+ All Categories
Home > Documents > Coelho y Figueiredo

Coelho y Figueiredo

Date post: 09-Mar-2016
Category:
Upload: evamurga5133
View: 217 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
Description:
psicoanálisis relacional

of 21

Transcript
  • Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35401702

    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Nelson Ernesto Coelho, Lus Cludio FigueiredoFiguras da intersubjetividade na constituio subjetiva: dimenses da alteridade

    Interaes, vol. IX, nm. 17, jan-jun, 2004, pp. 9-28,Universidade So Marcos

    Brasil

    Como citar este artigo Fascculo completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Interaes,ISSN (Verso impressa): [email protected] So MarcosBrasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

  • 9INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADENA CONSTITUIO SUBJETIVA:DIMENSES DA ALTERIDADE

    NELSON ERNESTO COELHO JUNIORPsicanalista; Doutor em Psicologia Clnica (PUC-SP); Professor do Instituto de Psico-

    logia da USP.

    LUS CLUDIO FIGUEIREDOPsicanalista; Doutor em Psicologia (USP); Professor do Instituto de Psicologia da USP e

    do Programa de Ps-graduao em Psicologia Clnica da PUC-SP.

    Resumo: Este artigo apresenta uma nova caracterizao do conceito e da experinciada intersubjetividade a partir de quatro matrizes que consideramos como figurasorganizadoras e elucidativas de diferentes dimenses da alteridade. As quatro matri-zes so apresentadas a partir de referncias centrais a seus patronos na filosofia, napsicologia e na psicanlise: 1- intersubjetividade trans-subjetiva (Scheler, Heidegger,Merleau-Ponty); 2- intersubjetividade traumtica (Lvinas); 3- intersubjetividadeinterpessoal (G. H. Mead); intersubjetividade intrapsquica (Freud, Klein, Fairbairn,Winnicott). Entende-se que as matrizes intersubjetivas indicam dimenses dealteridade que nunca ocupam de forma pura e exclusiva o campo das experinciashumanas. As quatro matrizes propostas precisam ser concebidas como elementossimultneos nos diferentes processos de constituio e elaborao subjetivas.

    Palavras-chave: intersubjetividade; alteridade; filosofia; psicanlise; psicologia.

    PATTERNS OF INTERSUBJECTIVITY IN THE CONSTITUTION OFSUBJECTIVITY: DIMENSIONS OF OTHERNESS

    Abstract: This article presents a new characterization of the concept and experienceof intersubjectivity based on four matrices that we see as organizing and elucidatingforms of different dimensions of otherness. The four matrices are described throughkey references to their proponents in the fields of philosophy, psychology andpsychoanalysis: (1) trans-subjective intersubjectivity (Scheler, Heidegger, Merleau-Ponty); (2) traumatic intersubjectivity (Levinas); (3) interpersonal intersubjectivity(Mead); and (4) intrapsychic intersubjectivity (Freud, Klein, Fairbairn, Winnicott).

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    10

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    These intersubjective dimensions are understood as indicating dimensions ofotherness that never occupy the field of human experience in a pure, exclusiveform. The four matrices proposed need to be seen as simultaneous elements in thedifferent processes of the constitution and development of subjectivity.

    Keywords: intersubjectivity; otherness; philosophy; psychoanalysis; psychology.

    IntroduoO outro, o no-eu, pode ser considerado uma aquisio recente

    das teorias psicolgicas sobre a constituio da subjetividade. Com isso, tambm recente uma discusso mais consistente e sistemtica sobrea intersubjetividade e suas vicissitudes nas diferentes dimenses dapesquisa e das prticas psicolgicas. Salvo algumas excees, no restadvida que as teorias psicolgicas so em grande medida herdeiras datradio moderna e, mais especificamente, da tradio cartesiana esolipsista. No entanto, o campo das psicologias confronta-se, cada vezmais, com as exigncias ticas colocadas pela necessidade de reconhe-cimento da alteridade como elemento constitutivo das subjetividadessingulares. Trata-se, em ltima anlise, de como as dvidas para com osoutros, contradas na constituio do self, podem ser enfrentadas eassumidas por cada indivduo. Alm de sua implicao tica, umaquesto importante no campo da sade mental.

    No so poucas as teorias, das scio-construtivistas s psicanal-ticas, que tm voltado sua ateno importncia do reconhecimentoda alteridade nos processos de constituio do self, valorizando em seusestudos a pesquisa sobre as formas intersubjetivas de comunicao1.

    evidente que essa situao contempornea ope-se a grandeparte da tradio filosfica moderna, que concebe o Eu como umaunidade auto-constituda, independente da existncia de um Outro e deoutros singulares e diferenciados. Ope-se tambm clssica oposiosujeito/objeto, marca epistemolgica do pensamento moderno, quefez com que a noo de intersubjetividade fosse recusada e consideradasem interesse, principalmente para teorias, como as psicolgicas, quepretendiam ser cincia.

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    11

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Ser, considerando-se a vertente filosfica europia, com a filoso-fia fenomenolgica, que trouxe ao primeiro plano o estudo do conceitoe da experincia da intersubjetividade, que esse panorama determina-do pelo pensamento moderno comea a sofrer abalos. Edmund Husserl(1929/1969), em seu pioneirismo, desenvolveu argumentaes centraisquanto fundamental importncia da experincia intersubjetiva paratoda e qualquer forma de conhecimento de si e do outro e, ao longo desua obra, suas concepes foram se alterando e refinando, trazendocada vez mais e melhores contribuies ao tema da intersubjetividade.J os trabalhos de seus discpulos e sucessores, Scheler, Heidegger,Merleau-Ponty e Lvinas, fizeram da filosofia fenomenolgica umareferncia central para os interessados em estudar a intersubjetividadeem suas diversas dimenses. Em certa medida, estes filsofos se di-ferenciaram de Husserl, mas sempre na forma de levar mais adiantealgumas intuies husserlianas.

