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DO MAXILbAK INFERIOR - repositorio-aberto.up.pt · G.a CADEIR —A Partos, ... Roberta B. do...

Date post: 09-Feb-2019
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LUXAÇÕES DO MAXILbAK INFERIOR DISSERTAÇÃO INAUGURAL APBESENTADA Á Escola Medico-Cirurgica do Porto POB VICTOR HENRIQUES AYRES MORA PORTO TYP. DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA 178 — Km de D. Pedro —184, 1900 /O/Q/3- £jy £
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LUXAÇÕES DO

MAXILbAK INFERIOR DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APBESENTADA Á

Escola Medico-Cirurgica do Porto POB

VICTOR HENRIQUES AYRES MORA

PORTO

TYP. DA EMPREZA LITTERARIA E TYPOGRAPHICA

178 — Km de D. Pedro —184,

1900

/O/Q/3- £ jy £

Escola Medico-Ciruraca 4o Porto DIRECTOR INTERINO

CONSELHEIRO ANTONIO D'OLIVEIRA MONTEIRO

LENTE-SECRETARIO INTERINO

Clemente Joaquim dos Santos Pinto

O O R R O O O O E N T E

Lentes cathedraticos

1 , a CADEIRA —Anatomia descriptiva e geral. João Pereira Dias Lebre.

2.a CADEIRA — Physiologia . . . . . Antonio Placido da Costa. 3 a CADIÏIRA —Historia natural dos

medicamentos e materia medica Illidio Ayres Pereira do Valle. 4.a CADEIRA —Pathologia externa e

therapeutica externa Antonio J. de Moraes Caldas. 5.a CADEIRA — Medicina operatória. Vaga. G.a CADEIRA — Partos, doenças das

mulheres de parto e dos recem-nascidos Cândido Augusto Corrêa de Pinho.

7.a CADEIRA — Pathologia interna e therapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro.

8.a CADEIRA — Clinica medica . . . Antonio d1 Azevedo Maia. 9.a CADEIRA — Clinica cirúrgica . . Roberto B. do Rosário Frias.

10.a CADEIRA — Anatomia pathologi-ca Augusto H. d1 Almeida Brandão.

11. a CADEIRA —Medicina legal, hygie­ne privada e publica e toxico­logia Vaga.

12.a CADEIRA — Pathologia geral, se-meiologia e historia medica . . Maximiano A. d'Oliveira Lemos.

Pharmacia Nuno F. Dias Salgueiro.

Lentes jubilados C i n , s „ m D / í í n n í José d'Andrade Gramacho. Secção mediea j J o g é G a r l o s L o p e s >

" ° ' í Dr. Agostinho Antonio do Souto.

Lentes substitutos «„„„- j . „ . f João Lopes da S. Martins Junior secção medica ] AlbeHo £ e r e i r a d , A „ u i a r .

- • ,ir„T„;e!i j Clemente Joaquim dos S. Pinto, o cirúrgica j C a r l o s A l b e r t 0 d e L j m a .

Lente demonstrador Secção cirúrgica. Luiz de Freitas Viegas.

y

A Escola nao responde pelas cão e enunciadas nas proposições.

{Regulamento da Escola de

doutrinas expendidas na disserta-

23 d'abri] de 1840, art. 155.°)

Á SANTA MEMORIA

Z//Le44 Z/ae

Á INOLVIDÁVEL MEMORIA

DE

MEtí FiLHG

Uma lagrima de saudade

Á CHORADA MEMORIA

DE

MEU BOM IRMÃO VALENTIM

ETERNO ADEUS

i r

^ f i ^ -

A. nvcB3ynoRi-A-DE

MEU MEIGO SOBRINHO MARIO

SENTIDO BEIJO

«««ti» i nmim ~Mt

Um afectuoso abraço por ver coroados os seus anhelos.

LZ nnnn-a exemplar eùpoôa

MIL BEIJOS.

&pç_ minfya dedicada irmã

Um apertado abraço de reconhe­cimento.

s ^ minima cunhada @ríota Ê A MEUS SOBRINHOS

Um respeitoso abraço e muitos ex­tremosos beijos do vosso tio.

et mmna cunnada OSic oôa

Um respeitoso abraço.

A. minha mnhada Amelia

Ho meu bom irmão e muito amigo Emygdio

E A MEUS SOBRINHOS

*Ql K^e^CCL^CO-,

Dois apertados abraços e muitos ht'ij.nhos do vosso tio.

I

(Sïo meu mwiío amigo e vem timão ^/oão

DOIS ABRAÇOS.

AOS CONSTANTES E DEDICADOS AMIGOS DE MEU FALLECIDO IRMtO VALENTIM

^O^-L (MlXJV*. p i ^ ^ t c L . çt'CL^IÊc^ McLC.fLo.cLo. Dig.™ Coronel d'engenheria o deputado da nação

jJcK-cLn-í^ ^o-õ^o- fbaicL-i.CçtMJLy^ TídLí^í.1^0.

Douto Professor do lyceu de Santarém

Distincto Director i'obras publicas do districto de Santarém

gfuJLLo- f3Cu-a-i* cL Coz-ca_i.ci.a~ j&oJLcta-cLo-

d{i.ctu.!iJL ptk.t~x.a~o- v3íts±.çtujL£s^

^a-a -e - Cfôe-ífa.K.eC/i.e, J^cco-tcC WjLujto- jzbísi-x.O~o~

^a.cÃ.t*jJLo-J íbiSLSí,c\jO-> mu-n^±MJL.tí,) cl(LtM*~uAj>J

Homenagem de profundo respeito e gratidão.

AO MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

Brilhante ornamento do corpo docente d'esta Escola

ÍV » Scc.mo Jfltt,

<*Jyb, w/ememe í? aeá z^a-^ioá <LStme

Tributo d'admiraçâo feio seu talento e retribuição d sua amisade.

RES assumptos, sobre todos os outros, despertaram mais especialmente a mi­nha attençcão no decorrer da clinica

hospitalar do actual anno lectivo. O primeiro, uma fibromatose generalisada,

confirmada pela autopsia, com blepharoptose e contractura do membro inferior, é observa­ção rarissima de que apenas na sciencia exis­tem publicados seis casos em uma these de Nancy,

O segundo, um volumoso kisto dermoide-' do rim direito, foi operado pelo infatigável e proficientissimo trabalhador, Professor Dr. Roberto Frias, e o portador em breve saiu cu­rado.

