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AS MÃES E AS FILHAS E AS AVÓS E AS NETAS
NAS NARRATIVAS GENEALÓGICAS
Lélia Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul
AS MÃES E AS FILHAS E OS ROMANCES DA MATERNIDADE
árbara Ozieblo1
Ozieblo repete a mesma pergunta feita por Virginia Woolf
chamou de um un vínculo poderoso a relação mãe
e filha, que é o tema central da literatura de autoria feminina em
todo o mundo. O Movimento Feminista que antecede em até
quinze anos este fenômeno editorial, e a publicação de grande
número de autoras é, direta ou indiretamente, determinante pela escolha
de deter-minados temas. 2
1 Ozieblo, Barbara (ed.). El vínculo Poderoso: Madres e hijas en la literatura norteamericana. Granada: Universidad de Granada, 1998. 2 Woolf, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1982, p.21.
ao indagar
sobre a ausência de uma herança feminina que não nos deixou nenhum
tipo de patrimônio, seja intelectual ou material. Para Ozieblo o surgimento,
na literatura contemporânea de muitos países e, especificamente, na
norte-americana, do par mãe e filha, é uma novidade já que, ao longo da
história este par esteve excluído:
[…] la pareja madre-hija no existe en nuestra cultura; aseveración lógica puesto que no existe la madre. No debemos olvidar que la madre y la maternidad son conceptos del patriarcado, construidos para impedirle a la mujer la conciencia de su poder. (p. 10)
B
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Antonia Domínguez Miguela3
Para Domínguez os romances que resgatam a linhagem materna são
uma novidade já que figuras como a mãe ou a avó apareciam de forma
inexpressiva n começo da literatura escrita por mulheres (p. 34) e, ainda
que tenham começado a aparecer paulatinamente, muitos romances
representavam os conflitos relativos a mães e filhas referentes ao que
Rich
que investiga sobre o tema da
recuperação da linhagem materna nas autoras latinas nos Estados
Unidos, chama de literatura matrilineal esta literatura, para ela, riquíssima
em formas e técnicas. Mesmo seguindo a tradição de outros países, em que
a herança feminina, registrada oralmente ou na literatura escrita
encontra-se dispersa em diários esquecidos ou manuscritos perdidos,
percebe-a como muito mais complexa:
[…] en el caso de las latinas esta tradición es eminentemente oral y también desvela muchos otros aspectos comunes a la literatura femenina, tales como la experimentación formal, la narración acronológica, la fragmentación textual, la transformación y nuevo empleo de géneros literarios como la autobiografía y el género epistolar, la perspectiva múltiple, la polifonía, la feminización del lenguaje y del discurso literario a través de la inclusión de temas eminentemente femeninos que hasta ahora no se ajustaban al canon literario establecido. (p. 40)
4
Os romances e contos que tratam das genealogias femininas, em
especial os que tratam do tema da maternidade, aparecem num primeiro
momento, especialmente, nos anos 50 e 60, como denúncia das difi-
culdades e frustrações históricas herdadas pelas filhas de suas mães e
assim, sucessivamente, num movimento espiral, ao contrário. As mães e
filhas, nestes romances, são inimigas, opõem-se e, para as filhas, as
denominou de matrofobia, em que as relações entre mãe e filha são
essencialmente conflitantes.
3 Domínguez Miguela, Antonia. Esa imagen que en mi espejo se detiene. La herencia femenina en la narrativa de latinas en Estados Unidos. Huelva: Universidad de Huelva, Servicio de Publicaciones, 2001. 4 Rich, Adrienne. Nacemos de mujer: la maternidad como experiencia e institución. Madrid: Ediciones Cátedra, 1976.
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responsáveis pela repressão ou pelo sentimento de desvalor das filhas
seriam as mães que, aliadas à ideologia patriarcal desqualificaria suma-
riamente as mulheres.
A literatura de autoria feminina escrita neste primeiro momento e,
que também é tema recorrente em diferentes épocas, denominou-se de
matrofobia e consistia, nestas narrativas, numa representação de filhas
mulheres que rejeitavam veementemente suas mães como modelos
identitários. Para Adrienne Rich, uma das teóricas mais importantes sobre
o assunto,
[...] La matrofobia, como la ha denominado la poeta Lynn Sukenick, no es sólo el miedo a la propia madre o a la maternidad, sino a “convertirse en la propia madre”. Miles de hijas consideran que sus madres, que han ejemplarizado la resignación y el autodesprecio de los que las hijas están luchando por liberarse, han sido las transmisoras forzosas de las restricciones y degradaciones carac-terísticas de la existencia femenina. Es mucho más fácil rechazar y odiar abiertamente a la madre que ver, más allá, las fuerza que sobre ella actúan. Pero en un odio a la madre que llegue al extremo de la matrofobia, puede subyacer una fuerza de atracción hacia ella, un terror de que si se baja la guardia, se produzca la identificación completa con ella. Una adolescente puede vivir en guerra con la madre, pero usar sus perfumes y vestidos. Su manera de llevar su propia casa, una vez abandonado el hogar familiar, puede ser la negación del estilo de su madre: no hacer nunca las camas o dejar los platos sin lavar; es decir, un reverso inconsciente de la casa inmaculada propia de una mujer de cuya órbita necesita salir. (p.339) […] La matrofobia se puede considerar la escisión femenina del yo, el deseo de expiar de una vez por todas la esclavitud de nuestras madres, y convertirnos en seres libres. La madre representa la víctima que hay en nosostras, a la mujer sin libertad, a la mártir. Nuestras personalidades parecen mancharse y superponerse peli-grosamente a la de nuestra madre. (p.340)
No Brasil, alguns contos de Tânia Faillace, nos anos 70 e alguns
romances de Lya Luft, mesmo que sejam dos anos 80, são ainda
representativos desta tendência que relata uma total incomunicabilidade
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entre mães e filhas, em que esta relação é desastrosa para as duas e é
libertadora quando o vínculo se desfaz ou arrefece. Esgotado este primeiro
momento, em que a revolta ou a raiva, as frustrações, os sentimentos de
impotência e desvalorização são expressados pelas personagens das filhas
em relação a suas mães, a literatura de autoria feminina toma outros
rumos no que se refere ao tema das genealogias e à representação do par
mãe e filha.
