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Clifford Geertz - Do Ponto de Vista Dos Nativos a Natureza Do Entendimento Antropológico

Date post: 08-Jul-2018
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12
/, ironias sobre a Prînleira Grande Guerra, ou ~ s p r o d u ~ o s ~ e culturas asiaticas mais rica s, como as da ChlOa e da .Indla, mas mesmo assim um papel real , que ainda flaO t : r m m ~ u e e foi e é à sua moda, bastante poderoso. E tambem mSlstlc qu , ' dl qu e , por isso, 0 etnografo de Bali , como 0 f l t l ~ e ~ n e Austen entre outras cois as, lem como objetîvo lflvesugar aquilo u e 0 professor Trilling , naquele seu ulti~o sinuoso e interrompido ensaio, charnou de um dos ffilstenüS l ~ p o r - tantes da vida cultural humana: como é que as criaçoes de outras povas padern sec tao proximas a seus criadores, c, ao mesmo tempo, e tao profundamente, U na parte de nos. 84 Capitulo3 Do . ponto d e vista dos nativos ; a natureza do entendimento antropol6gico a alguns anas, um pequeno escândalo iccompeu na antropologia: urna de Suas figuras ancestrai s falou a verdade em publico. Como cabe a Um ancestral, de 0 fez posruma mente , por decisao de sua viuva e nao dele proprio. Este deslize foi 0 bastante para que a lgun s conselVadores em no sso mcio elevassenl a voz c clamassem que a viuva , tam bém antropôloga , ha v ia traido 0 cla , divulgado seus segre do s , profanado Um idolo e decepcionado seus com panheiros. Um casa tipico de 0 que é que as crianças vao pensac?" e isto sem indagar-se a que os leigos irîam pensac .. o damoe nao diminuiu COrn todo este cerimonial de esfrega de lllaos pois, infeIizmente , 0 tex[o maldito ja tinha sido publicado. 0 que realmente aconteceu foi que, mais Ou menos coma James Watson, que, em The ouble Helix confessou coma a biofisica funcionava na pcâtic a;  Bronislaw Malinowski, cm A iary in the Strict Sense o he Term fez cort que os relatos oficiais sobre os métodos de trabalhc dos antropôlogos parecessem bastante inverossimeis. 0 mito do pesquisador de campo semicamaleiio, que se adapta perfei , tamente ao ambiente exotico que 0 rodeia, um milagre i ambulante em empatia , tato, paciência e cosmopolitismo, : foi, de um golpe , demolido por aquele que tinha sido, talvez, Um dos maiores responsâveis pela Sua cciaçâo. o debate que se originou com a p u l i c ~ ~ i i o do diirio conceotcou-se, naturalmente, nos detalhes nao essenciais, e, Como era de se esperar, ignorou a questao mais importan te que 0 livro co ntinha. ' Grande parte do choque parece ter 85 l
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8/19/2019 Clifford Geertz - Do Ponto de Vista Dos Nativos a Natureza Do Entendimento Antropológico

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/,

ironias sobre a

Prînleira

Grande Guerra,

ou p r o d u ~ o s

culturas

asiaticas mais ricas, como as

da

ChlOa e

da

.Indla,

mas

mesmo assim um papel real , que ainda f laO t : r m m ~ u e

e foi e

é

à sua

moda, bastante

poderoso. E tambem mSlstlc

qu ,

' d l

qu e

, por isso, 0

etnografo

de Bali, como 0

f l t l ~

e ~ n e

Austen entre outras coisas, lem como objetîvo lflvesugar

aquilo

0 professor Trilling, naquele

seu u l t i ~ o sinuoso

e

interrompido ensaio, charnou

de um

dos ffilstenüS

l ~ p o r -

tantes da

vida

cultural

humana:

como é que

as criaçoes

de

outras povas padern sec

tao proximas a

seus

criadores, c,

ao

mesmo tempo, e

tao

profundamente,

U na

parte de

nos.

84

Capitulo3

Do .ponto de

vista

dos nativos ; a

natureza do entendimento antropol6gico

a alguns

anas,

um pequeno

escândalo

iccompeu

na

antropologia: urna de Suas figuras ancestrai s falou a verdade

em publico. Como

cabe

a Um ancestral,

de

0 fez posruma

mente, por decisao de sua viuva e nao

dele

proprio. Este

deslize foi 0

bastante

para

que

a

lgun

s conselVadores

em

no sso

mcio

elevassenl a voz c clamassem que a viuva, tam

bém antropôloga

,

ha

via

traido

0 cla ,

divulgado seus

segre

do s

,

profanado

Um

idolo

e

decepcionado

seus

com

panheiros.

Um casa

tipico

de

0

que

é

que

as crianças vao

pensac?" e

isto sem

indagar-se a que

os

leigos irîam

pensac

..

o damoe nao

diminuiu

COrn todo

este

cerimonialde esfrega

de lllaos pois, infeIizmente, 0 tex[o maldito

ja

tinha sido

publicado. 0 que realmente

aconteceu

foi que, mais Ou

menos coma James

Watson,

que, em The ouble Helix

confessou

coma a biofisica funcionava

na

pcâtica; Bronislaw

Malinowski, cm A iary in the Strict Sense

o

he Term fez

cort

que

os

relatos

oficiais sobre

os

métodos de trabalhc

dos

antropôlogos parecessem bastante

inverossimeis. 0 mito do

pesquisador

de campo

semicamaleiio,

que

se

adapta

perfei

,

tamente ao ambiente exotico

que 0 rodeia, um milagre

i

ambulante

em

empatia

,

tato, paciência

e

cosmopolitismo,

:foi, de um

golpe

, demolido por

aquele que tinha

sido, talvez,

Um dos maiores responsâveis pela Sua cciaçâo.

o

debate

que se originou com

a

p u l i c ~ ~ i i o do diirio

conceotcou-se,

naturalmente,

nos detalhes nao essenciais,

e, Como

era de

se

esperar, ignorou

a

questao

mais importan

te que 0 livro continha.' Grande

parte

do choque parece ter

85

l

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1

.1

,

da

poesia e

da

fisica nao seria

0 mcsmo)

a diferença nâo é

normativa, ou seja,

um

dos conceitos naD

é

necessariamente

melhar

do que

0

outra

,

nem

se

trata de

preferir um e l vez

do outro. Limitar-se a conceitos de experiência-proxima

deixaria 0 etn6grafo afogado em miudezas

e

preso em um

emaranhado

vernacular. Linlitar-se aos

de

experiência-dis

tante, por outra lado, 0

deixaria

perdido

cm

abstraçôes e

sufocado

orn jarg6es . A

verdadeira questao

- a

que

Mali

nowski levantou

ao

demonstrar

que,

no casa de nativos ,

nao

é

necessario

sec

um

deles para

conhecer um

-

rdada

na-se corn

os papéis

que

os

dois

ripas de

concciras

desem

.penha lT na

analise

antropo16gica. Ou, mais exatamente,

como devem estes sec empregados,

cm

cada casa, para

produzir uma

interpretaçao

do mo us viven i de um povo

que nao fique limitada pelos horizontes

mentais

daquele

pava - urna etnografia

sobre

bruxaria escrîta por uma bruxa

-

nem

que fique sistematicamente surda às tonaHdades de

sua

existência

- uma

etnografia sobre

bruxaria escrita

por

um

geômetra.

