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FICHA TÉCNICA - presenca.pt · Bernardo Futscher Pereira e Rudy Bauss, todos me deram uma ajuda...

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FICHA TÉCNICA www.manuscrito.pt facebook.com/manuscritoeditora 2015 Direitos reservados para Letras & Diálogos, uma empresa Editorial Presença, Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena Título original: Pombal: Paradox of the Enlightenment Autor: Kenneth Maxwell Copyright © Cambridge University Press, 1995 Edição publicada por acordo com The Syndicate of the Press of the University of Cambridge, England Copyright © Letras & Diálogos, 2015 Tradução © Saul Barata Capa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagem da capa: Retrato Marquês de Pombal de autor desconhecido. Direitos livres. Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-8818-19-5 Depósito legal n. o 400 334/15 1. a edição, Lisboa, novembro, 2015
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FICHA TÉCNICA

www.manuscrito.ptfacebook.com/manuscritoeditora

2015Direitos reservados para Letras & Diálogos,

uma empresa Editorial Presença,Estrada das Palmeiras, 59

Queluz de Baixo2730-132 Barcarena

Título original: Pombal: Paradox of the EnlightenmentAutor: Kenneth Maxwell

Copyright © Cambridge University Press, 1995Edição publicada por acordo com The Syndicate of the Press

of the University of Cambridge, EnglandCopyright © Letras & Diálogos, 2015

Tradução © Saul BarataCapa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença

Imagem da capa: Retrato Marquês de Pombal de autor desconhecido. Direitos livres.Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8818-19-5Depósito legal n.o 400 334/15

1.a edição, Lisboa, novembro, 2015

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Índice

Um reparo sobre a ortografia portuguesa ............................... 10

Agradecimentos ........................................................................ 11

Abreviaturas .............................................................................. 13

1. Ideias e imagens .................................................................... 15

2. A Idade de Ouro e as suas consequências ........................... 53

3. Ações de interesse nacional .................................................. 69

4. Colaboradores e conspiradores ............................................ 93

5. Reformas ............................................................................... 115

6. Guerra para defesa do império ............................................ 141

7. Interesse público e lucros privados ...................................... 169

8. O legado ................................................................................ 191

Ensaio bibliográfico .................................................................. 215

Notas ......................................................................................... 231

Bibliografia ................................................................................ 257

Gravuras a cores ....................................................................... 281

Ilustrações ................................................................................. 283

Glossário ................................................................................... 287

Índice remissivo ........................................................................ 289

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Um reparo sobre a ortografia portuguesa

Em algumas das transcrições preservou-se a ortografia e a pontuação dos originais, o que provoca algumas inconsistências nas notas. Noutros casos, tentou -se empregar formas modernas de escrita. Por exemplo: Correia em vez de Corrêa, Meneses em vez de Menezes, Melo e Castro em vez de Mello e Castro, embora, por vezes, se verifiquem diferenças entre as fontes portuguesas e as brasileiras, a despeito das diversas convenções internacionais com que se tem pretendido encontrar uma norma aceitável tanto em Portugal como no Brasil.

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Agradecimentos

Devo muito ao professor Sir Harry Hinsley, que, em Cam-bridge, foi a primeira pessoa a encorajar-me a estudar os países do Sul; ao professor Stanley J. Stein, em cujo memorável curso sobre a Ibéria do século xviii, em Princeton, fiz a minha primeira tentativa de estudo sistemático da figura de Pombal; ao professor Felix Gilbert ( já falecido), do Institute for Advanced Studies, um amigo e um mentor de grande valia em tudo o que se relacione com a História; ao professor Ragnhild Hatton, da London School of Economics, a primeira pessoa a persuadir-me a escrever um livro sobre Pombal; ao professor Jaime Reis, da Universidade Nova de Lisboa, ao Dr. Hamish Scott, de St. Andrews, à professora Ângela Delaforce, da Fundação Anglo-Portuguesa, e ao Dr. Robert Oresko, do Institute for Historical Research, de Londres, que me mostra-ram o caminho a seguir em momentos mais delicados.

Pouco teria conseguido sem o apoio, o estímulo e a paciên-cia da Fundação Gulbenkian, em especial na pessoa do Dr. José Blanco. António Barreto, José Barreto, José Freire Antunes, Bernardo Futscher Pereira e Rudy Bauss, todos me deram uma ajuda importante na pesquisa das fontes; e Audrey McInerney e Allison C. de Cerreño, graças à mestria invejável com que mane-jam os computadores, ajudaram na preparação do manuscrito definitivo. As ajudas do Dr. Francisco Espadinha e do professor Helder Macedo revelaram-se indispensáveis para tornar possível a edição portuguesa deste meu trabalho, como já tinham sido

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para o meu livro sobre o Portugal contemporâneo, publicado pela Presença, com o título A Construção da Democracia em Portugal. William Davies, com a profunda afeição que dedica a Portugal e o seu enorme conhecimento do País, encorajou-me a regressar à editora da Universidade de Cambridge para a edição inglesa desta obra, e estou agradecido à Dr.ª Manuela Cardoso, da Presença, pelo seu profissionalismo na preparação da edição portuguesa, e ao Dr. Saul Barata, pelo cuidado posto na tradução, confrontação das fontes originais e incorporação das atualizações que fiz na biblio-grafia. Agradeço ao Dr. Blanco, à Dr.a Simonetta Luz Afonso, do Instituto Nacional de Museus, e ao excelente arquivo fotográfico de que o instituto dispõe, bem como a Jay Levinson, da National Gallery of Art, da cidade de Washington, por me ter permitido utilizar algumas das ilustrações contidas neste livro.

