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PANDECTISMO NAS DOUTRINAS CIVILISTA E CONCRETA … · 5894 PANDECTISMO NAS DOUTRINAS CIVILISTA E...

Date post: 08-Dec-2018
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5894 PANDECTISMO NAS DOUTRINAS CIVILISTA E CONCRETA DA AÇÃO PANDECTISM IN THE CIVILIAN AND CONCRETE DOCTRINES OF ACTION Ricardo Adriano Massara Brasileiro RESUMO O presente estudo tem como propósito a evidenciação da influência do pandectismo germânico do século XIX sobre a nascente doutrina processual e, em especial, sobre as doutrinas imanentista e concreta da ação. Para tanto, mostrará alguns vínculos entre a idéia da ação contemporânea e da actio romana; falará da enorme força que teve a pandectística no século XIX e da sua expansão para fora da Alemanha; falará das vinculações materias da actio e da ação; reportará o debate ocorrido entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther acerca da actio romana e da ação contemporânea aos mesmos, expondo a posição básica dos autores, o significado do debate para os estudos romanos, civis e processuais; tratará da concepção imanentista da ação na posição de Savigny, exporá críticas a essa concepção e falará da sua recepção no Brasil; e, por fim, tratará da concepção concreta da ação, nas posições de Wach e Chiovenda, abordando a compreensão desses autores sobre a sentença de improcedência e precisando que nessa concepção a ação é um direito a uma sentença de um conteúdo determinado ou o efeito da sentença de procedência e não o mero direito de acesso ao processo. PALAVRAS-CHAVES: PANDECTISMO – AÇÃO – CONCEPÇÕES CIVILISTA E CONCRETA ABSTRACT The present work has the purpose of evince the influence of the 19th. german pandectism over the nascent processual doctrine, specially over the civilian and concrete doctrines of action. For that, shows some connections between the ideas of contemporary action and roman actio; speaks of the great power of pandectism on 19th. century and of its expansion outside Germany; speaks of the material connections of actio and action; reports the dispute between Bernhard Windscheid and Theodor Muther over the roman actio and the action of theirs times, exposing theirs basic positions, the meaning the dispute on the roman, civil and processual studies; treats the civilian conception of action on the position of Savigny, exposes critics to that position and speaks of the reception of that position in Brazil; and, finally, treats the concrete Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
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PANDECTISMO NAS DOUTRINAS CIVILISTA E CONCRETA DA AÇÃO

PANDECTISM IN THE CIVILIAN AND CONCRETE DOCTRINES OF ACTION

Ricardo Adriano Massara Brasileiro

RESUMO

O presente estudo tem como propósito a evidenciação da influência do pandectismo germânico do século XIX sobre a nascente doutrina processual e, em especial, sobre as doutrinas imanentista e concreta da ação. Para tanto, mostrará alguns vínculos entre a idéia da ação contemporânea e da actio romana; falará da enorme força que teve a pandectística no século XIX e da sua expansão para fora da Alemanha; falará das vinculações materias da actio e da ação; reportará o debate ocorrido entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther acerca da actio romana e da ação contemporânea aos mesmos, expondo a posição básica dos autores, o significado do debate para os estudos romanos, civis e processuais; tratará da concepção imanentista da ação na posição de Savigny, exporá críticas a essa concepção e falará da sua recepção no Brasil; e, por fim, tratará da concepção concreta da ação, nas posições de Wach e Chiovenda, abordando a compreensão desses autores sobre a sentença de improcedência e precisando que nessa concepção a ação é um direito a uma sentença de um conteúdo determinado ou o efeito da sentença de procedência e não o mero direito de acesso ao processo.

PALAVRAS-CHAVES: PANDECTISMO – AÇÃO – CONCEPÇÕES CIVILISTA E CONCRETA

ABSTRACT

The present work has the purpose of evince the influence of the 19th. german pandectism over the nascent processual doctrine, specially over the civilian and concrete doctrines of action. For that, shows some connections between the ideas of contemporary action and roman actio; speaks of the great power of pandectism on 19th. century and of its expansion outside Germany; speaks of the material connections of actio and action; reports the dispute between Bernhard Windscheid and Theodor Muther over the roman actio and the action of theirs times, exposing theirs basic positions, the meaning the dispute on the roman, civil and processual studies; treats the civilian conception of action on the position of Savigny, exposes critics to that position and speaks of the reception of that position in Brazil; and, finally, treats the concrete

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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conception of action on the positions of Wach and Chiovenda, treating the comprehensions of these authors over the sentence of denial and clearing that in that position action is a right to a sentence of a determined content or the effect of a positive sentence and not a mere right of access to justice.

KEYWORDS: PANDECTISMO, PANDECTISM – AÇÃO; ACTION – CONCEPÇÕES CIVILISTA E CONCRETA; CIVILIAN AND CONCRETE CONCEPTIONS

1. Recondução da ação à actio

O comprometimento das hodiernas instituições processuais com o pensamento romano foi já ressaltado por CHIOVENDA, quiçá o mais influente processualista italiano do século passado:

“A idéia romana é a alma e a vida do processo civil moderno; [...] a história do processo entre os povos civilizados modernos se resume num lento retorno à idéia romana.

[...]

A idéia mesma do processo é romana.” [1]

Esse autor assina que, após transcorridos mais de trinta anos do aparecimento de um seu estudo compreendedor da temática, mais afortunado em detalhes e disperso em institutos secundários, chegara já, talvez pelo decorrer dos anos (e isto, segundo CHIOVENDA, “desgraçadamente, o privilégio da idade”),

“a uma visão mais clara e mais simples, segundo poucas linhas essenciais e gerais deste fenômeno: a romanidade do processo civil moderno, examinado em sua finalidade, nos seus meios de que se serve para alcançar seu fim, isto é, a prova e as formas, e em seu resultado último, a coisa julgada”.[2]

O anterior estudo a que se refere CHIOVENDA é o fundamental “Romanismo e germanismo no processo civil”, de 1901, estudo que, consoante CALAMANDREI, um dos mais vigorosos discípulos do autor, constitui uma das “duas pilastras de toda a obra chiovendiana”, sendo a outra a célebre prolusão de Bolonha, de 1903, sobre “A ação no sistema dos direitos”. CALAMANDREI ressalta que ambos estudos constituiriam “o ponto de partida daquele admirável movimento científico italiano, que, dos tempos em que o procedimento se reduzia a uma pedestre prática de formulários, levou hoje os

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estudos processualísticos a moverem-se nos vastos horizontes da teoria geral do direito”.[3]

Imiscuindo-se no pensamento chiovendiano, vislumbra-se que, para o autor, a finalidade precípua do processo civil, mais do que satisfazer o direito subjetivo supostamente lesado, é antes atuar o direito objetivo, a dita “vontade da lei”, e que o modo ou o meio de fazer atuar esta vontade, que de ordinário não se presta de ofício (nemo iudex sine actore; ne procedat iudex ex officio), é a ação, “o direito meio por excelência”, pelo jurista definida como: “o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei. Definição que, bem examinada, coincide com a das fontes: nihil aliud est actio quam ius persequendi iudicio quod sibi debetur”.[4]

