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Revista Linha Mestra Ano VIII. No. 24 (jan.jul.2014) ISSN: 1980-9026 LEITURAS SEM MARGENS

Bia Porto Artista visual | designer gráfica | designer de roupas infantis (JayKali) www.biaporto.weebly.com www.jaykali.weebly.com

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 II

SUMÁRIO

IMAGINÁRIO E MEMÓRIA EM CANUDOS 100 ANOS............................................................. 1751

Joyce Guadagnuci

A CARTOGRAFIA DE UM CASO E AS MULTIPLICIDADES DO TERRITÓRIO FRENTE AOS DESAFIOS DO CONTEXTO AMAZÔNICO. O CURSO DE LICENCIATURA EM BIOLOGIA A DISTÂNCIA ..................................................................................................................................... 1758

Jucimara Canto Gomes

Zeina Rebouças Corrêa Thomé

“É APENAS UMA MODALIDADE QUE É VIA MEIOS DE COMUNICAÇÃO QUE NÃO LIMITAM MAIS. É NO TEMPO E NO ESPAÇO VIRTUAL ESSA RELAÇÃO DO EDUCADOR E DO EDUCANDO”: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ..................................................................................................................................... 1762

Juliana Alves Tavares

Fabrícia Teixeira Borges

UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A FÁBULA “A CIGARRA E AS FORMIGAS – I - A FORMIGA BOA, II - A FORMIGA MÁ” DE MONTEIRO LOBATO ......... 1766

Juliana Carli Moreira de Andrade

O ESPAÇO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA COTIDIANA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL I ........................................................................ 1770

Juliana Cássia de Souza Yamaguti

Filomena Elaine Paiva Assolini

MEMÓRIA E DESCENTRAMENTO DO “EU” NO POEMA “AVÔ MATERNO”, DE MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS ............................................................................................................. 1774

Juliana de Souza Gomes Nogueira

EDUCAÇÃO FÍSICA VIVENCIADA NO ÂMBITO ESCOLAR: RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UMA EX-ALUNA DO COLÉGIO SANTA BARTOLOMEA CAPITANIO ........................... 1785

Juliana do Socorro da Silva Brito

PIBID INTERDISCIPLINAR LER E SER/UFVJM E A FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO1789

Juliana Leal

Amanda Valiengo

Priscila Lopes

DA CARTOGRAFIA TEXTUAL AO MAPA COGNITIVO: A REPRESENTAÇÃO DO LEITOR CONTEMPORÂNEO NAS OBRAS "ABRINDO CAMINHO" E "A MAIOR FLOR DO MUNDO" ........................................................................................................................................................... 1793

Juliana Pádua Silva Medeiros

SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO! UMA ANÁLISE DA OBRA “ZÉ DIFERENTE” SOB A LENTE DOS ESTUDOS COMPARADOS E ANTROPOLÓGICOS ............................................. 1797

SUMÁRIO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 III

Juliana Pádua Silva Medeiros

REFLEXÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA ................................. 1801

Juliana Piovesan Vieira

OLHARES ATENTOS À CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO PROFESSOR ............................... 1805

Juliana Zanco Leme da Silva

CORPOS EM VARIAÇÃO: PROCESSOS DE FORMAÇÃO ALÉM DAS MARGENS .............. 1809

Juliano dos Santos

Kátia Maria Kasper

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE FUTUROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS ........................................................................................................................................ 1816

Júlio César David Ferreira

PROGRAMA ALFA E BETO DE ALFABETIZAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ......................................................................................... 1820

July Rianna de Melo

Alexsandro da Silva

O JORNAL COMO ARTEFATO ARTICULADOR DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS ................ 1824

Jussara Nascimento

Elizabeth Menezes

SIMPLES, MAS COMPLICADO: CARACTERÍSTICAS DE LEITURA DE PROFESSORES DAS SÉRIES INICIAIS SOBRE NARRATIVAS DE FICÇÃO POR IMAGENS .................................. 1828

Juvenal Zanchetta Jr.

