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CLASSICAL
AND
BYZANTINE MONOGRAPHS
Edited by
M. JUSTINO MACIEL, CÁTIA MOURÃO AND JORGE TOMÁS GARCÍA
VOL. LXXXV
IMAGENS DO PARADEISOS NOS
MOSAICOS DA HISPANIA
ADOLF M. HAKKERT - PUBLISHER -AMSTERDAM
2016
4
© Editora ADOLF M. HAKKERT - PUBLISHER –AMSTERDAM, 2016
ISSN 1381-2955
ISBN 978-90-256-1310-5
© M. Justino Maciel, Cátia Mourão e Jorge Tomás García (Edição)
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a
Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto UID/PAM/00417/2013.
Fotografia de capa: Mosaico de Orfeu. Siglos II-III. Museo de Zaragoza.
España 2016
6
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
8-9
IMAGENS DO PARADEISOS NOS MOSAICOS DA HISPANIA
As muralhas da cidade terrestre e da cidade celeste
na musivária hispano-romana
Francine ALVES
11-23
Orfeo en los mosaicos de Oriente, de África, de Hispania y de Britannia
José María BLÁZQUEZ
24-48
Le paysage nilotique, «paradis perdu» des pygmées
dans les mosaïques romaines d’Hispanie
Ismérie BOISSEL
49-65
O thiasos báquico rumo ao paradeisos.
O exemplo do mosaico de Vale do Mouro (Coriscada, Meda)
António Sá COIXÃO, Cristina Fernandes de OLIVEIRA e Virgílio Hipólito CORREIA
66-88
Vinculación de la belleza y la sensualidad femenina con el paradeisos,
en los mosaicos hispanorromanos.
Mercedes DURAN PENEDO
89-104
Do mosaico para o mármore: alguns casos de representação do paradeisos
em suporte pétreo no conuentus Pacensis entre os séculos IV e VIII
Jorge FEIO
105-119
Assenhorear-se da Natureza: o exemplo das figuras humanas de Villa Cardílio
Maria de Jesus Duran KREMER
120-133
O acanto como planta excelsa do paradeisos.
Relações entre o mosaico e a escultura na Antiguidade em Portugal
Filomena LIMÃO
134-148
O Paradeisos no mosaico: quod significat et quod significatur
M. Justino MACIEL
149-158
Imágenes del paradeisos en mosaicos de Itálica
Irene MAÑAS ROMERO
159-178
Imágenes de la Aura Ætas en la musivaria hispánica
Guadalupe LÓPEZ MONTEAGUDO
179-201
IMAGENS DO PARADEISOS
NOS MOSAICOS DA HISPANIA
M. Justino Maciel, Cátia Mourão e Jorge Tomás García (edição)
7
A vindima nos mosaicos hispano-romanos
como expressão de um ecumenismo paradisíaco
Cátia MOURÃO
202-224
El paradeisos acuático en los mosaicos de Hispania
Luz NEIRA
225-244
A Villa romana do Rabaçal (Penela, Portugal) como recessus
e o jogo das diferenças nas molduras dos mosaicos do Outono e do Inverno
Miguel PESSOA
245-269
El jardín del paradeisos en los mosaicos de Hispania
María Pilar SAN NICOLÁS PEDRAZ
270-288
O paradeisos vegetal nos mosaicos romanos do território português
Licínia Nunes Correia WRENCH
289-303
VARIA
Os mosaicos da Antiguidade Tardia em Portugal
Virgílio LOPES
305-325
Os mosaicos da ecclesia de Tongobriga,
paróquia da diocese portucalense no século VI
António Carvalho de LIMA
326-365
Os mosaicos romanos nas colecções dos museus de Portugal.
Itinerários: paraísos guardados, paraísos revelados
Maria de Fátima ABRAÇOS
366-390
Unas notas sobre los mosaicos del taller Cuevas-Valdanzo
y la economía ganadera del alto Duero durante el Bajo Imperio
Jesús BERMEJO TIRADO
391-402
8
INTRODUÇÃO
Este livro resulta dos estudos empreendidos por vários Historiadores de Arte e
Arqueólogos internacionais sobre as representações do Paradeisos nos Mosaicos da
Hispânia, no âmbito da Linha de Arte Clássica e da Antiguidade Tardia do Instituto de
História da Arte (IHA) da Universidade Nova de Lisboa (UNL).
Os primeiros resultados da investigação foram apresentados num encontro ibérico que
contou com 20 especialistas e que decorreu nos dias 13 e 14 de Julho de 2011 na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da UNL, com o apoio da Fundação
para a Ciência e Tecnologia (FCT). A estes contributos iniciais, posteriormente
juntaram-se outros de especialistas nacionais e estrangeiros, que permitiram alargar a
visão sobre um tema tão lato e tão significativo no território peninsular. Graças a este
trabalho em rede, o conhecimento que hoje temos sobre as representações do
Paradeisos é muito mais profundo e abrangente, na medida em que não se limita à
geografia ibérica mas contempla toda a extensão do antigo Império Romano e faz
pontuais incursões em matérias complementares, trazendo perspectivas alargadas sobre
a musivária tardo-romana e sobre a sua interação com outras expressões artísticas
(nomeadamente a escultura).
No seu conjunto, a presente obra funciona como uma publicação rica, de visão
sincrónica, diacrónica e interdisciplinar entre a História da Arte da Antiguidade e a
Arqueologia, que não se restringe a um tema, a uma forma de arte e a uma leitura
parcial, e que permite uma noção mais vasta e contextualizada dos objectos artísticos
nos vários tempos e espaços em que se desenvolveram e foram assumindo como
produtos e documentos civilizacionais, constituindo, hoje, um importante património da
Humanidade.
Pela qualidade dos trabalhos que se dão a conhecer nesta publicação, cumpre-nos
agradecer não só aos autores, mas também a todos colaboradores e, especialmente, às
instituições que tornaram possível a concretização de todo o projecto. Não podemos,
assim, deixar de destacar o empenho das Professoras Doutoras Guadalupe López
Monteagudo e María Luz Neira (que connosco completaram a Comissão Científica), da
9
Dr.ª Ana Paula Louro (Comissária Executiva), da Dr.ª Carina Vicente (Secretária), , do
IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, do Museu Nacional de Arqueologia
(instituição visitada durante o Encontro) e da FCT.
