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A Desmistificação da Escola: por uma Educação

Date post: 12-Mar-2016
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Palavras­Chave: Desmistificação Escolar; Educação Inclusiva; Ideologia Pedagógica; que circundam seu desenvolvimento? A escola que aí está atende às necessidades da medida em que lidam com a diferença como anormalidade ou algo incomum. A reflexão compreender a ideologia presente na teoria pedagógica sobre a escola e as conseqüentes fazer a crítica à concepção de natureza humana e suas decorrências na conceituação de
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A Desmistificação da Escola: Por Uma Educação Inclusiva The Demystification of School: for an Inclusive Education Viviane Lemos de Jesus Moreiras Ana Mercês Bahia Bock Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/ PUC-SP, Brasil Resumo: Refletir sobre questões que permeiam a educação, necessariamente nos remete a procurar compreender qual o real papel desempenhado pela escola. Quais são os movimentos e interesses que circundam seu desenvolvimento? A escola que aí está atende às necessidades da coletividade ou detém-se a um público reduzido? É possível escapar ou estamos condenados a viver de forma massificadora e sem perspectivas? O presente trabalho objetiva compreender a mistificação da escola com vistas à implementação de uma educação que se faça inclusiva e de qualidade. Baseando-se nos trabalhos do Prof. Dr. Bernard Charlot, da França, tem-se por meta, compreender a ideologia presente na teoria pedagógica sobre a escola e as conseqüentes concepções naturalizantes no campo da educação. Nesse sentido, torna-se também necessário fazer a crítica à concepção de natureza humana e suas decorrências na conceituação de educando, escola e educação. Compreender o verdadeiro papel concebido à escola é ter a clareza de sua responsabilidade, quanto formadora
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A Desmistificação da Escola: Por Uma Educação Inclusiva

The Demystification of School: for an Inclusive Education

Viviane Lemos de Jesus Moreiras

Ana Mercês Bahia Bock

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/ PUC-SP, Brasil

Resumo:

Refletir sobre questões que permeiam a educação, necessariamente nos remete a procurar

compreender qual o real papel desempenhado pela escola. Quais são os movimentos e interesses

que circundam seu desenvolvimento? A escola que aí está atende às necessidades da

coletividade ou detém-se a um público reduzido? É possível escapar ou estamos condenados a

viver de forma massificadora e sem perspectivas? O presente trabalho objetiva compreender a

mistificação da escola com vistas à implementação de uma educação que se faça inclusiva e de

qualidade. Baseando-se nos trabalhos do Prof. Dr. Bernard Charlot, da França, tem-se por meta,

compreender a ideologia presente na teoria pedagógica sobre a escola e as conseqüentes

concepções naturalizantes no campo da educação. Nesse sentido, torna-se também necessário

fazer a crítica à concepção de natureza humana e suas decorrências na conceituação de

educando, escola e educação. Compreender o verdadeiro papel concebido à escola é ter a

clareza de sua responsabilidade, quanto formadora da personalidade humana e da própria

identidade escolar. A partir destes pressupostos e do exercício da crítica ideológica, deve-se

superar as concepções naturalizantes que são impeditivas de uma real educação inclusiva, na

medida em que lidam com a diferença como anormalidade ou algo incomum. A reflexão

construtiva deve possibilitar uma nova visão de educação, oposta à educação atual, que exclui,

massifica e é mera reprodutora das desigualdades sociais.

Palavras-Chave: Desmistificação Escolar; Educação Inclusiva; Ideologia Pedagógica;

Massificação; Desigualdade Social.

Abstract

2

Reflecting on issues that permeate education necessarily brings us to seek the understanding of

the true role played by school. What are the movements and concerns that surround its

development? Does the school meet the needs of our society or is it holding itself for a smaller

audience? Is it possible to escape from them or are we condemned to be massificated and to live

without prospects? This research aims at understanding the mystification of school, with the

goal of implementing an inclusive and high quality education. Based on Prof. Bernard Charlot´s

work, PhD, from France, this work wants to understand the ideology included at the

pedagogical theory about the school, and the consequent natural acceptance of the society the

way it is, without thinking or questioning. In this sense, it is also necessary to make a criticism

on the conception of human nature and its conceptual effects on the understanding of student,

school and education. Understanding school´s true role is the same as to know its responsibility

as a maker of human personality and of its own identity as school. From these assumptions, and

exercising an ideological criticism, we must overcome the conceptions that bring us the natural

acceptance of the society; these conceptions are an obstacle to a true inclusive education,

because they deal with the differences as something abnormal or unusual. A constructive

reflection must provide a new vision to the education, which is opposed to today´s education,

that massificates, excludes, and acts as a mere reproduction of social inequalities.

