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História Contemporânea Mundial

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    Manual do Candidato

    Histria Mundial Contempornea(1776 -1991)

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    FUNDAOALEXANDREDEGUSMO

    Presidente Jeronimo Moscardo

    CENTRODEHISTRIAEDOCUMENTAODIPLOMTICA

    Diretor lvaro da Costa Franco

    Diretor Carlos Henrique Cardim

    A Fundao Alexandre de Gusmo (Funag), instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das RelaesExteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pautadiplomtica brasileira.

    Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para apolt ica externa brasileira.

    A Funag tem dois rgos especficos singulares:

    Instituto de Pesquisas de Relaes Internacionais(IPRI) tem por objetivo desenvolver e divulgar estudos e pesquisassobre as relaes internacionais. Com esse propsito:

    . promove a coleta e a sistematizao de documentos relativos ao seu campo de atuao;

    . fomenta o intercmbio cientfico com instituies congneres nacionais, estrangeiras e internacionais, e

    . realiza e promove conferncias, seminrios e congressos na rea de relaes internacionais.

    Centro de Histria e Documentao Diplomtica (CHDD) cabem-lhe estudos e pesquisas sobre a histria das relaesinternacionais e diplomtica do Brasil. Cumpre esse objetivo por meio de:

    . criao difuso de instrumentos de pesquisas;

    . edio de livros sobre histria diplomtica do Brasil;

    . pesquisas, exposies e seminrios sobre o mesmo tema;

    . publicao do peridico Cadernos do CHDD.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

    Instituto de Pesquisas de Relaes Internacionais(IPRI)Esplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 2270170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6800/9115Fax: (61) 3411-9588E-mail: [email protected]

    Centro de Histria e Documentao Diplomtica (CHDD)Palcio ItamaratyAvenida Marechal Floriano, 196Centro 20080-002 Rio de Janeiro RJTelefax: (21) 2233-2318/2079E-mail: [email protected]

    INSTITUTODEPESQUISADERELAESINTERNACIONAIS

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    Manual do Candidato

    Histria Mundial Contempornea(1776 -1991)

    IRBr - Concurso de Admisso Carreira de Diplomata

    Braslia - 2006

    Paulo Fagundes Vizentini

    Com a colaborao deAnalcia Danilevicz Pereira

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    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de Gusmo (Funag)Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco H

    Anexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/60343Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.bre-mail: [email protected]

    Impresso no Brasil 2006

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacionalconforme Decreto n 1.825 de 20.12.1907

    Copyright 2006 Paulo Fagundes VizentiniC

    Vizentini, Paulo Fagundes Manual do Candidato: Histria Mundial Contempornea (1776-1991)/Paulo Fagundes Vizentini. Braslia: FUNAG, 2006.

    344 p.

    ISBN 85-7631-062-7

    1. Histria Mundial. 2. Histria Moderna - Sculo XX. I. FundaoAlexandre de Gusmo. II Ttulo

    CDU 930.9

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    Agradecimentos

    Ao Prof.Jos Carlos Ferraz Hennemann,Reitor da UFRGS,com admirao profissional e pessoal;

    e tambm

    aos alunos de Histria e Relaes Internacionaisdo Clube de Cultura,pr-diplomatas que tornam cada aula um momento interessante.

    A Histria contempornea um assunto perigoso de tratar. Est repletade material explosivo. Muita da informao essencial no serconhecida seno muitos anos mais tarde (...). As paixes e o

    partidarismo podem escurecer o juzo objetivo. Quem tentar escrevera Histria contempornea numa forma mais duradoura do que umsimples artigo de jornal arriscar-se- a pr a cabea ao alcance docutelo do carrasco.R. Palme Dutt, Problemas da histria contempornea.

    Agradeo ao CNPq, cuja Bolsa de Produtividade me permitedesenvolver pesquisa sobre a Histria das Relaes Internacionais, daqual este livro constitui um dos resultados.

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    Parte II - O DECLNIO DO PREDOMNIO EUROPEU:RIVALIDADES E TRANSIO (1890-1945)

    3. A crise do sistema e a emergncia das rivalidades (1890-1914) ....... 1353.1. O imperialismo e a partilha afro-asitica (1890-1904) .............. 136 Os novos imprios e suas rivalidades ............................................ 136 O imperialismo e a expanso colonial ........................................... 139 A emergncia dos EUA e a Amrica Latina .................................. 144

    3.2. A Paz Armada e a formao dos blocos (1904-14) ........................ 146 As massas na poltica: nacionalismo e socialismo ........................ 146 A geopoltica e os projetos estratgicos ......................................... 149 Os blocos militares e as crises diplomticas ................................. 152

    4. As disputas com os novos projetos estratgicos (1914-1945) .......... 1564.1. A I Guerra Mundial e o Sistema de Versalhes-Washington(1914-31) .............................................................................................. 156 A Primeira Guerra Mundial e suas rupturas .................................. 156 Os Tratados de Paz e o prosseguimento dos conflitos .................. 164 Do precrio equilbrio dos anos 20 crise de 1929 ...................... 169

    4.2. O colapso da LDN e a Segunda Guerra Mundial (1931-45) ...... 179 A Grande Depresso e a ascenso do fascismo ............................. 179 Os projetos em conflito nos anos 30 ............................................. 186

    A Segunda Guerra Mundial e suas conseqncias ........................ 199

    Cronologia 1890-1945 ............................................................................. 208

    Parte III -A PAX AMERICANA E A ORDEM MUNDIAL BIPOLAR(1945-1991)

    5. A Guerra Fria, a ONU e a Pax Americana(1945-1961) ................... 2215.1. A Ordem Bipolar, o Sistema das Naes Unidas e seus

    conflitos (1945-55) ............................................................................... 222 O Sistema das Naes Unidas e a Pax Americana ....................... 222 Da Aliana Anti-Fascista Guerra Fria ......................................... 226 Guerras e revolues na sia e no Magreb-Machrek ................... 233

    5.2. Descolonizao: o Sistema de Westflia no Terceiro Mundo(1955-61) .............................................................................................. 242 Do No-Alinhamento Coexistncia Pacfica ............................... 242 As independncias da frica e o neocolonialismo ........................ 249 Ibero-Amrica: Nacionalismo, Revoluo Cubana e a reaodos EUA .............................................................................................. 254

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    6. Da coexistncia Pacfica crise econmica e diplomtica(1961-1979) .............................................................................................. 259

    6.1. A dtente e o desgaste da hegemonia dos EUA (1961-1973) ..... 259

    A eroso da hegemonia dos EUA e o equilbrio com a URSS ....... 259 A ciso do bloco socialista e a aliana sino-americana ................. 262

    6.2. A Diplomacia da dtente(1973-1979) ........................................ 264 A crise econmica: choque petrolfero ou reestruturao? ............ 264 As revolues dos anos 70 e o desequilbrio estratgico .............. 269 Os Regimes de Segurana Nacional na Ibero-Amrica ................ 279

    7. Da Nova Guerra Fria desintegrao do bloco sovitico(1979-1991) .............................................................................................. 282

    7.1. A reao estratgica americana e os anos conservadores(1979-88) .............................................................................................. 283 O fim da dtente e a reao conservadora .................................... 283 Conflitos de Baixa Intensidade e a reao no Terceiro Mundo ..... 289

    7.2. Globalizao e reformas: neoliberalismo, Perestroika e viachinesa .................................................................................................. 295 Globalizao e neoliberalismo no Ocidente ................................... 295 As reformas socialistas: Perestroika sovitica x via chinesa ........ 299

    7.3. O Fim da Guerra Fria, a queda do leste europeu e

    a desintegrao da URSS (1988-91) ................................................... 305 A convergncia sovitico-americana e a queda do leste europeu ... 305 O colapso do regime socialista e do Estado sovitico .................... 308 O fim da bipolaridade e o sistema internacional ............................ 313

    Cronologia 1945-1991 ............................................................................. 315

    CONCLUSO ......................................................................................... 331

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 339

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    APRESENTAO

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    A Fundao Alexandre de Gusmo (Funag) oferece aos candidatos

    ao Concurso de Admisso Carreira de Diplomata, do Instituto Rio Branco

    (IRBr) do Ministrio das Relaes Exteriores, a srie Manuais do

    Candidato, com nove volumes: Portugus, Poltica Internacional, Histria

    do Brasil, Histria Mundial, Geografia, Direito Internacional, Economia,

    Ingls e Francs.

    Os Manuais do Candidato constituem marco de referncia

    conceitual, analtica e bibliogrfica das matrias indicadas. O Concurso

    de Admisso, por ser de mbito nacional, pode, em alguns centros de

    inscrio, encontrar candidatos com dificuldade de acesso a bibliografia

    credenciada ou a professores especializados. Dada a sua condio de guias,

    os manuaisno devem ser encarados como apostilas que por si s habilitem

    o candidato aprovao.

    A Funag convidou representantes do meio acadmico com

    reconhecido saber para elaborarem osManuais do Candidato. As opiniesexpressas nos textos so de responsabilidade exclusiva de seus autores.

    APRESENTAO

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    INTRODUO

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    A histria mundial contempornea teve incio no ltimo tero do

    sculo XVIII, com a afirmao da hegemonia anglo-saxnica, aps trs

    sculos de Revoluo Comercial, ou Mercantilismo. Foi uma fase de

    expanso europia e de construo da Revoluo Industrial inglesa,

    processo este que representou a emergncia do capitalismo e do sistema

    mundial. Todavia, a historiografia predominante no Brasil e em algunsoutros pases est centrada na histria europia, dando menor ateno ao

    fato de que se trata de uma histria internacionalizada e de que mesmo os

    processos europeus so simultaneamente mundializados. Esta dimenso,

    a longo prazo, se torna mais relevante do que a histria europia, mesmo

    quando a Inglaterra passa a ser a potncia dominante, quando emerge um

    sistema mundial anglo-saxnico.

    A histria mundial tem sido marcada pela sucesso de sistemas

    mundiais hegemonizados por uma potncia e intercalados por fases detransio e configurao de novas lideranas. Estas, por sua vez, encontram-

    se apoiadas nos paradigmas econmicos, sociais, polticos, culturais e

    tecnolgicos de cada modelo de produo e padro de acumulao. Durante

    os trezentos anos compreendidos entre o final do sculo XV e do XVIII, a

    expanso mercantil europia deu origem ao sistema mundial, em lugar

    dos anteriores sistemas internacionais de dimenso regional.