M. Justino Maciel (IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)
Cátia Mourão (IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)
Jorge Tomás García (IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)
202
A vindima nos mosaicos hispano-romanos como expressão de um ecumenismo
paradisíaco
Cátia MOURÃO*
À memória da minha bisavó Olinda e do meu avô António; à minha mãe, Ana.
Resumo
Neste texto que decorre da comunicação por nós apresentada no Encontro Ibérico sobre
Mosaicos Romanos, subordinado ao tema «Imagens do Paradeisos nos mosaicos da
Hispânia», analisamos os tesselados ibéricos com cenas de vindimas, sublinhamos a sua
profunda ligação temática e narrativa com alguns exemplares que contemplam diversas
etapas e motivos do ideário vinícola e realçamos o entrosamento do dionisismo com
outros cultos da Antiguidade, em especial os venusianos e os eleusinos. Salientamos
ainda a conformidade entre a dimensão estética destas cenas, marcadas pelo
decorativismo e pelo dinamismo, e a sua dimensão simbólica, que evoca o ideal do
tempo cíclico, do regresso à Aurea Ætas, copiosa e alegre, e da comunhão plácida entre
o Homem, os deuses e uma Natureza paradisíaca (na sua dupla expressão vegetal e
animal) em constante renovação e eterno retorno.
Palavras-chave
Vindima; vitivinicultura; culto; comunhão; Paradeisos.
Introdução
Particularmente caro nas regiões mediterrânicas, onde a vitivinicultura é praticada desde
a proto-história, o tema das vindimas cedo inspirou os artistas e integrou a gramática
decorativa dos mais diversos objectos, alguns deles sem qualquer função utilitária
directamente ligada à actividade ou às suas produções.
Apesar de várias civilizações antigas, como a egípcia, incluírem estas cenas da vida
terrena no reportório funerário – como se observa nas pinturas murais do túmulo de
Nakht, em Tebas, c. 16-14 a.C. –, foi sobretudo com os gregos e os romanos que a
temática laica adquiriu um carácter sagrado e um simbolismo transcendente, de sentido
* Historiadora de Arte (PhD). Investigadora e Membro Integrado do IHA, FCSH, Universidade NOVA de
Lisboa. Portugal.
203
fecundo, vivificante e renovado, e que afirmou a sua dupla dimensão cultural e cultual.
Assim, estes significados conjuntos, que sem dúvida encontraram particular expressão
na arte lutuária (sendo o Sarcófago das Vindimas, proveniente de Castanheira do
Ribatejo e hoje no Museu Nacional de Arqueologia, um bom exemplo), acabaram por
ecoar em todas as restantes manifestações, fossem elas inseridas em edifícios de culto,
de habitação ou de exercício político, fossem em domínios privados ou públicos.
Quando marcam a arte grega e romana, as imagens de vindimas – bem como as demais
que compõem o reportório vitivinícola e que contemplam a pisa da uva, o fabrico do
vinho, a prova enológica e a custódia de recipientes vínicos – são geralmente
contextualizadas no ideário dionisíaco, por se considerarem alusões mais ou menos
directas à mítica descoberta da vinha, à alegada propagação do seu cultivo e à produção
vinícola pelo deus Baco388
, e ainda aos efeitos da ebriez389
patentes nas agitadas e
alegres representações dos thiasoi divinos (considerados por alguns autores antigos,
como Plutarco390
, enquanto paradigma de uma felicidade eterna) e experimentados nos
seus efusivos rituais mistéricos, onde o néctar da “fruta de Dionísio”391
era tido como
fonte vida392
e funcionava como psicotrópico indutor da felicidade393
, naturalmente
exponenciado pelos ritmos musicais que apelavam à dança e aos prazeres físicos. No
entanto, algumas das cenas de vindima – sobretudo as executadas na época severiana,
altura em que se tornaram mais populares por possível influência oriental394
– podem
também revelar uma ligação a outras personagens de veneração maior (sejam elas
divindades e mistagogos do paganismo, ou mesmo o Messias do cristianismo), bem
como uma relação com diferentes entrechos religiosos e profanos (como a sagração
eucarística da vida terrena e a aspiração escatológica da vida além-túmulo, ou o
pragmatismo dos trabalhos agrícolas sazonais e a necessidade de produção de um
388
APOLODORO, Biblioteca, 3.31; DIODORO SÍCULO, Biblioteca Histórica, IV, 2.3; OPIANO,
Cinegética, IV, 230; HIGINO, Fábulas, 130; NONO, Dionisíaca, XII, 330-470. 389
A este respeito veja-se, por exemplo, MERRONY, 1998, p. 449: «In the Roman period, the vintaging
scene was frequently directly associated in the same pavement with some element of the Dionysiac scene
and thus could be regarded as symbolical of one of the cult’s principal characteristics: wine and
drunkenness.» 390
PLUTARCO, Consolação à Esposa, 4. 391
PÍNDARO, Fragmento 89. 392
PETRÓNIO, Satyricon, 34. 393
Estes rituais foram magistralmente descritos por Eurípides (EURÍPIDES, As Bacantes) e a capacidade
que Dionísio tinha de trazer alegria a todos foi referida por Hesíodo (HESÍODO, Teogonia, 941), Píndaro
(PÍNDARO, Fragmento 5) e o anónimo autor do 50º Hino Órfico, dedicado a Lísio Laneu (um dos nomes
de Baco). Por sua vez, Pausanias documentou a celebração de festividades em honra do deus, designadas
por Dionysia, em numerosas cidades gregas (PAUSANIAS, Descrição da Grécia, I-VIII). 394
BALIL ILLANA, 1978, p. 394.
204
elemento base da dieta e da economia dos povos civilizados, ou até o deleite
degustativo, o oblívio das preocupações da alma, o torpe gáudio do momento fugaz e o
prazer do convívio social).
