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Considerações para a Regulamentação dos Cassinos no Brasil - Versão Completa - Tese apresentada...

Date post: 20-Jan-2023
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito VICTOR TARGINO DE ARAUJO CONSIDERAÇÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DOS CASSINOS NO BRASIL São Paulo 2012
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Faculdade de Direito

VICTOR TARGINO DE ARAUJO

CONSIDERAÇÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DOS CASSINOS NO BRASIL

São Paulo

2012

VICTOR TARGINO DE ARAUJO

CONSIDERAÇÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DOS CASSINOS NO BRASIL

Trabalho de Graduação Interdisciplinar

apresentado à Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como

requisito parcial para obtenção do título

de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor João Bosco Coelho Pasin

São Paulo

2012

VICTOR TARGINO DE ARAUJO

CONSIDERAÇÕES PARA A REGULAMENTAÇÃO DOS CASSINOS NO BRASIL

Trabalho de Graduação Interdisciplinar

apresentado à Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como

requisito parcial para obtenção do título

de Bacharel em Direito.

Aprovado em: __/__/____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

1° Examinador

________________________________________________

2° Examinador

________________________________________________

3° Examinador

Agradecimentos

Aos meus pais, Andrei e Suzete, acima de tudo, e às

minhas irmãs, Danielle e Clara, razões máximas de

todas as nossas conquistas.

Aos meus avós, João Targino, João de Paula,

Aurora e Rosinha, desde os jogos de futebol de

botão à torcida pelo Corinthians.

À minha bisavó, Josefa, e aos meus padrinhos Zé

Carlos e Teteia, cujo carinho é muito maior que a

distância.

Ao meu orientador, Professor João Bosco, por todo

o apoio, colaboração e conhecimento.

À minha família do Colégio Dante Alighieri, fontes

incessantes de motivação e alegria, da tradição de

Ibiúna aos carnavais de Ilha Bela.

E aos meus amigos, que estiveram ao meu lado

nesta longa estrada de dedicação, parceria e

conquistas.

“Alea jacta est”

(Julio César)

“O Estado que não regulamenta os cassinos,

desperdiça dinheiro, assim como um pródigo, que

prefere apostar em cavalos lentos e em mulheres

velozes.”

Resumo

O presente Estudo apresenta considerações favoráveis à regulamentação da

exploração privada de cassinos no Brasil. O modelo internacional contemporâneo é

uníssono no sentido de regulamentar os Jogos de Sorte e Azar, principalmente os

cassinos, tendo em vista os benefícios advindos de tal atividade, seja no fomento ao

turismo, seja na geração de empregos, seja no aumento da arrecadação tributária,

seja na repressão ao crime organizado ou na satisfação dos desejos sociais.

Buscamos, para tanto, adequar antigas propostas com novas ideias, tentando

reprimir dogmas, conceitos inesclarecidos e incompatíveis com o atual Estado Social

Democrático de Direito, de forma a permitir e incentivar o exercício do raciocínio

lógico e lúcido, próprio dos mais modernos e avançados ordenamentos jurídicos

existentes.

Palavras-Chave: Cassinos, Jogos de Azar, Brasil, Regulamentação, Direito,

Turismo

Abstract

This study presents considerations in favor of regulating the operation of private

casinos in Brazil. The contemporary international model points absolutely in the way

to regulate gaming activity, looking for the benefits arising from such activity, whether

as the increment of tourism, either the creation of labour opportunities, or the

improvement of the tax revenues, the repression of the organized crime and the

satisfaction of social desires. As well, we seek to conciliate old ideas to new

proposals, trying to supress dogmas and avoiding uncleared concepts, both

incompatible with the current Social Democrat Rule of Law, looking to allow and

encourage the logical and reasonable thought, compatible with the most advanced

and modern law systems in the world.

Key Words: Gambling, Gaming, Casinos, Regulation, Brazil, Law, Tourism

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 9

1. Origens e Histórico no Brasil ......................................................................... 14

2. Jogos de Sorte e Azar

2.1. Elementos Introdutórios

2.1.1. Classificação........................................................................................................... 26

2.1.2. Juridicidade ............................................................................................................. 29

2.2. Terminologias ................................................................................................... 30

2.2.1. Definições .............................................................................................. 32

2.2.2. Jogos Sociais: Jogos Comerciais e Jogos Estatais ................................ 39

2.3. Equiparação Jurídica: Jogo e Aposta ............................................................... 41

2.4. Jogos Exploráveis Economicamente

2.4.1. De Forma Indireta ................................................................................... 44

2.4.1.1. Sorteios Publicitários e Concursos .............................................. 44

2.4.2. De Forma Direta...................................................................................... 45

2.4.2.1. Jogos de Cassinos: Bancados, Não-Bancados e Máquinas ....... 45

2.4.2.2. Concursos de Prognósticos: Loterias e Jogos de Apostas .......... 48

2.5. Locais de Jogo .................................................................................................. 54

2.5.1. Cassinos ................................................................................................. 54

2.5.2. Bingos e Casas Lotéricas ....................................................................... 56

2.5.3. Casas de Apostas ................................................................................... 57

2.5.4. Internet .................................................................................................... 57

3. Da Regulamentação dos Cassinos no Brasil ............................................... 59

3.1. Problemas e Soluções ...................................................................................... 60

3.1.1. Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 9.215/46.................................. 61

3.1.1.1. “Consciência Universal e Legislação Penal dos Povos Cultos” . 62

3.1.1.2. Tradição Religiosa, Moral do Povo Brasileiro e Bons Costumes . 65

3.1.1.3. Associação ao Crime Organizado ............................................... 70

3.1.1.4. Ludopatia: O Vício no Jogo ......................................................... 74

3.2. Pontos Favoráveis ............................................................................................ 76

4. Gestão, Administração e Fiscalização

4.1. Órgãos Responsáveis

4.1.1. Agência Reguladora................................................................................ 86

4.1.2. Caixa Econômica Federal e Loterias Estaduais ...................................... 91

4.2. Concessões e Zonas de Jogo

4.2.1. Serviço Público e Regime de Concessão ............................................... 92

4.2.2. Concessionárias ..................................................................................... 94

4.2.3. Zonas de Jogo ........................................................................................ 97

4.3. Fiscalização ................................................................................................... 101

4.3.1. Caça-Níqueis: Produção, Comercialização e Premiação ...................... 102

4.4. Tributação ....................................................................................................... 103

4.4.1. Contribuição Social sobre a Receita de Concursos de Prognósticos.... 104

4.4.2. Taxa de Polícia ..................................................................................... 107

5. O Jogo no Sistema Jurídico Brasileiro

5.1. Rol de Leis .................................................................................................... 109

5.2. Sistema Atual ................................................................................................ 109

5.3. Propostas ...................................................................................................... 111

Conclusão .............................................................................................................. 115

Referências Bibliográficas ................................................................................... 116

Referências Legislativas....................................................................................... 122

9

Introdução

O presente trabalho acadêmico visa apresentar propostas e estudos para

viabilizar, a concessão da exploração dos cassinos, pela administração pública à

iniciativa privada, no Brasil. Atualmente, as hipóteses em que o setor privado pode

operar a atividade dos jogos de azar (ou de sorte ou azar) são absolutamente

excepcionais, como no caso das apostas em corridas de cavalos, vez que, as

loterias são privilégio do poder público, que o explora, normalmente, por intermédio

da Caixa Econômica Federal (Empresa Pública). Não há dúvida que a atividade dos

Jogos de Sorte e Azar, como por exemplo a “Mega-Sena”, é um negócio

extremamente lucrativo aos cofres públicos, o que legitima, em parte, a prática desta

atividade econômica pelo Estado.

Por outro lado, visto que é uma atividade de alta rentabilidade e exclusiva do

poder público, este poderia conceder à iniciativa privada o exercício de tal setor

econômico, sem sofrer prejuízos, vez que, direta ou indiretamente, a exploração dos

cassinos, fomentaria o turismo, geraria empregos, desenvolveria a economia do

país, e, conseqüentemente, traria substanciais ganhos ao erário público. Não há

como se negar, que apesar da proibição, existem casas clandestinas de Jogos de

Sorte e Azar, especialmente de jogo do bicho, demonstrando que muitas pessoas

recorrem à ilegalidade para jogar, quando poderiam usufruir de uma atividade

devidamente regulamentada por lei, e assim, contribuiriam diretamente para o

desenvolvimento econômico do país.

Nem sempre, no Brasil, a regra foi considerar a exploração privada dos Jogos

de Sorte e Azar, um ato ilícito. Pelo contrário, no início do século XX, havia, no

território pátrio, muitos hotéis, estâncias turísticas, termas, que possuíam e

dependiam de cassinos e jogos, como forma de entretenimento e lazer a seus

clientes.1 Não obstante o jogo do bicho, datado originalmente do final do século XIX,

ou as rifas, bingos e loterias, que a partir do século XVIII, se popularizaram e eram

habitualmente utilizadas, principalmente pelo próprio poder público como meio de

arrecadar fundos ao tesouro, ou por Igrejas, visando obter dinheiro para obras

1 PAIXÃO, Dario L.D. 1930-1945 - A Verdadeira Bélle-Époque do Turismo Brasileiro: O luxo e os

espetáculos dos hotéis-cassinos imperam na era Getulista. p. 20. Disponível em < http://www.obsturpr.ufpr.br/artigos/hotelaria11.pdf>. Acesso em 17 de abr de 2011.

10

assistenciais e manutenção. A partir do Decreto-Lei do então Presidente Dutra, em

1946, até os dias de hoje, a situação dos Jogos de Sorte e Azar no Brasil pouco se

modificou, mantendo-se a vedação à sua exploração privada, a não ser por um

pequeno período de permissão a bingos e caça-níqueis (de 1993 a 2004), mesmo

com a enorme quantidade de projetos legislativos visando legalizar a atividade.

Portanto, atualmente, a exploração dos jogos de azar pertence exclusivamente

ao Poder Público e, qualquer pessoa que queira jogar licitamente, terá que recorrer

a alguma das várias loterias promovidas pelo Estado ou aos raros hipódromos

existentes, onde as apostas em corridas de cavalos, podem ser exploradas pela

iniciativa privada.

Na América e na Europa, a “indústria” privada dos Jogos de Sorte e Azar teve

grande impulso no século XIX, porém na primeira metade do século XX, enfrentou

um retrocesso ao ser proibida ou limitada em alguns países, como por exemplo, no

Canadá em 18922, em Cuba e como já mencionado, no Brasil. Contudo, na segunda

metade do século, aos poucos, a atividade foi retornando à licitude e recebendo na

maioria das nações, devido controle e regulamentação pelas administrações

públicas, visto que, apesar das enormes vantagens oriundas da exploração do jogo,

esta se mostrou, sem a supervisão estatal, uma atividade potencialmente nociva à

sociedade e à saúde pública, gerando o vício no jogo (ludopatia), e a marginalização

social do jogador compulsivo (ludopata).

Na antiguidade, Egípcios e Romanos, por exemplo, já sabiam destes

problemas e, por isto, já regulamentavam e até proibiam os jogos de azar3. Tal fato

demonstra a importância e a necessidade de uma regulamentação adequada e um

controle rígido a ser exercido pelos entes públicos fiscalizadores, sendo também, o

Estado responsável por políticas de conscientização, prevenção, abrigo e tratamento

aos jogadores patológicos ou ludopatas, bem como pelo encargo de evitar que a

exploração privada do jogo seja feita de forma abusiva, criminosa ou ilegal. Vale

ressaltar, que a atual proibição aos jogos, não significa que eles não existam, pelo

2 MILTONS, Michelle Merética. Regulação dos Jogos de Azar na América do Norte: Uma Análise

Introdutória. Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – Documento de Trabalho nº43. Brasília. 2006. p.31. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos/documento_trabalho/2006-1>. Acesso em 16 de Mar de 2011.

3 PAIXÃO, Dario L.D. Op. Cit. p.3.

11

contrário, abre margem para que uma grande quantidade de jogadores venha a se

arriscar em casas de jogos clandestinas, sem contar o fato de que, caso estes

usuários venham a sofrer do vício no jogo, estarão entregues ao léu, sem qualquer

amparo das autoridades públicas.

Destarte, evidencia-se a importância jurídica do tema, que demanda, não

somente, normas de Direito Administrativo como mecanismos de proteção à saúde

pública e controle da exploração feita pelas concessionárias, por parte do Estado,

mas, ainda, encampa regras de Direito Penal, Direito Constitucional, Econômico e

Societário, seja impondo sanções àqueles que explorarem o jogo de forma ilícita e

nociva, seja garantindo a livre-concorrência, o fomento ao turismo e o

desenvolvimento da economia, ou até mesmo determinando requisitos e limitações

às sociedades que quiserem pleitear a concessão. Não obstante, toda pessoa que

quiser explorar os Jogos de Sorte e Azar, operando um cassino, por exemplo, terá

que contratar funcionários e, portanto, estará constituindo novas relações de

emprego, o que deve ser devidamente observado pelo Direito do Trabalho, vez que,

novas profissões, podem gerar novos sindicatos, novas regras ou conselhos

profissionais, bem como a própria lei poderá delimitar o horário de funcionamento

dos estabelecimentos, jornadas de trabalho, piso salarial etc.

Contudo, contratar empregados, adquirir equipamentos, montar um

estabelecimento, prestar serviços e obter lucros, são situações que, por si só,

podem gerar ao explorador do jogo a obrigação de pagar tributos aos entes públicos,

o que requer uma análise à luz do Direito Tributário. Da mesma forma, ao haver

prestação de serviços, há a constituição de uma relação de consumo entre

explorador e jogador, que ao celebrarem um contrato de jogo, criam, para ambos,

direitos e obrigações, próprios do Direito Civil.

A questão dos jogos de azar, conforme supramencionado, foi alvo de inúmeros

projetos legislativos nos últimos 50 anos. Os argumentos para o insucesso de

praticamente todas as propostas, são os mais variados, desde aumento da

criminalidade e prostituição, observância da moral comum, religiosa e bons

costumes, interesses políticos, vício incontrolável no jogo etc. Apenas a Lei Zico, de

1993, foi temporariamente bem sucedida, apesar de tratar dos jogos, no caso, os

bingos, em segundo plano. Exatamente isto, o tratamento em segundo plano,

12

justificando-se que a liberação dos bingos seria para fomentar o desporto, foi a

razão pela qual o jogo retornou ao cotidiano da sociedade, vez que, se a lei

versasse apenas sobre Jogos de Sorte e Azar, talvez tivesse o mesmo caminho

derradeiro das outras, isto é, o arquivamento.

Todavia, foi justamente este “descuido”, de colocar um tema de tal relevância

social, moral, jurídica e econômica, em segundo plano, que levou à supressão dos

bingos, iniciada em 2000 pela Lei Maguito e moralmente sacramentada em 2004,

pela Medida Provisória 168, do Presidente Lula. O Escândalo dos Caça-Níqueis foi o

“pivô” para tal vedação legal, dentre outras formas de corrupção, falta de capacidade

de fiscalização e associação dos exploradores dos bingos à criminalidade. Todos

estes problemas decorrem da leviandade com que os jogos foram tratados na lei, e

que, consequentemente, demonstrou como a escassez de mecanismos legais e

administrativos de controle e fiscalização, equiparou uma atividade que poderia

trazer muitos benefícios sócio-econômicos, a situações antijurídicas de pior

natureza.

Insta salientar, que a Administração Pública, através de Empresa Pública,

explora livremente as loterias, sem qualquer preocupação com a ludopatia, inclusive

fazendo campanhas publicitárias nos mais variados meios de comunicação,

promovendo seu jogo de azar, cujos prêmios somam cifras milionárias.

Não distante, o jogo do bicho, notoriamente conhecido e difundido, mantém-se

há décadas em pleno funcionamento, apesar da clandestinidade. Sua

regulamentação, por exemplo, traria importante renda aos cofres públicos, devido à

enorme popularidade de que goza este jogo na cultura brasileira, sobrevivendo à

“alcunha” legal de contravenção penal.

A presente monografia pretende demonstrar o quão seria importante e positivo

para o sistema sócio-jurídico-econômico do país, a regulamentação da exploração

privada dos Jogos de Sorte e Azar, mais especificamente, dos cassinos, sem nos

esquecermos dos óbices e pontos negativos que tal fato acarretaria, pelo contrário,

tecendo considerações fundamentadas para que, através do controle estatal e

dentro dos limites da lei, a atividade deixe a ilegalidade e seja regulamentada de

forma a minimizar os problemas decorrentes de sua liberação, resultando assim,

numa balança mais do que favorável. Para tal, faz-se mister iniciar os estudos com a

13

breve história dos Jogos de Sorte e Azar no Brasil, analisando desde os tempos de

colônia, até a situação contemporânea da República.

Em sequência, abordaremos a conceituação doutrinária de jogo, bem como as

definições legais, gêneros e espécies de jogos de azar. Abordado este início,

iniciaremos o maior objetivo deste trabalho, isto é, elencar os possíveis problemas

oriundos da regulamentação da exploração privada dos cassinos no Brasil, bem

como os principais fundamentos dos críticos e da lei para vedar tal atividade, e

apresentar soluções, sejam elas provenientes do Direito Estrangeiro, sejam criações

próprias, sejam obras doutrinárias ou obras do legislativo, outrora apresentadas

como projetos de lei às casas do Congresso Nacional.

Faremos em seguida, uma abordagem sobre os mecanismos de controle do

Estado à exploração do jogo, apresentando qual seria o órgão responsável pela

fiscalização e regulamentação direta da atividade, bem como quais seriam os

requisitos para ser concessionário, vez que, a priori, a atividade do jogo pertence à

União, cabendo a esta, concedê-la à iniciativa privada, nos moldes da lei.

Outrossim, abordaremos quais serão as restrições de acesso a locais de jogo,

onde a exploração privada será possível, métodos de fiscalização e medidas para a

produção, comercialização e premiação de caça-níqueis ou máquinas afins. Por fim,

é necessário discorrer acerca dos aspectos tributários da exploração dos jogos de

azar, principalmente sobre os impostos que incidirão diretamente sobre a atividade e

se seria mister a criação de novos tributos, buscando cobrir os gastos públicos com

gestão e fiscalização ou até mesmo com campanhas de saúde pública para

conscientizar, prevenir e tratar a população, que esteve, está e continuará, como

sempre, susceptível ao vício nos Jogos de Sorte e Azar.

14

1. Origens e Histórico no Brasil

Testemunhos mais antigos afirmam que a prática dos jogos de azar vem de

tempos tão remotos quanto os da própria Humanidade, isto é, cerca de 40.000 anos

atrás.4 Escavações efetuadas no Egito encontraram artefatos que eram utilizados

em jogos de azar a partir de 3.500 anos antes de Cristo.5 Segundo Januário

Pinheiro, o jogo de dados parece ter sido o mais antigo a ser praticado e nos

Palácios Micênicos, tabuleiros primitivos, semelhantes aos do jogo de damas, foram

encontrados.6

Suzana Albornoz parafraseando Johan Huizinga, comenta que o jogo em geral

(do qual derivam-se os Jogos de Sorte e Azar) e sua noção são mais primitivos que

a cultura, pois fazia parte daquelas coisas em comum partilhadas entre homens e

animais.7

É certo que, ao longo da história, apesar da consciência ético-social não ter

sido sempre a mesma, as políticas jurídicas e legislativas acerca da prática dos

jogos de azar adotaram, independentemente do tempo e lugar, os posicionamentos

da constante histórica concebida por Johan Huizinga:8

1º - Proibição absoluta

2º - Tolerância, sendo uma prática irrelevante no plano jurídico

3º - Devida regulamentação

No Império Romano já existia legislação que proibia o jogo, enquanto os

Germânicos chegavam ao ponto de jogar a liberdade, ficando escravo aquele que

fosse derrotado.9

4 PEREIRA, Orlindo G. apud PINHEIRO, Januário. Lei do Jogo: Anotada e Comentada. 1ª Ed.

Coimbra: Almedina. 2006. p.33.

5 Idem, ibidem.

6 PINHEIRO, Januário. Ibidem. p.34.

7 HUIZINGA, Johann apud ALBORNOZ, Suzana G. Jogo e Trabalho: Do Homo Ludens, ao Ócio

Criativo in Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. n. 1.Vol. 12. Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Santa Cruz do Sul. 2009. p. 76.

8 HUIZINGA, Johann apud PINHEIRO, Januário. Op. cit. p.35.

9 PINHEIRO, Januário. Op. cit. p.34.

15

Na Idade Média, o Concílio Cristão de Mogúncia, no ano de 813, impôs a pena

de excomunhão àqueles que tomassem parte nos Jogos de Sorte e Azar.10

Em Portugal, as denominadas Casas de Jogo ou Tavolagem foram, por breve

período, permitidas, desde que fosse paga quantia aos respectivos monarcas ou aos

senhores feudais locais. 11 A proibição decorrente das Ordenações Afonsinas no

Século XIV, foi mantida pelas Ordenações Manuelinas (Século XVI), que vedava “o

jogo das cartas e também o dos dados” e pelas Ordenações Filipinas (Século XVII),

sem, no entanto, apresentarem quaisquer definições.12 Portanto, em terras lusitanas,

do século XIV ao Século XVIII, vigorou legislação que proibia quase que

absolutamente os Jogos de Sorte e Azar.13 O Quinto Livro, Título LXXXII, das

Ordenações Filipinas, determinava, ipsis litteris:

Defendemos, que pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, em nossos reinos e senhorios, não jogue cartas, nem as tenha comsigo, nem as faça, nem traga de fóra, nem as venda. E a pessoa, a que fôr provado, que jogou com cartas qualquer jogo ou lhe forem achadas em caza, ou as trouxer comsigo, pague da Cadêa, se fôr peão, dous mil réis; e se fôr de maior condição, pague dez cruzados, e mais perca todo o dinheiro, que se provar que no jogo ganhou, ou que lhe no dito jogo for achado (...)

14

Vale ressaltar que, neste período, o Brasil Colônia adotava as mesmas leis

existentes na Metrópole, vigendo, as Ordenações Filipinas e sua vedação legal ao

jogo. Contudo, segundo Dario Paixão, em pleno século XVIII, já havia no Rio de

Janeiro uma famosa casa de jogos denominada “Beira-Mar Cassino, no antigo

Passeio Público, que o Vice-Rei Luiz de Vasconcelos incumbiu a Mestre Valentim de

construir à beira do cais,em 1.789”15 e que cinco anos antes, em 1784, promovera-

se uma espécie de jogo do bicho visando arrecadar fundos para a construção do

10

In Jornal “TAL E QUAL”, 21 de jan de 1994, apud PINHEIRO, Januário. Op. cit. p.34.

11 NEVES, Pedro A. apud PINHEIRO, Januário. Op. cit. p. 36

12 PINHEIRO, Januário. Op. cit. p. 36

13 Idem, ibidem.

14 Ordenações de Vossa Majestade Senhor Rei Felipe II de Portugal, Livro V, Título LXXXII.

Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1230.htm>. Acesso em 16 de abr de 2011.

15 PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América Latina. Centro Universitário

Positivo. p. 19. Disponível em <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Cassinos.pdf>. Acesso em 16 de abr de 2011.

16

prédio da Câmara Municipal de Vila Rica, em Ouro Preto, Minas Gerais.16 Dario

Paixão vai além, relatando que na América do Sul, onde o jogo sempre fora marcado

por antecedentes históricos relacionados às festas populares, à loteria e às corridas

de cavalos, os povos nativos já praticavam alguns jogos de azar antes da chegada

dos colonizadores.17 Entretanto, somente após a chegada da Corte Portuguesa no

Brasil, século XIX, é que o jogo fora estruturado oficialmente.18

O jogo do bicho, de forma mais próxima da existente nos dias de hoje, foi

concebido pelo Diretor do Zoológico do Rio de Janeiro, que em 1892, buscando

incrementar as visitas ao parque, expôs à venda bilhetes que combinavam figuras

de animais e números, contendo a esperança, puramente aleatória, de um prêmio

em dinheiro, onde o portador só ganharia se, contando com a sorte, acertasse com o

nome a espécie do animal que estava erguido no alto de um mastro.19 Portanto, em

nada se diferenciava de uma espécie privada de loteria ou Jogo de Sorte e Azar.

Isto demonstra que no Brasil, seja quando ainda dependente de Portugal, seja

na qualidade de Império, seja em forma recém-nascida República, já havia espaço

para a exploração de Jogos de Sorte e Azar em sua sociedade, apesar dos cerca de

três séculos de proibição quase absoluta imposta pelos portugueses. Dario Paixão,

neste sentido, afirma que: “O jogo sempre existiu, quem sabe pelo gosto pelas

apostas, traço marcante da natureza humana, malgrado a legislação brasileira

nunca tenha sido favorável aos jogos de azar, considerados produtos da má-fé”.20

O Código Criminal do Império de 1830 só considerava crime a propriedade de

casas públicas de jogos, desde que não autorizadas pelos respectivos Municípios.

Art. 281. Ter casa publica de tabolagem para jogos, que forem prohibidos pelas posturas das Camaras Municipaes.

16

Idem, Ibidem. p. 9.

17 Idem, Ibidem. p. 19.

18 PAIXÃO, Dario L.D. 1930-1945 - A Verdadeira Bélle-Époque do Turismo Brasileiro (...). Op. Cit. p.

5.

19 Idem. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...). Op. Cit. pp. 8-9.

20 Idem, Ibidem. p. 9.

17

Penas - de prisão por quinze a sessenta dias, e de multa correspondente á metade do tempo.

21

O Código Penal Brasileiro de 1890, por sua vez, criminalizava tanto os

proprietários das casas destinadas à prática dos denominados jogos de azar, quanto

os próprios frequentadores:

Art.369. Ter casa de tavolagem, onde habitualmente se reunam pessoas, embora não paguem entrada, para jogar jogos de azar, ou estabelecel-os em logar frequentado pelo publico.

Penas – de prisão cellular por um a tres mezes; de perda para a fazenda publica de todos os apparelhos e instrumentos de jogo, dos utensilios, moveis e decoração da sala do jogo, e multa de 200$ a 500$000.

Paragrapho unico. Incorrerão na pena de multa de 50$ a 100$ os individuos que forem achados jogando.

Art. 374. Será julgado e punido como vadio todo aquelle que se sustentar do jogo, além de incorrer na pena do paragrapho unico do art. 369.

22

Todavia, em 1920, o Presidente da República Epitácio Pessôa, preocupado

com a falta de instalações para receber o Rei Albert I, da Bélgica, autorizou pelo

Decreto 3.987/20, a exploração de jogos de azar em clubes e cassinos inseridos em

estâncias turísticas, termais, hidrominerais, balneárias ou climáticas, permitindo

assim, a construção de um hotel-cassino de luxo e à beira-mar, no Rio de Janeiro,

para acomodar o Rei.23 O referido Decreto, em seu art.14, dispunha:

Art. 14. Aos clubs e casinos das estações balnearias thermaes e climatericas poderá ser concedida autorização temporaria para a realização dos jogos de azar em locaes proprios o separados, mediante as seguintes condições:

(...)

§ 2º Na autorização deverão ser discriminados o prazo da concessão, a natureza dos jogos de azar permittidos, as medidas de localização por parte dos agentes da autoridade, condições de admissão nas salas de jogo, as

21

Código Criminal do Império do Brazil. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81882&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB >. Acesso em 16 de abr de 2011.

22 Código Penal da República dos Estados Unidos do Brazil. Decreto nº 847 de 1890. Disponível em:

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049>. Acesso em 16 de abr de 2011.

23 TRIGO, L. G. G. apud PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...).

Op. Cit. p. 11.

18

horas de abertura e de encerramento, a taxa de 15 % devida e a maneira de cobral-a.

§ 3º Nas salas do jogo só poderão ter entrada pessoas maiores.

§ 4º A autorização poderá ser cassada, em caso de inobservancia das clausulas preestabelecidas, a pedido justificado do Conselho Municipal, ou quando assim o entender o poder publico, sem que aos concessionarios assista direito a qualquer indemnização

(...)

§ 6º Uma vez licenciados e sujeitos á taxa de 15 % os clubs e casinos poderão funccionar sem que incidam nas disposições das leis penaes relativas ao jogo.

24

Consideramos este diploma legal como o marco do início da regulamentação

da exploração privada dos jogos de azar no Brasil. O Decreto não só autorizou o

funcionamento, mas também determinou que a autorização fosse feita em regime de

concessão temporária, com prazo pré-estabelecido; discriminou quais seriam os

jogos exploráveis; vedou o acesso de menores às salas de jogo; estabeleceu os

horários de funcionamento; e estipulou uma tributação específica, com alíquota fixa,

que com o devido pagamento, afastaria o explorador do jogo dos ilícitos previstos

nas leis penais, sobretudo nos artigos 369 e seguintes do Código Penal vigente à

época. Outrossim, o referido Decreto determinou, de certa forma, quais seriam as

zonas de jogo, ao autorizar a atividade apenas em locais turísticos, denominados

genericamente à época como estâncias balneárias ou hidrominerais. Enfim,

finalmente surgia no país uma regulamentação especial à exploração privada dos

jogos de azar.

