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DEBATER A EUROPA

Date post: 17-Jan-2023
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152 DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE. N.8 Janeiro/Julho 2013 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/ Debater a Europa, de um ponto de vista ultraperiférico - Alargamento versus Aprofundamento da intervenção comunitária num contexto de urgência da redefinição da identidade local António Manuel Martins de Almeida Professor Auxiliar, Centro de Competências em Ciências Sociais Universidade da Madeira E-mail: [email protected] Resumo O progressiva erosão do capital de simpatia de que as regiões ultraperiféricas (RUPs) beneficiavam enquanto espaços insulares no contexto da União Europeia, encontra-se assinalada na transformação das referidas regiões em “innovation frontrunners” (“laboratórios de ideias”, na terminologia comunitária), depois de décadas de posicionamento confortável e fortemente financiado na cauda da coesão económica e social. Embora as instituições comunitárias ainda reconheçam formalmente a vulnerabilidade das RUPs, os ecos emitidos de Bruxelas soam agora de uma forma distintivamente diferente, se comparado com o passado. Exige-se agora um comprometimento com o reforço da competitividade e com a aplicação de modelos de desenvolvimento endógeno que se afastam dos modelos neo-keynesiano que permitiram distorcer e retardar a introdução de inovações institucionais e económicas. Depois de décadas de adoção passiva de recursos, considera-se agora as RUPs como o cenário ideal para a implementação ativa de laboratórios de ideias relativa a múltiplos problemas globais (ex. exploração de recursos marinhos), com evidente interesse para o conjunto da UE. Constata-se no entanto uma escassez de linhas de orientação relativamente às condições efetivas de operacionalização de “laboratórios”, em regiões
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DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE. N.8 Janeiro/Julho 2013 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/

Debater a Europa, de um ponto de vista

ultraperiférico - Alargamento versus

Aprofundamento da intervenção comunitária num

contexto de urgência da redefinição da identidade

local

António Manuel Martins de Almeida

Professor Auxiliar, Centro de Competências em Ciências Sociais

Universidade da Madeira

E-mail: [email protected]

Resumo

O progressiva erosão do capital de simpatia de que as regiões ultraperiféricas (RUPs)

beneficiavam enquanto espaços insulares no contexto da União Europeia, encontra-se

assinalada na transformação das referidas regiões em “innovation frontrunners”

(“laboratórios de ideias”, na terminologia comunitária), depois de décadas de

posicionamento confortável e fortemente financiado na cauda da coesão económica e

social. Embora as instituições comunitárias ainda reconheçam formalmente a

vulnerabilidade das RUPs, os ecos emitidos de Bruxelas soam agora de uma forma

distintivamente diferente, se comparado com o passado. Exige-se agora um

comprometimento com o reforço da competitividade e com a aplicação de modelos de

desenvolvimento endógeno que se afastam dos modelos neo-keynesiano que permitiram

distorcer e retardar a introdução de inovações institucionais e económicas. Depois de

décadas de adoção passiva de recursos, considera-se agora as RUPs como o cenário

ideal para a implementação ativa de laboratórios de ideias relativa a múltiplos

problemas globais (ex. exploração de recursos marinhos), com evidente interesse para o

conjunto da UE. Constata-se no entanto uma escassez de linhas de orientação

relativamente às condições efetivas de operacionalização de “laboratórios”, em regiões

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localizadas nas margens da inovação económica e institucional, e com carências de

massa crítica numa série de valências cruciais para o desenvolvimento de laboratórios.

Nesse sentido o “Debater a Europa”, do ponto numa prespetiva ultraperiférica, demanda

a reinterpretação das linhas de orientação da política comunitária, em consonância com

o debate que se assiste acerca da crise do euro, de forma a introduzir questões sensíveis

de arquitetura institucional, identidade regional, “governance”, gestão da despesa

pública e otimização de recursos. Torna-se necessário transpor para o debate as

profundas implicações do novo paradigma comunitário. Na ausência de tal debate,

existe o risco evidente de banalização do enésimo programa comunitário, obscurecendo

os sinais evidentes de mudança radical no discurso comunitário.

Neste artigo, depois de revista a evolução dos programas comunitários

direcionados para as RUPs, destaca-se o reforço atual da componente de coesão

económica a expensas da componente social. Os elementos estatísticos evidenciam a

progressão constatada mas também a necessidade da continuidade do apoio à redução

do deficit de acessibilidade. Numa segunda fase, discutem-se os limites da

aplicabilidade das orientações comunitárias, que decorrem da relativa debilidade do

processo de aprendizagem que emerge da experiência comunitária. Por último, discorre-

se sobre alterações a impor nos modelos locais de interpretação das normas

comunitárias de forma a incrementar a capacidade de acomodação as transformações

em curso no contexto da União Europeia, realçando o papel chave dos processos de

aprendizagem associados aos programas comunitários. As reflexões vertidas neste

artigo oferecem alguns elementos de análise da problemática de desenvolvimento

regional e do papel chave da EU no desenvolvimento institucional da periferia ao forçar

a introdução de mudanças “radicais”. Devido à facilidade com que surgem “blind spots”

e fenómenos de isomorfismo no contexto de sociedades fechadas, argumenta-se que o

agente de transformação terá se conter uma origem externa, e que a transformação terá

de ultrapassar a mera lógica económica-contabilística dos financiamentos comunitários

para a vertente formativa.

