Date post: | 28-Mar-2016 |
Category: |
Documents |
Upload: | revista-punkto |
View: | 212 times |
Download: | 0 times |
z
A ArquitecturA nuncA Abolirá o AcAso
DESTRUIÇÃO número 2 mAio 2011
PROGRAMA
O carácter destrutivoWalter Benjamin
Atlas 1 - Gordon Matta-Clark : memória
Destruição: uma obra em processoJosé Bártolo
Destruição: registos do trauma da perda do Portugal RuralÁlvaro Domingues
Atlas 2 - DGEMN (1929 - 60) : restauro
Vell Poble NouTiago Lopes Dias
PlottingDavid Knight & Cristina Monteiro
Atlas 3 - Auschwitz : testemunho
Architecture|Art|DestructionTiago Casanova
3
Poderia acontecer que alguém, olhando a sua vida em retrospectiva, chegasse à conclusão de que quase todos os vínculos mais profundos que nela lhe aconteceram partiram de pessoas cujo
carácter destrutivo era unanimemente reconhecido. Um dia, talvez por acaso, faria esta constatação, e quanto mais violento fosse o choque sofrido, tanto maior a possibilidade de ele chegar a descrever esse carácter destrutivo.
O carácter destrutivo só conhece um lema: criar espaço; apenas uma actividade: esvaziar. A sua ne-cessidade de ar puro e espaço livre é maior do que qualquer ódio.O carácter destrutivo é jovem e alegre: destruir rejuvenesce, porque remove vestígios da nossa própria idade; e alegra, porque toda a remoção significa para aquele que destrói uma redução total, e mesmo uma radiciação da sua própria situação. Somos levados ainda mais a uma tal imagem apolínea do destruidor se nos dermos conta de como o mundo se simplifica enormemente se for posta à prova a sua vocação para a destruição. É este o grande laço que envolve em consonância tudo o que exis-te. É um ponto de vista que proporciona ao carácter destrutivo um espectáculo da mais profunda harmonia.O carácter destrutivo está sempre disposto a trabalhar. É a natureza que lhe prescreve o ritmo, pelo menos indirectamente, pois tem de se antecipar a ela. De outro modo, será ele próprio a levar a cabo a destruição.O carácter destrutivo não tem ideais. Tem poucas necessidades, e muito menos a de saber o que ocupará o lugar da coisa destruída. Primeiro, pelo menos por alguns instantes, o espaço vazio, o lugar onde a coisa esteve, onde a vítima viveu. Haverá sempre alguém que precise dele sem o ocupar.O carácter destrutivo faz o seu trabalho, evita apenas o trabalho criativo. Do mesmo modo que o criador busca solidão, o destruidor tem sempre de estar rodeado de gente, de testemunhas da sua eficácia.O carácter destrutivo é um sinal. Do mesmo modo que uma referência trigonométrica está exposta ao vento por todos os lados, ele expõe-se de todos os lados ao palavreado. Não faz sentido protegê-lo disso.O carácter destrutivo não está nada interessado em ser compreendido. Considera todos os esfor-ços nesse sentido como superficiais. A incompreensão não o afecta. Pelo contrário, provoca-a, tal como os oráculos, essas instituições estatais destrutivas, a provocaram em tempos. O mais pequeno-burguês de todos os fenómenos, a bisbilhotice, só acontece porque as pessoas não querem ser mal
O CARÁCTER DESTRUTIVO*
WALTER BENJAMIN
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
4
entendidas. O carácter destrutivo deixa que o interpretem mal; não fomenta a bisbilhotice.O carácter destrutivo é o inimigo do homem-estojo. O homem-estojo busca o seu conforto, e a sua concha é a quinta-essência dele. O interior da concha é o rasto revestido a veludo que ele deixou no mundo. O carácter destrutivo apaga até os vestígios da destruição.O carácter destrutivo está na linha da frente dos tradicionalistas. Alguns transmitem as coisas tornando-as intocáveis e conservando-as, outros as situações, tornando-as manejáveis e liquidando-as. Estes são os chamados destrutivos.O carácter destrutivo tem a consciência do homem histórico, cuja afecção fundamental é a de uma desconfiança insuperável na marcha das coisas, e a disposição para, a cada momento, tomar consciên-cia de que as coisas podem correr mal. Por isso, o carácter destrutivo é a imagem viva da fiabilidade.O carácter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas por isso mesmo vê caminhos por toda a parte, mesmo quando outros esbarram com muros e montanhas. Como, porém, vê por toda a parte um caminho, tem de estar sempre a remover coisas do caminho. Nem sempre com brutalidade, às vezes fá-lo com requinte. Como vê caminhos por toda a parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento pode saber o que o próximo trará. Converte em ruínas tudo o que existe, não pelas ruínas, mas pelo caminho que as atravessa.O carácter destrutivo não vive o sentimento de que a vida é digna de ser vivida, mas de que o suicídio não compensa.
* Texto publicado originalmente no Frankfurter Zeitung a 20 de Novembro de 1931 e publicado em português pela Assírio & Alvim em Imagens do Pensamento, em 2004.
Walter Benjamin (Berlim, 1892). Filósofo, ensaísta, tradutor, sociólogo. Escreveu entre outros A obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica e Teses sobre a Filosofia da História. Terá cometido suicídio quando fugia dos serviços secretos nazis a 26 de Setembro de 1940, em Portbou, Espanha.
Biblioteca do Conde Ilchester na Holland House, Londres, bombardeamentos Nazis de 1941.
ATLAS 1
MATTA-CLARK
DESTRUIÇÃO COMO MEMÓRIA
“I see the work as a special stage
in perpetual metamorphosis, a
model for people’s constant action
on space as much as in the space
that surrounds them. Buildings are
fixed entities in the minds of
most – the notion of mutable space
is virtually taboo – even in one’s
own house. People live in their
space with a temerity that is
frightening. Home owners generally
do little more than maintain their
property. It’s a baffling how
rarely the people get involved in
fundamentally changing their place
by simple undoing it.”
“I’m experimenting with alternati-
ve uses of space that are most
familiar...This work reacts
against a hygienic obsession in
the name of redevelopment which
sweeps away what litle there is of
an American past, to be cleansed
by pavement and parking. What
might have been a richly layered
underground is being excavated for
deeper, new building foundations.
Only our garbage heaps are soared
as they fill up with history.”
