62 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE
NOSSAS ATIVIDADES: REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO
DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
WE ARE SORRY TO INFORM THE END OF OUR ACTIVITIES:
REPRESENTATIONS AND PRACTICES OF THE
ORGANIZATIONAL DECLINE IN VIDEO RENTAL STORES
ES CON PESAR QUE INFORMAMOS EL CIERRE DE NUESTRAS
ACTIVIDADES: REPRESENTACIONES Y PRÁCTICAS DE LA
DECLINACIÓN ORGANIZACIONAL DE COMPAÑÍAS DE
SERVICIO DE ALQUILER DE PELÍCULAS
Vanessa Alves Pinhal
Mestre em Administração pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) / Tutora na Faculdade do Trabalho
(FATRA), Brasil [email protected]
Daniel Victor de Sousa Ferreira
Mestre em Administração pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) / Bacharel em Administração pela
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Brasil
Jacquelaine Florindo Borges
Professora Adjunta da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) / Doutora em Administração pela
Universidade de São Paulo (FEA/USP) / Mestre em
Administração pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), Brasil [email protected]
Contextus
ISSNe 2178-9258
Organização: Comitê Científico Interinstitucional
Editor Científico: Diego de Queiroz Machado
Avaliação: double blind review pelo SEER/OJS
Edição de texto e de layout: Carlos Daniel Andrade
Recebido em 09/08/2017
Aceito em 25/03/2018
2ª versão aceita em 11/04/2018
RESUMO
Este artigo analisa as representações sociais e as práticas estratégicas de gestores de videolocadoras em relação às
tensões relacionais micro/macro que caracterizam o declínio dessas organizações. A partir da perspectiva da
estratégia como prática, a pesquisa foi conduzida pela abordagem qualitativa. Para a coleta de dados foram
utilizadas a técnica de entrevista e uma técnica projetiva com proprietários das videolocadoras. A análise de
conteúdo foi empregada para tratar os resultados da tensão relacional e dos elementos da agência humana: iterativo,
projetivo, prático-avaliativo. Os resultados mostram que gestores prático-avaliativos realizam mudanças buscando
melhoria de resultados e estão atentos aos desafios, enquanto gestores iterativos continuam trabalhando como
sempre trabalharam, atendendo os poucos e fidelizados clientes, sendo indiferentes às adversidades. A despeito de
práticas estratégicas distintas, na dimensão projetiva, os gestores compartilham uma imagem: a morte das
videolocadoras. Assim, a estratégia enquanto prática social abarca temáticas da mudança e do declínio
organizacionais enquanto vivência (antecipada) do luto nas organizações.
Palavras-chave: Estratégia como Prática. Representações Sociais. Mudança organizacional. Declínio
organizacional. Resiliência organizacional.
ABSTRACT
This article aims to analyze social representations and strategic practices of video rental store managers with
respect to the micro/macro relational tensions that characterize the decline of such organizations. From a
perspective that conceives of strategy as practice, the research was conducted within a qualitative approach.
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É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
Concerning the data collection, interviews and a projective technique with video rental store owners were used.
The content analysis was applied to deal with the relational tension results and the elements of human agency:
iterative, projective, evaluative-practical. The results demonstrate that evaluative-practical managers make
changes while seeking better results and are careful with challenges, whereas iterative managers continue to work
as they always did, by serving a few loyal clients and being indifferent to adversity. In spite of different strategic
practices, managers share an image in the projective dimension: the death of video rental stores. Thus, strategy as
a social practice encompasses themes of organizational change and decline as (anticipated) experience of mourning
in organizations.
Keywords: Strategy as Practice. Social Representations. Organizational Change. Organizational Decline.
Organizational Resilience.
RESUMEN
Este artículo analiza las representaciones sociales y las prácticas estratégicas de gestores de compañías de servicio
de alquiler de películas respecto a las tensiones relacionales micro/macro que caracterizan el declive de tales
compañías. Desde la perspectiva de la estrategia como práctica, se condujo la investigación por medio del enfoque
cualitativo. Se utilizaron entrevistas y una técnica proyectiva con propietarios de tales compañías. Se empleó el
análisis del contenido en el análisis de los resultados de tensión relacional y de los elementos de la agencia humana:
iteración, proyección, práctica evaluativa. Los resultados muestran, mientras que los gestores práctico-evaluativos
realizan cambios buscando mejorar los resultados y están atentos a los desafíos, los gestores iterativos continúan
trabajando como siempre han trabajado, atendiendo a los pocos y fieles clientes, además siendo indiferentes a las
adversidades. A pesar de las prácticas estratégicas distintas, en la dimensión proyectiva, los gestores comparten
una imagen: la muerte de las compañías de servicio de alquiler de películas. Así, la estrategia como práctica social
abarca temáticas de cambio y del declive organizacional como vivencia (anticipada) del luto en las organizaciones.
Palabras-clave: Estrategia como Práctica. Representaciones Sociales. Cambio Organizacional. Declive
Organizacional. Resiliencia Organizacional.
1 INTRODUÇÃO
A gente lutou muito. Sempre acreditávamos
que haveria uma estratégia que poderíamos
tentar [...], mas as opções foram se
esgotando, sem resultado (Diretora e
proprietária da 2001 Vídeo. In:
COLOMBO, 2015).
Reportagem intitulada “Os últimos
dos moicanos” chamou a atenção para a
situação de cerca de 3.000 locadoras
existentes no Brasil (LIMA, 2015), número
que já chegara a ser de 14.000. No final de
2015, a rede 2001 Vídeo anunciou o
encerramento das atividades das lojas
físicas (COLOMBO, 2015). Há 33 anos no
mercado, a tradicional rede de locadoras
enviou mensagem para os clientes − “É com
pesar que informamos o encerramento de
nossas atividades nas lojas da rede física da
2001 Vídeo” (PORTAL TERRA, 2015).
O mercado audiovisual de vídeo
doméstico ou home video é composto por
empresas cuja atividade principal é o
serviço de locação e a venda de DVDs,
discos Blu-Ray e outras mídias com
conteúdo audiovisual. O negócio de
videolocadoras é orientado para oferecer
aos consumidores obras audiovisuais em
suportes de mídia pré-gravados (ANCINE,
2010). Nos anos 1990, especialmente com a
mudança da tecnologia VHS (Video Home
System) para DVD (Digital Video Disc), a
locação apresentava-se como boa opção
para os usuários, devido à facilidade de
escolher o que e quando assistir, fazendo
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Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
emergir novos negócios e comportamentos
(SILVA; LOPES; OLIVEIRA, 2013).
Nas últimas décadas, o mercado de
vídeo doméstico sofreu um processo de
virtualização (FILHO et al., 2014;
HERMANN, 2012; LIMA, 2015; SILVA;
LOPES; VIEIRA, 2013) que afetou as
práticas de produção, distribuição e
consumo de entretenimento. A
popularização da Internet facilitou o acesso,
a criação, a distribuição e o consumo de
bens e serviços audiovisuais. Novas
possibilidades de distribuição de conteúdo
audiovisual passaram a ser utilizadas como,
por exemplo, o vídeo sob demanda (video
on demand), oferecido pelas empresas de
TV a cabo ou por satélite.
Mudanças tecnológicas são
protagonizadas por novos concorrentes,
provedores independentes e gigantes do
setor como Netflix, Now, Amazon.
Também ocorreu uma inegável mudança no
comportamento do consumidor, mais
interessado naquilo que está em voga nas
redes sociais, diferente do comportamento
dos cinéfilos, tradicionais frequentadores
das videolocadoras que estavam dispostos a
passar horas em uma locadora garimpando
filmes e dedicando tempo para assisti-los e
debatê-los (COLOMBO, 2015; FILHO et
al., 2014; LIMA, 2015).
A queda nas vendas físicas, nos
últimos anos, é explicada pelo surgimento
de novos modelos de negócios como, por
exemplo, o streaming (forma de
distribuição de dados em que as
informações são disponibilizadas onde e
quando o usuário/consumidor deseja
acessá-lo, conforme empregado por Netflix,
YouTube, HBOGo, TelecinePlay, Warner,
Sony, Globo), o pay-per-view (aquisição de
uma programação específica a qual se
deseja assistir como, por exemplo, nos
canais Telecine e HBO) e outros. No final
de 2016, estimativas indicavam 6 milhões
de assinantes no Brasil para a empresa
Netflix (CASTRO, 2016). Em 2017, a
empresa superou 100 milhões de assinantes,
a maioria fora dos EUA (BRADSHAW,
2017). Nos últimos anos, a empresa tem
investido na produção de conteúdo e em
estúdios de produção na Europa.