Key words: School’s desmistification; Inclusive education; Ideological pedagogy;

Massification; Social inequality.

Introdução

Refletir sobre questões que permeiam a educação, necessariamente nos remete a

procurar compreender qual o real papel desempenhado pela escola. Quais são os

movimentos e interesses que circundam seu desenvolvimento? A escola que aí está

atende às necessidades da coletividade ou detém-se a um público reduzido? Quais as

políticas públicas para a educação? É possível escapar ou estamos condenados a viver

de forma massificadora e sem perspectivas?

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Tantas questões emergem na tentativa de desnaturalizar as questões educativas que,

muitas vezes, estão ocultadas sob a construção ideológica presente neste campo.

Inúmeras perguntas podem ser feitas em relação ao universo chamado escola, porém

deve-se ter claro, em primeira instância, quais são as finalidades do trabalho escolar.

Sua existência limita-se apenas a preparar para o mercado de trabalho e atribuir

informações de melhor qualidade ou possui uma tarefa muito maior do que essa?

Entende-se por objetivo primordial que o espaço escolar é aquele onde se deve garantir

os objetivos educacionais; é o lugar capaz de propiciar uma melhor qualidade de vida do

educando, por meio do qual se consiga mostrar a ele que a felicidade é um processo

permanente, com momentos de erros e acertos (Neto, 2002); que na escola acontecem

os processos de individualização, de socialização e de humanização, como nos ensina

Charlot (2005). A escola é uma das principais ferramentas sociais de educação.

De acordo com Cortella (2008) pensar a finalidade da educação implica posicionar-

se sobre o papel desempenhado pela escola e a relação que a mesma estabelece com a

sociedade. São várias as posições construídas ao longo da história, mas podem ser

aglutinadas em três grandes blocos. A seguir apontaremos cada um deles sob a visão

desse autor.

Concepções acerca do universo chamado escola

A primeira concepção que teve forte influência no Brasil, principalmente na segunda

metade do século XX, tornando-se dominante a partir de então e que ainda aparece

como forte referência no dia-a-dia pedagógico e nos debates sobre educação em nossa

sociedade é chamada de “otimismo ingênuo”.

A idéia contida nessa concepção é a de que a Escola tem o poder de salvar toda uma

sociedade, atribuindo a ela um caráter de poder muito maior ao que possui. Carrega a

certeza de que a escola tem poder de transformação sobre a sociedade, produzindo uma

melhora substancial em seus modos de vida. A escola é vista como salvadora. Se de um

lado tal posição se mostra otimista por valorizar a Escola, por outro se apresenta

extremamente ingênua, por atribuir a ela uma “autonomia absoluta” em relação às

questões e problemas da sociedade, capaz de pôr fim as mazelas existentes na sociedade

como a desigualdade, a pobreza, a fome, entre outras.

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Ainda sob o olhar do “otimismo ingênuo” a profissionalidade docente passa por um

campo missionário, é como se fosse uma vocação e sob tal pretexto há um

distanciamento dos educadores de movimentos sindicais, atribuindo à atuação

educacional um caráter de neutralidade, livre de acepções sociais, e a atividade do

educador é desvinculada de qualquer posicionamento político.

Por volta dos anos 70, do século XX, outra configuração se instalava no campo da

educação no Brasil, proveniente principalmente do campo crítico francês (Bourdieu e

Passeron). Esta ao contrário da que predominava até então, vinha para atribuir a Escola

um papel de reprodutora: da ideologia dominante e da força de trabalho necessário à

reprodução do capital. Vista como um instrumento incontestável de dominação, onde a

escola não possuía qualquer possibilidade de se libertar das forças dominantes ligadas

ao capital. Tal concepção fora chamada de “pessimismo ingênuo”. Sob esse aspecto a

Escola passa a ter a função de reprodutora da desigualdade social e o educador ocupa a

posição de “um agente reprodutor da ideologia dominante, ou seja, mero funcionário

das elites” (Cortella, 2008, p. 134).