- Gordon Matta-Clark
- Office Baroque, 1977 -
- Circus-Caribbean Orange, 1978 -
- Conical Intesect, 1975 -
- Day’s end, 1975 -
- Bronx Floors: Threshole, 1972 -
“Matta-Clark fragments or
splinters architecture, turning
it into a kind of reverse
Cubism or ‘anti-monument’, but
one whose task is to reconsti-
tute memory, not conventional
memory as in the traditional
monument, but that subversive
memory which has been hidden by
social and architectural faça-
des and their false sense of
‘wholeness’.”
- Dan Graham
ATLAS 1
MATTA-CLARK
DESTRUIÇÃO COMO MEMÓRIA
“I see the work as a special stage
in perpetual metamorphosis, a
model for people’s constant action
on space as much as in the space
that surrounds them. Buildings are
fixed entities in the minds of
most – the notion of mutable space
is virtually taboo – even in one’s
own house. People live in their
space with a temerity that is
frightening. Home owners generally
do little more than maintain their
property. It’s a baffling how
rarely the people get involved in
fundamentally changing their place
by simple undoing it.”
“I’m experimenting with alternati-
ve uses of space that are most
familiar...This work reacts
against a hygienic obsession in
the name of redevelopment which
sweeps away what litle there is of
an American past, to be cleansed
by pavement and parking. What
might have been a richly layered
underground is being excavated for
deeper, new building foundations.
Only our garbage heaps are soared
as they fill up with history.”
- Gordon Matta-Clark
- Office Baroque, 1977 -
- Circus-Caribbean Orange, 1978 -
- Conical Intesect, 1975 -
- Day’s end, 1975 -
- Bronx Floors: Threshole, 1972 -
“Matta-Clark fragments or
splinters architecture, turning
it into a kind of reverse
Cubism or ‘anti-monument’, but
one whose task is to reconsti-
tute memory, not conventional
memory as in the traditional
monument, but that subversive
memory which has been hidden by
social and architectural faça-
des and their false sense of
‘wholeness’.”
- Dan Graham
Cartaz de The Destruction in Art Symposium (DIAS) Londres, 1966, organizado por Gustav Metzger.
9
JOSÉ BÁRTOLO
Existe um tipo de experiência vital – expe-riência de tempo e espaço, de si mesmo e
dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por mulheres e homens em todo o mundo, hoje. A esse conjunto de experiências podemos chamar de contempo-raneidade. Talvez nós, contemporâneos, não estejamos a viver algo de substancialmente diferente do que os que vieram antes dos que vieram antes de nós – os modernos – viveram. A experiência ambiental da contemporaneida-de – no que ela tem de regresso ao moderno e de constatação da impossibilidade de tal regresso – está marcada pela crise e resistên-cia de modelos, categorias e valores que – do político ao económico, do religioso ao artístico – nos conduzem a um confronto com formas de produção, circulação e arquivo que, ecoan-do Marx, nos sugerem que tudo o que é sólido se dissolve no ar.
Para os que vieram antes de nós e depois dos modernos, a dissolução não era uma sombra angustiante mas todo um programa. A redução ao conceito, levada a cabo por uma nova gera-ção de artistas e arquitectos a partir do final da década de 1950, expressava uma preocupa-ção programática de voltar, por via radical, à preocupação das origens do projecto moderno de construir a síntese entre arte e vida, estando esta neo-vanguarda da segunda metade do
século XX ideologicamente mais próxima dos utópicos do séc. XIX do que das vanguardas históricas no início do século passado.
A destruição do objecto foi a estratégia recor-rente nesse processo de redução ao conceito que Lucy Lippard1 descreve bem, em pleno processo, no início do anos 1970. Os objec-tivos perseguidos pelo programa conceptual eram diversos mas, como bem recorda Suzi Gablik, “privar as obras de arte da sua aura ou singularidade, impedindo assim que se transformem em objectos de consumo, foi um dos principais objectivos da arte conceptual.”2 Como expressava Robert Barry, em 1968, “o mundo está cheio de objectos e eu não preten-do acrescentar-lhe mais nenhum”. O percurso, sabe-se, revelar-nos-ia algumas perversões. A desmaterialização, mas sobretudo a destruição do objecto artístico, através de uma interven-ção anti-artística sobre um objecto (objecto quotidiano ou objecto de arte) em vez de o retirar de uma cadeia comercial, eximindo-o da condição de mercadoria, gerou neles uma nova dimensão de valor (ironicamente, uma certa aura) que, rapidamente, encontrará o seu sistema de produção, circulação, comercializa-ção e arquivo. À produção de objectos, a arte conceptual pretendia contrapor dois processos criativos alternativos: a produção de ideias e a destruição de objectos pré-existentes. Em
DESTRUIÇÃOUMA OBRA EM PROCESSO
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
10
1969, Robert Barry apresentava a sua Telepa-thic Piece que consistia no esforço de “comuni-car, por telepatia, uma obra de arte.”
Três anos antes da apresentação da Telephatic Piece3, Gustav Metzger organizou em Londres DIAS – Destruction in Art Symposium particu-larmente animado por acções como as Painting with Explosion nas quais Pro-Diaz procedia a detonações criativas ou pelas performances dos Accionistas Vienenses que visavam, também elas, uma espécie de explosão através da “súbita libertação de grandes quantidades de energia”.
O recurso à explosão foi um dos meios mais simbólicos e radicalmente actuais da arte contemporânea trabalhar com um triângulo referencial que domina a cultura da segunda metade do século XX - energia/produção/consumo. A aproximação à literalidade e ao imaginário da explosão e através dela a cons-trução de processos criativos baseados no acto controlado e intencional da destruição construiu das primeiras e mais contundentes representações da cultura contemporânea, a que Peter Sloterdijk, já neste século, chama de fast-burn culture.
A destruição do objecto por parte da arte contemporânea, surge-nos, assim, como uma representação, entre o melancólico e o inusi-tado, de um processo de combustão rápida, explosão e destruição de enormes quantidades de energia que caracteriza a cultura industrial e liberal do século XX. As formas de destruição foram, como se sabe, as mais diversas, como bem enuncia Metzger no Manifesto Auto-Destructive Art de 1960: Materials and techni-ques used in creating auto-destructive art include: “Acid, Adhesives, Ballistics, Canvas, Clay, Combustion, Compression, Concrete, Corro-sion, Cybernetics, Drop, Elasticity, Electricity, Electrolysis, Feed-Back, Glass, Heat, Human Energy, Ice, Jet, Light, Load, Mass-production, Metal, Motion Picture, Natural Forces, Nucle-ar Energy, Paint, Paper, Photography, Plaster,
Plastics, Pressure, Radiation, Sand, Solar Energy, Sound, Steam, Stress, Terra-cotta, Vibration, Water, Welding, Wire, Wood.”
