Ensaio controlado randomizado de preparações lipídicas a base de óleo de
peixe versus óleo de soja no tratamento de crianças com colestase associada à
nutrição parenteral
A Double-Blind Randomised Controlled Trial of Fish Oil-Based versus Soy-Based Lipid Preparations in the
Treatment of Infants with Parenteral Nutrition-Associated Cholestasis
Lam H.S., Tam Y.H., Poon T.C.W., Cheung H.M., Yu X., Chan B.P.L., Lee K., Lee B.S.C., Ng P.C.
Neonatology 2014;105:290-296 Department of Paediatrics, The Chinese University of Hong Kong
Universidade Católica de BrasíliaApresentação: Antônio Cândido de Paula Neto, Débora
Pennafort PalmaCoordenação: Paulo Roberto Margotto
www.paulomargotto.com.brBrasília, 4 de junho de 2015
Avanços no cuidado intensivo neonatal1 diminuição da morbimortalidade de crianças com síndrome do intestino curto e falência intestinal. Essas crianças muitas vezes permanecem dependentes de
nutrição parenteral (NP) para sobrevivência e crescimento. NP prolongada tem sido associada a complicações
graves1,2: Deficiências nutricionais; Riscos secundários ao uso de cateteres venosos centrais; Colestase associada à NP – PNAC (PN-associated
cholestasis)
Introdução
Colestase Neonatal3: Colestase intra-hepática + fibrose hepática Casos graves: falência hepática Disfunção hepática: bilirrubina direta (BD) e alanina
aminotransferase (ALT).
Estabelecida a colestase, esta só é revertida com a suspensão da NP e restabelecimento da nutrição enteral. Falha do desmame da NP está associada a alta
mortalidade3.
Introdução
Composições lipídicas parenterais:Preparados lipídicos à base de soja (SLP)Preparados lipídicos à base de cártamo.
Estudos recentes sugerem que os mesmos desempenham papel crucial na patogênese da PNAC.
Possuem fitosteróis, que foram associados à diminuição do fluxo de bile em estudos com leitões recém-nascidos4.
Redução significativa ou descontinuação destas preparações podem melhorar a colestase em crianças que fazem uso de NP prolongada5.
*Soy-based parenteral lipid preparation (SLP).
Introdução
Composições a base de óleo de peixe (FOLP): Estudos recentes mostraram que a substituição do SLP
por FOLP pode levar à reversão da colestase (PNAC)6-11. Rico em ômega-3 (no óleo de soja:ômega-67) Uso exclusivo pode estimular as vias anti-
inflamatórias e atenuar os efeitos pró-inflamatórios do SLP no fígado12,13.
Provê ácidos graxos essenciais e energia necessários para o crescimento. Livre de efeitos adversos hepáticos.
Introdução
Objetivos:
PRIMÁRIO:Avaliar se a monoterapia com FOLP seria capaz de parar ou reverter a progressão da colestase (PNAC) em crianças dependentes de NP após 4 meses de tratamento.SECUNDÁRIO:Avaliar os efeitos da FOLP sobre taxas de alteração da função hepática e do crescimento físico.
Introdução
Estudo controle randomizado, prospectivo, duplo-cego.
Unidade de cuidados intensivos Nível III, afiliada a uma universidade em Hong Kong.
Recrutamento: 38 meses – Maio/2008 e Junho/2011. Submetidos: RN que necessitaram de NP, submetidos a
monitorização semanal da função hepática – BD e ALT. Bebês que desenvolveram PNAC foram elegíveis para o
recrutamento se preenchessem os critérios de inclusão.
Métodos
Critérios de Inclusão: BD ≥ 34 μmol/l (2 mg/dl) Expectativa de NP > 2 semanas Consentimento esclarecido dos pais
Critérios de Exclusão: Anormalidades congênitas maiores ou cromossômicas
letais. Falência de múltiplos órgãos ou morte iminente. Icterícia colestática secundária a causas conhecidas:
Malformações congênitas ou adquiridas, sífilis, hepatite B ou C, atresia biliar ou outras doenças biliares obstrutivas extra ou intra-hepáticas.
Métodos
Desfecho primário: Reversão da PNAC definida como: BD < 34 μmol/l
após 4 meses do início do tratamento com lipídios. Desfecho secundário:
Taxa de variação dos testes semanais de função hepática, parâmetros de crescimento infantil (perímetro cefálico e peso), perfil lipídico e o número de episódios de infecção tardia.
Métodos
Cálculo da amostra: Diante da falta de dados no início do estudo, partiu-se do
pressuposto: Colestase seria resolvida em 40% no grupo da SLP (provavelmente superestimada*) e em 80% no grupo da FOLP (subestimada*), dentro do período de estudo.
