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ADEL, Jovens no semiárido cearense criando tecnologias sociais

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Volume 5 Número 2 Jul/Dez 2015 Doc. 11 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 5 | n. 2 | jul-dez 2015 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv5n2c11 ADEL: JOVENS NO SEMIÁRIDO CEARENSE CRIANDO TECNOLOGIAS SOCIAIS Adel: young people in the Brazilian Semiarid creating social techmologies ANA CLARA APARECIDA ALVES SOUZA [email protected] Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE, Brasil MARLEI POZZEBON [email protected] HEC Montréal – Montreal, Canadá JOSÉ CARLOS LÁZARO DA SILVA FILHO [email protected] Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE, Brasil Submissão: 20/02/2015 | Aprovação: 14/10/2015 ________________________________________________________________________________ Resumo Neto Ribeiro decide deixar seu emprego em Fortaleza e volta para sua terra natal - Pentecoste - para tentar desenvolver seu próprio empreendimento rural, apesar de todas as dificuldades inerentes ao semiárido cearense. O caso destaca os trabalhos desenvolvidos pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local (ADEL) através de programas destinados a agricultores familiares e jovens empreendedores rurais, residentes na região. Palavras-chave: Semiárido, desenvolvimento, inovação social Abstract Neto Ribeiro decides to leave his job in Fortaleza to return to his homeland, Pentecoste, and try to develop his own rural business in spite of all the difficulties inherent in the Brazilian Semiarid. The case stresses the activities developed by the Local Development Agency (ADEL) through a number of programs aimed to small local farmers and young rural entrepreneurs. Keywords: Semiarid, development, social innovation "Minha mãe foi embora de Pentecoste por causa da seca e de todas as dificuldades enfrentadas. Em Fortaleza, ela casou e lá eu nasci; eu e as minhas duas irmãs. Quando os meus pais se separaram, eu, a minha mãe e as minhas duas irmãs voltamos para a comunidade de Sítio do Meio, em Pentecoste. Viemos morar com a minha avó materna. Meus avós maternos eram agricultores e meus avós paternos eram vaqueiros. Mas, com o tempo, a mãe não teve condições de ficar com a gente e, então, ela entregou a gente para o nosso pai e voltamos para Fortaleza, onde eu concluí os estudos e comecei a trabalhar em uma fábrica e levei a minha mãe pra lá. Trabalhei em várias atividades. Fui metalúrgico, fui vendedor, fui operador de produção em fábrica têxtil, fui cortador industrial, fui coordenador de setor de confecção, mas era uma atividade que eu não sentia que gostava muito de fazer, era a atividade que eu tinha que fazer, porque eu precisava ganhar meu salário, precisava ajudar a minha família […] de 18 até os 26 anos, eu fiquei trabalhando nesse tipo de trabalho.
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Volume 5 Número 2 Jul/Dez 2015 Doc. 11 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________

©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 5 | n. 2 | jul-dez 2015 www.fgv.br/gvcasos

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv5n2c11 ADEL: JOVENS NO SEMIÁRIDO CEARENSE CRIANDO TECNOLOGIAS SOCIAIS Adel: young people in the Brazilian Semiarid creating social techmologies ANA CLARA APARECIDA ALVES SOUZA – [email protected] Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE, Brasil MARLEI POZZEBON – [email protected] HEC Montréal – Montreal, Canadá JOSÉ CARLOS LÁZARO DA SILVA FILHO – [email protected] Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE, Brasil

Submissão: 20/02/2015 | Aprovação: 14/10/2015 ________________________________________________________________________________ Resumo Neto Ribeiro decide deixar seu emprego em Fortaleza e volta para sua terra natal - Pentecoste - para tentar desenvolver seu próprio empreendimento rural, apesar de todas as dificuldades inerentes ao semiárido cearense. O caso destaca os trabalhos desenvolvidos pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local (ADEL) através de programas destinados a agricultores familiares e jovens empreendedores rurais, residentes na região. Palavras-chave: Semiárido, desenvolvimento, inovação social Abstract Neto Ribeiro decides to leave his job in Fortaleza to return to his homeland, Pentecoste, and try to develop his own rural business in spite of all the difficulties inherent in the Brazilian Semiarid. The case stresses the activities developed by the Local Development Agency (ADEL) through a number of programs aimed to small local farmers and young rural entrepreneurs. Keywords: Semiarid, development, social innovation

"Minha mãe foi embora de Pentecoste por causa da seca e de todas as dificuldades enfrentadas. Em Fortaleza, ela casou e lá eu nasci; eu e as minhas duas irmãs. Quando os meus pais se separaram, eu, a minha mãe e as minhas duas irmãs voltamos para a comunidade de Sítio do Meio, em Pentecoste. Viemos morar com a minha avó materna. Meus avós maternos eram agricultores e meus avós paternos eram vaqueiros. Mas, com o tempo, a mãe não teve condições de ficar com a gente e, então, ela entregou a gente para o nosso pai e voltamos para Fortaleza, onde eu concluí os estudos e comecei a trabalhar em uma fábrica e levei a minha mãe pra lá. Trabalhei em várias atividades. Fui metalúrgico, fui vendedor, fui operador de produção em fábrica têxtil, fui cortador industrial, fui coordenador de setor de confecção, mas era uma atividade que eu não sentia que gostava muito de fazer, era a atividade que eu tinha que fazer, porque eu precisava ganhar meu salário, precisava ajudar a minha família […] de 18 até os 26 anos, eu fiquei trabalhando nesse tipo de trabalho.