Também COMOGLIO ressalta sobremodo essa derivação romana. Consoante o autor, tanto a própria expressão da ação contida no art. 24, 1, da Constituição italiana (“o ‘poder agir’ em juízo para a tutela de um direito ou interesse legítimo”), como consagradas definições de diversos autores modernos, como TOMMASEO (“a ‘faculdade’ de provocar a autoridade judiciária”), MANDRIOLI (“o ‘direito’ ao processo e à tutela jurisdicional”) e LIEBMAN (“o ‘direito de agir em juízo’ como direito subjetivo processual por excelência”), bem como ainda outras diversas variáveis definitórias, não se parecem afastar, no plano estrutural, da definição acima reproduzida do jurisconsulto CELSO, “pois que identificam essencialmente – em termos estáticos ou dinâmicos – o direito (e o ônus) de iniciativa processual, que toca a quem tenciona volver-se ao juiz para demandar-lhe justiça (e, possivelmente, para obtê-la)”.[5]

2. Apelo pandectista nas teorizações da ação

É intenso, sem dúvida, o vínculo entre o que se teve e o que se tem pela concepção romana da actio e os entendimentos sobre a configuração da ação moderna. E, forte era e é o apelo pandectista na compreensão de ambas. O próprio nascimento da dita “ciência processual” defluiu do ambiente pandectista, fruto do trabalho de autores que hoje se consideram clássicos e que estavam amplamente preocupados com o descortino da actio com vistas à aplicação em seus respectivos direitos.

O mesmo clássico e influente autor latino há linhas mencionado outrossim já bem ressaltou, para além do vasto comprometimento do direito processual com as noções romanas, o largo débito que se tem com os autores tedescos, cujas investigações contribuíram ademais à postura de sua Zivilprozessordnung como a lei processual, dentre as então vigentes, “a mais próxima ao espírito romano”.[6] São seus os termos:

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“[...] na idade moderna, é principalmente a doutrina alemã a que tem o grande mérito de reavivar a idéia romana, despojando-a das envolturas germânicas; é a doutrina alemã a que nos ensina o caminho que nos levou de novo ao direito de Roma.”[7]

Ele mesmo, CHIOVENDA, tido como o grande responsável pela guinada à cientificidade sistemática na processualística italiana – de enorme influência em todo o universo linguístico neo-latino – assume a vasta influência exercida pelos métodos e resultados da literatura alemã do século XIX sobre a construção de seu sistema processual. Diz que sua formação jurídica decorreu primeiramente da lições do romanista VITTORIO SCIALOJA e, num segundo momento, por influência deste romanista, daqueloutras provindas da ciência germânica, em especial de ADOLF WACH – também este um autor com formação romanista e historicista[8] –, de quem recolheu parte substancial da doutrina para a formulação da sua concepção da ação. Ainda mais: assina que a própria “ciência processual italiana amadurecera pela absorção dos resultados da ciência estrangeira” (leia-se, alemã). Tudo que se bem apreende pelo mero compulsar das fontes, essencialmente tedescas, validas pelo autor difusamente em toda a sua bibliografia e, de modo especial, na sua conferência bolonhesa sobre a ação.[9]

Tamanha essa influência que já se chegou a estatuir que o próprio interesse pela problemática da ação nas doutrinas italianas, tedescas, espanholas e ibero-americanas, que erigiu-a em “categoria fundamental do direito”, decorre não menos do que da própria derivação de tais ciências da pandectística germânica do século XIX.[10] Isso que, numa ampla perspectiva, não causa qualquer espécie, porquanto, como afirma PUGLIESE, tratar-se da história da ciência jurídica alemã, no que se refere ao século XIX, é quase como tratar-se mesmo da própria história da ciência jurídica européia.[11] De fato, a pandectística, centrada na idéia de elaboração sistemática de um “direito romano atual” (SAVIGNY), muito se difundiu fora da Alemanha, “como um dos mais grandiosos contributos trazidos ao pensamento jurídico europeu que se possa historicamente enumerar após o ensinamento ‘bolonhês’ e a codificação napoleônica”[12]. Ademais, não faltam mesmo os que pensam que “a história da ‘fortuna’ da Pandectística se identifica com a história própria – pela maior parte ainda por se escrever – do constituir-se da consciência jurídica contemporânea”[13], bem como os que ainda enxergam, na firmeza e coerência metodológicas da grande civilística germânica do século XIX, o modelo exemplar de formação dos juristas, ainda que desaparecidos quase todos seus pressupostos culturais e sociais.[14]

Num plano mais específico, como ressalta ORESTANO, a situação é que o próprio “problema da ação – como vem modernamente discutido – nasce da teorização dos direitos subjetivos e da sua construção em sistema nos séculos XVIII e XIX na Alemanha”: elevado o indivíduo com sua liberdade e direitos conaturais independentes do Estado a “princípio ordenante e núcleo essencial do sistema jurídico” pelas doutrinas jusnaturalistas e jusracionalistas dos séculos XVII e XVIII, restou menoscabado o direito objetivo e cindiu-se a antiga unidade conceitual do direito, propiciando-se uma

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construção dum sistema de direito privado, embasado nos direitos subjetivos, e dum outro de direito público, decorrente dos atributos originários do Estado e da soberania. Disso a exclusão da matéria processual das abordagens privatísticas e o aparecimento dos primeiros sistemas processuais. Achado este o estado das coisas, a doutrina pandectística, em alguma reação aos preconcebidos esquemas jusnaturalistas, pretendeu, de certo modo, conciliar a figura dos direitos subjetivos, herdada do jusnaturalismo, com a do direito objetivo, de modo a restarem duas alternativas concernentes à teorização da relação entre o sistema privatístico e o antigo ius in iudicio persequendi: “ou procurar, como respeito ao direito objetivo, uma ‘soldadura’ com o processo, ou construir a ação como ‘direito’ autônomo”. Ambas essas posturas foram assumidas pela pandectistica do século XIX e pela “ciência jurídica desta derivada”[15] – e o curioso é que ambas essas posturas foram assumidas não sem respaldo romano!

Numa formulação mais simplificada, pode-se dizer que a pandectística, predisposta à sistematização e à afirmação da primazia do direito privado, centrado na idéia de direito subjetivo, exerceu determinante influência sobre a nascente “ciência” do processo, que por longos anos delineou o sistema processual centrado na teoria da ação,[16] coincidentemente um atributo ora do direito subjetivo, ora do sujeito de direitos.

3. Vinculações materias da actio e da ação

Nessa vasta influência exercida pela pandectística e na tradição romana por ela afirmada, a actio se fez estreitamente vinculada ao direito subjetivo material, ora com o mesmo se identificando, ora da lesão do mesmo decorrendo. E tal marca se manteve presente, em maior ou menor grau, nas diversas concepções da ação. E expressamente isso o que se buscará ressaltar, notadamente nas concepções imanentista e concreta da ação, porquanto o que, em linhas gerais costuma-se ter por pandectismo no processo civil é, segundo DENTI, a aplicação no “direito público [d]a ordem conceitual elaborada pela pandetística para o direito romano”[17]; ou seja, algo que não refoge ao estigma lançado por SPERL, já em 1927 – mas hoje revisitado pela vaga instrumentalista – ao assinar que os fenômenos processuais estivessem “incastrados a força nas categorias do direito civil e, assim violentados e deformados, perderam os seus caracteres peculiares” e que “os velhos conceitos, que falseiam a verdade e ocultam a verdadeira natureza dos fenômenos processuais, tenham restado a esses atados”, de modo a ser demandado “bastante tempo e muito trabalho para tornar o direito processual plenamente independente e [para] levá-lo ao estado de coordenação orgânica dos outros campos do direito”.[18]