Seriam necessárias 27 crianças em cada grupo para alcançar um poder de 80% e um P = 0,05. Planejou-se nova análise após recrutamento de cerca de um
terço dos pacientes para reavaliação e ajuste da amostra final.*A partir de resultados de uma série de casos já publicados6-8
Métodos
Randomização: Crianças elegíveis foram aleatoriamente designadas para receber FOLP ou SLP. Equipes clínicas e de pesquisa não tinham conhecimento
da randomização durante o período de estudo.
FOLP (OmegavenR): 0,5 g/kg/dia, aumentando 0,5 a cada 2 dias, até 1,5.
SLP(IntralipidR):Diminuição para 1,5 g/kg/dia Redução mostrou ser benéfica em estudos anteriores14. Demonstrar se redução da PNAC seria devida à
diminuição da dose de SLP ou à substituição por FOLP.
Métodos
Dados Clínicos: Parâmetros antropométricos (perímetro cefálico-PC- e peso)
e clínicos como sepse, foram metodicamente documentados.
Ética e Consentimento: Aprovação ética da junta The Chinese University of Hong
Kong-New Territories East Cluster Clinical Research Ethics Committee.
Obtido consentimento esclarecido dos pais em todos os casos.
Registrado com a OMS.
Métodos
Análise Estatística: Testes de Fisher, Mann-Whitney e Wilcoxon.SPSS para Windows.
Comparar variáveis proporcionais e contínuas entre os grupos.
Dados longitudinais (parâmetros de crescimento e função hepática): Submetidos a modelagem linear de efeitos mistos para avaliar a taxa de variação média durante o tratamento.
Correlação parcial: associação entre a proporção de nutrição enteral e ALT ou BD ao remover as variáveis de confusão (medições repetidas, semanas de seguimento, sexo, idade gestacional, peso).
Nível de significância: 5%
Métodos
Características Clínicas dos Pacientes:
Análise provisória: 9 RN foram randomizados para o FOLP e 7 para o SLP, no momento em que a análise provisória foi realizada (figura 1) Características clínicas semelhantes entre os dois grupos no momento da randomização (tabela 1).
Resultados
cBil: bilirrubina direta
Resultados Clínicos:Não houve diferença entre os grupos no tempo mediano de resolução da colestase.
110 dias (IQR:82-158) e 137 (IQR:106-150) dias para FOLP e SLP respectivamente (p=0,74)
Maioria dos casos resolveu em menos de 4 meses em ambos (tabela 2).
Recuperação da PNAC durante a NP: 3 de 19 crianças no grupo da FOLP e nenhuma no grupo da SLP.
Mortes: 2 no grupo da SLP (falência hepática e de múltiplos órgãos por
sepse). Grupo da FOLP: todos sobreviveram e receberam alta hospitalar. Sem diferenças na contagem de plaquetas e perfil lipídico entre
os dois grupos (tabela 2)
Resultados
Alterações de BD e ALT:A análise univariada mostrou
SLP foi positivamente associada com o aumento da BD.
Proporções de alimentação entérica (p = 0,04), peso ao nascer (p < 0,01) e peso corporal (p < 0,01) foram associados negativamente.
SLP (p = 0,01), sexo feminino (p = 0,04) e proporção de alimentação enteral (p = 0,05) foram associados positivamente com ALT.
Resultados
Alterações de BD e ALT: Comparando com a hipótese nula, houve aumento
significativo da BD por semana (13,5µmol/l) no grupo SLP (p < 0,01), mas não no grupo FOLP (p = 0,90). A taxa de aumento de BD no grupo SLP foi
significativamente maior do que no grupo FOLP (p = 0,03) (tabela 2; figura 2).
ALT piorou significativamente, aumentando 9,1 UI/L/semana no grupo de SLP (p < 0,01), mas não no grupo FOLP (p = 0,71). A taxa de aumento dos níveis de ALT no grupo SLP foi
significativamente maior do que no grupo FOLP (p = 0,02).
Resultados
Nutrição Enteral X função hepática X Lipídios Parenterais:
Fatores significativos para explicação da alteração da BD/ALT, segundo análise multivariada:
Mudança da linha de base do parâmetro com o tempo (semana); Escolha do composto lipídico; Proporção de alimentação enteral.
Aumento na nutrição enteral foi associado a significante melhora da PNAC no grupo em uso de FOLP.
Resultados
Nutrição Enteral X função hepática X Lipídios Parenterais:
BD: Diminuição significativa em uso de FOLP. FOLP: 8,5 mmol/l a cada 10% na nutrição enteral (p < 0,01). SLP: não houve essa melhora ( 1,6 mmol/l por 10% - P = 0,96).
ALT: Aumento em uso de SLP. SLP: ALT 9,0 UI/l a cada 10% na nutrição enteral (p < 0,01). FOLP: 3,0 UI/l a cada 10% (p = 0,24) .