2 ADEL: JOVENS NO SEMIÁRIDO CEARENSE CRIANDO TECNOLOGIAS SOCIAIS

Ana Clara Aparecida Alves Souza, Marlei Pozzebon, José Carlos Lázaro da Silva Filho

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[…] Aí eu fui passar uns dias na casa da minha avó [em Pentecoste], uma semana, aí eu aproveitei e fui no escritório da Adel, aí foi quando o Wagner me falou do Programa Jovem Empreendedor Rural: “Neto, a gente vai abrir um curso aqui, onde o jovem vai aprender habilidades pra ser um empreendedor onde quer que ele esteja, ele vai identificar oportunidades onde ele vive”. Aí eu fiquei pensando em voltar. Todo mundo lá no Sítio do Meio, meus tios, diziam assim: “Ah, tu tá ficando doido, tu tá bem em Fortaleza, uma cara que trabalha, que tem um emprego, que tem uma profissão, vir morar aqui. Neto, isso não é coisa de gente normal”. A única que me apoiou foi a mãe, porque a mãe preferia que eu ficasse em Pentecoste do que em Quixeramobim, foi a única que me apoiou assim, mais ou menos..." (Neto Ribeiro, 30 anos).

Figura 1: Página de abertura do site da Adel: carcará no sertão Fonte: site da Adel: http://adel.org.br

O que pode motivar um jovem como Neto Ribeiro a abrir mão de um emprego na capital para voltar ao sertão e iniciar uma nova etapa de sua vida em sua cidade natal, mesmo conhecendo o duro contexto que a caracteriza? Neto Ribeiro é um dos jovens que foram beneficiados pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local, ou simplesmente Adel, como é mais conhecida. Fundada no ano de 2007, no município de Pentecoste, Ceará, a Adel é uma organização não governamental (ONG) que atua nos campos da agricultura familiar e do empreendedorismo juvenil, em diversas comunidades e territórios cearenses. Ela foi criada por jovens que buscavam novas alternativas que pudessem contribuir para o desenvolvimento do semiárido, região onde moravam.

Figura 2: Localização de Pentecoste e municípios vizinhos Fonte: créditos na imagem.

Em 2015, a Adel contava com 15 gestores (entre eles, destacamos Wagner Gomes, Diretor Executivo; Evilene Abreu, Diretora de Comunicação; Adriano Batista, ex-Presidente e membro ativo; e Aurigele Alves, Coordenadora do Programa Jovem Empreendedor Rural), uma equipe de campo com 10 profissionais que atua com dedicação exclusiva à ONG e um conselho consultivo que é formado por executivos de grandes empresas que dão o suporte às decisões estratégicas. A entidade é

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hoje reconhecida por ter criado uma tecnologia social de desenvolvimento local endógeno sustentada por uma metodologia madura e bem definida (ver Anexo 2).

Devido aos inúmeros prêmios conquistados e aos resultados positivos encontrados em cada programa e projeto desenvolvido, a Adel tem sido parte de importantes parcerias com instituições ligadas ao desenvolvimento social e convidada a expandir suas ações a outros territórios. No entanto, é justamente nesse processo de expansão que reside uma das grandes preocupações atuais da direção da ONG: como reaplicar a metodologia da Adel em outros contextos com sucesso? Um dos grandes dilemas da área de inovação social é a transferabilidade, a difusão de projetos ou programas de sucesso de um contexto para outros. Então, como facilitar esse processo? Onde nasceu a Adel: semiárido brasileiro

Sertão, argúem te cantô, / eu sempre tenho cantado e ainda cantando tô, / pruquê, meu torrão amado,

munto te prezo, te quero / e vejo qui os teus mistéro ninguém sabe decifrá. / A tua beleza é tanta,

qui o poeta canta, canta, / e inda fica o qui cantá. (Patativa do Assaré, poeta cearense1).

Conforme a Sinopse do Censo Demográfico para o Semiárido Brasileiro, documento elaborado pelo Instituto Nacional do Semiárido (2012), para fazer parte da região semiárida, os municípios devem atender a, pelo menos, um dos seguintes critérios: precipitação média anual inferior a 800 mm, índice de aridez de até 0,5 e risco de seca maior que 60%. Conforme apontado no documento, o semiárido brasileiro ocupa um espaço geográfico de 980.133,079 km. O semiárido está presente em todos os estados da região Nordeste, além de no norte do estado de Minas Gerais (sudeste). Foram contabilizados 1.135 municípios na região semiárida do País. Destaca-se que 81,52% dos municípios cearenses localizam-se no semiárido.