Através do “pessimismo ingênuo” a Escola perde qualquer autonomia e é,

enfaticamente, controlada pela classe dominante. O autor atribui o pessimismo ao

caráter da impossibilidade da Escola encontrar um caminho de ruptura das injustiças

sociais, porém considera ingênua na medida em que não analisa a questão escolar

considerando as contradições vividas em seu acontecer cotidiano. Cortella considera

positivo o surgimento de tal concepção, na medida que questionou a pretensa

neutralidade da atividade educacional, característica das visões otimistas ingênuas. A

educação passava agora a ser vista como estando vinculada a um conjunto de atividades

políticas de uma estrutura social. Dessa forma pontua:

No entanto, essa concepção é também ingênua, pois

ela não radicaliza a análise e sim a sectariza, ao

obscurecer a existência de contradições no interior

das instituições sociais, atribuindo-lhes um perfil

exclusivamente conservador; as instituições sociais,

por não serem monolíticas, são permeáveis aos

conflitos sociais e às mudanças contínuas do tecido

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político em confronto nas sociedades de classes

(Cortella, 2008, p. 135).

Por volta dos anos 80, outra concepção toma corpo, chamada pelo autor de

“otimismo crítico”; o ideário presente em tal concepção busca romper com as questões

de neutralidade e aborta a questão da escola mediante a análise das contradições que

permitem que se possa considerar a possibilidade de a escola contribuir para a

transformação social.

Michels (2006), assim como o autor apresentado acima, discute o papel que a escola

desempenha na sociedade e o seu poder de transformá-la. Em sua análise aponta que a

escola é reprodutora da ideologia dominante, uma vez que legitima a injustiça social e

privilegia determinados saberes em detrimento de outros tendo, basicamente, uma visão

que atende aos interesses da classe dominante, dessa forma, acaba por expressar a

desigualdade “organizada” pela escola para atender crianças, jovens e adultos. Para ela,

deixar de considerar tais questões é fazer uma análise ingênua sobre o papel social da

escola, principalmente, quando a palavra de ordem é uma escola inclusiva para todos.

Sob essa perspectiva cabe um parênteses sobre a situação educacional na qual nos

encontramos: muitos estudos têm-se dedicado à compreensão das causas do fracasso

escolar das crianças ao longo dos tempos. Dentre as causas apontadas nos estudos em

geral, estão a influência da origem social, da prática pedagógica do professor e da

linguagem sobre o padrão de estimulação intelectual das crianças. Charlot (2005)

admite que há uma correlação entre a origem social da criança e o seu sucesso ou

fracasso escolar, porém afirma-se que isso não é um determinismo causal.

Sob esse olhar discussões emergem referindo-se a crise da educação, porém a crise

assume no cenário um contexto histórico e não mais momentâneo. Sempre estivemos

em crise, ora pelo currículo escolhido ser pouco apropriado para trabalhar com nossas

crianças, ora pela negação de acesso aos educandos, ora pelo fracasso escolar, ora pela

intensificação das desigualdades sociais em função de um conteúdo elitista, entre tantas

outras crises. Concordamos com Cortella (2008) quando diz que a crise é a mesma, que

se trata de um projeto de exclusão e dominação social que se faz presente e “que precisa

ser derrotado, para não ficarmos permanentemente aprisionados no maniqueísmo

mercantil ou na disfarçada delinqüência estatal” (p. 10).

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A educação como processo social e prática política

Postas essas três posições podemos então afirmar que, ao nosso ver, a educação

escolar é um processo social e político carregado de contradições que permitem

considerar a escola/ educação como lugar de transformação e de manutenção; um lugar

de conflitos; de renovação e conservadorismo. A escola é lugar do novo, da criação,

mas é também lugar da cumplicidade com as camadas dominantes.

A educação está intimamente relacionada aos interesses da sociedade; acompanha

seu desenvolvimento e interfere nele. É assim uma atividade social de natureza política.

