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Feiras agropecuárias em Rondonia

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RAE GA 21 (2011), p. 04-19 Curitiba, Departamento de Geografia UFPR

www.ser.ufpr.br/raega ISSN: 2177-2738

DIFUSO DA INOVAO, CONSUMO E COTIDIANO NO CAMPO MODERNO - NOTAS SOBRE O PAPEL DAS FEIRAS AGROPECURIAS EM RONDNIA (BRASIL) INNOVATIONS DIFFUSION, CONSUMPTION AND EVERYDAY IN THE MODERN FIELD - NOTES ABOUT THE ROLE OF AGRICULTURAL EVENTS IN RONDNIA (BRAZIL)Mirlei Fachini Vicente Pereira1

Resumo: O texto avalia a funo das feiras e eventos agropecurios no processo de modernizao das atividades agrcolas no estado de Rondnia, especialmente nas reas onde recentemente o campo se torna mais denso em tcnica e voltado para as estruturas corporativas de produo. Discuti-se o papel que tais eventos possuem na disseminao da cincia e da informao voltadas para as inovaes produtivas no campo, inserindo novas necessidades de consumo e um efeito de modernizao no territrio. Palavras-chave: Informao, inovao, consumo produtivo, eventos agropecurios, psicosfera. Abstract: The article evaluate the role of agricultural events in the process of modernization agricultural activities in Rondnia state (Brazil), especially in areas where recently the field becomes more dense in technical and geared to modern production of great companies. It was discussed the role these1

Professor Adjunto, Instituto de Geografia. Universidade Federal de Uberlndia. [email protected]

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agricultural events for the dissemination of science and information directed to the productive innovations in the field, introducing new requirements for consumption and one modernizing effect in territory. Key-words: information, innovation, productive consumption, agricultural events, psychosphere.

Introduo: Agricultura em Rondnia e a modernizao recente do campo

No perodo atual o Brasil conhece uma renovao de infra-estruturas territoriais e atividades produtivas que oportuniza a expanso das atividades agrcolas modernas em espaos que, at pouco tempo, eram muito caracterizados por uma agricultura pouco moderna e voltada para as demandas internas. O estado de Rondnia conhece esta modernizao recente da produo agrcola, e insere a Amaznia brasileira entre os novos espaos da produo agrcola globalizada. A rea que hoje compe o estado de Rondnia, na regio Norte do Brasil (Figura 1), tem sua histria muito ligada ao uso agrcola do territrio, iniciado nas dcadas de sessenta e setenta do sculo XX por milhares de migrantes camponeses que vieram ocupar e trabalhar terras devolutas (originalmente ocupadas por indgenas de diferentes etnias).

Figura 1. Localizao do Estado de Rondnia, Brasil.5

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A partir dos anos 70, tal processo de ocupao se intensifica, acompanhado por polticas pblicas que incentivam um acelerado ritmo de ocupao territorial, concomitantemente criao de um conjunto de novos municpios (no ano de 1977). Recebendo produtores agrcolas (capitalizados e no capitalizados) de diferentes estados do Centro-Sul do pas (sobretudo paranaenses, gachos e paulistas), o ento Territrio Federal do Guapor torna-se nova unidade da federao no ano de 1988, recebendo a denominao Rondnia, homenagem ao Marechal Candido Rondon, que no incio do sculo desbravara as terras que hoje compem o estado. Tambm a partir da dcada de setenta esta poro do pas recebe um conjunto de novos agentes que inserem na regio atividades que aparecem como mais lucrativas e voltadas aos interesses do governo militar, como o caso da minerao (sobretudo para a produo de estanho) e tambm a pecuria extensiva, atividade esta que concorre diretamente com a agricultura camponesa e muitas vezes ocupa espaos originalmente destinados aos cultivos agrcolas que h pouco tempo haviam sido implantados por camponeses pouco capitalizados. Enfrentando disputas por terra resultantes de conflitos entre diferentes interesses de uso do territrio, o meio geogrfico e a estrutura fundiria da regio conhecem, nos anos 70 e 80, certa preparao para a empresa capitalista de origem externa. No entanto, uma verdadeira reestruturao territorial e produtiva ocorrer apenas na dcada de noventa, quando grandes grupos econmicos visualizam nas possibilidades oferecidas pelo meio geogrfico novas oportunidades de uso do territrio e de acumulao. Durante os 70 e 80 os cerrados do Brasil central foram largamente ocupados por uma agricultura moderna e que tinha como meta a produo de exportao em larga escala, amplamente mecanizada e com uso intensivo de insumos qumicos (fertilizantes e agrotxicos). No entanto, e como esta agricultura de exportao exigente de uma logstica que possa tornar competitivo o produto no mercado externo (CASTILLO, 2005), havia a necessidade de se pensar estratgias de circulao e escoamento da produo realizada no interior do pas, e logo quando se adensam os cultivos no oeste do Mato Grosso (Chapada dos6