Colocando

a questao

nestes

tecnlOS, ou seja,

indagando

se

quai a melhor

maneira de conduzir

urna anilîse antrop?

lôgica e de estruturar seus resultados, enl vez de inquirir que

tipo

de constituiçiio psiquica

é essencial

para

antrop610gos,

torna-se 0 significado de ver as coisas do ponto de vista dos

nativos

menos misterioso

. Isto nao significa

que

a questao

fique

mais

facil de responder, nem que a necessidade de

perspicacia

por

parte

do pesquisador

de campo diminua.

Para captar conceites

que, para outras pessoas,

sac

de expc

;

riência-pcôxima, e fazê-lo de urna forma tao eficaz que

nos

permita

cstabelcccr

uma

conexâo

esclarecedoca

corn os

conceitos

de

expeciência-distante

criados por

teoricos

para

captac os elementos

mais gerais

da vida

social, é, sem

duvida

l

urna

tarefa tao

delîcada,

embora um pouco

menos

misterio

sa, que colocar-se embaixo da pele do outro . 0

truque

é

nao

se

deixar envolver poc nenhum tipo de empatia

espiri-.

tual interna orn seus infÛrmantes. Como

qualquer

um de

n6s, eles

também

preferem considerar

suas almas

coma

88

suas, e,

de qu a

lquer

maneira,

naD vao

estar muito

interes

.sados neste

tipo de exerdcio.

0

que

é

importante

é

dcscobrir

que diabos des acham que

estiio fazendo.

Em

um

certo

sentido,

ninguénl

sabe isto tao

bem

quanto

eles

proprios;

daÎ

0

desejo

de nadar na coccente

de

suas

experiências,

e a ilusao

posterior de que, de

aIguma forma,

o ftzemos. Em

outro

senti

do, no entanto, este

truÎsmo

simples é simplesmente falso.

s

pessoas usam

conceitos

de

experiência

-

proxima

espontaneamente,

naturalmente

,

por

assim dizer, coloquiaImente; nao

reconhecem,

a

naD

ser de

forma

passageira e ocasional, que 0 que

disseram

envolve

' conceitos . Isto é

exatamente

a

que experiência-proxima

il

significa - as idéias e as realidades que elas

representam

i

estao natural

e

ind

i

ssoluvelmente

unidas.

Que outro

nome

.

poderiamos

dar a um h i p o p t ~ m o ? É

claro que

os

deuses

sao poderosos, se nao fossem,

porque

os temeriamos? Ameu

ver, 0

etn6grafo

nao

percebe

-

principalmente nao

é

capaz

de perceber- aquilo que seus informantes percebem. que

de

percebe,

e

mesmo

assim

corn bastante

insegurança,

é

0

corn

que ,

ou por meios de

que ,

ou através de

que

  (ou

seja la

quaI

for a

expressao) os outros percebem

. Em pais

de

cegos,

que,

por sinal, sao

mais

obselVadores que parecem,

quem

tem um ol

ho

nao é

rei, é

um espectador.

A seguir, para tornar

tudo

isto um pouco mais

concreta,

gostaria de referir-me por uns momentos a meu proprio

trabalho,

que, sejam quais forem seus

defeitos,

tem pelo

menos a virtude de

se

meu - 0 que, em

discussôes

deste

tipo, nao

deixa de se urna

nÎtida

vantagem

.

Em todas

as três

sociedades

que

estudei

intensivamente, a javanesa, a baline

sa

e a

rnarroquina,

tive

camo

um

dos meus

objetivos princi

pais tentar

identificar coma

as

pessoas que

vivem nessas

sociedades se definem coma pessoas, ou seja, de

que

se

compôe

a idéia

que

elas

têm

(mas, como disse acima,

que

naD

sabem totalmente

que têm) do

que

é um eu

no

estHo

javanês, balinês

ou

marroquino. E em cada

um

dos casos

tentei chegar

a esta

noçâo

tao profundamente

În t

i

ma

,

89

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imaginando

ser urna o

utra

pessoa - um camponês no arro

za l,

ou um

sheik tribal - para

depois

descobrir

0

que este

pensaria

, nlas sim pr oc

uranda

, e depois

analisando

, as for

mas simbOlicas - palavras, imagens, instituiçoes,

compona

roentos - em

cujas

termos as pessoas

realmente

se repre

sentam para si mesmas e para os

outras

, em cada um

desses

lug

ares.

o conceito _<le pess

oa

é, na

realidade,

um

veiculo

exce

lente

~ ë

aminar (oda esta

questao

relacionada corn a

anda

r poe ai, invesrigando 0 que

passa

pela mente alheia.

Enl prirnciro lugar, sentimo-nos

razoavelmente

seguros para

afirmar que algunl tipo

de

conceito desta categoria existe,

em forma reconhecivel, entre todos os grupos

soc

i. is. Algu

mas vezes, as

ooçoes

que as pessoas têm sobre 0 que é ser

uma pessoa padern

parecer,

do nosso po n to de

vista, bas

tante

estran

has. Uos acreditalTI que pessoas voaffi de um lado

para

outra, durante a

noite, na

forola de vaga-Iumes. O u

tras

ach

am

que

elenlentos

essenciais

de

sua ps

i

que,

tais

coma

0

6dio, estao localizados em

c6rpulos

negros e granu lares

dentro

de

seus

figadas, 56 descobertos através

de u t 6 p s i ~

Outros

crêem

compartilhar seu des tino com an imals doppel-

giinger  de Inodo

que,

quando

0 aninpl adoece

ou morre ,

des também adoecem ou morrem

No

entanto, é minha

expeciência, que a concepçao do

que

é

um

individuo hUlna

no, em contraste

corn

a que é

urna

pedra, um animal,

urna

floresta tropical,

ou

um deus, é um

fenômena

universal. Ao

mesmo

tempo,

coma estes exemplos selecionados aleatoria

mente

sugerem,

as concepçoes

em

questao variam de cm

grupo

para

0 outra,

e,

freqüentemente,

exist

em diferenças

profundas entre elas.

