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En torno al barroco americano y la sátira en Caviedes

Date post: 10-Nov-2015
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Chasqui: revista de literatura latinoamericana Em torno do barroco íbero-americano e da sátira de Caviedes e de Gregório de Matos Author(s): Lúcia Helena Santiago Costigan Reviewed work(s): Source: Chasqui, Vol. 17, No. 1 (May, 1988), pp. 93-102 Published by: Chasqui: revista de literatura latinoamericana Stable URL: http://www.jstor.org/stable/29740046 . Accessed: 26/10/2012 07:58 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp . JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. . Chasqui: revista de literatura latinoamericana is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Chasqui. http://www.jstor.org
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  • Chasqui: revista de literatura latinoamericana

    Em torno do barroco bero-americano e da stira de Caviedes e de Gregrio de MatosAuthor(s): Lcia Helena Santiago CostiganReviewed work(s):Source: Chasqui, Vol. 17, No. 1 (May, 1988), pp. 93-102Published by: Chasqui: revista de literatura latinoamericanaStable URL: http://www.jstor.org/stable/29740046 .Accessed: 26/10/2012 07:58

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    Chasqui: revista de literatura latinoamericana is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extendaccess to Chasqui.

    http://www.jstor.org

  • Em torno do barroco ?bero-americano e da s?tira de Caviedes e de Gregorio de Matos

    Lucia Helena Santiago Costigan University of Pittsburgh

    Para urna interpreta??o profunda do espirito de urna literatura, a mera erudi??o literaria nao ? suficiente. Servern mais a sensibilidade pol?tica e a clarividencia hist?rica. O cr?tico professional considera a literatura em si

    mesma. Nao percebe sua rela??o com a pol?tica, a economia, a vida em sua totalidade. De modo que a sua pesquisa nao chega ao fundo, ? ess?ncia dos fen?menos literarios. E, por conseguirte, nao aceita ao definir os obscuros fatores de sua g?nese nem de sua subconsciencia.*

    Na an?lise da produ?ao literaria hispano-americana do "per?odo de estabiliza??o colonial", (final do s?culo XVI at? o come?o do XV?I)2 h? b?sicamente duas posi??es

    1 Jos? Carlos Mari?tegui, Siete ensayos de interpretaci?n de la realidad peruana, 26 ed. (Lima: Amauta, 1928): 247. (Tradu??o minha).

    2 Hern?n Vidal, Socio-historia de la literatura colonial hispanoamericana: tres lecturas org?nicas, (Minneapolis: Institute for the Study of Ideologies and Literature, 1985): 89, sustenta que o per?odo de estabiliza??o colonial come?a ao final da d?cada de 1560 com o t?rmino da conquista territorial e concluiu

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  • 94 Em torno do barroco ?bero-americano...

    cr?ticas que se destacara A primeira, defendida por Octavio Paz e Pedro Henr?quez Ure?a,3 va o barroco colonial como o resultado de urna mesti?agem cultural ou "criollizaci?n". De acord? com esta interpreta??o as obras do s?culo XVII repr?sentant a fus?o n?o conflitiva dos modelos europeus e dos temas americanos, como a paisagem, a flora, a fauna, o indio. Urna variante desta teor?a ? a do barroco ind?gena, defendida por Roggiano,4 que ap?ia a existencia de um barroco ind?gena antes da chegada dos espanh?is na Am?rica. O barroco europeu se defrontou com o barroco ind?gena, lutou com ele, o repeliu, mas finalmente se lhe integrou, segundo esta concep??o.

    A segunda posi?ao cr?tica sustenta que o barroco era simplesmente urna repeti?ao do que se produzia na Metropole e se encontrava perfeitamente integrado ao sistema

    ideol?gico-polftico-religioso imposto pela Espanha. Leonardo Acosta, Jaime Concha e John Beverley sao os princip?is defensores desta teoria.5 Cabe por?m destacar que

    Beverley n?o se refere ao barroco em geral, mas que restringe seu estudo ao fen?meno da influencia est?tica do gongorismo ?as colonias. Para este cr?tico o gongorismo foi utilizado na poesia colonial hispano-americana como pr?tica ideol?gica da classe dominante a fim de subjugar as massas ind?genas.