Historicamente, a manutenção e recuperação da saúde, associada ao

divertimento e entretenimento por meio do jogo, sempre foi estratégia adotada por

hotéis-cassinos e resorts em diversos países.25

24

Decreto nº 3987 de 2 de fevereiro de 1920. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=48173&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em 16 de abr de 2011.

25 PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...). Op. Cit. p. 22.

19

Insta salientar que, o complexo de uma estância hidromineral que abrigasse

cassinos deveria conter hotel, restaurante, bar, piscina, salões, salas para

conferências e festas beneficentes.26

Paralelamente ao desenvolvimento turístico dos jogos de azar no Brasil,

Portugal decidira legalizar e regulamentar a atividade por meio do Decreto nº 14.643

de 1927. Segundo Januário Pinheiro, até então, “houve sempre uma proibição legal

expressa que reprimia em Portugal o jogo de fortuna ou azar”, contudo, recém

implantada Ditadura Militar Lusitana, resolvera, pela primeira vez, regulamentar o

jogo, procurando tirar dele o máximo de receita para o Estado.27

Já em 1938, o Presidente Getúlio Vargas editou Decreto-Lei nº 241, que

dispunha sobre a licença de funcionamento dos chamados “casinos-balneários”.28

Conforme o Decreto-Lei 4.688/42, todos os estabelecimentos licenciados na forma

do supramencionado diploma de 1938, não incorreriam na contravenção penal

tipificada no artigo 50 do Decreto-Lei nº 3.688/4129, que determina em seu caput:

Art. 50 - Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele.

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

30

Portanto, percebe-se que o artigo 50 da Lei das Contravenções, de 1941, que

entrou em vigor em janeiro de 1942, levou cerca de 10 meses para ter sua vigência

limitada, por lei, àqueles que não possuíssem licença para explorar os jogos de azar.

Contudo, não encontramos qualquer registro histórico de paralisação das atividades

dos referidos licenciados neste lapso temporal.

26

Idem, ibidem.

27 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p.36.

28 Decreto-Lei nº 248 de 4 de fevereiro de 1938. Disponível em:

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=30773&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PUB>. Acesso em 17 de abr de 2011.

29 Artigo Único do Decreto-Lei nº 4.866 de 23 de outubro de 1942. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del4866.htm#art1>. Acesso em 17 de abril de 2011.

30 Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei nº 3.688/41. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em 17 de abr de 2011.

20

Afirma Dario Paixão que as décadas de 30 e 40 representaram os “Anos

Dourados” do turismo e dos jogos de azar no Brasil, que é quando surgem

construções fora dos padrões comuns, dando vida a shows e espetáculos, bem

como os cassinos, incorporados ora por hotéis luxuosíssimos, ora por estâncias

hidrominerais, termais ou climáticas de alta classe.31

Juntamente com José Gândara, Dario Paixão assevera:

Naquela época, os cassinos mais importantes do Brasil localizavam-se nas estações termais de Minas Gerais e eram freqüentados pela classe média alta de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de turistas argentinos, paraguaios e uruguaios. Os cassinos mais importantes eram os das cidades de Lambari, Araxá e São Lourenço, em Minas Gerais, além dos localizados na cidade do Rio de Janeiro, o de Icaraí, em Niterói e o Quitandinha, em Petrópolis.

32

Todavia, tal situação perduraria até 1946. Surpreendentemente, o então

Presidente, recém-eleito, General Eurico Gaspar Dutra, sancionou o Decreto-Lei nº

9.215, que proibiria definitivamente a exploração privada dos jogos de azar no Brasil,

ao restabelecer a vigência plena do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais

(Decreto-Lei nº 3.688/41), bem como ao revogar o Decreto-Lei nº 248/38, demais

diplomas regulamentadores da atividade e todas as licenças concedidas à

exploração do jogo no Brasil. A exposição de motivos para tal medida foi pautada

em quatro principais preceitos:

Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;

Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a êsse fim;

Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e jogos de azar;

Considerando que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes;

Considerando que as licenças e concessões para a prática e exploração de jogos de azar na Capital Federal e nas estâncias hidroterápicas, balneárias

31

PAIXÃO, Dario L.D. 1930-1945 - A Verdadeira Bélle-Époque (...) Op. Cit.. p. 1.

32 PAIXÃO, Dario L.D.; GÂNDARA, José M.G. A Legalização dos Cassinos no Brasil: Uma Análise

Comparativa das Situações Governamentais em Outros Países. Turismo - Visão e Ação v.1, n.2. Balneário Camboriú: Ed. da Univale. 1999. p.18.

21

ou climáticas foram dadas a título precário, podendo ser cassadas a qualquer momento.

33

Ora, nos parece totalmente contraditório o pensamento de que a repressão aos

jogos de azar fosse um imperativo de consciência universal, sendo que o referido

período abrigava pleno desenvolvimento turístico nacional, impulsionado pelo

próprio jogo, chegando a ser alcunhado de “anos dourados”. Tampouco o

entendimento de que a legislação penal de todos os países ‘cultos’ nos parece

cabível. Basta analisar a regulamentação portuguesa ocorrida em 1927 e que

perdura até os dias de hoje. Mesmo França (a partir de 1907) e Estados Unidos

(Estado de Nevada, 1931), já possuíam, à época, regulamentações autorizando a

exploração do jogo.34

Moral e bons costumes são conceitos totalmente subjetivos. Parece-nos que a

motivação principal para a proibição fora a religião. Desde a antiguidade a Igreja

condenara os jogos de azar, seja no já supramencionado Concílio de Mogúncia35,

seja porque a soma de todos os números do prato de uma Roleta resulte em 666,

um dos símbolos do anticristo.36 A crença na sorte sempre fora considerada pela

Igreja como uma afronta à sua influência.

A esposa do Presidente Dutra, Dona Carmela Dutra, nas palavras de Dario

Paixão, era mais “conhecida como Dona Santinha, que devido à sua rígida conduta

Católica, condenava os jogos de azar, já que sua prática conduzia o cidadão

trabalhador aos ganhos ilícitos condenados pela Igreja.”37 Para ele, nesta época, em

todos os quadrantes do mundo havia uma certa resistência perante os jogos de azar

devido à Igreja, inimiga histórica, que combatia os cassinos por acreditar ser um

33

Decreto-Lei nº 9.215 de 30 de abril de 1946. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del9215.htm>. Acesso em 17 de abr de 2011.

34 PINHEIRO, Januário. Op. cit. pp. 60 e 62.

35 V. Cit. 10.

36 Idem, Ibidem. p. 34.

37 PAIXÃO, Dario L.D. 1930-1945 - A Verdadeira Bélle-Époque (...) Op. Cit. p.24.

22

meio de diversão prejudicial à família, apesar dos esforços dos governos nacionais

em incrementar suas receitas por meio das loterias.38

É certo que a proibição foi um duro golpe, não só para os cassinos, mas

também para os empregados que da atividade retiravam seu sustento. Conforme

afirma Dario Paixão, “Os 95 empregados do Cassino Ahú suscitaram na maior

reclamatória trabalhista jamais tramitada na Justiça do Trabalho do Paraná, até

então.”39

Segundo Dércio Knop, “antes da proibição, existiam no Brasil 71 cassinos que

empregavam 60.000 pessoas em empregos diretos e indiretos.”40

Desde então, somente a exploração pública dos jogos de azar, mediante

Loterias Federais ou, em raros casos, Estaduais, são permitidas. Ressalvadas as

apostas em corridas de cavalos, dentro de hipódromos ou locais autorizados, que

pelo artigo 50, §3º, alínea b,41 da Lei das Contravenções Penais, não se enquadram

no conceito de jogos de azar, vedados pelo caput, do mesmo artigo da referida Lei.

Salvo por breve período, de 1993 a 2004, foi permitida a exploração do jogo de

bingo no Brasil. A Lei Zico (Lei nº 8.672/93), visando fomentar financeiramente o

desporto no país, autorizou, em seu artigo 57, a promoção de sorteios da

“modalidade bingo”. Contudo, no parágrafo 1º do mesmo artigo, delegou aos

Estados e ao Distrito Federal a regulamentação e fiscalização de tal atividade. Para

Walter Maierovitch, mesmo com a autorização da Lei Zico, os antigos jogadores de

cassinos não foram atraídos para o jogo do bingo.42

Já a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), manteve o mesmo entendimento de que o

bingo seria autorizado com o intuito de fomentar o desporto, porém apresentou uma

maior regulamentação, trazendo um capítulo inteiro (Capítulo IX, arts. 59 a 81) sobre

a prática, inclusive tipificando ilícitos penais:

38

Idem, Ibidem. p.22.

39 Idem. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...). Op. Cit. p.24.

40 KNOP, Dercio apud PAIXÃO, Dario L.D.; GÂNDARA, José M.G. A Legalização dos Cassinos no

Brasil: Uma Análise Comparativa (...). Op. Cit. p.18.

41 “Consideram-se jogos de azar: (...) as apostas sobre corridas de cavalos fora de hipódromo ou de

local que sejam autorizadas.”

42 MAIEROVITCH, Walter apud PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na

América (...). Op. Cit. p.9.

23

“Art. 75. Manter, facilitar ou realizar jogo de bingo sem a autorização prevista nesta Lei:

Pena - prisão simples de seis meses a dois anos, e multa.”43

Entretanto, nem dois anos depois, o Congresso Nacional promulgaria a Lei

Maguito (Lei nº 9981/00), que em seu art 2º, dispôs:

Art. 2° Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.

Parágrafo único. Caberá ao INDESP44

o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de contas.

45

Todavia, em agosto de 2001, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº

2216-37, que determinou em seu artigo 17:

Art. 17. O art. 59 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar

com a seguinte redação:

“Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.”

46

Portanto, os Poderes Executivo e Legislativo criaram um imbróglio jurídico,

visto que, primeiramente, o legislador revogou o artigo 59 da Lei Pelé, porém, antes

mesmo que tal revogação obtivesse eficácia, devido ao vacatio legis, o Executivo

restabeleceu sua vigência, dando-lhe nova redação. No entendimento de Ives

43

Lei nº 9.615 de 24 de abril de 1998. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=148635&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB>. Acesso em 17 de abr de 2011.

44 Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto. Criado pelo art.5º da Lei Pelé, era uma

“autarquia federal com a finalidade de promover e desenvolver a prática do desporto e exercer outras competências específicas que lhe são atribuídas pela Lei.”

45 Lei nº 9.981 de 14 de julho de 2000. Disponível em

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=230134&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB>. Acesso em 17 de abr de 2011.

46 Medida Provisória 2216-37 de 31 de agosto de 2001. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2216-37.htm>. Acesso em 17 de abr de 2011.

24

Gandra Martins e Marilene Talarico Martins, tal repristinação, em suma, foi válida por

dois motivos: (i) conforme o artigo 2º da LICC (Decreto-Lei nº 4.657/42), vigora o

princípio de que lei posterior revoga lei anterior; e (ii) quando a norma revogadora

tiver perdido a vigência, a repristinação em nosso sistema é possível, desde que

haja disposição expressa neste sentido.47

Em contrapartida, o governo do Presidente Lula editou a Medida Provisória nº

168/04, que em seus artigos 1º e 8º, foi expressa:

Art.1º Fica proibida, em todo território nacional, a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, denominadas "caça-níqueis", independentemente dos nomes de fantasia.

Parágrafo único. A vedação de que trata o caput deste artigo implica a expressa retirada da natureza de serviço público conferida a tal modalidade de exploração de jogo de azar, que derrogou, excepcionalmente, as normas de Direito Penal.

(...)

Art. 8º Ficam revogados os arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.981, 14 de julho de 2000, o art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001.

48

Todavia, a referida MP nº168/04 foi rejeitada pelo Senado da República,

mediante Ato Declaratório:

O Presidente do Senado Federal faz saber que, em sessão realizada no dia 5 de maio de 2004, o Plenário da Casa rejeitou os pressupostos constitucionais de relevância e urgência da Medida Provisória nº 168, de 20 de fevereiro de 2004, que "proíbe a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo e jogos em máquinas eletrônicas denominadas 'caça-níqueis', independentemente dos nomes de fantasia, e dá outras providências" e determinou o seu arquivamento.

49

47

MARTINS, Ives Gandra da Silva; RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Poder de Polícia Municipal não pode invadir competência exclusiva de determinação de atividades, pertencentes à União – Exploração da atividade dos bingos é lícita por força da MP 2216-37, com vigência e eficácia até o presente. Parecer. ABRABIN. 2006. pp. 14-15. Disponível em: <http://www.abrabin.com.br/uploads/files/IVES.pdf>. Acesso em 29 de fev de 2012.

48 Medida Provisória nº 168 de 20 de fevereiro de 2004. Disponível em <

http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=238425&tipoDocumento=MPV&tipoTexto=PUB>. Acesso em 17 de abr de 2011.

49 Ato Declaratório do Senado da República de 05 de maio de 2004. Disponível em

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/DetalhaDocumento.action?id=238630&titulo=>. Acesso em 17 de abr de 2011.

25

Com esta rejeição expressa feita pela Casa, mantém-se o imbróglio jurídico

acerca da legalidade da exploração privada dos bingos no país. Como a MP 2.216-

37, que torna exclusiva a execução, direta ou indireta do jogo de bingo, à Caixa

Econômica Federal, data de 31 de agosto de 2001 e ainda não foi objeto de

apreciação pelo Congresso Nacional, para nós, esta continua em pleno vigor, à luz

do art. 2º, da Emenda Constitucional nº 32 de 11 de setembro de 2001:

Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

50

Desta forma, concluem Ives Gandra Martins e Marilene Talarico Martins:

O jogo do bingo, portanto, não chegou a configurar uma atividade ilícita, como pretendia a “Lei Maguito” (...)

Ora, uma vez rejeitada a MP nº 168/04, e com o consequente arquivamento, a situação dos bingos assim como o regime jurídico que a sua exploração se submete, deve subsumir-se aos princípios de serviço público, de competência da União, na forma estabelecida pela Medida Provisória nº 2216-37, de 31 de agosto de 2001, mantida em vigor por força da EC nº 32/2001 (art. 2º), mantendo, portanto, suas disposições ao regramento jurídico da atividade.

51

No entanto, atualmente, as licenças anteriormente expedidas para operação

dos bingos expiraram, e a Medida Provisória nº 2216-37, até o momento, não foi

posta em prática pela Caixa Econômica Federal. Por sua vez, as apostas turfísticas,

isto é, aquelas sobre o desporto de corrida de cavalos, são autorizadas pela Lei nº

7.281/84 (Lei do Turfe), como medida de fomento à equinocultura nacional.52

50

Emenda Constitucional nº32 de 11 de setembro de 2001. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc32.htm>. Acesso em 17 de abr de 2011.

51 MARTINS, Ives Gandra da Silva; RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Op. Cit. pp. 22-23; 27-

28.

52 Lei nº 7.291 de 19 de dezembro de 1984. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7291.htm>. Acesso em 17 de abr de 2011.

26

2. Jogos de Sorte e Azar

2.1. Elementos Introdutórios

2.1.1. Classificação

Elaborando-se um organograma, os Jogos de Sorte e Azar seriam uma classe

ou ramo do jogo puro, isto é, da representação mais primitiva de diversão, alocada

no caput da pirâmide.

Ao longo da história, inúmeros estudiosos tentaram formular uma definição

para o jogo puro. O conceito pode ser tão abrangente, que Friedrich Nietzsche

chega a afirmar, com outras palavras, que a própria vida é um jogo, ao dizer que

“Tudo é jogo; o ser e o devir, o mundo e a história, o princípio que é fim e o fim que é

princípio.”53

Johan Huizinga, em sua obra, formula uma definição mais específica, ao

elucidar:

Jogo é uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana.

54

Além disso, o autor discorre afirmando que os animais brincam55 tal qual os

homens, fazendo-se presentes no jogo animal, todos os elementos essenciais do

jogo humano56. Para ele, estas características inerentes ao jogo seriam:

Uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘’não-séria’’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada

53

NIETZSCHE, Friedrich apud PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 28.

54 HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 6ª Ed. São Paulo: Perspectiva.

2010. p. 33.

55 HUIZINGA, Johan. Op. Cit. p. 3.

56 Idem, ibidem.

27

dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras.

57

Contudo, adotamos posicionamento distoante de Johan Huizinga no tocante ao

lucro. Ora, se o jogo fosse uma atividade desligada de todo e qualquer interesse

material, praticamente a totalidade dos Jogos de Sorte e Azar não derivariam do

conceito de jogo. Com efeito, Roger Caillois faz a seguinte observação sobre a

definição elaborada por Johan Huizinga:

Exclui pura e simplesmente as apostas e jogos de azar, ou seja, por exemplo, as casas de jogo, os cassinos, os hipódromos, as loterias, que, para o bem ou para o mal, ocupam precisamente uma parte importante na economia e na vida quotidiana de vários povos, sob formas, é certo, infinitamente diversas, mas em que a constância da relação azar e lucro é assaz impressionante.

58

Neste sentido, Januário Pinheiro demonstra uma classificação tripartite do jogo:

a) Jogos de destreza (física, intelectual, manual)

b) Jogos de azar

c) Jogos de imitação59

Outrossim, Roger Caillois assevera que, por essência, o jogo requer a

presença de pelo menos um dos quatro elementos abaixo:

Agôn: seriam os jogos dominados fundamentalmente por atividades

competitivas, cujo campo de atuação tenta, utopicamente, criar situações ideais

e igualitárias para todos os participantes, no intuito de que o vencedor apareça

como o melhor preparado.

Álea: seriam os jogos opostos ao agôn, nos quais o jogador atua

passivamente, não fazendo uso de qualquer habilidade previamente adquirida,

57

Idem, Ibidem. p. 16.

58 CAILLOIS, Roger apud BENATTE, Antônio Paulo. Dos Jogos que Especulam com o Acaso:

Contribuição à história do jogo de azar no Brasil (1890-1950). 2002. 210f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

59 NOGRADY apud PINHEIRO, Januario. Op. cit. p. 27.

28

negando, assim, qualquer qualificação técnica. Portanto, predominariam a força

do acaso, o destino ou a sorte.

Mimicry: seriam jogos fictícios em que os participantes adotam para si o papel

de determinados personagens. Na infância, este jogo se caracteriza

principalmente pela imitação, sem uma submissão rígida às regras, cujos

maiores exemplos se encontram em jogos teatrais.

Ilinx: seriam jogos com o intuito de destruir a estabilidade de percepção do

corpo humano, ou seja, busca-se atingir uma espécie de espasmo, transe,

afastamento súbito da realidade.60

Portanto, para nós, os Jogos de Sorte e Azar derivam da acepção de jogo,

configurando-se uma classe ou ramo deste.

Ademais, não há dúvidas quanto a possibilidade de homens ou animais

jogarem. Entretanto não há qualquer estudo sobre a presença de máquinas na

contemporaneidade, os avanços tecnológicos são muitos se comparados à época

dos autores supracitados, de forma que hoje, um jogador de xadrez pode desafiar

um computador para uma partida, ou talvez em um futuro próximo, haja a

possibilidade de dois robôs, por exemplo, jogarem sem que haja qualquer controle

humano direto sobre seus movimentos. Vale ressaltar que máquinas não possuem

sentimentos e, portanto, jogam ser qualquer voluntariedade, tensão ou alegria,

baseando-se apenas na pura probabilidade matemática e no armazenamento de

dados para executar as regras do jogo.

Outro exemplo é o de um jogo de videogame, em que duas pessoas venham

a iniciar uma partida de futebol entre duas máquinas e não interfiram no decorrer do

jogo, apenas assistindo ao embate dos dois jogadores virtuais.

60

CAILLOIS, Roger apud BLAZEK, Viktor. A Interatividade Qualitativa dos Jogos Digitais: estudo de Caso Sobre o Vivo em Ação. São Paulo: V. B. Blazek. 2009. 165f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www.pos.eca.usp.br/sites/default/files/file/bdt/2009/2009-me-blazek_viktor.pdf>. Acesso em 03 de mai de 2011.

29

Há o caso concreto do computador denominado ‘Watson’, que tornou-se

campeão de um jogo de perguntas e respostas, organizado por uma rede de

televisão americana, ao derrotar dois humanos na final.61

É certo que as máquinas ainda não têm vontade própria, visto que dependem

de um humano para colocá-las na situação de jogo, tampouco possuem

sentimentos, então os elementos subjetivos seriam relativos a este, que insere o ser

mecânico ou virtual no jogo.

2.1.2. Juridicidade

Basicamente, o denominador comum a todas as formas de Jogos de Sorte e

Azar, independentemente de gênero, espécie, modalidade, finalidade ou meio de

jogo, é o resultado aleatório.

Contudo, a juridicidade no jogo, isto é, a relevância dos jogos de sorte e azar

para o direito, só começa no momento em que destes decorre o interesse

econômico, sendo necessário, ainda, que este interesse se traduza na contigência

de uma perda ou lucro.62 Portanto, a lei limita-se a regulamentar os Jogos de Sorte e

Azar exploráveis economicamente, seja de forma direta ou indireta. Para Maria

Carquejeiro Gomes, são 3 (três) os elementos comuns e indispensáveis à sua

definição jurídica:

- Um pagamento ou contribuição com algum valor;

- Um resultado aleatório; e

- Um prêmio.63

Neste diapasão, Maria Carquejeiro Gomes afirma que:

Sem um destes três elementos, o jogo de fortuna e azar, tal como é explorado por operadores em todo o mundo, não toma forma. Significa,

61

‘’Jeopardy!’’, programa de televisão norte-americano, ao estilo ‘game show’, consistente em um jogo de perguntas e respostas aos participantes.

62 LIMA, Pires de e VARELA, Antunes apud PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 56.

63 GOMES, Maria M. C. Tomaz. A Política Pública das Lotarias: possibilidades para o financiamento

do desenvolvimento. 2007. 147f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional) – Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. p. 14.

30

assim, participar num jogo o acto de incorrer num risco, num evento organizado, em que a sorte tem lugar. Relembre-se que a habilidade também pode ter lugar neste tipo de jogos, mas sempre acompanhada do elemento sorte.

64

Consideramos, todavia, que existe uma exceção a este postulado de Maria

Carquejeiro Gomes: os sorteios e concursos publicitários, os quais ocorrem, muitas

vezes, gratuitamente e, portanto, sem a necessidade de contribuição prévia com

algum valor ou a assunção de algum risco. Bastaria a presença significativa da álea

e a promessa de um prêmio para a caracterização jurídica destes jogos de sorte e

azar, exploráveis de forma indireta, os quais abordaremos mais adiante.

Sinteticamente, podemos considerar, então, que os denominadores comuns que dão

relevância jurídica aos jogos de sorte e azar são dois: submissão do resultado ao

acaso e interesse econômico dos participantes (aí incluídas a busca pelo prêmio e a

necessidade corriqueira de contribuição prévia com algum valor).

2.2. Terminologias

Antes de abordarmos qualquer definição, esclarecemos nossa preferência por

acrescer a palavra sorte à terminologia de Jogos de Azar adotada pela legislação

pátria.

Etimologicamente, a palavra Azar tem suas origens no árabe vulgar, az-zahr,

ou no francês, assard, significando, ao mesmo tempo, a sorte ou a falta dela.65

O Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis traz dois posicionamentos: (i)

iguala os vocábulos sorte e azar ao conceituá-los mutuamente como acaso, em uma

de suas várias definições; (ii) em contrapartida, determina que sorte pode ser

fortuna, enquanto o azar, por sua vez, seria infortúnio, ou seja, o exato antônimo66.

Tecnicamente, portanto, em um dos sentidos apresentados pelo dicionário,

Jogos do Acaso, Jogos de Azar ou Jogos de Sorte significariam a mesma coisa.

Entretanto, na linguagem vulgar, popular, azar é adotado com o sentido de

64

Idem, ibidem.

65 PAIXÃO, Dario. 1930-1945: A Verdadeira Belle-Époque(...). Op. Cit. p. 3.

66 MICHAELIS: minidicionário escolar da língua portuguesa. Sâo Paulo: Cia. Melhoramentos. 2000.

31

infortúnio, algo não atrativo. Cunhar apenas a expressão Jogos de Azar, pode

alimentar um sentido pejorativo, desestimulante, demonstrando-se um jogo onde o

jogador só perderá, o que de fato, a longo prazo, é verdadeiro. A palavra sorte, por

sua vez, representa um estímulo de ganho, de fortuna, que apesar de mínimo,

existe, e é nesta mínima existência em que reside a esperança do jogador. Neste

sentido, Januário Pinheiro afirma que “o homem-jogador é muito supersticioso e

actua como desafiador do destino. Joga-se na esperança de ganhar dinheiro

rapidamente e sem esforço.”67

Entendemos, ainda, de forma mais profunda, que o acaso, a sorte e o azar

relacionam-se com a prevalência de uma probabilidade matemática sobre a outra,

sem que haja, para tal, qualquer interferência significativa dos jogadores que altere

estas percentagens de chance de sucesso. Em outras palavras, os jogadores não

conseguem obter o resultado favorável mediante habilidade própria.

Depreendemos, também, que a sorte é a preponderância da menor

probabilidade, enquanto o azar é a não preponderância da maior probabilidade.

Desta forma, o jogador depende da própria sorte e/ou do azar alheio para vencer.

Para exemplificar, se um jogador toma parte neste jogo, tendo probabilidade

desfavorável e perde, este não teve sorte ou azar, mas sim, apenas seguiu o

mandamento das chances matemáticas.

De qualquer forma, parece-nos que a expressão Jogos de Sorte e Azar é

comercialmente mais favorável à limitada em Jogos de Azar, fato este que pode

contribuir, em tese, para atrair um maior número de jogadores aos cassinos.

Não obstante, a terminologia adotada nas leis dos países lusófonos é a de

Jogos de Fortuna ou Azar68. O termo sorte nos parece mais apropriado às

peculiaridades do português brasileiro. Nesta linha, nos países de língua hispânica,

encontramos a expressão Juegos de Suerte, Envite o Azar, simplificada por diversas

67

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 33.

68 O termo jogos de fortuna ou azar pode ser encontrado, exemplificativamente, no Art. 1º da Lei do

Jogo Portuguesa (Decreto-Lei 422/89); no Art. 1º da Lei do Jogo de Macau (Lei nº16/2001); no Art. 1º do Decreto nº 10/2008 do Governo do Timor Leste. Macau é uma região administrativa especial da China, onde o Português, juntamente com o Chinês, é uma das línguas oficiais, fruto da colonização portuguesa por mais de um século.

32

vezes como Juegos de Azar. Os países de língua inglesa, por sua vez, adotam a

expressão gambling, também podendo ser encontrado o termo gaming.69

Por fim, optamos pela substituição da conjunção “ou” pelo “e”, porque quando

empregados no sentido de acaso/álea, a sorte e o azar não podem ser dissociados,

sendo o elemento fundamental caracterizador desta divisão de Jogos.

2.2.1. Definições

Primeiramente, salientemos que toda e qualquer definição legal de Jogos de

Sorte e Azar visa regulamentar aquele jogo com fim econômico, onde o interesse

material é a razão da normatização da atividade. Um cara-e-coroa, jogo que

depende do acaso por excelência, ou o popular ‘Jokempô’, que mistura sorte e

habilidade, por exemplo, não são objeto de qualquer legislação, enquanto não

houver exploração financeira sobre estes.

A Lei das Contravenções Penais Brasileira, conceitua, em seu artigo 50, §3º, a,

que jogo de azar é aquele “jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou

principalmente da sorte.” Outrossim, este mesmo parágrafo 3º equipara as apostas

hípicas e as apostas desportivas ao supramencionado conceito da alínea a.

Contudo, consideramos este conceito equivocado, visto que, não abarca, o que

seriam na nossa visão, outras modalidades de Jogos de Sorte e Azar. O artigo 51,

§2º, da própria Lei das Contravenções, difere loteria, ao defini-la, autonomamente,

como “toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales,

sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio

em dinheiro ou bens de outra natureza.”

Outrossim, entendemos que há um equívoco conceitual no art. 50, §3º da Lei

das Contravenções, presente na expressão “ganho e a perda”. Mister salientar, ser

inerente às loterias, incluindo-se aí os bingos e o jogo do bicho, que, em geral, o

risco da perda é inerente apenas aos jogadores, pois ao explorador ou organizador

é garantida uma percentagem da arrecadação e/ ou da premiação como forma de

lucro. Contudo, na nossa visão, esta não deixa de ser uma modalidade de Jogo de

69

MILTONS, Michelle M. Op. Cit. p. 14.