E caso muitíssimo mais raro que o ante­cedente, pois só ha mencionado um por Ma-delung.

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Estes são excellentes assumptos de these e de certo serão detalhadamente tratados pe­los meus talentosos condiscípulos, assistentes dos respectivos doentes.

O terceiro foi uma prenhez extra-uterina abdominal verificada pela autopsia.

Caso relativamente raro, sempre interes­sante pela difficuldade de diagnostico, consti­tuiria certamente este meu trabalho, se hou­vesse colhido em vida da parturiente dados, que sob qualquer ponto de vista pudessem ainda que minimamente esclarecer o parteiro. Assim, falto d'elementos, perderia todo o va­lor e, sem nada poder accrescentar ou modi­ficar, teria de limitar-me a copiar livros, repe­tindo o que está dito, sem o testemunho pró­prio.

Abandonados, por estas razões, estes as­sumptos, vi-me na necessidade de recorrer ao que constitue este insignificante trabalho por ter d'elle duas observações pessoaes.

Porém, antes de começar, devo patentear o meu reconhecimento ao illustradissimo corpo docente d'esta eschola pelas provas d'affe-ctuosa estima, que dispensou ao discipulo grato.

PARTE I

DAS LUXAÇÕES EM GERAL

PRELIMINARES

A articulação do maxillar inferior é anato­micamente umadas que melhor se presta a considerações geraes referentes, quer ás mo­dificações que sofFre nas différentes phases da vida, quer ás diversas e variadas formas que apresenta nos animaes vertebrados.

Estudar essas modificações, examinar as alterações, que os différentes systemas dentá­rios imprimem aos condylos do maxillar e, por consequência, aos seus movimentos, é as­sumpto que mais propriamente pertence aos anatómicos.

Compete, porém, ao cirurgião examinar-lhe a posição, a disposição das forças moto­ras, conceber bem os seus movimentos pára melhor comprehender os deslocamentos e as-

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sim poder facilmente repor as cousas no es­tado normal.

Torna-se, pois, necessário o conhecimen­to topographico dos elementos que compõem a articulação, sem o que seria difficil entrar bem no estudo da luxação temporo-maxillar.

Estas considerações justificam plenamen­te alguns dados anatómicos, de que mui rápi­da e succintamente vamos preceder o estudo da luxação.

CAPITULO I

ANATOMIA

A articulação temporo-maxillar é forma­da pelos condylos do maxillar inferior e pelas cavidades glenoidéas dos temporaes; mas só a porção anterior do condylo, bem como a correspondente á raiz transversa da apophyse zygomatica, são articulares.

A forma da cavidade e raiz transversa sof-frem modificações com a edade : na creança é muito menos desenvolvida e no feto consis­te numa superficie plana de modo que o condylo pôde rolar sobre ella.

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A cavidade augmenta ainda com o desen­volvimento do canal auditivo e da arcada zy-gomatica.

Esta modificação dá-se egualmente no condylo ; apparece na epocha em que o ramo da maxilla parece inflectir-se sobre o corpo para deixar um espaço livre ao systema den­tado.

Entre as duas superficies articulares con­vexas ha uma lamina fibro-cartilaginea, bi-concava, de forma elíptica, grande eixo trans­versal e mais espessa na parte posterior.

Esta menisca divide a articulação, por as­sim dizer, em duas contíguas, tendo cada uma synovial distincta, mas communicando entre si.

Uma capsula fibrosa frouxa, inserindo-se á circumferencia da menisca e reforçada por diversos ligamentos, com alguns dos quaes tem adherencia, completa a articulação.

Vê-se pelo exposto que é uma dupla arti­culação, pertencendo á classe das diarthroses discordantes, género bi-condyliana conjugada.

Quanto ao numero de ligamentos, diver­gem os anatómicos. Tillaux diz que verda­deiramente só ha um, que é o lateral externo,

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sendo os outros insignificantes e devendo considerar-se como interno, o externo do la­do opposto, e Beaunis descreve trez — um externo, um interno, dividido em porção an­terior e posterior, e o stylo-maxillar.

Além d'estes ligamentos encontra-se em volta de cada articulação uma serie de poten­cias musculares.

CAPITULO II

PI1YSIOLOGIA

Os movimentos do maxillar inferior são: abaixamento e elevação, lateralidade, propul­são e retrogradação.

Os músculos motores do abaixamento são o cuticular, infra-hyoideos e digastrico: d'ele-vação os pterygoideo interno, masseter e tem­poral; lateralidade os pterygoideos externo, interno e digastrico ; propulsão o pterygoideo interno ; retrogradação o digastrico.

É no movimento forçado d'abaixamento que o condylo, abandonando a superfície arti­cular, se fixa na fossa zygomatica.

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Por um leve abaixamento desloca-se por baixo da raiz transversa da apophyse zygo-matica, podendo, em caso de movimento mais accentuado, collocar-se, sem constituir luxação, um pouco por deante d'essa raiz em uma pequena superfície plana; mas, ultrapassa­da essa superficie prearticular, entra na fossa zygomatica e está produzida a luxação.

Nelaton dizia que para se produzir a lu­xação era indispensável que houvesse conta­cto coronoïdo-malar e que o deslocamento era permanente, não em virtude da saliência da raiz transversa da apophyse zygomatica, maïs parceque le sommet de l'apophyse coronoïde vient arc-boutter contre l'angle inférieur de l'os ma­laire, en dehors du tubercule, qui résulte de la jon­ction de cet os avec la tuberosité maxillaire, et se loger dans la petite fossete, qui existe souvent dans ce point.

Maisonneuve, procedendo a uma serie d'ex-periencias, concluiu, em opposição a Nelaton-i.° que a luxação do maxillar inferior resulta do escorregamento anormal dos condylos para deante da raiz transversa da apophyse zygomatica : 2.0 que a fixidez da luxação era unicamente consequência da combinação de

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duas forças; uma, passiva, devida á resistên­cia dos ligamentos stylo e spheno-maxillares ; a outra, activa, devida á contracção de todos os músculos elevadores da maxilla.