Representações de vindimas na musivária hispânica
Contrariamente ao que sucede no Norte de África e em França, onde se encontram
alguns mosaicos romanos com ilustrações intencionalmente realistas das tarefas
vitivinícolas (Saint-Germain-en-Gal, séc. III, e Cherchel, sécs. III-IV), na Península
Ibérica a musivária até hoje descoberta privilegia um imaginário mítico e alegórico
sobre os labores da vinha.395
Assim, embora os tesselados hispânicos atestem a
popularidade local da iconografia, sobretudo nos séculos II e III d.C. e mais
esporadicamente no séc. IV, não constituem reproduções com valor documental destas
actividades que tanto prosperaram no território durante a ocupação romana – tendo
inclusivamente merecido literatura autóctone especializada396
–, mas funcionam,
outrossim, como provas de uma eficaz aculturação da mitologia dionisíaca, quer no que
respeita à hagiografia da divindade, quer no que toca à função desta como protectora da
vitivinicultura.
No corpus encontrado, as cenas da vindima podem assumir posições axiais ou
marginais. No primeiro caso, podem afirmar-se no painel central como tema principal
(Baños de la Reina de Calpe, em Alicante, e talvez no desaparecido mosaico de
Duratón, em Segóvia, ambos possivelmente dos sécs. II-III) ou secundário (Écija, sécs.
II-III). Já no segundo caso, podem ocupar os cantos (Mérida, séc. III, e Córdoba, séc.
IV), ou as molduras de conjuntos dominados pelo ciclo báquico (Murviedro, em
Sagunto, sécs. II-III), ou confinar-se a um painel lateral justaposto a composições
afectas aos cultos venusiano (Domus do Anfiteatro, em Mérida, séc. III) e órfico
(Travesía de Pedro María Plano, em Mérida, séc. III), ou ainda combinados, de modo
ora periférico ora acantonado, com evocações ao culto eleusino (no anterior e em
Complutum, sécs. IV-V).
395
CABRERO PIQUERO, 2008. 396
COLUMELA, Os Trabalhos do Campo, XI, 2.67 e XII, 18-27. A este autor nascido na província
hispânica da Bética juntamos outros não hispânicos mas certamente conhecidos a nível local, como
Plínio-o-Velho (História Natural, XVII, 74), Varrão (Os Assuntos do Campo, I, 54), Catão (Sobre a
Agricultura, XXXVI) e Vergílio (Geórgicas, III, 89-108).
205
Salvo raras excepções, estas cenas são caracterizadas por uma vegetação luxuriante e
frutuosa, que pode brotar da ampla terra ou de exíguos vasos (numa alusão directa à
produção vinícola e ao dionisismo ritual397
), e que cresce conformada com a disposição
compositiva, ora desenvolvendo-se em altura, como se chegasse ao firmamento
(fazendo da parreira e do vinho elementos facilitadores do contacto directo, físico e
psíquico, entre os homens e os deuses, numa imagem simbólica da graça eterna), ora
estendendo-se pelos lados e tomando o fundo, qual manifestação panteísta e paradisíaca
da generosidade dos deuses, responsáveis máximos pela abundância. Nesta profusão do
elemento vegetal deificado – onde a videira se afigura como o Arbusto Vital398
por
excelência, sempre jovem e fecundo399
, e as uvas como uma encarnação do próprio deus
Baco (sendo disso exemplo a representação da divindade com o corpo em forma de
cacho num fresco de Pompeia400
) –, os elementos animais apequenam-se em escala e em
importância, ficando envoltos e submersos na prodigalidade transcendente da Natureza.
Assim, tanto as aves que debicam os frutos, quanto os humanos que os colhem têm uma
presença miniatural nos conjuntos, tornando evidente a sua dependência vivencial em
relação à fertilidade dos solos e à benevolência dos deuses. Esta simbólica redução das
proporções e das relevâncias dos figurantes torna-se particularmente notória nos casos
dos vindimadores, porquanto os seus corpos são tão diminutos e as suas idades tão
tenras que dificilmente conseguem alcançar os cachos, necessitando de trepar os
altíssimos pés e percorrer as longas ramificações, ou de subir escadotes para os
colherem.
Na origem arcaica destas representações, já a vinha proliferava e recobria os fundos das
obras de arte, numa estética marcada pelo horror uacui, e logo os vindimadores – então
mormente Sátiros – ostentavam um ínfimo tamanho, sendo pouco maiores do que os
cachos e muito menores do que Dioniso, como se constata em numerosas cerâmicas
áticas, onde o deus é colossal e preside aos trabalhos dos pequenos súbditos enquanto
degusta o vinho (Fig. 1). Não obstante a intencional e sintomática desproporção entre
soberanos e subalternos, os recolectores apresentavam-se então barbados, com
397
Sobre a simbologia do krater como elemento litúrgico não confinado ao dionisismo e alargado a
outros cultos afectos a diferentes religiões iniciáticas orientais, uide o aturado estudo de Justino Maciel, in
MACIEL, 1988, pp. 11 e 107-114. 398
Cfr. com o conceito cristão de Árvore da Vida in Génesis 2: 8-17. 399
CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 693-694; BELFIORE, 2010, p. 624-629. 400
Este motivo conserva-se num fragmento datável do Séc. I d.C. que integra as colecções do Museo
Archeologico Nazionale, em Nápoles (Itália).
206
compleições vigorosas e em idades inequivocamente adultas, evidenciando o carácter
simbólico das suas mínimas dimensões em relação à extensa e farta videira divinizada.
Fig. 1 – Dionísio com Sátiros vindimadores, adultos e barbados. Pormenor de vaso de figuras negras. c.
500 a.C. Museo Nazionale Etrusco di Villa Giulia. Roma. Itália. Fotografia do Museu.