Palavras-chave: União Europeia, Região ultraperiférica, orientações comunitárias,

programas comunitários

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Abstract The gradual erosion of the capital of sympathy that the outermost regions (RUPs)

benefited while insular spaces in the context of the European Union, is marked in the

transformation of those regions into 'innovation frontrunners’ ("think tanks" / “lab of

ideas” in EU terminology) after decades of heavily financed and comfortable

positioning on the tail of the economic and social cohesion. Although EU institutions

still formally recognize the vulnerability of the outermost regions, the echoes now

issued by Brussels sound distinctively different compared with the past. It is now

required a commitment to strengthening competitiveness and the implementation model

of endogenous development that departed from the neo-Keynesian models that allowed

distort and delayed the introduction of economic and institutional innovations. After

decades of passive adoption of resources, it is now considered that the outermost

regions are the ideal setting for the implementation of active laboratories of ideas

concerning multiple global problems (eg exploitation of marine resources), with evident

interest for the whole EU. It is noted however a lack of guidelines concerning effective

conditions for the operation of "laboratories" in regions located at the margins of

economic and institutional innovation, and with deficiencies in the number of critical

mass valences crucial to the development of laboratories In this sense "Debating

Europe", from the point of view of the outermost regions, demands the reinterpretation

of guidelines of Community policy in line with the discussion that assists the euro crisis,

in order to introduce sensitive issues of institutional architecture, regional identity,

"governance", public expenditure management and resources optimization. It is

necessary to debate the profound implications of the new community paradigm. In the

absence of such debate, there is the obvious risk of trivializing the nth Community

program, obscuring the obvious signs of radical change in the community speech.

In this paper, after reviewing the evolution of community programs targeted to the

outermost regions, we highlight the strengthening of the current economic component at

the expense of the social component. The statistical data show the progression but also

the need for continued support the reduction of the deficit of accessibility. In a second

step, we discuss the limits of applicability of the Guidelines, which arise from the

relative weakness of the learning process that emerges from the community experience.

Finally, talks over changes imposed on local models of interpretation of Community

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rules in order to increase the accommodation capacity of the transformations taking

place in the context of the European Union are taking place, highlighting the key role of

learning processes associated to the Community. The reflections shed in this article

offer some elements of analysis of the problem of regional development and the key

role of the EU in the institutional development of the outermost regions to force the

introduction of "radical" changes. Due to the ease with which "blind spots" and

phenomena of isomorphism arise in the context of closed societies, it is argued that the

change agent will have to contain an external source, and that the transformation must

go beyond the simply economic-accounting logic of the Community funding to the

training strand.

Keywords: EU, Outermost Region, guidelines, community programs

1.Introdução

O território da EU 1 engloba um conjunto de regiões definidas como

ultraperiféricas, englobando as Canárias, Guadalupe, Guina, Martinica, Reunião,

Madeira e Açores. As especificidades destas regiões no contexto da EU, tal como deriva

do artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE), é assumida como

fator de condicionamento do desenvolvimento económico e social. O referido artigo

enumera fatores tais como “o afastamento, a insularidade, o relevo e clima adversos, a

dependência em relação a apenas algumas produções locais” (Comissão Europeia, 2012,

pg. 4; Fernández e Martín-Cejas, 2009), como fatores identificativos da realidade

ultraperiférica. Em decorrência dos impactos negativos, a EU tem admitido a adoção de

um conjunto de medidas específicas adaptadas à realidade das RUPs, no sentido de

proporcionar uma maior igualização das oportunidades de desenvolvimento territorial.

As RUPs beneficiaram de um capital de simpatia, e portanto de uma

discriminação positiva num contexto de integração caracterizado pela harmonização e

integração política e económica. O conjunto de medidas adotadas permitiram às RUPs

colmatar alguns dos atrasos constatados em termos em termos de infraestruturas e

atingir níveis de desenvolvimento económico muito razoáveis. Contudo o

distanciamento geográfico face às regiões centrais da Europa e a fragilidade patente nas

1 A compilação de tratamento de dados estatísticos foi assegurada por Fábia Camacho, mestranda do

Mestrado em Matemática da Universidade da Madeira.

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condições socioeconómicas, são realidades ainda presentes e reconhecidas na

documentação comunitária. As economias ultraperiféricas apresentam ainda um perfil

de especialização muito marcado e caracterizado por reduzida diversificação e portanto

por demasiada exposição aos choques externos (Planistat Europe, 2003),. Após décadas

de apoios comunitários substanciais, as RUPs confrontam-se com desafios que exigem

um nível qualitativo de resposta inaudito face à experiência do passado. Daí que se

procure explicitar nesta comunicação que as instituições comunitárias precisam de

exercer pressão e adotar um papel pedagógico ao nível da arquitetura institucional e

identitária das RUPs.

2-A política comunitária para as RUPs

Tal como referido cima as RUPs foram objeto de apoios (transferências

financeiras) substanciais. As medidas específicas adaptadas à realidade das RUPS

centram-se na exploração das potencialidades dos diversos instrumentos de

desenvolvimento regional comunitário, nomeadamente do Fundo Europeu de

Desenvolvimento Regional (FEDER), centrado na mitigação dos handicaps resultantes

da insularidade (custos suplementares).

O Fundo Social Europeu (FSE) e o investimento público via Fundo de Coesão

foram também relevantes. No entanto as RUPs foram também objeto de apoio nas

pescas, na agricultura e na generalidade dos setores, através de financiamentos

disponibilizados via Fundo Europeu das Pescas (FEP), Fundo Europeu Agrícola de

Desenvolvimento Sustentável (FEADER) e Programa de Opções Específicas para o

Afastamento e Insularidade (POSEI) (Oréade Brèche, 2006). Este último, focada em

exclusivo nas RUPs visou apoiar “a produção, à transformação e à comercialização dos

produtos agrícolas das RUP, constituindo o primeiro pilar da política comum no

domínio da agricultura para estas regiões” (Comissão Europeia, 2012,4; Mira, 2011;

Monfort, 2009). As RUPs beneficiam ainda de quatro programas de “cooperação

transnacional e fronteiriça” no período 2007-2013. De acordo com a brochura “The

Outermost Regions European regions of assets and opportunities”, os programas em

questão referem-se: “ao programa «MAC» que reúne a Madeira, os Açores, as Canárias

e os países vizinhos da África Ocidental; ao programa «INTERREG – Caraíbas» entre a

