O CIRCUITO COMERCIAL DA PESCA - EXTRAÇÃO, CRIAÇÃO E VENDA DO PESCADO E SUAS INTERFACES NO LAGO DE ITAIPU E NA
COLÔNIA Z11. Graziele Ferreira
Mestre em geografia - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Francisco Beltrão.
Edson Belo Clemente de Souza
Geógrafo, professor da graduação e do mestrado em geografia da Unioeste - Universidade
Estadual do Oeste do Paraná.
1. Introdução
O artigo1faz parte da pesquisa de mestrado sobre a Comunidade de Pescadores
Artesanais no Lago de Itaipu, concluída em 2014, pela Unioeste Francisco Beltrão-PR,
tem por objetivo analisar o circuito comercial da pesca no Lago de Itaipu- Pr, mais
especificamente na Colônia Z11 de São Miguel do Iguaçu-PR. Buscou-se discutir, a
pesca extrativista praticada no Lago, que tenta sobreviver nesse território onde os
esforços estão centrados na aquicultura (tanques-rede2), bem como entender todo o
processo da comercialização deste pescado.
Esse circuito está fragilizado frente a realidade do sistema da Colônia Z11 e da
instabilidade do estoque pesqueiro do reservatório, precisando ter investimentos e
aportes políticos, para ser reestruturado.Muitos são os conflitos que se delineiam na
lógica da comercialização, lutas e divergências ocorrem e são discutidas no artigo.
A partir do processo de formação do Lago de Itaipu, em 1982, constituído por
uma área de 1.350 km² (Ver figura 1), configurou-se uma nova realidade territorial, do
que antes eram áreas agrícolas; agora é um lago aproveitado para a pesca artesanal de
várias comunidades no seu entorno3, além de produzir energia e favorecer o turismo.
1Este estudo constitui-se num desdobramento de pesquisas desenvolvidas no Grupo de Estudos Fronteiriços (GEF) e no Laboratório de Estudos Regionais (LABER), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e da pesquisa de Dissertação de Mestrado intitulada: Comunidade de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu - Conflitos territoriais na Colônia Z11 de São Miguel do Iguaçu/PR. 2São estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse equipamento é constituído basicamente por flutuadores (galões, bombonas, isopor, etc.) que sustentam submersos na água arames galvanizados ou redes. São distribuído pela Itaipu. 3 São 8 colônias e 2 associações: Colônia de Pescadores Profissionais Z12-Foz do Iguaçu; Colônia de Pescadores Profissionais Itaipulandiense - Itaipulândia; Colônia de Pescadores Profissionais Nossa Senhora dos Navegantes-Santa Helena; Colônia de Pescadores Profissionais São Francisco-Entre Rios do Oeste; Colônia de Pescadores Profissionais Z15- Marechal Cândido Rondon; Colônia de Pescadores Profissionais Z13-Guaíra; Colônia de Pescadores Profissionais de Santa Terezinha de Itaipu; Associação
A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial,
reconfigurou a região oeste paranaense e suas relações socioeconômicas,
comprometendo 101.093 hectares do território. As águas do lago inundaram áreas
urbanas e rurais, resultando na desapropria
Figura 1: Localização da Área em Es
Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por:
Esse território em estudo não é apenas produto da intervenção do Estado
(criação da Itaipu), mas também expressão de vida de relações sociais, culturais,
políticas, econômicas, ambientais e institucionais dos agentes produtivos que produzem
Bragadense de Pescadores- Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)Guaíra.
A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial,
região oeste paranaense e suas relações socioeconômicas,
comprometendo 101.093 hectares do território. As águas do lago inundaram áreas
urbanas e rurais, resultando na desapropriação de 44 mil famílias (RIBEIRO,
Localização da Área em Estudo - Reservatório do Lago de Itaipu
Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por:
FERREIRA, Graziele.
Esse território em estudo não é apenas produto da intervenção do Estado
, mas também expressão de vida de relações sociais, culturais,
políticas, econômicas, ambientais e institucionais dos agentes produtivos que produzem
Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)
A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial,
região oeste paranaense e suas relações socioeconômicas,
comprometendo 101.093 hectares do território. As águas do lago inundaram áreas
ção de 44 mil famílias (RIBEIRO, 2006).