Das différentes theorias que se teem apre­sentado para explicar a difficuldade de redu-cção n'esta luxação, a mais antiga é certamen­te a muscular, pois já Galeno, persuadido que os músculos eram os únicos obstáculos á re-ducção, aconselhava fatigal-os primeiro, impri­mindo á maxilla movimentos em diversos sentidos, antes de proceder á reducção.

Petit e Tillaux dizem que dada a luxação o ramo montante do maxillar fica collocado parallelamente ás fibras do masseter e este contra'indo-se impede a reducção.

Nelaton, como ha pouco vimos, e Malgai-gne sustentaram que a dificuldade provinha da apophyse coronoidea.

Mathieu dá toda a importância á menisca e Farabeuf pretendendo refutar as theorias antecedentes, accusa a acção dos ligamentos stylo e spheno-maxillares.

Vem finalmente a theoria ecléctica dizer-nos que ossos, músculos, ligamentos e me­nisca se prestam mutuo auxilio.

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CAPITULO III

HISTORIA

N'um livro intitulado Obras completas d'Hippocrates, acha-se sobre articulações uma descripção bastante completa das luxações do maxillar inferior.

Este auctor considera duas espécies segun­do um só ou os dois condylos se luxam : no primeiro caso, houve um grande affastamento a que se juntou um movimento de laterali­dade.

Estas luxações são raras, diz, porque na­da nos obriga, comendo, a abrir desmedida­mente a boca ; Hippocrates descreve-as com grande precisão, indicando não só os cara­cteres que apresentam, mas as circumstan-cias em que podem dar-se, e indica um pro­cesso de reducção, que adeante exporemos, reproduzido pelos auctores, que lhe succede-ram e os caracteres das luxações dos dois condylos.

Depois d'esta descripção prescreve como

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tratamento a reducção immediata e accres-centa que, em caso de não reducção, «os feri­dos correm risco de perder a vida por febres continuas e coma; sobrevêem dejecções de bilis pura, pouco abundantes e vómitos des­ordenados, morrendo ao decimo dia.»

Este prognostico acha-se reproduzido por Galeno e pelos auctores da edade media; comtudo a descripção dos casos que lemos, não nos confirma esta terrível predicção.

As ideas d'Hippocrates são quasi inteira­mente seguidas por Celso, que admitte egual-mente uma luxação simples e uma dupla; indica também os caracteres que apresentam e descreve o mesmo processo de reducção ; refere-se ao prognostico, que não é tão severo como o de Hippocrates, e apenas observa que podem dar-se algumas vezes complicações de pequena importância, occupando-se por fim do tratamento a oppor-lhes.

Galeno, no seu tratado Galeni in Hippo-cratetn de articulis começa por uma descripção anatómica, distinguindo os dois maxillares : o superior immovel, o inferior movei.

«O abaixamento do maxillar, diz, só é pos-

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sivel quando a apophyse coronoïdea se col­loque mais baixa que o osso zygomatico.

«Dá-se a luxação se fica n'esta posição em vez de retomar o logar natural, o que acon­tece quando é desviado obliquamente e com uma abertura exagerada da boca ; assim, a lu­xação e sobretudo a dupla, é rara já por estas disposições, já em virtude da força dos mús­culos, que elevam a maxilla.»

Hippocrates cita como músculos elevado­res os temporaes e massetéres.

Galeno nota que os anatómicos distin­guem estes músculos dando aos massetéres um movimento de rotação, considerando-os como músculos inferiores e diz que os eleva­dores são os temporaes e pterygoïdeos.

«Conhecendo a disposição das partes, logo que se vê uma pessoa que não pode fechar a boca, tendo o maxillar deslocado para deante e ao mesmo tempo inclinado, deve procurar reconhecer-se exactamente com os dedos e vista o coronon, que vem salientar-se na bo­checha, e, quando o encontreis, tende a cer- • teza que a maxilla escorregou.»

Adopta completamente o modo de redu-cção prescripto por Hippocrates: depois de fa-

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tigar os músculos, affastar quanto possivel o maxillar inferior do superior, collocal-o na di­recção da sua posição natural, impellil-o rapi­damente para traz, convidando o paciente a fechar a boca.

No começo é necessário recommendar que se não faça nenhum esforço; mas, logo que cada apophyse coronoïdea se acha na sua di­recção, o temporal puxa-a á situação normal.

Quando a luxação é dupla, o mento proe-mina mais, mas não ha inclinação lateral e aqui ainda Galeno diz « que o processo de re-ducção é o mesmo, mas mais difficil, porque estende todos os músculos da maxilla. Ora sendo estes innervados pelos nervos que vêem da terceira conjugação, situada não longe do cérebro, d'esta proximidade resultam reacções por sympathia, que provocam febres agudas e a perturbação das funeções da alma».

Oribaso copia Galeno e Paul d'Egine cita Hippocrates.

Entre os arabes, Avincenna e Albucassis seguem-lhe os passos.

Guilherme de Salicet deixa de transmittir as tradições gregas e latinas, mas longe d'aper-feiçoar a arte, fal-a retrogradar.

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Toda a cirurgia grega e latina havia admit-tido apenas duas formas de luxação; este men­ciona trez, uma para deante, outra para traz, e outra para fora.

Lanfranc admitte uma luxação para dean­te e outra para traz; no primeiro caso a boca está aberta e os dentes inferiores ultrapassam os superiores; no segundo a boca está fechada e os dentes inferiores ficam collocados por dentro dos superiores.

Guy de Chauliac segue em todos os pon­tos a doutrina de Lanfranc.

No rápido esboço, que acabamos de fazer, vê-se que, até ao xiv século, predominou sempre o que Hippocrates havia ensinado.

Muitos séculos decorreram sem o menor aperfeiçoamento, pois que era impossível ha-vel-o sem o auxilio da anatomia normal e pathologica e esta permaneceu abandonada durante o longo período da edade media, não permittindo por isso o minimo progresso á cirurgia.

No século xiv apparecem Vesala, Fallope e Colombus, Fabrício d'Aquapendente e so­bretudo Ambrósio Paré, que dominam todo o século.

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A cirurgia progride fundada sobre bases anatómicas.

Fabrício d'Aquapendente põe em principio que a luxação só pode dar-se para deante ; reconhece como Hippocrates a forma simples e dupla, descreve com grande exactidão os caracteres de cada uma e aconselha idêntico modo de reducção.