Por

mais que,

para nos ocidentais,

a

concepçao da pessoa

coma

um univ erso cognitivo e motiva

donal

delimitado, unico,

e

mais

ou

menos in tegrado, um

centra

dinâmico

de percepçao. emoçâo, jui2:os e açôes ,

organizado

em

uma

unidade

dis inta e localizado eOl

uma

situaçao de contraste corn relaçao a outras uJ1idades seme

lhantes, e corn seu ambiente social e natural especifico, nos

pareça

correta

, no

contexto

ge ral

das cu ltur

as do nlundo,

90

da é um a idéia

bastante pe c

uli ar. Em

vez

de

tentar encaixar

a experiência das outras cuIturas

den Co

da moldura desta

nossa co ncepçao ,

que

é

0 que

a tao elogiad a empatia acaba

faze nd o, para entender as concepçôes alheias é necessano

que deixemos de lado no ssa concepçao, e busquemos ver as

experiências

de ou

tros co

rn relaçao à

sua

propria concepçâo

do

eu

 . Pelo m

enos

no casa

de

Java, Bali e Marrocos,

esta

concepçao dife

re

significativamente nao s6 da nossa, como

também - de for ma

nao

menos dramâtica e O igual valor

didâtico - e n

tre

si.

Em

onde

traba lhei nos anos 50,

es

rudei uma ilha

pequena e po bre , que era uma espécie de sede

de

um

condado: du as ruas enso laradas, prédios de madeira ca iados

de

bran

co

, o

nd

e

funcianavam

lojas e

esc

ritorios e, atrâs

destes,

barracos

de

bambu ainda

nlais

pobres,

arno

n

toados

desordenadamente

. 0 co n

junta

era

rodeado

p

or

um grande

meio-drcu lo de aldeias densamente

povoadas,

onde planta

va-se acroz. A terra era pouca, os empregos raros, 0 si

sten

la

polftico instâvel, a

saûde

de rnâ qualidade, os

preços subiam,

c m su ma, a vid a de um modo geral nao

efa l i

muito

promissara.

Havia uma

espéde de es

tagnaçao agitada

na

quai, coma

observei certa

vez referindo-nle à curiosa mistura

de

fragmentas importados

de

modecnidade e reliquias

da

tradiçao

ultrapassada que

caracterizavam

0 hlgar, 0

fururo

parecia quase tao remoto camo 0 passado;;No meio deste

ceh:irio d

epri

me

nt

e ,

no

entanto,

havia

urna

vitalidade inte-

l lecrual absolutamente surpreendente, uma verdadeira pai-

l •

\

xao fùos6fica aixao que, além d.sso, era

popu

ar,

co n

-

  [ '

1'

centrada em .descobrir, a fundo, os enigmas existenclalS .

Carnponeses · mÎserâveis discutÎam questôes relacionadas

corn i livre-arbitrio , comerciantes

analfabetos

falavam sobre

as qualidades de Deus, lavradores comuns tinham ceorias

sobre a relaçao e

nt re

a raz ao e a paix3.o, a narureza

do

tempo

ou a confiabilidade dos

sentidos.

E, talvez ainda m ais impor-

91

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·

t

1

,

"

l

: 1

:

tante, buscavaln, avida.mcnte,

respostas para

0

problema

do

eu - sua natureza , sua funçâo e seu modus ojJerandi

-

corn

um tipo de

intensidade

rdlexiva qu e

,

entre nô

s, encontra

mos somente eln

ambientes altanlcnt

e sofisticados.

s

idéias centrais

cm

cujas tcernas estas rcfiexoes se

desenvolviam e

que,

portanto ,

definiam

seus limites e 0

significado

de

"pessoa" para os javaneses

,

eram

dispostas

cm

dois

conjuntos

contrastantes, que tinham eOOlO

ba

se a reli

giao:

um

, entre "dentro" e fora e 0 outro enrre refinado

e vulgar . Estas palavras sao, é clara, toscas e iInprecisas; a

determinaçao exata do

significado

dos

termas envolvidos,

selecionando suas vârias nuanças,

cra

0 te ma principal das

discussoes. No

enranto, conlO um conjunro, elas formavam

uma concepçao

espedf1ca

do

eu que,

longe

de ser simples

mente teorica,

era

a concepçao através da quai os javaneses

realnlente

se viam

uns

aos outras, e também a

si

proprios.

As palavras javanesas para

"dentra" 'fora",

batin

e

/air

(originalmente inlportadas

da

tradiçao

sufi

da

misticisma

muçulmano,

mas modificadas

localmente)

referem-se, por

um lado,

à

es fera das sentimentos na experiência humana,

e, par outra,

à esfera do

comportamento hunlano o b s e r v ~

do. Apresso-me a esclarecer que essas palavras nao têm

qualquer conexâa conl alma e "corpo" no sentido que

damas a estes termas; para tais conceitos, existem

outras

palavras em javanês, corn implicaçôes bastante diferentes.

Bg t   }   a palavra que significa

"dentro",

nao se

refere

a um

1

local separado de espiritualidade encapsulada, que se cies

taca,

ou pode

ser destacado

do

corpo,

nem mesmo

a qual

quer

unidade

corn

limites, mas sim à vida emocional dos

seres

humanos de um

modo

geral.

Consiste no

fluxo impre

ciso e mutante dos

sentimentos

subjetivos, percebido dire

lamente

em

toda

sua proximidade fenomenologica, mas,

pelo menos

em

suas raizes, considerado

idêntico

para

todos

;6s individuos, cuja individualidade ele faz desaparecer. Da

/  "esma forma, 1....l ..Î; , a palavra javanesa para fora

  ,

nao

tem

qualquer relaçâo corn 0 corpo camo um

abjeto,

mesmo uro

92

abjeto

d e

que eStat110S conscientes.

Refere-se mais a

partes

da vida humana que , cm nassa cuJtura, sac esrudadas par

comportanlentalistas radieais - as aç6es extemas, os movi

mentos,

a

postura,

a

linguagem

falada. Esta também,

em sua

essência, era considerada igual para todas

os

indivîduos. Os

dois grupos de

fenômenos

-

sentimentos

internas e aç6es

extc::rnas - sâo, portanto, cansiderados

nao camo

funçôes

um

do outro, mas coma esferas independentes do ser, que

devem

ser

postas na ordem

apropriada

também de forma

independente_

É

em

conexâo

corn esta

ordem

apropriada  que

0

contraste

entre a/us palavra que significa "puro", refina

do   , polido , belo  , "etéreo", suril , civilizado e suave

e

kasar que

significa

"indelicado",

grosseiro , nao-civiliza

do , âspero , insensivel , vulgar , tem sua importância. A

1

meta do ser humano é ser

a/us

nas duas esferas do eu . Na

esfer

a interior, chega-se

ao

a/us através da disciplina religio

sa, que é bastante, embora nâo totalmente, mfstica. Na esfera

exterior, c h e g a s e

ser

a/us por meio

da

etiqueta, cujas

regras, em Java,

sâo extraordinariamenre

complicadas e rem

quase

a

autoridade

de leis. Através da meditaçiio,

0 homem

civilizado dilui sua vida emocional até transforma-la em um

zumbido constantej através da etiqueta, ele nao

50

protege

esta

vida

emocional das

interrupçôes

externas,

mas

também

regulariza seu comportamento externo para que este passa

parecer

,

aos

01h05 alheios, previsîvel,

serena, elegante

, e um

conjunto

meio

frivolo de movimentos coreografados e ma

neiras de

falar estabelecidas.