CANTINHO DE LEITURA: A CONSTITUIÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE LEITORES NO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAl .............................................................................................. 1832

Kaluana Nunes Bertoluci Bryan

LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA: DANDO VEZ E VOZ ÀS CRIANÇAS ...................... 1837

Karin Cozer de Campos

NARRATIVA, EXPERIÊNCIA E CULTURA: HISTÓRIAS PRODUZIDAS POR CRIANÇAS NUM DIÁLOGO ENTRE BAKHTIN E BENJAMIN ............................................................................... 1841

Karin Cozer de Campos

RELATO DO PROJETO “PEQUENOS FOTÓGRAFOS” .............................................................. 1845

Karina Aparecida Godoy Baggio

COMO SE TECE UM LEITOR? HISTÓRIAS DE LEITURA DE GRADUANDOS EM LETRAS-PORTUGUÊS DO CAMPUS X DA UNEB ..................................................................................... 1849

Karina Lima Sales

ESCRITURAS LÍQUIDAS: O DIALETO-RÃ EM O GUARDADOR DE ÁGUAS, DE MANOEL DE BARROS ........................................................................................................................................... 1853

Karina Lima Sales

SUMÁRIO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 IV

RESISTÊNCIAS OU SILENCIAMENTOS? SENTIDOS PRODUZIDOS SOBRE AS TIC EM JOGOS DISCURSIVOS DO PROINFANTIL ................................................................................. 1857

Karina Moreira Menezes

Nelson De Luca Pretto

SENTIDOS SOBRE AS TIC: ALÉM DAS MARGENS ................................................................. 1861

Karina Moreira Menezes

Nelson De Luca Pretto

PRÁTICAS INOVADORAS DE AVALIAÇÃO DOS DISCENTES NO ENSINO SUPERIOR A PARTIR DE GÊNEROS TEXTUAIS .............................................................................................. 1865

Kathia Maria de Melo e Silva Barbosa

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO NOS CURSOS DE LETRAS E PEDAGOGIA EM CAMPI DE UNIVERSIDADES DO NORTE DO PARANÁ ....................................................................... 1869

Kátia Andrade Inez Silva

Sandra Aparecida Pires Franco

Rovilson José da Silva

MINHA VIDA, MINHA CASA, MEU BAIRRO ............................................................................ 1874

Kátia Cristina Campolina Pacci

NARRATIVA DE EXPERIÊNCIAS: O COMPARTILHAMENTO DA PRÓPRIA PRÁTICA E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO .............................................................................................. 1878

Katia Ferreira Moreira

REGISTROS ORAIS E ESCRITOS NAS AULAS DE MATEMÁTICA ENQUANTO PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR ...................................................................................................... 1882

Kátia Gabriela Moreira

O CINEMA PELAS REDES SOCIAIS: PROCESSO DE AUTORIA NA PESQUISA COM JOVENS ........................................................................................................................................................... 1887

Kelly Maia Cordeiro

DIÁRIO DE BORDO: O TEMPO-COMUNIDADE ATRAVÉS DA ESCRITA E COMPARTILHADO NO TEMPO-ESCOLA .................................................................................. 1892

Kelly Maia Cordeiro

Luis Cláudio da Silva

Márcio Plastina Cardoso

A LEITURA LITERÁRIA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRIATIVO NA INFÂNCIA ........................................................................................................................................ 1896

Kívia Pereira de Medeiros Faria

Alessandra Cardozo de Freitas

AS HABILIDADES NECESSÁRIAS PARA A AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA NAS SÉRIES INICIAIS A ATUALIDADE DAS IDEIAS DE LOURENÇO FILHO ............................. 1900

Laís Rodrigues Ferreira

SUMÁRIO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 V

Gerson Tavares do Carmo

PENSAMENTO VARIANTE OU PENSAMENTO SEM MARGEM: PARA ONDE PODE ESCORRER? .................................................................................................................................... 1905

Laisa Blancy de Oliveira Guarienti

AS CRIANÇAS FALAM SOBRE SUA COR E RAÇA: INVENTANDO MARGENS ................. 1909

Lajara Janaina Lopes Corrêa

Anete Abramowicz

OS LEITORES E AS PRÁTICAS DE LEITURA NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE VALINHOS ........................................................................................................................................................... 1913