Além das secas, a desertificação é apontada como uma das principais causas de migração para outras regiões. Suas causas estão relacionadas à criação extensiva de animais e às queimadas destinadas ao reaproveitamento e preparação do solo para as lavouras. Ceará e Pernambuco aparecem como os estados mais castigados. Breve trajetória da Adel: os primeiros passos Os jovens fundadores da Adel foram inspirados pelos trabalhos desenvolvidos por meio do Programa de Educação em Células Cooperativas (Prece – ver Anexo 1) e, após conseguirem ingressar na universidade e se formarem, começaram a promover debates a respeito dos desafios encontrados na região. As conversas com representantes de movimentos sociais e outras organizações que atuam para o desenvolvimento local levaram-nos a questionamentos sobre quais seriam as possíveis alternativas para responder aos problemas identificados. Wagner Gomes é um dos jovens fundadores da Adel e atual Diretor Executivo. Ele explica que o foco inicial da ONG foi o trabalho desenvolvido com cooperativas e associações, para auxiliar agricultores familiares a produzir de maneira mais organizada e comunitária.

"Então, em 2003, a gente conheceu todo esse pessoal que hoje está na Adel. Em 2004, eu entrei para o curso de Economia, na Universidade Federal do Ceará, e outros jovens também entraram para outros cursos: Publicidade, Agronomia, Zootecnia, Educação. E foi aí que, no final de 2006 e durante o ano de 2007, a gente começou a debater, a questionar, como a gente, depois de formados, poderia pensar em um programa ou em uma ação que realmente tivesse um impacto maior". (Wagner Gomes, Diretor Executivo da Adel, 2013).

1 Extraído de Eu e o certão: cante lá que eu canto cá – filosofia de um trovador nordestino. Ed.Vozes, Petrópolis, 1982.

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Ana Clara Aparecida Alves Souza, Marlei Pozzebon, José Carlos Lázaro da Silva Filho

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Fundada a partir da mudança que os jovens perceberam que poderia acontecer caso o conhecimento adquirido na universidade fosse socializado em municípios do interior do Estado e comunidades rurais, a entidade começou com poucos integrantes e foi, progressivamente, conquistando a confiança dos agricultores e, sobretudo, dos jovens das comunidades rurais onde atua. As primeiras ações aconteceram em uma comunidade localizada no município de Apuiarés, no Ceará e, seis meses depois, a Adel recebeu convite do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para atuar também em outros municípios. As ações que atendiam, inicialmente, 20 beneficiados, passaram a atender 200 agricultores ligados a cerca de 10 grupos produtivos localizados em três municípios.

Figura 3: Roda de conversa com técnico da Adel e curso de formação para agricultores familiares Fonte: blog da Adel (http://blogdaadel.blogspot.com.br)

As etapas de desenvolvimento das atividades eram discutidas com os agricultores em fóruns organizados pela ONG nas associações comunitárias. O objetivo era funcionar como ponte para as relações entre os diversos atores envolvidos. Após dois anos atuando e compartilhando ideias nesses fóruns, a equipe começou a perceber a ausência dos jovens nos espaços de atuação da Adel, fato que causou preocupação.

"Dentro dessas associações, percebemos a ausência dos jovens e, muitas vezes, os presidentes das associações não tinham tempo de ir às reuniões. Eles diziam: “Ah, eu estou ficando velho”. O Sr. Gilberto, uma grande liderança na região, sempre falava: “Eu estou me cansando”. A associação que ele lidera fez 26 anos, é da minha idade. Ele é uma liderança que está há muito tempo atuando como presidente e, de certa forma, é preciso inovar, é preciso trazer outras pessoas. (Evilene Abreu, sócia e Diretora de Comunicação da Adel, 2013).

A partir de identificações feitas, a Adel elaborou uma proposta voltada para a juventude. Após alguns aprimoramentos, a ideia foi apresentada à rede Ashoka2 de Empreendedorismo Social, no ano de 2009, e foi contemplada pelo Projeto Geração Muda Mundo (GMM), voltado ao incentivo de iniciativas empreendedoras juvenis. A partir de então, a proposta passou por ajustes até se consolidar como programa principal da Adel.

Cronologicamente, pode-se dizer que a atividade da Adel desenvolveu-se por meio das ações de dois programas centrais: o Programa Soluções Rurais, que busca organizar agricultores familiares para agregar valor às suas atividades e à cadeia produtiva, além de desenvolver e profissionalizar as suas práticas, aumentando a rentabilidade e produtividade do campo; e o Programa Jovem Empreendedor Rural, que busca a inclusão social e econômica de jovens habitantes de comunidades rurais, despertando suas capacidades empreendedoras com o objetivo de incentivá-los a permanecer no campo.

2 A Ashoka é uma organização internacional, sem fins lucrativos e pioneira no campo da inovação social, que oferece trabalho e apoio a empreendedores sociais (http://www.ashoka.org.br).