Com a expansão da Internet, as
videolocadoras correm o risco de se
tornarem obsoletas ou extintas, visto que o
processo de virtualização influencia de
maneira direta a rentabilidade das
videolocadoras. Ou seja, por meio da
Internet os usuários conseguem fazer
downloads de lançamentos e também
compartilhar esses arquivos, muitas vezes
por meio de reprodução e comercialização
não autorizada (ANCINE, 2010). O
aumento da pirataria, facilitado pela
disseminação da Internet por banda larga,
também contribuiu para queda nas vendas e
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É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
locações (FILHO et al., 2014; HERMANN,
2012; LIMA, 2015; SILVA; LOPES;
VIEIRA, 2013).
Esta pesquisa parte desse cenário
que parece impor às videolocadoras a
extinção ou a necessidade de se
reinventarem. Adaptações geralmente
ocorrem em três situações principais:
ajustar-se devido à falta de mudanças por
parte da empresa durante muitos anos;
adequar-se às questões que exigem
modificações; e corrigir aquilo que não está
mais funcionando nas empresas tradicionais
(GONÇALVES, 1998). Tal cenário,
todavia, mostra a luta pela sobrevivência
das videolocadoras em um estágio de
declínio organizacional cujas causas elas
não podem controlar.
Nesse contexto, a literatura da
estratégia (MINTZBERG; AHSTRAND;
LAMPEL, 2000), especialmente no caso
das escolas prescritivas (design,
planejamento e posicionamento), indicarão
a necessidade, por parte das organizações,
de analisar a indústria, de redirecionar-se
estrategicamente e de adaptar-se às
mudanças ambientais. Por sua vez, as
políticas governamentais e os fóruns
empresariais (escola empreendedora)
destacarão a necessidade de uma atuação
empreendedora dos gestores nas
videolocadoras. Destes espera-se que
reconheçam os impactos das ideias
inovadoras (escola cognitiva) e não
continuem a repetir um padrão de
comportamento estratégico (escola
ambiental) e, além disso, que se preparem
para aprender a aprender (escola do
aprendizado), em um ambiente que exige
frequentes adaptações.
A estratégia como prática (strategy-
as-practice) se interessa pelos sujeitos e
pelo contexto (NICOLINI, 2009; SEIDL;
WHITTINGTON, 2014), ou seja, as
micropráticas são socialmente situadas.
Considerando essa abordagem, o problema
desta pesquisa é como as macroinfluências
são interpretadas e construídas no nível
micro da agência humana. O objetivo é
analisar as representações sociais e as
práticas estratégicas de gestores de
videolocadoras frente às tensões relacionais
micro-macro provocadas por novos
concorrentes, inovações tecnológicas e
mudanças no comportamento do
consumidor, uma situação problemática em
um cenário que impõe necessidade de
reinventar os negócios de vídeos
domésticos.
Este artigo está estruturado em
outras sete seções, além da presente
introdução. A seguir, são apresentados
aspectos relevantes sobre o mercado
audiovisual e sobre as videolocadoras.
Posteriormente trata-se das representações
sociais e da relação entre os níveis de
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Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
análise, micro e macro, na perspectiva da
estratégia como prática. Em seguida, são
apresentados os procedimentos
metodológicos, a discussão dos resultados e
as conclusões.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
No campo da administração, a
metáfora do organismo “oferece uma forma
eficiente de ver a estratégia e o
planejamento organizacional” e estimula
“ver que populações inteiras de
organizações podem surgir e desaparecer
juntamente com as transformações dos
nichos e dos fluxos de recursos”
(MORGAN, 2000, p. 53). Entre as
contribuições da metáfora do organismo
está o conceito de ciclo de vida
(nascimento, crescimento, maturidade,
declínio): do produto, da organização e da
indústria.
Em relação ao ciclo de vida da
organização e ao declínio organizacional,
Whetten (1980) argumentou que se
negligenciavam a pesquisa e o ensino sobre
o declínio, o que se podia explicar por uma
ideologia em prol do crescimento da
organização. O ciclo de vida organizacional
também é tratado pela literatura
organizacional a partir de estágios, sendo o
declínio o último.
Este, por seu turno, caracteriza-se
por diferentes estágios próprios
(WEITZEL; JONSSON, 1989): (1)
cegueira da organização: o problema é que
os gestores não reconhecem os sinais de
ameaça à sobrevivência da organização, e a
solução é criar sistemas de informação,
avaliação e acompanhamento que mostrem
quando algo vai mal; (2) inação: o problema
é que os gestores continuam negando a
deterioração do desempenho
organizacional, e a solução é identificar o
que está errado e adotar práticas e tomar
decisões que alinham a organização com o
ambiente; (3) ação falha: o problema está na
falha das decisões ou na sua
implementação, e a solução é enfrentar e
empreender as grandes mudanças; (4) crise:
o problema é a instalação do caos e do
pânico devido à incerteza, e a solução deve
envolver a estratégia e a cultura
organizacionais; (5) dissolução: o problema
é que a crise e a incerteza ambiental, bem
como a lenta resposta da organização
tornam o declínio inevitável, sendo a
solução para a perda de mercado, de
funcionários, de reputação e de capital
planejar o encerramento das atividades da
organização.
Em geral, a imagem do declínio está
associada com disfunções ou atributos
organizacionais e gerenciais negativos.
Cameron, Whetten e Kim (1987)
67 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
analisaram o conjunto de disfunções
organizacionais que a literatura sobre o
assunto considera como efeitos e atributos
negativos do declínio. Aqueles autores
identificaram diferenças na presença desses
atributos em organizações privadas e
públicas e de pequeno e grande porte.
Em análise sobre o declínio
organizacional, Cameron e Zammuto
(1983) propõem uma tipologia composta de
uma matriz com quatro quadrantes com
origem em dois eixos e quatro situações. Eis
os eixos: (1) continuidade e
descontinuidade de mudança ambiental; (2)
mudança no tamanho do nicho e mudança
no tipo de nicho. Os quatro quadrantes são:
(1) erosão: a mudança contínua do ambiente
e a mudança no tamanho do nicho podem
levar a uma situação de estagnação dos
conflitos; (2) contração: conflitos que
ameaçam a sobrevivência relacionados à
mudança descontínua do ambiente e à
mudança no tipo de nicho; (3) dissolução:
mudança contínua do ambiente e mudança
no tipo do nicho podem requerer a
contenção dos conflitos; (4) colapso: os
conflitos são gerados e potencializam a
confusão geral devido à mudança
descontínua do ambiente e à mudança no
tipo do nicho.
Em estudo que ressalta a
necessidade de distinguir declínio,
turbulência e estagnação, Cameron, Kim e
Whetten (1987) afirmam que o declínio
organizacional e as turbulências ambientais
têm efeitos distintos sobre a ação dos top
managers (centralização, não realização do
planejamento de longo prazo, cortes não
seletivos e outros) e sobre a reação dos
membros da organização (perda de
credibilidade, queda do moral, resistência à
mudança, dentre outros). As diferentes
consequências do declínio para as
organizações também são analisadas por
D’Aveni (1989), dentre elas a paralisia
estratégica.
O interesse pelo tema do declínio,
nos anos 1980, desenvolveu-se por
diferentes grupos de estudiosos: o declínio
associado ao ciclo de vida da indústria e
aquele ligado ao ciclo de vida da
organização ocuparam, respectivamente, o
campo da estratégia e o dos estudos
organizacionais. Os estudos do ciclo de vida
organizacional e do declínio adotam uma
concepção orgânica, com ênfase na relação
interativa (e adequada) da organização com
o ambiente como condição para “a vida e a
sobrevivência” organizacionais; tal
metáfora do organismo mantém uma visão
modernista relacionada ao funcionalismo
(MORGAN, 1980).