33

Sorte e Azar, pois todos os jogadores, exceto o explorador, dependem destes

elementos do acaso para superar a probabilidade matemática desfavorável em

busca do prêmio. Ademais, no caso da Mega-Sena, por exemplo, a Caixa

Econômica Federal não é jogadora, meramente prestando o serviço de organizar um

sorteio oferecendo um prêmio em dinheiro aos jogadores, não tomando parte no

jogo e sempre obtendo lucro.

A Lei do Jogo Portuguesa (Decreto-Lei 422/89), por sua vez, estabelece em

seu artigo 1º que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente

por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”70

Note-se, que desta vez é o resultado que depende exclusiva ou

fundamentalmente do acaso, diferentemente do ganho ou da perda da legislação

brasileira. Esta definição portuguesa abrange, as loterias, concursos71 e bingos72,

por exemplo. Contudo, Doutrina e Jurisprudência da ex-Metrópole afastam a rifa

deste conceito amplo, bem como todos os Jogos de Sorte e Azar que venham a ser

oferecidos ao público, tendo coisas, móveis ou imóveis, com valor econômico como

prêmio, ao interpretar o artigo 1º “como todos aqueles jogos e apostas que o homem

comum designa por ‘jogos a dinheiro’, sabendo que ‘são os que se costumam jogar

nos casinos’”.73 Esta interpretação, à luz do artigo 159 da mesma Lei do Jogo,

remete esses jogos à condição de modalidades afins, ao dispor:

1 - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prêmios coisas com valor económico. 2 - São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

(...)

Nesta linha, Rui Pinto Duarte é categórico acerca da questão:

70

Decreto-Lei nº 422 de 2 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=242&tabela=leis>. Acesso em 9 mai 2011.

71 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. pp. 46-47.

72 Idem, Ibidem. p. 75.

73 Idem, Ibidem. p. 56.

34

(...) ‘jogos de fortuna ou azar’ teria como núcleo central uma aposta necessariamente em dinheiro, habilitante a um prémio em dinheiro, e o tipo ‘modalidades afins’ teria como núcleo central uma prestação, normalmente avaliável em dinheiro, mas não necessariamente consistente em dinheiro, habilitante a um prémio, sempre avaliável pecuniariamente, mas nunca consistente em dinheiro.

74

Além disto, os portugueses classificam os Jogos de Sorte e Azar em bancados

e não-bancados. Os primeiros seriam aqueles em que existe um banqueiro,

representante da empresa concessionária do cassino, por exemplo, aonde todos os

jogadores jogam contra ele. Já nos não-bancados, os próprios jogadores jogam uns

contra os outros, e quando realizados em cassinos, este cobra uma percentagem

sobre os lucros dos jogadores, a fim de custear os serviços prestados.75 As

máquinas, por sua vez, possuem, em Portugal, regime tributário idêntico ao dos

jogos bancados.76

Ao nosso entender, a divisão entre jogos bancados e não-bancados é justa,

bem como a abrangência do conceito de Jogos de Sorte e Azar, ao englobar

loterias. Contudo, discordamos de o critério essencial diferenciador de um jogo e

uma modalidade afim ser a premiação, neste em coisa, naquele em pecúnia.

Pensamos que todos os jogos em que haja o elemento álea, isto é, a dependência

exclusiva ou fundamental no acaso de um dos jogadores para obtenção do resultado

favorável e exista finalidade econômica das partes, podem caracterizar-se como

Jogos de Sorte e Azar, independentemente do objeto a ser premiado.

Neste sentido, os parlamentares da Nova Zelândia, em seu Gambling Act de

2003, conceituaram gambling, ao defini-lo como o pagamento ou participação, direta

ou indireta, visando ganhar dinheiro sobre algum resultado que dependa

parcialmente ou totalmente da sorte.77 Os legisladores equipararam, ainda, os

74

DUARTE, Rui Pinto. O Jogo e o Direito in Revista Themis. Faculdade de Direito da UNL, ano II, nº3. 2001. p. 81 apud PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 546.

75 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 71.

76 Idem, Ibidem. pp. 71-72.

77 Tradução livre de: gambling means paying or staking consideration, directly or indirectly, on the

outcome of something seeking to win money when the outcome depends wholly or partly on chance (…). Disponível em: <http://www.legislation.govt.nz/act/public/2003/0051/latest/DLM207804.html#DLM207804>. Acesso em 10 de mai de 2011. Em inglês.

35

concursos promocionais, apostas desportivas e agenciamento de apostas ao

conceito de jogos de azar, salvo exceções legais. As loterias, entretanto, foram

definidas separadamente.

Para nós, a conceituação de Jogos de Sorte e Azar deve ser ampla, de forma a

abrigar o maior número possível de modalidades equiparáveis, principalmente os

jogos (bancados, não-bancados e máquinas), as apostas e as loterias. Michelle

Merética Miltons, ao traduzir e conceituar o termo gambling, oriundo do inglês,

disserta:

O termo em inglês gambling (...) cuja tradução adotada neste trabalho é a de jogo de azar, é um conceito amplo, que inclui diversas atividades, classificadas de acordo com várias características. O jogo de azar envolve a participação de uma ou mais pessoas, que realizam apostas em torno de um evento incerto. A aposta pode ser definida como uma promessa de pagamento em dinheiro, que depende do resultado de um jogo. O resultado do jogo pode ou não depender da habilidade do jogador (MIERS, 2002). Em sua forma mais comum, o apostador está sujeito ao risco ou à sorte e, por vezes, à avaliação quanto ao resultado de certo evento futuro, por exemplo, a pontuação final de algum evento esportivo. Há muitas formas de jogos de azar, incluindo loterias, jogos de cartas, roleta, bilhetes instantâneos, máquinas caça-níqueis, terminais de vídeo-loteria, bingos, apostas sobre corridas de cavalo e cachorro e jogos de internet, entre vários outros.

78

Neste sentido, o próprio Gambling Act de 2005, diploma regulador dos Jogos

de Sorte e Azar no Reino Unido, em sua seção nº 3, define gambling como gênero

do qual jogos (de cassino), apostas e loterias são espécies:

In this Act “gambling” means: (a) gaming (within meaning of section 6), (b) betting (within meaning of section 9), and (c) participating in a lottery

79 (within meaning of section 14 and subject to

section 15).

Michelle Merética Miltons também faz referência a uma classificação dos jogos

de fortuna ou azar baseada na dimensão sorte-habilidade exigida do jogador. Há os

78

MILTONS, Michelle M. Op. Cit. p. 14.

79 Tradução livre do texto: Para efeitos desta lei, a expressão Jogos de Sorte e Azar compreende: (a)

Jogos (presentes na seção 6); (b) Apostas (presentes na seção 9); (c) Participar de loterias (presentes na seção 14 e sujeitas às regras da seção 15). United Kingdom Gambling Act 2005. Disponível em <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/19/pdfs/ukpga_20050019_en.pdf>. Acesso em 10 de maio de 2011.

36

chamados jogos de chance pura englobando bingos e loterias, enquanto há os que

misturam chance e habilidade, destacando-se os jogos de cartas.80

O novo Projeto de Lei de Regulação do Jogo na Espanha (nº 109-1), por sua

vez, em seu artigo 2º, estendeu a aplicação da lei não só a todas as atividades de

loterias e apostas, ou ao jogo em que se arrisquem quantidades de dinheiro ou

objetos economicamente avaliáveis, sobre eventos futuros e incertos, baseando-se

em qualquer medida na sorte, bem como a todas as rifas, concursos ou jogos

esporádicos que demandem contraprestação econômica dos participantes. Foram

excetuados da tutela legal apenas os jogos que não tenham por objeto alguma

vantagem econômica aos seus promotores e operadores, meramente visando o puro

ócio, passatempo ou recreação, de cunho social; os jogos realizados fora da

jurisdição espanhola, mediante equipamentos eletrônicos, informáticos ou

telemáticos; e os sorteios promocionais ou publicitários.81

Utilizando-se apenas da terminologia jogo, para designar os jogos praticados

em cassinos, ampliou seu conceito ao estabelecer no art. 3º, a, que:

Se entiende por juego toda actividad en la que se arriesguen cantidades de dinero u objetos económicamente evaluables en cualquier forma sobre resultados futuros e inciertos, dependientes en alguna medida del azar, y que permitan su transferencia entre los participantes, con independencia de que predomine en ellos el grado de destreza de los jugadores o sean exclusiva o fundamentalmente de suerte, envite o azar. Los premios podrán

ser en metálico o especie dependiendo de la modalidad de juego. 89

À inteligência do texto supra, entendemos que para o legislador espanhol, em

cassinos a sorte não é mais elemento exclusivo ou fundamental, pelo contrário,

basta haver o fator álea, ainda que submisso à habilidade do jogador, para que haja

a caracterização do Jogo de Sorte e Azar. Novamente, vale ressaltar, que para o

supramencionado diploma, é indiferente o objeto de premiação, bastando que os

envolvidos tenham interesse econômico, visando certa quantia monetária ou bens

avaliáveis economicamente.

80

MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. p. 15.

81 Proyecto de Ley de regulación del juego nº 109-1 del 11 febrero 2011. Disponível em:

<http://www.congreso.es/public_oficiales/L9/CONG/BOCG/A/A_109-01.PDF>. Acesso em 10 de mai de 2011. Em espanhol.

37

Contudo, esta ampliação conceitual, não é obra exclusiva do parlamentar

espanhol. De forma mais abrangente dispõem o Gambling Act de 200482 da África

do Sul e o supramencionado Gambling Act de 2005 do Reino Unido da Grã-

Bretanha. No texto da seção 5 do diploma da nação africana, além do elemento de

haver o risco financeiro, de qualquer natureza, em busca de recompensa pelo

resultado, este “resultado poderá ser determinado pela habilidade do jogador, pela

sorte, ou por ambos;”83

Já no diploma britânico, gaming significa jogar o denominado game of chance

com o intuito de receber um prêmio. Este ‘jogo de acaso’ seria, de acordo com a

seção 6 do Act, um jogo que envolveria sorte e habilidade, ou um jogo cuja sorte

poderia ser suprimida pela habilidade, ou ainda um jogo que envolva sorte, desde

que não seja considerado um esporte.

Nós, sob o prisma de uma análise conceitual, refutamos a ideia de que jogos

cuja habilidade dos jogadores influa fundamentalmente sobre as probabilidades de

ganho, sejam considerados Jogos de Sorte e Azar. Nas loterias, o resultado não

deixa de ser exclusiva ou fundamentalmente baseado nas chances matemáticas,

caracterizando-se assim como Jogo de Sorte e Azar. Nas apostas, também, o

jogador não tem qualquer influência sobre o resultado, meramente apostando na

prevalência de sua opinião. No desporto, entretanto, há a supremacia da habilidade

sobre a sorte, sendo primordial, portanto, a qualidade técnica do jogador para a

obtenção do resultado favorável.

Ademais, nossa linha de raciocínio nos leva a crer que a sorte e o azar sejam a

ocorrência do inesperado, do improvável, em outras palavras, o acaso de acontecer

algo diverso do estipulado pela probabilidade. A diferença é que a sorte representa o

sucesso para um jogador, enquanto o azar, o fracasso para o outro. Um jogo de par

ou ímpar, por exemplo, seria um jogo justo, onde ambos jogadores têm equivalência

de chances de ganhar, sendo insignificante sua habilidade para tanto. Conquanto,

um jogo bancado de blackjack, por exemplo, tem a interferência de um fator

82

National Gambling Act of 12 august 2004. Disponível em: <http://www.info.gov.za/acts/2004/a7-04/a7-04a.pdf>. Acesso em 10 de mai de 2011. Em inglês.

83 Tradução Livre de: “the result might be determined by the skill of the player, the element of chance

or both. Em inglês.

38

denominado Expected Value84, isto é, em toda partida, o cassino tem certa

vantagem probabilística sobre o jogador. Exemplificativamente, se seguidas as

regras estabelecidas para o jogo, o cassino possuirá 60% de chance de vitória,

contra 40% do jogador. Portanto, a cada 10 partidas jogadas, a matemática diz que

o cassino vencerá 6 (seis) vezes, contra 4 (quatro) do jogador. Eis a fonte do lucro

do explorador do jogo.

À inteligência do discurso supra, nenhum dos jogos de cassino seria

considerado absolutamente Jogo de Sorte e Azar, mas sim jogo de probabilidade,

visto que seus resultados são previsíveis a longo prazo. O cassino vencerá 60% das

vezes, perdendo apenas 40%, por exemplo. Todavia, nesta suposição, caso em 10

partidas ocorridas, o jogador venha a vencer 6 vezes, contra 4 do cassino, evidente

a atuação da sorte ou do azar. Entretanto, a longo prazo, a atuação destes

elementos é amplamente limitada, visto que proporcionalmente, o cassino sempre

vencerá mais do que o jogador.

Por derradeiro, definiríamos Jogos de Sorte e Azar, como aqueles em que, o

resultado depende total ou fundamentalmente da atuação das probabilidades

matemáticas e do acaso, não havendo influência significativa da habilidade do

jogador.

Nesta linha, adotamos quase que totalmente o já mencionado pensamento de

Roger Caillois85, alterando-o levemente, pois para nós, jogos de álea seriam aqueles

onde o jogador atua passivamente, sendo sua habilidade nula ou insuficiente para a

obtenção do resultado, negando assim qualquer qualificação técnica deste,

dependendo majoritariamente da probabilidade matemática e da sorte ou azar.

Por fim, consideramos o interesse econômico, direto ou indireto, dos envolvidos

(explorador e jogador), independentemente da destinação de seus recursos (lucro,

fins sociais ou beneficentes), como pressuposto adicional para a caracterização

jurídica de um Jogo de Sorte e Azar.

84

Do Inglês: Valor Esperado.

85 V. Cit. 60 – Jogos de Álea.

39

2.2.2. Jogos Sociais: Os Jogos Estatais e os Jogos Comerciais

Os Jogos Sociais, assim denominados e classificados pela Doutrina

Portuguesa, são aqueles explorados nas terras lusas pela Santa Casa de

Misericórdia de Lisboa (SCML), uma entidade “com especial ligação ao Estado.”86,

que visa, conforme art. 1º de seu Estatuto, a “prestação de cuidados de saúde, de

educação e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais

desfavorecidos, de acordo com a tradição cristã do seu compromisso originário e da

sua secular actuação em prol da comunidade.”87

Os jogos classificados como tal pelo Direito Português, foram as Loterias e

alguns tipos de Jogos de Apostas Mútuas88, modalidades que trataremos mais

adiante neste trabalho e que são “monopolizadas” pela SCML na Metrópole.

Todavia, entendemos que no Brasil, todos os Jogos de Sorte e Azar

regulamentados, são Jogos Sociais. É exatamente este apelo social que justifica,

derrogações excepcionais, atuais ou futuras, da proibição que ordena o Direito Penal

Brasileiro. Mais, este fim nobre é uma das razões pelas quais as Loterias têm status

de serviço público no ordenamento jurídico pátrio:

Há dois belíssimos artigos, do Professor Caio Tácito e do Professor Geraldo Ataliba (...) nos quais eles sustentam o seguinte: a exploração de loterias é uma modalidade especial de serviço público. Por quê? Porque ela propiciará recursos que permitirão o atendimento de determinadas necessidades sociais. Então aceita-se-a como serviço público. Isso ninguém discute.

89

Neste sentido, elucida o Ex-Ministro Eros Grau: “A concepção de serviço

público deve ser construída em torno de atividade que se preste dar satisfação a

necessidades de cujo suprimento depende a coesão social.”90

86

GOMES, Maria M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 58.

87 Idem, ibidem.

88 Idem, ibidem.

89 ADI nº2847-2/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. Julgamento em: 05 de ago de 2004. Publicado no DJU

em 26 de nov de 2004. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STF/IT/ADI_2847_DF%20_05.08.2004.pdf>. Acesso em 14 de ago de 2011. p. 177.

90 Ibidem. p. 179.

40

Cabe-nos, entretanto, diferenciar estes Jogos explorados pelo Estado, ou

Jogos Sociais em Portugal, dos jogos comerciais, com fins turísticos, atualmente

quanto ao seu explorador e sua finalidade.

Fazendo-se uma analogia, a SCML em Portugal, seria a Caixa Econômica

Federal (CEF) no Brasil, pois, apesar desta última ser uma Empresa Pública,

enquanto a outra é entidade privada, a CEF também “monopoliza”, via de regra, a

exploração das Loterias e dos Jogos de Apostas Mútuas (“Loteria Esportiva”, por

exemplo). A CEF funda este privilégio na promoção direta da assistência social,

constitucionalizada na Contribuição Social sobre Receita de Concursos de

Prognósticos, do art. 195 da Carta Magna. A estes jogos explorados diretamente

pela União, ou até mesmo os raros casos em que há a exploração por outros Entes

Públicos (Estados), nomeamos como Jogos Estatais. O público alvo destes é a

população em geral, motivada pela possibilidade de ganho fácil, a baixo custo. Ao

Estado não cabe o lucro, mas sim, a destinação das receitas diretamente à

seguridade social ou a políticas públicas relacionadas.

Contudo, aos jogos que forem concedidos pelo Poder Público aos particulares,

que visem principalmente fomentar a atividade turística, dar-se-á o nome de Jogos

Comerciais, termo “importado” do Direito Português.91

Os Jogos Comerciais, no entanto, apesar de serviço público, não passam de

jogos exercidos por sociedades empresárias, isto é, pessoas jurídicas de Direito

Privado, pautadas hibridamente pelas peculiaridades do Direito Público. Visam,

diretamente, atingir um público alvo que prime pelo entretenimento, pela diversão,

lazer, em detrimento do ganho fácil. São, portanto, acessíveis a jogadores de maior

capacidade financeira, interessados em usufruir da ludicidade do jogo, não de suas

premiações. O concessionário, por sua vez, visa o ganho econômico, isto é, o lucro.

O Estado, paralelamente, busca o aumento de arrecadação sem que haja a

necessidade da criação de novos impostos.

Consideramos como essencialmente Comerciais, os Jogos de Cassinos

(Bancados ou Não-Bancados) e essencialmente Estatais, as Loterias. Já os Jogos

91

GOMES, Maria M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 60.

41

de Apostas, poderão ser mistos, dependendo apenas de como será exercida sua

exploração e qual o público alvo.

Todavia, concluímos que todos Jogos de Sorte e Azar autorizados por lei têm

cunho social, vez que os benefícios trazidos pelo exercício destas atividades são

revertidos, direta ou indiretamente, mediante Contribuição Social ou demais tributos,

em benefícios à sociedade, razão máxima para as derrogações excepcionais das

normas penais vigentes, independentemente de quem realizará a sua exploração

econômica.

2.3. Equiparação Jurídica: Jogo92 e a Aposta

O jogo e a aposta, apesar de equiparados juridicamente, tanto pelo Código

pátrio (Título VI, Capítulo XVI) quanto pelo Código Civil Português (Livro II, Capítulo

XV), possui tênues distinções do conceito de jogo. Os próprios romanos os

diferenciavam, proibindo, por exemplo, a prática de jogos de azar, mas autorizando,

por sua vez, as apostas, desde que não tivesse como causa obligandi o próprio jogo

de azar.93 César Fiuza justifica que todos os Códigos modernos, bem como a

doutrina, equiparam os contratos de jogo e de aposta por causa do elemento comum

entre ambos, o azar ou álea.94

Orlando Gomes cita dois critérios distintivos entre jogo e aposta95:

a) Participação – Os apostadores não têm qualquer influência sobre o

evento;

b) Motivo – Além do ganho ou distração, robustecer uma opinião.

Entendemos que, caso algum apostador tenha possibilidade de influir no

resultado do evento objeto de aposta, esta torna-se jogo, no qual valerá um prêmio

para o vencedor, por exemplo. Nesta linha de raciocínio, Caio Mário da Silva Pereira

cita o exemplo dos Caracóis de Tholl:

92 Trata-se do jogo para o direito civil, não confundir com o jogo puro, propriamente dito.

93 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 39.

94 FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 11ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2008. p. 602.

95 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 527.

42

Encontrando-se dois indivíduos em jardim, observam dois caracóis em cima de uma mesa, fechando disputa sobre qual deles chegaria primeiro ao outro lado. A hipótese é de aposta. Mas, caso contrário, ou seja, se os indivíduos em questão colocarem os caracóis sobre a mesa, disputando qual chegará em primeiro lugar ao outro lado, haverá jogo.

96

Resumindo, no jogo, os jogadores participam do processo, podendo, em certos

momentos, influenciar o resultado. Na aposta, não há participação dos apostadores,

não tendo eles a menor possibilidade de influenciar o resultado.97

Silvio Venosa conceitua o contrato de jogo como um pacto pelo qual duas ou

mais pessoas se comprometem a pagar determinada quantia àquela que for

vencedora na prática de determinado ato.98 Já o contrato de aposta, para o autor, é

o pacto entre duas ou mais pessoas, com diferente opinião sobre um assunto, que

concordam em perder certa importância em favor daquela cuja opinião se mostrar

verdadeira.99

Januário Pinheiro, em sua obra, cita outras definições, dentre elas que,

contrato de jogo seria a convenção pela qual duas ou mais pessoas, entregando-se

à prática de um jogo, se obrigam a pagar ao vencedor uma quantia em dinheiro ou a

entregar-lhe determinado objeto. O Contrato de Aposta, por sua vez, seria a

convenção mediante a qual, duas ou mais pessoas, que mantêm opiniões diferentes

a respeito de determinado assunto, acordam que aquela cuja opinião for exata,

receberá das demais uma premiação em direito ou coisa certa.100

Todavia, o próprio Januário Pinheiro expõe elementos que justificam, em tese,

a equiparação entre ambos gêneros: “Jogo e Aposta são negócios bilaterais ou

contratos, consensuais, bilaterais ou sinalagmáticos, a título oneroso e aleatórios.”101

96

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p.483.

97 FIUZA, César. Op. Cit. p. 602.

98 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol II. São Paulo: Atlas. 2009. p. 29.

99 Idem, Ibidem.

100 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 39.

101 Idem, Ibidem. p. 40.

43

No Direito Brasileiro, à luz do artigo 814 do Código Civil pátrio, os contratos de

jogo e aposta são considerados obrigações naturais, isto é, aquelas que não

obrigam o pagamento, mas, uma vez efetuado, não pode o solvens recobrar o que

voluntariamente foi pago, a não ser, por exceção, no caso de dolo, ou se o

prejudicado for menor ou interdito.102 Para Silvio Venosa, pouco importa com que o

jogo seja tolerado ou ilícito, para fins de se constituir como obrigação natural.103

Januário Pinheiro, à luz do Direito Civil Português, pensa de forma diversa,

entendendo que os jogos não autorizados ou ilícitos seriam, para efeitos civis, nulos

de plano, devendo, consequentemente, ser restituído tudo o que tiver sido prestado,

ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.104 Neste

sentido, o artigo 294 da Codificação Lusa: “Os negócios celebrados contra

disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra

solução resulte da lei.”105

Ao nosso pensar, não resta dúvida que o jogo organizado pura e

simplesmente por particulares, com fim econômico, porém sem viés explorador, isto

é, sem intenção de financiar o jogo, é tolerado e, portanto, fonte de obrigação

natural.

Mister salientar, que no caso de os jogos serem autorizados por lei, como por

exemplo as loterias no Brasil ou os jogos de ‘fortuna ou azar’ tutelados pela Lei do

Jogo (Decreto-Lei 422/89) em Portugal, constituem-se de fonte de obrigações civis,

gerando ao credor a possibilidade de exigir judicialmente o seu cumprimento. Este é

o pensamento de boa doutrina, como César Fiuza106, Silvio Venosa107 e Januário

Pinheiro108, à luz da exegese do artigo 814, §2º do Código Civil Brasileiro e à

inteligência do artigo 1247, da equivalente codificação portuguesa, respectivamente.

102

VENOSA, Silvio de S. Op. Cit. pp. 28-29.

103 Idem, Ibidem. p. 29.

104 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 40.

105 Código Civil Português (Decreto-Lei nº47.344 de 25 de novembro de 1966). Disponível em:

<http://dominio-lda.com/21-xptd47344.htm#294 >. Acesso em 30 de abr de 2011.

106 FIUZA, César. Op. Cit. p. 603.

107 VENOSA, Silvio de S. Op. Cit. pp. 29-30.

108 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 40.

44

2.4. Jogos Exploráveis Economicamente

2.4.1. De Forma Indireta

Jogos exploráveis de forma indireta, para nós, são aqueles em que o lucro não

decorre diretamente da operação de um jogo de sorte e azar, mas por

consequências comerciais, como, por exemplo, a exposição de um produto ou

marca, a oferta de serviços, o incentivo ao consumo e demais ações publicitárias.

Portanto, não há contraprestação financeira direta para que o jogador tome parte no

jogo, apenas campanhas como: “abasteça alguns litros de combustível e concorra a

um automóvel” ou “ligue já para o nosso número, responda corretamente a uma

pergunta e participe, ao vivo, da ‘roda premiada’”. A participação, dependendo do

caso, pode, até mesmo, ser gratuita, porém o explorador, de uma forma ou de outra,

se beneficiará.

2.4.1.1. Sorteios Publicitários e Concursos

A terminologia ‘sorteios’, no Brasil, foi consagrada no artigo 22, XX, da Carta

Magna de 1988, como matéria cuja competência privativa para legislar é da União.

Contudo, não há definição legal concreta sobre a abrangência deste vocábulo.

O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento que a expressão

sorteios englobaria as loterias ao julgar procedente a ADI nº 2847-2 do Distrito

Federal em 2004.109 Acerca do tema, respeitosamente, tecemos as seguintes

considerações: (i) primeiramente, sorteios podem ser apenas um meio de se realizar

o jogo, por exemplo, as próprias loterias, que se realizam através de sorteios, assim

como o blackjack se realiza mediante cartas etc.; posteriormente, para a

caracterização pura e simples do sorteio como um jogo de azar (“sorteio

publicitário”), mister não haver exploração econômica direta, em outras palavras, o

jogo denominado única e exclusivamente de sorteio, seria a distribuição gratuita de

prêmios, mediante sorteio de números ou cupons, geralmente utilizada para fins

publicitários, ou economicamente indiretos, isto é, aqueles objeto da Lei Federal

5.768/71. Ao haver pagamento ou contribuição de valor econômico para a

109

V. Cit. 107.

45

participação em um sorteio, este afigurar-se-á nada mais que uma modalidade de

jogo de loteria.

Aos concursos, extraímos o mesmo pensamento, ou seja, de que não pode

haver sua exploração econômica direta, no máximo mediante cobrança de tarifas,

por exemplo, quando este realiza-se através de um telefone ou qualquer outro meio

análogo. Havendo pagamento direto para a participação em concurso cujo resultado

dependa essencialmente da sorte, este nada mais é que uma loteria. Ressalte-se

que um concurso de frases criativas, por exemplo, não é Jogo de Sorte e Azar.

Insta salientar que o presente estudo visa analisar uma regulamentação acerca

dos Jogos de Sorte e Azar objeto de uma exploração econômica direta, reservando

os sorteios, concursos e formas análogas, à legislação especial. Todavia, em

Portugal, algumas espécies que para nós são loterias (rifa e tômbola, por exemplo),

têm tratamento, pela Lei do Jogo portuguesa (art. 159º), como “modalidades afins

dos jogos de fortuna ou azar”, mediante alguns critérios, dentre eles, a premiação

em bens com valor econômico. Entendemos, por fim, que o principal elemento

diferenciador entre os Jogos de Sorte e Azar regulamentados, é a finalidade

econômica, independentemente de sua destinação.

2.4.2. De Forma Direta

Jogos exploráveis economicamente de forma direta, como o próprio nome diz,

são aqueles cujo lucro provém diretamente das receitas obtidas com a exploração.

São jogos em que a prestação econômica direta dos jogadores é requisito essencial

para que tomem parte no jogo. O explorador pode ter fins lucrativos ou reverter os

lucros para obras sociais/beneficentes. Neste último caso, os ganhos podem

fomentar a reparação dos vitrais de uma igreja, a construção de uma creche ou

serem destinados à seguridade social, por exemplo.

2.4.2.1. Jogos Imediatos: Bancados, Não-Bancados e Máquinas

Apesar de distintos, o denominador comum nesta classificação de jogos reside

no fato de que o jogador participa ativamente do jogo, até a obtenção de seu

46

resultado. São jogos próprios de cassinos, mas também podem ser encontrados em

outros locais, como em bingos, por exemplo.