Resultados
Nutrição Enteral X função hepática X Lipídios Parenterais:
Resultados demonstraram taxa de melhoria da PNAC é dependente tanto da escolha do lipídio parenteral, quanto da proporção de nutrição enteral.
Resultados
Nutrição Enteral X função hepática X Lipídios Parenterais:Correlação parcial:
FOLP: aumento da proporção de nutrição enteral foi significativamente associada com a diminuição da BD (r = -0,31 / p = 0,02) , mas não os níveis de ALT (r = -0,03 / p = 0,81).
SLP: aumento da nutrição enteral não foi associado significativamente com qualquer mudança na BD ( r = -0,05 / p = 0,75) , mas foi adversamente associada com um aumento dos níveis de ALT (r = 0,47 / p = 0,01) .
Resultados
Peso Corporal e Perímetro Cefálico:
Peso corporal aumentou significativamente mais rápido em RN em uso de FOLP comparativamente aos RN em uso de SLP (128 x 83 g/sem / p = 0,02).
Tendência positiva foi observada também no PC (0,49 x 0,33 cm/semana / p = 0,06).
Resultados
Discussão
O desfecho da PNAC em 4 meses pós tratamento não se mostrou significativamente diferente entre os grupos. A PNAC nesse período já tinha se resolvido em
ambos os grupos.
Essa análise foi arbitrária, no início do estudo, devido a ausência de dados piloto.
Discussão
No entanto, os resultados do presente estudo mostraram:
Uso contínuo de SLP, foi associado a piora da PNAC, danos ao fígado, apesar da redução da dose em 50%.
Com o uso da FOLP, houve uma diminuição da progressão da PNAC.
Discussão
• O tempo de 4 meses utilizado como critério pode ter sido muito longo.
• Maioria das crianças com PNAC já teriam quadro resolvido devido a interrupção da NP.
• Assim não teria sido demonstrada uma melhora mais rápida com a FOLP com esse período.
• O uso de diferentes lipídios (óleo de peixe e soja) se mostrou resultados diferentes na progressão de PNAC.
Discussão
Aumento da nutrição enteral FOLP: reversão da PNAC SLP: BD não melhorou durante o período
Foram observadas taxas significativamente mais elevadas de aumento no peso corporal e uma tendência positiva na circunferência da cabeça no grupo FOLP.
Discussão
A mudança de SLP para FOLP com PNAC estabelecida:
Diminuição do risco de danos ao fígado Taxa mais rápida de recuperação da PNAC com o
aumento da proporção de nutrição enteral.
Discussão
A piora da PNAC do grupo com SLP, deve-se provavelmente a efeitos prejudiciais do SLP, mesmo em pequenas doses: Devido a não recuperação da PNAC nas crianças em uso de
SLP. Recuperação da função hepática após interrupção da SLP.O efeito benéfico do FOLP não foi devido a menor dose
de lipídio, pois no desenho do estudo, ambos grupos receberam a mesma quantidade de lipídio/kg/dia
Discussão
As características clínicas, incluindo a gravidade PNAC, foram comparáveis entre os grupos de recrutamento.
Os efeitos benéficos foram estatisticamente e clinicamente compatíveis com a série de casos anteriores6-8.
Discussão
Um estudo recente mostrou que a colestase associada a fibrose portal persiste mesmo com a mudança para a FOLP10
A FOLP sozinha não consegue interver completamente nos danos ao fígado relacionado ao jejum prolongado ou a SLP prévia.Outro estudo recente11 demonstrou que com a
combinação de FOLP e SLP, a melhora da colestase foi vista somente quando houve
suspensão da SLP.
Discussão
• A deficiência de ácido graxo essencial tem sido sugerida como sendo um potencial risco de uso exclusivo de FOLP em vista dos seus níveis relativamente baixos de O6LC-PUFA8
– Estudo de coorte recente demonstrou que com 1g / kg por dia de FOLP, os bebês tratados não desenvolveram evidências bioquímicas de deficiência de ácidos graxos essenciais9
• A FOLP em monoterapia é provável que seja mais eficaz do que as terapias de combinação em minimizar a toxicidade hepática
Discussão
• Embora o plano de estudo inicial fosse recrutar 27 indivíduos em cada um dos braços, a análise provisória sugeriu que os efeitos diferenciais sobre colestase entre as duas preparações eram muito maiores do que o previsto.
• Ele também indicou que, apesar de aumentar gradualmente a nutrição enteral, aqueles em SLP não iriam melhorar em tudo.
Discussão
• Com o aumento da disponibilidade de informações sobre a FOLP6,8,9, no final do estudo, os pais começaram a requerer que os seus filhos começassem o tratamento com FOLP e tornaram-se relutantes à randomização.