4. Actio e ação no contexto da disputa ENTRE BERNHARD WINDSCHEID E THEODOR MUTHER

4.1 Significado do debate

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A problemática moderna concernente tanto à actio romana como à ação moderna tem sua "ata de nascimento" na publicação do tomo de WINDSCHEID, intitulado "A actio do direito civil romano, do ponto de vista do direito atual", vindo a lume em 1856.[19]

Segundo PUGLIESE, de quem a constatação anterior”[20], quando da publicação de WINDSCHEID, a doutrina, em geral, dava-se por satisfeita com a definição do jurista CELSO, posta no século II, segundo a qual a ação nada mais era do que o direito de perseguir em juízo aquilo que a si devido ("Nihil aliud est actio quam ius quod sibi debeatur iudicio persequendi" – D. 44, 7, 51) limitando-se a parafraseá-la. “A possibilidade de uma divergência entre o que os romanos consideravam a actio e o que os modernos entendiam por ação (Klagerecht) não se considerava seriamente”.[21]

Ambos os termos, segundo lembra CHIOVENDA, ordinariamente “se faziam coincidir sobre um só conceito, tomando como característica dominante [...] o elemento da persequibilidade judicial do direito”, isso sem embargo duma sutil diferença entre eles, consistente em se referir propriamente a actio a “uma atividade dirigida contra o obrigado”, enquanto a Klage ou querela não se poder entender “senão dirigida ao Estado”. Para CHIOVENDA, enquanto a actio romana é “preponderantemente uma afirmação de direito contra o adversário, a Klage é uma invocação ao juiz”, não devendo-se contudo exagerar na distinção.[22]

Consoante PUGLIESE, a monografia de WINDSCHEID "agitou águas estancadas”: abriu ela um debate cujas fases foram muitas e que não se pode ainda dizer encerrado “ao discutir de forma vivaz, seja o paralelismo entre a actio romana e a ação moderna (Klagerecht), seja a coordenação da actio com um direito subjetivo substancial”.[23]

Nesta obra, WINDSCHEID traduziu a actio, para o seu tempo, como uma figura de direito substancial (Anspruch), tendo que assim ela se apresentava no direito romano, um ordenamento mais de ações do que de direitos, um ordenamento em que a ação estava no lugar do direito.

Dentre os diversos opositores surgidos, nobilitou-se MUTHER com uma obra de cunho propositadamente polêmico, que já trazia no subtítulo o propósito de crítica ao estudo de WINDSCHEID.[24] Para MUTHER, a actio é a pretensão do titular do direito frente ao pretor, a fim de que este lhe confira uma fórmula para o caso de que seu direito seja lesado, e que pela fórmula se designe e se institua iudex e se instaure o iudicium; desse modo se devendo entender a concepção de CELSO. (p. 243/246, §§ 12/13)

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Tem-se, contudo, que, na realidade, a obra deste opositor mais não fez do que completar a nova crítica dos conceitos então dominantes, enlevada por WINDSCHEID, ao investigar o elemento por este negado[25], ou negligenciado, qual seja, o próprio aspecto processual da actio.

O curioso é que, muito embora as preocupações dos autores tenham-se voltado para a “teoria do direito romano atual”, ou seja, malgrado tenham os mesmos visado a doutrina e a prática jurídica de seu próprio tempo, muitas das melhores páginas das obras de ambos foram “dirigidas a reconstruir o pensamento e os institutos jurídicos dos romanos em seu desenvolver-se e modificar-se durante uma larga série de séculos”. Em grande parte da Alemanha de então, conservava-se em vigor muito dum direito romano justinianeu recepcionado, “reelaborado pelos juristas medievais e modernos”, de modo que “não havia trabalho de direito civil e processual que não fizesse referência às fontes romanas em sua redação justinianea”.[26]

Das teses postas pelos autores, exerceram maior influência, ao longo dos anos, de um modo geral, tanto nos campos dos direitos romano, civil e processual, as lançadas por WINDSCHEID. E isso por ser já autor consagrado; contar com 9 anos a mais do que MUTHER; sobreviver 13 anos a este, que morreu prematuramente aos 50 anos; ter permanecido nos estudos romanistas, ao passo que MUTHER, que quando do debate contava cerca de 30 anos, passou a investigações históricas acerca do processo germânico comum, bem como sobre a ciência jurídica nas universidades alemãs, "investigações muito apreciadas mas que não contribuíram para conferir-lhe uma particular autoridade entre civilistas e romanistas”. [27] Ademais, WINDSCHEID participou da redação do primeiro projeto do BGB, em cujo texto final restou acolhida sua doutrina da Aspruch (§ 194), além de a própria estruturação final do código e a ordem de exposição das matérias no BGB seguirem “em máxima parte, o sistema geral construído por WINDSCHEID”, já se havendo dito que o código alemão “outra coisa não é que as Pandette de WINDSCHEID reduzidas em parágrafos de lei”.[28] A influência desse autor foi tamanha que deveras concentrou em si “a autoridade que é hoje dividida entre a lei, a jurisdição de última instância, a literatura exegética, os manuais”.[29][30]

4.2 Balanço da disputa

4.2.1 Doutrina da actio

A análise das obras de WINDSCHEID revela que o autor possuía uma concepção dupla da actio que a aproximava tanto do direito material - ou seja, da pretensão, daquilo que se pode exigir de outro - como da própria persecução judicial de um direito. Isso a despeito de, em suas obras, valorar diferentemente o peso de cada qual aspecto na intelecção global da actio.

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Por outro lado, a concepção da actio de MUTHER a equipara ao direito do lesado frente ao Estado de exigir a tutela judicial, direito este, por certo, condicionado à ocorrência da lesão e à existência e titularidade do direito feito valer.[31]

Tais posições, como se já afirmou, influenciaram muitos autores, havendo ocorrido, contudo, como também já explicitado, uma maior penetração das idéias de WINDSCHEID entre os romanistas. PUGLIESE sustenta que “em geral, pode-se dizer que, ainda hoje, quem se proponha definir o alcance e a posição de actio no sistema jurídico romano, quando não reproduza simplesmente as idéias de WINDSCHEID, deixará sentir pelo menos sua influência.”[32]

No entanto, respeitadas as peculiaridades do pensamento de cada autor, pode-se dizer que para ambos, de todo modo, a actio estava estreitamente vinculada ao direito material, o que se pode ver com clareza nos pressupostos que cada qual erige para sua existência, no essencial, a própria existência do direito.