    No que diz respeito ? literatura brasileira duas posturas cr?ticas tamb?m se sobressaem. A primeira, defendida por Antonio C?ndido,6 considera que a constituic?o da literatura nacional, a nivel de sistema articulado de escritores, obras e leitores amantes, somente ocorreu no s?culo XIX. A segunda posi?ao pr?f?re considerar as manifesta??es literarias j? do s?culo XVI como aut?nticas formula??es antecipadoras do projeto literario brasileiro. Dentro deste ponto de vista A. Coutinho7 considera a produ?ao literaria barroca de Bento Teixeira, A. Vieira, Botelho de Oliveira e de Gregorio de Matos como aut?nticamente nacional devido aos temas, linguagem e ide?is transmitidos.

    Entre as teor?as sobre a produ?ao literaria brasileira e hispano-americana do per?odo de estabiliza?ao colonial parece fazer falta estudos cr?ticos mais aprofundados sobre as obras

    que revelam dissid?ncia ou conflito em rela?ao aos padr?es impostos pela Metropole. De acord? com esta posi?ao as obras de alguns autores, entre os quais se alinham os poetas coloniais do Peni e do Brasil, Juan del Valle y Caviedcs c Gregorio de Matos, n?o se caracterizam como reproducers metropolitanas em um sentido estrito, nem tampouco como

    nacionais, e sim como obras que ? medida que reproduzem a ordern institucional tamb?m a questionam e a p?em em d?vida, revelando assim o florecimento de urna nascente

    consciancia cr?tica. ? importante observar que a reavalia??o da obra de Matos s? se inicia por volta do final

    do s?culo XIX e se relaciona ideol?gicamente com a id?ia de urna cultura nacional e com o projeto de urna burguesia e oligarqu?a destituida do poder que se toma nacionalista a fim de

    na primeira metade do s?culo XVDX Ornar D?az de Arce, em "Algunas consideraciones sobre los periodos de la historia latinoamericana'*, Cuadernos Americanos CLXXVI.3 (1971): 71-94, d? a data de 1588, ano da derrota da "Armada Invencible'*, como inicio do per?odo colonial.

    3 Para maior aprorundamento sobre esta teor?a, consultar Octavio Paz, Las peras del olmo (Barcelona: Seix Barrai, 1971) e Pedro Henr?quez Ure?a, Las corrientes literarias en la Am?rica hisp?nica (M?xico: Porr?a, 1967).

    4 A.A. Roggiano. "Acerca de dos barrocos: el de Espa?a y el de Am?rica", XVII Congreso del Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana: El barroco en Am?rica (Madrid: Cultura Hisp?nica, 1978): 39 47.

    5 Tese defendida atrav?s dos artigos de L. Acosta, "El barroco americano y la ideolog?a colonialista" Revista Uni?n XI.2-3 (1972): 3(M>3, de J. Concha, "La literatura colonial hispanoamericana: problemas e hip?tesis", Neohelicon IV.1-2 (1976):31-50 e de J. Beverley, "Sobre G?ngora y el gongorismo colonial", Revista Iberoamericana XLVE. 114-115 (1981): 33-44.

    6 A. C?ndido, Forma??o da literatura br asile ir a, 3 ed. (Sao Paulo: Martins, 1969). Nesta mesma edi??o Candido admite ter sido Gregorio de Matos o nosso primeiro her?i (anti-her?i) malandro, apesar de defender a tese de que a literatura nacional propriamente dita s? haver-se iniciado no Brasil ao redor de 1750 com as Academias dos Seletos e Renascidos e com os primeiros trabalhos de Claudio Manuel da

    Costa. 7 A. Coutinho, Conceito de literatura brasileira (Rio de Janeiro: Pallas, 1976).

    Chasqui ? Revista de literatura latinoamericana

  • Lucia Helena Santiago Costigan 95

    assegurar lideran?a nos setores econ?mico e pol?tico do Brasil Em urna obstinada tentativa de justificar urna literatura nacionalista que data dos primeiros s?culos do pa?s, Matos ? apresentado como um verdadeiro nativista, fundador da literatura nacional brasileira. A partir do movimento de Vanguarda, no Brasil denominado Modernismo, e principalmente a partir do fortalecimento das comentes regionalistas, na d?cada de 1930, Matos passa a ser visto como um dos precursores da ruptura dos g?neros literarios ?as letras ?bero americanas. Da? parece vir a id?ia de associ?-lo ao nativismo, como o fazem Coutinho e outros.8

    Com rela??o a Caviedes se passa mais ou menos o mesmo. O termo "criollismo" surge no s?culo XIX como tendencia virulentamente nacionalista ante o europc?smo ou cosmopolitismo da literatura hispano-americana. O "criollismo" ganha for?as com o "Modernismo" e com a "Vanguardia" e hoje em dia ? empregado em um sentido atemporal para qualificar a obra de Caviedes e justific?-la como iniciadora da c?rreme "criolla" e "costumbrista" da literatura peruana.

