em relação aos direitos de uso e habitação
tem sido discutido na doutrina se eles constituem apenas modalidades especiais de usufruto, ou direitos
reais de gozo distintos deste.
1. A tese da integração no usufruto [Mota Pinto, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro e Menezes
Leitão]: O Código Civil segue claramente a primeira orientação, como se comprova pela inserção do
uso e da habitação no título relativo ao usufruto. Parece-nos, no entanto, ser preferível a segunda.
Efetivamente, a autonomia dos direitos de uso e habitação em relação ao usufruto é confirmada
pelo facto de eles não atribuírem um direito de gozo pleno sobre a coisa, atentas as limitações
estabelecidas ao uso e fruição, sendo o uso funcionalizado às necessidades do titular e da sua família.
Os poderes de disposição sobre a coisa são, por outro lado, absolutamente excluídos, ao contrário
do que sucede no usufruto, em que é possível a alienação ou a oneração do direito. Não há, assim,
qualquer justificação para considerar estas figuras como modalidades de usufruto, devendo as
mesmas ser qualificadas como direitos reais de gozo distintos. Neste sentido, até se pode dizer que
eles se situam a meio termo entre o usufruto e a servidão, recolhendo do primeiro a sua atribuição
a uma pessoa determinada, e do segundo a sua limitação a certas faculdades da coisa
2. A tese da autonomia [Carvalho Fernandes, Santos Justo e José Alberto Vieira]:os direitos reais de
uso e de habitação pertencem à categoria dos direitos reais de gozo. São, como todos os direitos
reais menores, direitos sobre coisa alheia. Isto faz deles direitos reais autónomos, tipos legais
específicos de aproveitamento de coisas corpóreas, e não meras derivações ou
desmembramentos da propriedade, que é um direito distinto. Os direitos de uso e de habitação
não constituem meros subtipos do direito de usufruto, como a colocação sistemática da matéria
– no capítulo dedicado ao usufruto – pode sugerir à primeira vista. O conteúdo típico do
aproveitamento atribuído ao usuário e ao morador usuário mostra uma conformação diversa,
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nomeadamente, na limitação do poder de fruição, no confinar da titularidade a pessoas singulares,
na proibição de transmissão e de oneração, e mesmo na funcionalização do uso admitido (direito
de habitação), tudo aspetos que sublinham uma natureza típica diversa do usufruto e a autonomia
própria de um tipo singular de direito real.
E – O direito de superfície
O tipo legal do direito de superfície:
1. Delimitação positiva: o direito de superfície outorga, como qualquer direito real, um conteúdo
típico de aproveitamento de uma coisa, que neste caso é sempre um imóvel. Porém, ao contrário
do que sucede com os direitos de propriedade e de usufruto, em que o gozo é atribuído
universalmente aos titulares, ainda que com limites (no caso do usufruto), no direito de superfície
muda a técnica legal de conformação do tipo de direito real, que abrange somente poderes
individualizados e dirigidos funcionalmente a construir ou manter obra ou a fazer ou manter
plantações. O superficiário não tem o conteúdo normal do gozo, nomeadamente, o uso e a
fruição do imóvel. O uso e a fruição do imóvel pertencem ao proprietário do solo; sobre todo o
prédio enquanto a obra ou plantação não está construída ou feita (artigo 1532.º CC) e sobre a
parte não ocupada pela obra ou plantação, quando esta existe já (artigo 1533.º CC). Em
contrapartida, os poderes típicos deste direito são:
a. O poder de construir ou de fazer plantação no prédio (poder de transformação): Uma
vez que a obra ou plantação pode estar já feita ou, pelo contrário, não estar, poderia
parecer que este tipo de direito real teria um conteúdo variável, nuns casos incluindo o
poder de transformação, noutros não. A verdade, porém, é que mesmo quando a obra
ou a plantação existe, e depois vem a ficar destruída, por qualquer facto, o superficiário
pode sempre proceder à construção de uma nova obra ou fazer nova plantação. Isso
mesmo retira-se da alínea b) do artigo 1536.º, n.º1 CC. O que quer dizer, afinal, que o
poder de transformação integra sempre o conteúdo típico do direito de superfície.
b. O poder de manter a obra ou plantação sobre ou sob solo alheio durante o tempo de
duração do direito;
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c. O poder de disposição: o artigo 1534.º CC proclama a transmissibilidade do direito de
superfície. Essa transmissão pode ocorrer por meio de qualquer dos factos jurídicos com
eficácia real translativa, a favor de terceiros ou do proprietário do solo. Conquanto no
artigo 1534.º CC nada se diga a propósito da oneração, o artigo 688.º, n.º1, alínea c) CC
prevê a constituição da hipoteca sobre o direito de superfície, o que confirma a ideia de
que, tratando-se de direito real menor, também o direito de superfície pode ser onerado.
Importa, em todo o caso, não confundir a oneração da superfície com a oneração da
propriedade do superficiário sobre a obra ou plantação. Essa decorre do regime jurídico
da propriedade e não do direito de superfície.
Na conformação típica atual, o direito de superfície visa justamente impedir a aplicação do regime
da acessão, independentemente das regras de atribuição que resultariam deste. Assim, as árvores,
plantas ou construções existentes num prédio podem pertencer a pessoa diversa do proprietário
do solo durante o período de tempo de duração do direito de superfície, sem que a qualquer dos
proprietário seja lítico recorrer à acessão. O poder de manter obra ou plantação em terreno alheio
preclude a acessão, afastando a aplicação do regime respetivo. Deste modo, quer a obra ou
plantação fizesse já parte do imóvel quer venha a resultar da ação do superficiário, o proprietário
do solo não adquire qualquer direito sobre ela, mormente a propriedade, enquanto a superfície
não se extinguir. Até lá, a propriedade do solo, por um lado, e a propriedade da obra ou da
plantação, por outro, mantêm-se separadas e em esferas jurídicas distintas. O direito de superfície,
nesta colocação moderna, não se limita a autorizar o superficiário a construir obra, a mantê-la
no terreno do proprietário e a defendê-la. Ele impede igualmente a superficies solo cedit e o
funcionamento da acessão, cujo regime derroga. O direito de superfície, enquanto direito real,
não requer que a obra ou a plantação tenha existência atual. Uma vez constituído, ele onera
imediatamente a propriedade do prédio e confere ao superficiário a possibilidade de tutela geral,
contra o proprietário e contra terceiros, nomeadamente, através da ação de reivindicação.
Desenhado o tipo legal da superfície, podemos afirmar que se trata do direito a construir ou
manter obra ou a fazer ou manter plantação em prédio alheio. No seu alcance, para além do
poder de transformar o prédio sobre o qual se constitui, ele confere ao superficiário o poder de
manter uma obra ou plantação sua em coisa alheia (do proprietário do solo). Do direito de
superfície deve manter-se separado o direito de propriedade sobre a obra ou plantação. No
regime jurídico do Código Civil estas duas situações jurídicas são distintas. Se se trata de uma
superfície de construção ou plantação e esta ainda não foi construída ou existe, não há
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possibilidade de confusão. O direito de superfície incide sobre o solo. Há então dois direitos a
considerar, ambos tendo a mesma coisa por objeto: a propriedade do solo (proprietário) e o
direito de superfície (superficiário). Contudo, quando a obra ou plantação existe, a situação
jurídica é mais complexa. Aos direitos de propriedade e de superfície sobre o prédio acresce
agora um direito de propriedade sobre a coisa ou plantação, que vem conhecida com a
designação usual, mas equívoca, de propriedade superficiária, e que está na titularidade do
superficiário. O tipo de direito real superfície tem o conteúdo sobre a coisa na qual recai. Trata-
se sempre de um prédio, e se esquecermos agora o subtipo da superfície de sobreelevação, de
um terreno. Sobre ou sob esse terreno, o superficiário pode construir ou plantar obra ou
construção e manter a propriedade desta coisa separada da propriedade do solo, sem que o
regime da acessão determine a necessidade de aquisição do conjunto (solo mais implante) ou a
sua perda para o proprietário do solo. o Direito Civil português abre a possibilidade de, através
do direito de superfície, haver num prédio duas propriedades separadas, pertencentes a titulares
distintos, uma sobre o solo, outra sobre a construção ou plantação, sem que a acessão atue a
favor de um dos proprietários. Não obstante a superfície não envolver o conteúdo principal do
gozo, nomeadamente, o uso e a fruição, ela implica um fortíssimo gravame para o proprietário
cujo direito fica onerado.
2. Desnecessidade de uma delimitação negativa: a lei não leva a cabo a delimitação negativa
do tipo legal da superfície, o que se compreende atenta a técnica legal usada. Uma vez que o
aproveitamento típico propiciado por este direito assenta num feixe de poderes individualizados
– o poder que está fora do âmbito desses poderes não pode o usufrutuário fazer no exercício do
seu direito. Em todo o caso, ao conteúdo típico do direito de superfície, de natureza real, pode
acrescer um conteúdo de aproveitamento de natureza obrigacional (direitos de crédito), com
base nas convenções contratuais ajustadas entre o proprietário do solo e o superficiário, no título
constitutivo da superfície ou em momento posterior.
O subtipo da superfície de sobreelevação: no artigo 1526.º CC consagra-se um subtipo de
superfície: a superfície de sobreelevação. A diferença que permite autonomizar a superfície de
sobreelevação do tipo geral do direito de superfície reside no seu objeto. Enquanto no tipo geral o objeto
é um terreno, no subtipo de sobreelevação a coisa é um edifício, já construído ou em construção.
A previsão legal faz apenas referência à constituição de superfície em edifício constituído em propriedade
horizontal. O alcance da norma é, todavia, mais amplo. A superfície de sobreelevação pode ser
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constituída sobre qualquer edifício que tenha as características para o efeito, independentemente de estar
ou não em propriedade horizontal. Se o proprietário singular ou os comproprietários quiserem uma
superfície de sobreelevação a favor de terceiro, podem-no fazer validamente.
Tem sido levantada a hipótese de o superficiário de edifício poder, por sua vez, constituir novos direitos
de superfície sobre a obra existente ou a constituir.
1. José Alberto Vieira: tudo depende do título constitutivo da superfície, pois não parece
admissível que o proprietário do solo não tenha uma palavra a dizer sobre uma construção no
seu prédio.
2. Menezes Cordeiro: opina neste sentido, defendendo a nulidade do contrato em que o direito
de superfície haja sido constituído.
no artigo 1526.º CC consagra-se um subtipo de superfície: a superfície de sobreelevação. A diferença
que permite autonomizar a superfície de sobreelevação do tipo geral do direito de superfície reside no
seu objeto. Enquanto no tipo geral o objeto é um terreno, no subtipo de sobreelevação a coisa é um
edifício, já construído ou em construção. A previsão legal faz apenas referência à constituição de
superfície em edifício constituído em propriedade horizontal. O alcance da norma é, todavia, mais amplo.
A superfície de sobreelevação pode ser constituída sobre qualquer edifício que tenha as características
para o efeito, independentemente de estar ou não em propriedade horizontal. Se o proprietário singular
ou os comproprietários quiserem uma superfície de sobreelevação a favor de terceiro, podem-no fazer
validamente. Tem sido levantada a hipótese de o superficiário de edifício poder, por sua vez, constituir
novos direitos de superfície sobre a obra existente ou a constituir.
Pergunta-se, no entanto, se o novo superficiário adquire a comunhão no direito de superfície do
superficiário do solo ou se não participa deste direito.
1. José Alberto Vieira: inclina-se para esta última solução. No artigo 1526.º CC dispõe-se que após
o edifício ser levantado se aplicam as regras da propriedade horizontal. Uma vez mais, este
preceito tem de ser adaptado às hipóteses de o edifício não estar no regime de propriedade
horizontal. Se isso acontecer, julgamos que o edifício, se estava em propriedade singular, passa a
estar em compropriedade; se já estava em compropriedade, o superficiário torna-se
comproprietário juntamente com os outros comproprietários.
2. Menezes Leitão: a superfície extingue-se consequentemente com a nova construção, surgindo
a partir daí um direito de propriedade horizontal, atribuindo-se igualmente ao construtor um
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direito sobre as partes comuns do prédio (artigo 1421.º CC) para evitar que fossem defraudadas
as regras desse instituto. O construtor acaba assim por adquirir uma comunhão no solo, devido
a este ser considerado comum (artigo 1421.º, n.º1, alínea a) CC), ao contrário do que sucede no
direito de superfície.
Nesta hipótese, o direito de superfície mantém-se após a conclusão da construção e a propriedade da
obra construída sobre ou sob o edifício mantém.se distinta da propriedade do edifício. Na hipótese
prevista no artigo 1526.º CC, a superfície extingue-se e as frações construídas ficam sujeitas ao regime
de propriedade horizontal, passando o superficiário a condómino.
A constituição de propriedade horizontal em edifício assente em solo alheio: tem
sido discutida a questão de saber se o superficiário pode constituir a propriedade horizontal sobre o
edifício construído ou mantido em terreno alheio. A hipótese não pode levantar dúvidas.
Os poderes do proprietário do edifício construído ou mantido sobre solo alheio nos termos de um direito
de superfície são exatamente os mesmos do proprietário que é simultaneamente dono do solo. A
constituição da propriedade horizontal insere-se no exercício do poder de disposição.
Uma vez constituída a propriedade horizontal, os condóminos serão proprietários da sua fração,
comproprietários das partes comuns, com exceção do solo, em que serão comunheiros do direito de
superfície. Diversamente do regime jurídico da propriedade do solo, se a superfície for temporária a
propriedade das frações será transferida para o proprietário do solo com a extinção da superfície (artigo
1538.º, n.º1 CC).
O objeto do direito de superfície: o direito de superfície tem sempre por objeto uma coisa imóvel,
sendo essa coisa, com exceção da superfície de sobrelevação, um terreno. Deste modo, o objeto do
direito de superfície não pode ser confundido com a obra ou plantação eventualmente existente no solo.
Isso afigura-se particularmente evidente na superfície de construção ou plantação quando o implante
ainda não está construído ou plantado. Nesse momento, existe apenas o solo e ele representa a res sobre
a qual a superfície incide.
Nada disto muda, todavia, quando a obra ou plantação vem à existência. Esta é objeto de um direito
distinto e separado, um direito de propriedade (do superficiário), porquanto é juridicamente autónoma
e individualizada face ao prédio dado em superfície.
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O direito de superfície tem somente o solo por objeto. O superficiário detém, assim, dois direitos, cada
um deles tendo por objeto uma coisa diferente:
1. O direito de superfície, que tem por objeto o solo; e
2. O direito de propriedade, que versa sobre um objeto distinto, o implante, material (obra) ou
vegetal (plantação).
O direito de superfície permite a construção ou manutenção de obra sob solo alheio (artigo 1525.º, n.º2
CC). Em todo o caso, isto não muda o objeto do direito de superfície, que continua a ser um terreno.
Simplesmente, a obra a construir no âmbito da superfície já não tem que ser sobre o solo, podendo ser
sob o mesmo.
O n.º1 do artigo 1525.º CC resolveu um problema levantado tradicionalmente pela doutrina. O direito
de superfície só abarca a porção do solo ou subsolo necessário para a construção ou manutenção da
obra ou da plantação. As partes podem, no entanto, alargar o objeto da superfície à área adjacente à parte
do prédio ocupada ou a ocupar pela obra, contando que haja proveito para o uso da mesma. Como
vimos anteriormente, o direito de superfície não tem por objeto a construção ou plantação existente ou
a construir/plantar sobre ou sob o solo, mas apenas este.
Convém, no entanto, sublinhar, que a superfície não pode ser validamente constituída relativamente a
qualquer obra ou plantação. A doutrina dominante costuma evidenciar que a coisa a construir sobre o
terreno deve ser suscetível de causar o funcionamento da acessão. Os requisitos desta devem, pois, estar
verificados.
Excluídos da superfície ficam, assim, as casas pré-fabricadas, que se limitam a assentar no solo, as
construções como bancos de jardim, postes telegráficos ou telefónicos, tendas e outras instalações
provisórias, etc. A propósito das superfícies vegetais, Oliveira Ascensão chama a atenção para o facto de
as plantações deverem ser duradouras. Isto não significa que apenas as árvores possam ser consideradas.
Outras culturas vegetais duradouras, como as vinhas, estão certamente incluídas no âmbito do regime
da superfície.
Duração do direito de superfície: a lei admite a possibilidade de a superfície ser temporária ou
perpétua. A opção por qualquer das modalidades resulta naturalmente do título constitutivo.
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Sendo perpétua, ele representa uma oneração constante para a propriedade, que pode, no entanto, acabar,
se ocorrer algum facto extintivo. A perpetuidade da superfície não a torna imune aos factos extintivos
gerais dos direitos reais (não, uso, confusão, usucapião de terceiro, etc.), como decorre, de resto, do
disposto no artigo 1536.º, n.º1 CC, que se aplica indistintamente às hipóteses de superfície temporária e
perpétua.
Sendo temporária, a superfície extingue-se por decurso do prazo (artigo 1536.º, alínea c) CC), dando-se
a reversão para o proprietário do solo (artigo 1538.º, n.º1 CC). A lei preceitua expressamente que a
superfície pode ser constituída a termo (artigo 1524.º CC), não estabelecendo, contudo, o tempo mínimo
de duração do direito, que fica, assim, na inteira disponibilidade das partes. O decurso do mesmo provoca
a extinção do direito (artigo 1536.º, n.º1, alínea c) CC) e levante o problema do destino jurídico da obra
ou plantação superficiária. A Lei n.º2030 admite, no seu artigo 28.º, n.º2, a possibilidade de prorrogação,
uma ou mais vezes, e por tempo não inferior a vinte anos.
Constituição do direito de superfície: nos termos do artigo 1528.º CC, o direito de superfície
pode ser constituído por:
1. Contrato: o direito de superfície pode ser constituído por contrato, nos termos gerais, sempre
que o proprietário do solo atribua a outrem o direito de construir ou realizar plantações no seu
terreno. O contrato constitutivo do direito de superfície deve revestir a forma de escritura pública
ou documento particular autenticado, nos termos do artigo 22.º, alínea a) Decreto-Lei
n.º116/2008, estando sujeito a registo, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) CRPr.
2. Testamento: o direito de superfície pode igualmente ser constituído por testamento, sempre
que o testador decida instituir um legado, atribuindo a outrem o direito de realizar construções
ou plantações em terreno constante do acervo hereditário. Nesse caso, terá que ser naturalmente
observada a forma dos testamentos (artigos 2204.º e seguintes CC).
3. Usucapião: a lei refere igualmente a possibilidade de a superfície se constituir por usucapião,
ainda que esse ponto seja objeto de controvérsia.
a. Para Carvalho Fernandes o direito de realizar a construção ou as plantações não se
pode adquirir por usucapião, uma vez que não é fácil configurar uma situação de posse
que revista a forma correspondente à faculdade de fazer uma construção ou uma
plantação em solo alheio. A usucapião seria, assim, apenas possível em caso de exercício
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de uma posse sobre a obra ou plantações já existentes, bastando para isso que o possuidor
não estenda a sua posse em relação ao solo.
b. Menezes Leitão: pensa ser uma posição excessiva. É teoricamente possível o exercício
de poderes sobre o solo correspondentes às faculdades de construção ou plantação, ainda
antes de as mesmas estarem realizadas. Logo que essas faculdades comecem a ser
exercidas, iniciar-se-á o prazo para a usucapião do direito de superfície, muito antes da
realização da obra ou das plantações.
4. Alienação da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo: há ainda um
caso particular de constituição do direito de superfície, que consiste na alienação da obra ou
plantação separadamente da propriedade do solo. Efetivamente, o proprietário tem a
possibilidade de alienar autonomamente o solo e os implantes que nele existam. Pode assim
alienar a terceiro a obra ou plantação, ficando com a propriedade do solo, ou alienar o solo,
conservando a propriedade da obra ou plantação, e também pode aliená-los separadamente a
pessoas distintas. Neste caso, em virtude dessa alienação, dá-se automaticamente a constituição
de um direito de superfície a favor do adquirente do implante, independentemente de qualquer
declaração negocial nesse sentido. A alienação da obra ou árvores separadamente da propriedade
do solo é sujeita a escritura pública ou documento particular autenticado (artigo 22.º, alínea a)
Decreto-Lei n.º116/2008), atenta a sua natureza imobiliária, uma vez que, mesmo em relação às
árvores, embora sejam objeto de alienação separada, permanecem ligadas ao solo (artigo 204.º,
n.º1, alínea c) CC). A constituição do direito de superfície daí resultante está naturalmente sujeita
a registo, o qual pode ser realizado apenas em virtude desse negócio transmissivo do implante
(artigo 2.º, n.º1, alínea a) CRPr).
Assim, a constituição do direito de superfície pode ser feita pelos factos com eficácia real que demos
conta. Não há nesta matéria nenhuma especialidade a referir.
O proprietário é a única pessoa legitimada a constituir o direito de superfície sobre o prédio. Se neste
existe já obra ou plantação, a lei confere-lhe o poder de alienar a propriedade da obra ou da plantação
separadamente da propriedade do solo (artigo 1528.º, n.º1 CC), quebrando a unidade da coisa, até aí una
do ponto de vista jurídico. Assim, o proprietário do imóvel pode transmitir a terceiros a propriedade do
solo ficando proprietário da obra ou plantação e vice-versa; e, do mesmo modo, pode transmitir a
terceiros, separadamente, a propriedade do solo e da obra ou plantação.
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A separação da obra ou da plantação da propriedade do solo desencadeia automaticamente a constituição
de um direito de superfície a favor do adquirente do implante (artigo 1528.º, n.º1 CC). Não se torna
necessária qualquer declaração negocial específica nesse sentido, dado que a lei associa a constituição da
superfície à separação das coisas.
O título da transmissão separada da propriedade da obra ou plantação é, assim, suficiente para o registo
da aquisição da propriedade. A constituição do direito de superfície na hipótese de alienação de obra ou
plantação separada da propriedade do solo tem por objetivo a neutralização do regime jurídico da acessão,
que assim fica afastado.
A aquisição do direito de propriedade sobre a obra ou plantação: quando o direito de
superfície se constitui para a construção de obra ou a realização de plantação, a única coisa a considerar
é o terreno, simultaneamente objeto da propriedade e da superfície.
Se, posteriormente, a obra vier a ser construída ou a plantação realizada, e à medida que isso for feito,
nasce uma nova coisa (imóvel), autónoma e individualizada relativamente ao terreno objeto da superfície
e da propriedade do solo. Sobre a nova coisa incide um direito de propriedade, que muitas vezes vem
mencionado como propriedade superficiária.
Escusado será dizer que se trata de um direito novo, adquirido originariamente pelo titular do direito de
superfície. A circunstância do direito de superfície, ao abrigo do qual a construção ou plantação surge,
derivar da propriedade sobre o solo não transforma a aquisição da propriedade do implante numa
aquisição derivada ou derivada-constitutiva.
A diferente conclusão se chega na hipótese de separação da propriedade da obra ou da plantação face à
propriedade do solo. Aí, uma vez que a obra ou plantação tinha existência anterior, embora no contexto
de uma coisa diferente, que incluía o solo, a aquisição da propriedade pelo terceiro ocorre de modo
derivado.
Poderes e direitos do superficiário: ao superficiário, são atribuídos os seguintes poderes e
direitos:
1. Poder de construir ou plantar em terreno alheio: qual corresponde a um poder de
transformação do solo ou do subsolo alheios. Esse poder sofre, no entanto, uma limitação
temporal pois se a construção ou a plantação não forem realizadas nos prazos estipulados ou, na
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falta de estipulação, no prazo de dez anos, ocorre a extinção do direito de superfície (artigo 1536.º,
n.º1, alínea a) CC). Não é essencial à superfície que seja inicialmente exercido o poder de
construção ou plantar em solo alheio, uma vez que a constituição da superfície pode resultar da
alienação da obra ou árvores já existentes separadamente da propriedade do solo (artigo 1528.º,
in fine CC). Neste caso, a superfície limitar-se-á à manutenção da obra ou árvores existentes. No
entanto, o poder de construção ou plantação não deixa de subsistir, podendo vir a ser novamente
exercido em caos de destruição da obra ou das plantações existentes (artigo 1536.º, n.º1, alínea
b) CC). Tal só será excluído se vier a ser estipulada no título constitutivo a extinção da superfície
em resultado da verificação desses factos (artigo 1536.º, n.º2 CC).
2. Poder de manterá construção ou plantação em terreno alheio: uma vez realizada a
construção ou a plantação, o superficiário adquire o direito de as manter, sendo considerado
como seu titular, sem sujeição às regras da acessão, não podendo assim o proprietário adquirir
ou reivindicar o implante, apesar de ele se encontrar incorporado no seu terreno. Pelo contrário,
o superficiário pode reivindicar o implante, caso este venha a ser objeto de esbulho pelo fundeiro.
O poder de manutenção da obra ou plantação em terreno alheio é assim essencial à superfície,
impedindo a aquisição do implante por parte do proprietário do solo.
3. Constituição das servidões necessárias ao exercício do direito de superfície: naturalmente
que o direito de superfície, quer esteja em causa inicialmente a transformação do solo, quer
posteriormente o aproveitamento do implante, não pode ser exercido sem que sejam obtidas
utilidades através do solo do fundeiro, como a passagem ou a condução de água. Em
consequência, nos termos do artigo 1529.º, n.º1 CC, a constituição do direito de superfície
importa a constituição das servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores. Se no
título não forem designadas o local e as demais condições de exercício das servidões, estas serão
fixadas, na falta de acordo, pelo tribunal. A constituição das servidões ocorre, em princípio,
apenas sobre o terreno pertença do fundeiro. Em relação a prédio de terceiro, o artigo 1529.º,
n.º2 CC, estabelece que só é admitida a constituição coerciva da servidão de passagem se, à data
da constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía.
4. Uso e fruição dos bens implantados: o uso e fruição dos bens implantados pertencem
naturalmente ao superficiário (artigo 1529.º CC). O superficiário pode assim exercer neste âmbito
sobre o implante os mesmos poderes de gozo que competem ao proprietário. No entanto, para
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além das restrições que resultam das relações de vizinhança (artigos 1346.º e seguintes CC), não
pode prejudicar o uso e fruição do subsolo pelo proprietário (artigo 1533.º CC), ou inversamente
do solo quando a superfície incida antes sobre o subsolo.
5. Disposição do direito de superfície: nos termos do artigo 1534.º CC, o direito de superfície é
livremente transmissível por vida ou por morte, tendo assim o superficiário poderes de alienação
do seu direito. Naturalmente que pode também onerar o seu direito, através da constituição de
direitos reais de gozo ou de garantia sobre o mesmo (artigo 1539.º CC), prevendo expressamente
o artigo 688.º, n.º1, alínea e) CC a hipoteca do direito de superfície.
6. Indemnização em caso de aquisição do implante por outrem: outro importante direito do
superficiário é a indemnização em caso de aquisição do implante por outrem. Esta situação
encontra-se prevista, salvo estipulação em contrário, para a hipótese de o proprietário adquirir a
obra ou as árvores no fim do prazo da superfície, sendo a indemnização correspondente ao
enriquecimento sem causa (artigo 1538.º, n.º2 CC). Essa indemnização é igualmente atribuída
em caso de expropriação (artigo 1542.º CC).