Paré, concordando com Aquapendente, ac-crescenta que quando a luxação data de mais de doze dias, se devem applicar emollientes, prática também seguida por Avicenna, e, de­pois de reducção, fazer uso d'uma ligadura embebida em clara d'ovo ou óleo rosado.

Depois de Paré, Giraldés e Malgaigne, principalmente, bem como posteriormente Villon Kelly e Mathieu refundiram as doutri­nas anteriores e descreveram minuciosamen­te, fundados n'uma serie d'experiencias, tudo o que diz respeito a esta luxação.

PARTE II

DAS LUXAÇÕES EM ESPECIAL

CAPITULO I

DEFINIÇÃO E DIVISÃO

Diz-se haver luxação do maxillar inferior quando o condylo ou condylos da maxilla, por qualquer causa, se deslocam anormal­mente da articulação.

Dividimos as luxações em : primitivas e secundarias, e ainda nas suas variedades : uni e bilateraes.

Esta nova divisão, que me parece impor­tante, e que não encontramos em obra algu­ma publicada, tem ao menos a vantagem de terminar confusões e discussões, pois que uns querem que a luxação possa dar-se também para fora, outros para traz e outros para cima. Ora estas luxações são sempre secundarias.

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Occupar-nos-hemos especialmente das primitivas, que são as luxações propriamente ditas e que só comportam a deslocação para deante; das secundarias, que podem ser trau­máticas ou pathologicas, e são complicações do estado anormal anterior, apenas apresen­taremos a observação de Robert, communi-cada á Société de Chirurgie.

Egualmente daremos uma observação de R. W. Smith publicada no Dublin Journal of medical science a que chamava luxação conge­nital e que Malgaigne muito judiciosamente considera mais como deformidade do que verdadeira luxação.

CAPITULO II

ETIOLOGIA

Dividimos as causas das luxações primiti­vas em predisponentes e efficientes.

As primeiras dizem respeito á edade e sexo; nas segundas consideraremos causas mechanicas e physiologicas.

A luxação do maxillar inferior observa-se

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geralmente em adultos ; é rara nas creanças e nos velhos.

Esta diversidade de frequência está em re­lação com as condições anatómicas proprias a cada edade.

Resulta da ausência de dentes na creança que o ramo da maxilla em vez de fazer com o corpo do osso um angulo pronunciado, como no adulto, se acha quasi na direcção do eixo do corpo, parecendo prolongal-o.

Por esta disposição succède que a maxilla em vez de executar os movimentos em volta dum eixo, que a atravessaria proximamente ao nivel do orifício superior do canal dentá­rio, de maneira que ao mesmo tempo que o condylo se dirige para deante o angulo da maxilla vae para traz, muito ao contrario des­creve arcos de circulo cujo centro é o condy­lo, o que torna muito difficil senão impossí­vel um deslocamento.

No velho desdentado as condições ana­tómicas são, sob este ponto de vista, exa­ctamente semelhantes e os resultados, quan­to aos movimentos da maxilla e á sua lu­xação, devem por consequência ser os mes­mos.

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Quanto ao velho, que conservou os den­tes, está nas condições do adulto.

D'aqui se pôde inferir que a luxação é ra­ríssima nas creanças, rara somente nos velhos sem dentes.

Mas se se pretender indicar d'um modo preciso em que edade é susceptível dar-se a luxação na creança, apenas se poderá respon­der que quando a creança já tenha dentes se acha nas condições anatómicas do adulto e por conseguinte é então possível.

Citaremos todavia uma observação publi­cada no Journal de chirurgie, que parece consti­tuir excepção a esta lei, porque a luxação se produziu n'uma creança de cinco mezes.

Gillette era d'opiniao contraria, dizendo-nos que a menor frequência da luxação na creança é devida, não a que os arcos de cir­culo descriptos pela maxilla tenham o condylo como centro, mas ao pequeno comprimento da apophyse coronoidea, que por isso não pode vir facilmente esbarrar contra o osso malar, e que Malgaigne Nelaton e Verneuil publicaram casos de luxação em indivíduos de mais de cincoenta annos d'edade.

Gillette, ao emitir a sua opinião, certamen-

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te confundiu a producção da luxação com o obstáculo, que a apophyse coronoidea podia trazer á reducção ; porque, no momento em que se dá a luxação, esta acha-se bastante af-fastada do malar.

Nas observações de Malgaigne, etc., Gil­lette não nos diz se esses individuos ainda tinham ou não dentes.

É um facto comprovado pelas estatísticas de différentes observadores que a luxação é mais frequente no sexo feminino.

Ainda entre as causas predisponentes das luxações devo mencionar — uma primeira lu­xação—.

Os factos d'esté género abundam ; tal é o caso d'um major inglez referido por Aber-nethy; a observação recolhida por M. Duval; outra por Debrou e ainda a de A. Petit em que a luxação se produziu cinco vezes em oito dias.

Observam-se também individuos, com a facilidade de reproduzirem a luxação quando querem. . 9

Um facto d'esté género foi observado por M. Houël num homem, que não só luxava a maxilla á vontade, mas, por si mesmo re-

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du2Ía immediatamente a luxação. Houël nada accrescenta á citação do facto; mas, seria real­mente muito curioso saber se esta facilidade derivava d'uma primeira luxação accidental e involuntária, ou d'um exercício continuado, uma espécie de educação especial n'esse sen­tido.

Indicarei também uma outra causa admit-tida por alguns auctores. O relaxamento dos ligamentos ; mas uma tal asserção carece da demonstração anatómica do relaxamento e em nenhuma obra, das que consultei, a encon­tro justificada.

Haverá em certos individuos disposição anatómica particular com singular predispo­sição para a luxação do maxillar inferior ?

Era este um estudo muito interessante e importante, principalmente para a historia completa das luxações, mas não encontrei em todas as minhas pesquizas qualquer au-ctor, que me fornecesse dados positivos e con­cludentes para uma affirmativa satisfatória.

As causas mechanicas pertencem todas as observações de luxações determinadas por

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violências actuando sobre o osso independen­temente dos músculos, taes como : quedas sobre o mento, pancadas, pressões, etc.

Muitas vezes, com effeito, uma pancada sobre o mento durante o bocejo, actuando de cima para baixo tende a exagerar o abaixa­mento do osso; tal é um caso referido na Chi­rurgie de %avaton.