    De outro lado do Atlntico, mas com repercusses menos pro-fundas e amplas, ao menos no incio, os trabalhos de George HerbertMead nos EUA, desde o comeo do sculo at a dcada de 30, tambmmarcaram uma reviravolta filosfica com srias conseqncias para asociologia e para a psicologia. Tambm ele inscrito na tradiofuncionalista e behaviorista americana construiu uma nova concep-o de eu e do mim (self) totalmente fundamentada na pressuposiodo carter social e intersubjetivo dos gestos e comportamentos dosujeito dirigidos a outros sujeitos, e dos significados que os indivduosimplicados nessa trama social produzem para o mundo, para a prpriavida e a prpria pessoa, incluindo a o campo de sua vida mental, ode sua conscincia do mundo e de si.

    A partir tanto da tradio fenomenolgica, quanto tambm dochamado behaviorismo social (ou interacionismo simblico, como odenominou Herbert Blumer, discpulo de Mead), no parece haverdvida de que existe na formao do self um Outro um self generali-zado , e outros selves diferenciados , em suas existncias concretas,e eventualmente em sua radical alteridade. Diga-se de passagem que aproximidade entre as elaboraes fenomenolgicas e as de G.H. Mead

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    12

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    so evidentes e justificam, por exemplo, que uma coletnea editada porThomas Luckmann Phenomenology and Sociology inicie com a repro-duo de um texto de Mead de 1910 (What social objects must psychologypresupose?). Atente-se para a data. Nessa ocasio Husserl no havia aindaproduzido e publicado nada sobre a intersubjetividade, mantendo-se, aocontrrio, bem prximo ao cartesianismo e ao kantismo. igualmentenotvel que Berger e Luckman (1968), no clssico The Social Constructionof Reality, tenham organizado seu pensamento em torno de autorescomo Husserl e Alfred Schutz, pelo lado da sociologia fenomenolgica,e G.H. Mead, pelo lado de uma psicologia social, para tratar da socie-dade como uma realidade subjetiva.

    Mas pode-se, de fato, perceber o que o outro self sente, o que elepercebe? De alguma forma supomos que sim, afinal as prticas empsicologia apiam-se em elementos da percepo e, ainda mais, da mtuapercepo. Possivelmente grande parte das comunicaes dependemde um sofisticado interjogo entre as percepes dos participantes doprocesso teraputico. Teorias da percepo e tambm da comunicaodefinem e procuram dar inteligibilidade a diferentes formas de comuni-cao. H comunicaes pr-verbais, infraverbais, pr-representacionais,corporais e talvez at pulsionais, alm, evidente, das comunicaespropriamente verbais. H percepes conscientes, pr-conscientes e,quem sabe, talvez at inconscientes. Por que no? Muitas vezes trans-mitimos o que nem sabemos que havamos percebido, e tambm reco-nhecemos sensaes e sentimentos para os quais no encontramosorigem segura. Reconhecemos sentimentos prprios. Mas sero nossosou do outro? Nessas horas inevitvel cairmos s vezes em umadiscreta nostalgia que nos faz pensar se no era mais simples aqueletempo em que a moda filosfico-cientfica impunha uma segura dis-tncia entre eu e no-eu, entre sujeito e objeto. Se um outro pudesseser concebvel, o seria apenas por analogia ao que somos. Afinal, s erapossvel conceber um conhecimento a partir do que se passava emuma conscincia, e toda comunicao precisava ser pensada em termosde uma comunicao entre um ego e outro ego, e o ego do outro erapensado imagem e semelhana do meu.

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    13

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Como pano de fundo, ouvimos as vozes organizadoras de uma teo-ria da tcnica psicanaltica perguntando se de fato ouve uma passagemde uma one person psychology, para uma two person psychology, ou at quemsabe, para uma three person psychology2. Mas afinal, somos obrigados areconhecer que o estudo do surgimento das relaes entre um Eu e umOutro uma das marcas principais do pensamento contemporneo emfilosofia, em psicologia, psicanlise e mesmo em etologia.

    Em alguns estudos etolgicos recentes3 tm sido distinguidos aomenos trs significados para a noo de intersubjetividade, que commaior ou menor evidncia parecem remeter s indicaes originais dasfenomenologias de Husserl e Scheler, embora nem sempre autores comoBraten (1998) os indiquem. O primeiro significado, mais clssico, pre-sente por exemplo na tradio da filosofia existencialista de MartinBuber e Gabriel Marcel, revelaria o sentido de comunho interpessoalentre sujeitos que mutuamente esto sintonizadas em seus estadosemocionais e em suas respectivas expresses. O segundo significado,reconhecvel em estudos como os de Habermas (1970), compreende aintersubjetividade como aquela que define a ateno conjunta a objetosde referncia em um domnio compartilhado de conversao lingsticaou extra-lingstica. Como terceiro significado indica-se a capacidade deestabelecer-se inferncias sobre intenes, crenas e sentimentos deoutros, que envolveriam a simulao ou capacidade de leitura de esta-dos mentais e processos de outros sujeitos, que de alguma forma nosremeteria ao clssico conceito de Einfhlung (empatia). Alm desses sig-nificados, a noo de intersubjetividade costuma ser definida, em termospsicolgicos, como sendo a situao na qual, por suas mtuas relaes,numerosos (ou apenas dois) sujeitos formam uma sociedade ou comu-nidade ou um campo comum e podem dizer: ns4. Pode ser definidatambm como sendo o que vivido simultaneamente por vrias mentes,surgindo ento a denominao experincia intersubjetiva.