Esse “drop drop dropping of HH bombs” foi, assim, desenvolvido de diversos modos: por dissolução (como nas pinturas com ácido de Metzger ou de Mark Boyle e Joan Hills); por incineração (como nos Pyromania Projects de Ben Vautier, nos Burnt Instruments de Armand ou nas Peintures de Feu de Yves Klein); por rasgão (como no projecto Passage de Saburo Murakami); por esmagamento (como nos trabalhos de César Baldaccini ou de John Chamberlain); por desmantelamento (como na Piano Destruction de Rafael Ortiz); por corte (como nas composições de Arman); por pene-tração (como na anti-buch de Herbert Zangs); por estrangulamento (como nas Implosions de Ewert Hilgemann) e finalmente por explosão, recurso que das Hommage à New York (1960) de Jean Tinguely aos trabalhos recentes de Kendell Geers permanece recorrente.
Para Metzger o processo auto-destrutivo era uma via para a concepção total, sendo que a ideia, porventura paradoxal, de obra de arte-conceptual total, foi sendo gradualmente definida deste meados dos anos 1950: “Auto-destructive art is primarily a form of public art for industrial societies. Self-destruc-tive painting, sculpture and construction is a total unity of idea, site, form, colour, method, and timing of the disintegrative process.Auto-destructive art can be created with natural forces, traditional art techniques and technological techniques. The amplified sound of the auto-destructive process can be an element of the total conception. The artist may collaborate with scientists, engineers.Self-destructive art can be machine produced and factory assembled.Auto-destructive paintings, sculptures and constructions have a life time varying from a few moments to twenty years. When the disin-tegrative process is complete the work is to be removed from the site and scrapped.”
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
11
Em 1973, depois de uma década de massiva destruição, a crise energética confronta-nos radicalmente com a crise de uma era da superabundância. Não será mera coincidên-cia, o facto da pós-modernidade se afirmar, através de Charles Jencks, no mesmo ano em que a crise do petróleo atinge o seu auge. Um paradigma de organização do triângulo referencial energia/produção/consumo atingia um ponto de declarado esgotamento. Quase quarenta anos depois desse ponto de esgota-mento, verdadeiramente não se deu ainda uma alteração de paradigma. Os processos criativos de destruição intencional e controlada foram-se, nas últimas três décadas extinguindo e tornando meramente residuais. Permanecemos dentro de uma cultura de combustão rápida mas, envolvidos na vertigem desse combus-tão, talvez tenhamos perdido capacidade de a representar e potencialmente criar-lhe uma alternativa crítica.
Depois dessa experiência de destruição crítica, a nós, parece apenas restar a experiência de guardar as cinzas ou de as libertar no ar.
1 Lucy Lippard, Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972, London, 1973.2 Suzy Gablik, Ha muerto el Arte Moderno?, Herman Blume, Madrid, 1987, pág. 39.3 Gustav Metzger, Auto-destructive art manifesto, 1959. Disponível em linha: http://www.391.org/manifestos/1959metzger.htm.
José Manuel Bártolo (1972) desenvolve trabalho de investigação, ensino e curadoria nas áreas da arte contemporânea, arqui-tectura e design. É autor do blogue Reactor (www.reactor-reactor.blogspot.com), dos livros Corpo e Sentido (Livros Labcom, 2007) e Design (Relógio d’Água, 2010) e editor da revista PLI cujo primeiro número será publicado em Abril de 2011.
13
ÁLVARO DOMINGUES
Dizem que um acto de destruição é um acto que faz desaparecer qualquer coisa.
Se não se perguntar mais nada acerca da cir-cunstância e da razão desse desaparecimento, pouco esclarecimento haverá. Pode ser até pura ilusão, ou não sejam os próprios ilusio-nistas os verdadeiros especialistas do desapa-recimento.
Num registo bélico, a destruição é o aniqui-lamento do inimigo…, mas existem outros sentidos bastante mais positivos onde a destruição é condição necessária para o re-nascimento e a criação. Assim pensou o bom Deus quando avisou Noé que iria destruir a humanidade com um dilúvio para que tudo recomeçasse de novo como o Sol em cada amanhecer e a criação se reconciliasse de uma vez por todas com o criador. Não deu em nada, a julgar pelo que se passou entretanto e pelos resultados dos múltiplos dilúvios e ca-tástrofes que aconteceram.
Os fragmentos de imagem/texto que se apre-sentam a seguir, pertencem à Vida no Campo (Domingues, 2011, Dafne, Porto, no prelo), um ensaio sobre a destruição ou, num registo mais psicológico, sobre a perda do Portugal Rural. Vida no Campo é, por isso, uma metá-fora sobre a perda desse Portugal Rural e um antídoto contra este mau viver pelo despovo-amento, pelo abandono, ou, noutro registo, pela profunda metamorfose que vai lavrando
pelo país dos (ex)agricultores, pela perda das suas práticas ancestrais, modos de vida, terri-tório e paisagens. Ruínas, em muitos casos.
Não é esta uma questão menor. Como a Lín-gua ou a História, a paisagem é um poderoso marcador identitário, uma casa comum. No entanto, não há paisagens para sempre. A paisagem é registo da sociedade que muda e se a mudança é tanta, tão profunda e acelerada, haverá registo disso e pouco tempo e muito espaço para compreender e digerir todas as marcas e a forma como se vão atropelando mutuamente, ora relíquias, ora destroços.
Ao mesmo tempo, se muda a paisagem, os referentes estáveis que as imagens da paisagem produzem entram numa atrapalhação, num acelerar de diferenças onde, frequentemente, se reconhece melhor o que se perde do que o que se ganha de novo e o modo como é avalia-do esse ganho, porque parece ser estranho ou exótico, não ser dali, não ser vernacular como diziam os romanos dos escravos que nasciam em casa por contraposição aos que eram re-crutados algures com os seus estranhamentos.