Lara Elisa Latância

Norma Sandra de Almeida Ferreira

O PERCURSO MÍTICO NA TESSITURA DE “DESENREDO” ................................................... 1917

Lara Maria Arrigoni Manesco

CINEMA, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: POSSIBILIDADES DE “DESMOLDURAR” OS MODOS CLICHÊS DE LER A RELAÇÃO DE APRENDERENSINAR COM O OUTRO ............................................................................................................................... 1921

Larissa Ferreira Rodrigues

CONTRIBUIÇÕES DA SEMIÓTICA DE PIERCE PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA QUÍMICA ......................................................................................................................................... 1926

Laura Melissa Christofori

Valéria de Souza Marcelino

A LEITURA ESCUTA A FALA?: A ORALIDADE POR ENTRE MARGENS NOS LIVROS DIDÁTICOS RECOMENDADOS PELO PNLD ............................................................................. 1930

Leandro Alves dos Santos

Amélia Escotto do Amaral Ribeiro

RELAÇÕES DE SENTIDOS DA LEITURA NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE DE DISCURSO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ...................................................................... 1935

Leandro Palcha

LEITURA E ESCRITA DE TEXTOS SOBRE A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA: ALGUMAS POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS .......................................................... 1939

Leandro Palcha

PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES .......................................................................................................... 1943

Leicijane da Silva Barros

Uagne Coelho Pereira

PRÁTICAS DE LEITURA: INFLUÊNCIA NA APRENDIZAGEM DE LITERATURA EM ALUNOS DE 3º ANO DO ENSINO MÉDIO .................................................................................. 1947

Leicijane da Silva Barros

SUMÁRIO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 VI

Uagne Coelho Pereira

PARA ALÉM DAS MARGENS DA LEITURA .............................................................................. 1951

Leidinalva Amorim Santana das Mercês

Lúcia Amorim Santana

A COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS ...................................................................................................................... 1955

Leila Pessôa da Costa

Regina Maria Pavanello

LEITURA: CÁTEDRA UNESCO MECEAL NO BRASIL ............................................................. 1959

Leonor Scliar-Cabral

EDUCAÇÃO DO CAMPO: A LEITURA NO CONTEXTO DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA ........................................................................................................................................................... 1963

Letícia Cristina Antunes

Nayara Massucatto

Maria de Lourdes Bernartt

CLIC! E ERA UMA VEZ: APROPRIAÇÕES DE NARRATIVAS VERBOVISUAIS EM HISTÓRIAS ESCRITAS POR CRIANÇAS .................................................................................... 1967

Liane Castro de Araujo

PALAVRAS DITAS E ESCRITAS, EM FESTA: PRODUÇÃO DE TEXTOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................... 1976

Lícia Maria Freire Beltrão

Mary de Andrade Arapiraca

Risonete Lima de Almeida

A ABORDAGEM DOS GÊNEROS DA INCITAÇÃO À AÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DOS 4º E 5º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL .......................... 1980

Lidemberg Rocha de Oliveira

A INJUNÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO 4º E 5º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ............................................................................................................. 1984

Lidemberg Rocha de Oliveira

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA NA CRECHE: PEDAGOGIA POR PROJETOS EM AÇÃO................................................................................................................................................ 1988

Lígia Maria Sciarra Bissoli

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 1861

SENTIDOS SOBRE AS TIC: ALÉM DAS MARGENS

Karina Moreira Menezes1 Nelson De Luca Pretto2

Margens direcionam, delimitam trajetos e também os definem. Mas definir não significa

determinar, pois é possível ler além. Um mundo lido além das margens, é um mundo expandido além de si. Assim funciona com as tecnologias de informação e comunicação (TIC) em rede. Além de possibilitar o acesso e desenvolvimento de práticas e de bens culturais compartilhados na cibercultura, as TIC proporcionam uma virada conceitual que afeta a nossa visão do mundo. Assumimos que, com as TIC, a leitura do mundo se virtualiza ao conectar pessoas, culturas e saberes, criando e produzindo sentidos.

Reconhecendo os aspectos positivos da disseminação das tecnologias em sociedade, nos pautamos em uma leitura crítica sobre sua presença, reconhecendo que elas também são usadas para manter determinadas estruturas sociais e relações de dominação. Nesse sentido, trazemos uma abordagem que discute certos sentidos que a tecnologia adquire na sociedade e em especial, na área educacional, e propomos a desconstrução de metáforas que naturalizam a sua presença e os sentidos que daí são produzidos.