A distinção entre Jogos Bancados e Não-Bancados é simples. Nas palavras de

Januário Pinheiro, os Bancados, seriam “aqueles em que existe um banqueiro e

todos os jogadores jogam contra ele”, enquanto os não bancados, “aqueles que os

jogadores jogam uns contra os outros”.110 Vale ressaltar que nos Cassinos, o

banqueiro é um representante da empresa concessionária, exploradora do jogo. Já

nos jogos Não-Bancados, a concessionária retira seus ganhos pela realização

destes em seu estabelecimento, onde há a cobrança de uma percentagem sobre o

lucro dos jogadores, a fim de custear os serviços prestados.111

No tocante às máquinas automáticas ou caça-níqueis, estas se constituem uma

das formas de jogo que mais trazem conseqüências sociais negativas,

principalmente com relação ao alto potencial de vício.112 Michelle Merética Miltons,

citando Jason Azmier, afirma que, os motivos que tornam estas máquinas tão

problemáticas, e ao mesmo tempo tão populares no Canadá são:

a) Maior propensão dos jogadores ao vício, como resultado da rápida

velocidade;

b) Facilidade de operacionalização por qualquer pessoa, já que não exige

habilidade especial;

c) Presença em muitas regiões do país, o que facilita o acesso aos

jogadores;

d) Uso da tecnologia e do design como forma de atrair e reter jogadores;113

Em Portugal, por sua vez, o artigo 7º da Lei do Jogo permite, de forma

excepcional e observados os requisitos legais, a exploração máquinas caça-níqueis

e jogos não-bancados fora de cassinos. Todavia, para fins tributários, as máquinas

110

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 71.

111 Idem, ibidem.

112 MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. p. 41.

113 Idem, ibidem

47

caça-níqueis são equiparadas aos jogos bancados, não constituindo assim uma

terceira via.114

A Lei do Jogo de Portugal, ainda, enumera, em seu art. 4º, diversos jogos

Bancados (incluindo-se as máquinas caça-níqueis) e não-Bancados cuja exploração

é autorizada no interior de cassinos. Dentre os que merecem destaque estão a

roleta, o blackjack (21), o bacará e o jogo de dados – todos bancados – o bingo,

considerado pela legislação portuguesa como jogo não-bancado (pela legislação

brasileira, loteria) e o pôquer, cujo diploma português apresenta duas variantes, uma

bancada e uma não-bancada. Vale ressaltar que existem algumas modalidades de

pôquer (variantes denominadas como Texas Hold´em e Omaha, por exemplo) que

no Brasil não devem ser enquadradas no conceito de jogos de azar, vez que “existe

a proeminência da habilidade sobre a sorte”.115

Insta salientar que esta lista a que alude o art. 4º do Decreto-Lei 422/89 de

Portugal, é apenas indicativa116, sendo autorizada pelo nº3, do mesmo artigo, ao

órgão administrativo competente, a permissão da exploração de novos Jogos de

Sorte e Azar, após parecer de uma agência reguladora, no caso específico, a

Inspecção-Geral de Jogos Portuguesa.

Art. 4º:

(...)

3 – Compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos jogos de fortuna ou azar, a requerimento das concessionárias e após parecer da Inspecção-Geral de Jogos.

Convém observar que, nos jogos Não-Bancados, o explorador do jogo (a

concessionária do cassino, por exemplo), jamais terá prejuízo, pois apenas oferta o

serviço de disponibilizar locais, mesas e materiais para que os jogadores participem

114

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 71-72.

115 Mandado de Segurança. MS nº 2010.047810-1. Tribunal de Justiça. Santa Catarina. Relatora:

Des. Sônia Maria Schmitz. Julgamento em: 30 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.cbth.org.br/cbth/public/files/MandatodeSeguranca-SantaCatarina2010.pdf>. Acesso em: 25 de jul de 2011.

116 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 72.

48

do jogo, retirando assim uma percentagem do lucro obtido pelos participantes. Em

outras palavras, a concessionária não é parte no jogo, mera organizadora.

2.4.2.2. Concursos de Prognósticos: Loterias e Apostas

Concurso de Prognóstico é um termo consagrado na legislação constitucional

brasileira, presente no art. 195, III da Carta Magna, que prevê:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.117

Procedendo à etimologia dos termos, Celso Bastos elucida:

Concurso, derivado do latim concursus, de concurrere, possui significado similar ao de concorrência. Inculca a ideia de concorrer e, nesse sentido, mostra em regra, a necessidade de participação de várias pessoas num mesmo ato. Significa também, por um lado, a ideia de disputa, de rivalidade, ou até mesmo, por um terceiro ângulo, a ideia de conjunção, de combinação, em que fica afastado aquele sentido de oposição entre os participantes, de afluência de pessoas; de conjugação para a constituição de algo. O termo constitucional é amplo o suficiente para abarcar estas possibilidades. Por outro lado, prognóstico, da palavra latina prognosticus, que significa o ato ou efeito de prognosticar; ou seja, pressagiar, predizer, anunciar (sucessos futuros), dar palpite.

118

Desta forma, os jogos de cassinos, salvo o bingo quando constituído como

jogo não-bancado, não são considerados concursos de prognósticos, seja por não

117

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 25 de jul de 2011.

118 BASTOS, Celso. Parecer Sobre a Legalidade dos Jogos Eletrônicos e a Livre Iniciativa

Constitucional. Parecer. ABRABIN. 1998. p. 03. Disponível em: <http://www.abrabin.com.br/uploads/files/bastos.pdf>. Acesso em 15 de jan de 2012.

49

demandarem a necessidade de participação de várias pessoas num mesmo ato,

seja por se tratarem de jogos de cartas, por exemplo, em que não há o palpite, ou

presságio sobre números futuros.

No direito brasileiro o termo ganhou notoriedade na Lei 6.717/79, que

autorizou a realização do concurso de prognósticos sobre o resultado do sorteio de

números, com distribuição de prêmios mediante rateio, conhecido como Loteria

Federal, nos termos do Decreto-Lei 204/67.119

No entanto, a conceituação do que seriam concursos de prognósticos, só veio

com o advento da Lei 8.212 de 1991, que no §1º de seu 26º artigo dispõe:

Art. 26. (...) § 1º Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

Nota-se na expressão “todos e quaisquer concursos de sorteios de números”,

uma abrangência equivocada, que torna possível classificar como concursos de

prognósticos, ao mesmo tempo, alguns jogos de cassinos, como a roleta, por

exemplo.

A loteria, por sua vez, além de englobada pelo conceito de concursos de

prognósticos, encontra sua definição legal no §2º do art. 51 da Lei das

Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) e no §único do art. 40 do Decreto-Lei

6.259/44:

Art. 51. (...)

§ 2º Considera-se loteria toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza.

Art. 40 (...)

Parágrafo único. Seja qual fôr a sua denominação e processo de sorteio adotado, considera-se loteria tôda operação, jôgo ou aposta para a obtenção de um prêmio em dinheiro ou em bens de outra natureza,

119

Lei 6.717 de 12 de novembro de 1979. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=6717&tipo_norma=LEI&data=19791112&link=s>. Acesso em 15 de jan de 2012.

50

mediante colocação de bilhetes, listas, cupões, vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos, ou qualquer outro meio de distribuição dos números e designação dos jogadores ou apostadores.

120

Entendemos a posição do legislador brasileiro ao estender ao máximo a

conceituação penal de loteria, pois em tratando-se de norma desta natureza, deve

observar-se o Princípio da Estrita Legalidade, o qual veda a analogia in malam

partem. Já em Portugal, a doutrina traz um conceito mais conciso e que não abrange

os bingos, como veremos mais adiante:

Jogos de Lotaria: são jogos que dependem exclusivamente da sorte e cuja participação se faz através da escolha de certa quantidade de números ou símbolos de um conjunto maior, do qual são extraídos os números ou símbolos premiados;

121

Não havendo dúvida que concursos da Mega-Sena, rifas, raspadinhas, jogo do

bicho, inclusive, são para legislação brasileira, loterias, resta a questão do jogo de

bingo, que conforme analisado supra, não se amoldaria ao conceito de lotaria em

Portugal.

Eis que a legislação portuguesa o trata como jogo não-bancado, isto é, outra

vertente de Jogos de Sorte e Azar. Comparemos um jogo corriqueiro de Bingo a

uma Mega-Sena:

No Bingo, os jogadores recebem bilhetes preenchidos, não são adversários,

apenas buscam individualmente o prêmio organizado por um terceiro, onde o

resultado do jogo é obtido no mesmo dia. Já na loteria, os jogadores também não se

enfrentam, mas escolhem seus números visando diretamente o prêmio organizado

por um terceiro, onde o sorteio tem horário fixo para acontecer, podendo ocorrer no

mesmo dia ou muitos dias após o preenchimento do bilhete.

Conforme a análise supra, são extraídas apenas duas diferenças:

preenchimento do bilhete e momento da obtenção do resultado. Apesar de o

supracitado conceito de loteria, gramaticalmente, falar em escolha de números (no

120

Decreto-Lei 6.259 de 10 de fevereiro de 1944. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del6259.htm>. Acesso em 25 de jul de 2011.

121 GOMES, Maria M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 14.

51

bingo as cartelas já vêm preenchidas), cremos que a característica relevante para o

o legislador português a consagrar o bingo nesta forma de jogo é o momento de

obtenção do resultado. Crença esta baseia-se, analogicamente, no fato que levou a

doutrina portuguesa a sacramentar as “lotarias instantâneas” como jogo próprio de

cassinos, devido à instantaneidade de seu resultado.122

O direito brasileiro, por sua vez, diverge, entendendo que bingos são

modalidade de loteria. Neste sentido, o Decreto nº981, de 11 de novembro de

1993123, ao regulamentar a Lei Zico (Lei nº 8.672/93), dispôs:

Art. 45. (...)

I - Bingo: loteria em que se sorteiam ao acaso números de 1 a 90, mediante sucessivas extrações, até que um ou mais concorrentes atinjam o objetivo previamente determinado, utilizando processo isento de contato humano que assegure integral lisura aos resultados;

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 2948-7/MT, pacificou o entendimento de que o jogo de

Bingo é modalidade de loteria no direito brasileiro.124

No entanto, pensamos que somente o Bingo realizado fora dos cassinos

poderia ser considerado semelhante a uma loteria e, portanto, adotaria regime

jurídico e regras análogos a esta. Caso venha haver a possibilidade de prática do

jogo do bingo dentro de um cassino, este para fins legais, deveria ser equiparado a

um jogo não-Bancado, isto é, um Jogo de Cassino.

Vale ressaltar, que loterias não passam de espécie de Jogo de Sorte e Azar,

pois a influência da habilidade do jogador sobre o resultado é insignificante. Caso a

perícia do jogador equivalha ou supere os fatores sorte ou azar, alterando a

probabilidade de forma a poder construir um resultado positivo para si, ainda que

seja um jogo praticado mediante bilhetes, listas, cupons ou quaisquer meios

análogos, este definitivamente não é loteria, tampouco Jogo de Sorte e Azar.

122

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 47.

123 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0981.htm>. Acesso em

29 de fev de 2012.

124 ADI 2.948-7/MT. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 03 de março de 2005, publicado no DJU

de 13 de maio de 2005 p.2191-1. Acesso em 25 de jul de 2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266962>.

52

Em se tratando do jogo do bicho, este, além de afigurar-se, sem dúvida, como

modalidade de loteria, possui conceituação própria no art. 58 do referido Decreto-Lei

6.259/44, tipificado como contravenção penal específica:

Realizar o denominado “jôgo do bicho”, em que um dos participantes, considerado comprador ou ponto, entrega certa quantia com a indicação de combinações de algarismos ou nome de animais, a que correspondem números, ao outro participante, considerado o vendedor ou banqueiro, que se obriga mediante qualquer sorteio ao pagamento de prêmios em dinheiro. Penas: de seis (6) meses a um (1) ano de prisão simples e multa de dez mil cruzeiros (Cr$ 10.000,00) a cinqüenta mil cruzeiros (Cr$ 50.000,00) ao vendedor ou banqueiro, e de quarenta (40) a trinta (30) dias de prisão celular ou multa de duzentos cruzeiros (Cr$ 200,00) a quinhentos cruzeiros (Cr$ 500,00) ao comprador ou ponto.

Vale ressaltar que a tipificação de que trata o art. 58 supra é mais branda do

que o tipo do artigo 45 do mesmo diploma legal, que pune a realização de loteria

sem a devida licença do poder competente com penas de: de um (1) a quatro (4)

anos de prisão simples, mais multa, “além da perda para a Fazenda Nacional de

todos os aparelhos de extração, mobiliário, utensílios e valores pertencentes à

loteria.”

A rifa e a tômbola, especificamente, nada mais são que loterias populares,

muitas vezes com fins beneficentes, realizadas em feiras ou quermesses, onde a

premiação é feita em bens ou coisas com valor econômico, jamais em pecúnia.

Não restando discussões acerca de loterias, passemos ao jogo de apostas,

que não deve ser confundido com aposta como meio de jogo, em outras palavras,

como forma pura e simples de se praticar um jogo de sorte e azar.

Aposta como gênero, é a mera valorização de opinião acerca de evento alheio

aos apostadores, enquanto o Jogo, como gênero, demanda participação direta dos

jogadores. Contudo, ambos são civilmente equiparados devido à aleatoriedade no

resultado, denominador comum. Aqui, portanto, trataremos de aposta como jogo de

sorte e azar organizado por um operador determinado, economicamente explorável,

espécie do gênero Jogo e Aposta.

Além da equiparação de gêneros, para efeitos do Direito Civil, há a

equiparação de espécies, para fins penais, entre o jogo de apostas e as loterias, no

art. 60 do Decreto-Lei 6.259/44. Além disso, encaixa-se no conceito legal de

53

concursos de prognósticos da Lei 8.212/91 para fins tributários. Somando-se às

análises conceituais de apostas já feitas no presente trabalho, o projeto nova Lei do

Jogo da Espanha, define o jogo de apostas basicamente como “atividade de jogo em

que se arriscam quantidades de dinheiro sobre os resultados de um acontecimento

previamente determinado cujo desenrolar é incerto e alheio aos participantes (...)”.125

Ademais, existem inúmeras modalidades de jogo de apostas, dentre as mais

conhecidas, as apostas mútuas, em que o explorador do jogo fixa uma percentagem

sobre a arrecadação total das apostas e a distribui entre os vencedores; ou as

apostas de contrapartida ou probabilísticas, nas quais o explorador do jogo

determina um coeficiente específico que multiplica o valor apostado pelo vencedor.

Outrossim, estas modalidades geralmente incorrem sobre competições

desportivas (futebol, hipismo etc.) ou sobre eventos populares, por exemplo, um

reality show ou “Miss Universo”. O mesmo Decreto-Lei 6.259/44 conceitua

competições desportivas, em seu art. 60, §único:

Consideram-se competições esportivas, aquelas em que se classifiquem vencedores:

a) pelo esfôrço físico, destreza ou habilidade do homem;

b) pela seleção ou adestramento de animais, postos em disputa, carreira ou luta de qualquer natureza.

Destacamos, por fim, que refutamos a possibilidade de qualquer o jogo de

apostas sobre eventos de cunho político-partidário, por exemplo, sobre eleições,

tendo em vista o elevado risco de corrupção, parcialidade, fraude eleitoral,

distribuição de favores, lavagem de dinheiro e outros atos da mais repugnante

natureza, que não condizem com a política de um Estado Democrático de Direito.

125

Tradução Livre de: “aquella actividad de juego en la que se arriesgan cantidades de dinero sobre los resultados de un acontecimiento previamente determinado cuyo desenlace es incierto y ajeno a los participantes (...)”

54

2.5. Locais de Jogo

Os jogos praticados variam de acordo com o local. Alguns jogos só são

permitidos em cassinos, por exemplo, enquanto outros é possível a exploração fora

deles, como os bingos ou loterias. Obviamente, quanto maior o número de locais

onde o jogo é explorado, maior sua acessibilidade ao público e, por consequência,

maior o aparato fiscalizador a ser empregado pelo Estado.

A restrição, a nosso ver, é essencial, primeiramente para evitar um crescimento

desenfreado da atividade, o que pode gerar resultados desastrosos para o país,

assim como para facilitar a fiscalização e os mecanismos de controle que evitam o

desamparo estatal dos jogadores compulsivos ou o desvio da finalidade da

exploração do jogo, associando-a a organizações criminosas, por exemplo.

2.5.1. Cassinos

A palavra cassino deriva do italiano casa, significando, na transcrição de

Januário Pinheiro, “espaço luxuoso, fascinante e intemporal, que possui a sua

própria linguagem, moeda e regras de etiqueta.”126

Em Portugal, os cassinos são locais onde são praticados os jogos bancados,

não-bancados e máquinas, como, por exemplo, videopôquer ou caça-níqueis. Além

disso, os cassinos só são permitidos em determinadas zonas (Zonas de Jogo),

selecionadas pela administração pública com base em critérios específicos, como

apelo turístico e necessidade de desenvolvimento regional. Outrossim, também há

cassinos localizados dentro de navios de cruzeiro ou em sites pela internet. Januário

Pinheiro, ainda, alude que cassinos são verdadeiros pólos artísticos, culturais e

turísticos, possuindo, teatros, exposições, concertos, campos de golfe, cinemas,

restaurantes, hotéis etc.127

O Projeto de Lei do Senado Federal do Brasil, nº 91/96, conceituou, à época,

em seu art. 3º, hotel-cassino como “o meio de hospedagem de turismo que disponha

126

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 156.

127 Idem, Ibidem. p. 159.

55

de áreas, padrões construtivos, instalações, equipamentos e serviços destinados à

hospedagem, prática de jogos de azar, ao entretenimento e lazer dos usuários.”

Pela legislação espanhola, cassinos são conceituados de forma genérica,

como “aquellos establecimientos dedicados especialmente a la práctica de juegos de

suerte, envite (apuesta o jugada) o azar en el catálogo de juegos.”128 A legislação

costarriquenha, por sua vez, restringe o conceito de cassinos, atrelando-os à

atividade turística, definindo-os como “aquel local autorizado a practicar los juegos

permitidos y aquellos debidamente aprobados, como servicio complementario a la

actividad hotelera, según los requisitos que se estabelecen para su operación.”129

Claudia Gamboa Montejano conclui, ao analisar os diferentes conceitos de

cassinos entre as nações, que cada definição reflete uma realidade e um contexto

diferente para cada caso130, ou seja, cada país, de certa forma, adéqua a

conceituação de cassinos às necessidades internas e à peculiaridade de cada um

na regulamentação dos Jogos de Sorte e Azar. Ademais, pensamos ser possível a

exploração de jogos não necessariamente de sorte ou azar dentro de cassinos,

como algumas modalidades de pôquer, por exemplo, mediante a organização de

torneios ou mesas de jogo independentes.

Vale ressaltar, novamente, que a doutrina portuguesa131 considera as loterias

instantâneas (conhecidas como ‘’raspadinhas’’ no Brasil) como jogos próprios de

cassinos, pela alegação de que haveria concorrência desleal entre a exploradora de

loterias e os operadores de cassino devido à instantaneidade desta forma de loteria.

Nosso pensamento é que a concepção de Zonas de Jogo é a forma ideal para

organizar, fiscalizar e regulamentar os jogos de cassinos no Brasil. Apenas dentro

desses locais poderiam ser expedidas autorizações para o funcionamento e

exploração dessas atividades. A lista de entretenimentos e jogos que poderão ser

encontrados em cassinos, sejam eles de azar ou não, bem como a quantidade de

cassinos, normas de funcionamento, tamanho e locais das zonas, fachadas dos

128

MONTEJANO, Claudia Gamboa. Juegos de Azar: una visión multidisciplinaria. Coordinación: Cecilia Mora-Donatto. Ciudad de México: Universidad Autónoma de México. 2010. p.35.

129 Idem, Ibidem. p. 36.

130 Idem, Ibidem. p. 37.

131 V. Cit. 123.

56

estabelecimentos etc, devem ficar a critério da Lei, do órgão regulador competente e

do Ministério do Turismo, vez que o principal motivo para a regulamentação dos

cassinos no Brasil seria o fomento à atividade turística e ao desenvolvimento sócio-

econômico regional.

Em suma, hotéis-cassino são atrações turísticas que, por si só, oferecem

experiências únicas para todos os seus freqüentadores, sejam eles hóspedes ou

não.132

2.5.2. Bingos e Casas Lotéricas

Casas Lotéricas, como se extrai facilmente do nome, são locais onde há a

exploração de modalidades de Loterias, através dos popularmente conhecidos

“volantes”, isto é, bilhetes numerados onde o jogador, a seu critério, os preenche e

aguarda o resultado de um sorteio futuro, o qual tem data e horário pré-fixados no

momento da realização do jogo. Atualmente, a Caixa Econômica Federal detém a

maioria esmagadora de Casas Lotéricas, delegando aos particulares, mediante

permissões, as suas explorações.

Os Bingos, historicamente, foram locais onde se praticavam diversas

modalidades de Jogos de Sorte e Azar. Logicamente, a modalidade de loteria

denominada Bingo, era o principal atrativo dos jogadores. Contudo, os caça-níqueis,

muito difundidos nestas casas de jogos, foram objeto de diversos ilícitos penais, tais

como contrabando, descaminho, sonegações, receptações, por exemplo, levando o

crime organizado a associar-se com a atividade e, por conseqüência, a revogação

das autorizações de funcionamento pela Lei Maguito (Lei 9.981/00).

Em Portugal, o artigo 8º da Lei do Jogo autorizou, mediante edição de lei

especial, o funcionamento de Casas de Bingo fora das Zonas de Jogo,

determinando distância mínima destas e regras de funcionamento específicas, nos

termos de legislação especial aplicável (Decreto-Lei nº 314/95).

132

MADI, Miriam Niedi; VITAL, Thalitta Kisovec. Hotéis-Cassino: mais do que hotelaria, mais do que jogo. 2009. 99f. Monografia (Bacharelado em Hotelaria) – Centro Universitário Senac, Campus Santo Amaro, São Paulo. p. 15.

57

Por derradeiro, a diferença essencial entre uma casa lotérica e uma casa de

bingo, é que na primeira o jogador apenas preenche os “volantes”, confere

resultados e sai, enquanto na segunda o consumidor interage, podendo além de

jogar no bingo, outros jogos ou máquinas caça-níqueis, assistir shows,

entretenimentos, ver sorteios, alimentar-se e socializar-se.

2.5.3. Casas de Apostas

Casas de Apostas assemelham-se muito às Casas Lotéricas, sendo apenas

um local onde o apostador dirige-se para ver resultados, previsões e fazer suas

apostas, em regra, não consumindo ou desfrutando de nada além dentro do

estabelecimento. Nelas, os jogadores podem apostar em diversos eventos futuros,

conforme as respectivas casas disponibilizem. Por exemplo, uma Casa de Apostas

pode trabalhar apenas com Turfe, enquanto a outra com diversos eventos

desportivos nacionais e reality shows mundiais. As modalidades de apostas também

podem variar de acordo com cada Casa, onde as regras de premiação serão

determinadas e geralmente baseadas em critérios próprios.

No Brasil, atualmente, só são permitidas as Casas de Apostas voltadas ao

Turfe, em sua grande maioria localizadas dentro de Hipódromos, destinadas ao

fomento da equinocultura nacional.

2.5.4. Internet

Com o advento da rede mundial de computadores (internet) houve, na primeira

década do Século XXI, um aumento significativo na quantidade de sites que

possibilitaram aos internautas, de qualquer parte do mundo, o acesso a Jogos de

Sorte e Azar. Muitas vezes, tal acesso, todavia, fora feito sem qualquer respaldo

jurídico, vezes por menores de idade, outras tantas sem recolhimento de tributos,

abrindo margem à criminalidade e ao vício descontrolado de jogadores compulsivos.

A dificuldade de fiscalização é o principal problema do Jogo Online, o que levou, os

Estados Unidos, no ano de 2006, a editar Lei Federal rígida sobre esta modalidade

de jogo, denominada UIGEA, que ficou marcada entre os brasileiros por “tirar do ar”

58

em 2011, temporariamente, alguns sites irregulares de online poker populares no

Brasil, mas que possuíam suas sedes ou conexões em território americano133.

Ressalte-se que algumas modalidades de pôquer, na nossa visão conceitual,

dentre elas as conhecidas como Texas Hold´em e Omaha, não caracterizariam-se

como Jogos de Sorte e Azar no Brasil, mas sim como esporte, isto é, essencial a

habilidade dos jogadores. Este é o entendimento, inclusive, da Associação

Internacional de Esportes da Mente (IMSA), que reconheceu o pôquer como tal em

2010.134

Poker a parte, as apostas gozam de enorme popularidade na Internet. Sites de

apostas desportivas se espalharam pelo mundo nos últimos anos, inclusive

patrocinando equipes de expressão no futebol. No Brasil jamais existira

regulamentação acerca do jogo online, tampouco sobre apostas, sendo certo que,

apesar de os jogos de azar serem contravenção penal atualmente, a esmagadora

maioria, senão a totalidade, das empresas que exploram o sistema de apostas

online, têm suas sedes fora do território brasileiro, o que torna praticamente

impossível fiscalizá-las.

Em julho de 2011, foi apresentado pelo Deputado Federal Luis Carlos Hauly à

Câmara Legislativa, o Projeto de Lei nº 57/11135, que visa proibir a exploração de

jogo de apostas de qualquer natureza dentro do território nacional, inclusive pela

rede mundial de computadores, algo que sem dúvida é contrário ao raciocínio

norteador do presente estudo.

133

In Revista Brasil Poker Pro. Disponível em: <http://www.brazilpokerpro.com/2011/04/fbi-x-poker-online.php>. Acesso em 23 de fev de 2012.

134 “Oficial – Poker é agora um Esporte da Mente”. Do Inglês: “Official – Poker now a Mind Sport”.

Extraído do site da Federação Internacional de Poker (IFP). Disponível em inglês: <http://www.ifpoker.org/news/official---poker-now-a-mind-sport>. Acesso em 5 de set de 2011.

135 Projeto de Lei nº 57/11. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490971>. Acesso em 5 de set de 2011.

59

3. A Regulamentação dos Cassinos no Brasil

Ao invés de se criminalizar o jogo bancado por particular, o Congresso deveria legalizá-lo tal qual fez com a jogatina bancada pelo Estado. O famigerado imposto para saúde poderia muito bem ter como fato gerador tributo específico sobre essa prática. Num passe de mágica, propina viraria imposto, empregos seriam criados, haveria uma melhoria nas contas/turismo, etc. Quanto à cretinice, sempre dita, de que junto com o jogo viria a droga, a corrupção e sei lá mais o quê, é ululante hoje que as drogas e a droga da corrupção chegaram de há muito mesmo sem o jogo particular estar legalizado. Em suma, um brasileiro, maior de idade, servindo o exército, pode morrer em combate pela pátria, mas não lhe é autorizado se debruçar numa mesa de roleta, ao menos, nesse país varonil.

136

A regulação dos jogos de azar é necessária para controlar as externalidades

negativas advindas desta atividade, como por exemplo, a exploração criminal dos

jogadores e as doenças que advêm de sua prática excessiva.137 Todavia, a

regulamentação dos Jogos de Sorte e Azar é tarefa árdua. Carlos Fonseca

Sarmiento afirma que:

O jogo é uma entidade, e precisa ser analisado pelos governos do ponto de vista constitucional, civil, penal, administrativo e tributário, de modo a garantir uma legislação que dê segurança jurídica aos investidores, impostos adequados à atividade, e transparência quanto a forma de tributação e fiscalização. É importante muito critério e um estudo pormenorizado sobre cada modalidade de jogo e suas peculiaridades.

138

Outrossim, esse processo regulatório deve se fundamentar em sólidas bases

científicas. Este é o pensamento de Richard Labrie e Howard Shaffer, parafraseados

por Michelle Merética Miltons:

Segundo os autores, o primeiro passo para o desenvolvimento de uma ciência regulatória para o jogo de azar consiste em elaborar um estudo da regulação existente internacionalmente, a fim de guiar a implementação de futuras regulações em jogos de azar. Cada estatuto e regulamento existente deveria ser submetido à análise científica, a fim de verificar seu alinhamento com objetivos paralelos nas áreas de saúde pública e segurança, por exemplo. Há que se analisar os objetivos da introdução dos jogos, bem como os custos e benefícios envolvidos.

139

136

THIOLLER, Alexandre. Postado no sítio eletrônico Migalhas. Brasil. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mig_leitores.aspx?cod=148008&datap=15/01/2012>. Acesso em 16 de fev de 2012.

137 MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. p. 46.

138 SARMIENTO, Carlos Fonseca apud MADI, Miriam Nieri; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 79.

139 MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. p. 46.

60

Ademais, nos filiamos à posição de Patrick Basham e Karen White que,

parafraseados por Michelle Merética Miltons, defendem que os cassinos deverão ser

explorados pela iniciativa privada, levando assim uma maior eficiência econômica à

atividade.140

3.1 Problemas e Soluções

“O jogo é um mal social, logo, deve ser limitado. O jogo pode ser uma fonte de

receita importante para o Estado.”141

Desta frase depreende-se que o jogo deve ser estritamente regulamentado,

não diferentemente da maioria das demais atividades humanas que estão próximas

ao campo da ilicitude, por trazerem prós e contras à sociedade que regulamentar a

sua exploração.

No presente capítulo, iremos demonstrar que os prós da regulamentação dos

jogos no Brasil serão significativamente superiores aos prejuízos. Vale ressaltar que

esses prós, para existirem, dependem de regulamentação e fiscalização enérgica

por parte do Estado, visto que uma normatização branda, ou até mesmo a simples

tolerância, podem ser extremamente negativas às relações sociais de uma

localidade, região ou país.

Outrossim, salientaremos que a proibição absoluta, regra geral no Brasil desde

os idos da década de 1940, é um retrocesso ao país e, sendo como tal, prejudicial

ao desenvolvimento jurídico, social e econômico brasileiro. Ora, na atualidade, a

grande maioria dos países do globo que possuem os mais altos níveis de Índice de

Desenvolvimento Humano, autorizam e regulamentam, de alguma forma, a

exploração privada dos Jogos de Sorte e Azar. Conforme exposto anteriormente

neste trabalho, os jogos são praticados desde os tempos mais remotos das

sociedades humanas, sendo no mundo de hoje, e principalmente no Brasil, uma

realidade, uma prática social corriqueira e que não pode ser reservada à

clandestinidade. Ora, o Direito não pode, pura e simplesmente, abster-se de

140

Idem, Ibidem. p. 47.

141 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 388.

61

regulamentar uma relação humana existente, tampouco proibir absolutamente

atividades que poderiam ser toleradas ou regulamentadas.

Neste sentido, as palavras de Maria Carquejeiro Gomes:

Entre tolerância e total proibição, o Estado viu-se impossibilitado de controlar o natural florescimento do jogo (clandestino ou legalmente explorado em países vizinhos). Não havia, portanto, outra saída senão permitir o jogo, encontrando-se para tal uma via intermédia que vem adaptar o poder regulamentador do Estado à realidade. Surge a autorização regulamentada.

142

Em suma, entendemos ser dever do ordenamento jurídico brasileiro, ao menos,

a normatização da exploração dos Jogos de Sorte e Azar, visto que esta é

perfeitamente possível, apesar das dificuldades. Havendo possibilidade de

regulamentação, o Direito não poderá, por si só, proibir, com base na fictícia e

autoritária falácia de que é a medida mais fácil, pois demanda poucas linhas,

enquanto a normatização é sempre mais difícil e trabalhosa.

Ademais, “O jogo ocupa grande parte da vida das sociedades e tal fenômeno

não deve ser ignorado sob pena de não se conseguir chegar a perceber todas as

suas dimensões e compreender todas as suas repercussões e potencialidades.”143

Portanto, a verdade é que, da proibição, exsurge a clandestinidade, um

carcinoma ao sistema jurídico e, não obstante, ao sistema social brasileiro. Em

contrapartida, da regulamentação bem feita, emana o desenvolvimento, em todas as

esferas, trazendo benefícios e estabilidade à sociedade, portanto um direito dos

cidadãos e o mais primário objetivo do Estado, sua razão de existência e seu

máximo dever.

3.1.1. A Exposição de Motivos do Decreto-Lei 9.215/46

A revogação expressa das licenças para exploração de jogos de azar, oriunda

do Decreto-Lei 9.215/46, fundou-se em quatro preceitos essenciais, tabulados em

sua exposição de motivos: “repressão aos jogos de azar como imperativo de

142

GOMES, Maria M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 17.

143 Idem, Ibidem. p. 13.

62

consciência universal; tendência legislativa de todos os povos cultos; tradição moral,

jurídica e religiosa do povo brasileiro; e abusos nocivos à moral e aos bons

costumes.”144

Nas palavras de Juliana Mancini Henriques, “todos os fundamentos acima

expostos são retratos fiéis do paradigma do Estado Social que vigia à época,

momento em que surgia uma preocupação do Estado com o “bem estar” social de

forma que os valores e tradições da sociedade da época eram balizadores das

decisões tomadas.”145

3.1.1.1. “Consciência Universal e Legislação Penal dos Povos Cultos”

A começar por “imperativo da consciência universal”, nota-se que é um

conceito extremamente subjetivo e, se não varia no espaço, por ser “universal”, varia

com o tempo. Não há dúvida de que a consciência de 1946, acerca dos Jogos de

Azar, é diferente da consciência humana sobre o tema no século XXI, basta ver

exemplos como Mônaco, Macau e Las Vegas.

Ademais, o Presidente Dutra balizou-se na “legislação penal dos povos cultos.”

Muito embora, a “onda de proibições” do século XIX, em que as nações da época

acreditavam que o álcool, o tabaco e o jogo eram a antítese do aforro, da sobriedade

e da temperança146 (a Inglaterra abolira as Loterias em 1826, a Bélgica e a Holanda

em 1830, a França em 1836, a Suécia em 1841 e a Suíça em 1865,147 a Espanha

abolira os Cassinos em 1848, os Estados Unidos em 1931, ressalte-se que Reino

Unido e França nunca revogaram o jogo totalmente, mantendo Cassinos em

funcionamento).

John Stuart Mill, ao confrontar o panorama da época com o princípio da

liberdade individual, discorreu criticamente:

144

V. Cit. 33.

145 HENRIQUES, Juliana M. A Proibição dos Jogos de Azar e Cassinos no Brasil é Compatível com o

Estado Democrático de Direito? Manucci Advogados. Minas Gerais. 2007. Disponível em: < http://manucciadv.com.br/-n1=artigos&n2=interna-artigos&id=45.htm>. Acesso em 25 de fev de 2012.

146 VASQUES, Sérgio apud PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 389.

147 NEVES, Cardoso apud GOMES, M. M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 17.

63

(...) nota-se que em nossos dias se praticam efetivamente flagrantes usurpações à liberdade da vida privada. Existe a ameaça, com maior chance de êxito, de que ocorram usurpações ainda maiores, e se propõem opiniões que reinvidicam o direito ilimitado do público não apenas a proibir por lei tudo o que se considera errado, mas ainda, a fim de atingir o que considera errado, a proibir inúmeros atos que se reconhecem como inocentes.

148

Entretanto, após a metade do século XX, a situação se inverteu, e a tendência

mundial pregou pela regulamentação destas atividades até então ilícitas, como

forma de fomentar o desenvolvimento regional, alimentar os cofres públicos e coibir

a clandestinidade e a criminalidade. Neste sentido, discorre Januário Pinheiro:

Nos tempos actuais – Quanto ao jogo, tema sempre mais delicado,o movimento seria também no sentido da liberalização, ainda que aqui ela surgisse um pouco mais tarde. Se para o álcool e para o tabaco a viragem só se consumou com a Segunda Grande Guerra Mundial, com o jogo isso sucedeu apenas a partir dos anos sessenta, com o crescimento da indústria do turismo. Os jogos de fortuna ou azar resultam despenalizados por quase toda a parte, ao mesmo tempo que o Estado fomenta a exploração de cassinos e casas de jogo, servindo-se deste como instrumento de desenvolvimento local.

149

Portanto, com a proibição dos Jogos de Azar em 1946, evidenciou-se o

retrocesso brasileiro, em relação aos legisladores dos “povos cultos”, que à época

regulamentavam ou, em pouco tempo, viriam promover a reimplantação de Cassinos

e Loterias, como reflexos de evolução social, econômica e jurídica. Exemplos de

regulamentação de Cassinos não faltam: França (1907), Costa Rica (1922), Itália

(1927), Chile (1928), Alemanha (1933), Áustria (1962), República Dominicana

(1964), Canadá (Década de 70), Holanda (1975), EUA (1976), Espanha (1977),

Dinamarca (1990).150

Outrossim, Portugal, país cuja legislação é uma das bases deste presente

estudo, realiza loterias desde 1688, criadas à época para reforçar “o exausto erário

régio”151, as quais atualmente são exploradas pela Santa Casa de Misericórdia de

Lisboa (esporadicamente desde 1783, regularmente, desde 1891, exclusivamente

148

MILL, John Stuart. A Liberdade e Utilitarismo. Trad. Eunice Ostrensky. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes. 2000. p. 135.

149 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 389.

150 PAIXÃO, Dario L. D.; GÂNDARA, José M. G. Op. Cit. pp. 10-12.

151 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 43.

64

desde 1893).152 Os cassinos, por sua vez, foram regulamentados em 1927, a partir

do Decreto nº 14.643.153

Destarte, Januário Pinheiro afirma que hoje “os jogos de fortuna e azar

resultam despenalizados por quase toda a parte, ao mesmo tempo que o Estado

fomenta a exploração de casinos e casas de jogo, servindo-se deste como

instrumento de desenvolvimento local.”154

Extrai-se, portanto, que se a “consciência universal dos povos cultos”, na

década de 40, fosse, em sua maioria, contra os Jogos de Sorte e Azar, hoje, no

entanto, este entendimento é exatamente o contrário. Apenas uma minoria dentre as

nações com Índice de Desenvolvimento Humano acima da média, mantém a

retrógrada proibição aos Cassinos. Na América do Sul, apenas Bolívia e Brasil

insistem neste retrocesso, que em nosso país ocasionara, no ato da proibição, “mais

de 53.200 desempregos diretos e indiretos.”155

Neste diapasão, não vislumbramos, como seria possível que a legislação

“culta” mundial, poderia adotar, manter e justificar, no século XXI, posições

favoráveis ao desemprego e retrocesso social.

Por fim, Januário Pinheiro fundamenta:

Em sociedades plurais, em que o consumo livre e imoderado se afirma direito dos cidadãos, seria impraticável atacar abertamente os pecados de outrora. Mas porque o Estado sabe que, ao consumir o álcool, o tabaco ou o jogo, se gera ainda no espírito do contribuinte um sentimento de culpa e degradação, dirige contra os pecadores a tributação correctiva.

156

152

Idem, Ibidem. p. 44.

153 Idem, Ibidem.

154 Idem, Ibidem. p. 389.

155 PAIXÃO, Dario L. D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América Latina (...). Op. Cit. p. 7.

156 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 389.

65

3.1.1.2. Tradição Religiosa, Moral do Povo Brasileiro e Bons Costumes

Primeiramente, reproduziremos a realidade “moral” que pairava no Brasil do

início do Século XX e o porquê desta fundamentar a proibição geral dos Jogos de

Sorte e Azar no país.

Michel Maffesoli, citado por Antônio Paulo Benatte, define a moral moderna

“como um sistema que pretende orientar as condutas individuais e coletivas segundo

valores prometéicos (investimento ótimo da energia na produção).”157 Em outras

palavras, a energia deveria ser canalizada, direcionada exclusivamente ao trabalho,

à produtividade.

Esta “moral” ganhou força no Brasil pouco após a Proclamação da República.

Ruy Barbosa, em seu discurso contra a “confiança na sorte”, bradou:

Todo Homem se deve convencer em relação a si próprio, que a força de cada um de nós reside unicamente na confiança que a nossa energia nos inspire, na confiança que se apoie em nosso trabalho, na confiança que resulte da solidariedade de muitos em torno de uma ideia generosa.

158

A estas aposições, Antonio Paulo Benatte conclui:

O investimento de energias (força de trabalho) e recursos em atividades improdutivas aparece como uma irracionalidade para uma moral em que as ações e relações dos indivíduos deveriam pautar-se por critérios utilitários. Do ponto de vista utilitário, o jogo aparece como um completo inutensílio; ele representa um desvio de energia vital, da força do trabalho e do capital, que deveriam ser canalizados para a produção da riqueza “social” em prol do “bem comum” e do progresso nacional.

159

Nota-se, portanto, que o critério moral, para fundamentar a repressão aos jogos

de azar, nada mais era que um dos instrumentos utilizados pelas classes

dominantes para subjugar os menos favorecidos, mantendo-os limitados ao trabalho

pelo “progresso” da nação, bandeira do movimento positivista, mote sacramentado

no digníssimo lábaro republicano. Entretanto, nos bastidores da hombridade dos

mentores da flâmula nacional, estava uma hipocrisia plena e escancarada, pois ao

mesmo tempo em que as “elites” discursavam contra os jogos populares, os

157

MAFFESOLI, Michel apud BENATTE, Antonio Paulo. Op. Cit. p. 11.

158 BARBOSA, Ruy apud BENATTE, Antonio Paulo. Ibidem.

159 BENATTE, Antonio Paulo. Ibidem.

66

cassinos trabalhavam de “vento em popa”, satisfazendo os interesses lúdicos das

classes mais favorecidas do país. Dario Paixão elucida, com muita clareza, este

antagonismo reprovável:

Enquanto a elite discursava sobre a necessidade de investir neste tipo de ambiente seleto e voltado para a sociabilidade e diversão sadia, as classes populares viam seus clubes de jogo serem acusados de locais perigosos à sociedade e à margem dos bons costumes. As famílias tradicionais exigiam luxo, segurança, higiene e boas atrações nos clubes, hotéis, cassinos que garantiam o lazer após o trabalho. Diferente das classes trabalhadoras que ao presenciarem seus patrões nas casas de jogos, eram levados a imaginar que tais lugares os distanciavam de ganho financeiro justo e digno.

160

Em suma, “o bom cidadão deveria prezar o trabalho, a família, estereótipo

definido por Getúlio Vargas, para o trabalhador que realmente amasse a nação e o

trabalho.”161

Quanto ao argumento utilizado pelo Presidente Dutra de que “que a tradição

moral jurídica e religiosa do povo brasileiro e contrária à prática e à exploração e

jogos de azar”, não vislumbramos, com o devido respeito, qualquer fundamento. O

povo brasileiro sempre foi inclinado à prática dos jogos de azar. Em uma passagem

datada de 1895, um Olavo Bilac moralista sentencia:

Hoje no Rio de Janeiro o jôgo é tudo. Não há criados, porque todos os criados passam o dia a comprar bilhetes de bichos. Não há o conforto nas casas, porque as famílias gastam todo o dinheiro do mês no elefante ou no cachorro. Ninguém trabalha, todo mundo joga (...)

162

Antonio Paulo Benatte, no mesmo sentido, é categórico ao afirmar que no

começo do Século XX o jogo se espalhara por todo o Brasil e os moralistas mais

céticos reconheciam que o único meio possível para extingui-lo seria uma mudança

profunda da “mentalidade pré-lógica” do “homo brasiliensis.”163

Ademais, Sergio Vasques, parafraseado por Januário Pinheiro, discorre acerca

da teoria dos Impostos do Pecado, isto é, aqueles tributos incidentes sobre

comportamentos tradicionalmente contrários à moralidade cristã:

160

PAIXÃO, Dario L. D. 1930-1945 A Verdadeira Bélle-Époque (...) Op. Cit. p. 14.

161 Idem, Ibidem.

162 BILAC, Olavo apud BENATTE, Antonio Paulo. Op. Cit. p. 17.

163 BENATTE, Antonio Paulo. Ibidem. p. 18.

67

Numa era de recessão religiosa, são muitos os que, não querendo em Deus, têm perante certos actos o sentido do pecado (...) actos que, uma vez praticados, geram um sentimento de culpa e desconforto intenso e, no entanto, inexplicável pela razão. (...)

Ora, o pecado constituirá o fim a que o imposto se dirige sempre que o legislador se proponha, pela via tributária, condicionar os actos, palavras ou desejos da comunidade que julgue contrários à voz da sua consciência. O imposto surge então como instrumento ao serviço de um propósito moralizador, condicionante da vida em sociedade e condicionado por ela mesma.

164

Ora, já dizia Ives Gandra Martins: “na medida em que do mal se retirar um bem

e a destinação de recursos obtidos for conduzida para finalidades mais sadias, seria

justificável a aceitação de legitimidade de qualquer jogo, hoje na clandestinidade,

sob forte tributação, se possível, com destinação específica.”165

Outrossim, já no ano de 1995, o então Senador da República, Ernandes

Amorim, ao defender a regulamentação do jogo no Brasil, pronuncia-se no mesmo

sentido:

O Brasil joga todos os dias, pois é uma das vocações do povo brasileiro. A Caixa Econômica, o próprio Governo subsidia jogos e, lamentavelmente, proíbe-se esse jogo no País. E ainda acontece o medo, aqui no plenário, de se fazer um relatório de um projeto tão necessário a este País quanto o da liberação do jogo, principalmente quando se diz que a arrecadação dos seus impostos será revertida em benefício da saúde e da agricultura.

166

Assim, entendemos que estes embasamentos adotados pelo Decreto-Lei

9.215/46 não têm mais sustentáculo no ordenamento jurídico pátrio atual, seja pela

transformação de valores da sociedade, seja pelos benefícios oriundos do jogo

devidamente regulamentado. Neste sentido, Maria Carquejeiro Gomes:

Ao longo da história existiu sempre uma facção que defendia a adopção, pelo Estado,deste mecanismo de angariação de receitas públicas enquanto que uma forte oposição,fundada em argumentos de cariz ético e moral, se construía (esta oposição foi diminuindo com a transformação dos valores da sociedade mas mantém-se ainda).

167

164

VASQUES, Sérgio apud PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 388.

165 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. 2ª Ed. São Paulo: LTR. 1998. p.

359.

166 AMORIM, Ernandes. Pronunciamento ao Senado Nacional. Brasília. 04 de outubro de 1995.

Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=176199>. Acesso em 22 de setembro de 2011.

167 GOMES, M. M. C. Tomaz. Op. Cit. p. 18.

68

Não obstante, Maria Carquejeiro Gomes parafraseando Cardoso Neves,

demonstra que o Estado, ao tomar as rédeas regulamentando firmemente o jogo,

enterrou qualquer posição favorável ao “moralismo”:

Ao assumir a forma da instituição oficial do jogo, e como preconiza Cardoso Neves em Lotaria Nacional (1983), o Estado legitima a actividade pelos objectivos filantrópicos que a norteia, não implicando a perda de riqueza nacional e não se demitindo da sua função preventiva de assegurar a ordem pública. A “imoralidade do jogo” foi, assim, superada.

168

A verdade é que, apesar da superação dos argumentos morais e

consuetudinários, a “tradição religiosa”, fundamentalmente católica no Brasil, é

historicamente contrária aos jogos, persiste. A Igreja, desde a Idade Média, foi um

dos, senão o maior, combatente ferrenho da prática dos jogos de “fortuna”.

Preconiza Dario Paixão que, não somente a influência religiosa, mas também o

sistema de classes e a dominação política já afetavam a prática dos Jogos de Sorte

e Azar na Idade Moderna:

Nos Séculos XVI e XVII, os jogos de azar protagonizaram batalhas memoráveis no Reino Unido – entre Igreja e Estado -, sobre religião e leis seculares. A crença na sorte afrontava a influência da Igreja, enquanto o Estado também atacava os jogos, de tempos em tempos, quando o tesouro se apresentava insuficiente para manter a milícia ou quando as casas de jogos patrocinavam algum tipo de tumulto popular. Entretanto, foi a diferença de classes que baniu as casas de jogos neste período, pois os ricos viam como uma ameaça a presença das classes menos favorecidas nos mesmos estabelecimentos.

169

Dario Paixão continua, afirmando que entre as décadas de 1930 e 40, a Igreja

mantinha o combate fervoroso à crença na sorte e ao Jogo, fortalecido pela elite

capitalista:

Os jogos, quando voltados apenas para o fator divertimento, não envolvem valores monetários, remetendo, por exemplo, a jogos em família. Quando há a instituição organizada, estes possuem o caráter de exploração monetária e despertam a paixão nos jogadores ao fator acaso.

170

168

Idem, Ibidem.

169 PAIXÃO, Dario L. D. 1930-1945 A Verdadeira Belle-Époque (...) Op. Cit. p. 3.

170 Idem, Ibidem. p. 14.

69

A verdade é que, segregacionismos sociais de positivistas e elitistas à parte, a

promulgação do Decreto-Lei 9.215/46, para nós representou uma histórica vitória da

Igreja, especialmente a Católica, sobre os Jogos de Azar.

O General Dutra, ainda enquanto candidato à Presidência da República, não se

posicionara sobre a questão dos jogos. Todavia, sua esposa, Dona Carmela Dutra

(alcunhada popularmente por Dona Santinha), possuía uma rígida conduta católica

e, portanto, condenava os jogos de azar, pois acreditava que estes conduziam o

cidadão trabalhador aos ganhos ilícitos condenados pela Igreja.171 Mesmo o

adversário de Dutra na corrida presidencial, o Brigadeiro Eduardo Gomes, possuía o

apoio da Igreja e declarava-se absolutamente contrário aos Cassinos no Brasil.172

Firmemente, entendemos que em um Estado Laico, como é o Brasil desde a

Constituição Positivista de 1891, não pode subjugar-se ou influenciar-se por

pensamentos da Igreja, ou até mesmo favorecer os interesses desta, como é o caso

da proibição dos Cassinos no Brasil. O Estado deve, sobretudo, atender os

interesses da sociedade, da coletividade, para assim, desvincular-se de vontades

particulares, ainda mais de cunho religioso, e trazer aos cidadãos, normas e políticas

públicas benéficas e positivas, de forma mais universal e isonômica possível.

Por fim, para rechaçar a exposição de motivos do infortúnio Decreto-Lei,

demonstrando que ele não tem sustentáculo diante da ordem constitucional vigente,

a passagem de Juliana Mancini Henriques:

Conceitos inesclarecidos e subjetivos como “consciência universal”, “tradição moral e religiosa” ou ainda “bons costumes” não tem respaldo no paradigma atual do Estado Democrático de Direito. Não se pode admitir que qualquer norma seja fundamentada em religião, visto que implica um conceito indiscutível de fé. Não há como aceitar, também, uma obediência aos “bons costumes”, conceito estritamente ligado a uma moral conservadora baseada em valores específicos de uma camada social.

173

171

Idem, Ibidem. p. 24.

172 Idem, Ibidem.

173 HENRIQUES, Juliana M. Op. Cit.

70

3.1.1.3. Associação ao Crime Organizado

A associação dos cassinos e demais jogos de azar com organizações

criminosas não é um argumento contra sua regulamentação, pelo contrário, é um

ponto favorável, indispensável para dissociar esta atividade de grande apelo social

do crime e da clandestinidade.

Quando não devidamente regulamentados e fiscalizados pelo Estado, os Jogos

de Sorte e Azar são sim, uma fonte de renda para grupos criminosos, propiciando a

prostituição e o financiamento do tráfico de drogas, entre outros ilícitos penais. Eis a

razão da necessidade da intervenção da Administração Pública, estabelecendo

normas rígidas para o controle desta atividade.

A proibição, tal qual impera hoje no ordenamento jurídico brasileiro, é

insustentável, despendendo uma grande quantidade de recursos para ‘estourar’

cassinos ou bingos, em uma luta impossível de ser ganha. Dados da Polícia Civil do

Estado de São Paulo demonstram que, no ano de 2009, em média, as forças

policiais ‘estouraram’ um cassino a cada 10 (dez) dias na Capital.174 Recentemente,

ainda, houve um ‘escândalo’ denominado Máfia do Apito175, onde apostadores,

nacionais e internacionais montaram um esquema de manipulação de resultados

com árbitros de futebol em jogos do Campeonato Brasileiro de 2005, para

favorecerem os times em que os ‘mafiosos’ apostariam grandes somas de dinheiro.

Não regulamentar o setor, insistindo em uma proibição absoluta desnecessária,

apenas favorece a atuação de organizações criminosas, que aproveitam-se da

clandestinidade que reveste a atividade, para praticar os mais diversos ilícitos,

desde lavagem de dinheiro, esquemas de apostas desportivas, exploração da

prostituição e tráfico de drogas, entre outros. Nas palavras de Ian Nelson Rose, a

proibição da produção e comércio de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos do

174

In Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo. 31 de agosto de 2009. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-cada-dez-dias-um-cassino-caseiro-e-estourado-em-sao-paulo,427280,0.htm >. Acesso em 25 de out de 2011.

175 In Globoesporte.com. Brasil. 26 de fevereiro de 2011. Disponível em:

<http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2011/02/mafia-do-apito-reus-no-caso-sao-condenados-pagar-r-160-milhoes.html >. Acesso em 25 de out de 2011.

71

início do século XX, trouxe como seu resultado mais significativo, a criação do crime

organizado moderno.176 Nesta linha, o discurso de Ives Gandra Martins:

A interdição nos Estados Unidos trouxe para este campo os interesses dos gangsters profissionais, que principiaram a viver da ilicitude, produzindo, assegurando sua circulação e se beneficiando de tal ação. E o Estado Americano, despojado de uma receita tributária sobre a atividade, transferida para o alargamento do ‘gangsterismo’ naquele país, foi obrigado a despender quantia adicional de recursos para o combate à ilicitude e às quadrilhas organizadas.

177

Vale ressaltar que os Jogos de Sorte e Azar só são utilizados pela

criminalidade como fonte de renda, porque existe a procura, o desejo pelo jogo e

pelo ‘dinheiro fácil’, na sociedade. Basta ver os exemplos das loterias, privilégio

estatal, que arrecadam rendas exorbitantes, chegando, apenas no primeiro trimestre

de 2010, à cifra inimaginável de 1,88 bilhão de reais;178 ou da notória popularidade

de que goza o jogo do bicho, enraizado na cultura brasileira, apesar do status de

contravenção penal desde o final do século XIX.

A manutenção da proibição absoluta dos cassinos, além de fortalecer a

criminalidade, propiciando a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção,

retira da sociedade uma quantidade enorme de oportunidades de emprego. Estima-

se, nas palavras de Régis de Oliveira, que a supressão dos bingos iniciada com a

Lei Maguito, em 2000, encerrou aproximadamente 320 mil postos de trabalho em

todo o país.179 Ademais, o Estado deixa de arrecadar uma quantidade enorme de

dinheiro que poderia ser revertida em favor da própria sociedade.

Miriam Madi e Thalitta Kisovec afirmam, portanto, que a grande preocupação

da sociedade brasileira com a associação criminosa ao jogo, somente é

fundamentada quando não houver regulamentação e fiscalização severa da

176

ROSE, I. Nelson. Prohibition 2.0. Column #14. 2006. Disponível em: < http://www.gamblingandthelaw.com/columns/125-prohibition-20.html>. Acesso em 30 de out de 2011.

177 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. Cit. pp. 329-330.

178 In G1.com. 08 de abril de 2010. Disponível em:

<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1561853-5598,00-ARRECADACAO+DE+LOTERIAS+CRESCE+NO+PRIMEIRO+TRIMESTRE+DESTE+ANO.html>. Acesso em 25 de out de 2011.

179 DE OLIVEIRA, Régis. Parecer sobre o Projeto de Lei nº 270/2003 da Câmara dos Deputados do

Brasil. Brasília. 01 de setembro de 2009. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_pareceres_substitutivos_votos;jsessionid=CCA1F8BF4501212C4F210799CDDA3C73.node2?idProposicao=105832>. Acesso em 29 de out de 2011. p. 6.

72

atividade.180 Um estudo publicado pela American Gaming Association afirmou que,

nos Estados Unidos, por exemplo, a combinação de ações regulamentadoras

estaduais severas e o envolvimento de companhias públicas da indústria de jogos

(gaming), no final da década de 70, extirparam os últimos vestígios da influência

direta do crime organizado na indústria. Todavia, a percepção pública continua,

equivocadamente, associando qualquer forma de jogo com o espectro de crime

organizado, mesmo sendo a atual indústria de cassinos-entretenimento, um bunker,

protegido por camadas múltiplas de defesa contra quaisquer tentativas de controle

por elementos do crime organizado.181

Outrossim, não apenas os jogos de azar, mas inúmeras outras atividades ou

setores, quando não devidamente regulamentadas e fiscalizadas pelo Estado,

tornam-se campo fértil para a atuação de grupos criminosos. Estas atividades

podem incluir desde descarte de material hospitalar, produção de alimentos,

importação de automóveis, comercialização de bebidas alcoólicas etc. Mesmo a

religião pode ser alvo para a atuação da criminalidade, como ocorrido em 2009 com

a prisão dos ‘bispos’ Sônia e Estevam Hernandes nos Estados Unidos, por evadirem

divisas utilizando o dízimo doado pelos fiéis de sua igreja.182

Ademais, inúmeros países do mundo provaram ser possível regulamentar os

Jogos de Sorte e Azar, afastando-os das ‘garras’ da criminalidade e,

consequentemente, gerando receitas. E gerar receitas, significa ter dinheiro para

proporcionar à população o acesso aos direitos sociais mais básicos, como saúde,

educação, previdência etc.