É por isso que é tão frequente dizer-se da destruição que se está a produzir, da descarac-terização, da perda de supostas autenticidades que de tanto mitificadas parecem ter perten-cido a um tempo primordial, sem história e sem outro referente que não seja um passado
DESTRUIÇÃOREGISTOS DO TRAUMA DA PERDA DO PORTUGAL RURAL
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
14
mais que perfeito onde a vida no campo era a imagem do Paraíso e do bom povo sábio, pobre mas honesto que vivia na sua simplicidade, alegria e comunhão com a Natureza e oração com os deuses.
As marcas e as memórias desse Portugal Rural vão-se decompondo com a desruralização e o seu rastro de efeitos colaterais: o despovo-amento, o envelhecimento, o abandono da produção agrícola e dos campos, o desapa-recimento de certos estilos de vida, saberes e práticas culturais – o interior, no dizer mais frequente sobre estas coisas. Os poucos que vão ficando vivem de uma economia assistida entre pensões, reformas, poupanças, ou re-messas de familiares e quem pode sai porque são escassos os empregos, e a miragem do bucolismo e dos paraísos perdidos é mais de quem está de fora (do tal interior) e pensa que o rural e natureza são lugares para passar férias e turismo.
Noutro registo diferente deste – quando o abandono dos campos e da agricultura não significa o abandono das gentes -, a ruralidade transforma-se por dentro ou é absorvida pelo que dá o nome de urbanização. É tão estra-nha esta pós-ruralidade que não há maneira de adjectivar as paisagens que constrói. São paisagens transgénicas, novos territórios que tal como os OGM (organismos geneticamente manipulados) combinam e reproduzem refe-
rências genéticas distintas e as re-misturam de forma inusitada. Quem olha normalmente não entende, e porque aí não vê as cidades belas ou as boas e lindas aldeias, fica triste e chama a isto feio. Deixemos a estética para depois; o povo diz que não se pode amar o que não se conhece e, neste caso, o que mais se desconhece é o que mais há. Um paradoxo.
Vida no Campo é sobre isto tudo: mitologias do último país rural da Europa que persiste em inscrever no imaginário colectivo (e ao mesmo tempo), as imagens bucólicas e os destroços desse mundo perdido, variando entre calamidades e incêndios, resorts para todos os gostos com muita relva e espaço verde, turismo rural, desertificação ou, ao contrário, casas e estradas por todo o lado como no NO de Portugal. Se 97% da economia não é rural, o país, a sociedade e o território, são urbanos (por defeito e enquanto não se conseguir sair desta dicotomia). Parece desconcertante, mas para escrever um ensaio é quanto basta.
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
15
1Era é o passado imperfeito do indicativo do verbo ser. Fora é o passado mais que perfeito, de um tempo pri-mordial em que o rural fora um tempo fora do tempo. Era de facto uma casa de granito com inscrições na padieira e que já deve ter conhecido tempos de fartura e prosperidade. Entretanto, desde há muitos anos que já lá está uma vinha onde antes seria o soalho do primeiro piso ou os tectos em masseira de carvalho; uma vinha de interior como se fora jardim de claustro de convento.Hoje é mais um produto imobiliário comercializado por uma rede internacional de negócios da especiali-dade: produtos locais em comércios globais, como é comum em quase tudo. Neste caso, o que para alguns seria a desgraça de uma ruína, é o encanto da própria ruína. O tema não é de hoje. Desde que (pelo menos) na Renascença europeia se produziu e alimentou a es-tética dos despojos da antiguidade, até ao romantismo que lhe amplificou os sentidos e a poética, a ruína vai conservando este valor de patine de museu e de aura das coisas sacralizadas. Será difícil não sentir uma certa nostalgia, a mesma que é capaz de alimentar o interesse e o aumento do custo desta e de outras ruínas. Maior do que a perda, é a consciência da perda o que verdadeiramente importa.
2O Voo do Arado é nome de uma exposição realizada em 1996 no Museu Nacional de Etnologia e de um livro indispensável para perceber o apagamento da agricultura tradicional em Portugal a partir da década de 19501.Transmutado numa condição de objecto voador ou de adereço decorativo do frontão da entrada principal da casa, o arado sai da realidade e do museu para entrar no mundo do ready made e dos programas simbólicos da arquitectura e do espaço doméstico. Junto com o arado, um objecto que é um dos principais símbolos do próprio processo civilizacional, tudo o que vem das artes e dos ofícios da agricultura – rodas, carros, mós, noras, garrafões, pipos, espigueiros, etc. – se converte em objecto cujo registo simbólico se desdobra ao mesmo tempo em relíquia, exorcismo, identidade, recordação…
1 J. Pais Brito; Oliveira Baptista; Benjamim Enes Pereira org. (1996), O Voo do Arado, Museu Nacional de Etnologia, Instituto Português de Museus, Lisboa
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
16
3Como é linda a minha aldeia
É tão linda a minha aldeia, o lugar onde eu nasciSob a luz de uma candeia, lembro a terra onde eu viviÉ tão lindo o amanhecer, cai o sol sobre as herdadesLá não pudeste viver, hoje choras de saudades
Na hora da Ave Maria, quando os sinos vão tocandoÉ chegado o fim do dia, nossa gente vai rezandoNessa hora de alegria, logo se prepara a ceiaÀ hora da Ave Maria... como é linda a minha aldeia
Oh jardim das oliveiras, guarda os teu lindos trigaisÉs a esperança verdadeira, és a terra dos meus paisÉ tão lindo o amanhecer, cai o sol sobre as herdadesLá não pudeste viver, hoje choras de saudades
Na hora da Ave Maria, quando os sinos vão tocandoÉ chegado o fim do dia, nossa gente vai rezandoNessa hora de alegria, logo se prtepara a ceiaÀ hora da Ave Maria... como é linda a minha aldeia2
2 Roberto Leal, Canto a Portugal, 2003
4Isto da arte do campo e do campo da arte tem muito que se lhe diga: sem perceber o campo da arte não se percebe a arte, nem a do campo, nem qualquer outra3. Diz Bourdieu que o campo da arte é como qualquer outro campo social, uma arena particular onde cada um joga as regras do jogo para demarcar posiciona-mentos face aos actores que legitimam a autoridade sobre quem são os artistas, as artes e as propriedades desses bens simbólicos. Marcel Duchamp sabia da carga iconoclasta da sua Fonte, recusada pelo Salão dos Independentes, 1917, N. York; para aumentar o seu (contra)poder no Salão, combinou mesmo com um seu amigo abastado que oferecesse um bom dinheiro pela Fontaine de Richard Mutt (a marca de fabrico do urinol). Era só o início de uma longa história acerca da arte e do seu poder narrativo, para quem vê e para quem dá a ver. Será que podemos fazer obras que não sejam arte?, perguntava o Marcelo dos Campos enquanto instalava este comboio de manjedouras já-feitas para umas vacas que entretanto ficaram loucas.