    Assim, a construo de sistemas internacionais estruturados em

    escala mundial, dotados de continuidade histrica e de um carter

    17

    INTRODUO

    Paulo Fagundes Vizentini*

    Colaboradora Analcia Danilevicz Pereira**

    *Professor Titular de Histria Contempornea e de Relaes Internacionais na UFRGS. Pesquisadordo CNPq e do Ncleo de Estratgia e Relaes Internacionais do ILEA/UFRGS. Graduado emHistria e Mestre em Cincia Poltica pela UFRGS, Especialista em Integrao Europia pelaComunidade Europia/ Colgio de Mxico, Doutor em Histria Econmica pela USP e Ps-Graduado em Relaes Internacionais pela London School of Economics. Foi Professor Visitanteno NUPRI/ USP, Leiden University e International Institut for Asian Studies/ Holanda. Coordenadorde duas colees de Relaes Internacionais (Ed. UFRGS e Ed. Vozes) e autor de diversos livrossobre Histria Mundial Contempornea, Relaes Internacionais e Poltica Externa [email protected]

    **Professora de Histria Contempornea na Faculdade Portoalegrense.Graduada em Histria pela PUC-RS, Especialista em Integrao pela Universidade de Leiden/Holanda, Mestre e doutoranda em Histria pela UFRGS. Autora do livro A poltica externa do

    governo Sarney (1985-1990)[email protected]

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    progressivo, iniciou h quinhentos anos, com a revoluo comercial que

    caracterizou a expanso europia e a construo do capitalismo.

    Anteriormente, os grandes imprios chegaram a integrar amplas regies,

    mas o colapso dos mesmos produziu o retrocesso e, mesmo, a interrupo

    deste fenmeno. O imprio mongol, que por volta do sculo XIII construiu

    a mais vasta unidade poltica geograficamente contgua (dominando a

    maior parte da Eursia), desapareceu bruscamente, quase sem deixar

    vestgios. Tratava-se, no mximo, de sistemas internacionais de mbito

    regional.

    No sculo XV o mundo ainda era dividido em plos regionais

    autnomos, quase sem contatos entre si. Entre eles podemos mencionar

    os Astecas, os Maias, os Incas, a cristandade da Europa ocidental, o mundorabe-islmico, a Prsia, a China, o Japo, a ndia e imprios da frica

    negra, como Zimbbue. Seguramente o plo mais desenvolvido, na poca,

    era a China. E importante notar que antes do surgimento do capitalismo

    as crises econmicas, que produzem ondas de instabilidade e novas relaes

    e acomodaes, no possuam qualquer regularidade. Alm disso, eram

    crises de escassez, e no de superproduo, como passou a ocorrer desde

    o sculo XV no sistema capitalista.

    A partir de ento, sob impulso do nascente capitalismo, os reinos

    europeus iniciam a expanso comercial. As monarquias dinsticas,

    legitimadas como atores principais das relaes internacionais pela Paz

    de Westflia (1648) e apoiadas no capitalismo comercial, protagonizaram

    a estruturao de um sistema mundial liderado sucessivamente por

    Portugal, Espanha, Holanda e Frana. A sucesso de cada uma delas pela

    seguinte, era acompanhada por uma expanso e aprofundamento do

    sistema.

    Tratava-se de uma globalizao que ocidentalizava ou

    europeizava o mundo. Este sistema era baseado no comrcio, na formaode um mercado mundial e no domnio dos grandes espaos ocenicos, e a

    queda ou declnio de cada uma destas lideranas no produziu o colapso

    do sistema. Pelo contrrio, cada uma delas foi sucedida por outra mais

    capacitada, com o sistema se tornando ainda mais complexo e integrado,

    como assinala Giovani Arrighi. O sistema mundial capitalista atingir sua

    maturidade em fins do sculo XVIII, com o advento do mundo industrial,

    da hegemonia inglesa e a estruturao de um novo tipo de relaes

    internacionais, que se consolidou com a derrota do desafio representado

    pela Revoluo Francesa e pelo Sistema Napolenico.

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    INTRODUO

    A histria mundial contempornea, que iniciou no ltimo tero do

    sculo XVIII, apresenta-se como uma sucesso de sistemas mundiais

    intercalados por fases de transio e configurao de novas lideranas. Como

    foi dito antes, elas se fundamentam nos paradigmas econmicos, sociais,

    polticos, culturais e tecnolgicos de cada formao econmico-social.

    Assim, de 1776 (ano da independncia dos EUA e da publicao deA riqueza

    das naes, de Adam Smith) a 1890, a Pax Britanica foi embasada na

    Revoluo Industrial e regulada pelo liberalismo, dando incio ao mundo

    dominado pelas potncias anglo-saxnicas. O Congresso de Viena substituiu

    o conceito de monarquia dinstica pela de potncia. Enquanto a potncia

    inglesa dominava o sistema mundial atravs da supremacia martima e

    comercial, a Europa continental permanecia num sistema de equilbrio depoderes entre Frana, ustria, Prssia e Rssia. A Inglaterra era o fiel dessa

    balana de poder e o acesso dos pases europeus ao resto do mundo dependia,

    direta ou indiretamente, da boa vontade inglesa.

    Mas o advento da II Revoluo Industrial, desde os anos 1870,

    bem como de novos pases competidores e do paradigma fordista,

    conduziram ao desgaste da hegemonia inglesa no final do sculo XIX. A

    partir de 1890 tem ento incio uma fase de crise e transio, marcada

    pelo acirramento do imperialismo, com a partilha do mundo afro-asitico,

    pela formao de blocos militares antagnicos, por duas guerras mundiais,

    por uma Grande Depresso de alcance planetrio e pela ascenso do nazi-

    fascismo e do comunismo, que de movimento social se transforma em

    regime poltico. Foram mais de cinco dcadas de crise e disputa por uma

    nova liderana entre potncias e projetos de ordem mundial e modelos de

    sociedade.

    no quadro de superao da grande crise e da II Guerra Mundial

    que o fordismo foi condicionado pelo keynesianismo, passando ento a

    dar suporte a uma ordem internacional estvel, liderada pelos EUA: aGuerra Fria constituiu uma Pax Americana. Foi este o novo modelo

    econmico que possibilitou a internacionalizao comercial e financeira

    sob a gide dos Estados Unidos. Esta era foi dominada pela bipolaridade

    da Guerra Fria, que constitua tanto um conflito como um sistema. O

    Sistema de Yalta, que regulou as relaes internacionais desde 1945,

    introduziu o conceito de superpotncia, como forma de reduzir o papel

    das potncias coloniais europias e as derrotadas potncias do Eixo.

    Com uma Europa dividida e no mais constituindo o centro do

    sistema internacional, o capitalismo mundial passava a ser integrado sob

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    o comando de Washington e Nova Iorque e o bloco sovitico representava

    apenas um plo regional e reativo, com os EUA se tornando o tipo ideal

    fordista-keynesiano e o centro do mundo. Ao mesmo tempo um vigoroso

    processo de descolonizao expandia o sistema westfaliano de Estados-

    nao ao conjunto do planeta. Entretanto, desde os anos 1970, com a

    emergncia da III Revoluo Industrial e seu paradigma cientfico-

    tecnolgico, iniciou-se o processo de desgaste da hegemonia norte-

    americana e de recorrentes estratgias de reafirmao por parte dos Estados

    Unidos. Este fenmeno produziu uma profunda reformulao internacional,

    cujo marco referencial foi a desintegrao do campo sovitico.

    Finalmente, o sistema internacional ps-hegemnico, marcado pela

    globalizao e formao dos blocos regionais, e pela instabilidadeestrutural que acompanha a competio econmica e o reordenamento

    poltico internacional a partir dos anos 1990, sinalizam o incio de uma

    nova fase de crise e transio, na luta pelo estabelecimento de uma nova

    ordem mundial. Nela, configura-se a emergncia da sia Oriental,

    particularmente da China, como novo plo desafiador liderana anglo-

    saxnica. Alm disso, a base deste perodo consiste na busca de estruturas

    que permitam um desenvolvimento estvel, o que passa pelo domnio e

    acomodao dos paradigmas da Revoluo Cientfico-Tecnolgica, a qual

    presentemente est implodindo as estruturas preexistentes.

    No ltimo sculo, o primeiro desafio ordem mundial anglo-

    saxnica se deu a partir de dentro do prprio sistema, quando a Alemanha,

    primeiro isoladamente, e depois acompanhada pelo Japo e pela Itlia,

    tentaram obter um lugar ao sol dentro da ordem capitalista, resultando em

    duas Guerras Mundiais. Um segundo desafio partiu de fora do sistema,

    com o socialismo sovitico tentando criar uma alternativa ordem

    existente, trazendo como conseqncia a Guerra Fria.

    O terceiro desafio, atualmente em curso, emergiu na sia Oriental,particularmente atravs da China, constituindo um fenmeno misto,

    economicamente dentro da ordem capitalista, mas politicamente exterior

    a ela. As recentes turbulncias financeiras na sia e a chamada Guerra ao

    Terrorismo representam, neste sentido, o primeiro embate do novo conflito

    em torno da ordem mundial, no necessariamente um choque de

    civilizaes. Alm disso, a passagem do sculo XX ao XXI significou

    tambm uma poca de crise e transio rumo a um novo perodo histrico,

    com o incio do declnio do ciclo de expanso Ocidental, iniciado h cinco

    sculos.

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    INTRODUO

    Esta obra, que representa a atualizao, consolidao e

    aprofundamento de trabalhos anteriores que venho desenvolvendo ao longo

    dos ltimos vinte e cinco anos, constitui uma introduo histria mundial

    contempornea, com nfase nas relaes internacionais. Tal opo decorre

    no apenas do fato dos leitores buscarem a carreira diplomtica, mas de

    uma perspectiva terico-metodolgica que identifica neste perodo

    histrico uma dimenso predominantemente mundial, como indicado no

    ttulo.

    O objetivo propiciar a compreenso do processo histrico em

    nvel mundial, de forma a articular leituras posteriores mais aprofundadas

    que so necessrias, dado tratar-se de um estudo geral e introdutrio. O

    programa do concurso contemplado numa perspectiva cronolgica, parafacilitar a compreenso. No final so indicadas tanto as fontes utilizadas

    como leituras complementares. Recomendo, particularmente, a consulta

    de Atlas histricos, uma ferramenta indispensvel aos estudiosos da

    diplomacia.