Reservatório do Lago de Itaipu
Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por:
Esse território em estudo não é apenas produto da intervenção do Estado
, mas também expressão de vida de relações sociais, culturais,
políticas, econômicas, ambientais e institucionais dos agentes produtivos que produzem
Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)-
o território da pesca. Assim, de acordo com Haesbaert (2006, p. 121), o território é fruto
de “uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle político-
econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente
reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados”.
Metodologicamente, a análise abrange uma revisão bibliográfica sobre a pesca
no Lago de Itaipu, a apreciação dos dados fornecidos pela Itaipu/UEM (Universidade
Estadual de Maringá), entrevistas realizadas com os pescadores e as visitas in loco.
O texto está organizado no seguinte sentido: além desta breve introdução, a
discussão da realidade pesqueira no Lago de Itaipu, inserindo brevemente as
circunstâncias da formação, os circuitos de comercialização do pescado,usos e conflitos,
e, para concluir, as considerações finais com alguns apontamentos.
2. A realidade pesqueira no Lago de Itaipu e a Colônia Z11
Historicamente as políticas públicas na pesca trazem um caráter ideológico de
justificativas dos projetos criados, enfatizando a importância do pescador e da pesca na
economia nacional, porém, demonstram muitas vezes que não vão ao encontro das reais
necessidades dos pescadores, essas políticas demagogas manipulam os resultados
conforme o interesse de grupos seletos, o governo e empresários. Muitas ainda
priorizam apenas a criação de peixes: aquicultura.
Nesse sentido discute-se a realidade pesqueira do Lago de Itaipu,
especificamente em uma das Colônias de Pesca, a Colônia Z11, caracterizada pela
atuação de 180 pescadores artesanais pela captura simples e artesanal do pescado, que
são cadastrados no MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) como profissionais.
Vivem da pesca, auxiliada por diversas outras atividades, principalmente a agricultura
de subsistência, pois a renda do pescado não e suficiente para sobreviverem.
A Itaipu Binacional, devido essa escassez de peixes nas aguas do reservatório,
vem incentivando o cultivo de peixes em tanques-rede, através do programa “Mais
peixe em nossas Águas”, pelo projeto Cultivando Água Boa, que segundo o discurso,
tem o objetivo de proporcionar uma fonte de renda aos pescadores e suas famílias de
forma sustentável.
O Programa Cultivando Água Boa (CAB) é uma ampla iniciativa
socioambiental concebida a partir da mudança na missão institucional da Itaipu
Binacional, promovida em 2003. Trata-se de uma estratégia local para o enfrentamento
dos problemas relacionados à água e seus usos múltiplos (a produção de alimentos e de
energia, o abastecimento público, o lazer e o turismo), problemas estes que a própria
Itaipu foi responsável no momento da criação do Lago artificial, consequência da
barragem.
Na verdade, esse programa é uma iniciativa para conservar as margens do Lago
evitando a erosão que acabaria com a vida útil do reservatório. Os novos objetivos
estratégicos da empresa são ligados à sustentabilidade socioambiental (para
conscientizar a sociedade), buscando excelência/eficácia operacional e principalmente
para a geração/distribuição de energia. “Gerar energia elétrica de qualidade, com
responsabilidade social e ambiental, impulsionando o desenvolvimento econômico,
turístico e tecnológico, sustentável, no Brasil e no Paraguai” (ITAIPU BINACIONAL,
2013).
No CAB são desenvolvidos 20 programas e 65 ações4 que vão desde a
recuperação de microbacias, a proteção das matas ciliares e da biodiversidade, até a
disseminação de valores e saberes que contribuem para a formação de cidadãos dentro
da concepção da ética do cuidado e do respeito com o meio ambiente.