O contrário da mãe que rejeita ou abandona e que, ainda referenda
os mandatos patriarcais que negam importância ou legitimidade às
mulheres seria, em alguns casos, o que Domínguez chamou de la musa-
familiar (p. 38), como um personagem artístico e criativo que estabelece a
transmissão da herança através da arte, de cuidar de um jardim, de cantar
ou de contar histórias.
Ciplijauskaité5
Marcela Lagarde
chamou de novelas de la maternidad (p. 63) aos
romances em que a figura materna é central e percebe a experiência da
maternidade na existência das protagonistas, gratificantes ou não, como
geradoras de importantes processos de concientização. 6
As mulheres, vitimizadas historicamente pela idelogía del amor (p.
161) deverão cuidar dos outros antes que de si mesmas. Os outros seriam
[…] hombres y mujeres con quienes se relacionan esencialmente para
em seu trabalho Los cautiverios de las mujeres:
madresposas, monjas, putas, presas y locas, afirma que a maternidade
como é concebida pela sociedade patriarcal é, para as mulheres, uma
forma de cativeiro:
[…] cautiverio es la categoría antropológica que sintetiza el hecho cultural que define el estado de las mujeres en el mundo patriarcal: se concreta políticamente en la relación específica de las mujeres con el poder y se caracteriza por la privación de la libertad, (p. 151)
5 Ciplijauskaité, Biruté. La novela femenina contemporánea (1970-1985). Hacia una tipología de la narración en primera persona. Barcelona: Anthropos, 1988. 6 Lagarde, Marcela. Los cautiverios de las mujeres: madresposas, monjas, putas, presas y locas México: Universidad Autónoma de México, 1997.
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existir: las criaturas, los niños, los jóvenes, los adultos, los viejos y los
ancianos, los enfermos y los minusválidos, los aptos, los desamparados y
los muertos (p. 249). Esta mãe que nutre e cuida de todos, mas que, ao
viver relações de dependência vital, dá a sua filha como herança, sua
carência e não se constitui ela mesma, como um modelo ou exemplo
afirmativo.
Carentes do afeto materno, as filhas repetem assim, o mesmo
modelo de cuidadoras que procuram, sem encontrar, a sua própria
realização, nos outros. O que a filha recebe como herança da mãe é o que
ela não tem, já que ela não es por sí misma (p. 429). Para Lagarde, toda
relação materna é ambivalente,
[…] Esta doble significación la caracteriza, tanto para los hijos hombres como mujeres. La madre es buena y mala a la vez, porque en su omnipotencia adulta y nutricia frente a la carencia infantil, da y niega, estimula y reprime: internaliza la cultura y con ella el poder. […] a la aceptación positiva de la madre de la cual se nutre, se suma el hecho de que el hijo se identifica con el padre, cuya figura social es poderosa y plena. La madre se realiza como ser objeto en esta relación con el hijo convertido en cónyuge filial, que no puede establecer con su cónyuge. En cambio, la madre debe transmitir a su hija aquello que la anula y somete, el contenido opresivo de su ser adherido a tal punto a su identidad genérica, que se confunde con ella. Así, en esta relación con la hija, la madre dadora y nutricia también es carencia erótica, sumisión. (p. 429)
As mães e filhas que aparecem protagonizadas na literatura de
autoria feminina atualizam estes temas e estes conflitos presentes na vida
das mulheres contemporâneas, que, por sua vez, repetem e reproduzem
conflitos que, historicamente, se fazem presentes na vida das mulheres. E,
atualizam também, a necessidade da construção de uma genealogia
feminina que sirva de modelo e exemplo, em que as mulheres se sintam
legitimadas em seus desejos, dúvidas e questionamentos.
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Basaglia7
As relações genealógicas das mulheres com outras mulheres, irmãs
ou outras, ou de amizade entre as mulheres atualizaria o vínculo das
filhas com as mães, revelando-o em suas contradições e peculiaridades.
Orbach y Eichenbaum
denomina de Madre-niña-sin-madre as mulheres que vivem
este estado de orfandade que gera uma solidão característica da condição
feminina no mundo patriarcal. A solidão das mães-meninas-sem-mãe é
herdada também pelas filhas de suas mães:
[…] se ha hablado de las mujeres como niñas sin madre, y esto da lugar a otras consideraciones que podrían explicar la capacidad de soledad de la mujer con respecto al hombre. Este estado de orfandad significa que para muchas mujeres no hay posibilidad de regresión al seno materno por no haber nunca una madre a la cual recurrir en busca de apoyo… (p.431)
8
A idéia de que as mulheres são essencialmente cuidadoras teria sua
origem na relação aparentemente indissociável do corpo feminino com a
maternagem como uma relação que se estabelece a partir de uma
naturalidade essencial na existência das mulheres, como bem observa
Massi:
ao aproximar estas duas relações que se
estabelecem projetivamente, observam o caráter ambivalente destas
relações entre as mulheres e suas amigas já que reeditam, muitas vezes,
as relações de aceitação e rejeição que têm com suas próprias mães.
Ainda segundo as autoras, a possibilidade que as mulheres têm de
colocar-se no lugar das outras ou de desenvolver esta capacidade tem a
ver com o fato delas possuírem verdadeiras antenas emocionais, e ao fato
de que as mulheres têm sido sempre cuidadoras contumazes e estar
permanentemente respondendo às demandas emocionais dos outros (pp.
56-57).