Obrigações do superficiário: as obrigações do superficiário resultam em regra do título
constitutivo e não podem ser antecipadas com generalidade. As partes podem convencionar que tipo de
construção ou plantação fica autorizada, tratando-se de edifício, a altura do mesmo, o número de andares,
a área, os materiais a utilizar, etc. A lei portuguesa ocupa-se em particular do cânon superficiário (artigo
1530.º CC). O cânon superficiário designa a prestação anual em dinheiro que o superficiário fica obrigado
a pagar, por certo tempo (cânon temporário) ou para sempre (cânon perpétuo). Como outras obrigações
do superficiário, salientam-se:
1. A obrigação de dar preferência ao proprietário do solo, em caso de venda ou de dação
em cumprimento do direito de superfície (artigo 1535.º, n.º1 CC);
2. A obrigação de conservar a obra ou plantação após a extinção da superfície, sob pena de
responsabilidade civil perante o proprietário (artigo 1538.º, n.º3 CC);
3. A obrigação de comunicar ao proprietário do solo os atos de terceiro capazes de lesar o
seu direito (artigo 1475.º CC, por analogia);
4. A obrigação de restituir o terreno objeto da superfície, bem como a obra ou plantação,
quando o seu direito se extinguir.
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Nada impede que o superficiário fique vinculado a obra ou a realização a plantação. Uma tal convenção,
porém, só pode valer com eficácia obrigacional. Do ponto de vista do regime real, a construção da obra
ou a feitura da plantação provém da decisão livre do titular do direito.
1. Oliveira Ascensão menciona a existência de um dever que recai sobre o superficiário de
implantar a obra.
2. José Alberto Vieira: porém, este dever surge contraditado pela essência da superfície, que
constitui um direito subjetivo, outorgando, por conseguinte, um espaço de liberdade e não uma
imposição em termos de situação jurídica passiva (dever). Decerto, o superficiário, não
construindo ou fazendo a plantação, pode violar o contrato celebrado com o proprietário do
solo e isso acarretar-lhe as consequências do regime jurídico obrigacional, eventualmente mesmo
a resolução do contrato, para além da responsabilidade civil pelo incumprimento obrigacional.
No regime jurídico-real, todavia, o decurso do prazo sem que a construção se faça, 10 anos se
outro prazo não houver sido estipulado, conduz simplesmente à possibilidade de extinção da
superfície por não uso (artigo 1536.º, n.º1, alínea a) CC). Nada disso autoriza, porém, a que se
fale num dever de construir ou plantar de fonte real; quanto muito, trata-se de um ónus.
A posição jurídica ativa do proprietário do solo: o proprietário do solo tem todo o conteúdo
residual de aproveitamento da coisa que não é afetado pela constituição do direito de superfície (artigo
1305.º CC). No entanto, alguns esclarecimentos adicionais devem ser feitos.
O uso e a fruição do prédio pertencem em exclusivo ao proprietário do solo (artigo 1532.º CC). Por isso,
enquanto não se iniciar a construção da obra ou a realização da plantação, o proprietário pode continuar
a gozar a coisa.
O artigo 1532.º, n.º1 CC apenas prevê a sanção da responsabilidade civil para o caso do proprietário do
solo vir a tornar mais onerosa a construção ou a plantação, a impossibilitá-la por força do gozo que haja
feito ou a causar qualquer outro dano. Porquanto mantém o gozo da coisa enquanto o superficiário não
inicia a construção da obra ou a feitura da plantação, o proprietário do solo pode não só usá-la e fruí-la
diretamente, como pode constituir outros direitos a favor de terceiros concedendo esse gozo.
Dentro desses direitos poderão estar direitos pessoais de gozo (locação, comodato) e também outros
direitos reais (usufruto, uso, habitação, servidões prediais). Todavia, tais direitos não poderão ser
constituídos com uma duração superior ao gozo do proprietário do solo, sob pena de nulidade.
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O gozo do subsolo (ou do solo na hipótese de obra sob solo) manter-se-á durante todo o tempo pelo
qual o direito de superfície estiver constituído, uma vez que a superfície não o afeta. A licitude desse
gozo cessa, no entanto, quando causa danos ao superficiário (artigo 1533.º CC). Nesse caso, o
proprietário do solo terá de indemnizar o superficiário.
O início da construção ou da plantação traz o fim do gozo do proprietário relativamente à porção de
terreno objeto da superfície. Essa limitação é, afinal, o resultado da oneração do seu direito. Em todo o
caso, pode dizer-se que a porção do imóvel não afeta ao direito de superfície pode continuar a ser gozada
integralmente pelo proprietário.
O proprietário do solo está, naturalmente, investido nas situações jurídicas ativas que são contrapartidas
dos deveres e outras situações passivas do superficiário, nomeadamente, e a título exemplificativo, o
crédito ao cânon superficiário (artigo 1530.º, n.º1 CC), quando haja sido convencionado e o direito de
preferência em caso de venda ou dação em cumprimento do direito de superfície (artigo 1535.º, n.º1
CC).
Obrigações e outras situações jurídicas passivas do proprietário do solo: a relação
jurídica entre o proprietário do solo e o superficiário postula igualmente situações jurídicas passivas para
o primeiro.
O proprietário do solo está, desde logo, obrigado a facultar a posse da coisa ao superficiário, sem prejuízo
do que possa haver sido convencionado no título constitutivo quanto à entrega da coisa. O superficiário
deve estar a todo o tempo pronto para desencadear a construção da obra ou a realização da plantação
de acordo com o seu direito. Ora, uma vez que a oneração da propriedade redunda imediatamente da
eficácia do facto jurídico real (contrato, usucapião, etc.), a situação possessória deve estar em
conformidade com a situação jurídica da coisa.
Uma vez que, mesmo havendo posse do superficiário, o proprietário do solo mantém o gozo do prédio
até ao início da construção ou da plantação, ele encontra-se obrigado a não impedir ou a tornar mais
dispendiosa a construção ou plantação do superficiário, sob pena de responsabilidade civil.
1. Guarneri fala de uma obrigação de pati, de suportar todas as iniciativas e atividades consentidas
ao superficiário no exercício do seu direito. Na doutrina italiana defende-se que o proprietário
não pode modificar o estado do solo impedindo o início da construção ou da plantação a
qualquer momento.
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2. José Alberto Vieira: concorda com esta doutrina, pois ela corresponde inteiramente ao sentido
da parte final do artigo 1532.º CC. Salvo convenção em contrário no título constitutivo, o
proprietário do solo não está obrigado a preparar o solo para a construção ou plantação, levando
a cabo os trabalhos destinados a remover os obstáculos existentes na coisa. Esses trabalhos, bem
como as despesas com eles, cabem ao superficiário. A oneração resultante da constituição do
direito de superfície pode não ser a única que sofre o direito de propriedade. Com efeito, a lei
portuguesa prevê a possibilidade de constituição de servidões a favor do superficiário, de modo
a que este possa gozar a obra ou plantação (artigo 1529.º, n.º1 CC). Estas servidões podem ser
coercivamente impostas, caso o proprietário do solo não as constitua voluntariamente. Existe,
pois, um estado de sujeição do proprietário do solo à constituição de servidões que se afigurem
necessárias ao gozo da obra ou da plantação do superficiário. As servidões em causa serão, em
regra, servidões de passagem, nada obstando, contudo, à constituição de qualquer outra
modalidade de servidão, desde que seja necessária no sentido subjacente ao n.º1 do artigo 1529.º
CC. O proprietário do solo poderá ter de pagar ao superficiário uma indemnização pela aquisição
da propriedade da obra ou plantação quando a superfície se extinguir (artigo 1538.º, n.º2 CC). A
solução legal é, todavia, supletiva, nada impedindo as partes de arredar este direito do
superficiário, conforme se dispõe no preceito. E, atenta a natureza supletiva do mesmo, também
nada parece proibir que, mantendo-se o direito de indemnização do superficiário, as partes
estipulem um critério diverso, que não o enriquecimento sem causa, para determinar a
indemnização devida àquele.
Poderes e direitos do proprietário do solo: por sua vez, o proprietário do solo tem os seguintes
poderes ou direitos:
1. Uso e fruição da superfície, antes de o superficiário proceder ao implante: o fundeiro tem,
em primeiro lugar, os poderes de uso e fruição da superfície, antes de o superficiário proceder
ao implante. Efetivamente, resulta do artigo 1532.º CC que enquanto não se iniciar a construção
da obra, ou não se fizer a plantação das árvores, o uso e a fruição da superfície pertencem ao
proprietário do solo, que conserva assim os poderes de uso e fruição correspondentes à
propriedade. A lei veda, no entanto, que o fundeiro possa impedir ou tornar mais onerosa a
construção ou plantação (artigo 1532.º, in fine CC), estabelecendo assim um limite ao seu uso e
fruição imposto pela necessidade de tutela do direito do superficiário. Tal demonstra que a
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constituição do direito de superfície onera imediatamente a propriedade do solo, mesmo antes
de ter sido realizada qualquer construção ou plantação.
2. Uso e fruição do subsolo, ou do solo no caso de a superfície incidir sobre aquele: mesmo
após a construção do implante, o artigo 1533.º CC estabelece que o uso e a fruição do subsolo
continuam a pertencer ao fundeiro, o que se compreende uma vez que o direito do superficiário
apenas incide sobre a superfície. Há que salientar, no entanto, que desde a alteração do artigo
1525.º, n.º2 CC pelo Decreto-Lei n.º 257/91, 18 julho, o direito de superfície passou a poder ter
igualmente uma obra no subsolo. Nesta hipótese, é manifesto que o fundeiro perde os poderes
de uso e fruição do subsolo, mantendo, no entanto, os poderes de uso e fruição do solo. Embora
o fundeiro conserve esses poderes, os mesmos não podem ser exercidos por forma a causar
prejuízos ao superficiário, respondendo o fundeiro objetivamente pelos danos que causar ao
superficiário em consequência da exploração que fizer do subsolo, ou do solo quando a superfície
incide antes sobre aquele (artigo 1533.º, in fine CC).
3. Disposição do direito: o fundeiro tem, igualmente, poderes de disposição do seu direito sobre
o solo, podendo livremente transmiti-lo por ato entre vivos ou por morte (artigo 1534.º CC),,
bem como proceder à sua oneração.
4. Direito ao cânon superficiário: outro direito do fundeiro é aquele que respeita ao cânon
superficiário. Efetivamente, o artigo 1530.º, n.º1 CC admite que no ato da constituição do direito
de superfície possa convencionar-se que o superficiário pague ao proprietário uma única
prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária. O pagamento dessa prestação
anual pode ser temporário, ainda que o direito de superfície seja perpétuo (artigo 1530.º, n.º2
CC). Essa prestação tem a natureza de obrigação propter rem, pelo que se transmite para quem
adquira o direito de superfície. O seu objeto é sempre em dinheiro (artigo 1530.º, n.º3 CC),
correspondendo, portanto, a uma obrigação pecuniária. O artigo 1531.º CC remete o regime
desta obrigação para o disposto nos artigos 1505.º e 1506.º CC, disposições que se referem à
enfiteuse, hoje abolida, mas cujo conteúdo se mantém em vigor no quadro específico da
superfície. Assim, em relação ao lugar do pagamento do cânon superficiário, ele corresponde ao
que tiver sido convencionado pelas partes (artigo 1505.º, n.º1 CC). Na falta de convenção, o
cânon é pago na residência do fundeiro, se este morar no concelho da situação do prédio ou no
da residência do superficiário, ou no domicílio do seu representante, se o fundeiro tiver em algum
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desses concelhos quem o represente para esse efeito. Em qualquer outro caso, o cânon é pago
na residência do superficiário (artigo 1505.º, n.º2 CC). Em relação ao tempo do cumprimento,
vigora igualmente o que for convencionado pelas partes (artigo 1505.º, n.º1 CC). Na falta de
convenção, o pagamento deve ser realizado no fim de cada ano, contado desde a data da
constituição da superfície (artigo 1505.º, n.º3 CC). Havendo mora no cumprimento, o
proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida (artigo 1531.º, n.º2
CC). Sendo dois ou mais os fundeiros ou os superficiários, é aplicável ao pagamento do cânon
superficiário o regime das obrigações solidárias, enquanto durar a comunhão (artigo 1506.º CC).
No caso de falta de pagamento das prestações anuais durante vinte anos, verifica-se a extinção
da obrigação de os pagar, mas o superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se tiver
havido usucapião em seu beneficio (artigo 1537.º, n.º1 CC). A falta de pagamento dessas
prestações é sujeita às regras da prescrição (artigo 1537.º, n.º2 CC).
5. Direito de aquisição do implante, caso a superfície tenha sido constituída
temporariamente: outro direito atribuído ao fundeiro, nos termos do artigo 1538.º, n.º1 CC, é
o direito de aquisição do implante sempre que a superfície tenha sido constituída por certo tempo.
Efetivamente, neste caso o decurso do prazo extingue o direito de superfície (artigo 1536.º, n.º1,
alínea c) CC), pelo que o proprietário do solo adquire a propriedade da obra ou das árvores. A
lei determina que, salvo estipulação em contrário, o superficiário adquire nesse caso direito a uma
indemnização, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1538.º, n.º2 CC).
Não havendo lugar a indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das
plantações, quando haja culpa da sua parte (artigo 1538.º, n.º3 CC).
6. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície: outro
direito reconhecido ao fundeiro é o direito de preferência, em último lugar, na venda ou dação
em cumprimento do direito de superfície (artigo 1535.º, n.º1 CC). Visando este direito de
preferência permitir a reunião da superfície com a propriedade do solo, é manifesto que o mesmo
é atribuído em qualquer alienação do direito de superfície, estejam ou não a plantação já
realizadas. O direito de preferência do fundeiro é, como todas as preferências legais, dotado de
eficácia real, legitimando assim o recurso à ação de preferência (artigos 1535.º, n.º2 e 1410.º CC).
Extinção do direito de superfície:
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1. O destino da obra ou plantação: a incidência de um facto extintivo faz cessar o direito de
superfície. Extinto este, poderia suscitar-se a aplicação da acessão. Porém, isso não sucede. Ao
invés, o artigo 1538.º, n.º1 CC determina simplesmente a aplicação da regra superficies solo cedit.
Caso haja obra ou plantação superficiária, com a extinção da superfície, ela passa a integrar o
prédio e o dominus soli adquire a propriedade respetiva. No seu teor literal, o n.º1 do artigo 1538.º
CC parece abranger unicamente as hipóteses de extinção de superfície temporária pelo decurso
do prazo. Não obstante, o alcance do preceito estende-se a todas as hipóteses de extinção da
superfície, contando que o solo, por um lado, e a obra ou plantação, por conseguinte, tenham
existência no momento em que opera o facto extintivo. Por conseguinte, as regras da acessão
continuam sem receber aplicação, mesmo se a superfície cessa por facto diverso do decurso do
prazo. A aquisição da propriedade da obra ou da plantação pelo proprietário do solo constitui
um efeito automático da extinção do direito de superfície e não carece de nenhuma declaração
dos interessados (ou do proprietário do solo) nesse sentido. Na doutrina, especialmente italiana,
levantou-se a questão de saber se as partes podem convencionar solução diferente quanto aos
efeitos da extinção da superfície, nomeadamente, se o superficiário pode levantar a obra ou os
materiais sobrantes, ou se tem mesmo o dever de o fazer. Não se vê nenhum argumento que
possa fundamentar a imperatividade do artigo 1538.º, n.º1 CC. Não se vislumbra um interesse
de natureza pública que seja atingido ou alguma necessidade atendível de salvaguarda de terceiros.
Tudo se passa no domínio da relação entre proprietário do solo e superficiário, dos seus
interesses e conveniências. E assim como ambos podem renovar o prazo de duração da
superfície ou constituir um novo direito de superfície, devem poder acordar livremente o destino
a dar à obra ou plantação quando o direito do superficiário se extinguir por qualquer razão. Um
argumento impressiona-nos consideravelmente: o do proprietário do solo poder destruir
livremente o implante após ter adquirido a propriedade respetiva. Ora, se como proprietário o
pode fazer, que razão haverá para impedir que, antes de o ser, acorde com o superficiário um
destino diferente para a coisa. Finalmente, há que atender que a aquisição da obra ou da plantação
determina para o proprietário do solo o dever de indemnizar o superficiário, se as partes não
acordarem em afastar o direito de indemnização (artigo 1538.º, n.º2 CC). Ora, o proprietário
pode não querer ou sequer estar em condições de indemnizar o superficiário; não poderá, então,
antes que a propriedade seja transferida para ele e o dever de indemnizar se constitua, acordar
com o superficiário uma solução diversa? Ainda assim, a eventual destruição da obra ou
plantação acordada não deixa de estar sujeita às restrições, condicionantes ou proibições do
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Direito em vigor. Do que se trata agora é de saber se as partes podem derrogar validamente a
solução prevista no n.1º do artigo 1538.º CC.
a. José Alberto Vieira: tudo ponderado, inclinamo-nos decididamente para a resposta
afirmativa. A norma constante do artigo 1538.º, n.º1 CC tem natureza supletiva. Caso as
partes não hajam afastado o dever de indemnizar previsto no n.º2 do artigo 1538.º CC,
o proprietário do solo fica obrigado a indemnizar o ex-superficiário nos termos do
regime do enriquecimento sem causa. Conforme explicámos anteriormente, assim como
podem afastar o dever de indemnização do proprietário do solo, as partes podem
convencionar um outro critério para a determinação da indemnização devida por aquele
pela aquisição da obra ou plantação. Isso resulta da natureza supletiva do preceito.
2. Outros efeitos: a extinção da superfície coloca também a questão do destino dos direitos reais
menores que oneravam a propriedade do superficiário sobre a obra ou plantação. O regime
jurídico dos artigos 1539.º a 1541.º CC distingue duas hipóteses:
a. O direito de superfície, temporário, extingue-se no final do prazo: aplica-se o
regime jurídico dos artigos 1539.º e 1540.º CC. Com a extinção da superfície no final do
prazo, todos os direitos reais menores que oneravam a propriedade do superficiário sobre
a obra ou a plantação, sejam direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões
prediais) sejam direitos reais de garantia (hipoteca, privilégios creditórios), extinguem-se
igualmente (artigo 1539.º, n.º1 CC). A transmissão do domínio da obra ou da plantação
para o proprietário do solo faz-se, assim, de modo pleno e exclusivo, ou seja, sem
qualquer oneração da propriedade. A junção da propriedade da obra ou da plantação
com a propriedade do solo, atuada por força do princípio superficies solo credit, deixa
subsistir apenas um direito de propriedade. E esse é o direito de propriedade sobre o
solo. A explicação para a extinção dos direitos reais menores que oneravam a propriedade
da obra ou da plantação encontra-se justamente na extinção do direito de propriedade
desta. A união das duas coisas, solo e implante, faz desaparecer uma delas, a favor do
solo (superficies solo cedit), o que justifica que subsista somente um direito de propriedade,
o do prédio agora incorporado da obra ou plantação. Deste modo, todos os direitos reais
que oneravam a propriedade do implante extinguem-se com a extinção dela. Com a
expansão da propriedade do solo, os direitos reais que a oneravam abrangem agora toda
a coisa e, portanto, também a obra ou plantação incorporada no solo (artigo 1540.º CC).
O n.º2 do artigo 1539.º CC coloca o cenário do superficiário ter direito a receber alguma
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indemnização nos termos do artigo 1538.º, n.º2 CC, dispondo que, nesse caso, os titulares
dos direitos reais extintos possam valer dos mecanismos de sub-rogação real, o que pode
suceder com a hipoteca (artigo 692.º, n.º3 CC) e o usufruto (artigo 1480.º, n.º2 CC).
b. O direito de superfície, temporário, extingue-se antes do final do prazo ou
extingue-se o direito de superfície perpétuo: nesta segunda hipótese, as coisas
passam-se de maneira diferente. A lei portuguesa atende aos direitos daqueles que não
contavam com a extinção do direito de superfície antes do final do prazo, no caso da
superfície temporária, ou de todo, no caso da superfície perpétua, e determina a
manutenção desses direitos, como se a superfície não se houvesse extinguido e o
proprietário do solo adquirido a propriedade da obra ou plantação. Em todo o caso, há
uma diferença a assinalar. Sendo a superfície temporária, os direitos reais dos terceiros
que oneravam a propriedade superficiária extinguir-se-ão na mesma no final do prazo
previsto para a duração do direito de superfície (artigo 1541.º, in fine CC), uma solução
que se justifica pelo facto de eles não poderem contar com outra coisa senão com o
termo final da superfície. Esta solução arrasta alguns problemas dogmáticos. Poderá
dizer-se que a superfície não se extinguir, afinal, dado que os direitos de terceiros
continuam a incidir sobre o seu primitivo objeto?
i. José Alberto Vieira. a superfície extinguiu-se, mas os direitos de terceiros que
permanecem, nos termos do artigo 1542.º CC, têm agora por objeto não uma
coisa autónoma e individualizada (a obra ou plantação), mas uma parte de coisa,
a parte que passou a integrar o imóvel do proprietário do solo. Dentro desta
ordem de ideias, o direito onerado não é mais a propriedade superficiária, é o
direito de propriedade do dono do solo, que em consequência da extinção da
superfície e da incorporação do implante no seu prédio vê o seu direito ser
onerado com os direitos de terceiros que tinham por objeto a obra ou plantação.
ii. Pires de Lima/Antunes Varela adiantam que a superfície pode vir a renascer,
dando o exemplo da execução de hipoteca com venda judicial. Será, no entanto,
um direito novo, constituído nos termos do artigo 1528.º CC pela alienação da
obra ou plantação separada da propriedade do solo.
Assim, nos termos do artigo 1536.º, n.º1 CC, o direito de superfície pode extinguir-se pelas seguintes
causas:
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1. Não realização da obra ou plantação no prazo fixado ou, na falta de fixação, no prazo de
dez anos: o artigo 1536.º, n.º1, alínea a) CC estabelece a extinção do direito de superfície em
caso de não realização da obra ou da plantação no prazo convencionado, ou na falta de fixação,
no prazo de dez anos. Uma vez que o poder de realização da obra ou plantação se integra no
conteúdo do direito de superfície, este constitui um caso particular de extinção do direito em
resultado do não exercício de uma das faculdades que o constituem. Podemos configurar assim
esta situação como um caso de não uso do direito de superfície (artigo 298.º, n.º3 CC). No
entanto, ao contrário do que a lei habitualmente prevê para o não uso, em que a extinção do
direito real se rege pelas regras da caducidade (artigo 298.º, n.º3 CC), a extinção da superfície pela
falta de conclusão da obra ou da plantação no prazo fixado é regulada pelas regras da prescrição
(artigo 1537.º, n.º1 CC), o que implica a necessidade da sua inovação (artigo 303.º CC), bem
como a possibilidade de suspensão do respetivo prazo (artigos 318.º e seguintes CC) ou da sua
interrupção (artigos 323.º e seguintes CC).
2. Não reconstrução da obra ou não renovação da plantação dentro dos mesmos prazos,
após a sua destruição: o artigo 1536.º, n.º1, alínea b) CC prevê ainda a extinção do direito de
superfície se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra, ou não
renovar a plantação dentro dos mesmos prazos a contar da destruição. Esta causa de extinção
verifica-se após a destruição da obra ou das plantações realizadas, mas tal não constitui um facto
extintivo do direito de superfície, a menos que tal seja expressamente convencionado (artigo
1536.º, n.º2 CC). O que extingue o direito de superfície é a não reconstrução da obra ou a não
renovação da plantação dentro dos prazos inicialmente concedidos para a sua realização. Está-
se assim aqui igualmente perante uma extinção por não uso do direito de superfície (artigo 298.º,
n.º3 C), neste caso, em virtude do não exercício por um certo lapso de tempo da faculdade de
manter obra ou plantação em solo alheio. A extinção da superfície pela não reconstrução da obra
ou não renovação da plantação dentro desse prazo é igualmente regulada pelas regras da
prescrição (artigo 1537.º, n.º1 CC), o que, conforme se referiu, implica a necessidade de
invocação (artigo 303.º CC), bem como as possibilidades de suspensão (artigos 318.º e seguintes
CC) ou interrupção do respetivo prazo (artigos 323.º e seguintes CC).
3. Decurso do prazo, sendo constituída por certo prazo: o direito de superfície pode igualmente
extinguir-se no termo do prazo, caso ela seja constituída por certo tempo (artigo 1536.º, n.º1,
alínea c) CC). Ao contrário do que vimos suceder nas hipóteses anteriores, o decurso do prazo
é regulado pelas regras da caducidade e não pelas da prescrição (artigo 298.º, n.º2 CC).
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4. Reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade: outra
forma de extinção do direito de superfície é a reunião na mesma pessoa do direito de superfície
e do direito de propriedade (artigo 1536.º, n.º1, alínea d) CC), o que corresponde à aplicação do
regime geral da confusão como causa de extinção dos direitos reais.
5. Desaparecimento ou inutilização do solo: o desaparecimento ou inutilização do solo constitui
igualmente uma causa de extinção do direito de superfície (artigo 1536.º, n.º1, alínea e) CC) a
qual se enquadra na causa genérica de extinção dos direitos reais em virtude da impossibilidade
de exercício do direito. Salienta-se, neste caso, que, embora o direito de superfície não incida
sobre o solo, a subsistência e a aptidão do terreno para a construção ou plantação são essenciais
para o exercício do direito de superfície. Assim, se o solo desaparecer ou se inutilizar, por
exemplo por ação das águas, naturalmente que o direito de superfície se extingue por
impossibilidade de ser exercido.
6. Expropriação por utilidade pública: a expropriação por utilidade pública constitui igualmente
uma causa de extinção do direito de superfície (artigo 1536.º, n.º1, alínea f) CC), como é regra
nos direitos reais. A lei esclarece que nesse caso cabe a cada um dos titulares a parte da
indemnização que corresponder ao valor do respetivo direito (artigo 1542.º CC).
7. Destruição da obra ou das árvores ou verificação de qualquer outra condição resolutiva,
caso a mesma tenha sido estipulada no título constitutivo: a lei admite, ainda, no artigo
1536.º, n.º2 CC, a possibilidade de o título constitutivo estabelecer a extinção da superfície em
caso de destruição da obra ou das árvores, ou da verificação de qualquer outra condição
resolutiva que tenha sido estipulada. No primeiro caso, a destruição da obra ou da árvores
extingue o direito de superfície, sem que o superficiário adquira a faculdade de realizar nova
construção ou renovar a plantação, ao contrário do que se prevê no artigo 1536.º, n.º1, alínea b)
CC. No segundo caso, a verificação da condição resolutiva que tenha sido estipulada extingue
igualmente o direito de superfície.
Em relação ao regime da extinção da superfície, há que distinguir consoante o direito de superfície tenha
sido constituído como perpétuo ou como temporário e, neste último caso, se a extinção ocorre no fim
do respetivo prazo ou antes da verificação deste.
Em caso de extinção do direito de superfície perpétuo os direitos reais constituídos sobre a superfície
ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção.
O mesmo regime é aplicável no caso de extinção do direito de superfície temporário antes do respetivo
prazo, sem prejuízo dos efeitos normais associados ao termo do prazo (artigo 1541.º CC).
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Esta solução é explicável em virtude das legítimas expectativas dos titulares desses direitos, que contavam
com a perpetuidade da superfície ou, pelo menos, com a duração do seu prazo normal.
Extinguindo-se o direito de superfície temporário pelo decurso do prazo, o proprietário do solo adquire
o direito de propriedade sobre a obra e as árvores (artigo 1538.º, n.º1 CC). O superficiário tem, porém,
nesse caso, o direito a uma indemnização pelo incremento de valor recebido pelo proprietário, nos
termos do enriquecimento sem causa, a menos que tenha sido estipulado o contrário (artigo 1538.º, n.º2
CC). Não havendo lugar a indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das
plantações, quando haja culpa da sua parte (artigo 1538.º, n.º3 CC).