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Parecis), o grupo mato-grossense Andr Maggi intenciona realizar o escoamento de gros pelas guas dos rios Madeira e Amazonas, diminuindo os custos com o transporte da produo que at ento era feita atravs dos portos do Sudeste e Sul do pas. Fazendo das necessidades corporativas do agronegcio uma verdadeira demanda do territrio e da regio, o governo federal (primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso) e os governos estaduais de Rondnia e Amazonas viabilizam o projeto da hidrovia Madeira-Amazonas. A partir do ano de 1998, so iniciadas as operaes de escoamento de gros pelo rio Madeira, com a instalao em Porto Velho de um terminal privativo da Hermasa, empresa de propriedade do Grupo Andr Maggi, inaugurando um novo corredor de exportao de gros na regio Norte do pas. A concretizao da hidrovia foi de extrema importncia para o incremento de novas atividades produtivas e na reestruturao das atividades agrcolas no estado de Rondnia, visto que o territrio passa a ser mais competitivo no que diz respeito produo de exportao. Assim, com o novo corredor de exportao do Madeira-Amazonas, a produo de gros se torna vivel tambm em Rondnia, oportunizando o avano sobretudo do cultivo da soja na poro sul do territrio, onde as condies naturais favorveis passam a ser efetivamente (e intensivamente) exploradas. Para se ter uma melhor idia deste processo, ainda que a produo de soja no estado de Rondnia seja pouco expressiva quando comparada ao total do pas, a rea plantada no territrio rondoniense cresceu cerca de sete vezes entre os anos de 1995 e 2005, enquanto que, no mesmo perodo, a quantidade produzida aumentou mais de vinte vezes, dados estes que, pelo expressivo aumento da produo e da produtividade, atestam a insero de uma agricultura moderna no estado2. Grandes grupos voltados para o cultivo de commodities valorizadas no mercado externo (Andr Maggi, Cargill, entre outros) passam a atuar e coordenar a produo agrcola de exportao2

Dados divulgados pela SEAPES - Secretaria de Estado da Agricultura, Produo e Desenvolvimento Econmico e Social de Rondnia. Disponvel em www.seapes.ro.gov.br/Boletins/bol_06_05/sumario.htm , acesso em 11/2005.

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(sobretudo a soja), reestruturando as atividades produtivas no campo rondoniense. Na agricultura, a insero de insumos e o uso de tcnicas modernas so responsveis pelo constante crescimento e modernizao da produo no campo. O emprego racional de fertilizantes, a gesto em tempo real das informaes necessrias ao trabalho de adubao dos solos e da atividade de plantio so alguns exemplos da tecnologia empregada no agronegcio da soja em Rondnia. Na pecuria, um processo de recente de aplicao da cincia na produo, marcado pelo crescente emprego das tcnicas modernas de inseminao artificial, melhoramento gentico e manejo adequado de pastagens, somado a um conjunto de normas territoriais (incentivos fiscais) que garantem competitividade s atividades de industrializao da produo (agora tambm comandada por grupos estrangeiros), tornam o estado de Rondnia extremamente competitivo no que diz respeito produo de carne bovina, conferindo recentemente um aumento extraordinrio do abate de animais, tornando o estado o quinto maior produtor de carne do Brasil, produto este que inclusive destinado ao mercado externo3. O uso intenso da tcnica, da cincia e da informao, muito presentes nos maquinrios agrcolas sofisticados, nas sementes melhoradas e nos fertilizantes, nas tcnicas sofisticadas do melhoramento gentico vegetal e animal, exemplifica a natureza tcnico-cientfica da produo, permitindo reconhecermos a consolidao de reas cada vez maiores no Brasil em que o meio tcnico-cientfico-informacional (SANTOS, 1994a, 1996) se faz presente para atender s demandas de uma agropecuria cientfica e globalizada. Toda esta modernizao das atividades produtivas no campo muito exigente de informao. As inovaes cientficas e tecnolgicas constituem elemento central ao processo de produo voltada para a acumulao de grandes agentes que, no mais das vezes, trabalham em funo de interesses externos. Uma srie de modernidades voltadas para esta produo pode3