Outras vezes a causa incide em quanto a boca está aberta ou no momento de se abrir, como menciona Berard. Tive occasião o anno passado de ver um caso com esta origem num lavrador de Francos.

Emfim, a força que arrasta a maxilla, po­de ser applicada por dentro da boca.

Astley Cooper diz que aconteceu ao den­tista Fox luxar a maxilla a um cliente quando lhe arrancava um dente; outro tanto conta Fauchard na Jlrt du dentiste acerca d'uma re­ligiosa do convento de Santa Catharina d'An­gers; e ainda idêntico facto narra Du vai nos Opúsculos sur l'art du dentiste.

Algumas vezes as causas mechanicas actuam dando um ponto d'apoio ao osso no momento em que se approxima do maxillar superior.

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Cooper narra a observação feita n'um alie­nado a quem luxaram a maxilla obrigando-o a comer á força.

Ch. Bell (Institutes of surgery) menciona o caso d'um homem em que se produziu a lu­xação quando trincava uma maçã.

Lamotte (Traité de Chirurgie) cita um in­dividuo em que se deu o mesmo accidente quando comia umas côdeas de pão.

Emfim, Monteggia (Istitu^ioni chirurgiche) diz ter observado um exemplar de luxação numa dama quando se palitava para tirar da cavidade d'um dente uma pevide de limão.

Estas causas actuam outras vezes luxando e complicando-se de fractura.

Aqui podemos apresentar uma observação de Lamotte referente a uma mulher que teve luxação e fractura proveniente d'um violento coice ; e outra idêntica de Casper.

As causas physiologicas bem mais frequentes que as mechanicas actuam, determinando a abertura exagerada da boca e a acção convul­siva d'um ou de muitos músculos.

É d'ordinario no espreguiçamento com

S3

bocejo que a maxilla se luxa: de 33 casos que li em différentes auctores, dez vezes se havia produzido d'esta forma ; d'esta ordem deve mencionar um caso que observei em uma mulher moradora na Rua do Principe.

Algumas vezes a maxilla dèsloca-se no acto de vomitar: Vidal (Traité de pathologie ex­terne) cita dois casos que observou por occa-sião do cholera.

Outras vezes à luxação é resultada de mo­vimentos ou bocejos convulsivos: tal um ca­so de Flajani {Osserva^ione de chirurgid).

Outras vezes emfim é consequência d'um accesso d'alëgria, d'um rir immoderado.

Em resumo, todas estas différentes circum-stancias em que se produz a luxação se en­globam numa única causa —o affastamento exagerado das maxillas.

Mas ha ainda outras circumstancias em que ella pode dar-se e tanto mais importantes, que muitas vezes tem occasionado erros graves de diagnostico ; são as convulsões, bocejos for­çados e gritos por occasião do parto. A estes últimos se refere uma observação de Cooper.

Hunkel (3\íed. und Chir. Aamerkung) diz ter observado luxações resultantes de convulsões.

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Aqui se refere também o caso de Tartra na creança de cinco mezes e a observação de Rossi dum soldado que produziu a luxa­ção por contracções convulsivas dos múscu­los.

CAPITULO III

SYMPTOMAS E DIAGNOSTICO

Como os caracteres são différentes, con­forme tenhamos de observar a luxação uni ou bi-condyliana, apresentaremos separada­mente os symptomas e diagnostico de cada uma.

i.° Luxação uni-condyliana — SYMPTOMAS : — Uma viva dôr acompanha algumas vezes o accidente.

O doente, não podendo approximar as maxillas, faz esforços inúteis e dolorosos, horrorisando-se do seu estado cuja natureza ignora.

A boca está aberta e desviada para o lado opposto ao luxado, no emtanto Hey nota que este desvio não é constante.

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A commissura do lado são é fortemente repuxada para baixo ; a forma da boca recor­da, segundo Giraldés, a da solha ou cantor de aldeia; a physionomia geral está alterada ; a bochecha do lado são cavada ; a do lado lu­xado achatada, tensa ; o masseter d'esté lado contraído, duro, saliente.

Por deante da orelha ha uma excavação por cima da qual se destaca a saliência da ar­cada zygomatica.

Os dentes inferiores do lado são estão por fora dos superiores, aos quaes por tanto não correspondem.

O dedo introduzido na boca encontra do lado doente a saliência formada pela apophy­se coronoïdea.

Fazendo passar uma perpendicular pelo meio do rosto, verifica-se que metade da face d'um lado está repuxada para o outro.

A palavra é difficil, a articulação das con­soantes labiaes impossível, a saliva corre abundantemente, e a deglutição mesmo dos líquidos é feita a custo.

Os doentes sentem mal estar, cansaço aos menores movimentos.

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DIAGNOSTICO.—Estes caracteres são bas­tante indicativos e por isso dificilmente se comprehende, a não ser por falta d'observa-ção, como a doença tenha passado desperce­bida e dado logar a erros de diagnostico.

Era realmente inacreditável o equivoco se não existissem factos publicados, que o comprovam; tal ó um de Michon que obser­vou uma luxação uni-lateral, que primeiro ha­viam diagnosticado de paralysia da face : no Journal de médecine vem mencionado por Lecat um erro semelhante de que foi victima um advogado do Havre : Wiseman (Eight chirur­gical Treatise) narra um idêntico: Petit (Œu­vres complètes) outro.

Estes factos demonstram que se deve proceder a um exame cuidadoso e attento, ainda que á primeira vista pareça difficil o erro.

Estes enganos dão-se d'ordinario em medicos, que, estando mais habituados a en­contrar paralysias da face do que luxações, fazem uma observação superficial.

CafTe conta que um individuo se luxou d'um só lado, quando dormia, sentindo pe­quena dôr; no dia seguinte foi chamado um

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medico, que notando a injecção da face com desvio da boca, e que o doente se queixava de dôr de cabeça, sem mais exame, diagnos­ticou um ataque apopletico.

Nada ha realmente de commum á luxa­ção e á paralysia (hemiplegia) da face senão a deformação do rosto ; e não deve ser por este único caracter, que o cirurgião prudente esta­beleça o seu diagnostico.