    Ao analisarmos a produc?o sat?rica de Caviedes e de Matos n?o a vemos simplesmente como urna fus?o nao conflitiva do modelo barroco europeu e dos temas americanos. Discordamos pois da teoria defendida por Henr?quez Urefta, O. Paz e Coutinho. Tampouco nos alinhamos com Leonardo Acosta e J. Concha, porque nao eremos que a obra sat?rica destes dois poetas coloniais se constitua simplesmente mima repeti??o ou reilexo do que se produzia na Metropole.

    Se tivermos que assumir aqui urna posi??o cr?tica, colocamo-nos ao lado de Haroldo de Campos e de Hern?n Vidal, que tarn da literatura ?bero-americana colonial urna concepc?o mais dial?tica e complexa.

    Haroldo de Campos d?fende a id?ia da "razao antropof?gica", ou seja, de urna literatura colonial feita a partir de outra, mas impregnada de elementos diferentes e pr?prios, e considera Gregorio de Matos como o primeiro "antrop?fago experimental da poesia brasileira.9

    Vidal reconhece, dentro da produc?o literaria colonial hispano-americana, dois tipos de escritores: os que como Balbuena e Eus?bio Vela aderiram ao modelo oficial imposto pela coroa, preocupando-se apenas pelo est?tico do texto, encerrando-se em sua grandiosidade ornamental; e um segundo grupo de autores que, apesar de aceitarem o estilo barroco

    oficial, retrataram em suas obras aspectos sociais da realidade que revelam as contradi??es e incongruencias do sistema.

    A este segundo grupo se inserem Caviedes e Gregorio de Matos que, ao produzirem suas poesias sat?ricas, romperam com a Metropole em dois sentidos. Primeiro, porque f ugiram ao modelo oficial imposto pelas Coroas espanhola e portuguesa, que determinavam que os discursos literarios deveriam basear-se na argumcnta??o escol?stica, na concepc?o po?tica aristot?lica e na composi?ao gongorina. Segundo, porque, talvez de forma consciente ou n?o, incorporaram em seus versos sat?ricos elementos que reflctem urna

    "

    vis?o totalizadora da experiencia colonial."*0 A s?tira ? considerada como urna forma literaria que demanda profunda consci?ncia

    cr?tica do autor, a fim de burlar os vicios e distors?es da sociedade em que vive. E ? justamente a s?tira que resgata estes dois poetas de serem classificados como autores alienados da realidade americana e apenas preocupados com as efus?es l?ricas dos versos gong?ricos.

    8 Eduardo Portella e Leodeg?rio de Azevedo Filho tamb?m sustentam que a literatura nacional come?a a

    partir do primeiro s?culo do Brasil. Consultar dos respectivos autores: "Gregorio de Matos (Maneirismo e Barroco)" Tempo Brasileiro 45-46 (1976): 8-19, e A po?tica de Anchieta (Rio de Janeiro: Jos? Olympio, 1962).

    9 H aro Ido de Campos, "De la raz?n an tropo f?gica: Di?logo y diferencia en la cultura brasile?a" Vuelta 68

    (julio, 1982): 12-19. 10 Hern?n Vidal, "Literatura hispanoamericana de la estabilizaci?n'*. Casa de las Americas 122 (1980): 22.

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  • 96 Em torno do barroco ?bero-americano...

    Como forma imbricada ? comedia grega amiga, a s?tira herdou-lhe o car?ter bifronte e contradit?rio, ora d?ctil ora ferino, originado das primeiras manifesta??es populares de cunho m?tico-religioso. Devido talvez ? duplicidade do seu car?ter contradit?rio, a s?tira ora se identifica com os padr?es ofici?is conservadores, ora se rebela contra eles, passando a

    constituir-se em urna forma que se op?e ao monologismo do discurso oficial, conforme

    sugere Bahktine.n Esta duplicidade, como se poder? ver, se faz presente na produ?ao sat?rica de Caviedes e de Gregorio de Matos.