    No campo conceitual, preciso esclarecer que, assim como a

    histria possui distintas abordagens, as relaes internacionais tambm

    podem ser analisadas a partir de diferentes paradigmas. Jacques

    Huntzinger1, ao analisar os autores clssicos, considera que Carl von

    Clausewitz, Francisco de Vitria e Karl Marx representam os trs grandes

    paradigmas das relaes internacionais. As diversas correntes refletem

    problemticas e os momentos histricos de sua formao, refletindo

    ngulos de abordagem que no so, necessariamente, excludentes. Neste

    sentido, ortodoxia e ecletismo terico so dois extremos a evitar, bem

    como o uso poltico prescritivo e normativo das teorias, as quais constituem,

    essencialmente, simplificaes para a compreenso de uma realidade

    complexa demais para ser apreendida em todas as suas dimenses.

    O general prussiano Clausewitz, junto com Tucdides, Maquiavel,Hobbes, Vattel, Hume, os tericos do equilbrio europeu, Rousseau,

    Espinosa e os adeptos do nacionalismo europeu do sculo XIX representam

    o paradigma clssico das relaes internacionais (segundo a viso

    francesa), tambm chamado de realismo(na perspectiva anglo-saxnica).

    Esta corrente considera o sistema internacional como total ou parcialmente

    anrquico, com o Estado como ator essencial. Assim, o realismo enfatiza

    as relaes de conflito e poder. A estes, podemos acrescentar pensadores

    1HUNTZINGER, Jacques. Introduction aux relations internationales. Paris: ditions du Seuil,1987.

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    PARTE I

    A PAX BRITNICA E A ORDEM MUNDIAL LIBERAL(1776-1890)

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    PARTEI - A PAXBRITNICAEAORDEMMUNDIALLIBERAL(1776-1890)

    por uma dcada, implantando as instituies liberais atravs de mecanismos

    autoritrios e violentos. Os atos que se seguiram foram o cerceamento das

    liberdades individuais e a eliminao sumria dos seus antigos

    colaboradores, os levellers (artesos) eos diggers (sem-terra). Foi um

    estado de exceo necessrio para consolidar a Revoluo contra os

    adversrios de direita e de esquerda.

    Em 1641, Cromwell publicou os Atos de Navegao, que, ao

    obrigar que o trnsito de produtos importados fosse feito em navios

    ingleses ou de seus pases de origem, eliminou a possibilidade de

    atuao de intermedirios, fato que afrontou os interesses holandeses.

    Tal episdio precipitou o incio das guerras entre Inglaterra e Holanda

    pela supremacia nos oceanos, que fez daquela, ao final do processo, aSenhora dos Mares.

    A revoluo liberal-burguesa na Inglaterra, que foi associada a lutas

    religiosas e tenses externas, terminou de fato em 1688, aps a Revoluo

    Gloriosa. A Inglaterra havia se tornado o pas que modificara mais

    profundamente sua estrutura social, econmica e poltica. Sobre esse ltimo

    aspecto, foi introduzido o bipartidarismo, que, com pequenas modificaes,

    existe at hoje. A noo de que a sociedade uma soma de indivduos foi

    fortalecida, e, em 1694, foi criado o Banco da Inglaterra, a primeira

    instituio do mundo com funes tpicas de banco central.

    J a poltica externa inglesa assumiu definitivamente a lgica do

    capital, em oposio lgica territorial que orientava os pases europeus

    continentais. O objetivo principal era o de conquistar o maior mercado

    possvel para os produtos ingleses. A estratgia de dominar os mares foi

    essencial para conseguir isso, assim como a negociao, geralmente por

    imposio, de tratados de livre comrcio que beneficiassem os produtores

    britnicos. A unio com a Esccia em 1707 tambm foi importante para

    fortalecer a posio internacional da Inglaterra.Na Europa, a participao no equilbrio continental era pontual, j

    que o maior interesse ingls em relao aos seus vizinhos era o de impedir

    que surgisse uma potncia territorial que pudesse controlar todo o resto a

    Europa e impusesse limites ao comrcio ingls o objetivo era, portanto,

    manter o continente dividido. Na Amrica, as colnias do Norte gozaram,

    at a segunda metade do sculo XVIII, de relativa independncia, enquanto

    que o Sul escravista, devido a sua grande produo de algodo, matria-

    prima essencial para a nascente indstria txtil metropolitana, continuava

    sob controle mais rgido da Coroa.

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    A Revoluo Industrial Inglesa

    Uma conjuno muito especfica de fatores levou a Inglaterra a ser

    o bero do capitalismo em sua forma madura e o primeiro pas a

    industrializar-se. Esses fatores foram de ordem geogrfica, econmica,

    poltica, social e cultural. A posio geogrfica insular do pas ajudou-o a

    preservar-se da devastao de guerras, pois, mesmo quando esteve

    envolvido em alguma batalha, a luta se deu em territrio de outros Estados.

    Os recursos naturais encontrados na Gr-Bretanha tambm foram

    essenciais para que a industrializao avanasse. Havia, em solo ingls,

    grandes jazidas de carvo (fonte primria de energia para as fbricas) e de

    ferro (matria-prima essencial para a produo de bens industriais).Outra condio que possibilitou Inglaterra ser a pioneira no

    processo de industrializao foi a acumulao de capital oriunda da

    Revoluo Comercial, da qual o pas participou ativamente. Tal capital

    foi, por sua vez, multiplicado no mercado financeiro ingls Londres j

    era, na poca, o principal centro financeiro do mundo, e a Inglaterra

    dispunha do mais avanado sistema bancrio conhecido. A supremacia

    naval tambm foi determinante para que a Inglaterra tenha sido pioneira

    no desenvolvimento capitalista industrial. O controle sobre os mares foi

    obtido aps a vitria definitiva sobre a Holanda a principal razo das

    guerras travadas entre as duas potncias martimas foi a edio, em 1641,

    dos Atos de Navegao, que impunham, para o transporte de produtos

    importados, o uso de navios dos pases de origem desses ou o uso de

    navios ingleses (o trabalho de intermedirio, muitas vezes executado por

    holandeses, foi banido). A supremacia naval possibilitou Inglaterra ter a

    superioridade no comrcio internacional, fato que resultou no

    fortalecimento do imprio colonial ingls, que era destino das mercadorias

    inglesas industrializadas e fonte de matrias-primas.Uma prtica tornada comum na Inglaterra nos sculos XVI e XVII

    auxiliou a criao do sistema produtivo industrial ingls: os cercamentos.

    Esse termo usado para descrever a apropriao, pela nobreza, de terras

    comunais inglesas que estavam de posse de pequenos proprietrios,

    processo que resultou na migrao de populao do campo para as cidades

    (onde as fbricas iriam instalar-se). Tal migrao acarretou grande

    disponibilidade de mo-de-obra - fato que tambm causou o rebaixamento

    dos salrios - a ser usada na indstria. Finalmente, aos cercamentos deve

    ser acrescentado outro fator que aumentou a quantidade de mo-de-obra

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    PARTEI - A PAXBRITNICAEAORDEMMUNDIALLIBERAL(1776-1890)

    disponvel e diminuiu os salrios: a runa dos artesos, que no mais podiam

    competir com produtos industrializados, os quais, devido produo em

    srie, eram mais baratos.

    Politicamente, a industrializao tornou-se possvel devido

    instaurao, aps a Revoluo Gloriosa (1688), da monarquia parlamentar,

    que passou ao parlamento ingls, no qual os representantes da burguesia

    estavam presentes, o poder de governar o pas. De fato, esse processo teve

    incio j em 1640, na Revoluo Inglesa, a partir da qual o parlamento,

    orientado pela burguesia e pelos nobres com interesses comerciais,

    comeou a opor-se monarquia A Revoluo Gloriosa e a Declarao

    de Direitos (1689) foram o ponto de chegada desses acontecimentos.

    J a consolidao do capitalismo como modelo legtimo ocorreuatravs do fortalecimento da ideologia que o justificava teoricamente: o

    Liberalismo, cujos defensores atacavam o mercantilismo vigente at ento

    e pregavam a livre concorrncia. John Locke foi o precursor desse

    movimento sua obra O Segundo Tratado do Governo Civil, de 1689,

    referncia para a discusso sobre o Liberalismo, que, principalmente aps

    a edio deA Riqueza das Naes(1776), de Adam Smith, tornou-se o

    iderio dominante da nascente sociedade capitalista. A preponderncia da

    sociedade sobre o Estado, fundamental para o pensamento liberal, foi

    tratada nas clssicas obras iluministas de Montesquieu (O esprito das

    Leis, 1748), Voltaire (O Sculo de Lus IV, 1751; Ensaio sobre os Costumes

    e o Esprito das Naes, 1756, e as Cartas Inglesas, 1734) e Rousseau

    (Discurso sobre a Origem das Desigualdades entre os Homens, 1755;

    Emilio, 1762, e O Contrato Social, 1762).

    Enquanto todas essas mudanas ocorriam na vida poltica,

    econmica, social e cultural da Inglaterra, as inovaes tcnicas

    concretizavam de fato o desenvolvimento do capitalismo industrial. O setor

    txtil foi o primeiro beneficiado pelo novo padro tecnolgico que seestabelecia: a lanadeira mecnica (Kay, 1733), as mquinas de fiar (Watt

    e Paul, 1764; Hargreaves, 1765) e o tear hidrulico (Arkwright, 1768/70)

    foram determinantes para o incremento da produtividade. A transformao

    definitiva da lgica produtiva veio quando a energia a vapor, que mais

    tarde revolucionaria os transportes (navios e locomotivas a vapor), comeou

    a ser utilizada nas fbricas. Assim, a Inglaterra tornou-se o centro do novo

    sistema econmico e poltico que nascia. Esse sistema no mais seguia

    unicamente a lgica territorial que orientava os Estados europeus

    continentais. A partir de ento, a lgica do capital comeava a imperar.

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    O desenvolvimento do capitalismo

    O contexto histrico no qual a Revoluo Industrial ocorreu revela

    contradies que explicam as mudanas ocorridas no perodo. Nessa poca,

    ficam claras algumas tendncias histricas presentes h muito tempo na

    sociedade inglesa. A tradio britnica de reconhecimento de direitos

    individuais era antiga. Em 1215, quando da assinatura da Magna Carta

    pelo Rei John, os nobres tiveram reconhecidos alguns direitos dos quais o

    monarca no poderia dispor. De fato, o individualismo, essencial para o

    desenvolvimento da mentalidade capitalista, esteve sempre presente na

    cultura inglesa. A consolidao dessa tradio ocorreu na poca da

    Revoluo Industrial, quando a sociedade comeou a ser vista como umasoma de indivduos.