2.° Luxação bi-condyliana—SYMPTOMAS:— A boca está largamente aberta; as arcadas dentarias bastante affastadas, os dentes da maxilla inferior estão situados n'um plano an­terior aos da superior ; o mento é muito sa­liente ; as bochechas, tensas, achatadas ; os masseteres duros, salientes; por deante de ca­da orelha encontra-se uma depressão enci­mada pela arcada zygomatica e mais anterior­mente os condylos ; as apophyses coronoi-deas são salientes na espessura das bochechas, por baixo das maçãs do rosto ; a palavra or­dinariamente inintelligivel, podendo o doente pronunciar apenas as vogaes; a mastigação impossivel ; a deglutição mesmo de líquidos

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difficil ; a saliva corre involuntariamente da boca em grande abundância.

Introduzindo o dedo na cavidade bocal encontram-se as apophyses coronoideas e ve-rifica-se que o espaço entre as bochechas e o maxillar superior diminuiu.

O diagnostico da luxação bi-condyliana é fácil.

A deformação do rosto, a impossibilidade de fechar a boca, a dificuldade de fallar, o corrimento continuo da saliva, a grande dis­tancia entre as arcadas dentarias, etc. são ca­racteres mais que sufBcientes para reconhecer esta luxação.

Comtudo teem sido commettidos nume­rosos erros de diagnostico.

Stromeyer refere uma observação em que tendo a luxação sido diagnosticada como con­tractus, foi tratada durante quatro semanas, pelo ópio, synapismos, linimentos, etc.

Astley Cooper conta um caso em que se tinha dado a luxação durante o parto e foi diagnosticada e tratada como um spasmo nervoso.

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Gosselin e Michon também publicaram uma observação em que a luxação só foi re­conhecida ao fim de quatro mezes, julgando-se até então que se tratava d'uma contractura prolongada dos músculos da face, porque o doente tinha padecimento cerebral, que dera origem a contracturas múltiplas.

Estes graves erros de diagnostico só po-* dem dar-se por uma insuficiente observação do doente.

Os caracteres da luxação são de tal modo frisantes que esta facilmente se pode reconhe­cer; pois quando a deformidade seja devida a qualquer outra causa, será sempre possivel fazer executar movimentos á maxilla.

Este symptoma é um verdadeiro signal pathognomonico, que nunca permittirá con­fundir a luxação com uma paralysia, um spas-mo nervoso, etc. e já Celso dizia «Non crimen ar tis id quod professons est».

Os caracteres differenciaes das duas luxações não permittirão a confusão.

Assim na luxação bicondyliana a boca está direita, as bochechas achatadas, tensas

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dos dois lados e os dois masseteres salientes ; na unicondyliana uma das commissuras dos laoios está desviada; a bochecha d'um lado cavada, flácida, a do outro tensa; um dos masseteres duro, tenso, o outro em relaxa­mento. Introduzindo o dedo na boca, entre a bochecha e o maxillar superior, encon-tram-sen'umaas duas apophyses coronoideas em posição anormal; na outra, estas não es­tão no mesmo plano transversal perpendicu­lar, eo dedo observa por dentro d'uma boche­cha o deslocamento d'uma das apophyses, e na outra o seio alveolo-jugal prolonga-se mais para traz : n'uma ha externamente duas de­pressões ante-auriculares e na outra uma só.

COMPLICAÇÕES.—A luxação pôde ser com­plicada de contusão e fractura.

Abandonada a si mesmo soffre algumas modificações: o affastamento dos dois maxil-lares diminue; a palavra torna-se menos dif-ficil e mais distincta; os lábios approximam-se e oppoem-se ao corrimento de saliva; os dentes molares das duas maxillas põem-se em contacto e o doente pôde comer.

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O prognostico é benigno e só em casos muito excepcionaes se tem notado accidentes-nervosos, febre, delírio, etc.

CAPITULO IV

TRATAMENTO v

Reducção e contenção são as duas indica­ções que dominam o tratamento das luxações do maxillar inferior. A maior ou menor diffi-culdade em executar a primeira, explicam-nos os différentes processos, que os diversos au-ctores inventaram para a conseguir e que po­demos reunir em quatro grupos:

i.° Só manual, consistindo em introduzir na bocca os pollegares, applicando-os sobre os dentes.

2.° Emprego de corpos extranhos collo-cados entre os dentes posteriores á maneira de cunha, levantando o mento com uma li­gadura.

3.0 Reducção por pancada no mento ou bochecha.

4.0 Uso d'apparelhos funccionando como alavancas.

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O primeiro processo é o mais antigo e ainda hoje empregado com algumas modifi­cações.

Os pollegares são collocados, não sobre os dentes, mas atraz no vestíbulo, mesmo junto ao bordo anterior do ramo montante, imprimindo ao osso um movimento brusco para baixo e para traz.

Quando este meio simples e rápido não dê resultado, podemos fazel-o acompanhar da resolução muscular, empregando o chloro-formio.

Casos ha, porém, bastante rebeldes, prin­cipalmente quando tem a tratar-se de luxa­ções antigas, em que se torna necessário o emprego d'apparelhos especiaes.

Podemos n'este caso servir-nos da pinça de Junk ou da de Stromeyer modificada por Nelaton, Richet ou Mathieu.

PARTE III

OBSERVAÇÕES

I —Observação de Robert

Um carroceiro, d'edade 30 annos, guiava uma carreta (hoquet), assentado no varal direi­to, como é habito nos indivíduos d'esta pro­fissão.

Adormeceu e caiu batendo com o lado esquerdo na calçada.

Antes que tivesse tempo de levantar-se, a roda direita attingiu-o e passou-lhe sobre o lado direito da face, mais especialmente so­bre o corpo da maxilla inferior; levantaram-n'o sem perda de sentidos e transportaram-n'o em seguida ao hospital Beaujon, aonde foi admittido na occasião da minha visita.

A face e fonte do lado esquerdo estavam

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fortemente tumefactas, os tegumentos da bo­checha direita contusos, escoriados, apresen­tavam uma pequena ferida irregular dois de­dos adeante do angulo da maxilla ; o mento fortemente desviado para a esquerda e a boca aberta davam um aspecto extranho á physio-nomia.

Palpando a fonte esquerda senti logo por cima da arcada zygomatica um tumor ósseo, que pela forma reconheci ser o condylo da maxilla, cuja extremidade externa se dese­nhava sob os tegumentos..

Não me foi posssivel determinar a posi­ção da apophyse coronoidea, que todavia me pareceu ter ficado sob a arcada zygomatica, como no estado normal.