Mesmo considerando os casos verídicos em que as castas produzem cachos mais
volumosos, como o Bumasto, ou “úbere de vaca”, e o Moscato Branco (originários da
Magna Grécia e muito comum em toda a Bacia do Mediterrâneo), e em que as parreiras
crescem sob sistemas de condução em altura, como o enforcado ou a latada, a escala
humana nunca é tão reduzida como nestas representações.401
No período helenístico e, sobretudo, na época romana imperial, esta tendência
enfatizou-se e os vindimadores adultos foram paulatinamente substituídos por jovens e
crianças (putti), ou ainda por erotes juvenis e infantis, como se vê na esmagadora
maioria dos mosaicos em análise, para os quais se encontram paralelos norte-africanos
em Sousse, El Djem, Dougga, Djemila402
, Hadrumetum e Thysdrus403
e italianos na
Piazza Armerina404
e no Mausoléu de Santa Constança405
. É provável que esta regressão
etária não tenha sido motivada por uma sugestão de tamanhos, mas sim por uma
401
Sobre as diferentes castas e o sistema de condução em altura, uide VERGÍLIO, Geórgicas, III, 89-108. 402
LÓPEZ MONTEAGUDO, 2002, p. 160. 403
BLÁZQUEZ MARTÍNEZ, 1984, p. 70. 404
LÓPEZ MONTEAGUDO, 2002, p. 160. 405
MERRONY, 1998, p. 449.
207
analogia com o simbolismo rejuvenescente e eterno da parra (e de toda a videira) – aliás
partilhado com a hera406
, planta trepadeira que amiúde cresce nas vinhas em regiões
nortenhas, entrelaçando-se nas videiras (Fig. 2), sendo muitas vezes representada nos
mosaicos ao lado daquela (como no exemplar da Domus do Anfiteatro, em Mérida) ou
com soluções gráficas, compositivas e utilitárias semelhantes, também nascendo em
vasos, percorrendo molduras, ornando o tirso báquico e servindo de atributo às figuras
das Estações e dos Ventos, ambos alegorias do tempo cíclico407
.
Fig. 2 – Associação espontânea entre a videira e a hera no Parque Nacional da Peneda Gerês (Norte de
Portugal). Fotografia de Cátia Mourão.
Apesar de igualmente imberbes e identicamente alusivos não apenas à primeira etapa da
produção do vinho mas também à primeira idade do Homem – que equivale à Idade de
Ouro, despreocupada, ociosa e abundante, durante a qual os homens eram como filhos
para os deuses e recebiam destes o afecto e a indulgência com que se tratam as crianças
–, os putti (crianças ápteras) e os erotes (crianças aladas) marcam de modos diversos as
cenas de vindimas. Com efeito, se os primeiros lhes conferem um sentido literalmente
vivificante, podendo ainda acrescê-las de um valor cómico pela diminuta escala das
figuras, os segundos transformam-nas em imagens de eternidade, eminentemente
míticas e alegóricas, na medida em que estes protagonistas não são humanos nem reais,
mas sim mitológicos, divinos e imortais, claramente resultantes de um desdobramento
helenístico de Eros408
, filho de Afrodite – frequentemente representado nos cortejos
406
CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 363 e 364; PEREIRA, in Introdução a EURÍPIDES, 1998,
p. 12; BELFIORE, 2010, p. 624-629. 407
A título de exemplo, veja-se o mosaico cordobês com cortejo de Baco (séc. II d.C.), proveniente de
Alcolea e hoje no Museo Arqueológico de Córdoba, onde o Vento associado ao Outono é sobrepujado por
uma folha de parreira, diferenciando-se dos demais que são encimados por folhas cordiformes de hera.
Sobre este pormenor, uide MOURÃO, 2010, Vol. I, p. 286. 408
MOURÃO, 2010, Vol. I, p. 84 e 257.
208
indianos de Baco e entendido como agente inebriante dos sentidos através da paixão, à
semelhança da sua mãe –, e aludem ao comportamento imaturo e às acções
inconsequentes dos adultos embriagados, fazendo uma associação directa entre os
efeitos do amor e do vinho409
tão cara aos poetas e artistas coevos (Fig. 3):
Muitas vezes, braços delicados, os lançou o Amor, de rosto afogueado,
sobre os chifres apertados de Baco, bem bebido;
e quando o vinho se espalhou sobre as asas de Cupido,
[…] logo sacode, à pressa, as penas encharcadas
[…] O vinho põe a jeito o coração e torna-o pronto para a fogueira;
[…] e Vénus, no vinho, tornou-se fogo no fogo.
OVÍDIO, Arte de Amar, I, 229-244.
Fig. 3 – Dois casais amando-se sob uma videira. Pormenor de kylix de figuras negras. c. 500 a.C.
Staatliche Museen Preussischer Kulturbesitz. Berlim. Fotografia do Museu.
A integração dos erotes nas vindimas – assim como noutras cenas de contexto báquico,
onde assumem diversas funções identicamente ligadas ao ciclo do vinho (guardiães de
recipientes vínicos no mosaico navarro da Villa de El Ramalete; enólogos no pavimento
malacitano de Antequera; carregadores de cestos no tesselado badajocense da Villa de
Solana de los Barros) – denuncia a concomitância dos deuses Baco, Cupido e Vénus410
,
bem patente, aliás, nas celebrações das Vinalia e das Veneralia411
. Com efeito, a alusão
à tríade mistérica pode ser aferida no pavimento musivo emeritense da Domus do
Anfiteatro (Figs. 4 a 6), que apresenta um painel com Vénus – aqui figurada não apenas
como deusa do Amor, mas também como «deusa dos jardins»412
–, acompanhada do seu
409
Cfr. FERNÁNDEZ GALIANO, 1984, p. 120-127 e KUZNETSOVA-RESENDE, 2006, p. 280. 410
MOURÃO, 2010, Vol. I, pp. 77, 83-85, 258 e 259. 411
BELFIORE, 2010, p. 1020 e 1021. 412
VARRÃO, Língua Latina, VI, 16-20.
209
filho, ambos envoltos num fundo dominado por rica vegetação de acantos, heras e
parras (três plantas de simbologia eterna), e animado por diversas aves canoras,
justaposto a outro painel com vindima efectuada por vários putti em torno de um lagar,
onde três homens adultos, de mãos dadas, pisam as uvas como se dançassem ao som do
canto das aves. Esta conjugação entre deuses e homens, entre feminino e masculino,
entre singular e plural, entre juventude e infância, entre música, dança e trabalho,
transmite uma ideia de fertilidade inesgotável (não confinada à terra, mas alargada à
humanidade), claramente indissociável das noções de intercessão divina e de esforço
humano.