Dentre os vários programas do CAB existe o programa “Mais Peixes em
Nossas Águas” tem busca melhoria na qualidade de vida para diversas comunidades
pesqueiras da região da Bacia do Paraná 3. A aquicultura tornou-se uma alternativa de
renda para muitas das famílias do entorno do Lago. Além disso, muitos pescadores, que
viam sua atividade se deteriorar a cada ano, passaram a fazer, também, o cultivo de
peixes, o que tem aumentado o volume pescado e, consequentemente, a renda mensal
(CULTIVANDO ÁGUA BOA, 2013).
4Além de um projeto ambiental, o CAB é um movimento de participação permanente, que envolve a atuação de aproximadamente dois mil parceiros, dentre órgãos governamentais, ONGs, instituições de ensino, cooperativas, associações comunitárias e empresas. Interessante ponderar que a Itaipu usou uma estratégia muito inteligente, envolvendo a sociedade e demais segmentos em prol dos objetivos, assim se tornam responsáveis e cuidadores do Lago para a empresa.
Segundo a Itaipu, muitas foram as ações que beneficiaram os pescadores,
como:
•Compatibilização da faixa de preservação permanente que protege as margens do reservatório com a atividade pesqueira, o programa obteve o devido licenciamento junto ao IBAMA. São 63 pontos de pesca licenciados; •Disponibilização de mais de 500 tanques-rede às colônias de pescadores para o cultivo de peixes (piscicultura), juntamente com um trabalho de capacitação e orientação técnica. •Produção de mais de 50 mil peixes juvenis da espécie pacu, para povoamento dos tanques-rede. •Capacitação de mais de 650 pescadores e suas famílias. •Edição e distribuição de mais de 2 mil exemplares da cartilha Boas Práticas de Manejo em Aquicultura. •Demarcação e licenciamento de três parques aquícolas, que juntos têm potencial para produzir mais de 6 mil toneladas de peixe por ano. •Estruturação e manutenção de uma estação de pesquisa com 70 tanques-rede no Refúgio Biológico Santa Helena, por meio de um convênio entre Itaipu, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste – campus de Toledo) e a Seap. •Adequação de 15 pontos de pesca com módulo de uso coletivo, com o objetivo de proporcionar melhores condições de higiene e limpeza para o manejo do pescado. As prefeituras participaram com a instalação da rede de água, enquanto a energia elétrica foi viabilizada pelo programa Luz para Todos, do Governo Federal.5
Apesar de o programa demonstrar inúmeros resultados positivos na visão da
Itaipu, muitos pescadores relatar que a realidade é outra, ao adotar essa prática de
criação de peixes, ficaram impossibilitados de praticar a pesca extrativista (preferida
pelos pescadores) como antes da formação do Lago, e, ainda a criação exige muito
tempo e possui custo alto. Além disso, o projeto foi imposto sem discussão e aprovação
dos pescadores. “A Itaipu ajudaria os pescadores de verdade se soltasse mais alevinos
no lago e, se não baixassem as águas, parece que sempre baixa na piracema, quando o
peixe se reproduz” diz o pescador SP.
A Itaipu, com suas práticas, segue com o discurso e tenta mostrar sua
preocupação com a preservação do meio-ambiente e a solução de problemas sociais da
pesca:
A grande inovação foi apresentar aos pescadores o processo de cultivo de peixes, uma alternativa sustentável à pesca extrativista. É um programa que
5 CULTIVANDO Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21
dez. 2013.
promove a inclusão social, valoriza os pescadores e melhora a qualidade de vida daqueles que tiram o sustento das águas. “De quebra a população toda da região passou a contar com maior produção pesqueira” (destaque nosso) o que tornou esse importante alimento, de alto valor nutritivo, mais acessível aos consumidores.6
Constata-se aqui a preocupação com a causa dos pescadores, mas aliada ao
aumento da produção e consumo do pescado, indicando que o projeto tanque-rede está
inserido numa dinâmica industrial capitalista. Portanto, os objetivos da estatal visam
promover a industrialização do pescado na região.
Os pescadores relatam que existem pressões políticas, em especial, as oriundas
da Itaipu, cujas orientações de seu plano produtivo desprezam a forma de trabalho do
pescador artesanal profissional, desqualificando seu modo de trabalho - seja nas formas
de relações de trabalho, captura ou manejo – e induzindo-o a enquadrar-se na ocupação
de aquicultor. Apesar de todo o estudo de viabilização do projeto realizado pela Itaipu,
os pescadores relataram participar por falta de opção e de renda na pesca extrativa.