A forte tendência prescritiva da
literatura sobre ciclo de vida e declínio
organizacional (CAMERON; ZAMMUTO,
1983), bem como a visão de estratégia como
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Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
algo que a empresa possui e como
atribuição exclusiva da alta direção
recebem fortes críticas epistemológicas da
perspectiva da estratégia como prática,
orientada por pressupostos
neointerpretativistas e neoestruturalistas
(RASCHE; CHIA, 2009). Mesmo
reconhecendo essas críticas, o conceito de
ciclo de vida da indústria e da organização
foi resgatado no presente artigo para que se
pudesse contemplar a temática do declínio
organizacional no setor de videolocadoras.
1.1 O mercado audiovisual e as
videolocadoras
A cadeia produtiva do mercado
audiovisual é constituída por atividades de
produção, distribuição e exibição, sendo
composta pelos estúdios ou distribuidoras,
pelos cinemas e pelas videolocadoras
(Figura 1). As distribuidoras detêm os
direitos de comercialização das obras
audiovisuais, algumas delas ligadas aos
grandes estúdios (como a Sony, Disney e
Warner). Elas são as responsáveis por
disponibilizar as obras para os
estabelecimentos que atuam na ponta da
cadeia produtiva, como as videolocadoras,
que oferecem o produto ao consumidor final
(ANCINE, 2010).
Figura 1 – Estrutura da cadeia do setor audiovisual
Fonte: adaptado de Ancine (2010) e Nordicity (2013).
De maneira geral, a exibição nos
cinemas é o primeiro canal de distribuição.
Em seguida, o filme torna-se disponível
para locação ou compra em meios físicos
(DVD ou Blu-Ray), canais pay-per-view,
video-on-demand e em outros meios.
Finalmente, a exibição é realizada em TVs
por assinatura e na TV aberta (FILHO et al.,
2014). As videolocadoras se inserem no
segmento de mercado de vídeo doméstico
que “representa o conjunto de atividades
encadeadas, realizadas por diversos agentes
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É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
econômicos, necessários para ofertar ao
consumidor final [...] obras audiovisuais em
qualquer suporte de mídia pré-gravada”
(ANCINE, 2010, p. 4).
O mercado de vídeo doméstico
desempenhou papel importante para os
estúdios durante muitos anos. No contexto
norte-americano, era possível perceber que,
na década de 1980, 30% da lucratividade da
indústria tinha origem nos cinemas. Por
volta dos anos 2000, o cenário mudou, com
o setor de home video dominando a fonte de
lucros (CHIOU, 2006). No Brasil, as
videolocadoras começaram a atuar na
década de 1980 com a aquisição dos
primeiros videocassetes, apresentando um
rápido aumento no número de aparelhos.
Por volta de 1998, o DVD substituiu as fitas
VHS, e as videolocadoras estavam no auge
no Brasil (LIMA, 2015).
O costume de assistir a vídeos
alterou o comportamento dos brasileiros no
que se refere à busca por entretenimento,
criando novas oportunidades de negócios
(SILVA; LOPES; VIEIRA, 2013).
Entretanto, entre 2007 e 2014, a diminuição
da locação de DVDs, a popularização da TV
a cabo, o acesso a filmes e seriados pela
Internet com banda larga, a persistente
pirataria, o custo de aluguel em locais
estratégicos, o gasto com a formação de
funcionários e a crise econômica
provocaram o fechamento de dois terços de
todas as locadoras existentes no Brasil
(COLOMBO, 2015; PORTAL TERRA,
2015). Para sobreviverem no mercado, as
videolocadoras têm adotado estratégias
além do aluguel, como venda de filmes,
sistema de franquias, videolocadoras
virtuais (telefone ou Internet), utilização de
máquinas de autoatendimento (ANCINE,
2010) e serviços de conversão de antigas
fitas VHS para DVD (LIMA, 2015).
Apesar do irreversível processo de
virtualização e do surgimento de novos
negócios que oferecem filmes, séries e
produção original on-line, ainda é possível
perceber a existência de mercado para as
videolocadoras. Em estudo sobre as
mudanças no comportamento dos
consumidores no que se refere a
“desmaterialização” dos produtos,
Hermann (2012), usando o caso da empresa
Netflix, verificou ser ainda possível notar
motivos para que determinados
consumidores não mudem hábitos
cotidianos, continuando a alugar vídeos
fisicamente. Ademais, conforme pesquisa
realizada pelo IBGE, nota-se que, no ano de
2012, apenas 10,7% dos municípios
brasileiros possuíam cinema, contribuindo
para que as pessoas recorressem à locação
de vídeos (IBGE, 2012). Outros três
motivos para a longevidade das
videolocadoras são: o aluguel de jogos, pois
o consumidor de videogames nem sempre
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Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
pode comprar os jogos que deseja; a
discrepância entre alto preço e baixa
velocidade da banda larga no Brasil; e a
possibilidade das videolocadoras se
tornarem cool (LIMA, 2015), vistas como
espaços para se encontrarem raridades e
gêneros de filmes desprezados pelos outros
canais (TV e provedores), bem como
voltadas para um público específico que
rejeita a “ditadura” e a “pasteurização” do
ramo (COLOMBO, 2015).
1.2 Representações sociais da
estratégia
As representações individuais e
coletivas emergem e orientam as ações dos
indivíduos nas interações cotidianas,
podendo ser conceituadas, portanto, como
eventos individuais, através de
representações mentais em que o social é o
contexto, conforme afirma Spink (1993).
Ele situa as representações sociais (RS) no
campo da psicologia social e as considera
fenômenos sociais (1993, p. 300), porque
“mesmo acessados a partir do seu conteúdo
cognitivo”, esses fenômenos “têm de ser
entendidos a partir do seu contexto de
produção”. Desse modo, as RS são não
apenas socialmente compartilhadas, mas,
também, socialmente elaboradas. Ao
mesmo tempo em que as RS emergem dos
indivíduos, também orientam suas ações
nas interações cotidianas, por meio das
“funções simbólicas e ideológicas a que
servem e das formas de comunicação em
que circulam” (SPINK, 1993, p. 300).
Diversos autores assumiram o papel
de transpor estudos e conceitos da
sociologia para a psicologia social
(DURAN, 2012). Dentre eles, Moscovici
(2007, p. 9) concebeu o fenômeno de RS
com base na psicanálise e na sociologia
(retomando os estudos de Durkheim). Uma
RS, nesse sentido, consiste na maneira de as
pessoas partilharem o conhecimento e
constituírem uma realidade comum, ao
transformarem ideias em práticas, “através
da interação e comunicação”. As RS “nos
guiam no modo de nomear e definir
conjuntamente os diferentes aspectos da
realidade diária, no modo de interpretar
esses aspectos, tomar decisões e,
eventualmente, posicionar-se frente a eles
[...]” (JODELET, 2001, p. 17).
O conceito de RS permeia um
campo transdisciplinar de estudos (SPINK,
1993). Por exemplo, diversos autores
circunscrevem o conceito ao campo dos
estudos organizacionais, ao pesquisarem: as
representações do feminino e masculino no
trabalho de garçons e garçonetes (DINIZ;
CARRIERI; BARROS, 2013), o trabalho
confinado na indústria petrolífera
(SALLES; COSTA, 2013), as questões de
gênero em jornais de circulação interna de
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duas empresas (CORREA et al., 2007), o
lucro no comércio de artigos religiosos
(ENOQUE; BORGES; BORGES, 2014), a
convivência de diversos grupos em um
centro comercial (FIGUEIREDO;
CAVEDON, 2012), a organização, o papel
do administrador e as práticas de gestão em
cursos de graduação em administração
(BORGES; MEDEIROS; CASADO,
2011).
Nos estudos de estratégia, por sua
vez, Cavedon e Ferraz (2005) relacionam as
RS com pequenos comércios, discorrendo
sobre a dualidade entre o saber
institucionalizado da estratégia e as
(res)significações atribuídas a esse
conhecimento no cotidiano organizacional
de pequenos comerciantes. Guerra e Tatto
(2010) relacionam a RS com a perspectiva
da estratégia como prática no contexto
gerencial de organizações familiares do
ramo de hotelaria. Afirmam que as práticas
da estratégia são influenciadas por RS que
os gerentes têm sobre a própria estratégia.
Carrieri et al. (2012) também estudam as
estratégias e táticas empreendidas por
pequenas organizações familiares para
sobreviver às mudanças contextuais ao
longo de quase um século.