Em virtude da extinção da superfície pelo decurso do prazo, e por força da elasticidade dos direitos reais,
os direitos constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra e às árvores adquiridas (artigo
1540.º CC). Em consequência, extinguem-se os direitos reais de gozo e de garantia constituídos pelo
superficiário em benefício de terceiro (artigo 1539.º, n.º1 CC). Se, no entanto, o superficiário receber
alguma indemnização pela extinção do seu direito, esses direitos transferem-se para a indemnização
(artigos 1539.º, n.º2, 1480.º, n.º2 e 692.º, n.º3 CC).
A natureza do direito de superfície: Como ponto de partida, o direito de superfície tem como
objeto o terreno ou a construção (no caso da superfície de sobreelevação) sobre ou sob a qual a obra ou
a plantação se mantém. Sobre esta coisa recai um direito de propriedade do dominus soli, que é onerado
pela superfície. Assim, o direito de propriedade sobre o imóvel e o direito de superfície partilham a
mesma coisa, o que surge particularmente nítido quando a obra ou plantação ainda não tem existência.
Incidindo sobre coisa propriedade de alguém (o proprietário do solo), o direito de superfície representa
outro ius in re aliena, um direito sobre coisa alheia, que onera a propriedade. E nenhuma dúvida se afigura
legítima quanto a este ponto, tal a clareza com que a lei diferencia os dois direitos. A obra ou a plantação
não altera a relação existente entre a propriedade do dono do solo e o direito de superfície. E isto sucede
porquanto o direito de superfície não tem o implante por objeto nem atribui qualquer poder de
aproveitamento do mesmo ao superficiário. Basta ver o conteúdo típico desse direito. Na realidade, a
obra ou plantação constitui uma coisa juridicamente diversa do solo ou da construção (no caso da
superfície de sobreelevação) sobre que assenta. Sobre essa coisa – diversa, repete-se, do solo ou da
construção – há um outro direito de propriedade, que por conveniência de linguagem, porque pertence
ao superficiário, se denomina propriedade superficiária. O direito de superfície evita justamente que a
acessão funcione entre os dois proprietários – do solo e da obra ou plantação – permitindo que duas
coisas que, em circunstâncias normais de aplicação do regime regra (o da acessão) se tornariam numa só
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(uma coisa imóvel), permaneçam separadas e com direitos de propriedade distintos. Na situação de
máxima complexidade, quando existe a obra ou plantação, temos de distinguir duas coisas e três direitos
reais. As coisas são:
1. O solo; e
2. A obra ou plantação;
Os direitos reais são:
1. O direito de propriedade do proprietário do solo sobre o qual a superfície foi constituída;
2. O direito de superfície propriamente dito;
3. O direito de propriedade do superficiário sobre a obra ou plantação.
Na doutrina portuguesa que se pronunciou sobre o tema, deparamo-nos com posições muito diversas:
1. A teoria do desmembramento[Pires de Lima/Antunes Varela e Oliveira Ascensão]: na
superfície passam a existir dois direitos de propriedade, um sobre o solo e outro sob o implante.
Essa posição foi defendida entre nós por Pires de Lima/Antunes Varela e por Oliveira Ascensão.
Para estes autores, o direito de superfície não seria assim um direito sobre coisa alheia, incidindo
antes sobre coisa própria, o implante, que permanece em terreno ou prédio alheio, sem sujeição
às regras da acessão. Deveria falar-se assim em propriedade superficiária, o que explicaria a
possibilidade de a superfície ser perpétua. O facto de ela também ser temporária, não seria
obstáculo à qualificação, uma vez que esta pode ocorrer nos casos previstos na lei (artigo 1307.º,
n.º2 CC), como acontece também na substituição fideicomissária (artigos 2286.º e seguintes CC).
2. A teoria do direito real de gozo autónomo [Menezes Cordeiro, Menezes Leitão, Carvalho
Fernandes e José Alberto Vieira]: a superfície seria um direito real menor que comprimia a
propriedade do solo. O direito de superfície não se pode considerar como um direito de
propriedade, uma vez que não é um direito exclusivo, dado que coexiste com o direito do
proprietário do solo, nem um direito pleno, uma vez que não atribui uma permissão normativa
geral relativa à coisa, mas apenas as faculdades de construir, plantar, e de manter as construções
e plantações realizadas. Tratar-se-ia assim de um direito real complexo, onde se incluem
faculdades que noutros tipos legais a lei autonomiza como direitos reais. Ora, um direito real de
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gozo que não se identifica com nenhum outro e ademais surge individualizado no catálogo legal
de direitos reais de gozo só pode ser um direito novo, autónomo: um direito real sui generis.
3. A teoria dualista [Mota Pinto]: distingue entre as faculdades de construção e plantação, e o
direito incidente sobre as construções e plantações uma vez realizadas, que considera
corresponderem a dois direitos distintos, de natureza diferente. Esta conceção foi defendida, em
primeiro lugar, por Mota Pinto, que sustenta que a existência na superfície tanto de um direito
real autónomo, abrangendo a faculdade de construção ou plantação sobre solo alheio (concessão
ad plantandum ou ad aedificandum), como de uma verdadeira propriedade, que incidiria sobre a
construção e as plantações após a sua realização. O legislador integraria ambas as situações no
direito de superfície, embora este só devesse abranger o direito de construir (ou plantar), uma
vez que a construção (ou plantação), constitui antes uma propriedade que não abrange o solo.
Também Carvalho Fernandes atribui ao direito de superfície uma configuração dualista, mas em
termos distintos, considerando as faculdades de construção e plantação como um direito real de
aquisição, enquanto que o direito sobre a obra ou plantações realizadas corresponderia a um
direito real de gozo autónomo, que não seria de propriedade por não ser exclusivo, pois não
poderia ser concedido sem a propriedade do fundeiro, que possui mesmo direito de preferência
na alienação do implante.
F – O direito de servidão
Precisão terminológica: como alguns autores têm salientado, a supressão das servidões pessoais
do âmbito da categoria das servidões, apaga o outro termo da classificação entre servidões prediais e
servidões pessoais. Se não há mais servidões pessoais, sendo todas prediais, afigura-se mais correto falar
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simplesmente em servidões e não em servidões prediais, como faz o nosso Código Civil na epígrafe do
Título VI do Livro III, assim como em vários preceitos do regime jurídico.
Os Direitos modernos não estabelecem um princípio de taxatividade para as servidões prediais,
conforme sucedia no Direito Romano. O que existe é um tipo de direito real, direito de servidão, que
pode ter um conteúdo diverso consoante a utilidade concreta que o integra. Deste modo, em vez de se
falar genericamente em servidões ou em servidões prediais, deve-se aludir simplesmente a direito de
servidão. Este é o tipo de direito real que está em causa, embora, pela variabilidade do seu conteúdo ou
modo de exercício, se possa depois proceder a várias classificações.
O tipo legal do direito de servidão. A servidão como tipo aberto: o artigo 1543.º CC
define-a como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono
diferente.
Esta definição pode vem descrita como uma relação de serviço entre dois prédios, na qual um beneficia
(o prédio dominante) e o outro (prédio serviente) fica gravado ao peso do serviço. É claro, no entanto,
que a relação não se dá entre dois prédios, processando-se naturalmente entre os titulares de direitos
reais sobre eles. De outro modo, tal definição seria manifestamente errónea; não há relações jurídicas
entre coisas. A fórmula do artigo 1543.º CC parece acolher o princípio romano nemini res sua servit, uma
vez que se acentua que o prédio a favor do qual o encargo surge imposto pertence a dono diferente.
1. Grosso/Dejana: justificam a solução paralela do Direito italiano, sustentando que o princípio
mencionado pode fundar-se no conceito de que o conteúdo unitário da propriedade absorve o
conteúdo de outro direito real, que se apresenta como explicação da propriedade, e não pode ter,
no mesmo titular, uma configuração autónoma como direito a se.
2. José Alberto Vieira: parece-lhe discutível que não possa haver uma servidão entre dois prédios
pertencentes ao mesmo proprietário. Se a solução não merece controvérsia no caso de duas
propriedades plenas na mesma titularidade, afinal, o paradigma do qual o legislador partiu, pode
acontecer que num dos prédios esteja constituído um direito real menor, um direito de usufruto,
por exemplo. Neste caso, admitindo que o usufrutuário pode constituir servidões passivas que
não excedam a duração do seu direito (artigo 1460.º, n.º1 CC) e que pode beneficiar igualmente
de servidões ativas, por que razão não pode constituir uma servidão a favor de outro prédio do
nu proprietário, que está privado do gozo da sua coisa enquanto o usufruto subsiste, ou,
inversamente, vir a beneficiar de servidão desse prédio? Não vemos qualquer razão que impeça
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a validade da constituição da servidão numa hipótese destas. Quando o direito real menor se
extinguir, e se a servidão se mantiver, operará a confusão entre a propriedade do prédio
dominante e o direito de servidão, mantendo eficácia o brocardo nemini res sua servit.
O direito de servidão, sendo embora um tipo de direito real, encontra-se numa relação de dependência,
como uns dizem, ou de acessoriedade em relação a outro direito real. Esta acessoriedade vem muitas
vezes explicada por referência ao princípio da inseparabilidade das servidões (artigo 1545.º CC).
A mudança de titularidade do direito real no prédio dominante ou serviente não se reflete na existência
da servidão e, por conseguinte, tanto o novo proprietário (ou titular do direito real de gozo) do prédio
serviente continuará com o seu direito onerado pela servidão como o proprietário do prédio serviente
(ou titular do direito real de gozo) beneficiará dela. No entanto, o direito de servidão é acessório desse
direito real sobre o prédio dominante.
O direito de servidão só pode constituir-se sobre prédio vizinho. Sendo embora verdade que o artigo
1543.º CC não faz qualquer menção à vizinhança como elemento do tipo legal, ela surge de forma indireta
noutros preceitos. Com efeito, a lei fala em prédios rústicos vizinhos (artigo 1550.º, n.º1 CC), em
proprietários vizinhos (artigo 1557.º, n.º1 CC), em prédios vizinhos (artigo 1558.º, n.º1 CC), o que parece
contribuir para uma limitação espacial das servidões às relações de vizinhança. Todavia, vizinhança não
equivale a contiguidade. O direito de servidão pode ser constituído entre prédios não contíguos ou
atravessados por via pública, neste último caso, contando que a lei não exclua essa possibilidade.
A lei portuguesa começa por definir a servidão como um encargo imposto num prédio em proveito
exclusivo de outro prédio (artigo 1543.º CC). Estas definições continuam a exprimir o entendimento
romano da servidão como um serviço prestado por um prédio a outro e o gravante que decorre para o
prédio serviente da perda de liberdade correspondente. A tónica do direito real reside, todavia, no
aproveitamento de uma coisa corpórea e não numa relação entre sujeitos, como é próprio das obrigações,
e menos ainda numa relação entre prédios.
Por outro lado, e atendendo agora à formulação portuguesa da servidão como um encargo, ela mostra-
se triplamente inconveniente.
1. Porque o termo encargo tem uma aceção técnica no campo das situações jurídicas que a aproxima
ou confunde com a cláusula modal. Ora, não se vê qualquer vantagem no uso de um termo
comprometido na dogmática jurídica para descrever a servidão.
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2. Porque a servidão representa um direito real e não outra coisa qualquer. Dizer que a servidão
constitui o encargo pode ter valo ilustrativo para realçar o peso económico da servidão sobre o
prédio serviente, mas não é adequado do ponto de vista técnico-jurídico para definir um direito
real.
3. Porque recorrendo a um tempo que não exprime mais do que o alcance económico da oneração
da propriedade do prédio serviente, deixa de fora, afinal, o conteúdo típico do direito, em
contraste com o que sucede nas definições legais dos outros direitos reais de gozo, onde se
intenta dar a imagem típica do direito real com a inclusão do conteúdo de aproveitamento da
coisa que o direito concede.
Deste modo, a fim de encontrar o conteúdo típico que molda o tipo legal do direito de servidão, o
intérprete tem de baixar ao artigo seguinte (artigo 1554.º CC). De útil para a construção do tipo legal de
direito de servidão, a noção legal do artigo 1543.º CC contém três notas distintivas:
1. Confina o direito de servidão às servidões prediais;
2. Limita as servidões prediais ás relações de vizinhança;
3. Admite a constituição do direito de servidão somente entre titulares não coincidentes de direitos
reais sobre os prédios
Falta, no entanto, o conteúdo de aproveitamento que o tipo de direito real propicia ao seu titular, que se
encontra, como dissemos, no artigo 1544.º CC. Segundo este preceito, podem pertencer ao conteúdo
das servidões quaisquer utilidades, ainda que futuras e eventuais, suscetíveis de ser gozadas por
intermédio doo prédio dominante.
O conteúdo típico do direito de servidão reside no aproveitamento de uma utilidade que o prédio
serviente seja suscetível de fazer beneficiar o prédio dominante. Existe um único tipo de direito de
servidão, que pode ter como conteúdo qualquer utilidade. Este conteúdo sugere um tipo aberto (não
confundir com servidões atípicas – que Menezes Leitão refere com o mesmo conteúdo mas que é
incorreto referir face ao princípio da tipicidade de Direitos Reais), com múltiplas possibilidades de
concretização, tantas quantas as utilidades que um imóvel possa fazer beneficiar outro e sem que seja
necessário que aquelas estejam todas definidas à partida pela lei.
Neste contexto, o problema passa a ser o de saber em que consiste a utilidade que é conteúdo do direito
de servidão. Ela assume tanto mais relevância quanto é certo que a utilidade tem a função de delimitar o
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tipo legal do direito de servidão. Sem utilidade, na aceção lega do termo, não há direito de servidão. A
utilidade para o prédio dominante afere-se objetivamente, sem consideração pelas necessidades
puramente subjetivas do titular circunstancial do direito real sobre o prédio dominante. Dito por outras
palavras, a utilidade afere-se em função do seu impacto no prédio dominante, nomeadamente, se aí é
apta a satisfazer alguma necessidade. Não é outro o significado do trecho em proveito exclusivo de outro prédio
constante do artigo 1543.º CC. Com ele manteve-se o princípio de que a servidão tem de ser útil ao
prédio serviente.
Nada disto se prende com o aumento do valor do prédio dominante. Esse aumento pode não se verificar,
sem que com isto se afaste a possibilidade legal de constituição do direito de servidão (artigo 1544.º, in
fine CC). A utilidade não pode, assim, ser aferida em função do facto de trazer ou não mais valor para o
prédio dominante. A utilidade para o prédio dominante pode ser comprovada pelo prisma de qualquer
das utilizações que o titular do direito real de gozo lhe pode dar. Nada impõe que a utilidade seja vista
somente em função do destino natural do prédio, seja ele qual for; a utilidade pode destinar-se ao fim
escolhido pelo titular do direito real
A servidão pode ter por conteúdo a supressão da vinculação (dever, estado de sujeitção, etc.) que delimita
negativamente a extensão do gozo do titular do direito real em função das relações de vizinhança,
contando que não seja modificado o tipo legal do direito (servidões desvinculativas). Toda a série de
deveres de vizinhança que limitam a extensão do gozo da coisa podem deixar de ser observados se a
atividade proibida for objeto do direito de servidão a favor do obrigado. A utilidade pode ser concedida
em função de um destino económico do prédio ao qual este ainda não se encontre afeto e que pode até
nem vir a estar.
O artigo 1544.º CC estipula expressamente a admissibilidade das servidões relativas a utilidades futuras
ou meramente eventuais. A utilidade pode consistir numa parcela do uso do prédio serviente. As
servidões de água e as servidões de passagem envolvem (algum) uso do prédio serviente. O mesmo se
diga no tocante à fruição. A servidão pode consistir no aproveitamento de frutos ou produtos do prédio
serviente. As tradicionais servidões de pasto ou de lenha envolvem frutos e produtos da coisa serviente.
A utilidade conteúdo da servidão tem de ser concretamente determinada. O tipo legal da servidão
consagra um conceito indeterminado que abrange todas as utilidades em abstrato. Porém, uma servidão
só será validamente constituída se individualizar a utilidade do prédio serviente a aproveitar pelo prédio
dominante.
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O conteúdo típico da servidão traduz-se, assim, no poder ou poderes jurídicos que permitem ao titular
da servidão fazer o aproveitamento da utilidade a que se refere o direito. Nas servidões negativas, o
conteúdo da servidão limita-se ao poder de exigir ao titular do direito real onerado com a servidão ou a
qualquer pessoa o non facere em causa. Nas servidões positivas o conteúdo típico da servidão envolve um
pati dos titulares de direitos reais sobre o prédio serviente, o que tem como contrapartida a possibilidade
de atuação sobre o prédio serviente. Deste modo, na servidão de passagem podemos divisar um poder
de passagem no prédio serviente, na servidão de aqueduto o poder de instalar canalização de transporte
de água no prédio serviente, etc.
Os poderes que permitem o aproveitamento direto da utilidade da servidão compõem o conteúdo típico
do direito, mas não o esgotam. Ao lado desses, existem ainda os poderes acessórios, aqueles que se
destinam a tornar possível o exercício da servidão ao longo do tempo de duração do direito.
Os poderes acessórios pertencem ao conteúdo supletivo do direito de servidão, estando a sua existência
dependente do que dispuser a propósito o título constitutivo. É isso que decorre do artigo 1564.º CC na
parte que dispõe que as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão pelo respetivo título.
Uma tipificação dos poderes acessórios não se afigura possível em abstrato. No entanto, podemos dizer
que naqueles se englobam os que sejam indispensáveis ao exercício do direito de servidão. O n.º2 do
artigo 1565.º CC ajuda na delimitação do conteúdo positivo do direito de servidão ao dispor que em
caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma
a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante. Quando o título não disponha
diferentemente, os poderes acessórios que integram o conteúdo da servidão são os que permitem a
satisfação corrente da utilidade em causa.
Mais do que definir o que integra o conteúdo do direito de servidão, todavia, a formulação legal aponta
para uma fixação do quantum da utilidade que possa ser aproveitada pelo prédio dominante, estipulando
como critério as necessidades normais e previsíveis desse prédio. O poder de fazer obras no prédio
serviente (artigos 1566.º e 1567.º CC) é um dos poderes acessórios que integram o conteúdo da servidão,
caso não seja afastado no título constitutivo da servidão.
Com os dados do tipo legal, assim, define o direito de servidão como:
1. José Alberto Vieira: o direito de um titular de direito real sobre um prédio a aproveitar uma
dada utilidade de outro prédio.
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2. Menezes Leitão: a atribuição ao titular de um prédio, dito dominante, de utilidades provenientes
de outro prédio, dito serviente.
O objeto do direito de servidão: direito de servidão tem por objeto o prédio serviente. Não
obstante beneficiar o prédio dominante, o direito de servidão não recai sobre esta coisa, mas sim sobre
a coisa cuja utilidade beneficia aquele prédio. Assim, apesar do titular do direito real sobre o prédio
dominante adquirir o direito de servidão por força da sua posição sobre aquele prédio (acessoriedade), a
coisa sobre a qual recai a servidão é o prédio serviente. O exercício do direito de servidão refere-se
unicamente ao prédio serviente.
Modalidades de servidão:
1. Servidões rústicas e urbanas: consoante a natureza do prédio sujeito a estas seja urbano ou
rústico;
2. Servidões legais (coativas) e servidões voluntárias: todas as servidões têm a sua fonte na lei.
Nessa medida, a servidão voluntária constitui igualmente uma servidão legal. Todavia, enquanto
a servidão voluntária resulta do funcionamento da autonomia privada, sendo, portanto, o
produto de uma decisão livre das partes concretizada por via negocial (contrato ou testamento),
a servidão legal propriamente dita atribui ao beneficiário um direito potestativo à sua constituição.
Assim, se o titular do direito real do prédio adstrito à constituição da servidão não colaborar na
sua constituição, outorgando o negócio jurídico respetivo, o beneficiário do direito à servidão
pode impô-la coativamente, com recurso à via judicial ou administrativa (artigo 1547.º, n.º2 CC).
Daí que alguns autores prefiram falar em servidão coativa em vez de servidão legal. Vemos, deste
modo, que a servidão coativa não se constitui diretamente como efeito automático da norma
legal que a prevê. Esta limita-se a atribuir um direito potestativo à constituição do direito de
servidão. Esse direito deve ser exercido por via negocial (usualmente contrato) juntamento com
o proprietário do prédio adstrito legalmente à constituição da servidão. Se este não colaborar na
constituição negocial da servidão, o titular do direito potestativo pode exercê-lo por via judicial
ou administrativa, solicitando ao tribunal ou à entidade administrativa (se for o caso) que declare
constituída a servidão a ser favor. A servidão coativa constitui-se da mesma forma que a servidão
voluntária. Tem, no entanto, subjacente o exercício de um direito potestativo, que paira como
ameaça sobre o proprietário do prédio serviente, no caso deste não prestar a sua colaboração à
constituição da servidão. As servidões coativas extinguem-se em caso de desnecessidade,
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enquanto as servidões voluntárias não (artigo 1569.º, n.º3 CC). Isto permite deduzir que a
servidão coativa se liga a uma necessidade objetiva do prédio dominante, provocando a extinção
do direito de servidão quando aquele prédio deixa de ter essa necessidade. A lei dedica todo o
capítulo III do Título IV às servidões coletivas, distinguindo duas modalidades:
a. Servidões de passagem: as servidões de passagem podem ser constituídas em dois
casos:
i. A servidão de passagem em caso de prédio encravado (artigo 1550.º CC): o
encrave existe em função da ausência de comunicação do prédio com a via
pública. A via pública que aqui se tem em vista é a via pública terrestre, o caminho
(seja estrada, rua, travessa, avenida, etc.) que permita a circulação de pessoas e
bens por terra do e para o prédio encravado. Há encrave quando o titular de
direito real de gozo sobre um prédio não tem acesso ou não suficiente acesso à
via pública. Ao encrave absoluto, ou seja, aquele em que o prédio não tem
qualquer acesso à via pública, por haver outros prédios de permeio, é de equiparar
o encrave relativo, desde que se verifique uma comunicação insuficiente com a
via pública (artigo 1550.º, n.º2 CC). Em caso de encrave, a lei portuguesa confere
ao proprietário ou outro titular de direito real de gozo sobre o prédio encravado
o direito potestativo de constituir a servidão sobre um dos prédios vizinhos,
contando que estes possibilitem a comunicação que falta ao prédio para chegar à
via pública. O prédio vizinho que ficará objeto da servidão é o que sofre menor
prejuízo com ela (artigo 1553.º CC). Tratando-se de quintas muradas, quintais,
jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos, o proprietário respetivo tem o
direito a adquirir o prédio encravado pelo seu valor (artigo 1551.º, n.º1 CC). Na
falta de acordo entre os interessados a lei prevê a fixação judicial do preço (artigo
1551.º, n.º1, 1.ª parte CC). ). O artigo 1554.º CC estabelece que pela constituição
da servidão de passagem é devida a indemnização correspondente ao prejuízo
sofrido. Esta formulação, já constante do Código anterior, provocou
divergências na doutrina.
1. Manuel Rodrigues entendeu que se abrangia aqui não apenas a
desvalorização suportada pelo prédio vizinho, mas também o valor de
uso da passagem, em termos de benefício adquirido pelo prédio
dominante.
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2. Pires de Lima e Antunes Varela e Gonçalves Rodrigues sustentam,
pelo contrário, que no conceito de prejuízo apenas se insere a
desvalorização do prédio vizinho e os lucros cessantes perdidos pelo seu
titular, mas não os benefícios recebidos pelo prédio dominante.
3. Menezes Leitão: ser esta última a melhor posição, face à consagração
legal da subsidiariedade da ação de enriquecimento (artigo 474.º CC).
No caso, porém, de ser o proprietário que, sem justo motivo, tenha provocado
o encrave absoluto ou relativo do prédio, ele só poderá constituir a servidão
mediante o pagamento de indemnização agravada (artigo 1552.º, n.º1 CC), a qual
é fixada, de harmonia com a culpa do proprietário, até ao dobro da que
normalmente seria devida (artigo 1552.º, n.º2 CC). Em casos mais graves, deve
até considerar-se que a constituição da servidão pode envolver abuso de direito
(artigo 334.º CC), por venire contra factum proprium. O artigo 1555.º CC atribui ao
proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que
tenha sido o seu título constitutivo, direito de preferência na alienação do prédio
encravado. É de salientar, no entanto, que o direito de preferência só é atribuído
no caso de a servidão legal de passagem já estar constituída, não bastando a mera
possibilidade de a constituir em resultado da situação de encrave.
ii. A servidão prevista no artigo 1556.º CC: a segunda servidão coativa de passagem
trata de assegurar que os titulares de direitos reais de gozo sobre prédio com
abastecimento insuficiente de água se possam deslocar aos locais onde existam
águas públicas para se abastecerem. Efetivamente, o artigo 1556.º, n.º1 CC,
estabelece a possibilidade de constituir uma servidão de passagem sobre terreno
alheio sempre que, para os seus gastos domésticos, os proprietários não tenham
acesso às fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, nem às
correntes do domínio público. No entanto, a servidão legal de passagem só pode
neste caso ser constituída depois de se verificar que os proprietários que as
reclamam não podem haver água suficiente de outra proveniência sem excessivo
incómodo ou dispêndio (artigo 1556.º, n.º2 CC).
b. Servidões de águas: existem três tipos de servidão coativa de águas:
i. Servidão de presa: a servidão de presa distingue-se da servidão de aproveitamento
de águas pelo facto de não se limitar à recolha de águas em prédio alheio,
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atribuindo antes a faculdade de represar a água e a fazer derivar desse prédio. A
lei distingue consoante estejam em causa:
1. Águas particulares (artigo 1559.º CC): a atribuição da servidão de
presa surge como consequência da existência de um direito ao uso das
águas particulares existentes em prédio alheio, de que sejam titulares os
proprietários ou os donos de estabelecimentos industriais. Poderá esse
direito ao uso das águas particulares corresponder a uma servidão de
aproveitamento de águas, se a utilização destas se relacionar com as
necessidades de um determinado prédio, ou mesmo à propriedade das
águas, se o titular puder utilizá-las livremente. Em qualquer caso, resulta
desse direito a possibilidade de o titular constituir coercivamente uma
servidão de presa, que lhe permita fazer no prédio alheio as obras
necessárias ao represamento e derivação da respetiva água, mediante o
pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo causado (artigo
1559.º CC).
2. Águas públicas (artigo 1560.º CC): nos termos do artigo 1560.º, n.º1
CC, a servidão de presa só pode ser imposta coercivamente nos casos
seguintes:
a. Quando os proprietários, ou os donos de estabelecimentos industriais, sitos na
margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar
a água a que tenham direito, fazendo presa, açude ou obra semelhante que
vá travar no prédio fronteiro;
b. Quando a água tenha sido objeto de concessão, considerando neste caso a
servidão constituída em virtude desta, sem prejuízo de a indemnização, na
falta de acordo, ser fixada pelo tribunal (artigo 1560.º, n.º3 CC).