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O Programa Soluções Rurais e os desafios enfrentados pelos agricultores familiares No início de suas atividades, a Adel criou o Programa Josué de Castro de Desenvolvimento Rural, hoje denominado Programa Soluções Rurais, com o objetivo de fornecer orientação técnica a pequenos agricultores familiares para alcançar maior profissionalização dos trabalhos.

Adriano Batista, primeiro Presidente da Adel e ainda sócio da ONG, diz que os trabalhos realizados com os agricultores familiares apresentavam ou ressaltavam algumas tecnologias já praticadas na região, mas não utilizadas pelos produtores por desconhecimento do manejo. A partir do incentivo, os técnicos da Adel perceberam que essas tecnologias faziam grande diferença nas pequenas propriedades rurais, pois promoviam o aumento e a sustentabilidade da produção.

Adriano destaca que o trabalho com os agricultores não avançou facilmente, especialmente no que diz respeito à organização de grupos para colaboração mútua. Entretanto, o fato de os jovens da Adel serem conhecidos na região facilitou o diálogo, aceitação que não acontecia quando técnicos que desconheciam a realidade local apresentavam “soluções milagrosas” para contornar os desafios enfrentados pelos produtores. Apesar da resistência, muitos agricultores passaram a trabalhar em grupos para dividir os custos com a logística e a venda de seus produtos; a união também contribuiu para a busca de financiamento de equipamentos visando a uma melhor eficiência na produção.

Figura 4: Jovens empreendedores rurais e agricultores familiares beneficiados pela Adel Fonte: blog da Adel (http://blogdaadel.blogspot.com.br)

Os problemas causados pelas condições climáticas da região eram desafiadores para a Adel, pois, embora todos os esforços fossem feitos para alcançar os melhores resultados, a ausência de chuvas ou de mecanismos que pudessem suprir a carência de água afetava o resultado final, causando frustração aos técnicos e aos produtores que, até então, mantinham-se esperançosos para evoluir nos trabalhos.

Quanto às políticas públicas para suporte a esses agricultores, Adriano afirma que, em muitas situações, quando tais políticas chegam ao meio rural, não conseguem beneficiar agricultores familiares por falta de orientação para essas pessoas, pois, quando consultadas sobre as atividades desenvolvidas e as propriedades que possuem, por medo ou incerteza, muitas famílias omitem informações que poderiam ajudá-las a alcançar o benefício. Esse comportamento prejudica a evolução das atividades e contribui para o aumento do desafio enfrentado pela Adel.

Eu acredito no seguinte, o Governo hoje até que tem bons programas, acredito que a grande dificuldade é do ponto de vista da própria educação dos produtores, da comunidade mesmo, porque quanto mais a gente conhece, mais a gente está informado tanto para receber e para emitir informações. Hoje, com os sensos agropecuários do IBGE, os próprios produtores não oferecem as informações corretamente, porque eles ficam com medo de ser cortado um benefício ou outro, esses benefícios sociais, então isso acaba prejudicando a implantação das políticas públicas. Por exemplo, no senso, eles dizem que não têm terra ou dizem que têm terra não tendo, então, quando um projeto como o Programa Nacional de Agricultura Familiar vem, ele vem totalmente desalinhado com a realidade. Então você pode perguntar: “O problema é só da política pública?”. A gente poderia até dizer isso pra achar um culpado, mas eu acredito que ainda é um problema maior que provoca esse desalinhamento (Adriano Batista, sócio e ex-Presidente da Adel, 2014).

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O Programa Soluções Rurais foi o foco principal da Adel durante os dois primeiros anos de

atividade, de 2007 a 2009; neste, foram iniciados os trabalhos com a juventude rural. Segundo Wagner Gomes, atualmente, o Programa Soluções Rurais apresenta-se consolidado, e as atividades são desenvolvidas em seis municípios entre as cidades de Itarema e Umirim, no Ceará. Como parte dos trabalhos realizados, há a construção de cisternas, tecnologias de convivência com o semiárido, fenação e a implantação de pequenas agroindústrias para processamento de carnes. A Adel trabalha com fundos rotativos direcionados aos agricultores, como o fundo rotativo de água, por meio do qual a família é beneficiada pela construção de uma cisterna. Esse fundo é gerido pela própria união das associações da região.

Antes da Adel, a gente trabalhava muito desorganizado. A gente não tinha assistência técnica, a gente não tinha acompanhamento por parte de agrônomo, nós vendíamos as coisas todas para atravessadores pelo menor preço possível, porque a gente tinha era que vender. Depois que a gente conheceu a Adel, ela ficou oferecendo assistência técnica, porque eles podem ajudar a gente abrindo novos mercados, a gente trabalha com eles desde 2009. Recebemos capacitações, participamos de fórum intermunicipal, tudo bancado por eles através de um projeto que eles têm com o Banco do Nordeste. (Francisco Gleidson Cavalcante, agricultor familiar beneficiado pela Adel, 2014).

Programa Jovem Empreendedor Rural Iniciadas em 2009, as ações do Programa Jovem Empreendedor Rural foram motivadas pela identificação de uma juventude com poucas perspectivas financeiras para permanecer na região semiárida cearense, afetada pelo grave problema do êxodo rural.