O conceito de RS pode oferecer um
caminho teórico-metodológico para os
estudos da estratégia como prática social
(SILVA; CARRIERI; JUNQUILHO,
2011), dado ser uma alternativa para
compreender os limites contextuais que
envolvem o fazer das pessoas, dentro e fora
das organizações. Tal concepção
corresponde à visão relacional de macro- e
micro-práticas, visto que os níveis macro e
micro “coexistem em uma tensão relacional
de constituição e explicação mútua,
interagindo por meio de uma gama de
fatores intermediários” (WILSON;
JARZABKOWSKI, 2004, p. 16).
1.3 A tensão relacional entre os níveis
micro e macro
Tradicionalmente, a estratégia tem
sido tratada como uma propriedade das
organizações (WHITTINGTON, 2006;
JOHNSON et al., 2003;
JARZABKOWSKI; WHITTINGTON,
2008), em perspectivas amplas que, por
vezes, negligenciam os fenômenos que
ocorrem em um nível “micro”, como as
atividades cotidianas que permeiam as
rotinas organizacionais (JOHNSON et al.,
2007).
Na tentativa de preencher essa
lacuna, surge a abordagem da estratégia
como prática, com foco nos estrategistas e
no “fazer estratégia” (WHITTINGTON,
1996). Os estudos nessa perspectiva
concentram sua atenção nas atividades
cotidianas dos atores das organizações e no
72 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
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modo como esses atores e suas atividades
interagem com o contexto no qual estão
inseridos (JARZABKOWSKI, 2003). A
estratégia como prática possui uma posição
única no campo da gestão estratégica
devido à sua habilidade de conexão entre
análises de contextos micro e macro
(VARA; WHITTINGTON, 2012).
Apesar da necessidade de considerar
as microatividades desempenhadas pelos
diversos atores das organizações, torna-se
relevante enfatizar a contextualização das
microações. Em outros termos, os
microfenômenos precisam ser
compreendidos em seu contexto social mais
amplo, pois os atores não estão interagindo
de forma isolada, mas sofrendo influência
das pluralidades das instituições sociais a
que pertencem (JARZABKOWSKI;
BALOGUN; SEIDL, 2007). Ao reconhecer
a necessidade de incluir uma análise com
visão mais micro, Johnson et al. (2003)
também citam a necessidade de colocar o
nível micro dentro do macro, com o intuito
de descobrir relações plausíveis para o
desempenho e ainda oferecer guias
tangíveis para ações gerenciais.
Nessa perspectiva, Wilson e
Jarzabkowski (2004) propõem a tensão
relacional em que os níveis micro e macro
se constituem dois polos a interagir por
meio de diversos fatores intermediários. No
nível da macroanálise, destacam-se as
instituições sociais, econômicas e políticas,
enquanto podem ser citados, no nível micro,
os discursos, as práticas e os gestos. Dessa
forma, considera-se que as práticas ocorrem
tanto em contextos amplos que
proporcionam comunalidades de ação,
quanto em microcontextos, ou seja, elas
ocorrem dentro de uma interação fluida
entre os contextos micro e macro
(JARZABKOWSKI, 2004).
Dentre as vantagens de estabelecer
uma conexão entre o nível micro e macro,
Seidl e Whittington (2014) enfatizam uma
compreensão mais holística do “fazer
estratégia” e a oferta de uma base mais
substancial para alegações teóricas sobre a
relevância dos limites de determinadas
práticas estratégicas. São necessários uma
integração e um movimento alternado entre
uma visão ampla e outra mais restrita,
possibilitando entender melhor como as
práticas locais participam nas grandes
configurações e como entram com seus
elementos e recursos em outras atividades
(NICOLINI, 2009).
A perspectiva relacional foge do
reducionismo. Os autores destacam que
ambos os níveis são bidirecionados, já que
qualquer atividade que aconteça estará
relacionada tanto ao contexto macro quanto
ao micro. Nessa visão, os resultados e as
influências são compreendidos tal como nas
teorias institucionais e em estudos com foco
73 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
no nível industrial (WILSON;
JARZABKOWSKI, 2004). Nota-se o
esforço de estabelecer, nas pesquisas da
estratégia como prática, um avanço em
direção a propostas de conexões mais
efetivas das atividades estratégicas locais e
os fenômenos sociais mais amplos, ou seja,
as práticas dos sujeitos e as práticas dos
contextos (NICOLINI, 2009; SEIDL;
WHITTINTON, 2014). A estratégia como
prática se interessa, portanto, por uma
dimensão da agência humana relacionada
com a capacidade prático-avaliativa
(WILSON; JARZABKOWSKI, 2004).
Conforme Emirbayer e Mische
(1998, p. 971), existem três elementos
constitutivos da agência humana
(pensamento e ação) que caracterizam “a
capacidade dos atores de modelarem
criticamente sua própria capacidade de
reagir a situações problemáticas”: iteração
− quando os atores recompõem padrões de
pensamento e ação do passado, capazes de
trazer ordem e estabilidade ao universo
social e de ajudar a sustentar identidades,
interações e instituições; resposta projetiva
− quando os atores geram imagens de
trajetórias futuras possíveis da ação, e seu
pensamento e sua ação são reconfigurados
criativamente em relação a um futuro
temido e/ou desejado por eles; resposta
prático-avaliativa − quando os atores fazem
julgamentos práticos e normativos entre
trajetórias alternativas possíveis de ação em
resposta a situações que envolvem
demandas emergentes, dilemas e
ambiguidade. Os mesmos autores
argumentam que, a despeito dessas
distinções analíticas, os três elementos ou
dimensões que fundamentam a agência
humana formam uma tríade e existem em
graus diferentes conforme a situação
empírica em questão.
2 PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Esta pesquisa foi conduzida por uma
abordagem qualitativa e guiada por
pressupostos ontológicos e epistemológicos
do interpretativismo e da estratégia como
prática (DENZIN; LINCOLN, 2010;
RASCHE; CHIA, 2009), sendo
caracterizada como empírica (FELDMAN;
ORLIKOWSKI, 2011). Para a coleta de
dados foram realizadas entrevistas
episódicas, indicadas para estudos cujo
objetivo se relaciona com o conhecimento
do cotidiano, em que, através das seleções
das situações, os entrevistados contam, por
meio de narrativas e argumentos, o seu
ponto de vista, objetivando extrair do
entrevistado as definições e narrativas
(FLICK, 2003).
Conforme o Quadro 1, realizaram-se
10 entrevistas com os proprietários de
74 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
videolocadoras da cidade de Uberlândia.
Neste artigo, os entrevistados estão
identificados pelo símbolo E, como forma
de garantir a confidencialidade do gestor. A
seleção intencional foi aplicada para definir
o público da pesquisa (SILVERMAN,
2009). Inicialmente, buscou-se identificar
as videolocadoras ativas por meio de
catálogos e páginas em redes sociais.
Posteriormente, foi feito o contato para o
agendamento da entrevista com os
proprietários das empresas que se
disponibilizaram a participar da pesquisa.
Quadro 1 – Perfil dos entrevistados
Entrevistado
Idade
Escolaridade
Tempo de atuação no setor
E1 39 Ensino Médio Incompleto 10 anos
E2 62 Ensino Médio Incompleto 28 anos
E3 60 Ensino Médio Completo 14 anos
E4 42 Ensino Médio Completo 18 anos
E5 27 Engenheiro de Produção 8 anos
E6 39 Ensino Superior em Administração 22 anos
E7 31 Técnico em Gestão e Tecnologia 3 anos
E8 40 Ensino Médio Incompleto 15 anos
E9 57 Ensino Médio Completo 21 anos
E10 60 Ensino Superior Completo 30 anos
Fonte: elaborado pelos autores.
Além da entrevista episódica, foi
utilizada a técnica projetiva de construção
de desenhos, com vistas a estimular
manifestações emocionais e psicológicas,
pouco privilegiadas por técnicas de cunho
racional (VERGARA, 2006). Métodos de
coleta de material visual auxiliam na
identificação de semelhanças e diferenças
dos tipos de ação e interação cotidianas
(SILVERMAN, 2009). Foi solicitado aos
entrevistados que realizassem um desenho
sobre o futuro das videolocadoras. Dos 10
entrevistados, 4 não se sentiram à vontade
para fazer o desenho, mas expuseram sua
representação do futuro verbalmente. Após
a realização e o registro das entrevistas em
áudio, estas foram transcritas, e o corpus de
pesquisa, analisado por meio da Análise de
Conteúdo (BARDIN, 1977), considerando
o conceito de tensão relacional micro-
macro (WILSON; JARZABKOWSKI,
2004) e as três dimensões da agência:
iterativa, projetiva e prático-avaliativa
(EMIRBAYER; MISCHE, 1998).