210
Figs. 4 a 6 – Da esquerda para a direita: panorâmica do mosaico da Domus do Anfiteatro (Mérida), com
dois paineis figurados justapostos na vertical; pormenores com putti vindimadores numa vinha que
conjuga folhas de videira e de hera. Fotografias de Guadalupe López Monteagudo.
A ligação entre o culto báquico e o Amor pode ter estado também subjacente, ainda que
de modo mais velado, nos mosaicos de Murviedro (Sagunto) e dos Baños de la Reina de
Calpe (Alicante). No primeiro (Fig. 7), hoje completamente perdido e do qual apenas
nos chegam desenhos que permitem presumir uma iconografia próxima do exemplar
norte-africano de Hadrumetum, a vindima seria feita por erotes infantis, a avaliar pelas
proporções diminutas e pelas anatomias roliças. A cena desenvolvia-se em torno de um
emblema com Baco-menino montado num tigre, motivo que confirma a importância da
vertente enológica do dionisismo para esta região eminentemente vinícola, onde se
erguia «o principal santuário de Dionísio» na Península Ibérica413
.
Os três registos desenhados que se conhecem do conjunto mostram sensíveis diferenças
sobretudo ao nível da forma dos quatro kantharoi posicionados nos cantos, das
características dos enrolamentos das videiras, do número, da disposição e da acção dos
pequenos vindimadores. Relativamente ao primeiro pormenor, os desenhos de Muñoz414
e de Martel415
mostram os vasos em forma de krater decorado com gomos, de boca
larga, estreitando no fuste, de onde se desenvolvem asas laterais em “S” mais largo em
cima e mais estreito em baixo, alargando no bojo, e assentando numa pequena base
413
KUZNETSOVA-RESENDE, 2006, p. 278. 414
In LÓPEZ MONTEAGUDO, 2004, p. 196. 415
In ROJO MEDINA, s.d.
211
cónica; já na litografia concebida por la Torre416
os receptáculos têm forma de kylix,
decorados com estrias até ao bojo, sendo este liso, com asas laterais em “S” mais
estreito em cima e largo em baixo. Embora os movimentos dos enrolamentos sejam
dissemelhantes nos três registos, as vides crescem todas para o centro, na direcção dos
cantos do emblema, onde se bifurcam e desenvolvem para os lados, encontrando-se e
confundindo-se com as suas correspondentes laterais, de modo a criar um efeito visual
unificado, de referência estromatúrgica, pleno de movimento e com um ritmo quase
musical que pode evocar os alegres cantares das vindimas. Ainda que também
diferentes em todos os documentos, em todos eles os erotes parecem encarar as suas
tarefas com um enthousiasmós que permite fazer a comparação entre a felicidade
infantil sentida durante as brincadeiras e a euforia ébria induzida nos rituais iniciáticos e
nas festividades orgiásticas.
Fig. 7 – Aspecto do desaparecido mosaico de Baco-menino com vindima, segundo desenho de Muñoz, na
Real Academia de la Historia. In LÓPEZ MONTEAGUDO, 2004, p. 196.
No mosaico dos Baños de la Reina de Calpe (Figs. 8 e 9), hoje reduzido a metade da sua
dimensão original, a vindima é novamente levada a cabo por erotes, desta feita
aparentando idades menos tenras mas ainda jovens, a avaliar não só pelas atitudes (que
parecem menos pueris e mais compenetradas), mas também pelas compleições
morfológicas e pelas proporções anatómicas (ainda que concebidas de forma muito
insipiente, frustre e esquemática). Embora actualmente restem apenas dois dos erotes
416
In TORRE, 1835.
212
originais, é interessante notar que os seus corpos são integralmente preenchidos por
tesselas pretas, não apresentando qualquer registo volumétrico e contando apenas com
uma anotação cromática nos olhos, de íris esverdeada. Já a única ave conservada goza
de uma coloração mais variada e ampla, com penas amarelas e vermelhas. Estas cores
alegres e vibrantes como o canto das canoras seriam talvez partilhadas por outras aves
entretanto perdidas, que outrora davam à vindima um ambiente paradisíaco,
imediatamente agradável à visão, presumivelmente deleitoso para a audição e,
eventualmente, prazenteiro para os demais sentidos.
Figs. 8 e 9 – À esquerda: Aspecto do mosaico com vindima, segundo desenho de Cavanilles. À direita:
Fragmento conservado do mesmo mosaico. In PASÍES OVIEDO, 2007, p. 23.
É possível que o mosaico segoviano de Duratón tivesse apresentado características
compositivas e cromáticas próximas do exemplar anteriormente referido, mas o seu
desaparecimento, a ausência de documentos desenhados e o carácter lacónico das
descrições feitas na altura do seu achado impossibilitam quaisquer certezas nestas
matérias.417
No conjunto de mosaicos da Domus de Baco (sécs. IV-V), encontrado em Complutum
(Madrid), é possível inferir um entrosamento do dionisismo e do venusianismo com o
eleusismo. Embora a composição principal evidencie o ambiente de excessos e
desordem e a gramática decorativa objectivamente afecta ao deus que dá nome à
habitação, apresentando-o em estado etílico no painel central entre uma Ménade, um
Sátiro e Sileno, justapondo-lhe outros dois painéis com panteras afrontadas bebendo de
kraters e ainda mais um com dois Sátiros transportando cestos para o lagar, onde três
417
Vide MOURÃO, 2010, Vol. II, p. 198.
213
congéneres pisam as uvas418
(ficando, porém, excluídos da cena os trabalhos de apanha
da uva), a relação temática e simbólica com outros tapetes da mesma casa419
que
integram figuras de erotes (que poderão ter carregado um krater entretanto
desaparecido) e das quatro Estações do Ano parece substanciar uma leitura sincrética
dos três cultos. De facto, a presença alegórica das Tempora Anni nesta domus evoca a
noção de tempo cíclico e representa as actividades agrícolas sazonais, entre as quais se
insere a vindima, todas elas originariamente tuteladas por Deméter/Ceres e relacionadas
com os Mistérios de Elêusis, mas rapidamente associadas a Dionísio/Baco420
.