Coma

estes conceitos sao

também parte de uma

ootolo-

gia e estética especificas incluem muitas outras sutilezas

secundirias. Com

respeito

a nossa

problematica

- a

concep-

çiio do eu - 0 que ternos aqui é uma

concepçao

bifurcada,

sendo uma

de

suas partes constitufda

por

sentimentos meio

sem gestos, e a outra por gestos meio sem sentimentas. Um

munda interior de emoçâo contida e um mundo exterior de

comportamento estruturado

se

confrontam

sob

a forma

de

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"

.

l

esferas

profundamente

distintas

entre si, e qualquer indivi

duo

nada maÎs

é, por

assim dizee,

qu

e um

locus

rempad.rio

para

este confronta,

urna expressao momentân

ea

da propria

existência destas duas partes, de sua separaçao permanente ,

e de sua llccessidade, também permanente, de serem man

tidas

cm

uma ordem apropriada. Somente quando se pre

sencia, como eu

presenciei

,

um jovem

cuja

esposa

tinha

tnorrido

subita e inexplicavelmente - e

esta

esposa tinha sida

criada por de e

fora

sem

pre

0 centro de sua vida - receber

convidados com um sorriso fixa e

desculpas

formais pela

ausência da esposa, tentando, corn técnicas misticas, aplaÎ

nac

_

como

ele

mesmo

se expressou - as colinas e vales

de

suas emoç6es para

transformâ-Ias

em

uma planicie Ué 0 que

temos

que fazer", disse

de,

"estar pIano, por dentro e por

fora")

pode-se,

frente a

nossas

prôprias

noçoes sobre

a

intrtnseca honestidade de um

sentinlento profundo,

e a

ilnportância

nloraI da

sinceridade pessoal, levar a sério esta

concepçâo do eu,

e

apreciar este tipo de poder,

por

mais

inacesslvel que

este

lhe pareça.

BaH onde trabalhei

a prindpio

em

urna

outra cidadezi

p ; c : - ~ i n c i a n a embora um pouco menos mutante e depri

mente,

e depois

em

uma aldeia

na

regiao mais alta da ilha,

cujos habitantes eram fabricantes altamente qualificados de

instrumentos musicais, é,

em

muitas cois as, semelhante

Java, cuja

cultura compartilhou

até 0

século

XV No entanto,

em um

nfve

mais

profundo,

é

também bastante diferente,

pois

permaneceu

hindu, enquanto que Java, pelo

menos em

nome , se tornou islâmica. A vida rituaI complexae obsessiva

_ hindu, budista e polinésia em

proporçôes

mais

ou

menos

iguais - cujo

progresso

foi

quase interrompido

em Java,

deixando que

seu

espirito fndico se tornasse reflexivo e

fenomenologico,

corn

tendência ao silêncio,

coma na

estoria

qu e acabo de descrever, floresceu em Bali atingindo niveis

de

grandeza e

extravagância

tais que

assolnbraram

0 mundo

9

l

e tornaram os balineses um povo muito mais tcarral. cOin

uma conccpçâo

do

eu também lcatral. 0

que é fi

l

osofia cm

Java é tcatro cm Bali.

A conseqüência disto é qu e, cm Bali,

existe

un1 esforço

persistente e sistematico

para

estilizar todas as formas de

e.xpressâo pessoal a um ponta tal , que qualquer coisa idios

sincratica e caracteristica

do individuo par

ser ele quem

é,

fisica, psicolôgica ou biograficamente, é emudecida , privile

giando-se 0 papeI que ele desempenha no cortejo perma

nente, e,

na

visao dos baHneses, imutavel, que é a vida

balinesa. Sao as

d l a m a ~ i s

personae  mio os atores , que

persistem;

na verdade , sao as dr m tis

personae

e nao

os

atores que

realmente

existem no

sentido

exato da palavra.

Fisicamente, os homens vao e vêm, meros incidentes na

historia

conjuntural, s

em nenhuma

importância real,

nem

para si nlcsmos.

As

~ ~ que usam, no

entanto,

0 lugar

que

ocupam

no palco, os papéis

que desempenhanl

, e, ainda

mais

importante,

0

espetaculo

que

montam juntos

penna

necem e compreendem nao a fachada,

mas

sim a substância

das

coisas, inclusive a

do

eu . A visao

de antigo membro

de

trupe que Shakespeare tinha sobre a futilidade da açao

di

ante da mortalidade - 0

nlundo é um

palco, e nôs

somente

pobres

atores, fclizes em pavonear-nos, e assim por di ante -

nao

faz sentido em Bali. Nao ex iste faz-de-conta; é

daro que

os atores

morrem, mas a

peça

continua, e é

0 que

foi atuado,

nao quem atuou,

que

realmente impacta .

Vma vez

mais,

rudo

isto se

manifesta

através

de unla série

de formas simbôlicas facilmente observaveis, um repertôrio

elaborado

de

designaç6es

e titulos, e

nao

através

de um

estado de espirito geral que 0 antrop610go,

em

sua

suposta

versatilidade espiritual,

consegue de alguma maneira captar.

Os balineses tém

pelo

menos mda duzia de tftulos princi

pais, atribuidos, fixas e absolu as que urna pessoa usaria

para designar uma

outra

ou , é clare, a si

mesma)

como parte

de seu grupo . Existem marcadores para a ordem do nasci

menta,

termos de parentesco,

titulos

que determinam a

95

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1

1

casta

, indicadores do sexü, e

tecnônimos,

e muitas outros

mais, e cada

um

deles

constitui, naD unl

mera conjunto de

etiquetas

uteis

e ocasionais, mas

sim

um

sistema

tenninoI6-

gico distinto, delimitado e internamente muita complexa.

Quando se usa uma

dessas designaçôes ou um desses titulos

(ou,

como é mais comum, varios

de/es)

referindo-se a al

guém,

define-se

este

alguém

como um ponto determinado

cm urna

estrutura fixa, 0

ocupante temporario

de

um locus

cultural, bastante permanente e especifico. Identificar al

guém

cm

Bali, seja

0

proprio sujeito ou urna

outra

pessoa,

é

determinac

seu

lugar cm

um

elenco conhecido de perso

nagens - cci ,

ava , 0

terceiro filho , brâmane -

que

inevitavelmente

compôem 0

drama

social, como se este

fosse nada mais

que

al

guma

peça - do

tipo

de Charley s

aunt

ou Springtime for enry - exibida pelas estradas por

um

grupo de

saltimbancos.

o drama na é, obviamente, urna farsa, e principalmente

nao

é

urna

farsa

de

travestis,

embora nele

existam

elementos

(.de am bas. É uma representaçâo da hierarquia, um teatro do

1 tatus. Infe

lizmente, neste

ensaîo, naD

nos é

passivel

descte

ver

as

caracterÎstîcas

desta representaçâo, embora entendê

la seja essencial para

compreender

os balineses. Aqui, nos

limitaremos a dizee

qu e

, tanto em

sua estrutura, como na

fonna em

que

operam, os sistemas tecmino16gicos condu

zem a uma visao

da pessoa

humana como um representante

adequado de um tipa

genérico,

e nao como uma criatura

unica, corn um destina espedfico. Acompanhar

este

proces

-

50, ou seja, como os sistemas tennino16gicos tendem

 

a

obscurecer

as

materialidades

- biol6gicas,

psicol6gicas

,e

h i ~ t r i c a s - da

existência

individual, privilegiando as

quali

j

dades padronizadas do status, exigiria uma aniilise extensa,

Talvez um

unico

exemplo, simplificando ainda

mais

a

parte

mais simples

do

processo, passa se suficiente para

dar

uma

idéia de

seu

funcionam

 ento.