Quer na primeira situação, quer no caso de concessão de interesse
privado, não estão sujeitas à servidão as casas de habitação, nem os
quintais, jardins ou terreiros que lhes sejam contíguos. No caso de
concessão de utilidade pública, estes prédios só estão sujeitos ao encargo
se no respetivo processo administrativo se tiver provado a
impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua
utilização (artigo 1560.º, n.º2 CC). Se o proprietário do prédio fronteiro
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sujeito à servidão de travamento quiser utilizar a obra realizada, pode
torna-la comum, provando que tem direito a aproveitar-se da água e
pagando uma parte da despesa proporcional ao benefício que receber
(artigo 1560.º, n.º4 CC).
ii. Servidão de aqueduto: uma outra categoria de servidão legal de águas é a servidão
de aqueduto, a qual se reconduz à faculdade de conduzir sobre prédio alheio as
águas a que o titular da servidão tenha direito. A servidão de aqueduto tem
igualmente um regime distinto, consoante estejam em causa
1. Águas particulares (artigo 1561.º CC): o artigo 1561.º, n.º1 CC admite
a constituição dessa servidão, permitindo, em proveito da agricultura ou
da indústria ou para gastos domésticos, aos proprietários encanar,
subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham
direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou
terreiros contíguos a casas de habitação. No entanto, as quintas muradas
só estão sujeitas ao encanamento quando o aqueduto seja constituído
subterraneamente. Mais uma vez, de acordo com a lei do mínimo meio,
a natureza, a direção e forma do aqueduto serão as mais convenientes
para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente
(artigo 1561.º, n.º3 CC). A constituição da servidão obriga a indemnizar
o proprietário do prédio serviente pelo prejuízo que das obras resulte
para o seu prédio (artigo 1561.º, n.º1 CC). Para além disso, o proprietário
tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo
que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da
deterioração das obras feitas para a sua condução (artigo 1561.º, n.º2 CC).
Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o
proprietário do prédio serviente quiser ter parte no excedente, ser-lhe-á
concedida essa parte a todo o tempo, mediante prévia indemnização e,
pagando ele, além disso, a quota proporcional à despesa feita com a sua
condução até ao ponto em que pretende derivá-la (artigo 1561.º, n.º4 CC).
2. Águas públicas (artigo 1562.º CC): a constituição forçada da servidão
de aqueduto só é admitida no caso de haver concessão de água (artigo
1562.º, n.º1 CC). A servidão de aqueduto considera-se constituída em
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resultado da concessão, sem prejuízo de a indemnização, na falta de
acordo, ser fixada pelo tribunal (artigos 1562.º, nº2 e 1560.º, n.º3 CC).
No entanto, no caso de concessão de interesse privado, não estão sujeitas
à servidão as casas de habitação, nem os quintais, jardins ou terreiros que
lhes sejam contíguos. No caso de concessão de utilidade pública, estes
prédios só estão sujeitos ao encargo se no respetivo processo
administrativo se tiver provado a impossibilidade material ou económica
de executar as obras sem a sua utilização (artigos 1562.º, n.º2 e 1560.º,
n.º2 CC).
iii. Servidão de escoamento: uma outra servidão legal é a denominada servidão de
escoamento, a qual consiste na faculdade de fazer escoar sobre prédio vizinho as
águas que existem em excesso em determinado prédio. A servidão de escoamento
não se confunde com a obrigação resultante das relações de vizinhança de
permitir o escoamento natural das águas (artigo 1351.º, n.º1 CC), uma vez que
implica a realização de atos ou obras que extravasem desse escoamento natural
(artigo 1351.º, n.º2 CC). Nos termos do artigo 1563.º, n.º1 CC, a servidão de
escoamento pode ser constituída forçadamente nos seguintes casos:
1. Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em
algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio;
2. Quando se pretenda dar direção definida às águas que seguiam o seu curso natural;
3. Em relação a águas provenientes de gaivagem, canos falsos, guarda-matos, alcorcas
ou qualquer outro modo de enxugo de prédios;
4. Quando haja concessão de águas públicas, relativamente às sobejas.
A servidão de escoamento só pode ser constituída sobre os prédios que possam
ser onerados com a servidão legal de aqueduto (artigo 1563.º, n.º4 CC). Assim, e
por força do artigo 1561.º, n.º1 CC, não será possível constituir uma servidão de
escoamento sobre quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação.
Uma vez constituída a servidão de escoamento, os proprietários onerados
adquirem direito ao uso das águas escoadas nos seus prévios, mas a privação
desse uso, em virtude de novo aproveitamento da água efetuado pelo titular do
prédio dominante não constitui violação do seu direito (artigos 1563.º, n.º2 e
1391.º CC). A constituição da servidão de escoamento pressupõe, no entanto, o
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pagamento prévio da indemnização (artigo 1563.º, n.º1, in principio CC). Na
liquidação da indemnização será levada em conta o valor dos benefícios que para
o prédio serviente advenham do uso da água e, no caso da alínea b), será atendido
o prejuízo que já resultava do decurso natural das águas (artigo 1563.º, n.º4 CC).
iv. Servidão de aproveitamento de águas: Menezes Leitão acrescenta este tipo legal
no seu tratamento da matéria, dizendo que a servidão legal de aproveitamento de
águas é atribuída ao titular de um prédio que não tenha água suficiente para as
suas necessidades, e não a possa obter sem excessivo incómodo ou dispêndio,
sendo-lhe por isso reconhecido o direito de constituir uma servidão para
aproveitar as águas existentes no prédio vizinho. A lei estabelece um regime
diferenciado consoante o aproveitamento das águas se destine a gastos
domésticos (artigo 1557.º CC) ou para fins agrícolas (artigo 1558.º CC). Estando
em causa
1. O aproveitamento de água para gastos domésticos: a servidão legal de águas só é
atribuída quando não seja possível ao proprietário, sem excessivo
incómodo ou dispêndio, obter água através da servidão legal de passagem
prevista no artigo 1556.º CC, funcionando assim como subsidiária em
relação a esta. Apenas nesse caso os proprietários dos prédios vizinhos
podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, o
aproveitamento das águas sobrantes das suas nascentes ou reservatórios,
na medida do indispensável para aqueles gastos (artigo 1557.º, n.º1 CC).
Estão, no entanto, isentos da servidão os prédios urbanos e as quintas
muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos
(artigos 1557.º, n.º2 e 1551.º, n.º1 CC).
2. O aproveitamento de águas para fins agrícolas: a lei atribui ao proprietário que
não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água
suficiente para a irrigação do seu prédio, a faculdade de aproveitar as
águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu
justo valor (artigo 1558.º, n.º1 CC). A servidão não se estende, porém, às
águas provenientes de concessão, nem faculta a exploração de águas
subterrâneas em prédio alheio (artigo 1558.º, n.º2 CC).
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Todas estas servidões podem ser constituías para assegurar ao prédio dominante o
abastecimento de água para fins domésticos ou agrícolas, ou ainda para escoamento de
águas provenientes de outro prédio.
3. Servidões aparentes e não aparentes: a lei portuguesa define servidões não aparentes como as
servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes (artigo 1548.º, n.º2 CC). As
servidões não aparentes não podem ser adquiridas por usucapião (artigos 1548.º, n.º1 e 1293.º,
alínea a) CC). É a principal consequência jurídica associada a esta classificação. Outra decorrência
legal da mesma encontra-se na alínea b) do n.º2 do artigo 5.º CRPr. O registo do facto aquisitivo
das servidões aparentes é meramente enunciativo, pelo que o titular do direito de servidão
aparente, mesmo que não haja registado a aquisição do seu direito, não pode ver o seu direito
arredado por força da tutela registal dada ao terceiro de boa fé nos termos do n.º1 desse preceito.
4. Servidões positivas e negativas e desvinculativas: a servidão diz-se positiva quando o titular
pode atuar no prédio serviente para aproveitar a utilidade conteúdo do direito. Neste caso, o
titular do direito real onerado com a servidão deixa de poder opor-se a uma atividade que se não
fosse este direito não poderia levar a cabo no prédio serviente; tem de tolerar essa atividade
(obrigação de pati). Como exemplo, o proprietário pode impedir a circulação de qualquer pessoa
no seu prédio; a servidão de passagem, porém, vincula-lo a respeitar a atividade titular da servidão
dentro dos limites deste direito. A servidão negativa impõe uma obrigação de non facere ao titular
do direito real sobre o prédio serviente. Quer dizer, o titular do direito real sobre o prédio
serviente deixa de poder fazer um dado tipo de aproveitamento da coisa que o conteúdo do seu
direito lhe permitiria realizar. Se, por exemplo, a servidão obriga o proprietário do prédio
serviente a não construir (altius non tollendi) ou a não abrir janelas a uma determinada distância do
limite do prédio (servidão de vistas), ele fica obrigado a não realizar um aproveitamento que de
outro modo – sem a servidão – poderia fazer. A doutrina aproveita normalmente o contexto da
classificação entre servidões positivas e negativas para apontar outra modalidade de servidão,
denominada servidão desvinculativa. O titular do direito real cujo conteúdo se encontra
negativamente delimitado por um dever de vizinhança (não fazer emissões, não abrir portas ou
janelas sem respeito de uma distância mínima do prédio vizinho, etc.) pode desonerar-se desse
dever se mantiver uma posse da coisa em violação da lei pelo tempo necessário à servidão. A lei
refere mesmo a constituição de uma servidão por usucapião a propósito das servidões de vistas
(artigo 1362.º, n.º1 CC). Pois bem, a servidão de vistas adquirida por usucapião constitui uma
servidão desvinculativa no sentido usual. O titular do direito real de gozo adstrito ao dever
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consegue a extinção deste se exercer o seu direito em violação do mesmo pelo tempo necessário
à usucapião.
5. Servidões ativas e servidões passivas: a servidão diz-se ativa quando beneficia o prédio. Assim,
do ponto de vista do prédio dominante, a servidão é sempre ativa. Inversamente, a servidão é
passiva quando onera um direito real de gozo. A servidão passiva recai sempre sobre um direito
real de gozo do prédio serviente. Esta classificação encontra arrimo legal no artigo 1460.º, n.º1
CC, que menciona expressamente as servidões ativas, conferindo ao usufrutuário legitimidade
para as constituir a favor do prédio usufruído, bem como no artigo 1575.º CC.
Indivisibilidade e inseparabilidade das servidões: as servidões, possuindo a inerência
decorrente de terem uma coisa corpórea por objeto, são indissociáveis do prédio a que respeitam. Isso
mesmo foi reconhecido no Direito Romano através dos principais da inalienabilidade e indivisibilidade
das servidões prediais. Esses princípios encontram-se acolhidos igualmente no Direito português vigente.
1. Inseparabilidade: segundo o disposto no artigo 1545.º, n.º1 CC, as servidões não podem ser
separadas dos prédios a que pertencem (inseparabilidade). Se a utilidade da servidão for reportada
a outro prédio tal desencadeia a constituição de uma nova servidão, com extinção da anterior.
Efetivamente, o artigo 1545.º, n.º1 CC refere que, salvas as exceções previstas na lei, as servidões
não podem ser separadas dos prédios sobre que incidem, ativa ou passivamente, acrescentando
o n.º2 que a afetação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a
constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga. A inseparabilidade acaba por constituir
um corolário da regra de que as utilidades do prédio serviente devem ser gozadas através do
prédio dominante. Questionou-se, porém, se a inseparabilidade vedaria a constituição de
qualquer servidão que abrangesse utilidades separáveis dos prédios.
a. Guilherme Moreira pronunciou-se nesse sentido, entendendo que utilidades que
abrangessem a fruição de um prédio não poderia ser objeto de servidão, uma vez que o
seu exercício pressupunha por definição a separação dos frutos. Assim, no caso de
extração de madeira, barro, ou aproveitamento de água de nascente ou fonte situada em
prédio alheio, não existiria possibilidade de constituição de servidão devido à separação
dos proveitos em relação à coisa.
b. Pires de Lima/Antunes Varela, Mota Pinto, Oliveira Ascensão e Carvalho
Fernandes vieram a rejeitar esta conceção de Guilherme Moreira. Para estes autores, a
inseparabilidade exige apenas que, em concreto, o direito a essas utilidades esteja ligado
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a um prédio dominante, sendo a inseparabilidade uma consequência dessa ligação. A
inseparabilidade é, assim, uma característica meramente legal da servidão, uma vez que
estas podem abranger utilidades separáveis dos prédios, existindo servidão sempre que
as mesmas estejam afetas a um prédio dominante.
Em resultado da inseparabilidade da servidão, a mesma é intransmissível não podendo de per si
ser objeto de alienação ou oneração. Efetivamente, o proprietário do prédio dominante não pode
alienar a servidão a proprietário de prédio diverso, separadamente do prédio dominante, nem
pode destaca-la do seu prédio e anexá-la a outro prédio seu. Se o fizer, extinguir-se-á a servidão
anterior, embora possa constituir-se uma nova (artigo 1545.º, n.º2 CC). Da mesma forma, não
pode a servidão ser objeto autónomo de hipoteca ou penhora, atenta a sua inalienabilidade como
tal (artigo 736.º, proémio, CPC). A servidão acompanha, no entanto, o prédio dominante ou
serviente, caso algum deles seja alienado (ambulante cum dominio) ou onerado, podendo, por
exemplo, em caso de constituição de usufruto ou arrendamento, o usufrutuário ou o arrendatário
exercerem a servidão (artigo 1449.º CC).
2. Indivisibilidade: O princípio da indivisibilidade implica a permanência da servidão perante uma
hipótese de divisão do prédio dominante ou serviente (artigo 1546.º CC). Se for dividido o prédio
dominante, os novos prédios resultantes da divisão continuam a beneficiar ativamente da
servidão anterior que beneficiava o prédio. Se a divisão incidir sobre o prédio serviente, os
prédios que emergirem dela ficam sujeitos à servidão. A indivisibilidade das servidões implica
que as mesmas não sejam suscetíveis de ser repartidas por partes, incidindo sobre a totalidade
do prédio serviente e não sobre uma parte deste, e sendo sempre exercidas por intermédio de
todo o prédio dominante e não apenas sobre uma parte. O uso da servidão pode ser limitado,
como sucede se se delimitar a área do terreno sobre que se faz a passagem e os dias e horas a
que esta pode ocorrer, mas ocorre sempre o exercício in totu da servidão e não apenas de uma
sua parte. Daqui resulta que a divisão dos prédios não importa a multiplicação das servidões. Se
for o prédio dominante a ser dividido, também não passa a haver duas servidões de passagem,
ocorrendo antes uma contitularidade na servidão, podendo qualquer dos consortes passar nos
mesmos termos em que o fazia.
A constituição das servidões: nos termos do artigo 1547.º, n.º1 CC as servidões prediais podem
ser constituídas por:
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1. Contrato: as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, nos termos gerais, como
sucede se os proprietários acordarem em atribuir, por intermédio de um dos prédios
determinados utilidades ao outro prédio. O contrato constitutivo da servidão deve ser celebrado
por escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do artigo 22.º, alínea
Decreto-Lei n.º116/2008, estando sujeito a registo nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) CRPr.
2. Testamento: as servidões prediais podem ser constituídas por testamento, como sucede se
alguém efetuar um legado de um prédio a favor de outrem, constituindo simultaneamente uma
servidão a favor dos testamentos (artigos 2204.º e seguintes CC).
3. Usucapião: as servidões prediais podem igualmente ser constituídas por usucapião, mas apenas
no caso das servidões aparentes, atenta a proibição de se constituírem por usucapião as servidões
não aparentes (artigos 1293.º, alínea a) e 1548.º, n.º1 CC). É um regime que se compreende,
atento a circunstância de as servidões não aparentes, dado o facto de não se revelarem por sinais
visíveis e permanentes, poderem estar a ser exercidas na ignorância do proprietário do prédio
serviente, ou serem confundidas com atos de mera tolerância deste. A usucapião fica assim
reservada às servidões aparentes, que se revelam por sinais visíveis e permanentes. Não prejudica
a aquisição de uma servidão de passagem por usucapião o facto de ocorrer, durante o respetivo
prazo, a alteração do traçado da servidão.
4. Destinação do pai de família: uma hipótese particular de constituição das servidões é a
destinação do pai de família. A constituição da servidão por destinação do pai de família ocorre
sempre que em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal
ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para
com outro. Esses sinais serão havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio,
os dois prédios vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver
declarado no respetivo documento (artigo 1549.º CC). Exigem-se, assim, quatro requisitos para
a constituição de uma servidão por destinação do pai de família:
a. Que os dois prédios ou as duas frações de um prédio tenham pertencido ao
mesmo dono: este primeiro pressuposto da constituição da servidão por destinação do
pai de família é o de que os prédios ou frações tenham pertencido ao mesmo dono.
Efetivamente, a destinação do pai de família tem que resultar do uso anterior dos prédios
por um antigo proprietário comum, pelo que, a partir do momento em que os prédios
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ou frações pertencem a pessoas diversas, a servidão poderá ser constituída por usucapião,
mas já não por destinação do pai de família.
b. Que existam sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de
serventia de um dos prédios em relação ao outro: este segundo pressuposto é a
existência de sinais visíveis permanentes, postos em um ou ambos os prédios, que
revelem a intenção ou a consciência do antigo proprietário de criar uma situação de
serventia estável de um dos prédios em relação ao outro, semelhante à de uma servidão
aparente, no caso de os prédios pertencerem a donos diferentes. Tem-se ainda entendido
que esses sinais têm que ser inequívocos em relação à vontade ou consciência do
proprietário de criar uma situação estável e duradoura de afetação das utilidades de um
prédio em benefício de outro, uma vez que havendo equivocidade dos sinais não se pode
considerar constituída a servidão por destinação do pai de família. Não interessa, no
entanto, a forma como o proprietário primitivo tinha utilizado o prédio, resultando a
serventia apenas dos sinais visíveis e permanentes que demonstrem inequivocamente a
concessão de uma utilidade de um prédio em benefício de outro.
c. Que os dois prédios ou as frações de um prédio tenham vindo a ser separados do
mesmo domínio: o terceiro pressuposto é o de que os dois prédios ou frações de um
tenham vindo a ser separados do mesmo domínio. Essa separação pode ocorrer por
alienação de um dos prédios ou fração a outra pessoa, por alienação deles a pessoas
diferentes ou por ato de divisão ou partilha.
d. Que não haja no documento relativo a essa separação nenhuma declaração
contrária à existência desse encargo: este último quarto pressuposto é o de que no
documento de separação nada se preveja em sentido contrário à existência desse encargo.
Efetivamente, a constituição da servidão por destinação do pai de família tem caráter
supletivo, pelo que as partes poderão dispor em sentido contrário no respetivo
documento.
No caso, porém, de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a constituição
por destinação de pai de família relativamente às servidões de águas não depende da existência
de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário (artigo 1390.º, n.º3 CC). Trata-se de
um caso particular de constituição por destinação do pai de família, que dispensa esse requisito.
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5. Sentença judicial ou decisão administrativa: as servidões legais têm ainda duas hipóteses
particulares de constituição, na falta de constituição voluntária: a sentença judicial e a decisão
administrativa, consoante os casos. A constituição da servidão por sentença judicial verifica-se
sempre que o proprietário do prédio sujeito à servidão legal não decida voluntariamente realizar
a sua constituição. Assim, por exemplo, em caso de oposição à constituição de servidão legal de
passagem sobre prédio encravado, poderá o proprietário desse prédio exigir judicialmente a
constituição da respetiva servidão. Finalmente, podem ocorrer casos de constituição da servidão
por decisão administrativa, como sucede com as servidões legais de águas, ligadas a concessões
de águas públicas.
Legitimidade ativa e legitimidade passiva para a constituição do direito de
servidão: o regime legal do direito de servidão encontra-se constituído na base da relação entre o
proprietário do prédio dominante e o proprietário do prédio serviente. Isto pode inculcar a falsa
impressão que a servidão pode apenas ser constituída por um proprietário (do prédio serviente) a favor
de outro proprietário (do prédio dominante). Na realidade, do lado do prédio serviente, a servidão pode
ser constituída pelo titular de um direito real de gozo cujo conteúdo típico tenha extensão suficiente para
a constituição de um direito real menor e não apenas pelo proprietário. O artigo 1460.º, n.º1 CC torna
isto claro para o usufrutuário, para o qual a lei portuguesa confere expressamente legitimidade para a
constituição de servidões. E o superficiário encontra-se nas mesmas condições, justificando-se a analogia
com o disposto no artigo 1460.º, n.º1 CC. Já os titulares dos direitos de uso e habitação estão legalmente
impedidos de constituir direitos de servidão (artigo 1488.º C). Deste modo, a legitimidade ativa para a
constituição de direitos de servidão não surge confinada ao proprietário do prédio serviente, podendo
outros titulares de direitos reais de gozo fazê-lo, contando que não haja proibição legal (como sucede
para o usuário e morador usuário) e o direito real em causa tenha extensão suficiente para o efeito.
Quanto a este último aspeto, parece claro que o titular de direito de servidão não pode constituir outra
servidão. Em todo o caso, há um limite a considerar; e esse prende-se com a duração do direito real
menor. Constituída validamente a servidão, qualquer um tem o dever genérico de a respeitar. E isto
engloba o proprietário do prédio serviente que não haja constituído a servidão. Como direito real, o
direito de servidão pode ser oposto a quem quer que seja, incluindo naturalmente outros titulares de
direitos reais sobre o prédio serviente. O artigo 1575.º CC, no seu sentido útil, dispõe que as servidões
ativas adquiridas pelo usufrutuário não se extinguem pela cessação do usufruto. Isto quer dizer, que os
outros titulares de direitos reais de gozo sobre o prédio dominante, nomeadamente, o proprietário,
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poderão continuar a exercer o direito de servidão ainda que este não haja sido constituído a seu favor.
De qualquer modo, deve ser ressalvada a hipótese de constituição da servidão a prazo. Se a servidão
constituída pelo usufrutuário tiver prazo de duração, por exemplo, o mesmo prazo do usufruto, ela
extinguir-se-á no final desse prazo.
Titularidade da servidão e aproveitamento das utilidades desta: discute-se se a servidão
beneficia todo o prédio, o mesmo é dizer, todos os titulares de direitos reais de gozo, ou se apenas o
titular do direito de servidão pode realizar o aproveitamento da utilidade conteúdo da servidão.
1. Biondi afirma, contra a opinião contrária de Branca, que a servidão se compenetra com o prédio
para utilidade deste, sustentando que todos os titulares de direitos reais de gozo sobre o prédio
podem fazer o aproveitamento da servidão. Como argumento, aduz a regra que corresponde ao
nosso artigo 1575.º CC: as servidões ativas constituídas pelo usufrutuário e o enfiteuta
permanecem para lá da extinção do usufruto e da enfiteuse.
2. José Alberto Vieira: diz que parece, efetivamente, que devemos manter dissociada a questão da
titularidade da servidão e do aproveitamento da utilidade conteúdo do direito respetivo. O facto
de a titularidade do direito de servidão pertencer a um titular de direito real de gozo do prédio
dominante não impede que outros titulares de direitos que facultem o aproveitamento da coisa
não possam beneficiar da utilidade da servidão. Assim, se a servidão foi constituída a favor do
proprietário e este constitui posteriormente um usufruto ou uma superfície, quer o usufrutuário
quer o superficiário podem fazer o aproveitamento da servidão. Esta beneficia o prédio e não
apenas o titular dela quando existam outros direitos reais sobre o prédio dominante. Este
raciocínio permanece válido quando o direito na base do qual se constituiu o direito de servidão
é um direito real menor. O proprietário pode aproveitar a servidão de presa constituída a favor
do usufrutuário (usuário, morador usuário, superficiário). A solução não pode ser outra atento o
disposto no artigo 1575.º CC.
Isto não quer dizer que o titular do direito real que faz o aproveitamento da servidão se torne contitular
do direito de servidão. No exemplo dado, o usufrutuário ou o superficiário não fica titular da servidão
em comunhão com o proprietário. A opinião contrária é corrente em Itália, mas julgamos que não é
tecnicamente correta. A titularidade – integral – da servidão permanece naquele que beneficiou da sua
constituição.
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Conteúdo das servidões: nos termos do artigo 1564.º CC, as servidões são reguladas, no que
respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo título, sendo as disposições dos artigos 1565.º e
seguintes CC apenas aplicáveis supletivamente. É assim o título constitutivo o elemento modelador
determinante em relação ao exercício da servidão. Nos termos do artigo 1565.º, n.º1 CC, o direito de
servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, havendo assim uma extensão
da servidão a todos os poderes necessários para o uso e conservação da mesma. O artigo 1565.º, n.º2
CC especifica que em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-ia constituída
a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o
menor prejuízo do prédio serviente, no que tem sido designado como a lei do mínimo meio. Entre os
poderes que são conferidos ao proprietário do prédio dominante, nos termos do artigo 1566.º, n.º1 CC,
encontra-se o de realizar obras no prédio serviente, desde que não torne mais onerosa a servidão. As
obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais convenientes para o proprietário do prédio
serviente (artigo 1566.º, n.º2 CC). Relativamente ao encargo dessas obras, estabelece o artigo 1567.º, n.º1
CC que as mesmas são feitas à custa do proprietário do prédio dominante, salvo se outro regime tiver
sido convencionado (artigo 1567.º, n.º1 CC). Sendo diversos os prédios dominantes, todos os
proprietários são obrigados a contribuir, na proporção da parte que tiverem nas vantagens da servidão,
para as despesas das obras, sendo, no entanto, possível a qualquer deles renunciar à servidão para se
eximir desse encargo (artigo 1567.º, n.º2 CC). Se o proprietário do prédio serviente também auferir
utilidades da servidão é obrigado a contribuir pela mesma forma (artigo 1567.º, n.º3 CC). No entanto, se
ele se tiver obrigado a custear as obras só lhe será possível eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu
direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio dominante. No caso de a servidão onerar
apenas uma parte do prédio, pode a renúncia limitar-se a essa parte. Recusando-se, no entanto, o
proprietário do prédio dominante a aceitar a renúncia, não fica por isso o proprietário do prédio serviente,
dispensado de custear as obras (artigo 1569.º, n.º4 CC).
Exercício da servidão. O título constitutivo: quanto ao exercício do direito de servidão, o
artigo 1564º CC proclama a regra geral: as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e
exercício, pelo respetivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.
Esta formulação ampla deve ser entendida convenientemente. A incidência do princípio da tipicidade
em Direitos Reais tira espaço à autonomia privada. A regulação do exercício que contenda com o
conteúdo típico injuntivo do direito real não é admitida, sob pena de nulidade (artigo 1306.º, n.º1 CC).
Também como dissemos anteriormente, a possibilidade legal de criação pelo título de obrigações propter
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rem encontra-se limitada aos casos que a própria lei as prevê em regime supletivo, não podendo ser
convencionadas, com eficácia real, noutros casos. Havendo título da servidão – contrato, testamento,
decisão judicial ou outro – o direito de servidão deve ser exercido de acordo com o estipulado naquele.
Contrariamente, porém, ao que parece decorrer do disposto no artigo 1564.º CC, as disposições
normativas constantes dos artigos seguintes não têm todas natureza supletiva. Basta atentar no
preceituado no artigo 1568.º, n.º4 CC para se perceber imediatamente isto. Assim, o modo e o tempo de
exercício da servidão podem ser alterados por qualquer dos proprietários, contando que se verifiquem
os requisitos previstos no artigo 1568.º, n.º1 e 2 CC (artigo 1568.º, n.º3 CC), e isto ainda que o título
constitutivo disponha diferentemente. A regra fundamental em matéria de exercício de servidão consta
da parte final do artigo 1565.º, n.º2 CC: Qualquer que seja a modalidade de servidão e o conteúdo desta,
ela deve ser exercida de modo a trazer o menor prejuízo para o prédio serviente. Assim, se a passagem
pode satisfazer a necessidade do prédio dominante tanto se se efetuar na parte norte como na parte sul
do prédio serviente, mas nesta última causa maior prejuízo ao proprietário do prédio, então o exercício
da servidão só é lícito se a passagem ocorrer na parte em que causar um inconveniente menor. Esta regra
corresponde ao uso da servidão civiliter. O direito de servidão só pode ser exercido nos termos em que
traga um menor gravame para o prédio serviente.