Martinica, a Guadalupe, São Martinho, a Guiana e os Estados da região das Caraíbas; ao

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programa «Oceano Índico» que associa a Reunião e os Estados vizinhos do oceano

Índico; e ao programa «Amazónia» entre a Guiana, o Suriname e os Estados

amazónicos do Nordeste do Brasil (Amapa, Para e Amazonas)”. Alerta ainda a referida

brochura que o 7.º Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento “prevê

disposições específicas para apoiar o potencial das RUP e melhorar o seu acesso ao

Espaço Europeu de Investigação”. Para além dos programas atrás referidos, é de

salientar que a legislação comunitária permite adaptações especiais no que respeita aos

auxílios estatais (artigo 107, nº3, alínea do do TFUE) è a fiscalidade. Caso se considere

que as políticas de transporte, energia, TICs e relações comerciais foram também objeto

de adaptação específica, torna-se mais fácil perceber em que medida este conjunto de

medidas permitiu às RUPs desfrutar de níveis de ajuda per capita dos mais elevados no

contexto da EU. O quadro 1 evidencia a dimensão da ajuda per capita, tendo em conta

os três programas mais populares no contexto da EU: FEDER, FSE e FEADER. Os

dados referentes ao Quadro de Apoio 2007-2013 indiciam que as RUPs portugueses

como especialmente favorecidas caso se considerem os montantes numa lógica per

capita: 5900 euros (mais 270% face à média das RUPs) no caso dos Açores e 2524

(mais 58% face à média das RUPs) no caso da Madeira. Valores relativos ao período

1990-1994 evidenciam o fator de discriminação positiva das RUPs face às outras

Regiões Objetivo 1.

Quadro 1: Ajuda per capita: 2007-2013

Açores

Ilhas

Canárias Guadalupe Guiana Madeira Martinica Reunião Totais

FEDER 966300 1019300 542700 305100 320500 417100 1014300 4585300

FSE 190000 117300 185200 100000 125400 97800 516900 1332600

FEADER 294000 154000 142000 76500 179000 103200 329400 1278100

Total 1450300 1290600 869900 481600 624900 618100 1860600 7196000

População

(2011) 245811 2100229 448961 236250 247568 395953 839480 4514252

Ajuda pc 5900,1 614,5 1937,6 2038,5 2524,2 1561,0 2216,4 1594,1

Quadro 2: Transferências financeiras da EU (Valor Médio Habitante) (1990-1994)

Região Programas Específicos RUP Todos os Progra,as DOM (Territórios Franceses) 2000 euros … RAM (Madeira) 2900 euros 3,442 euros

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RAA (Açores) 3600 euros 4,163 euros Ilhas Canárias 1100 euros 1,642 euros Regiões Objetivo 1 1,500 euros

Constatada a discriminação positiva das RUps, importa ter em conta que ama

análise dos documentos emanados da Comissão Europeia sugere que a politica

comunitária relativa às RUPs sofreu alterações de monta, relativamente à versão datada

dos anos 90, mais consentânea com a multiplicação das ajudas públicas e com uma

abordagem redistributiva e assistencialista. Obviamente que o enquadramento da RUPs

deve ser analisado no contexto da evolução geral da política de desenvolvimento

regional comunitária (Copus, 2001; Copus e Cabtree, 1996; Copus e Skuras, 2006),

muito distante da lógica de igualização de oportunidades e compensação das condições

da procura nas regiões problemáticas, através do investimento público em larga escala e

da sustentação do rendimento. A partir dos anos 90 a política de desenvolvimento

regional passou a focar problemas de competitividade regional e crescimento

económico, a expensas da abordagem redistributiva e/ou do foco na infraestruturação. A

política de desenvolvimento regional passou a comportar elementos de planificação,

programação e reconhecimento de efeitos sistémicos, centrado no desenvolvimento de

fatores endógenos e na criação de potencialidades e capacidades propiciadoras de

condições ideias para o desenvolvimento dos negócios, inovação e empreendedorismo.

Após décadas de intervenção central e/ou local em exclusivo, o acesso a

financiamentos passou a exigir a adoção de modelos de governance multi-nível, com

vários intervenientes, níveis de governos e atores privados, abordagem que se veio a

verificar muito complexa em países com historial de centralismo e ditadura. O período

em análise caracteriza-se também pelo fato de a maioria dos países da OCDE ter

reacendido o interesse na política de desenvolvimento regional, dada a importância que

as regiões assumem em termos de crescimento económico (Rodriguez-Pose, 1998;

OECD, 2010 ). Contudo, a exemplo do constatado noutras latitudes insulares, as RUPs

beneficiaram de um “período de carência” na adoção pela das novas orientações, por

força da adesão tardia dos países membros. Murray (2001) chama a tenção para o fato

as vantagens geo-estratégicas do Pacifico Sul terem permitido retardar a introdução da

agenda neo-liberal, dada a continuação dos fluxos de ajuda externa canalizados para a

produção de “setores públicos sobredimensionados” (Murray, 2001: pg. 13), do que

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resultou a dinamização das economia locais com base em transferências financeiras e o

abrandar do nível da urgência acordada à introdução de inovações.

Tal como referido acima, a política regional comunitária atual caracteriza-se por

formatos decisionais (objetivos, instrumentos, métodos de avaliação e controlo),

institucionais (governance) e por “outcomes” sofisticados, caso se considere as fases

iniciais (anos 70) e a prática da administração pública nos países da Europa do Sul

(Sotiropoulos, 2004a; Sotiropoulos, 2004b; Rodriguez-Pose, 2001; Rodriguez-Pose,

1998). Ao nível das RUPs, a mudança de paradigma também se fez sentir. A partir de

2004, a Comissão Europeia passou a enquadrar o desenvolvimento das RUPs no

contexto de uma parceira a envolver instituições comunitárias, Estados Membros e as

RUPs, visando 3 prioridades: a redução dos deficits em termos de acessibilidade,

incrementos ao nível da competitividade e um aprofundamento da integração regional.

Enquanto as “prioridades” acessibilidades e competitividade assegura um espaço

de continuidade semântico, a alteração na terminologia/semântica adotada não deixa

duvidas, caso se considere o eixo “integração regional”. As RUPs passaram a ser

convidadas a apostar na integração regional, aumentando a capacidade exportadora e a

autossuficiência económica. Mais alterações de conteúdo e semântica seriam

introduzidas em documentos posteriores. Por exemplo, o Relatório “As RUPs e o

Mercado Único2 em 2007”, explicita o enriquecimento da estratégia comunitária com a

integração de medidas complementares (que constam do Documento de Trabalho dos

Serviços da Comissão, Anexo à Comunicação da Comissão Evolução e balanço da

estratégia para as regiões ultraperiféricas COM(2007) 507. Em 2008, a estratégia

comunitária é revista com a renovação do compromisso comunitário baseado na

mudança de paradigma que se consta nos documentos anteriores (European

Commission, 2008). Na análise contextual é agora integrado o impacto de novos

desafios enfrentados pelas RUPs, nomeadamente globalização, alterações climáticas,

imigração e outras alterações demográficas e a problemática do desenvolvimento

sustentável dos recursos naturais tais como os recursos marinhos, o que enriquece a

caracterização contextual das RUPs (European Commission, 2004; European

2 No original em ingles, As Regiões Ultraperiféricas Europeias no Mercado Único: a projeção da EU no mundo, Relatório do Membro da Comissão Europeia Michel Barnier apresentado por Pedro Solbes Mira, de 2011, página 13

160

Commission, 2007; European Commission, 2010; Marie e Rallu, 2012) . Os Relatórios

indica como linha de rumo para as RUPs a exploração de recursos endógenos de forma

a valorizar os trunfos locais enquanto “alavancas” da aposta em sectores de elevado

valor acrescentado visando um “crescimento mais autónomo e auto-suficiente” (Ismeri

Europa, 2011, 1). Os sectores identificados, a saber, agro-alimentar, biodiversidade,

energias renováveis, astrofísica, aeroespacial, oceanografia, vulcanologia e sismologia,

mas também “o papel enquanto postos avançados da UE no mundo” distanciam-se das

preocupações setoriais vertidas no Programa POSEI, muito centradas no sector primário.

A simples enumeração dos setores permite sugerir a transformação do papel das

RUPs, com a correspondente migração da categoria de região problema para a categoria

de região de oportunidades. Os estudos e relatórios comunitários continuam a enfatizar

a semântica tradicional ao pugnar pela “avaliação correta das consequências da

aplicação das políticas europeias nas RUP, em particular nos estudos de impacto que

acompanham as suas propostas”. Contudo a aposta em setores como potencial cientifico,

nas áreas das energias renováveis, biodiversidade, agricultura, riqueza marítima, saúde,

TIC, património cultural, cooperação territorial e política de vizinhança seria mais

facilmente associada às regiões desenvolvidas da Europa. Existem obviamente razões

que permitem justificar as opções retidas. Refere o Relatório “As regiões

ultraperiféricas da União Europeia: Parceria para um crescimento inteligente,

sustentável e inclusivo” (COM(2012) 287 final), que as RUPs albergam metade “zona

económica exclusiva (ZEE) da UE, com uma reserva potencial dos recursos marinhos

aproximada dos 15 milhões de km²”, o que oferece um “laboratório marítimo de

profundidade único, que pode ser explorado pela UE em domínios como a segurança

alimentar, a luta contra as alterações climáticas, a energia e a biotecnologia” (European

Commission, 2010). As RUPs encerram também potencialidades obvias nos domínios

do turismo e da biodiversidade. Por outro lado não deixa de ser “interessante” que a re-

definição do papel das RUPs, agora re-definidas como regiões-oportunidades, remete

para um passado remoto (Sec. XV) caracterizado por grande experimentação

tecnológica, económica e social na Atlântico Norte.

Não contestando obviamente a racionalidade indisputável subjacente à

abordagem comunitária, que encerra um elemento de ritual encantatório (Labour e

Perreur, 1998), não pode deixar de ser referido que a informação estatística disponível e

a generalidade dos análise SWOT apresentada nos próprios relatórios comunitários

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sugerem que a estrutura económica local e a capacidade competitiva empresarial

dificilmente comportará níveis elevados de experimentalismo. A experiência

empresarial local afasta-se das generalizações presentes na maioria dos estudos

centrados noutras latitudes, (Jarvis et al, 2006, 152), o que sugere dificuldades ao nível

da validade/aplicabilidade dos modelos teóricos tradicionais. Um exemplo da

necessidade de considerar o impacto da re-formulação e modulação das políticas

comunitárias é avançada por Hoggart e Paniagua (2001: pg. 63), críticos “do

enviesamento a favor do mundo anglo-saxónico, evidente na literatura sobre o processo

de restruturação rural, enviesamento esse que também se estende às relações de

produção do tipo capitalista”. Em consequência é contestada a transferência automática

das generalizações teóricas prevalecentes no contexto anglo-saxónico para o processo

de estruturação em curso na altura nas zonas rurais da Andaluzia. Num contexto

geográfico e sectorial diferenciado (Reino Unido), North e Smallbone (2006: pg. 45)

entendiam também a transferência de políticas comunitárias, como problemáticas, sem

as necessárias adaptações. O Estudo “Factores de Crescimento nas RUPs”, embora

concordando com todo o potencial que os novos setores emergentes oferecem, não

deixa de referir tratar-se de um cenário muito mais exigente, em termos de fatores de

competitividade e de competências científicas e tecnológicas. Constata o Relatório a

ausência de massa crítica e de uma base industrial tecnologicamente avançada propicia

ao desenvolvimento de novos fatores de competitividade. Refere ainda o relatório que

as regiões em apreço têm usufruído de níveis de proteção e de subsidiação, com reflexos

sobre o tecido industrial e da lógica empresarial, incompatíveis como o novo cenário.

Fitzgerald (2006) nota a existência de expectativas de curto prazo muito irrealistas sobre

o impacto da política de coesão, com a desconsideração dos desfasamentos temporais a

incluir nas análises econométricas quando se analisa o impacto da política estrutural no

crescimento económico. A requalificação de uma região (abandono do

subdesenvolvimento ou reversão do declínio) exige por vezes décadas de progressos

“lentos e dolorosos”: Pelo contrário as expectativas dos atores políticos e da sociedade

civil podem ser enquadradas num horizonte temporal restrito (meses/anos).

A título de reforço da premissa expressa no paragrafo anterior, é relevante ter em

conta algumas as dificuldades subjacentes ao up-grade instantâneo de capacidades de

aprendizagem dinâmica, numa ótica empresarial. As abordagens teóricas relativas ao

desenvolvimento de competências sugerem a necessidade de empreender exercícios de

162

assimilação, experimentação e de exploração de novas competências num contexto de

estabilidade e certeza relativa e de evitar a gestão simultânea de choques externos e de

adoção de inovações. Hempell (2005, 285) refere que “a adoção de inovações segue

frequentemente uma lógica sequencial, com as soluções implementadas em fases

anteriores a suportar a resolução de problemas na fase seguinte”. Assim é recomendado

o desenvolvimento gradual e sequencial das capacidades de aprendizagem/tecnológica

de forma a potenciar a capacidade de adaptação e de resposta aos choques externos. A

economia da inovação reforça a ideia de que o desenvolvimento das capacidades de

aprendizagem ao nível empresarial resultam da experiencia como a adaptação de

inovações no passado. Nesse sentido o conceito de “capacidade de absorção”,

desenvolvido por Cohen e Levinthal (1989) oferece valor interpretativo para a realidade

regional e para a necessidade de considerar uma dimensão de aprendizagem de adoção

de inovações. O argumento central de Cohen e Levinthal (1989) refere que a inovação

empresarial, gera para além de novos fluxos de informação, capacidades crescentes de

análise e interpretação conhecimento externo. Sugere-se ainda que quanto maior o stock

de conhecimento e de experiências de aprendizagem, maior a capacidade de

compreensão das tendências tecnológicas e de mercado, e menor o risco na adoção de

inovações/investimentos na área de expertise da empresa (Cohen e Levinthal, 1990;

Dierickx e Cool, 1989). È útil também considerar que existem razões para crer que a

inovação potencia a acumulação de valor intangível e vantagens competitivas na forma

de ´asset mass efficiencies´ ( relativa às vantagens de que desfrutam as empresas que

acumulam capacidade de adoção de inovações e investimentos, em termos de menores

custos marginais de adoção de inovações extras) e ´time compression economies´ que

chama a atenção para o fato de que a adoção de determinadas inovações, sobretudo na

esfera do intangível, não poder ser acelerada no tempo, a não ser `custa de custos

insuportáveis. As observações anteriores sugerem que os atrasos na esfera da inovação e

da adoção de tecnologia tornam difícil os esforços de catch-up. Em consequência, a

economia da inovação sugere a aquisição interna de competências ao longo do tempo,

experimentando-se de forma gradual conceitos complexos e novas soluções

tecnológicas, aumentando a capacidade resposta e de gestão de crises e de choques

externos inesperados na envolvente externa. As dificuldades que o processo encerra

levam o referido relatório a considerar que a aposta nos setores estratégicos acima só

poder ser considerada como efetiva no longo prazo.

163

3-Por uma nova abordagem comunitária para as RUPs

Aceitando que a lógica comunitária é indiscutível, importa analisar em que

contexto se pode otimizar o desenvolvimento de competências para encurtar o horizonte

temporal de médio prazo. Nesse sentido será útil ter em conta a observação de North e

Smallbone (2006: pg.44) (“na Grécia e em Portugal praticamente não existe política

regional a não ser a que é financiada por programas comunitários”), o que nos remete

para o condicionamento genérico das políticas de desenvolvimento regional

nacionais/regionais pelas instâncias comunitárias. A evidência disponível sugere que as

regiões da periferia da Europa, conseguiram introduzir o que Waesche (2003: pg. 5)

denomina de “efeito de distorção das instituições nacionais nas oportunidades de

inovação” (Ver também Labrianidis e Kalogeressis, 2006). Os atores locais

(nacionais/regionais) conseguiram retardar o efeito de choques externos a através da

“interpretação (refração) local de tais eventos” de forma a manter o status quo em

termos da administração pública em geral e do processo de tomada de decisão em

particular. Oltehten et al (2003) analisaram os impactos (globalmente positivos) da

Adesão da Grécia à CEE na esfera do desenvolvimento institucional e de formulação de

políticas. Em linha com a constatação de Dodescu e Chiril (2012) relativamente à

Roménia, estruturas de governance modernas foram apenas introduzidas no período

pós-adesão e em resultado de imperativos comunitários. Importa relembrar neste ponto

a importância crescente que é atribuído a factores de competitividade intangíveis, como

o capital social e institucional, em termos de crescimento económico. O principal efeito

da adesão à CEE residiu na redução deficiências estruturais várias (nomeadamente em

termos de capital social) e com reflexos vários sobre o potencial de crescimento

económico. Os programas de ajustamento na fase pré-adesão ao EURO implicaram uma

gestão do lado da oferta, o que representou uma mudança substancial face ao paradigma

de desenvolvimento anterior, o que em conjugação com a implementação das políticas

comuns, levaram a uma melhoria da eficiência na definição/implementação de medidas.

No que concerne ao caso grego, Oltehten et al (2003) referem a título de

exemplo os maiores níveis de competição em mercados de bens e serviços em geral,

trabalho e financeiro que operavam sujeitos a ambientes regulatórios inflexíveis.

Contudo a adoção relutante de várias linhas de orientação comunitária acabaram por se

164

traduzir numa falta de eficiência na gestão de recursos e em crescimento económico

anémico durante os anos 80. Paraskevopoulos (2005) situa também as dificuldades de

adoção plena do modelo comunitário ao nível impacto do modelo de gestão

pública/organização do estado do tipo Francês/Napoleónico/burocrático, tido por

ineficiente na gestão de fundos comunitários (Nanetti et al. 2004). No entanto, e apesar

as imperfeições, o autor concordam que a política regional comunitária introduziu

efeitos de modernidade e de Europeização, ao atenuar o impacto da fraca capacidade

institucional do Estado e da falta de confiança na instituições publicas, e ao potenciar

ana resistência a práticas clientelistas (no que Sotiropoulos (2004 designa por

clientelism at the bottom’ e Paraskevopoulos (2005, 464) designa por “burden’ of

deeply rooted patterns of behaviour and practices inherited from the past decades of

statism, political clienteles and populismo”. Chardas (2011) concorda com a apreciação

anterior ao referir os modelos padrões administrativos/políticos pré-adesão como fatores

cruciais no limitar o impacto da política comunitário ao nível institucional e da

participação de todos os agentes socioeconómicos (Leonardi, 2005). Andreou (2009)

também baseado no exemplo grego considera que a politica de coesão potenciou um

salto qualitativo ao nível das políticas domésticas e regionais em termos de objetivos,

implementação e arquitetura institucional. Importa referir que as dificuldades sentidas

na adaptação a novo paradigma de desenvolvimento económico por parte da Grécia, e

as tentativas de colmatar os atrasos em áreas sensíveis, terão sido “sentidas” noutros

contextos. Tais dificuldades poderão explicar a aposta no desenvolvimento de

infraestruturas, o que Rodriguez- Pose (2002, 106) denomina de (e cite-se do original)

“relatively easy and low risk strategy for regional politicians, akin to the one used - with

a strikingly similar lack of immediate results - in the Italian Mezzogiorno during the

post-war decades”.

A constatação que a problemática do desenvolvimento nacional e regional na

periferia da Europa englobava fatores e idiossincrasias locais, e uma dose q.b. de

resistência ao normativo comunitário, suscitou o interesse dos académicos no papel

chave dos Fundos Estruturais como fator de modernização e de Europeização.

Papadopoulou et al (2011) referem a estima suscitada pelo programa LEADER junto

dos académicos, devido à conceptualização do mesmo como veículo social de

fortalecimento da participação da sociedade civil e do potenciar da governance local e

mesmo de fator chave para “estruturar uma nova ordem social através da alteração das

165

relações de poder a nível local”. O programa LEADER foi portanto associado à

aprendizagem democrática e à valorização dos aspetos de governance local/endógena do

processo. Os objetivos do Programa LEADER ultrapassavam em muito a mera criação

de emprego nas áreas rurais para englobar metas da adoção de inovações, criação de

redes e capacidades de organização, e funcionalidade e inter-setoralidade a nível

político-administrativo. Roberts (2003) refere de igual modo que os programas

comunitários de desenvolvimento regional visavam mais do que a simples incremento

das ajudas públicas, dado visarem também a introdução de novos modelos, métodos e

vias de produção do planeamento, desenvolvimento e gestão das políticas regionais.

Numa análise do futuro da política de coesão nas regiões ricas da Europa, Begg

(2009) considera que a política de desenvolvimento to regional deveria permitir

desenvolvimento a nível político através da melhoria da tomada de decisão, do “melhor

aproveitamento dos fundos públicos” e da “legitimação” junto da sociedade civil (Begg,

2008; Farrell, 2004).

O pós-adesão em geral, e a política de infra-estruturação em particular,

caracterizaram-se (melhor, existiam expetativas de que se caracterizariam) pela

introdução de elementos de modernidade e aprendizagem através de pressões externas

(leia-se necessidade de conformidade às regras comunitárias, traduzidas através de

processos de aprendizagem “learning from past successes and failures” (resultando em

menor ou maior sucesso na gestão de determinados programas e quadros de apoio) e

“learning from abroad” (através da análise comparativa da performance de outros países

da Coesão). Relativamente à Grécia, Paraskevopoulos (2005, 464) salienta o facto de o

processo de aprendizagem se caracterizar no essencial por aprendizagem do tipo “single

loop/consequentialism” (centrados numa lógica de auditoria e controlo ao melhorar os

indicadores de performance na aplicação dos fundos comunitários) e não em processos

de aprendizagem social (englobando saltos qualitativos na interpretação e solução de

problemas). O autor remete o insucesso do processo para as deficiências ao nível “social

learning” na esfera institucional e da formulação de políticas. A existência de baixos

índices de capital social conducente ao desenvolvimento de uma cultura de cooperação,

partilha de informação, e a fragilidade das networks e envolvimento do setor

privado/social civil no desenho/implementação de política foram considerados também

fatores relevantes. Constata-se portanto um “problema” de resistência/inadaptação.

166

Terluin (2003) num exercício de análise dos processos de “restruturação rural”

remete para a interligação entre fatores locais e externos, assumindo também que as

alterações registadas a nível local resultam do peso relativo das forças externas e da

capacidade de reposta local. De acordo com Bor et al (1997) a qualidade da resposta

local depende de fatores como a arquitetura institucional, a história e a liderança da

região, e em última análise da perceção dos agentes locais relativamente à natureza do

choque externo (interpretável como oportunidade ou ameaça). Embora Terluin (2003,

328) considere que as regiões incapazes de alterar de forma significativa a dinâmica

externa, cabe-lhes ainda assim um papel de monta no granular e refinar as “cores” do

processo. A questão que se deve colocar neste ponto é a de considerar os casos em que o

conjunto de fatores/condições iniciais (condições políticas gerais, existência de atores

relevantes e envolvimento de atores locais em redes internas e externas, “auto-

capacidade” de trabalhadores e empregadores e de eleitos locais na definição partilhada

de políticas e de valorização de recursos endógenos e do capital-conhecimento local) se

afastam muito do mix ideal em termos da adaptação das políticas comunitárias

(Martinico, 2009).

Leonardi (2005) refere existirem três reações tipo às diretivas comunitárias. A

primeira abordagem consiste numa rejeição mais ou menos aberta do “modelo europeu”,

com a consequente falta de transformação das estruturas de governance, resultando em

baixas perspetival de crescimento a médio/longo. A opção pela adaptação formal e

mínima do projeto “Europeu” indicia que os atores locais aceitam inovações, mas não

transformação substanciais dos modelos de gestão das políticas públicas. Por último, a

abordagem do tipo aprendizagem implica a assimilação plena da oportunidade oferecida

pelo projeto europeu transposto através de alterações na substancia (em acréscimo às

transformações formais) em termos de valorização da oportunidade de desenvolvimento

de competências soft e do incremento do stock do capital social e institucional, visando-

se a potenciação ao máximo das oportunidades. A abordagem de Leonardi (2005) evoca

a análise de Löfgreen (2000) relativamente à reação de regiões periféricas ao processo

de globalização em curso. As regiões podem adotar uma abordagem defensiva baseada

numa lógica clientelista expressa na formulação “local politicians lobbying in the

corridors and canteens of national parliaments” (Löfgreen, 2000: pg. 507).

Existem também exemplos de abordagens do tipo isolacionista preocupada com

a preservação do status quo (económico, político, social), e/ou do tipo “doing nothing at

167

all”. A abordagem ativa e pró-ativa, baseada no desenvolvimento de fatores de

competitividade, embora constitua a reação-modelo no âmbito das análises teóricas do

desenvolvimento regional, não se conforma a todas as reações encontradas na

“natureza”.

A hipótese genérica avançada neste artigo considera a necessidade de investir de

forma prioritária no desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de absorção de

inovações, dadas as exigências que se colocam às RUPs. O perfil económico atual

caracteriza-se ainda por um grau elevado de tradicionalismo e de rigidez estrutural, o

que implica que os decisores atuais têm de evoluir num equilíbrio difícil entre o

desenvolvimento de novos setores e fatores de competitividade e a gestão de crises nos

setores tradicionais. O Relatório “Fatores de crescimento nas Regiões Ultraperiféricas”

não deixa de referir no que concerne à RAM que a “maior parte dos projetos

emblemáticos identificados [e em linha com as novas recomendações da política

comunitária] ainda não foram completados. São essencialmente “opções estratégicas,

mais do que projetos definitivos acompanhados por estudos preliminares”.

Refere ainda o Relatório (ver páginas 17 e seguintes da versão portuguesa do

Relatório) existirem handicaps ao nível da (baixa) qualificação dos recursos humanos,

da fragilidade patente da estrutura económica e ao papel excessivo mas necessário do

setor publico na estabilização da economia. Nota o Relatório que agentes inquiridos a

nível regional pareciam concordar sobre a necessidade de “mais desenvolvimento

sustentável e mais empregos permanentes; mudança de uma economia pública para uma

economia assente nas empresas privadas (emprego, investimentos, consumo,

transferências financeiras); impedir o declínio do desenvolvimento sustentável e mais

empregos permanentes; mudança de uma economia pública para uma economia assente

nas empresas privadas (emprego, investimentos, consumo, transferências financeiras);

impedir o declínio dos sectores tradicionais e promover atividades competitivas, de

elevado valor acrescentado, e orientadas para a exportação” (Ismeri Europa, 2011, 18).

Relativamente aos setores de futuro (Biotecnologias e exploração dos recursos

naturais (incluindo recursos marinhos); Energia; Saúde/medicina; Sector criativo e

cultural) fortemente dependentes da inovação e I&D considera-se essencial o “reforço

da Universidade da Madeira (para se atingir uma massa crítica e se desenvolverem

parcerias internacionais”. Embora se refira que a crise económica suscitou um “debate

sobre as opções futuras”, uma análise cuidadosa do Relatório permite sugerir que as

168

novas abordagens se encontram ainda numa fase muito embrionária. Exige-se portanto

às RUPS a gestão simultânea de setores tradicionais e emergentes, o que se afigura

muito mais exigente. Embora a racionalidade da abordagem comunitária seja

indiscutível, a questão que se coloca consiste em saber como potenciar a capacidade de

reação local, e a mitigação dos efeitos de “refração” constatados nas regiões da perfieria.

A capacidade de reação regional em curso poderá ser potenciada pelos

elementos de condicionalidade que estão associados aos financiamentos comunitários.

Chardas (2011) relembra que a política regional comunitária implica elementos de

“condicionalidade”, encapsulados nos princípios basilares da política comunitária

(concentração, partnership, adicionalidade e programação) e nas linhas de orientação

dos métodos de gestão (seleção de projetos), com efeitos ao nível da estrutura

institucional e dos sistemas políticos locais. As políticas estruturais têm exigido o

desenvolvimento de novas técnicas de governance, malgrado as resistências locais. A

Europeização potenciou a criação de sistemas de governance do tipo multi-nível (EU,

Estados Membros, Regiões e localidades), com o envolvimento dos atores privados a

ser entendido como oportunidade para desenvolver fatores endógenos, capacidade de

inovação e emprego nas áreas sub-desenvolvidas. Considera-se que uma das principais

vantagens dos Fundos Estruturais consistiu exatamente no fim da exclusividade dos

estados nacionais (Begg, 2008; Leonardi, 1995) na definição da política de

desenvolvimento regional e na mobilização de recursos. O esforço de Europeização

favoreceu o desenvolvimento de competências e fatores de competitividade endógenos,

baseados na formação/educação, na inovação tecnológica, na aprendizagem coletiva e

na potenciação da qualidade das medidas de política. A abordagem teórica “Europeísta”,

centrada na análise do processo de integração e da dinâmica da mudança social e

económica, assume que as estruturas institucionais, políticas e económicas

nacionais/regionais são condicionadas por pressões externas emanadas da EU, com as

divergências constatadas ao nível da adaptação local às normas comunitárias (resultados

finais) entendidas como uma função das estruturas pré-existentes.