É nesse sentido que, compreendendo técnicas e tecnologias como criações humanas e portanto, ideológicas, que extrapolam os limites das máquinas e dos suportes que as materializam, modificando o mundo e a cultura ao mesmo tempo em que são modificadas por eles, questionamos algumas ideias que, aplicadas ao estudo das tecnologias, acabam por aferir a elas um caráter neutro, transcendental às relações sociais, como se fossem entidades independentes da ação humana. A isso chamamos metáforas cerceantes que levam a posicionamentos pouco críticos e contribuem para reduzir as formas de leitura das TIC na sociedade, limitando a criação e produção de sentidos novos, tão necessários para a educação na atualidade.

A metáfora do impacto e a ênfase no determinismo

Concordamos com Lévy(2010) ao afirmar que a “metáfora do impacto” não é adequada

para se referir à presença das tecnologias na sociedade, por transmitir a ideia de que as tecnologias são uma entidade externa à sociedade e à cultura, quando, de fato, são um aspecto indissociável delas, porque “não se pode separar o mundo material – e menos ainda a sua parte artificial – das ideias por meio das quais os objetos técnicos são concebidos e utilizados nem dos humanos que os inventam, produzem e utilizam.”(LÉVY, 2010:22)

As técnicas e as tecnologias só podem ser compreendidas na relação com os homens, nos processos socioculturais. Quando uma nova técnica é criada, desenvolvida, ela abre

1 Mestre em Educação, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador/BA. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Comunicação, Universidade Federal da Bahia (UFBA) , Salvador/BA. E-mail: [email protected]

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possibilidades e oferece condições para tomada de decisões, escolhas e ações também condicionadas à materialidade e à subjetividade humana.

Acreditar que uma técnica ou uma tecnologia é determinante é aceitar a existência de um caminho a partir dela e que a entrada de uma técnica especifica, levará a um resultado único, conferindo-as um caráter autônomo, independente, como se fossem capazes, por si só, de produzir ou modificar a sociedade.

Neutralidade e ferramenta

As tecnologias expressam formas de poder dos homens sobre os homens e destes sobre

a natureza. Quando instaurada, uma tecnologia modifica as relações entre as pessoas, e as relações das pessoas com o mundo, tendo o potencial para aprisionar e para libertar, concorrendo para manter determinadas estruturas sociais e relações de dominação.

Pensar as TIC como ferramentas, como nos alerta Barreto (2003), implica em um deslize teórico pois toma as tecnologias como neutras, como se já estivessem prontas para serem utilizadas, independentemente do trabalho que se pretenda realizar (Barreto, 2003:273) desconsiderando que as TIC “são a materialização da racionalidade de uma certa cultura e de um 'modelo global de organização do poder'”. (Martin-Barbero,1997:256 apud Barreto, 2003).

Faz-se necessário expandir o conceito de tecnologia para além das técnicas e dos objetos, englobando um amplo conjunto de processos objetivados e reprodutíveis no qual se inserem as tecnologias intelectuais que encontram vasto campo de materialidade nas TIC.

Muito mais que ferramentas, caminhamos para compreensão das TIC como espaços de criação e também como linguagem, visto que pressupõem o pensar e o agir e afetam o modo de percepção e intelecção pelo qual percebemos os objetos, ao mesmo tempo em que oferecem a oportunidade de operarmos sobre esses objetos. No contexto educacional, se reduzirmos essas tecnologias a ferramentas, apenas ensinaremos o como utilizá-las, sem nos preocuparmos com a necessidade de interpretá-las e compreendê-las em relação ao espaço que ocupam no mundo, desconsiderando inclusive, a forma substancial como alteram as relações entre as pessoas.

A perigosa ideia do novo

Lévy (2010:28) explica que a ideia de “novas tecnologias” se faz presente entre aqueles

que não estão imersos ou que não participam da criação, produção e apropriação dos instrumentos digitais e isso se deve, especialmente, pela aceleração das mudanças nesse tempo em que a evolução tecnológica não para, portanto, “todos nós nos encontramos em algum nível de desapossamento”.