O legislador espanhol, por sua vez, foi sábio ao proclamar na exposição de

motivos do Real Decreto Lei nº 16/1977, que:

Apesar de não terem havido mudanças substanciais, nem na Espanha, nem em muitos outros países, das concepções gerais acerca dos jogos de azar e suas possíveis consequências negativas individuais, familiares e sociais, não se pode ignorar que os sistemas de proibição absoluta frequentemente têm fracassado na conquista de seus objetivos moralizadores e têm-se

180

MADI, Miriam Nieri; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 63.

181 Casinos and Crime: An Analysis of the Evidence. American Gaming Association. 1997. p. 43. Em

inglês. Disponível em: <www.americangaming.org/files/aga/uploads/docs/whitepapers/crime.pdf>. Acesso em 24 de fev de 2012.

182 In G1.com. 09 de janeiro de 2007. Disponível em:

<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1413589-5598,00.html>. Acesso em 30 de out. de 2011.

73

convertido, de fato, em situações de tolerância ou de jogo clandestino generalizado, com mais perigos reais que os que se tentaram evitar, gerando um ambiente de insegurança jurídica.

183

Não obstante, provada ser possível a regulamentação de uma atividade que

traga benefícios à população como um todo, o Estado tem o dever de regulamentá-

la. A proibição deve ser medida extrema, adotada apenas em ultima ratio, quando

não houver qualquer possibilidade de compatibilizar a atividade proibida com a vida

em sociedade. Tal exemplo é o comércio de crack, droga que assola populações

inteiras de jovens no centro da cidade de São Paulo. Seria ilógico, por sua vez, dar o

mesmo tratamento jurídico do comércio de crack aos cassinos, atividade econômica

que pode fomentar o desenvolvimento turístico do país, catapultando as economias

regionais, gerando empregos e, por conseqüência, trazendo indispensáveis

recursos, que podem ser distribuídos à educação, saúde, desporto etc.

Nesta esteira, Dario Paixão afirma que em Porto Rico, por exemplo, existem

quatorze cassinos, sempre vinculados ao desenvolvimento turístico e hoteleiro, os

quais, devido aos eficientes controles implementados através do Departamento de

Jogos, não apresentam conseqüências sociais negativas.184

Contudo, infelizmente, nos parece que é muito mais fácil e cômodo para o

Estado insistir na regra de uma proibição geral, vil e incoerente, como é a que recai

sobre os jogos de azar, mantendo autorizadas apenas as loterias, seu privilégio

inconcorrível e extremamente rentável, do que elaborar normas e padrões

complexos de regulamentação e fiscalização para ampliar a exploração da atividade

no campo da licitude.

Por fim, para que a regulamentação do jogo seja bem sucedida no Brasil,

mister que haja uma fiscalização rígida do órgão regulador, com vistas a coibir e a

criminalizar aqueles que transgredirem a Lei, pois, sem este controle estatal, a

183

Tradução Livre de: “Aunque no han cambiado sustancialmente ni en España ni en otros muchos países las concepciones generales en torno a los juegos de azar y a sus posibles consecuencias individuales, familiares y sociales, no se puede desconocer que los sistemas de prohibición absoluta frecuentemente han fracasado en la consecución de sus objetivos moralizadores y se han convertido de hecho en situaciones de tolerancia o de juego clandestino generalizado, con más peligros reales que los que se trataban de evitar y en un ambiente de falta de seguridad jurídica.” Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Fiscal/rdl16-1977.html>. Acesso em 28 de jan de 2012. Em Espanhol.

184 PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...). Op. Cit. p.p. 11-12.

74

atividade dos Jogos de Sorte e Azar jamais se desvinculará totalmente das mãos do

crime organizado.

3.1.1.4. Ludopatia: O Vício no Jogo

Este, ao nosso pensar, é o real perigo decorrente dos Jogos de Sorte e Azar

para a sociedade, o que não deixa, no entanto, de ser um ponto favorável (e não

crítica) à regulamentação destes. Dario Paixão afirma que “o vício pelo jogo é o

maior problema enfrentado pelos países onde esta atividade está mais

desenvolvida, transformando-se em um problema bastante grave, se não prevenido

na sua origem.”185

Em um regime de tolerância normativa quanto à atividade, os jogadores

compulsivos ou, também conhecidos como ludopatas (ludus – jogo + patia –

doença), ficam desamparados pelo Estado, à mercê do acesso fácil e sem limites

aos Jogos de Sorte e Azar, o que traz significativas conseqüências sociais

negativas. Cientes disso, os Estados Nacionais, a rigor no final do século XIX,

passaram a proibir, por diversos motivos, as atividades humanas que ocasionassem

vícios físicos ou psíquicos, dentre estas o comércio de ópio (que ocasionara duas

guerras em seu favor, meados do século XIX), o comércio de bebidas alcoólicas

(EUA, 1920) e a exploração dos jogos de azar. Nas palavras de Miriam Madi e

Thalitta Kisovac, a ludopatia afeta aqueles indivíduos que já possuíam um histórico

de outros problemas sociais ou de comportamento, sendo a dependência no jogo

“mais um risco psicológico do que físico e mais impactante no próprio indivíduo, e

pessoas próximas a ele, do que na sociedade em geral.”186

Passado ao atual regime de exclusiva proibição, os ludopatas continuam

desamparados pelo Estado, desta vez recorrendo a casas de jogos clandestinas

para alimentar o vício e, por conseguinte, sustentam organizações criminosas, fato

que, indiscutivelmente, traz um impacto extremamente negativo em todos os setores

da sociedade, seja pelo aumento da criminalidade, seja por questões de saúde

pública.

185

Idem, Ibidem. p. 17.

186 MADI, Miriam Nieri; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 69.

75

Ainda na seara da proibição, o Estado só possui o direito de proibir quando

uma atividade, se praticada, cause ou tenha o risco de causar dano a outrem. O

Estado não tem o direito de proibir simplesmente porque uma atividade cause a

autolesão. Então dizer, que os Jogos têm que ser proibidos, meramente porque

viciam seus indivíduos, é um equívoco, visto que o Estado não tem este direito.

Neste sentido, John Stuart Mill discorre acerca da liberdade do indivíduo:

A finalidade deste Ensaio é sustentar um princípio bastante simples, capaz de governar absolutamente as relações da sociedade com o indivíduo no que diz respeito à compulsão e ao controle, quer os meios empregados sejam os da força física, sob a forma de penalidades legais, quer a coerção moral da opinião pública. Este princípio é o de que a autoproteção constitui a única finalidade pela qual se garante à humanidade, individual ou coletivamente, interferir na liberdade de ação de qualquer um. O único propósito de se exercer legitimamente o poder sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é para evitar dano aos demais. Seu próprio bem, físico ou moral, não é garantia suficiente. Não pode ser legitimamente compelido a fazer ou deixar de fazer por ser melhor para ele, porque isso o fará feliz, porque, na opinião dos outros, fazê-lo seria sábio, ou mesmo acertado. Essas são boas razões para o advertir, contestar, persuadir, instar, mas não para o compelir ou castigar quando procede de outra forma. Para justificar esse exercício do poder, é preciso mostrar-lhe que a conduta que se pretende impedi-lo de ter produzirá mal a outrem. A única parte da conduta de cada um, pela qual é responsável perante a sociedade, é a que diz respeito a outros. Na parte que diz respeito apenas a si mesmo, sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano.

187

Portanto, cabe ao estado conscientizar e educar a sociedade em relação aos

benefícios e malefícios dos Jogos de Sorte e Azar; cabe ao Estado investir em

pesquisas e tratamentos para aqueles que necessitem de amparo; cabe ao Estado

regulamentar e fiscalizar, direta ou indiretamente, de forma rígida e transparente,

mas não cabe ao Estado proibir uma atividade, indistintamente, por pura e

simplesmente existir a imoral possibilidade de vício a seus usuários, quando esta

atividade poderia trazer muitos benefícios sócio-econômicos, se bem introduzida.188

Depreende-se, portanto, que é dever do Estado a adoção de uma política de

redução de danos, em detrimento da retrógrada política de proibição absoluta, ainda

mantida no Brasil para os cassinos.

Todavia, muito embora refutada a hipótese de proibição moral por autolesão, é

cediço que o vício no jogo pode vir causar danos a outrem, pois o jogador

187

MILL, John Stuart. Op. Cit. pp. 17-18.

188 MADI, Miriam Niedi; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 70.

76

compulsivo em nada não hesita em gastar enormes somas de dinheiro para

sustentar seu vício, fato este que pode, consequentemente, atingir terceiros, como

familiares que dependam do ludopata para sobreviver, por exemplo, seus filhos.

Entendemos que este é o motivo pelo qual o jogo não é livre ou tolerado, mas

estritamente regulamentado, nos limites em que proporcione resultados benéficos à

sociedade, através da adoção de políticas estatais de redução de danos,

harmonizando os princípios da liberdade individual e da preservação da saúde

pública.

3.2. Pontos Favoráveis

Claude-Marcel Laurent, parafraseado por Januário Pinheiro, fundamentou:

Dentro de um espírito louvável de liberdade, a Revolução (Francesa) aboliu muitos constrangimentos, tanto no domínio do jogo como doutros (...) Antes doutras proibições, difíceis de fazer respeitar, ou melhor, das liberdades que favorecem sobretudo gente desonesta, não seria melhor regulamentar o jogo? É neste ponto de vista que se orientou, reflectindo, como já o havia feito o “Ancien Régime”, que o jogo poderia trazer a sua contribuição ao Tesouro Público.

189

Não obstante, Michelle Merética Miltons elenca, dentre outros motivos, as

razões para a regulamentação do jogo no Canadá:

A dificuldade em fazer respeitar as leis proibitivas de jogos (é melhor trazer todo este mercado ilegal para a legalidade);

A introdução de estruturas de jogos pode contribuir para reavivar economicamente áreas anteriormente deprimidas;

O jogo estimula o turismo;

O jogo pode fornecer rendimentos para programas sociais e causas nobres.

190

Neste diapasão, elencamos alguns pontos favoráveis à regulamentação dos

cassinos no Brasil:

189

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 388.

190 MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. pp. 45-46.

77

a) Fomento ao turismo, geração de empregos e desenvolvimento sócio-

econômico regional

O turismo, não obstante ser uma atividade rentável no terreno da prestação de

serviços, movimenta a indústria, o comércio, ajuda a divulgar a imagem de um país

no exterior, a difundir a sua música, moda, obras literárias, cinematográficas e

teatrais, certas áreas da pintura e da escultura, o folclore, esportes e desportistas,

monumentos, praias e lugares.191

Neste sentido, o artigo 2º do Código Mundial de Ética do Turismo192,

promulgado pela Organização Mundial do Turismo – OMT193, dispõe:

1. O turismo, atividade geralmente associada ao repouso, à diversão, ao desporto, ao acesso à cultura e à natureza, deve ser concebido e praticado como meio privilegiado de desenvolvimento individual e coletivo. Praticado com a necessária abertura de espírito, constitui um fator insubstituível de autoeducação, de tolerância mútua, e de aprendizado das diferenças legítimas entre povos e culturas, e de sua diversidade. (...)

194

Destarte, o artigo 180 da Carta Magna Brasileira preceitua que “a promoção e

incentivo ao turismo, como forma de desenvolvimento sócio-econômico, é dever da

União, dos Estados e dos Municípios.” Neste sentido, Dario Paixão assevera que,

indiscutivelmente, os cassinos atraem visitantes estrangeiros, sendo fator decisivo

para o desenvolvimento turístico e para o fortalecimento do setor hoteleiro.195 Não

obstante, o legislador da República de Honduras consagrou, na exposição de

motivos da Lei dos Jogos de Sorte e Azar de seu país, o fomento ao turismo como

principal justificativa para a regulamentação dos cassinos:

CONSIDERANDO: Que la Ley del Instituto Hondureño de Turismo declara de interés nacional la promoción, protección, desarrollo y explotación del turismo.

191

BELMONTE, Alexandre Agra in BOITEUX, Bayard do Coutto. Legislação de Turismo: tópicos de direito aplicados ao turismo. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2008. Prefácio.

192 Código Mundial de Ética do Turismo de 1º de outubro de 1999. Disponível em:

<http://ethics.unwto.org/sites/all/files/docpdf/portugal.pdf>. Acesso em 26 de fev de 2012.

193 Em inglês: World Tourism Organization. Sítio eletrônico: <http://unwto.org/>. Acesso em 26 de fev

de 2012.

194 BOITEUX, Bayard do Coutto. Op. Cit. p. 115.

195 DE OLIVEIRA, Régis. Op. Cit. p. 7.

78

CONSIDERANDO: Que con el objeto de incrementar el desarrollo del turismo, El Artículo 51 de la Ley del Instituto Hondureño de Turismo, faculta al Poder Ejecutivo para autorizar el funcionamiento de casinos de juegos de envite o azar, conforme a la Ley que se emita al efecto. CONSIDERANDO: Que para promover el desarrollo del turismo, atraer divisas al país y proporcionar al Estado una fuente adicional de ingresos, es conveniente establecer las normas y regulaciones a que deberán sujetarse las personas naturales o jurídicas, que deseen operar casinos de juegos de envite o azar;

196

Outrossim, na exposição de objetivos da Lei do Jogo de Macau, ressalta-se “o

fomento do turismo, a estabilidade social e o desenvolvimento económico.”197

Emplacando, Dario Paixão, introduz sua dissertação com a seguinte

passagem:

É voz corrente que em mais de 50% dos países do mundo, os cassinos se apresentam como eficaz meio de obtenção de divisas. Quem duvida que a reabertura dos cassinos no país representaria não só a construção de grandes e novos complexos hoteleiros e geraria milhares de empregos?

198

Ademais, Dario Paixão continua, afirmando que “os cassinos têm ajudado a

aumentar a rentabilidade e a ocupação dos hotéis e dos resorts, além de colaborar

com o incremento do produto turístico.”199

No tocante à geração de empregos, indiscutivelmente, o setor do turismo é um

dos que mais cria postos de trabalho no globo. Insta salientar, novamente, que o

combate aos bingos ocasionou a perda de aproximadamente de 320 mil postos de

trabalho.200

Régis de Oliveira, quando Deputado Federal, ao proferir parecer favorável à

regulamentação dos jogos de azar no Brasil, mencionou o relato do Deputado

Federal Aracely de Paula:

196

Decreto nº 488 del 8 de Julio de 1997, Ley de Casinos, Juegos de Envite o Azar de la Republica de Honduras. Em espanhol. Disponível em: < http://www.poderjudicial.gob.hn/juris/Leyes/Ley%20de%20Casinos%20Juegos%20de%20Envite%20o%20Azar%20%28actualizada-07%29.pdf >. Acesso em 28 de janeiro de 2012.

197 Artigo 1º, item 2, alínea 5 da Lei nº 16/2001 da Região Administrativa de Macau. Disponível em: <

http://bo.io.gov.mo/bo/i/2001/39/lei16.asp>. Acesso em 01 de mar de 2012.

198 PAIXÃO, Dario. L. D. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América Latina (...). Op. Cit. p. 1.

199 Idem. A Verdadeira Bélle-Époque do Turismo Brasileiro (...). Op. Cit. p. 17.

200 V. cit. 180.

79

A cidade de Atlantic City foi uma das mais visitadas no período de 1900 a 1940 quando, então, entrou em decadência. Com a autorização para que ali funcionassem cassinos, tornou-se hoje o maior exemplo de explosão turística registrado no mundo nos últimos 80 anos. Tendo recebido, em 1975, apenas 400 mil visitantes, aquela cidade, em 1976, foi visitada por 2 milhões, número este que, em 1985, alcançou 30 milhões de visitantes.” (...) Isto se deu não apenas pela abertura do jogo, mas pelas exigências que, para tanto, foram impostas, que obrigavam à construção de hotéis, anexos aos cassinos, o que harmonizou assim, estrategicamente, a exploração da atividade com o fomento do turismo. Na época, a construção civil abriu, de imediato, naquela cidade, 13.000 empregos, o que naturalmente provocou a elevação dos salários da categoria, com efeitos irradiados por toda a economia local.

201

Portanto, não resta dúvida sobre os benefícios sócio-econômicos advindos com

desenvolvimento turístico proporcionado pelos cassinos, uma das principais razões,

senão a maior, para justificar sua regulamentação.

b) Combate aos cassinos clandestinos, à corrupção e ao crime organizado

O legislador de Macau proclamou como um dos objetivos da Lei do Jogo de

Macau, o afastamento do crime organizado da atividade econômica dos cassinos:

Artigo 1º Âmbito e Objectivos da Lei 2. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar:

(...)

2) Que aqueles que estão envolvidos na fiscalização, gestão e operação dos jogos de fortuna ou azar em casino são pessoas idóneas para o exercício dessas funções e para a assunção dessas responsabilidades;

3) Que a exploração e a operação dos jogos de fortuna ou azar em casino são realizadas de forma justa, honesta e livre de influência criminosa;

(...)

Na Espanha, não obstante, o legislador proclamou, na exposição de motivos da

Lei do Jogo da Espanha, de 1977, a busca da eliminação da clandestinidade através

da regulamentação:

201

DE PAULA, Aracely apud DE OLIVEIRA, Régis. Op. Cit. p. 8.

80

A renovação geral de pensamentos e de comportamento coletivo que está surgindo no país, associada com as experiências positivas consagradas, em matéria específica de jogos, em países geográfica ou culturalmente próximos ao nosso, induzem-nos a iniciar novos caminhos neste campo, com o escopo de assegurar, mais eficazmente, a tutela e proteção social, ao mesmo tempo em que objetivamos conquistar outras importantes finalidades complementares, de interesse social, como a defesa e fomento de interesses fiscais através da eliminação da clandestinidade e da instauração de um sistema progressivo de regulamentação uniforme da matéria, com o devido controle público, para assim tornar possível e regular a exploração dos Jogos de Sorte e Azar.

202

Neste sentido, o estudo apresentado pela American Gaming Comission, citou o

depoimento ao Congresso Norte-Americano feito pelo Diretor do FBI, Jim Moody,

acerca da atuação do crime organizado no jogo e o autocontrole exercido pelos

operadores de cassinos, em decorrência da rígida regulamentação:

À medida em que o jogo regulamentado se espalha pelos Estados Unidos, notamos que os estados em que há rígida regulamentação e fiscalização não vêm sendo alvo de atuação do crime organizado na atividade (...)

A indústria dos Jogos de Sorte e Azar é uma indústria relativamente seleta. Aqueles que exploram e administram cassinos conseguem reconhecer rapidamente o uso de fraudes ou furtos ocorridos em suas operações. Empregados desonestos, fraudulentos, são rapidamente identificados e sumariamente demitidos em cassinos que estão sujeitos a forte regulamentação e fiscalização. Não obstante, quando há um gerenciamento honesto por parte do operador, este consegue separar os empregados envolvidos com o crime dos demais, sem qualquer necessidade de fiscalização governamental. E neste sentido atua a grande maioria dos operadores de cassinos, tocando-os como atividade legitimamente lícita. A indústria dos jogos tem consciência de que uma boa reputação traz maiores lucros e, portanto, tem um enorme interesse em desvincular sua imagem do crime organizado. Com uma forte regulamentação, forte autocontrole da indústria, forte fiscalização e constante vigilância, a infiltração do crime organizado nos cassinos pode ser coibida.

203

202

“Tradução livre de: La renovación general de pautas de comportamiento colectivo que se está produciendo en el país, de un lado, y del otro la contemplación de las experiencias positivas consagradas, en materia específica de juegos, en otros países geográfica o culturalmente próximos al nuestro, inducen a iniciar nuevos derroteros en este campo, con objeto de asegurar con más eficacia el cumplimiento de objetivos ineludibles de tutela y protección social, al propio tiempo que se logran otras importantes finalidades complementarias de interés social y de defensa y fomento de los intereses fiscales, a través de la eliminación de la clandestinidad de los juegos y de la instauración de un sistema más progresivo de reglamentación uniforme de la materia y de control público de las actividades destinadas a hacer posible y normal la práctica de los mismos.” Exposição de Motivos do Real Decreto-Ley nº 16/1977. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Fiscal/rdl16-1977.html>. Acesso em 28 de jan de 2012. Em espanhol.

203 Tradução livre de: Casinos and Crime: An Analysis of the Evidence. Op. Cit. p. 50. Em inglês.

81

Dessarte, há a lição de Ives Gandra Martins, parafraseada por Régis de

Oliveira em seu parecer à Câmara dos Deputados:

Nos Estados Unidos, quando se proibiu a venda de bebidas alcoólicas, os grandes grupos de gangsters, então existentes naquele país, passaram a monopolizar o comércio ilegal destes produtos, apropriando-se de toda a lucratividade que era capaz de gerar. Os famosos “intocáveis” da Polícia Federal americana combateram, com perda de vidas, tais criminosos, até que o governo desistiu de proibir o consumo de bebida alcoólica, e, permitindo-o, começou a taxar elevadamente a sua comercialização. Com isso, eliminou o monumental gangsterismo existente, que era acompanhado da corrupção de agentes públicos, inclusive do judiciário americano.

(...)

Em minha tese de doutoramento, apresentada à Universidade Mackenzie em 1982, defendi a tributação elevada das atividades que se encontram no limite da licitude, para que os criminosos não se beneficiassem da lucratividade de sua exploração em vez dos Governos (...) Na época, enfocava principalmente o vício social do jogo de bicho, visto que os bicheiros não pagavam qualquer imposto sobre a renda e usufruíam receitas consideráveis.

204

À luz dos pensamentos supra, extraímos que a regulamentação dos jogos de

azar, não só objetiva coibir e desarticular a criminalidade e a clandestinidade, mas

também angariar, na forma de tributos, recursos que antes eram destinados ao

crime e que, com o jogo lícito, poderão ser revertidos ao bem-estar social.

Outrossim, o artigo 24 da Lei do Jogo de Macau, visando preservar a moralidade da

administração pública e coibir a corrupção, impede determinadas pessoas de jogar,

dentre eles: Chefe do Executivo, ministros, secretários, agentes das forças e

serviços de segurança, magistrados, promotores de justiça, funcionários do órgão

regulador etc.

c) Amparo aos jogadores compulsivos

Com a regulamentação dos cassinos, os jogadores, compulsivos ou não, têm a

opção de não recorrer à clandestinidade. Desta forma, ao buscarem o jogo lícito, os

jogadores deixam de fomentar o crime para destinar seus recursos à sociedade,

através de impostos, ou até mesmo diretamente à saúde, através de contribuição

social específica. Neste diapasão, esforços hoje voltados ao combate de cassinos

204

MARTINS, Ives Gandra da Silva apud DE OLIVEIRA, Régis. Op. Cit. p. 9.

82

clandestinos, poderiam ser empregados em políticas de saúde pública, visando

amparar, conscientizar, tratar e ressocializar de ludopatas.

Michelle Merética Miltons apresenta o modelo criado por Richard Labrie e

Howard Shaffer, com três estágios de intervenção estatal que compõem um

programa completo de saúde pública. O primeiro estágio inclui ações regulatórias

direcionadas para o público em geral, que podem ou não começar a jogar; o

segundo estágio é dirigido para um grupo de pessoas que joga regularmente; o

último estágio busca auxiliar pessoas que desenvolveram problemas ou patologias

associadas ao jogo, conforme o esquema a seguir:

1 - Para pessoas que ainda não jogaram: a) Conscientização do público em geral: programas destinados a

conscientizar as pessoas dos potenciais problemas associados com os jogos de azar;

b) Prevenção: realização de programas de prevenção direcionados a adolescentes e jovens;

c) Restrições à publicidade dos jogos de azar. 2 - Para pessoas que jogam regularmente: a) Serviços de sinalização; b) Treinamento de funcionários que trabalham com jogos, acerca de

aspectos atinentes aos sintomas do jogo patológico; c) Restrições de crédito; d) Estabelecimento de limite de perdas. 3 - Para jogadores patológicos: a) Linhas de ajuda; b) Tratamentos de saúde.205 Medidas como esta podem atingir resultados significativos no controle da

ludopatia. Na Espanha e nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 1,5% e 2%, da

população, respectivamente, podem ser considerados adictos ao jogo. Na federação

norte-americana, ainda, segundo Dario Paixão, existe um serviço de assistência

telefônica 24 horas a serviço das pessoas que enfrentem este tipo de problema, sem

205

MILTONS, Michelle Merética. Op. Cit. p. 49.

83

contar na realização de várias campanhas, programas educativos e preventivos,

tanto para ludopatas quanto para os empregados das concessionárias de jogo.206

Outrossim, a criação de um cadastro nacional de jogadores compulsivos

poderia, de certa forma, identificar as pessoas que necessitam de amparo estatal,

restringindo seu acesso e gastos nas salas de cassinos, evitando, de certa forma,

que dispendiem enormes quantias de dinheiro no jogo e orientando-as, com

campanhas de conscientização, tratamento e ressocialização, que visem o combate

à ludopatia. Tanto a Lei do Jogo de Portugal, quanto a Lei de Macau e o

Regulamento de Moçambique são uníssonos, em seus artigos 36, 24 e 51,

respectivamente, que é vedado o acesso à sala de jogos “aos menores de 18 anos;

aos incapazes, inabilitados ou culpados de falência intencional, excepto se tiverem

sido, entretanto, reabilitados.”207

Outra forma interessante para coibir o vício no jogo é a restrição de publicidade

de cassinos e demais Jogos de Sorte e Azar. Ainda que a publicidade seja uma das

principais formas de angariar jogadores e, consequentemente, fomentar o turismo

nacional, esta deve ser severamente regulada, como forma de limitar a difusão do

vício no jogo entre a população. Analogicamente, tem-se como exemplo as

restrições de publicidade sobre tabaco e bebidas alcoólicas, devido ao notório vício

causado pelo consumo destas substâncias. Como exemplo, citamos o artigo 3º da

“Lei do Tabaco” brasileira:

Art. 3º É vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de vendas, desde que acompanhada das cláusulas de advertência a que se referem os §§ 2

o, 3

o e 4

o deste artigo e da

respectiva tabela de preços, que deve incluir o preço mínimo de venda no varejo de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tipi, vigente à época, conforme estabelecido pelo Poder Executivo.

§ 1° A propaganda comercial dos produtos referidos neste artigo deverá ajustar-se aos seguintes princípios:

I - não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas;

206

PAIXÃO, Dario L.D. A Legalização dos Cassinos no Brasil: Uma análise comparativa(...). Op. Cit. p.17.

207 Decreto-Lei nº 422/89 de Portugal, Lei nº 16/2001 da Região Administrativa de Macau e

Regulamento dos Jogos de Fortuna ou Azar de Moçambique.

84

II - não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar;

III - não associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes;

IV – não associar o uso do produto à prática de atividades esportivas, olímpicas ou não, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais;

V - não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo;

VI – não incluir a participação de crianças ou adolescentes.

§ 2o A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de

suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa.

(...)208

Não obstante, prevê o artigo 39 do Regulamento da Lei de Fortuna ou Azar de

Moçambique:

Artigo 39 (Conteúdo da publicidade do jogo)

1. Toda publicidade da actividade ou material de jogo deve conter, em letra de tamanho igual ou superior ao do corpo do texto e com uma duração mínima de três segundos:

a) A advertência sobre os perigos do jogo aditivo ou compulsivo; b) A referência de que o jogo só pode ser praticado por maiores de 18

anos. 2. A publicidade da actividade de exploração ou prática do jogo não deve: a) Conter imagem ou acção indecente; b) Apresentar o jogo como meio de aliviar dificuldades financeiras ou pessoais; c) Apresentar o jogo como forma de investimento ou como alternativa ao emprego; d) Insinuar que o ganho é certo; e) Insinuar que as chances de ganho aumentam quanto maiores forem as apostas ou duração do jogo; f) Ser inserida em meios de comunicação dirigidos a menores de 18 anos ou em locais em que a maioria dos freqüentadores seja menor de idade; g) Ser colocada em locais próximos a instituições de ensino.

209

208

Lei Federal nº 9.294 de 15 de julho de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9294.htm >. Acesso em 28 de janeiro de 2012.

85

Ora, se a publicidade não pode ser colocada em locais próximos a instituições

de ensino, extrai-se, logicamente, que também é vedada a presença de cassinos

próximos a estas. Aliás, a proibição de menores de 18 anos de ingressar em salas

de jogos é corrente em todos os países lusófonos onde há regulamentação.