Ela está a cargo de uma instituição da sociedade: a escola. É na escola que se ensinam

os modelos de conduta e de formação de um cidadão desta sociedade; é na escola que se

ensinam valores e formas de comportamento; se fortalecem idéias e projetos sociais.

Se quisermos indicar relações mais amplas, pode-se citar a relação e o lugar que a

escola tem em projetos ditados por grandes agências financiadoras. Não se pode ignorar,

por exemplo, a influência do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional)

nas políticas domésticas dos países do Terceiro Mundo; a intervenção desses

organismos nas políticas públicas, em especial na educação, demonstra a relação clara e

forte entre as questões econômicas de uma sociedade e sua educação. É preciso, porém

que saibamos “falar mais alto” diante dessas políticas e guiarmos nossa prática de forma

consciente, participativa e igualitária, tendo a clareza da condição política da educação.

Nesse aspecto, dizer que a educação é política é entender que a política educacional se

faz em diversas instâncias e que acontece todas as vezes que nós atuamos na vida

coletiva.

Charlot (1979) é um dos autores que caracteriza de forma clara a relação da

educação com os interesses em questão na sociedade, demonstrando o caráter político

da educação. A importância da educação na formação dos sujeitos sociais, por meio do

aprendizado dos modelos de comportamentos sociais, sendo eles: afetivos, de conduta

religiosa, de trabalho, etc.

A escola desempenha, portanto, um papel político na

medida em que propaga uma educação que tem, ela

própria, um sentido político. Assim, os grupos

sociais e as classes sociais procuram fazer da escola

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o instrumento de suas finalidades, de seus interesses

e da difusão de suas idéias (...) (Charlot 1979, p. 19).

Tais modelos, porém, não são iguais, homogêneos, pois a sociedade comporta uma

heterogeneidade tamanha, uma vez que nem todas as crianças são educadas no mesmo

meio social. Dessa forma, é preciso considerar que a sociedade é dividida em classes e,

como aponta Charlot (1979), não são apenas diferentes, mas sim antagônicas. Tal

discussão apontada pelo autor compreende que cada criança assimila e incorpora os

modelos sociais da classe social a que pertence, entretanto, não estão livres de sofrerem

fortes influências dos modelos socialmente dominantes. Dessa forma, modelos sociais

apresentam uma significação política.

A presente discussão apresenta caráter ideológico na medida em que a educação,

transmitindo valores e idéias políticas sobre a sociedade assim como, oculta esta

tarefa/influência sob o manto da tarefa de transmissão de cultura, tomando esses

conteúdos como universais e não permitindo que se desvele o jogo de interesses

existente. O discurso da educação oculta as diferentes realidades existentes, em especial

em países caracterizados pela desigualdade social. Nesse sentido não é falso falar em

liberdade o que se faz falso é dizer que temos liberdade em um país desigual, através do

qual só quem está do outro lado da moeda que são aqueles que fazem parte da classe

dominante, que detêm o poder econômico e conseqüentemente o político podem gozar

de uma certa liberdade.

As teorias sobre a educação são segundo Charlot (1979) ideológicas porque

apresentam um conjunto de idéias que são ocultadoras da realidade social que está na

base da educação e da escola. É fundamental enfatizarmos que as teorias sobre a

educação têm tido a função de ocultamento da realidade, de justificar muitas vezes a

desigualdade social, a dominação de classes e se apresentam falsas na pretensão de

serem verdadeiras. Assim:

A idéia de liberdade não é falsa, mas sua teorização

burguesa, que impregna a idéia tal como é difundida

na sociedade, deu-lhe uma significação que permite

fazer dela um uso ideológico.

O homem é efetivamente mais ou menos livre no seu

trabalho, em suas relações com o próximo, na sua

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vida cotidiana, etc. Mas essa liberdade apresenta

sempre uma forma determinada, em condições

sociais determinadas (Charlot, 1979, p. 18).

Quando as teorias pedagógicas ocultam a significação política da educação

Charlot (1979) aponta o ocultamento da significação política da educação por meio

de uma elevação de seu sentido cultural. A discussão que aqui se estabelece é a de que

se a cultura individual é quem determina a posição do indivíduo na sociedade ou se a

mesma é determinada pelo social.