Todos os

balineses

recebem

aquilo

que poderiamos chà

mac

de

nomes relativos

à

ordem do nascimento. Estes sâo

1

quarra: 0 primeiro,

0

segundo,

0

terceiro e

0 quarto natas.

Depois

dissa, inicia-se

outra

vez a série, e os filhos que

nascerem enl quinto e sexto fugar, serao,

outra

vez, chama

dos,

respectivamentc,

de primeiro c segundo natos. Além

disso, os nomes sao dadas irrespectivamente

aa

destina que

tenham as crianças. Assirn , crianças que morrem, mesmo as

que

morrem ao

nascer,

entram

na

nomencIatura,

e,

portan

to, em um pais

onde

existem ainda altos indices de natalida

de e de mortalidade infantil, os

nomes,

par si sôs, nao dao

urna

idéia

muito

confiavel da ordem de nascimento

verda

deira

de

individuos concretos. Em um grupo

de

irnlaos,

alguém

que é

chamado

de

primeiro-nato, pode,

na realida

de,

ter

nascido em primeiro,

quinto,

ou nono lugar, ou , se

morreu

alguma

cciança, em

qualquer

lugae

intermediacio

entre

estes

três; ou alguém conl

0

naIne de segundo-nato

pade ser,

na

verdade,

0

mais velho. A nomencIatura

da

\

ordem

de nascimento nao identifica

individuos

camo indi

(

viduos

,

nem

é

esta sua

intençao;

a

que

é

sugerir que em

todos

os casais que

procriam

os

nascimentos

forrnam

urna

sucessao circular de primeiros , segundos , terceiros  e

quartos ,

umaréplica continua

e em quatro

estagios

de urna

. forma imperecivel. Fisicamente, os homens aparecem e

de

I aPa:ecem coma coisas efêmeras que sao, mas, socialmente,

1 os ounleros que os representam

permanecem

etemamente

os

mesmos,

à medida que

novas

primeiro-natos ou segun-

1

do-natos

emergem do mundo atemporal

dos deuses para

substituir aqueles que, ao

morrer,

dissolvem-se, ulna vez

mais, naquele mundo. Eu diria

que

todos

os

sistemas

de

titu

l

os

e

designaçôes

funcionam

da

mesma

maneira: eles

representam os aspecros da condiçâo

humana

que estâo

mais ligados

ao passar

do tempo, camo

meros ingredientes

cm um presente eterno que os

ilumina

camo as luzes em

um

teatro.

Nem mesmo a

sensaçao

que os

balineses têm

de

estar

sempre

em um palco é assim tao vaga e inefavel. Ela é

expressa

corn exatidao

par

um

de seus conceitos de ape

{ riência-prôxinla mais comuns:

0

lek. Lek foi

traduzido

de

97

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varias maneiras, na maioria das vezes incorrelaluente ( ver

gonha

 

é

urna das traduçôes mais conhecidas), nlas

seu

significado mais aproximado

é

algo assim como 0

que

cha

marnos de nervosismo de ator . 0 nelVosismo de atoe,

como

sabemos, consiste naqude medo

que

atoees

sentem

de que, por falta de téeniea ou de autoeontrole, ou talvez

por

unl sitnples acidente, nao sejam capazes

de

manter a

ilusao estética, deixan do, assim, que

0

ator apareça

por

tras

do

pape

que

desempenha. Se falha a distâneia estética,

0

publieo

(e 0

ator) pcidem de

vista

Hamlet

e em seu lugar,

para deseonforto

gera

l, vêem um gaguejantejohn Smith que

al

guém

erroneamente colocou para fazer 0

papd

de princi

pe da Dinamarca. Em Bali, acontece mesmo:

que se

terne

é

que

0 desempenho, em publieo, do papel para 0 quai

fOlnos sdecionados por nossa posiçao cultural, seja

um

fracasso, e que a personaIidade do individuo - ou 0 que nos

oeidentais

ehamariamos

de personalidade, ji que

os

baline

ses

nao 0

fariam, pois naD acreditam nisso - se roolpa,

dissolvendo sua identidade pùbliea estabeleeida .

Quando

isso acontece, C 1 às vezes acontece, sente-se a proximi

dade do Olomento corn urna intensidade excruciante, e as

pessoas

, subita e relutantemente, tocnam-se criaturas eeais,

mutuamente constrangidas, como se, de repente, tivessem

se flagrado nuas. É

0

medo

do

faux pas

que

se

toma

muito

mais provâvel

devido

à ritualizaçao extcaordinâria

da

vida

cotidiana, que mantém 0 intercâmbio social sobre trilhos

deliberadamenteestreitos, e protege

0

sentido teatral do

eu

da ameaça destruidora implicita naquela prcximidade e

espontaneidade

que nern meS1UO

0

cerimonial mais e x c e r ~

bado pode

eliminar totalmente

dos

eneontros

face a face

cotidiano.

. rr;

V

Marrocos Orien te Médio e clima seco em

vez de

Asia

r i e r u ~ i

e cli:na ùmido. Extrovertido, fluido, ativo, masculi

no, exageradamente infoffilal. Um

tipo do oeste

selvagem

98

de filInes americanos seOl

os

bares e

os

vaqueiros.

Uro

outro

tipo de eus eompletamente

diferentes

.

Meu trabalho

ali,

que começou

em

meados dos anos 60 concentcou-se cm

uma

cidade

de

tamanho médio,

aos pés

da cordilheira de

Atlas,

cerca

de umas vinte milhas

ao sul de

Fez. 0 lugar é

antigo, fundado provavelmente no século X planejado até

mesmo antes disso. Nnda conserva os muros, os portôes,

os

minaretes estreitos que

se

elevam até às plataformas de onde

os

fiéis

SaD

cham

ados

para a oraçao, todos elementos carac

teristicos de

uma

cidade muçulmana cIâssica. Pelo

menas à

distância, 0 lugae é

bas

ante bonito : urna fonna oval irregular

profundamente branca, localizada

em

um oasis onde eres

cern

olive r

as

de um

verde de fundo

de

mac s montanhas,

que ali silo cor de bronze e de

pedra,

se elevam

por

tras deste

oasis. Vista

de

perto, a cidade

é

Olenos imponentc, mas mais

estinlulante: um labirinto

de

passagens e cuelas, très quartos

das

quais

sem

saida, rodeado

por prédios que

têm a

aparên

cia de muros e lojas

à

beira das calçadas, tudo isso

repleto

COIn

Uina variedade

simplesmente

surpeeendente

de

seres

huolanos

extremamente simpaticos. Arabes, berberes e ju

deus; alfaiates, boiadeiros e soldados; pessoas que saem dos

escritorios, dos mercados, das tribos; rieos, super-ricos, po

  eese superpobres; nascidos no local, imigrantes, imitaçoes

de franeeses, medievalistas acirrados, e

em

algum lugar,

de

acordo com

0

censo oficial do governo para 1960, um piloto

de aviao,

judeu

e

desempregado.

