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A PSICOLOGIA POLÍTICA NO MÉXICO: CONSTRIBUIÇÕES … · desenvolvimento e transformação da...

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A PSICOLOGIA POLÍTICA NO MÉXICO: CONSTRIBUIÇÕES ATUAIS PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS. Revista de Psicologia POLITICAL PSYCHOLOGY IN MEXICO: PRESENT CONTRIBUTIONS TO THE DEVELOPMENT OF NEW PERSPECTIVES. Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá 1 Título do livro: Psicología política dei nuevo siglo: una ventana a la ciudadanía. Organizadora: Graciela Aurora Mota Botello. México: SOMEPSO, 1999. 568 páginas. Ao longo da história, a Psicologia procu- rou, juntamente com outras ciências, desenvol- ver análises e compreender o comportamento político no âmbito das sociedades. Contudo, a sistematização de uma área de estudo que pu- desse levar o título de Psicologia Política só en- controu seu espaço por volta dos anos de 1950. Mais recentemente (10 de dezembro de 2000), surgiu no Brasil uma nova interlocutora neste campo da Psicologia: A Sociedade Brasileira de Psicologia Política e com ela uma revista especi- alizada no assunto: Revista de Psicologia Política. 2 Do seu primeiro número foi retirado o texto se- guinte, que bem nos explica estes caminhos inici- ais da Psicologia Política no mundo: A década de cinqüenta representa um novo patamar no desenvolvi- mento da Psicologia Política como campo de pesquisa. O crescimento quantitativo dos estudos sobre um grande elenco de aspectos da Psico- logia Política produziu um expres- sivo acervo de trabalhos empíricos fundamentados nas contribuições teóricas da década anterior. Nesses anos L.'Liciam-se os primeiros esfor- ços de especificar uma área temática de pesquisa no sentido [de] delimi- tar um corpo de conhecimento teóri- co e empírico, de procedimentos metodológicos que surgem no mais livre intercâmbio entre a Psicologia e a Psicologia Social e as Ciências Sociais. A Psicologia Política ganha forma institucional na década de sessenta com a criação das primeiras áreas de concentração em programas de pós-graduação nas Ciências Políti- cas e Psicologia Social. Claramente interdisciplinares, essas áreas de concentração estabeleceram de for- ma definitiva a vocação inter-disci- plinar do campo. A Associação Internacional de Ciência Política cria, neste período, o grupo de pes- quisa em Psicologia Política. A As- 'Professor do Departamento de Psicologia da UFC .. Email: [email protected]. Pós-doutorando junto à UCM-Espanha, com apoio CAPES- MEC. 2 Revista de Psicologia Política: Disponível em: <http://www.psicologiapolitica.com> lll Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 22 n.l, p. 72-81, janljun.2004
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A PSICOLOGIA POLÍTICA NO MÉXICO: CONSTRIBUIÇÕES ATUAIS PARA A CONSTRUÇÃO

DE NOVOS ESPAÇOS. Revista

de Psicologia

POLITICAL PSYCHOLOGY IN MEXICO: PRESENT CONTRIBUTIONS TO THE DEVELOPMENT OF NEW PERSPECTIVES.

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá 1

Título do livro: Psicología política dei nuevo siglo: una ventana a la ciudadanía.

Organizadora: Graciela Aurora Mota Botello.

México: SOMEPSO, 1999. 568 páginas.

Ao longo da história, a Psicologia procu­rou, juntamente com outras ciências, desenvol­ver análises e compreender o comportamento político no âmbito das sociedades. Contudo, a sistematização de uma área de estudo que pu­desse levar o título de Psicologia Política só en­controu seu espaço por volta dos anos de 1950. Mais recentemente (10 de dezembro de 2000), surgiu no Brasil uma nova interlocutora neste campo da Psicologia: A Sociedade Brasileira de Psicologia Política e com ela uma revista especi­alizada no assunto: Revista de Psicologia Política.2

Do seu primeiro número foi retirado o texto se­guinte, que bem nos explica estes caminhos inici­ais da Psicologia Política no mundo:

A década de cinqüenta representa um novo patamar no desenvolvi­mento da Psicologia Política como campo de pesquisa. O crescimento quantitativo dos estudos sobre um grande elenco de aspectos da Psico­logia Política produziu um expres­sivo acervo de trabalhos empíricos

fundamentados nas contribuições teóricas da década anterior. Nesses anos L.'Liciam-se os primeiros esfor­ços de especificar uma área temática de pesquisa no sentido [de] delimi­tar um corpo de conhecimento teóri­co e empírico, de procedimentos metodológicos que surgem no mais livre intercâmbio entre a Psicologia e a Psicologia Social e as Ciências Sociais.

A Psicologia Política ganha forma institucional na década de sessenta com a criação das primeiras áreas de concentração em programas de pós-graduação nas Ciências Políti­cas e Psicologia Social. Claramente interdisciplinares, essas áreas de concentração estabeleceram de for­ma definitiva a vocação inter-disci­plinar do campo. A Associação Internacional de Ciência Política cria, neste período, o grupo de pes­quisa em Psicologia Política. A As-

'Professor do Departamento de Psicologia da UFC .. Email: [email protected]. Pós-doutorando junto à UCM-Espanha, com apoio CAPES­MEC. 2 Revista de Psicologia Política: Disponível em: <http://www.psicologiapolitica.com>

lll Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 22 n.l, p. 72-81, janljun.2004

Revista de Psicologia

sociação Americana de Sociologia também segue nessa mesma direção. Em 1978 foi fundada a Sociedade In­ternacional de Psicologia Política com a finalidade de ser um fórum mundial de discussão e debate de pesquisas específicas do campo da Psicologia Política. O esforço de "in­ternacionalizar" as atividades de pesquisa do campo ganha mais pro­jeção com o lançamento, pela Socie­dade Internacional de Psicologia Política em 1982, de sua revista Política! Psychology (Psicologia Polí­tica, Ano 1, v. 1, n. 1, jan./jun. 2001, p.10).

Mas a Psicologia Política atual continua, con­forme podemos ver em Cisneros3 (1999), a buscar um espaço, gue por não existir ainda, deverá ser construído. E, pois, este um dos grandes desafios que aponta a Psicologia Política do novo século.

Guardadas as limitações de território já con­quistado, há hoje no México, indubitavelmente, uma forte presença desta área de estudo no con­texto das ciências sociais e no próprio desenho da Psicologia como disciplina maior que abriga. Neste caso encontram-se seus antecedentes no desenvolvimento e transformação da Psicologia Social em Psicologia Coletiva, o que permite ela­borar modelos interpretativos e não apenas aque­les tradicionais modelos positivistas nessa área.4

Tal investimento na produção mexicana no âm­bito da Psicologia Política se viu consolidado no trabalho que ora temos o prazer de apresentar ao público leitor da Revista de Psicologia da UFC. Nascido de um esforço conjunto de instituições públicas locais e a partir da Primeira Reunião Internacional de Psicologia Política, organiza­da pela Sociedade Mexicana de Psicologia So­cial juntamente com a Sociedade Internacional de Psicologia Política, o livro Psicologia Política do Novo Século aborda exaustivamente, sob di­ferentes olhares, produções teóricas e empíricas na área em questão. Organiza-se em quatro di­ferentes partes temáticas apoiadas em um só eixo central denominado "A globalização e a atualidade das democracias."

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As quatro partes consolidam, portanto, temáticas específicas da Psicologia Política e abri­gam respectivas seções, cada uma com artigos que visam desenvolver os assuntos nela sugeridos. Apresentamos a seguir, resumidamente, o conteú­do global do livro. Deve ser ressaltado que do con­teúdo do detalhado sumário do livro serão retirados apenas aqueles trechos que se façam ne­cessários à elaboração do texto atual, não sendo, portanto, transcrito em sua íntegra. Tendo em vista se tratar de um livro cujo acesso se limita à edição mexicana original, consideramos oportuno apresentá-lo inicialmente a partir de uma trans­crição do texto que explica sua primeira parte. Isso permitirá ao leitor introduzir-se em suas primei­ras temáticas e conceitos, essenciais à compreen­são dos pontos que deverão ser abordados posteriormente. A parte I a que ora nos referimos foi resenhada por Graciela A. Mota Botello e se intitula: "História, Método e Perfil de uma Psico­logia Política Coletiva."

Aqui se encontram as seções 1 e 2 denomi­nadas, respectivamente, "Natureza do político, do coletivo e do psicossocial" e "O Discurso Políti­co". Por questões de espaço e objetivos do presen­te texto, apresentaremos de maneira mais sucinta o restante do trabalho, de modo a deixar o leitor a par dos demais assuntos abordados. A parte II, "Cidadania e Construção de Identidades", foi re­senhada em co-autoria por Betty Sanders Broca­do e Lidia Ferreira Nufio; a parte III, "Globalidade, Identidades e Nacionalismos", é de autoria de Maritza Montero. A esta segue a última parte do livro, parte IV: "Pensamento Social e Meios de Co­municação de Massa", que traz a assinatura de José Manuel Sabucedo.

Passemos, por conseguinte, à transcrição do texto que deve nos introduzir à obra, adequada­mente intitulado de "História, método e perfil de uma Psicologia Política Coletiva":

A política, disse Aristóteles, é a arte do possível, e 25 séculos depois Heidegger acrescenta: a política é a arte de realizar o possível... Como "tempo" e "história", podemos des-

3 Cisneros, César A. 6 Y en verdad existimos? Una introducción ai psicojuego político. Em: Mola Botei lo, G. A. (org .) Psicología política dei nuevo sigla: una ventana a la ciudadanía. México: SOMEPSO, 1999, p. 89-99. 4 MOTA BOTELLO, Graciela A. Estado de I arte: Psicologia Política y colectiva Mexicana. Revista de Psicologia Política, v. 2, n. 4, jul ./dez. 2002, p. 191-208, p. 191.

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crever a ação humana por sua ca­pacidade de "realizar o possível" e, por sua vez, por ser busca e expli­cação permanente do que se nos apresenta como real, em que ficam sedimentados o testemunho e o per­fil de uma época, diferentemente da outra. A redescoberta da política como parte da aventura do novo sé­culo faz parte dessa busca e seu con­teúdo atual nos confronta com a perplexidade de uma época na qual o "futuro" e o "passado" deixam de ter utilidade por sua caduca pre­tensão de viabilidade instrumental.

A política, como invenção do Oci­dente, reitera, tal e qual original­mente surgiu há 25 séculos, que a "polis" representa o espaço no qual os indivíduos tematizam o sentir de suas preocupações particulares e co­letivas, que, ao compartilhá-las, ins­tauram o cenário do público.

A Psicologia Política surge e se apóia em sermos os construtores de ver­sões permanentes de tudo aquilo que se passa conosco. E mesmo que não possamos nomear o que está acontecendo, ainda que o "interpre­temos" e/ ou compreendamos em seu sentido original, nossas formas de comunicá-lo não podem ser estruturadas da mesma forma como a racionalidade lógica e reflexiva o estabelecem.

Dessa capacidade que temos os humanos de articular o sentido das conversações públicas (por mais abstratas ou efêmeras que às vezes nos possam parecer, tendo em vista a intimidade do seu sen­tido ao surgir nos "meus" sonhos, desejos, imagens ou fantasias), de­pende a exeqüibilidade para que uma Psicologia Coletiva possa apro-fundar o caráter de sua in­vestigação na forma como os es­paços sociais se ampliam ou se restringem para a gestação desse "eu-outro", que somos tu, eu ou qualquer outro. Como guia da tra­ma e rota central de preocupação pública, o espírito da coletivida­de fica expresso no surgimento dos temas cotidianos.

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A partir do mundo com outros, o "eu" se constrói como um diálogo que se inventa como uma criação. "Eu" sou na medida em que vivo no cenário mundial- o meu e o dos outros- tal e qual Schelling afirmou em 1800: "[ ... ]o que chamamos de natureza (o mundo) é um poema ci­frado em maravilhosos caracteres ocultos."

Congruente com esta tradição do pensamen­to, o gerar coletivo do" eu" enquanto mundo é uma forma de fazer poesia (poesis - Platão, Banquete, 210b e Aristóteles, Ret., I, li, 1371b7, citado por MOTA BOTELLO, 1999) que obedece a uma espé­cie de "arqueologia" da conversação, cujas bases respondem ao tipo de diálogo que uma socieda­de é capaz de sustentar consigo mesma. Desta depende o sentido de construção do público, as­sim como do conteúdo mesmo da política como fenômeno.

Por isso, a função e a relevância da política consistem em ser ela poética, possível, coletiva. E como a Psicologia Política surge a partir da organi­zação de explicações diferentes do que existe, a for­ma como se constroem as identidades coletivas com suas respectivas mentalidades obedece a uma es­trutura de reconhecimento do "outro" ou do "dife­rente" que obriga a redefinir-se de modo permanente (através da criação de vias alternativas que respon­dam ao caráter protagonista e constatável que tem o conteúdo destas respectivas diferenças) no âmbito da conversação.

Isso é possível porque a política aprofunda seu caráter poético nas formas e estilos de como se constrói socialmente o diálogo; isto é, respon­dem à dialética de negociação e debate entre os significados e referentes coletivos, que vão dando sentido e acesso a tudo aquilo que se nos apresen­ta como o real.

Conseqüentemente, seu objeto não pode restringir-se ao surgimento de novas epistemologias. Bem mais que isso, a Psicologia Política se dimensiona juntamente com as modalidades da ação social, quando se expressa o que Ulrich Beck (1996, citado por MOTA BOTELLO, 1999) descreve como fenômeno da "autopolitização de uma sociedade."

A Psicologia Política do novo século, título da presente obra, se lê em diferentes perspectivas e horizontes:

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a) O que surge do diálogo com a tradi­ção quando a Psicologia Social tra­dicional entendeu o sentido do poder como "ação concreta de influenciar os demais." O poder e a influência (RAVEN & FRENCH, 1958, citado em MOTA BOTELLO, 1999) foram concebidos como o domínio dos in­divíduos privados de si, a partir de um eixo de poder dominante e controlador. Pelo contrário, desde uma Psicologia Coletiva que parte da construção supra-individual do social(S.MOSCOVICI,1961-1988,ci­tado em MOTA BOTELLO, 1999), a influência se faz pública e se "politiza quando as modalidades de partici­pação e ação social provêm do diá­logo que se gera nas conversações que nutrem o conteúdo das diferen­tes esferas da sociedade. Estas con­versações são o produto do debate da negociação de conteúdos e signi­ficados que permitem construir o que AlanTourraine(1989citadoemMOTA BOTELLO, 1999) chamou de" consen­sos sociais."

b) Como politização da sociedade, a Psicologia Política contém o senti­do e os pontos de vista das formas em que a vida cotidiana surge como tema de conversação. Disso depen­de a forma em que se vive o mundo e a maneira como se gera o sentido do real. Em meio à estrutura referencial de "indivíduos concretos" e não construídos pelos meios de comu­nicação de massa, estatisticamen­te, o ser e o acontecer (fato) se correspondem em uma mesma di­mensão. Seu veículo é a palavra, sua ação se protagoniza nos ar­gumentos da conversação e seu poder e hierarquia se tornam cole­tivos, mediante o diálogo, as pos­sibilidades, os encontros e o poder da utopia.

c) Enquanto espetáculo, a Psicologia Política compreende o estudo das formas nas quais pretende se ge­neralizar, um eixo dominante de in­terpretação do real, por cima da construção das conversações coti­dianas. É nesse lugar que se gera o sentido de cliente e de consumo inerente aos mercados dos políti-

cose de suas ofertas, que na vida pública reafirmam o consumo imediatista de qualquer mercado­ria, o que já foi denominado de "so­ciedade de públicos" por Tarde (1898), desde finais do século.

A Psicologia Política é uma disciplina "fronteiriça" do conhecimento, que reitera as per­guntas sobre a origem do Ocidente e, em particu­lar, do sentido aristotélico da política.

Neste contexto, a primeira parte do livro, intitulada "Natureza do Político, do Coletivo e do Psicossociológico", conforma um esquema de tematização no qual se situa o âmbito de investi­gação, reflexão e discussão desta disciplina, a par­tir da diferenciação das seguintes oito áreas de ingerência:

1) A Psicologia Política como poder sur­ge a partir da explicação de quais são as razões sobre as quais se cons­troem as conversações públicas e sua relação com a autoridade, que contém as modalidades de ação so­cial como forma de disseminação e controle público.

2) A Psicologia Política como partici­pação responde a busca e antecipa­ção da construção social, a partir da interpretação da memória coletiva, na qual se delimita a reorganização da trama entre o Estado e os espaços da vida pública e o pensamento da sociedade.

3) A Psicologia Política como educação implica o sentido da educação cívi­ca e cidadania como princípio de compreensão dos feitos e prevenção do que pode acontecer, a partir da construção de versões e proposições sociais diferentes, como "constru­ção da civilidade". Em sua quali­dade de ação supra-individual, a cidadania requer diferentes formas de representar-se socialmente o po­lítico e assim poder construir seus argumentos para atuar nos fatos.

4) A Psicologia Política como democra­cia depende da capacidade de cons­trução do "eu" coletivo como resultado do diálogo que surge en­tre a dialética da negação e o reco­nhecimento do outro, em que fique assentado o conteúdo do conjunto

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de capacidades e potencialidades dos atores sociais que protagonizam o sentido da utopia.

Devido ao fato de que o poder não é assimétrico, não se restringe ao mero desenrolar de atividades cidadãs, se­não que aprofunda nas formas como se reconhecem o outro e o diferente, ao modo de um processo de cons­trução do "si mesmo". O papel que desempenha o poder nas novas de­mocracias dependerá do tipo de re­ferências e capacidades que uma sociedade se disponha desenvolver em seu interior para depor o caráter es­petacular de uma cultura clientelista e para articular também o sentido, a função e a redefinição do" outro."

5) A Psicologia Política como dimensão espacial se desdobra na forma do "mundo" enquanto construção intersubjetiva das relações sociais, dirigida ao encurtamento de distân­cias entre o privado e o público, a partir da "construção" de uma politização dos espaços sociais. Essa politização abre horizontes e cená­rios para imaginar o protagonizar na forma de ação participativa, na dinâmica e aventuras em torno do diferente, no qual esteja contido o outro e sua heterogeneidade. A Psi­cologia Política como intersubjetividade implica o sentido auto-referencial do ilimitado e inacabado como conflu­ência da comunicabilidade.

6) A Psicologia Política como pós­modernidade se abre a todas as esferas da vida e à expressão da coletividade como ação convencional e não con­vencional.

7) A Psicologia Política como método está direcionada para tornar inteli­gível, comunicável, de possível tematização e conversacional o inte­resse por aprofundar e interpretar o papel da diferença nos feitos que se sucedem no final do milênio.

Na primeira seção, o leitor verá que o artigo de GonzálezNavarro (citadoemMOTABOTELLO, 1999) parte de uma análise da nova era, não só pela culminação de suas bipolarizações (norte-sul), senão

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também pelo cancelamento de posições que antes ori­entaram o sentido da esperança. Devido ao impacto do progresso tecnológico centrado no fetiche da "esta­bilidade" de um destino comum compartilhado, a atu­alidade traz consigo uma dupla preocupação: a) responder às necessidades da globalização desde as dimensões dos problemas específicos e b) responder à modernidade sem esquecer da dinâmica da história.

A Psicologia Política como disciplina se vê obrigada a se construir em parte nos espaços soci­ais de elaboração das propostas sobre as formas de organização, relações políticas e comerciais; a par­tir da relação dos âmbitos próprios da Psicologia e da Política.

A aplicação dos processos psicossociais aos fenômenos políticos constitui um desafio em dimensionar a força de um olhar interdisciplinar, à guisa de uma apreensão das inovações do compor­tamento e da ação pública centradas nos três se­guintes aspectos:

1) Participar na construção do desti­no comum a partir de uma interpre­tação vigente da memória coletiva.

2) Dimensionar os limites da rela­ção entre o Estado e a sociedade, através da incorporação do papel dos cenários de participação, junto aos espaços de reorganização da vida social e mental.

3) Definir o político como espaço coleti­vo das diferentes formas de participa­ção pública, assim como do conjunto de capacidades e potencialidades que os atores sociais sejam capazes de desenvolver, para conceituar e protagonizar o sentido da utopia.

E enquanto a Psicologia Política se preocupa com as maneiras como se constroem os consensos e se levam a cabo as ações sociais, um dos principais problemas da modernidade, afirma González Navarro (citado em MOTA BOTELLO, 1999), não se restringe à falta de participação pública de amplos setores da sociedade, mas, sim, diz respeito às formas e direções em que essa participação acontece, em face da crescente influência da temologia e da manipula­ção instrumental. Acerca de ambos o autor afirma que deve ser aprofundada a análise da disciplina.

Em meio a este panorama crítico, o segun­do artigo questiona o sentido dos paradigmas psi­cológicos tradicionais em relação ao caráter metodológico da investigação.

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Ante o desenvolvimento da Psicologia Polí­tica e o ressurgimento das "subjetividades sociais" (o sentido do indivíduo, dos movimentos sociais etc.), Steven Brown afirma que na realidade aquilo que os investigadores exigem atualmente não é a produção de mais dados, senão a geração de for­mas novas e alternativas para instrumentá-los e interpretá-los, com o objetivo de formular explica­ções mais exaustivas e profundas.

Para Steven Brown, (citado em MOTA BOTELLO, 1999) o sentido da subjetividade foi abordado tradicionalmente a partir de três conotações: "parcialidade", "emoção" e "volun­tarismo" . Kantor (citado em MOTA BOTELLO, 1999) se propôs a superá-las ao caracterizar os pro­cessos psicológicos como uma "subjetividade não mentalista", centrada no fenômeno que denomi­na: "naturalismo intercomportamental."

Parte-se do uso da metodologia de Stephenson (1951 citado em MOTA BOTELLO, 1999) (referênci­as), que coloca no papel da subjetividade exatamente o centro de todo empreendimento psicológico de me­dida. Nomeado autor afirma que a subjetividade representa a consciência que temos para expres­sar nossos estados percebidos, gerados a partir da aprendizagem de "ver as coisas" com nossa própria mente . Em conseqüência, o desafio para compreender as estruturas funcionais dessa sub­jetividade não se reduz à interpretação de ca­tegorias sociais e cognitivas pelos tipos de informação que os sujeitos nos aportam.

Nesse sentido, Stephenson renuncia à de­pendência de qualquer "controle" sobre a avalia­ção do significado, ao propor que o pesquisador deva partir de um princípio: "respeitar a livre clas­sificação dos objetos que os indivíduos nos trazem, sem promover qualquer manipulação."

Dando ênfase ao caráter metodológico que subjaz a essa forma de avaliação do significado e da subjetividade, Brown observa como o sentido kantoriano do "intercomportamentismo naturalista" se contrapõe ao uso de conceitos baseados em atitudes, emoções ou mecanismos cognitivos que a tradição psicossocial ha­via priorizado. Estes, afirma Kantor (citado em MOTA BOTELLO, 1999), se restringem ao tipo de observa­ções empíricas sobre aqueles comportamentos sus­citados por objetos e acontecimentos concretos.

Não obstante, quando o autor assume que a limitação desses feitos se radica precisamente naqui­lo que põe à prova o sentido mesmo da subjetivida­de, coloca que ao ter esta um caráter auto-referencial, conseqüentemente não pode ter mais limites que os próprios fatos.

A subjetividade, afirma Brown (citado em MOTA BOTELLO, 1999), é capaz de ser comparti­lhada por outros, porque se expressa nas coisas mais comuns da vida (no sentido da análise do dis­curso, narrativa ou construção social), e não pode ser reduzida à lógica do conhecimento estruturado. Brown parte do princípio que Stephenson (1978 citado em MOTA BOTELLO, 1999) denomina "confluência" e que se refere ao processo que sur­ge quando os pensamentos e a discussão "fluem juntos" numa conversa. Eles levam implicitamen­te a existência de uma comunidade subjetiva entre seus membros.

Para analisar a forma como o fenômeno da "confluência" e da "comunicabilidade" se expres­sa em uma experiência empírica, a última parte do artigo termina mediante a descrição de uma pes­quisa aplicada a uma amostra de jovens sujeitos estadunidenses que expressaram quais eram o tipo de pensamentos que lhes geravam o sentido e o significado da frase: "sou americano."

Ressaltando o papel da subjetividade na Psi­cologia Política, o sentido de e do "outro" aparece como o eixo das idéias propostas por Carlos Silva5 no seu artigo, quando afirma que o "outro" no espaço público é a conseqüência do despeito do hiperindividualismo (desapreço ao reducionismo individualizador), porque o ser humano é do tama­nho de uma construção social que se articula e sub­mete sua vigência no intercâmbio apalavrado que se dá entre as pessoas, os contos e os mundos sociais.

É claro que Silva parte do fato de que a publici­dade do público é gerada por meio de argumentos transitórios e emergentes que se fabricam e se cons­troem no âmbito do diálogo. "Ser" e "acontecer" es­tão ligados às práticas discursivas. Ambos referem-se à forma como se compreende a identidade, a nature­za da mente, a construção do si mesmo, do outro, do mundo, da ação social e da interação coletiva.

O outro constitui a figura coletiva por excelên­cia porque nesse núcleo ontológico, se dá lugar o cum­primento da lei. O cidadão representa a figura central

5 SILVA, C. La ilusión crítica o el sí como otro. Micrología del saber psicosocial actual. In: MOTA BOTELLO, G. A. (Org.). Psicologia política dei nuevo sigla (p. 79-85). México: SOMEPSO, 1999.

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da Psicologia Política, porque é a partir do ele - com um "outro" - que podem ser relatadas as formas do seu esforço e do seu horizonte, da sua comunidade e do seu país, da sua identidade e pertinência.

O fenômeno do "outro" está também pre­sente no artigo de Mireya Lozada6 quando analisa a democracia a partir de três dimensões: "teórico­ideal", "prático-real" e "prospectivo-ideal."

A democracia é uma entidade que tem sido constantemente traída por uma práxis que a conde­na a ter a lógica de um "como se", da qual não pode desprender nada além de falsas representatividades, corrupção administrativa e protagonismos personalistas do poder, no qual o cidadão fica ex­cluído do resto de suas esferas de realização, uma vez limitado ao sufrágio eleitoral.

A possibilidade de reinstitucionalizar a trama de seus espaços e encurtar as diferenças e distâncias entre o privado e o público é a possibilidade de sua prospectiva ideal como sinônimo do dissenso, a descentralização, o fenômeno da liberdade de expres­são e as vicissitudes entre a negociação e o reconheci­mento do outro. O importante é que a política como dimensão pública responda e possa privilegiar o papel que desempenham "nossos atores" principais (as pes­soas, o povo, nós) juntamente com "eles" (o Estado, os governantes, seus aliados), e, nesta interação, se legiti­me o contexto da esfera pública e da sociedade.

Em conseqüência, Lozada (1999) descreve a democracia como o processo de construção do "eu coletivo", dirigido à reconversão de espaços que deixem de girar em torno de um só eixo dominan­te. O caráter crítico que marca o sentido da Psicolo­gia Política vigente consiste em responder ao enfoque pós-moderno descrito por Claudette Dudet, (citado em MOTA BOTELLO, 1999) por­que permite abordar o estudo do "real" como um feito de linguagem e comunicação a partir do qual podemos interpretar-nos. Os conceitos não po­dem se separar das modificações que ocorrem nas formas como nos expressamos e nos relaciona­mos. A pós-modernidade como projeto contribui para recuperar, nos discursos sociais, os sentimen­tos e valores de subjetivação que passam do indi­víduo ao sujeito coletivo como protagonista sempre inacabado, inter-pretador, criador e ator coletivo lúdico que resulta e se recria no fenômeno da coletividade.

A ruptura da Psicologia pós-moderna com os paradigmas tradicionais pode ser resumida, de acordo com os esquemas de Gergen (1989, 1991) e Ibáfiez (1994,1996) (citados em MOTA BOTELLO, 1999) em torno dos seguintes quatro pontos-chave:

a) a ruptura com a dicotomia" sujei­to-objeto" em que os objetos não são independentes de nós;

b) a concepção de caráter represen­tativo do conhecimento: o conheci­mento não é a representação do real, mas algo que se constrói a partir dele;

c) ruptura com as verdades absolutas: a crítica da verdade implica o reconhe­cimento de que são acordos relativos e contingentes de comunidades lin­güísticas que se fom1am como parte de uma construção social;

d) o cérebro não é a fábrica do pen­samento. O pensamento se constrói e se manifesta no diálogo.

Para finalizar, Dudet engloba as cinco perspecti­vas nas quais fica marcada esta tendência: "a etogenia" de Harré, a "representação social" de S. Moscovici, a "corrente socioconstrutivista" de Gergen e Ibáfiez, a "análise do discurso" de Billing, Potter y Shotter e a "psicologia social crítica" de Buss, Sampson e Sullivan.

A segunda seção do livro, intitulada "O Dis­curso Político" destaca a inexistência do fato sem discurso. Cabe recordar que, apesar da epistemologia situada na reflexão e privilegiada pela ciência quan­do prioriza o plano dos objetos em relação ao sujei­to, para a nossa disciplina, ao contrário, é a linguagem que funda o caráter dos fatos. E como exemplo bas­ta uma pista nessa direção deixada por Wittgenstein7

ao concluir o seu Tratactus: "Los límites de mi lenguaje significan los límites del mundo". Graças à lingua­gem podemos falar daquilo que existe e daquilo que não existe. Nosso mundo é o que se diz e o que se conversa, exista ou não. Ser e acontecer se correspondem mutuamente, ambos constituem uma relação dialógica que expressa uma preocupação mais que uma relação cognoscente.

6 LOZADA, M. La democracia sospechosa: construcción dei colectivo en el espacio público. In : MOTA BOTELLO, G. A.(Org.). Psicología política dei Nuevo Sigla. México: SOMEPSO, 1999. 7 WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus (T.L.P.). Madrid: Alianza, 1979, p. 5-6.

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Obedece a isso o "acordo" que se gera no diálogo, reflete também a forma e normatividade que rege o sentido e a maneira como "se dizem" os fatos no conhecimento científico mesmo.

A Psicologia Científica como disciplina frontei­ra entre o real e a possibilidade da construção social não pode restringir-se, em conseqüência, à pretensão mesma de conhecimento algum dos fatos, prescin­dindo da linguagem, tal e como se pensássemos que são os objetos da natureza que falam por si mesmos.

Ao contrário, a Psicologia Política concebe os "fatos" sem linguagem prévia e sem correspon­dentes ou equivalentes que restringem suas limi­tações a "etiquetas conceituais" caducas. Tudo aquilo que aparece a nossa experiência e que nos outorga o sentido de um conteúdo "inteligível" ou "convencional", constitui a forma como nos­sas preocupações modelam o conteúdo do nosso mundo e que, ao marcar-se em torno de um cará­ter discursivo e dialógico, são conseqüentes ao nosso principal objeto de tematização.

Esta seção inicia mediante a relação e recombinação possível entre o trinômio: "espaço­psicologia-política", que César Cisneros8 propõe julgar para nos fazer recorrer às diferentes opções e alternativas de análise da Psicologia Política atu­al. Suas derivadas incluem-se em quatro tópicos:

a) o espaço da Psicologia Política como estudo de identidades que ge­ram os tipos de ação política: não con­vencional e convencional (militância, parlamento e conduta eleitoral asso­ciadas à análise do comportamento coletivo);

b) o espaço político da Psicologia ligado à história de seus pesquisa­

dores;

c) o espaço psicológico da política como discurso individualista e

paradigmático e finalmente:

d) o espaço da Psicologia Política: que

ao não existir está por constituir-se.

O autor propõe duas alternativas espa­cializantes da disciplina:

1) a psicologia da política espacial como uma psicologia das estratégi­as para encurtar e/ ou aumentar as distâncias entre o público e o priva­do é o sentido de conceber uma polí­tica dos espaços como politização dos mesmos. Essa psicologia envolve o desenvolvimento das distâncias interpessoais, despregando-se em todos os espaços do humano, como

configuração das possibilidades de ordem e relação;

2) a psicologia do espaço que per­mita imaginar formas criativas de construção da discussão, que reco­nheça a geografia dos espaços na dinâmica diferencial da hetero­geneidade social.

A psicologia do espaço é uma disciplina cheia de imaginação e de buscas de multiplicidade nos horizontes que oferece a vida cotidiana ao pen­samento de fim de século; busca de multiplicidade nas aventuras da diferença e da atualidade do" ou­tro" como negatividade, que se patenteia no es­paço com a forma de "um mundo" e de "ação coletiva". A política da psicologia do espaço situa seu objeto como categoria central da Psicologia Política.

A linguagem abre e fecha, instaura e aniqui­la, possibilita e obstrui, por isso o artigo de Montero aparece como uma preocupação central em tomo daquilo que se diz, a partir da pergunta sobre o porquê, o onde e o para que decidir algo.

O diálogo existe com silêncio ou com pa­lavras, ambos podem ser comunicação ou não comunicação, sentido, engano, confusão, deses­pero ou nobres sentimentos. Analisar o discur­so implica, para Montero, o saber que se diz, mas também o como se diz: "o que diz nas li­nhas" e o que "se diz nas entrelinhas".

No caso do discurso político, os autores reú­nem uma série de proposições para convencer seus interlocutores sobre seus programas de ação go­vernamental, assim como a estrutura na qual se encontram as relações de poder e a forma de mantê-las ou mudá-las.

8 Cisneros, César A. ;_ Y en verdad existimos? Una introducción ai psicojuego político. In: MOTA BOTELLO, G. A. (Org.). Psicología política dei nuevo sigla: una ventana a la ciudadnía. México: SOMEPSO, 1999. p. 89-99.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 22 n.1, p. 72-81, janJjun. 2004 m

Revista de Psicolog_ia

O discurso político tem a peculiaridade de ser público, isto é, alude ao campo que a todos in­teressa e envolve, porque representa o espaço no qual se entrecruzam e opõem os interesses de cada setor. Por isso, sua estrutura é argumentativa.

A base dos discursos políticos, afirma Montero, é sua variação e posto que cada discurso é único, se desenvolve em meio a estratégias ver­bais e não verbais específicas que permitem obter a "persuasão desejada".

A autora revela que cada caso exibe suas pró­prias tendências, analogia, intenções e interesses, a partir do esclarecimento da relação entre as seguin­tes variáveis:

a) justaposição criadora de temas implícitos ou esclarecimentos de contrastes para a "associação de idéias"; b) generalização e vagueza; c) despersonalização do referente, às vezes acompanhada do desdo­bramento do discurso; d) atribui­ção da passividade do outro; e) despolitização que evade o confli­to ou as referências da arena políti­ca; f) o uso de muitos detalhes destinados a criar a impressão de grande capacidade de observação; g) integração de formas narrativas de tudo o que aparece como neces­sário; h) invocação ao princípio de autoridade acompanhado do con­senso e corroboração; i) uso de hipérboles e metáforas ligadas à cultura popular; j) ordenação do discurso em listas para gerar a sen­sação de exaustão; k) o silêncio ou a moderação; l) utilização de ícones ou imagens como discurso.

Como tema central de uma cultura milenar, o nacionalismo constitui-se de um tema "eixo", para compreender a transformação do Estado no contexto da globalização contempo­rânea. Por sua vez, o nacionalismo é um dos te­mas que constituiu e constitui um grande interesse para a Psicologia Social e para a Psico­logia Política de fim de século e princípios do novo milênio.

Para analisá-lo, o artigo de José Manuel Sabucedo se propõe ir mais além de ideologias e discursos vinculados ao sentido da investigação tra­dicional que privilegiou a relação "autoritarismo­nacionalismo."

II!I Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 22 n.l, p. 72-81, janJjun. 2004

O nacionalismo é uma força que levou à for­mação do Estado-nação nos últimos dois séculos. Ao mesmo tempo representa a corrente que identi­fica e compartilha uma comunidade regional ou lo­cal que também se autopercebe enquanto nação e por esse motivo demanda do Estado o respeito ao seu sentido de autodeterminação. Essa problemáti­ca está na raiz de muitos conflitos nacionalistas da atualidade e que envolvem o sentido de vínculo duplo, isto é, o vínculo nacional com a comunidade regional e o vínculo com o Estado que a contém.

Em seu artigo, José Manuel Sabucedo expõe o caso do nacionalismo galego, assumindo que todo o processo psicopolítico não pode ser analisado com se fosse um fenômeno universal sem característi­cas próprias. Cada caso se constitui na narração de uma situação e de um contexto específico e se con­cretiza como o produto de uma construção social com significado peculiar, do que emana a funcio­nalidade de práticas sociais específicas, uma vez que é percebida uma situação de ilegitimidade.

De acordo com a tradição, a investigação psicossocial assinala que o fenômeno da ilegitimida­de pode ser abordado a partir de duas perspectivas:

a) a que se refere às crenças e opiniões

quesurgemdoendogrupoeexogrupo,

aqui entenda-se o grupo da popula­

ção regional e o grupo da população

do Estado-nação, respectivamente.

b) a forma como se expressa oca­

ráter da "desprivação."

Sabucedo opta pela segunda para explicar o processo de construção do discurso nacionalista e o exemplifica com o caso galego. O autor consi­dera que para que a percepção social do fenôme­no da ilegitimidade possa chegar a converter-se em ação política, deve construir um discurso pró­prio, no qual as conversações públicas expressem a base específica de sua variação, em meio aos se­guintes argumentos do endogrupo:

a) atribuir ao exogrupo a situação em que se encontra;

b)perceberqueasituaçãopodemudar;

c) tender a criar identidades que protagonizem o sentido da ação;

d) assumir uma percepção de eficácia política;.

Revista de Psicologia

Sabucedo (em MOTA BOTELLO, 1999) as­sinala que é um erro pretender que cada situação possua uma mesma estrutura por sobre a própria situação. A variação, como afirma Montero, é sua base. Em conseqüência, o desafio que a Psicologia Política tem que enfrentar para explicar a com­plexidade do nacionalismo contemporâneo é ir mais além de pretensões que não respondam à diversidade das manifestações concretas; isso só poderá ser assumido caso se aprofunde o caráter das diferenças, mais do que aquele das similitudes.

Mediante o considerado na diversidade de conteúdos nesta primeira parte do livro, o leitor se aperceberá de como "o outro", "a linguagem" e "a coletividade" constituem o horizonte temático da Psicologia Política. Ao mesmo tempo de sua pers­pectiva e dimensão, podemos abordar o sentido da ação humana e sua diversidade.

"De seus sonhos até seus fantasmas, dese­jos e dramas brotam somente por meio da pala­vra que reitera velhos temas com novo significado e atualidade extemporânea. A partir dela, somos "outros": coletividade e interpretação. Espetácu­lo sem preâmbulos. Trama sem narrativa que se faz pública como um novo século."

A parte II do livro, "Cidadania e construção de identidades", é composta pelas seções 3: "Cida­dania e socialização cívica"; 4: "Participação e ação política" e 5: "Gênero e política". Conforme nos mostram Betty Sanders e Lidia Ferreira (citado em MOTA BOTELLO, 1999), é o conceito de identida­de social que vem contextualizar os trabalhos des­ta parte do livro, na qual especialistas convergem neste campo comum de reflexão com suas metodologias próprias, orientações teóricas parti­culares e mesmo posições ideológicas diferentes:

as diferentes investigações e ensaios colocam e avaliam os grupos estuda­dos de acordo com valores estruturais e modos de interação em situações es­pecíficas no eixo da identidade coleti­v a [ ... ] Dentro deste marco os trabalhos apresentam a identidade como um sig­nificado social construído como ou­tros significados, a identidade se apresenta como uma realidade social viva, composta pela totalidade de ti­pos de identidades relacionados com uma estrutura social conformada por instituições." (p.l31).

"Globalização, identidades e nacionalismos" intitula a terceira parte do livro e, segundo Montero, autora que a introduz, "ao longo desta terceira parte se incorporam vários discursos, nos quais se contextualizam o sentido da emotividade e afetividade coletiva, a negociação como espírito dialógico da construção social e o papel das transi­ções, tanto em espaço temporal como no debate documental com a história que dá lugar à investi­gação de corte hermenêutica." (p. 271). Tais temas são abordados em duas diferentes seções, a saber: seção 6: "Emoções e política" e 7: "Globalização, transação e cultura política".

Apesar de se denominar "Pensamento soci­al e meios de comunicação de massa", a quarta e última parte do livro prima por uma diversidade temática. Conforme aponta José Manuel Sabucedo, a pluralidade de questões abordadas nesse mo­mento conclusivo da obra é facilmente apreendi­da a partir da variedade de títulos de seus artigos correspondentes abrigados nas três seções corres­pondentes a saber: seção 8: "Meios de comunica­ção de massa e Psicologia Política"; seção 9: "Pensamento social e democracia"; e seção 10: "Po­der e autoridade".

A riqueza temática do livro que apresenta­mos a partir de algumas poucas idéias extraídas de seu todo, impede-nos de querer ter dado con­ta das suas mais diversas facetas. Tratamos, pois, apenas de tentar, por meio desta breve apresen­tação dos assuntos abordados na obra, localizar o tema da Psicologia Política em um espaço que se mostra em construção, no qual o leitor é in­centivado a se colocar e colaborar. Não podemos mais ignorar a relevância da Psicologia Política para a análise e compreensão das relações entre o psicológico, o social e o político, seja em pers­pectiva histórica ou na contemporaneidade e em especial no atual e perverso contexto da globalização, que muitos correm o risco de acei­tar como fato consumado, sem reconhecer que é o próprio homem quem a constrói, podendo, portanto, nela influir. Nessa perspectiva, encer­ramos com as oportunas palavras da organizadora do livro objeto de nossa atual resenha, Graciela Aurora Mata Botello9 (1999, p. 15):

"A Psicologia Política surge e se apóia em sermos os construtores de versões permanentes de tudo aquilo que se passa conosco."

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