Com estes syrnptomas era impossivel pôr em duvida a existência d'uma luxação do con­dylo esquerdo da maxilla na fossa temporal.

Muito admirado d'esté deslocamento, não lhe concebia a possibilidade sem uma fractu­ra do maxillar; explorei a arcada dentaria e observei logo do lado direito do corpo da ma­xilla inferior, por deante do ramo do osso, uma fractura quasi vertical acompanhada d'um deslocamento lateral bastante pronunciado,

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em virtude do qual o fragmento esquerdo le­vado para dentro fazia saliência na cavidade boccal.

Desde então tornou-se-me fácil explicar a luxação, reportando-me ás circumstancias da queda.

Tendo batido com o lado esquerdo da cabeça no pavimento da rua, a roda passara sobre o lado direito da maxilla, fracturara pri­meiro o corpo d'esta por deante do ramo di­reito ; depois, continuando o trajecto, apertara violentamente o osso da direita para a es­querda.

Foi então somente que o condylo esquer­do poude escapar-se da cavidade glenoidea, subir por fora da arcada zygomatica e alojar-se na fossa temporal.

Quanto á apophyse coronoidea havia-se encaixado sob a fossa temporal ; e a chanfra-dura sygmoidea cruzava e como que abraçava por sua concavidade o bordo inferior da ar­cada zygomatica.

Como achasse este facto muito extraordi­nário, pedi ao meu collega Langier para o exa­minar comigo e verificar o que eu já obser­vara.

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Procedi em seguida á reducção. Assentado o doente no chão, colloquei-

me deante d'elle e introduzi-lhe na boca, en­volvido n'um panno, o pollegar da mão direita, que apoiei fortemente sobre a arcaria dentaria esquerda inferior, emquanto com os outros dedos cingia o angulo da maxilla.

Procurei primeiro puxar directamente pa­ra baixo o corpo do osso, mas experimentei uma resistência invencive'1, devida a que o bordo interno do condylo era retido como um gancho no bordo superior da arcada zy-gomatica.

Introduzi o pollegar mais profundamen­te, appliquei-o contra a face interna do osso e adaptando sempre os outros dedos ao angulo e face externa do corpo, empurrei directamen­te para fora este ramo transformado assim em alavanca do primeiro género, em que o pollegar formava o ponto d'apoio.

Depois d'alguns esforços, senti o condylo deslocar-se e desenganchar a arcada ; foi então suffkiente puxal-o ligeiramente para baixo, para o fazer entrar na cavidade glenoidea.

Para prevenir um novo deslocamento e conservar reduzida a fractura, colloquei uma

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ligadura por deante e por baixo do queixo e appliquei a ligadura ordinária da fractura da maxilla.

Empreguei tratamento enérgico para im­pedir que sobreviesse inflammação, e, á exce­pção d'um abcesso na espessura da bochecha direita, defronte da fractura, não houve outro accidente.

Aos quarenta dias levantei o apparelho. A fractura estava consolidada, e o doente

começava a abrir a boca sentindo apenas algu­ma difficuldade e pequena dôr na articulação.

Saiu aos cincoenta dias.

II—Observação de Smith

Edouard Lacy, edade.de 38 annos, idiota desde a infância, foi no mez d'Abril transpor­tado do hospital de doidos d'Island-Bridge para o de Hardssick por causa d'uma bron­chite complicada de diarrhea.

Pareceu em breve restabelecido; mas, a 2 de Maio voltou a tosse acompanhada d'he-moptyse considerável.

Estes accidentes persistiram em 3 e 4; o hálito tornou-se fétido, as forças decairam

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rapidamente, o thorax dava á percussão som - baço.

Morreu na noute de 4 de Maio. A autopsia encontrou-se no lobo inferior

do pulmão direito uma caverna, que continha muitas onças de sangue decomposto.

O pulmão esquerdo estava pouco altera­do ; as membranas do cérebro eram pouco transparentes e havia um derrame sub-ara-chnoideo.

O rosto tinha um aspecto particular: as metades direita e esquerda pareciam não per­tencer ao mesmo homem; pois a esquerda era mais cheia e desenvolvida em todas as suas partes.

A saliência da arcada zygomatica, o des­envolvimento do masseter e região parotidia-

; na apresentavam um notável contraste com o lado direito, que era abatido e offerecia á altura da arcada zygomatica assim como no logar da glândula parotida uma depressão em vez de saliência arredondada.

A commissura labial direita era mais ele­vada do que a esquerda, mas a orbita era me­nos que a do lado opposto, em que a arcada zygomatica e o olho estavam mais salientes.

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No lado direito podia introduzir-se a ex­tremidade do dedo entre o bordo posterior do maxillar e o canal auditivo externo.

Tirada a pelle, acharam-se os músculos do lado direito muito mais pequenos, o mas-seter principalmente estava atrophiado, bem como os pterigoideos e temporal.

Posta a descoberto a articulação, estando a boca fechada, via-se que o ligamento late­ral externo se inseria a uma cabeça articular imperfeitamente desenvolvida, que não toca­va a cavidade glenoidea e ambas eram sim­plesmente revestidas de periosseo espressado.

Do lado dos ossos notava-se que o lado direito do maxillar inferior estava atrophiado tanto em comprimento como em altura; o bordo inferior tinha posteriormente uma pro­funda curvatura, o angulo extremamente sa­liente e curvo para fora, o bordo posterior concavo superiormente formava quasi angulo recto com o corpo do osso.

No temporal não havia raiz transversa zygomatica, nem cavidade articular que era substituída por uma superficie plana quadran­gular.

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O malar estreito, estendia-se até ao tu­bérculo zygomatico, constituindo por si só a arcada, que era concava por fora.

OBSERVAÇÕES PESSOAES

Observação I.»

J. M., edade 32 annos, solteiro, moço de lavoura conduzia em um dia de maio do anno pp. na estrada de Francos, um caro puxado a bois, que eram guiados por um rapaz.

Chegando á passagem da linha férrea viu que se approximava o comboio da Povoa e com receio que os bois se espantassem, por­que eram novos, gritou para o guia que os parasse.

Adeantando o passo, ia para gritar segunda vez, porque o rapaz continuava a andar, quan­do tropeçou com tanta infelicidade que ba­teu com o queixo no lado da trazeira do carro caindo por terra.