    Consideramos que para a filosofia moderna (assim como paraa nascente psicologia) colocou-se, a partir de Descartes, uma dis-tncia irreconcilivel entre eu e outro, ou entre conscincia e mundo.Com isso, instalou-se a necessidade da postulao do problema da

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    14

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    intersubjetividade, ou seja, como estabelecer pontes entre os plos,como estabelecer comunicao entre os plos eu-outro, conscincia-mundo. Desse contexto emerge um problema epistemolgico: como possvel conhecer o outro, uma outra conscincia?

    Houve, como j se antecipou, no incio do sculo XX, uma primeiratentativa de superao da dualidade eu-outro, e tambm sujeito-objeto,atravs da concepo husserliana de uma conscincia intencional. Parte-sedo reconhecimento do abismo entre eu e outro, e busca-se uma supera-o do solipsismo. Mas, preciso admitir, mantm-se a afirmativa (aomenos no primeiro Husserl), de que s posso conhecer o outro de formamediada, ou seja por meio de minha conscincia, que j no mais umaconscincia em si, fechada em si mesma, mas sim uma conscincia que sempre conscincia-de-algo, aberta ao mundo, ao outros conscinciaintencional. Mas o Eu, e tambm a conscincia, continuam a ter prevalnciana tarefa de conhecimento, sobre o mundo, sobre outros eus.

    Mas se Husserl j introduzia uma perspectiva de superao dadistncia entre sujeito e objeto ainda se mantendo em uma tradiocartesiana de auto-centramento do eu em si mesmo e na prpria cons-cincia , cabia a George H. Mead, do outro lado do Oceano, fazerjustamente a crtica a essa suposta precedncia do mundo prprio daconscincia e a crtica ao mtodo introspectivo, que de uma certa ma-neira no destrua, mas relativizava o alcance do mtodo feno-menolgico husserliano. Para Mead, a conscincia vem sempre depois depois de uma interao com os outros significativos e com o outro gene-ralizado, o do mundo dos significados compartilhados e dos papis so-ciais articulados na forma de um sistema e que regulam as aes emuma sociedade. a partir desse outro generalizado que uma identida-de do Eu pode se construir e estabilizar.

    Cabe tambm considerar que com Husserl, e principalmente comMerleau-Ponty, emerge da tradio fenomenolgica, e sem nenhumaporte aparente do que se propunha nos EUA, uma segunda possibili-dade de soluo para o problema epistemolgico: conceber aintersubjetividade como constituda a partir de experincias de

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    15

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    compartilhamento da realidade, de buscas de unio, onde antes sereconhecia a separao. Aqui ganham relevo as noes de corpo vivi-do, percepo e co-construo da realidade, com um claro afastamen-to da tradio estabelecida pelas filosofias representacionais, ou filoso-fias da conscincia. Instala-se, assim, o plano das intersubjetividadesinterpessoais tambm em territrio europeu, que vo mesmo alm doque fora elaborado por Mead e seus discpulos.

    preciso destacar ainda os caminhos filosficos que valorizam asmodalidades pr-subjetivas de existncia, a esfera inaugural, o plano daindiferenciao original, a intersubjetividade trans-subjetiva. Aqui j nose coloca o problema epistemolgico de se ou no possvel conhecerum outro. A intersubjetividade passa a ser vista como um falso problema. Situam-se nesse nvel a concepo de um campo primordial da experincia emMax Scheler e o Dasein heideggeriano, como tambm a proposio daintercorporeidade apoiada na noo de carne em Merleau-Ponty. Nesseplano de investigao da experincia primordial, de modalidades pr-subjetivas de existncia, no parece caber uma noo usual deintersubjetividade, claramente tributria de uma tradio filosfica queparte da primazia do sujeito do sujeito soberano da razo, marca cen-tral das filosofias modernas. Mesmo a tradio interacionista criada porMead em certo sentido no d conta dessa condio. O interacionismodo behaviorismo social, embora chegue noo de outro generalizado,parte sempre de uma interao concreta entre organismos e sujeitos jdiferenciados, j organizados e funcionando em um plano individual ouinter-individual. A essa intersubjetividade caberia realmente o conceitode intersubjetividade interpessoal. J os europeus que haviam partido deHusserl apontam para outras dimenses da intersubjetividade, como aque estamos caracterizando como a dimenso trans-subjetiva.

    Ser com Emmanuel Lvinas, tambm discpulo de Husserl, quepoderemos acompanhar a reinstalao de uma certa distncia entreeu e outro, e com isso mais uma dimenso da intersubjetividade vem luz. Emerge com toda potncia a questo tica: o outro o outroconcreto e singular precede o eu e exige trabalho e esforo, e onde htrabalho e esforo h inadequao, dor e sofrimento. No toa que

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    16

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    se chama trabalho de parto s dores das contraes que marcam aemergncia de um outro no e do corpo feminino que o contm e jno pode mais cont-lo. A intersubjetividade colocada em questo apartir do que se considera as iluses do plano das intersubjetividadesinterpessoais. No h plena adaptabilidade entre eu e outro. O outrono s me precede, sempre me excede. Instala-se assim um plano deintersubjetividade traumtica.