3 José Olaio Correia Carvalho, O Campo da Arte segundo Marcel Duchamp, Departamento de Arquitectura da Facul-dade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999Pierre Bourdieu, La production de la croyance. Contribution à une économie des biens symboliques, Actes de la recherche en sciences sociales, n° 13, 1977, p. 3-43Pierre Bourdieu, Les règles de l’art : genèse et structure du champ littéraire, Ed. du Seuil, Paris, 1992J-François Lyotard, Les Transformateurs Duchamp, Ed. Galilée, Paris, 1977http://www.centrepompidou.fr/education/ressources/ens-duchamp/ens-duchamp.htm
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
17
5“Urge acudir às aldeias – amanhã será tarde, amanhã teremos os caminhos de ferro, a invasão desordenada de novas ideias, os novos usos e costumes; amanhã teremos ali a moda (…), a obliteração dos tipos puros, a ruína das indústrias caseiras, da olaria, dos tecidos, dos bordados e das rendas, conservadas com tanto carinho”4.Urge acudir às aldeias é uma expressão que podia ser de hoje, no enunciado de muitos nostálgicos que não vêem nas aldeias as velhas aldeias típicas que pensam ainda existir. Alguns locais - os que vivem nas aldeias mas já não são de facto aldeões no verdadeiro sentido da palavra -, constroem estas réplicas em miniatura das suas próprias igrejas e capelas. Não é para ultrapas-sar o sentimento da perda da verdadeira capela; é para reforçar e celebrar a existência da própria capela; para sublinhar o seu sentimento de identidade e de auto-estima; para destacar da realidade aquilo que está para além dessa realidade. São assim as coisas sagradas.
4 Joaquim da Vasconcelos, 1882, cit em J. Leal, Metamorfo-ses da arte popular: Joaquim de Vasconcelos, Vergílio Correia e Ernesto de Sousa, Etnográfica, Vol. VI (2), 2002, pp. 251-280, p.261
6Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,Porque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequenaQue aqui na minha casa no cimo deste outeiro.Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.5
5 Alberto Caeiro, s/d, O Guardador de Rebanhos. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993), 32.
Fotografias: Álvaro Domingues
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na FAUP.
ATLAS 2
DESTRUIÇÃO COMO RESTAURO
Intervenções da DGEMN
(1929-1960)
“’Restauração’ foi o termo esco-
lhido para caracterizar os pri-
meiros anos de acção do novo
poder político. Restauração que
se devia estender a todos os
sectores da vida nacional. O
restauro dos monumentos, além de
ser uma actividade visível quase
instantaneamente, permitia servir
uma nova leitura da História
pátria assente nos seus momentos
de triunfo, verdadeira lição do
valor e da raça lusa, sinais de
garantia e confiança no Estado
Novo, timoneiro seguro e legítimo
da Nação”.
- Maria João Baptista Neto, ‘O
Restauro dos Monumentos Nacionais
(1929-1960)’.
- Igreja de São Martinho de Cedofeita -
- Igreja de Santiago, Coimbra -
- Igreja de São Frutuoso de Montélios -
- Convento de Santa CLara, Santarém -
- Igreja de São Pedro de Rates -
- Mosteiro de Santa Maria de Aguiar -
- Domus Municipalis, Bragança -
- Sé do Porto -
- Igreja de São Martinho de Mouros -
ATLAS 2
DESTRUIÇÃO COMO RESTAURO
Intervenções da DGEMN
(1929-1960)
“’Restauração’ foi o termo esco-
lhido para caracterizar os pri-
meiros anos de acção do novo
poder político. Restauração que
se devia estender a todos os
sectores da vida nacional. O
restauro dos monumentos, além de
ser uma actividade visível quase
instantaneamente, permitia servir
uma nova leitura da História
pátria assente nos seus momentos
de triunfo, verdadeira lição do
valor e da raça lusa, sinais de
garantia e confiança no Estado
Novo, timoneiro seguro e legítimo
da Nação”.
- Maria João Baptista Neto, ‘O
Restauro dos Monumentos Nacionais
(1929-1960)’.
- Igreja de São Martinho de Cedofeita -
- Igreja de Santiago, Coimbra -
- Igreja de São Frutuoso de Montélios -
- Convento de Santa CLara, Santarém -
- Igreja de São Pedro de Rates -
- Mosteiro de Santa Maria de Aguiar -
- Domus Municipalis, Bragança -
- Sé do Porto -
- Igreja de São Martinho de Mouros -
21
TIAGO LOPES DIAS
VELL pOBLE nOU
Era difícil, para quem visitava a torre Agbar em Barcelona, há poucos anos atrás,
ficar indiferente a um pequeno conjunto de construções que a rodeavam. Este fragmento, incómoda reminiscência de uma cidade obsoleta, perturbava a imagem da Barcelona moderna de início do século da qual o edifício de Jean Nouvel seria estandarte máximo. Recordei-me, numa das minhas deambulações por ali, de uma passagem do recém publicado livro do antropólogo Manuel Delgado. Lembrava-me do sentido das palavras mas não da sua exactidão, que confirmei assim que pude: “aos pés dos volumes arquitectónicos singulares, à sua volta, extende-se a cidade indesejada mas verdadeira”1. Hoje, aos pés do volume arquitectónico singular já não existem os graffitis, a churreria ou o quiosque de venda de bilhetes da lotaria: tudo desapareceu para dar lugar a mais um volume arquitectónico singular.