9
7 Basaglia cit. por Lagarde, op. cit., p. 431. 8 Orbach, Susie & Eichenbaum, Luise. Agridulce. El amor, la envidia y la competencia en la amistad entre mujeres. Autoayuda y superación. México: Grijalbo, 1989. 9 Massi, Marina. Vida de Mulheres. Cotidiano e imaginário. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
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[...] Na vida das mulheres a maternação (ou maternagem) é de vital importância devido ao enorme envolvimento feminino na esfera privada e, como já vimos anteriormente, à responsabilidade que lhes cabe pela sobrevivência física e emocional dos bebês e das crianças, além da socialização até quase a fase adulta. Essa tarefa que a mulher moderna cumpre solitariamente tem sido motivo de crise e angústia, com conflitos conjugais e individuais; as mulheres sentem a necessidade de repensar esse encargo social aceito durante séculos que, finalmente, está em plena revisão. (p. 141)
Esta relação das mulheres com seus outros pares tem sua origem na
relação primeira das mulheres com suas mães, num movimento de
espelhamentos caracterizada, para Orbach y Eichenbaum, pela
[...] fusión. Y la ligazón que produce y que experimenta tanto la madre como la hija, es al mismo tiempo maravillosa y problemática [...] En la intimidad de la relación madre-hija está la impronta de las leyes sociales que las madres deben transmitirnos. Lo que una madre ambiciona transmitir a su hija y la prepara para eso, es que pueda vivir con alguna armonía como individuo cuando tome su lugar en el mundo. (p. 59)
O vínculo entre mãe e filha pareceria estar sempre entre dois
caminhos que se bifurcam entre a independência e a dependência, entre a
valorização do modelo materno e a rejeição a este mesmo modelo. Não é
outra a história das mulheres com suas mães, feita de todo tipo de
ambigüidades, contradições e necessidades imperiosas.
Orbach e Eichenbaum denominam também a relação de mãe e filha
de agridulce (p. 59) e chamam a atenção para a tensão permanente entre
parecer-se e diferenciar-se que provocaria uma sensação de inconsistência
na relação entre as duas, levando-se em conta os desencontros e as
necessidades impossíveis de satisfazer entre elas.
A natureza desta relação que as autoras denominam de uma ligação
por fusão (p. 61) é ambivalente e se apresenta de maneira especialmente
acentuada na relação da mãe com a filha ―diferentemente da relação da
mãe com o filho― na medida em que la madre se ve en la hija (p. 62).
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A mãe, também ela originária de uma relação semelhante com sua
mãe, em que a subjetividade feminina se dá no sentido de estar em
conexão, em relação com os outros é, fundamentalmente, uma cuidadora.
A filha, que, como a mãe, cuida mais dos outros que de si mesma, e que
quase sempre deixa de lado suas próprias necessidades e desejos, herda
das suas ancestrais uma ética do cuidado e do sacrifício que lhe é
outorgada como uma naturalidade.
Victoria Sau10
A conexão entre a mãe e a filha é fundamental para a firmação da
personalidade feminina, mas o que uma herda da outra é uma dificuldade
quase atávica de cuidar de si mesma e, da mesma maneira, uma mesma
nega a naturalidade e o essencialismo que reduz a
capacidade das mulheres aos cuidados com os outros. Ao falar sobre as
cuidadoras observa que
[...] La crítica ―cínica cuando procede de hombres, ignorante cuando procede de mujeres― de que las mujeres no exportan sus valores y cualidades y los reservan para el círculo íntimo de la familia y las amistades, en la práctica no se puede desmentir. Pero esto no es una acusación sino la consecuencia lógica de una organización sociopolítica que coloca el hacer de los hombres en el exterior, a pesar de que también mandan en el interior, al que han sido empujadas por la fuerza, también la fuerza de la costumbre […] Las mujeres cuidadoras se han dedicado a ello obligadas por la división sexual del trabajo, que todavía hoy distingue entre hermana y hermano a la hora de atender a los padres de ambos, salvo las excepciones de rigor. Otra cosa es que algunas, o muchas, hayan puesto en la tarea un empeño personal añadido, una actitud de afecto y hasta de altruismo, lo cual siempre es positivo. Puesto que hay que hacer algo, mejor que a regañadientes es hacerlo con interés, demostrando lo que se sabe en la materia, y disfrutando del trabajo bien hecho. Esto no impide que la tarea haya sido dura, gratuita como el propio trabajo llamado doméstico, y en muchas ocasiones, enajenante. La Iglesia católica ayudó simbólicamente a las mujeres a realizar su tarea cuidadora rodeándolas de ejemplos de vírgenes que representaban su misión en este mundo. (pp. 91-92)
10 Sau, Victoria. Diccionario Ideologico Feminista. (Vol. I) (2ª ed.). Barcelona: Icaria, 1981.
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dificuldade de poder responder a suas necessidades mais profundas. Esta
ligazón por fusión, simbiótica, da maneira como ocorre ao longo da história
das mulheres, responde, fundamentalmente, a seus desejos de depen-
dência e às dificuldades que elas enfrentam com a construção de condutas
autônomas, já que o modelo existente é também dependente e pouco
afirmativo. A necessidade de cuidar e prover o outro se traduz numa
necessidade imperiosa de ser cuidada, mesmo que estes sentimentos não
apareçam de forma objetiva.
Seriam estas algumas das dificuldades que as mulheres imprimiriam
nas suas relações com outras mulheres,
[…] Y a medida que la hija se acerca a la adultez tiene una experiencia equivalente. No sólo retiene la presencia de la madre dentro de sí, no sólo es consciente, en forma aguda, de la necesidad de la madre, no solamente se siente responsable por mantener la ligazón que la madre necesita, sino que en forma inconsciente lleva esa responsabilidad a sus futuras relaciones con amigas y amantes. (p. 65)
Esperava-se que o Feminismo pudesse garantir ou promover algu-
mas facilidades no caminho da liberação das mulheres em relação a suas
mães, mas, de acordo com as autoras, pode-se constatar de maneira
surpreendente que quanto mais liberadas se sentiam as mulheres, maiores
e mais significativos eram os conflitos com suas mães e também com suas
filhas.