    O sistema econmico europeu ocidental, e em particular o ingls,

    j estava passando por mudanas profundas quando a industrializao

    ocorreu. A principal delas era o progressivo fim da servido, substituda

    rapidamente pelo trabalho assalariado. Isso dava aos homens alguma

    possibilidade de opo. O resultado desse processo foi a migrao em

    massa dessas populaes desenraizadas para a cidade, fato essencial para

    que a industrializao ocorresse, pois permitia uma maior disponibilidade

    de mo-de-obra a ser assalariada. Os indivduos que se tornariam operrios

    no s comporiam a fora de trabalho empregada na produo, mas,

    tambm, seriam parte importante do mercado consumidor de produtos

    manufaturados.

    Tal idia de mercado, tambm essencial para que o capitalismo

    industrial se estabelecesse definitivamente como sistema econmico, foi

    uma herana do mercantilismo. A partir da necessidade de expandir e

    garantir mercados, houve a formao de Estados territoriais (dentro dos

    quais haveria o monoplio, para as companhias nacionais, da venda deprodutos de todos os tipos) e de imprios coloniais, que, alm de

    consumirem os bens oriundos das metrpoles, eram importantes

    fornecedores de matrias-primas para essas.

    Do mesmo modo, a questo religiosa foi um fator influente para

    que o capitalismo se desenvolvesse: as ento recentes reformas protestantes

    transformaram a relao dos europeus com o trabalho, que passou a constar

    no rol de valores das sociedades ocidentais. J enriquecer deixou de ser

    um pecado, processo cujo resultado foi a legitimao da acumulao de

    capital enquanto objetivo pessoal a ser perseguido.

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    PARTEI - A PAXBRITNICAEAORDEMMUNDIALLIBERAL(1776-1890)

    Na Inglaterra, havia sido fundada, por Henrique VIII, a Igreja

    Anglicana, que significou a imposio oficial de uma religio. De modo

    contrrio, a Coroa inglesa enfrentava constantemente a rebeldia religiosa

    (contestao de baixo) de diversas seitas (cujos membros optaram, muitas

    vezes, por exilar-se nas colnias, principalmente nas americanas) e ameaas

    de restaurao catlica, com ingerncias externas. Em relao criao

    da Igreja Anglicana, um de seus resultados econmicos mais visveis foi a

    expropriao das terras da Igreja Catlica.

    Os cercamentos expropriao, pela nobreza, de terras comunais

    ocupadas por camponeses foram a condio essencial para que a

    agricultura inglesa se tornasse mercantil, pois permitiram a transformao

    de terras cuja produo era de subsistncia em latifndios voltados para omercado. Considerando as inovaes tcnicas que permitiram o melhor

    uso do solo (cultivo rotativo, uso de adubos e drenagem) e a progressiva

    mecanizao do campo, a produtividade das plantaes britnicas

    aumentou de tal modo que permitiu a venda de excedentes para outros

    pases e viabilizou o aumento da disponibilidade de alimentos para a

    populao inglesa.

    O resultado desse processo foi a acumulao de mais capital a ser

    usado na industrializao e o expressivo incremento demogrfico (tambm

    produto do melhor controle de enfermidades e dos avanos na rea do

    saneamento), cuja conseqncia imediata foi o aumento do nmero de

    jovens da populao inglesa. J essa mudana significou uma maior

    disponibilidade de mo-de-obra barata e resistente ao trabalho pesado,

    alm de ter possibilitado que o aumento da emigrao, que ento ocorria

    principalmente para as colnias de povoamento da Amrica do Norte, no

    tivesse um impacto to grande na fora de trabalho local.

    As transformaes ocorridas no pensamento aristocrtico ingls

    tambm foram essenciais para que o capitalismo se desenvolvesse na Gr-Bretanha. Os nobres ingleses, ao contrrio dos da Europa continental, viram

    no desenvolvimento capitalista uma oportunidade de crescimento material

    sem precedentes, razo pela qual apoiaram, em grande parte, as mudanas

    econmicas e sociais ocorridas.

    O crescimento exponencial da economia inglesa se deu por diversos

    fatores. O monoplio da produo industrial mundial, associado

    transformao da agricultura de subsistncia em agricultura comercial,

    foi o mais importante deles. O Estado britnico beneficiava-se, entretanto,

    de outra relevante fonte de receitas: a pirataria. A supremacia naval

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    britnica, como se v, no foi utilizada apenas no comrcio lcito e na

    defesa, mas tambm no assalto a navios mercantes de outras bandeiras e

    no contrabando de diversos itens com alto valor agregado no mercado

    mundial, como especiarias, produtos tropicais e escravos.

    A superioridade inglesa nos mares possibilitou uma estratgia

    internacional que, alm de facilitar o comrcio lcito e ilcito, servia

    poltica externa da Coroa: o estabelecimento de pontos de apoio nas

    principais rotas martimas do planeta. Essa lgica levou a Inglaterra a

    capturar Cingapura (Estreito de Mlaca), den (entrada do Mar Vermelho),

    as Ilhas Malvinas (ou Falkland, prximas ao Estreito de Magalhes), o

    extremo sul africano (Cabo da Boa Esperana, passagem do Oceano

    Atlntico para o ndico), Gibraltar (entrada do Mar Mediterrneo) e, maistarde, Hong Kong (Mar do Sul da China), alm de outros territrios

    insulares em todo o planeta, como a Ilha de Diego Garcia (no centro do

    ndico).

    Essa estratgia no permitia Inglaterra atacar o vasto Imprio

    Espanhol, mas possibilitava que o acesso da Espanha s suas colnias

    fosse prejudicado e que, quando necessrio, seus domnios, assim como

    os de outras potncias concorrentes, fossem atacados. Um pas escolheu,

    todavia, o caminho do alinhamento aos ingleses (ao invs do confronto):

    Portugal, que foi satelizado pela Inglaterra j no incio do sculo XVIII (o

    Tratado de Methuen, amplamente favorvel a essa, foi assinado em 1703).

    A sociedade industrial

    Indubitavelmente, a Revoluo Industrial trouxe imensos benefcios

    humanidade e transformou o modo pelo qual os seres humanos

    relacionavam-se entre si e com a natureza. A riqueza tornou-se acessvel a

    um nmero maior de pessoas, mesmo que ainda restrito. O caminhodefinido naquele momento histrico determinou, contudo, qual o rumo

    que a sociedade humana tomaria: os benefcios materiais oriundos do

    capitalismo industrial iriam estender-se, nos sculos seguintes, a uma

    grande quantidade de indivduos e comunidades.

    Outros reflexos da Revoluo Industrial mostraram-se, todavia,

    negativos. A relao do homem com o meio ambiente deteriorou-se

    sobremaneira, j que, para a espcie humana, ao invs de hospedeiro que

    provia suas necessidades nutricionais e de vesturio, o planeta tornou-se

    fonte das matrias-primas e riquezas que faziam o novo sistema funcionar.

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    PARTEI - A PAXBRITNICAEAORDEMMUNDIALLIBERAL(1776-1890)

    Desse modo, a deteriorao ambiental cresceu, gradativamente, a nveis

    que no mais permitiam a reposio dos recursos naturais. O grande salto

    produtivo gerada pelo capitalismo (que Marx definiu como o sistema mais

    revolucionrio at ento criado pela humanidade) baseou-se na apropriao

    gratuita de recursos naturais.

    J as condies de trabalho da classe operria, que nasceu

    com a industrializao, foram, por muito tempo, nefastas. Jornadas

    de trabalho extenuantes, de at 16 horas dirias, ausncia da mnima

    proteo legal, ambiente de trabalho insalubre e perigoso, salrios

    baixos, explorao do trabalho infantil, falta de saneamento bsico e

    higiene e impossibilidade do acesso ao lazer foram alguns dos desafios

    enfrentados pelos operrios durante muito tempo, at que osindicalismo e as reivindicaes sociais ganhassem espao e

    viabilizassem mudanas nas leis e costumes que regiam as relaes

    entre capital e trabalho.

    Os prprios valores da sociedade modificaram-se brutalmente: o

    tempo passou a ser controlado pelo relgio (para que os industriais

    mantivessem o controle sobre a produo), tendncia que teve como

    resultado o estabelecimento da pontualidade como condio

    sociabilidade; o fluxo de informaes passou a ser mais rpido - a imprensa

    estruturou-se nessa poca; a razo e a tcnica impuseram o controle da

    natureza; o trabalho tornou-se repetitivo e forado. Os novos costumes

    urbanos comearam a preponderar sobre as formas tradicionais de

    relacionamento entre indivduos, e o campo, apesar de estar em processo

    de modernizao econmica, adquiriu a condio de local retrgrado e

    conservador, do qual os jovens desejavam afastar-se (tendncia que

    acelerou o xodo rural).

    A Revoluo Americana e a Ruptura Colonial

    As contradies e a crise do colonialismo

    As primeiras idias revolucionrias de independncia das treze

    colnias, que se encontravam na regio leste dos Estados Unidos da

    Amrica atuais, surgiram com o fim da Guerra dos Sete Anos (1756-1763),

    conflito militar iniciado na Europa, mas que, no plano mundial, ops Frana

    e Inglaterra. A origem desse conflito est na rivalidade econmica e colonial

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    franco-inglesa na Amrica do Norte, devido ocupao dos territrios

    franceses da Terranova e Nova Esccia por colonos britnicos instalados

    na costa nordeste e colonos franceses instalados a oeste das Trezes

    Colnias. Durante a guerra, a Frana aliou-se a tribos indgenas e ataca as

    colnias britnicas.

    Diante desse fato, as colnias acabam tendo que lutar juntamente

    com a Inglaterra contra a Frana para defender seus territrios.

    Principalmente as colnias do norte, para se proteger dos franceses

    instalados no Canad. A Inglaterra venceu a Guerra dos Sete Anos e se

    apossou de grande parte do imprio colonial francs no mundo,

    especialmente a ndia, o Canad e as terras a oeste das Treze Colnias.

    Mas, apesar de os ingleses terem vencido a guerra, saem enfraquecidoseconomicamente. Assim, o parlamento ingls decide que os colonos deviam

    pagar parte dos custos da guerra, alm de contriburem para aumentar os

    direitos da Coroa Britnica na Amrica, aumentando, portanto, os impostos

    da colnia.