Mudança das servidões: a lei admite no artigo 1568.º CC a possibilidade de mudança da servidão
para sítio diferente do primitivamente assinado ou para outro prédio, o qual pode inclusivamente
pertencer a terceiro, se existir acordo deste. A mudança pode ocorrer a requerimento do titular do prédio
serviente ou do titular do prédio dominante. Em ambos os casos, basta que a mudança seja conveniente,
seja feita à custa do proprietário que a requer e não prejudique os interesses do proprietário do outro
prédio dominante (artigo 1568.º, n.º1 e 2 CC). Para além da mudança da servidão, pode igualmente ser
alterado o seu modo de exercício, desde que se verifiquem os pressupostos acima referidos (artigo 1568.º,
n.º3 CC). A faculdade de mudança da servidão ou do seu modo e tempo de exercício justifica-se em
função da denominada lei do mínimo meio, nos termos da qual se entende que a servidão, como encargo
sobre o prédio, deve implicar as maiores vantagens para o prédio dominante com o menor prejuízo
possível para o proprietário do prédio serviente. Assim, se o proprietário do prédio serviente tiver
menores prejuízos ou o proprietário do prédio dominante maiores vantagens com a alteração da servidão,
sem que tal afete o outro proprietário, justifica-se a alteração da servidão. Esta faculdade aparece como
essencial ao direito de servidão, tanto assim que a lei não admite que a mesma possa ser renunciada ou
limitada por negócio jurídico (artigo 1568.º, n.º4 CC).
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Extinção da servidão: o artigo 1569.º CC admite as seguintes causas específicas de extinção da
servidão:
1. Confusão de propriedades: a primeira causa de extinção das servidões, referida no artigo 1569.º,
n.º1, alínea a) CC é a confusão de propriedades, ou seja, a reunião dos dois prédios, dominante
e serviente, no domínio da mesma pessoa. Essa situação pode ocorrer tanto na hipótese de o
titular de um dos prédios adquirir o outro, como na hipótese de um terceiro adquirir os dois
prédios, podendo, em ambos os casos, a aquisição resultar, quer de sucessão, quer de contrato,
quer de usucapião. A lei prevê um caso particular de aquisição do prédio serviente pelo titular do
prédio dominante, em caso de renúncia liberatória à propriedade por parte do titular do prédio
serviente, para se eximir do encargo das obras, sendo essa renúncia aceite pelo titular do prédio
dominante (artigo 1567.º, n.º4 CC). A razão para a extinção da servidão nestes casos resulta do
brocardo neminem res sua servit. Naturalmente que a relação de serventia se pode manter entre os
dois prédios, mas se tal passa a resultar do exercício da propriedade, e não do direito de servidão.
Ao se referir ao domínio, a lei exige que a reunião se verifique em virtude da aquisição da
propriedade plena sobre os dois prédios. Assim, se o titular de um dos prédios adquirir o usufruto
ou o direito de superfície sobre o outro prédio, manter-se-á a servidão. Também a servidão se
manterá se apenas for adquirida a compropriedade ou parte especificada de outro prédio, atento
o princípio da indivisibilidade da servidão.
2. Não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo: nos termos do artigo 1569.º, n.º1,
alínea b) CC, importa igualmente a extinção da servidão o não uso durante vinte anos, qualquer
que seja motivo. O não uso extingue todas as servidões, sejam elas contínuas ou descontínuas,
aparentes ou não aparentes, positiva ou negativas, ainda que naturalmente o mesmo revista
natureza diferente, consoante o tipo de servidão em causa. Assim, nas servidões positivas, o não
uso consiste em o proprietário do prédio dominante deixar de gozar o direito adquirido. Nas
servidões negativas, o não uso resulta do facto de o titular não se ter oposto à violação do dever
de non facere por parte do titular do prédio serviente. Finalmente, nas servidões desvinculativas, o
não uso consiste em voltar a observar as restrições habituais nos prédios. A impossibilidade de
exercício da servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo de vinte anos,
exigindo legalmente para o não uso (artigo 1571.º CC). A lei nega assim relevo autónomo à
impossibilidade de exercício como causa de extinção da servidão, considerando-a apenas como
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um motivo para o não uso. O artigo 1570.º CC esclarece-nos quando se inicia o prazo para a
extinção pelo não uso, estabelecendo uma distinção entre:
a. Servidões contínuas: o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o
exercício (artigo 1570.º, n.º1, in fine CC), como na hipótese de uma servidão de vistas, em
que o não uso se inicia logo que seja colocado algum impedimento à vista sobre o prédio
serviente. Não há, porém, não uso se não houver impedimento, mesmo que a servidão
não esteja a ser aproveitada. Assim, numa servidão de aqueduto, o facto de a água deixar
de passar não implicará o não uso da servidão, sendo necessário que surja um obstáculo
que impeça essa passagem como a obstrução do aqueduto ou a destruição do rego.
b. Servidões descontínuas: o prazo inicia-se a partir do momento em que a servidão deixa
de ser usada (artigo 1570.º, n.º1, in principio CC). Assim, se alguém tem uma servidão de
passagem, verificar-se-á o não uso da servidão a partir do momento em que o titular do
prédio dominante deixar de atravessar o prédio serviente. No caso, porém, de se tratar
de servidões descontínuas exercidas a intervalos de tempo, o prazo apenas corre desde o
dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício (artigo 1570.º, n.º2
CC).
Uma vez iniciado o prazo para o não uso, seguem-se regras de caducidade para calcular o seu
decurso (artigo 298.º, n.º3 CC) pelo que não se aplicam neste caso as regras relativas à suspensão
(artigos 318.º e seguintes CC) ou interrupção da prescrição (artigo 323.º e seguintes CC). É
manifesto, no entanto, que qualquer ato de uso da servidão interrompe o decurso do prazo do
não uso. Se houver vários titulares do prédio dominante, o uso que um deles fizer da servidão
aproveita aos demais (artigo 1570.º, n.º3 CC). A servidão não deixa de se considerar exercida por
inteiro, quando o proprietário do prédio dominante aproveite apenas uma parte das utilidades
que lhe são inerentes (artigo 1572.º CC), não se verificando assim neste caso o não uso da
servidão. Tal explica-se porque o exercício parcial da servidão é sempre uma reafirmação do
direito que assiste ao seu titular. Diferente, no entanto, é a solução para a hipótese de exercício
da servidão em época diversa da fixada no título. Nos termos do artigo 1573.º CC, tal não impede
a sua extinção pelo não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão
por usucapião.
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3. Usucapio libertatis: outra causa específica de extinção das servidões é a usucapio libertatis, nos
termos dos artigos 1569.º, n.º1, alínea c) e 1574.º CC. Analisámos já detalhadamente esta causa
de extinção no âmbito da extinção em geral dos direitos reais.
4. Renúncia: outra forma de extinção das servidões, referida no artigo 1569.º, n.º1, alínea d) CC, é
a renúncia do proprietário do prédio dominante, a qual não requer aceitação do proprietário do
prédio serviente (artigo 1569.º, n.º5 CC). Uma hipótese de renúncia à servidão legalmente
prevista é a renúncia liberatória à servidão para o proprietário de um dos prédios dominantes se
eximir do encargo de custear as obras (artigo 1567.º, n.º2 CC).
5. Decurso do prazo: as servidões podem ainda extinguir-se pelo decurso do prazo, de tiverem
sido constituídas temporariamente, nos termos gerais (artigo 1569.º, n.º1, alínea e) CC).
6. Desnecessidade, no caso das servidões constituídas por usucapião e das servidões legais:
uma das causas específicas da extinção das servidões constituídas por usucapião, bem como das
servidões legais, é a desnecessidade. Efetivamente, estabelece o artigo 1569.º, n.º2 CC, que as
servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do
proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
Acrescenta a este propósito o artigo 1569.º, n.º3 CC que o disposto no número anterior é
aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição; tendo havido
indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias. Pelo
contrário, nem as servidões constituídas por contrato ou testamento, nem as servidões
constituídas por destinação do pai de família se podem extinguir por desnecessidade. A razão
para a extinção por desnecessidade destas servidões resulta do facto de a sua manutenção
desvalorizar os prédios servientes, sem beneficiar os prédios dominantes. A desnecessidade tem
necessariamente que ser superveniente, uma vez que se for originária, a constituição da servidão
não atribuiria qualquer utilidade ao prédio dominante, pelo que a sua constituição por negócio
jurídico violaria a tipicidade dos direitos reais (artigo 1306.º CC), com a consequência da sua
nulidade (artigo 294.º CC). Para produzir a extinção da servidão, tem que resultar de uma
alteração das circunstâncias verificada em relação ao prédio dominante após a constituição da
servidão. A desnecessidade implica que a servidão perca toda e qualquer utilidade que até aí vinha
tendo para o prédio dominante, uma vez que se verificar a manutenção de utilidades, ainda que
por forma mais reduzida, não se justifica a extinção da servidão. No entanto, para que se verifique
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essa extinção, basta que desapareçam as utilidades que a servidão vinha proporcionando e que
justificaram a sua constituição, não sendo obstáculo à extinção por desnecessidade a
possibilidade de virem a surgir posteriormente utilidades futuras ou eventuais. A desnecessidade
não implica, no entanto, a extinção automática da servidão, uma vez que apenas atribui ao
proprietário o direito de a requerer judicialmente. A desnecessidade representa a perda total da
utilidade para o prédio dominante. Essa perda de utilidade afere-se objetivamente em função das
necessidades do prédio dominante. A desnecessidade liga-se, assim, diretamente ao tipo legal do
direito de servidão. Justamente porque o tipo legal do direito de servidão supõe a necessidade
para a válida constituição do mesmo, sob pena de violação da tipicidade, a desnecessidade é
sempre superveniente.
7. Remição, no caso das servidões legais de aproveitamento de águas: uma outra forma de
extinção das servidões consiste na remição, prevista no artigo 1569.º, nº.4 CC. Esta forma de
extinção tem, no entanto, um âmbito muito restrito, uma vez que é apenas aplicável às servidões
legais de aproveitamento de águas para gastos domésticos (artigo 1557.º CC) ou para fins
agrícolas (artigo 1558.º CC). Nem as servidões voluntárias, nem as servidões constituídas por
usucapião ou por destinação do pai de família, nem as outras servidões legais estão sujeitas a esta
causa de extinção. A remição judicial destas servidões pode ser solicitada passados dez anos sobre
a sua constituição, desde que o proprietário do prédio serviente demonstre que pretende fazer
da água um aproveitamento justificado. Caberá, então, ao tribunal avaliar se, perante o motivo
invocado pelo proprietário do prédio serviente, se justifica ou não pôr fim ao aproveitamento da
água que vinha fazendo o proprietário do prédio dominante. Se o tribunal decretar a remição,
cabe-lhe ainda ordenar a restituição pelo proprietário do prédio serviente da indemnização que
recebeu do proprietário do prédio dominante, no todo ou em parte, consoante as circunstâncias
(artigo 1569.º, n.º3 e 4 CC).
A natureza do direito de servidão: em relação à natureza do direito de servidão, surgem-nos as
seguintes teorias:
1. Teoria do desmembramento da propriedade: corresponde à explicação clássica da servidão.
Entre nós, manifestam-lhe a sua adesão Teixeira de Abreu e José Tavares. Esta teoria defende
que na servidão se verifica um desmembramento da propriedade, pelo que a servidão é um direito
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real que incide, não sobre coisa alheia, mas antes sobre coisa própria. Sobre a mesma coisa
passam a incidir dois direitos:
a. O direito de propriedade sobre o prédio;
b. O direito de servidão.
As servidões seriam assim frações da propriedade, mesmo no caso das servidões negativas, já
que, quando o proprietário do prédio serviente se obriga a não fazer alguma coisa, transfere para
o prédio dominante aquela parte do direito de propriedade de que se despojou. É o que sucede,
por exemplo, com a servidão altius non tollendi, dado que o proprietário pode, em princípio,
construir no seu prédio como lhe aprouver, deixando de o poder fazer apenas se se obrigar com
a servidão, para conservar as vistas do outro prédio. Nesse caso, a faculdade de edificação passou,
como omissão, a ser transferida para o outro prédio. Naturalmente que tal não implica que o
proprietário do prédio dominante possa construir no prédio servente, pois isso resultaria num
prejuízo seu e a servidão destinava-se ao seu benefício.
1. Teoria da propriedade especial [Büchel, Elvers e Neuner]: esta teoria qualifica a servidão
como um direito de propriedade especial, abrangendo apenas uma faculdade integrante da
propriedade. A servidão seria uma parte retirada da extensão do direito de propriedade, que seria
atribuída como propriedade e em exclusividade a outrem. O titular da servidão teria, assim,
igualmente um direito próprio e exclusivo àquelas competências que teriam sido retiradas da
propriedade, que subsistiria de forma independente desse direito. Sendo um ius in corpore, na
medida em que atribuiria ao seu titular faculdades relacionadas com uma coisa corpórea, não
recairia imediatamente como a propriedade sobre a própria coisa, não sendo assim um corpus
nem uma pars corpore, mas antes um ius in re. A servidão seria, assim, uma faculdade retirada da
extensão intelectual da propriedade para constituir um direito independente, ou seja, um quasi
dominium iuris.
2. Teoria da limitação ao exercício do direito [Guilherme Moreira e Pires de Lima e
Antunes Varela]: esta outra tese concebe a servidão como uma limitação ao exercício do direito
de propriedade. Defendida na pandectística por Windscheid e Thibaut, e tendo adesão em
Portugal por estes autores, a servidão não pode corresponder a um desmembramento do direito
de propriedade, já que nesse caso teria que haver uma correspondência entre o conteúdo daquilo
que o proprietário do prédio serviente perdeu e aquilo que o proprietário do prédio dominante
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adquiriu, o que não sucede. O que ocorre na servidão é antes uma limitação ao exercício do
direito do proprietário do prédio serviente, que não afeta o seu conteúdo, mas que permite ao
titular do prédio dominante aproveitar de certas utilidades proporcionadas por coisa alheia.
3. Teoria dualista [Bianchi]: defende a existência de um desmembramento nas servidões
positivas e uma limitação nas servidões negativas. Nas servidões positivas verifica-se um efetivo
fracionamento do direito de propriedade, mas tal já não ocorre nas servidões negativas, em que
existe apenas uma limitação ao exercício desse direito. Isto porque nas servidões positivas ocorre
a atribuição, através do prédio dominante, de um especial direito de uso do prédio serviente,
como as servidões de passagem ou de aqueduto ou a sua fruição, como no caso da servidão de
presa de água ou de extração de minério, o que implica uma substituição do titular do prédio
serviente pelo titular do prédio dominante em relação ao uso da coisa. Já pelo contrário, as
servidões negativas, exteriorizando-se numa mera abstenção imposta ao proprietário do prédio
gravado, exteriorizando-se numa mera abstenção imposta ao proprietário do prédio gravado, não
podem produzir o efeito de atribuir ao titular da servidão aquele particular elemento da
propriedade que foi diminuído ao prédio gravado.
a. José Alberto Vieira: aproxima-se desta teoria na medida em que defende O conteúdo
da servidão é a utilidade concreta afetada ao titular. E essa respeita a uma coisa (ao prédio
serviente) e não a uma prestação. O dever de non facere, que se impõe a qualquer pessoa
e não apenas ao titular do direito real de gozo onerado com a servidão, representa a
consequência da atribuição, pela servidão, do aproveitamento de uma dada utilidade da
coisa (corpórea) e, nessa medida, constitui um dever genérico e não um dever integrado
numa relação obrigacional e muito menos dirigido especificamente ao titular do direito
real de gozo onerado. Concluímos, desta forma, que o direito de servidão ostenta todas
as notas distintivas da realidade; ele faz, assim, parte do elenco dos direitos reais. Em
todo o caso, falta ainda apurar se se trata de um direito real de gozo. Não obstante
proliferarem as opiniões que caracterizam o direito de servidão como um direito real de
gozo, temos muita dificuldade em acompanhar esta doutrina. Não vislumbramos nas
servidões negativas nenhuma das manifestações correntes do gozo, o uso, a fruição ou a
transformação da coisa. Na servidão negativa, o aproveitamento da utilidade da coisa faz-
se pela restrição dos direitos de gozo existentes sobre o prédio serviente e não supõe
nenhuma atuação do titular da servidão sobre a coisa objeto do seu direito. Este facto
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não compromete a unidade do regime jurídico das servidões nem justifica qualquer
reposicionamento do mesmo no sistema científico e normativo de Direitos Reais.
4. Teoria do direito real menor [Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes, Santos Justo e
Menezes Leitão]: qualifica a servidão como um direito real de gozo incidente sobre coisa alheia,
ainda que o gozo que a servidão proporciona incida sobre a coisa diferente daquela que constitui
o seu objeto.
Direito real de habitação periódica ver na sebenta – pgs. 458-467
II – Direitos Reais de Garantia
A – A Consignação de Rendimentos
Generalidades: consignação de rendimentos pode ser definida como a afetação dos rendimentos de
determinados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo à garantia do cumprimento de obrigações, sejam
estas principais, de juros ou ambas, e podendo ser quer presentes quer futuras ou condicionais (artigo
656.º CC).
Assim, a consignação de rendimentos apenas permite ao credor pagar-se através dos rendimentos de
uma coisa ou pelo uso dela, e já não pelo valor da mesma.
Legitimidade para a constituição da consignação de rendimentos: consistindo numa
oneração dos rendimentos dos bens, a consignação pressupõe a legitimidade para dispor desses
rendimentos (artigo 657.º, n.º1 CC), ainda que não necessariamente do próprio bem.
A consignação pode naturalmente ser constituída por terceiro (artigo 658.º, n.º2 CC), caso em que se
extingue sempre que por facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação daquele
nos direitos deste (artigo 717.º, n.º1, aplicável por força do artigo 657.º, n.º2 CC).
Modalidades da consignação de rendimentos: a consignação pode ser
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1. Voluntária: a consignação constituída pelo devedor ou por terceiro que resulte de negócio entre
vivos ou de testamento, e judicial a que resulta de decisão do tribunal (artigo 658.º CC). depende
de escritura pública, de documento particular autenticado, ou de testamento, se abranger imóveis,
ou de simples escrito particular, se abranger móveis, devendo em qualquer caso ser sujeita a
registo, salvo se tiver por objeto títulos de crédito nominativos, caso em que basta a simples
menção nos títulos e averbamentos (artigo 660.º CC).
2. Judicial: encontra-se regulada nos artigos 803.º e seguintes CPC, sendo uma forma de satisfação
do crédito, que é admitida por requerimento do exequente, enquanto os bens não tiverem sido
vendidos ou adjudicados.
Prazo: dispõe o artigo 659.º CC que a consignação de rendimentos pode fazer-se por um certo número
de anos ou até ao pagamento da dívida garantida, mas que, quando incida sobre os rendimentos de bens
imóveis, nunca poderá exceder o prazo de 15 anos.
A existência do limite máximo compreende-se, dado que a oneração que representa a consignação de
rendimentos de um imóvel prejudica a livre alienação do bem.
Forma e publicidade: dispõe o artigo 660.º, n.º1 CC que, salvo o disposto em lei especial, o ato
constitutivo da consignação voluntária deve constar de escritura pública, de documento particular
autenticado ou de testamento, se respeitar a coisas imóveis, e de escrito particular autenticado ou de
testamento, se respeitar a coisas imóveis, e de escrito particular, quando recaia sobre móveis,
estabelecendo o n.º2 que a consignação está sujeita a registo, salvo se tiver por objeto os rendimentos de
títulos de crédito nominativos, devendo neste caso ser mencionada nos títulos e averbada, nos termos
da respetiva legislação. A sujeição a registo encontra-se igualmente referida no artigo 2.º, n.º1, alínea h)
CRPr.
No caso de se tratar da consignação judicial de rendimentos de bens imóveis objeto de inscrição de
penhora, o registo da consignação de rendimentos é efetuado por averbamento à inscrição da penhora
sobre o imóvel (artigo 101.º, n.º1, alínea i) CRPr).
No caso de se tratar de consignação voluntária de rendimentos, o registo é efetuado por inscrição, a qual
mencionará o prazo de duração ou, se for por tempo indeterminado, a quantia para cujo pagamento se
fez a consignação e a importância a descontar em cada ano, se tiver sido estipulada uma quantia fixa
(artigo 95.º, n.º1, alínea o) CRPr).
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Objeto: conforme resulta do artigo 656.º, n.º1 CC, a consignação de rendimentos apenas pode incidir
sobre os rendimentos de certos bens imóveis, ou de móveis sujeitos a registo, incluindo-se nestes últimos
os títulos de crédito nominativos, conforme se dispõe no artigo 660.º, n.º2 CC.
Salienta-se, no entanto, que relativamente a bens móveis não registáveis, é possível constituir um penhor
e afetar os respetivos frutos ao pagamento do capital em dívida (artigo 672.º CC), o que permite por essa
via que seja obtida uma função idêntica à da consignação de rendimentos.
Regime: em termos de efeitos, a consignação de rendimentos atribui ao credor na execução a
preferência sobre os demais credores pelos rendimentos do bem sobre que incide e permite exigir esses
rendimentos mesmo que o bem seja alienado a terceiro. A consignação é, no entanto, uma figura
maleável, uma vez que nela é possível estipular, tanto que continuem em poder do concedente os bens
cujos rendimentos são consignados, como que esses bens passem para o poder do credor, o qual fica,
na parte aplicável, equiparado ao locatário, sem prejuízo da faculdade de por seu turno os locar; que os
bens passem para o poder de terceiro, por título de locação ou outro, ficando o credor com o direito de
receber os respetivos frutos (artigo 661.º, n.º1, alínea a) e b) CC). Os deveres a que as partes estão sujeitas
variarão consoante a situação em causa. Assim:
1. Se os bens continuarem em poder do concedente: o credor fica com direito de exigir dele a
prestação anual de contas, se não for estipulado o recebimento de uma importância fixa (artigo
662.º, n.º1 CC).
2. Se os bens passarem para poder do credor: este fica equiparado ao locatário, sem prejuízo da
faculdade que possui de efetuar nova locação desses bens. Nesta situação, passa a ser o credor
que incide o dever de efetuar ao concedente a prestação de contas (artigo 662.º, n.º2 CC). No
caso de os bens passarem para o poder do credor este fica vinculado a administra-los como um
proprietário diligente e a pagar as contribuições e demais encargos das coisas (artigo 663.º, n.º1
CC), dever que só pode elidir renunciando à garantia (artigo 663.º, n.º2 CC).
3. Se os bens passarem para o poder de terceiro: o credor fica com o direito de haver os
respetivos frutos. Nesta hipótese, os bens não ficam nem em poder do devedor, nem em poder
do credor. São colocados na posse de terceiro, através de um título específico, cabendo ao
terceiro a faculdade de gozo desses bens mediante a contrapartida de uma prestação que é
entregue ao credor, a título de garantia.
A consignação pode garantir tanto dívidas já existentes, como dívidas condicionais ou futuras (artigo
656.º, n.º1 CC). Nos termos do artigo 656.º, n.º2 CC, a consignação de rendimentos pode garantir o
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cumprimento da obrigação e o pagamento dos juros, ou apenas o cumprimento da obrigação ou só o
pagamento dos juros. No caso de garantir tanto o cumprimento da obrigação como o pagamento dos
juros, os frutos da coisa são imputados primeiro nos juros e só depois no capital (artigo 661.º, n.º2 CC).
A extinção da obrigação garantida vai assim ocorrendo através da entrega desses rendimentos ao credor,
a qual não implica a novação e como que se reconduz a uma dação em cumprimento.
Face a este regime, é manifesto que o titular da consignação não tem a faculdade de executar a coisa,
podendo apenas pagar-se através dos seus rendimentos, o que obtém gradualmente sem necessidade de
aguardar que o devedor incumpra a obrigação garantida. O seu direito é naturalmente oponível a
terceiros, em caso de alienação da coisa, continuando o credor a ter direito aos rendimentos desta, mas
não parece poder sobreviver à venda executiva (artigo 824.º, n.º2 CC). Por força do artigo 665.º CC, à
consignação aplica-se o regime da hipoteca, quanto à transferência do direito para indemnizações em
caso de perda ou deterioração (artigo 692.º CC) pacto comissório (artigo 694.º CC), cláusulas de
inalienabilidade (artigo 695.º CC), indivisibilidade (artigo 696.º CC), substituição ou reforço (artigo 701.º
CC) e seguro (artigo 702.º CC).
Extinção: a constituição de rendimentos extingue-se por(artigos 664.º e 730.º CC):
1. Decurso do prazo: resulta do decurso do prazo. Efetivamente, se as partes estipularem um
prazo de vigência da consignação de rendimentos, o decurso desse prazo de vigência da
consignação de rendimentos, o decurso desse prazo faz extinguir a consignação, mesmo que a
dívida não esteja paga. O crédito substituirá, nessa parte, como crédito comum.
2. Extinção da obrigação a que serve de garantia: efetivamente, sendo a consignação de
rendimentos uma garantia acessória, a extinção da obrigação a que serve de garantia determina
naturalmente a extinção da consignação.
3. Perecimento da coisa consignada: dado que o desaparecimento do objeto de um direito
extingue esse direito.
4. Renúncia do credor: uma vez que sendo a garantia estabelecida em seu benefício, naturalmente
que não se justifica mantê-la contra a sua vontade.
Natureza: a posição dominante é a de que esta constitui uma garantia real das obrigações, por força
da qual o credor se paga pelos rendimentos de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo. A
consignação não se apresenta como um meio de satisfação do crédito, uma vez que através dela não
ocorre a extinção da obrigação, mas antes uma garantia suplementar que consiste na afetação dos
rendimentos de uma coisa ou do seu uso à satisfação do crédito.
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Essa garantia, apesar de incidir sobre os rendimentos da coisa, não deixa de representar uma oneração
real da mesma, na medida em que é oponível a terceiros. Não vemos, por isso, razão para afastar a
consignação de rendimentos das garantias reais das obrigações. Há, no entanto, que reconhecer que, para
além de ser uma garantia, a consignação pode funcionar como um meio de permitir a satisfação do
crédito. Tal depende, no entanto, da vontade do devedor que pode em qualquer altura optar por cumprir
a obrigação garantida, extinguindo a consignação (artigos 664.º e 730.º, alínea a) CC).
B – O penhor
Generalidades: constitui outro direito real de garantia o penhor. Este é objeto de regulação não
apenas pelos artigos 666.º e seguintes CC, relativos ao penhor civil, mas também pelos artigos 387.º e
seguintes CCom, relativos ao penhor mercantil. Em bom rigor, deverá reconhecer-se que o regime do
Código Civil surge apenas como referência geral do penhor, uma vez que a grande maioria dos penhores
encontra-se sujeita a regimes especiais (artigo 668.º CC).
Características: nos termos do artigo 666.º, n.º1 CC, o penhor confere ao credor o direito à satisfação
do crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de
certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes
ao devedor ou a terceiro.
O penhor constitui assim uma garantia real, dado que atribui uma preferência sobre bens determinados,
cuja especificidade consiste em ter por objeto os bens não suscetíveis de hipoteca. No caso do penhor
de créditos, dado que estes não podem ser objeto de direitos reais, o penhor perde a sua natureza real,
sendo uma garantia de outro tipo.
Apesar da sua natureza real, o penhor é considerado uma garantia acessória do crédito, pelo que a sua
constituição, manutenção e extinção ficam dependentes da constituição, manutenção e extinção do
crédito garantido.
O penhor pode, porém, ser constituído em relação a uma obrigação futura ou condicional (artigo 666.º,
n.º3 CC), caos em que o autor do penhor transmite a posse da coisa a outrem na expectativa de que este
venha a ser constituído como seu credor.
Ao contrário da hipoteca, o penhor resulta sempre de um contrato (contrato de penhor), o qual pode
ser celebrado, quer pelo devedor, quer por terceiro (artigo 666.º, n.º1, in fine CC). No caso de alguém ser
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obrigado ou autorizado por lei a prestar caução e o fizer por meio de depósito de dinheiro, títulos de
crédito, pedras ou metais preciosos, esse depósito é havido como penhor (artigos 666.º, n.º2 e 623.º, n.º1
CC).