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Abreviaturas

AAPH Anais da Academia Portuguesa de História, Lisboa.ABNRJ Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.ACC Anais do Congresso Comemorativo do Bi cen te nário

da Transferência da Sede do Governo do Bra sil da Cidade do Salvador para o Rio de Ja nei ro, 3 vols., Instituto Histórico e Geográfico Bra sileiro, Rio de Janeiro, 1967.

AHN Arquivo Histórico Nacional, Madrid.AHR American Historical Review.AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.AMHN Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa.APM Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte,

Minas Gerais.BEP Bulletin des Études Portugaises.BL British Library, Londres.BMP Biblioteca Municipal do Porto.BNL Biblioteca Nacional, Lisboa, Fundo Geral.BNLCP Biblioteca Nacional, Lisboa, Coleção Pombal.CCANRJ Mathias, Herculano Gomes, A coleção da casa

dos contos de Ouro Prêto, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1966.

CCBNRJ Coleção Casa dos Contos, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

CHLA The Cambridge History of Latin America, 8 vols., coord. de Leslie Bethell, Cambridge, 1984 -1994.

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Correspondência Inédita Marcos Carneiro de Mendonça, A Amazônia na era pombalina. Correspondência inédita do Go ver ­nador e Capitão­General do estado de Grão­Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Men donça Furtado, 1751­1759, Instituto Histó rico e Geográfico Bra-si leiro, 3 vols., Rio de Janeiro, 1963.

DH Documentos Históricos, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1928.

DISP Documentos Interessantes para a História e Costu­mes de S. Paulo, S. Paulo.

EcHR Economic History Review.EHR English Historical Review.HAHR Hispanic American Historical Review.IHGB Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Rio de Janeiro.IHGB/CAU Coleção de transcrições do Arquivo Ultra ma-

rino, existentes no Instituto Histórico e Geo-grá fico Brasileiro.

JAPS Journal of the American­Portuguese Society.JSH Journal of Social History.MHPB Cor. Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, Me mó­

rias históricas e políticas da província da Bahia, 6 vols., anotadas por Brás do Amaral, Baía, 1940.

Min Just Ministério da JustiçaPRO Public Record Office London (FO = Foreign

Office, BT = Board of Trade, SP = State Papers)RAPM Revista do Arquivo Público Mineiro.RHDI/M de P Revista de história das ideias: «O marquês de

Pombal e o seu tempo», 2 vols., Coimbra, 1982.RHES Revista de História Económica e Social, Lisboa.RHSP Revista de História, S. Paulo.RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Bra si­

leiro, Rio de Janeiro.TRHS Transactions of the Royal Historical Society.

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1Ideias e imagens

... num país pequeno, um pequeno génio com vontade de ser grande é um animal muito desajeitado.

Sir Benjamin Keene (1745)

O Paxá* da Costa** conseguiu o fim do seu empenho. Tais são as coisas deste Mundo! O povo*** é quem o há de sofrer, e passar a notícia aos futuros que hão de admirar os efeitos das suas vagas ideias em tudo o que for da sua Repartição, se nas outras não tiver parte.

Alexandre de Gusmão, carta para Martinho Velho Oldemberg (1750)

O Portugal do século xviii é quase inseparável da figura dominadora do marquês de Pombal (1699-1782). Para alguns, Pombal, que para todos os efeitos governou Portugal entre 1750 e 1777, é uma grande figura do absolutismo iluminado, comparável a Catarina II da Rússia, a Frederico II da Prússia e ao imperador José II

* Alexandre de Gusmão escreveu: «O B... (baxá, sinónimo de paxá) conse-guiu...» Ver Alexandre de Gusmão, Cartas, introdução e atualização de texto por Andrée Rocha, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981, p. 149. (NT)

** Há outra carta, com o mesmo destinatário, em que A. Gusmão se refere ao «poderoso Baxá da Costa», que será o marquês de Pombal, ibidem, p. 145. (NT)

*** Na primeira carta referida, lê-se «Novo» (com maiúscula) em vez de povo. Assim, quem sofreria as consequências seria o «Novo Rei», D. José I, ibidem, p. 149. (NT)

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da Áustria; para outros, não passa de um filósofo imaturo e de um completo tirano. Os contemporâneos já estavam divididos acerca de Pombal, mesmo antes de ele ter chegado ao poder. D. Luís da Cunha, um dos mais eminentes diplomatas e pensadores políticos portugueses do século xviii, no seu Testamento Político, recomen-dava Pombal porque o considerava dotado de um temperamento paciente e especulativo.1 Mas havia quem não se mostrasse tão cortês. Sir Benjamin Keene, que entre 1745 e 1749 representou o Governo britânico em Lisboa, escreveu acerca dele: «É um pobre cabeçudo saído de Coimbra, como muitos que encontrei até hoje, em que a teimosia e a estupidez atingem níveis asininos... Direi apenas que, num país pequeno, um pequeno génio com vontade de ser grande é um animal muito desajeitado.»2 Num período de autocrítica a seguir à demissão de Pombal, António Ribeiro dos Santos, um dos colaboradores mais próximos do ministro nas áreas do ensino e da reforma religiosa, resumia assim o paradoxo entre o autoritarismo e o iluminismo do ministro de D. José: «[Pombal] quis educar a Nação e ao mesmo tempo escravizá-la. Quis espalhar as luzes do conhecimento filosófico e ao mesmo tempo aumentar o poder despótico da Monarquia.»3 Este paradoxo, que não é invulgar entre os absolutistas europeus do século xviii, mas que talvez tenha em Portugal o seu exemplo mais extremado, é o tema deste livro.4

Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em Lisboa, no seio de uma família da pequena nobreza, cujos membros serviram o País como soldados, clérigos e funcionários públicos, tanto na metrópole como nos domínios ultramarinos, na altura ainda vastos, de Portugal. O pai, Manuel de Carvalho e Ataíde (1668-1720), serviu na Marinha e no Exército, sendo nomeado, em 1708, para o posto importante de comandante da cavalaria da corte. O padre Paulo de Carvalho e Ataíde, seu tio, possuía um morgadio em Lisboa, que incluía a casa onde Sebastião José nasceu, e uma propriedade em Oeiras, uma pequena vila próxima de Lisboa, junto do estuário do Tejo. Tinha sido professor na Universidade de Coimbra, antes de ser nomeado arcipreste do Patriarcado de Lisboa. Pombal herdou a casa de Lisboa e a propriedade de Oeiras, e foi nesta vila que, em 1750, regressado a Portugal depois de ter cumprido uma missão de diplomata na corte de Viena, construiu uma casa de campo monumental, com jardins

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barrocos, a que se juntou uma vasta área plantada de vinhas e amo-reiras, tudo servido por aquedutos extensos e dispendiosos.5

Portanto, a família do poderoso ministro não era tão impor-tante como poderia parecer pelo título, nem tão modesta como os inimigos dele nos pretendem fazer crer. O meio de onde Pombal provinha era semelhante ao de muitos dos ministros que os monar-cas absolutos escolhiam como instrumentos de reforço do poder real e da autoridade do Estado. As honrarias só lhe foram conce-didas em idade já madura. O título de marquês de Pombal foi-lhe outorgado em 1769, quando já tinha 71 anos. Em 1759, tinha sido nomeado conde de Oeiras. Como passou à história como marquês de Pombal, é por esse título que vamos tratá-lo nesta obra; mas é importante recordar que este estatuto de nobreza não lhe foi dado pelo nascimento; pelo contrário, foi obtido como recompensa pelos serviços prestados ao monarca e ao Estado português.

Pombal era o mais velho de doze irmãos, quatro dos quais morreram ainda jovens. O irmão mais novo, José Joaquim, foi morto em combate quando prestava serviço militar na Índia Portuguesa; as irmãs entraram para ordens religiosas.6 Dois dos irmãos, Paulo de Carvalho e Mendonça (1702 -1770) e Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), tornaram-se seus cola-boradores íntimos quando foi nomeado ministro, enquanto um terceiro irmão, frei Diogo de Carvalho, viveu em Itália, onde ensi-nou filosofia em Ascoli Piceno. Paulo de Carvalho, um religioso nomeado cardeal pelo papa Clemente XIV, tornou-se inquisidor--geral e presidente da Câmara Municipal de Lisboa (um posto em que Pombal colocou o próprio filho, Henrique, depois da morte do irmão). Mendonça Furtado serviu como governador e capitão-geral das províncias brasileiras do Grão-Pará e do Maranhão (uma área que naquele tempo incluía essencialmente o extenso vale do rio Amazonas) e, regressado a Lisboa, colaborou estreitamente com Pombal, como secretário de Estado dos Territórios Ultramarinos. Constituíam uma família muito unida. Os recursos financeiros e as propriedades eram geridos de acordo com o interesse comum, pois nem Mendonça Furtado nem Paulo de Carvalho se casaram. Os três irmãos estão representados numa pintura notável, que junta os três e as respetivas armas no teto da mansão de Oeiras.

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Tem por título Concordia Fratrum (gravura ii), uma representação alegórica que também serve para demonstrar que os três irmãos dominavam o Estado, a Igreja e o império.

Depois da morte do pai, com a família a enfrentar graves dificuldades financeiras e dependente do tio arcipreste, Sebastião José de Carvalho e Melo deixou a capital e passou sete anos a administrar as propriedades que a família tinha na zona centro, em Gramela, a norte de Pombal.7 As causas do exílio do futuro marquês numa zona rural não são bem conhecidas, mas, mais para o fim da vida, atribuiu-o a desavenças familiares em cartas pes-soais dirigidas aos filhos.8 Durante este período (em 1723) raptou D. Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada, viúva, neta do conde dos Arcos; este enlace, com que pretendia entrar na mais alta fidalguia, nunca foi bem aceite pela família da noiva, que não considerava Sebastião José um bom partido. O casal não teve des-cendência e, pouco depois da morte da mulher, o futuro marquês voltou a casar (1745), enquanto estava em Viena como en viado de Portugal. A segunda mulher, de quem teve cinco filhos, foi Maria Leonor Ernestina Daun (fig. 1). A condessa de Daun era sobrinha do marechal Heinrich Richard, conde de Daun, uma figura em destaque na Guerra da Sucessão da Áustria e no período que se seguiu à Guerra dos Sete Anos, como comandante-chefe das Forças Armadas da Monarquia austríaca e ministro responsável pelo pro-grama de reforma radical da instituição militar que comandava. O segundo casamento de Sebastião José de Carvalho e Melo rece-beu a bênção pessoal da imperatriz Maria Teresa.9 De facto, Maria Teresa revelou um interesse fora do habitual pelo enlace, tendo escrito uma carta pessoal à futura mulher de Carvalho e Melo, onde declarava que «devia a preservação da monarquia» à família Daun.10 O casamento também foi bem aceite em Lisboa por Maria Ana de Áustria, a esposa austríaca de D. João V (1707-1750). Despeitado, o en via do português em Roma observou que foi o casamento com a condessa de Daun que assegurou ao futuro marquês de Pombal o lugar de secretário de Estado no Governo de Lisboa. Foi, de facto, Maria Ana de Áustria, regente de Portugal durante o período final da doença do marido, que mandou que Sebastião José de Carvalho e Melo abandonasse Viena, em 1749, para integrar o Governo

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1. Maria Leonor Ernestina Daun, marquesa de Pombal. Quadro de Pierre Jouffroy, 1770. (Coleção particular; Divisão de Documen tação Fotográfica — Instituto Português de Museus)

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de Lisboa. Na altura, já ele tinha 50 anos.11 A sua proeminência e poder viriam a coincidir exatamente com o reinado de D. José I (1750 -1777), um monarca que preferia a ópera e as caçadas aos trabalhos da governação. A seguir ao terramoto de Lisboa de 1755, concedeu ao ministro uma autoridade praticamente sem limites.