Contudo, a questão suscita controvérsias. E se caso um menor adentrar ao cassino,

apesar da proibição, e vencer um prêmio? Conclui Jorge Godinho, após minucioso

estudo sobre um caso concreto ocorrido em Macau, no ano de 2007, que o contrato

celebrado entre ambos é nulo e nem a concessionária, nem o menor incapaz terão

direito a reter quaisquer valores. Em caso de flagrante jogo por menor, a

concessionária deve sofrer sanção administrativa por negligência. Em caso de

premiação, o jackpot deverá ser remetido a um terceiro, podendo ser um fundo ou

conta especial utilizados para finalidades de interesse público, de forma a evitar que

o menor se beneficie da infração legal, estimulado pelo pensamento de que o “crime

compensa”.210

Por fim, nota-se que todas estas disposições legais visam justamente coibir e

minimizar os malefícios oriundos do jogo, principalmente os relacionados à saúde

pública, como a ludopatia e a prodigalidade, vícios acessíveis tanto a adultos ou

crianças, quanto a cidadãos na condição de funcionários públicos, neste último caso,

podendo trazer consequências desastrosas à administração pública.

209

Regulamento da Lei de Fortuna ou Azar da República de Moçambique. Disponível em: < http://www.mozlii.org/files/decree/2012/01/decreto_do_conselho_de_ministros_n_65_2010_5__21170.pdf >. Acesso em 28 de jan de 2012.

210 GODINHO, Jorge. Menores em casinos: é necessário alterar a lei? Revista de Direito Público nº 4.

Jul-Dez 2010. Semestral. pp. 127-143. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1347245>. Acesso em 25 de fev de 2012.

86

4. Gestão, Administração e Fiscalização

4.1. Órgãos Responsáveis

4.1.1. Agência Reguladora

Propomos, com inspiração no modelo internacional, a criação de uma Agência

Reguladora, constituída na forma de Autarquia em Regime Especial, para

regulamentar, exclusivamente, os Jogos de Sorte e Azar explorados por particulares.

Na lição de Hely Lopes Meirelles “o que posiciona a autarquia como de regime

especial são as regalias que a lei criadora lhe confere para o pleno desempenho de

suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais.”211

Para Maria Zanella di Pietro, a maior inovação das agências reguladoras no

direito brasileiro consiste justamente no vocábulo agência, importado do direito

“norte-americano”, pois órgãos de função reguladora no Brasil existem desde longa

data, como por exemplo, o Instituto de Defesa Permanente do Café, de 1923.212

Regular, por sua vez, “significa, no caso, organizar determinado setor afeto à

agência, bem como controlar as entidades que atuam nesse setor.”213 Note-se que a

Constituição Federal, por exemplo, optou por empregar a expressão órgão regulador

em seus artigos 21, XI e 177, §2º, III, que respaldam, respectivamente, a criação a

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo

(ANP).214

Hely Lopes Meirelles elucida acerca da instituição de agências reguladoras no

direito brasileiro:

Com a política governamental de transferir para o setor privado a execução de serviços públicos, reservando ao Estado apenas a regulamentação, controle e fiscalização desses serviços, houve a necessidade de criar, na Administração, agências especiais destinadas a esse fim, no interesse dos usuários e da sociedade. Tais agências têm sido denominadas de agências

211

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 355.

212 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª Ed. São Paulo: Atlas. 2011. p. 479.

213 Idem, ibidem.

214 Idem, Ibidem. p. 480.

87

reguladoras e foram instituídas como autarquias sob regime especial, com propósito de assegurar sua autoridade e autonomia administrativa.

215

Todavia, não há disciplina legal única sobre a constituição das agências. Elas

vêm sendo criadas com base em leis esparsas, mantendo, mais ou menos, os

mesmos padrões, sempre instituídas como autarquias de regime especial.216 Esse

regime especial, no caso das agências reguladoras, caracteriza-se basicamente pela

independência administrativa, fundamentada na estabilidade de seus dirigentes,

autonomia financeira (renda própria e liberdade de sua aplicação) e poder normativo

(regulamentação das matérias de sua competência).217 Para Hely Lopes Meirelles,

ainda, a justificativa para criação e outorga de tantos poderes a estas agências, tem

em vista “a enorme relevância dos serviços por elas regulados e fiscalizados, como

também o envolvimento de poderosos grupos econômicos (nacionais e estrangeiros)

nessas atividades.”218

No entanto, o poder normativo regulamentador de uma agência é limitado. Para

Maria Zanella Di Pietro, existem diferenças na função normativa entre as agências

previstas constitucionalmente na expressão órgão regulador (ANATEL e ANP) e as

agências decorrentes de leis ordinárias (ANEEL E ANTT, por exemplo). Ambas não

possuem função legislativa propriamente dita, isto é, não podem inovar na ordem

jurídica, sob pena de infração ao princípio da separação de poderes. Contudo, as

primeiras, possuem função normativa mais ampla, podendo regulamentar as leis a

partir de conceitos genéricos, princípios, standards, tal como as agências norte-

americanas; já as demais agências, por sua vez, não podem regulamentar leis, eis

que esta função é de competência privativa do Presidente da República (art. 84, IV

CF) e, portanto, suas normas resumem-se a regular sua própria atividade interna ou

a explicitar, interpretar conceitos jurídicos indeterminados contidos em leis e

decretos, com base em sua natureza técnica e especializada.219 É, por fim, um

215

MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 356.

216 DI PIETRO. Op. Cit. pp. 481-483.

217 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 357.

218 Idem, Ibidem.

219 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. pp. 483-484.

88

poder que “visa atender à necessidade de uma normatividade essencialmente

técnica, com um mínimo de influência política.”220

Destarte, em Macau, Moçambique e Portugal, existem órgãos semelhantes às

agências reguladoras brasileiras, com amplos poderes, dedicado à gestão,

administração e fiscalização dos Jogos de Sorte e Azar. Tal órgão, em Portugal,

denomina-se Inspecção-Geral de Jogos – IGJ, e tem suas funções e atribuições

expressamente definidas nos artigos 95 e 96 do Decreto-Lei nº 422/89, conforme

transcritos abaixo:

Artigo 95.º Princípio Geral 1 – A exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar e a execução das obrigações das concessionárias ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção-Geral de Jogos e pelas demais entidades a quem a lei atribua competências neste domínio. 2 – As normas relativas à exploração e prática do jogo são de interesse e ordem pública, devendo a Inspecção-Geral de Jogos aprovas os regulamentos necessários à exploração e prática daquele no respeito dessas normas. 3 – A emissão dos regulamentos a que se refere o números anterior será precedida de consulta às concessionárias, devendo a Inspecção-Geral de Jogos, para o efeito, enviar à quelas o texto integral do projecto, fixando-se-lhes um prazo, não inferior a 10 dias, para se pronunciarem por escrito. 4 – Sem prejuízo das competências específicas atribuídas por lei a outras entidades e com observância da legislação substantiva e processual aplicável, a competência inspectiva e fiscalizadora da Inspecção-Geral de Jogos abrange a apreciação e o sancionamento das infracções administrativas das concessionárias, das contra-ordenações praticadas pelos trabalhadores que prestam serviço nas salas de jogos e pelos frequentadores destas, bem como a aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo nos termos da lei geral, nomeadamente do presente diploma. 5 – Compete ao membro do Governo responsável pela área do turismo, sob proposta da Inspecção-Geral de Jogos, fixar o prazo de cumprimento das obrigações legais e contratuais das concessionárias, quando aquele prazo não se encontre estabelecido na lei ou no contrato. Artigo 96.º Funções da Inspecção-Geral de Jogos 1 – As funções de inspecção da Inspecção-Geral de Jogos compreendem a fiscalização de:

220

MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 358.

89

a) O cumprimento das obrigações assumidas pelas concessionárias e,

bem assim, das que a lei impõe aos seus empregados e aos frequentadores das salas de jogos de fortuna ou azar;

b) O funcionamento das salas de jogo; c) O material e utensílios destinados aos jogos; d) A prática dos jogos; e) A contabilidade especial do jogo e a escrita comercial das

concessionárias relativa às actividades afectas à concessão e em tudo o que for necessário, nomeadamente, para averiguar do cumprimento do disposto do n.º 2 do artigo 16º e no n.º1 do artigo 17º;

f) O cumprimento das obrigações tributárias

2 – O exercício das competências previstas na alínea a) a d) do número anterior, quando implique a presença de inspectores no interior das salas, deve efectuar-se, na medida do possível, de forma discreta, sem prejuízo desnecessário do normal desenrolar do jogo e da comodidade dos jogadores. 3 – As competências atribuídas pelo n.º 1 à Inspecção-Geral de Jogos, no que respeita à escrita comercial das concessionárias, às obrigações tributárias destas e ao cumprimento do que a lei impõe aos empregados das mesmas, serão exercidas sem prejuízo das competências da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos nesses domínios.

Nota-se que além do poder normativo regulamentador, a Inspecção-Geral de

Jogos possui amplos poderes de polícia, fiscalizando o balanço comercial e o

cumprimento das obrigações tributárias das concessionárias de jogos. O artigo 90

do referido Decreto-Lei é expresso:

Artigo 90.º Fiscalização É atribuída à Inspecção-Geral de Jogos a competência para fiscalizar o imposto especial de jogo, as receitas proporcionadas pelos cartões e bilhetes de acesso, bem como pelas actividades a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão.

Januário Pinheiro cita, ainda, o artigo 13, nº 1, alínea p, da Lei Orgânica da

IGJ221, o qual “diz que compete aos órgãos da Inspecção-Geral de Jogos solicitar a

intervenção e cooperar com as autoridades ou agentes policiais na fiscalização e

repressão da prática e exploração de jogos ilícitos.”222 Ressalte-se, que esta última é

uma função apenas cooperativa, devendo ser feita diretamente pelas forças policiais

competentes. O trabalho dos “inspetores de jogos” é de apenas informar e

221

Decreto-Lei nº 184/88 de Portugal. Disponível em: < http://digestoconvidados.dre.pt/digesto//pdf/LEX/157/20277.PDF>. Acesso em 28 de jan de 2012.

222 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 419.

90

acompanhar a autoridade policial, como peritos, a fim de classificarem os jogos

encontrados e de elaborar laudos técnico-periciais.223

Insta salientar que a fiscalização da IGJ nas salas de jogos deve ser feita de

forma constante e discreta, sem que esta venha a incomodar os jogadores. Neste

sentido, preceitua Januário Pinheiro:

A inspecção deve exercer-se, de forma constante, sobre todas actividades que constituem objecto das concessões, há que velar, permanentemente, sem necessidade de intervenção superior, pela observância dos preceitos legais e regulamentares.

(...)

A acção fiscalizadora, designadamente nas salas de jogos, deverá ser exercida com a possível descrição, evitando, tanto quanto possível, que os frequentadores dela se apercebam.

224

Em Moçambique, por sua vez, a IGJ da nação lusófona tem, a obrigação de

fiscalizar a realização de toda e qualquer publicidade de Jogos de Sorte e Azar.

Assim dispõe o artigo 38 do Regulamento da Lei do Jogo moçambicana: “Toda

publicidade de jogos de fortuna ou azar, seus equipamentos, materiais ou utensílios

carece de autorização prévia da Inspecção-Geral de Jogos.”

Por sua vez, em Nevada, Estado em que situa-se a cidade de Las Vegas, há o

Nevada Gaming Control, órgão com amplos poderes, o qual é subdividido em dois: a

Gaming Comission e a Gaming Control Board. A Comissão tem por atribuição

regulamentar o jogo, conceder licenças e instaurar processos administrativos; o

Conselho de Controle, por sua vez, tem competência de proteger e policiar os

cassinos, com poderes investigativos, atuando tanto na parte administrativa e

contábil, quanto na fiscalização da execução das normas regimentais.225 Ademais, o

Nevada Gaming Control, em suma, tem como objetivos fundamentais:

1) Garantir que o jogo seja conduzido honestamente;

2) Garantir que a indústria seja livre de corrupção e de envolvimento com crime organizado;

223

Idem, Ibidem.

224 Idem, Ibidem. pp. 420 e 425.

225 MADI, Miriam Niedi; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 84.

91

3) Garantir que todos os tributos devidos sejam pagos adequadamente.226

Naturalmente, entendemos que uma possível agência reguladora da

exploração dos cassinos no Brasil, deve ser ligada ao Ministério do Turismo,

compreender atribuições semelhantes aos modelos apresentados, regulando e

fiscalizando a atividade dos Jogos de Sorte e Azar, mas sempre atuando em

conjunto com o Instituto Brasileiro do Turismo – EMBRATUR e demais órgãos da

administração pública responsáveis pelo desenvolvimento turístico nacional.

Destarte, preceitua o art. 2º da Lei do Jogo de Portugal: “A tutela dos jogos de

fortuna ou azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do

turismo.”

4.1.2. Caixa Econômica Federal e Loterias Estaduais

Entendemos conveniente que a gestão, administração e fiscalização dos Jogos

de Sorte e Azar explorados diretamente pela União seja mantida, sob a tutela desta

empresa pública, tal qual como o é feito desde o Decreto nº 50.954, de 14 de julho

de 1961, sem que haja necessidade de supervisão de uma possível agência

reguladora.

Isto se dá pelo fato de que é a própria administração pública a responsável

pela execução deste serviço público e, portanto, pensamos que caberia a esta o

papel de garantidora de sua correta prestação.

Outrossim, estendemos o pensamento, por analogia, aos órgãos dos 15

estados brasileiros em que, atualmente, há loterias estaduais regulamentadas, por

terem o feito antes da edição do Decreto-Lei nº 204/67. São eles: Rio Grande do Sul

(1843), Pará (1856), São Paulo (1939), Rio de Janeiro (1940), Minas Gerais (1944),

Ceará (1947), Pernambuco (1947), Goiás (1951), Mato Grosso (1953), Mato Grosso

do Sul (1953), Paraíba (1955), Paraná (1956), Piauí (1959), Espírito Santo (1964) e

Santa Catarina (1966).227

226

Idem, ibidem. pp. 83-84.

227 Idem, Ibidem. p. 58.

92

4.2. Concessões e Zonas de Jogo

4.2.1. Serviço Público e Regime de Concessão

Concessão, em síntese, é uma das formas previstas constitucionalmente para

que Administração Pública delegue a responsabilidade pela execução de um serviço

público ao particular.

Hely Lopes Meirelles conceitua concessão como “a delegação contratual da

execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo.”228

Serviço público, por sua vez, pode ser conceituado, em suma, como “toda

atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por

meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às

necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.229”

Depreende-se, portanto, que a lei é responsável por atribuir o status de público

a um serviço existente. Desta forma, o Decreto-Lei 204/67 qualificou as loterias,

espécie de Jogo de Sorte e Azar:

“Art. 1º. A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não suscetível de concessão e só será Permitida nos termos do presente Decreto-Lei.”

Nota-se que a lei garante exclusividade à União, fundamentando o privilégio

hoje explorado pela Caixa Econômica Federal. Todavia, refutamos a ideia de

insusceptibilidade de concessão aos demais Jogos de Sorte e Azar, visto que

consideramos a delegação ao particular a “chave” para o sucesso dos cassinos no

Brasil. Neste sentido, Maria Zanella di Pietro, discorrendo acerca dos serviços

públicos, afirma que, com o tempo, “o Estado percebeu que não dispunha de

organização adequada à realização desse tipo de atividade; em conseqüência,

passou a delegar a sua execução a particulares, por meio dos contratos de

concessão de serviços públicos...”230

228

MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 389.

229 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p. 103.

230 Idem, Ibidem. p. 102.

93

Assim, pensamos que a divisão de tarefas com a iniciativa privada, quando

possível, mostrou-se, em regra, a melhor solução para o desenvolvimento dos

diversos serviços públicos. Ao particular cabe a exploração da atividade econômica,

realização de investimentos, obediência às imposições públicas, ou seja, assumindo

os riscos e os benefícios da exploração desta atividade. Ao governo, cabe o dever

de tutela, de regulamentação, de fiscalização e gerenciamento de recursos,

limitando assim, a atuação do particular ao interesse público.

Outrossim, os cassinos e demais Jogos de Sorte e Azar encaixam-se

perfeitamente na conceituação de serviço público impróprio, elaborada por Hely

Lopes Meirelles:

Os serviços públicos impróprios são aqueles que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros, e, por isso, a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários. Esses serviços, normalmente, são rentáveis e podem ser realizados com ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob regulamentação e controle do Poder Público competente.

231

Hely Lopes Meirelles, ainda, afirma que, apesar da concessão do serviço

público à iniciativa privada, o poder concedente nunca se despoja do direito de

explorá-lo, direta ou indiretamente, desde que o interesse coletivo assim o exija.232

Desta forma, permanece com o poder concedente a faculdade de, a qualquer tempo,

no curso da concessão, retomar o serviço concedido, mediante indenização, ao

concessionário, dos lucros cessantes e danos emergentes resultantes da

encampação.233

Porém, em 4 de agosto de 1976 ocorreu o que Januário Pinheiro denominou

como “Intervenção Perturbadora do Governo no Sector do Jogo”.234 Basicamente, o

Estado português decidira explorar o jogo diretamente, ignorando os contratos de

concessão à época vigentes e entregando à recém-criada Empresa Nacional do

231

MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 334.

232 Idem, Ibidem. p. 390.

233 Idem, ibidem.

234 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 420.

94

Turismo (ENATUR), exploração dos cassinos nas zonas de jogo. Nas palavras de

Januário Pinheiro:

Esta decisão imatura, impensada e improvisada apanhou de surpresa todos os intervenientes desta complexa actividade do jogo de fortuna ou azar; algumas empresas concessionárias haviam acabado de renegociar os contratos de concessão; o Conselho de Inspecção de jogos não tinha sido ouvido para o efeito; a estrutura de trabalhadores nada sabia (...) se realçava o caos e anarquia que adviria para o futuro, pois, sendo a actividade do jogo intensivamente regulamentada, muitos compromissos começavam a ruir, de sopetão, porque, deixavam de ser fiscalizados, o que levou, de imediato, algumas empresas a não cumprirem obrigações e a quererem renegociar as renegociações acabadas de fazer.

235

Em se tratando de concessões, o Brasil do início do século XX adotara, a

despeito do ordenamento jurídico vigente à época muito diferir do contemporâneo,

sistema semelhante, onde os empresários que quisessem explorar os jogos de azar

deveriam firmar com o governo (local ou estadual) um contrato, pelo prazo médio de

10 (dez) anos, além de realizar investimentos privados, exemplificadamente, a

construção de um hotel, restaurante, piscina, bar, salões de festas, salas para

conferências e festas beneficentes.236

Cerca de meio século à frente, o regime de concessão dos cassinos à iniciativa

privada tornou-se o modelo adotado em Portugal, Macau e diversos outros países

para a devida exploração desta atividade. Destarte, dispõe o artigo 9º da Lei do Jogo

de Portugal: “O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e

só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades

anônimas a que o Governo adjudicar a respectiva concessão mediante contrato

administrativo...”.

4.2.2. Concessionárias

Entretanto, a habilitação de uma pessoa jurídica para ser concessionária do

serviço público de exploração de cassinos deve ser rígida, de forma a filtrar-se quem

235

Idem, Ibidem. p. 421.

236 PAIXÃO, Dario. L.D. 1930-1945 - A Verdadeira Bélle-Époque do Turismo Brasileiro (...). Op. Cit. p.

15.

95

realmente tem capacidade técnica, financeira e reputação ilibada para prestar esta

atividade.

O clássico Projeto de Lei nº 91/96237 que tramitou no Congresso Nacional, não

falava em concessão, mas em autorização estadual ou distrital a hotéis-cassino,

porém também previa alguns requisitos específicos aos candidatos a autorizatários,

dentre os quais, obter qualificação junto à EMBRATUR, ser empresa regularmente

constituída com sede no Brasil e comprovar capacidade técnico-financeira.

Na Alemanha, a renovação da concessão não depende apenas da integridade

e competitividade do concessionário no período concedido, mas também dos

benefícios que a atividade trouxe ao desenvolvimento da região em que o cassino se

localiza, enquanto em New Jersey, Estados Unidos, o concessionário tem por

obrigação a construção de um hotel-cassino com, no mínimo, 500 (quinhentos)

apartamentos.238 O artigo 12 do Regulamento do Jogo de Moçambique condiciona a

associação de um cassino a um hotel com classificação superior a 4 (quatro)

estrelas. A Lei do Jogo de Portugal, em seu artigo 27º, determina que os cassinos

“integram o domínio privado do Estado”, elenca pressupostos como “assegurar a

honestidade do jogo, a concentração e comodidade dos jogadores e proporcionar

uma oferta turística de qualidade” e enumera requisitos de funcionalidade, tais como:

conforto e comodidade próprios de um estabelecimento turístico de categoria

superior, e mobiliário, equipamento e utensílios adequados às exigências das

explorações e serviços respectivos.

O não cumprimento destes requisitos pode levar à não-prorrogação do contrato

de concessão. Neste sentido, dispõe o artigo 13º da Lei do Jogo de Portugal:

Tendo em conta o interesse público, o prazo de concessão pode ser prorrogado por iniciativa do Governo ou a pedido fundamentado das concessionárias que tenham cumprido as suas obrigações, estabelecendo-se as condições da prorrogação em decreto-lei.

237

Projeto de Lei do Congresso Nacional do Brasil nº 91, de 1996 – nº 4.652/94 na Câmara dos Deputados, Casa de origem. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/tema12/300959.pdf>. Acesso em 29 de fev de 2012.

238 Idem. A Legalização dos Cassinos no Brasil e na América (...). Op. Cit. p.15.

96

Tanto em Portugal, quanto em Macau, a lei determina que as pessoas jurídicas

aptas a serem delegadas como concessionárias sejam constituídas na forma de

sociedade anônima, regime disciplinado no Brasil pela Lei 6.404/76, como sociedade

por ações. Não obstante, a outorga de concessões deverá ser feita através de

licitação (denominada “concurso público” em ambos).

Outrossim, a legislação de ambos países, o responsável por delimitar a

constituição societária mínima apta a concorrer à exploração dos descrevendo, por

exemplo, percentual mínimo de ações nominativas, requisitos para transferências de

ações e valor mínimo do capital social. Em Macau a lei transcreve no art. 10º,

número 1, inclusive, o objeto social: “exclusivamente a exploração de jogos de

fortuna ou azar ou outros jogos em casinos.”

Todavia, em Portugal, a partir de 1995, tornou-se possível que uma

concessionária venha controlar mais de uma zona de jogo, criando, nas palavras de

Januário Pinheiro, “uma situação de oligopólio, onde duas empresas têm posição

dominante no mercado do jogo e, futuramente, nada impede, que uma delas ou

outra qualquer, venha a tornar-se a única concessionária de todos cassinos

portugueses.”239 Desde o início da regulamentação do jogo em Portugal, datada de

1927, todas as leis versaram em sentido contrário, buscando coibir a formação de

oligopólios no jogo. Nos afiliamos a esta corrente, veementemente defendida por

Januário Pinheiro, que expõe seguinte passagem:

O §1º do art. 5º do Decreto-Lei nº 41.562, de 18 de março de 1958, dispunha que “a nenhuma empresa poderá ser adjudicada a concessão de mais de uma zona” (...) E por quê? Porque se o negócio da exploração de jogos de fortuna ou azar pudesse atingir determinado volume, através da concentração ou domínio, certos grupos mafiosos e/ou de branqueamento de capitais sertir-se-iam atraídos a entras no monopólio/oligopólio do sector de actividade. Por isso, esta matéria assaz melindrosa deverá ser acautelada de futuro na regulamentação do jogo, apesar da válvula de segurança que constitui o sistema das autorizações.

240

A Lei de Macau, neste sentido, diverge da atual legislação portuguesa ao

preceituar, no artigo 17º, número 9, o seguinte:

239

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 142.

240 Idem, ibidem.

97

As concessionárias, bem como os seus accionistas titulares de valor igual ou superior a 5% do respectivo capital social, não podem ser proprietários, directa ou indirectamente, de percentagem igual ou superior de capital social de outra concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino na Região.

Contudo, Holanda, Finlândia e Suécia optaram pelo sistema de monopólio,

licenciando apenas uma empresa para explorar todos os cassinos no país, no caso

dos dois últimos, uma empresa controlada pelo Estado.241

Quanto à origem do capital da sociedade anônima, a Lei do Jogo é omissa em

Portugal. A Lei de Macau, requer apenas idoneidade (art. 14) e prova de depósito do

dinheiro em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa. A

atual Lei Espanhola (Real Decreto 16/1977), por sua vez, não permite participação

de capital estrangeiro superior a 25% do capital social.242

4.2.3 Zonas de Jogo

No tocante às Zonas de Jogo, transcrevemos os números 1 e 3 do artigo 3º da

Lei do Jogo de Portugal:

1. A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º

(...)

3. A distância mínima de protecção concorrencial entre casinos de zonas de jogo será estabelecida, caso a caso, no decreto regulamentar que determinar as condições de adjudicação de cada concessão.

(...)

Depreende-se, que a regra de proibição geral é mantida, excepcionada,

apenas em certas zonas de concessão delimitadas pela Lei (princípio da legalidade),

ressalvada a peculiaridade dos bingos e respeitadas as distâncias mínimas de

proteção concorrencial entre um concessionário e outro. No caso português, adota-

241

Estudo da Atividade dos Jogos de Azar no Mercado Interno da União Europeia. Instituto Suíço de Direito Comparado. Resumo do Relatório Final. p. 18. Em inglês. Disponível em: < http://ec.europa.eu/internal_market/services/docs/gambling/study1_en.pdf>. Acesso em 13 de fev de 2012.

242 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 143.

98

se o modelo de um cassino por zona. No caso de Macau, diferentemente, a Lei

determina, no artigo 6º, que toda “A Região Administrativa Especial de Macau é

considerada zona de jogo contínuo, devendo os casinos funcionar durante todos os

dias do ano.”

O Regulamento do Jogo de Moçambique eleva o turismo a principal requisito

de uma zona de jogo:

Artigo 5º.

1. Constituem áreas elegíveis à concessão de licenças de exploração de jogos de fortuna ou azar em regime de exclusividade as zonas de interesse turístico.

(...)

Todavia, a Lei deve ter cautela ao delimitar uma zona de jogo. Em Portugal,

elas concentram-se no litoral, criando, nas palavras de Januário Pinheiro, “aumento

de assimetrias regionais”, constituindo-se um meio de transferência de riqueza do

interior para o litoral. Contudo, tal pendor para a região costeira, em Portugal, é

inevitável, tendo em vista as condições naturais favoráveis do litoral, com belas

praias e muito mais atrativos ao turismo.243

Não obstante, o artigo 5º do Código Mundial de Ética do Turismo, promulgado

pela OMT dispõe:

2. As políticas turísticas devem ser conduzidas de tal forma que contribuam para a melhoria do nível de vida das populações das regiões visitadas e respondam às suas necessidades. A concepção urbanística e arquitetônica e a forma de exploração das estâncias e alojamentos turísticos devem visar à sua melhor integração ao contexto econômico e social local. Em caso de igualdade de competências, deve ser dada prioridade à contratação de mão-de-obra local.

3. Atenção particular deve ser dispensada aos problemas específicos das zonas costeiras e dos territórios insulares, bem como às zonas rurais e serranas, frágeis, onde o turismo representa, muitas vezes, uma das raras oportunidades de desenvolvimento em face do declínio das atividades econômicas tradicionais.

244

243

Idem, Ibidem. p. 66.

244 BOITEUX, Bayard do Coutto. Op. Cit. p. 118.

99

Portanto, além da opção turística mais viável, entendemos que a Lei deve

privilegiar regiões que necessitem de desenvolvimento sócio-econômico. Nada

adiantaria, ao nosso pensar, criar um cassino em São Paulo ou no Rio de Janeiro,

municípios de vanguarda, cujo turismo, por si só, já é altamente desenvolvido. Levar

desenvolvimento regional é, justamente, uma das maiores vantagens da

regulamentação dos cassinos no Brasil, tal qual os exemplos emanados de Atlantic

City, Las Vegas, Macau e Estoril.

Neste sentido, William Eadington afirma que “a fim de que ocorra o estímulo

econômico, uma grande parte do consumo deve vir de fora da região onde os

cassinos se localizam.”245 Miriam Madi e Thallita Kisovec trazem a resposta para

esta afirmação:

A resposta está no turismo, não no consumo local, sendo que o hotel cassino em conjunto com o entretenimento oferecido atua mais como um prolongador de estadia do que um gerador de hóspede. O turismo tem o potencial de desenvolver a destinação turística, gerando empregos, trazendo divisas para a economia e arrecadando impostos para investimentos na própria região. A comunidade local, trabalhando no empreendimento ao invés de consumir neste, também tem os efeitos nocivos do jogo reduzidos. Não tendo o foco de público alvo na região, os riscos de que os moradores percam as suas economias no jogo são altamente minimizados.