No ano de 2007, o estado de Rondnia alcana a 5 colocao entre os maiores estados produtores de carne bovina no Brasil (no ano 2000, Rondnia ocupava a 10 posio). Ao mesmo tempo, Rondnia tambm se torna o quinto maior estado exportador de carne do pas (ABRAFRIGO, 2008).

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facilmente ser observada num conjunto, cada vez mais crescente, de feiras e eventos agropecurios que so realizados anualmente nas cidades em que a produo agropecuria aparece com maior fora no estado de Rondnia. Tal como aponta Denise Elias (1998), na anlise do campo moderno, as feiras e eventos associados produo agropecuria constituem um importante recurso de pesquisa, visto que se pode observar nestes eventos os principais tipos de produtos e servios comercializados, as inovaes tecnolgicas, a origem das empresas expositoras, entre outras informaes (ELIAS, 1998, p.106) que oportunizam a compreenso da dinmica do territrio em reas do campo moderno ou em processo de modernizao. Em Rondnia, estas feiras e eventos agropecurios, para alm de difundirem as modernidades no campo, tambm so muito responsveis pela veiculao da idia de modernizao necessria da produo. Uma verdadeira psicosfera modernizadora (SANTOS, 1996) acaba por incentivar as prticas que, de modo geral, legitimam a insero de uma racionalidade mercadolgica da produo agropecuria, processo este que cada vez mais regido por grandes grupos econmicos que coordenam a produo agrcola e pecuria modernas. Em outras palavras, Essa racionalidade se traduz na produo agrcola por polticas que favoreceram superposies de tecnologias, derivadas sobretudo de pesquisas cientficas e inovaes na gesto e no controle da produo sob o comando de grandes empresas (RAMOS, 2001, p.375). Assim, o objetivo deste ensaio avaliar o fenmeno das feiras e eventos agropecurios no estado de Rondnia, visando elucidar o papel dos mesmos para a difuso da informao e de suporte para um consumo produtivo do campo e mesmo para a afirmao de um cotidiano do campo moderno que condiciona aes e comportamentos, elementos esses essenciais ao processo de modernizao/racionalizao do campo no territrio rondoniense.

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Feiras e eventos agropecurios no estado de Rondnia

Presente nos insumos, nas mquinas e mesmo na produo propriamente dita, a informao especializada aparece como varivel fundamental do perodo, indispensvel s prticas da agricultura e da pecuria modernas. No estado de Rondnia, especialmente nos espaos da produo moderna, o acesso informao e tambm a difuso das inovaes no campo (novas tecnologias e tudo aquilo que aparece como modernidade), se do muito em funo da realizao de feiras e exposies agropecurias, que hoje ocorrem em mais da metade dos municpios de Rondnia. No ano de 2007, o cadastro do governo do estado e da

Superintendncia Federal de Agricultura de Rondnia (SFA-RO) contabilizava dezenove eventos relacionados s atividades agropecurias, eventos estes realizados nos principais municpios produtores (SEAPES, 2007). No entanto, eventos menores ou de realizao ainda recente e que no possuem apoio de instituies governamentais tambm so realizados no estado (Figura 2).