Nas casas,

um

dos grupos

mais esplêndidos de individuos fortes e vigorosos que jamais

vi. Ao lado de Sefcou (este é

0 nome

da cidade) Manhanan

parece

quase

monotona.

Porém, nenhuma sociedade consiste unicamente

de

ex

cêntricos

anônimos que se

tocam e ricocheteiam

como

bolas

de

bilhar, e os marroquinos também têm seus

meios

simbo

lie

os

de separar gentes umas das outras e de identifiear

0

que

é

que significa ser urna pessoa. Um

dos meios

.mais

importantes - que nao é 0 unico, mas que

eu

considero 0

mais itnportante e sobre

0

quaI gostaria

de

falar

neste

ensaio

- é uma forma lingüistica

peculiar chamada,

em arabe, de

99

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.

Il

\

1

nisba. A palavra deriva

de uma

raiz triliteral, n-s-b, para

atribuiçao , imputaçâo , relaçao , afinidade , corre -

çao , cone.xâo , pacentesco . Assim, sïb quer dizce pa-

rente por afinidadc ;

nsab

significa atribuir ou imputar a ;

munisaba quer dizce urna relaçâo ,

uma

anaJogia , urna

correspondência ; mansüb quer dizee pertencer

a ,

fazen

do

parte de . e assim

poe

diaotc, corn cerca

de

urna duzia

de

derivados,

desde

nassab, ("genealogista")

até nisbiya

("re

latividade [fisicaJ") .

A palavra

nisba

propriamente dita, refere-se portanto a

um processo de combinaçâo morfologica,

gramatical e se

mântica que consiste

cm

transformar urn substantiva naqui-

10

que

nos chamacfamos

de

adjetivo relativo, mas que , para

os arabes ,

é simples

mente

um

outro ipo

de substantiva,

acrescentando-se i

(ou

iya, na forma feminina); SefrulSefrou;

sefruwi/filho nativo

de

Sefrou;

Sus

/

regiâo do sudoeste

mar

roquino -susi/bomem nascido

nessa regiâo

Beni Yazgal uma

tribo perto de Sefrou

- Yazgi/um

membro dessa

tribo;

-

hu d

lo

povo

judeu

como

um povo, Yahudilum ûnico

judeu;

Adlun

l

sobrenome

de uma

famllia

importante em Se

froulAdlunilum

membro dessa

famllia. Este procedimento

. naD se limita a esta simples etnizaçâo de substantivas, mas

também pade sec utilizado cam

uma

variedade enarme de

palavras

para atribuir

relaç6es

de propriedade

à pessoas.

Por exemplo, ocupaçâo

(hrar/seda

- hrari

lmercador

de

seda)

,

seita

religiosa (Darqawa/uma

innandade

mistica -

Darquat 'i/um adepto dest . irmandade ou um estado espi

rimai),

(A/ilo

genro do

Profeta -

Alawi um descendente do

genro

do

Profeta, e,

por

conseguinte,

também

do

proprio

Profeta).

Uma vez fonnadas, as nisbas

sao

normalmente incorpo

radas aos

nomes

pessoais - Umar Al-Buhadiwi/Umar da tribo

Buhadu; Muhammed

A1-Sussi/Muhammed

da regiâo

Sus - e

este

tipo de

classificaçâo adjetival atributiva é gravada publi

camente

como

parte da

identidade

de um

individuo. Nâo

pude

encontrar sequer um caso em que um individuo fosse

100

conhecido, ou dele se soubesse alguma coisa, mas

nao

se

soubesse sua nisba . Na verdade,

é

mais provâveI que os

habitantes de Sefrou

ignorem

0

padrao econômico de

um

homem

, sua faixa etâria,

seu

carater p essoal, ou onde eie

vive, do que sua nisba ou seja, se eie

é

Sussi ou Sefroui,

Buhadiwi

ou

Adluni, Harari

ou Darqawi

. (Com relaçâo a

mulheres que nao sejam parentes, a nisba seria provavei

mente a unica co isa

que

uro

homem

saberia deIas - ou, para

ser mais exato, a unica coisa sobre e1as

que

Ihe seria permi

tido conheccr.) Os

eus

que se

atropelam e

se

acotovelam

nas rudas de Sefrou adquirem sua definiçâo através das

relaçôes associativas COIn a sociedade que

os

circunda, rela

ç6es essas que Ihes sâo atribuidas. Sao pessoas contextuali

zadas.

A situaçâo, no entanto,

é

ainda mais complicada; nisbas

tornaro os homens relativos a seus contextos, mas, coma

os

pr6prios contextos

sâo relativos, as

nisbas também

passam

a sec celativas, e rudo, por assim dizee, é portanto, elcvado

a urna segunda potência - eclativismo

ao

quadrado. Assim,

cm um nivel, todos os nascidos

cm

Sefrou têm a mesma

nisba ou

pelo

menos em

potencial - isto é, todos sao

Sefroui. No

entanto, na

propriacidade, estanisba,

justamen

te porque nao discrimina, nao seca nunca utilizada

camo

parte

de uma designaçâo

individual.

S6

fora

de

Sefrou a

relaçao corn este contexto espedfico passa a sec capaz de

identificar um

ind,viduo

em

particular. Em

Sefrou,

portanto,

ele sera

Adluni, Alawi, Meghrawi, Ngadi, ou qualquer

outra

nisba

des e

nive . E

dentro de cada uma destas

categorias

sucede

exatamente a

mesma

coisa.

Ha, par exemplo, doze

nisbasdiferentes (Shakibis, Zuinis e outras) através das quais

os Sefcou Alawis, em suas regi6es, se distinguem entee si.