Sebastião José de Carvalho e Melo devia a sua considerável experiência diplomática à intervenção dos familiares. Regressado a Lisboa, depois do exílio voluntário em Gramela, o tio arcipreste conseguira-lhe um lugar na nova Academia Real da História Portuguesa e também apresentou o sobrinho a João da Mota e Silva, o cardeal da Mota, que era, de facto, o primeiro -ministro de D. João V. A Academia tinha sido criada por D. João V em 1720, com a intenção de fortalecer as pretensões dinásticas e absolutis-tas da família Bragança. O papel do futuro marquês de Pombal seria, em parte, tentar a reabilitação da família Carvalho, caída em desgraça desde que o pai dele tinha falsificado a identidade dos próprios progenitores. Em 1738, D. João V reorganizou o funcionamento do governo num sistema de secretarias de Estado, e Marco António de Azevedo Coutinho, que tinha sido embaixador em França (1721-1728) e em Inglaterra (1735-1738), foi mandado regressar a Lisboa para ocupar a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Carvalho e Melo e Azevedo Coutinho eram primos, embora o futuro marquês se referisse sempre ao seu distinto parente como «tio» e Azevedo Coutinho, por sua vez, tivesse mandado o «sobrinho» para Londres, para o substituir.12

Assim, entre 1739 e 1743, o futuro marquês de Pombal repre-sentou o rei de Portugal na corte de St. James. Foi um período crucial para a consolidação da mitologia expansionista e imperial da Grã-Bretanha. Foram anos críticos — o tempo da Guerra de Jenkins’ Ear* e do ataque de Vernon a Cartagena, o grande bastião

* Literalmente, Guerra da Orelha do Jenkins. Guerra pouco conhecida entre a Inglaterra e a Espanha. Começou em outubro de 1739 e, a partir de certa altura, fundiu-se com a Guerra da Suces são da Áustria (1740-1748). Em 1738, o capitão Robert Jenkins apareceu perante uma Comissão dos Comuns e exibiu o que disse ser a sua própria orelha, amputada em abril de 1731 por guardas costeiros espanhóis das Índias Ocidentais. O episódio foi aproveitado pela oposição para atacar o ministro Robert Walpole. (NT )

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do controlo estratégico espanhol das rotas entre a Espanha e a América do Sul. Para Sebastião José de Carvalho e Melo, a ameaça que os Britânicos representavam para os domínios vastos e ricos de Portugal na América do Sul tornou-se uma preocupação fun-damental. Afirmava que, por cobiçarem tanto o Brasil, os Ingleses estariam eventualmente dispostos a atacar a América portuguesa.13 Estava convencido de que a Inglaterra alimentava ideias de se apo-derar da região do rio da Prata e acreditava que em 1739 estava pronto um plano para criar uma colónia britânica no Uruguai, que seria financiada por capitais judaicos e segundo uma ideia de João da Costa.14

Em 1739, o Governo britânico tinha, na realidade, proposto uma convenção anglo-portuguesa que proporcionasse o envio de uma esquadra para ajudar a levantar o cerco à colónia do Sacramento, um posto avançado português na margem norte do rio da Prata, mas com a condição de os vasos de guerra e os navios mercantes britânicos passarem a ter livre acesso aos portos brasileiros enquanto durasse a guerra com a Espanha. Era uma concessão que os Portugueses não podiam fazer e Pombal viu na convenção oferecida a materialização do esquema do judeu João da Costa. D. Luís da Cunha, ao comentar os despachos de Pombal e a possibilidade da criação de uma colónia britânica no Uruguai, observou que os Espanhóis, que tinham estabelecido uma colónia em Montevideu como medida de contenção da coló-nia do Sacramento, eram preferidos como vizinhos: «vizinhos por vizinhos», escreveu, «os menos poderosos são os menos maus».15

Sebastião José de Carvalho e Melo sentia-se ofendido pela forma displicente como os Britânicos encaravam a aliança anglo--portuguesa. Convenceu-se de que era essencial compreender as origens da superioridade comercial e militar da Grã-Bretanha, da fraqueza económica e política de Portugal e da sua dependência militar. Durante o reinado de D. João V, os patronos de Sebastião José de Carvalho e Melo em Portugal estavam profundamente envolvidos na discussão de teorias de governação e em estratégias de desenvolvimento económico. O cardeal da Mota, por exemplo, tinha apoiado, em 1730, a criação da Real Fábrica das Sedas, situada no Rato, em Lisboa.16 Ao justificar esta intervenção do Estado,

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o cardeal tinha identificado com bastantes pormenores um dos problemas mais importantes com que se defrontavam os velhos regimes da Europa, isto é, a escolha entre dois tipos de interesses do Estado: o interesse a longo prazo, que era proporcionado pelo desenvolvimento mercantilista, e o interesse de curto prazo, que procurava apenas aumentar a cobrança de impostos. Na opinião do cardeal da Mota, as necessidades imediatas de financiamento da administração pública punham quase sempre em risco as questões mais importantes, como eram o fomento do desenvolvimento económico sustentado.17