§
Era igualmente difícil, para quem percorria o bairro de Poblenou em Barcelona, há poucos anos atrás, ficar indiferente à quantidade de edifícios abandonados que ali existiam. Nenhuma catástrofe, natural ou provocada pelo homem, tinha tido lugar; apenas o Tempo, esse grande escultor (parafraseando Marguerite Yourcenar) trabalhava implacavelmente, transformando duzentos hectares de construção industrial em ruínas. Por este cenário, sugestivo como uma bucólica paisagem tardo-renascentista, podíamos vaguear como dandys, de olhar perdido no passado. O culto e as poéticas da ruína, legado do Romantismo Europeu que atingiu o seu auge no final do século XVIII, foi frequentemente confundido com simples nostalgia; no entanto, como explica Dalibor Vesely, o fragmento, para os
românticos, não era uma meta, mas sim um projecto incompleto que tinha por finalidade a conclusão num elevado nível de síntese e perfeição como parte de uma totalidade e de um sistema orgânico2. Dando como exemplo o rocaille, Vesely afirma que a sua natureza inacabada é intencional, “pois expressa uma possibilidade de realização no futuro, da mesma forma que um organismo atinge a plenitude, a realização e a perfeição através do crescimento”3.Acredito que é esta ideia de significação oculta, latente na ruína, que está por trás do desabafo de Juan José Lahuerta na sua carta de amor à cidade de Barcelona4. Mais do que um modelo de uma vida que já está acabada e morta, a ruína significa sobretudo a possibilidade de uma interpretação, de uma explanação definitiva – de uma interpretação do todo pela parte. É este desejo de plenitude que Lahuerta vê como “essência do kitsch que exige que tudo tenha solução”5. E a solução, neste caso, passava por redefinir o que devia ser o novo Poblenou: “um distrito de inovação que oferece espaços modernos para a concentração estratégica de actividades intensivas em conhecimento”6. A conservação, junto dos novos volumes arquitectónicos singulares, das chaminés industriais – cristalizadas, totemizadas – resolvia esse projecto incompleto que era a ruína da cidade produtiva. Não será este cenário (que parece mimetizar uma pintura de Giorgio De Chirico: uma astronomia de objectos ancorados ao planeta unicamente pela fatal lei da gravidade7) resultado da “essência de uma política que apresenta a destruição física, a banalização e a venda da cidade como o caminho sem remédio em direcção à felicidade de viver numa loja, êxtase do escaparate, da modernidade”8, como refere Lahuerta? Não será o novo Poblenou exemplo da relação entre destruição e
22
desaparecimento da vida que habita a cidade e comercialização ou marketização da mesma?
§
A desconfiança de Lahuerta em relação ao “caminho sem remédio em direcção à felicidade” foi-lhe transmitida, possivelmente, por quem melhor expressou o ódio contra essa (ilusória) doutrina do progresso: Charles Baudelaire. Quem, melhor do que o poeta francês, cantou, na Paris do século XIX, esse futuro onde tudo é passado, onde tudo já aconteceu e se limita a repetir?
Paris change! mais rien dans ma mélancolie N’a bougé! palais neufs, échafaudages, blocs, Vieux faubourgs, tout pour moi devient allégorie9
A poesia de Baudelaire, como tão bem resumiu Benjamin, “fez aparecer o novo no sempre igual e o sempre igual no novo”10. As obras do barão Haussmann serão também, um dia, ruínas; não poderão escapar ao ciclo inexorável de construção e destruição que caracteriza a grande cidade – e a própria vida. Não é de estranhar que Baudelaire, num pequeno ensaio, tenha escrito que lhe agradava mais o Egdar Allan Poe bêbado, pobre, perseguido e pária do que o Goethe calmo e virtuoso11. Sabia que, por entre a espessa cortina do ópio e do álcool, o mestre norte-americano tinha entrevisto a derradeira ruína, o fragmento que já não tem reconstrução possível: o interior do homem moderno. A greta na fachada da casa de Usher, que anuncia a derrocada iminente, não é mais do que uma metáfora da sua alma descrente e atormentada.
§
Volto ao Poblenou através de uma série de fotografias que fui despreocupadamente fazendo ao longo dos últimos quatro anos. E recordo-me, desta vez, da incisiva observação de Susan Sontag sobre a relação entre fotografia
e destruição: “As câmaras começaram a duplicar o mundo num momento em que a paisagem humana começava a sofrer um vertiginoso ritmo de transformação”12 – o momento em que Baudelaire escrevia as Flores do Mal. Alguém escreveu também, desta vez nas paredes do que outrora foi uma casa, te quiero Poblenou. Esta declaração urgente, possivelmente de quem não possuia outro meio que não um rápido graffiti, certamente já desapareceu enquanto escrevo estas breves notas. Resta-me, como consolação, a capacidade da fotografia para registar o que está a ponto de desaparecer.
1 Manuel Delgado, La ciudad mentirosa. Fraude y miseria del ‘Modelo Barcelona’, Madrid, Los Libros de la Catarata, 2007, p.239.2 Dalibor Vesely, Architecture in the Age of Divided Representa-tion, the MIT Press, 2004.3 Dalibor Vesely, op. cit., p. 330.4 Juan José Lahuerta, Destrucción de Barcelona, Barcelona, Mudito & Co., 2005. 5 Lahuerta, op. cit., p.14.6 www.22barcelona.com.7 Giorgio De Chirico, On Metaphysical Art. Citado por Dalibor Vesely, op. cit.8 Lahuerta, op. cit., p.14.9 Charles Baudelaire, Le Cygne. In Les Fleurs du Mal. Publi-cado originalmente em 1857.10 Walter Benjamin, Parque Central, In A Modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006 (orig. 1939).11 Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, Coimbra, Editora Alma Azul, 2008. Entre 1852 e 1865 Baudelaire traduziu a obra de Poe para o francês.12 Susan Sontag, Sobre la Fotografia, Barcelona, Debolsillo Contemporánea, 2010, p.25 (orig.1977).
Tiago Lopes Dias nasceu no Porto, em 1978. É licenciado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde foi monitor e assistente convidado na disciplina de Projecto. Trabalhou como arquitecto no Porto e em Barcelona, onde actual-mente se encontra a residir e a preparar o programa de Doutoramento em Teoria e História da Arquitectura.
Fotografias tiradas no Poblenou (Barcelona) entre 2006 e 2010 - autor: Tiago Lopes Dias
Vista aérea de Pruitt-Igoe, 1968
25
DAVID KNIGHT & CRISTINA MONTEIRO
pLOTTInG
The collective life of buildings in time, what could be called their metabolism, has a
profound relationship with their plots - the areas of ground that they occupy. Destruction can become a charged moment when such patterns of ownership can be redrawn, a moment which frequently overwhelms the subsequent intent of the architect or designer. It is a potent reminder that construction is the beginning, rather than the end, of a building’s life.