    Poderamos ainda mencionar uma quarta dimenso, resultado decontribuies fundamentalmente psicanalticas, que incluiria o estudodas experincias intersubjetivas estabelecidas no interior das sub-jetividades, ou seja, uma intersubjetividade intrapsquica. a dimensoexplorada desde Freud e sua segunda tpica Id, Ego e Superego e,mais ainda, na teorizao da psicanlise inglesa, a partir dos trabalhosde Klein, Fairbairn e Winnicott, com suas teorias sobre os objetosinternos, as cises e dissociaes do Eu.

    Em recente artigo, o psicanalista francs Andr Green, insatisfeitocom o equvoco das oposies simplificadas no campo das investiga-es sobre a constituio subjetiva (como por exemplo a oposiolimitada e limitante entre aspectos intersubjetivos e intrapsquicos),apontou com razo que na imbricao dos mundos internos dos doisparceiros do par analtico que a intersubjetividade ganha substncia(2000, p. 2). Por meio de slida argumentao, Green procura mostrarque a nfase contempornea em aspectos intersubjetivos da prticaanaltica no deve fazer com que percamos de vista que s atravs deuma tensa dinmica entre aspectos intrapsquicos e intersubjetivos quea especificidade do trabalho analtico pode se manter.

    Gostaramos de acrescentar que, alm do equvoco das oposiessimplificadas, preciso tambm reconhecer que as dimensesintersubjetivas sinalizam plos que nunca so ocupados de forma pura eexclusiva. As quatro dimenses que propomos devem ser pensadas comoconvivendo simultaneamente nos diferentes processos de constituiosubjetiva. As relaes entre essas dimenses parecem seguir uma lgicada suplementariedade (Derrida, 1967), tema a que retornaremos adiante.

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    17

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Este artigo pretende, portanto, apresentar uma nova caracterizaodo conceito e da experincia da intersubjetividade a partir de quatromatrizes que consideramos como figuras organizadoras e elucidativasde diferentes dimenses da alteridade e, portanto, diferentes dimensesintersubjetivas do self. A seguir apresentaremos as quatro matrizes esuas formas de apario na filosofia e na psicologia.

    As quatro matrizes intersubjetivas e seus patronos

    1. A intersubjetividade trans-subjetiva: M. Scheler, M. Heidegger e

    M. Merleau-Ponty

    Essa primeira matriz intersubjetiva procura referir-se ao campo deuma realidade primordial e materna, concebida como continente, e emcerta medida como um continente engolfante (anterior separa-o entre externo e interno) com relao experincia subjetiva. aexperincia de um solo de acolhimento e sustentao, em que a alteridadeemerge como constituinte das experincias subjetivas, mas no poroposio e confronto, e sim por seu carter de incluso primordial.Trata-se, evidente, de uma modalidade pr-subjetiva de existncia.

    O filsofo Max Scheler (1923/1971) toma como ponto de partidapara suas investigaes sobre a possibilidade do conhecimento do outro oquestionamento crena de que devemos partir do cogito, ou seja, de que aconscincia deva ser, antes de tudo, conscincia de si. Como afirma Merleau-Ponty, ele parte explicitamente da indiferenciao total entre eu e o outro(1988, p. 42). Ou ainda, para Max Scheler, a conscincia inseparvel de suaexpresso (em conseqncia do conjunto cultural de seu meio) e no hdiferena radical entre conscincia de si e conscincia do outro (p. 43).

    Scheler (1923/1971) prope que a primeira coisa que percebemosde fato ao nosso redor so expresses, o que no contraria a perspectivade Mead, vinda de Wundt e Darwin, que no entanto no vai to longena postulao do carter gestltico da experincia expressiva. Um beb primeiro sensvel expresses de corpos vivos ao seu redor em umaexperincia que precisaria ser reconhecida como pr-pessoal. S maistarde o beb seria capaz de perceber objetos particulares no anima-dos e, assim, distinguir sua experincia de si da experincia que pode

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    18

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    ter de um outro. Nesse sentido, no seriam os corpos ou os egos quepercebemos inicialmente, mas sim totalidades indivisas que, segundoScheler, seriam captadas intuitivamente, em uma plena indistino entreo que seria da esfera subjetiva e o que seria da esfera objetiva. Se paraScheler ns no podemos conhecer o outro por seu corpo ou suaconscincia, poderemos conhec-lo e reconhec-lo por meio de suasexpresses manifestas, que nos fazem um com ele, em um campo inau-gural de indiferenciao primitiva.

    J Heidegger (1927/1962), em sua formulao de uma analticaexistencial, tal qual proposta em Ser e tempo, refere-se a uma compreensoprvia do ser, que caracterizaria uma prvia compreenso do mundoem que somos lanados sem escolha, e que sempre constitutiva denossas diferentes experincias subjetivas e de nossas possibilidades deinterpretao dos entes que nos vm ao encontro. Para Heidegger,nesse plano no h uma escolha, somos lanados, estamos jogadosnessa forma de compreenso implcita que acaba por nos constituir nocontexto de uma tradio, e onde vivemos sob a tutela do impessoal,das Man. um campo de possibilidades que cria e delimita as condi-es de nossa experincia e o horizonte de nossos atos. Uma certaalteridade presena constitutiva das subjetividades na medida em quea tradio que nos precede e nos envolve deva ser compreendida comoaquilo que no sendo eu faz com que eu possa vir a ser o que sou; ouseja, para Heidegger, um ser-a, um Dasein e um Mit-sein (ser-com).Nos textos posteriores a Ser e tempo ser a dimenso do Logos, da lingua-gem, que portar a marca deste transubjetivo primordial e constituinteda possibilidades de existir, de escutar, de falar.