75 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS
RESULTADOS
As entrevistas mostraram que as RS
são essencialmente heterogêneas (SPINK,
1993). Foi possível identificar contradições
e diversidades de ideias. Entretanto, certos
significados do contexto social
compartilhados pelos proprietários de
videolocadoras baseavam-se em elementos
mais estáveis. Isso ocorre porque, além do
consenso, o próprio senso comum é
composto por diversidades, “pois algo
sempre sustenta uma determinada ordem
social: pressupostos de natureza ideológica,
epistémes historicamente localizadas ou, até
mesmo, ressonâncias do imaginário social”
(SPINK, 1993, p. 306).
No total de dez videolocadoras
pesquisadas, não foi possível encontrar
outro perfil de empresa, senão
microempreendimentos familiares
gerenciados pelo proprietário. Todos os
gestores entrevistados são do sexo
masculino, a maioria dos quais estudou até
o ensino médio, tinha mais de 40 anos e
atuava no mercado audiovisual havia mais
de 10 anos, conforme Quadro 1. Também
foi possível identificar que todos foram
motivados a iniciar suas atividades no
mercado devido a uma oportunidade de
negócio que surgira na história pessoal de
cada um.
Na década de 1990 e início dos anos
2000, o mercado era visto como promissor,
e as videolocadoras eram notadas pela
grande quantidade de clientes que as
frequentavam. Os entrevistados E1, E2, E3,
E5, E6, E8 e E9 enfatizaram essa questão. O
gestor E4 e o E10 citaram que o motivo que
os levou a atuar no ramo, até os dias atuais,
foi a paixão por jogos e filmes. Quanto ao
entrevistado E7, diferentemente dos demais,
ele explicou que já possuía um negócio que
oferecia serviços de informática e apenas
incluiu o serviço de locação de vídeos por
ter percebido a inexistência de
videolocadoras no bairro.
3.1 Análise da tensão relacional
micro-macro no setor de videolocadoras
Na análise das entrevistas, as RS que
emergem nos relatos dos gestores de
videolocadoras mostram a construção de
sentido sobre o que acontece no mercado.
Tais informações são acessadas de modo
cognitivo e afetivo por meio das redes
sociais, consultas na Internet, conversas
com os clientes e acompanhamento de
acontecimentos do cinema. Os
entrevistados lamentam a escassez de boas
revistas especializadas de outrora, pois
atualmente só é possível encontrar uma
quantidade pequena de conteúdo on-line e
76 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
algumas revistas de fornecedores de DVDs
e Blu-Ray.
Todos os entrevistados enfatizaram
uma considerável queda na quantidade de
locações, e alguns ainda discorrem sobre as
dificuldades financeiras desse tipo de
comércio, o que explica o encerramento das
atividades de muitas grandes redes. Os
entrevistados avaliam que as
videolocadoras ainda ativas dependem
basicamente dos clientes mais antigos que
ainda gostam de frequentá-las para obter as
informações dos filmes pessoalmente e ter
certa proximidade com o proprietário. Os
entrevistados identificaram as seguintes
macroinfluências para o seu negócio de
videolocadoras.
a) Internet: é destacada como um
concorrente desleal, quanto ao acesso que
as pessoas têm aos filmes, pois é possível
encontrá-los antes de chegarem às
locadoras e, muitas vezes, sem custo, no
caso de reprodução ilegal. Apesar da baixa
qualidade nesses casos, existem clientes que
não se importam com o fato e trocam as
videolocadoras pela Internet. A fala de E2
destaca esses pontos e ainda a cultura e
situação política do país.
O que nos atrapalha e o que vai continuar
atrapalhando até o final, que não tem
retorno, é a Internet. Porque até hoje eu não
entendi o que uma pessoa ganha para entrar
na Internet, digamos [...] esse povo que
coloca esses filmes... mal saiu do cinema,
coloca lá na Internet, não ganham nem um
centavo para isso; para que? (E2)
b) Pirataria: foi possível identificar
dois tipos de pirataria, citadas pelos
entrevistados: a física, de pessoas que
vendem em feiras e nas ruas; e a pirataria
on-line. Para a maioria dos gestores, a física
influencia pouco, principalmente devido à
qualidade muito baixa. Entretanto,
destacam-se dois públicos que costumam
fazer uso desse tipo de produto: as pessoas
com baixa condição financeira e as
crianças, que não dão muito valor à
qualidade. Já no caso da pirataria on-line, é
unânime o impacto que traz para seus
negócios, pois influencia toda a cadeia de
distribuição e com isso, as videolocadoras.
Ao tratar sobre o tema, E5 e E10
mencionam esse processo. Ainda, ao tratar
sobre a pirataria física, E10 relata que se
sente intimamente violado pela pirataria,
pois as pessoas costumavam alugar os
filmes na própria locadora para fazerem
cópias para vender. Ele cita que registrou
diversos boletins de ocorrência devido a
esse tipo de conduta. É uma cadeia de atos
ilegais que levam a outros, daí a
importância da luta contra a pirataria.
Então, quando você corta esse caminho no
ilegal – baixar um filme que nem saiu pra
cinema ainda, você simplesmente corta toda
uma cadeia, aí você não vai no cinema
porque você já viu [...] aí você não vai na
locadora. (E5)
Se não fosse a luta para o combate à
pirataria o ramo já teria morrido. Eventos,
campanhas antipirataria [...] quem não
deixou esse ramo ir mais rápido ‘para o
buraco’ foi Ministério Público, Poder
Judiciário. (E10)
77 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
c) Vídeo sob demanda (VOD) e TV
a cabo: com relação ao serviço específico do
VOD, a maioria dos entrevistados destaca
que não impacta significativamente sobre o
negócio devido ao valor ser superior ao da
locação, então o cliente somente contrata
caso realmente preze pela comodidade de
não sair de casa. Canais como HBO e
Telecine (pay-per-view) ainda possuem
influência menor e, em alguns casos, até
ajudam as videolocadoras devido aos
horários em que transmitem os filmes,
como é destacado em uma das falas.
[...] a questão dos canais fechados e do
Telecine, de certa forma até que ajuda para
mim, porque tem muita gente que às vezes
tem em casa, mas vê um filme lá que vai
passar e não consegue assistir naquele
horário ou não gosta de ver propaganda.
Então a pessoa chega aqui [...] e aí eu
consigo locar. (E7)
d) Provedores de séries e filmes:
estes são vistos como concorrentes, porém
sem interferir fortemente no negócio. Todos
os entrevistados destacam o acervo mais
antigo e o foco nos seriados. Essa
informação é relevante, já que se pôde
perceber, nas videolocadoras analisadas,
que a maioria dos clientes procuram por
lançamentos. Além disso, um dos
entrevistados destaca a Netflix não apenas
como concorrente, mas também como
oportunidade: ele idealizou uma ação com
base na estratégia adotada por essa empresa
visando fidelizar mais clientes:
[...] então a pessoa paga 3 meses de
mensalidade e fica pegando filmes
ilimitados igual Netflix [...]. O diferencial é
que a gente ainda consegue receber filmes
antes do que essas produtoras, o Netflix
hoje. (E5)
De maneira geral, apesar de algumas
videolocadoras empreenderem ações para
lidar com os desafios impostos pelo
mercado, a maioria não julga possível
combatê-los e, com isso, permanece sem
fortes esperanças de sobrevivência. Seja
como for, a presente pesquisa identificou
duas formas de agência sustentadas em
distintas representações sociais, conforme o
Quadro 2. A análise considerou as três
dimensões que fundamentam a agência
humana (pensamento e ação) ou a
capacidade de os atores lidarem
criticamente com situações problemáticas:
iterativa, projetiva e prático-avaliativa
(EMIRBAYER; MISCHE, 1998, p. 971).