    Tanto Caviedes quanto Gregorio de Matos seguiram oa tradi?ao picaresca de Fernando Rojas e de Quevedo, que geralmente tcm como alvo de suas invectivas a mulher, o clero e algumas minor?as, como os imigrantes e os mulatos.

    No estudo que realizamos aqui a respeito da produ?ao sat?rica desses dois poetas, buscamos de focalizar as minor?as ou grupos sociais que foram mais severamente atacados

    por esses sat?ricos seiscentistas do Brasil e do Peru. Em se tratando pr?meiramente de Caviedes, vemos que, al?m de sua avers?o aos

    m?dicos, o que mais se sobressai em sua invectiva ? o seu ataque as pessoas de tra?os

    negroides. Grande parte da s?tira de caviediana se volta contra os m?dicos limenhos, a

    quem dedica sua obra Diente del Parnaso, mas tamb?m h? varias poes?as cujo objeto de cr?tica sao os escriv?es e ofici?is de justi?a.

    Como se pode perceber atrav?s da an?lise dos seus versos, nesta obra, ao se referir a

    alguns m?dicos e escriv?es, Caviedes emprega, com um sentido pejorativo, os termos "casta", "mulato", "pardo", "zambo", "negro", "barcino", "cuarter?n".

    Mulatos enterradores, pues que sois ministros fieros de m?dicos criminales,^

    Em "Vejamen que le dio el author al zambo Pedro de Utrilla, el mozo..." (42-46),

    encontram-se os versos:

    El licenciado Morcilla y bachiller Chimenea, catedr?tico de Holl?n y graduado en la Noruega,

    doctor de C?mara Oscura del rey Congo de Guinea (42)

    Em "D?ndole a Pedro de Utrilla el parabi?n de un hijo que le naci?," (316-317), h? tamb?m referencias a aspectos caninos.

    Dos mil a?os logr?is el cachorrito, aunque el est?ril parto no me agrada, pues entend? que fuera una carnada,

    para pediros de ella un barcinito.(316)

    11 Mikhail Bakhtine La po?tique de Dosto?evski, Trad. Isabelle Kolitcheff, pr?sentation de Julia Kristeva

    (Paris: Seuil, 1970). Nessa obra Bakhtine reconhece que, dado ao car?ter aberto e dial?gico da s?tira, o

    elemento ret?rico deste g?nero clmico-s?rio se difere completamente da ret?rica oficial. Em suas pr?prias

    palavras: "...tous les genres du comico-s?rieux contiennent un puissant ?l?ment de rh?torique; mais dans

    l'atmosph?re de la relativit? joyeuse propre ? la perception du monde carnavalesque, cet ?l?ment change consid?rablement: son s?rieux rh?torique unilat?ral, son rationalisme,

    son aspect

    monique et dogmatique sont affaiblis." (153) "La m?thode dialogique pour d?couvrir la v?rit? s'oppose au monologisme officiel qui pr?tend

    poss?der une v?rit? toute faite..."(155) 12 Juan del Valle y Caviedes: Obra Completa, edi??o de Daniel R. Reedy (Caracas: Biblioteca Ayacucho,

    1984): 87. Todos os demais versos que transcrevemos a seguir foram extra?dos dessa mesma edi??o e a

    referencia ? p?gina em que se encontram ser? feita no pr?prio texto, sem nota, para simplifica??o da

    leitura.

    Chasqui ? Revista de literatura latinoamericana

  • Lucia Helena Santiago Costigan 97

    Nos versos que o poeta dirige aos escriv?es, os adjetivos de conota?ao depreciativa sao utilizados com objetivo id?ntico aos dos dedicados aos cirurgi?es.

    Em "Pregunta que hacen alguaciles y escribanos sobre la peste de los perros, temerosos

    de que no se le pegue a los gatos", (197-199), Caviedes escreve: Esta primera pregunta

    se la hizo Bassarato, que por mulato y corchete, estaba medio apestado.

    "Este lado", prosigui?, "Se?or, que tengo de zambo, est? muy pesado y este otro est? muy liviano."