É em substância, aliás, o que ressalta a romanística mais atualizada, segundo a qual, faltava para os romanos uma assentada distinção entre os planos do direito material e do direito processual, somente possuindo eles ciência da destrinça em “meros aspectos iniciais”. Tanto se explicaria “pelo ‘raciocínio institucional’ dos romanos, que concebem o seu direito menos em áreas sistematicamente estruturadas do que em FIGURAS JURÍDICAS singulares e individuais”, vendo eles cada actio “como uma unidade, na qual os pressupostos e conseqüências jurídicas eram concebidas conjuntamente com o procedimento que serve para a sua execução processual” e pelo fato de “grandes partes do direito privado [...], em concreto as actiones, as excepciones e os outros meios processuais”, estarem “reguladas nos Edictos pormenorizados dos pretores”, em cujos assentamentos “não só se encontram misturados os pressupostos privados e processuais da acção, mas observa-se, da perspectiva do processo, toda a matéria de direito elaborada nesta fonte”.[33]

Em KASER, lê-se, também, que o significado de actio “oscila entre o conceito jurídico-processual de acção e o conceito jurídico-privado de pretensão, isto é, do direito (privado) que se pode fazer valer por via processual. [...] Segundo a concepção romana, a pretensão jurídico privada, que está na base da actio, não passou de um puro REFLEXO do facto de a ordem jurídica, sob certas condições, prometer, a outorga de uma protecção jurídica num PROCESSO a iniciar-se com a actio (como ato de demanda). Pelo facto de este conceito central de actio pertencer simultaneamente ao direito privado e ao direito processual, compreende-se que o direito ‘formal’ (DIREITO PROCESSUAL) e o direito ‘material’ (DIREITO PRIVADO) constituiam, para os

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Romanos, em todas as etapas da sua evolução jurídica, uma UNIDADE mais forte do que constituem hoje em dia”.[34]

4.2.2 Repercussões no processo moderno

A mera leitura dos argumentos compendiados dos autores também revela rasgos das idéias da autonomia do direito processual e da ação, idéias estas que se têm amplamente por surgidas, de um modo mais firme, somente alguns anos após: aquela, em 1868, com a obra de OSKAR VON BULOW[35] e esta, em 1877, com a obra de HEINRICH DEGENKOLB e, em 1880, com a obra de A. PLÓSZ.[36] KASER chega mesmo a atribuir principalmente a WINDSCHEID, após alguns precursores “o mérito da nítida separação conceptual entre direito privado e direito processual”.[37] (id. ibid.).

Tanto as reflexões de MUTHER, como as de seu contendor, em muito serviram à posterior configuração da ação como direito abstrato, não obstante ter-se a construção da ação abstrata mais tributária ao pensamento de WINDSCHEID, porquanto “se o conteúdo substancial da actio se trasfundia na pretensão, em outros termos, se a ação não compreendia já o poder de pedir em juízo o cumprimento do ato ou da omissão prescritos pela norma substancial, formando este poder a essência da pretensão, era fácil deduzir disso o corolário de que na ação havia de contemplar-se uma faculdade ou um poder absolutamente independente do direito subjetivo substancial e correspondente também a quem não tivesse direito algum”.[38]

É mais clara influência de MUTHER na obra dos que conceberam a ação como direito à tutela jurídica (Rechtsschutzanspruch) – “que dominou a ciência processualística alemã, no período de seu máximo florescimento”, estando refletida sua doutrina em WACH –[39], bem como nos defensores do direito concreto de agir[40], e em toda a posterior processualística quanto ao direcionamento da ação ao Estado e não ao demandado.[41] Segundo PUGLIESE, se as concepções “meramente processuais ou publicísticas da ação [...] resultaram favorecidas pela absorção do conteúdo substancial da actio na noção de pretensão de WINDSCHEID, encontraram, sem embargo, todas elas seu modelo na obra de MUTHER”.[42]

5. Concepções imanentistas da ação

5.1 Derivação pandectista

A concepção civilista ou imanentista da ação é geralmente considerada como tributária direta da tradição romana, nada obstante ela própria ter-se constituído o fundo de que se partiu para as revisões do conceito da actio procedidas em primeiro lugar por WINDSCHEID. Esta é a teoria que mais diretamente deflui das elaborações pandectistas enquanto empenhadas em construir o sistema de direito privado e lhe

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afirmar a primazia: nela direito subjetivo e ação se confundem, enquanto, v. g. em SAVIGNY, decorre esta da lesão daquele e destina-se à sua defesa.[43]

5.2 Críticas

Esta a razão de ser merecedora da crítica de CHIOVENDA, enlevada pelo ângulo substancial, de que consistiu “numa duplicação inútil do conceito mesmo de direito”, “se à ação se dá por conteúdo uma obrigação qualquer do sujeito passivo do direto”,[44] e da de FAZZALARI, já da vista processual, de que “era uma superafetação: não se podendo vislumbrar, fora da esfera processual, posições e atos voltados a realizar a tutela em juízo”.[45]

Para esta teoria só há ação se há direito insatisfeito ou lesado feito valer em juízo, o que é “inexoravelmente contraditado pela realidade, em que a razão ou a falta de razão não têm, de per si, incidência sobre a ação, já exercitada e consumada ao momento em que uma ou outra são estabelecidas pelo juiz”.[46]

FAZZALARI ainda informa que os paladinos da teoria imanentista não ignoravam, como não o poderiam mesmo fazer, a realidade processual, mas a negligenciavam, não chegando ela a constituir objeto de estudo sistematizado. Os mais sagazes tão-somente individuavam uma ação em sentido formal, mas a excluíam do próprio campo, remetendo-a aos processualistas – assim, por exemplo, WINDSCHEID, que no sentido processual a configurava como Klagerecht,[47] e SAVIGNY, que, a par da ação identificada como relação resultante da violação de um direito, também designava por ação o próprio exercício do direito, que na hipótese de um processo escrito, coincidia com o ato escrito de incoação do debate judicial, da qual não se ocupa, por integrar a teoria do processo.[48]

5.3 Condições

Por óbvio, em tal concepção condiciona-se a ação à existência dum direito subjetivo do autor contra o réu que tenha sido lesado por este; ou seja, condiciona-se a ação à existência do direito, à legitimidade material das partes e ao interesse na persecução judicial daquele em decorrência da respectiva violação.[49] Nos termos de SAVIGNY, “toda ação implica necessariamente duas condições, um direito e a violação deste direito. Se o direito não existe, a violação não é possível; e se não há violação, o direito não pode revestir a forma especial de uma ação”.[50]

5.4 Recepção no Brasil

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Esta é a teoria que seduziu os autores brasileiros até o surgimento, em 1933, da monografia de GUILHERME ESTELLITA, que introduziu as reformulações teóricas em disputa no continente europeu, secundada pelo Tratado da ação rescisória, de PONTES DE MIRANDA, de 1934.[51] Também vale mencionar a monografia de BENEDICTO DE SIQUEIRA FERREIRA que debitou à influência da literatura francesa no Brasil a inércia das novas doutrinas em atravessar o oceano.[52] Entre os antigos autores tidos como mais sagazes entre os imanentistas podem-se incluir, no universo do direito brasileiro, PAULA BAPTISTA e TEIXEIRA DE FREITAS. Consoante o primeiro:

“ação e exercício da ação exprimem noções distintas. A ação pertence ao direito civil ou comercial, conforme for a matéria de que se trate com relação à lei; o exercício da ação é demanda propriamente dita, a qual já então pertence ao regime judiciário”. “Assim, dizer que Pedro tem ação contra Paulo importa dizer que aquele tem direito contra este. Ora este direito deverá existir nas leis positivas, que Bentham chama ‘substantivas’. Mas, quanto à ação, perante que juiz deverá ser proposta? Que marcha deverá seguir? Só do estudo das leis constitutivas da organização e forma da justiça, que o mesmo escritor denomina ‘leis adjetivas’, é que nos poderão vir estas e outras noções”.[53]

Por seu turno, o grande civilista brasileiro, que também referencia BENTHAM, destrinça a ação como direito de demandar em juízo (jus persequendi in Judicio), pertinente ao direito teórico, da ação como meio e forma do processo (medium legitimum persequendi in judicio jura, quae cuique competunt), tocante ao direito prático: “A ação, pois, é um direito, é um meio; é simultaneamente, um direito, e um meio. – Como meio, isto é, como fato do homem para reconhecimento judicial de seus direitos, a ação entra na classe dos – atos jurídicos – ”.[54] Sobre o pertencimento da ação na segunda acepção do termo ao direito processual, é célebre a disputa do autor com o VISCONDE DE SEABRA, o que rendeu os volumes da “Nova apostila à censura do Sr. Alberto de Moraes Carvalho, sobre o projeto de código civil português”, de 1859, e a réplica do Visconde nominada “Novíssima apostila à diatribe do Sr. Augusto Teixeira de Freitas, conta o projeto do código português”.[55]

6. Concepções concretas

6.1 Wach e o direito à tutela jurídica

Tida a ação por autônoma, de modo a ser concebida como um direito subjetivo por si – para o que contribuíram, em larga escala, as reportadas posições de WINDSCHEID e SAVIGNY[56] – ainda assim manteve ela, nas concepções concretas, estreitos vínculos com o direito substancial lesado.

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Entre estas percepções, as de maior visibilidade foram as de WACH e CHIOVENDA, a primeira delas, a do dito “direito – ou pretensão – à tutela jurídica” (Rechtsschutzanspruch), muito assemelhada à concepção de MUTHER, por este autor encontrada no direito romano.

Para WACH, há um direito subjetivo público de exigir do Estado a prestação da tutela jurídica (= direito à sentença favorável), que se dirige contra o Estado, mas se exerce em prejuízo do adversário.[57] Nos termos do autor, tem corpo uma “pretensão que o ordenamento vincula ao fato-tipo extraprocessual e que se exerce frente ao Estado para que satisfaça frente ao demandado o interesse de tutela jurídica na forma estabelecida pelo ordenamento processual, a pretensão que se delinea frente ao adversário para que este tolere o ato de tutela”.[58]

Consoante o autor, a pretensão de tutela jurídica não é uma função do direito subjetivo, não estando condicionada a ele, o que se comprovaria tanto com ação declaratória negativa, como com a pretensão de tutela jurídica do réu de rechaçar uma demanda infundada. Os pressupostos da pretensão à tutela jurídica e do direito material somente coincidem na hipótese de direitos já existentes que requeiram satisfação e tutela, incluindo-se aqui, ao que parece, a figura dos direitos ameaçados, mas ainda não lesados, atendíveis por medidas provisórias de segurança. Nesses casos, o direito à tutela jurídica se condiciona à existência prévia de um direito subjetivo de uma parte contra a outra e ao interesse na tutela, consistente esse na própria exigibilidade do direito insatisfeito e lesado, na tutela condenatória, e no estado de incerteza perante terceiros, nas tutelas declaratórias.[59]

No entanto, os esforços do autor de desvincular o direito à tutela jurídica do direito material parecem cair por terra se se analisa com maior detenção também as hipóteses da declaratória negativa e da sentença de improcedência. No primeiro caso, o próprio autor sustenta que a ação declaratória negativa não tem por finalidade a comprovação de um direito subjetivo, mas da “integridade de uma posição jurídica”. Ora, o que não é essa “posição jurídica” senão uma manifestação do direito material? A idéia de que o simples interesse de declaração de certeza, sem pressuposição de direito, é suficiente para a ação declaratória negativa, somente parece concebível se se entende inexistente um direito subjetivo à não perturbação da própria esfera jurídica, ou direito subjetivo à segurança jurídica, o que somente é concebível em uma bastante estreita concepção do direito subjetivo ou da situação subjetiva de vantagem. E é, aliás, esse mesmo direito subjetivo à não perturbação da própria esfera jurídica, ou direito subjetivo à segurança jurídica, o que sustentaria a pretensão à tutela jurídica do réu no sentido de uma sentença que obstaculize uma pretensão infundada do autor e propicie um seu não atingimento ou uma não ofensa da sua esfera jurídica pela pretensão deduzida. Dessa crítica não refoge CHIOVENDA que expressamente refuta um similar direito à integridade da própria esfera jurídica, por ele tida como uma vaga e indeterminada figura.[60]

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6.2 Chiovenda

CHIOVENDA, por seu turno, assumiu uma primeira posição imanentista, que revelou no verbete sobre a ação veiculado no Dizionario del diritto privato de SCIALOJA: a ação “é o direito próprio feito valer”.[61] Posteriormente – evidenciadas, como já referenciado, suas assunções seja da influência que recebeu de WACH, seja de que sua concepção da ação não refoge mesmo do ius persequendi iudicio quod sibi debetur – configurou a ação “precisamente como um direito contra o adversário, consistente no poder de produzir frente a este o efeito jurídico da atuação da lei”.[62] Para o autor, somente possuem tal direito os que obtêm um pronunciamento favorável, que se subordina à existência das denominadas condições da ação, dentre as quais a existência da vontade concreta da lei, que, de ordinário, corresponde a um direito subjetivo material. Para este autor, as condições da ação ou

“condições necessárias para obter um pronunciamento favorável”, “normalmente são: 1o. a existência de uma vontade de lei que assegure a alguém um bem obrigando o réu a uma prestação; 2o. a qualidade, isto é, a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela lei e da pessoa do ré com a pessoa obrigada; 3o. o interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos”.[63]

CHIOVENDA, no entanto, pretendeu desvincular a ação do direito subjetivo material por meio das ditas ações meras – aquelas “não correlatas ao direito subjetivo substancial e à sua lesão” (FAZZALARI) –, dentre as quais a declaratória negativa.[64]

6.3 Sentença de improcedência

Interessante é notar que ambos esses autores atribuem a sentença de improcedência a uma ação declaratória negativa do réu[65] – salvo se é dessa natureza a pretensão veiculada e rejeitada do autor –,do que resultaria ampliado o caráter concreto da ação, acaso admitido o direito do réu à integridade da própria esfera jurídica. É curioso que CHIOVENDA chega mesmo a atribuir ação ao réu que não age, ao sustentar que mesmo o revel teve ação quando da sentença de improcedência.

6.4 Coexistência das ações concreta e abstrata nesta concepção

O cuidadoso monografista brasileiro da ação concreta sustenta, com razão, que ambos os autores divisam a mera faculdade de inaugurar um procedimento judicial da verdadeira ação, havendo neles tanto uma “ação abstrata” (faculdade de provocação do juízo/direito a qualquer sentença) como uma “ação concreta”, que somente há ao que tem direito à decisão judicial favorável.[66] WACH, por exemplo, expressamente