Na pesquisa com os gestores de
videolocadoras, duas dimensões da ação
humana estudadas por Emirbayer e Mische
(1998) se destacam. Todos os gestores
representam a situação do negócio de
videolocadoras como dramática e crítica
(dimensão projetiva). Porém, alguns
entrevistados representam a situação
problemática em que atuam de tal modo que
lhes resta continuar apenas trabalhando
como sempre trabalharam, atendendo os
poucos e fidelizados clientes − representada
pela figura do gestor iterativo.
78 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
Enquanto isso, outros entrevistados
mantêm-se atentos à situação e ao mercado,
buscando ações que possam lhes
proporcionar uma melhor situação
competitiva − representada pela figura do
gestor prático-avaliativo. O perfil de gestão
mais recorrente nas falas dos entrevistados
é oriundo da dimensão iterativa da ação −
gestor iterativo. Entretanto, dada a
abordagem qualitativa do estudo, o objetivo
não foi quantificar a fala dos gestores, mas
evidenciar as vozes existentes.
Ainda que o ponto de partida seja “a
diversidade dos indivíduos, atitudes e
fenômenos” (MOSCOVICI, 2007), visto
que essas locadoras estão localizadas em
bairros distintos e atendem a diferentes
públicos, a pesquisa mostra que as RS da
tensão relacional entre micro e macro
produzem imagens estáveis e até previsíveis
desse momento experimentado pelos
proprietários-gestores de videolocadoras.
Em momentos de crise, as imagens e
expressões são mais vivas, porque as
memórias coletivas são excitadas e o
comportamento é mais espontâneo. Daí
decorre o papel fundamental das RS como
meios de recriar a realidade (MOSCOVICI,
2007) e de edificar conduta, opinião e
atitude (JODELET, 2001).
Conforme sugerido por Spink
(1993), depois de buscar elementos mais
estáveis e compartilhados, buscou-se pelo
que há de contraditório, sendo possível
identificar nas falas dos entrevistados os
distintos elementos da ação humana
(EMIRBAYER; MISCHE, 1998) que
correspondem a diferentes RS,
sobressaindo-se o gestor interativo e o
gestor prático-avaliativo. Desse modo, além
das RS, foi possível identificar distintas
práticas situadas na tensão relacional entre
os níveis micro e macro (WILSON;
JARZABKOWSKI, 2004) do mercado de
videolocadoras. Portanto, é seguro afirmar
que as RS abordadas na presente pesquisa
influenciam a adoção de determinadas
práticas estratégicas.
79 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
Quadro 2 – Representações e práticas dos gestores de videolocadoras frente às tensões micro-macro.
Fontes da
tensão micro- macro
Gestor iterativo
Gestor prático-avaliativo
Internet
Representação: forte demais para ser
combatida; promove a pirataria e outras formas
de entretenimento.
Prática estratégica: fica inerte e não promove
o uso da Internet nos negócios.
Representação: pode ajudar muito na
divulgação e em campanhas
promocionais.
Prática estratégica: utiliza redes
sociais e pratica promoções.
Pirataria
Representação: forte demais para combater
sem ajuda do Estado.
Prática estratégica: fica inerte aguardando a
ação do Estado.
Representação: não interfere muito
porque não tem qualidade e promove
riscos legais.
Prática estratégica: investe em filmes
de alta qualidade e legalizados.
Netflix
Representação: não interfere (indiferente)
porque ainda é considerada uma alternativa
cara e/ou porque não possui todos os filmes,
como os últimos lançados no cinema.
Prática estratégica: fica inerte – não há o que
esperar ou o que fazer porque está tudo conforme a lei.
Representação: interfere pouco devido
ao acervo antigo.
Prática estratégica: investe na alta
qualidade dos filmes e/ou na compra de
filmes considerados “lançamentos”,
acompanhando as tendências do
cinema.
TV por
assinatura e
vídeo sob
demanda (VOD)
Representação: não interfere porque o custo
do serviço é elevado.
Prática estratégica: fica inerte – não há o que
esperar ou o que fazer porque está tudo
conforme a lei.
Representação: não interfere porque o
custo do serviço é elevado.
Prática estratégica: investe na compra
de lançamentos de alta qualidade para
garantir competitividade.
A organização
(empresa)
Representação: a empresa é vista como
símbolo de uma época em que as prazerosas e
longas conversas sobre cada filme valiam a ida
à locadora e eram uma forma de estar
atualizado em relação ao mundo do cinema.
Prática estratégica: não sendo possível
retornar àquela época e fazer frente às
implacáveis mudanças em tecnologia,
concorrência e comportamento do consumidor,
resta aguardar e viver dignamente os últimos
momentos das videolocadoras.
Representação: a empresa é vista
como um negócio que deve ser viável,
apesar dos desafios enfrentados com as
mudanças em tecnologia, concorrência
e comportamento do consumidor.
Prática estratégica: buscar práticas
estratégicas alternativas que
possibilitem o enfrentamento dos
desafios competitivos que marcam o
setor de videolocadoras.
Fonte: elaborado pelos próprios autores.
3.1.1 Gestor iterativo
Esse perfil de gestão é caracterizado
pela predominância da dimensão iterativa
da agência (EMIRBAYER; MISCHE,
1998), em que a representação da situação
problemática do negócio de videolocadoras
gera indiferença às adversidades oriundas
do macroambiente. Esses gestores realizam
as locações de obras audiovisuais e atendem
seus clientes da melhor maneira possível,
mas não acreditam que a situação irá mudar.
Por isso, esperam o momento em que não
terão mais possibilidade de atuar, com a
empresa inevitavelmente encerrando as
atividades. Eles acreditam que os
80 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
investimentos, como ligar para clientes
informando sobre as novidades, participar
de divulgações ou patrocínios, já não
trazem mais retorno. Com isso, não
realizam nenhuma ação para aumentar
vendas ou atrair novos clientes.
Dentre os que acreditam que o fim
das videolocadoras está próximo, um dos
entrevistados enfatiza que a única solução,
em sua percepção, é a mudança de setor. Ele
não tem esperança de que o mercado
reaqueça, inclusive porque o próprio
comportamento das pessoas mudou. Outro
entrevistado, o E10, cita que mantém a
videolocadora porque gosta, mas
acrescentou no mesmo espaço uma
lanchonete e usa os clientes da
videolocadora para os lanches. As falas
selecionadas abaixo retratam aspectos
relacionados a essas percepções.
[...] as pessoas perderam [...] o sentido de
família. De você sentar, para assistir [sic]
um filme, conversar, até debater sobre o
filme. (E6)
[...] todo mundo está desistindo. Assim, uns
2 anos atrás, por causa da pirataria. Hoje a
Internet está tomando conta, sabe? Tem
muita TV a cabo, essas coisas também [...]
tem Netflix, tem... Sky” (E9).
O filme, antes de chegar no cinema, ele já
está disponível na Internet. (E3)
A gente vai perdendo a graça [...] não fiz
mais propaganda, eu tentei pegar o público
[fidelizar o cliente] da locadora ao
enriquecer o lanche. (E10)
Com relação à Internet, como
acreditam que as pessoas não ficam mais
sem o uso dela, os gestores continuam
gerindo seu negócio da mesma forma sem
mudanças. Para eles, o real problema
trazido pela Internet foi a promoção da
pirataria. Como não é possível agir contra
ela sozinhos, nada pode ser feito. Eles
destacam que as denúncias não surtem
efeito e esperam ações mais efetivas por
parte do Estado e das autoridades
responsáveis, como pode ser observado em
uma das falas, do E1.
Nós queremos pedir socorro. Socorro para
as autoridades, não sei quais autoridades
que podem nos ajudar. Vocês que são os
estudantes que vão mais além, vocês que
são o futuro do Brasil [...] Então nós
pedimos socorro para vocês para que nós
fiquemos de pé. Se você é aquela pessoa
que não tem condições, talvez, de pagar
uma TV paga aí, que está supercaro, assim,
uma videolocadora serve com o preço mais
acessível para todo mundo locar um filme.
Então socorro aí, gente! (E1)
A pirataria é vista, portanto, como o
maior desafio e o maior vilão pelos gestores
desse perfil. A empresas como Netflix e
Amazon, apesar de sua popularidade, esses
gestores são indiferentes, o mesmo valendo
para os serviços oferecidos por TVs a cabo.