Eu posso tirar por uma angústia minha, acho que passa pela cabeça de toda a juventude: chegar ao ensino médio, terceiro ano, terminar, e aí? Isso era uma pergunta que todo mundo se fazia, e eu respondo na maior sinceridade, eu acho que a juventude nunca pensou em ser “patrão”, todo mundo pensa em ser empregado, terminar o terceiro ano e ter um emprego pra se manter. Então, quando chega a Adel com essa ideia de você ser empreendedor e de você ter o seu próprio negócio, não ser empregado de ninguém, balança a cabeça das pessoas, em especial a cabeça dos jovens. Porque a gente vem de uma cultura de pouca fé, da autoestima ser realmente lá embaixo. A gente passa pela escola, pelo ensino formal mesmo, pela rede pública, todo mundo passa por aquele preconceito: “Ou tu estuda ou tu vai pra roça”, os próprios professores dizem isso, há um preconceito muito grande com o rural (Aurigele Alves, sócia e Coordenadora do Programa Jovem Empreendedor Rural, 2014).

Segundo Wagner Gomes, em geral, os agricultores não têm muito tempo para dedicar a uma formação no modelo exigido pelo Programa Jovem Empreendedor Rural, quando convidados a participar de formações apresentam-se relutantes, alegando já terem contribuído o suficiente ao longo da vida. O comportamento dos jovens revela o oposto: são eufóricos, curiosos e ansiosos por oportunidades que possam promover uma mudança efetiva na realidade em que vivem.

A formação dos jovens pelo Programa Jovem Empreendedor Rural compreende um período de convivência dentro de um centro de formação na área rural. Nesse espaço, são ministradas aulas e oferecidas orientações sobre empreendedorismo, além de serem desenvolvidas atividades em grupo que visam estimular a cooperação e o associativismo. A metodologia utilizada segue o modelo proposto pela pedagogia da alternância, uma metodologia criada por camponeses franceses para melhor aproveitar o tempo dos filhos durante as formações, alternando teoria e prática. No Programa Jovem Empreendedor Rural, os períodos de convivência no centro são alternados por períodos nos quais os jovens retornam às suas comunidades para aplicar o que aprenderam durante aqueles dias, depois o ciclo é retomado até que a formação seja completa (seis meses).

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Para o jovem, a preocupação é terminar o estudo (ensino médio). A gente viu que nós temos uma juventude com maior grau de escolaridade nos últimos anos e, assim, o pai foca e prioriza o estudo do filho, mas ele tem que estar dentro da propriedade, tem que trabalhar. E o filho passa por aquela dificuldade, de chegar aos 18 anos, não ter o seu dinheiro, não poder ir para uma festa, não ter o seu veículo, não ter dinheiro pra comprar roupa. Então, assim, continua aquela dependência do pai e, baseado nisso, o jovem vai embora, vai em busca de um emprego em Fortaleza, em São Paulo, ou em qualquer outro canto, então desmembra aí. O Programa Jovem Empreendedor Rural veio também pensando nesse ponto, em o jovem continuar, mas continuar de que jeito, em quais condições? Porque para a Adel não interessava o jovem continuar, mas continuar submisso ao pai, dependendo do dinheiro do pai, não ter nenhuma espécie de autonomia dentro da propriedade (Aurigele Alves, sócia e Coordenadora do Programa Jovem Empreendedor Rural, 2014).

Para integrar uma turma de formação do Programa Jovem Empreendedor Rural, o jovem participa de uma seleção, precisa comprovar a conclusão do ensino médio e ter definido o negócio no qual deseja empreender. A divulgação do processo seletivo é feita, principalmente, nas escolas, onde são utilizados panfletos, rádios locais, rádios comunitárias, ferramentas de internet e carros de som, para alcançar as comunidades rurais e as sedes dos municípios.

Antes de conhecer a Adel, como todo mundo do interior já faz isso, eu fui um dos jovens que saiu daqui, fui para o Pecém (região portuária) trabalhar, e vi que praticamente é como os mais velhos falam: “É melhor ganhar um salário em casa do que dois lá fora”, porque quando você ganha lá fora você corre mais risco de vida, você está fora da sua cidade. Aí, quando eu voltei de lá, que eu cheguei aqui no Pentecoste, uma amiga me falou da Adel. Aí eu falei: “Pô, vou me inscrever, e se for chamado...”, aí me inscrevi, aí teve a seleção, a seleção bastante rigorosa, porque, como é um projeto não governamental, acho que eles procuram pessoas que tenham ideias, que praticamente já saibam o que querem fazer da vida. Aí, tivemos um processo de seleção que trabalha em equipe e outro que foi tipo uma entrevista de emprego. Aí eu fui um dos jovens selecionados, fiz o curso da Adel, amei esse curso e fui beneficiado por esse curso. (Rafael Marques, jovem beneficiado pelo Programa Jovem Empreendedor Rural, 2014).