De acordo com o autor “afirmar que a educação é política é considerar que é a

cultura individual que é determinada pela situação social, e não o inverso” (p. 26). Para

tanto:

A criança é, antes de tudo, formada para ter certos

comportamentos sociais e ocupar certo lugar na

sociedade. Numa sociedade dividida em classes, a

situação social do indivíduo resulta essencialmente

de seu papel na divisão social do trabalho. É preciso,

portanto, para compreender a significação política da

educação em nossas sociedades, não isolar sua

função cultural de sua função social e não esquecer,

sobre tudo, que a educação prepara o indivíduo para

ocupar um lugar na divisão social do trabalho. Tal é,

por trás dos fins ideais enunciados pela pedagogia, o

resultado real mais importante da educação (Charlot,

1979, p. 27).

A educação, portanto, é política porque tem a ver com interesses coletivos e a

pedagogia acaba muitas vezes elevando o sentido cultural da educação e mascarando

ideologicamente sua significação que é também política e social.

A sociedade cultua as diferenças determinando a cultura do indivíduo conforme já

apontamos, pelas suas realidades econômicas, sociais e políticas. Charlot (1979) aponta

que o considerado é justamente o contrário, a teoria da educação considera que “a

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situação social do indivíduo é uma conseqüência de sua formação cultural, e que se

pode conceber a cultura do indivíduo sem referência direta às realidades sociais” (p.

28).

Dentre as inúmeras instituições – políticas, sociais, religiosas, entre outras, há uma

disputa de projetos que melhor atendem suas necessidades, dessa forma, a educação

prepara sujeitos para essa vida coletiva, complexa que tem, implicitamente, a disputa

desses projetos que hoje caracterizam-se pelas diretrizes do Banco Mundial (que

interfere e determina tais projetos) com suas concepções neoliberais.

Como já apontado, Charlot (1979) defende a idéia de que a pedagogia apresenta

incansavelmente a educação como um processo cultural, ocultando dessa forma sua

significação que também é social e política. Não se pode perder de vista que a educação

apresenta conseqüências políticas, mais que isso, ela é social e politicamente

determinada (idem). Nesse sentido:

Mascarando a significação política interna da

educação, a pedagogia não é vítima de um erro, de

um esquecimento ou de uma negligência; de fato, ela

funciona como uma ideologia. A pedagogia camufla

ideologicamente a realidade econômica, social e

política da educação por trás de considerações

culturais, espirituais, morais, filosóficas, etc. O que

ela mascara, antes de tudo, é a significação política

da educação numa sociedade onde sevicia a

dominação de classe, é a influência exercida sobre a

educação pela divisão social do trabalho e pela luta

de classes (Charlot, 1979, p. 30).

Dessa forma, o indivíduo acaba sendo preparado para a desigualdade de classes e,

conseqüentemente, o que se valoriza socialmente é o poder, a virilidade, a perfeição, o

indivíduo que se destaca e que está apto a lutar no mercado competitivo, todos atributos

naturais dos sujeitos. A visão naturalizante se evidencia. Se assim o é, o erro está em ser

diferente do padrão proposto, perpetuando assim o crescimento de uma visão

reducionista de uma sociedade que é efetivamente complexa e tem em sua essência a

diversidade humana. É esse o ponto principal das construções coletivas: somos iguais

10

perante a lei de direitos e deveres, porém somos seres individuais, cultuando o respeito

às diferenças em todos os aspectos: físicos, sociais e psicológicos. Mas as diferenças

entre sujeitos, em perspectivas naturalizantes, são vistas a partir das noções de

desigualdade, de patologia, do incomum. Diferença se torna fonte de desigualdades.

Esta leitura apresentada e aqui criticada tem seu respaldo em orientações e diretrizes

do Banco Mundial para a educação, que, na década de 70, deixa de falar em igualdade e

passa a falar em eqüidade, pois com o capitalismo e o avanço do neoliberalismo não há

possibilidades de se viver igualdade plena.

A política para a sociedade se articula com a política para a educação.