Figura 2. Feiras e eventos agropecurios no Estado de Rondnia (2007)10

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A Exposio Agropecuria de Vilhena (Expovil) um dos mais tradicionais eventos do setor agropecurio no estado de Rondnia, realizada h mais de vinte anos. O evento, que ocorre normalmente no ms de julho, realizado num recinto de exposies de propriedade da AVIAGRO Associao Vilhenense de Agropecuria. Acompanhando a lgica da especializao produtiva, as atividades de maior importncia da feira so justamente aquelas ligadas agricultura da soja e tambm criao de bovinos de corte (Figura 3).

Figura 3. Exposio de animais, Expovil 2007, Vilhena-RO. Exposio de gado nelore (na faixa meno ao melhoramento gentico em fazenda de Pimenteiras-RO (esquerda) e concurso estadual de animais (direta) (Fotos do autor, julho de 2007). No municpio de Vilhena, todo o potencial de uma agricultura cientfica, tpica deste perodo de globalizao, empregado nas atividades produtivas do campo. Maquinrios dos mais modernos do mundo realizam o trabalho a partir de um comando que operado por satlites (atravs de aparelhos de GPS) que produzem, instantaneamente, diagnsticos de produtividade e clculo da quantidade necessria de corretivos a ser adicionado ao solo, otimizando o uso de insumos, fertilizantes e venenos, verificando ainda o controle dos espaamentos e da profundidade das covas para o plantio das sementes, com uma margem de erro de apenas 10 centmetros, configurando um tipo de cultivo comumente caracterizado como agricultura de preciso4. Tais produtos4

Produtores de soja em Vilhena so citados em matria publicada em uma Edio Especial sobre Agronegcio da Revista Veja, em abril de 2004, onde se destacou o emprego da agricultura de preciso

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e inovaes so divulgados e podem ser adquiridos neste tipo de evento, que desta forma desempenha importante papel no que tange ao consumo produtivo do campo (ELIAS, 2003, p.191, 2006). Como tal consumo produtivo tambm exigente de grande capital, pode-se tomar emprstimos em bancos pblicos ou instituies privadas no mesmo espao das feiras. Para se ter uma idia da importncia econmica destes eventos, em 2007, o escritrio do Banco da Amaznia (BASA) instalado no recinto de exposies da Expovil recebeu, somente durante a semana de realizao do evento, propostas de contratao de crdito para compras de maquinrios que totalizaram aproximadamente R$ 20 milhes. No mesmo ano, nas exposies agropecurias realizadas nos municpios de Colorado do Oeste (XXI Expocol) e de Cerejeiras (1 Expocer), o valor das propostas para contratao de crdito alcanou, aproximadamente, R$ 3 milhes e R$ 2 milhes, respectivamente5. Tais informaes nos autorizam pensar que a difuso da inovao no campo moderno tambm carece, necessariamente, tambm de uma difuso do crdito. A exposio de Vilhena conta com apoio de deputados estaduais e com o patrocnio das principais empresas que vendem maquinrios, insumos e fornecem assistncia tcnica para o plantio e colheita de gros (Figura 4). So, assim, polticos, instituies ou associaes de produtores e os agentes hegemnicos do campo moderno (no mais das vezes empresas de capital estrangeiro) os principais fomentadores destas feiras e exposies voltadas para a produo agrcola intensa em capital e em informao.

no municpio. O agricultor gacho Adailton Sawaris e seu scio, o paranaense Nivaldo dos Santos, ambos de 35 anos, conseguem bater recordes de produtividade no municpio de Vilhena, em Rondnia, com a utilizao destas tcnicas. A cada safra, eles fazem um histrico com vinte variveis como acidez do solo e ndice pluviomtrico de cada um dos cinqenta trechos, ou talhes, em que esto divididos 5 600 hectares da plantao de soja. Por meio de um aparelho que localiza coordenadas geogrficas com o auxlio de satlites, otimizaram a aplicao de insumos e a pulverizao da lavoura, evitando a sobreposio. O plantio feito com controle automtico dos espaamentos, da profundidade das covas e da quantidade de adubo aplicado, explica o especialista Jos Molin, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de So Paulo. As super-mquinas reduzem significativamente os custos da produo. (COUTINHO, 2004, p.27).5

Informaes obtidas junto gerncia do BASA, agncia de Vilhena, em trabalho de campo realizado em julho de 2007.