Quando em Londres, o futuro ministro movia-se nos círculos da Royal Society, um organismo criado para investigar as causas, as técnicas e os mecanismos do poder comercial e naval da Grã--Bretanha. Acabou por conseguir obter um conhecimento notavel-mente fino e pormenorizado da política britânica.18 Entre os livros que acumulou na sua biblioteca particular durante a estada em Londres (a maioria em francês, por dominar mal a língua inglesa), estavam textos mercantilistas clássicos como os de Thomas Mun, William Petty, Charles Davenant, Charles King, Joshua Gee e Joshua Child; havia também relatórios especializados sobre as colónias, comércio internacional, minas, manufaturas da lã, textos de caráter técnico sobre açúcar, tabaco e pescas; leis parlamenta-res acerca de arqueação de navios e pesos; obras sobre transpor-tes marítimos e navegação; sobre fraudes alfandegárias; tabelas de preços; a ordenança da Marinha Real e, acima de tudo, uma quantidade imensa de trabalhos acerca das companhias comerciais britânicas.19 Em 1742, Pombal escrevia que «todas as nações da Europa se aumentaram e aumentam ainda hoje pela recíproca imi-tação. Cada uma vigia cuidadosamente sobre as ações que obram as outras...».20 Esta observação constante era a «mais interessante função de um embaixador de Portugal em Londres», conforme escreveu ao cardeal da Mota.21 Usou estas leituras exten sivas para redigir a famosa lista das vantagens injustas de que os mercado-res britânicos gozavam em Lisboa e no Porto, vantagens que não levavam a que os mercadores portugueses obtivessem privilégios recíprocos.22 Pombal também concluía que as vantagens comer-ciais da Grã-Bretanha advinham não só da perniciosa transferência

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do ouro (uma mercadoria como as outras) para pagar produtos manufaturados mas também da exportação da quase totalidade dos lucros comerciais, bem como dos juros obtidos do crédito comercial, dos custos dos fretes e dos seguros, tanto os gerados pelo comércio recíproco como também por uma parte importante do comércio com as colónias portuguesas.23 Considerava essen-cial que o Estado se mostrasse ativo na atração de estrangeiros experientes no comércio interna cio nal, trazendo-os para Portugal para ensinarem aos Portugueses os conhecimentos comerciais que estes não tinham; também queria que os detentores de capitais privados fossem estimulados a investir em companhias empenha-das no comércio com as colónias, às quais o Estado garantisse privilégios exclusivos e, pelo menos de princípio, a assistência da Fazenda Real.24

Os assuntos relativos às possessões portuguesas da Índia tam-bém foram uma preocupação sempre presente durante a estada do futuro marquês em Londres. Os Maratas tinham tomado a ilha de Salsete e Goa estava cercada. Pombal procurou obter auxílio do Governo britânico, mas a East India Company opôs-se a que fosse prestada qualquer ajuda aos Portugueses e não se mostrou contrária à ideia da sua expulsão total e definitiva dos territórios de que ainda dispunham na Índia. D. João V acabou por mandar um esquadrão da Marinha, que chegou demasiado tarde para evitar a tomada de Salsete e de outros postos avançados dos Portugueses na região de Bombaim. Foi nesta altura (1740) que José Joaquim de Carvalho, irmão mais novo de Sebastião José de Carvalho e Melo, foi morto na defesa de Goa: «Um irmão que eu criei e a quem amava também como meu filho», foi como o enviado descreveu a sua reação, em carta a Marco António de Azevedo Coutinho.25

Também propôs, juntamente com um tal Cleland, a criação de uma Companhia das Índias Orientais decalcada do modelo inglês.26 John Cleland, que depois se tornou famoso como autor de Fanny Hill e de Memoirs of a Woman of Pleasure (1748-1749), havia passado muitos anos na Índia, onde fora funcionário superior da East India Company. Tinha oferecido aos Portugueses memórias detalhadas acerca dos planos e das operações da companhia.27 Este plano de criação da Companhia das Índias portuguesa foi

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destruído pelos inimigos que Pombal tinha em Lisboa, mas logo que ele foi transferido para Viena apareceu um plano seme-lhante no círculo que gravitava à volta de Alexandre de Gusmão. Sebastião José de Carvalho e Melo estava convencido de que a nomeação para a Europa Central tivera por finalidade afastá-lo das questões comerciais e que a sua intervenção, não agradecida, nos meandros da mediação papal na Áustria tinha o propósito decla-rado de o sobrecarregar com uma tarefa de onde a sua reputação poderia sair muito afetada.28

Na realidade, a colocação junto da corte austríaca foi o impulso decisivo da sua carreira. Chegou a Viena, via Londres, em 1745. Apesar de se queixar constantemente, a sua atividade na capital austríaca conheceu êxitos assinaláveis. De acordo com o ministro francês, a atividade do enviado português em Viena, «pela competência, verticalidade e, especialmente, pela grande paciên-cia», merecia elogios de toda a corte.29 Em termos de contactos em Viena, Pombal conseguiu um aliado bem colocado quando se tor nou amigo íntimo de Manuel Teles da Silva, um emigrado português de estirpe aristocrática que tinha ascendido a lugares importantes ao serviço do Estado austríaco. Ainda rapaz, Manuel Teles da Silva tinha fugido de Portugal, escondido num navio mer-cante, em companhia do infante D. Manuel, irmão de D. João V. Chegados a Haia, onde o conde de Tarouca, pai de Manuel Teles da Silva, era embaixador, os jovens não foram convencidos a desis-tir das suas aventuras e continuaram a viagem até Viena, onde o infante D. Manuel se juntou às tropas do príncipe Eugénio na campanha contra os exércitos turcos. O infante ficou cerca de vinte anos na Áustria, mas acabou por regressar a Portugal em 1735.30 Manuel Teles da Silva ficou naquele país para o resto da vida. Em 1732, o imperador aus tríaco Carlos VI deu-lhe o título de duque Silva-Tarouca, e serviu na elevada posição de presidente da Chancelaria dos Países Baixos e da Itália, sendo ainda con fidente da imperatriz Maria Teresa. Foi o principal promotor do casamento de Sebastião José de Carvalho e Melo com a condessa de Daun, em 1746.31 «Viu também V.ª Ex.ª no espaço de oito anos em Londres, e com vista mais segura do que dos olhos corporais, a constituição da Grã -Bretanha, as suas forças e riquezas acidentais do comércio»,