Torres (1998) apresenta o ponto mais significativo em relação à abordagem que

queremos trazer para esse trabalho quando falamos em Banco Mundial:

O BM não apresenta idéias isoladas, mas uma

proposta articulada – uma ideologia e um pacote de

medidas – para melhorar o acesso, a eqüidade e a

qualidade dos sistemas escolares, particularmente do

ensino de primeiro grau, nos países em

desenvolvimento. Embora se reconheça que cada

país e cada situação concreta requerem

especificidade, trata-se de fato de um “pacote” de

reforma proposto aos países em desenvolvimento

que abrange um amplo conjunto de aspectos

vinculados à educação, das macropolíticas até a sala

de aula (p. 126).

No setor social, a educação é vista como um instrumento de redução da pobreza. O

Banco Mundial enfatiza esse aspecto essencialmente remetendo a escola ao papel de

formadora de “capital humano” (Soares, 1998). Ou seja, uma mão-de-obra bem educada

é capaz de agregar a um determinado produto um valor muito maior. Nesse contexto,

Corragio (1998) complementa o pensamento quando diz:

A concepção subjacente à insígnia “investir nas

pessoas” é aquela segundo a qual, tendo melhor acesso

aos serviços básicos, os pobres terão maior capital

humano e, portanto, maior probabilidade de realizar

11

trabalhos produtivos e de obter renda. Entretanto, em

uma economia de mercado, a efetivação dessa

capacidade depende do acesso a outros recursos (terra,

crédito, tecnologia, informação etc.) e da organização

sócio-técnica dos usos do excedente econômico: da

estrutura dos investimentos de capital, das tecnologias

desenvolvidas, dos bens e serviços que produz etc. (p.

91-92).

A política educacional não tem sido uma representação do espaço da voz coletiva,

Souza (2006) observou que há uma ausência nas políticas públicas da experiência e da

história profissional e política de quem realmente faz a escola e em função disso, as

regras e leis que regem o cotidiano escolar chegam vazias de uma real aplicabilidade e

se perdem no trajeto até o que de fato acontece na sala de aula.

A escola desmistificada para todos

E por fim, acrescenta-se aqui a questão da inclusão. Vimos como as idéias

neoliberais, trazidas ao campo da educação pela influência do Banco Mundial, são

excludentes. É neste cenário que vamos assistir o desenvolvimento da proposta da

educação inclusiva.

Uma educação que se faça inclusiva, tem sido amplamente discutida no campo

educacional. A legislação brasileira caminha para uma visão progressista e avançada no

que diz respeito à garantia dos direitos de pessoas com necessidades especiais na escola.

Porém, a existência da lei não garante o acesso e a legitimidade da inclusão dentro da

escola.

Quando trouxemos para essa discussão as contribuições do professor Bernard

Charlot, mostramos o quanto a ideologia presente no campo educacional e o

ocultamento de seu papel podem estagnar o movimento da escola com vistas a uma

transformação. Não queremos dessa forma, embarcarmos em um “otimismo ingênuo”

como Cortella (2008) tão bem nos abriu os olhos, pois temos a clareza de que a

mudança ocorrerá conjuntamente com outros espaços sociais, mas há de encontrar um

caminho, uma pequena ruptura para a transformação desse espaço coletivo em que

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vivemos. E a escola sendo lócus dessa ação que é social, política, cultural e coletiva se

demonstra o berço para o “aleitamento” da mudança.

A preocupação aqui apresentada é a de que quando se apresenta uma visão

naturalizante da educação e do mundo, tem-se a idealização de um comportamento

esperado, de algo perfeito, há um caráter ideológico mediante a idéia de que há uma

natureza humana. Dessa forma, tudo ou todo aquele que se afasta de um padrão

esperado não é apenas o diferente, mas o anormal, o deficiente, o incapaz. A

naturalização presente no pensamento ideológico sobre a educação, em nossas

sociedades atuais, tem sido um dos maiores impedimentos ao desenvolvimento pleno de

uma educação inclusiva. A forte noção de que os sujeitos são dotados de uma natureza

humana, natureza esta que a escola ajuda a desenvolver-se e atualizar-se por meio da

cultura, tem levado os professores e mesmo os estudantes e pais a pensarem e avaliarem

os sujeitos a partir de um padrão, tomado como verdadeiro. A partir daí toda diferença é

tomada como anormalidade. Sendo assim impedem a efetivação da inclusão, pois tal

ocultamento incentiva e fala da inclusão, como acolhimento da deficiência e não da

diferença.

Nesse sentido, ao falar das diferenças e em especial, trazermos para essa discussão a

deficiência, entendemos que concebê-la como “erro” e/ou patologia é fator gerador de

sofrimentos (Moreiras, 2008).

Quando apontamos sofrimentos é em função da redução da pessoa com deficiência

na própria condição de deficiência, descaracterizando assim o sujeito, ele deixa de ser

alguém para ser a ineficiência constituída. A essa transformação da totalidade da pessoa

com deficiência, Amaral (1998) denomina “Generalização indevida”.

Concordamos com a autora quando afirma que utilizamos um protótipo de perfeição

para categorizar ou validar o outro:

A aproximação ou semelhança com essa idealização em

sua totalidade ou particularidades é perseguida,

consciente ou inconscientemente, por todo nós, uma vez

que o afastamento dela caracteriza a diferença

significativa, o desvio, a anormalidade. E o fato é que

muitos e muitos de nós, embora não correspondendo a

esse protótipo ideologicamente construído, o utilizamos

13

em nosso cotidiano para a categorização/validação do

outro (Amaral 1998, p. 14).

Sendo assim, pensar em uma educação inclusiva é atribuir a escola o objetivo de

atender a todos os alunos, oferecendo uma educação de qualidade e que inclua a todos

sem distinção. Incluir significa que a educação tem que abranger toda a diversidade

existente na humanidade: diferenças de gênero; étnicas; raciais; sociais; políticas;

religiosas; e diferenças de saúde: física e mental.

Estudando nossa história, é possível que se tenha um panorama de seu desenrolar

que foi marcada por desigualdades e exclusões, tem-se a confirmação de que a escola

produziu através de suas práticas o incentivo à segregação. Por sua vez, a continuidade

dessa prática intensifica as injustiças e acaba “produzindo”, nesse contexto, a

manutenção da sociedade em que vivemos.

É mister que tenhamos uma escola que inclua e incorpore a participação de todos;

uma escola que tenha intencionalidade, que ensine e aprenda; uma escola que transmita

e produza conhecimentos capazes de transformar-se e que transforme a sociedade. Uma

escola mundo onde caibam todos os mundos, todas as formas de ser sujeito que nossa

sociedade tem possibilitado.

A educação escolar baseia-se numa constante busca de um paradigma que defina

seus reais objetivos: em nosso entendimento, tais objetivos são o de garantir uma boa

qualidade de ensino e uma educação que abarque, dentro da diversidade, o respeito à

singularidade do educando.

O que se pretendeu aqui foi articular a política dominante em nossa sociedade com

as formas dominantes de pensar os sujeitos e o mundo. A partir daí ponderar a relação

que estas questões sociais mantêm com a educação e por fim, indicar a impossibilidade

de uma real educação para a inclusão enquanto não superarmos as visões naturalizantes

que têm marcado nosso pensamento em educação.

Referências Bibliográficas

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14

Charlot, B.(1979). A Mistificação Pedagógica: Realidades Sociais e Processos Ideológicos na Teoria da Educação. Rio de Janeiro: Zahar Ed.

Charlot, B. (2005). Relação com o Saber, Formação dos Professores e Globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed.

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Moreiras, V. L. J. (2008). O sentido das diferenças: um estudo sobre educação inclusiva.  Em Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Histórica Política e Sociedade (Org.), Anais III Seminário Internacional: Escola e Cultura, São Paulo: EDUC.

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Notas sobre as Autoras

1. Viviane Lemos de J. Moreiras é Pedagoga, Especialista em Educação,

Mestranda em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo/ PUC-SP, Bolsista CNPq, sob orientação da Profª Dra. Ana Mercês Bahia Bock.

2. Ana Mercês Bahia Bock é Psicóloga, Doutora em Psicologia Social pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora titular do Departamento de

15

Psicologia Social da Faculdade de Psicologia e professora do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação: Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo.


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