• Em vista dos resultados provisórios, e a crescente dificuldade de recrutamento, decidiu-se terminar o estudo prematuramente e publicar os dados.
Conclusão
Primeiro estudo controlado randomizado para demonstrar que a substituição do SLP com FOLP pode deter a progressão PNAC
O desfecho primário do PNAC aos 4 meses não foi diferente entre os grupos.
No entanto, houve uma diferença significativa nas taxas de variação dos níveis de bilirrubina direta e função hepática entre os grupos.
Conclusão
Melhoria gradual da função do fígado só ocorreu em crianças que receberam FOLP com o aumento da nutrição enteral.
Em contraste, apesar do aumento da nutrição entérica e reduzir a dosagem de SLP por 50%, a função hepática de lactentes SLP continuou a deteriorar.
Conclusão
• Estas descobertas sugerem que até mesmo pequenas doses de SLP pode ser prejudicial e cessação completa da SLP e substituição por FOLP pode evitar mais danos ao fígado em crianças dependentes da nutrição parenteral.
• Futuros estudos devem se concentrar em determinar o momento mais adequado de tratamento com FOLP e a dosagem ideal / regime de FOLP para o tratamento desta condição com risco de vida.
Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto
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Autor(es): William Ray (EUA). Realizado por Paulo R. Margotto
NUTRIÇÃO PARENTERAL E LESÃO HEPÁTICA Óleo de peixe Uma complicação da nutrição parenteral que comentarei brevemente
é a lesão hepática, principalmente nas crianças com exigência de longo tempo de nutrição parenteral total devido a enterocolite necrosante, cirurgia gastrintestinal, síndrome do intestino, condições que levam a problemas inflamatórios, dificuldade de nutrição enteral, dismotilidade intestinal). O supercrescimento bacteriano intestinal leva a mais inflamação intestinal aumentando a translocação de bactérias e/ou agonistas de receptores toll-like para a circulação portal (já notamos que a hiperplasia das células de Kupffer e a inflamação são características da histopatologia hepática nas crianças com lesão hepática induzida pela nutrição parenteral). A maioria dos produtos lipídicos que infundimos endovenoso é muito mais balanceada para ácidos graxos omega-6, ativando as células de Kupffer e inflamação. Não são produtos normais que o feto humano receberia, pois nada disto está presente no leite humano. Não há nenhum produto lipídico de soja no leite humano. Estes produtos que infundimos endovenoso acabam levando a inibição de transportadores de ácidos biliares intracanaliculares. O processo é altamente complexo. Também não faz muita diferença passa de soja para semente de girassol, passar de linoleico para linolênico. Há pouquíssimo ácido graxo de cadeia longa (Toll-like receptor 4-dependent Kupffer cell activation and liver injury in a novel mouse model of parenteral nutrition and intestinal injury.El Kasmi KC, Anderson AL, Devereaux MW, Fillon SA, Harris JK, Lovell MA, Finegold MJ, Sokol RJ.Hepatology. 2012 May;55(5):1518-28. doi: 10.1002/hep.25500. Epub 2012 Mar 18). Artigo integral.
Temos um produto novo que usamos para as crianças com colestase grave, como por exemplo, na síndrome do intestino curto que é o óleo de peixe-(OmegaventR). Não está comercialmente disponível, apenas para pesquisa ou quando muito necessário. Aqui temos um exemplo com crianças com colestase grave que estavam piorando, em situação com risco de ir a óbito e vejam a dramática queda bilirrubina com o uso do OmegaventR em poucas semanas (Prevention and reversal of intestinal failure-associated liver disease in premature infants with short bowel syndrome using intravenous fish oil in combination with omega-6/9 lipid emulsions. Lilja HE, Finkel Y, Paulsson M, Lucas S. J Pediatr Surg. 2011 Jul;46(7):1361-7).
Acredito que o OmegaventR poderá tornar-se cuidado padrão para estas crianças graves. Será que vamos começar a usar emulsão de óleo de peixe para todos os prematuros, com maior teor de DHA? Isto está ainda por ser demonstradao. Lembro que não tenho nada a ver com esta empresa que produz OmegaventR. Nem uso, pois não tenho acesso a ele. Só acho empolgante esta realidade, talvez seja uma das coisas mais bacanas na nutrição parenteral (The use of Omegaven in treating parenteral nutrition-associated liver disease. Park KT, Nespor C, Kerner J Jr.J Perinatol. 2011 Apr;31 Suppl 1:S57-60).
Obrigado!!!
Ddo Marcelo, Dr. Paulo R. Margotto, Ddos Antônio, Leonardo, Hélio, Mônica, Rosana e DéboraUniversidade Católica de Brasília e Escola Superior de Ciências da Saúde