    D?jole el m?dico, "Amigo, no es novedad ni es extra?o, si tra?is las dos especies que es gatuno mixto en galgo. (197-198)

    Naturalmente o Poeta da Ribeira reflete em sua s?tira o preconceito e o desd?m que os

    espanh?is de seu tempo dispensavam as pessoas de m?sela racial. E, como se pode

    perceber, as castas de combina?ao negra eram as mais discriminadas. Entretanto, mais que os indios, que os puros negros e mesmo mais que alguns brancos vadios que formavam

    o

    l?mpen da cidade de Lima, os mulatos tiveram maiores possibilidades de ascens?o social. Paradoxalmente, como se reflete na s?tira de Caviedes, foram os mulatos os que mais

    sofreram o desd?m dos brancos. E a resposta para tal animosidade se encontra em

    explica??es de cunho s?cio-economico. Segundo Bowser,i3 durante o s?culo XVII o n?mero de mulatos na cidade de Lima

    suplantava o de mesti?os, ou filhos de espanh?is e indias. Apesar de muitos destes mulatos levarem urna vida vadia, pois a vadiagem se constitu?a em um dos problemas mais

    graves da sociedade limenha colonial,*4 ? natural que se admita que um enorme contingente

    da popula?ao mulata se tenha integrado ? estrutura hier?rquica da sociedade daquele tempo. Devido ao fato de nao serem totalmente negros, os mulatos tinham maiores

    possibilidades de se passarem por brancos. Adem?is, os filhos nascidos da uni?o entre

    espanh?is e negras freq?entemente recebiam liberdade e ajuda de seus progenitores. ? comum e universal o fato de que em qualquer sociedade, os cargos considerados pela

    elite como degradantes sejam reservados aos individuos da classe social inferior. ?as colonias, os descendentes de africanos trabalhavam geralmente como coveiros, a?ougueiros, padeiros, cozinheiros e outros oficios tidos

    como aviltantes. Entretanto, em

    alguns centros urbanos e principalmente na cidade de Lima, conforme documentam Bowser e Lockhart,!5 varios mulatos chegaram a ser ofici?is de justi?a, tabeli?es e cirurgi?es, profiss?es, naquela ?poca, de pouco prestigio social, mas que abriam as portas ? ascens?o s?cio-economica.

    13 Frederick P.Bowser. The African Slave in Colonial Peru.1524-1650 (Stanford: Stanford University Prest, 1974): 340-341.

    14 Para uma leitura profunda sobre os problemas sociais da sociedade limenha do per?odo colonial consultar

    Magnus M orner, Race Mixture in the History of Latin America (Boston: Little, Brown and Co., 1967.) e

    Glen L. Kolb, Juan del Valle y Caviedes: A Study of the Life, Times and Poetry of a Spanish Colonial Satirist (New London, Connecticut: Connecticut College, 1959).

    15 Informa?ao extra?da de varias passagens de James Lockhart, El mundo hispanoperuano 1532-1560 (M?xico: Fondo de Cultura Econ?mica. 1982) e Bowser. The African Slave in Colonial Peru.

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  • 98 Em torno do barroco ?bero-americano...

    No entanto, como se observa atrav?s dos versos citados, foram os cirurgi?es os que mais sofreram a invectiva de Caviedes. Em treze de suas composi??es sat?ricas o cirurgi?o Pedro de Utrilla ? alvo da sua cr?tica ferina.**

    Ainda segundo Lockhart, nos primeiros dias da colonia, a profiss?o cir?rgica n?o exigia preparo cient?fico, equivalendo-se ao treinamento de um artes?o, e sendo por isso acessfvel as pessoas de cor. Por?m, ao final do s?culo XVII a pr?tica da cirurgia se estava associando cada vez mais ? pr?tica da medicina, o que se comprova principalmente com a cria??o da cadeira de anatom?a na Universidade de Sao Marcos em 171 l.i? A partir entao do momento em que a profiss?o cir?rgica assumiu car?ter cient?fico, passou a ser vista como impropria para os mulatos.

    Urna das explica??es ao fato de Utrilla haver chegado a ser membro da profiss?o m?dico cir?rgica, passando a desfrutar posi?ao s?cio-economica superior ? designada as

    pessoas de sua cor, se respaldara nos pesquisas de John T?te Lanning sobre a pr?tica da medicina nos tempos do imperio espanhol.is Nesse estudo T?te esclarece que,

    a fim de

    conseguir fundos para pagar os seus professores, a Universidade vendia diplomas as

    pessoas de cor que, por lei, n?o podiam frequentar universidades. Esta fraude concorreu

    para que, no Peru, nos s?culos XVII e XVIII, o n?mero de mulatos que praticavam

    ilegalmente a medicina suplantasse o de brancos. Acerca destes cirurgi?es mulatos escreve

    o soci?logo Mac-Lean y Estenos:

    Denominavam-lhes em linguagem culta "espanh?is pardos" e alguns

    deles...possu?ram qualidades eminentes, chegando a

    monopolizar o exerc?cio da

    cirurgia...Oficio ent?o dedicado exclusivamente aos negros e mulatos,

    principalmente a estes ?ltimos, a cirurgia representou para eles, de certa maneira,

    urna promessa de reivindica?ao social frente ao estigma hereditario do pigmento cut?neo...A historia registra alguns nomes como o do "zambo" Ger?nimo

    de

    Utrilla, enfermeiro do Hospital de Sao Bartolomeu, que passou a ser Cirurgi?o Chefe do Hospitall de Santa Ana. Destituido de seu posto por preconceitos raciais...e...rivalidade dos cirurgi?es espanh?is foi reposto mais tarde

    a seu cargo

    por ordern do ReU? Em um per?odo hist?rico em que o colonizador come?a

    a perder o controle do poder,

    devido a presen?a de um setor de "criollos" que ?as colonias come?am a ascender

    socialmente, a mobilidade social experimentada por individuos de m?sela de sangue afro

    hisp?nico, como o mulato Utrilla, representa a mais abomin?vel forma de usurpa?ao do

    "status quo" que o espanhol de setor econ?mico intermedio e baixo acreditava caber-lhe por

    direito. Por isso, em urna atitude conservadora em defesa de seus interesses de classe, os

    espanh?is se arremeten! contra os que lhes amea?am, a come?ar pelas minor?as,

    consideradas como as mais desqualificadas para os cargos de controle de poder. A s?tira de

    Caviedes reflete claramente esta atitude de defesa de interesses de classe, ao mesmo tempo

    em que em urna atitude ir?nica e picaresca deixa transparecer as incongruencias do sistema

    colonial. Em Gregorio de Matos, h? tamb?m cr?tica a mulatos e mesti?os, por?m

    o que h? de mais singular em sua s?tira ? a sua oposi?ao

    aos imigrantes portugueses.

    1 6 Em sua tese doutoral titulada Socio-Economie Aspects of Juan del Valle y Caviedes: Satire of Colonial

    Afro-Peruvians (University of Washington, 1979), Paula Jeanne Laschober observa que Utrilla ?

    diretamente atacado em seis composi??es sat?ricas do poeta e mencionado em sete outras poes?as (163).

    * 7 John T?te Lanning, Academic Culture in the Spanish Colonies (London: Oxford University Press, 1940): 106.

    * 8 John T?te Lanning, "Legitimacy and limpieza de sangre in the Practice of Medicine in the Spanish

    Empire" Jahrbuch fur Geschichte, von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft Lateinamerikas, 4 (1967): 37

    60. 19 Roberto Mac-Lean y Estenos, "Negros en el Per?." Letras, 36 (1947): 12-13. (Cita??o traduzida por

    mim).

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  • Lucia Helena Santiago Costigan 99 In?meros s?o os sonetos, romances e d?cimas em que, direta ou indiretamente,

    Gregorio ataca os comerciantes baianos imigrados de Portugal. No soneto intitulado " ?

    cidade da Bah?a", o poeta culpa os comerciantes pela dif?cil situa?ao econ?mica em que se encontra a sua cidade natal.

    Triste Bahia! ? qu?o dessemelhante Est?s e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado, Rica te vi eu j?, tu a mim abundante.

    A ti trocou-te a m?quina mercante,

    Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negocio e tanto negociante.

    Deste em dar tanto acucar excelente Pelas drogas in?teis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote.20

    Em um dos seus romances escritos ao ser degredado para Angola, encontram-se os versos:

    Que os Brasileiros sao bestas, e estar?o a trabalhar toda a vida por manter

    maganos de Portugal.(183) Ao se referir aos comerciantes portugueses, Gregorio usa os termos "maganos",

    "brichote", "marinheiraz", "novo crist?o", "bioco", "picaro", "Mafoma" e outros mais

    vistos no Brasil como extremamente pejorativos dentro do contexto hist?rico do s?culo XVII.

    Apesar da maioria dos historiadores suporem que no Brasil colonial os latifundi?rios sempre lograram o dominio econ?mico, social e pol?tico, alguns recentes estudos come?am a contradizer tal teor?a.