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Figura 4. Mquinas agrcolas expostas na Expovil 2007, Vilhena-RO. A Exposio tem como uma de suas principais funes a difuso de novidades tecnolgicas do setor. Colheitadeira de gros ( esquerda). Tratores ( direita). (Fotos do autor, julho de 2007).

A idia de campo moderno est muito presente em boa parte do espao urbano. Em Vilhena, as ruas e avenidas largas esto repletas de grandes caminhonetes (em boa parte importadas). ntida a presena de novos prdios comerciais, vrios deles ainda em construo (a maioria com anncio de financiamento do Banco da Amaznia S.A.). O cotidiano urbano, sobretudo daqueles agentes e aes solidrios e obedientes agricultura moderna, parece a todo tempo estar sendo gerenciado por esta mesma racionalidade de modernizao. assim que esta idia de campo moderno se dissemina e se legitima entre agentes que participam direta e indiretamente das atividades agropecurias modernas e capitalizadas, e de certo modo tambm entre aqueles que no participam de forma vantajosa dos circuitos produtivos tpicos do campo modernizado. Difundindo a informao e participando diretamente do consumo produtivo do campo, as cidades e a feiras agropecurias tambm so difusoras, deste modo, de uma psicosfera modernizadora (SANTOS, 1994a,

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p.32; 1996, p.204), muito presente no perodo das feiras na maior parte dos veculos locais de comunicao, que garante legitimidade s aes pblicas e privadas que organizam a produo moderna no campo, construindo no imaginrio social uma idia de progresso e de modernizao. Nas palavras de Santos e Silveira, sobretudo esse crescente consumo de informao que participa do alastramento de uma psicosfera modernizadora, impondo racionalidades mas tambm despertando ou fabricando um imaginrio. Ambas, tecnosfera e psicosfera, formas de existncia do meio tcnico-cientfico-informacional, condicionam os comportamentos e entretecem racionalidades e emoes convergentes e conflitantes (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Em Ji-paran, tal situao de certo modo se repete. Vitrine para a exposio principalmente de gado, a Expojipa (que realizada em Ji-paran desde 1980) se consolida como o maior evento agropecurio de Rondnia. A infra-estrutura do parque de exposies de Ji-paran melhor e mais equipada quando comparada quelas do parque de exposio de Vilhena e tambm aos de Colorado do Oeste e Cerejeiras. Praas e jardins bem estruturados ornamentam o recinto de exposies que conta com construes em alvenaria que abrigam bancos e empresas. Organizada pela Associao Rural do Estado de Rondnia, a Expojipa provavelmente a maior feira/exposio agropecuria de toda a Regio Norte do pas, recebendo em 2006 um pblico de mais de 250 mil pessoas (Figura 5)6.

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Vide reportagem de J. Coelho (2007), no Jornal Folha de Rondnia (em 22 de maio de 2007).

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Figura 5. Expojipa 2007, Ji-paran-RO. Em Ji-paran, que detm o terceiro maior rebanho bovino de corte em Rondnia, a Expo-Jipa o principal evento do setor agropecurio. Exposio de gado nelore ( esquerda). Arena de rodeio e palco de apresentaes musicais ( direita). (Fotos do autor, julho de 2007). Como Ji-paran se afirma como um dos principais municpios produtores de leite de Rondnia, o evento conta com concursos e exposio de exemplares bovinos de vrias partes do estado e do pas, bem como para os recursos tcnicos de inseminao artificial e melhoramento gentico de animais, alm da divulgao e venda de equipamentos para o beneficiamento de leite. Os espaos e infra-estruturas utilizados para a realizao de tais eventos aparecem, assim, como equipamento urbano indispensvel, sendo estes mais estruturados nas cidades onde se praticam atividades agropecurias modernas. Os chamados parques ou recintos de exposio existem em muitas cidades de Rondnia com diferentes configuraes, espaos estes que so, na maioria dos casos, organizados por sindicatos ou associaes de produtores rurais. Para alm da importncia econmica e estratgica na difuso das modernidades no campo, estas feiras e eventos agropecurios acabam se tornando verdadeiros acontecimentos do ano em algumas cidades, o principal ou mesmo nico momento de diverso e de sociabilidade, ainda que restritos queles que podem usufru-los, j que os ingressos so cobrados. De forma