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escrevia o duque Silva-Tarouca a Pombal em 1757. «Noutro espaço de cinco anos observou em Viena de Áustria V.ª Ex.ª com igual juízo e perspicácia a riqueza e força não acidentais, mas fundamen-tais e territoriais destes fertilíssimos Estados.»32

A importância das relações austríacas de Pombal nas reformas a que ele meteu ombros não tem sido devidamente apreciada. É certo que a influência mais decisiva foi a de Silva-Tarouca. Mas a influência da estada na Áustria reflete-se até na arquite-tura doméstica.

No palácio de Pombal em Oeiras (gravura vii), com o seu telhado germânico de quatro águas, nota-se a influência do hún-garo Carlos Mardel, que colaborou com Pombal na reconstrução de Lisboa. A grande remodelação e aumento da mansão começa-ram em 1750, a seguir ao regresso de Sebastião José de Carvalho e Melo de Viena, e revela semelhanças notáveis com a casa de campo de Silva-Tarouca na Morávia. Silva -Tarouca tinha dirigido a remodelação de Schönbrunn, o palácio de verão dos Habsburgos.33 Como se pode ler no livro de visitas da missão portuguesa em Viena, que chegou aos nossos dias, Pombal recebia uma vasta gama de visitantes enquanto exerceu as funções de enviado de Portugal à corte de Maria Teresa, incluindo o grande reformador da Igreja Católica Holandesa, Gerhard van Swieten, que era seu médico pes-soal e desempenhava essa mesma função junto da imperatriz e da restante família real.34 As medidas tomadas por Maria Teresa para reformar o sistema de censura e a Universidade de Viena, ambas dirigidas contra o monopólio virtual dos jesuítas, começaram sob a égide de Van Swieten. Em Viena, Pombal também esteve em contacto com o médico António Nunes Ribeiro Sanches, iluminista português cristão -novo, isto é, um dos descendentes dos judeus portugueses que, em 1497, se viram obrigados a abraçar a religião católica para poderem ficar no País. Van Swieten e Ribeiro Sanches eram amigos e trocavam cartas, pois ambos tinham sido discípulos do grande médico holandês Boerhaave.35

Seguindo-se à morte de D. João V, no fim de julho de 1750, as notícias da ascensão de Pombal ao poder chegaram a Viena em setembro. O duque Silva-Tarouca logo resolveu escrever para Lisboa. «Não sejamos escravos da moda e usos estrangeiros»,

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escrevia ao velho amigo. «Conservemos inalteravelmente os nomes e externo [a aparência] dos usos e estabelecimentos nacionais, mas não sejamos tão-pouco escravos dos antigos usos e preo cupações. Se há puerilidade nas modas, há tontice na teima das velhices.» E prosseguia: «Lembro-me de haver nas nossas familiares con-versações dito a V.ª Ex.ª que, quando fossem necessárias algumas grandes disposições novas, sempre lhes quisera pôr nomes e vesti-dos velhos.» 36 «Algumas grandes disposições novas» era realmente o que Pombal decidira fazer, e a reco men dação do duque Silva--Tarouca acerca da necessidade de recorrer a subter fúgios é, por diversas razões, uma descrição sucinta dos métodos a que Pombal iria recorrer. Ia empreender uma política de reformas, disfarçada, sempre que a prudência assim aconselhasse, pelas instituições e linguagem tradicionais.

Desta forma, Pombal chegou ao poder com muita expe-riência diplomática, com um conjunto de ideias e um círculo de amigos e conhecidos onde se incluíam algumas das figuras mais distintas das ciências, especialmente entre a comunidade de por-tugueses expatriados, muitos deles obrigados a sair de Portugal para escaparem à Inquisição. As preocupações do novo ministro também refletiam as de uma geração de altos funcionários e diplo-matas portugueses, que tinham dedicado muito do seu tempo a estudar a organização imperial e as técnicas mercantis que se pensava estarem na origem do poder e da riqueza crescentes da França e da Grã-Bretanha. Estas preocupações também refletiam dois aspetos distintos, mas interligados, do ambiente intelectual do Portugal setecentista.37 Em primeiro lugar, havia um debate intenso sobre questões filosóficas e sobre a educação, que exigia resposta imediata. Em segundo, existia um volume considerável de trabalho acerca de diversos aspetos da política económica do País e sobre o velho quebra-cabeças com que os dirigentes portugueses vinham a defrontar-se desde o século xiv: como resolver o cruel dilema que consistia na obrigação de proteger os interesses nacionais perante a ameaça militar de inimigos vindos por terra mas, em simultâneo, ter sempre presente a necessidade de conter os apetites comerciais de aliados marítimos cujo apoio raramente foi dado de graça.