    Atrav?s do seu livro Fidalgos e fil?ntropos: a Santa Casa da Misericordia da BahiaJ550-1755p R?ssel-Wood d?fende que, na Bahia, os comerciantes come?aram a ascender socialmente por volta de fin?is do s?culo XVII, conseguindo, j? em meados do s?culo XV?n, dominar os setores social e econ?mico.

    Ao tratarmos de descobrir quem eram estes comerciantes que nos s?culos XVII e XVIII se tornaram t?o importantes na sociedade baiana buscamos orientar-nos pelas pesquisas hist?ricas sobre o assunto.

    Em um dos mais recentes textos que tratam da origem dos comerciantes da Bahia, nos s?culos XVII e XV?n, Flory e Grant Smith^ sustentam que oitenta e nove por cento dos comerciantes baianos, ou seja, quase toda essa comunidade era formada de imigrantes portugueses.

    Os versos sat?ricos de Gregorio contra os portugueses deixam tamb?m transparecer que na Bahia existiam duas classes de comerciantes:

    ? a dos homens de negocio,

    A ti trocou-te a m?quina mercante,

    Que em tu larga barra tem entrado,

    20 Gregorio de Matos, Poemas escolhidos, sele?io, introdu?io e notas de Jos? Miguel Wisnik (Sao Paulo: Editora Cultrix, 1975): 40. As demais transcri??es de versos do poeta que se encontram paginadas dentro do texto foram extra?das desta mesma edi??o.

    21 AJ.R.Russel-Wood, Fidalgos e fil?ntropos: a Santa Casa de Misericordia da Bahia, 1550-1755 (Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1981).

    22 Rae Flory and David Grant Smith, "Banian Merchants and Planters in the Seventeenth and Early Eighteenth Centuries" Hispanic American Historical Review, 58 (1978): 571-594.

    Chasqui ? Revista de literatura latinoamericana

  • 100 Em torno do barroco ?bero-americano...

    A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negocio e tanto negociante. (40)

    ? e a dos canastreiros ou mascates.

    Sai um pobrete de Cristo de Portugal ou do Algarve, cheio de drogas alheias para da? tirar gages:

    Salta em terra, toma casas, arma a botica dos trastes, em casa come baleia, na rua

    entojamanjares.

    J? temos o canastreiro, que inda fede a seus beirames,

    metamorfosis da terra transformado em h?rnern grande: (50-51)

    Flory e Grant Smith afirmam ter sido estes dois grupos de comerciantes portugueses que infestavam a cidade da Bahia nos s?culos XVII e XVIII. Os homens de negocio ou

    mercadores de sobrado se dedicaram principalmente ao comercio internacional. Apesar de raramente alcan?arem o prestigio social dos comerciantes de Lisboa, ascenderam ? elite

    baiana, principalmente por meio de casamentos com filhas de fazendeiros loc?is. O segundo grupo de comerciantes, denominados por Gregorio "canastreiros" ou mascates, era formado por revendedores e lojistas loc?is, que possu?am status social inferior, mas que podiam elevar-se a homens de negocio atrav?s tamb?m de matrimonio com mulheres da capital ou do rec?ncavo baiano.

    Flory e Grant Smith admitem que os comerciantes portugueses eram vistos pelos membros da elite local como desejados maridos para as suas filhas. Em um dos romances em que Gregorio descreve a fid?cia com que os portugueses ascendiam socialmente, encontram-se os seguintes versos, que corroboram esta teor?a: Come?am a olhar para ele

    os pais que j? querem dar-lhe Filha e dote, porque querem h?rnern que coma e n?o gaste.(51)

    Em urna ?poca em que os latifundi?rios e fazendeiros loc?is enfrentavam problemas financeiros decorrentes da quebra do monopolio da cana de acucar, o ingresso de um comerciante na familia representava novos horizontes econ?micos e urna especie de

    consolida??o entre propriedade e capital. Certamente as dificuldades advindas da situa??o econ?mica em que se encontrava a

    Bahia na segunda metade do s?culo XVII e a preferencia ao comerciante portugu?s para

    desposar as jovens da sociedade local representaram para Gregorio de Matos, filho de fazendeiro local, um duplo ressentimento. Primeiro, por ver-se destituido de seu "status quo", e segundo, pelos comerciantes lhe terem dificultado urna poss?vel estabilidade ou eleva??o econ?mica e social.