    Os colonos no estavam habituados a uma poltica repressiva, pois

    durante muito tempo as treze colnias da Amrica do Norte tinham uma

    certa autonomia, tanto que, cada colono poderia escolher seus

    representantes polticos. Qualquer pessoa que possusse 50 acres de terra

    poderia votar, o que na poca no era muito difcil. As colnias possuam

    uma assemblia, que tinha poderes para elaborar as leis locais, que, por

    sua vez, poderiam ser vetadas pelo governador. Esse governador era

    escolhido pela metrpole e era muito difcil que ele vetasse alguma lei

    criada pela assemblia, pois era ela estipulava seu salrio. Alm de todos

    esses fatores, os colonos britnicos do norte haviam aprendido a se defender

    muito bem e desenvolveram um forte senso de autonomia e independncia,

    pois haviam lutado para garantir suas terras durante a Guerra dos Sete

    Anos.Desse modo, esses fatos s poderiam gerar protestos. A poltica

    repressiva, os fatores culturais, juntamente com a influncia do iluminismo

    fizeram com que colonos britnicos entrassem em conflito com a metrpole.

    Ento quando George Grenville, primeiro-ministro ingls, posicionou na

    colnia uma fora militar de dez mil homens, criando uma despesa extra

    de 350 mil libras, e o parlamento ingls aprovou duas leis para arrecadar

    um tero da quantia A Lei do Acar (1764) e a Lei do Selo (1765). Os

    colonos comearam a contestar tais atitudes da coroa britnica, sentindo-

    se prejudicados. Outro acontecimento que mudou a relao das colnias

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    parlamento ingls que havia votado essa lei. Ento, em 1765, reuniu-se

    em Nova York o Congresso da Lei do Selo que decidiu boicotar o comrcio

    ingls. A Lei do Selo e do Acar acabaram sendo revogadas por presses

    dos colonos e comerciantes ingleses, boicotados pelos norte-americanos.

    Em 1765, os ingleses elaboraram uma nova lei: A Lei de

    Aquartelamento, que exigia dos colonos alojamento e transporte para as

    tropas enviadas colnia. Enquanto isso, os colonos protestavam por no

    terem direito legislativo no parlamento ingls e recusaram-se a cumprir a

    Lei do Aquartelamento. Em 1767, o primeiro-ministro Townshend cria

    os Atos de Townshend que estabelecia uma srie de impostos alfandegrios

    sobre as importaes. Portanto todos os produtos importados tais como

    ch, vidro, papel, zarco, corantes, tudo teria altas taxas o que dificultariao comrcio dos colonos, diminuindo mais ainda sua liberdade e autonomia

    econmica. Ento mais uma vez os colonos boicotaram o comrcio ingls

    e, em 1770, os Atos Townshend foram abolidos.

    Em 1773, elaborou-se a Lei do Ch, a qual dava monoplio de

    comrcio desse produto Companhia das ndias Orientais, ou seja, todos

    os colonos poderiam apenas comprar ch dessa companhia, na qual muitos

    parlamentares tinham investimentos. Mas, a partir dessa nova lei, os

    colonos norte-americanos comearam a se questionar se o governo faria

    o mesmo com outros produtos. Assim, no foi mais possvel controlar a

    crise entre colnia e metrpole. A guerra de independncia estava

    comeando. Na noite de 16 de setembro de 1773 ocorreu o episdio

    conhecido comoBoston Tea Party, uma reao dos colonos quela lei.

    Um grupo de colonos, disfarados de ndios, invadiu o porto de Boston e

    destruiu, jogando ao mar, trezentas caixas de ch.

    Se o parlamento cedesse e revogasse a Lei, provavelmente, jamais

    recuperaria o controle da situao. Ento, agiu energicamente, votando as

    Leis Intolerveis (1774) que obrigavam os colonos a sustentar as tropasinglesas residentes na colnia. Fechou o porto de Boston, que ficou

    interditado at o pagamento do prejuzo. Ocupou militarmente a colnia

    de Massachusetts e o governador assumiu poderes excepcionais. O Ato

    de Quebec, de 1774, impedia que as colnias de Massachussets, Virgnia,

    Connecticut e Pensilvnia ocupassem terras a oeste (desde 1763 a Linha

    da Proclamao Real j demarcara os montes Apalaches como limite

    colonizao). Os colonos eram obrigados a se contentar com o que j

    tinham, sem poder explorar novas terras, exatamente o contrrio do esprito

    do povo da nao que estava iniciando.

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    MANUALDOCANDIDATO- HISTRIAMUNDIALCONTEMPORNEA(1776-1991)

    continuam em vigor at hoje, como o presidente que eleito pelo perodo

    de quatro anos, por representantes das assemblias dos cidados.

    A Cmara dos Representantes e o Senado compunham o Congresso. A

    primeira foi constituda por delegados de cada Estado conforme sua populao,

    e o Senado, por dois representantes de cada Estado. O Congresso votava as leis

    e oramentos, e o Senado se preocupava com a poltica exterior. O presidente

    indicaria nove juizes para comporem a Corte Suprema que resolveria os conflitos

    entre Estados e entre estes e a Unio. O poder ficou dividido em executivo,

    legislativo e judicirio, seguindo as idias iluministas de Montesquieu. Apesar

    de todas essas leis que buscavam a liberdade e independncia dos cidados, as

    mulheres, os ndios e os escravos continuaram sem direitos polticos.

    A guerra de Independncia dos EUA foi um movimento de grandeimportncia, pois foi o primeiro movimento de emancipao que obteve

    sucesso, alcanando seu objetivo. considerada uma das revolues

    burguesas do sculo XVIII. Tratou-se de uma dupla revoluo, pois alm

    do seu contedo liberal, foi a primeira revoluo anti-colonial e anti-

    mercantilista vitoriosa. Mas foi ao mesmo tempo uma espcie de meia

    revoluo, na medida em que a escravido foi mantida nos estados do sul,

    como condio de sua permanncia na Unio.

    Alm disso, segundo alguns historiadores, quase um tero dos colonos

    lutou ao lado da Inglaterra e, com a independncia, emigraram para o Alto

    Canad (atual provncia de Ontrio), que ento era quase desabitada. As tropas

    americanas tentaram, ento, anexar o Canad, mas foram derrotados por uma

    aliana de tropas britnicas, colonos realistas e ndios. Desta maneira, a

    composio tnica do Canad foi modificada, com os colonos franceses

    permanecendo em Qubec (Baixo Canad) e os ingleses no Alto Canad e

    provncias litorneas, com colnia mantendo-se no Imprio Britnico. Todavia,

    durante a guerra de independncia os territrios situados entre os Apalaches e

    o Rio Mississipi (que a Inglaterra arrebatara aos franceses com a Guerra dosSete Anos) foram anexados pelos Estados Unidos, que mais do que dobraram

    de tamanho, abrindo-se um amplo espao para a colonizao.

    A Revoluo Francesa e o Desafio Napolenico

    A Revoluo Francesa e seus impactos internacionais (1789-1799)

    Ainda durante a Guerra de Independncia dos EUA, a crise do

    absolutismo francs prenunciava uma ruptura. O prprio sucesso contra a

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    PARTEI - A PAXBRITNICAEAORDEMMUNDIALLIBERAL(1776-1890)

    Inglaterra na Amrica do Norte s serviu para agravar a crise fiscal do

    Estado francs e ampliar o prestgio dos ideais iluministas. Os efeitos dos

    acontecimentos da Revoluo Francesa no se circunscrevem aos limites

    da Histria da Frana, uma vez que os impactos internacionais dos eventos

    franceses representam um divisor de guas. A burguesia que chegou ao

    poder enunciou o princpio da soberania da nao com a qual ela mesmo

    se identificava. Este princpio j havia sido proclamado por ocasio da

    independncia dos Estados Unidos quando definiu-se a recusa aos valores

    do velho absolutismo. A construo de uma nova ordem recusou no apenas

    as antigas estruturas polticas e sociais doAncien Rgime,como tambm

    valores e concepes predominantes at ento. Isto no pas que representava

    o mais acabado modelo de Absolutismo e Mercantilismo, alem de ser opas mais povoado (25 milhes de habitantes, contra 6 milhes da

    Inglaterra) e maior economia da Europa.

    A Revoluo Francesa assinalou a etapa final do processo de

    secularizao das estruturas de poder inaugurando certa modernidade

    ocidental. Pode-se identificar essa modernidade com a fundao da

    sociedade burguesa, com os novos padres econmicos (liberalismo) e

    com a passagem da condio de sdito cidado (modificaes ideolgicas

    advindas do iluminismo). Os franceses protagonizaram experincias

    histricas inditascomo a politizao da questo social, a experincia

    democrtica e republicana, a at mesmo os primeiros projetos socialistas.

    A derrocada da Monarquia Absolutista na Frana e a abolio dos

    princpios aristocrticos teve como ponto de partida o processo de

    centralizao do poder, na forma como apresentou-se no reinado de Lus

    XVI e a chamada Reao Aristocrtica iniciada em 1787, com presses

    para restaurar privilgios da decadente nobreza no tocante aos cargos do

    Estado. Este perodo caracterizou-se por uma profunda crise econmica

    que conduziu ao controle fiscal e ao monoplio da violncia. A nobrezafrancesa, descendente das tradicionais famlias proprietrias de terra e a

    quem cabia os encargos guerreiros e militares, perdia gradativamente suas

    funes, seus privilgios e seu status.O Absolutismo, nesse contexto,

    mostrava-se incapaz de conter o descontentamento da aristocracia e

    promover as reformas necessrias.

    O efeito mais imediato das novas prticas, alm do aumento da

    misria das classes populares, foi constituio da nova nobreza ou nobreza

    togada, em sua grande maioria composta pela alta burguesia. Esse recurso,

    na verdade, aburguesou os nobres e enobreceu os burgueses e ambos

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    passaram a ocupar um plano secundrio na vida social e poltica do reino.

    Ademais, as relaes monetrias conheceram, a partir de ento, a elevao

    expressiva do grau de corrupo. O Estado Absolutista passou a

    desempenhar o papel de promotor de mobilidade social, ironicamente

    construindo as bases de sua prpria derrocada. O que ocorreu na Frana

    desde o reinado de Lus XVI at as vsperas da Revoluo, decorreu em

    larga medida, das tenses sociais geradas por essa mobilidade e pela

    disfuncionalidade que imprimiu ao sistema.

    Esta situao pode ser melhor avaliada quando se considera as

    necessidades financeiras crescentes, seja para financiar as guerras ou para

    pagar a mquina administrativa, ou, ainda, para manter o alto padro de

    vida da corte. Alm disso, deve-se considerar a constncia na obteno definanciamentos atravs da criao de novos impostos e emprstimos junto

    burguesia. Outro caminho, para a soluo das necessidades financeiras,

    levou o rei a valer-se de dois expedientes bsicos: alm dos emprstimos,

    a venda de cargos pblicos e ttulos de nobreza. Em sntese, ao mesmo

    tempo em que se pretendia o estabelecimento de vnculos de dependncia

    e fidelidade, difundiu-se novos valores, distintos da ordem feudal.

    Todavia, a crise econmica foi tambm conjuntural. Alm dos

    fenmenos climticos, o desastroso Tratado Eden-Rayneval, de 1786,

    assinado com a Gr-Bretanha, o qual assegurava baixos direitos de

    importao aos tecidos e produtos metalrgicos ingleses em troca de tarifas

    preferenciais ao vinho francs exportado para a Gr-Bretanha, afetou

    profundamente a indstria manufatureira francesa. A instabilidade entre a

    manuteno dos princpios de organizao social herdado do perodo feudal

    e a tentativa de promover a prosperidade do reino no se ajustou s novas

    tendncias do perodo. O caminho em direo construo de um Estado

    Moderno apresentou um sistema feudal que entrava em colapso e o avano

    do desenvolvimento das foras capitalistas de produo.Acompanhando tal processo, seria necessrio unificar o mercado

    nacional, racionalizar a produo e a troca, alm de destruir as velhas

    comunidades agrrias. Mas essas transformaes no aconteceriam sem

    uma profunda alterao na correlao das foras sociais. Porm, a sociedade

    francesa, por volta de 1789, estava ainda organizada em Estados ou Ordens:

    o Clero, integrando o Primeiro Estado (o Alto Clero composto por bispos,

    abades e cnegos oriundos de famlias nobres que recebiam dzimos e

    renda de imveis urbanos e rurais de propriedade da Igreja, e o Baixo

    Clero, com alguns sacerdotes simpatizavam com os ideais revolucionrios);

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    a nobreza compunha o Segundo Estado (Nobreza Cortes, que vivia em

    Versalhes s custas das penses do Estado; Nobreza Provincial, grupo

    empobrecido que vivia no interior recebendo os impostos cobrados dos

    camponeses; Nobreza de Toga); por fim, o povo correspondia ao Terceiro

    Estado (comportando inmeras classes camponeses, sans-culottes ,

    pequena, mdia e alta burguesia).

    Desde meados do sculo XVIII, como foi dito, a economia francesa

    j apresentava sinais de crise, agravada pelas guerras na Europa e na

    Amrica. Em 1784, os problemas climticos, que acarretaram ms colheitas

    e ocasionaram o aumento do preo dos alimentos, levaram o povo francs

    subalimentao. A indstria txtil tinha dificuldades pela concorrncia

    dos produtos ingleses e a burguesia ligada manufatura e ao comrcioestava cada vez mais descontente.

    A grave situao financeira do pas e as sucessivas crises polticas

    ampliaram o debate sobre a necessidade de esboar novas reformas

    tributrias e as formas para o financiamento das instituies da Monarquia

    Absolutista. Em 1787, sentindo-se ameaados em seus privilgios, a

    nobreza e o clero pressionaram o rei a convocar a Assemblia dos Estados

    Gerais, o que no ocorria desde 1614. O Primeiro e o Segundo Estado,

    isoladamente, no tinham poder de deciso, pois participariam os

    representantes dos trs Estados. Contudo, firmado o critrio de votao

    por ordem, a desvantagem numrica em relao ao Terceiro Estado estava

    resolvida.

    Em maio de 1789, a Assemblia dos Estados Gerais abriu seus

    trabalhos e as discusses aconteceram isoladamente, dentro de cada Estado.

    O Terceiro Estado, observando com preocupao essa situao e temerosos

    de que a nobreza e o clero pudessem obter vantagens, solicitou que as

    votaes fossem individuais, pois contavam com a maioria entre os trs

    Estados. Diante da rejeio tal procedimento, o Terceiro Estado desligou-se dos Estados Gerais e autoproclamou-se Assemblia Nacional, em junho

    do mesmo ano. A perseguio aos seus membros e anulao de suas

    decises no foram suficientes para conter o processo revolucionrio que

    se iniciava. Ademais, Lus XVI percebeu que as adeses do Primeiro e

    Segundo Estados cresciam e, para contemporizar, ordenou que as classes

    privilegiadas se reunissem burguesia, formando a Assemblia Nacional

    Constituinte, em julho.

    A nova Assemblia, na verdade, reunia uma maioria monrquica

    constitucional, dirigida por Mirabeau, e uma minoria pela democracia

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    igualitria republicana, liderada por Robespierre. Todavia, a situao

    poltica continuava instvel e organizou-se em Paris uma Municipalidade

    Revolucionria (denominada Comuna), apoiada pela Guarda Nacional.

    Esses eram rgos populares financiados pela burguesia e suas aes

    ecoaram por quase toda a Europa. A Tomada da Bastilha, smbolo do poder

    da monarquia, representou o radicalismo contra os privilgios, e os atos

    polticos que se seguiram com a crescente participao popular, a exemplo

    dos movimentos camponeses verificados em quase todo o pas (o Grande

    Medo), levaram Lus XVI a reconhecer a legitimidade da Assemblia

    Nacional Constituinte no sentido de conter os avanos populares.

    Em agosto de 1789, a Assemblia aboliu o regime feudal,

    eliminando os direitos senhoriais sobre os camponeses, estabeleceu o fimdos privilgios da nobreza e do clero e imps diversas formas de castigo

    aos nobres. A Assemblia proclamou a Declarao dos Direitos do Homem

    e do Cidado, tendo como pontos principaiso respeito dignidade das

    pessoas, liberdade e igualdade entre os cidados, direito propriedade

    individual, direito da resistncia opresso poltica e liberdade de

    pensamento e opinio. Em 1790,ocorreu o confisco de terras da Igreja

    pela Assemblia e a subordinao do clero ao Estado atravs do documento

    intitulado Constituio Civil do Clero.

    No ano seguinte,foi concluda a Constituio, na qual o rei perdia

    os poderes absolutos (pois havia fugido com a inteno de preparar a

    reao) e institua um sistema de governo dominado pela alta burguesia

    estabelecendo uma monarquia constitucional. No que diz respeito

    organizao social, a Constituio previa a extino dos privilgios da

    nobreza e do clero, ao passo que mantinha a escravido nas colnias.

    Quanto economia, promoveu a liberdade de produo e de comrcio,

    minimizando a interferncia do Estado, ao mesmo tempo em que as greves

    eram proibidas. Em relao religio, propunha-se aliberdade de crena,a separao entre Estado e Igreja e a nacionalizao dos bens do clero. J

    em relao organizao poltica, foram criados os trs poderes (Executivo,

    Legislativo e Judicirio) e o voto para cidados ativos e passivos.

    Apesar da nova Constituio promover algumas conquistas, a

    Assemblia mostrava suas resistncias e seus temores em relao s

    camadas populares, pois previa que o republicanismo poderia ameaar a

    alta burguesia liberal emergente. Diante das manifestaes de julho de

    1791, a reao foi violenta. O rei foi inocentado e a ameaa estrangeira

    minimizada (os demais monarcas temiam o que acontecia na Frana). Lus

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    XVI selou a adoo da Monarquia Constitucional que, na prtica, atendeu

    aos principais objetivos da alta burguesia: limitar o poder real e tutelar as

    massas populares.

    J fazendo valer a Constituio, foi eleita e empossada a Assemblia

    Legislativa. Nela, predominavam os deputados moderados, como Mirabeau

    e La Fayette, partidrios da Monarquia Constitucional e Parlamentar aos

    moldes da inglesa. Os defensores da repblica formavam a minoria dividida

    em dois grupos os liberais, liderados pelo jornalista Brissot, depois

    conhecidos como Girondinos e os democratas, dirigidos por Robespierre,

    denominados Jacobinos. A adeso de Lus XVI era apenas aparente. Em

    1792, surgiu a oportunidade que o rei aguardava para acabar com o processo

    revolucionrio e golpear a Assemblia o iminente conflito com a ustria,que unida Prssia invadiu a Frana, deteriorando ainda mais a situao

    poltica e econmica do pas. Os fracassos iniciais do exrcito francs

    levaram os revolucionrios a radicalizar ainda mais o processo. Conspirava-

    se abertamente contra rei e os sans-culottes, a populao pobre da Comuna

    de Paris, buscavam a destituio de Lus XVI e da convocao de nova

    assemblia, eleita por sufrgio universal.

    Comeava, ento, a fase mais radical da Revoluo. O Rei foi preso

    ao tentar fugir disfarado (episdio de Varennes), a monarquia

    constitucional suspensa e reuniu-se a Conveno ou Assemblia

    Convencional. Eleita por sufrgio universal, a Conveno elaborou a

    Constituio do Ano I (1793) que instituiu a Primeira Repblica. Neste

    momento, as discusses aconteciam circunscritas aos representantes de

    trs faces polticas. direita, os Girondinos, representantes da alta

    burguesia mercantil, aceitavam a repblica desde que fosse liberal e

    garantisse o direito propriedade. Seus principais representantes, Brissot

    e Condorcet, permaneciam sem aprovar a participao das camadas

    populares no movimento revolucionrio. esquerda, os Montanheses ouJacobinos, pequena burguesia exaltada liderada por Robespierre, Marat e

    Danton. Os Jacobinos colocavam as razes do Estado Revolucionrio

    acima de qualquer liberdade ou instituio. Ao centro, a Plancie (maioria),

    com Sieys defendendo a unio da esquerda e da direita para salvar a

    Revoluo dos perigos internos e externos.

    A Declarao Austro-Prussiana de Pilnitz manifestava a inteno

    de restaurar a ordem na Frana, ao que a Revoluo respondeu com a

    consgnia de varrer o feudalismo e o absolutismo da Europa. Assim, as

    relaes internacionais passavam a abarcar uma dimenso ideolgica, em

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    lugar unicamente das tradicionais disputas dinsticas e territoriais, que

    caracterizaram o perodo do Antigo regime. Alm disso, iniciava-se a fase

    em que, formao territorial e estatal, acrescia-se a formao da nao e

    ao estabelecimento de fronteiras contnuas, necessrias consolidao de

    um mercado interno.

    O predomnio dos Girondinos, num primeiro momento, acarretou

    na formao da Primeira Coalizo europia. Reuniram-se Gr-Bretanha,

    ustria, Prssia, Holanda, Espanha, Rssia e Sardenha com pretexto de

    vingar a decapitao de Lus XVI. A ameaa de invaso estrangeira e a

    possibilidade de contra-revoluo interna, mais uma vez, resultou na

    interveno dos sans-culottes no curso da Revoluo: Girondinos, acusados

    de traio foram guilhotinados e os Jacobinos assumiram a direo daConveno. A poltica radical dos Jacobinos concretizou-se na formao

    de um Comit de Salvao Pblica (1793), que esmagou a invaso externa

    e sufocou com violncia a contra-revoluo interna atravs do Terror. O

    novo Governo Revolucionrio instituiu-se como um governo centralizado,

    adotando medidas extremas como o confisco e a redistribuio dos bens

    inimigos, tabelamento de preos, abolio da escravido nas colnias e

    elaborao de uma legislao social, entre outras.