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Em Portugal, como de resto sucedeu por toda a Europa, as novas ideias inspiravam-se nas proezas intelectuais de Descartes, Newton e Locke, homens que durante o século xvii conseguiram um corte radical com a velha tradição de autoridade, bíblica ou aristotélica, e promoveram os méritos da razão, da experiência científica e da utilidade. Usando o poder do raciocínio, os dados obtidos através da observação e o sistema matemático da sua invenção (o cálculo infinitesimal), Newton enunciou as leis fun-damentais que regem o movimento, tanto em terra como no ar. A física newtoniana deu credibilidade às potencialidades da pesquisa científica e da razão. Locke procurou demonstrar que também a forma como a natureza humana se manifesta pode ser explicada e, por conseguinte, melhorada. A contribuição de Descartes foi sustentar que as ideias têm de ser analisadas sem noções preconcebidas, com liberdade e sem dependência ou dire-ção da autoridade estabelecida.38

Em Portugal, entre os trabalhos mais importantes que emer-giram desta escola de pensamento há que distinguir: a obra de Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743), que pro-curou adaptar a Portugal algumas das teorias de Locke; os escritos do Dr. Jacob de Castro Sarmento (1692 -1762), um cristão-novo, que divulgou as ideias de Newton em Portugal, e os trabalhos do Dr. António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), também ele cristão-novo e uma das relações de Pombal durante a estada deste em Viena.

Martinho de Mendonça de Pina e Proença tinha feito via-gens prolongadas pela Europa, durante as quais tinha conhecido Christian Wolff, na Saxónia, e W. Gravesande, na Holanda, estu-dando com eles as ideias de Leibniz e Newton. Fora, tal como Pombal, sócio da Academia Real da História Portuguesa e tinha mais tarde servido no Brasil como governador de Minas Gerais e de Cuiabá, um distrito mineiro na parte mais ocidental da coló-nia.39 Também dirigiu a Biblioteca Real e foi curador dos Arquivos Nacionais. Em 1734, publicou os Apontamentos para a Educação de Um Menino Nobre, em que é nítida a influência de Locke, bem como as de Fénelon e Rollin. Recomendava que os professores não deviam ensinar só Latim mas também Geografia, História,

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Matemática e Direito. Em 1730, já Ribeiro Sanches tinha elaborado os planos para a reforma do ensino da Medicina em Portugal. Tinha saído do País em 1726 para fugir à Inquisição. Trabalhou em Inglaterra, na Holanda, na Rússia e, por fim, em França, onde, desde 1747 até à morte, em 1783, colaborou com os enciclopedis-tas, escrevendo sobre Medicina, Pedagogia e Economia.40 Ribeiro Sanches também se debruçou sobre a reforma do ensino nas Cartas sobre a Educação da Mocidade (Paris, 1759).41 Castro Sarmento pro-curou promover as relações entre a Academia Real da História e a Royal Society de Londres. Na altura em que prestava serviço em Londres, Pombal interveio para proteger Castro Sarmento dos agentes do fisco britânico, amabilidade que ele retribuiu ao dedicar ao futuro ministro de D. José I um trabalho que publicou em Londres em 1742.42 Castro Sarmento começou a tradução do Novum Organon de Francis Bacon e pretendia que a Universidade de Coimbra criasse um jardim botânico. Dedicou a sua Cronologia Newtoniana Epitomizada (1737), tradução de um ensaio histórico de Newton, ao príncipe D. José, futuro rei de Portugal. A Matéria Médica­Física­Histórica ­Mecânica, Reino Mineral (Londres, 1735) foi dedicada a Marco António de Azevedo Coutinho, tio do marquês de Pombal. Também traduziu a teoria das marés de Newton, dando-lhe o título Teórica Verdadeira das Marés, «do incomparável cavalheiro Isaac Newton» (Londres, 1737). Estes trabalhos constituí-ram a «primeira tentativa séria», de acordo com o profes sor Banha de Andrade, «de implantar o estudo positivo, em substituição das teorias abstratas, que neles são apresentadas como inúteis».43

O mais influente de todos estes pedagogos inovadores foi o oratoriano Luís António Verney (1713-1792), autor de O Verdadeiro Método de Estudar, cuja primeira edição foi feita em Nápoles, em 1746.44 O Verdadeiro Método de Estudar é um manual eclético que inclui estudos de lógica, um método de gramática, um capítulo sobre ortografia, um estudo de metafísica e dezenas de cartas sobre todo o tipo de assuntos. Luís António Verney nasceu em Lisboa, filho de pai francês e mãe portuguesa, mas viveu a maior parte da vida adulta em Itália (chegou a Roma em 1736), onde foi amigo de Ludovico Antonio Muratori (1672-1750), o maior enciclopedista italiano, e foi membro da Academia dos Árcades,

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de Roma.45 Verney esteve algum tempo ao serviço do enviado por-tuguês junto do Vaticano, Francisco de Almada e Mendonça, primo de Pombal. Parafraseando Newton, Verney escreveu que «filosofia é conhecer as coisas pelas suas causas, ou conhecer a verdadeira causa das coisas».46 Verney era de opinião de que a Gramática devia ser ensinada em português e não em latim, defendia com ardor o método experimental e opunha-se a qualquer sistema de argumentação fundamentado na autoridade.

A consequência mais visível deste debate foi que se questio-nasse a in fluên cia da Companhia de Jesus na sociedade portuguesa. É que os jesuítas dispunham de um quase monopólio do ensino superior e eram, na opinião dos que se lhes opunham, os princi-pais defensores de uma tradição escolástica morta e estéril, mal ajustada às necessidades da Idade das Luzes. De facto, os jesuítas eram bem mais recetivos às ideias modernas do que pretendiam os seus opositores. Do inventário da biblioteca da Universidade de Évora faziam parte trabalhos de Bento Feijó, Descartes, Locke e Wolff. Da do Colégio dos Jesuítas de Coimbra fazia parte O Verdadeiro Método de Verney.47 Em Portugal, os jesuítas detinham direitos exclusivos do ensino de Latim e Filosofia no Colégio das Artes, a única escola que servia de preparação para as Facul-dades de Teologia, Direito Canónico, Direito Civil e Medicina da Universidade de Coimbra. No Brasil, os colégios dos jesuítas eram os principais estabelecimentos de ensino secundário. E, no que restava do Império Português na Ásia, os jesuítas sempre tinham sido, desde os primórdios da expansão portuguesa, uma das forças dominantes.