Na esfera da educação, Barreto(2010) pondera que a expressão “novas tecnologias” vem demarcar a diferenciação das “velhas tecnologias educacionais” como o livro, a lousa, o lápis. E, sendo criadas a partir das áreas não educacionais, as tecnologias da informação e da

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LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 1863

comunicação são comumente qualificadas como “novas”, o que aponta para a necessidade de serem recontextualizadas para o ambiente educacional.

Diante disso, destacamos que o discurso do novo se fortalece por posturas de maravilhamento ingênuo (PINTO, 2005) e tende a ser sustentado pelo desejo da posse pela posse, característico da sociedade de consumo. Assim, a pergunta que frequentemente se faz diante de um novo artefato tecnológico é: “o que ISSO faz” e, raramente se questiona sobre “o que EU posso fazer com ISSO”. Do ponto de vista da educação essa inversão é perigosa na medida em que, desejando-se o artefato pelo artefato, relega-se o potencial criativo do humano em relação ao objeto, mantendo-se ainda, a visão determinista das TIC.

“Informatizar já” não é suficiente

A informatização que presenciamos, conforme Cazeloto(2008), tem como uma de suas

característica a ausência de um investimento intencional na formação crítica das pessoas que lidam com as tecnologias. O conjunto de tecnologias naturalizam-se como se tivessem vida própria, e as implicações dessa naturalização tendem a reforçar estruturas de dominação.

Para além da informatização, consideramos o processo de virtualização que, conforme problematizado por Bonilla (2005), “ultrapassa amplamente a informatização em curso”. A imaginação, a memória, o conhecimento, a religião, apontam para processos de virtualização, que são anteriores às máquinas informáticas por serem próprios do movimento de autocriação humana, especialmente por meio da linguagem. A virtualização, portanto, não é ilusão ou irrealidade, mas potencialidades criadoras com o advento das TIC, em especial com as TIC conectadas em rede.

Alcançar a virtualização pressupõe a abertura para diferentes formas de leitura, mediadas pelas tecnologias e além delas. Insistimos que as tecnologias não devem ser apenas usadas, mas precisam ser lidas de modo crítico, especialmente em atenção ao lugar que ocupam no mundo e às formas relacionais que elas possibilitam. Isso significa pensar além do artefato – da ferramenta – além do consumismo e do maravilhamento pelas novidades tecnológicas que surgem a cada dia. São os processos de virtualização que abrem a possibilidade da criação, da invenção, da permanência de conhecimentos e conteúdos através do tempo.

As metáforas do impacto, da ferramenta e do novo tendem a ser cerceantes assim como é limitante a enfase na informatização sem um diálogo crítico sobre as potencialidades das TIC. Sendo cerceantes, reduzem as margens de compreensão e apropriação das tecnologias como linguagem e como espaços de criação, e destituem o lugar da crítica em relação ao papel que as tecnologias ocupam na sociedade e os modos como regulam as relações entre as pessoas.

Concluímos que uma visão ampliada do conceito de TIC reconhece a multiplicidade de sentidos em torno da palavra e evidencia sua percepção como criação humana, inscrita em determinado momento histórico, cultural e político. Desse modo, destacamos o aspecto do humano que se estrutura pelas tecnologias e cria possibilidades para que o potencial criativo e

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LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 1864

autônomo emerja nas práticas educativas, abrindo espaços para criação de sentidos além das margens.

Referências BARRETO, Raquel Goulart. As tecnologias na formação de professores: o discurso do MEC. Educação & Pesquisa, n. 30, jul./dez. 2003. p. 271-286. BARRETO. Raquel Goulart. Configuração da política nacional de formação de professores a distância. Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 84, p. 33-45, nov. 2010 BONILLA, M. H. Escola aprendente: para além da sociedade da informação. Salvador: Quartet, 2005. Série Ciberespaço e educação. CAZELOTO, E. Inclusão digital: uma visão crítica. São Paulo: Senac São Paulo, 2008. LÉVY, P. Cibercultura. Carlos Irineu da Costa (trad.) São Paulo: Ed. 34, 2010. PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Volume 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.


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