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DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE. N.8 Janeiro/Julho 2013 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
Debater a Europa, de um ponto de vista
ultraperiférico - Alargamento versus
Aprofundamento da intervenção comunitária num
contexto de urgência da redefinição da identidade
local
António Manuel Martins de Almeida
Professor Auxiliar, Centro de Competências em Ciências Sociais
Universidade da Madeira
E-mail: [email protected]
Resumo
O progressiva erosão do capital de simpatia de que as regiões ultraperiféricas (RUPs)
beneficiavam enquanto espaços insulares no contexto da União Europeia, encontra-se
assinalada na transformação das referidas regiões em “innovation frontrunners”
(“laboratórios de ideias”, na terminologia comunitária), depois de décadas de
posicionamento confortável e fortemente financiado na cauda da coesão económica e
social. Embora as instituições comunitárias ainda reconheçam formalmente a
vulnerabilidade das RUPs, os ecos emitidos de Bruxelas soam agora de uma forma
distintivamente diferente, se comparado com o passado. Exige-se agora um
comprometimento com o reforço da competitividade e com a aplicação de modelos de
desenvolvimento endógeno que se afastam dos modelos neo-keynesiano que permitiram
distorcer e retardar a introdução de inovações institucionais e económicas. Depois de
décadas de adoção passiva de recursos, considera-se agora as RUPs como o cenário
ideal para a implementação ativa de laboratórios de ideias relativa a múltiplos
problemas globais (ex. exploração de recursos marinhos), com evidente interesse para o
conjunto da UE. Constata-se no entanto uma escassez de linhas de orientação
relativamente às condições efetivas de operacionalização de “laboratórios”, em regiões
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localizadas nas margens da inovação económica e institucional, e com carências de
massa crítica numa série de valências cruciais para o desenvolvimento de laboratórios.
Nesse sentido o “Debater a Europa”, do ponto numa prespetiva ultraperiférica, demanda
a reinterpretação das linhas de orientação da política comunitária, em consonância com
o debate que se assiste acerca da crise do euro, de forma a introduzir questões sensíveis
de arquitetura institucional, identidade regional, “governance”, gestão da despesa
pública e otimização de recursos. Torna-se necessário transpor para o debate as
profundas implicações do novo paradigma comunitário. Na ausência de tal debate,
existe o risco evidente de banalização do enésimo programa comunitário, obscurecendo
os sinais evidentes de mudança radical no discurso comunitário.
Neste artigo, depois de revista a evolução dos programas comunitários
direcionados para as RUPs, destaca-se o reforço atual da componente de coesão
económica a expensas da componente social. Os elementos estatísticos evidenciam a
progressão constatada mas também a necessidade da continuidade do apoio à redução
do deficit de acessibilidade. Numa segunda fase, discutem-se os limites da
aplicabilidade das orientações comunitárias, que decorrem da relativa debilidade do
processo de aprendizagem que emerge da experiência comunitária. Por último, discorre-
se sobre alterações a impor nos modelos locais de interpretação das normas
comunitárias de forma a incrementar a capacidade de acomodação as transformações
em curso no contexto da União Europeia, realçando o papel chave dos processos de
aprendizagem associados aos programas comunitários. As reflexões vertidas neste
artigo oferecem alguns elementos de análise da problemática de desenvolvimento
regional e do papel chave da EU no desenvolvimento institucional da periferia ao forçar
a introdução de mudanças “radicais”. Devido à facilidade com que surgem “blind spots”
e fenómenos de isomorfismo no contexto de sociedades fechadas, argumenta-se que o
agente de transformação terá se conter uma origem externa, e que a transformação terá
de ultrapassar a mera lógica económica-contabilística dos financiamentos comunitários
para a vertente formativa.
Palavras-chave: União Europeia, Região ultraperiférica, orientações comunitárias,
programas comunitários
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Abstract The gradual erosion of the capital of sympathy that the outermost regions (RUPs)
benefited while insular spaces in the context of the European Union, is marked in the
transformation of those regions into 'innovation frontrunners’ ("think tanks" / “lab of
ideas” in EU terminology) after decades of heavily financed and comfortable
positioning on the tail of the economic and social cohesion. Although EU institutions
still formally recognize the vulnerability of the outermost regions, the echoes now
issued by Brussels sound distinctively different compared with the past. It is now
required a commitment to strengthening competitiveness and the implementation model
of endogenous development that departed from the neo-Keynesian models that allowed
distort and delayed the introduction of economic and institutional innovations. After
decades of passive adoption of resources, it is now considered that the outermost
regions are the ideal setting for the implementation of active laboratories of ideas
concerning multiple global problems (eg exploitation of marine resources), with evident
interest for the whole EU. It is noted however a lack of guidelines concerning effective
conditions for the operation of "laboratories" in regions located at the margins of
economic and institutional innovation, and with deficiencies in the number of critical
mass valences crucial to the development of laboratories In this sense "Debating
Europe", from the point of view of the outermost regions, demands the reinterpretation
of guidelines of Community policy in line with the discussion that assists the euro crisis,
in order to introduce sensitive issues of institutional architecture, regional identity,
"governance", public expenditure management and resources optimization. It is
necessary to debate the profound implications of the new community paradigm. In the
absence of such debate, there is the obvious risk of trivializing the nth Community
program, obscuring the obvious signs of radical change in the community speech.
In this paper, after reviewing the evolution of community programs targeted to the
outermost regions, we highlight the strengthening of the current economic component at
the expense of the social component. The statistical data show the progression but also
the need for continued support the reduction of the deficit of accessibility. In a second
step, we discuss the limits of applicability of the Guidelines, which arise from the
relative weakness of the learning process that emerges from the community experience.
Finally, talks over changes imposed on local models of interpretation of Community
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rules in order to increase the accommodation capacity of the transformations taking
place in the context of the European Union are taking place, highlighting the key role of
learning processes associated to the Community. The reflections shed in this article
offer some elements of analysis of the problem of regional development and the key
role of the EU in the institutional development of the outermost regions to force the
introduction of "radical" changes. Due to the ease with which "blind spots" and
phenomena of isomorphism arise in the context of closed societies, it is argued that the
change agent will have to contain an external source, and that the transformation must
go beyond the simply economic-accounting logic of the Community funding to the
training strand.
Keywords: EU, Outermost Region, guidelines, community programs
1.Introdução
O território da EU 1 engloba um conjunto de regiões definidas como
ultraperiféricas, englobando as Canárias, Guadalupe, Guina, Martinica, Reunião,
Madeira e Açores. As especificidades destas regiões no contexto da EU, tal como deriva
do artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE), é assumida como
fator de condicionamento do desenvolvimento económico e social. O referido artigo
enumera fatores tais como “o afastamento, a insularidade, o relevo e clima adversos, a
dependência em relação a apenas algumas produções locais” (Comissão Europeia, 2012,
pg. 4; Fernández e Martín-Cejas, 2009), como fatores identificativos da realidade
ultraperiférica. Em decorrência dos impactos negativos, a EU tem admitido a adoção de
um conjunto de medidas específicas adaptadas à realidade das RUPs, no sentido de
proporcionar uma maior igualização das oportunidades de desenvolvimento territorial.
As RUPs beneficiaram de um capital de simpatia, e portanto de uma
discriminação positiva num contexto de integração caracterizado pela harmonização e
integração política e económica. O conjunto de medidas adotadas permitiram às RUPs
colmatar alguns dos atrasos constatados em termos em termos de infraestruturas e
atingir níveis de desenvolvimento económico muito razoáveis. Contudo o
distanciamento geográfico face às regiões centrais da Europa e a fragilidade patente nas
1 A compilação de tratamento de dados estatísticos foi assegurada por Fábia Camacho, mestranda do
Mestrado em Matemática da Universidade da Madeira.
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condições socioeconómicas, são realidades ainda presentes e reconhecidas na
documentação comunitária. As economias ultraperiféricas apresentam ainda um perfil
de especialização muito marcado e caracterizado por reduzida diversificação e portanto
por demasiada exposição aos choques externos (Planistat Europe, 2003),. Após décadas
de apoios comunitários substanciais, as RUPs confrontam-se com desafios que exigem
um nível qualitativo de resposta inaudito face à experiência do passado. Daí que se
procure explicitar nesta comunicação que as instituições comunitárias precisam de
exercer pressão e adotar um papel pedagógico ao nível da arquitetura institucional e
identitária das RUPs.
2-A política comunitária para as RUPs
Tal como referido cima as RUPs foram objeto de apoios (transferências
financeiras) substanciais. As medidas específicas adaptadas à realidade das RUPS
centram-se na exploração das potencialidades dos diversos instrumentos de
desenvolvimento regional comunitário, nomeadamente do Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (FEDER), centrado na mitigação dos handicaps resultantes
da insularidade (custos suplementares).
O Fundo Social Europeu (FSE) e o investimento público via Fundo de Coesão
foram também relevantes. No entanto as RUPs foram também objeto de apoio nas
pescas, na agricultura e na generalidade dos setores, através de financiamentos
disponibilizados via Fundo Europeu das Pescas (FEP), Fundo Europeu Agrícola de
Desenvolvimento Sustentável (FEADER) e Programa de Opções Específicas para o
Afastamento e Insularidade (POSEI) (Oréade Brèche, 2006). Este último, focada em
exclusivo nas RUPs visou apoiar “a produção, à transformação e à comercialização dos
produtos agrícolas das RUP, constituindo o primeiro pilar da política comum no
domínio da agricultura para estas regiões” (Comissão Europeia, 2012,4; Mira, 2011;
Monfort, 2009). As RUPs beneficiam ainda de quatro programas de “cooperação
transnacional e fronteiriça” no período 2007-2013. De acordo com a brochura “The
Outermost Regions European regions of assets and opportunities”, os programas em
questão referem-se: “ao programa «MAC» que reúne a Madeira, os Açores, as Canárias
e os países vizinhos da África Ocidental; ao programa «INTERREG – Caraíbas» entre a
Martinica, a Guadalupe, São Martinho, a Guiana e os Estados da região das Caraíbas; ao
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programa «Oceano Índico» que associa a Reunião e os Estados vizinhos do oceano
Índico; e ao programa «Amazónia» entre a Guiana, o Suriname e os Estados
amazónicos do Nordeste do Brasil (Amapa, Para e Amazonas)”. Alerta ainda a referida
brochura que o 7.º Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento “prevê
disposições específicas para apoiar o potencial das RUP e melhorar o seu acesso ao
Espaço Europeu de Investigação”. Para além dos programas atrás referidos, é de
salientar que a legislação comunitária permite adaptações especiais no que respeita aos
auxílios estatais (artigo 107, nº3, alínea do do TFUE) è a fiscalidade. Caso se considere
que as políticas de transporte, energia, TICs e relações comerciais foram também objeto
de adaptação específica, torna-se mais fácil perceber em que medida este conjunto de
medidas permitiu às RUPs desfrutar de níveis de ajuda per capita dos mais elevados no
contexto da EU. O quadro 1 evidencia a dimensão da ajuda per capita, tendo em conta
os três programas mais populares no contexto da EU: FEDER, FSE e FEADER. Os
dados referentes ao Quadro de Apoio 2007-2013 indiciam que as RUPs portugueses
como especialmente favorecidas caso se considerem os montantes numa lógica per
capita: 5900 euros (mais 270% face à média das RUPs) no caso dos Açores e 2524
(mais 58% face à média das RUPs) no caso da Madeira. Valores relativos ao período
1990-1994 evidenciam o fator de discriminação positiva das RUPs face às outras
Regiões Objetivo 1.
Quadro 1: Ajuda per capita: 2007-2013
Açores
Ilhas
Canárias Guadalupe Guiana Madeira Martinica Reunião Totais
FEDER 966300 1019300 542700 305100 320500 417100 1014300 4585300
FSE 190000 117300 185200 100000 125400 97800 516900 1332600
FEADER 294000 154000 142000 76500 179000 103200 329400 1278100
Total 1450300 1290600 869900 481600 624900 618100 1860600 7196000
População
(2011) 245811 2100229 448961 236250 247568 395953 839480 4514252
Ajuda pc 5900,1 614,5 1937,6 2038,5 2524,2 1561,0 2216,4 1594,1
Quadro 2: Transferências financeiras da EU (Valor Médio Habitante) (1990-1994)
Região Programas Específicos RUP Todos os Progra,as DOM (Territórios Franceses) 2000 euros … RAM (Madeira) 2900 euros 3,442 euros
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RAA (Açores) 3600 euros 4,163 euros Ilhas Canárias 1100 euros 1,642 euros Regiões Objetivo 1 1,500 euros
Constatada a discriminação positiva das RUps, importa ter em conta que ama
análise dos documentos emanados da Comissão Europeia sugere que a politica
comunitária relativa às RUPs sofreu alterações de monta, relativamente à versão datada
dos anos 90, mais consentânea com a multiplicação das ajudas públicas e com uma
abordagem redistributiva e assistencialista. Obviamente que o enquadramento da RUPs
deve ser analisado no contexto da evolução geral da política de desenvolvimento
regional comunitária (Copus, 2001; Copus e Cabtree, 1996; Copus e Skuras, 2006),
muito distante da lógica de igualização de oportunidades e compensação das condições
da procura nas regiões problemáticas, através do investimento público em larga escala e
da sustentação do rendimento. A partir dos anos 90 a política de desenvolvimento
regional passou a focar problemas de competitividade regional e crescimento
económico, a expensas da abordagem redistributiva e/ou do foco na infraestruturação. A
política de desenvolvimento regional passou a comportar elementos de planificação,
programação e reconhecimento de efeitos sistémicos, centrado no desenvolvimento de
fatores endógenos e na criação de potencialidades e capacidades propiciadoras de
condições ideias para o desenvolvimento dos negócios, inovação e empreendedorismo.
Após décadas de intervenção central e/ou local em exclusivo, o acesso a
financiamentos passou a exigir a adoção de modelos de governance multi-nível, com
vários intervenientes, níveis de governos e atores privados, abordagem que se veio a
verificar muito complexa em países com historial de centralismo e ditadura. O período
em análise caracteriza-se também pelo fato de a maioria dos países da OCDE ter
reacendido o interesse na política de desenvolvimento regional, dada a importância que
as regiões assumem em termos de crescimento económico (Rodriguez-Pose, 1998;
OECD, 2010 ). Contudo, a exemplo do constatado noutras latitudes insulares, as RUPs
beneficiaram de um “período de carência” na adoção pela das novas orientações, por
força da adesão tardia dos países membros. Murray (2001) chama a tenção para o fato
as vantagens geo-estratégicas do Pacifico Sul terem permitido retardar a introdução da
agenda neo-liberal, dada a continuação dos fluxos de ajuda externa canalizados para a
produção de “setores públicos sobredimensionados” (Murray, 2001: pg. 13), do que
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resultou a dinamização das economia locais com base em transferências financeiras e o
abrandar do nível da urgência acordada à introdução de inovações.
Tal como referido acima, a política regional comunitária atual caracteriza-se por
formatos decisionais (objetivos, instrumentos, métodos de avaliação e controlo),
institucionais (governance) e por “outcomes” sofisticados, caso se considere as fases
iniciais (anos 70) e a prática da administração pública nos países da Europa do Sul
(Sotiropoulos, 2004a; Sotiropoulos, 2004b; Rodriguez-Pose, 2001; Rodriguez-Pose,
1998). Ao nível das RUPs, a mudança de paradigma também se fez sentir. A partir de
2004, a Comissão Europeia passou a enquadrar o desenvolvimento das RUPs no
contexto de uma parceira a envolver instituições comunitárias, Estados Membros e as
RUPs, visando 3 prioridades: a redução dos deficits em termos de acessibilidade,
incrementos ao nível da competitividade e um aprofundamento da integração regional.
Enquanto as “prioridades” acessibilidades e competitividade assegura um espaço
de continuidade semântico, a alteração na terminologia/semântica adotada não deixa
duvidas, caso se considere o eixo “integração regional”. As RUPs passaram a ser
convidadas a apostar na integração regional, aumentando a capacidade exportadora e a
autossuficiência económica. Mais alterações de conteúdo e semântica seriam
introduzidas em documentos posteriores. Por exemplo, o Relatório “As RUPs e o
Mercado Único2 em 2007”, explicita o enriquecimento da estratégia comunitária com a
integração de medidas complementares (que constam do Documento de Trabalho dos
Serviços da Comissão, Anexo à Comunicação da Comissão Evolução e balanço da
estratégia para as regiões ultraperiféricas COM(2007) 507. Em 2008, a estratégia
comunitária é revista com a renovação do compromisso comunitário baseado na
mudança de paradigma que se consta nos documentos anteriores (European
Commission, 2008). Na análise contextual é agora integrado o impacto de novos
desafios enfrentados pelas RUPs, nomeadamente globalização, alterações climáticas,
imigração e outras alterações demográficas e a problemática do desenvolvimento
sustentável dos recursos naturais tais como os recursos marinhos, o que enriquece a
caracterização contextual das RUPs (European Commission, 2004; European
2 No original em ingles, As Regiões Ultraperiféricas Europeias no Mercado Único: a projeção da EU no mundo, Relatório do Membro da Comissão Europeia Michel Barnier apresentado por Pedro Solbes Mira, de 2011, página 13
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Commission, 2007; European Commission, 2010; Marie e Rallu, 2012) . Os Relatórios
indica como linha de rumo para as RUPs a exploração de recursos endógenos de forma
a valorizar os trunfos locais enquanto “alavancas” da aposta em sectores de elevado
valor acrescentado visando um “crescimento mais autónomo e auto-suficiente” (Ismeri
Europa, 2011, 1). Os sectores identificados, a saber, agro-alimentar, biodiversidade,
energias renováveis, astrofísica, aeroespacial, oceanografia, vulcanologia e sismologia,
mas também “o papel enquanto postos avançados da UE no mundo” distanciam-se das
preocupações setoriais vertidas no Programa POSEI, muito centradas no sector primário.
A simples enumeração dos setores permite sugerir a transformação do papel das
RUPs, com a correspondente migração da categoria de região problema para a categoria
de região de oportunidades. Os estudos e relatórios comunitários continuam a enfatizar
a semântica tradicional ao pugnar pela “avaliação correta das consequências da
aplicação das políticas europeias nas RUP, em particular nos estudos de impacto que
acompanham as suas propostas”. Contudo a aposta em setores como potencial cientifico,
nas áreas das energias renováveis, biodiversidade, agricultura, riqueza marítima, saúde,
TIC, património cultural, cooperação territorial e política de vizinhança seria mais
facilmente associada às regiões desenvolvidas da Europa. Existem obviamente razões
que permitem justificar as opções retidas. Refere o Relatório “As regiões
ultraperiféricas da União Europeia: Parceria para um crescimento inteligente,
sustentável e inclusivo” (COM(2012) 287 final), que as RUPs albergam metade “zona
económica exclusiva (ZEE) da UE, com uma reserva potencial dos recursos marinhos
aproximada dos 15 milhões de km²”, o que oferece um “laboratório marítimo de
profundidade único, que pode ser explorado pela UE em domínios como a segurança
alimentar, a luta contra as alterações climáticas, a energia e a biotecnologia” (European
Commission, 2010). As RUPs encerram também potencialidades obvias nos domínios
do turismo e da biodiversidade. Por outro lado não deixa de ser “interessante” que a re-
definição do papel das RUPs, agora re-definidas como regiões-oportunidades, remete
para um passado remoto (Sec. XV) caracterizado por grande experimentação
tecnológica, económica e social na Atlântico Norte.
Não contestando obviamente a racionalidade indisputável subjacente à
abordagem comunitária, que encerra um elemento de ritual encantatório (Labour e
Perreur, 1998), não pode deixar de ser referido que a informação estatística disponível e
a generalidade dos análise SWOT apresentada nos próprios relatórios comunitários
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sugerem que a estrutura económica local e a capacidade competitiva empresarial
dificilmente comportará níveis elevados de experimentalismo. A experiência
empresarial local afasta-se das generalizações presentes na maioria dos estudos
centrados noutras latitudes, (Jarvis et al, 2006, 152), o que sugere dificuldades ao nível
da validade/aplicabilidade dos modelos teóricos tradicionais. Um exemplo da
necessidade de considerar o impacto da re-formulação e modulação das políticas
comunitárias é avançada por Hoggart e Paniagua (2001: pg. 63), críticos “do
enviesamento a favor do mundo anglo-saxónico, evidente na literatura sobre o processo
de restruturação rural, enviesamento esse que também se estende às relações de
produção do tipo capitalista”. Em consequência é contestada a transferência automática
das generalizações teóricas prevalecentes no contexto anglo-saxónico para o processo
de estruturação em curso na altura nas zonas rurais da Andaluzia. Num contexto
geográfico e sectorial diferenciado (Reino Unido), North e Smallbone (2006: pg. 45)
entendiam também a transferência de políticas comunitárias, como problemáticas, sem
as necessárias adaptações. O Estudo “Factores de Crescimento nas RUPs”, embora
concordando com todo o potencial que os novos setores emergentes oferecem, não
deixa de referir tratar-se de um cenário muito mais exigente, em termos de fatores de
competitividade e de competências científicas e tecnológicas. Constata o Relatório a
ausência de massa crítica e de uma base industrial tecnologicamente avançada propicia
ao desenvolvimento de novos fatores de competitividade. Refere ainda o relatório que
as regiões em apreço têm usufruído de níveis de proteção e de subsidiação, com reflexos
sobre o tecido industrial e da lógica empresarial, incompatíveis como o novo cenário.
Fitzgerald (2006) nota a existência de expectativas de curto prazo muito irrealistas sobre
o impacto da política de coesão, com a desconsideração dos desfasamentos temporais a
incluir nas análises econométricas quando se analisa o impacto da política estrutural no
crescimento económico. A requalificação de uma região (abandono do
subdesenvolvimento ou reversão do declínio) exige por vezes décadas de progressos
“lentos e dolorosos”: Pelo contrário as expectativas dos atores políticos e da sociedade
civil podem ser enquadradas num horizonte temporal restrito (meses/anos).
A título de reforço da premissa expressa no paragrafo anterior, é relevante ter em
conta algumas as dificuldades subjacentes ao up-grade instantâneo de capacidades de
aprendizagem dinâmica, numa ótica empresarial. As abordagens teóricas relativas ao
desenvolvimento de competências sugerem a necessidade de empreender exercícios de
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assimilação, experimentação e de exploração de novas competências num contexto de
estabilidade e certeza relativa e de evitar a gestão simultânea de choques externos e de
adoção de inovações. Hempell (2005, 285) refere que “a adoção de inovações segue
frequentemente uma lógica sequencial, com as soluções implementadas em fases
anteriores a suportar a resolução de problemas na fase seguinte”. Assim é recomendado
o desenvolvimento gradual e sequencial das capacidades de aprendizagem/tecnológica
de forma a potenciar a capacidade de adaptação e de resposta aos choques externos. A
economia da inovação reforça a ideia de que o desenvolvimento das capacidades de
aprendizagem ao nível empresarial resultam da experiencia como a adaptação de
inovações no passado. Nesse sentido o conceito de “capacidade de absorção”,
desenvolvido por Cohen e Levinthal (1989) oferece valor interpretativo para a realidade
regional e para a necessidade de considerar uma dimensão de aprendizagem de adoção
de inovações. O argumento central de Cohen e Levinthal (1989) refere que a inovação
empresarial, gera para além de novos fluxos de informação, capacidades crescentes de
análise e interpretação conhecimento externo. Sugere-se ainda que quanto maior o stock
de conhecimento e de experiências de aprendizagem, maior a capacidade de
compreensão das tendências tecnológicas e de mercado, e menor o risco na adoção de
inovações/investimentos na área de expertise da empresa (Cohen e Levinthal, 1990;
Dierickx e Cool, 1989). È útil também considerar que existem razões para crer que a
inovação potencia a acumulação de valor intangível e vantagens competitivas na forma
de ´asset mass efficiencies´ ( relativa às vantagens de que desfrutam as empresas que
acumulam capacidade de adoção de inovações e investimentos, em termos de menores
custos marginais de adoção de inovações extras) e ´time compression economies´ que
chama a atenção para o fato de que a adoção de determinadas inovações, sobretudo na
esfera do intangível, não poder ser acelerada no tempo, a não ser `custa de custos
insuportáveis. As observações anteriores sugerem que os atrasos na esfera da inovação e
da adoção de tecnologia tornam difícil os esforços de catch-up. Em consequência, a
economia da inovação sugere a aquisição interna de competências ao longo do tempo,
experimentando-se de forma gradual conceitos complexos e novas soluções
tecnológicas, aumentando a capacidade resposta e de gestão de crises e de choques
externos inesperados na envolvente externa. As dificuldades que o processo encerra
levam o referido relatório a considerar que a aposta nos setores estratégicos acima só
poder ser considerada como efetiva no longo prazo.
163
3-Por uma nova abordagem comunitária para as RUPs
Aceitando que a lógica comunitária é indiscutível, importa analisar em que
contexto se pode otimizar o desenvolvimento de competências para encurtar o horizonte
temporal de médio prazo. Nesse sentido será útil ter em conta a observação de North e
Smallbone (2006: pg.44) (“na Grécia e em Portugal praticamente não existe política
regional a não ser a que é financiada por programas comunitários”), o que nos remete
para o condicionamento genérico das políticas de desenvolvimento regional
nacionais/regionais pelas instâncias comunitárias. A evidência disponível sugere que as
regiões da periferia da Europa, conseguiram introduzir o que Waesche (2003: pg. 5)
denomina de “efeito de distorção das instituições nacionais nas oportunidades de
inovação” (Ver também Labrianidis e Kalogeressis, 2006). Os atores locais
(nacionais/regionais) conseguiram retardar o efeito de choques externos a através da
“interpretação (refração) local de tais eventos” de forma a manter o status quo em
termos da administração pública em geral e do processo de tomada de decisão em
particular. Oltehten et al (2003) analisaram os impactos (globalmente positivos) da
Adesão da Grécia à CEE na esfera do desenvolvimento institucional e de formulação de
políticas. Em linha com a constatação de Dodescu e Chiril (2012) relativamente à
Roménia, estruturas de governance modernas foram apenas introduzidas no período
pós-adesão e em resultado de imperativos comunitários. Importa relembrar neste ponto
a importância crescente que é atribuído a factores de competitividade intangíveis, como
o capital social e institucional, em termos de crescimento económico. O principal efeito
da adesão à CEE residiu na redução deficiências estruturais várias (nomeadamente em
termos de capital social) e com reflexos vários sobre o potencial de crescimento
económico. Os programas de ajustamento na fase pré-adesão ao EURO implicaram uma
gestão do lado da oferta, o que representou uma mudança substancial face ao paradigma
de desenvolvimento anterior, o que em conjugação com a implementação das políticas
comuns, levaram a uma melhoria da eficiência na definição/implementação de medidas.
No que concerne ao caso grego, Oltehten et al (2003) referem a título de
exemplo os maiores níveis de competição em mercados de bens e serviços em geral,
trabalho e financeiro que operavam sujeitos a ambientes regulatórios inflexíveis.
Contudo a adoção relutante de várias linhas de orientação comunitária acabaram por se
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traduzir numa falta de eficiência na gestão de recursos e em crescimento económico
anémico durante os anos 80. Paraskevopoulos (2005) situa também as dificuldades de
adoção plena do modelo comunitário ao nível impacto do modelo de gestão
pública/organização do estado do tipo Francês/Napoleónico/burocrático, tido por
ineficiente na gestão de fundos comunitários (Nanetti et al. 2004). No entanto, e apesar
as imperfeições, o autor concordam que a política regional comunitária introduziu
efeitos de modernidade e de Europeização, ao atenuar o impacto da fraca capacidade
institucional do Estado e da falta de confiança na instituições publicas, e ao potenciar
ana resistência a práticas clientelistas (no que Sotiropoulos (2004 designa por
clientelism at the bottom’ e Paraskevopoulos (2005, 464) designa por “burden’ of
deeply rooted patterns of behaviour and practices inherited from the past decades of
statism, political clienteles and populismo”. Chardas (2011) concorda com a apreciação
anterior ao referir os modelos padrões administrativos/políticos pré-adesão como fatores
cruciais no limitar o impacto da política comunitário ao nível institucional e da
participação de todos os agentes socioeconómicos (Leonardi, 2005). Andreou (2009)
também baseado no exemplo grego considera que a politica de coesão potenciou um
salto qualitativo ao nível das políticas domésticas e regionais em termos de objetivos,
implementação e arquitetura institucional. Importa referir que as dificuldades sentidas
na adaptação a novo paradigma de desenvolvimento económico por parte da Grécia, e
as tentativas de colmatar os atrasos em áreas sensíveis, terão sido “sentidas” noutros
contextos. Tais dificuldades poderão explicar a aposta no desenvolvimento de
infraestruturas, o que Rodriguez- Pose (2002, 106) denomina de (e cite-se do original)
“relatively easy and low risk strategy for regional politicians, akin to the one used - with
a strikingly similar lack of immediate results - in the Italian Mezzogiorno during the
post-war decades”.
A constatação que a problemática do desenvolvimento nacional e regional na
periferia da Europa englobava fatores e idiossincrasias locais, e uma dose q.b. de
resistência ao normativo comunitário, suscitou o interesse dos académicos no papel
chave dos Fundos Estruturais como fator de modernização e de Europeização.
Papadopoulou et al (2011) referem a estima suscitada pelo programa LEADER junto
dos académicos, devido à conceptualização do mesmo como veículo social de
fortalecimento da participação da sociedade civil e do potenciar da governance local e
mesmo de fator chave para “estruturar uma nova ordem social através da alteração das
165
relações de poder a nível local”. O programa LEADER foi portanto associado à
aprendizagem democrática e à valorização dos aspetos de governance local/endógena do
processo. Os objetivos do Programa LEADER ultrapassavam em muito a mera criação
de emprego nas áreas rurais para englobar metas da adoção de inovações, criação de
redes e capacidades de organização, e funcionalidade e inter-setoralidade a nível
político-administrativo. Roberts (2003) refere de igual modo que os programas
comunitários de desenvolvimento regional visavam mais do que a simples incremento
das ajudas públicas, dado visarem também a introdução de novos modelos, métodos e
vias de produção do planeamento, desenvolvimento e gestão das políticas regionais.
Numa análise do futuro da política de coesão nas regiões ricas da Europa, Begg
(2009) considera que a política de desenvolvimento to regional deveria permitir
desenvolvimento a nível político através da melhoria da tomada de decisão, do “melhor
aproveitamento dos fundos públicos” e da “legitimação” junto da sociedade civil (Begg,
2008; Farrell, 2004).
O pós-adesão em geral, e a política de infra-estruturação em particular,
caracterizaram-se (melhor, existiam expetativas de que se caracterizariam) pela
introdução de elementos de modernidade e aprendizagem através de pressões externas
(leia-se necessidade de conformidade às regras comunitárias, traduzidas através de
processos de aprendizagem “learning from past successes and failures” (resultando em
menor ou maior sucesso na gestão de determinados programas e quadros de apoio) e
“learning from abroad” (através da análise comparativa da performance de outros países
da Coesão). Relativamente à Grécia, Paraskevopoulos (2005, 464) salienta o facto de o
processo de aprendizagem se caracterizar no essencial por aprendizagem do tipo “single
loop/consequentialism” (centrados numa lógica de auditoria e controlo ao melhorar os
indicadores de performance na aplicação dos fundos comunitários) e não em processos
de aprendizagem social (englobando saltos qualitativos na interpretação e solução de
problemas). O autor remete o insucesso do processo para as deficiências ao nível “social
learning” na esfera institucional e da formulação de políticas. A existência de baixos
índices de capital social conducente ao desenvolvimento de uma cultura de cooperação,
partilha de informação, e a fragilidade das networks e envolvimento do setor
privado/social civil no desenho/implementação de política foram considerados também
fatores relevantes. Constata-se portanto um “problema” de resistência/inadaptação.
166
Terluin (2003) num exercício de análise dos processos de “restruturação rural”
remete para a interligação entre fatores locais e externos, assumindo também que as
alterações registadas a nível local resultam do peso relativo das forças externas e da
capacidade de reposta local. De acordo com Bor et al (1997) a qualidade da resposta
local depende de fatores como a arquitetura institucional, a história e a liderança da
região, e em última análise da perceção dos agentes locais relativamente à natureza do
choque externo (interpretável como oportunidade ou ameaça). Embora Terluin (2003,
328) considere que as regiões incapazes de alterar de forma significativa a dinâmica
externa, cabe-lhes ainda assim um papel de monta no granular e refinar as “cores” do
processo. A questão que se deve colocar neste ponto é a de considerar os casos em que o
conjunto de fatores/condições iniciais (condições políticas gerais, existência de atores
relevantes e envolvimento de atores locais em redes internas e externas, “auto-
capacidade” de trabalhadores e empregadores e de eleitos locais na definição partilhada
de políticas e de valorização de recursos endógenos e do capital-conhecimento local) se
afastam muito do mix ideal em termos da adaptação das políticas comunitárias
(Martinico, 2009).
Leonardi (2005) refere existirem três reações tipo às diretivas comunitárias. A
primeira abordagem consiste numa rejeição mais ou menos aberta do “modelo europeu”,
com a consequente falta de transformação das estruturas de governance, resultando em
baixas perspetival de crescimento a médio/longo. A opção pela adaptação formal e
mínima do projeto “Europeu” indicia que os atores locais aceitam inovações, mas não
transformação substanciais dos modelos de gestão das políticas públicas. Por último, a
abordagem do tipo aprendizagem implica a assimilação plena da oportunidade oferecida
pelo projeto europeu transposto através de alterações na substancia (em acréscimo às
transformações formais) em termos de valorização da oportunidade de desenvolvimento
de competências soft e do incremento do stock do capital social e institucional, visando-
se a potenciação ao máximo das oportunidades. A abordagem de Leonardi (2005) evoca
a análise de Löfgreen (2000) relativamente à reação de regiões periféricas ao processo
de globalização em curso. As regiões podem adotar uma abordagem defensiva baseada
numa lógica clientelista expressa na formulação “local politicians lobbying in the
corridors and canteens of national parliaments” (Löfgreen, 2000: pg. 507).
Existem também exemplos de abordagens do tipo isolacionista preocupada com
a preservação do status quo (económico, político, social), e/ou do tipo “doing nothing at
167
all”. A abordagem ativa e pró-ativa, baseada no desenvolvimento de fatores de
competitividade, embora constitua a reação-modelo no âmbito das análises teóricas do
desenvolvimento regional, não se conforma a todas as reações encontradas na
“natureza”.
A hipótese genérica avançada neste artigo considera a necessidade de investir de
forma prioritária no desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de absorção de
inovações, dadas as exigências que se colocam às RUPs. O perfil económico atual
caracteriza-se ainda por um grau elevado de tradicionalismo e de rigidez estrutural, o
que implica que os decisores atuais têm de evoluir num equilíbrio difícil entre o
desenvolvimento de novos setores e fatores de competitividade e a gestão de crises nos
setores tradicionais. O Relatório “Fatores de crescimento nas Regiões Ultraperiféricas”
não deixa de referir no que concerne à RAM que a “maior parte dos projetos
emblemáticos identificados [e em linha com as novas recomendações da política
comunitária] ainda não foram completados. São essencialmente “opções estratégicas,
mais do que projetos definitivos acompanhados por estudos preliminares”.
Refere ainda o Relatório (ver páginas 17 e seguintes da versão portuguesa do
Relatório) existirem handicaps ao nível da (baixa) qualificação dos recursos humanos,
da fragilidade patente da estrutura económica e ao papel excessivo mas necessário do
setor publico na estabilização da economia. Nota o Relatório que agentes inquiridos a
nível regional pareciam concordar sobre a necessidade de “mais desenvolvimento
sustentável e mais empregos permanentes; mudança de uma economia pública para uma
economia assente nas empresas privadas (emprego, investimentos, consumo,
transferências financeiras); impedir o declínio do desenvolvimento sustentável e mais
empregos permanentes; mudança de uma economia pública para uma economia assente
nas empresas privadas (emprego, investimentos, consumo, transferências financeiras);
impedir o declínio dos sectores tradicionais e promover atividades competitivas, de
elevado valor acrescentado, e orientadas para a exportação” (Ismeri Europa, 2011, 18).
Relativamente aos setores de futuro (Biotecnologias e exploração dos recursos
naturais (incluindo recursos marinhos); Energia; Saúde/medicina; Sector criativo e
cultural) fortemente dependentes da inovação e I&D considera-se essencial o “reforço
da Universidade da Madeira (para se atingir uma massa crítica e se desenvolverem
parcerias internacionais”. Embora se refira que a crise económica suscitou um “debate
sobre as opções futuras”, uma análise cuidadosa do Relatório permite sugerir que as
168
novas abordagens se encontram ainda numa fase muito embrionária. Exige-se portanto
às RUPS a gestão simultânea de setores tradicionais e emergentes, o que se afigura
muito mais exigente. Embora a racionalidade da abordagem comunitária seja
indiscutível, a questão que se coloca consiste em saber como potenciar a capacidade de
reação local, e a mitigação dos efeitos de “refração” constatados nas regiões da perfieria.
A capacidade de reação regional em curso poderá ser potenciada pelos
elementos de condicionalidade que estão associados aos financiamentos comunitários.
Chardas (2011) relembra que a política regional comunitária implica elementos de
“condicionalidade”, encapsulados nos princípios basilares da política comunitária
(concentração, partnership, adicionalidade e programação) e nas linhas de orientação
dos métodos de gestão (seleção de projetos), com efeitos ao nível da estrutura
institucional e dos sistemas políticos locais. As políticas estruturais têm exigido o
desenvolvimento de novas técnicas de governance, malgrado as resistências locais. A
Europeização potenciou a criação de sistemas de governance do tipo multi-nível (EU,
Estados Membros, Regiões e localidades), com o envolvimento dos atores privados a
ser entendido como oportunidade para desenvolver fatores endógenos, capacidade de
inovação e emprego nas áreas sub-desenvolvidas. Considera-se que uma das principais
vantagens dos Fundos Estruturais consistiu exatamente no fim da exclusividade dos
estados nacionais (Begg, 2008; Leonardi, 1995) na definição da política de
desenvolvimento regional e na mobilização de recursos. O esforço de Europeização
favoreceu o desenvolvimento de competências e fatores de competitividade endógenos,
baseados na formação/educação, na inovação tecnológica, na aprendizagem coletiva e
na potenciação da qualidade das medidas de política. A abordagem teórica “Europeísta”,
centrada na análise do processo de integração e da dinâmica da mudança social e
económica, assume que as estruturas institucionais, políticas e económicas
nacionais/regionais são condicionadas por pressões externas emanadas da EU, com as
divergências constatadas ao nível da adaptação local às normas comunitárias (resultados
finais) entendidas como uma função das estruturas pré-existentes.
O processo de adesão/afiliação á EU ofereceu a muitas regiões a oportunidade
de se modernizar a nível institucional e do capital social. Dado que existem razões para
recusar a hipótese que os Estados Membros e as regiões têm um papel meramente na
gestão dos programas de financiamento comunitário (Chardas (2011), exige-se um nível
intermédio na análise (suficientemente analisado no âmbito dos Estudos Europeus) e de
169
intervenção comunitária que permita ultrapassar a estabilidade notável ao nível da
arquitetura institucional e de politicas públicas na nível regional/local, para exasperação
das estruturas comunitárias. O Quadro seguinte procura catalogar as RUPS em 4
quadrantes possíveis, tendo em conta o nível de eficiência na gestão das ineficiências e
o potencial endógeno real das regiões em consideração. Ao arrepio de todas a
argumentação comunitária é de considerar existirem regiões sem viabilidade no âmbito
da nova linha de orientação comunitária por falta de capacidade de geração de massa
crítica. Trata-se no entanto de um posicionamento legitimado a nível interno e externo,
caso se minimize o volume das ineficiências exemplificadas no caso grego. A
insustentabilidade coloca-se quando as dificuldades no atingir de massa crítica se
conjugam com efeitos de refração, que conduzem à exasperação comunitária (Chardas,
2011).
Figura 1 Caracterização das RUPs em termos de potencial de desenvolvimento
(+)I
nefi
ciên
cias
Vár
ias
(Mer
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Legitimação . Incapacidade para sustentar níveis elevados de emprego baseados apenas no setor privado; Importância continua do setor público na estabilização da economia .Legitimidade para negociar manutenção dos níveis de ajuda .Necessidade de apoio financeiro ad eternum embora em montantes mínimos .Justificação plena da aplicação de medidas de coesão territorial e setorial
Sucesso .Perspetivas de desenvolvimento centradas em soluções de mercado e no setor privado (turismo, setores emergentes) .Riscos de sobre-exploração de recursos naturais .Riscos associados á crescente competição externa nos setores chave da economia (ex. turismo) e à complexidade dos riscos ambientais
Insustentabilidade .Incapacidade para sustentar níveis elevados de emprego baseados apenas no setor privado; Importância continua do setor público na estabilização da economia .Falta de “legitimidade política” para exigir fundos financeiros extras .Estagnação “institucional” e “política; incapacidade para gerir processos complexos de mitigação dos impactos de choques externos e de superação das ineficiências . .Alto nível de influência de grupos “não representativos” da sociedade, apostados na manutenção do status quo (em oposição à Europeização) em termos institucionais, políticos e económicos .Eventual progressiva degradação dos padrões de vida . Ativação de processos de seleção (altas taxas de falência), multiplicação das oportunidades
Ineficiência .Incapacidade de gerir e mitigar o impacto adversos dos cheques externos devido a processos de lock-in .Incapacidade para explorar os recursos ainda não valorizados, e para transformar o potencial de desenvolvimento em vocação empreendedora, emprego e nível de vida .Alto nível de influência de grupos “não representativos” da sociedade, apostados na manutenção do status quo (em oposição à Europeização) em termos institucionais, políticos e económicos .Ativação de processos de seleção (altas taxas de falência), multiplicação das oportunidades perdidas, baixa taxa de crescimento económico a médio e longo prazo
170
perdidas, baixa taxa de crescimento económico a médio e longo prazo
(-)Auto-sustetabilidade(+)
Dado se assumir que nem todas as regiões poderão avançar para o cenário
vencedor, exige-se portanto uma etapa intermédia que permita alargar os efeitos
positivos do acesso aos financiamentos comunitários (definida de forma relativamente
imprecisa como “Europeização”). As RUPs oscilam ainda perigosamente entre o perigo
de alargamento dos efeitos da lógica de refração (leia-se retardamento na adoção plena
da lógica comunitária através da adoção de uma mera lógica de adaptação) aos setores
emergentes e da não difusão do espírito de modernidade que caracteriza os setores
emergentes às estruturas tradicionais que continuaram a perdurar num futuro previsível.
Nesse sentido seria útil adicionar à lista de estudos, relatórios e análises da Comissão
Europeia uma abordagem aprofundada e pedagógica sobre as fontes de rigidez
institucional e outras fontes de ineficiência que caracterizaram as estruturas económicas
das RUPs, oferecendo um olhar legitimado, desapaixonado, externo e Europeísta e uma
oportunidade de aprendizagem sobre estas questões de natureza intangível mas
determinante nesta fase de desenvolvimento. Conforme refere o Relatório “Fatores de
Crescimento” (pg. 17), a Madeira em particular (e as RUPs em geral) exibiram até
recentemente um “percurso de recuperação sustentável relativamente à metrópole
portuguesa com uma elevada taxa de crescimento (PIB e PIB per capita), bom
desempenho económico e uma taxa de desemprego relativamente baixa”. A crise
económica em curso oferece a oportunidade única de iniciar a migração completa para o
cenário da legitimação e/ou sucesso baseado na Aprendizagem a Adoção Entusiástica
do Modelo Europeu. Contudo, dada a multiplicidade de responsabilidades acometidas
às RUPs, parece existirem razões para as Instituições Comunitárias ajudarem as regiões
em causa.
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