The size of a plot, or the complexity of its ownership, is intimately related to processes of change in any city or built environment. Small change has a small effect and can happen frequently: a building can accommodate several lifetime’s worth of different functions at street level while the residential uses above continue undisturbed, whilst a single terraced building can change entirely without damaging its neighbours or its street. In contrast, the demolition of an entire terrace is almost inevitably an act of violence to its context1.
The built environment industry (with the notable exception of demolition contractors) ideologically prioritises construction over destruction. Demolition, though a complex and artful process, is frequently ignored in the representation of the built environment,
unless it serves as the prelude to a story of reconstruction2. This phenomenon is echoed in the way we date works of architecture - by their completion rather than their lifetime.
Plot size provides an effective critique of the comprehensive redevelopment projects of the post-war period: the widespread land-parcelling of areas of city to form new districts and estates. The history of their failure has been written many times, but frequently the failure is described in purely spatial or aesthetic terms. What is not frequently discussed is the change in plot size inherent in such projects, the shifting of land from multiple ownership to single ownership, and the massive all-in-one destruction and site preparation that it entails. This change unites the post-war development boom with new business districts like Canary Wharf (1988-): opposing versions of modernity that both depend upon the parcelling together of previously disparate land ownerships. The replacement of fine-grain with coarse-grain can be considered a characteristic of all modernism, and is found in projects from the building of the railways to Haussmann’s Paris (1852-, fig.1), from Plan Voisin (1925) to Pruitt–Igoe (1954-76).
This understanding of the metabolism of places may sound obvious but it is not widely understood by the people with the power
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
26
fig.1 - Haussmann plan, Paris, 1852
and influence to change them. Colin Ward describes how the centre of Birmingham was ruined not by the stylistic precepts of modernism but by the principle of land-parcelling, and recent attempts to recover the city from the dark days of its post-war makeover have led to more, not less of the city centre passing into sole ownership: entire streets passing into the private sector3. This example raises the issue that once plots have got big, they are hard to subdivide, not because of ownership but because “After a generation or two, the whole environment becomes obsolete simultaneously, so that total destruction and replacement have to happen all over again”4.
Similarly, New Urbanist experiments like Poundbury (1993-) in Dorset attempt to replicate the piecemeal growth of an English village, but do so with a fully-detailed plan and an incredibly constraining design code which explicitly forbids ad-hoc development5. Aldo Rossi’s Quartier Schützenstrasse (1998-) mimics the growth of a Berlin urban block but was all built at once, as artfully composed as a Palladio façade. This latter project recognises the visual diversity of small plots whilst apparently missing their social diversity, a characteristic of much of the current rehabilitation of central Porto, where patchwork heritage street elevations – entirely a product of the economy of small plots - are being retained as
the front facades of land-parcelled apartment blocks- a change which almost invisibly, yet fundamentally, alters the character of the city to the point where its whole social structure will have changed without any publicly visible difference.
This is not necessarily to demonise large buildings or large plots, but to place them into a complex economy of spatial change, to better understand their consequences for urban life. The process can of course go both ways. The commercial reality of land-parcelling has its opposite in property laws across the world that create ever-decreasing plot sizes by splitting inheritance rights among children of the deceased: a phenomenon that can strangle the city through complexity. This, however, is the exception rather than the rule, and in the contemporary city the bigger violence is produced by the bigger plot. As noted earlier, once land has been parcelled up, there’s very little going back: the delicacy and complexity lost through this process is very hard, if not impossible, to recover. This simple fact gives the lie to so much urban design guidance, which can describe in idealistic terms the value of a diverse streetscape without any understanding of the processes that created our most lively and diverse urban places in the first place. In its place we might imagine sub-division systems like the burgage tenements
27
pUnkTO - DESTRUIÇÃO
David Knight is a designer and currently a researcher at the Royal College of Art. He is the author of the forthcoming Wallpaper* City Guide: Porto. Cristina Monteiro is a designer currently working with muf architecture/art. She has taught at Syracuse University (New York) and Kingston University (London). www.dk-cm.com
found in medieval market towns, enduring urban forms derived from field sizes that, by using a long narrow plot, allowed for flexible and individual occupation of the site whilst retaining a narrow, but vital presence on the street or market place (fig.3).
Until a campaign led by Cedric Price, the only architect member of the National Federation of Demolition Contractors, it was against the RIBA6 code of conduct for an architect to advise a client to do nothing. It was assumed, until Price’s campaign, that if a client engaged an architect then the only possible outcome would be the production of new architecture. To go against this assumption would be equal, in theory, to taking a bribe or falsifying a building permit7. With this intervention, Price draws attention to the artificial limits of an architectural practice concerned only with the production of new architecture within predetermined constraints. In giving architects the freedom to do nothing, he is therefore asking them to do more.
It is time to recognise the humility of building design in relation to the overwhelming significance of plot size. Engaging with the
political and territorial scale of our built environment, rather than just its aesthetic scale, is one way of living up to Price’s request. It also suggests a renewed engagement with the methods, positive and negative, by which the processes of planning and property subdivide the world.
1 For a broader discussion of this phenomenon, see Anne Vernez Moudon, Built for Change: Neighborhood Architec-ture in San Francisco (Cambridge: MIT Press, 1986) and Brand, Stewart, How Buildings Learn: What happens after they’re built (New York: Viking Press, 1994) 2 The demolition of post-war residential blocks as a spec-tacle is well documented by Joe Kerr. Joe Kerr, ‘Blowdown: The Rise and Fall of London’s Tower Blocks’, in London: From Punk to Blair, ed. By Joe Kerr and Andrew Gibson (London: Reaktion Books, 2003) 3 For an excellent description of this situation, see Anna Minton, Ground Control: Fear and Happiness in the Twenty-First Century City (London: Penguin Books, 2009) 4 Colin Ward, Welcome Thinner City (London: Bedford Square Press, 1989), p.23. 5 For ad description of this see Finn Williams, David Knight and Ulf Hackauf, ‘Building without Bureaucracy’, l’Architecture d’Aujourd’ hui 378, June-July 2010. 6 The Royal Institute of British Architects, www.architec-ture.com (Accessed 27.01.2011) 7 For an introduction to the life and work see Mathews, Stanley, From Agit-Prop to Free Space: The Architecture of Cedric Price (London: Black Dog, 2007)
fig.2 - Bologna Quartier fig.3 - Square, Chipping Norton
“…claro que todo o horror que ouvi
durante os Julgamentos de Nuremberga,
os 6 milhões de Judeus, dissidentes
ou pessoas de outras raças que morre-
ram, chocou-me profundamente. Mas eu
ainda não tinha feito a ligação com o
meu próprio passado. Convenci-me
pensando que eu não podia ser pesso-
almente culpada. E que não tinha
conhecido toda a dimensão. Mas um
dia, passeava por uma placa comemora-
tiva dedicada a Sophie Scholl. Aqui,
na Franz-Joseph-Strasse. Vi que ela
tinha a mesma idade que eu e que
tinha sido executada no ano em que
comecei a trabalhar para Hitler. E só
aí compreendi que a idade não é des-
culpa. E que talvez tivesse sido
possível descobrir a verdade”.