    Em seu ltimo e inacabado livro, O visvel e o invisvel (1964), Merleau-Ponty procura apresentar sua concepo sobre a origem das relaesintersubjetivas, do contato do corpo com o mundo, e com o corpo deoutros. Nesse livro afirmam-se as bases de sua ontologia do ser bruto, quetoma a porosidade corprea e a esfera da reversibilidade sensvel comoum solo primeiro. Merleau-Ponty procura descrever um plano de ex-perincias, que o da quase indiferenciao, como se no plano dosensvel, da mais radical relao intercorprea, as particularidades que

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    19

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    geram as diferenas quase fossem abolidas e ns tivssemos ento quereconhecer que no princpio s h a unidade. Mas, como ele lembra, seno h coincidncia absoluta, se no h simultaneidade total oureversibilidade instantnea, isso no deve ser entendido como umfracasso. A distncia e, portanto, o nvel das singularidades, prpriodo corpo vivido em sua relao com o mundo e com outros corpos.Deve-se, no entanto, reconhecer as dobradias que compem esseplano de base, que no mais, definitivamente, a situao dividida,separada, das dicotomias eu-outro, sujeito-objeto.

    A noo de carne (flesh) [chair], uma das noes privilegiadas porMerleau-Ponty (1964) em seu ltimo livro, de fundamental impor-tncia para que seja possvel apreender a real dimenso de sua concep-o de intercorporeidade: uma coisa geral, a meio caminho entre oindivduo espcio-temporal e a idia, espcie de princpio encarnadoque importa um estilo de ser em todos os lugares onde se encontrauma parcela sua (p. l84).

    Parece-nos que essa noo de carne fornece a Merleau-Ponty oestofo comum para que seja possvel falar em intercorporeidade.A noo de carne, melhor que qualquer outra por sua radicalidade, trazem si a mtua constituio das polaridades em um campo existencial,que aquele da permanente reversibilidade possvel entre um corpoque toca outro corpo e por ele tocado. Merleau-Ponty no supe ummundo onde distncias no existem. No h a defesa de uma puraindiferenciao que nos remeteria concepo da grande unidade ori-ginria, na forma do uno primordial, de onde tudo nasce e para ondetudo volta. Se ver tocar distncia, se busco com meu corpo tocar eser tocado, porque a distncia existe, a diferena um fato. No entanto,o que pode tornar o ver e o tocar significativos e carregados de senti-dos a simultaneidade de diferenciao e indiferenciao, esta comopresena do mesmo elemento (carne) no corpo e no mundo (CoelhoJunior, 2000, p. 24). Merleau-Ponty (1964) sugere que em vez de riva-lizar com a espessura do mundo, a de meu corpo , ao contrrio, onico meio que possuo para chegar ao mago das coisas, fazendo-memundo e fazendo-as carne ( p. 178).

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    20

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Cada uma dessas diferentes concepes de Scheler, Heidegger eMerleau-Ponty apontam para uma matriz intersubjetiva que concebe aalteridade como inaugural e anterior, como um solo trans-subjetivo, ante-rior inclusive possibilidade instituda de um eu que venha a se opor oua se relacionar com um outro.

    2. A intersubjetividade traumtica: E. Lvinas

    Com o filsofo lituano, radicado na Frana, Emmanuel Lvinaspodemos entrar em contato com a segunda matriz, a da inter-subjetividade traumtica. H nessa matriz a constante referncia irrupo da alteridade, ou melhor, a da alteridade como irrupo eacontecimento traumatizante. Para Lvinas, o outro concreto e sin-gular me precede e me traumatiza, e com isso me constitui. A cadamomento de emergncia do outro, algo no poder ser simples-mente assimilvel ao campo do j sabido e j disponvel para o usoe o controle. O outro de fato concebido como uma radicalalteridade, que no deve ser concebido nem abordado a partir deuma experincia que se caracterize como uma assimilao daquiloque a princpio j se oferece como assimilvel. Uma relaointersubjetiva para Lvinas (1974) implica, necessariamente, em umcerto deslocamento, em uma certa ciso ou modificao na experin-cia subjetiva, seja em sua constituio primeira, seja em subjetividadesj constitudas, mas em processo de reconstituio, como ocorre,por exemplo, em uma psicanlise. Haveria, para Lvinas, em cadaprocesso de subjetivao a experincia inalienvel de uma passividaderadical, que seria a condio subjetivante bsica. Concebe-se a expe-rincia subjetiva como abertura permanente e inevitvel ao outro,em sua alteridade, que sempre ultrapassar, por princpio, a nossapossibilidade de recepo, acolhimento e compreenso e, que noentanto, como expresso do sofrimento, nos exige alguma resposta(Figueiredo, 2003, p. 2). Assim, para Lvinas, as experincias desubjetivao no deveriam ser apenas processos em que se engordacom os alimentos assimilveis vindos do outro. Deveriam tambme, principalmente, caracterizar-se como convivncias e transforma-es (e transformaes requerem e implicam trabalho e, lembremos,

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    21

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    em italiano travaglio dor) diante daquilo que a princpio tende-se aexcluir. Aquilo que se ignora ou se rejeita e que se rechaa justa-mente o que difere de mim e poderia me fazer outro. Uma experin-cia de subjetivao que seja s assimilar o semelhante acaba portornar-se o permanente exerccio da mesmice, da identidade comorecusa alteridade e a prpria experincia intersubjetiva se perderiacom o imprio do mesmo que se repete.