Todo

0

processo

esta longe de ser regular; que nivel ou

i

tipo de

nisba

seca

usado, ou

parececa celevante

ou

apcopria

do (para os que

as

usam,

é claro), dependera totalmente

da

situaçâo. Um conhecido

meu

que mocava em Sefcau e tra-

balhava cm Fez, mas efa

originario

de uma

tribo

Beni yazgha

101

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das proxirnidades - além disso era da

subsubfraçâo

Wulad

Ben Ydir, da

subfra

çao Taghut da

linhagem Hima

-

era

conhecido

como

Sefroui por

seus cornpanheiros

de trabalho

em Fez, como yazghi,

por

todos

os

niio Yazghis em Sefrou,

como

Ydiri por todos

os outros

Beni Yazghas que por a1i

viviam, a nao sec por aqueles que vinham, eles proprios, da

fraçiio Wulad

Ben

Ydir. Estes

0

chamavam

de

Taghuti,

en

quanto que,

é dara,

os

outras

pOlleos

Taghutis

0 chamavam

de

Himiwi. Em Marrocos, as nisb s

paravam

ai , mas

Marro

cos nao é 0

limite

até onde padern

ir. Sc, por acaso,

nosso

amigo

viajasse

para 0

Egito,

cie

se

transformaria

cm

um

Maghrebi , a nisb formada corn a palavra qu e , cm arabe,

significa Mrica

do

Norte. A contextualizaçao social das pes

saas

é difusa, e

na

sua maneira curiosamente

nao-rnet6dica

acaba sendo

sistematica. Os

homens nao flutuanl como

entidades psiquicas fechadas,

que se des

ac

am

de

seu

co n

tcxto e recebem nomes individuais. Por mais

individualistas

e

até obstinados que

sejam os

marroquinos

- e

na

verdade

0 sao - , sua identidade é um atributo que tomam empresta

do do cenario

que

os

rodeia.

Corno 0

tipo

de bifurcaçiio fenornenolôgica da

realidade

dos javaneses, corn seus dentro/fora e suave/tosco, e

0

sisterna

de titulos dos

balineses

que

absolutiza,

0

modo

nisb

de olhar as pe ssoas - como se estas fossem contornos

à espera de sercm preenchidos

- nao

é

um

costume isolado

e

sim

parte de um

tipo

de estrutura que abrange toda a vida

social. Esta

eSlrutura

,

como

as

de

Java e Bali,

também

é ciificil

de

ser

caracterizada

de

forma sucinta. Mas um

de

seus

.

elementos

principais

é,

certamente

,

0

fato

de

que

existe

,

cm

situaç6es

publicas, uma

promiscuidade

confusa de

uma

variedade

de seres

humanos que,

na sua vida privada,

sao

cuidadosamente segregados: um

cosmopolitismo

exacer

bado

nas ruas, e um comunalismo estrito dentro de casa do

quai

a famosa segregaçiio das

rnulheres

é

apenas

0

exemplo

mais

obvio). Este

é

0

chamado

sistenla

mosaico

de organiza

çâo social freqüentemente considerado caracterîstico do

Oriente Médio coma um todo:

fragmentos de formas

e

cores

102

difeeeotes que SaD encaixados icregulaemente para gecar um

desenho globa

l

complexo, no

qual a

diferença

individual

de

cada

fragmento permanece intacta.

Sendo

diversa mais do

que qualquer outra coisa, a

sociedade

marroquina naD ad

ministra sua diversidade ftxando-a

cm

castas, isolando-a cm

tribos, dividindo-a cm grupos

étnîcos

, ou cobrindo -a corn

algum

conceito denominador-comum como

a

nacio

nalidade , embora

todos estes sistemas

tenham

sido experi

mentados

de

fonna

esporadîca. Gecencianl a diversidade

distin-

guindo

, corn

uma precisao elaboeada, os contextos

· 0 matrimônio, a devoçao religiosa c,

até

certo ponto, a dieta,

as leis e a educaçiio - nos quais

os

homens siio segregados

por suas diferenças; e

outros

- 0

trabalho

a amizade a

poHtica e

0

comércio - onde, ainda que corn desconfiança e

condicionalmente, sao

unidos

por

elas.

Para este

tipo

de

estrutura

social,

uma concepçao

do eu

que marca a identidade publica contextualmente e relati

vistîcamente, Inas

0

faz

em condiçôes

- tribais, territoriais,

lingüisticas, religiosas e familiares - que se desenvolvem nas

esferas privadas e

estabelecidas

da vida, onde têm

urna

ressonância

peofunda

e

penuanente,

parece ser particu

larmente apcopriada. Na verdade, parece que a prôpria

estrutura

social cria

esta

concepçâo do eu,

que

produz

situaçôes

onde

as pessoas

interagem

em teernos de catego

rias

ujo

significado é

quase

totalmente

posicional

, um

lugar

no mosaico global, que deixa de lado, como a1go que

deva

:ter cuidadosamente escondido

em

apartamentos

;

templos

e

tendas,

0 conteudo substantiva das categorias, ou seja, 0

que

elas significam

subjetivamente

como modos de

vida

experi

mentados

. As discriminaç6es da

nisba

podem

ser

mais

ou

menos espedficas, indicar

0

local do

fragmento

no mosaico

de

forma

aproximada

ou exata, e

adaptar-se

a

quase todos

os tipos de

mudanças

de circunstâncias. Niio podem, porém,

dar muito

tuais

que uma

idéia geral,

um esboço

ou

contorno

do

tipo

e caracee dos

honlens

a quem

os

nomes sao

t r i b u r ~

dos. Chamar urn hornem de Sefroui é como chama-Io de

103

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 1

f r a n c i s c a ~ o :

0

nome 0

cIassifica ,

mas

nao estabelece con10

1

de

éj localiza-o, sem cetrata-Io.

É justarnente esta capacidade do

sisterna

de nisb s

- a

de criar urn contorno no quai as pessoas podern ser

inseridas

de

acordo corn caracterlsticas

que,

supostamente,

lhe sao

ine rentes (fala, sangue, fé,

proveniência,

e outras mais) , e ao

mesmo tempo

minimizar

0

impacto

que

estas

caracterîsticas

têm

na

determinaçâo

de

relaçôes praticas entre essas pe s

soas

em

mercados, lojas , esccitocios, no

campo,

em cafés,

banhos

publicos, e

estradas

-

que

0

toma

tao essencial para

, a

concepçiio rnarroquina do eu

. A categorizaçiio

do tipo

nisba conduz, paradoxalmente, a um hipecindividualismo

nas

rela

çôes

publicas

, pois , ao proyer

unicamente

um

con

torno vazio e até mesmo

mutante

de quem

SaD

os

atores

-

Yazghis, Adlunis, Buhadiwis,

ou

seja la quern for - deixa todo

o

resto, ou

seja,

praticamente rudo, para

ser

preenchido no

proprio

processo

de interaçiio. 0 que faz 0 rnosaico funcio

nar é a

certeza

de que

podemos ser

completam

e

nte

pragma

ticos, adaptaveis, oportunistas , c, de um modo geral d hoc

em

nossas

relaçôes corn outros

- uma raposa entre raposas,

urn

erocodilo entre

crocodilos

- tanto quanto

quisermos,

sem nenhurn risco de perder 0 sentido de quem somos. A

nao

sec

na

intimidade

da procriaçâo

e

da

oraçao,

0

eu

nunca esta

cm

perigo pocque

somente

suas eoordenadas

foram declaradas.

v

Sem

tentar

dar

nos

em

urnas

quantas dfuias

de

pontaS

.

que,

durame

e

stes

relatos apressados sobre 0 significado

_

eu para eerea de noventa

e nove

milhôes de

pessoas,

naosô

deixci penduradas, mas

certamente

desfiei ainda mais, rel

tomemos

ao

ponto

principal,

que

é saber

exatamente 0 que

tudo

isso nos diz -

ou

poderia dizer, se

explicado

de forma

adequada -

sobre

0 ponto

de

vista dos nativos  emJava,

cm

Bali e no a r r o c o   descrever 0 usa de

simbolos

, e s t a r e ~

j mos

tarnbém descrevendo percepçoes, sentimentos,

pon-

104

tos

de vista, experiências? Se afinnativo,

em que

sentido? 0

que é

ex

atamenle que

afirmamos

quando dedaramos COffi

preender

os

meios semiôticos atcavés dos quais ,

nesses

casos, as pessoas se definem e

sao

definidas pe las Outras;

/ que

entendemos

as paJavras

ou

que

entendemos as

mentes?