O processo de adesão/afiliação á EU ofereceu a muitas regiões a oportunidade

de se modernizar a nível institucional e do capital social. Dado que existem razões para

recusar a hipótese que os Estados Membros e as regiões têm um papel meramente na

gestão dos programas de financiamento comunitário (Chardas (2011), exige-se um nível

intermédio na análise (suficientemente analisado no âmbito dos Estudos Europeus) e de

169

intervenção comunitária que permita ultrapassar a estabilidade notável ao nível da

arquitetura institucional e de politicas públicas na nível regional/local, para exasperação

das estruturas comunitárias. O Quadro seguinte procura catalogar as RUPS em 4

quadrantes possíveis, tendo em conta o nível de eficiência na gestão das ineficiências e

o potencial endógeno real das regiões em consideração. Ao arrepio de todas a

argumentação comunitária é de considerar existirem regiões sem viabilidade no âmbito

da nova linha de orientação comunitária por falta de capacidade de geração de massa

crítica. Trata-se no entanto de um posicionamento legitimado a nível interno e externo,

caso se minimize o volume das ineficiências exemplificadas no caso grego. A

insustentabilidade coloca-se quando as dificuldades no atingir de massa crítica se

conjugam com efeitos de refração, que conduzem à exasperação comunitária (Chardas,

2011).

Figura 1 Caracterização das RUPs em termos de potencial de desenvolvimento

(+)I

nefi

ciên

cias

Vár

ias

(Mer

cado

, Ins

tituc

iona

l, C

apita

l Soc

iial (

-)

Legitimação . Incapacidade para sustentar níveis elevados de emprego baseados apenas no setor privado; Importância continua do setor público na estabilização da economia .Legitimidade para negociar manutenção dos níveis de ajuda .Necessidade de apoio financeiro ad eternum embora em montantes mínimos .Justificação plena da aplicação de medidas de coesão territorial e setorial

Sucesso .Perspetivas de desenvolvimento centradas em soluções de mercado e no setor privado (turismo, setores emergentes) .Riscos de sobre-exploração de recursos naturais .Riscos associados á crescente competição externa nos setores chave da economia (ex. turismo) e à complexidade dos riscos ambientais

Insustentabilidade .Incapacidade para sustentar níveis elevados de emprego baseados apenas no setor privado; Importância continua do setor público na estabilização da economia .Falta de “legitimidade política” para exigir fundos financeiros extras .Estagnação “institucional” e “política; incapacidade para gerir processos complexos de mitigação dos impactos de choques externos e de superação das ineficiências . .Alto nível de influência de grupos “não representativos” da sociedade, apostados na manutenção do status quo (em oposição à Europeização) em termos institucionais, políticos e económicos .Eventual progressiva degradação dos padrões de vida . Ativação de processos de seleção (altas taxas de falência), multiplicação das oportunidades

Ineficiência .Incapacidade de gerir e mitigar o impacto adversos dos cheques externos devido a processos de lock-in .Incapacidade para explorar os recursos ainda não valorizados, e para transformar o potencial de desenvolvimento em vocação empreendedora, emprego e nível de vida .Alto nível de influência de grupos “não representativos” da sociedade, apostados na manutenção do status quo (em oposição à Europeização) em termos institucionais, políticos e económicos .Ativação de processos de seleção (altas taxas de falência), multiplicação das oportunidades perdidas, baixa taxa de crescimento económico a médio e longo prazo

170

perdidas, baixa taxa de crescimento económico a médio e longo prazo

(-)Auto-sustetabilidade(+)

Dado se assumir que nem todas as regiões poderão avançar para o cenário

vencedor, exige-se portanto uma etapa intermédia que permita alargar os efeitos

positivos do acesso aos financiamentos comunitários (definida de forma relativamente

imprecisa como “Europeização”). As RUPs oscilam ainda perigosamente entre o perigo

de alargamento dos efeitos da lógica de refração (leia-se retardamento na adoção plena

da lógica comunitária através da adoção de uma mera lógica de adaptação) aos setores

emergentes e da não difusão do espírito de modernidade que caracteriza os setores

emergentes às estruturas tradicionais que continuaram a perdurar num futuro previsível.

Nesse sentido seria útil adicionar à lista de estudos, relatórios e análises da Comissão

Europeia uma abordagem aprofundada e pedagógica sobre as fontes de rigidez

institucional e outras fontes de ineficiência que caracterizaram as estruturas económicas

das RUPs, oferecendo um olhar legitimado, desapaixonado, externo e Europeísta e uma

oportunidade de aprendizagem sobre estas questões de natureza intangível mas

determinante nesta fase de desenvolvimento. Conforme refere o Relatório “Fatores de

Crescimento” (pg. 17), a Madeira em particular (e as RUPs em geral) exibiram até

recentemente um “percurso de recuperação sustentável relativamente à metrópole

portuguesa com uma elevada taxa de crescimento (PIB e PIB per capita), bom

desempenho económico e uma taxa de desemprego relativamente baixa”. A crise

económica em curso oferece a oportunidade única de iniciar a migração completa para o

cenário da legitimação e/ou sucesso baseado na Aprendizagem a Adoção Entusiástica

do Modelo Europeu. Contudo, dada a multiplicidade de responsabilidades acometidas

às RUPs, parece existirem razões para as Instituições Comunitárias ajudarem as regiões

em causa.

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