Porque os sentimentos que permeiam esta relação têm a ver,
justamente, com a dificuldade de estabelecer limites próprios entre a
necessidade de semelhança e diferenciação entre elas. Esta dificuldade
aparece através de uma equação quase sempre muito pouco clara sobre o
valor da maternidade na nossa sociedade y na nossa cultura. Se, por um
lado, as mulheres são idolatradas e supervalorizadas pela função materna,
que vê a feminilidade como sinônimo de maternidade, é esta mesma
função materna que desvaloriza as mulheres. As mulheres, porque têm de
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cuidar da casa, dos filhos e da família não têm condições que as permitam
cuidar de outras coisas ou atividades e problemas externos a esfera
doméstica.
Tal ambivalência, sobre a desvalorização e valorização dos papéis
femininos, em especial o da maternidade, criada pela ideologia patriarcal,
mantém as mulheres, historicamente, numa espécie de esquizofrenia
passiva, numa armadilha permanente, que cria sentimentos ambivalentes
na vida das mulheres, criando identidades fraturadas fazendo com que
elas necessitem resgatar-se e recompor-se com base em novos valores.
As mulheres não querem parecer-se com suas mães a quem o
mundo público do trabalho ou da livre expressão de sua sexualidade foi
vetada, rejeitam veementemente este modelo depois das grandes
conquistas relacionadas à anti-concepção, ao direito de poder estudar,
escolher uma profissão, ter ou não ter filhos. E querem parecer-se com
suas mães ao desejarem um mundo diferente quando querem viver a
experiência da maternidade sem as pressões e estereótipos que degradam
as mulheres.
As mulheres encontram-se numa encruzilhada entre um caminho
cheio de conquistas e outro cheio de repetições. Atrás das dificuldades que
aparecem como sintomas nos comportamentos que se repetem estão, sem
dúvidas, as dificuldades que as mulheres têm de relacionar-se com suas
mães e como desejam tê-las ou não como modelos. As exigências dos
meios de comunicação sobre as medidas corporais, a dessexualização do
corpo feminino, por um lado, ao desejá-lo esquálido e andrógino, e sua
exacerbada sexualização ao vê-lo, pensá-lo e expô-lo somente desta
maneira, cria todo tipo de situações difíceis para as mulheres. Os
transtornos alimentares, a supervalorização da sexualidade, que tem como
imagem central o corpo feminino, o medo aos abusos sexuais fazem com
que as mulheres repitam comportamentos de outros tempos.
A repressão da sexualidade feminina se repete aproximando a
mulher dos dias atuais com as heroínas do século XIX que padeciam de
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anemia, pneumonia, doenças nervosas y outras, porque cuidavam de seus
corpos de maneira inadequada e não podiam expressar livremente seus
desejos e suas necessidades.
As mudanças na vida das mulheres ainda se processam, se as
imagens das mães confinadas ao mundo doméstico e ao silêncio já não
servem, também o mundo com o qual sonhou a utopia feminista, de uma
irmandade entre mulheres, não se concretizou. Para algumas a reva-
lorização do vínculo entre mães e filhas poderia ser decisivo para o
questionamento de determinadas normas e papéis que desvalorizam as
identidades femininas na sociedade patriarcal.
Com a publicação do romance da escritora chilena Isabel Allende,11
Outros personagens femininos importantes no texto de Allende que
são importantes para uma reflexão sobre os papéis femininos da
maternidade ou das cuidadoras, são Férula e a ama, duas solteironas
desvalidas e desamadas, que vivem para os outros e que criam também
A casa dos espíritos, pode-se observar claramente uma tendência que
norteia a narrativa de autoria feminina, que é a da criação de uma
genealogia feminina.
No romance de Isabel Allende a repetição dos nomes femininos
correspondentes a diferentes cores brancas, tentam criar uma genealogia
que estabelece, ao mesmo tempo, uma cronologia das diferentes gerações e
uma identidade entre as mulheres da família, através da influência de
umas sobre as outras e do desejo da criação de uma identidade comum.
Uma identidade francamente afetiva e afirmativa para todas elas. De todas
maneiras no texto de Allende, o grande protagonista é, todavia, o patriarca
Esteban Trueba, ao redor de quem se desenvolve o destino das
personagens femininas. Allende propõe o plano de uma genealogia
feminina mas termina por não cumpri-lo já que a função protagônica é
cumprida por Trueba e não pelos personagens femininos.
11 Allende, Isabel. A casa dos espíritos. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.
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genealogias assimétricas com as demais mulheres do romance.
Personagens como os de Férula ou da Ama sinalizam para as questões de
classe ou de raça, como em outros romances, que caracterizariam as
relações específicas entre as mulheres na literatura latino-americana.
Em A República dos Sonhos da brasileira Nélida Piñon12
Em Ojo de Pez, a venezuelana Antonieta Madrid
(1984),
como em Allende, a genealogia feminina se estabelece entre avó, mãe e
filha, nas figuras de Eulália, Esperança e Bretã, ainda que, neste texto, a
figura central seja, como no texto de Allende, Madruga, com quem todas,
bem ou mal, terminam por se relacionar. 13
O romance da brasileira Lya Luft,
constrói um relato
em que as linhas geracionais se dão através das personagens femininas
que se assemelham não só através dos nomes próprios, Mamabella,
Mamatchka, Mamá Ina, mas também nos traços físicos, umas mais belas
do que as outras, criando também um movimento de comparações,
espelhamentos e desdobramentos em que a protagonista-narradora se
indaga sobre sua própria identidade. 14 As parceiras (1980) conta a
história de Anelise que volta a casa da família depois da morte de seu
único filho, num momento crucial de decisões e reflexões, em que ela
começa a contar a história da família, uma família de mulheres
consideradas loucas, malsinadas, perdedoras, irmanadas pela dor. Em A
asa esquerda do anjo (1982) também de Luft,15
12 Piñon, Nelida. A República dos Sonhos. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1984. 13 Madrid, Antonieta. Ojo de pez. Caracas: Planeta, 1990. 14 Luft, Lya. As Parceiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. 15 Luft, Lya. A asa esquerda do anjo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
as dificultades da
protagonista aparecem através do sentimento de inadaptação de sua mãe
que é estrangeira numa família de alemães e pela ambigüidade do nome da
protagonista: Gisela ou Guísela. O amor materno se contrapõe à
hostilidade da avó, fazendo com que a protagonista construa uma difícil
genealogia rejeitando a avó e tentando parecer-se a mãe.