É também com este sentido de renovação e prosperidade anual dos solos que a Estação
do Outono toma a forma de um vindimador quase real – não fora o seu claro valor
alegórico – no mosaico de Seleucus et Anthus (séc. III), em Mérida (Fig. 10), e no
mosaico das Estações (séc. IV), em Córdoba (Fig. 11). Em ambos os casos, as
personificações sazonais colhem os grandes cachos das videiras que crescem da própria
terra, sendo que no primeiro mosaico o corte é feito com as mãos e no segundo com
uma foice (aqui lembrando a figura homóloga do tesselado italiano tardio da Catedral de
Otranto, subordinado ao tema do Zodíaco).
Figs. 10 e 11 – Vindimadores do Outono nos mosaicos de Seleucus et Anthus (séc. III, Museu Nacional
de Merida, fotografia de Guadalupe López Monteagudo) e das Estações (finais do séc. IV d.C., Museo
Arqueológico de Cordoba, in AA.VV., 2010, p. 173).
418
Cfr. KUZNETSOVA-RESENDE, 2006, pp. 275-277. A autora identifica os carregadores e os
pisadores como camponeses humanos. Todavia, como envergam peles de felino (pardalides) e
transportam cajados (peda), identificamo-los como Sátiros. 419
Um outro mosaico desta habitação apresenta seis copeiros, em alusão directa à degustação do vinho. 420
MOURÃO, 2010, Vol. I, pp. 77 e 83-85. Cfr. KUZNETSOVA-RESENDE, 2006, p. 279. A autora não
desenvolve neste texto quaisquer considerações sobre esta evolução.
214
Bem arreigada no sincretismo religioso dos romanos, a confluência do dionisismo e do
eleusismo não se confinou à arte musiva e estendeu-se também à escultura, como se
prova no Sarcófago das Quatro Estações (séc. III) encontrado em Reguengos de
Monsaraz (hoje no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto), onde uma cena de
pisa de uva em lagar se associa às figuras das Tempora Anni, à deusa Ceres (e também
ao deus Oceano, seu contraponto masculino alusivo à abundância das águas) e ainda à
junta de bois que lavra o campo421
. Sendo que «a terra é, simultaneamente,
conservadora de riquezas, fonte de sobrevivência e fonte de trocas»422
e que o homem
romano dependia superlativamente de todo o manancial oferecido por este elemento,
não será, pois, de estranhar a simbiose dos vários cultos e a múltipla invocação de
intercessões divinas que se revelavam, de facto, complementares. Essa
complementaridade é, aliás, atestada por diversos autores antigos, como Vergílio (70
a.C.-19 a.C.), Pausânias (c. 115 – 180 d.C.), Claudiano (370 – 410 d.C.) e Nono de
Panópolis (final do séc. IV – início do séc V d.C.), sendo que o primeiro contempla a
partilha de funções entre Baco e Ceres423
, o segundo relaciona directamente os dois424
, o
terceiro integra Baco no ciclo mistérico de Elêusis425
e o quarto confirma o templo de
Ceres como palco das celebrações báquicas e a própria deusa como participante activa
dos thiasoi426
:
Para saberes se a terra é mais densa ou mais leve e, por conseguinte, mais favorável à
plantação da vinha ou dos cereais – sendo a mais densa afecta a Ceres e mais leve a
Lieu [isto é, Baco] – deverás escolher primeiro um lugar a olho e depois darás ordem
para que se abra um poço profundo […]
VERGÍLIO, Geórgicas, II, 227-231.
Aqui [no Ida] se encontra a augusta morada da deusa [Ceres] e, no seu venerando
templo, a pedra sagrada […]. Dentro gemem os terríveis cortejos báquicos, os
delirantes santuários, em confusa sinfonia. O Ida festeja Baco com gritos ululantes.
[…]
421
MACIEL, 1995, p. 110. 422
VEYNE, 1990, p. 154. 423
VERGÍLIO, Geórgicas, II, 226-237. 424
PAUSANIAS, Descrição da Grécia, VII, 20.1. 425
NONO DE PANÓPOLIS, Dionisíacas, VI. 426
CLAUDIANO, O Rapto de Proserpina, I, 201-213.
215
[Ceres] fruía demasiado tranquila dos roucos tiasos e, jubilosa com o tinir das armas,
atrelava os frígios leões […]
CLAUDIANO, O Rapto de Proserpina, I, 201-213 e III, 423-424.
Não se limitando aos anteriores três cultos relacionados com a fertilidade, o conjunto
musivo da Travesía de Pedro María Plano (Mérida) associa também o orfismo à
vindima. Com efeito, o conjunto centraliza a imagem de Orfeu e justapõe-lhe uma cena
de apanha da uva protagonizada por erotes infantis (Fig. 12), uma outra com trecho de
cortejo báquico formado por Pã e Sileno montado num asno, outra com caçadas, outra
ainda com geranomaquias e ainda as imagens das Quatro Estações. A presença axial do
príncipe trácio, conhecido pelos dotes musicais capazes de pacificar as forças hostis da
Natureza e de amansar a agressividade dos animais427
(algo que Baco428
e Ceres429
conseguiam com o exercício da autoridade, mas não com desempenho artístico), revela-
se como condição de possibilidade da paz, da concórdia e da harmonia, tão necessárias à
estabilidade dos movimentos cíclicos que garantem a prosperidade. De acordo com a
nossa leitura, a relação mutualista e verdadeiramente ecuménica que este mosaico
parece fazer430
, associando o dionisismo, o venusianismo, o eleusismo e o orfismo,
revela-se propiciadora, por excelência, de um conceito de Paradeisos ideal, onde Orfeu
sobressai como agente ordenador do caos dionisíaco, moderador da paixão venusiana e
calibrador da dinâmica eleusina, em suma, como moderador dos excessos e zelador da
tranquilitas e da stabilitas.
Fig. 12 – Pormenor de erote vindimador no mosaico Travesía de Pedro María Plano, em Mérida (Museo
Arqueológico). Séc. III d.C. In ALVAREZ MARTÍNEZ, 1990.
427
MOURÃO, 2010, Vol. I, pp. 107-113. 428
KUZNETSOVA-RESENDE, 2007, p. 85 Num mosaico tunisino oriundo de El Djem (séc. IV), hoje no
Museu do Bardo, Baco apresenta-se de cabeça envolta por um halo e surge como senhor das bestas. 429
CLAUDIANO, O Rapto de Proserpina, I, 211-212 e III, 423-424. 430
MOURÃO, 2010, Vol. I, pp. 84, 178 e 179.