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reconhece a existência de processo mesmo quando inexistente a relação jurídica material – uma relação distinta da outra pelos sujeitos, conteúdo e causas de nascimento, desenvolvimento e término[67] – e afirma que o direito publicístico e abstrato de acionar é res merae facultatis e “não o exercício de um direito e muito menos de um direito a uma sentença de conteúdo determinado”.[68] Nesta senda, se pode bem destrinçar procedimento e processo da ação verdadeira, mas ficaria esta expulsa do proceder em juízo, porquanto equivaleria ao próprio direito substancial de um contra outrem em estado de exigibilidade (se não o do autor contra o réu, o do réu contra o autor que desarrazoadamente o demanda), de modo similar ao daquelas mais avançadas concepções imanentistas, o que, aliás, bem explica a ação do réu revel que não age posta por CHIOVENDA – não atua em juízo mas possui o direito substancial tal como acertado pela decisão (isso se se admite seu direito à incolumidade jurídica) – e a natureza pública ou privada da ação acompanhando a natureza pública ou privada do próprio direito tutelado, enquanto sempre pública a natureza do processo.[69] Daquela primeira distinção decorreria, outrossim, uma aproximada identificação entre a ação e o objeto do processo, identificação não absoluta, contudo: o objeto litigioso pode existir independentemente da existência da ação, que somente existiria a uma das partes se versasse a sentença sobre o próprio objeto litigioso. Não havendo sentença de mérito não haveria ação. Ainda que regularmente deduzida a demanda, não sendo esta julgada pela não-concorrência de algum pressuposto processual, não teria havido a ação:

“Negando-se a existência dos pressupostos processuais, não se nega a existência da ação, que permanece injulgada. Nega-se que a ação, NA HIPÓTESE DE EXISTIR [porque só existe posteriormente ao seu reconhecimento], haja podido fazer-se valer nesse processo: não se nega, porém, que possa fazer-se valer imediatamente ou em prosseguimento do mesmo processo, ou em outro processo. A sentença, portanto, que se pronuncia apenas sobre os pressupostos processuais, ou seja, que declara possível pronunciar-se sobre a demanda ou absolve do prosseguimento da causa, não é favorável nem ao autor, nem ao réu; não concede nem recusa nenhum bem; [...] por isso [...] que não produz coisa julgada substancial”.[70]

Por certo, em linhas genéricas, a idéia de estar a ação, ao menos em CHIOVENDA, fora do processo – é o efeito de uma decisão favorável – e de assemelhar-se esta ao objeto do processo não parece desconforme à explicitação do próprio HENNING.[71] Não obstante, tal não afasta as críticas de FAZZALARI, que ressalta a não-ausência de ambiguidade da posição chiovendiana quanto ao caráter concreto da ação e que frisa haver também nessas concepções uma “inexistente, e inútil, duplicação da posição subjetiva processual consistente na faculdade de instaurar o processo”.[72]

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[1] La idea romana en el proceso civil moderno. In: Ensayos de derecho procesal civil. v. I. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: EJEA/Bosch, 1949, p. 352/353, § 2

[2] La idea romana en el proceso civil moderno. In: Ensayos de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 352/353, § 2.

[3] Estudio sobre la edición italiana: el método. In: CHIOVENDA. Ensayos de derecho procesal civil, v. I, cit., p. XIV.

[4] CHIOVENDA. Instituições de direito processual civil. v. I. Trad. J. Guimarães Menegale (da 2a. ed. italiana). São Paulo: Saraiva, 1942, p. 53, § 6; sobre o escopo do processo, nessa mesma obra, consulte-se o § 11, 4, p. 81/82. Quanto ao constituir a ação “o direito meio por excelência”, asserção que faz o autor em virtude de poder a ação coordenar-se seja a um direito real, seja a um direito pessoal, seja a um outro direito potestativo, categoria em que faz quadrar o autor a própria ação: La acción en el sistema de los derechos. In: Ensayos de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 30, § 13.

[5] COMOGLIO, Luigi Paolo. Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. In: Rivista di diritto processuale. N 2, anno 48. Padova: Cedam, 1993, p. 467, § 1 – as definições atribuídas aos autores encontram-se no texto mencionado desvestidas de aspas; no mesmo sentido, em termos menos incisivos: COMOGLIO. Azione e domanda giudiziale. In: COMOGLIO-FERRI-TARUFFO. Lezioni sul processo civile. 2 ed. Bolonha: Il Mulino, 1998, p. 225/226, cap. 9, § 1.

[6] CHIOVENDA. La idea romana en el proceso civil moderno, cit., p.372, § 8.

[7] CHIOVENDA. La idea romana en el proceso civil moderno, cit., p. 359, § 4 e passim.

[8] ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Influencia de Wach y de Klein sobre Chiovenda. In: Estudios de teoria general e historia del processo (1945-1972). t. II. Instituto de investigationes jurídicas: México, 1974, p. 556, § 3.

[9] Instituições de direito processual civil, cit., p. 12, 13, 16, no prefácio (tratam-se de passagens que reproduzem excertos dos Principii di diritto processuale civile) e 53, § 6; Adolfo Wach. In: Ensayos de derecho procesal civil, cit., p. 424/425; La acción en el sistema de los derechos, cit., passim. Sobre o ambiente de formação do autor, consulte-se, com proveito, a cuidadosa monografia interpretativa de HENNING, Fernando Alberto Corrêa. Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda. Porto Alegre: Fabris, 2000, p. 80/85, § 14.

[10] ORESTANO, Riccardo. L’azione in generale: a) storia del problema. In: Enciclopedia del diritto. IV. Milano: Giuffrè, 1959, p. 786, col. 1, § 1.

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[11] Introducción. In: WINDSCHEID y MUTHER. Polemica sobre la “actio”. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974, p. XI.

[12] CAVANNA. Adriano. Storia del diritto moderno in europa. I. Ristampa. Milano: Giuffrè, 1982, p. 471, parte terza, cap. V, 11.

[13] MAZZACANE, Aldo. Pandettistica. In: Enciclopedia del diritto. XXXI. Milano: Giuffrè, 1981, p. 607, 2 col., § 8. Sobre a penetração da pandectística consulte-se também: IMPALLOMENI, Giambattista. Pandettistica. In: AZARA e EULA (Dir.). Novissimo digesto italiano. v. XII. Torino: Utet, 1965, § 4.

[14] WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. [da 2 ed. alemã de 1967] A. M. Botelho Hespanha. 3 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004, p. 429, § 20, IV.4. Nesta obra encontram-se impressivas caracterizações da pandectística e da sua precursora, a escola histórica do direito: quinta parte, em especial, §§ 20, 21, 23.

[15] L’azione in generale: a) storia del problema, cit., em especial §§ 3, 4 e 7, p. 788/790 e 792/794.

[16] FAZZALARI, Elio. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994). In: Rivista di diritto processuale. N 4, anno 49. Padova: Cedam, 1994, p. 911, § 1.

[17] Processo civile e giustizia sociale. Milano: Edizione di comunitá, 1971, p. 17 (colchetes introduzidos). Apud: DINAMARCO. A instrumentalidade do processo. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 151, nota 6, § 19, de quem a tradução.

[18] SPERL. Processo civile nel sistema del diritto. In: Studi per Chiovenda [inexistem maiores referências]. Apud: FAZZALARI. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994), cit., p. 913, § 1.

[19] La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual. In: WINDSCHEID y MUTHER. Polemica sobre la “actio”. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974.

[20] PUGLIESE, Giovanni. Introducción. In: WINDSCHEID y MUTHER. Polemica sobre la “actio”, cit., p. XIII.

[21] Introducción, cit., p. XI.

[22] La acción en el sistema de los derechos. In: CHIOVENDA, Giuseppe. Ensayos de derecho procesal civil. v. I. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: EJEA/Bosch, 1949, p. 8, § 3 e p. 75, nota 14.

[23] Introducción, cit., p. XII/XIII.

[24] Sobre la doctrina de la "actio" romana, del derecho de accionar actual, de la" litiscontestatio" y de la sucesion singular en las obligaciones: critica del libro de Windscheid "La actio del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual". In: WINDSCHEID y MUTHER. Polemica sobre la “actio”, cit.

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[25] CHIOVENDA. La acción en e sistema de los derechos, cit., p. 10, § 4.

[26] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XI e XIII; a expressão “teoria do direito romano atual” é de WINDSCHEID. La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual, cit., p. 13, §1. Sobre a história da recepção do direito comum na Alemanha e sobre a idéia do usus modernus pandectarum, consultem-se: WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. [da 2 ed. alemã de 1967] A. M. Botelho Hespanha. 3 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004, segunda e terceira partes, respectivamente; CAVANNA. Adriano. Storia del diritto moderno in europa. I. Ristampa. Milano: Giuffrè, 1982, parte terza, sezione Iª, cap. V; MAZZACANE, Aldo. Pandettistica. In: Enciclopedia del diritto. XXXI. Milano: Giuffrè, 1981, p. 593/594, § 2.

[27] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XVII/XX,

[28] IMPALLOMENI, Giambattista. Pandettistica. In: AZARA e EULA (Dir.). Novissimo digesto italiano. v. XII. Torino: Utet, 1965, p. 352, 2 col., § 4, com apoio em WIEACKER.

[29] MAZZACANE. Pandettistica, cit., p. 607, col. 2, § 8, com apoio em WIEACKER.

[30] Para uma remissão a autores e obras em que se nota a presença dos contendores: PUGLIESE. Introducción, cit., p. XIX/XX; nesta obra encontra-se, também, uma impressiva avaliação crítica do pensamento dos contendores. Outrossim, para uma explanação do reflexo da disputa nas posteriores compreensões da ação, da relação processual e do ordenamento jurídico: DINAMARCO, Cândido R. Polêmicas do processo civil. In: Fundamentos do processo civil moderno. 2 ed. São Paulo: RT, 1987, p. 224/227, § 122. Para uma mais extensa reprodução do debate que se irá reportar: TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de processo penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 245/272, parte II, cap. II. Reporta também o debate, de maneira mais breve, contudo, ESTELLITA, Guilherme. Direito de ação, direito de demandar. 2 ed. Rio de Janeiro: Jacinto Editora, 1942, p 29/38, cap. III.

[31] Noutro sentido, e contrariamente mesmo ao próprio texto de MUTHER – contra em especial as passagens da p. 240 da obra citada, § 11 –, FÁBIO GOMES sustenta que o último autor “apresenta uma concepção da actio romana desvinculada do direito subjetivo material” e que, segundo MUTHER, para o direito à proteção do Estado, “não necessitavam os romanos pressupor uma lide”: Carência de ação. São Paulo: RT, 1999, p. 24, § 3.1.1. Parece, no entanto, ao contrário do que afirma o autor riograndense, que quando afirma MUTHER, para o período justinianeu, que “até se pode dizer que este direito é ainda mais incondicional que antes, já que toda pessoa pode incoar o processo afirmando simplesmente que houve lesão a um direito” (op. cit., p. 247, § 14), não reconhece o autor tedesco uma desvinculação da ação do direito material, dado que em seu texto, poucas linhas acima, também aduz que ainda neste período se manteve a idéia que fundava a pretensão à assistência estatal, que consistia na noção de “da lesão do direito podia surgir um direito à assistência do Estado, direito que pode imaginar-se como um direito condicionado, nascido junto com o primitivo e preexistente à lesão” (p. 246/247, § 14), ou seja, versa a idéia civilista da ação eventual, sempre pressupondo a existência do direito substancial, como de resto resulta de outra de suas asserções: “o lesado tem direito a que sua ação seja admitida para a persecução de seu direito, e é

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seguro que o escrito só podia rechaçar-se sem mais trâmite quando a inexistência desse direito fosse evidente” (p. 247). Com o primeiro excerto reproduzido MUTHER refere-se, seguramente, à circunstância de não mais ser necessário, no processo cognitório extra ordinem, o comparecimento do réu para a outorga da fórmula, ou actio, dado que sequer não mais existia a fórmula em razão de o processo já não possuir a estrutura bipartida dos anteriores períodos das legis actiones e formular.

[32] Introducción, cit., p. XVII.

[33] KASER, Max. Direito privado romano. Trad. [do original alemão de 1992] Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, p. 427/428, § 80 I 1. No mesmo sentido: ARGÜELO, Luis Rodolfo. Manual de derecho romano. 3 ed., 7 reimp. Buenos Aires: Astrea, 2000, p. 533/534 e ss.; CRUZ E TUCCI, José Rogério e AZEVEDO, Luiz Carlos. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: RT, 1996, p. 45 e ss. Contra, dizendo que “a primeira manifestação do direito processual de forma sistemática surgiu com o povo romano”: PRATA, Edson. História do processo civil e sua projeção no direito moderno. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 52. Pela ocorrência da distinção durante os dois primeiros períodos e instauração da confusão pelos jurisconsultos bizantinos, confusão esta que perpassou toda a idade média e durou até o surgimento da polêmica relatada, a partir de quando “começou o movimento de autonomia e recuperação do Direito Processual”: CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: EJEA, 1957, p. 9/11.

[34] Direito privado romano, cit., p. 57, § 4 II 1 a.

[35] La teoria de las exceptiones procesales y los presupuestos procesales. Trad. (do original alemão de 1868) Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964. Sobre a atribuição feita a BÜLOW: entre outros: PONTES DE MIRANDA. Comentários ao código de processo civil. Tomo I. 5 ed. Atual. Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. XX.

[36] São as obras desses dois autores, respectivamente: Einlassungszwang und Urteilsnorm - “Ingresso forçado (em juízo) e norma judicial e Beiträge zur Theorie des Klagerechts - “Contribuições à teoria do direito de queixa (de ação)”: a versão vernácula é de HÉLIO TORNAGHI. A relação processual penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 104/105. Muito embora em geral se apresentem, tal como no texto, as datas e os nomes dos fundadores da teoria abstrata, em verdade, trata-se a referenciada obra de PLÓSZ de uma versão alemã de um seu trabalho em húngaro de 1876, acrescida de outras composições: a propósito: CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 83, nota 35. ORESTANO, contudo, identifica mesmo uma clara formulação da teoria abstrata em Fr. HOTTMAN, em 1569: L’azione in generale: a) storia del problema, cit., p. 793, col. 2.

[37] Direito privado romano, cit., p. 57, § 4 II 1 a.

[38] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XV; no mesmo sentido: DINAMARCO. Polêmicas do processo civil, cit., p. 225, § 122.

[39] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XIX/XX.

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[40] DINAMARCO. Polêmicas do processo civil, cit., p. 225, § 122.

[41] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XIX/XX.

[42] PUGLIESE. Introducción, cit., p. XIX/XX.

[43] FAZZALARI. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994). In: Rivista di diritto processuale. N 4, anno 49. Padova: Cedam, 1994, p. 911, § 1; Istituzioni di diritto processuale. 8 ed. Padova: CEDAM, 1996, p. 424, cap. VIII, § 2, nota 12. No direito brasileiro, ressaltando a confusão, põe CLOVIS, analisando o direito subjetivo, que: “O direito subjetivamente considerado é um poder de ação assegurado pela ordem jurídica”: BEVILAQUA. Theoria geral do direito civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929, p. 62, introdução, § 46.