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Da mexicana Laura Esquivel,16
Em Mal de Amores de Ángeles Mastreta
o romance Como água para chocolate
(1989), trata de uma história que tem como núcleo central o amor entre
Pedro e Tita. Mas a construção do personagem feminino central, Tita se
estabelece a partir de suas relações com as demais mulheres da narrativa,
de sua casa, da família. Os jogos especulares vão traçando o perfil de Titã
que tem uma relação de competição com suas irmãs, de hostilidade e
rejeição com a mãe que não quer que ela se case, e de afeto com Nacha,
que cumpre com o papel de mãe afetuosa. O eixo genealógico mais
importante, no entanto, é o de Tita com a sobrinha-neta Esperança, que
herda o caderno de receitas da tia. A relação de Tita com a mãe é de
abandono e rejeição e, em alguns momentos da vida das duas poderíamos
considerar que é a filha quem cumpre com a função materna em relação a
Mame Elena. 17
Margo Glantz,
(1996), a protagonista
Emilia cresce sob os olhos cuidadosos da mãe, Josefa Sauri e da tia
Milagros Veytia, irmã de Josefa, que são apresentadas como antagônicas,
mas as duas essenciais para o crescimento da protagonista que as vê, em
seus defeitos e qualidades, como complementares. Ainda que o dado
histórico, da Revolução Mexicana, se imponha como central na narrativa, o
plano genealógico se estabelece entre as relações da mãe com a filha, da
mesma forma, da tia com a sobrinha e entre as duas irmãs. 18
16 Laura Esquivel. Como água para chocolate. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1986.
em Genealogías (1996), ainda que privilegie na
narração de sua genealogias a história de seus pais que chegam ao
México, um país exuberante que termina por ser o cenário da biografia
familiar, com as especificidades de sua origem judia, fazendo do casal seu
núcleo central, termina sua narrativa atendendo a sua genealogia mais
importante,
17 Mastreta, Ángeles. Mal de amores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. 18 Glantz, Margo. Genealogías. México: Alfaguara, 1996.
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[...] Mi padre murió el 2 de enero de 1982. Mi madre, el 13 de mayo de 1997. Tenía casi 95 años. Murió con la dignidad, la finura, la paciencia, el sentido de humor, los gestos que la habían carac-terizado siempre. ¿Cómo pudo sobrevivir a mi padre tanto tiempo? ¿En dónde encontró su territorio? Es más que probable que su verdadero territorio, el de ella, y el de mi padre, fuese su propio cuerpo, ese cuerpo finito, reducido, llagado con el que murió, ese cuerpo que alguna vez fuera armónico y hermoso, ese cuerpo en el que me alojé alguna vez, ese cuerpo que me permitió ser lo que soy. La lloro, la admiro, me lleno de culpas, vuelvo a llorarla, a admi-rarla, a llenarme de culpas y escribo estas precarias palabras insuficientes para recordarla y para ponerle un punto final, ahora sí, a mis genealogías. (p. 240)
Em Antigua Vida Mía de Marcela Serrano,19
Também em Para que no me olvides de Marcela Serrano,
ainda que o eixo central
da narrativa seja a história de amizade entre Violeta Dasinski e Josefa
Ferrer, as duas personagens femininas têm em suas mães, Carlota e
Marta, importantes referências já que as duas, de alguma maneira,
cumprem com as expectativas maternas. Uma seguindo uma carreira bem-
sucedida como arquiteta e a outra seguindo suas orientações artísticas
como uma consistente alavanca de ascenção social. Também a relação das
protagonistas com suas filhas é importante na trama, Jacinta e Celeste, já
que o jogo especular se repete e é significativo no desenvolvimento da
identidade de todas elas. Para Violeta Dasinski, o reencontro com a mãe
perdida, em Antigua, o reencontro com a história de sua mãe, inaugura a
segunda parte da história de sua vida, em que ela pode escolher seus
caminhos e viver de acordo com suas necessidades e desejos. 20
19 Serrano, Marcela. Antigua vida mía. Madrid: Alfaguara, 1998. 20 Serrano, Marcela. Para que no me olvides. Santiago de Chile: Editorial Los Andes, 1997.
Blanca
tem uma difícil relação com a mãe que a rejeita. Mesmo que o romance
também estabeleça como eixo central a história das três amigas, Blanca,
Victoria e Sofia, é a relação afetiva de Blanca com o irmão, que substitui
em parte o afeto materno e que é quem a aproxima das amigas, que será
determinante para seu enfrentamento com uma nova identidade. A relação
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de competição de Blanca com a irmã Piá e de afeto com a filha Trinidad
também aparecem como importante e afirmativa na narrativa.
No romance A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas, de Maria José
Silveira,21
A genealogia mãe-filha é também central no romance La “Flor de
Lis”, de Elena Poniatowska,
uma genealogia de mãe, filha, avó, neta, bisneta e muitas mais,
percorre alguns séculos da história do Brasil, pelo imenso território do
país, inventariando-se fatos históricos e os diferentes costumes que
abarcam períodos da história brasileira que vão de 1500 aos dias atuais. A
história de Sahy, Maria Cafuza, Maria Taiôba, Guillermina e Jacira, entre
outras, conecta-se pela herança de uma pequena caixa de guardar jóias
que passa entre as mulheres da família como um legado. A protagonista
final desta longa genealogia, Flor,cresce ao lado da avó, depois de perder a
mãe na luta armada contra a ditadura no Brasil, inclui este romance entre
alguns em que o tema da solidariedade entre as mulheres aparece como
central e se dá em função das questões históricas e políticas vigentes.
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em que a relação entre mãe e filha, Mariana
e Luz, uma relação cheia de distâncias e idealizações, se desdobra na vida
da protagonista, Mariana, em relações significativas que ela estabelece
com outras mulheres, como suas avós, serventes, criadas, amigas, a
criada Magda e sua irmã Sofia. As frustrações advindas desta relação de
marina com sua mãe, uma figura materna infantil e distante, confirma-se
para a filha, como uma total falta de consistência e insegurança em
relação a si mesma. Para Mariana, os sentimentos de inadaptação, de
insegurança se misturam com suas dificuldades de estabelecer um vínculo
gratificante com a mãe imatura e com o fato de ser estrangeira:
[...] ¿Es ésta la herencia abuela, bisabuela, tatarabuela, es éste el regalo que me dejaron además de sus imágenes en el espejo, sus gestos inconclusos? No puedo con sus gestos fallidos, su desidia, su frustración. (p. 259)
21 Silveira, Maria José. A mãe da mãe de suas mães e suas filhas. São Paulo: Globo, 2002. 22 Poniatowska, Elena. La "Flor de Lis". México: Ediciones Era, 1997.
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[...] No sé dónde poner los ojos... ¿Cuántas horas estamos solas mirando por la ventana, mamá? Es entonces cuando te pregunto, mamá, mi madre, mi corazón, mi madre, mamá, la tristeza que siento, ¿ésa dónde la pongo? ¿Dónde, mamá? (p. 261)
Autoras como Maria Amparo Escandón,23 Ana Maria Shua,24 Gra-
ciela Beatriz Cabal25 ou Valesca de Assis26
Um dos elos fundamentais na corrente das narrativas das genealogias
femininas é a figura da avó, em geral, da avó materna. Se verificarmos a
e seus romances também
representam a complexa relação mãe-filha, narrativas genealógicas que
trazem a público as necessidades, tanto das mães como das filhas sobre
este afeto absoluto na construção da identidade feminina para as duas.
Ao deslocar o eixo dos relacionamentos das mulheres que, histo-
ricamente, era representado como relativo às figuras parentais masculinas
(pais, irmãos, filhos, maridos, namorados, noivos ou amantes), em que as
mulheres eram figuras secundarias, para o eixo das genealogias femininas,
outras necessidades começam a aparecer. A representação deste
deslocamento que no imaginário literário aparece na necessidade da
construção das genealogias femininas. As mulheres estariam assim,
revitalizando de maneira ressignificada, novas relações entre as mulheres,
em que se estabeleceria um processo identificatório mais afirmativo entre
elas.
À literatura de autoria feminina que trata do tema das relações
genealógicas entre mães e filhas como significativas para um importante
desenvolvimento na vida das mulheres, aceitando-o ou rejeitando-o,
chamou-se, de diferentes maneiras de literatura matrilinear, romances de
maternidade, etc.
AS AVÓS E AS NETAS
23 Escandón, Maria Amparo. A caixa de santinhos de Esperanza. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. 24 Shua, Ana María. Los amores de Laurita. Buenos Aires: Sudamericana, 1984. 25 Cabal, Graciela Beatriz. Secretos de Familia. Buenos Aires, 1997. 26 Assis, Valesca. A colheita dos dias. Porto Alegre: Editora Movimento, 1992.
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simbologia da avó no imaginário literário, do mais antigo ao mais
contemporâneo, a figura da avó nos remete à figura da anciã, da velha
senhora, que quase sempre é uma figura positiva, afirmativa, com
significados importantes. No Dicionario de Símbolos de Gheerbrant y
Chevalier,27
As figuras femininas das avós na literatura de autoria feminina têm
também sua identificação com o imaginário literário de todos os tempos e
com o arquétipo da anciã. É mulher mais velha, protetora, muitas vezes
seu nome será também o nome de sua filha e de sua neta, e sua função no
relato, freqüentemente, é o de transmitir um conhecimento importante
o significado da anciã nos remete à idéia da sabedoria e
confiança que seriam características da velhice e da maturidade:
[....] Se a velhice é um sinal de sabedoria e de virtude (os presbíteros são originalmente anciãos, i.e., sábios e guias), se a China desde sempre honrou os velhos, é que se trata de uma prefiguração da longevidade, um longo acúmulo de experiência e de reflexão, que é apenas uma imagem perfeita da imortalidade. [...] Mas escapar às limitações do tempo pode ser expresso tanto no passado quanto no futuro-, ser um velho é existir desde antes da origem; é existir depois do fim desse mundo. (p. 934)
E se pensarmos na tradição literária dos mitos e dos contos de
fadas, a figura da anciã é uma figura relacionada com aquela que é a
guardiã da sabedoria, por um lado e, aquela que pode transmitir um dado
conhecimento, por outro. Fada ou bruxa, a anciã costuma cuidar dos
outros (ou não cuidar), ser sábia (ou bruta, ignorante, avarenta) e guardar
um conhecimento que é importante (ou não compreendê-lo). E o
conhecimento importante que a anciã costuma guardar é, sem dúvidas, o
conhecimento de uma tradição que se perde no tempo e que quase sempre
foi transmitido oralmente. Este é o arquétipo da anciã, o de alguém que
estabelece sua autoridade com o passar dos anos, tem experiência e é essa
antiguidade e experiência que a fazem sábia e confiável.
27 Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1988.
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relativo à tradição da experiência feminina. A presença da figura da avó
pode dar-se através da memória da filha o da neta ou através de uma
herança que pode aparecer nas cartas guardadas ou escondidas, diários
íntimos, etc. A avó, figura intermediária entre a mãe e a filha, pode servir
como mediadora entre as duas, distensionando os conflitos e tensões
naturais entre elas ou como um elo que consolida a relação ou a
identificação entre as três, afirmando positivamente a identidade de cada
uma.
Natalie Angier28
Angie insiste no fato de que as avós são figuras imprescindíveis e
que ajudam suas filhas quando elas têm seus filhos e que, desta maneira
observa a importância do que ela chama de uma
relação de matrilinearidade (p. 18) entre as mães, filhas e avós percebendo-
a como a imagem das bonecas russas, as matryoshka, assinalando a
importância destas relações no desenvolvimento da personalidade das
mulheres. A importância das avós para a família quando nascem as netas
e sua importância como mediadoras e intermediárias quando as linhas da
ancestralidade de estendem:
[...] A mulher idosa é alguém que conhecemos desde sempre. Ela está lá no cantinho do inconsciente feminino, quieta, feroz, amorosa, obliterante. Ela explica alguns dos impulsos que nos perturbam e nos confundem. (p. 250, 2000)
[...] Se as mulheres jovens há muito precisam das mulheres mais velas, e se essa necessidade era um princípio organizador da sociedade humana primitiva, nossa ânsia inerente por nossas mães não pode e não deve se encerrar na puberdade. Ela é muito mais forte que isso. É como um rio de nossas vidas. Ele corre e nós temos de navegá-lo, ele se enchapela, marulha e cai, mas não acaba nunca e temos de nos deixar levar. Se uma mulher mais velha tomou conta de seus filos, ela era como seus filos: profundamente amada e querida, uma parte de você mesma. (p. 252, 2000)
28 Angier, Natalie. Mulher, uma geografia íntima. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2000.
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fazem possível a continuação da família e compartilham ensinamentos
importantes da própria experiência familiar.
Em seu ensaio Grandes madres y abuelas, David L. Miller29
Para Antonia Domínguez Miguela
observa
a equivalência entre as expressões Grande Mãe e Avó, já que as duas
corresponderiam com propriedade à expressão latina Magna Mater (p. 135,
1994). Para ele as avós estariam muito próximas da experiência das mães
de uma maneira quase indistinta:
[...] el discurso teórico construye una especie de cuento de hadas académico que no es fiel a las experiencias de las fuentes femeninas. Pero puede haber un tropo que nos informe acerca de las maneras según las que, sin darnos cuenta, hemos comenzado a pensar y sentir sobre la madre y serlo, porque dentro de la imagen arquetípica de la “gran madre” residen muchos grandes mitos, muchas abuelas, cada una de las cuales ofrece diversas posi-bilidades para imaginar la fuente femenina y su riqueza de recursos. (p. 136, 1994)
Miller lembra o importante papel que cumpre Rea, avó de Perséfone,
que vai negociar o deslocamento de Perséfone que devera ficar a quarta
parte de seu tempo nas profundidades com Hades e as outras três quartas
partes de seu tempo na luz com Deméter (p. 137, 1994). É a sabedoria e
experiência de Rea que garante o êxito da negociação entre a desesperação
da mãe e a inexperiência da filha. 30
29 Miller, David L. “Grandes madres y abuelas”, en Downing, Christine. Espejos del yo. Imágenes arquetípicas que dan forma a nuestras vidas. Barcelona: Kairós, 1994. 30 Domínguez Miguela, Antonia. Esa imagen que en mi espejo se detiene. La herencia femenina en la narrativa de latinas en Estados Unidos. Huelva: Universidad de Huelva. Servicio de Publicaciones, 2001.
que investiga a herança feminina
nas narrativas latinas nos Estados Unidos, a figura da avó nos relatos
estudados, é uma figura quase mítica, responsável pela recuperação de
uma herança feminina e cultural. Segundo Domínguez Miguela o
personagem da avó cumpriria algumas funções que se repetem nos relatos:
a avó como agente cultural (p. 170, 2001), a avó como modela de fortaleza
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e resistência (p. 173, 2001) e a avó como modelo criativo e literário (p. 117,
2001).
No primeiro, a avó se transformaria num ser idealizado, identificado
com a terra e o país de origem, o que atribui uma força telúrica expressada
numa rica oralidade e uma sabedoria ancestral. A figura da avó está, neste
caso, relacionada com o país de origem, a um passado quase mítico,
idealizado, já que as filhas ou netas que lembram dela partiram para o
exílio voluntário ou obrigatório. Através da figura da avó e do que ela conta
é possível conectar-se com uma identidade ou passado cultural.
A função da avó como modelo de fortaleza e resistência
corresponderia a avó como mediadora entre a mãe, que em geral espera
que a filha cumpra com os papéis da feminilidade impostos pela ideologia
patriarcal, e a neta que quer fazer suas próprias escolhas que nem sempre
são as mesmas esperadas pela mãe. A avó transmite à neta uma maneira
de buscar sua própria identidade avalizando valores femininos que
transcendem as demandas sociais, os valores que importam para a
realização de uma trajetória de auto-descobrimento e auto-realização. A
avó seria para uma figura de poder e resistência já que sua longevidade e
sabedoria a fizeram ser capaz de construir e criar suas próprias crenças e
fazer suas próprias escolhas.