Assim, as RS desse perfil de gestor
estão associadas às adversidades do
ambiente econômico e institucional (macro)
e à impossibilidade, insuficiência ou
inutilidade de qualquer ação no nível da
videolocadora (micro) para reverter o
processo de virtualização, os novos
modelos de negócios e a mudança no
comportamento dos consumidores
81 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
(COLOMBO, 2015, FILHO et al., 2014;
HERMANN, 2012; LIMA, 2015). As RS
desse perfil mostram que as tensões entre
micro e macro resultaram em um
rompimento entre o antigo e o novo no
mercado de vídeos domésticos, e esse vazio
não pode ser preenchido sem que se
promova uma “revolução concreta no senso
comum” (MOSCOVICI, 2007, p. 91) dos
proprietários-gestores de videolocadoras. A
rejeição à venda de produtos como
“bichinhos de pelúcia” (PORTAL TERRA,
2015) explica-se porque tal fato é visto
como perda de identidade social, antes
compartilhada, desses indivíduos
(JODELET, 2001).
3.1.2 Gestor prático-avaliativo
O perfil prático-avaliativo de gestão
é caracterizado pela predominância daquela
dimensão da agência, em que as
representações das adversidades do
ambiente econômico e institucional
estimulam ações criativas (EMIRBAYER;
MISCHE, 1998). Nesse perfil, também se
destaca a pirataria como o maior desafio.
Todavia, essa representação da pirataria
gera o investimento em ações para
promover o aumento das locações e
fidelizar os clientes. Para esse tipo de
gestor, apesar de a Internet promover a
pirataria on-line, ela também é vista como
oportunidade para divulgar as ações da
videolocadora e informar-se sobre o
mercado. Ele acredita e investe na inovação,
na qualidade das mídias e no oferecimento
de outros produtos como jogos e programas
de fidelidade ou pacotes promocionais.
Então infelizmente ela está entrando numa
queda, mas você tem que... se você quer se
manter vivo, e for a sua intenção, você tem
que inovar. Tem que tentar buscar coisas
novas. (E5)
[...] tem a questão das redes sociais
também, que eu consigo divulgar e acabo
tendo um retorno maior com isso. Ao
mesmo tempo que ela atrapalha um pouco,
também beneficia. (E7)
Assim como esse perfil consegue
enxergar oportunidades na Internet,
também o faz com as empresas que
trouxeram novos modelos de negócios e
digitalizaram o mercado de vídeo
doméstico. Quando a concorrência é legal,
como ocorre com a Netflix, a Amazon e os
serviços de TV a Cabo, é mais fácil para o
gestor prático-avaliativo lidar com esses
concorrentes e criar artifícios para superá-
los do que tentar fazer o mesmo com a
pirataria on-line, considerada desleal.
[...] não me preocupo com Netflix, eu acho
que atrapalha um pouquinho, sim, mas é
concorrência, então você tem...
concorrência legal você usa ela [...] como
uma ferramenta pra você crescer de um
outro lado [...]. (E5)
Sendo assim, nota-se que as ações
desse perfil são mais voltadas para
promoções e visões sobre o que pode ser
mudado e melhorado diante das atuais
circunstâncias. Esse perfil enxerga as
82 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
adversidades como uma oportunidade de
crescimento e de reinserção na emergente
dinâmica social, o que explica a
especificidade dessas representações
(JODELET, 2001). A RS tem como função
manter a identidade social e o equilíbrio
sociocognitivo a ela relacionado. Por isso,
após tentarem evitar a novidade (elemento
estranho ou desconhecido) incontornável,
os indivíduos desenvolvem ações e práticas
cujo objetivo é “torná-la familiar” e
“integrá-la ao universo do pensamento pré-
existente” no ambiente social e ideal
(JODELET, 2001, p. 35). Esse perfil do
gestor prático-avaliativo desenvolve uma
representação da virtualização do mercado
de vídeos domésticos como algo que não
eliminará ou extinguirá suas
videolocadoras, mesmo que tenham de
modificar a sua forma de atuação e apesar
da alta probabilidade de se reduzir a
quantidade desses empreendimentos.
3.2 A mesma dimensão projetiva e
ações heterogêneas: a morte como uma
perspectiva de futuro comum
Na seção anterior, evidenciou-se o
caráter prático das RS para o entendimento
da agência humana (pensamento e ação) de
gestores de videolocadoras que lidam com
uma situação problemática gerada por uma
forte tensão micro-macro no ramo de vídeos
domésticos. Dado que a dimensão iterativa
e a prático-avaliativa se destacaram nas
entrevistas com os gestores de
videolocadoras, a dimensão projetiva da
agência humana, relacionada às projeções
imaginativas do futuro temido e/ou
desejado, tem papel menos significativo.
Projetar a morte do próprio negócio em um
futuro próximo não gera para os gestores
entrevistados um terceiro perfil. Com
efeito, os gestores iterativos e os prático-
avaliativos já trabalham com essa
representação do declínio dos negócios de
vídeos domésticos.
As ações dos gestores iterativos e
dos prático-avalitativos são distintas: cada
tipo age de acordo com os significados
construídos, o conhecimento sobre seu
negócio e sobre o mercado, bem como as
suas expectativas de inserção na nova
dinâmica econômica e social. É importante
ressaltar que qualquer gestor pode adotar
ora ações do gestor prático-avaliativo, ora
ações do gestor interativo. Essas duas
dimensões − iterativa e prático-avaliativa −,
juntamente com a projetiva, formam uma
tríade que fundamenta a ação humana, mas,
de modo geral, as três não coexistem de
forma harmoniosa, podendo apresentar
diferentes graus conforme a situação
empírica problemática da ação. Esta
pesquisa mostrou que uma imagem do
futuro é compartilhada pelos gestores: a RS
de um futuro semelhante, que seria a morte
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É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
do setor de videolocadoras conforme ele se
constituiu nos anos 1990. Por isso, a
extinção desse segmento de locação de
vídeos é uma possibilidade para todos os
entrevistados e, para alguns, uma certeza.
[o caso das videolocadoras] é um problema
sem solução; não existe solução. A solução,
a única solução é mudar de ramo... tanto é
que eu estou mudando de ramo. (E6)
Em muitas falas, foi possível
observar citações sobre a quantidade de
videolocadoras que fecharam ou estão
fechando. Por isso, uma possibilidade
representada seria a locação on-line (e-
commerce), o que significa de qualquer
forma o fim das videolocadoras
tradicionais. Verificou-se uma melhora na
quantidade de locações após o
encerramento de alguns sites ilegais que
ofereciam filmes on-line, entretanto não foi
suficiente para fazer voltar a quantidade de
clientes. Muitos estabelecimentos
empregavam vários funcionários, mas hoje
os proprietários trabalham sozinhos para
conseguirem manter o negócio. Dos
entrevistados, apenas um ainda emprega
funcionários na loja.
Enquanto alguns investem em
lançamentos para manter e continuar
atraindo clientes, outros não o fazem devido
ao custo mais elevado. Todos afirmam que
o negócio já foi muito rentável e a queda no
movimento e nas locações em geral
reduziu-se de maneira significativa, a ponto
de diversas lojas fecharem ao longo dos
anos na cidade.
[...] eu fico de “banho-maria” só mais para
conversar e seguir em frente. [...] Moro
aqui, então tudo é tranquilo. [...] hoje, as
locadoras estão todas fechando justamente
porque não souberam esquematizar e não
souberam planejar a parte financeira, o
fluxo de caixa e tudo o mais [...] (E2).
Então surgiram várias coisas para concorrer
com locadora que não aguenta. Quem paga
aluguel para manter a locadora hoje, está
tudo fechando. Eu mantenho aqui porque o
imóvel é meu e eu não pago aluguel (E3).
Eu locava 300 filmes em um sábado, hoje
eu loco 30, 40. Caiu 90%. (E3)
Ao serem questionados sobre a
possibilidade de recomendar a abertura de
um negócio de locação de vídeos, houve
uma unanimidade negativa devido a todas
as dificuldades já expostas anteriormente. O
que poderia acontecer, na avaliação de um
dos entrevistados, é a junção do negócio de
locação com outro (diversificação), como
ele já o faz. Para os gestores entrevistados,
existem alguns acontecimentos que, se
concretizados, beneficiariam o mercado
como um todo e, como consequência, seu
próprio negócio. Dentre eles se destacam: o
fim da pirataria, em todas as suas formas;
uma fiscalização mais rígida por parte das
autoridades responsáveis; o fechamento do
Netflix; a criação de novos dispositivos,
superiores ao DVD ou BluRay, já que este
último não obteve sucesso e a procura é
mínima; a redução de impostos na compra
dos filmes; data de lançamento mundial,
pois contribuiria para o fim da pirataria on-
84 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
line; e a volta do hábito de assistir a filmes
em casa com a família.