[44] CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 7, § 3.

[45] FAZZALARI. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994), cit., p. 911, § 1; Istituzioni di diritto processuale, cit., p. 424, cap. VIII, § 2, nota 12.

[46] FAZZALARI. Istituzioni di diritto processuale, cit., p. 424, cap. VIII, § 2.

[47] FAZZALARI. Istituzioni di diritto processuale, cit., nota 12; La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994), cit., p. 912, § 1.

[48] SAVIGNY, M. F. C. de. Traité de droit roman. t. 5. Trad. M. Ch. Guenoux. Paris: Firmin Didot Frères, 1846, p. 5/6, § CCV; SAVIGNY, M. F. C. de. Sistema del derecho romano actual. t. 4. 2 ed. Trad. Jacinto Mesía y Manuel Poley. Madrid: Centro Editorial de Góngora [s.d.], p. 10, § CCV. Para uma vista da concepção de SAVIGNY, bastante aproveitada por WINDSCHEID: ORESTANO. L’azione in generale: a) storia del problema, cit., item 8, p. 794; nesta concepção o autor identifica a reportada tentativa de “soldadura” do direito substancial e do direito processual.

[49] No mesmo sentido, ARAKEN DE ASSIS, que reporta lição de GALANTE (Diritto processuale civile. Nápoles: Lorenzo Alvano, 1909, p. 168), autor imanentista, que tem como condições da ação “a subsistência atual do direito, a exigibilidade (“condizioni di esperabilità del diritto”) e a legitimação, cuja falta implica juízo de carência de ação”. Cumulação de ações. 3 ed. São Paulo: RT, 1998, p. 59, § 8.3. Do mesmo modo, CALMON DE PASSOS, apoiado em lição de PEREIRA E BRAGA (Exegese do código de processo civil. V. 2, p. 130): “se a ação é o próprio direito em atividade, dizer-se que alguém ‘carece de ação’ é o mesmo que dizer-se ‘que carece do direito invocado”: Condições da ação. In: LIMONGI FRANÇA, R. (Coord.). Enciclopédia saraiva do direito. v. 17. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 390, col. 2, § 3.

[50] Traité de droit roman. t. 5, cit, p. 6, § CCV; Sistema del derecho romano actual. t. 4, cit., p. 10, § CCV.

[51] GOMES. Carência de ação, cit., p. 27/29, § 3.1.3. A obra de ESTELLITA é: Direito de ação, direito de demandar. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto, 1942; no capítulo I desta obra encontra-se compendiada a doutrina brasileira de até então.

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[52] Da natureza jurídica da ação: exposição e crítica. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1940, p 8.

[53] Teoria e prática do processo civil e comercial (reprodução, com linguagem atual, da 3 ed. de 1872). São Paulo: Saraiva, 1988, p. 20, § 5.

[54] Consolidação das leis civis. 3 ed. Rio de Janeiro: Garnier, 1896, p. XLIII/XLV (notas 20 e 24 da introdução) – a primeira edição é de 1857.

[55] A propósito: ESTELLITA. Direito de ação, direito de demandar, cit., p. 22, § 34 – nesta mesma obra informa ESTELLITA que ainda para o civilista “do mesmo modo que a ação não existe sem o direito, não pode o direito existir sem a ação. Mas [e aqui o tirocínio em TEIXEIRA], a forma desta, isto é, o processo, pode existir sem a ação e sem o direito. Muita vez o processo se formou, sem que exista direito para cuja defesa foi proposta a ação” (termos de ESTELLITA – colchetes introduzidos): p. 8, § 7. O autor do anteprojeto do código civil revogado emprestou adesão ao maior civilista brasileiro: BEVILAQUA. Theoria geral do direito civil, cit., p. 356/358, § 72. Para um outro informe sobre a disputa de TEIXEIRA DE FREITAS com o VISCONDE DE SEABRA: MEIRA, SÍLVIO. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do império. 2 ed. Brasília: Cegraf, 1983, p. 171/179. Para um raro defensor da teoria imanentista nos dias atuais , consulte-se: BARROS, Benedicto. Prática das ações judiciais. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 2/3, §§ 1/2; na p. 13, § 16, autor este que expressamente rejeita a idéia da autonomia da ação.

[56] ORESTANO. L’azione in generale: a) storia del problema, cit., p. 796, col. 1/2, § 11.

[57] HENNING. Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 40/50, §§ 03/05; CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 14, § 6.

[58] WACH, Adolf. Manual de derecho procesal civil. v. I. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1977, p. 42, § 2 IV.

[59] Manual de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 43/45, § 2 IV; HENNING. Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 40/50, §§ 03/05; CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 14/15, § 6.

[60] La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 43, nota 6.

[61] Apud: FAZZALARI. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994), cit., p. 913, item e. No mesmo sentido: GRINOVER, Ada Pelegrini. Direito de ação. In: LIMONGI FRANÇA, R. (Coord.). Enciclopédia saraiva do direito. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 173. Nada obstante, ao menos o relato que faz CHIOVENDA do que assentou neste seu anterior trabalho parece não diferir, no substancial, do dito em sua posterior obra: vide: La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 69/70, nota 10, em especial a 3a acepção do termo.

[62] La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 18, § 8.

[63] Instituições de direito processual civil, cit., p. 109, § 19.

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[64] Sobre esta categoria de ações: CHIOVENDA. Instituições de direito processual civil, cit., p. 57/60, § 7, B); FAZZALARI. La dottrina processualistica italiana: dall’ “azione” al “processo” (1864-1994), cit., p. 914, § 3; mais extensamente: HENNING. Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 137/143, §§ 28/29.

[65] CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 20, § 8: WACH. Manual de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 43, § 2 IV. No direito brasileiro, contrapõe-se a esta posição CALMON DE PASSOS. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador: Livraria Progresso Editora, [s/d, mas 1960 ou 1961 – a propósito, do mesmo autor: Ação. In: Digesto de processo. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 6, col. 1, bibliografia, e Comentários ao código de processo civil. V. III. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 1], cit., p. 61/86, §§ 23/29. Quanto ao fato de ser declaratória positiva a ação do réu se improcedente a declaratória negativa do autor, diz HENNING que tal distinção “não é tão simples como pode parecer”, porque: “Quando a inexistência da ação declaratória negativa derivar de falta de interesse ou legitimação, parece que a ação do réu seria declaratória negativa quanto à existência da ação do autor; só teríamos uma ação declaratória positiva do réu se a ação declaratória negativa do autor inexistisse em face da existência da vontade da lei por ele negada”: Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 152, § 31, nota 252.

[66] HENNING. Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., passim, mas em especial, § III (da introdução), p. 21/22, e 36, p. 168/170.

[67] WACH. Manual de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 67/68, § 4 III.

[68] WACH. Manual de derecho procesal civil. v. I, cit., p. 46, § 2 V.

[69] CHIOVENDA. La acción en el sistema de los derechos, cit., p. 13, § 5, e 21, § 8.

[70] CHIOVENDA. Instituições de direito processual civil, cit., p. 111/112, § 20 (destacados os termos em capitais e introduzidos colchetes).

[71] Ação concreta: relendo Wach e Chiovenda, cit., em especial p. 109/111, § 19, e p. 152/154, § 32.

[72] Istituzioni di diritto processuale, cit., p. 425, cap. VIII, § 2.


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