246

Nota-se, portanto, que os cassinos, se regulamentados nestes moldes, não

constituem concorrência direta às loterias exploradas pela Caixa Econômica

Federal, por exemplo, eis que estas visam atender ao público local, esperançoso em

um exacerbado ganho instantâneo de capital. O turista, por sua vez, tende a ver os

cassinos como uma forma de entretenimento, de lazer, não como uma fonte de

receita.247

Outrossim, quanto à proteção concorrencial portuguesa, o critério é subjetivo.

O Decreto-Lei nº 274/84 que criou a Zona do Jogo de Estoril, em Portugal, por

exemplo, determinou que, durante o prazo de concessão, não será consentida a

criação de novas zonas de jogo em um raio de até 300 quilômetros do Casino do

245

EADINGTON, William R. apud MADI, Miriam Nieti; VITAL, Thallita Kisovec. Op. Cit. p. 85.

246 MADI, Miriam & VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 86.

247 Idem, ibidem.

100

Estoril, enquanto o Decreto-Lei nº 274/88, estipulou 150 quilômetros mínimos além

da Zona de Jogo de Espinho e Póvoa de Varzim.248

Ademais, na Lei Lusitana, o artigo 16º prevê algumas obrigações de índole

turística, voltadas à promoção da zona de jogo:

1 - Sem prejuízo de outras obrigações constantes do presente diploma, de legislação complementar e dos respectivos contratos de concessão, as concessionárias obrigam-se a: a) Fazer funcionar normalmente todas as dependências dos casinos e anexos para os fins a que se destinam ou sejam autorizados; b) Fazer executar regularmente no casino, nas dependências para tal destinadas, programas de animação de bom nível artístico; c) Promover e organizar manifestações turísticas, culturais e desportivas, colaborar nas iniciativas oficiais de idêntica natureza que tiverem por objecto fomentar o turismo na respectiva zona de jogo e subsidiar ou realizar, ouvido, através da Inspecção-Geral de Jogos, o ICEP - Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal, a promoção da zona de jogo no estrangeiro.

O Projeto de Lei nº91/96 do Congresso também dispunha no mesmo sentido:

Art. 10. As empresas que exploram a atividade mencionada no art. 1º ficam obrigadas a:

(...)

II – colaborar com iniciativas oficiais que objetivem o fomento ao turismo na área ou região onde estiverem localizados, promovendo e patrocinando exposições, espetáculos ou provas esportivas segundo calendários a serem estabelecidos com o Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR e órgãos oficiais de turismo;

III – promover, em áreas para este fim destinadas, programas artísticos, privilegiando artistas nacionais;

(...)

Logicamente, as peculiaridades do pacto federativo brasileiro em relação ao

sistema português devem ser respeitadas. Entendemos que a competência para

legislar sobre cassinos deve ser privativa da União, tal qual como o STF entende

hoje sobre bingos e loterias, na forma da Súmula Vinculante nº 2. Portanto, as Leis

criadoras de Zonas de Jogo seriam Federais, porém caberia aos Estados e aos

248

PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 70.

101

Municípios, em tese, ratificarem a criação destas zonas, em observância à isonomia

dos entes públicos constitucionais.

4.3. Fiscalização

A fiscalização é um dos pontos essenciais para o sucesso da regulamentação

e exploração dos cassinos no Brasil. Sem ela, todos os benefícios desta atividade

para o país podem se reverter em problemas crônicos, como o “escândalo dos

bingos”, o qual contribuiu para derrubar a exploração da atividade em 2004.249

A fiscalização de um serviço público concedido deverá ser feita por órgão

técnico da administração concedente ou por entidade por ela conveniada.250

Ademais, é dever do poder concedente exigir a prestação dos serviços delegados

em caráter geral, permanente, regular, eficiente e com tarifas módicas, sendo,

portanto, reconhecido à Administração Pública o direito de fiscalizar as

concessionárias, com amplos poderes de verificação de sua administração,

contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros, principalmente com

vistas a conhecer a rentabilidade dos serviços e punir eventuais infrações

regulamentares e contratuais.251

Fiscalização não é, no entanto, um requisito exclusivo aos cassinos, mas,

sobretudo, uma prática necessária para garantir o cumprimento da grande maioria

das normas existentes no ordenamento jurídico nacional. Inúmeros são os exemplos

de leis que, apesar de vigentes, não têm eficácia prática, devido à falta de polícia por

parte dos respectivos órgãos competentes. Um destes exemplos é o da

contravenção do jogo do bicho, provavelmente uma das atividades mais populares

do Brasil, a qual “bicheiros” exploram quase que livremente, apesar da plena

vigência da norma penal tipificadora.252253

249

In Portal Terra. Brasil. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI270868-EI1194,00-Entenda+o+escandalo+Waldomiro+Diniz.html>. Acesso em 23 de fev de 2012.

250 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 398.

251 Idem, ibidem.

252 In Jornal da Cidade. Ribeirão Preto. 27 de fevereiro de 2010. Disponível em:

<//www.jornalacidade.com.br/editorias/politica/2010/02/27/camara-vira-territorio-livre-de-apostas-do-jogo-do-bicho.html>. Acesso em 23 de fev de 2012.

102

4.3.1. Caça-Níqueis: produção, comercialização e premiação

Devido ao sistema de zonas de jogo, em tese, não poderão existir caça-níqueis

fora destas. No entanto, nada impediria, por exemplo, que o poder público

concedesse ao particular a exploração de caça-níqueis fora de cassinos, como em

um aeroporto federal localizado em uma destas zonas, por exemplo. Para tanto,

porém, deverão ser adotadas algumas regras, de forma a refutar o acesso do crime

organizado à exploração de máquinas de jogo.

a) Produção e Comercialização

Pensamos que os caça-níqueis e máquinas afins deverão ser integralmente

produzidos pela indústria nacional, de forma limitada, preferencialmente por uma

empresa pública, cuja produção deverá ser submetida a ampla fiscalização, exercida

pela agência reguladora ou órgão competente.

A comercialização no mercado interno, ao nosso pensar, deve ser proibida,

salvo às concessionárias de cassinos que requererem à agência ou órgão

competente, a implantação de novos caça-níqueis ou a substituição dos já

existentes, mediante apreensão, análise e destruição do equipamento substituído.

Todavia, não obstamos a exportação, desde que vedado o reingresso das máquinas

destinadas ao exterior. Outrossim, a normatização regulamentar deverá prever a

periodicidade na qual as máquinas caça-níqueis deverão ser substituídas,

independentemente de defeito ou vício de fabricação, bem como dispor sobre

armazenamento e descarte.

Todas essas medidas visam coibir o desvio, tráfico e manipulação de máquinas

caça-níqueis, coibindo o acesso do crime organizado ao jogo e contribuindo para a

eficiência do sistema brasileiro de cassinos.

253

Sítio Eletrônico atualizado com resultados das Loterias de Jogo do Bicho organizadas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná: <http://www.resultadojogodobicho.net/>. Acesso em 23 de fev de 2012.

103

b) Premiação

Entendemos, também, ser necessária a criação de um percentual fixo, ou de

uma margem mínima de premiação, nas quais as máquinas deverão contemplar

seus jogadores. Esta medida visa controlar eventual lucro abusivo por parte do

concessionário, bem como garantir o controle sobre o pagamento de tributos e evitar

a evasão de divisas. Além disso, a garantia de premiação é um atrativo aos

jogadores, aumentando o número de usuários nos cassinos.

No Estado de Nevada, Estados Unidos, os caça-níqueis devem distribuir em

prêmios, no mínimo, 85% de tudo o que arrecadam. Em Las Vegas,

especificamente, o índice alcança 94%.254

Em Portugal, há um software utilizado exclusivamente para fiscalização das

máquinas de jogos de azar, caça-níqueis e afins, denominado International Gaming

System. Nas palavras de Januário Pinheiro:

O I.G.S. – International Gaming System, é um sistema informático, propriedade do Estado Português e instalado nos Casinos portugueses, com a finalidade de recolher e processar toda a informação resultante da exploração das máquinas de fortuna ou azar e, assim, proporcionar à Inspecção-Geral de Jogos (IGJ) e às concessionárias a informação necessária para garantir a segurança dos valores em jogo, controlar as respcetivas receitas e acompanhar o funcionamento de cada máquina, com vista a certificar o total cumprimento das normas legais em vigor.

255

4.4. Tributação

Em Portugal, a lei fiscal, nos termos do artigo 84º, nº 2, da Lei do Jogo, não

permite que os cassinos sejam alvo de qualquer tributação geral ou local, salvo pelo

Imposto Especial Sobre o Jogo e raras exceções, de natureza especial, como o

Imposto para a Defesa e Valorização do Ultramar, por exemplo.256 Vale ressaltar que

a fiscalização do pagamento do imposto especial do jogo é atribuída à Inspecção-

Geral de Jogos, nos termos do art. 90º da Lei.

254

BATELLI, Ciro apud MADI, Miriam Niedi; VITAL, Thalitta Kisovec. Op. Cit. p. 85.

255 PINHEIRO, Januário. Op. Cit. p. 434.

256 Idem, Ibidem. p. 390.

104

Contudo, em virtude do pacto federativo petrificado no art. 1º da Carta de 1988,

entendemos que este modelo não pode ser “importado” ao Brasil, devendo ser

respeitadas as competências tributárias dos entes públicos constitucionais (União,

Estados, Municípios e Distrito Federal).

Outrossim, em decorrência da elevada carga tributária nacional incidente sobre

qualquer atividade econômica de prestação de serviços, tal qual o Imposto sobre

Serviços de Qualquer Natureza ou o Imposto sobre a Renda, refutamos a

implantação de um Imposto Especial Sobre o Jogo, propondo apenas a criação de

um único tributo federal, da espécie taxa, além de uma alteração à incidência da

contribuição social constitucionalizada no art. 195, III.

4.4.1. Contribuição Social sobre a Receita de Concursos de

Prognósticos

É cediço que o artigo 195, inciso III, da Constituição Federal de 1988 instituiu

uma contribuição social incidente sobre a receita oriunda da exploração de

concursos de prognósticos.257

No entanto, a destinação de recursos oriundos da exploração de concursos de

prognósticos à seguridade social não surgiu apenas com a atual Carta. A Lei

Orgânica da Previdência Social de 1960 já dispunha:

Art. 74. Constituirão, ainda, fontes de receita das Instituições da Previdência Social, observados os prazos de prescrição da legislação vigente:

(...)

b) 5% (cinco por cento) sôbre a emissão de bilheteria da Loteria Federal;

c) 5% (cinco por cento) sôbre o movimento global de apostas em prados de corridas.

258

Neste sentido, também previu o Decreto nº 83.081/79:

257

V. cit. 118.

258 Lei nº 3.807 de 26 de agosto de 1960. Disponível em:

<http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1960/3807.htm>. Acesso em: 15 de jan de 2012.

105

Art. 105. As quotas de previdência de que trata o item I do artigo 103 constituem parte integrante da contribuição da União e compreendem:

(...)

II - 10% (dez por cento ) da renda bruta da Loteria Esportiva Federal (Decreto-Lei nº 594, de 27 de maio de 1969, artigo 5º);

III – 14% (catorze por cento) do valor da venda dos bilhetes da Loteria Federal, inclusive “sweepstake” (Decreto-Lei nº 717, de 30 de julho de 1969, artigo 1º, 2º, letra "a", 3º e 5º, e Decreto-Lei nº 1.285, de 6 de setembro de 1973, artigo 2º);

(...)

V - 3% (três por cento) do movimento global das apostas de cada reunião hípica, em prado de corrida, subsede ou outra dependência de entidade turfística.

259

Entretanto, a legislação atualmente em vigor, não determinou alíquotas

específicas sobre a receita de concursos de prognósticos, para fins da referida

contribuição. Pelo contrário, o art. 26 da Lei 8.212/91, em seu caput e parágrafo 2º,

destinou a totalidade da arrecadação, deduzidos os valores destinados ao

pagamento de prêmios, impostos e despesas administrativas, como contribuição

social.260

Todavia entendemos que a supracitada regra do art. 26, ao obrigar, que a

iniciativa privada que exploradora de concursos de prognósticos, deverá destinar a

totalidade de sua receita líquida à seguridade social, tem caráter eminentemente

confiscatório, algo vedado pelo princípio postulado no art. 150, IV, da Constituição

Federal. Neste sentido, Celso Bastos critica contundentemente:

Com relação aos particulares, a regra acima simplesmente inviabiliza o desenvolvimento de tal atividade (...) não há tributo que possa recair sobre o lucro total da empresa. O caráter confiscatório está aí evidente. Esta lei, a despeito de criada quando já em vigor a atual Constituição, manteve-se arraigada a antigos conceitos e preconceitos.

261

Zélia Piedoná vai além, afirmando que além do Princípio do Não-Confisco, a

regra do art. 26 viola também o Princípio Magno da Livre Iniciativa:

259

PIERDONÁ, Zélia Luiza. Contribuições Para a Seguridade Social. 1ª Ed. São Paulo: LTr. 2003. p. 84.

260 Idem, Ibidem. p. 87.

261 BASTOS, Celso. Op. Cit. p. 16.

106

Quanto aos concursos de prognósticos autorizados legalmente e organizados pela iniciativa, isso violaria não somente o princípio do não-confisco (previsto no inciso IV do art. 150 CF, aplicável a todas as espécies tributárias) como também o disposto no art. 170, ambos da Constituição Federal, que estabelece como fundamento da ordem econômica a livre iniciativa e como princípio, entre outros, a propriedade privada.

262

Tecnicamente, portanto, depreende-se que a regra do artigo 26,

inconstitucional à iniciativa privada, só pode ser aplicada para concursos de

prognósticos explorados pelo Poder Público. Desta forma, no entanto, perde-se o

caráter de contribuição social, assumindo, assim, a natureza de forma indireta de

financiamento da própria seguridade social.263

Contudo, mesmo que haja uma lei (observado o art. 150, I CF)264

estabelecendo alíquotas para a cobrança da referida contribuição social, esta não

poderá incidir sobre os jogos de cassinos, vez que estes não são concursos de

prognósticos.265 Destarte, necessária a criação de uma nova contribuição social ou

de uma alteração ao texto do art. 195, III, CF, de forma a promover a inserção da

exploração de jogos de cassinos como fato gerador da contribuição constitucional

para a seguridade social. Tal medida é necessária para angariar recursos à saúde e,

consequentemente, a projetos que visem o amparo, tratamento e ressocialização de

jogadores compulsivos (ludopatas).

Vale ressaltar que o clássico Projeto de Lei nº 91/96, a despeito da existência

da contribuição sobre concursos de prognósticos, também previu a criação de uma

contribuição social especial, incidente sobre a exploração de jogos de azar em

cassinos:

Art. 1º. É permitida, mediante autorização dos Estados e do Distrito Federal, a exploração de jogos de azar em hotéis-cassinos, em hotéis, que para tanto venham a se adequar e em cassinos, por pessoas jurídicas previamente credenciadas (...)

262

PIERDONÁ, Zélia Luiza. Op. Cit. pp. 87-88.

263 Idem, Ibidem. p. 87.

264 Art. 150, I CF: “... é vedado à União, aos Estados e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem

lei que o estabeleça.”

265 V. Cap. 3.4.2.2. do presente trabalho.

107

Art. 15. Lei Complementar instituirá contribuição social que incidirá especificamente sobre as atividades de que tratam os arts. 1º e 13º desta Lei.

266

4.4.2. Taxa de Polícia

Taxa é uma das espécies de tributo existentes no sistema brasileiro, com

previsão nos artigos 145, II, da Carta Magna e 77 do Código Tributário Nacional.

Assim dispõe o Texto Magno:

Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Para o presente estudo, a taxa a ser criada seria em razão do exercício do

poder de polícia, no caso, a fiscalização da atividade do jogo realizada em cassinos,

por parte do respectivo órgão competente. O ente tributante, por sua vez, seria a

União, poder público concedente, visto que é garantidora da regularidade e boa

execução dos serviços perante os usuários.267

O Professor Eduardo Jardim discorre acerca da etimologia e do conceito das

taxas de polícia:

A origem da expressão poder de polícia remonta ao grego politéia, mais tarde transformado em politia na antiga Roma, onde significava a arte de governar.

Essa, aliás, é a sua acepção em nosso idioma, pois exprime o sentido de conjunto de leis ou regras impostas ao cidadão, com o fito de assegurar a moral, a ordem e a segurança pública.

No patamar jurídico, a fisionomia conceptual do poder de polícia guarda semelhança com aquela descrita no plano etimológico, pois é o conjunto de prerrogativas atribuídas à Administração Pública para disciplinar o exercício da liberdade e da propriedade em harmonia com o interesse coletivo.

268

266

V. Cit. 237.

267 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 398.

268 JARDIM, Eduardo M. Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 11ª Ed. São Paulo:

Saraiva. 2011. pp. 144-45.

108

Ao nosso entender, é justamente a prerrogativa atribuída à administração

pública, na disciplina do exercício da atividade dos Jogos de Sorte e Azar, que

justifica a criação de tal taxa. A sua instituição, ao nosso ver, angariaria recursos

fundamentais à Administração para o exercício regular de seu poder de polícia,

indispensável ao sucesso a exploração da atividade no Brasil.

109

5. O Jogo no Sistema Jurídico Brasileiro

5.1. Rol de Leis

As principais Leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, que tratam de

Jogos de Sorte e Azar, são as seguintes269:

- Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) – Tipifica a exploração

de jogos de azar, jogo do bicho e loterias não autorizadas.

- Decreto-Lei de 6.259/44 – Regulamenta Loterias Federais e Estaduais

- Decreto-Lei 9.215/46 – Revogação das Autorizações para exploração de

Cassinos

- Decreto nº 50.954/61 – Confere à CEF a Exploração da Loteria Federal

- Decreto-Lei 204/67 – Regulamenta Loterias como serviço público insusceptível

de concessão e exclusivo da União, impedindo a constituição de novas Loterias

Estaduais

- Lei 5.768/71 – Regulamenta os Concursos e Sorteios Publicitários

- Lei 7.291/84 (Lei do Turfe) – Autoriza jogo de apostas sobre corridas de

cavalos

- Lei 9.615/98 (Lei Pelé) – Instituiu o jogo do bingo para fomentar o desporto

- Medida Provisória nº 2216-37 – Dispõe sobre o jogo do bingo no Brasil

- Lei 10.406/02 (Código Civil) – Trata sobre os efeitos civis dos jogos de azar,

especificamente em seu artigo 814 e seguintes.

5.2. Sistema Atual

Atualmente, no Direito Brasileiro, quanto aos Jogos de Sorte e Azar, impera a

regra de proibição quase absoluta. Tudo é proibido, salvo raras exceções como os

concursos publicitários nos moldes da Lei, loterias autorizadas e apostas turfísticas

dentro de hipódromos. Como visto nos capítulos anteriores, A Lei das

Contravenções sanciona, na forma de menor potencial ofensivo, a exploração dos

jogos de azar no Brasil. Porém a referida Lei distingue loterias de jogos de azar,

269

Leis vigentes até a data de 11 de setembro de 2011.

110

conceituando-as e proibindo-as em seu artigo 51, salvo as autorizadas em legislação

especial:

(...)

§ 2º Considera-se loteria toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza.

§ 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação especial

(...)

O Código Civil brasileiro, por sua vez, adotando a linha das codificações civis

mundiais, inclusive Macau e Portugal, equipara os efeitos contratuais dos jogos e

das apostas, não obrigando a pagamento as dívidas decorrentes destes, salvo

quando legalmente permitidos.

O Decreto-Lei 6.259/44, excepcionou a Lei penal ao permitir à União e aos

Estados explorar loterias ou concedê-las à exploração particular. Porém, o Decreto-

Lei 204/67 alterou esta condição, tornando-as serviço público exclusivo da União e

não susceptível de concessão, mantendo apenas as loterias estaduais criadas na

vigência da legislação anterior. Eis a fonte do privilégio da exploração promovida

pela Caixa Econômica Federal, nos dias de hoje. Outrossim, a Caixa Econômica

Federal, órgão responsável pela exploração das loterias, as delega aos particulares

mediante regime de Permissão, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal.

A Carta Magna de 1988, por sua vez, corroborou em seu artigo 22, XX, como

matéria de competência legislativa privativa da União os: “sistemas de consórcios e

sorteios”, onde a expressão sorteios englobaria as loterias, conforme entendeu o

STF270. A distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteios ou concursos, com fins

publicitários, é regida no Brasil pela Lei 5.768/71, que veda a distribuição ou

conversão das premiações em dinheiro e delega ao Ministério da Fazenda a

competência para expedição de autorizações para a realização dos mesmos.

270

V. Cit. 125.

111

A Constituição também trouxe uma nova expressão, “concursos de

prognósticos”, conceituada na Lei 8.212/91.

Já a exploração dos bingos foi rechaçada pela Lei Maguito (9.981/00) e pela

Medida Provisória nº 168/04, que tentaram revogar as licenças concedidas à

iniciativa privada. As apostas, permitidas apenas em corridas de cavalos, só são

autorizadas em locais específicos ou dentro de hipódromos, nos termos da Lei

7.291/84, conhecida como Lei do Turfe. Entretanto, não há disposição legal

específica quanto às apostas online, que vêm se popularizando em todo o mundo.

Nota-se que no sistema brasileiro há uma “bagunça” quanto aos conceitos, ora

o legislador fala em sorteio, ora em aposta ou loteria, apresentando inúmeras

terminologias diferentes, afora o imbróglio histórico de diferentes legislações, ora

autorizando, ora revogando a exploração privada. Um Decreto-Lei torna as loterias

serviço público exclusivo e insusceptível de concessão, enquanto cerca de vinte

anos depois, veio a Lei Zico formalizar a expedição de autorizações estaduais para

exploração de bingos, considerado, por seu decreto regulador, como modalidade de

loteria.

O sistema nacional necessita de uma uniformização conceitual, técnica e

normativa, para que além de afastar dúvidas, ambigüidades e lacunas, possa trazer

estabilidade e proteção a um setor, que de tão relevante, foi constitucionalizado

como matéria privativa da União e objeto de inúmeras e incessantes discussões ao

longo do último século.

5.3. Propostas

Visando a supramencionada uniformização e regulamentação normativa,

devemos primeiramente distinguir os conceitos já apresentados neste trabalho.

Na nossa óptica, Jogos de Sorte e Azar seria o gênero, do qual os jogos

próprios de cassinos (bancados, não-bancados, bingos em cassinos e máquinas),

loterias (incluem-se os bingos praticados fora dos cassinos) e apostas seriam as

espécies onde haveria exploração econômica direta. Os sorteios, concursos e

demais espécies afins, seriam apenas exploráveis indiretamente, isto é, os

112

contendores não pagariam para participar, mas desembolsariam quantia para

adquirir um bem, coisa de valor econômico ou serviço, por exemplo, que lhes desse

a possibilidade de participar do jogo; ou, beneficentes, voltadas a angariar fundos

para uma obra social específica.

Já a expressão sorteios, conforme o art. 22, XX da Constituição da República,

para nós é inadequada, pois sorteio, em sentido lato, é apenas um meio de

realização de determinados jogos, e, portanto, não abrange todos os Jogos de Sorte

e Azar tutelados pelo Jus Pátrio. Sendo assim, entendemos, data vênia, necessária

uma Emenda Constitucional para alteração do artigo, com a seguinte redação:

Art. 22 – Competência privativa da União para legislar sobre:

(...)

XX – Jogos de Sorte e Azar e Sistemas de Consórcios.

Para nós, portanto, a expressão “Jogos de Sorte e Azar”, como gênero, é

ampla o suficiente para abarcar todas as espécies juridicamente relevantes ao

Direito Brasileiro.

Outrossim, paralelamente, entendemos tão quão justa é a caracterização das

Loterias como serviço público especial, é injusta a sua prestação exclusiva pela

União, que emana do artigo 1º do Decreto-Lei 204/67. Entendemos que a União

deveria dividir o privilégio de exploração que goza atualmente, no âmbito das

loterias, com as demais Unidades Federativas271, através de Lei Complementar que

permita a estes Entes Públicos legislar sobre Loterias. Ora, são serviços voltados ao

atendimento de necessidades sociais, não constituindo uma fonte exclusiva de

receita à União. Impedir que os Estados possam explorá-las, é impedir que estes

possam angariar recursos para atender aos seus próprios fins sociais.

Ressalte-se que, atualmente, a Súmula Vinculante nº2 do Supremo Tribunal

Federal dispõe: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que

disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”272 Isto

271

Leia-se: Estados e Distrito Federal.

272 Súmula Vinculante nº2 do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_20070810_078.pdf>. Acesso em 24 de ago de 2011. p. 34.

113

decorre da inteligência da Suprema Corte à luz do artigo 22, XX, da Carta Magna, o

que não obsta, novamente, a promulgação de Lei Complementar, nos moldes do

parágrafo único do mesmo artigo 22, autorizando os Estados a legislarem sobre tal

matéria.

Voltando aos cassinos, pensamos que, trazer maior segurança jurídica ao

concessionário do jogo, em um sistema tão instável como é o brasileiro, em que há

constante alternância entre tolerância, regulamentação e proibição no setor dos

Jogos de Sorte e Azar, a Lei deverá obrigar que a exploração dos cassinos seja feita

por particular e apenas mediante concessão. Sugerimos, com a devida vênia, uma

Emenda Constitucional ao art. 21 da Constituição da República, com a finalidade de

adicionar o seguinte inciso:

Art. 21. – Compete à União:

(...)

XXVI – Explorar indiretamente, mediante regime de concessão à iniciativa privada, Jogos de Sorte e Azar em cassinos, sob a supervisão de órgão regulador competente e nos termos de Lei Complementar.

Propomos, ademais, a alteração da redação do artigo 195, III da Constituição

Federal, para ampliar a incidência da contribuição social:

Art. 195. (...)

III – Sobre a receita de cassinos ou concursos de prognósticos

Destarte, entendemos que a Lei Complementar que ditará as regras de direito

público acerca da concessão dos cassinos, deva ser completa, não se limitando

somente a Jogos de Sorte e Azar e aspectos de hotelaria e turismo, mas também

sobre os prismas tributário, administrativo, penal e trabalhista da matéria. Também

pregamos pela criação de uma agência (autarquia federal em regime especial)

reguladora dos Jogos de Sorte e Azar (órgão regulador) explorados por particulares.

Faculta-se ao legislador, ainda, atender na mesma Lei Complementar a supracitada

determinação do §único do art. 22 da Carta Magna, para possibilitar aos Estados

legislar sobre loterias, por exemplo.

114

Já os sorteios publicitários, concursos e demais espécies exploráveis

indiretamente, entendemos que deverão ser regulados em lei especial.

Concluindo-se o presente capítulo, mister que a norma penal acerca da matéria

traga penas de maior rigor à exploração ilegal de jogos de azar através da internet,

visto que, nestes casos, a fiscalização é mais díficil e, consequentemente, a

potencialidade de danos é maior.

115

Conclusão

Ante o exposto, acreditamos que um ordenamento jurídico moderno como o

brasileiro, deveria repensar antigos paradigmas, principalmente acerca dos Jogos de

Sorte e Azar.

Regulamentar, no caso do presente estudo, os cassinos, traria à sociedade,

como um todo, muito mais benefícios do que os advindos com a proibição absoluta

(se existir algum). Embasar-se em conceitos ultrapassados, como moral,

religiosidade e bons costumes do povo é um atentado ao Estado Democrático de

Direito, onde a Administração Pública tem o dever de adotar políticas positivas, de

regulamentação, flexibilização e fiscalização, proporcionando a seus cidadãos

opções viáveis e rentáveis à sociedade; jamais adotando o sistema atual, omisso,

despendioso, tirano, em que a população é obrigada a recorrer à clandestinidade

para satisfazer determinadas vontades.

Entendemos ser obrigação do Estado a tolerância de atividades que possam

ser toleradas, sem danos; a regulamentação de atividades em que é possível a

minimização de danos; e a proibição, ultima ratio, adotada absolutamente quando

impossível o emprego de políticas de redução e controle de danos.

Neste diapasão, é dever do Estado conciliar a liberdade individual de seus

cidadãos com a saúde pública da sociedade, minimizando os riscos e trazendo à

licitude, sob forte tributação e regulamentação, é claro, certas atividades, que apesar

de não serem, na maioria das vezes, moralmente aceitas, são, de forma indiscutível,

socialmente necessárias.

Não vemos, portanto, alternativa ao Estado, senão regulamentar os cassinos

no país, para que a sociedade possa usufruir, ao máximo possível, de todos os

benefícios oriundos desta atividade e o Estado trabalhe para reduzir, ao mínimo

possível, todos os potenciais danos decorrentes desta.

116

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