Modalidades: o penhor pode ser constituído com ou sem desapossamento.
No seu enquadramento tradicional, o penhor é realizado com desapossamento, exigindo-se a entrega da
coisa ou documento que atribua a exclusiva disponibilidade dela ao credor ou a terceiro (artigo 669.º, n.º
1 CC), podendo essa entrega consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição
privar o devedor da possibilidade de dispor materialmente da coisa (artigo 669.º, n.º2 CC). Essencial é
assim que o credor seja privado da disponibilidade material da coisa, o que desempenha uma função de
publicidade.
Estão, porém, contempladas legalmente situações em que se verifica um penhor sem desapossamento,
como sucede no penhor mercantil, onde se prevê uma tradição meramente simbólica (artigos 398.º e
seguintes CCom), e no penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos bancários
autorizados. Para além deste caso especial, encontram-se, ainda, previstas em lei especial certas
modalidades particulares de penhor de direitos que dispensam o desapossamento, admitindo outras
formas de publicidade, como, por exemplo, o registo.
Legitimidade para a constituição: refere o artigo 667.º CC que só tem legitimidade para
constituir o penhor quem puder alienar os bens, podendo naturalmente ser terceiro em relação à
obrigação respetiva. O penhor constituído por terceiro encontra-se sujeito, nos termos do artigo 717.º
CC, aplicável por força do artigo 667.º, n.º2 CC, à extinção sempre que um facto positivo ou negativo
do credor tenha impossibilitado a sub-rogação do devedor, nos termos do artigo 592.º CC.
Forma do contrato de penhor: a lei não exige forma especial para o penhor de coisas, apenas
referindo em relação ao penhor de direitos que ele deve revestir a forma necessária à transmissão dos
direitos empenhados (artigo 681º, n.º1 CC).
Há, porém, exigências de forma nos regimes especiais de penhor (artigos 400.º CCom).
Âmbito do crédito garantido: o penhor pode ser constituído para garantia de quaisquer
obrigações, incluindo futuras e condicionais (artigo 666.º, n.º2 CC).
Não há, por outro lado, limites legais à obrigação garantida, podendo esta abranger tanto o capital como
os juros da obrigação, independentemente do seu montante, dado que não é aplicável ao penhor o limite
estabelecido no artigo 693.º, n.º2 CC, relativo à hipoteca.
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Objeto: podem ser objeto de penhor quaisquer coisas móveis, desde que não suscetíveis de hipoteca.
Já os bens imóveis, assim, como certos bens móveis, como os automóveis, navios e aeronaves, não
poderão ser objeto de penhor, uma vez que se encontram abrangidos pela hipoteca.
O entendimento tradicional é o de que não é admissível penhor sobre universalidades de facto, nem
sobre coisas fungíveis, já que apenas se admite o penhor sobre coisas determinadas.
A prática entre nós tem vindo, porém, a admitir certas universalidades como objeto de penhor, tal como
o estabelecimento comercial, bem como de penhor irregular, considerando expressamente o artigo 666.º,
n.º2 CC, que é havido como penhor o depósito a que se refere o artigo 623.º, n.º1 CC, onde se inclui o
dinheiro.
A lei admite ainda a possibilidade de o penhor ter por objeto direitos (artigos 679.º e seguintes CC),
sempre que estes tenham por objeto coisas móveis e sejam suscetíveis de transmissão (artigo 680.º CC).
O penhor de direitos, designadamente o penhor de créditos, não constitui, porém, um direito real de
garantia, uma vez que não incide sobre coisas corpóreas, sendo antes uma garantia especial sobre direitos.
Constituição: essencial para a constituição do penhor é neste caso a tradição da coisa, uma vez que o
artigo 669.º, n.º1 CC, refere que o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada,
ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro, acrescentando o
n.º2 que a entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar
o autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.
Essencial ao penhor com desapossamento é assim a atribuição da posse sobre a coisa ao credor
pignoratício, a qual deve resultar da tradição da coisa, a qual normalmente será material, podendo ainda
ser simbólica, quando consista na tradição do documento que confira a exclusiva disponibilidade da coisa,
devendo ainda admitir-se a possibilidade de ocorrer uma traditio brevi manu, nos casos em que o credor
pignoratício já esteja na detenção da coisa, antes da sua contribuição em penhor. A posse do credor
pignoratício é uma posse em nome próprio, nos termos do seu direito de penhor.
Em lugar da atribuição da posse integral sobre a coisa, pode ainda ser atribuída meramente a composse,
desde que ela prive o proprietário da possibilidade de dispor materialmente da coisa (artigo 669.º, n.º2
CC). Essa situação pode ocorrer quando a coisa seja encerrada em local onde não possa ser aberta sem
intervenção do credor, ou quando esteja na detenção de terceiro, que apenas a poderá restituir
conjuntamente aos dois.
Direitos do credor pignoratício: o principal direito do credor pignoratício aparece-nos referido
no artigo 666.º, n.º1 CC, e consiste em poder obter a satisfação do seu crédito e eventuais juros, com
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preferência sobre os demais credores do devedor, pelo valor da coisa objeto do penhor. Esse direito
compreende duas faculdades típicas:
1. A possibilidade de dar à execução a coisa empenhada, cumpridas as normas processuais
estabelecidas para a execução do penhor; e
2. A obtenção de uma preferência especial, já que em caso de concurso de credores o credor
pignoratício obtém prioridade no pagamento sobre o valor da coisa empenhada, só podendo os
credores comuns obter pagamentos após a integral satisfação do seu direito.
Assim, a lei prevê que, vencida a obrigação a que serve de garantia, o credor adquire o direito de se pagar
pelo produto da venda judicial da coisa empenhada, podendo a venda ser efetuada extraprocessualmente
se as partes assim o tiverem convencionado (artigo 657.º, n.º1 CC), tendo ainda os interessados a
possibilidade de convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo valor que o tribunal
fixar (artigo 675.º, n.º2 CC).
A regra é, assim, a venda processual do penhor, sendo mesmo proibido o pacto comissório (artigo 694.º,
aplicável ex vi artigo 678.º CC), o que se encontra em conformidade com a proibição da livre apropriação
do objeto das garantias reais.
No caso do penhor, esta regra é, no entanto, atenuada pelo facto de se permitir por convenção a venda
extraprocessual ou mesmo a adjudicação, mediante prévia avaliação judicial. Sendo realizada a venda
processualmente, ela efetua-se nos termos gerais do processo executivo, tendo sido eliminado o anterior
processo judicial de venda e adjudicação do penhor, já que o aumento do elenco dos títulos executivos
tornou inútil a correspondente fase declarativa, destinada à obtenção de título executivo. Quando houver
fundado receio de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, o credor, ou o autor do penhor, pode
mesmo proceder à sua venda antecipada, mediante autorização judicial (artigo 674.º, n.º1 CC), podendo
o autor do penhor impedir essa venda, desde que ofereça outra garantia idónea (artigo 674.º, n.º3 CC).
Os direitos do credor pignoratício passam, então, a incidir sobre o produto da venda, podendo o tribunal,
no entanto, ordenar que o preço seja depositado (artigo 674.º, n.º2 CC).
Para além desse direito principal, o artigo 670.º CC vem atribuir outros direitos em relação ao credor
pignoratício. O primeiro, referido na alínea a), é o de usar, em relação à coisa empenhada, das ações
destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono.
Para além desse direito, o artigo 670.º, alínea b) CC confere ainda ao credor pignoratício o direito de ser
indemnizado das benfeitorias necessárias e úteis e de levantar estas últimas, nos termos do artigo 1373.º
CC. O artigo 670.º, alínea c) CC, confere também ao credor pignoratício o direito de exigir a substituição
ou o reforço do penhor ou o cumprimento imediato da obrigação, se a coisa empenhada perecer ou se
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tornar insuficiente para segurança da dívida, nos termos fixados para a garantia hipotecária. Aplica-se,
assim, também no penhor o regime estabelecido no artigo 701.º CC para a hipoteca, admitindo-se a
possibilidade de se exigir a substituição do reforço da garantia, ou o cumprimento imediato da obrigação,
em caso de perecimento ou insuficiência da coisa prestada para o cumprimento da obrigação (artigo
780.º CC).
Para além destes direitos, há que acrescentar-se uma faculdade restrita de uso da coisa empenhada,
sempre que o uso for indispensável à conservação da coisa ou o autor do penhor nele tenha consentido
(artigo 671.º, alínea b) a contrario CC).
Para além disso, resulta do artigo 672.º, n.º1 CC que a lei atribui também na prática um poder de fruição
ao credor pignoratício ao permitir-lhe haver os frutos da coisa, que serão encontrados nas despesas feitas
com ela, e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no
capital que for devido.
Tal permite ao credor pignoratício em termos práticos a recolha dos frutos, uma vez que pode compensar
a obrigação da sua restituição com o crédito que tenha sobre despesas, juros vencidos e capital. Se tiver
que restituir os frutos, eles não se considerarão abrangidos pelo penhor (artigo 672.º, n.º2 CC).
Deveres do credor pignoratício: a relação de penhor implica ainda a atribuição de certos deveres
ao credor pignoratício, referidos no artigo 671.º CC.
O primeiro dever que recai sobre o credor pignoratício é o de custódia e administração da coisa
empenhada. Efetivamente, o artigo 671.º, alínea a) CC refere que o credor pignoratício é obrigado a
guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa emprenhada, respondendo pela sua
existência e conservação. Daqui resulta que se a coisa empenhada perecer ou se deteriorar o credor
pignoratício será responsável nos termos gerais da responsabilidade obrigacional (artigo 798.º CC), pelo
que a sua culpa naturalmente se presume (artigo 799.º n.º1 CC). Para além disso, e uma vez que lhe
cabem poderes de administração, o credor pignoratício deve fazer frutificar a coisa, respondendo pelos
frutos que um proprietário diligente teria obtido.
O segundo dever que recai sobre o credor pignoratício, é o de não usar a coisa empenhada sem
consentimento do autor do penhor, exceto se o uso for indispensável à conservação da coisa (artigo
671.º, alínea b) CC). Efetivamente, tendo o credor pignoratício uma faculdade de uso que é apenas
instrumental em relação ao seu dever de conservação da coisa, cabe-lhe o dever de não exceder os limites
dessa faculdade, até porque o uso poderia implicar a desvalorização da coisa.
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Finalmente, recai sobre o credor pignoratício o dever de restituir a coisa empenhada, extinta a obrigação
a que serve de garantia (artigo 671.º, alínea c) CC). A extinção da obrigação garantida determina, até por
força do princípio da acessoriedade, a imediata extinção do penhor.
Por força do artigo 670.º, alínea b) CC, o credor pignoratício poderá ainda reclamar o direito à restituição
de benfeitorias necessárias e úteis, mas elas já não serão abrangidas pelo penhor, cabendo ao credor antes
o direito de retenção (artigo 754.º CC).
Direitos do autor do penhor: o penhor constitui um direito real de garantia, que onera a coisa
empenhada, ficando em consequência o autor do penhor com todas as faculdades que lhe competem,
enquanto proprietário da coisa empenhada, que não sejam incompatíveis com o direito atribuído ao
credor pignoratício. Entre essas faculdades inclui-se a de alienar ou onerar a coisa empenhada, dado que
nesse caso o credor pignoratício pode opor eficazmente o seu direito ao novo proprietário. A lei veda,
aliás, que se convencione qualquer proibição de o dono da coisa alienar ou onerar os bens empenhados,
apenas permitindo a convenção de que a dívida se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou
empenhados (artigo 695.º, aplicável por força do artigo 678.º CC). No caso de o autor do penhor ser o
próprio devedor, o artigo 697.º CC, aplicável por força do artigo 678.º CC, estabelece que este tem o
direito de se opor, não só a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto não se reconhecer
a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além
do necessário à satisfação do penhor. No caso de o penhor ser pessoa diferente do devedor, ele tem a
faculdade, por força do artigo 698.º CC, aplicável por força do artigo 678.º CC, de opor ao credor, ainda
que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com
exclusão das exceções que são recusadas ao fiador. Para além disso, o autor do penhor tem ainda a
faculdade de se opor à execução enquanto o devedor puder impugnar a faculdade de se opor à execução
enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor puder ser
satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da
compensação com uma dívida do credor.
Extinção do penhor: a extinção do penhor aparece-nos regulada no artigo 677.º CC, o qual
determina que o penhor extingue-se pela restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se
refere o n.º1 do artigo 669.º CC, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, com
exceção da indicada na alínea b) do artigo 730.º CC.
Temos, assim, que a primeira causa de extinção do penhor é a restituição da coisa empenhada ou do
documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, a credor ou a terceiro. A lei autonomiza
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atualmente esta causa de extinção do penhor em relação à renúncia, estabelecida na alínea d) do artigo
730.º CC.
. Para além disso, e por força do artigo 677.º CC para a alínea a) do artigo 730.º CC, o penhor extingue-
se em resultado da extinção da obrigação a que serve de garantia.
Igualmente por força da remissão do artigo 677.º CC para alínea c) do artigo 730.º CC, o penhor
extingue-se pelo perecimento da coisa empenhada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º e 701.º
CC, preceitos esses igualmente aplicáveis ao penhor por força da remissão do artigo 678.º CC.
Nos termos do artigo 730.º, alínea d) CC, aplicável por força do artigo 677.º CC importa igualmente
extinção do penhor a renúncia do credor pignoratício à garantia. Essa renúncia que, nos termos do artigo
867.º CC, não faz presumir a remissão da dívida, resulta sempre de um negócio unilateral abdicativo do
credor, mesmo que seja estabelecida no âmbito de um acordo com o garante ou com o devedor,
eventualmente mediante a contrapartida de outras garantias.
Finalmente, pode ainda importar a extinção do penhor, a reunião na mesma pessoa das qualidade de
credor e de proprietário da coisa empenhada, se não existir interesse justificado do credor na subsistência
a garantia (artigo 87.º, n.º4 CC).
Natureza: a doutrina tem discutido a natureza jurídica do penhor. Em relação a esta têm sido
apontadas as seguintes teorias:
1. O penhor como figura processual: em virtude da distinção entre o débito e a responsabilidade,
o penhor nada acrescentaria à dívida, fazendo, no entanto, incrementar a responsabilidade. Ora,
como esta só poderia ser exercida por via processual, através da ação executiva, o penhor não
passaria de uma figura de cariz processual.
2. O penhor como direito de crédito [José Tavares]: o penhor não consistia num ius in re aliena,
mas antes numa obligatio rei, um direito de crédito incidente sobre quem fosse proprietário da
coisa. Não faz sentido a qualificação do penhor como direito real de garantia, uma vez que não
passa de um mero acessório do direito de crédito, absolutamente dependente deste, partilhando
assim da mesma natureza creditícia.
3. O penhor como direito misto: o penhor situar-se-ia a um nível intermédio entre os direitos
reais e os direitos de crédito, uma vez que, embora tendo caráter absoluto, ao contrário do que
sucede nos créditos, não beneficiaria de um poder imediato sobre a coisa, ao contrário do que
ocorre nos direitos reais, já que o credor necessita de recorrer à ação executiva para exercer as
faculdades que detém em relação à coisa.
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4. O penhor como direito real de garantia [Menezes Cordeiro, Santos Justo e Menezes
Leitão]: as faculdades de execução e venda da coisa e de preferência no pagamento sobre o
produto desta à frente dos credores comuns correspondem claramente a um direito real que, por
ter por função garantir a satisfação de um crédito, representa um direito real de garantia.
C – A hipoteca
Generalidades: o artigo 686.º, n.º1 CC não define a hipoteca, limitando-se a prever que ela confere
ao credor o direito a ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao
devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozam de privilégio especial
ou de prioridade de registo.
O traço distintivo é, assim, o seu objeto, na medida em que se restringe às coisas imóveis ou equiparadas
(automóveis, navios e aeronaves), mais precisamente certos bens registáveis, bem como o facto de ter
que ser registada, sendo o registo que confere a prioridade, salvo perante certos privilégios.
Características da hipoteca: a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por,
ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando antes
o princípio da prioridade na constituição. Para além disso, a hipoteca constitui uma garantia acessória do
crédito, ficando dependente da sua constituição e acompanhando as suas vicissitudes. No entanto, e
conforme se prevê no artigo 686.º, n.º2 CC, a obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou
condicional.
A constituição da hipoteca: em relação às formas de constituição da hipoteca, o artigo 703.º CC
estabelece uma distinção entre hipotecas legais, judiciais e voluntárias, consoante resultem:
1. Da lei: o artigo 704.º CC define a hipoteca legal como a que resulta imediatamente da lei, sem
dependência da vontade das partes, e pode constituir-se desde que exista a obrigação a que serve
de garantia. De acordo com o disposto no artigo 687.º, n.º4 e 2 CRPr, também a hipoteca legal
só se constitui mediante o registo, o qual é efetuado com base em certidão do título de que resulte
a garantia e em declaração que identifique os bens, se necessário. A hipoteca legal distingue-se
do privilégio creditório por não atender à causa do crédito, sendo antes uma garantia conferida
tendo em específica atenção a especial qualidade dos credores. Nos termos do artigo 705.º CC,
os credores que beneficiam da hipoteca legal são:
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a. O Estado e as autarquias locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos à
contribuição predial, para garantia do pagamento desta contribuição;
b. O Estado e as demais pessoas coletivas públicas, sobre os bens dos encargos de gestão
de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem
responsáveis;
c. O menor, o interdito e o inabilitado, sobre os bens do tutor, curador e administrador
legal, para assegurar a responsabilidade que nestas qualidades vieram a assumir;
d. O credor por alimentos;
e. O co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o
pagamento destas;
f. O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível sobre os bens sujeitos ao encargo do
legado ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houverem do
testador.
Nos termos do artigo 708.º CC, sem prejuízo do direito de redução, as hipotecas legais podem
ser registadas em relação a quaisquer bens do devedor, quando não forem especificados na lei
ou no título respetivo os bens sujeitos à garantia. Sendo insuficientes os bens registados para
efeitos da garantia, esta poderá ser objeto de reforço, nos termos gerais (artigo 701.º CC).
No entanto, relativamente às hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do
legado de dinheiro ou outra coisa fungível, o artigo 709.º CC vem estabelecer que o credor só
goza do direito de as reforçar, se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí
especificados.
O artigo 707.º CC estabelece que o tribunal pode autorizar, a requerimento do devedor, a
substituição da hipoteca legal por outra caução, podendo igualmente essa substituição ser exigida
pelo credor, no caso de o devedor não ter bens suscetíveis de hipoteca suficientes para garantir
o crédito, salvo nos casos das hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do
legado de dinheiro ou outra coisa fungível.
2. Da sentença judicial: a hipoteca judicial encontra-se estabelecida no artigo 710.º CC, o qual
estabelece que a sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou
outra coisa fungível é título bastante para registar hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado,
mesmo que não haja transitado em julgado (n.º1). Se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser
registada pelo quantitativo provável do crédito (n.º2). Se o devedor for condenado a entregar
uma coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a hipoteca havendo conversão da
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prestação numa indemnização pecuniária (n.º3). O registo da hipoteca judicial pode ser
igualmente obtido com base em sentenças estrangeiras, depois de revistas e confirmadas, desde
que a lei do país em que foram proferidas lhes reconheça igual valor (artigo 711.º CC). A hipoteca
judicial funciona como uma penhora antecipada, podendo recair sobre quaisquer bens do
devedor suscetíveis de penhora, e é admissível independentemente do trânsito em julgado da
decisão condenatória, bastando que ela tenha sido proferida. Por esse motivo, e à semelhança do
que sucede com a penhora, a preferência respetiva deixa de ser atendida no caso de ser declarada
a insolvência do devedor, mas as custas pagas pelo credor constituem dívidas da massa insolvente
(artigo 140.º, n.º3 CIRE).
3. De negócio jurídico: nos termos do artigo 712.º CC, a hipoteca voluntária é a que resulta de
contrato ou declaração unilateral. Esta pode ser constituída, quer pelo devedor, quer por terceiro
(artigo 717.º CC). Estando em causa um negócio jurídico de oneração de bens, naturalmente que
a legitimidade para a constituição da hipoteca é restrita a quem possa alienar os respetivos bens
(artigo 715.º CC). No entanto, a legitimidade do proprietário não é prejudicada pelo facto de já
existir uma hipoteca anterior sobre os bens, já que o artigo 713.º CC vem-nos referir que a
hipoteca não impede o dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das
hipotecas, ficam os bens a garantir na totalidade, as restantes dívidas hipotecárias. Em termos de
forma, estabelece o artigo 714.º CC que, sem prejuízo do disposto em lei especial, o ato de
constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve
constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado.
O registo da hipoteca: o artigo 687.º CC determina que a hipoteca deve ser registada, sob pena de
não produzir efeitos, mesmo em relação às partes. Resulta assim desta disposição, reiterada no artigo 4.º,
n.º2 CRPr, que, ao contrário da regra geral, de que o registo é mera condição de eficácia em relação a
terceiros dos atos a quele sujeitos (artigo 5.º CRPr), a eficácia da hipoteca entre as próprias partes
depende da sua sujeição a registo.
O registo da hipoteca aparece, portanto, como condicionante da sua eficácia absoluta em relação às
hipotecas voluntárias, as quais têm um outro título como constitutivo do direito. Precisamente por isso,
estas hipotecas podem ser registadas provisoriamente antes de titulado o negócio (artigos 47.º e 91.º,
n.º1, alínea i) CRPr), sendo que o dirieto de hipoteca só se adquire com a sua celebração.
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Já em relação às hipotecas legais e judiciais, o registo corresponde ao próprio facto constitutivo da
garantia (artigo 50.º CRPr), podendo, no entanto, o registo de hipoteca judicial ser lavrado
provisoriamente antes de passada em julgado a sentença (artigo 92.º, n.º1, alínea l) CRPr).
Âmbito do crédito garantido: como todos os direitos reais de garantia, a hipoteca é constituída
para garantia de um crédito, podendo esse crédito ser futuro ou condicional (artigo 686.º, n.º2 CC).
No entanto, o artigo 693.º, n.º1 CC, vem ainda estabelecer a extensão da garantia hipotecária aos
acessórios do crédito que constem do registo, admitindo-se assim que, além do crédito principal, a
hipoteca possa garantir outros acessórios do crédito, como sejam, os juros moratórios e remuneratórios,
as cláusulas penais, e as despesas de constituição e registo, bastando que a menção a esses acessórios
conste do registo (artigo 96.º, n.º1, alínea a) CRPr).
No entanto, em relação aos juros, estabelece o artigo 693.º, n.º2 CC, que a hipoteca nunca abrange, não
obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos, podendo, no entanto, ser
sucessivamente registada nova hipoteca em relação a juros em dívida (artigo 693.º, n.º3 CC).
Esta limitação, que abrange tanto juros remuneratórios como moratórios, destina-se a proteger terceiros,
que poderiam ser surpreendidos com uma extraordinária extensão da hipoteca, ao mesmo tempo que
estimula o credor hipotecário a não dilatar excessivamente a execução, em virtude da existência de
garantia hipotecária. Consequentemente, a limitação ocorre, mesmo que a execução se prolongue
anormalmente para além desse prazo.
Objeto da hipoteca: como direito real de garantia que é, a hipoteca só pode incidir sobre bens
determinados, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
Em consequência, o artigo 716.º CC vem estabelecer a regra da especialidade, exigindo que no título
constitutivo das hipotecas voluntárias conste quais são os bens hipotecados, estabelecendo a nulidade
das hipotecas voluntárias que incidam sobre todos os bens do devedor ou de terceiro sem os especificar.
No caso das hipotecas legais estabelece o artigo 708.º CC que, sem prejuízo do direito de redução, podem
ser registadas em relação a todos os bens do devedor, enquanto não forem especificados por lei ou no
título respetivo os bens sujeitos à garantia.
Também em relação às hipotecas judiciais, estabelece o artigo 710.º CC a possibilidade de o registo da
hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado. Tal não significa, porém que nestes casos existam hipotecas
gerais, respeitantes a bens indeterminados, uma vez que sendo o registo requisito de constituição da
hipoteca, este terá sempre que ser realizado em relação a bens determinados.
O elenco dos bens suscetíveis de hipoteca consta do artigo 688.º CC, abrangendo os seguintes:
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1. Os prédios rústicos e urbanos (artigo 688.º, n.º1, alínea a) CC), abrangendo nesta sede as
respetivas partes suscetíveis de propriedade autónoma sem prejuízo da sua natureza imobiliária
(artigo 688.º, n.º2 CC);
2. O direito de superfície (artigo 688.º, n.º1, alínea c) CC);
3. O direito resultante de concessões do domínio público, observadas as disposições legais relativas
à transmissão dos direitos concedidos (artigo 688.º, n.º1, alínea d) CC);
4. O usufruto das coisas e direitos acima referidos (artigo 688.º, n.º1, alínea e) CC);
5. As coisas móveis que, para este efeito sejam por lei equiparáveis às imóveis (artigo 688.º. n.º1,
alínea f) CC).
Por aqui se pode verificar que elenco de bens suscetíveis de hipoteca não coincide com o elenco de
coisas imóveis, referido no artigo 204.º CC, só fazendo a lei referência às árvores, arbustos e frutos
naturais ligados ao solo, direitos inerentes aos imóveis, e partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos
relativamente à extensão da hipoteca (artigo 691.º, n.º1, alínea a) CC), não parecendo assim considera-
los como bens suscetíveis de ser autonomamente hipotecados.
Relativamente às águas, em face da sua inseparabilidade do prédio estabelecida no artigo 1397.º CC, as
águas a que se referem as alíneas d), e) e f) do n.º1 do artigo 1386.º CC nunca poderiam ser
autonomamente hipotecadas, parecendo que esta proibição se estende igualmente às outras categorias
de águas.
Quanto às árvores, arbustos e frutos naturais ligados ao solo, parece que apenas poderá ser hipotecado
o direito de superfície, já que outros direitos, como as servidões, não podem ser separados do prédio
(artigo 1545.º CC), pelo que, sendo abrangidos na hipoteca do prédio, não são suscetíveis de ser
autonomamente hipotecados.
Apesar de a lei não o referir expressamente, parece que quer a nua propriedade, quer o direito do
proprietário do solo podem ser objeto de hipoteca.
Já relativamente ao direito real de habitação periódica não parece ser ele suscetível de hipoteca.
Já as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos são abrangidas pela hipoteca, mas não podem ser
autonomamente hipotecadas, uma vez que perderiam a sua natureza imobiliária (artigo 688.º, n.º2 CC).
A hipoteca pode incidir sobre frações dos prédios constituídos em propriedade horizontal (artigos 1414.º,
e seguintes CC), uma vez que estas são suscetíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza
imobiliária (artigo 688.º, nº2 CC).
O artigo 689.º CC admite ainda a possibilidade de ser objeto de hipoteca a quota de coisa ou direito
comum, sendo que, se a coisa for dividida, a hipoteca ficará limitada à parte que for atribuída ao devedor.
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Face à exigência de determinação que caracteriza a hipoteca, enquanto direito real, não é suscetível de
hipoteca a meação de bens comuns do casal, nem a quota em herança indivisa (artigo 690.º CC). No
caso de ser constituída uma hipoteca sobre bens insuscetíveis da mesma, o respetivo negócio será nulo
por impossibilidade do objeto (artigo 280.º, n.º 1CC).