A avó como modelo criativo e literário, proposta por Domínguez
Miguela teria sua figura arquetípica em muitos pares de avós e netas,
personagens que contam e escutam contos e histórias ao longo da história
da literatura, Mas, sem dúvidas, as figuras paradigmáticas que cumprem o
papel proposto por Domínguez Miguela seriam a avó e a neta que abrem o
conto de Isak Dinesen, La página em blanco:
[...] ―¿Queréis un cuento, señora gentil, caballero? He contado mu-chas, muchas historias, mil y una más, desde los tiempos en que dejaba que los muchachos me contasen a mí el cuento de la rosa roja, los dos suaves capullos de azucena y las cuatro serpientes sedosas, cimbreantes y mortalmente enlazadas. Fue la madre de mi
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madre, la bailarina de ojos negros a quien tantos poseyeron, la que hacia el fin de su vida, arrugada como una manzana de invierno y escondida detrás del piadoso velo, me enseñó el arte de relatar historias. La madre de su madre se lo había enseñado a ella, y ambas eran mejores narradoras que yo. Pero esto ahora no tiene importancia, porque, para las gentes, ellas y yo somos la misma y me tratan con gran respeto, puesto que vengo contando historias desde hace doscientos años. (p. 103, 1985)
Para Domínguez Miguela o poder da transmissão dos contos
corresponde ao poder da ficção e da criatividade, numa trajetória quase
arqueológica para a recuperação de um conhecimento e de uma sabedoria
que expressa as vivências e experiências de um conhecimento e de uma
sabedoria que expressa as vivências e experiências femininas. Mesmo que
seu trabalho seja sobre as autoras latinas nos Estados Unidos, é correto
afirmar que a identificação destes relatos com as autoras hispano-
americanas é bastante grande e também a semelhança das avós que
aparecem em todas estas narrativas.
Na narrativa latino-americana poderíamos citar o exemplo dos
romances de Elena Poniatowska, Rachel Jardim, Maria José Silveira ou
Cristina García, entre outras, se pensarmos a figura da avó com as
características de uma figura que remete à força da terra e da contadora
de histórias que transmite a tradição cultural de seu povo ou das
mulheres.
As avós, tanto a européia como a mexicana, expressam no romance
de Poniatowska este simbolismo com a terra, o que é significativo na obra
já que o deslocamento de Mariana e sua família da França ao México é a
ponte que se estende na passagem da infância à adolescência da menina.
As duas avós cumprem com este simbolismo telúrico e são, de acordo com
a proposta de Domínguez Miguela, as que transmitem uma cultura oral,
própria entre elas, às filhas e às netas. A avó paterna tenta suavizar a
ausência do pai e transmite a língua estrangeira e suas normas. A
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materna tenta dirimir as ausências da mãe e lhe dá as chaves da pátria de
adoção, a língua e a conexão com a natureza.
Em A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas de Maria José Silveira, a
linha genealógica aparece com Inaiá, que vive entre 1500 e 1514 até as
três últimas gerações de mulheres da mesma família, Rosa Alfonsina, que
nasce em 1926 e permanece viva até o final da narrativa. Lígia, filha de
Rosa alfonsina, que nasce em 1945 e morre sob tortura na ditadura militar
em 1871 e a neta que nasce em 1968 e permanece viva ao lado da avó, que
cumpre com a função materna para a neta, constroem os elos desta
genealogia.
Em O Penhoar Chinês, de Rachel Jardim31
A escritora cubana Cristina García, publica em 1992, Sonhos
Cubanos, um romance que conta a história de três gerações de mulheres
representadas pela matriarca Célia, que vive nos arredores de La Habana e
é absolutamente fiel à Revolução Cubana, até a atualidade. A narrativa se
desenvolve entre os anos 70 e 80. Lourdes, filha de Célia sai de cuba e
abre uma padaria no Brooklyn e nega, por sua vez, a vida cubana, sua
cultura e a revolução. Pilar, filha de Lourdes e neta de Célia é quem vai
juntar as pontas deste intrincado jogo de espelhos, apresenta as diferenças
e semelhanças que também são relativas às questões políticas e aos
questionamentos sobre a identidade feminina de cada uma delas. Grande
parte das experiências das três, grande parte de suas decisões se
relacionam com vivências relativas ao corpo, à sexualidade, às suas
, três gerações de
mulheres, avó, mãe e filha, são as protagonistas do romance e, mesmo que
o conflito se estabeleça entre a mãe e a filha, as três têm o mesmo nome, e
o mesmo nome da Villa em que acontece a história. Elisa será, assim, o
nome das mulheres e da casa que funciona como um gineceu e que quase
sempre aparece também, como um outro personagem feminino.
31 Jardim, Rachel. O Penhoar Chinês. Rio de Janeiro: José Olympio Editora.
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histórias de amor ou desamor, numa relação especular em que elas podem
escolher parecer-se ou diferenciar-se entre elas.
Pode-se afirmar, a partir de alguns exemplos, que a figura da avó
nas narrativas estudadas, quase sempre tem um caráter positivo e se
constituem enquanto modelos identitários, como afirmativas e gratificantes
em suas relações com as jovens netas, facilitando, desta maneira uma
mediação possível e prazerosa entre a complexa relação mãe e filha.
A necessidade da construção de uma genealogia feminina,
representada amplamente nos romances contemporâneos, os de autoria
feminina, e que se dá através da recorrência de uma narrativa em que se
conta a história de uma mãe, de uma filha, de uma avó ou de uma neta,
ou mesmo entre irmãs, sobrinhas e tias, etc., tem como objetivo que a
protagonista descubra a sua própria identidade. Este processo acontece na
medida em que a protagonista, ao conectar-se com a sua própria história,
através do reconhecimento de suas semelhanças e diferenças com a
história de outras mulheres de sua família, possa se conectar com o seu
próprio corpo, semelhante ou diferente dos pares em questão, real ou
simbolicamente, e assim com seus próprios desejos e sua expressão, que,
no mais das vezes é semelhante ao das suas iguais. Tornam-se, desta
maneira, todas elas, herdeiras de uma genealogia, criando entre as
diferentes gerações, um movimento incessante de indagação e
questionamentos que possibilita uma trajetória de descobertas e auto-
conhecimento.
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