Fica evidente a fragilidade da pesca extrativista, que tenta sobreviver no Lago
de Itaipu, pois os esforços estão centrados na aquicultura. Mesmo frente às investidas da
Itaipu pela produção de peixe (aquicultura), que revela um novo foco de modernização
na pesca e, talvez, uma violência simbólica contra os pescadores e seu modo de vida,
estes tentam manter os traços tradicionais da pesca e as relações intergrupo. Ficou
explícito em muitas entrevistas e relatos, que os pescadores preferiam pescar, extrair do
Lago seu sustento, porém pela instabilidade do estoque é preciso criar meios para
sobreviver como os tanques-rede. A foto a seguir mostra esses tanques-rede no lago, e o
pescador trabalhando na atividade.
Figura 2: Tanques-rede no Lago de Itaipu
6CULTIVANDO Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21
dez. 2013.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.
Toda essa lógica de extração e produção de peixes está ligada ao processo de
comercialização, que se analisa a partir de agora. Para essa análise foram utilizadas as
informações colhidas durante as observações e entrevistas, além de levantamentos de
outros estudos sobre a pesca no reservatório e, o relatório da UEM/NUPÉLIA/ITAIPU.
Segundo o SEBRAE, o processo de criação e industrialização do pescado teve
início no Estado do Paraná: “O Estado pioneiro foi o Paraná, que imprimiu um ritmo
empresarial à atividade, estruturando a produção. Começaram a surgir os primeiros
frigoríficos específicos para o beneficiamento da tilápia, nos municípios de Toledo e
Assis Chateaubriand”.7
Segundo Sanfelice (2012) existem sete (7) frigoríficos em funcionamento na
Mesorregião Oeste e, o peixe mais produzido para o abate é a tilápia. Segundo
levantamento realizado, o pescado abatido nos frigoríficos é fruto da atividade criatória
de tanque-rede e tanque-terra (escavado) e não da pesca extrativista. Em São Miguel do
Iguaçu o frigorifico não compra peixe dos pescadores artesanais devido a instabilidade
do pescado. Existe ainda existe a transformação do peixe pacu em polpa, destinado para
a merenda escolar, mas atualmente no município essa atividade não ocorre devido a
inexistência de Inspeção sanitária:
A produção de polpa de pacu deriva da produção/cultivo de peixes pacus em tanque-rede, no Lago de Itaipu. São produtores, pescadores e piscicultores cadastrados no Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar
7 SEBRAE. Disponível em: http: <//www.biblioteca.sebrae.com.br/bdsBDS.nsf/pdf>. Acesso em: 13
maio 2013.
(Pronaf), pelas Colônias e Associações dos Municípios Lindeiros. Os mentores estão em conversação com os prefeitos para que o produto seja incluído definitivamente na merenda das escolas.8
Esse modelo de produção (tanques-rede) projetado pela Itaipu traz consigo uma
série de problemas. Segundo relato dos pescadores a criação do pacu em tanques-rede
não foi bem sucedida, os resultados não agradam devido à conversão (engorda) de o peixe
ser baixa e, devido ao fato deste possuir muito espinho, o que dificulta a venda. A espécie
de peixe tilápia seria melhor opção financeira, em função de uma rápida e intensa conversão
alimentar.
Em entrevista, a maioria dos pescadores demonstrou insatisfação com a
produção de pacu em tanques-rede, o que causou a desistência dessa produção. Isso
pode ser percebido no relato do pescador da Colônia Z11.