Contudo, tal como aconteceu por toda a Europa, muitas das discussões importantes tiveram lugar em debates particulares e nos clubes filosóficos. Um dos círculos onde se juntava maior número de críticos do statu quo tinha girado, desde o princípio do século, na órbita dos Ericeiras, uma família tornada famosa pelo terceiro conde, D. Luís de Meneses (1632-1690), que, no final do século xvii, tinha proposto a adoção em Portugal de medidas mercantilistas e das políticas económicas de Colbert. D. Francisco Xavier de Meneses, quarto conde da Ericeira (1674-1743), manteve contac-tos assíduos com os cientistas a viver no estrangeiro. De facto, foi

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ele o responsável pela ligação entre D. João V e o Dr. Sarmento, que levou o rei a consultar o médico sobre a reforma dos estudos médicos em Coimbra.48 Em 1738, o conde da Ericeira foi aceite como membro da Royal Society de Londres. Em 1741, escrevia a D. Luís da Cunha: «Como novo membro da Academia de Londres abjurei o cartesianismo pelo newtonianismo», e confessava que lia bastante o «senhor Voltaire».49 Sob o patrocínio dos Ericeiras organizaram-se várias tertúlias, todas de vida curta, para dis cutir matérias científicas e filosóficas. Uma delas, a Academia dos Ilustrados, reunia-se em 1717 na casa do tio de Sebastião José de Carvalho e Melo em Lisboa.50 O quar to conde da Ericeira foi um dos membros mais distintos da Academia dos Ilustrados e dire-tor da Academia Real da História Portuguesa, fundada em 1720. Apadrinhou a entrada de Sebastião José de Carvalho e Melo na Academia, que aconteceu a 24 de outubro de 1733. Pombal foi o autor de um elogio ao quinto conde da Ericeira, que parece ter tido a primeira edição em Londres.51

Os clérigos também tiveram um papel importante na intro-dução das novas ideias. Ao contrário do que aconteceu no Norte da Europa, onde os proponentes da «moderna» filosofia raciona-lista e da experimentação científica se tornaram críticos severos das igrejas e da religião, em Portugal alguns dos mais exaltados adeptos (e também praticantes) da reforma do ensino vieram dos meios religiosos. A atividade dos oratorianos, uma ordem chegada a Portugal depois da restauração da independência, em 1640, e à qual Verney pertencia, foi notável. A Congregação de S. Filipe Néri, uma ordem de padres seculares, chamou a si a tarefa de introduzir a experimentação científica em Portugal, como de resto fez por toda a Europa católica. No debate sobre os sistemas pedagógicos eram os principais adversários dos jesuítas. Os orato-rianos eram difusores convictos das ciências naturais. Foram eles que trouxeram para Portugal as ideias de Francis Bacon, Descartes, Gassendi, Locke e António Genovesi. Também salientaram a importância da língua portuguesa, da sua gramática e ortografia, que pensavam que deviam ser estudadas diretamente e não por via da cadeira de Latim.52 A biblioteca que juntaram no Palácio das Necessidades tinha mais de 30 mil volumes, além de um pequeno

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laboratório de experiências equipado com instrumentos científicos para o curso de Física que ministravam. Alguns membros da famí-lia real assistiam ocasionalmente às lições deste curso e Pombal inscreveu os dois filhos — Henrique José (n. 1748) e José Francisco (n. 1753) — neste mesmo Colégio das Necessidades.53 O fidalgo Des Courtils, que visitou o Convento das Necessidades em 1755, encontrou:

«uma quantidade prodigiosa de livros em todas as línguas e manus-critos muito raros, instrumentos matemáticos e um telescópio. De todos os frades do reino, os oratorianos são os mais amáveis e os mais sábios... quase todos estes santos padres falam francês».54

Verney era oratoriano, como não podia deixar de ser, e O Ver­dadeiro Método deu origem a polémicas furiosas, principalmente entre oratorianos e jesuítas. Para responder a Verney, entre a pri-meira edição da obra e 1757, foram publicados quarenta livros. A disputa com os jesuítas foi mais violenta porque os eruditos da Companhia de Jesus descobriram uma boa dose de jansenismo na argumentação de Verney, especialmente nas suas posições acerca do Papado e da jurisdição da Igreja Católica Romana.55

Para além do debate filosófico que caracterizou a Europa católica durante este período, houve uma corrente importante de pensamento que foi específica de Portugal. Trata-se de um corpo de ideias e de debates sobre governação, economia e diplomacia, que emergiu durante a primeira metade do século xviii no seio de um grupo reduzido, mas influente, de representantes de Portugal no estrangeiro e de ministros. Os membros do grupo eram, por vezes, chamados «estrangeirados», um termo pejorativo que pre-tendia indicar que eles estavam enfeitiçados pelos modelos estran-geiros.56 Não obstante, as preocupações destes homens eram, de facto, produto do ambiente que se vivia em Portugal. D. Luís da Cunha, sucessivamente embaixador em Inglaterra, na República Holandesa, em Espanha e em França, representante português no Congresso da Paz de Utreque e Cambrai, foi o mais formidável destes pensadores e autor de uma análise completa das fraquezas de Portugal e das maneiras de as remediar (fig. 2).

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