Extensão da hipoteca: o artigo 691.º CC opera uma extensão da hipoteca para além do seu objeto
inicialmente referido, na medida em que faz inserir no objeto da garantia outras situações como as coisas
imóveis, referidas nas alíneas c) a e) do artigo 204.º CC, as acessões naturais e as benfeitorias, salvo o
direito de terceiros.
A hipoteca sobre o prédio é assim extensiva às árvores, arbustos e frutos naturais, que nele se encontrem,
enquanto estiverem ligadas ao prédio, direitos inerentes e partes integrantes dos prédios rústicos e
urbanos.
Relativamente a estas situações, o artigo 700.º CC vem estabelecer que o corte de árvores ou arbustos, a
colheita de frutos naturais e a alienação das partes integrantes ou coisas acessórias abrangidas pela
hipoteca só são eficazes em relação ao credor hipotecário se forem anteriores ao registo da penhora e
couberem nos poderes de administração ordinária.
A hipoteca estende-se igualmente às benfeitorias que sejam efetuadas na coisa hipotecada, havendo, no
entanto, que respeitar os direitos de terceiro. Esses direitos correspondem aos direitos do possuidor ao
reembolso de benfeitorias necessárias e levantamento ou restituição de benfeitorias úteis, referidos nos
artigos 1273.º e seguintes CC, sendo-lhe inclusivamente atribuído direito de retenção (artigo 754.º CC),
se tiver efetuado as benfeitorias de boa fé (artigo 756.º, alínea b), a contrario CC), o qual prevalece sobre
a hipoteca, mesmo que anteriormente constituída (artigo 759.º, n.º2 CC).
No caso específico da hipoteca de fábricas refere-se que se consideram abrangidos pela garantia os
maquinismos e demais móveis inventariados no título constitutivo, mesmo que não sejam parte
integrante dos respetivos imóveis (n.º2), o que constitui uma grande aproximação com o penhor de
estabelecimento comercial, dele se distinguindo, no entanto, em face da necessidade de inventário dos
bens que a integram, o que o penhor de estabelecimento não prevê (artigo 96.º, n.º1, alínea b) CRPr).
Nesse caso, os donos e possuidores dos maquinismos, móveis e utensílios destinados à exploração de
fábricas, abrangidos no registo de hipoteca dos respetivos imóveis, não os podem alienar ou retirar sem
consentimento escrito do credor e incorrem na responsabilidade própria dos fiéis depositários (n.º3).
Parece, no entanto, que em caso de alienação ou retirada dos bens móveis, o credor não perderá a
possibilidade de executar a hipoteca, caso venha a encontrar esses bens.
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A individualidade da hipoteca: estabelece o artigo 696.º CC que, salvo convenção em contrário,
a hipoteca é indivisível daqui resultando duas características especificas de regime:
1. A hipoteca é una, mesmo que abranja uma pluralidade de coisas, pelo que subsiste
indiferenciadamente sobre cada uma das coisas que abrange, mesmo que estas venham a ser
objeto de divisão, ficando as coisas resultantes da divisão integralmente oneradas (est tota in toto,
et tota in qualibet parte).
2. Não há qualquer limitação do direito hipotecário, em virtude da amortização parcial da
obrigação a que serve de garantia.
O princípio da indivisibilidade da hipoteca sofre, no entanto, alguma atenuação no caso de a hipoteca
de coisa ou direito comum, uma vez que, sendo efetuada a respetiva divisão com o consentimento do
credor, fica a hipoteca limitada à parte que for atribuída ao devedor (artigo 689.º, n.º 2CC).
Vicissitudes da hipoteca:
1. Modificações na garantia hipotecária:
a. Alteração do objeto da hipoteca: o artigo 692.º, n,1º CC vem admitir a possibilidade
de alteração do objeto da hipoteca, ao estabelecer que se a coisa ou direito hipotecado se
perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os
titulares da garantia conservam, sobre o crédito respetivo ou as quantas pagas a título de
indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada. Neste
caso, o artigo 692.º, n.º2 CC estabelece que depois de notificado da existência da
hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação
com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior, sendo o mesmo regime
extensivo a outras categorias de indemnização como as devidas por expropriação ou
requisição, extinção do direito de superfície e outros casos análogos (artigo 692.º, n.º3
CC). Apesar de estar em causa essencialmente uma ideia de sub-rogação real, consistente
na substituição do objeto da hipoteca pelo crédito à indemnização, ou pelas quantias
pagas para a sua satisfação, a verdade é que neste caso a lei vai permitir que a hipoteca
tenha um objeto que não pode habitualmente ter, e que inclusivamente se molda sobre
o regime do penhor de créditos, exigindo-se da mesma forma a notificação ao devedor
(artigo 681.º, n.º2 CC).
b. Reforço da hipoteca: uma vez constituída, a hipoteca pode ser objeto de reforço, no
caso de os bens sobre que incide se tornarem insuficientes para a garantia. Assim, o artigo
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701.º, n.º1 CC, vem estabelecer que, quando, por causa não imputável ao credor, a coisa
hipotecada perecer ou se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor
o direito de exigir que o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos
declarados na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação
ou, tratando-se de obrigação futura, registas hipoteca sobre outros bens do devedor. O
n.º2 acrescenta que não obsta ao direito do credor o facto de a hipoteca ser constituída
por terceiro, salvo se o devedor for estranho á sua constituição; porém, mesmo neste
caso, se a diminuição da garantia for devida a culpa do terceiro, o credor tem o direito
de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o mesmo sujeito à cominação do
número anterior em lugar do devedor. Esta faculdade sofre, no entanto, uma restrição
relativamente às hipotecas legais referidas no artigo 705.º, alíneas e) e f) CC, em que o
reforço só é permitido se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí
especificados.
c. Redução da hipoteca: da mesma forma que pode ser reforçada, o artigo 718.º CC prevê
que a hipoteca pode ser igualmente reduzida voluntária ou judicialmente. Relativamente
à redução voluntária, prevê o artigo 719.º CC que esta só pode ser consentida por quem
puder dispor da hipoteca, sendo aplicável à redução o regime estabelecido para a renúncia
à garantia. Já relativamente à redução judicial, esta tem lugar, nas hipotecas legais e
judiciais, a requerimento de qualquer interessado, quer no que concerne aos bens, quer
no que respeita à quanta designada como montante do crédito, exceto se, por convenção
ou sentença, a coisa onerada ou a quantia assegurada tiver sido especialmente indicada
(artigo 720.º, n.º1 CC). O artigo 720.º, n.º2 CC acrescenta que neste último caso, bem
como no hipoteca voluntária, a redução judicial só é admitida:
i. Se, em consequência do cumprimento parcial ou de outra causa de extinção, a
dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;
ii. Se, por virtude de acessões naturais ou benfeitorias, a coisa ou o direito
hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço do seu valor à data da
constituição da hipoteca.
Daqui resulta que não são normalmente redutíveis as hipotecas voluntárias, solução que
se apresenta coerente com o princípio da indivisibilidade da hipoteca (artigo 696.º CC).
Nos termos do artigo 720.º, n.º3 CC, a redução é realizável, quanto aos bens, ainda que
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a hipoteca tenha por objeto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja
suscetível de cómoda divisão.
2. Transmissão dos bens hipotecados:
a. Efeitos da alienação sobre o crédito hipotecário: a hipoteca não subtrai os bens ao
comércio jurídico, pelo que estes podem livremente ser transmitidos para terceiro. A lei
proíbe mesmo a cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados no artigo 695.º CC ao
estabelecer que é igualmente nula a convenção que proíba o respetivo dono de alienar
ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário
se vencerá logo que os respetivos bens sejam alienados ou onerados. Mesmo sem esta
última convenção, o artigo 725.º CC permite ao credor hipotecário, antes do vencimento
do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito hipotecado se, por
culpa deste, diminuir a segurança do crédito.
b. Possibilidade de expurgação da hipoteca: um efeito importante da transmissão dos bens
hipotecados é a atribuição ao adquirente dos bens da possibilidade de expurgar a hipoteca.
Efetivamente, nos termos do artigo 721.º CC é permitida a expurgação da hipoteca a
quem adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoal. A cessão
da hipoteca sem o crédito assegurado é admissível, desde que esta não seja inseparável
da pessoa do devedor, podendo ser efetuada para garantia de crédito pertencente a outro
credor do mesmo devedor, observadas as regras próprias da cessão de créditos. No caso
de se tratar de hipoteca sobre coisa ou direito de terceiro, é necessário o consentimento
deste (artigo 727.º, n.º1 CC). A cessão é, no entanto, apenas permitida se for efetuada na
sua totalidade à mesma pessoa, sendo vedada a cessão parcial, mesmo que a hipoteca
incida sobre mais do que uma coisa ou direito (artigo 727.º, n.º2 CC). Verificada a cessão,
o novo crédito fica a ser garantido pelo hipoteca, mas apenas nos limites em que era
garantido o crédito originário, sendo que, após o registo da cessão, a extinção do crédito
originário não afeta a subsistência da hipoteca (artigo 728.º CC). Uma vez que é sujeita
ás regras da cessão de créditos, a cessão da hipoteca tem por base um determinado tipo
negocial, no qual se integra (artigo 578.º, n.º1 CC), sendo sujeito à respetiva forma. No
caso de a hipoteca incidir sobre bens imóveis, a cessão deverá constar de escritura pública
ou documento particular autenticado (artigo 578.º, n.º2 CC). A sua eficácia em relação
ao devedor depende da notificação ou aceitação (artigo 583.º, n.º1 CC). Da mesma forma
que se permite a cessão da hipoteca, é também permitida a cessão do grau hipotecário a
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favor de qualquer outro credor hipotecário posteriormente inscrito sobre os mesmos
bens, observadas igualmente as regras respeitante à cessão do mesmo crédito (artigo 729.º
CC). Não será necessário o consentimento do devedor, mas se a hipoteca incidir sobre
bem de terceiro parece ser necessário o consentimento deste (artigo 727.º, n.º1, in fine CC
por analogia). Em qualquer caso, são também aplicáveis as regras da cessão de créditos
(artigos 577.º e seguintes CC), o que implica que a cessão de grau hipotecário seja um
efeito de um negócio no qual se integra (artigo 578.º, n.º1 CC), obedecendo à forma
desse negócio, embora, no caso de bens imóveis, tenha que constar de escritura pública
ou documento particular autenticado (artigo 22.º Decreto-Lei n.º226/2008).
Execução da hipoteca: a hipoteca pode ser naturalmente executada, em caso de incumprimento
da obrigação a que serve de garantia. A execução não pode ser dispensada, já que a lei proíbe o pacto
comissório no artigo 694.º CC, ao estabelecer que é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à
constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor
não cumprir. Se o bem hipotecado pertencer ao devedor, o artigo 752.º, n.º1 CPC estabelece que a
penhora recai, independentemente de nomeação sobre a coisa hipotecada e só pode recair noutros bens
quando se reconheça a insuficiência daquela para conseguir o fim da execução. A defesa do proprietário
da coisa hipotecada na execução varia consoante ele seja o próprio devedor ou um terceiro em relação à
obrigação garantida. No caso de ser o próprio devedor, o artigo 697.º CC estabelece que ele tem o direito
de se opor não só a que outros bens estejam penhorados na execução enquanto não se reconhecer a
insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além
do necessário à satisfação do direito do credor. No caso de ser um terceiro, é-lhe lícito opor ao credor,
ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito,
com exceção das exceções que são recusadas ao fiador (artigo 698.º, n.º1 CC). Para além disso, tem a
faculdade de se opor à execução enquanto o devedor puder impugnar o crédito donde provém a sua
obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver
a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor (artigo 698.º, n.º2 CC).
Extinção da hipoteca: o artigo 730.º CC indica-nos as causas de extinção da hipoteca sendo a
primeira a extinção da obrigação a que serve de garantia.
Efetivamente, constituindo a hipoteca uma garantia acessória, naturalmente que se extinguirá com a
extinção da obrigação a que serve de garantia. É, no entanto, de referir que a causa extintiva da obrigação
pode ser declarada nula ou anulada, caso em que se verificará o renascimento da hipoteca, a menos que
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esta tenha sido constituída por terceiro, e a causa da invalidade seja imputável ao credor, caso em que o
renascimento só ocorrerá se este conhecer o vício na data em que teve conhecimento da extinção da
obrigação (artigos 766.º, 839.º, 856.º, 860.º, n.º2, 866.º, n.º3 e 873.º, n.º2 CC). S
e, no entanto, a inscrição hipotecária no registo tiver sido cancelado, o renascimento apenas ocorre desde
a data da nova inscrição (artigo 732.º CC).
A segunda causa de extinção da hipoteca, referida no artigo 730.º, alínea b) CC, é a prescrição, a favor
de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco
sobre o vencimento da obrigação. Trata-se de prescrição relativa à própria garantia, a qual não se
confunde com a prescrição relativa ao crédito assegurado. Tem sido, por isso, questionado se a figura
não seria mais adequadamente qualificável como caducidade.
A terceira causa de extinção da hipoteca, referida no artigo 730.º, alínea c) CC, é o perecimento da coisa
hipotecada, se prejuízo da eventual transferência do direito, ou para o crédito da indemnização, ou para
a importância paga a esse título, ou para a coisa que veio substituir a que perecera, nos termos dos artigos
692.º, e 701.º CC. Efetivamente, é sabido que o perecimento da coisa que era objeto de determinado
direito acarreta logicamente a extinção desse mesmo direito.
Outra forma de extinção da hipoteca, referida no artigo 730.º, alínea d) CC, é a renúncia do credor.
Apesar de a expressão renúncia do credor tanto poder considerar-se como referida ao crédito, provocando
a sua extinção, como à própria hipoteca, tornando o credor mero comum, a melhor interpretação é a
que a considera como referida apenas à hipoteca, a qual não determina a remissão do crédito (artigo
867.º CC). Efetivamente, independentemente da controvérsia sobre se a renúncia se poderia considerar
como verdadeira causa extintiva dos direitos de crédito, ou se apenas se pode aplicar a remissão, com
caráter contratual (artigo 863.º, n.º1 CC), a verdade é que a extinção da obrigação garantida aparece
genericamente referida no artigo 730.º, alínea a) CC, pelo que o artigo 730.º, alínea d) CC deve-se
considerar restrito à renúncia hipoteca.
Em relação a esta o artigo 731.º, n.º1 CC, vem referir que ela deve ser expressa e exarada em documento
autenticado, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus
efeitos, acrescentando o n.º2 que as administradores de patrimónios alheios não podem renunciar às
hipotecas constituídas em benefício de pessoas cujos patrimónios administram.
No caso de a renúncia ser considerada inválida, opera-se o renascimento da hipoteca, mas se a inscrição
tiver sido entretanto cancelada, o renascimento apenas se verifica após a nova inscrição (artigo 732.º CC).
Apesar de não prevista no artigo 730.º CC, deve ainda ser considerada como causa de extinção, a
expurgação da hipoteca no caos de transmissão dos bens hipotecados.
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Conforme resulta do artigo 721.º CC, a expurgação pode ser efetuada por dois meios:
1. Pagamento integral da dívida hipotecária aos credores respetivos: a hipoteca extingue-se
em resultado da extinção da obrigação principal, integrando-se, assim, esta situação na referida
no artigo 730.º, alínea a) CC.
2. Pagamento do preço ou do valor dos bens hipotecados: parece haver um caso autónomo de
extinção da hipoteca em consequência da expurgação.
Existe igualmente uma causa autónoma de extinção da hipoteca constituída por terceiro, já que o artigo
717.º, n.º1 CC vem prever que a hipoteca constituída por terceiro extingue-se na medida em que, por
facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação daquele que nos direitos deste.
Outra causa de extinção da hipoteca não prevista no artigo 730.º CC é a caducidade, o que pode ocorrer,
por exemplo, em caso de verificação da condição resolutiva ou de não verificação da condição suspensiva
que tenha sido aposta ao negócio relativo à sua constituição.
Finalmente, é igualmente causa de extinção da hipoteca a extinção do direito sobre que a hipoteca incide,
como acontece se o usufruto ou a superfície que foram objeto de hipoteca se vierem a extinguir (artigo
699.º, n.º2 e 1539.º, n.º1 CC). No caso do usufruto, no entanto, o artigo 699.º, n.º3 CC vem estabelecer
que se a sua extinção resultar de renúncia ou da transferência dos direitos do usufrutuário para o
proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a hipoteca subsiste, como se a extinção
do direito se não tivesse verificado.
Natureza da hipoteca: a doutrina tem discutido a natureza da hipoteca em termos muito
semelhantes aos do penhor, tendo sido igualmente sustentado o seu enquadramento como figura
processual, como direito de crédito, como direito misto, ou como direito real de garantia.
A contestação da natureza real da hipoteca é, no entanto, reforçada em relação ao penhor pelo facto de
o credor hipotecário não possuir qualquer poder material sobre a coisa, de que não chega a adquirir
posse. A hipoteca limita-se às faculdades de executar a coisa e de obter pagamento sobre o seu valor,
com preferência em relação aos demais credores do devedor. Apesar disso, pensamos, no entanto, que
estas faculdades bastam para caracterizar como direito real e garantia.
Efetivamente, a hipoteca possui, como todos os direitos reais o caráter absoluto, a inerência, a sequela e
a prevalência.
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D – Os privilégios creditórios
Generalidades: de acordo com a definição do artigo 733.º CC, o privilégio creditório é a faculdade
que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de
serem pagos com preferência a outros.
Características dos privilégios creditórios: os privilégios creditórios representam uma
atribuição legal de preferência no pagamento, tendo em atenção a valoração que o legislador faz da fonte
do crédito, considerando que esse crédito deve ser pago à frente dos outros.
Assim, os privilégios só podem ser atribuídos por lei, sendo vedadas às partes a sua criação através de
negócios jurídicos e dispensam qualquer publicidade, designadamente a resultante do registo. A sua
criação legal não deixa, porém, de suscitar críticas na doutrina, designadamente pela insegurança que
causam no comércio jurídico, prejudicando a concessão de créditos, na medida em que o credor
beneficiário de outra garantia real pode vê-la preterida pelo privilégio. A lei procura atenuar essas
consequências decretando a extinção de alguns privilégios em caso de insolvência do devedor (artigo
97.º, n.º1, alíneas a) e b) CIRE).
Modalidades de privilégios creditórios:
1. Privilégios gerias e privilégios especiais: nos termos do artigo 735.º CC os privilégios
creditórios podem ser gerais ou especiais, consoante incidem sobre uma categoria geral de bens
do devedor ou sobre bens determinados.
2. Privilégios mobiliários e imobiliários: nos termos do artigo 735.º, n.º1 CC, os privilégios
podem ser mobiliários ou imobiliários, consoante a natureza das coisas sobre que incidem. São
mobiliários os privilégios que incidam sobre bens móveis, podendo ser gerais ou especiais,
consoante abranjam o valor de todos os bens móveis do devedor à data da penhora ou ato
equivalente, ou apenas o valor de certos bens móveis (artigo 735.º, n.º2 CC). São imobiliários
aqueles que incidam sobre o valor de bens imóveis, sendo que neste caso todos os previstos no
Código Civil são especiais (artigo 735.º, n.º3 CC), encontrando-se, porém, privilégios creditórios
imobiliários gerais em legislação especial.
Regime dos privilégios creditórios:
1. Regime geral: os privilégios constituem-se exclusivamente em virtude da lei, que estabelece os
termos da sua atribuição. O privilégio garante naturalmente o crédito que dele beneficia, podendo,
nos termos do artigo 734.º CC, garantir igualmente os juros relativos aos últimos dois anos, se
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forem devidos. Os privilégios extinguem-se pelas mesmas causas de extinção da hipoteca (artigos
752.º e 730.º CC). São ainda aplicáveis aos privilégios as disposições dos artigos 692.º, e 694.º a
699.º CC, relativos à hipoteca (artigo 753.º CC). É conveniente distinguir em virtude da sua
diferente natureza, os regimes particulares dos:
a. Regime dos privilégios especiais: o privilégio especial goza de sequela, pelo que vale
contra terceiros. No caso de existir conflito entre o privilégio mobiliário especial e um
direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido (artigo 750.ºCC), salvo
no caso do privilégio relativo a despesas de justiça, o qual prevalece não só sobre os
demais privilégios, mas também sobre outras garantias, mesmo anteriores, que onerem
os mesmos bens e vale contra terceiros adquirentes (artigo 746.º CC). Tratando-se, no
entanto, de privilégio mobiliário geral, este é graduado depois dos privilégios imobiliários
especiais (artigo 747.º, n.º1, alínea f) CC), salvo se se tratar do privilégio mobiliário geral
relativo a dívidas fiscais conferido pelo artigo 736.º CC ao Estado e às autarquias locais
(artigo 747.º, n.º1, alínea a) CC), o qual prevalece sobre os outros privilégios mobiliários
especiais, salvo os relativos a despesas de justiça. Já em se tratando de privilégio
imobiliário especial, determina o artigo 751.º CC que eles são oponíveis a terceiros que
adquiram o prédio ou algum direito real sobre ele e preferem à consignação de
rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam
anteriores. Se houver concurso entre privilégios, este é resolvido, não com base na ordem
da sua constituição, mas antes com base na natureza do privilégio (artigos 745.º e
seguintes CC), efetuando-se o rateio dos bens no caso de ocorrência de créditos
igualmente privilegiados (artigo 745.º, n.º2 CC). Assim, o privilégio sobre despesas de
justiça, seja mobiliário ou imobiliário, tem preferência não só sobre os demais privilégios,
como sobre as outras garantias, mesmo anteriores, que onerem os mesmos bens, e vale
contra os terceiros adquirentes (artigo 746.º CC). Relativamente aos privilégios
mobiliários, graduam-se sucessivamente os créditos por impostos, primeiro em relação
ao Estado e depois às autarquias locais, os créditos por fornecimentos destinados à
produção agrícola, os créditos da vítima de um facto que dê lugar à responsabilidade civil,
e os créditos de autor de obra intelectual (artigo 747.º CC). Quanto aos privilégios sobre
o navio, eles preferem a qualquer privilégio geral ou especial sobre móveis estabelecido
no Código Civil (artigo 574.º CCom). Relativamente aos privilégios imobiliários especiais
são graduados em primeiro lugar os créditos fiscais do Estado e depois os das autarquias
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(artigo 748.º CC). A eficácia dos privilégios especiais como garantias é no entanto mais
reduzida pelo facto de que aqueles de que sejam titulares o Estado, as autarquias locais e
as instituições de segurança social, vencidos mais de 12 meses antes da data do início do
processo de insolvência, se extinguirem com a declaração de insolvência (artigo 97.º, n.º1,
alínea b) CIRE).
b. Regime dos privilégios gerais: o regime dos privilégios gerais não varia muito do dos
privilégios especiais. O concurso entre eles é regulado nos artigos 745.º e seguintes CC,
sabendo-se que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelos privilégios, sejam oponíveis
ao exequente (artigo 749.º, n.º1 CC), estabelecendo ainda o artigo 749.º, nº.2 CC que as
leis de processo estabelecem os limites ao objeto e à oponibilidade do privilégio geral ao
exequente e à massa falida, bem como os casos em que ele não é invocável ou se extingue
na execução ou perante a declaração de falência. Efetivamente, após a reforma da ação
executiva, o artigo 788.º, n.º4 CPC veio determinar que não é admitida a reclamação do
credor com privilégio geral, mobiliário ou imobiliário, quando:
i. A penhora tenha incidido sobre bem só parcialmente penhorável, renda, outro
rendimento periódico ou veículo automóvel ou bens móveis de valor inferior a
25 UC;
ii. Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, a penhora tenha incidido sobre
moeda corrente ou depósito bancário em dinheiro;
iii. Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC este requeira procedentemente
a consignação de rendimentos, ou a adjudicação, em dação em cumprimento do
direito de crédito no qual a penhora tenha incidido, antes de convocados os
credores.
Em caso de insolvência determina o artigo 97.º, n.º1, alínea a) CIRE que se extinguem com a declaração
de insolvência os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de
que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social, constituídos mais
de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência. Há que salientar, relativamente aos
privilégios gerais, que o facto de não possuírem cariz de garantia real impede que lhes seja aplicado o
artigo 752.º, n.º1CPC, não estando, assim, o seu titular dispensado de nomear bens à penhora, o que
pode fazer independentemente de ocorrer ou não a insuficiência dos bens sobre que incide o privilégio.
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Natureza dos privilégios: a natureza dos privilégios não pode ser examinada de forma unitária,
havendo que distinguir entre:
1. Os privilégios gerais: não podem ser considerados como direito reais de garantia, uma vez que
não incidem sobre coisas determinadas, nem gozam de sequela, só podendo ser exercidos em
relação aos bens que se encontrem à data da penhora no património do devedor. Temos vindo
por isso a qualifica-los por isso como garantias especiais sobre universalidades.
2. Os privilégios especiais: são direitos reais, uma vez que incidem sobre coisas determinadas, e
gozam de sequela, sendo oponíveis a terceiros e concedem preferência no pagamento ao credor
que deles beneficia, assemelhando-se nestes termos ao penhor e à hipoteca. Devem ser, por isso,
qualificados como direitos reais de garantia, cuja única especialidade resulta de serem atribuídos
por lei, em atenção à causa do crédito.
E – O direito de retenção
Generalidades: o direito de retenção encontra-se previsto no artigo 754.º CC, prevendo-se ainda
casos especiais deste direito no artigo 755.º CC, em ordem a abranger o transportador, o albergueiro, o
mandatário, o gestor de negócios, o depositário, o comodatário, o beneficiário da promessa de
transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa. O artigo 1323.º, n.º3 CC atribui
ainda direito de retenção ao achador da coisa. Apesar de não se encontrar expressamente contemplado
no artigo 754.º CC, tem sido ainda reconhecido pela doutrina o direito de retenção ao empreiteiro, sendo
minoritária a posição contrária. Atualmente, ainda, há uma justificação suplementar que é o facto de o
artigo 25.º Decreto-Lei n.º201/98, 10 julho, conferir direito de retenção ao construtor do navio, o que
constitui manifestamente um caso de empreitada. Fora do Código Civil encontram-se ainda casos
especiais de direito de retenção, como o direito de retenção do transportador (artigo 21.º Decreto-Lei
n.º352/86, 21 outubro e artigo 14.º Decreto-Lei n.º239/2003, 4 outubro), o direito de retenção atribuído
a advogado, nos termos do artigo 96.º, n.º3 Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei
n.º15/2005, 26 janeiro) e o direito de retenção do agente comercial (artigo 35.º Decreto-Lei n.º178/86,
3 julho).
O direito de retenção nunca está sujeito a registo, mesmo quando incida sobre bens a ele sujeitos. Apesar
dessa não sujeição a registo, goza de uma publicidade específica resultante da posse da coisa pelo retentor,
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que permite que os outros se apercebam da garantia. É, por outro lado, uma garantia acessória, na medida
em que pressupõe um crédito garantido, cujas vicissitudes acompanha, sendo igualmente indivisível nos
mesmos termos da hipoteca (artigo 696.º CC) e do penhor (artigo 678.º CC), por cujo regime se rege
(artigos 758.º e 759.º CC).
Pressupostos do direito de retenção: conjugando os artigos 754.º, 755.º, e 756.º CC, verificamos
que o direito de retenção apresenta genericamente como pressupostos:
1. Que o devedor esteja obrigado a entregar uma coisa suscetível de penhora: o primeiro
pressuposto é que o devedor esteja obrigado a entregar certa coisa (artigo 754.º CC), devendo
essa coisa ser suscetível de penhora (artigo 756.º, alínea c) CC). Efetivamente, sendo o direito de
retenção uma garantia real, naturalmente que só podem ser objeto do mesmo as coisas suscetíveis
de penhora, pelo que se alguém estiver obrigado a entregar algum dos bens referidos nos artigos
736.º e 737.º CPC, naturalmente, que não pode exercer o direito de retenção, dado que nos casos
em que a coisa retida seja impenhorável será impossível constituir sobre ela qualquer garantia.
2. Que seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a quem esteja obrigado
a entregar essa coisa, crédito exigível, ainda que com base na perda do benefício do
prazo, mas não necessariamente líquido: em regra, o direito de retenção só pode ser exercido
em caso de vencimento do crédito, podendo o vencimento ser desencadeado pelo credor, no
caso das obrigações puras (artigo 805.º, n.º1 CC) ou resultar do prazo estipulado pelas partes
(artigo 805.º, n.º2, alínea a) CC). Pode, porém, neste último caso, ocorrer a perda do benefício
do prazo, caso ocorra a insolvência ou diminuição das garantias prestadas (artigo 780.º CC), ou
a não realização de uma prestação nas dívidas a prestações (artigo 781.º CC), o que torna o crédito
imediatamente exigível e consequentemente permite ao credor exercer o direito de retenção
(artigo 7575.º, n.º1 CC). Não obsta ao exercício do direito de retenção a iliquidez do crédito
garantido (artigo 757.º, n.º2 CC), dado que a eficácia do direito de retenção como garantia não
depende da determinação exata do montante do crédito, sendo essa iliquidez uma circunstância
comum na hipótese de danos causados pela coisa.
3. Que exista uma conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva
receber, podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos
por ela causados (artigo 754.º CC) ou de uma relação legal ou contratual que tenha
implicado a detenção da coisa, a cuja garantia que a lei atribua esse efeito (artigo 755.º
CC): outro pressuposto do direito de retenção é a existência de uma conexão causal entre o
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crédito e a coisa, a qual nos termos do artigo 754.º CC se exprime genericamente pelo facto de
o crédito resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados. Essa
conexão causal pode ainda ser estabelecida pelo facto de a detenção da coisa resultar de uma
relação legal ou contratual à qual a lei atribua como garantia esse direito. É o que sucede nas
situações previstas no artigo 755.º CC, que confere esse direito ao transportador, albergueiro,
mandatário, gestor de negócios, depositário, comodatário, e beneficiário da promessa de
transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa. É também o que
sucede na hipótese de achado da coisa (artigo 1323.º, n.º4 CC).
4. Que nem a aquisição da detenção da coisa tenha resultado de meios ilícitos, com o
conhecimento do adquirente, nem a constituição do crédito tenha resultado de despesas
efetuadas de má fé: nos termos do artigo 756.º, alíneas a) e b) CC, o direito de retenção é
excluído quando a detenção da coisa tenha sido adquirida por meios ilícitos, com o conhecimento
do retentor, ou quando tenham sido realizadas de má fé as despesas que determinaram a
aquisição do crédito. A má fé é aqui entendida em sentido subjetivo, como a consciência da
ilicitude da aquisição da coisa ou da lesão do credor em face da realização da despesa.
5. Que a outra parte não preste caução suficiente: o direito de retenção surge como uma
garantia provisória, pelo que cessa se a outra parte prestar caução suficiente (artigo 756.º, alínea
d) CC). A caução poderá ser prestada por qualquer das formas referidas no artigo 623.º CC,
incluindo por fiança, caso em que ocorrerá a substituição de uma garantia real por uma garantia
pessoal.
Direitos do retentor: a posição jurídica do retentor é equiparada à do credor pignoratício, quando
recai sobre coisa móvel (artigo 758.º CC), e à do credor hipotecário, quando recai sobre coisa imóvel
(artigo 759.º CC), sendo aplicável consequente o regime já exposto sobre estas garantias.
Consequentemente, o retentor não pode, em caso algum, apropriar-se da coisa retida, apenas podendo
proceder à sua alienação no âmbito da execução da garantia.
Transmissão do direito de retenção: nos termos do artigo 760.º CC, o direito de retenção não
é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante.
A não admissibilidade de uma transmissão autónoma do direito de retenção, justifica-se pelo facto de
ele ser conferido por lei, tendo em atenção a particular conexão existente entre o crédito garantido e a
coisa retida, conexão que deixaria de existir se fosse transmitido sem esse crédito.
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Extinção do direito de retenção: nos termos do artigo 761.º CC, o direito de retenção extingue-
se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda pela entrega da coisa. Assim, para
além dos casos já referidos no artigo 730.º CC, a extinção do direito de retenção pode ocorrer em
resultado da entrega da coisa. À semelhança do que se referiu para o penhor, parece que essa extinção
ocorre, quer a entrega seja voluntária, quer involuntária, como na hipótese de resultar de fraude ou
violência. Efetivamente, os terceiros que contratam com o dono da coisa terão que ver a sua situação
protegida, a qual prevalece por isso sobre a do retentor que tenha entregue a coisa. No entanto, em caso
de esbulho da coisa, o retentor pode utilizar das ações possessórias para a recuperar, nos termos dos
artigos 758.º, 759.º, n.º3 e 670.º, alínea a) CC, o que lhe permite retomar o exercício do direito de retenção,
após a recuperação da coisa. Uma outra causa de extinção do direito de retenção é a sua substituição por
caução, face ao que se dispõe no artigo 756.º, alínea d) CC. Efetivamente, uma vez caucionado o crédito,
o retentor passa a possuir uma garantia de cumprimento pelo que a retenção da coisa deixa de ser legítima.
Apesar de não expressamente prevista na lei, tem-se entendido que o direito de retenção se pode
extinguir por confusão, quando a propriedade da coisa a reter é adquirida pelo retentor. No entanto,
caso a aquisição seja realizada pelo retentor em ação executiva instaurada contra o devedor, parece que
se deverá aplicar analogicamente o artigo 724.º, n.º1 CC, estabelecendo-se o renascimento do direito e o
seu atendimento no quadro do artigo 824.º, n.º2 CC. É controversa a questão sobre se o direito de
retenção sobrevive à venda executiva:
1. Em sentido negativo: pronunciaram-se Pires de Lima e Antunes Varela, sustentando que
todos os direitos reais de garantia caducam com a venda executiva, uma vez que a exceção
prevista na parte final do artigo 824.º CC relativamente aos direitos que produzem efeitos em
relação a terceiros independentemente de registo não se refere a direitos reais de garantia, sendo
esta posição igualmente seguida por grande parte da jurisprudência.
2. Em sentido afirmativo: pronuncia-se Menezes Cordeiro, considerando que a exceção da parte
final do artigo 824.º CC abrange os direitos reais de garantia que produzam efeitos em relação a
terceiros independentemente do registo.
Natureza do direito de retenção: conforme acima se salientou, o direito de retenção é moldado
sobre o regime do penhor ou da hipoteca, consoante incida respetivamente sobre coisas móveis (artigo
758.º CC) ou sobre imóveis (artigo 759.º CC).
O direito de retenção constitui assim um verdadeiro direito real de garantia, na medida em que, tal como
aqueles direitos, possui as características do caráter absoluto, da inerência, da sequela e da prevalência.
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Sendo uma garantia muito forte, na medida em que até pode prevalecer sobre a hipoteca constituída
anteriormente (artigo 759.º, n.º2 CC), o direito de retenção assume, no entanto, cariz provisório, na
medida em que pode ser excluído pela prestação de caução suficiente (artigo 756.º, alínea d) CC).
O direito de retenção assume, por outro lado, essencialmente uma função compulsória, visando compelir
o devedor a realizar a prestação em dívida, em ordem a recuperar o objeto retido.
F – A penhora
Generalidades: a penhora consiste numa apreensão dos bens do executado (seja ele o devedor ou
terceiro) afetos à garantia da obrigação exequenda, em ordem a que eles possam ser sujeitos aos fins da
ação executiva, a saber, a satisfação do direito do credor exequente e, eventualmente, do dos outros
credores com garantia real sobre esses bens. Apesar de resultar de um ato judicial, não deixa de constituir
em termos substantivos uma garantia das obrigações, na medida em que, além de impedir o executado
de continuar a dispor dos bens penhorados, atribui ao exequente preferência na satisfação dos seus
créditos sobre esses bens, preferência essa que apenas cessa no caso de insolvência do executado. A
penhora integra-se assim entre as garantias reais das obrigações.
Objeto da penhora: relativamente ao objeto da penhora, a regra constante dos artigos 601.º, 817.º
e 818.º CC e 735.º CPC é a de poderem ser penhorados todos os bens do devedor que respondem pela
dívida exequenda, bem como bens de terceiro vinculados à garantia do crédito, ou objeto de ato praticado
em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.
Exige-se, no entanto, que quer o devedor quer o terceiro, sejam executados no processo, uma vez que a
penhora só pode incidir sobre bens do executado (artigo 735.º CPC).
Há, no entanto, certos bens do executado que não podem ser penhorados. Entre eles encontram-se os
bens absoluta ou totalmente impenhoráveis (artigo 736.º CPC), os bens relativamente impenhoráveis
(artigo 737.º CPC) e os bens parcialmente impenhoráveis (artigo 738.º CPC). Nestes casos, a lei considera
que estes bens desempenham no património do executado funções superiores àquela de satisfação do
direito do exequente, pelo que não admite a sua nomeação à penhora.
Também não podem ser executados bens do executado que pertençam a um património autónomo em
relação à dívida exequenda (artigo 601.º, n in fine CC conforme artigo 744.º CPC), sendo ainda admitida
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a limitação da responsabilidade por convenção das partes (artigo 602.º CC) ou por determinação de
terceiro (artigo 603.º CC).
Regime processual da penhora: ver na sebenta – pgs 517-518
Efeitos da penhora: em relação aos efeitos da penhora, podem apontar-se os seguintes:
1. Função individualizadora dos bens: bens esses que irão ser submetidos ao poder de execução
do credor. Efetivamente, enquanto que antes da penhora o credor dispõe apenas da garantia
geral incidente sobre o património do devedor, após a penhora adquire uma garantia especial
incidente sobre bens determinados.
2. Função conservatória: na medida em que o proprietário perde os poderes de gozo sobre os
bens penhorados, sendo esses bens entregues a um depositário judicial, bem como os poderes
de disposição sobre esses bens, ficando estes numa situação de indisponibilidade, sendo
considerados ineficazes em relação ao exequente os atos que envolvam alienação ou oneração
dos bens penhorados (artigo 819.º CC). Na penhora de créditos, é também considerada ineficaz
em relação ao exequente a extinção do crédito por causa dependente da vontade do executado
ou do seu devedor, verificada depois da penhora (artigo 820.º CC). A indisponibilidade jurídica
pode inclusivamente afetar negócios celebrados pelo executado antes da penhora, mas que
venham pôr em causa rendimentos obtidos após a mesma, sendo assim também considerada
ineficaz em relação ao exequente a liberação ou cessão de rendas ou alugueres respeitantes a
períodos de tempo posteriores à penhora (artigo 821.º CC).
3. Função de garantia: na medida em que confere ao exequente o direito de ser pago, com
preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior sobre os bens
penhorados (artigo 822.º, n.º1 CC). A anterioridade da garantia é determinada pela data do registo,
no caso de bens imóveis e móveis sujeitos a registo (artigos 2.º, n.º1, alínea n) e 6.º, n.º1 CRPr),
pela data da hora da diligência, no caso de a penhora incidir sobre bens móveis não registáveis e
pela data da notificação ao obrigado em relação a direitos. Caso, porém, a penhora seja precedida
de arresto, a sua anterioridade é reportada à data do arresto (artigo 822.º, n.º2 CC). Precisamente
para admitir a graduação das outras garantias reais em confronto com a penhora vem o artigo
786.º, n.º1, alínea b) CPC prever a citação dos credores com garantia real sobre os bens
executados, os quais são admitidos a reclamar o seu crédito na ação executiva, caso disponham
de título executivo (artigo 788.º CPC). A preferência resultante da penhora deixa, porém, de ser
atendida, caso venha a ser decretada a insolvência do executado (artigo 140.º, n.º3 CIRE).
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Extinção da penhora: apesar de a lei nada prever sobre a extinção da penhora, parece poder aplicar-
se-lhe analogicamente as disposições do artigo 730.º CC, relativa à hipoteca, quando incida sobre imóveis
ou móveis sujeitos a registo, e do artigo 677.º CC, relativa ao penhor, quando incida sobre móveis. Assim,
a penhora extinguir-se-á naturalmente em resultado da extinção da obrigação a que serve de garantia
(artigo 730.º, alínea a) e 677.º CC). Uma das formas de tal ocorrer é pelo pagamento da dívida referida
no âmbito da execução (artigos 795.º e seguintes CPC).
Também parece dever ser considerada causa de extinção da penhora, no caso em que esta recaia sobre
bens imóveis, a prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio penhorado, decorridos vinte anos
sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação (artigo 730.º, alínea b) CC). Já a
penhora de bens móveis não estará sujeita a esta específica causa de extinção (artigo 677.º CC).
Será naturalmente também causa de extinção da penhora o perecimento da coisa penhorada (artigos
730.º, alínea c) e 677.º CC). O artigo 823.º CC dispõe, no entanto, que se a coisa penhorada se perder,
for expropriada ou sofrer diminuição de valor, e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização
de terceiro, o exequente conserva sobre os créditos respetivos, ou sobre as quantias pagas a título de
indemnização, o direito que tinha sobre a coisa.
Finalmente, parece também dever-se considerar causa de extinção da penhora a renúncia do credor
(artigo 730.º, alínea d) e 677.º CC).
Natureza da penhora: a natureza da penhora é controvertida. Para uma parte da doutrina, a
penhora constitui um direito real de garantia, uma vez que atribui uma preferência no pagamento sobre
os credores que não disponham de melhor garantia anterior, bem como a sequela, uma vez que o
excedente continua a poder executar os bens penhorados, mesmo que estes tenham sido transmitidos
para terceiro. Tratar-se-ia, porém, de um direito real de garantia imperfeito, dado que se extingue em
caso de insolvência do devedor. ´
A inserção da penhora entre os direitos reais de garantia foi, no entanto, rejeitada por vários autores:
1. Miguel Teixeira de Sousa: as garantias reais permitem, por força da sequela, executar o bem
no património daquele que for o seu proprietário ou possuidor. Ora, a penhora resolve o mesmo
problema – a afetação do bem onerado à realização dos fins da execução e, em especial, à
satisfação do crédito do exequente – de modo totalmente oposto. Em vez de acompanhar o bem
transmitido e de sujeitar o seu adquirente à execução, a penhora ignora a transmissão do bem
(artigo 819.º CC) e rejeita qualquer substituição do executado. Enquanto o direito real se adapta
à dinâmica, a penhora ficciona a estática. Assim, o autor defende que a penhora não é um direito
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real de garantia, porque, embora seja inerente a uma coisa e afete a execução desta à satisfação
do crédito do exequente, a sua função é conservatória, sendo apenas uma situação em que são
colocados certos bens ou direitos.
2. Almeida Costa: também considera que, em rigor, não se trata de uma garantia real, mas de um
ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a
produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
3. Menezes Leitão: melhor posição parece ser, no entanto, a que defende a inserção da penhora
no âmbito dos direitos reais de garantia. Efetivamente, independentemente da forma como se
estabelece a garantia, não há dúvida que a penhora atribui ao exequente um direito sobre uma
coisa corpórea, oponível erga omnes, que lhe atribui preferência no pagamento sobre a venda desse
mesmo bem. Não há assim qualquer obstáculo à inserção da penhora entre as garantias reais.
III – Direitos Reais de Aquisição
A – A Promessa Real
Generalidades: consiste num contrato-promessa (artigo 410.º CC) a que não é atribuída eficácia
meramente obrigacional, a qual se traduz apenas na possibilidade de execução específica (artigo 830.º
CC) e na responsabilidade obrigacional por cumprimento (artigos 798.º e seguintes CC), mas antes
eficácia real (artigo 413.º CC), o que permite opor eficazmente a promessa perante terceiros, sendo
adquirido por essa via um direito real de aquisição.
Pressupostos da promessa real: a lei permite a atribuição de eficácia real ao contrato-promessa,
no caso de a promessa respeitar a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e as partes declarem
expressamente a atribuição de eficácia real e procedam ao seu registo (artigo 413.º, n.º1 CC).
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A atribuição de eficácia real tem que constar de declaração expressa, não se admitindo assim que a mesma
seja declarada tacitamente, em exceção à relevância geral da declaração tácita prevista no artigo 217.º CC,
e tem que ser registada.
O registo não parece, porém, ter neste caso eficácia constitutiva do direito real de aquisição, sendo apenas
consolidativo, nos termos gerais.
O contrato-promessa com eficácia real está sujeito a uma forma mais solene, uma vez que é exigida
escritura pública ou documento particular autenticado, a menos que não seja exigida essa forma para o
contrato prometido, caso em que basta um simples documento particular, que a lei estranhamente
continua a exigir que tenha reconhecimento de assinatura (artigo 413.º, n.º2 CC),
Cumpridos estes requisitos, o contrato-promessa adquire eficácia real, o que significa que o direito à
celebração do contrato definitivo prevalecerá sobre todos os direitos reais que não tenham registo
anterior ao registo da promessa com eficácia real. Neste caso, parece que o direito à celebração do
contrato definitivo pode ser sempre exercido, mesmo que as partes decidam constituir sinal ou
estabelecer penalizações para o incumprimento ou inclusivamente celebrar convenção contrária à
execução específica.
Regime da promessa real: a lei não esclarece qual a forma de obter o cumprimento da promessa
com eficácia real, em caso de ocorrer efetivamente a venda do prédio a terceiros.
1. Antunes Varela, Almeida Costa e Ribeiro de Faria defendem que deverá estabelecer-se da
mesma forma a execução específica contra o obrigado, aplicando-se em relação ao terceiro o
regime da venda de bens alheios, o que permitiria exigir imediatamente dele a restituição com
base na nulidade da venda.
2. Dias Marques defende que deverá interpor-se uma ação de execução específica contra o terceiro;
3. Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes concebem que a ação de execução específica deve
ser instaurada simultaneamente contra o obrigado e o terceiro adquirente;
4. Menezes Cordeiro entende que a forma adequada seria uma ação de reivindicação adaptada
contra o terceiro (artigo 1315.º CC).
5. Menezes Leitão: o exercício da eficácia real não corresponde a uma ação judicial típica, devendo
considerar-se como uma ação declarativa constitutiva, eventualmente cumulável com um pedido
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de restituição, a instaurar em litisconsórcio necessário contra o promitente e o terceiro adquirente,
destinada a fazer prevalecer o direito de aquisição do promitente comprador sobre a aquisição
desse terceiro.
Natureza da promessa real: é controvertida a natureza jurídica do direito do beneficiário da
promessa com eficácia real:
1. Galvão Telles, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro: trata-se de um verdadeiro direito real
de aquisição;
2. Antunes Varela, Almeida Costa, Pessoa Jorge, Henrique Mesquita e Santos Justo:
sustentam tratar-se ainda de um direito de crédito, embora sujeito a um regime especial de
oponibilidade a terceiros, em certa medida semelhante ao regime previsto no BGB, que admite
a anotação prévia no registo (Vormerkung), de certos direitos de crédito sobre imóveis, por forma
a permitir que não sejam afetados, em caso de posteriormente serem praticados atos de
disposição sobre esses bens;
3. Menezes Leitão: manifesto que a promessa real, embora pressuponha um direito de caráter
relativo, o direito à celebração do contrato prometido, acaba por extravasar desse direito, na
medida em que atribui uma faculdade absoluta de aquisição da coisa, que a ela inere, beneficiando
da sequela e prevalência que caracteriza os direitos reais. Defendemos, consequentemente, que
se trata de um direito real de aquisição.
B – A Preferência Real
Generalidades: consiste na faculdade de adquirir um bem, suportando as mesmas condições de outro
adquirente, que celebrou um contrato relativamente àquele bem.
Não devem, por isso, confundir-se com as preferências legais as situações em que se atribui a alguém a
faculdade de adquirir determinado bem por quantia diferente daquela que se encontra estipulada no
contrato preferível, como ocorre no âmbito dos artigos 27.º e 28.º LS, em que a administração pode
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exercer a preferência com a declaração de não aceitação do preço convencionado, caso em que a
transmissão para o preferente é feita nos termos da expropriação por utilidade pública.
Efetivamente, é essencial à preferência a igualdade de condições com o contratante em relação ao qual
se pretende preferir, pelo que, sendo estabelecidas condições diferentes, já se não poderá falar em direito
de preferência.
A preferência real pode resultar da atribuição de eficácia real ao pacto de preferência, nos termos do
artigo 421.º CC, assim como da concessão legal de direitos de preferência.
O pacto de preferência com eficácia real: nos termos do artigo 421.º, n.º1 CC, o pacto de
preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis ou a
móveis sujeitos a registo forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no artigo
413.º CC.
O pacto de preferência com eficácia real está sujeito aos mesmos requisitos de forma e publicidade da
promessa com eficácia real, os quais examinámos supra. Sendo atribuída eficácia real ao pacto de
preferência, e por força do artigo 421.º, n.º2 CC, o titular do direito de preferência não tem apenas a
possibilidade de exercer os seus direitos como credor, em caso de incumprimento da obrigação de
preferência (artigos 798.º e seguintes CC), mas também pode lançar mão da ação de preferência prevista
no artigo 1410.º CC, a qual lhe permite adquirir o bem com prevalência sobre qualquer adquirente
posterior.
As preferências legais: encontram-se diversos casos de preferências legais, quer no Código Civil,
quer em legislação especial.
No âmbito do Código Civil, constituem preferências legais a preferência do arrendatário na venda em
dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos, prevista no artigo 1091.º, n.º1, alínea a)
CC, a preferência recíproca dos proprietários de terrenos confinantes, estabelecidas nos artigos 1380.º e
1381.º CC, a preferência recíproca dos comproprietários, prevista no artigo 1409.º CC, a preferência do
proprietário do solo, constante do artigo 1535.º CC, a preferência do proprietário de prédio onerado
com a servidão legal de passagem, prevista no artigo 1555.º CC, e finalmente a preferência recíproca dos
co-herdeiros, estabelecida no artigo 2130.º CC.
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Quanto à preferência dos co-herdeiros, esta deve ser tratada em Direito das Sucessões. Restringiremos,
por isso, neste momento a nossa análise ao:
1. O direito de preferência do arrendatário urbano: no âmbito do arrendamento urbano, é
atribuído ao arrendatário um direito real de preferência, no caso de compra e venda ou dação
em cumprimento do prédio arrendado, no caso de compra e venda ou dação em cumprimento
do prédio arrendado há mais de três anos (artigo 1091.º, n.º1, alínea a) CC). O arrendatário tem
assim a faculdade de obter a propriedade do prédio ou da fração autónoma arrendadas, caso o
senhorio proceda à sua alienação por qualquer destes negócios. O direito de preferência do
arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário
do solo pelo artigo 1535.º CC (artigo 1091.º, n.º3 CC) e é sujeito ao regime geral dos artigos 416.º
a 418.º CC (artigo 1091.º, nº4 CC).
2. O direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes: o primeiro caso de
preferência legal é o direito de preferência dos titulares de terrenos confinantes, estabelecido nos
artigos 1380.º e seguintes e no artigo 18.º Decreto-Lei n.º384/88, 25 outubro. A razão de ser da
atribuição deste direito assenta na intenção de facilitar o emparcelamento de terrenos com área
inferior à da unidade de cultura, em ordem a tornar tecnicamente rentável a sua exploração
agrícola, dados que os minifúndios não proporcionam normalmente um eficiente
aproveitamento dos terrenos. Face ao artigo 1380.º, n.º1 CC, a atribuição deste direito de
preferência depende dos seguintes pressupostos:
a. Ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à da unidade
de cultura;
b. Que quem se apresenta a preferir seja dono de um terreno confinante com o alienado;
c. Que esse prédio tenha área inferior à unidade de cultura;
d. Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
Todos estes pressupostos devem ser considerados como factos constitutivos do direito de preferência,
cabendo por isso a sua alegação e prova ao autor.
O artigo 1318.º CC exclui, porém, o direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes nas
seguintes situações:
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c. Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se
destine a algum fim que não seja a cultura;
d. Quando alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma
exploração agrícola de tipo familiar.
O Assento STJ nº.13/3/1986 fixou a interpretação de que não constituía impedimento ao direito de
preferência o facto de o terreno confinante ter uma cultura diversa do prédio que foi alienado. Já é, no
entanto, impedimento à preferência o facto de o terreno ser destinado a outro fim que não seja a cultura,
designadamente o fim de construção.
O regime do Código Civil veio a ser ampliado pelo artigo 18.º, n.º1 Decreto-Lei n.º384/88, 25 outubro,
estabelece que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no
artigo 1380.º CC, ainda que a área daqueles seja superior à da unidade de cultura.
O regime da preferência real: existindo uma preferência real, o titular da preferência não possui
apenas um direito de crédito à preferência, mas também um direito real de aquisição, que pode opor erga
omnes, mesmo a posteriores adquirentes da propriedade.
A lei esclarece neste caso que o processo adequado para o exercício do direito de preferência é
denominada ação de preferência. Esta vem prevista no artigo 1410.º CC, a propósito da preferência do
comproprietário, mas é extensível a qualquer titular de direitos reais da preferência (artigos 421.º, n.º2,
1091.º, n.º4, 1380.º, n.º4, 1535.º, n.º2 e 2130.º, n.º1, in fine CC).
Esta ação deve ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o titular da preferência teve
conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tendo como condição de procedência que ocorra
o depósito do preço devido nos quinze dias posteriores à propositura da ação.
Uma dúvida que se colocou na doutrina diz respeito à legitimidade passiva para a ação de preferência.
1. A posição maioritária, seguida por Galvão Telles, Almeida Costa e Menezes Cordeiro, era a
de que o obrigado à preferência não seria, enquanto tal, parte legítima para a ação de preferência,
só o sendo caso o titular da preferência decida simultaneamente exigir uma indemnização. A
fundamentação apresentada para esta solução é a de que na ação de preferência se discute
unicamente se o bem é atribuído ao titular da preferência ou permanece na propriedade do
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terceiro, não podendo a ação afetar o obrigado, que normalmente já recebeu o preço que lhe era
devido, nada mais tendo a ganhar ou a perder.
2. Pelo contrário, Antunes Varela e Antunes Varela pronunciou-se no sentido de que o obrigado
à preferência tinha necessariamente que ser demandado para a ação de preferência, existindo
assim um litisconsórcio necessário passivo entre ele e o terceiro adquirente.
Uma questão que suscitou igualmente dúvida residiu em determinar se o depósito do preço devido
exigido no artigo 1410.º CC abrange apenas o preço propriamente dito, ou também as outras despesas
que, por lei, devem ficar a cargo do comprador como a sai ou os emolumentos notariais.
Menezes Leitão entende que a solução correta deve ser a de que apenas é exigido o depósito do preço
devido, ainda que o preferente deva, no caso de ficar também sujeito às mesmas despesas com a sisa e a
escritura e na medida em que o ficar, reembolsar ao terceiro as despesas por ele suportadas, sem o que
haveria enriquecimento sem causa. Uma vez que o direito de preferência tem eficácia erga omnes, e não
está sujeito a registo, o titular do direito de preferência pode sempre opor o seu direito não apenas ao
adquirente, mas também a eventuais sub-adquirentes do bem. Tal situação não é prejudicada pelo facto
de a ação de preferência, enquanto ação constitutiva de direitos reais estar sujeita a registo (artigo 3.º,
n.º1, alínea a) CRPr).
Natureza da preferência real: em relação à natureza jurídica da preferência real, tem-se colocado
da mesma forma que em relação à promessa real, a discussão sobre se a mesma constitui um direito de
crédito oponível a terceiros, ou um direito real de aquisição. Pelas razões acima expostas, preferimos esta
última posição.