Achava-me proximo do local conversan­do com uns amigos e, vendo cair o homem

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e não se levantar, approximamo­nos para ver o que havia succedido e ajudal­o a levantar, caso não pudesse.

Quando chegávamos junto d'elle, levan­

tou­se gemendo e como que aturdido. Interrogamos se se havia molestado. Voltou­se então para nós com o rosto dis­

forme, parecendo horrorisado; queria respori­

der­nos, mas não poude, não se entendia o que queria dizer, tinha a boca extraordinaria­

mente aberta. Examinamos com attenção e vimos as bo­

chechas achatadas e muito retesadas sobre corpo duro: uma pequena escoriação na barba.

Adeante de cada orelha notava­se a saliên­

cia da arcada zygomatica, por baixo da qual se via atraz uma depressão, seguida d'uma elevação vertical parecendo um cordão muito ■tenso,,que partia da arcada zygomatica, e lo­

go anteriormente uma pequena saliência ar­

redondada e dura. Da boca corria bastante saliva e as arcadas dentarias estavam muito affastadas. Introduzindo o dedo na boca, de­

parei lateralmente com as apophyses coronoï­

deas, collocadas no mesmo plano junto á bo­

checha, entre esta e o maxillar superior.

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Apalpando todo o corpo da maxilla infe­rior e procurando movel-a, verificamos que era simplesmente uma dupla luxação sem fractura.

Convidámos o homem a que se sentasse no chão.

Colloquei-me atraz d'elle e disse-lhe que encostasse a cabeça ás minhas pernas.

Introduzi os pollegares na boca junto á base das apophyses coronoïdeas, no vestíbu­lo, e agarrando bem com os outros dedos o angulo da maxilla, carreguei fortemente para baixo.

Doiam-me as polpas dos pollegares e por isso peguei n'um lenço e fazendo d'elle al­mofada, colloquei-os novamente, segurando bem a maxilla, e disse ao homem que, quan­do sentisse carregar muito, fechasse a boca.

Dei de chofre um forte impulso para bai­xo e rapidamente para traz, conseguindo o resultado que desejava.

O homem deu um grito mas ficou com a maxilla reposta no logar normal.

Atei-lhe o queixo com um lenço, recom-mendando-lhe que quando o tirasse, não abrisse muito a boca; e assim foi para casa,

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Fallei depois com elle e disse-me que era exposto, e fora creado por uma mulher agora fallecida.

Desde creança teve frouxidão nas pernas ; tomou banhos e ficou melhor, mas não com­pletamente bom.

Ha muito se occupava n'aquella profissão e havia 8 para 9 annos, quando descia do car­ro, poz um pé em falso e caiu, fracturando um braço, de que se havia tratado com o al-gebrista, não tendo, que se lembre, outras doenças.

Observação 2.*

Fui chamado em Dezembro, seriam 8 ho­ras da noute, a uma ilha da rua do Principe a casa de A. P. edade 38 annos, casada, mãe de dois filhos, de profissão dona de sua casa, por motivo de luxação do maxillar.

Um individuo de sobrenome S., outr'ora enfermeiro no hospital de St.0 Antonio, mora­dor ao tempo na mesma ilha, indo a sair de casa foi despertado pelo alvoroço da visi* nhança.

Entrou em casa de A. P. e como não sou-

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besse que me haviam chamado, pediu uma toalha e enrolando as pontas nos pollegares, introduziu-os na boca, procurando fazer a re-ducção.

N'esta altura cheguei e pude vêr que a doente, sentada n'uma cadeira estava desfigu­rada.

Tinha a boca muito aberta, o mento bas­tante abaixado e proeminente, as bochechas tensas, por deante de cada orelha uma depres­são e mais adeante uma pequena saliência.

Indiquei a S. que mettesse os dedos tão profundamente quanto pudesse para traz dos últimos molares, carregasse bastante para baixo e logo que notasse abaixamento sufficiente á pressão impellisse rapidamente para traz. Com eífeito por esta forma, os condylos, que até então haviam sido rebeldes ao trabalho de S., que naturalmente e sem resultado os em­purrava directamente para traz, entraram ra­pidamente no logar normal.

A P., que até então, babando-se, só pro­nunciara abafadamente a primeira vogal do alphabeto, poude, passado algum tempo, refe-rir-me que estando sentada á meza, com um filho (creança de peito) no regaço e outro

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mais velho ao lado, esperando o marido para a refeição da noute, lhe chegou somno por différentes vezes e abria-se-lhe a boca boce­jando.

Á ultima vez ia a recostar-se na cadeira para se espreguiçar quando sentiu uma espé­cie de estalo na cara, não podendo mais fe­char a boca, querendo então gritar mas sem poder levantar-se.

O filho de 4 a 5 an nos, que estava ao la­do, vendo assim a mãe começou a chorar e uma visinha defronte, ouvindo o extranho ala­rido n'uma casa onde era de costume o soce-go, foi ver o que haveria de novidade.

Deparando com aquelle quadro correu logo a chamar-me.

A. P. disse-me que nunca tivera accidente idêntico, nem pessoa da sua familia, que ella soubesse.

Tinha sido sempre saudável bem como seu marido e filhos.

PROPOSIÇÕES

Anatomia — As linguetas cutâneas da aponévrose pal­mar são expansões do palmar delgado.

Physiohgia — Os movimentos respiratórios não regulam o consumo d'oxygenio.

Anatomia pathologica — A existência de falsas membra­nas laryngeas ou nasaes não caractérisa a diphteria.

Therapeutica—Os alcalóides vegetaes não substituem em todas as condições as plantas de que derivam.

Pathologia geral — A duração da immunidade para uma doença não depende da intensidade do seu primeiro ata­que.

Pathologia externa — A immobilidade do maxillar inferior pode ser considerada pathogomonica da luxação dupla.

Pathologia interna — O diagnostico da tuberculose só pode fazer-se pelo exame bacteriológico.

Operações—Para a reducçâo do maxillar inferior con-demno a tenotomia.

Medicina legal— A falta de corrimento sanguíneo n*um primeiro coito não constitue sempre prova de desfloraçâo.

Partos — Em certos casos de gravidez pode dar-se re­gularmente a menstruação.

Visto. „ . , . 0 presiiente, P o d e ™V"™™>

Clemente Pinto. °- Monteiro.


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