    Tanto a s?tira de Gregorio quanto a de Caviedes deixam transparecer que ?as colonias a inser?ao de novos elementos ?as classes sociais superiores levou estes dois poetas a se identificaren! cm suas posi??es de intelectuais "desplazados" que se revoltam contra tudo e contra todos os que para eles representavam urna amea?a ao "status quo". Ambos se

    vingam, destilando seu veneno sat?rico principalmente contra os que iniciavam a ascens?o econ?mica.

    Ao retornarmos ? quest?o da influencia barroca na obra de Caviedes e de Matos, nos deparamos com a pergunta:

    ? Como poderia a produ?ao sat?rica desses dois poetas estar

    Chasqui ? Revista de literatura latinoamericana

  • Lucia Helena Santiago Costigan 101 descontruindo o discurso oficial barroco, se o que se percebe atrav?s dos versos ?cima ? urna atitude preconceituosa e elitizante?

    ? Urna resposta total a esta pergunta foge ao

    escopo deste trabalho, pois demanda urna an?lise profunda do conte?do, da forma e da

    linguagem de suas s?tiras.23 No entanto, podemos adiantar que, embora permeada pela ideologia dominante, pelo seu car?ter plur?voco e cr?tico, a invectiva desses autores funciona como aquilo que Silviano Santiago viu como um "desvio da norma",24 desacralizador dos conceitos de unidade e de pureza do modelo barroco oficial. Muito mais do que urna atitude preconceituosa contra individuos, a s?tira de Cavides e de Matos

    representa urna contestac?o dos padr?es sociais e literarios impostos pela Metropole.

    23 Em um estado que tenciono publicar, posteriormente, e que faz parte da minha tese de doutorado, buscarei mostrar a maneira pela qual, atrav?s dos temas, da forma e da linguagem popular, irreverente

    e cr?tica, Caviedes e Matos logram desconstruir o discurso barroco oficial.

    24 Silviano Santiago, "O entre-lugar do discurso latino-americano** em Urna literatura nos tr?picos (Sao Paulo: Editora Prospectiva, S.A., 1978): 18.

    Chasqui ? Revista de literatura latinoamericana

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    Article Contentsp. 93p. 94p. 95p. 96p. 97p. 98p. 99p. 100p. 101p. [102]

    Issue Table of ContentsChasqui, Vol. 17, No. 1 (May, 1988), pp. 1-166Front MatterMoving toward the Other: New Dimensions in Human Relationships in Rosario Castellanos' "Album de familia" [pp. 3-7]El realismo mgico Hispanoamericano ante la crtica [pp. 9-23]"The Demonic Texture:" Deferral and Plurality in "Grande Serto: Veredas" [pp. 25-29]Cancer as Metaphor: The Function of Illness in Manuel Puig's "Pubis angelical" [pp. 31-41]Being and Time in "La vida a plazos de don Jacobo Lerner" [pp. 43-50]Structure and Restructuration in "Al filo del agua" [pp. 51-60]Agustini's Muse [pp. 61-65]Las estrategias narrativas en "Pu" de Armando Ramrez [pp. 67-73]El estridentismo visto desde "80 H.P." [pp. 75-83]La realidad tragicmica de Osvaldo Soriano [pp. 85-91]Em torno do barroco bero-americano e da stira de Caviedes e de Gregrio de Matos [pp. 93-102]ReseasReview: untitled [pp. 105-108]Review: untitled [pp. 108-109]Review: untitled [pp. 109-110]Review: untitled [pp. 110-113]Review: untitled [pp. 113-114]Review: untitled [pp. 114-117]Review: untitled [pp. 117-119]Review: untitled [pp. 119-120]Review: untitled [pp. 120-122]Review: untitled [pp. 122-123]Review: untitled [pp. 123-124]Review: untitled [pp. 124-125]Review: untitled [pp. 125-126]Review: untitled [p. 126-126]Review: untitled [pp. 126-128]Review: untitled [pp. 128-129]Review: untitled [p. 130-130]Review: untitled [pp. 131-133]Review: untitled [pp. 133-135]Review: untitled [pp. 135-137]Review: untitled [pp. 137-138]Review: untitled [pp. 138-140]Review: untitled [pp. 140-142]Review: untitled [pp. 142-143]Review: untitled [pp. 143-146]

    Obra CreativaEl renguito de Hamelin [pp. 148-151]Selected Poetry [pp. 152-154]Selected Poetry [pp. 155-157]Selected Poetry and Short Stories [pp. 158-164]

    Back Matter


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