    A ltima fase da Revoluo foi aberta com o Golpe do Nove do

    Termidor (1794). Robespierre, acusado pela sua poltica excessivamente

    democrtica e perdendo seus principais pontos de apoio, foi deposto e

    executado. A contra-revoluo girondina, ou reao termidoriana, conduziu

    a alta burguesia novamente ao poder, que se empenhou em estabilizar as

    conquistas burguesas. Na Conveno, os termidorianos procuraram

    esvaziar o carter de exceo dos rgos do Governo Revolucionrio e

    elaboraram uma nova Constituio, a do Ano III (1795), em decorrncia

    da qual institua-se o Diretrio. Na verdade, o Diretrio foi uma tentativa

    frustrada de reorganizar uma Repblica Burguesa, baseada no regimecensitrio. A dificuldade de relacionamento entre os membros do Executivo

    era tamanha (o Diretrio foi confiado a cinco diretores e o Legislativo

    exercido pelo Conselho dos Ancios e pela Assemblia dos Quinhentos),

    demonstrando a sua fragilidade institucional, produzindo novas reaes

    internas, como a Conspirao dos Iguais, dirigida por Babeuf.

    A essa instabilidade interna, agravada pela crise econmica, somou-

    se a problemtica externa. Embora a Primeira Coalizo tenha sido vencida

    pelos franceses, de acordo com os Tratados de Bal e Haia (1795), nos

    quais a Frana recebeu a margem esquerda do Reno, e, a obteno, pelo

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    Tratado de Campofrmio, da Blgica (1797), os problemas internacionais

    no estavam solucionados. A Gr-Bretanha organizou, em 1798, a Segunda

    Coalizo com a ustria, a Rssia, a Sardenha, o Reino de Npoles e a

    Turquia, pois sentia-se ameaada no Egito devido a expedio enviada

    pelo Diretrio regio, comandada por Napoleo Bonaparte. Ficava claro

    alta burguesia francesa que, diante das crises internas e do peso da Gr-

    Bretanha no aliciamento dos Estados continentais, a integridade da Frana

    dependeria de sua fora militar.

    O chamamento populao, consagrado pelo hino da

    Marselhesa, permitiu criar um grande exrcito de cidados, comandados

    por jovens generais leais Revoluo. A mobilizao geral permitiu a

    vitria militar sobre os invasores e a contra-revoluo interna, e naperseguio aos exrcitos absolutistas, as foras da Conveno foram

    saudadas pelos libertadores nas regies vizinhas como Blgica, Holanda,

    estados alemes do Reno, Sua e norte da Itlia, que possuam uma

    situao semelhante francesa, especialmente devido abolio do

    feudalismo e do absolutismo que acompanhava o exrcito revolucionrio.

    Surgiam as Repblicas irms, calcadas no modelo francs. Contudo,

    durante o Diretrio, a libertao social passou a ser acompanhada da

    conquista, anexao e explorao das regies vizinhas, fenmeno que se

    agravaria durante o Consulado e, especialmente, o Imprio Napolenico.

    O Sistema Napolenico: o primeiro desafio Pax Britnica (1799-1815)

    A burguesia, que ainda no havia conseguido usufruir das conquistas

    revolucionrias, percebia a necessidade de reformar o Diretrio e de

    defender os seus interesses. Para tanto, seria necessrio organizar a fora

    militar sob seu controle. O retorno de Napoleo Frana, aps a campanha

    do Egito, seria o momento para tal conspirao. A ascenso de Napoleono contexto revolucionrio francs foi extraordinria e o resultado dessa

    aliana foi o Golpe do 18 Brumrio (ele representava a ascenso social do

    novo self made man,propiciado plebe pela Revoluo, como lembra

    Hobsbawm). Com o Golpe foi estabelecido o Consulado, regulado pela

    Constituio do Ano VIII (1799), aprovada por plebiscito. O Executivo

    ficava teoricamente com trs cnsules, mas na prtica todos os poderes

    estavam nas mos do Primeiro-Cnsul Napoleo Bonaparte (Roger Ducos

    e Sieys ocupavam os outros postos). O Primeiro-Cnsul tinha um cargo

    decenal, de reeleio indefinida, que mais tarde tornou-se vitalcio. Ele

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    comandava o exrcito, nomeava os membros da administrao, propunha

    leis e conduzia a poltica externa.

    Diante de um Legislativo enfraquecido, a reorganizao judiciria

    fez-se paralelamente centralizao administrativa e restaurao

    financeira (fundao do Banco da Frana, em 1800, criao do franco e

    novo padro monetrio). A proposta do novo governo era a de promover

    um perodo de consolidao das instituies burguesas, estabilidade poltica

    e eficincia administrativa proporcionada por um Estado forte. Atravs da

    promessa de que a partir de ento se iniciava um perodo de paz, Jacobinos

    e Realistas foram anistiados, as boas relaes com Roma e com clero

    francs foram reatadas (Concordata, 1801), embora ainda fossem colocados

    sob a autoridade civil. A Segunda Coalizo foi vitoriosamente encerrada eestabelecida a paz com a ustria, em 1801, e com a Gr-Bretanha, em

    1802. Napoleo defendeu e incorporou definitivamente na legislao os

    princpios liberais burgueses, atravs da instituio do Cdigo Civil em

    1800, promulgado em 1804.

    O Cdigo Civil, talvez a obra mais importante produzida durante o

    Consulado, traduzia os anseios da burguesia, reforando o Estado como

    seu sustentculo. Foi nesse contexto que o Estado francs estruturou-se e

    articulou os recursos necessrios para promover o seu desenvolvimento

    industrial. Em 1804, contando com o apoio (ou com a omisso) dos rgos

    representativos da Repblica, Napoleo recebeu o ttulo de Imperador da

    Frana, instituindo o regime imperial pela Constituio do Ano XII (1804).

    A centralizao do poder foi acentuada atravs de reformas financeiras,

    po l ticas, rel igiosas e educac iona is. Embora alguns pr inc pios

    revolucionrios tenham sido negados (a exemplo da criao de uma nobreza

    hereditria), de alguma forma, seu governo representou a continuidade e

    a expanso de tais ideais, apesar da ambigidade poltica no mbito interno.

    Durante o Imprio, a poltica exterior de Napoleo foi pautada pelaexpanso territorial e poltica da Frana, representando a ruptura com o

    sistema de equilbrio de poderes que caracterizava as relaes entre os

    Estados europeus desde o sculo XVI. A partir de ento, vrias coligaes

    foram estabelecidas para barrar o avano napolenico pela Europa, pois

    ficava evidente que somente por meios diplomticos no seria mais

    possvel. Entre 1805 e 1807, Napoleo imps derrotas definitivas ustria,

    Prssia e Rssia e, por volta de 1810, dominava praticamente toda a

    Europa Continental (exceto os Blcs). O Sistema Napolenico que se

    configurava inclua regies anexadas ou indiretamente ligadas ao Imprio

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    francs (Estados vassalos ou de alianas foradas), nas quais eram

    aplicadas reformas abolindo as instituies doAncienRgimee instituindo

    outras representativas do modelo francs.

    A Frana, que j havia anexado a Blgica e a margem oriental do

    Reno tinha como Estados vassalos cinco reinos governados por parentes

    de Napoleo: dois na Itlia, e os reinos da Holanda, Westflia e Espanha.

    Em 1806 foi criada a Confederao do Reno, composta por dezesseis

    Estados alemes e, aps invadir a Prssia oriental e a Polnia, obrigou a

    Rssia uma aliana forada. Por fim, o Imprio subjugou a ustria, a

    Prssia, a Sucia e a Dinamarca e anexou o litoral alemo2. Os membros

    da Dinastia Napolenica ocupavam o trono de vrios Estados europeus.

    Paralelamente s razes polticas que levaram sobretudo a Prssia, a ustriae a Rssia a lutar contra a Frana (absolutismo versus revoluo), essas

    coligaes detiveram-se nas rivalidades econmicas que opunham Gr-

    Bretanha e Frana. A Gr-Bretanha, organizada em bases capitalistas, tinha

    como um de seus principais mercados a Europa continental, alm da regio

    representar os pontos de acesso a outros mercados igualmente importantes.

    Sem a possibilidade de superar a Gr-Bretanha no mar e na

    competio comercial (afinal, a Frana ainda era manufatureira), Napoleo

    decidiu enfrent-la e venc-la atravs do Bloqueio Continental, decretado

    em Berlim (1806) e Milo (1807). O Bloqueio proibia todo o comrcio

    entre as regies do Imprio e os britnicos, visando favorecer o consumo

    dos produtos franceses (embora a burguesia francesa ainda no estivesse

    em condies de substituir a inglesa) e, obviamente, a runa da indstria e

    do comrcio da Gr-Bretanha. Esse pas, embora vulnervel ao Bloqueio,

    pode relativizar os danos com o aumento das exportaes para a sia, as

    Antilhas, a frica, o Oriente Prximo e a Amrica Latina.

    O Bloqueio Continental tambm criou problemas com os Estados

    neutros, levando a intervenes desastrosas na Pennsula Ibrica (1808-1814) e na Rssia (1812), o que estimulou a reao s foras de Napoleo.

    A campanha da Rssia traria conseqncias fatais para o Imprio, com a

    esmagadora derrota da Grande Arme, apesar da conquista de Moscou

    (dos 610 mil que ingressaram na Rssia com Napoleo, apenas 5 mil

    retornaram com ele). Esta derrota animou seus adversrios, dando origem

    a uma coalizo muito mais slida que as anteriores, apesar de suas

    contradies.

    2LESSA, Antnio Carlos. Histria das Relaes Internacionais: a Pax Britannica e o mundo nosculo XIX. Petrpolis: Vozes, 2005.