Figura 2 – O futuro das videolocadoras em desenhos produzidos por proprietários-gestores.
Fonte: dados da pesquisa.
Os entrevistados foram convidados
a realizar um desenho representativo do
futuro das videolocadoras, e seis aceitaram
o convite. Os desenhos, em sua maioria,
representam o fim das videolocadoras,
resultado que corrobora os dados obtidos
com as entrevistas. A Figura 2 apresenta
três dos desenhos.
Os entrevistados aguardam um fim
próximo para as videolocadoras
tradicionais. O primeiro desenho (à
esquerda) representa esse cenário que,
segundo E6, está em crematório. O segundo
(no meio) também mostra o fim da
videolocadora, com um cartaz de “aluga-se”
representando o que irá ocorrer em dez
anos. Nesse desenho, E9 mostra tristeza
com o fato e desenha lágrimas caindo da
própria videolocadora. Finalmente, em uma
perspectiva um pouco diferente, no terceiro
desenho (à direita), E7 representa o futuro
das videolocadoras como locação on-line,
enxergando uma possibilidade de
continuidade dos serviços de locação. Já os
entrevistados E5 e E10 relatam verbalmente
como representam esse futuro:
[...] um avião caindo [...] estamos na luta
para chegar um avião do lado, que irá [...]
dar combustível para ele começar a subir ou
pelo menos estacionar [...] eu vejo como um
avião querendo pousar, mas que está ali,
perdeu uma turbina, mas está ali... está
insistindo para a turbina voltar a funcionar.
(E5)
Vai se tornar um museu, mas sempre vai ter
um público, pode diminuir muito, mas
sempre vai ter. (E10)
Mesmo vivendo o estágio do
declínio organizacional das videolocadoras
tradicionais, o gestor prático-avaliativo
busca adotar práticas estratégicas
alternativas que possibilitem o
enfrentamento dos desafios competitivos
85 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
que caracterizam o negócio de
videolocadoras. Estes gestores interpretam
que seu empreendimento ainda é viável e
empreendem ações para evitar (ou
postergar) a morte da organização. As
práticas do gestor prático-avaliativo estão
relacionadas no Quadro 3.
Quadro 3 – Práticas de enfrentamento do declínio organizacional por gestores prático-avaliativos.
Práticas
Ações decorrentes da prática
1. Investimento em qualidade ▪ Compra de lançamentos (filmes e séries)
2. Investimento em novas tecnologias ▪ Compra de novas mídias disponíveis no mercado
(Blu-Ray)
3. Oferecimento de serviço
personalizado aos clientes
▪ Busca pelo conhecimento do comportamento do
consumidor
▪ Manutenção de cadastro e proximidade com
clientes
4. Diversificação/ampliação do
portfólio de produtos e serviços
▪ Aluguel de jogos de videogame (lançamentos e
mais populares)
▪ Incorporação de outro negócio como, por exemplo,
a oferta de um espaço de lanchonete
5. Imitação da concorrência ▪ Adoção de programas de fidelidade e pacotes
promocionais semelhantes à concorrência: pagamento
mensal para ter acesso a filmes ilimitados
Fonte: elaborado pelos autores
As práticas dos gestores prático-
avaliativos mostram que as prescrições para
cada estágio do declínio (WEITZEL;
JONSSON, 1989) têm limites de aplicação
em um cenário que abrange não apenas as
videolocadoras, mas a própria indústria
tradicional de audiovidual, que vem lidando
com turbulências e, por isso, busca
reinventar-se. O declínio e a mortalidade
são vistos como resultados de inação ou
falhas na ação, mas também podem ser
abordados como situações que se originam
de fatores incontroláveis e/ou inalteráveis
pelos gestores. Isso traz implicações
pessoais, organizacionais, econômicas e
sociais distintas. Esta pesquisa mostra que o
declínio de grandes empresas difere daquele
das pequenas. Estas possuem poucos
funcionários – em geral, membros da
família. E sua história se confunde com a
trajetória de vida do proprietário.
4 CONCLUSÕES
Em relação ao objetivo do artigo, foi
analisado como os gestores de
videolocadoras representam as tensões
relacionais que surgem na relação empresa-
mercado, especialmente aquelas tensões
provocadas por novos concorrentes,
inovações tecnológicas e mudanças no
comportamento do consumidor, em um
cenário que parece impor a extinção às
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Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
videolocadoras ou a necessidade de se
reinventarem. Essas tensões expressam as
fortes mudanças ocorridas nas últimas
décadas na indústria audiovisual e nas
práticas estratégicas que as videolocadoras
vêm adotando para prolongar o estágio do
declínio. Esta pesquisa identificou dois
perfis de gestores: o iterativo e o prático-
avaliativo. E mostrou que as RS das tensões
micro e macro moldam o “fazer estratégia”
de proprietários-gestores de
videolocadoras.
Nas representações do
macroambiente econômico e institucional,
verificaram-se as seguintes práticas: falta de
fiscalização por parte das instituições
responsáveis, omissão por parte do Estado e
ação de instituições ou pessoas que
desempenham atividades ilegais de
produção e distribuição de obras
audiovisuais. Todas essas práticas
promovem pontos comuns de ação e
interagem (JARZABKOWSKI, 2004) com
aquelas que acontecem no nível micro. As
micropráticas identificadas estão
relacionadas com as RS de cada gestor
sobre as adversidades no nível macro e o
quanto essas atravessam e rompem com
identidades sociais construídas: a adoção de
promoções, as práticas de melhorar
substancialmente o atendimento aos
clientes, a venda de novos produtos em sua
videolocadora, como os jogos para
videogame, chegando à diversificação de
atividades comerciais.
Para ambos os perfis de gestores-
proprietários, as RS relativas às
macroinfluências moldam de maneiras
diferentes os comportamentos e as práticas
dos entrevistados. Em relação ao futuro das
videolocadoras, foi possível notar que a
maioria dos entrevistados não espera uma
reversão do processo de virtualização do
setor de vídeos domésticos e espera deste
uma morte anunciada, alguns já vivendo o
luto dessa morte. Outros, por sua vez,
representam essa morte como possibilidade
de renascimento para um tipo de negócio
diferente do modelo tradicional de
videolocadoras.
Esta pesquisa suscita variadas
possibilidades de estudos futuros. Dentre
eles, a ampliação para outras regiões do país
poderia propiciar a análise comparativa de
influência de elementos regionais e
culturais não abordados aqui. Estudos
futuros sobre locadoras também podem
oferecer uma compreensão de aspectos
diversos que sustentam a longevidade de
empresas no setor. Afinal, segundo dados
do IBGE (2012), apenas 10,7% dos
municípios brasileiros possuem cinema, o
que contribui para a locação de filmes
caseiros; ademais, as salas estão
concentradas nas grandes cidades,
dificultando o acesso de uma parcela
87 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
É COM PESAR QUE INFORMAMOS O ENCERRAMENTO DE NOSSAS ATIVIDADES:
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DO DECLÍNIO ORGANIZACIONAL EM VIDEOLOCADORAS
substancial da população (FILHO et al.,
2014). A pesquisa do referencial teórico
mostrou um diálogo incipiente das
interdependências e das práticas entre o
declínio da indústria e o declínio das
organizações que nela atuam. Estudos
futuros que busquem o diálogo entre a
literatura do ciclo de vida da organização e
a perspectiva da estratégia como prática
exigirá dos autores o enfrentamento de
divergências epistemológicas. Outro tema
para estudos futuros diz respeito ao luto nas
organizações relacionado às vivências da
mudança e do declínio organizacionais, haja
vista o paradoxo, mostrado na pesquisa, de
que as representações de morte e de
longevidade não se excluem mutuamente.
88 CONTEXTUS Revista Contemporânea de Economia e Gestão. Vol 16 – Nº 1 – jan/abr 2018
Vanessa Alves Pinhal, Daniel Victor de Sousa Ferreira, Jacquelaine Florindo Borges
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