    A forma de subjetivao que reconhece a alteridade, que foge daadequao, adaptao e perfeito encaixe entre eu e outro, que reconhe-ce que algo do outro excede sempre a mim, ser por sua vez sempretraumtica. Trauma e excesso que pedem, que exigem, trabalho (etravaglio) por parte do sujeito. Deste modo, o contato com o outropassa pelo inevitvel impacto da no adaptao plena, da impossibi-lidade de adequao. De uma certa forma, a experincia traumticado outro o contraponto necessrio experincia trans-subjetiva deque falamos no item anterior para que de fato se constitua um campode intersubjetividade.

    Nas teorizaes psicanalticas de S. Freud, S. Ferenczi e J.Laplanche encontraremos remisses mais ou menos explcitas a estaintersubjetividade traumtica, concebida a partir da idia de que ooutro me impor a sua sexualidade como um forte impacto, no pas-svel de assimilao e incorporao simblica. A sexualidade incons-ciente do outro aparece, assim, como simultaneamente constitutiva etraumtica. Essa forma de conceber as experincias inaugurais desubjetivao abrir caminho, em diferentes teorias psicanalticas, paraa compreenso da origem de angstias de separao e individuao,que por sua vez envolvem em sua particular forma de convivnciasubjetiva com a alteridade experincias de perda, do abandono eda castrao.

    A alteridade, nessa dimenso, traumtica porque produz fra-turas e exige trabalho em processos permanentes de inadaptaoentre eu e outro.

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    22

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    3. A intersubjetividade interpessoal: pragmatismo social e

    interacionismo simblico

    Como j foi antecipado, preciso reconhecer tambm o campo dasrelaes construdas nas interaes entre organismos e sujeitos indivi-duais, o campo da intersubjetividade interpessoal. o campo em quegestos dirigidos a outros atos parciais que os outros devem receber e a quedevem responder, sendo o gesto uma ao incompleta que os outros com-pletam e cujo sentido s se constri e define na prpria interao estona base do que vem a se constituir como significado compartilhado, comomente (conscincia) e como self (Faar, 1980). Ningum pode ter acesso a sie sua conscincia, mais ainda, ningum pode se dotar de um mim e deuma conscincia seno pela mediao do outro e de suas respostas. clarauma ressonncia hegeliana nas formulaes de Mead que se desenvolvema partir de uma lgica dialtica que muito deve Fenomenologia do esprito deHegel, embora sua filiao assumida seja aos funcionalistas americanos5.

    Inscrevem-se nessa tradio filosfica os estudos psicolgicos epsicanalticos das interaes precoces entre beb e mundo adulto, oque inclui as vicissitudes destes processos interativos. O mundo adulto,porm, no comparece como o mundo da cultura, como o Outro trans-subjetivo, mas sempre personificado por uma pessoa, como a meem interao concreta e individualizada com seu beb. Mais ampla-mente e indo alm destes estudos do desenvolvimento social precoce,podemos afirmar que a influncia funcionalista e interacionista estmuito presente em todo o pensamento psicanaltico americano dainteractional ou relational psychoanalysis.

    De outro lado, mas de forma compreensvel para quem capaz dedetectar os ecos hegelianos na obra de Mead, uma certa presena de Hegele de sua dialtica acaba sendo tambm detectvel entre todos os estudio-sos da intersubjetividade interpessoal. Alis, mesmo em alguns autorespsicanalticos americanos que enfatizam a dimenso da intersubjetividadetrans-subjetiva, como Thomas Ogden (1994), como est evidente em seuconceito de terceiro analtico, a presena de Hegel pode ser facilmenteassinalada e talvez decorra de uma certa presena difusa de Hegel nopensamento acerca da natureza intersubjetiva do self nos EUA.

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    23

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    4. A intersubjetividade intrapsquica: S. Freud, M. Klein, W.D.

    Fairbairn e D.Winnicott

    Esta dimenso intersubjetiva refere-se, fundamentalmente, ao planodas instncias do psiquismo (Id, Ego e Superego), ao dos objetos internose, de modo geral, ao que em psicanlise denomina-se como o modo object-relating de funcionamento psquico. Ou seja, na teorizao psicanaltica possvel conceber uma dimenso da experincia intersubjetiva em que apresena de objetos (no caso, outros sujeitos, ou ao menos partes deles)no precisa se dar efetivamente na realidade externa para que tenha efeitoe produza conseqncias em termos psquicos. Encontram-se nessa ma-triz os fundamentos para a compreenso das grandes cises (como, porexemplo, aquelas entre corpo e mente, razo e paixo, vontade e impulso)e tambm as personificaes das foras ou faculdades psquicas. Nessadimenso, bastante trabalhada nas obras de Melanie Klein, Fairbairn eWinnicott, a experincia intersubjetiva comparece atravs de uma intrincadarede de relaes com objetos, vivida no plano intrapsquico. Embora essesobjetos internos possam ter tido, em algum momento da vida do sujei-to, seu correlato externo, real (no sentido emprico), no a partirdessas possveis referncias externas que sua efetividade se verifica, j que,como objetos internos, passam a observar leis e funcionamentos peculia-res e desconhecidos no mundo externo. Para que essa concepo faaalgum sentido, e que no desmorone diante da argumentao de que essaspresenas da alteridade j no so mais a real presena de um outro, massim parte integrante daquilo que se denomina sujeito, preciso relembrara postulao freudiana de um psiquismo que no se configura como umaunidade, a partir do primado da conscincia, mas sim como umamultiplicidade, a partir do primado do inconsciente e da constante presen-a do conflito psquico. preciso tambm relembrar a importnciaheurstica, em termos psicanalticos, das noes de identificao, incorpo-rao (Freud) e introjeo (Ferenczi). Vale dizer que, em termos psicanal-ticos, as formas de presena do outro indicadas nos processos de identifi-cao, incorporao e introjeo, no so sentidas simplesmente comofantasias mas, ao contrrio, sentidas como imagem de uma realidadeconcreta sobre quem e o que se , quem e o que so os objetos, o quepodem nos fazer e o que lhes podemos fazer (Caper, 2002, p. 149).