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conjunta quilo que interessa aos grandes produtores agropecurios, somamse tambm atividades culturais e esportivas que atraem aquela populao comum, ou seja, o evento voltado para o consumo produtivo do campo moderno tambm comporta um consumo consumptivo (que se esgota em si mesmo) (SANTOS, 2008, p.55), de menor importncia financeira, mas de maior acesso entre os freqentadores. As duplas de msica sertaneja, as atividades de rodeio e outras competies com o uso de animais, assim como a realizao de sorteios e bingos, aparecem como atrativos na maioria destas exposies agropecurias7. o momento de festa que a populao espera e a semana onde os excessos so permitidos (sobretudo os do consumo). Ocorre, de certo modo, um fenmeno similar ao j observado por R. J. Santos (2008, p.161) nas reas da produo agrcola moderna no cerrado mineiro, onde a racionalidade da produo e a nova administrao do tempo tornam a festa mercadoria, ao mesmo tempo em que ela necessria para a realizao (e o enaltecimento) da produo e da produtividade8. O caso das exposies agropecurias, s vezes tornadas verdadeiros espetculos de exibio da tcnica, para alm da sua inegvel importncia econmica e do seu papel na difuso da informao no campo, tambm personifica mais um dado da psicosfera que rege os novos espaos agrcolas modernizados, ao mesmo tempo em que fortalece, no lugar, um cotidiano e um modo de vida muito administrados pela racionalidade de tal modernizao.

Consideraes finais

Hoje, cincia, tcnica e informao constituem os pilares para a realizao de uma produo agropecuria guiada por uma racionalidade instrumental, voltada para o mercado e regida por grupos econmicos que, em7

A edio de 2007 da Expovil realizou bingos que tinham como prmios dois automveis zero km, premiao em dinheiro (R$ 55 mil) e uma caminhonete Toyota Hilux (sonho de consumo tanto dos produtores agrcolas quanto dos demais habitantes de Vilhena). 8 Tal como fora publicado em uma reportagem de revista em Vilhena, (...) a exposio [Expovil] transformou-se num fenmeno que tem a capacidade de trazer para a realidade urbana todo o universo rural, com seus costumes, tradies, msicas e danas, pratos e sabores. No toa que a Expovil uma das festas mais esperadas do ano pelos vilhenenses (ALERTA NOTICIAS, 2007).

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ltima anlise, visam sobretudo manter-se competitivos e tornar cada vez mais vivel a sua prpria acumulao. H que se destacar a capacidade e perspiccia com que os atores hegemnicos criam discursos capazes de fazer proliferar uma psicosfera que legitima a modernizao perversa e a atualizao hierrquica do territrio, ao mesmo tempo em que so capazes de criar territorialidades prprias e orientar projetos de uma elite (local e tambm externa), que disseminam uma alienao territorial (SANTOS, 1994b; RIBEIRO, 2005) capaz de fazer aceitar tais processos, por mais que a riqueza seja desigualmente distribuda e que a sociedade seja desigualmente atendida em suas demandas mais prementes. Assim, a agricultura moderna de exportao realizada no Brasil atual exemplifica a disseminao, nos espaos mais remotos do territrio, de uma lgica da eficincia e da competitividade, muito orientada por razes externas que viabilizam a acumulao concentrada e corporativa dos recursos, invertendo as suas finalidades. At mesmo onde o campo no se apresenta completamente

racionalizado ou totalmente instrumentalizado, a idia de necessidade da informao aparece, e a maioria das feiras e eventos agropecurios, da forma como so realizados, atuam como elemento de difuso da modernidade no campo e, concomitantemente, da sua racionalizao. Tais feiras, para alm de tudo o que significam em termos de insero de novos objetos, novas tecnologias e novos capitais no campo, tal como o caso das principais feiras agropecurias realizadas em Rondnia, tambm difundem uma psicosfera modernizadora9 que se instala e tambm adianta a insero dos novos contedos modernos no campo. assim que este campo moderno, intenso em capital, tcnica e informao, regido por grandes grupos econmicos muito