216
Embora a maioria dos mosaicos hispânicos apresente as vindimas como trabalhos
infantis, ou quando muito jovens, e a vinha como lugar de encontro ecuménico, que
confirma a natureza eclética do dionisismo tardio431
, existem casos que integram
vindimadores de idade bastante avançada e que são exclusivamente afectos ao ciclo
báquico. Com efeito, o painel astigitano da Calle Espíritu Santo (Fig. 13) exibe um
vindimeiro de idade madura – o único que conhecemos em território peninsular –, conta
apenas com personagens ligadas a Baco e está inteiramente dedicado ao tema da
vitivinicultura, constituindo o exemplar ibérico mais expressivo sobre a ligação
indissociável entre a vindima, a produção do vinho e o seu consumo. As várias etapas
do processo são representadas num espaço único e num tempo simultâneo, sendo que o
primeiro momento corresponde à apanha da uva, cuja cepa cresce directamente do solo,
por um ancião, que poderá ser Sileno ou Ikario432
, o segundo ao transporte dos cachos,
efectuado por uma jovem Ménade (que constitui o único elemento feminino desta obra)
e por Pã, o terceiro à pisa em lagar, realizada por três Sátiros – tal como no mosaico de
Complutum e no octógono do conjunto báquico oriundo de Itálica, integrado na
colecção Salinas, por oposição ao exemplar emeritense da Domus do Anfiteatro, onde
os protagonistas são humanos e não Sátiros, mantendo-se, porém, o número de
pisadores (que funcionam, a nosso ver, como uma versão masculina e totalmente frontal
das Três Graças) –, e o quarto momento corresponde à degustação do mosto (ou já do
vinho) por dois homens, um adulto e um ancião. A supervisão de todo o processo está a
cargo do próprio deus Baco, ainda menino (Dionysos Païs), montado numa pantera, de
acordo com o modelo geralmente designado por Tigerreiter, para o qual se encontram
numerosos paralelos em todo o Império. Este animal, que caminha entre um ritão (à sua
esquerda) e um krater (à sua frente), ambos derrubados, parece virar costas ao primeiro
e inclina a cabeça na direcção do segundo, como se tivesse acabado de beber dele e
aludisse à metamorfose das Ménades em panteras433
, na sequência do consumo
431
MOURÃO, 2010, Vol. I, pp. 77 e 83-85. 432
Guadalupe López Monteagudo identifica o ancião como Icarios (LÓPEZ MONTEAGUDO, 2001, p.
137 e LÓPEZ MONTEAGUDO, 2006, p. 284), que foi «el primer mortal al que Dionisos enseña el
cultivo de la vid, representado como pastor sentado en una roca» (LÓPEZ MONTEAGUDO, 2006, p.
284). 433
Outra metamorfose ligada ao ciclo báquico é a dos piratas do Tirreno em golfinhos (HIGINO,
Fábulas, 134; PSEUDO-HIGINO, Astronónica, XII, 17; OVÍDIO, Metamorfoses, III, 572). Estando
Dionísio a fazer a travessia deste Mar a caminho da ilha de Naxos, transformou aqueles traidores em
delfins para se libertar deles, como se ilustra no mosaico norte africano de Utica, no Museu do Bardo. Na
antiga Hispânia podem ser encontradas algumas representações que aludem de forma velada a este
episódio, sendo disso exemplo o painel emeritense dito do Baritto, o mosaico cordobense da Villa de
217
excessivo de vinho – analogia que se depreende noutros mosaicos hispânicos onde
felídeos bebem de kraters, como no desaparecido pavimento de Santa Vitória do
Ameixial e nos conjuntos de Alcalá de Henares, Puente de la Olmilla, Calle Masona e
Complutum.
Fig. 13 – Mosaico com o ciclo do vinho. Écija. Fotografia de Guadalupe López Monteagudo.
Não obstante o formato rectangular do painel, a composição é marcada por um discurso
tendencialmente circular – ou mais exactamente formando um 8 na horizontal434
–,
desenvolvendo-se da esquerda para a direita e regressando ao ponto de partida, como se
as quatro etapas do ciclo do vinho evocassem, grosso modo, as Quatro Estações e a sua
disposição aludisse ao conceito de tempo cíclico que estas representam. As idades das
personagens (infantil, jovem, adulta e sénior) parecem reforçar o sentido progressivo
das actividades, que são encetadas pela mais velha e vistoriadas pela mais nova, num
simbólico paradoxo de funções, competências e maturidades. O vindimador encontra-se
sentado e, presumivelmente, já no final desta primeira fase dos trabalhos, dando o
último cacho a comer a um bode, acto que expressa a dupla valência do fruto para matar
a sede e a fome, alimentando assim os homens e os animais – que aliás não se
circunscrevem ao gado e que se alargam às aves, como as pombas que amiúde surgem a
debicar uvas noutros mosaicos como o de Astorga. Tal pormenor funciona também
como prova da abrangência do culto báquico não apenas à agricultura, mas também à
pecuária.
Santa Rosa, os cantos do tesselado da Villa do Rabaçal e o supra citado mosaico de Santa Vitória do
Ameixial. 434
O algarismo 8 «exprime os sentidos de regeneração e eternidade (além de que quando desenhado no
sentido horizontal, corresponde ao sinal matemático do infinito)» (MOURÃO, 2008, p. 127), sentidos que
se correspondem perfeitamente com a temática ilustrada neste mosaico.
218
Conclusão
A latitude simbólica da vindima e a sua relevância socioeconómica e cultural
propiciaram o desenvolvimento de um sincretismo religioso entre vários cultos
mistéricos ligados à fertilidade, como o dionisismo, o venusianismo e o eleusismo, e,
ocasionalmente, de um outro culto evocador da concórdia, da paz e da harmonia – o
orfismo, que apaziguava a carga mais efusiva dos anteriores. Esta poderosa confluência
de invocações e intercessões fazia da vinha uma espécie de Paradeisos ecuménico, onde
a videira se assumia como arborescência divina e vital (prenunciando a ideia cristã da
«Árvore da Vida»435
) e o vinho como bebida sagrada (mais tarde ligada ao Sangue de
Cristo), duplamente destinada aos deuses (sob a forma de libações, como a que se
ilustra no mosaico báquico da Coriscada, em Mêda) e aos homens (como potencial
libertador de tensões, como efectivo psicotrópico ritual, ou como simbólico elixir da
imortalidade).