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    24

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Deve-se a Melanie Klein a criao do termo objeto interno, quepara ela referia-se a uma experincia subjetiva inconsciente, vivida pelacriana, como uma multido de seres que com todas suas atividades,amigveis e hostis, aloja-se dentro do corpo da pessoa. Klein dife-renciava essa forma de experincia psquica de outra menos primitiva,relacionada instncia superegica, que pode ser descrita como a pre-sena das vozes dos pais dentro da mente. Portanto, para Klein, huma experincia muito primitiva, em termos psquicos, em que aspercepes do mundo externo recebidas nesse nvel do inconscientetendem a se tornar to saturadas por essas fantasias concretas, instinti-vas, que parecem indistinguveis delas(Caper, 2002, p. 148).

    J o psicanalista escocs W.R. Fairbairn parte da idia de que obeb sofre inicialmente de uma separao no-natural com os objetosexternos (a me), j que depende de um objeto que est fsica e emocio-nalmente ausente a maior parte do tempo. Esse sofrimento faria comque o beb buscasse estabelecer objetos internos dentro de si que agemcomo substitutos e solues para relacionamentos no-satisfatrios comobjetos externos reais (Fairbairn, 1952, p. 40) e que podem a e nestacondio ser controlados. De uma forma geral, podemos afirmarque nessa matriz de intersubjetividade intrapsquica estamos em con-tato com uma peculiar experincia com a alteridade, em que o outrocomparece como uma presena-ausente.

    Consideraes finais

    Para concluir, gostaramos de reafirmar que as matrizesintersubjetivas indicam dimenses de alteridade que nunca ocupam deforma pura e exclusiva o campo das experincias humanas. As quatromatrizes que propomos devem ser concebidas como trilhas simultneasnos diferentes processos de constituio e elaborao subjetivas. Asrelaes entre essas matrizes segue o que o filsofo francs J. Derrida(1967) denominou de uma lgica da suplementariedade, ou seja, cadadimenso sempre um apelo de suplemento endereado ao outro, assimcomo cada dimenso procura no outro a suplncia de suas fraquezasou o controle suplementar de seus excessos. A ttulo de exemplificao,

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    25

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    assinalaremos a seguir, em linhas muito gerais, alguns vnculos que sepodem entrever entre as matrizes.

    Talvez a matriz mais fcil de ser concebida seja a da inter-subjetividade interpessoal, pois neste nvel que o conceito de inter-subjetividade parece operar de forma mais evidente. No entanto, fcil perceber como o interpessoal nos remete e nos obriga a pensarem uma intersubjetividade intrapsquica, pois um self constitui-seintrojetando papis complementares, vale dizer, o resultado de pro-cessos de internalizao (na socializao primria e na secundria) quecolocam os outros significativos na condio do que poderia serconcebido em termos de instncias e objetos internos. De outrolado, quando, por abstrao, forma-se o outro generalizado, temos aremisso a uma dimenso trans-subjetiva habitando o mago do self.No entanto, nem o outro generalizado tem o carter primordial do quedevemos entender como cultura e sociedade isto , a primordialidadedo trans-subjetivo , nem os outros significativos internalizados pos-suem a dinmica peculiar do que, no plano intrapsquico, funciona comoobjeto interno ou como instncia intrapsquica. preciso sair do campoda intersubjetividade interpessoal para podermos dar desenvolvimentocabal s dimenses intersubjetivas que exigem estudos e consideraesque partem de outros lugares ou focalizam outros aspectos da subjeti-vidade e o fazem de outros ngulos.

    Da mesma forma, como j foi sugerido, a intersubjetividade trau-mtica indispensvel para que possa emergir de fato uma singularidadesubjetiva desde o solo trans-subjetivo primordial. Assim que, tanto emHeidegger como em Merleau-Ponty, h uma remisso ao absolutamenteoutro de mim, a um fora do mundo e fora do ser sem o que no seexperimentaria nada alm do mesmo. Mas em Lvinas que esteoutramente que ser se configura como alteridade radical. Emcontrapartida, a pura e simples exterioridade do outro jamais resultariaem subjetivao se neste outro no se encontrasse tambm acolhimentoe habitao e se, a cada momento, algo desta experincia prvia deincluso no estivesse operando em todos os encontros, sejam os mar-cados pelo traumatismo, sejam os marcados pela complementaridade.

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    26

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    Enfim, de cada uma das matrizes somos remetidos a ngulos easpectos a que esta matriz no tem acesso e que, assim, nos exige umtrnsito contnuo entre elas sem a expectativa de uma sntese na qual aquesto da intersubjetividade pudesse ser finalmente equacionada.