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Como podemos avaliar a partir do caso das feiras agropecurias no territrio rondoniense, os agentes que organizam e comandam a agricultura e pecuria modernas no Brasil prestam-se a difundir esta psicosfera modernizadora. Como reconhece Ana Clara Torres Ribeiro, Essa psicosfera produz a busca social da tcnica e a adequao comportamental interao moderna entre tecnologia e valores sociais. Alguns setores produtivos parecem alimentar, com especial nfase, os processos culturais de consolidao dessa psicosfera, conformando verdadeiros plos emissores de valores (RIBEIRO, 1991, p.48).

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ligados a interesses externos, insere em Rondnia um efeito modernizador10 (PEREIRA, 2006), e o territrio, quando transformado por esta agricultura e pecuria modernas, ganha verdadeiro status de espao modelo, signo do progresso e do crescimento econmico, realimentando a psicosfera

legitimadora da atualizao corporativa e hierrquica (SANTOS, 1996). Se pensadas de modo a atender as demandas de um campo no necessariamente voltado s imposies de um mercado hegemnico voraz, tais feiras e eventos poderiam servir menos como meio de difuso da informao corporativa (seletiva e hierrquica) e mais como difusores de outros tipos de conhecimentos, valorizando experincias alternativas e mais socializantes11.

Referncias: ABRAFRIGO Associao Brasileira de Frigorficos. Pgina na internet (Seo Estatsticas) Disponvel em http://www.abrafrigo.com.br , acesso em dezembro de 2008. ALERTA NOTCIAS (Revista). Comea a Expovil 2007. Vilhena se transforma na capital dos negcios em RO. Alerta Notcias. Vilhena, julho de 2007, Ano II, N30, 2007. CASTILLO, R. A. Exportar alimentos a sada para o Brasil? O caso do complexo soja. In: ALBUQUERQUE, E. S. (org.) Que pas esse? Pensando o Brasil contemporneo. So Paulo: Globo, 2005. p.283-307. COELHO, J. Expojipa vai reunir pecuaristas de todo o pas. Folha de Rondnia. Caderno Agrofolha. Ji-paran, 22/05/2007. Disponvel em http://www.folhaderondonia.com.br, acesso em 22/05/2007.10

Esta renovao do contedo material do territrio confere aos lugares a emergncia do que estamos chamando de efeito modernizador. Este seria todo o contedo territorial (objetos e aes) que se impe como novo, e que, ganhando localmente um carter de proeminncia em relao aos demais, acaba por centralizar toda a ateno e ao dos agentes pblicos. Por isso se tratar apenas de uma modernizao aparente, porque se d de forma centralizada e no repercute em ganhos ou melhorias para todos os que habitam o lugar. Tirando proveito poltico da situao de renovao territorial, e invertendo e distorcendo as atenes da sociedade, o poder pblico (nas suas diferentes escalas territoriais), apoiado na legitimao aparente dos projetos de modernizao e desenvolvimento, se volta para a razo das aes privadas, promovendo desta forma um uso corporativo do territrio (PEREIRA, 2006, p.66).11

preciso indicar que as prticas de uma agricultura de pequena dimenso, caracterizadas pelo emprego de pouco capital e geralmente pelo pouco acesso s modernidades do perodo tambm inicia prticas de difuso de informaes atravs da realizao de frias agropecurias. Em agosto de 2008, a Fetagro (Federao dos Trabalhadores na Agricultura de Rondnia) realizou a primeira Feira Estadual da Produo (Fepaf), na cidade de Ji-paran, voltada especificamente para a pequena produo agrcola.

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