“Olha eu tive tanque rede, mas eu gastava tudo em comida. Tive que pegar dinheiro
emprestado para paga ração e comida, era todo dia cozinhar a lavagem deles e levar lá, ai nem dava tempo de pescar no lago. Quando vendi o peixe, que muitos nem gostam, faltou o dinheiro que emprestei...acredita...Eu nem quero mais tanque rede, só se fosse de tilápia, que os cara da Itaipu falaram que ele come menos e engorda mais.”9 Para os pescadores a melhor opção seria criar a tilápia, porém, por se tratar de
uma espécie exótica, não é permitida no Lago. Existe um tratado bilateral entre os países,
Brasil e Paraguai, tendo como meta preservar as espécies nativas, a tilápia é considerada um
peixe invasor. Os pescadores manifestam-se a favor da criação de tilápias pelo sistema de
tanques-rede em áreas do reservatório, pois a espécie seria mais rentável e aceita por
frigoríficos. A reivindicação dos pescadores é antiga e o projeto não avançava justamente em
função de entraves que estariam do lado paraguaio.
Analisado o circuito de produção e venda do pescado, ficam explícitos muitos
problemas. Além da questão da necessidade de mudar a espécie produzida em tanque
rede, é preciso adequar os 15 módulos de manejo primário do pescado construídos pela
Itaipu.Estes módulos não estão sendo devidamente utilizados pela falta de proximidade
8 PISCICULTORES colocam no mercado a polpa do pacu. Disponível em: <http://www.opresente.com.br/geral/piscicultores-colocam-no-mercado-a-polpa-do-pacu-5114/>. Acesso em: 5 ago. 2012. 9 Entrevista cedida pelo pescador TH em 22/05/2013.
da gestão pública municipal com a atividade da pesca. As prefeituras precisam dar
certificação do produto via Vigilância Sanitária e isso não está acontecendo.
Segundo a Itaipu, o objetivo do tanque-rede é proporcionar condição de
complementação de renda para os pescadores através de uma alternativa de cultivo de
peixe. Entretanto, se o produtor não tiver para quem vender a sua produção, esta será
inviável.
Não existindo comercialização certificada para o peixe, resta a pesca
extrativista um circuito de comercialização bem pequeno. O pescador artesanal se torna
responsável por todo o processo de venda do pescado na grande maioria das vezes, ou
se submete a intermediários que acabam explorando-o.
O relatório da Itaipu/UEM (2011) menciona que atualmente as etapas
envolvidas na comercialização do pescado desembarcado no reservatório de Itaipu
apresentam marcantes variações, tanto no número de intermediários, entre o pescador e
o consumidor, como na importância que cada sujeito representa no processo (volume
comercializado).
Primeiramente, é relevante considerar que o consumo de pescado entre os
pescadores e seus familiares é muito frequente. Todos se valem do pescado em suas
refeições, pelo menos uma vez por semana. O pescado destinado à alimentação dos
pescadores e familiares pertence a categorias variadas, porém, sempre de baixo valor
comercial.
O pescador comercializa parte da produção com os atravessadores10, e parte
vende direto aos consumidores, denominada “picado”. O pescador atua como vendedor
ambulante, percorrendo o trajeto de bicicleta. Alguns colocam anúncio em frente a sua
casa, realizando as vendas em seu próprio domicílio. É frequente, também, a venda nos
pontos de desembarque.
A pesca na Colônia Z11 está com os circuitos de comercialização fragilizados,
pela escassez de peixe, pela inviável criação de pacu, pelo abandono do poder público
municipal, por não fornecer o SIM (Sistema de Inspeção Municipal), impossibilitando o
consumo na merenda escolar e a venda no comércio local de forma regularizada ou
10 Atravessador se refere ao indivíduo que compra o pescado do lago e revende na cidade.
ainda em frigorífico. Assim observam-se nos mercados locais peixes oriundos de outros
lugares, enquanto poderia ser vendido o peixe do Lago de Itaipu se estivesse
regularizada a venda.
O descaso dos gestores políticos públicos como prefeito e vereadores no
município é notável. Restando aos pescadores lutar unidos com a Colônia pelas
melhorias necessárias para garantir seu modo de vida e estruturar um circuito de
extração e produção pesqueira satisfatório.
3. Considerações finais
Pelo estudo percebe-se que, os embates políticos são muitos, principalmente
entre interesses estatais e dos pescadores.
No jogo de interesses presentes no Lago de Itaipu, percebeu-se as intenções da
Itaipu em desenvolver projetos idealizados em função da busca pela sustentabilidade
econômica e ambiental. Mas na realidade, é pertinente para a Itaipu a existência dos
pescadores, pois estes se tornam cuidadores do lago enquanto vivem nele.