Atualmente, o Programa Jovem Empreendedor Rural trabalha com jovens vindos de 32 comunidades. Destaca-se que a formação por meio desse programa não tem nenhum custo para os jovens, pois é financiada pelo Projeto Criança Esperança e pelo Banco Itaú, parceiros da Adel. Ao concluir a formação e ao finalizar a construção do seu plano de negócios, o jovem deve buscar o acesso a crédito para implementação do negócio. Durante o ano, são formadas duas turmas e, em cada uma delas, são contemplados até 35 jovens.

Figura 5: Formação de jovens empreendedores rurais beneficiados pela Adel Fonte: blog da Adel (http://blogdaadel.blogspot.com.br)

Metodologia geral adotada pela Adel Wagner Gomes destaca que a metodologia adotada pelo Programa Jovem Empreendedor Rural (Anexo 3) tem possibilitado o processo de reaplicação desse programa para outros territórios cearenses e para outros estados, iniciando pelo município de Alagoinha, na Bahia.

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A ideia inicial da Adel era promover a formação e a intermediação desses jovens para acessarem crédito junto ao Pronaf Jovem, uma modalidade do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), política pública voltada para o desenvolvimento rural tendo como foco principal a agricultura familiar. Entretanto, após a formação da primeira turma, em 2011, apenas dois jovens, de uma turma composta por 30, conseguiram acessar o crédito; os demais foram impossibilitados devido a uma série de exigências e regulamentos.

Diante da frustração, a organização percebeu a necessidade de criar o seu próprio fundo de crédito e oferecer o suporte necessário aos jovens beneficiados pelo Programa Jovem Empreendedor Rural. Foram criados e experimentados alguns modelos piloto até que se chegou à criação do Fundo Veredas, uma empresa social. Utilizando-se desse fundo de crédito, é possível aos jovens acessar o crédito sem muitas restrições e a menores taxas, comparando-se aos serviços oferecidos por outras organizações.

Quando a gente começou a mobilizar os estudantes, os jovens para participar do programa, a gente viu que isso era real... Realmente tinha muitos jovens que queriam continuar ali, e eles receberam muito bem, logicamente que o programa era bastante audacioso, pela ideia de formar um jovem pra empreender dentro da propriedade da família. Então, muitas coisas que o jovem ia levar de tecnologia, de inovação, a família não ia aceitar, ia bater de frente com o modelo antigo que já estava implantado ali. Então, os jovens tiveram dificuldades, obviamente, tanto que muitos desistiram. Vieram para os centros urbanos assim mesmo, foram praticamente obrigados, empurrados, porque eles queriam fazer alguma coisa, mas não tinham condições, e não só isso, a questão da falta do crédito impulsionou bastante isso. Então nós perdemos muitos jovens, mas outros continuaram, colocaram seus empreendimentos e estão sendo referências positivas pra outros jovens, mas isso é uma questão que é recorrente na região, esse choque de gerações dificulta bastante o andamento da coisa. (Adriano Batista, sócio e ex-Presidente da Adel, 2014).

Pode-se dizer que a metodologia combina acesso ao conhecimento, ao crédito orientado, às redes cooperativas e às tecnologias de informação e comunicação (Anexo 2). O acesso ao conhecimento ocorre por meio do curso de Formação Empreendedora, no qual são oferecidas noções de formação humana, técnica gerencial e ambiental, assessoria à elaboração de planos de negócios e assistência técnica em campo que ocorre de maneira continuada.

O acesso ao crédito acontece graças ao Fundo Veredas, uma linha de crédito exclusiva para jovens rurais que buscam desenvolver ou aprimorar seus negócios. A criação do fundo foi possibilitada por parcerias e pelo valor recebido no Prêmio Generosidade 2011, no qual a ONG foi contemplada com o primeiro lugar. A criação e o fortalecimento de associações e cooperativas, a formação de arranjos produtivos locais e também da rede de jovens empreendedores rurais do território destacam-se como ações que garantem o fortalecimento organizativo de jovens e agricultores. Finalmente, a Adel criou ilhas digitais, chamadas de Centros Integrados de Tecnologias (CITs), para auxiliar os beneficiados por suas atividades por meio da utilização de computadores e outros equipamentos que permitam uma melhor comunicação e desenvolvimento dos trabalhos. Foram implantados quatro centros comunitários de informação e comunicação em comunidades rurais da região atendida.

A Adel entende como parte de sua responsabilidade acompanhar o jovem até que ele consiga encaminhar o seu negócio sozinho. Para tanto, a ONG conta com um quadro de técnicos que fazem um acompanhamento mensal. Todos os jovens têm, pelo menos, uma visita no mês, além de orientação por telefone. Caso surja algum problema mais difícil de solucionar, a Adel encaminha o técnico para diagnosticar o problema e buscar uma solução.

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Resultados alcançados Conforme informações contidas em informativo institucional da Adel, podem-se listar alguns resultados alcançados ao longo do desenvolvimento dos trabalhos: Aumento médio de 34% na produtividade e 56% na rentabilidade dos empreendimentos rurais

apoiados; 416 agricultores familiares de 70 comunidades rurais foram capacitados e apoiados para o desenvolvimento de suas atividades produtivas e comerciais; 285 jovens formados a partir de técnicas de empreendedorismo e gestão de negócios rurais; Instalação e aprimoramento de R$ 435 mil em infraestrutura produtiva e compartilhada; Formação de quatro Arranjos Produtivos Locais (APLs), uma cooperativa e uma companhia de produção agrícola; 55 negócios de jovens rurais, apoiados e assessorados pelo Fundo Veredas; Aumento médio de R$ 1.000,00 na renda mensal dos jovens empreendedores rurais apoiados; Inclusão dos produtos locais da agricultura familiar nos programas de apoio à comercialização e estimativa de R$ 385 mil em valor gerado para os agricultores e jovens empreendedores envolvidos.

Como parceiros e apoiadores para a condução das atividades desenvolvidas pela Adel, destacam-se a Fundação Konrad-Adenauer, Banco do Nordeste do Brasil, Banco Itaú, Embaixada da Suíça, Instituto Souza Cruz, Criança Esperança, Ashoka, Oi, ONU Habitat, Rede Folha, Editora Globo, Companhia Siderúrgica do Pecém, Instituto Agropolos do Ceará, Brazil Fundation, Governo do Estado do Ceará, além de outros que vão estabelecendo parcerias ao longo do tempo; essa lista está em constante atualização. Desde o início de suas atividades, a ONG recebeu inúmeros prêmios como reconhecimento dos trabalhos desenvolvidos e impactos positivos de suas atividades para o desenvolvimento econômico local das regiões onde atua.

No ano de 2014, com o apoio de organizações como Instituto Souza Cruz, Oi Futuro, Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Rummos Consultoria e Movimento Nós Podemos Ceará, a Adel criou o 1º Prêmio “A Nova Cara do Sertão”, no sentido de reconhecer iniciativas voltadas ao empreendedorismo rural, promovidas por jovens que contribuem para o desenvolvimento econômico e social de suas comunidades.

Os candidatos indicados na primeira edição do prêmio foram jovens beneficiados pelas formações do Programa Jovem Empreendedor Rural. Os vencedores receberam notebooks e tutoria em aceleração de comunicação estratégica e marketing, além de recursos financeiros para investir na melhoria ou expansão do negócio.

Em maio de 2014, a Adel foi reconhecida, por meio do Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), pelo trabalho desenvolvido com a juventude rural, ao longo de cinco anos, por intermédio das ações do Programa Jovem Empreendedor Rural. Wagner Gomes, representando a organização, recebeu o troféu das mãos da Presidente Dilma Rousseff, na cerimônia em Brasília. O exemplo de Neto Ribeiro Neto Ribeiro, jovem de 30 anos que teve a oportunidade de participar da primeira turma de formação do Programa Jovem Empreendedor Rural no ano de 2011, representa hoje um dos exemplos de como a Adel está promovendo o desenvolvimento local no sertão cearense. Antes da formação da Adel e das oportunidades por ela oferecidas, Neto, impactado pelos problemas da Comunidade de Sítio do Meio, distrito localizado a 15 quilômetros do centro de Pentecoste, onde vivia com a família, reconheceu apenas na migração para Fortaleza a possibilidade de melhoria da qualidade de vida para ele, sua mãe e irmãos. Entretanto, foram muitos anos em busca dessa melhoria e muitos os desafios enfrentados por Neto e seus familiares. Fatores como violência,

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condições precárias de moradia e desemprego fizeram o jovem alimentar a esperança de poder voltar à sua comunidade, gerar renda e sustentar a sua família realizando uma atividade local.

Figura 6: Neto Ribeiro na comunidade de Sítio do Meio e sua criação de aves Fonte: blog da Adel (http://blogdaadel.blogspot.com.br)

Ao conhecer as atividades da Adel em uma apresentação, Neto, ao final da fala de Wagner Gomes, apresentou-se e comunicou o seu interesse. Wagner convidou-o para visitar a Adel em Pentecoste e conhecer a proposta da ONG, especialmente o Programa Jovem Empreendedor Rural. Após a visita, Neto decidiu retornar à sua comunidade para participar da formação por meio do Programa Jovem Empreendedor Rural. A mãe e os irmãos ficaram na Capital, por não acreditarem em alternativas viáveis para viver em Sítio do Meio.

Após a formação, Neto decidiu empreender na criação de galinhas e abelhas em um pequeno lote pertencente à família. Ao perceber que o negócio estava evoluindo, insistiu para que a mãe e os irmãos voltassem à comunidade para trabalhar com ele. Após alguma relutância, a família retornou ao campo, e, hoje, a renda do negócio, no qual todos trabalham, permite uma vida melhor. Neto, além de realizar as vendas individuais, vende também para o comércio local e é um dos fornecedores de frango para a merenda escolar do município de Pentecoste. O jovem contribui ainda com as atividades da associação dos moradores de sua comunidade e com uma associação de apicultores da região, compartilhando orientações e experiências.

Minha mãe morava em favela, em Fortaleza, muito perigoso. Meu irmão quase que morre por causa de umas balas. Então a vida lá era assim, por isso que eu ficava muito mais preocupado se meus irmãos iam se envolver naquele sistema em que eles estavam inseridos. Uma cidade grande, populosa, a gente não tinha dinheiro pra pagar aluguel, então, a gente tinha que morar em um lugar onde o aluguel fosse mais barato, aí tinha droga, tinha crime, tinha não sei o quê, e eu me culpava muito, eu sou o mais velho dos homens, tem só uma irmã mais velha do que eu. Eu que levei minha mãe pra lá, porque eu achava que ela passava necessidade aqui em Pentecoste, aí eu levei ela pra lá, pra melhorar, aí melhorou; no entanto, a gente ficou à mercê daqueles problemas sociais de grandes cidades. Meus irmãos começaram a se envolver com drogas, coisa errada, e eu perdia meu sono preocupado com isso. Aí foi que eu convenci a mãe: “Mãe, aí é muito perigoso, vamos voltar pra cá, aqui é mais tranquilo, a gente não paga aluguel, tem a propriedade e a gente tem trabalho, a gente pode crescer, a gente pode vender aqui em Pentecoste, vender para fora e tal”. Aí foi, a mãe veio primeiro, aí a gente começou a trabalhar, aí minha mãe foi ligando para os meus irmãos, pra eles virem (Neto Ribeiro, jovem beneficiado pelo Programa Jovem Empreendedor Rural, 2014).

A história de Neto alcançou visibilidade nacional quando o jovem foi entrevistado para o programa Globo Rural, da TV Globo. Após a aparição na TV, o jovem conquistou o reconhecimento de seus parentes e amigos. Neto foi ainda um dos jovens premiados pelo 2º Prêmio Aliança de Empreendedorismo Comunitário, na categoria jovem empreendedor, no ano de 2012. O desafio da reaplicação da metodologia da Adel Por meio da tecnologia social desenvolvida localmente e aperfeiçoada ao longo dos anos, a Adel tem transformado vidas, como ilustra a trajetória de Neto Ribeiro, e pode mudar muitas outras, não somente na região do sertão cearense onde foi implementada, mas potencialmente em outras

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regiões rurais do Brasil. No entanto, o desafio de transferir ou reaplicar um projeto de desenvolvimento local de um contexto para outro, constitui um desafio de grande calibre. A questão da difusão de programas ou projetos capazes de produzir resultados positivos em um contexto dado é uma das mais importantes e desafiadoras do campo das inovações sociais.

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Anexo 1 Programa de Educação em Células Cooperativas (Prece)

As ações do Prece tiveram início no ano de 1994, na comunidade rural de Cipó, localizada no município de Pentecoste, sertão do Ceará. Reunidos em uma velha casa de farinha, sete jovens, fora da faixa etária escolar, passaram a estudar e conviver, contando com a ajuda do professor Manoel Andrade, que colaborava com o grupo nos finais de semana, mas as condições de estudo eram precárias.

No ano de 1996, o Prece conheceu o primeiro resultado do esforço coletivo, a aprovação de Francisco Antônio Alves Rodrigues, em primeiro lugar, no vestibular para o curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC), fato que motivou os estudantes que estavam participando das reuniões e começou a atrair outros interessados, assim outros jovens tiveram a possibilidade de ingressar na universidade.

Os jovens que conseguiam aprovação no vestibular e passavam a vivenciar a universidade eram estimulados a retornar para suas comunidades e colaborar com aqueles que estavam buscando o mesmo objetivo. Assim, o ciclo de cooperação entre os jovens sertanejos cresceu, e muitos outros viram suas vidas mudarem por meio da aprendizagem cooperativa.

No ano de 2002, cerca de 40 estudantes de Pentecoste passaram a frequentar o Prece e, no ano seguinte, fundam a primeira Escola Popular Cooperativa na sede do Município. A criação atraiu estudantes de outros municípios. Assim, centenas de estudantes de origem popular tiveram acesso à universidade, e foram fundadas 13 associações estudantis (Escolas Populares Cooperativas) em quatro municípios cearenses: Pentecoste, Apuiarés, Paramoti e Umirim.

A metodologia adotada pelo Prece não está restrita apenas às comunidades rurais; os trabalhos da instituição inspiraram o desenvolvimento, na Universidade Federal do Ceará, do Programa de Aprendizagem Cooperativa em Células Estudantis, no sentido de buscar um aumento nos índices de conclusão dos cursos na universidade. A Secretaria de Educação do Estado do Ceará, em parceria com o Prece, criou um mecanismo com o objetivo de difundir a aprendizagem cooperativa para estudantes e professores do ensino médio.

Figura 7: Primeiros estudos em células do Prece Fonte: Site do Prece (http://www.prece.ufc.br/)

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Anexo 2 Metodologia geral da Adel

Fonte: Livreto Adel 2012.

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Anexo 3 As seis etapas do ciclo básico da metodologia adotada no Programa Jovem Empreendedor Rural (PJER)

Fonte: Informativo Adel.


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