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    O tempo da consolidao do Imprio Napolenico foi tambm o

    do incio de sua runa. Na Espanha, no Tirol austraco, na Prssia e em

    algumas outras regies, guerrilhas camponesas fustigavam as tropas

    napolenicas, numa manifestao de nacionalismo que, ironicamente, se

    voltava contra seus formuladores. Em 1813, a unio das foras aliadas da

    Rssia, ustria, Prssia e Sucia derrotaram Napoleo em Leipzig. Em

    seguida, as foras da Gr-Bretanha e Espanha conseguiram invadir a Frana

    e, em 1814, se combatia perto de Paris. Em 30 de maro as foras avanadas

    da coalizo ocupavam o campo fortificado de Paris mas ainda no

    declaravam abertamente a restaurao dos Bourbon. Napoleo, que se

    encontrava em Fontainebleau, se viu obrigado a abandonar a luta. Dirigiu-

    se ao sul da Frana, de onde embarcou para a Ilha de Elba, exercendo umamicro-soberania de consolao. Em abril, o irmo mais novo do rei

    decapitado, Lus XVIII, assinou o armistcio. Pouco depois, Talleyrand,

    antigo ministro de Napoleo e agora Ministro dos Assuntos Exteriores de

    Lus XVIII, estabelecia o tratado de paz com as potncias aliadas.

    A campanha final de Napoleo, entretanto, aconteceria a partir de maro

    de 1815, quando retornou Frana (aproveitando a impopularidade de Lus

    XVIII) e governou por Cem Dias, surpreendendo as potncias que participavam

    do Congresso de Viena. Mas ele, que retornava como Jacobino, no foi apoiado

    pela burguesia francesa, determinada a estabilizar a Revoluo no limite do

    Cdigo Civil. A coalizo militar internacional se reorganizou e Napoleo foi

    definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo. Preso pelos britnicos, foi

    exilado na Ilha de Santa Helena. Essa coalizo, na verdade, representava a

    aliana de monarquias reacionrias desejosas em restabelecer e consolidar o

    regime absolutista e feudal. Circunstancialmente, ela obteve o apoio dos povos

    europeus subjugados por Napoleo e imbudos de um entusiasmo patritico e

    nacional nunca antes visto.

    1.2. Restaurao europia e livre comrcio mundial (1815-1848)

    Desde 1789, na Frana, e 1792, na Europa a estrutura do Ancien

    Rgimehavia sido abalada. Ainda que Napoleo tivesse restabelecido a

    ordem, esta no era a ordem tradicional. Com as primeiras derrotas

    militares, mais especificamente aps sua primeira abdicao, em 1814,

    os dirigentes dos pases vencedores ligados sociedade doAncien Rgime

    perceberam a oportunidade de refazer o mapa da Europa com o amparo de

    uma restaurao. De setembro de 1814 a junho de 1815, o Congresso de

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    Viena buscou reconstruir a velha ordem europia transformada no s em

    seus limites territoriais, como tambm em suas estruturas polticas e sociais.

    No entanto, mesmo desaparecido o perigo da Revoluo e do

    Imprio, a estabilidade desejada no foi to facilmente conquistada. Se,

    por um lado, as instituies conservadoras haviam sido restauradas, na

    Frana e nas regies mais afetadas socialmente pela Revoluo (numa

    linha que abarcava da Holanda ao norte da Itlia) pode-se falar mais num

    Estado de Compromisso do que num retorno puro e simples ao status

    quo ante. Alem disso, as conquistas logradas pela burguesia logo voltaram

    a se expandir, seja via processos evolutivos, seja atravs de mini-revolues

    (1820 e 1830). A industrializao e as transformaes sociais tambm

    avanavam na parte ocidental do continente e, posteriormente, em seucentro.

    J as potencias conservadoras retomavam seu tradicional sistema

    de equilbrio de poder, disputas territoriais e acordos para sufocar a ecloso

    de novas revolues, buscando eliminar o liberalismo e o nacionalismo. A

    Inglaterra, desde seu esplndido isolamento, vigiava a balana de poder

    continental, estimulando rivalidades e conservadorismo, o qual exercia

    uma ao repressiva interna que freava o progresso da regio. Assim, a

    nova potencia hegemnica tinha as mos livres no mares e nos demais

    continentes, estruturando uma ordem mundial liberal e uma espcie de

    imprio informal, dado que houve um recuo do sistema colonial.

    O Congresso de Viena e a Reorganizao da Europa

    O Congresso de Viena e a Restaurao

    Para decidir o futuro da Europa reuniram-se em Viena soberanos,

    ministros e diplomatas oriundos de vrios pases desejosos por recuperarseus poderes e sua iniciativa poltica. A escolha da cidade representava o

    perfil conservador do Congresso, dada a averso da dupla monarquia

    danubiana ao liberalismo e ao nacionalismo. Obviamente, apenas os

    representantes das grandes potncias tomaram decises fundamentais: o

    czar Alexandre I, da Rssia, o chanceler austraco Metternich, o secretrio

    do Foreign Office britnico, Castlereagh, e o representante prussiano,

    Hardenberg. Apesar dos conflitos de interesses e da definio de uma nova

    relao de foras entre as grandes potncias, o Congresso de Viena

    consagrou o entendimento, ainda que circunstancial, desses pases

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    estabelecendo uma espcie de condomnio de poder. A Frana, atravs

    do representante do rei Lus XVIII, Talleyrand, tratou de limitar o efeito

    da derrota, tentando apresentar a Frana restaurada como uma vtima da

    Revoluo.

    A reao europia no representou apenas a tentativa de superao

    do sistema napolenico, mas tambm um momento de fazer valer o poderio

    dos grandes Estados. Para tanto, as novas diretrizes foram utilizadas com

    flexibilidade. Atravs do princpio da legitimidadedos soberanos, o direito

    dos herdeiros deveria ser combinado com a capacidade dos Estados em

    assegurar o equilbrio entre aspotncias(um conceito novo, introduzido

    no Congresso, para a Inglaterra, Prssia, Rssia, Imprio Austro-Hngaro

    e Frana). Este princpio possibilitou o aumento territorial de algunsEstados mas tambm criou problemas para regimes nos quais a legitimidade

    no era hereditria3. Para os principais membros do Congresso o princpio

    da legitimidade interessava imensamente: a Europa representada por seus

    soberanos e diplomatas ao realizar a redistribuio e modificao das

    fronteiras territoriais deveria deixar intacto tudo o que existia legitimamente

    antes do incio das guerras revolucionrias, ou seja, antes de 1792.

    A Rssia, devido as foras que seu governo dispunha neste

    momento, era o Estado mais poderoso em uma Europa arruinada pela

    guerra. Esta condio era claramente percebida pelos outros membros do

    Congresso, pois o pas no sofreu com a ocupao napolenica e o poder

    do czar no chegou a ser posto prova. Com seu poder poltico e social,

    reinando em uma sociedade arcaica em que a burguesia praticamente

    inexistente, Alexandre I assumiu a liderana da reao. No outro extremo,

    a Frana representava o pas vencido. No entanto, atravs da habilidade

    de seu Ministro de Assuntos Exteriores, gradativamente foi possvel

    desenvolver uma maior capacidade de manobra. Talleyrand sabia que um

    problema ocuparia a ateno do Congresso: a questo da Polnia e daSaxnia. Diante desta contenda seria possvel introduzir desacordos entre

    a ustria, Inglaterra, Rssia e Prssia.

    Aps sua chegada Viena, Talleyrand conseguiu ser admitido no

    comit dirigente. Uma de suas primeiras aes foi se apresentar a Alexandre

    I, e com base no princpio da legitimidade, argumentou que o czar deveria

    renunciar a parte da Polnia que no pertencia Rssia antes das guerras

    revolucionrias e que a Prssia deveria abandonar suas pretenses sobre a

    3Principados eclesisticos da Alemanha, repblicas aristocrticas de Veneza e de Gnova na Itliae a Polnia.

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    Saxnia. Como resultado desta audincia, Alexandre I reuniu-se com

    Castlereagh e manifestou suas intenes de corrigir os erros cometidos

    com a diviso da Polnia. Embora pretendesse reunir todas as partes da

    antiga Polnia, naquele momento poderia atuar somente sobre o territrio

    ocupado pela Rssia. Nesta parte criaria o Reino da Polnia sobre o qual

    atuaria como monarca constitucional. O secretrio britnico logo

    reconheceu que as concesses Polnia resultariam perigosas para a

    ustria e para a Prssia, pois os poloneses destas regies poderiam mostrar-

    se desejosos de usufruir desta Constituio.

    O governo austraco, mais do que o ingls, temia a criao de um

    regime liberal na Polnia e o incremento demasiado do poder russo

    mediante a anexao da maior parte dos territrios poloneses. A sadaencontrada pelos governos austraco e ingls foi o de propor um plano ao

    representante prussiano, Hardenberg, no qual seria consenso entregar toda

    a Saxnia ao rei da Prssia em troca da adeso prussiana tentativa de

    conteno da Rssia, ou seja, impedir este pas de apoderar-se da Polnia.

    Assim, a Saxnia serviria como pagamento pela traio de Frederico

    Guilherme III Alexandre I. Diante da recusa do rei prussiano a partir da

    compreenso de que o fato da Frana no participar do projeto poderia se

    converter em uma ameaa franco-russa contra a Prssia, Alexandre I foi

    informado das pretenses de Metternich e de Castlereagh.

    Talleyrand, por sua vez, percebeu que uma mudana de ttica, sem

    romper com seus objetivos de causar atrito entre as grandes potncias,

    seria facilitada nesta conjuntura. A Frana estava interessada em impedir

    tanto o fortalecimento da Rssia como o da Prssia, que era um pas inimigo

    e vizinho. Desta forma, o ministro francs procurou convencer o czar de

    que no apoiaria a ustria e a Inglaterra em seus esforos de impedir que

    a Polnia fizesse parte do Imprio russo, mas que tambm no aprovaria a

    entrega da Saxnia Prssia. Embora os prussianos desempenhassem umpapel secundrio nos trabalhos do Congresso, lhes foi assegurado pelo

    czar que receberiam a Saxnia em troca da parte da Polnia que haviam

    perdido.

    A Frana desejosa em impedir o fortalecimento russo e prussiano e

    aproveitando a oposio que lhes fazia austracos e ingleses assinou, em

    janeiro de 1815, um acordo secreto com a ustria e a Inglaterra. Este

    acordo, dirigido contra a Rssia e Prssia, definia que ustria, Frana e

    Inglaterra se comprometiam em fornecer ajuda militar mtua se uma das

    partes contratantes fosse ameaada por uma ou vrias potncias, bem como

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    se propunham a no concluir separadamente tratados de paz com os

    inimigos. Esta aliana reforou, significativamente, a oposio ao projeto

    da Saxnia, no qual Alexandre I se viu forado a recuar, pois no entraria

    em confronto com as trs potncias em funo da Prssia. Apenas u


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