Quanto a criação de peixe em tanques-rede, projeto incentivado pela Itaipu visa
a produção em quantidade, porém os pescadores, em sua maioria, preferem extrair o
pescado mantendo seu modo de vida, não criar o pescado, mas, pela falta de estoque
natural no reservatório e pela necessidade econômica, acabam realizando a atividade.
Outro embate se refere aos circuitos da comercialização da pesca que estão
fragilizados. A Colônia Z11 busca a criação do Sistema de Inspeção Municipal em São
Miguel do Iguaçu, convênios com a Prefeitura Municipal e luta pela liberação de peixes
do gênero Tilapia para a venda em frigorífico.
Um dos graves problemas da pesca artesanal é o estoque natural de peixe e a
questão da rede de comercialização deste produto, que em geral é realizada com a
presença de intermediários e que se apropriam da renda dos pescadores artesanais. É
preciso fazer com que a cadeia de produção se estruture no sentido de capacitar e
fortalecer os pescadores artesanais. Com mais autonomia no processo produtivo, os
pescadores teriam condições de vida mais dignas.
No entanto depara-se com uma realidade difícil, a escassez do pescado no
Lago, o que promove uma política divergente dos anseios do modo de vida artesanal.
Do ponto de vista da pesca, a execução de políticas (principalmente o projeto
Mais Peixes em Nossas Águas) preveem a organização e a modernização do setor no
Lago e na Colônia, estariam em busca da produtividade, onde os pescadores artesanais
são levados a enxergá-la como alternativa adequada (geralmente única) para a resolução
do problema, numa tentativa de disciplinar o pescador para a atividade criatória de
peixe, mesmo o pescador do Lago preferindo extrair o pescado do reservatório.
Os pescadores artesanais do Lago de Itaipu, da Colônia Z11 estão inseridos em
um contexto de mudanças na pesca contemporânea− mudanças marcadas pelo avanço
do capitalismo, e que acabam sendo aceitas pela condição do pescador, pois sem
pescado não pode ficar.
Isso demonstra uma realidade nacional presente no Lago de Itaipu, de fomento
à aquicultura e à pesca industrial e, que estaria, “sob um viés produtivista, legitimado
tanto pela necessidade de formalização do emprego dos trabalhadores que já se
encontram nessas atividades, quanto para os pescadores artesanais, que são levados a
enxergá-las como alternativa adequada (geralmente, única) de emprego e renda”
(Valencio et al, 2003, p. 283).
4. Referencias Bibliográficas CULTIVANDO ÁGUA BOA. Disponível em:
<http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21 dez. 2013. ENTREVISTA COM PESCADORES. 2013. HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2006. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidades> Vários acessos. INCENTIVO A AQUICULTURA. ITAIPU Disponível em: <https://i3gov.planejamento.gov.br/textos/livro2/2.4_Incentivo_a_aquicultura.pdf>. Acesso em: 5 maio 2013.
PISCICULTORES colocam no mercado a polpa do pacu. Disponível em: <http://www.opresente.com.br/geral/piscicultores-colocam-no-mercado-a-polpa-do-pacu-5114/>. Acesso em: 5 ago. 2012. RIBEIRO, Maria de Fátima Bento. Itaipu, a dança das águas: histórias e memórias de 1966 a 1984. Tese de Doutorado em História. Campinas, 2006. SEBRAE. Disponível em: http: <//www.biblioteca.sebrae.com.br/bdsBDS.nsf/pdf>.
Acesso em: 13 maio 2013. UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL. Monitoramento do Rendimento e da Socioeconômica da pesca no Reservatório de Itaipu. Relatório Geral de 2009. Por A. A. Agostinho et al, Maringá, 2011. 234 p. VALENCIO, N. F. L. da S. et al. Da tarrafa ao tanque-rede: o processo político-institucional de extinção de uma categoria de trabalhadores das águas Uso e gestão dos recursos hídricos no Brasil: desafios teóricos e político-institucionais. São Carlos: Editora Rima. 2003. 271-293.