Traudl Junge, testemunho da última secre-
tária de Hitler, no documentário ‘Im toten
winkel’, 2002.
Campo de Concentração de Auschwitz -
Birkenau, 1941 - 1945
Desenhos descobertos num edificio da cidade
de Berlim em 2008. Executados entre 1941-
43, demonstram a forma calculada e sistemá-
tica com que foi planeado o genocídio de
cerca de 6 milhões de Judeus.
Planta Geral do complexo.
Alçado, planta da cave e corte do Cremato-
rio II.
ATLAS 3
AUSCHWITZ
DEPOIS DA DESTRUIÇÃO:
O TESTEMUNHO
- Legenda : 1. Camaras de gás; 2 - Morgue
legenda
1.Camaras de Gás; 2.Depósitos de combustível; 3.Área técnica
4/5.Salas de dissecação; 6.Elevador; 7/8.Morgues; 9.Sistema
de ventilação.7
4
81
9
23
56
“…claro que todo o horror que ouvi
durante os Julgamentos de Nuremberga,
os 6 milhões de Judeus, dissidentes
ou pessoas de outras raças que morre-
ram, chocou-me profundamente. Mas eu
ainda não tinha feito a ligação com o
meu próprio passado. Convenci-me
pensando que eu não podia ser pesso-
almente culpada. E que não tinha
conhecido toda a dimensão. Mas um
dia, passeava por uma placa comemora-
tiva dedicada a Sophie Scholl. Aqui,
na Franz-Joseph-Strasse. Vi que ela
tinha a mesma idade que eu e que
tinha sido executada no ano em que
comecei a trabalhar para Hitler. E só
aí compreendi que a idade não é des-
culpa. E que talvez tivesse sido
possível descobrir a verdade”.
Traudl Junge, testemunho da última secre-
tária de Hitler, no documentário ‘Im toten
winkel’, 2002.
Campo de Concentração de Auschwitz -
Birkenau, 1941 - 1945
Desenhos descobertos num edificio da cidade
de Berlim em 2008. Executados entre 1941-
43, demonstram a forma calculada e sistemá-
tica com que foi planeado o genocídio de
cerca de 6 milhões de Judeus.
Planta Geral do complexo.
Alçado, planta da cave e corte do Cremato-
rio II.
ATLAS 3
AUSCHWITZ
DEPOIS DA DESTRUIÇÃO:
O TESTEMUNHO
- Legenda : 1. Camaras de gás; 2 - Morgue
legenda
1.Camaras de Gás; 2.Depósitos de combustível; 3.Área técnica
4/5.Salas de dissecação; 6.Elevador; 7/8.Morgues; 9.Sistema
de ventilação.7
4
81
9
23
56
30
Equipa Pedro Levi Bismarck Pedro Oliveira Carlos Castro
Edição Gráfica Punkto
contribuiçõEs José BártoloÁlvaro DominguesTiago Lopes DiasDavid Knight &Cristina MonteiroTiago Casanova
imprEssão Minerva
tiraGEm 1000 exemplares
distribuição
Gratuita
imaGEm da capa
Símbolo internacional de radiação
contactos
ISSN 2182-1887MetA
ARchitectuRe ObseRvAtORy
APOiO: AssOCiAçãO De esTuDANTes DA fACuLDADe De ARquiTeCTuRA DA uNiVeRsiDADe DO PORTO
LIVRARIA AEFAUp
DESCONTOS ATÉ 20 % PARA SÓCIOS AEFAUP
ABERTA DE 2ª A 6ª FEIRA | 9H00M - 17H30M
associação de estudantes da faculdade de arquitectura da universidade do portoRua do Gólgota 215, 4150-351 Porto, PortugalT: [email protected]@aefaup.pt
pUnkTO nº2Maio 2011Porto
TIAGO CASANOVA
Tiago Casanova (Madeira, 1988) estuda na FAUP. O seu trabalho relaciona a prática da arquitectura com a arte, sobretudo fotografia. Colabora com o CCRE e organizou diversos ciclos sobre fotografia e arquitectura. É director assistente da Scopio - Magazine internacional de Fotografia.
APOiO: AssOCiAçãO De esTuDANTes DA fACuLDADe De ARquiTeCTuRA DA uNiVeRsiDADe DO PORTO
A revistA Punkto é umA PublicAção irregulAr, imPrevisível e indisciPlinAr sobre limites: dA PráticA, dA teoriA, dA Arte e dA ArquitecturA.
www.REVISTApUnkTO.COm
JOSÉ BÁRTOLOWalter BenjaminDESTR
UIÇÃOcri
se
grau
zero
buco
lismo
Ausc
hwitz
paisa
gem
Portu
gal R
ural
capi
talis
mo
pres
erva
ção
teste
mun
hoPr
uitt-Ig
oe
lote
o cará
cter d
estruti
vo
reabilitação
romantismo
progresso?
marketing
fragmentonostalgia
poblenou memória auto-destructive art
arte conceptual
Alberto Caeiro
Roberto Leal
Edgar A. Poe
Haussm
annBaudelaire
LahuertaCedric Price
Marx
Gustav Metzger
Matta-Clark
TIAGO CASANOVA
KNIGHT & MONTEIRO
TIAGO LOPES DIAS
ÁLVARO DOMINGUES
DGEM
N
fast-burn culture