    Notas

    1. Ver a esse respeito, Valsiner, 1998; Apprey e Stein, 1993; Ogden, 1994; e Figuei-redo, 1994.

    2. Cf. GHENT, E. (1989), GILL, M.M. (1993) e REIS, B. (1999). Por one person psychologyentende-se a tradio que concebe o psicanalista no lugar do observador, tendo comoobjeto de estudo o psiquismo de um paciente; por two person psychology, a prtica queinclui a experincia subjetiva do psicanalista como parte integrante do processo deanlise e por three person psychology, uma possvel referncia ao modelo desenvolvidopor Thomas Ogden, em grande parte influenciado pelos trabalhos de Bion e Winnicott,que concebe um terceiro analtico, que seria, simultaneamente, constitudo por econstitutivo do campo analtico formado pelo psicanalista e pelo paciente.

    3. Ver a esse respeito Braten, 1998.

    4. Ver a esse respeito, Jolivet, 1975, p. 128.

    5. Lembre-se que os funcionalistas tiveram como um de seus focos a prpria noo deexperincia e em seus estudos da experincia repartiam-se entre os que seguiam umatrilha kantiana e os que seguiam uma trilha hegeliana, sendo Kant e Hegel as duasbases fundamentais do pensamento moderno sobre o tema.

    Referncias Bibliogrficas

    APPREY, M.; STEIN, H. (1993). Intersubjectivity, projective identification and otherness.Pittsburgh, PA: Dusquene University Press.

    BERGER, P.; LUCKMAN, T. (1968). La construccin social de la realidad. BuenosAires: Amorrortu.

    BRATEN, S. (ed). (1998). Intersubjective Comunication and Emotion in Early Ontogeny.Cambridge, UK: Cambridge University Press / Paris: Editions de la Maison desSciences de lHomme.

  • NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR; LUS CLUDIO FIGUEIREDO

    27

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    CAPER, R. (2002). Tendo mente prpria. Rio de Janeiro: Imago.

    COELHO Jr, N.E. (2000). Merleau-Ponty e o primado da percepo: dilogoscom a psicanlise. Revista de Psicologia Universidade Federal do Cear. vol. 15/16, 1997-1998: 11-26.

    DERRIDA, J. (1967). De la Gramatologieto. Paris: Minuit.

    FAAR, R.M. (1979/1980). Homo socio-psychologicus. In: CHAPMAN, A.J.;JONES, D. (eds). Models of Man. London: The British Psycological Society.

    FAIRBAIRN, W.R. (1952). An object-relations theory of the personality. New York:Basic Books.

    FIGUEIREDO, L.C. (1994). A questo da alteridade na teoria da seduogeneralizada de Jean Laplanche. Psicologia USP. 5 (1/2): 297-308.

    ________. (2003). Transferncias, contratransferncias e outras coisinhas mais.In: ___. Elementos para a clnica contempornea. So Paulo: Escuta.

    GHENT, E. (1989). Credo: the dialectics of one-person and two-personpsychologies. Contemporary Psychoanalysis. 25: 169-211.

    GILL, M.M. (1983). The point of view of psychoanalysis: Energy discharge orperson? Psychoanalytical Contemporary Thought. 6: 523-552.

    GREEN, A. (2000). The Intrapsychic and Intersubjective in Psychoanalysis. ThePsychoanalytic Quarterly. LXIX(1): 1-39.

    HABERMAS, J. (1970). Towards a theory of communicative competence. In:DREITZEL, H.P. (ed). Recent Sociology. London: Macmillan. vol. XII.

    HEIDEGGER, M. (1927/1962). Being and Time. Oxford, UK: Basil Blackwell.Translation John Macquarrie and Edward Robinson.

    HURSSERL, E. (1929/1969). Mditations cartsiennnes. Paris: Vrin. Traduit par E.Lvinas et G. Peiffer.

    JOLIVET, R. (1975). Vocabulrio de filosofia. Rio de Janeiro: Agir.

  • FIGURAS DA INTERSUBJETIVIDADE NA CONSTITUIO SUBJETIVA: DIMENSES DA ALTERIDADE

    28

    INTERAES VOL. IX n.o 17 p. 9-28 JAN-JUN 2004

    LVINAS, E. (1974). Autrement qutre ou au-del de lessence. Den Haag,Netherlands: M. Nijhoff.

    MEAD, G.H. (1910/1978). What social objects must psychology presupose?. In:LUCKMANN, T. (ed). Phenomenology and Sociology. Harmondsworth, UK: PenguinBooks.

    MERLEAU-PONTY, M. (1964). Le Visible et LInvisible. Paris: Gallimard.

    ________. (1988). Merleau-Ponty la Sorbonne: resum de cours 1949-1952.Paris: Cynara.

    OGDEN, T. (1994). Subjects of Analysis. Northvale, NJ: Jason Aronson.

    REIS, B. (1999). Thomas Ogdens Phenomenological Turn. PsychoanaliticalDialogues, 9(3): 3371-393.

    SCHELER, M. (1923/1971). Nature et Formes de la Sympathie. Paris: Payot.

    VALSINER, J. (1998). The Guided Mind: a Sociogenetic Approach to Personality.Cambridge, MA: Harvard University Press.

    NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR

    Al. Lorena, 1.359 / 82 01424-001 So Paulo/SP

    tel: (11) 288-8202

    e-mail: [email protected]

    LUIS CLUDIO FIGUEIREDO

    R. Alcides Pertiga, 65 05413000 So Paulo/SP

    tel: (11) 3673-7709

    e-mail: [email protected]

    recebido em 10/05/04

    aprovado em 18/06/04


Recommended