Para

responder

a

esta

pergunta, creio ser necess:irio,

primeiramente

,

observar

que

0

movimento

intele

c

tual

c

arac

.

teristico, e 0 ritmo conceptual interno de cada uma dessas

anilises, e

até

de todas as analises semelhantes - mesmo as

,de Malinowski - é um borde ar dialético contÎnuo entre 0

menor detaIhe nos loéais rne-o';res , e

g l ~ b a

das

estruturas globais, de tal

forma

que ambos possam ser

observados simultane amen e. Na tentativa de descobrir 0

significado

do eu

para

os javaneses, balineses

e

marroqui.

no s , osdlamos incansavelmente entre um

tipo

de miudeza

exotica que faz corn

que

a

leitura da melhor

das

etoog

rafias

sej urna tortura (anrfteses léxicas , esquemas de categoriza

çao,

tran

sformaç<Ïes rnorfofonêluicas), e caracterizaç6es

tao

abrangentes que

- a

nao

ser

pelas

mais comuns -

se

tornam

um tanto irnplausfveis ( quietismo , dramatismo , con ex-

. tuaIisrno ).

Saltando continuamente de

uma visao da totaH

:l

dade

através

das

varias partes

que

a

cornpoem,

para urna

it

iS

.

ao

...

d a ~

p ~ s

através da totalidade que é a causa de sua _

/l exlstenCla, e Vice-versa, corn urna fonna de moçao intelectual _

 {

i e r p é t u a buscamos

fazer corn que uma seja explicaçao

para 1 J

i il outra. .

\ Tudo isso é, claramente, a trajetoria, ja bastante conhe

 y.

cida

do

rnétodo

q ~ e D i l t h e ~ chamou de

circulo hermen§.y-

~

Mlnha Inrençao aqu

i

fOl

mostrar

que

ela

é

tao

essencial

para

interpretaçoes

etnograticas como para

interpretaçôes

literarias, historicas, fil016gicas , psicanaliticas,

ou

biblicas,

Ou até mesmo para a.

notaçôes

informais sobre aquelas expe

r i ê n c i a ~ cotidianas que chamamos de

born senso. Para

aCOffi

panhar

um jogo de beisebol ternos que saber 0 que é um

bastao

, uma bastooada, urn

turno, um jogador de

esquerda,

um

lance

de pressao, urna

trajetoria

curva pendente , e um

105

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centro

de

campo

fechado

, e também coma funciona 0 jogo

que contém {odos estes elementos. Quando, cm urna expli-

cation de

texte um

crîtico

como

Leo Spitzer tcnta inter

pretar a Ode sobre uma

urna

grega de Keats, ele

se

pergunta repetida e

alternativamente duas

questoes: Sobre

o que

é

este poema? e

0 que é

exatamente, que Keats viu

(ou decidiu mostrar-nos)

desenhado

na

uma

que ele descre

ve? , e

chega

ao final

de

uma

espiral ascendente de observa

çoes

gerais e cOlnentarios espedficos corn urna leitura do

poema

que

0 interpreta como

uma

afirmaçao

do

triunfo da

percepçao estética sobre a historica. Da mesma

forma,

quan

do um etnôgrafo de significados e sîmbolos como eu tenta

descobrir 0

que é

uma pessoa

na visao de algum

grupo

de

nativos, e1e vai e vern entre duas perguntas que faz a si

mesmo:

como é a

sua

maneira de viver, de

um

modo

geral?

e quais SaD precisamente

os

veiculos através dos quais esta

maneira de viver se manifesta? chegando ao fim de urna

espiral

semelhante

corn a noçao de

que

eles

consideram

0

eu coma

urna

cOlnposiçao,

umapersona

ou

um

ponto cm

yma

estrutura.

Nao

poderemos entender 0 significado

de

lek a naD ser que entendamos

0

que

é 0

dramatismo balinês.,

da mCSffia Inaneira que nao saberemos 0 que é uma luva de

apanhador se

nao

conhecemos

0 jogo de beisebol. Ou nao

entenderemos a que significa uma organizaçao social mosai

ca

sem

saber

0 que é

a nisba, exatamente

coma

nao

é

possivel

compreender

0

platonismo de Keats, sem ser capaz de captar

- para

usar

a

propria

formulaçao de Spitzer -

  0

fio do

pensamento

intelecn:al

contido em fragmentos

de

frases

coma

a forma de

Attie ,

a forma silenciosa , noiva da

tranqüilidade  pastoral fria , silêncio e tempo lento ,

ci-

dadela cm paz , ou cantigas sem nenhum tom .

Em su ma, é posslvel relatar subjetividades aIheias sem

recorrer a pretensas capacidades extraordinirias para obli-

1 terar 0 proprio ego e para entender os sentimentos de outros

J seres humanos. Possuir e

desenvolver

capacidades normais

para estas atividades é obviamente, essencial, se teruas

esperança

de

conseguir

que

as pessoas tolerem nossa intru-

106

sao em suas vidas ou de que nos aceilem camo scres conl

quem

vale a

pena

conversar. Nao estou

cm

hipotese alguma,

defendendo a falta

de

sensibilidade, e espero nao 1er dado

esta impressâo. Mas seja quaI for nossa compreensâo -

correta

ou

sernicorreta - daquilo que nossos infornlantes,

par assim dizer, rea mente sâo, esta nâo depende de que

tenhamos nos nlesrnos, a experiência ou a sensaçâo de estar

sendo

aceitos,

pois

esta sensaçao

tem que

ver corn nossa

propria biografia, nao corn a deles. porém; â compreensao

depende

de

uma

habilidade

para

analisar

seus

modos de

\

expressao, aquilo que chamo

de

sistemas simbolicos, e

0

1

sermos aceitos contribui para a desenvoivimento desta

ha-

bilidade.

Entender

a forma e a força

da

vida

interior

de

nativos - para usar, uma vez mais, esta palavra perigosa -

parece-se mais corn compreender

0

sentido

de um

provér

bio, c p ~ r uma alusao, entender uma piada -

ou

, camo

sugeri acima - interpretar

um poema

do

que

corn consegui r

uma comunhao

de

espiritos.

107


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