De facto, as cenas de vindimas transmitem uma imagem panteísta da Natureza, onde
todos os seres vivem em tranquila união, desfrutando de uma flora pródiga que os
acolhe, alimenta e multiplica. Na dinâmica envolvência das videiras, que atingem uma
altura e uma extensão irreais mas sintomáticas sobre a grandeza divina, exprime-se o
paradigma de uma fecundidade do solo alusiva à mítica Idade de Ouro, define-se o
arquétipo da integração do Homem no meio ambiente natural vegetal e animal436
,
confirma-se o trabalho como actividade lúdica, desempenhada com vigor e alegria, num
ambiente de festa, e apela-se às memórias sensoriais de uma realidade mediterrânica e
ancestral que deleita a visão com as cores das aves e das uvas tingidas pelo sol, a
audição com os trinados dos pássaros e os cantares dos vindimadores, o olfacto e o
paladar com o aroma e o sabor da fruta madura, e ainda o tacto com as texturas rugosas
das folhas e lisas dos cachos, com o calor do fim do Verão e a frescura da brisa do
Outono.
Milagros Guardia Pons notou que «los temas de vendimia y pisa de uvas parecen tener
un mayor éxito en los ambientes ciudadanos que en el campo y lo mismo ocurre con las
asociaciones de temas dionisiacos con las cuatro estaciones. En cuanto a las
435
CHEVALIER E GHEERBRANT, 1994, p. 693. 436
A este propósito uide DELUMEAU, 1994, p. 12.
219
habitaciones que ocupan, y teniendo en cuenta las enormes lagunas que siempre se dan
en este aspecto, parecen ser habitualmente el triclinium o habitaciones nobles siempre
de incierta destinación»437
. Efectivamente documentadas em maior número no contexto
urbano do Alto-Império e parecendo mais escassas no meio rural do Baixo-Império, é
ainda possível que estas temáticas tenham sido igualmente bem acolhidas em
arquitecturas funerárias hispânicas entretanto arruinadas (à semelhança do que sucedeu
noutros territórios extra-hispânicos, sendo exemplo disso o Mausoléu de Santa
Constança, conservado em Roma). Esta hipótese parece ganhar consistência se tivermos
em conta o fragmento de mosaico com krater encontrado na ecclesia do Montinho das
Laranjeiras, precisamente na zona onde se fizeram enterramentos.438
A ligação entre o
dionisismo, o vinho e a morte – logo patente na própria hagiografia de Baco, o deus
renascido439
–, está, efectivamente, atestada na arte funerária, onde funcionava como
voto de perpetuação da alegria e da despreocupação do estado ébrio no mundo além-
túmulo, prefigurando uma alegoria à vitória da vida sobre a morte.440
Este sentido foi
conservado já em contexto cristão, não apenas em ambientes funerários mas também
litúrgicos e laicos, como mostra a lucerna de Tróia de Setúbal (Portugal), onde duas
figuras interpretadas como exploradores de Canaã441
carregam um pesado cacho de
uvas, provando que «el cristianismo asimiló la vid báquica al tema de la “viña del
Señor” y por ello el tema triunfa también en la iconografia cristiana y en los
monumentos tardorromanos»442
. Em cronologias já muito mais tardias, este luxuriante
imaginário vitivinícola proliferou nas igrejas católicas cristãs, com a videira prenhe de
uvas, debicadas por pombas e colhidas por crianças ou por anjinhos (que representam os
trabalhadores da Vinha do Senhor443
), a envolver colunas salomónicas em altares de
talha dourada barroca.
Agradecimentos
Prof. Doutor Justino Maciel (FCSH-UNL);
Prof. Doutora María Luz Neira Jiménez (Universidad Carlos III de Madrid);
437
GUARDIA PONS, 1989, p. 68. 438
MACIEL, 1996, pp. 96 e 97. 439
GRIMAL, 2004, pp. 121 e 122. 440
CHEVALIER E GHEERBRANT, 1994, p. 694; MACIEL, 1996, pp. 107-109 e MOURÃO, 2010,
Vol. I, p. 85. 441
MACIEL, 1996, p. 113. 442
BALIL ILLANA, 1978, p. 395. 443
Mateus 20: 1-16.
220
Doutora Guadalupe López Monteagudo (Consejo Superior de Investigaciones
Científicas);
Prof. Doutor Raul Miguel Rosado Fernandes (Professor Jubilado da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa);
Prof. Doutor Nuno Simões Rodrigues (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa);
Dr. Tiago Pinto (Centro de História da FL-UL).
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L'Empire romain à l'an mil»).
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La recreación imaginaria del Paraíso fue un tópico común en la
cultura romana. En forma de vergel, de jardín, de agua, de monte o de río,
reconstruir ese estado ideal del porvenir era para los romanos un asunto de
vital trascendencia. Así lo demuestran la calidad y cantidad de obras de arte
que nos han legado representaciones de lo más variadas y valiosas sobre
esta iconografía. La cultura visual que se puede reconstruir aldededor de
esta utopía cultural y artística enriquece nuestro conocimiento del universo
espiritual y material antiguo.
La presente obra es un excelente recopilatorio de algunas de las
mejores obras que han ayudado a difundir este tema y a situarlo en el
centro de la problemática científica especializada sobre mosaicos romanos
en Hispania. Firmados por algunos de los mejores especialistas sobre
musivaria romana a nivel internacional, estos trabajos conforman un único
discurso que – gracias a los distintos enfoques que cada uno de los autores
imprime en su texto – resultan ya una referencia ineludible para todo aquel
que pretenda un conocimiento exhaustivo y metódico de la representación
del Paraíso en los mosaicos de la Hispania romana.
Jorge Tomás García
(IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa)