+ All Categories
Home > Documents > stj-resp-1-120-676-sc-feto

stj-resp-1-120-676-sc-feto

Date post: 01-Oct-2015
Category:
Upload: juliana-keffler
View: 299 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
Popular Tags:
27
Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.676 - SC (2009/0017595-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTRO ADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S) RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194/74. 1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação. 2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto. 3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. 4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º). 5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Nancy Andrighi. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010(Data do Julgamento) MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Página 1 de 27
Transcript
  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.120.676 - SC (2009/0017595-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDAR.P/ACRDO : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINORECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO INDENIZAO. INTERPRETAO DA LEI N 6194/74.1 - Atropelamento de mulher grvida, quando trafegava de bicicleta por via pblica, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestao.2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenizao por danos pessoais, prevista na legislao regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.3 - Proteo conferida pelo sistema jurdico vida intra-uterina, desde a concepo, com fundamento no princpio da dignidade da pessoa humana.4 - Interpretao sistemtico-teleolgica do conceito de danos pessoais previsto na Lei n 6.194/74 (arts. 3 e 4).5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.

    ACRDO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justia, prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Nancy Andrighi. Lavrar o acrdo o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

    Braslia (DF), 07 de dezembro de 2010(Data do Julgamento)

    MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.120.676 - SC (2009/0017595-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    RELATRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por NIVALDO DA SILVA e

    MRCIA REGINA DA SILVA, fundamentado no artigo 105, inciso III, "a" e "c", da Constituio Federal, em que se alega violao dos artigos 3, letra 'a', da Lei n. 6.194/74; 2, 542, 974, 1.609 e 1.779 do Cdigo Civil, alm de dissenso jurisprudencial.

    Subjaz ao presente recurso especial, ao de indenizao do seguro obrigatrio DPVAT - de Danos Pessoais Causados Por Veculos Automotores de Via Terrestre, promovida pelos ora recorrentes, NIVALDO DA SILVA e MRCIA REGINA DA SILVA, em face da ora recorrida, LIBERTY PAULISTA SEGUROS S. A., tendo por desiderato o recebimento da importncia de R$9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), decorrente do acidente automobilstico que sofreram em 13.9.2003, o qual ocasionou o aborto do feto da autora que contava, poca, com trinta e cinco (35) semanas de gestao (fls. 5/8 - e-STJ).

    O r. Juzo de Direito da 2 Vara Cvel da Comarca de Chapec/Santa Catarina julgou a demanda improcedente, deixando assente, em suma, "que no h como prosperar a tese de que teria direito percepo da indenizao do seguro DPVAT por morte em razo do aborto que sofreu", porquanto, "uma vez adotada a premissa acima delineada de que o natimorto nunca adquiriu personalidade civil, inexoravelmente no h como se admitir a ocorrncia do fato jurdico previsto no art. 3 da Lei 6.194/74 (acidente de trnsito com morte de pessoa)" ( fls. 115/120 - e-STJ).

    Irresignados, NIVALDO DA SILVA e MRCIA REGINA DA SILVA interpuseram recurso de apelao, ao qual a colenda Terceira Cmara de Direito Civil do egrgio Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina negou provimento, em acrdo assim ementado:

    "APELAO CVEL. COBRANA DE INDENIZAO DO SEGURO OBRIGATRIO DPVAT. ACIDENTE DE TRNSITO. AUTORA COM

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    35 (TRINTA E CINCO) SEMANAS DE GESTAO. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURDICA E TITULARIDADE DE DIREITOS E OBRIGAES, EM TERMOS DE LEI SUCESSRIA. INTELIGNCIA DO ART. 4 DO CDIGO CIVIL DE 2002. SENTENA DE IMPROCEDNCIA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. ASSISTNCIA JUDICIRIA GRATUITA. ALTERAO EX OFFICIO DA SENTENA 'A QUO' QUE CONDENOU AO PAGAMENTO DE HONORRIOS ADVOCATCIOS. SUSPENSO DA OBRIGAO PELO PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS - INTELIGNCIA DO ARTIGO 12 DA LEI N. 1.060/50. RECURSO DESPROVIDO.'O nascituro passa a ter personalidade jurdica material com seu nascimento com vida, a partir de quando ser sujeito de direitos cuja aquisio at ento ficara sob condio suspensiva. Consequentemente, no tem a mulher que sofre aborto em decorrncia de acidente de trnsito o direito percepo da indenizao por morte prevista no artigo 3 da Lei n. 6.194 (seguro obrigatrio para o benefcio da vtima fatal)' (TJSC, Apelao Cvel n. 2005.039028-9, de Cricima. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. Em 29/06/2006).'No h que se cogitar de prequestionamento, quando toda a matria posta em juzo foi suficientemente debatida e equacionada, no evidenciando a postulante recursos os pontos do 'decisum' que teriam acarretado violao de dispositivos de lei' (TJ/SC; Apelao Cvel n. 2006.017793-8, de Blumenau. Rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, J. Em 03/05/2007)'.'Deferida o pedido de assistncia judiciria, dada a presumida insuficincia de recursos do beneficirio, a condenao deste aos nus de sucumbncia fica suspensa enquanto perdurar sua incapacidade financeira, pelo prazo mximo de 5 (cinco) anos, conforme preceitua o artigo 12 da Lei n. 1.060/50' (TJSC; Apelao Cvel n. 2006.028342-0, de Chapec. Rel. Des. FERNANDO CARIONI, J. Em 28/11/2006".Buscam os recorrentes, NIVALDO DA SILVA e MRCIA REGINA

    DA SILVA, a reforma do r. decisum, sustentando, em sntese, que "o direito indenizao por morte direito personalssimo do beneficirio no se transmitindo por herana, assim no h que se falar em necessidade de aquisio de personalidade jurdica da vtima, j que o direito a indenizao jamais foi da vtima". Afirmam, outrossim, mostrar-se despiciendo discutir se o nascituro adquiriu ou no personalidade jurdica, na medida em que "o direito ao recebimento da indenizao do seguro obrigatrio DPVAT dos pais, quando da morte de filhos, ou seja, os beneficirios so os pais, portanto no h [...] se tratar do tema sobre a aquisio de personalidade jurdica do nascituro". Ressalta, ainda, que a indenizao do seguro obrigatrio DPVAT um seguro sui generis, pois tanto pode ser tido como seguro Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 3 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    de vida, como seguro de danos morais, a considerar que o pagamento do seguro pode ser descontado da indenizao por danos morais eventualmente fixada em favor das vtimas. Em carter subsidirio, caso se entenda necessrio perscrutar a existncia de personalidade jurdica do nascituro, aduzem que a personalidade da pessoa humana comea com a existncia da vida, que se d com a concepo e fixao do embrio no ventre materno, o que, afasta a concluso adotada pelas Instncias ordinrias acerca da indenizao ora pleiteada. Por fim, anotam ter bem demonstrado a existncia de dissenso jurisprudencial acerca da controvrsia (fls. 170/190).

    A recorrida apresentou contrarrazes s fls. 234/240.

    o relatrio.

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 4 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.120.676 - SC (2009/0017595-0)

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL - SEGURO DPVAT (DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VECULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE) - PRETENSO DE OBTER INDENIZAO DO SEGURO OBRIGATRIO, EM RAZO DE ABORTAMENTO PROVOCADO POR ACIDENTE DE TRNSITO - (MORTE DE NASCITURO) - IMPOSSIBILIDADE - PERSONALIDADE CIVIL - NO-AQUISIO - NASCITURO E PESSOA NATURAL - REALIDADES JURDICAS DISTINTAS - RECURSO IMPROVIDO.

    I - A despeito da controvrsia existente na doutrina, acerca do momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se das teorias que se propem a resolv-la, como ponto em comum, que o nascituro, assim compreendido como o ser j concebido, mas ainda inserido no meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Alis, a parte final do supracitado dispositivo legal expresso em assentar que a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro.

    II - Na verdade, o nascituro titulariza todos os direitos imprescindveis para que este ente venha, em condies dignas, a nascer vivo. O nascituro , portanto, titular dos direitos da personalidade, nestes compreendidos a vida (que, no meio intra-uterino, deve ser propiciada por meio de assistncia pr-natal, de alimentos - gravdicos - e todas as demais condies que proporcionem o desenvolvimento saudvel da gestao), a honra, a imagem, o nome, etc;

    III - A proteo vida humana, desde o seu nascedouro (concepo) at o surgimento da pessoa natural (nascimento com vida), reflexa, decorrente da proteo que o ordenamento jurdico confere pessoa natural, esta sim, centro de imputao de todos os direitos e deveres na ordem jurdica por excelncia. Assim, o perodo em que o feto permanece no ventre materno, como etapa primordial da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo direito naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser, favorecendo e propiciando a ecloso da pessoa natural. (Numa concluso prvia, j se pode mensurar que a esta finalidade, a indenizao pelo seguro DPVAT, no se destina);

    IV - Entretanto, o nascituro, como realidade jurdica distinta da pessoa natural, no titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se confunde. A diversidade destas realidades jurdicas (nascituro

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 5 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    e pessoa natural), no que se refere a sua proteo jurdica, revelada pelo artigo 2 do Cdigo Civil que adota, expressamente, como marco definidor para a aquisio da personalidade civil, o nascimento com vida. , pois, pessoa natural aquele que sobreviveu ao parto, nasceu com vida, adquirindo, com isso, personalidade civil;

    V - Com exceo dos direitos da personalidade que so conferidos ao nascituro com o desiderato nico de assegurar o surgimento da Pessoa Humana (e, por isso, decorrem, reflexamente, ressalte-se, do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana), este ente, por opo legislativa que no comporta alargamento, no titulariza direitos disponveis/patrimoniais, bem como no detm capacidade sucessria. Na verdade, sobre os direitos patrimoniais, o nascituro possui mera expectativa de direitos, que somente se concretizam na hiptese de este ente vir a nascer com vida. Por conseqncia, assim como o nascituro no incorpora, tambm no transfere, por sucesso, qualquer bem, caso inocorrente a condio de nascer com vida. Se este o sistema vigente, mostra-se difcil ou mesmo impossvel conjecturar a figura dos herdeiros do natimorto, tal como propem os ora recorrentes;

    VI - Na hiptese dos autos, a vtima do acidente automobilstico, para efeito legal, em que pese a dolorosa e irreparvel perda do feto, foi a autora, ento gestante. O fato gerador, nos termos legais, apto a ensejar a indenizao do seguro DPVAT, na hiptese dos autos, a apresentao das despesas mdicas (decorrentes do acidente), pela autora suportadas, mediante reembolso;

    VII - De fato, de se reconhecer que se afiguraria salutar que a Lei que disciplina o seguro DPVAT previsse uma faixa de indenizao prpria para a hiptese de a gestante vir a abortar em razo de acidente automobilstico. Entretanto, mesmo se a Lei assim preceituasse, a vtima do sinistro continuaria sendo a ento gestante, e no o feto, natimorto, que, pelo todo j exposto, carece de personalidade jurdica;

    VIII - Indiscutvel a dor e o sofrimento suportados pelos autores, em especial pela autora, que, em razo do acidente automobilstico, teve a sua gestao, em estado j avanado, interrompida. Entretanto, os fatos delineados nos presentes autos no do ensejo, tal como postulado (morte do nascituro), a indenizao do seguro DPVAT Nessa perspectiva, eventual pretenso de obter a reparao do apontado (e inegvel) sofrimento pode ser veiculada pela via indenizatria prpria contra o causador do acidente;

    IX - Recurso especial improvido.

    VOTO

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 6 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): O recurso especial no merece prosperar.

    Com efeito.

    A celeuma instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se a perda do feto, em abortamento provocado por acidente de trnsito, gera ou no, aos genitores daquele, o direito percepo da indenizao decorrente do seguro obrigatrio de "Danos Pessoais Causados por Veculos Automotores de Via Terrestre" - DPVAT.

    Controverte-se, outrossim, se o aborto, compreendido, nos dizeres dos recorrentes, como a morte do nascituro, decorrente de acidente automobilstico, confere ou no aos genitores, na qualidade de beneficirios do natimorto, o direito indenizao do referido seguro obrigatrio.

    Inicialmente, sobreleva ressaltar o carter especial do seguro obrigatrio DPVAT que assume, indiscutivelmente, relevante finalidade social, tendente a minorar os deletrios danos pessoais causados s vtimas do sinistro, inesperados, como si acontecer nos acidentes automobilsticos. Sobre a finalidade deste seguro obrigatrio, autorizada doutrina assim dispe:

    "destina-se a atender as primeiras necessidades decorrentes de um acontecimento infausto, que apanha de surpresa as pessoas, e origina despesas repentinas e inadiveis. Em outros termos, visa simplesmente dar cobertura s despesas urgentes de atendimento das vtimas dos acidentes automobilsticos, em risco permanente de vida. Da a imposio legal da obrigatoriedade de seu pagamento at cinco dias aps a apresentao dos documentos reveladores do sinistro e da qualidade do titular do direito" (RIZZARDO, Arnaldo. A Reparao nos Acidentes de Trnsito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 7 ed., 1997, p. 202).

    Para o deslinde da controvrsia, convm explicitar, nos termos da Lei de regncia, as hipteses de cabimento da indenizao decorrente do seguro DPVAT, bem como os beneficirios que a ela fazem jus.

    Nesse jaez, consigna-se que o seguro obrigatrio, destinado ao ressarcimento dos danos pessoais causados por veculos automotores de via terrestre, previsto na Lei n. 6.194/74, tem como fato gerador a ocorrncia de morte ou invalidez permanente, casos em que a reparao se dar por meio de

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 7 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    indenizao, e as despesas comprovadas com atendimento mdico-hospitalar, caso em que a reparao dar-se- por meio de reembolso destas. Em qualquer hiptese, o ressarcimento dos prejuzos, quanto ao valor, deve observar os parmetros estipulados na referida Lei.

    Quanto aos beneficirios do seguro ora examinado, assinala-se que, nos termos da Lei n. 11.482/2007, que conferiu nova redao ao artigo 4 da Lei n. 6.194/74, a indenizao, no caso de morte, ser paga de acordo com o disposto no art. 792 do Cdigo Civil.

    Desta feita, "na falta de indicao da pessoa ou do beneficirio, ou por qualquer motivo no prevalecer a que for feita", o valor da indenizao dividido simultaneamente, em cotas iguais, entre o cnjuge ou companheiro (50% - cinqenta por cento) e os herdeiros (50% - cinqenta por cento). Conforme a quantidade de herdeiros, a cota fracionada em partes iguais. Tal regramento, a considerar a vigncia da supracitada Lei, aplicvel para os acidentes ocorridos a partir de 29.12.2006. Se o sinistro ocorreu antes de 29.12.2006, o cnjuge ou companheiro recebe a indenizao e, na falta destes, os filhos ou, nesta ordem, os pais, avs, irmos, tios ou sobrinhos.

    Por oportuno, transcreve-se os dispositivos legais da Lei n. 6.194/74 que disciplinam a concesso do seguro DPVAT, especificamente na hiptese de morte, decorrente de acidente envolvendo veculo automotor:

    "Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizaes por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistncia mdica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redao dada pela Lei n 11.945, de 2009). (Produo de efeitos).

    I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte; (Includo pela Lei n 11.482, de 2007)

    II - at R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente; e (Includo pela Lei n 11.482, de 2007)

    III - at R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso vtima - no caso de despesas de assistncia mdica e suplementares devidamente comprovadas. (Includo pela Lei n 11.482, de 2007)

    [...]

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 8 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    Art. 4o A indenizao no caso de morte ser paga de acordo com o disposto no art. 792 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Cdigo Civil. (Redao dada pela Lei n 11.482, de 2007)

    Delineado o tratamento legal ofertado ao seguro DPVAT, conclui-se ser devida a indenizao do seguro obrigatrio em tela vtima do acidente automobilstico, nas hipteses de invalidez permanente ou de despesas mdicas por ela suportadas, ou a seus parentes, na ordem disposta pela lei civil, na hiptese de morte daquela.

    Portanto, a pessoa segurada a vtima do sinistro. Na hiptese de a vtima do sinistro falecer, em virtude deste, o capital segurado ser pago aos herdeiros dela.

    In casu, diante da moldura ftica delineada pelas Instncias ordinrias, em que se reconheceu que a autora da ao, MRCIA REGINA DA SILVA, grvida, com trinta e cinco (35) semanas de gestao na ocasio do acidente automobilstico, veio a sofrer, em razo deste, abortamento, indaga-se, por meio do presente recurso especial, se seria possvel qualificar o natimorto, nos termos da supracitada lei, como vtima do sinistro, conferindo a seus parentes o direito indenizao do seguro DPVAT.

    Tal pretenso, nesses termos submetida, requer, inevitavelmente, a incurso nos temas afetos extino da pessoa natural, ao comeo e fim da personalidade jurdica, bem como delimitao dos direitos do nascituro.

    Como visto, a Lei n. 6.194/74 elege como um dos fatos geradores da indenizao do seguro obrigatrio DPVAT o fato jurdico "morte". Sua definio jurdica encontra-se fincada no artigo 6 do Cdigo Civil que preceitua ser a morte o trmino da existncia da Pessoa natural.

    Para o Direito, Pessoa (gnero) todo ente dotado de personalidade jurdica, esta compreendida como sendo a aptido genrica para ser titular de direitos e obrigaes na ordem jurdica. Por consectrio lgico, para a ocorrncia de morte da Pessoa natural, imprescindvel que esta tenha adquirido personalidade jurdica.

    Nessa linha de raciocnio, sobre o incio da personalidade jurdica da pessoa natural, o Cdigo Civil, em seu artigo 2, assentou que: "a personalidade civil comea do nascimento com vida, mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 9 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    direitos do nascituro".

    No ponto, convm deixar assente que a doutrina, ao interpretar referido dispositivo legal, com o escopo de delimitar o incio da personalidade civil, no se posiciona de forma pacfica, dividindo-se, como de sabena, em trs teorias:

    a) Natalista, segundo a qual a personalidade civil somente se inicial com o nascimento com vida;

    b) da personalidade condicional, que preconiza que a personalidade tem inicio a partir da concepo, porm ficando submetida a uma condio suspensiva (o nascimento com vida), assegurados, no entanto, desde a concepo, os direitos da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento;

    c) concepcionista, que preceitua que a aquisio da personalidade adquirida com a concepo, ressalvados os direitos patrimoniais, decorrentes de herana, legado e doao, que ficam condicionados ao nascimento com vida.

    A despeito da controvrsia acerca do momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se destas teorias, como ponto em comum, que o nascituro, assim compreendido como o ser j concebido, mas ainda inserido no meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Alis, a parte final do supracitado dispositivo legal expresso em assentar que a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro.

    Indaga-se, assim, quais seriam os direitos sobre os quais o nascituro titular.

    Na verdade, o nascituro titulariza todos os direitos imprescindveis para que este ente venha, em condies dignas, a nascer vivo. O nascituro , portanto, titular dos direitos da personalidade, nestes compreendidos a vida (que, no meio intra-uterino, deve ser propiciada por meio de assistncia pr-natal, de alimentos - gravdicos - e todas as demais condies que proporcione o desenvolvimento saudvel da gestao), a honra, a imagem, o nome etc.

    A proteo vida humana, desde o seu nascedouro (concepo) at o surgimento da pessoa natural (nascimento com vida), reflexa, decorrente da proteo que o ordenamento jurdico confere Pessoa natural, esta, sim, centro de imputao de todos os direitos e deveres na ordem jurdica por excelncia. Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 0 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    Ordenamento jurdico, ressalte-se, que tem por norte o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana.

    Assim, o perodo em que o feto permanece no ventre materno, como etapa primordial da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo direito naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser, favorecendo e propiciando a ecloso da pessoa natural. Numa concluso prvia, j se pode mensurar que a esta finalidade, a indenizao pelo seguro DPVAT, no se destina.

    O nascituro, pois, como realidade jurdica distinta da pessoa natural, no titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se confunde. O nascituro, como assinalado, titulariza todos os direitos imprescindveis para que este ente venha, em condies dignas, a nascer vivo.

    A diversidade destas realidades jurdicas (nascituro e pessoa natural), no que se refere a sua proteo jurdica, revelada pelo artigo 2 do Cdigo Civil que adota, expressamente, como marco definidor para a aquisio da personalidade civil, o nascimento com vida. , pois, pessoa natural aquele que sobreviveu ao parto, nasceu com vida, adquirindo, com isso, personalidade civil.

    Uma notvel referncia, para o presente julgamento, revela-se oportuna e necessria.

    No obstante a diversidade de objetos das aes, bem como de abrangncia das respectivas decises, sobreleva consignar que a Corte Excelsa, por ocasio do julgamento da Ao Direita de Inconstitucionalidade sobre a Lei de Biossegurana (ADI n. 3.510/DF), enfrentou temas afetos ao incio da personalidade civil, ponto fulcral da presente controvrsia.

    No judicioso e percuciente voto-condutor, prolatado pelo eminente Ministro Relator Ayres Brito, Sua Excelncia, ao delimitar a existncia do nascituro e da pessoa natural, realidades jurdicas reputadas distintas, bem explicita que somente pessoa natural reservado o atributo de personalidade civil, o que se coaduna totalmente com os comandos da Constituio Federal, na medida em que a proteo vida humana, entre a concepo e o nascimento (com vida), e, portanto, ao nascituro, destina-se a propiciar a ecloso da pessoa natural. Da o carter reflexivo e interdependente dos direitos titularizados pelo nascituro. E sero esses, os direitos (voltados referida finalidade) que a legislao infraconstitucional assegurar ao nascituro.

    Pela relevncia de seu contedo, transcreve-se o seguinte excerto

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 1 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    de seu voto:

    " [...] 19. Falo 'pessoas fsicas ou naturais', devo explicar, para abranger to-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art. 2 do Cdigo Civil Brasileiro chama de 'personalidade civil', literis: "A personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro'. Donde a interpretao de que preciso vida ps-parto para o ganho de uma personalidade perante o Direito (teoria 'natalista', portanto, em oposio s teorias da 'personalidade condicional' e da 'concepcionista'). Mas personalidade como predicado ou apangio de quem pessoa numa dimenso biogrfica, mais que simplesmente biolgica [...]. 20. Se assim, ou seja, cogitando-se de personalidade numa dimenso biogrfica, penso que se est a falar do indivduo j emprica ou numericamente agregado espcie animal-humana; isto , j contabilizvel como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gnero humano. Indivduo, ento, perceptvel a olho nu e que tem sua histria de vida incontornavelmente interativa. Mltipla e incessantemente relacional. Por isso que definido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o direito. Sujeito que no precisa mais do que de sua prpria faticidade como nativo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputao jurdica. Logo, sujeito capaz de adquirir direitos em sue prprio nome, alm de, preenchidas certas condies de tempo e de sanidade mental, tambm em nome prprio contrair voluntariamente obrigaes e se pr como endereado de normas que j signifiquem imposio de 'deveres', propriamente. O que s pode acontecer a partir do nascimento com vida, renova-se a proposio. 21. Com efeito, para o indivduo assim biograficamente qualificado que as leis dispem sobre o seu nominalizado registro em cartrio (cartrio de registro civil das pessoas naturais) e lhe conferem uma nacionalidade. [...] Com o que se tem a seguinte e ainda provisria definio jurdica: vida humana j revestida do atributo da personalidade civil o fenmeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte. 22. Avano no raciocnio para assentar que essa reserva de personalidade civil ou biogrfica para o nativo em nada se contrape aos comandos da Constituio. que a nossa Magna Carta no diz quando comea a vida humana. No dispe sobre nenhuma das formas de vida humana pr-natal. [...] 24. Numa primeira sntese, ento, de se concluir que a Constituio Federal no faz de todo e qualquer estdio da vida humana um automizado bem jurdico, mas da vida que j prpria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condio, dotada de compostura fsica ou natural. como dizer: a inviolabilidade de

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 2 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    que trata o artigo 5 exclusivamente reportante a um j personalizado indivduo [...]. E como se trata de uma Constituio que sobre o incio da vida humana de um silncio de morte (permito-me o trocadilho), a questo no reside exatamente em se determinar o incio da vida do 'homo sapiens', mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida esto validamente protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida [...] 26. Sucede que - este o 'fiat lux' da controvrsia - a dignidade da pessoa humana princpio to relevante para a nossa Constituio que admite transbordamento. Transcedncia ou irradiao para alcanar, j no plano das leis infraconstitucionais, a proteo de tudo que se revele como o prprio incio e continuidade de um processo que desgue, justamente, no indivduo-pessoa. Caso do embrio e do feto, segundo a humanitria diretriz de que a eminncia da embocadura ou apogeu do ciclo biolgico justifica a tutela das respectivas etapas. Razo porque o nosso Cdigo Civil se reporta lei para colocar salvo, 'desde a concepo', os direitos do nascituro' (do latim 'nasciturus') que so direitos de quem se encontre a caminho do nascimento. [...] Pois essa aptido para avanar, concretamente, na trilha do nascimento que vai corresponder ao conceito legal de 'nascituro'. Categoria exclusivamente jurdica, porquanto no-versada pelas cincias mdicas e biolgicas, e assim conceituada pelo civilista Slvio Rodrigues (in Direito Civil, ano de 2001, p.36): 'Nascituro o ser j concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno'.[...] No estou a ajuizar seno isto: a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana j meritria o bastante para acobert-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrlulas, levianas ou frvolas de obstar sua natural continuidade fisiolgica. Mas as trs realidades no se confundem: o embrio o embrio, o feto o feto e a pessoa humana a pessoa humana. Esta no se antecipa metamorfose dos outros dois organismos. o produto final dessa metamorfose. [...] Donde no existir pessoa humana embrionria, mas embrio de pessoa humana, passando necessariamente por essa entidade a que chamamos de 'feto'. Este e o embrio a merecer tutela infraconstitucional, por derivao que a prpria Constituio dispensa pessoa humana propriamente dita. Essa pessoa humana, agora sim, que tanto parte do todo social quanto um todo parte. Parte de algo e um algo parte." (STF, ADI 3510/DF, Relator Ministro Ayres Brito, DJ. 28.5.2010).

    Feitos esses apontamentos, tem-se terreno frtil para aferir-se se devida, nos moldes pretendidos no presente recurso especial, a indenizao do seguro obrigatrio DPVAT aos herdeiros dos nascituro, em razo da morte deste, em acidente automobilstico.

    Como anteriormente assinalado, com exceo dos direitos da Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 3 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    personalidade que so conferidos ao nascituro com o desiderato nico de assegurar o surgimento da Pessoa Humana (e, por isso, decorrem, reflexamente, ressalte-se, do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana), este ente, por opo legislativa que no comporta alargamento, no titulariza direitos disponveis/patrimoniais, bem como no detm capacidade sucessria.

    Na verdade, sobre os direitos patrimoniais, o nascituro possui mera expectativa de direitos, que somente se concretizam ( dizer, incorporam em seu patrimnio jurdico) na hiptese de este ente vir a nascer com vida.

    Veja-se, assim, que a Lei Substantiva Civil aponta, de forma discriminada, algumas relaes jurdicas nas quais o nascituro pode figurar. Ressalte-se, no ponto, que, somente por expressa disposio legal, o nascituro pode figurar em determinadas relaes. So elas: a doao feita ao nascituro (desde que aceita, por seu representante legal) - artigo 542 do Cdigo Civil; o testamento feito em favor do nascituro - artigo 1.798 do Cdigo Civil; o reconhecimento de filiao pode preceder ao nascimento do filho - Pargrafo nico do artigo 1.609; a nomeao de curador ao nascituro, se, por exemplo, o pai falecer estando grvida a mulher que no possui o poder familiar - art. 1.779 do Cdigo Civil.

    de se constatar que os atos que importem a transferncia de patrimnio ao nascituro, tais como a doao e a sua incluso em testamento, encontram-se inexoravelmente sob a condio suspensiva de nascer com vida. Caso tal condio no se verifique, no h falar em incorporao daqueles ao patrimnio jurdico do nascituro. Por conseqncia, assim como o nascituro no incorpora, tambm no transfere, por sucesso, qualquer bem, caso inocorrente a condio de nascer com vida.

    Se este o sistema vigente, mostra-se difcil ou mesmo impossvel conjecturar a figura dos herdeiros do natimorto, tal como propem os ora recorrentes.

    De acordo com a Lei que disciplina o seguro DPVAT, devida a indenizao do seguro obrigatrio em tela vtima do acidente automobilstico, nas hipteses de invalidez permanente ou de despesas mdicas por ela suportadas, ou a seus parentes, na ordem disposta pela lei civil, na hiptese de morte daquela.

    Na hiptese dos autos, a vtima do acidente automobilstico, para efeito legal, em que pese a dolorosa e irreparvel perda do feto, foi a autora, ento gestante. O fato gerador, nos termos legais, apto a ensejar a indenizao do seguro DPVAT, na hiptese dos autos, a apresentao das despesas mdicas Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 4 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    (decorrentes do acidente), pela autora suportadas, mediante reembolso.

    De fato, de se reconhecer que se afiguraria salutar que a Lei que disciplina o seguro DPVAT previsse uma faixa de indenizao prpria para a hiptese de a gestante vir a abortar em razo de acidente automobilstico. Entretanto, mesmo se a Lei assim preceituasse, a vtima do sinistro continuaria sendo a ento gestante, e no o feto, natimorto, que, pelo todo j exposto, carece de personalidade jurdica.

    Tal considerao, certo, s refora a concluso de que, nos termos da legislao posta, cuja aplicao o magistrado encontra-se vinculado, o alargamento das hipteses legais, sem a correspondente lei aditiva, consubstanciaria, na compreenso deste Relator, descabido ativismo judicial.

    Como bem ponderado pelas Instncias ordinrias, indiscutvel a dor e o sofrimento suportados pelos autores, em especial pela autora, que, em razo do acidente automobilstico, teve a sua gestao, em estado j avanado, interrompida. Entretanto, os fatos delineados nos presentes autos, tal como postulados (morte do nascituro), no do ensejo, a indenizao do seguro DPVAT. Nessa perspectiva, eventual pretenso de obter a reparao do apontado (e inegvel) sofrimento pode ser veiculada pela via indenizatria prpria contra o causador do acidente.

    Por fim, reputa-se bem demonstrada a existncia de dissenso jurisprudencial. Porm, nos termos ora assentados, tem-se que a soluo conferida pelas Instncias ordinrias controvrsia encontra-se consentnea com o sistema legal em vigor.

    Assim, nega-se provimento ao presente recurso especial.

    o voto.

    MINISTRO MASSAMI UYEDA

    Relator

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 5 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    CERTIDO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

    Nmero Registro: 2009/0017595-0 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.120.676 / SC

    Nmeros Origem: 18060181068 20080143627 20080143627000100

    PAUTA: 18/11/2010 JULGADO: 18/11/2010

    RelatorExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

    Subprocurador-Geral da RepblicaExmo. Sr. Dr. JOS BONIFCIO BORGES DE ANDRADA

    SecretriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

    AUTUAO

    RECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/AADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    Aps o voto do Sr. Ministro Massami Uyeda, negando provimento ao recurso especial, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Nancy Andrighi.

    Braslia, 18 de novembro de 2010

    MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHASecretria

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 6 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.120.676 - SC (2009/0017595-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    VOTO-VISTA

    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO: Senhor

    Presidente, pedi vista dos autos em sesso de 18/11/2010 diante da relevante

    questo que se devolve ao conhecimento desta Egrgia Corte.

    Com a devida vnia do eminente relator, estou em dar provimento ao

    presente recurso especial.

    O sinistro automobilstico do qual decorrera o pedido de pagamento da

    indenizao pelo seguro obrigatrio DPVAT, envolvendo um veculo

    automotor e uma bicicleta e ocorrido em 13/09/2003, levara a vida da filha dos

    postulantes.

    Ocorre que, e aqui est o centro da discusso jurdica a ser solvida,

    encontrava-se ela ainda no ventre materno, vindo a falecer quatro dias aps o

    acidente, ou seja, em 17/09/2003, com 35 semanas completas de gestao.

    O Decreto n. 73/66, ao dispor acerca do Sistema Nacional de Seguros

    Privados, previu como sendo cobertos pelo seguro obrigatrio os seguintes

    prejuzos: l) danos pessoais causados por veculos automotores de vias terrestres e por

    embarcaes, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou no; (art. 20, inciso l)

    De sua parte, a LF n. 6.194/74, que alterara o referido decreto e fora

    ainda alterada pelas LFs n. 11.945/09 e n. 11.482/07, definiu com mais preciso

    o significado dos chamados danos pessoais a serem cobertos pelo seguro,

    dispondo textualmente o seguinte:

    Art. 3 Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2 desta Lei compreendem as indenizaes por morte , por invalidez

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 7 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    permanente, total ou parcial, e por despesas de assistncia mdica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redao dada pela Lei n 11.945, de 2009).I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte;II - at R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente;III - at R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso vtima - no caso de despesas de assistncia mdica e suplementares devidamente comprovadas.

    A polmica central do presente recurso especial situa-se em se

    estabelecer o enquadramento da situao ocorrida no presente processo, em que

    a vtima, que estava no ventre de sua me no momento do sinistro de trnsito,

    veio a falecer quatro dias depois, nascendo sem vida (e-STJ, fls. 24 e 25).

    Em outras palavras, deve-se estabelecer se o presente caso enquadra-se na

    expresso "indenizaes por morte" estatuda no enunciado normativo acima

    transcrito.

    Tenho que a interpretao mais razovel desse enunciado normativo,

    consentnea com a nossa ordem jurdico-constitucional, centrada na proteo

    dos direitos fundamentais, no sentido de que o conceito de "dano-morte",

    como modalidade de "danos pessoais", no se restringe ao bito da pessoa

    natural, dotada de personalidade jurdica, mas alcana, igualmente, a pessoa j

    formada, plenamente apta vida extra-uterina, embora ainda no nascida,

    que, por uma fatalidade, acabara vendo a sua existncia abreviada em acidente

    automobilstico.

    No consigo identificar, como o fizeram os nominalistas quando do

    enfrentamento das questes afeitas personalidade, a pessoa (enquanto ser) ao

    sujeito de direitos.

    Pouco defensvel a tese de que quem esteja temporria ou

    definitivamente sob uma capitis diminutio no seja pessoa na mesma extenso

    daquele que no v sua capacidade reduzida.

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 8 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    Em prevendo, a LF n. 6.194, o direito percepo de indenizao pelo

    seguro obrigatrio DPVAT pessoa vitimada , fez-se alcanar tambm o

    nascituro.

    A cincia cuja misso a investigao da vida - a biologia - coadjuvada

    pela medicina, racionalizando as fases da vida intra-uterina, do zigoto ao feto,

    externara a pr-viabilidade fetal desde a 22 semana de gravidez e a sua

    viabilidade desde a 27 semana (Viabilidade entendida como: a capacidade de

    manter uma existncia separada segundo o Oxford Universal Dictionary apud

    Jos Peixoto, Mrio Branco, Alice Freitas, Clara Dias, in Viabilidade - http://www.lusoneonatologia.net/usr/files/publications/ff13c5881751fe6f1b9c3f32f005d7fd.p

    df).

    Note-se que a filha dos postulantes encontrava-se na 35 semana de vida,

    nono ms de gestao, ou seja, era plenamente hbil vida ps-uterina,

    autnoma no seu desenvolvimento, apenas no independente, porque

    necessitava, ainda, por mais alguns dias, da "alimentao" que lhe provia sua

    me (alimentao aqui compreendida como o sustento para a sua sobrevivncia

    no ambiente intra-uterino).

    O ser que tinha transitria e brevemente o ventre materno como o seu

    abrigo sequer se confundiria com o seu "continente", segundo as tradies

    romansticas: "portio mulieris vel viscerum" (Caio Mrio da Silva Pereira,

    Instituies ao Direito Civil , 23 ed., Editora Forense, Rio de Janeiro: 2009, p. 183). No!

    Era indivduo totalmente autnomo, intrinsecamente dotado de individualidade

    gentica, emocional e sentimental, como interessantemente relata Mrcio

    Accioly de Andrade na obra Dignidade da Pessoa Humana, Fundamentos e

    Critrios Interpretativos (Organizado por Agassiz Almeida Filho e Plnio

    Melgar, Editora Malheiros, So Paulo: 2010, pp. 140/141):

    Outros fenmenos semelhantes aos que ocorrem nas pessoas adultas so tambm constatados nas pessoas dos conceptos, como o sonho,

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 1 9 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    que detectado por exame eletroencefalogrfico, so caracterizados e observados pelos movimentos oculares no cristalino fetal; a reao a estmulos do som, revelado por meio da acelerao cardaca ou da realizao de movimentos; a capacidade degustativa demonstrada atravs da introduo de acar pelo lquido amnitico ocasionando o aumento da deglutio e a diminuio com substncias amargas.

    Aguardava, pois, to-s o parto para que desse seguimento ao

    desenvolvimento que se iniciara desde a concepo.

    O Cdigo Civil Brasileiro, no art. 2, concebe como necessrio

    aquisio da personalidade civil, o nascimento com vida (teoria natalista),

    resguardando, todavia, desde a concepo, os direitos do nascituro (teoria

    concepcionista).

    Se certo que a lei brasileira previu como aptos a adquirirem direitos e

    contrarem obrigaes, os nascidos com vida, dotando-os de personalidade

    jurdica, no excluiu do seu alcance aqueles que, ainda no nascidos,

    remanescem no ventre materno, reconhecendo-lhes a aptido de ser sujeitos

    de "direitos".

    Nessa toada, o legislador resguardou aos nascituros: direitos relacionados

    com a garantia do seu por vir (v. g. direito aos alimentos gravdicos,

    penalizao do aborto, direito assistncia pr-natal), com o resguardo do seu

    patrimnio (v. g. doao; posse em nome do nascituro; percepo de herana

    ou legado), com a preservao da sua dignidade enquanto ser humano em

    formao (direito ao nome; ou, em infeliz situao como a presente, aos

    cerimoniais fnebres), desse rol no havendo excluir-se a indenizao

    securitria a ser alcanada aos ascendentes do segurado falecido em face do seu

    passamento.

    Quando do julgamento da constitucionalidade da lei da Biossegurana

    (Adin n. 3.510/DF), em que pese tenha manifestado sua adeso teoria

    natalista, no deixou de registrar, o e. relator Min. Carlos Ayres Brito, o

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 0 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    transbordamento do princpio da dignidade da pessoa humana ao ser em

    formao, de forma a preservarem-se os interesses daquele que "desaguar" no

    indivduo-pessoa, pontificando em voto de destacada judiciosidade que:

    Sucede que - este o fiat lux da controvrsia - a dignidade da pessoa humana princpio to relevante para a nossa Constituio que admite transbordamento. Transcendncia ou irradiao para alcanar, j no plano das leis infraconstitucionais, a proteo de tudo que se revele como o prprio incio e continuidade de um processo que desgue, justamente, no indivduo-pessoa. Caso do embrio e do feto, segundo a humanitria diretriz de que a eminncia da embocadura ou apogeu do ciclo biolgico justifica a tutela das respectivas etapas. Razo porque o nosso Cdigo Civil se reporta lei para colocar a salvo, 'desde a concepo, os direitos do nascituro' (do latim 'nasciturus'); Se se prefere - considerado o fato de que o fenmeno da concepo j no exclusivamente intra-corpreo -, direitos para cujo desfrute se faz necessrio um vnculo operacional entre a fertilizao do vulo feminino e a virtualidade para avanar na trilha do nascimento. Pois essa aptido para avanar, concretamente, na trilha do nascimento que vai corresponder ao conceito legal de 'nascituro'. Categoria exclusivamente jurdica, porquanto no-versada pelas cincias mdicas e biolgicas, e assim conceituada pelo civilista Silvio Rodrigues (in Direito Civil, ano 2001, p. 36): 'Nascituro o ser j concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno'."

    Assim tambm, a e. Min. Carmen Lcia que, discorrendo sobre o

    princpio da dignidade, ponderara:

    A espcie humana h que ser, pois, respeitada em sua dignidade, manifestada em cada um e em todos os homens, porque a condio digna de ser membro desta espcie toca todos e cada qual dos que a compem. Por isto que as constituies mais recentes mencionam a humanidade como o ponto que se busca atingir no respeito aos direitos.Significa que o princpio constitucional da dignidade humana estende-se alm de cada pessoa, considerando todos os seres humanos, os que compem a espcie, dotam-se de humanidade, ainda que o direito sequer ainda reconhea (ou reconhea precariamente, tal como se tem na frmula da Conveno Nacional de tica francesa de pessoa humana em potencial) a personalidade. o que se d com o embrio e com o morto, que no dispe das condies necessrias

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 1 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    para titularizar a personalidade em direito (pelo menos em todas as legislaes vigentes, hoje, no mundo), mas que compem a humanidade e so protegidos pelo direito pela sua situao de representao da humanidade.

    Com efeito, no haveria, sequer, necessidade de se proceder nova

    exegese do dispositivo de lei (art. 2 do CCB) que reconhece o incio da

    personalidade civil - no o que aqui se pretende - seno evitar o esvaziamento

    da existncia digna de um ser humano que chegou, de forma to serdia,

    morte, preservando-se, ainda, o ideal que todo o pai faz em torno do seu filho,

    sua significao, sua relevncia na vida familiar.

    Voltando a ateno inestimvel contribuio alcanada ao tema no

    acrdo j referido, trago lembrana breves e pertinentes consideraes,

    naquela assentada, feitas pelo Min. Gilmar Mendes:

    Independentemente da concepo que se tenha sobre o termo inicial da vida, no se pode perder de vista - e isso parece ser indubitvel diante de qualquer posicionamento que se adote sobre o tema - que, em qualquer hiptese, h um elemento vital digno de proteo jurdica. Muitas vezes passa despercebido nos debates que no preciso reconhecer em algo um sujeito de direitos para dotar-lhe de proteo jurdica indisponvel.(...)Assim, a questo no est em saber quando, como e de que forma a vida humana tem incio ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteo desse organismo pr-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o prprio homem no pode prever.

    No presente caso, sonegar-se o direito cobertura pelo seguro obrigatrio

    de danos pessoais consubstanciados no fato "morte do nascituro" entoaria, ao

    fim e ao cabo - especialmente aos pais j combalidos com a incomensurvel

    perda - a sua no existncia, malogrando-se o respeito e a dignidade que o

    ordenamento deve reconhecer e reconhece inclusive quele que ainda no

    nascera (art. 7 da LF n. 8.069/90).

    Relembro magistrio de Silmara Juny Chinelato a reconhecer o alcance

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 2 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    do conceito de criana ao nascituro, assim pontificando: Tendo em vista que o

    nascituro um ser humano, plenamente defensvel possa ser includo no

    conceito de criana do Estatuto da criana e do Adolescente, segundo

    interpretao sistemtica do ordenamento jurdico (in Novo Cdigo Civil

    Questes Controvertidas, Coordenao Mrio Luiz Delgado e Jnes Figueiredo

    Alves, Ed. Mtodo, So Paulo: 2004, p. 361).

    Sobrelevando-se os direitos tutela da pessoa humana, tenho por

    plenamente possvel extrair da legislao infraconstitucional que disciplinara o

    seguro obrigatrio a contemplao do direito indenizao pela morte do

    nascituro.

    Com efeito, a reproduo da essncia humana.

    No fato raro no Brasil a ocorrncia de acidentes automobilsticos -

    alis, fato por deveras lamentvel - no se mostrando menos corriqueiro

    restarem envolvidos, em ditos acidentes, mulheres gestantes, que, pelo delicado

    estado em que se encontram, acabam, fatalisticamente, perdendo os filhos que

    aguardam.

    Com a vnia das relevantes vozes em contrrio, no logro retirar essa

    importante parcela da populao brasileira do alcance de seguro obrigatrio,

    seguro que, como bem destacou o e. relator, tem carter especial devido a sua

    marcante finalidade social, voltado a minorar os deletrios danos pessoais

    causados s vtimas de sinistros automobilsticos.

    No se pode negar ter sido, a filha dos demandantes, vtima do relatado

    incidente.

    Da mesma forma, no vejo espao para se diferenciar o filho nascido

    daquele plenamente formado, mas ainda no tero da me, para fins da

    pretendida indenizao, ou mesmo daquele que, por fora do acidente, acabe

    tendo o seu nascimento antecipado e reste a falecer minutos aps o parto.

    A pretensa compensao advinda da indenizao securitria estaria Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 3 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    voltada a aliviar a dor talvez no na mesma magnitude, mas muito semelhante

    sofrida pelos pais diante perda de um filho, o que, ainda assim, sempre se

    mostra quase impossvel de se determinar, como bem j reconhecera esta

    Terceira Turma quando do reconhecimento de dano moral pela morte do pai

    quele que ainda no havia logrado nascer (Resp n. 931.556/RS).

    Relembre-se a ementa desse paradigmtico precedente:

    RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAO DO QUANTUM INDENIZATRIO. DIES A QUO. CORREO MONETRIA. DATA DA FIXAO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NO CONFIGURADA A M-F DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITRIO. ANULAO DO PROCESSO. INEXISTNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE.- Impossvel admitir-se a reduo do valor fixado a ttulo de compensao por danos morais em relao ao nascituro , em comparao com outros filhos do de cujus, j nascidos na ocasio do evento morte, porquanto o fundamento da compensao a existncia de um sofrimento impossvel de ser quantificado com preciso.- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixao da satisfao compensatria por danos morais, principalmente com base na gravidade da leso que o juiz fixa o valor da reparao.(....)Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da r no conhecido.(REsp 931556/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2008, DJe 05/08/2008)

    Por derradeiro, no haveria ainda considerar-se empecilho o fato de o

    nascituro, em no possuindo personalidade jurdica, no ser apto transmisso

    de direitos aos seus ascendentes, porque aqui se est diante de contrato de

    seguro (em que pese legal).

    Os beneficirios da indenizao no sero chamados ao plo ativo da

    relao obrigacional por fora de vnculo hereditrio, seno obrigacional.

    A LF n. 6.194/74, ao referir-se aos beneficirios do seguro reportou-se, Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 4 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    no seu art. 4, ao art. 792 do CCB.

    Aclarara, simplesmente, por se tratar de seguro obrigatrio, em que no

    h beneficirios indicados consensualmente, que os beneficirios deveriam

    manter vnculo parental (hereditrio) com o segurado. Assim o faz para

    sistematizar o seu reconhecimento, evitando-se a pouco fecunda indicao de

    tal ou qual beneficirio (pais, filhos, irmos etc.).

    Ora, no caso dos autos, no h dvida acerca de quem eram os

    ascendentes (pais) da vtima do acidente, devendo eles figurar como os

    beneficirios da indenizao e no como seus herdeiros.

    Nessa linha e por todo exposto, pretendendo os recorrentes a percepo

    da indenizao securitria pela morte da sua filha, ocorrida,

    incontroversamente, por fora de acidente automobilstico terrestre, direito que,

    entendo, vem resguardado na LF n. 6.194/74, voto no sentido de dar

    provimento ao recurso especial, julgando procedente o pedido inicial e

    condenando a parte r ao pagamento da indenizao prevista no art. 3, inciso I,

    da LF n. 6.194/74. O valor da condenao ser acrescido de correo monetria

    desde a propositura da demanda e juros legais moratrios desde a citao.

    Arcar a requerida com as custas e honorrios advocatcios do procurador dos

    autores, que arbitro em 15% sobre o valor atualizado da condenao.

    o voto.

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 5 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    CERTIDO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

    Nmero Registro: 2009/0017595-0 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.120.676 / SC

    Nmeros Origem: 18060181068 20080143627 20080143627000100

    PAUTA: 18/11/2010 JULGADO: 07/12/2010

    RelatorExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

    Relator para AcrdoExmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

    Subprocurador-Geral da RepblicaExmo. Sr. Dr. JOS BONIFCIO BORGES DE ANDRADA

    SecretriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

    AUTUAO

    RECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/AADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    Prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Nancy Andrighi. Lavrar o acrdo o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

    Braslia, 07 de dezembro de 2010

    MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHASecretria

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 6 de 27

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.120.676 - SC (2009/0017595-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : NIVALDO DA SILVA E OUTROADVOGADO : MARCELO BATTIROLA E OUTRO(S)RECORRIDO : LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A ADVOGADO : VANESSA HUPPES RIPOLL

    VOTO

    O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR

    CONVOCADO DO TJ/RS): Sr. Presidente, a matria muito interessante.

    Estaria propenso a acompanhar os votos divergentes, com os fundamentos

    h pouco trazidos a pblico, apenas lembrando esses dois aspectos: o art. 2 do Cdigo Civil

    diz que a personalidade comea no nascimento com vida, mas a lei pe a salvo, desde a

    concepo, os direitos do nascituro. A par disso, o moderno Direito, est emprestando tanta

    significao aos chamados direitos de personalidade, envolvendo a pessoa humana com todos

    os reflexos, mesmo no ventre uterino. Em princpio, pedindo vnia a V. Exa., estaria

    acompanhando a divergncia no sentido de dar provimento ao recurso especial.

    Documento: 1023432 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/02/2011 Pgina 2 7 de 27


Recommended